texto 1_pobreza e exclusão

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25 Econômica, v. 4, n. 1, p. 25-59, junho 2002 - Impressa em outubro 2003 Pobreza e exclusªo: traduçıes regionais de duas categorias da prÆtica* Lena Lavinas ** Este artigo discute a trajetória de construçªo de duas categorias da prÆtica, pobre- za e exclusªo social, estabelecendo um paralelo entre o debate europeu e aquele em voga nos países do Cone Sul. Nesse exercício de sistematizaçªo, destacamos a relevância crescente das esferas locais de governo no enfrentamento da questªo social, posto que a pobreza e a exclusªo social desafiam a governabilidade urbana, exigindo formas de regulaçªo mais eficazes. Palavras-chave Pobreza urbana. Exclusªo social. Uniªo EuropØia. AmØrica Latina. This paper aims at contextualising two concepts poverty and social exclusion by comparing their conceptual trajectories within the contemporary debate in Europe as well as in some Latin American countries. In so doing, we point out the growing relevance of local governments in addressing social issues, and regu- lating poverty and social exclusion. These roles are major challenges for urban governance and governability, requiring the development of more efficient forms of local institutional regulation. Key words Urban poverty. Social exclusion. European Union. Latin America. Introduçªo A pobreza institui-se como questªo social, tanto na Europa quanto na AmØrica Latina, apesar de evidente defasagem no tempo, concomitantemente ao surgimento das grandes cidades, quando as condi- çıes extremamente precÆrias das populaçıes recØm-chegadas do campo * Queremos expressar nossos agradecimentos à Rede URB-AL 10 e à Secretaria de Rela- çıes Internacionais da Prefeitura de Sªo Paulo por terem autorizado a publicaçªo de parte de um dos capítulos do artigo intitulado Pobreza, Desigualdade e Exclusªo: contextos atuais (LAVINAS, 2003), de nossa autoria, elaborado como Documento de Base para o SeminÆrio Internacional da URB-AL 10, realizado na cidade de Sªo Paulo de 14 a 17 de abril de 2003. ** Professora do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) da UFRJ. E-mail: [email protected].

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    Lena Lavinas

    Econmica, v. 4, n. 1, p. 25-59, junho 2002 - Impressa em outubro 2003

    Pobreza e excluso: tradues regionais deduas categorias da prtica*

    Lena Lavinas* *

    Este artigo discute a trajetria de construo de duas categorias da prtica, pobre-za e excluso social, estabelecendo um paralelo entre o debate europeu e aqueleem voga nos pases do Cone Sul. Nesse exerccio de sistematizao, destacamos arelevncia crescente das esferas locais de governo no enfrentamento da questosocial, posto que a pobreza e a excluso social desafiam a governabilidade urbana,exigindo formas de regulao mais eficazes.

    Palavras-chave Pobreza urbana. Excluso social. Unio Europia. AmricaLatina.

    This paper aims at contextualising two concepts poverty and social exclusion by comparing their conceptual trajectories within the contemporary debate inEurope as well as in some Latin American countries. In so doing, we point outthe growing relevance of local governments in addressing social issues, and regu-lating poverty and social exclusion. These roles are major challenges for urbangovernance and governability, requiring the development of more efficient formsof local institutional regulation.

    Key words Urban poverty. Social exclusion. European Union. Latin America.

    IntroduoA pobreza institui-se como questo social, tanto na Europa quanto

    na Amrica Latina, apesar de evidente defasagem no tempo,concomitantemente ao surgimento das grandes cidades, quando as condi-es extremamente precrias das populaes recm-chegadas do campo

    * Queremos expressar nossos agradecimentos Rede URB-AL 10 e Secretaria de Rela-es Internacionais da Prefeitura de So Paulo por terem autorizado a publicao departe de um dos captulos do artigo intitulado Pobreza, Desigualdade e Excluso: contextosatuais (LAVINAS, 2003), de nossa autoria, elaborado como Documento de Base para oSeminrio Internacional da URB-AL 10, realizado na cidade de So Paulo de 14 a 17 deabril de 2003.

    ** Professora do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) daUFRJ. E-mail: [email protected].

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    inspiravam preocupao e receio, suscitando intervenes do setor pblicoem prol da instituio de uma nova ordem social. Ela institui-se, portanto,ao demandar meios para uma regulao eficaz. A moderna sociedade capi-talista em gestao necessitava imperiosamente integrar o proletariado eforjar a classe trabalhadora. O primeiro conflito derivado da necessidadede integrao se d na disputa pela apropriao do espao urbano, na lutapela moradia e pelo controle dos novos locus de produo. Por isso mesmo,a pobreza, enquanto questo, nasce com o selo urbano.

    Mapear o contexto em que evolui esse fenmeno por mais de umsculo implica, portanto, identificar suas formas de representao, as dife-rentes temticas que deram a tnica ao debate, polarizaram alternativas aoseu enfrentamento, orientaram a ao pblica com vistas a regular a pobre-za e reconfiguraram recorrentemente as polticas e estratgias voltadas paraa sua superao.

    Abordamos a pobreza neste artigo como um fato eminentementeurbano, no apenas porque a maioria dos pobres vive, hoje, nas cidades ezonas metropolitanas, mas porque a reproduo da pobreza mediadapela reproduo do modo urbano das condies de vida, atravs da din-mica do mercado de trabalho, da natureza do sistema de proteo social edo pacto de coeso social que , na verdade, o que estrutura o conjunto derelaes e interaes entre a sociedade civil, o Estado e o mercado. Semescamotear a pertinncia das crticas de VEIGA (2001) acerca de um poss-vel sobredimensionamento do que espao urbano no Brasil, a pobrezano campo e nas reas rurais reflete urbanidade ao ser mensurada e estima-da1 . A reproduo autrcica, que se pensava garantida no mbito das relaesde auto-subsistncia, sem mediao do mercado, subsumida e este, en-quanto plo dominante2 , vai reiteradamente subverter e destruir talpossibilidade, fazendo do rural e do agrcola mais uma forma de classifica-o espacial do que uma espacialidade singular porque no mercantil das relaes sociais.

    O carter urbano da pobreza torna-se ainda mais visvel na medidaem que esta vem desafiar a governabilidade urbana, exigindo dos governoslocais solues rpidas e efetivas, inscrevendo no territrio da cidade mar-cas indelveis das contradies sociais que a reconfiguram erecontextualizam a cada momento. A pobreza urbana porque cada vez

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    mais as formas de regulao de pobreza so mediadas por compromissosinstitudos no processo de construo da cidadania urbana.

    Isso se tornou ainda mais evidente medida que a pobreza cedeulugar, nas dcadas mais recentes, excluso. Falar de excluso social to-mar um registro mais amplo que o da carncia ou do dficit de renda parainformar o debate da pobreza. transitar do universo restrito do no aten-dimento das necessidades bsicas e vitais para o espao da eqidade, daemancipao e do pertencimento. Falar de gesto urbana hoje falar daconstruo da cidadania, e isso vem produzindo um deslocamento do es-pao institucional da questo social da pobreza, que deixa o eixo do Estadoe migra para as esferas locais de governo. Uma nova alteridade social emer-ge. Os atores so aqueles presentes nas arenas do cotidiano urbano, ondese define, com base na histria, na cultura, nas relaes econmicas domi-nantes e na forma de insero no mundo global, nos padres de sociabilidadeexistentes em cada localidade, o campo de possibilidades para estabelecerconvenes capazes de vencer a pobreza.

    Ao longo do sculo XX, o combate contra a pobreza na Europaera atribuio do Estado, do Estado do Bem-estar, capaz de redistribuir fosse ele federal ou unitrio e independentemente do seu modelo de funci-onamento (ESPING-ANDERSEN, 1990) os frutos da prosperidade econmica,oferecendo proteo nos momentos de crise e instabilidade que ocasional-mente ameaavam a integridade fsica, a segurana e o bem-estar dosindivduos. A crise desses modelos coloca na ordem do dia a adoo deuma nova arquitetura do edifcio da proteo social. Na viso de ESPING-ANDERSEN (2002), o redesenho dos sistemas europeus nacionais de welfaretalvez desge numa estratgia europia comum. Enquanto tal dilema aguar-da resoluo, indiscutvel que as estratgias de combate pobreza e,sobretudo, contra a excluso, so, crescentemente, de responsabilidade dosgovernos locais, das cidades, levando ao surgimento de regimes locais deregulao da pobreza (veja MINGIONE e OBERTI, 2002), atravs daimplementao de programas diversificados, focalizados, desenhados paracada tipo de situao. Nesse processo, a prpria pobreza que redefinidaconceitualmente e na sua expresso. Novos riscos sociais, antes ignorados,passam a ser considerados, remodelando o arsenal convencional dos siste-mas de proteo social. Uma novidade interessante a multiplicao das

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    redes urbanas3 que passam a federar iniciativas locais empreendidas pelascidades europias e a integr-las no framework da governana urbana.

    A trajetria latino-americana distinta, pois o Estado do Bem-estar,inconcluso e imperfeito, amputado da sua vocao universalista, salvoalgumas excees4 , deixou nas mos dos trabalhadores, a quem foi negadatal condio formal, o enfrentamento da pobreza per se. A pobreza eraregulada na esfera privada e as estratgias para combat-la, estratgias desobrevivncia, uma criao original dos trabalhadores pobres, excludos emarginalizados, sem direito cidadania regulada5 . As camadas pobres dapopulao s recentemente se tornam protocidads reivindicando proteosocial, qualquer que seja sua forma de insero social via participao nomercado de trabalho. Na Amrica Latina distintos modelos de welfareinacabados convivem, e muitas vezes tal convivncia se d dentro dasfronteiras de um mesmo pas (POCHMANN, 2002, p. 74). Em meio aoesgotamento do pacto corporativo, crise fiscal e aos processos dedescentralizao que devolveram s esferas subnacionais competncias nocampo das polticas assistencialistas, as cidades assumem funes que demuito ultrapassam seus meios, mas que lhes so impostas pela prpriadinmica social e pelo jogo da representao poltica. Se, ao longo do tempo,a pobreza era um dos componentes da questo urbana, na virada do sculoXIX para o XX ela ganha centralidade. Dada sua magnitude, dada asobrevivncia de prticas predatrias que tradicionalmente regularam adistribuio dos benefcios (IVO, 2001), espera-se que as cidades, enquantoespaos pblicos democrticos que se consolidam medida que se consolidaa prpria cidadania, mostrem-se capazes de equacionar a questo da pobreza,promovendo eqidade, emancipao e integrao social.

    Tais atribuies redefinem a relao entre governo local e o Estadona Amrica Latina, tradicionalmente marcada por elos clientelistas e forte-mente verticalizados. Diante da urgncia em colmatar o fosso de cidadaniaque ope seus cidados, e que s faz agravar fenmenos de segregao eauto-segregao, de degradao ambiental, de incivilidade urbana, de inse-gurana pblica, as cidades e os governos locais tornam-se,progressivamente, laboratrios de experimentao social. O enfoque dosprojetos multissetoriais integrados6 passa a dar a tnica no enfrentamentode tantos e tamanhos dficits para promover a sade, no basta construir

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    um posto de atendimento, deve-se tambm tratar da gua, do esgoto, dolixo, da alimentao, do meio ambiente, da moradia e da educao(AZEREDO e DUNCAN, 2002). Parcerias financeiras entre distintas esferas degoverno, convnios com organizaes comunitrias, ONG e fundaesprivadas promovem aes coordenadas que visam desenvolver e fortalecerredes locais de interveno e proteo social. Essa tendncia descentralizao, ampliada e consolidada na dcada passada, tanto em m-bito europeu como na Amrica Latina, tem como um de seus vetores aadoo, implementao e execuo de polticas e programas de combate pobreza e contra a excluso.

    Conceituao da pobrezaNa acepo mais imediata e generalizada, pobreza significa falta de

    renda ou pouca renda7 . Uma definio mais criteriosa vai definir pobrezacomo um estado de carncia, de privao, que pode colocar em risco aprpria condio humana. Ser pobre ter, portanto, sua humanidadeameaada, seja pela no satisfao de necessidades bsicas (fisiolgicas eoutras), seja pela incapacidade de mobilizar esforos e meios em prol dasatisfao de tais necessidades. O fato pobreza, qualquer que seja seugrau ou definio, sempre assimilado ao problema da pobreza, seja noplano ideolgico e moral, seja no plano poltico e econmico (DESTREMEAUe SALAMA, 2002, p. 108).

    Segundo MAX-NEEF, ELIZALDE E HOPENHAYAN (1986), as necessi-dades humanas constituem um sistema inter-relacionado e interativo,composto por dois grandes grupos: (i) as necessidades existenciais que di-zem respeito ao ser, ao ter, ao fazer e ao interagir; e (ii) as necessidadesaxiolgicas, que tratam da subsistncia, da proteo, do afeto, da compre-enso, da participao, da criao, do cio, da identidade e da liberdade.Esse sistema dispensa uma hierarquizao ou a dicotomia entre o que fundamental e o que no , pois todas essas necessidades mostram-seessenciais e devem ser garantidas em quantidade suficiente.

    Tal concepo questiona a caracterizao da pobreza vigente des-de a primeira metade do sculo XIX na Inglaterra, assentada num elencohierarquizado de prioridades, a comear pelo direito subsistncia. Comobem identifica TOWNSEND (1993), a vertente nutricionista8 , na busca de

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    elementos que possam definir o que pobreza, vai estabelecer que pobre todo aquele que no se beneficia de um padro de subsistncia mnimo,baseado na ingesto diria de um requerimento calrico dado. Portanto,inicialmente, pobreza e fome so quase sinnimos e se confundem na iden-tificao de quem pobre. Nesse enfoque, as necessidades humanasaparecem limitadas s necessidades da sobrevivncia fsica comer, vestir-se desconsiderando o social. Esse ainda hoje o enfoque que prevalecena definio da pobreza absoluta ou da indigncia: um padro de vida aqumdo que exigido para assegurar a mera subsistncia ou sobrevivncia.

    Em resposta aos contornos limitados dessa formulao da pobre-za, surge uma nova categoria, a das necessidades bsicas9 , que d lugar, porsua vez, a um novo debate acerca do que significam necessidades oucarncias, e do seu escopo (bsicas). Ela introduz um entendimentodistinto da pobreza, como um fenmeno de carter relativo [relativedeprivation] (TOWNSEND, 1993, p. 33), e, por isso mesmo, transnacional, ouseja, a pobreza passa a se situar no tempo, considerando a estrutura soci-al e institucional vigente, no sendo expressa apenas em funo do nvel derenda relativamente baixo disponvel (Idem, p.35). Para Townsend, aspessoas so relativamente pobres se no puderem usufruir, plenamente ousuficientemente, de condies de vida isto , dietas, amenidades, padrese servios que lhes permitam atuar, participar e comportar-se tal comoseria esperado, na qualidade de membros que so de uma sociedade (Idem,p. 36).

    A problematizao da pobreza enquanto questo social se cons-tri, progressivamente, em torno definio do que so necessidades.Segundo Townsend:

    necessidades bsicas incluem um requerimento mnimo por fa-mlia no plano do consumo privado: alimentao adequada,vesturio, bem como alguns mveis e equipamentos para o do-miclio. Em segundo lugar, inclui servios essenciais ofertadospara e pela comunidade num sentido amplo, tais como gua po-tvel, saneamento, transporte pblico, sade, educao e serviosculturais [] O conceito de necessidades bsicas deve se inscre-ver no contexto do grau de desenvolvimento econmico e socialda nao como um todo.(OIT, 1976 apud TOWNSEND, 1993)

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    Necessidades so, portanto, uma conveno sujeita a evoluo.Como, ento, interpretar necessidades, interroga GOUGH (2000), senotomando-a como uma categoria que se refere a objetivos universais, emoposio a vontades ou desejos, estes entendidos como objetivos enuncia-dos com base em preferncias individuais e culturais? Na tentativa dereelaborar a definio tradicional de necessidades bsicas, tal como vei-culada na dcada de 1970 (TOWNSEND, 1993, p. 36), notadamente pelasgrandes organizaes internacionais engajadas no combate pobreza,Gough aponta que a universalidade e a objetividade do conceito residemna compreenso de que, se no forem satisfeitas, as carncias podem cau-sar srios danos ao ser humano, comprometendo sua trajetria de vida.Da caracterizar necessidades bsicas como todo pr-requisito de cunhouniversalista indispensvel participao dos indivduos no desenrolar dasua prpria existncia. So necessidades bsicas, cujo quantum deve sersempre o timo, sade10 e autonomia. Sem sade, no h como asseguraruma participao social plena e conseqente. Sem autonomia para agir, asescolhas sobre o que fazer e como fazer tornam-se escassas e impossibili-tam atingir metas e objetivos ao longo da vida. Segundo Gough, as polticassociais no so apenas o instrumento adequado para suprir tais necessida-des bsicas, em caso de deficincia, mas um dever moral que preside criao de um arcabouo institucional voltado para esse fim, qual seja, umsistema de proteo social pblico e universal [the welfare state].

    A viso de Amartya SEN (1992) corrobora a compreenso de queto importante quanto ter suas necessidades bsicas atendidas dispor decondies meios para funcionar ou funcionamentos [functionnings]11 e umconjunto de capacidades12 ou habilidades [capability set] que permitamobter a satisfao de tais necessidades. Partindo desse pressuposto, SEN(1992) contesta a abordagem da insuficincia de renda (consumada naadoo de linhas de pobreza), preferindo a ela a da inadequao, j que omontante ou patamar em questo vai forosamente variar em funo dascaractersticas pessoais e de outras circunstncias, tais como o ciclo de vidaou a conjuntura econmica etc. Ao invs de se deter sobre o oramentomonetrio disponvel, Sen valoriza o conjunto de funcionamentos e capa-cidades ao alcance de cada indivduo, conjunto esse que lhe permite escolher

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    livremente o modo de vida de sua preferncia. Tal como Gough d desta-que autonomia, Sen enfatiza a liberdade, um e outro, portanto,distanciando-se de uma abordagem meramente quantitativa do entendi-mento do que so carncias ou dficits.

    Um patamar de renda pode revelar-se inadequado no porque sesitua abaixo de uma linha de pobreza, fixada com base emparmetros exgenos, mas porque est abaixo do que adequa-do para mobilizar um conjunto especfico de capacidades ouhabilidades [capabilities] compatveis com as necessidades de umadeterminada pessoa.(SEN, 1992, p. 111)

    Para Sen, no se pode estimar se os recursos econmicos dispon-veis so adequados ou no sem antes considerar as possibilidades reais deconverter renda e recursos em capacidade de funcionar (agir) (Idem).Sua anlise da pobreza centra-se, assim, na capacidade de mobilizar meiose habilidades para funcionar ou agir, ao invs de se interessar exclusiva-mente nos resultados obtidos atravs de tal mobilizao. A pobreza deixade ser um estado de ausncia de bem-estar para ser interpretada como adestituio de habilidades e meios de agir de modo a alcanar esse estadode bem-estar. Nessa leitura, a pobreza entendida como falta de capacida-des [capabilities] bsicas ou capacidade de auto-alavancagem para alcanarnveis minimamente aceitveis de qualidade de vida. O foco do estudo dapobreza volta-se, assim, na perspectiva de Sen, para sua gnese e formas demanifestao dominantes, tendo como pano de fundo a dimensoemancipatria desses processos.

    Um enfoque distinto, numa linha precocemente institucionalista,nos vem de SIMMEL (1998), que muitos autores13 designam como o funda-dor, no incio do sculo XX, da sociologia da pobreza. Para ele, pobre de facto ou de jure todo aquele que assistido.

    Os pobres, enquanto categoria social, no so aqueles que so-frem de dficits ou privaes especficas, mas os que recebemassistncia ou deveriam receb-la, em conformidade com as re-gras sociais existentes. Por isso mesmo, a pobreza no pode serdefinida como um estado quantitativo em si mesmo, mas to-somente a partir da reao social que resulta dessa situaoespecfica.(SIMMEL, 1998, p. 96).

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    Antes de apontar o carter seminal do pensamento simmeliano naformulao de categorias analticas e de metodologias vigentes, especial-mente na segunda metade do sculo XX, para enfrentar o fenmeno dapobreza, cabem trs observaes sobre sua definio do que ser pobre.

    A primeira derivada da compreenso de que a pobreza umaconstruo social, pois enunciada como uma categoria especfica, queresponde a critrios de identificao. Por isso mesmo, tratar da pobrezaimplica automaticamente discutir mtodos e formas de identific-la, analis-la, medi-la ou estim-la. Constata-se, aqui, uma convergncia evidente entreSimmel e os primeiros estudiosos engajados nesse processo de identifica-o (economistas e estatsticos ingleses14 ) que, atravs de pesquisas deoramento familiar junto s camadas pobres, tentaram estabelecer umadefinio substantiva desse fenmeno social (PAUGAM e SCHULTHEIS, 1998),contribuindo posteriormente para o debate acerca dos padres mnimosde subsistncia, fossem eles expressos como salrio minimamente necess-rio reproduo da fora de trabalho ou como benefcio capaz de garantirtal sobrevivncia, sempre que a renda do trabalho era inexistente ou insu-ficiente. Simmel caracteriza o pobre como aquele que no tem meios deatender s necessidades impostas pela natureza, quais sejam alimentao,vesturio e moradia. Tais necessidades fazem parte do mnimo vital, queir variar em funo do grau de desenvolvimento e do nvel de riqueza deuma dada comunidade ou sociedade. Isso sugere que, na compreenso deSimmel, a pobreza sempre um estado relativo.

    A segunda observao diz respeito noo relacional implcita nadefinio de Simmel, pois a pobreza, ao pressupor uma reao da socie-dade, expressa a existncia de uma relao de interdependncia, a existnciade vnculos, entre aqueles designados como pobres e os demais. Logo, ospobres no so aqueles que se encontram excludos da sociedade ou suamargem, mas os que, fazendo parte desse todo orgnico, so contempla-dos por medidas assistenciais. Nesse sentido, dar assistncia ao pobre oucombater a pobreza aparece como um fator de equilbrio e de coeso soci-al, que atua em prol da comunidade como um todo. Em lugar de se constituirnum fator contra o risco (seguro), a assistncia entendida como um me-canismo de proteo da sociedade em benefcio prprio (reduo do risco

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    dos no pobres frente aos pobres). Na viso simmeliana, a pobreza deveser combatida em prol da prosperidade pblica.(SIMMEL, 1998, p. 52)15

    Um terceiro aspecto a ser enfatizado refere-se natureza dessa re-lao, mediada por direitos e deveres. um dever da sociedade combater apobreza e um direito dos pobres receber assistncia. Mas esse direito limitado, tal como a responsabilidade social de assistir. Por essa razo, aassistncia, embora se constitua num direito to legtimo como o direito vida, no visa promover a igualdade de oportunidades seno assegurarelos sociais [lien social] uma relao cuja ruptura colocaria em xeque aestrutura social existente. Isso explica por que tradicionalmente as polticasassistenciais de combate pobreza adotam distintos nveis de patamaresmnimos16, onde o que est em jogo a definio tima desse mnimonecessrio manuteno dessa relao em condies aceitveis, pois con-ceder mais do que o mnimo seria tica e moralmente indesejvel, indoalm do que implica o dever de assistir. Por outro lado, no assegurar omnimo poderia ameaar a estrutura social. Direitos e deveres so, assim,regulados, em torno a um mnimo, que varia segundo o modelo de solida-riedade nacional e de harmonia social. Nesse modelo de solidariedade, aassistncia um dever da comunidade e um direito do pobre.

    A definio simmeliana da pobreza, pelo vis da assistncia, oenfoque renovado das necessidades bsicas insatisfeitas e a concepo deSen, segundo a qual ser pobre ter sido destitudo das condies de agirem prol da obteno de um nvel aceitvel de bem-estar, resumem trsimportantes correntes do pensamento contemporneo que buscaramteorizar o tema. Elas nos remetem a conceituaes da pobreza que, noplano terico e operacional, tm orientado o desenho de polticas pblicasvoltadas para o enfrentamento da questo tanto nas democracias europi-as, quanto na Amrica Latina.

    O debate sobre pobreza na Europa e na Amrica Latina:clivagens e paradigmasDa pobreza excluso: mudana de escopo

    Ao periodizar a evoluo das categorias e modelos de tratamentojurdico-poltico do fenmeno social da pobreza na Europa, THOMAS (1999)identifica trs grandes correntes, que vo se suceder pois a cada poca, a

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    classificao reconstruda atravs da conservao dos elementos da anlisedo perodo anterior, reorganizados em torno dos novos [...].(Idem, p. 48)

    Na dcada de 1960, predomina, segundo Thomas, o conceito denecessidades insatisfeitas que pressupe a definio de um padro mnimode condies de vida. A carncia , assim, instituda como direito. Vivemna pobreza absoluta ou na indigncia todos aqueles cujo padro de consu-mo situa-se abaixo do mnimo vital em razo do seu dficit de renda. Osestudos europeus (como os americanos) que se voltam para a identificaodos pobres nessa fase tomam como unidade de observao a famlia ou odomiclio (unidade coerente17 de consumo).

    Para calcular qual a renda adequada em funo do tamanho dasfamlias, estabelece-se uma escala de equivalncias. Como lembra ATKINSON(1996), at meados da dcada de 1990, predominava a escala de Oxfordque definia o adulto chefe de famlia como membro de referncia de umaunidade de consumo (coeficiente 1), os demais adultos como 0,7 unidadede consumo e as crianas com menos de 14 anos, 0,5 unidade de consumo.O oramento familiar necessrio era, portanto, calculado segundo a com-posio familiar, aplicando-se a cada membro um coeficiente de consumo.Para uma famlia de quatro pessoas a escala de equivalncias levava a divi-dir a renda do adulto por 2,7. Em 1997, o INSEE na Frana, seguindo asrecomendaes da OCDE (escala modificada) adotou um novo critrio de1 unidade de consumo para o adulto de referncia, 0,5 para cada adultosuplementar com idade acima de 14 anos e 0,3 para cada criana (GLAUDE,1996, p. 40). O coeficiente cai, assim, para 2,1, levando automaticamente auma reduo do nmero de pobres, notadamente entre as famlias comgrande nmero de dependentes. Um fator que tende a subestimar a pobre-za infantil. As mudanas na composio das famlias ocorrem com grandefreqncia, em razo de mudanas no mercado de trabalho (perodos derecesso ou de expanso), redefinindo o escopo da pobreza. Outro aspec-to a ser considerado a distribuio desigual da renda no interior das famliasou domiclios, que tende a se dar em detrimento das mulheres e dos idosose crianas. Normalmente, considera-se que existe, em teoria, uma distri-buio eqitativa dos recursos entre todos os membros da famlia, o queoculta distintos nveis de pobreza entre sexos e geraes.

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    Na dcada de 1970, o conceito de pobreza relativa passa a figurarcomo medida para identificar qual a posio social do pobre vis--vis aopadro mdio de consumo da populao como um todo. pobre, relativa-mente ao conjunto da populao, quem se situa abaixo desse padro mdiode consumo, no s do ponto de vista do seu dficit de renda mas tambmdo no acesso a bens e servios. Passa-se de uma abordagem centrada ex-clusivamente na renda para um enfoque mais amplo, o da falta de recursos.O hiato ou diferencial que separa o pobre desse padro mediano expressaa intensidade da pobreza, o grau de privao que deve ser suprido, atenu-ado, atravs de polticas e programas compensatrios capazes de assegurar,mediante transferncias, os recursos necessrios a uma vida digna. Sendo ogrupo de pobres um conjunto heterogneo, uns vivendo abaixo do mni-mo vital, outros numa situao talvez menos crtica mas ainda assim bastantedesfavorvel e debilitadora, cabe identificar o hiato que separa cada qualdesse consumo mdio. A pobreza (a intensidade da pobreza) passa a sercalculada com base numa medida de desigualdade.

    Partindo dessa compreenso do fenmeno da pobreza, a CEE pas-sa a considerar como pobre, j em 1976, todos os indivduos e famliascujos recursos, de to escassos, os excluem dos modos de vida, hbitos eatividades normais do Estado onde vivem (THOMAS, 1999, p.26). O mto-do de clculo para identificao de quem pobre estabelecido com basenum indicador de pobreza relativa em que o rendimento mnimo fixadona proporo de 2/3 da renda mediana disponvel. Os indivduos cuja ren-da per capita inferior a tal limite habilitam-se, portanto, a pblico-alvopotencial das polticas assistenciais.

    Quer se busque estimar a pobreza absoluta ou se adote um enfoquerelativo, que trata do grau de desigualdade, a metodologia empregada apia-se na elaborao de linhas de pobreza ou patamares de renda que separamo universo dos pobres dos no-pobres. Portanto, a linha de demarcaoentre esses dois universos se d com base na definio de nveis de carn-cia, estipulados, por sua vez, com base numa interpretao consensual decada sociedade do que seu padro de bem-estar.

    Thomas destaca com propriedade que a conceituao adotada pelaCEE introduz j ao final da dcada de 1970 a categoria dos excludos, em

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    torno da qual vai-se reconfigurar o debate terico e metodolgico sobrepobreza a partir da dcada de 1980. Na verdade, o primeiro a utilizar anoo de excluso social Ren LENOIR (1974), num panfleto contra adesigualdade lanado na Frana18 em 1974. Lenoir desvenda a existnciade vrios tipos de pobres que, embora integrados ao sistema econmico esocial, no conseguem apropriar-se dos frutos do crescimento e das ondasde prosperidade, mantendo-se, por isso mesmo, alheios ao que os cerca noplano socioeconmico. Sua inadequao social se manifesta atravs de umainsero precria, instvel, dbil, que leva anomia, ao sofrimento e aoisolamento, acentuando ainda mais o fenmeno de no pertencimento.Sejam migrantes de primeira, segunda ou terceira gerao, pessoas porta-doras de algum tipo de deficincia fsica ou psquica, desempregados,trabalhadores precrios ou ainda trabalhadores pobres [working poor] namaioria, pessoas pouco qualificadas ou com uma trajetria socioocupacionalfragmentada, vivendo de expedientes ou atividades mal remuneradas e des-valorizadas , grupos vulnerveis, afetados por problemas de desestruturaofamiliar, como famlias monoparentais, pessoas idosas sem proteo social,jovens vtimas de distintos mecanismos de segregao e discriminao etc.

    Assim, na dcada de 1980, surge uma nova categoria umametacategoria, ecumnica e sinttica, no dizer de Thomas , a da exclu-so. Para outros, trata-se mais de um paradigma social do que um verdadeiroconceito sociolgico (PAUGAM, 1999).

    Ao contrrio da pobreza absoluta, que se sustenta em critriosobjetivos, tais como falta de renda, falta de moradia, falta de capital huma-no, falar de excluso implica considerar tambm aspectos subjetivos, quemobilizam sentimentos de rejeio, perda de identidade, falncia dos laoscomunitrios e sociais, resultando numa retrao das redes de sociabilida-de, com quebra dos mecanismos de solidariedade e reciprocidade. A exclusoaparece menos como um estado de carncia do que como um percurso,uma trajetria ao longo da qual, insuficincia de renda e falta de recur-sos diversos somam-se desvantagens acumuladas de forma quase constante,processos de dessocializao ocasionados por rupturas, situaes de des-valorizao social advindas da perda de status social [dclassement social, comoprope Thomas] e da reduo drstica das oportunidades, e onde as chancesde ressocializao tendem a ser decrescentes.

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    Substituir o enfoque da pobreza pelo da excluso significa, portan-to, passar de uma tica de patamares de carncia para um enfoque dinmico,cumulativo e multidimensional onde o que se pretende apreender o quetransforma o risco decorrente da vivncia da insegurana, instabilidade eprecariedade num estado fatal, no qual se cai, sem previso, em rupturacom uma condio social normal, levando perda de visibilidade. O exclu-do no controla seu devenir social (THOMAS, 1999, p. 61). Significa, ainda,incorporar a um fato, um sentimento (DESTREMEAU E SALAMA, 2002, p.6) : a percepo do pobre de si mesmo, esse enfoque subjetivo, torna-seigualmente relevante pois sua capacidade de agir, de funcionar, pode seramputada pela vivncia do estigma e da perda intrnseca do seu valor comoindivduo.

    A excluso, tal como a pobreza, nasce como uma categoria do campoda ao, da interveno, pois, sendo uma categoria identitria, visa designare caracterizar o status social dos indivduos que se situam na parte inferiorda hierarquia social. Ela tem conotao negativa, pois significa m integrao,integrao deficiente, seja pelo lado do sistema produtivo, seja pelo lado dopadro de consumo. A tnica da excluso dada pelo empobrecimentodas relaes sociais e redes de solidariedade. Por essa razo, a noo deexcluso tambm remete ao fracasso.

    Dois autores franceses cunharam, no lastro de Simmel, e em meios transformaes no mercado de trabalho e nas formas de reproduosocial contemporneas, definies que podem ser consideradas side-notionspor serem interpretativas do que se convencionou denominar as novasformas da pobreza, que afetam sobremaneira as classes trabalhadoras.Ambos discutem como se d o deslocamento da questo social e o debatesobre a pobreza, formulando novas categorias que possam dar conta dosprocessos de vulnerabilidade social e precariedade econmica que amea-am a coeso social.

    Um deles Paugam, para quem a pobreza no apenas o estadode uma pessoa que carece de bens materiais, mas corresponde tambm aum status social especfico, inferior e desvalorizado, que marca profunda-mente a identidade daqueles que a vivenciam (PAUGAM, 1991, p. 13). Essaperda de status social [disqualification sociale]19 reflete o estigma hoje associa-do a todas as populaes que se encontram em situao de grande

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    precariedade socioeconmica, e que constituem os novos pobres: umacategoria instvel, flutuante, relativa e arbitrria, cujo denominador comum menos a falta de renda do que a marca do fracasso social e da degradaomoral (PAUGAM, 1991, p. 16) que lhe consecutiva. Na acepo de Paugam,tal descrdito no resulta diretamente da pobreza, mas da aceitao, porparte dos pobres ou populaes em situao de risco, de um status socialdesvalorizado o de cliente potencial das polticas e programas de assis-tncia. Os processos de identificao, elegibilidade, habilitao queconsubstanciam e legitimam o direito assistncia so designados comoparte do cerimonial de degradao do status social da populao carente. Ser assisti-do ser estigmatizado e, por isso mesmo, excludo.

    Na viso de CASTEL (1995), em lugar da excluso, o mais pertinente referir-se a processos de desfiliao social [dsafiliation sociale] que sereferem igualmente perda de status, com desvalorizao do indivduo,pela ruptura dos elos de filiao institucional decorrentes da crise na soci-edade salarial. Antes os atores sociais eram subordinados e dependentes,salienta Castel, embora integrados, agora so populaes mantidas mar-gem (Idem, p. 29). Tais processos expressam, atravs da perda do emprego,da crescente precarizao das relaes contratuais, de uma vivncia reitera-da da instabilidade econmica e da progressiva inadequao dos sistemasde proteo social, a perda de uma identidade produtiva20 e social que isolao indivduo (o desfilia) levando ruptura dos laos de solidariedade. Esseestado de inexistncia social explicita um dos contedos da nova pobre-za, onde populaes so invalidadas pela conjuntura e rechaadas para aperiferia da estrutura social.

    Por fim, cabe assinalar a designao do Observatrio Europeu dasPolticas Nacionais de Luta contra a Excluso, que, juntamente com algu-mas ONGs e uma adeso de peso, a da Frana21 , interpreta excluso socialcomo a negao dos direitos fundamentais (FRANCE, 2001). No debate fran-cs, como vimos, prevalece em enfoque centrado em questes de identidade,classe, marginalizao, ruptura e vulnerabilidade.

    O Conselho da Europa adota em 1994 a seguinte definio: soexcludos os grupos de pessoas que se encontram parcialmente ou inte-gralmente fora do campo de aplicao efetiva dos direitos humanos

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    (STROBEL, 1996 apud DESTREMEAU e SALAMA, 2002). Aqui excluso o avessoda cidadania22 .

    Interessante observar, apoiados na reflexo de VLEMINCKX eBERGHMAN (2001), que embora a noo de excluso tenha sido cunhada edisseminada a partir de uma categoria derivada da realidade francesa, emreferncia aos excludos do crescimento, o entendimento anglo-saxo deque excluso remete dimenso de individualidade e ao debate sobre cida-dania, participao e parceria (abordagem multidimensional) prevalece nadefinio adotada pela Unio Europia, refletindo-se tambm na recomen-dao de que sejam criados Observatrios Nacionais de Combate Pobrezae contra a Excluso, com base em metas e objetivos nacionais. Comfreqncia, falar de excluso social remete ao conceito de cidadania (dife-rentes cidadanias: direitos civis ou associados a vrias expresses de liberdadeindividual; direitos polticos, relativos s oportunidades de participao nosistema poltico; e direitos sociais ou o direito a uma mdica o que noquer dizer mnima poro de bem-estar econmico e segurana a sercompartilhada no lastro de uma herana social e vida de um ser civilizadosegundo os padres prevalentes na sociedade) mencionado por MARSHALL(1964)23. A conjugao desses distintos tipos de direitos torna os indiv-duos mais iguais no interior de uma dada sociedade pois produz umsentimento de pertencimento enquanto membro de uma comunidade for-jado com base na lealdade a uma civilizao (valores, N.A.) compartilhadapor todos (Idem).

    Excluso, marginalidade e pobreza: os caminhos dacidadania urbana

    Na Amrica Latina, a evoluo das categorias pobreza e exclusoparece ter seguido uma trajetria inversa descrita por Thomas24.

    Ao percorrer algumas dcadas de produo sociolgica com o in-tuito de sistematizar as diferentes formas de representao da pobreza eseus sujeitos, no contexto de forte mutao da sociedade urbana brasileira,Lcia VALLADARES (1991) identifica, sinteticamente, trs grandes perodos,sendo que a cada um deles vai corresponder uma forma de insero espa-cial da populao pobre no tecido urbano. Na verdade, moradia e mercadode trabalho constituem-se nas duas categorias referenciais na conceituao

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    da pobreza, ou seja, insero espacial e insero ocupacional se combinamcomo as duas faces indissociveis do fenmeno da pobreza na modernasociedade urbano-metropolitano brasileira.

    A primeira fase remonta virada do sculo XIX-XX, quando opobre, morador dos cortios ou vivendo na rua, era associado ao vadio,quele que se recusava a trabalhar, que permanecia fora do universo fa-bril, pobreza sendo, portanto, sinnimo de resistncia ao assalariamento.Embora fortemente ideologizada, essa concepo do pobre reveladorado seu no-lugar no mundo do trabalho, pois toda insero produtiva forados marcos da relao predominante do novo mundo de produo capita-lista implica excluso. Ser pobre , assim, praticamente auto-excluir-se dopadro dominante de incluso, como se fosse dado a todos tal escolha.Identificamos aqui uma das dimenses inerentes noo de excluso, qualseja, o no-pertencimento.

    A segunda fase j adentra as dcadas de 1950 e 1960, quando apobreza, enquanto questo social, ressurge na massa dos excludos, dosmarginalizados, colocados na periferia do sistema econmico, com o direi-to de participao restrito, quando muito, situao do subemprego(VALLADARES, 1991, p. 98). A autora retoma a contribuio de KOWARICK(1975) para recordar que nesse momento a marginalidade reconhecidacomo inerente ao sistema capitalista e, sobretudo, s sociedades dependen-tes que, ao adotarem o modelo da substituio de importaes, do lugar constituio de um mercado de trabalho dual, formado por dois setoresindependentes. A pobreza retratada pela expanso dos excedentespopulacionais, pelos grupos marginais que no encontram trabalho no setorformal e moderno da economia e que costumam viver nas favelas. Denovo, a pobreza entendida como uma forma de excluso: no pertencer nova classe trabalhadora portadora do projeto de modernidade social. Ainsuficincia de renda ou o no-atendimento das necessidades bsicas dois mtodos de contabilizar os pobres no se constituem, de imediato,no fator de identificao e delimitao da pobreza, ao contrrio, portanto,do que ocorre na Inglaterra da primeira metade do sculo XIX, onde ospobres passam a ser codificados, segundo metodologia de Rowntree, comoos grupos que no se beneficiam de um padro de subsistncia mnimo.De alguma maneira, a categoria pobreza se constri com base numa discri-

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    minao no pertencer , portanto num registro estigmatizante, em lugarde se forjar a partir da constatao da carncia de renda e recursos quedevem ser assegurados como direito cidado.

    Duas idias-fora marginalidade e dualidade , intimamente ligadas dinmica do mercado de trabalho nas sociedades perifricas dependentes,vo, assim, informar o debate sobre pobreza no Brasil e tambm na AmricaLatina, sob a influncia do pensamento cepalino (uma industrializao tardiae fortemente excludente, marginalizadora, como props a teoria dadependncia). Tal matriz vai permanecer at meados da dcada de 70. Nela,os pobres so aqueles que permanecem no mercado informal, ondepredominam os setores tradicionais e atrasados, margem do setor modernoda economia e que, por isso mesmo, no conseguem romper com a culturada pobreza e adotar os novos valores urbanos-industriais das sociedadescapitalistas desenvolvidas.

    A obra hoje clssica de Francisco de OLIVEIRA (1975), EconomiaBrasileira: Crtica Razo Dualista, vem esclarecer o equvoco dessa interpre-tao, ao demonstrar que a excluso no era dada pela forma inadequada,disfuncional da integrao produtiva dos trabalhadores, mas pela sua ex-cluso dos ganhos da produo, dos frutos do crescimento econmico:[] a expanso capitalista da economia brasileira aprofundou no ps-64a excluso que j era uma caracterstica que vinha se firmando sobre asoutras e, mais que isso, tornou a excluso um elemento vital de seu dina-mismo (Idem, p. 69). A excluso aparece, assim, como estruturalmenteinerente construo das sociedades latino-americanas, ao contrrio doque ocorre nos EUA e na Europa, onde o compromisso fordista garantiuo acesso da classe trabalhadora a nveis de bem-estar compatveis com ograu de desenvolvimento econmico da sociedade. Como Oliveira, CASTELLS(1971) tambm reconhece que ideolgico denominar marginalidade oque, de fato, reflete uma situao de tenso entre duas estruturas sociaisque se interpenetram. [] Essa forma de articulao um trao caracters-tico, e no uma patologia na Amrica Latina.

    Constatamos, assim, que enquanto nos pases avanados a exclusofaz sua apario em meados da dcada de 1970, com a desfiliao dos traba-lhadores, o desemprego de longo prazo e o crescimento da categoria dosnovos pobres trabalhadores destitudos de uma identidade e empobreci-

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    dos, que necessitam ser assistidos , na Amrica Latina, e no Brasil em parti-cular, o padro excludente constitutivo do modelo de acumulao, em todasas suas fases e no apenas por fora da flexibilizao e globalizao dos mer-cados. Esse o padro da desigualdade extrema, entendida como exclusode um contingente expressivo da classe trabalhadora, a quem negada cida-dania econmica e social. A pobreza conseqncia da excluso.

    Essa nova compreenso dos determinantes da pobreza leva a quena segunda metade da dcada de 70, e ao longo da dcada seguinte, apobreza passe a ser entendida no como reflexo da excluso do mercadode trabalho, porm como expresso de um certo tipo de vnculo, de umainsero precria, dbil, instvel, qualificativos semelhantes em gnero,nmero e grau aos empregados por Lenoir para descrever o fenmeno danova pobreza no caso francs. Nessa terceira fase, segundo periodizaode Valladares, o pobre se transforma no trabalhador cuja renda no lhepermite viver dignamente, cujo status de trabalhador constantemente ques-tionado. OLIVEIRA (1975) fala do elo perdido o que Lenoir traduziu portrajetrias fragmentadas e Fassin, por espao social descontnuo ,isto , do vnculo inacabado na construo de uma identidade de classe,em razo da transio entre emprego formal e informal, da entrada e sadado mercado de trabalho. Rupturas que traduzem os agouros de uma cida-dania constantemente interrompida.

    Novamente, fica evidente que excluso e pobreza se constituem,no quadro latino-americano, como duas categorias intimamente associadase recorrentemente presentes, embora distintas. Neste momento, exclusopassa a exprimir no o estar fora, mas o no estar legtima e plenamenteintegrado. A excluso o oposto da integrao social, ela mesma dada pordois eixos: insero profissional e insero nas redes de sociabilidade ereciprocidade. Segundo VALLADARES (1991, p. 105) na abordagem do setorinformal, a referncia bsica no mais o subemprego. Acredita-se que,bem ou mal, o dinamismo do mercado informal25 absorve populao dei-xando poucos de fora. A tendncia mais de incluir do que de excluirindivduos e famlias, muito embora o grau de absoro possa variar e gerarbaixos rendimentos.

    O trabalho de PASTORE et alii (1983)26 vem comprovarempiricamente a reflexo terica crtica de OLIVEIRA (1975) sobre a sociedade

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    dual: a pobreza incide maciamente sobre a classe trabalhadora, inclusivesobre os trabalhadores do setor formal. Em 1980, dos 4,4 milhes defamlias classificadas como miserveis, 3,2 milhes tinham todos os seusmembros incorporados ao mercado de trabalho (VALLADARES, 1991 apudPASTORE, 1983, p. 106).

    A contagem dos pobres revela uma inflexo importante no debatesobre a pobreza na Amrica Latina, at ento excessivamente marcado peloparadigma da marginalidade. De fato, a abordagem da pobreza seinstrumentaliza de mtodos para calcular e classificar os gruposdesfavorecidos. Contam-se os pobres, os miserveis, graas adoo demetodologias propagadas pelos organismos internacionais, desde fins dadcada de 60, empenhados na divulgao de formas de estimao do fen-meno, entre elas as linhas de pobreza. Pobreza torna-se sinnimo de carncia,lembra Valladares, e em lugar de pobre consagra-se a expresso popula-o de baixa renda. Isso vai permitir identificar e classificar os pobrescom o intuito de focalizar a ao social do governo no combate pobreza.Isso sugere que a regulao estatal da pobreza muda de eixo, o discurso daexcluso cedendo mais lugar ao da pobreza. Os pobres no so mais des-critos como vadios ou tampouco marginais, mas trabalhadores expropriadosdos frutos do desenvolvimento econmico e do bem-estar social. A pobre-za o retrato da desigualdade, e as periferias das grandes cidades, a expressoda segregao cotidianamente imposta.

    Parece-nos interessante ressaltar aqui que, embora num registrodistinto do que d origem na Europa e nos Estados Unidos figura dosnovos pobres ou working poors, respectivamente, vemos surgir no Bra-sil, mesma poca, a categoria trabalhadores pobres, no como resultadode mudanas na organizao do mercado de trabalho ou nainstitucionalidade da poltica social, tal como ocorre na Europa e nos EUAsob o impacto da globalizao, seno como evidncia incontestvel eincontornvel do padro de desigualdade que presidiu expanso da soci-edade capitalista no sculo XX no continente latino-americano.

    Por isso mesmo, ZICCARDI (2001)27 tem razo ao afirmar que, naAmrica Latina, a excluso social no um fenmeno das ltimas dcadas,mas uma situao imposta grande maioria da populao trabalhadora,que s fez ampliar-se e agravar-se na dcada de 1990 com a primazia das

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    polticas de corte neoliberal. O direito ao trabalho, embora reconhecidonas constituies republicanas, jamais foi garantido a todos os cidados, omesmo acontecendo com o acesso a outros bens bsicos (Idem). ComoValladares fez para o Brasil, Ziccardi cita nmeros da CEPAL comprovandoque uma proporo elevada dos pobres trabalha e que, dentre os pobresocupados, boa parte est vinculada ao setor formal da economia, emprega-da seja no setor privado, seja no setor pblico. Ou seja, no so pobresapenas os trabalhadores do setor informal, autnomos ou assalariados no-declarados. A pobreza na Amrica Latina resultado da desigualdadeextrema imposta via mercado de trabalho, atravs de empregos pouco qua-lificados e, sobretudo, de nveis salariais extremamente baixos, institudosaqum dos patamares de subsistncia. Com a deteriorao das condiesde emprego na dcada de 1990, observa-se uma queda significativa dossalrios, notadamente na segunda metade da dcada, ainda que algumasbolhas de recuperao tenham sido registradas aqui e ali, como resultadoda vitria sobre a inflao. E embora a pobreza tenha diminudo por issomesmo, de modo geral agravou-se a desigualdade.

    Enquanto a problemtica do trabalho precrio, na Europa, e do lowwage jobs, nos Estados Unidos, por exemplo, pode ser associada s transfor-maes decorrentes do processo de globalizao da atividade produtiva,provocando deslocamentos que impuseram uma diminuio significativados rendimentos do trabalho, decorrente da flexibilizao e degradao departe considervel dos postos de trabalho, como alternativa ao desempre-go, na Amrica Latina o trabalho sempre foi flexibilizado, mal remuneradoe desqualificado para a grande maioria da classe trabalhadora, engendran-do, assim, pobreza. Nos Estados Unidos, programas assistenciais como oEITC (Earned-Income Tax Credit) foram criados justamente para com-plementar a renda dos trabalhadores pobres, mantendo o incentivo aotrabalho. Na Europa, os benefcios universais, de carter redistributivo, vi-sando o apoio s famlias, s crianas, fomentando o bem-estar em geral(subsdio moradia, transporte, minima sociaux) suplementavam, da mesmamaneira, s que de forma legtima e regular, sem descontinuidade, pisossalariais deficientes, combatendo a pobreza. Na Amrica Latina, entretan-to, o combate pobreza jamais foi foco de ateno prioritria no mbito

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    das polticas sociais e muito menos justificativa para a adoo de mecanis-mos redistributivos de proteo aos grupos destitudos.

    FARIA (1994), ao discutir a problemtica da excluso social atravsde uma reviso da literatura sobre pobreza e marginalidade na AmricaLatina, conclui que tal abordagem mostrou-se, at meados da dcada de1990, pouco atrativa no continente em razo da sua gnese, sempre referi-da a mecanismos caractersticos da produo e reproduo da pobreza nospases industrializados nas duas ltimas dcadas do sculo passado e aofenmeno dos novos pobres que lhe foi concomitante. Por isso mesmo,Faria tende a ver tal noo como regionalizada (context-specific, no texto).Porque ela traduz mecanismos de dualizao social, pouca integrao, au-sncia de direitos polticos e civis, que ref letem mudanas nainstitucionalidade das relaes sociais, polticas e econmicas dos pasesdesenvolvidos, notadamente europeus, Faria prefere excluso a noolatino-americana de padro especfico de insero na diviso social do trabalho, cen-tral, como vimos, na construo do pensamento cepalino das dcadas de1950 e 1960.

    O enfoque de Faria no reflete, entretanto, o consenso que promo-ve a readeso noo de excluso entre latino-americanos. VRAS (1999)retoma a polmica acerca da pertinncia do uso dessa categoria no casobrasileiro e afirma que as discusses em torno do problema demarginalidade social nos anos sessenta e setenta so hoje retomadas, acres-cidas de novos componentes. Quais so esses componentes? De um lado,a no-insero no mundo do trabalho agora porque os trabalhadoresencontram-se na condio de inempregveis ou normais inteis (ex-presso de Fassin) e, de outro, o estigma decorrente da ausncia deidentidade social. Ambos levam ao surgimento da sociabilidade da aparta-o e do confinamento, o que OLIVEIRA (1997 apud VRAS, 1999) denominade caracterstica central da contradio latino-americana, explicitada e postaem marcha pelas polticas econmicas chamadas neoliberais, a excluso.

    Para a OIT (1999), indiretamente alinhada a esse enfoque, o quedistingue a noo de excluso social, tal como empregada na dcada de1990 na Amrica Latina, do antigo conceito de marginalidade, que ela provocada por processos modernos, como a globalizao e o novo papeldo Estado, processos que incluem certos atores, excluindo outros. Re-

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    encontramos aqui, efetivamente, elementos presentes na argumentao deOliveira: alm das mudanas no mercado, a nova ordem liberal altera opapel do Estado porque vai comprometer o papel integrador que as polti-cas sociais podem jogar em prol da coeso social. A OIT valoriza, no entanto,preferencialmente, a natureza operacional (OIT, 1998), da noo de exclu-so social ela permite trabalhar em nvel macro (efeitos da globalizao),micro (contextos locais de maior ou menor vulnerabilidade), setorial (vri-os recortes do mercado de trabalho) , apontando trs dimenses essenciaisdo fenmeno: a econmica (impossibilidade de atendimento das necessi-dades bsicas por falta de emprego e salrio); a institucional (no-participaonas formas de regulao da vida social); e a cultural (compartilhar valores eprincpios). Nessa perspectiva, fica claro que excluso e pobreza so fen-menos quase indissociveis ou que, pelo menos, tendem a se reforarmutuamente.

    Assim, na viso da OIT, a novidade que traz a noo de excluso menos traduzir formas de pobreza do que evidenciar processos, trajetriasde empobrecimento (OIT, 1998, p. 12) que levam ruptura das redes desociabilidade. Pelas lentes da excluso, sobretudo quando aplicadas ao mer-cado de trabalho, se podem apreender as novas dinmicas de reproduoda pobreza e da desigualdade nas economias do Cone Sul.

    Autores como SALAMA e VALIER (1995) discutem igualmente a no-o de empobrecimento como alternativa caracterizao da pobrezana Amrica Latina, aquela sendo apreendida como uma mudana de statussocial, que remete, na verdade, idia de processos, trajetrias. Empobre-cimento se referiria, assim, no somente aos pobres que se tornam maispobres, mas tambm aos que, no sendo pobres, assistem a uma reduoimportante da sua renda e passam a situar-se em torno ao patamar da po-breza, ou ainda aos que caem na pobreza.

    A tentativa de dispor de categorias operacionais seja a excluso,seja a pobreza , para orientar intervenes e programas sociais, parece tersido extensiva a outras organizaes internacionais, no-governamentais egovernos, alm da OIT. QUINTI (1999, p. 290), por exemplo, enfatiza essainstrumentalidade da categoria, ao design-la como um fenmeno de se-gundo grau, produzido pela interao de uma pluralidade de processos oufatores que afetam os indivduos e os grupos humanos, impedindo-os de

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    aceder a um certo nvel de qualidade de vida decente e/ou utilizar plena-mente suas capacidades. Para ela, resumidamente, excluso provocadapelo acmulo de fatores de risco social, que devem ser listados no contextode cada sociedade.

    Para estudiosos latino-americanos como LO VUOLO et alii (1999), odebate conceitual sobre o tema tem sido negligenciado em favor de enfoquesoperativos, difundidos por organismos como o Banco Mundial e a CEPAL,que adotam imagens ou vises da pobreza. Assim, a pobreza antes demais nada definida como uma linha divisria, a da insuficincia permanen-te de renda que resulta na no satisfao das necessidades bsicas. Para oBanco Mundial, a pobreza no seria um problema redistributivo cujasoluo passa pelo sucesso das polticas macroeconmicas , mas princi-palmente uma utilizao ineficiente dos recursos produtivos. Tais visesdo problema levam a uma decomposio da categoria dos pobres ou ex-cludos, por grupos, e conseqentemente, sua hierarquizao, a pobrezadeixando de ser um estado de carncia para se tornar um estado agudo decarncia, o que implica uma interveno emergencial seletiva, em favordos que requerem urgncia. A poltica contra a pobreza se transforma,ento, num somatrio de programas. Lo Vuolo et alii mostram que tal abor-dagem pragmtica do problema vai moldar o debate sobre pobreza naArgentina: na ausncia de um consenso conceitual, elegem-se consensosprticos (LO VUOLO et alii, 1999 apud DAZ, 1995, p. 120), isto , a solu-o da pobreza passa pelo crescimento e pelo derrame de benefcios emdireo aos mais pobres (Idem, p. 121), atravs de mltiplos programasespeciais, pois a pobreza sendo mltipla h pobrezas requerheterogeneidade no seu enfrentamento. Assim, a porta de entrada paradiscutir a pobreza passa pelas diferenas entre os pobres, j que se podecair na pobreza, na excluso ou na marginalidade por distintas vias (Idem,p. 122-123). Mesmo a ressalva de que na Amrica Latina no se pode usara definio excluso da sociedade, mas excluso na sociedade idiabem mais til quando se fala de sociedades como as latino-americanas ,onde a distribuio desigual da riqueza, da renda e dos direitos uma ca-racterstica distintiva do modo de organizao social (Idem, p. 219) mostra-se insuficiente do ponto de vista conceitual.

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    Lo Vuolo et alii criticam o enfoque das tipologias da pobreza quese substitui ao debate sobre a pobreza propriamente dita. O aumento davariedade dos processos de desintegrao social no pode ocultar a exis-tncia de pontos de contato comuns que devem constituir normas para oenfrentamento da questo. Uma conseqncia imediata da nfase coloca-da na multiplicidade dos fatores que explicam a pobreza e a excluso adesvalorizao do fator econmico na soluo do problema (Idem, p.125), destacam os autores, antes de concluir:

    Um conceito de pobreza relevante para a formulao de polti-cas pblicas deveria centrar sua ateno na identificao deelementos de cunho econmico, comuns e generalizveis (demodo a serem normatizados). Alm disso, no se trata de identi-ficar somente elementos comuns, seno relaes hierrquicasentre tais elementos para elucidar a importncia de cada um. Nessesentido, no h dvida de que um dos elementos comuns a todasas situaes de pobreza e que, por sua vez, ocupa um lugarhierarquicamente superior a insuficincia de renda. Conse-qentemente, a principal fonte de que dispem as pessoas paragerar ingressos o emprego remunerado.(Idem, p. 129)

    Nessa tica, em lugar de pobreza e excluso, Lo Vuolo et alii op-tam pelo uso de outra categoria em consonncia com a problemtica deprecarizao do emprego, qual seja zonas de vulnerabilidade social esse espao social instvel onde se conjuga precariedade do trabalho efragilidade das redes de sociabilidade e de proteo social.(Idem, p. 297)So pobres ou excludos os que transitam por essa zona de vulnerabilidade.

    KAZTMAN (1999), numa vertente oposta e mais prxima da noodo mito da marginalidade urbana da dcada de 1960, reatualiza o debate,propondo o uso da categoria nova marginalidade da pobreza urbana,onde a degradao de capital social crescente decorrente de alteraes nospadres de sexualidade, das famlias, de moradia, nas atividades ao alcancedos jovens, estaria criando uma pobreza marginal ou delinqente. Na ver-dade, diante do aumento de manifestaes de violncia urbana, que noso todavia corroboradas pelo aumento dos ndices de pobreza, ressurge atendncia a associar pobreza a comportamentos desviantes e marginais,como denuncia Alba Zaluar em seus inmeros trabalhos.

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    Como bem destaca IVO (2001), alguns autores tm relacionado aexploso da pobreza crise de governabilidade das sociedades contempo-rneas, a nova questo social sendo conseqncia da ineficcia dosmecanismos institucionais de gesto pblica em matria de regulao soci-al. No mbito das cincias sociais atualmente, a pobreza, apesar de seconstituir numa realidade preexistente mudana de paradigmas dos anos80, percebida como um fenmeno que a crise desta dcada (anos 90)ampliou e agudizou e cuja ateno, no marco de uma distribuio maisjusta dos recursos, constitui-se como condio de governabilidade demo-crtica (IDEM, p. 70). Pobreza e segurana pblica voltam a se mesclaragora informando o debate sobre combate pobreza e integrao social naperspectiva normativa dos bons governos.

    Finalmente, o consenso observado, at finais da dcada de 1980,entre economistas, socilogos e policymakers no uso concomitante e quaseindiferenciado das categorias marginalidade, pobreza e excluso, parecehoje caduco. Enquanto os socilogos e policymakers mostram-se mais incli-nados ao uso da categoria excluso como expresso de grande pobreza,pelo lado dos economistas a pobreza trabalhada na tica da desigualdade.Essa tem sido a tnica da dcada de 1990, certamente em razo do aumen-to do grau de desigualdade provocado pela abertura econmica eglobalizao dos mercados28 . Como demonstram BARROS e MENDONA(1997), a relao quase linear29 entre crescimento econmico e queda napobreza no oculta o fato de que o maior impacto na reduo do nmerode pobres resulta da combinao de polticas redistributivas com polticasde fomento ao desenvolvimento econmico. Quanto mais alto o grau dedesigualdade de um pas, afirmam, menor a contribuio do crescimentoeconmico na reduo da pobreza. Conseqentemente, se crescer neces-srio, a adoo de polticas e mecanismos de redistribuio de renda erecursos para combater a pobreza mostra-se indispensvel.

    Partindo da sistematizao feita acima podemos concluir que oconceito de pobreza na Amrica Latina at hoje no dispe de uma defini-o inequvoca como afirma ROCHA (1996), estando muitas vezes associadoa vrias outras categorias como excluso, marginalidade, desigualdade,vulnerabilidade, estado de risco. Porm, como chamam a ateno KATZMANet alii (1999), nem sempre pobreza e excluso coincidem necessariamente.

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    Da mesma forma, a excluso parece aambarcar a pobreza, pois ainsero ocupacional precria, instvel, na margem, caracterstica, por suavez, de um padro de desigualdade histrico, jamais foi contra-restada pormecanismos de redistribuio econmica, via mercado, e justia social, viapolticas pblicas, capazes de reformar tal perfil concentrador, em favor deuma maior eqidade. A razo maior da pobreza na Amrica Latina a desi-gualdade e o contexto institucional no qual ela se reproduz, que jamaislegitimou o direito dos pobres de integrarem a sociedade do bem-estar, daproduo da riqueza e do consumo. O corte neoliberal das polticas de ajustee estabilizao macroeconmica, que passam a predominar a partir da dca-da passada, s fizeram agravar a intensidade da pobreza, pois restringiram etornaram ainda mais instvel o acesso a empregos e ocupaes melhor re-munerados e menos precrios, alm de reduzir o gasto pblico, acentuar suaregressividade e acabar por comprometer o que havia de relativamente uni-versal em alguns pases da Amrica Latina, como educao e sade. Essadinmica gera excluso social por favorecer o esgaramento das redes desociabilidade e de capital social aumentando a desproteo e o risco.

    Cabe registrar alis que, de modo geral, no h definies de po-breza na Amrica Latina elaboradas a partir da identificao das clientelasdas polticas sociais, sem dvida porque o escopo dos programas assistenciais restrito, sua cobertura, pequena e sua eficcia, irrisria, o impactoredistributivo do gasto social tendo sido historicamente prximo de zerona maior parte do continente. A pobreza transborda, e de muito, o quadroinstitucional erigido para dirimi-la e combat-la.

    FechandoEsse artigo procurou sistematizar os marcos que pautaram o deba-

    te sobre pobreza e excluso social na Europa e na Amrica Latina ao longodas ltimas dcadas, resumindo conceitos e paradigmas que o informaram.Tal exerccio nos aproximou da interpretao de SILVER (1994), para quempobreza e excluso social remetem a paradigmas nacionais: cidadania enacionalidade. Ambos os conceitos carregam dimenses construdas aolongo de um processo histrico, cultural, de luta pelo poder e pelalegitimao. Da nosso interesse em evidenciar seus contextos regionais,derivados da urgncia imposta pela necessidade de regular e intervir. Eles

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    tm orientado a formulao de estratgias mais ou menos bem sucedidasde promoo da igualdade, da incluso e do bem-estar das camadas maisdesfavorecidas e destitudas da populao.

    Nossa leitura sugere uma pista interessante e nova no uso de ambasas categorias pobreza e excluso , enquanto categorias da prtica.

    No nosso entender, a pobreza, entendida como insuficincia derenda e recursos, est fortemente associada dinmica macroeconmica eao regime de proteo social existente, ele mesmo derivado dos princpiosde solidariedade e convenes eleitos por cada sociedade. Por isso mesmo,sua regulao ultrapassa a competncia e as possibilidades das instnciaslocais. Enfrentar a pobreza supe, portanto, estabelecer coordenadas e pri-oridades nacionais, que podem ser fortalecidas e consolidadas pelas gesteslocais. Parceiros privilegiados na luta contra a pobreza, as instncias locaisno podem, no entanto, se substituir ao Estado. No h como lutar contraa pobreza sem uma estratgia nacional. Vencer a pobreza libertar cadaindivduo, independentemente do seu local de origem e do territrio queelegeu para viver, de privaes que podem ameaar sua existncia ou com-prometer sua trajetria de vida. Isso implica compensar atravs daredistribuio de meios, recursos e renda todos aqueles que se encontra-rem abaixo de um patamar considerado aqum do mnimo aceitvel. E se apobreza na Amrica Latina antes de mais nada resultado de nveis intole-rveis de desigualdade, incuo pensar em resolver essa questo em nvellocal. Superar a pobreza exige o compromisso de toda a sociedade.

    J a excluso, ao significar ruptura de vnculos sociais bsicos, empo-brecimento no propriamente do indivduo mas das relaes que definemseu lugar e sua identidade sociais, parece-nos passvel de ser melhor enfren-tada atravs de estratgias locais de incluso. Se pobreza carncia e pode serestimada em funo de um quadro de necessidades, que evolui simultanea-mente ao grau de desenvolvimento de uma sociedade, excluso no-pertencimento, ou seja, perda de identidade, perda de valor intrnseco,dessocializao com chances remotas de ressocializao. Os governos locaisesto melhor preparados para atuar, de maneira preventiva, contra a quebrados laos de pertencimento (segregao espacial, deteriorao urbana, isola-mento, reduo do espectro de oportunidades) e fomentar dinmicas deressocializao, uma e outra de cunho fortemente territorializado. Os gover-

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    nos locais esto mais armados para identificar as combinaes variadas quetomam processos excludentes, pois estes associam:

    a) caractersticas individuais sexo, idade, origem, etnia, nvel deinstruo;

    b) tipo de insero ou no-insero profissional;c) formas de apropriao da cidade e de interao entre seus habitan-

    tes local de moradia, tipo de transporte, espao de amenidades elazer, participao comunitria, redes locais de assistncia, grau demobilizao da sociedade civil;

    d) histrico da cidade seu lugar na diviso regional do trabalho, seuperfil produtivo, formas de cooperao e valores

    Notas1 No por caso os ndices de pobreza para as reas rurais e urbanas so comuns, muito

    embora o valor da linha de pobreza seja para alguns autores necessariamente inferior norural, em razo da reduo das despesas com transportes, custo da moradia etc. Mas taisdespesas so tambm computadas.

    2 Tomando emprestada a expresso usada pela antroploga Beatriz Herdia, do Museu deAntropologia da UFRJ.

    3 Veja a esse respeito, URBEX Project (The Spatial Dimensions of Urban Social Exclusionand Integration Project), LIA (Local Partnership for Integration Action), EAPN(European Anti-Poverty Network), ESAN (European Network for Social Action, entreoutros.

    4 Argentina e Uruguai constituem raros exemplos de sistemas de proteo social verda-deiramente universais.

    5 Expresso cunhada por Wanderley Guilherme dos SANTOS (1979) cuja ausncia no textoo parecerista deste artigo corretamente apontou. Agradeo seus comentrios.

    6 Ver experincia do PPU no Chile, ou ainda o Programa Chile Solidrio, ou os projetosdo BNDES no Brasil.

    7 SEN (1992) assinala que esta a compreenso vulgar da questo.

    8 Veja ROWNTREE, 1918.

    9 Veja a este respeito, crticas de TOWNSEND (1993), que reconhece o uso mais restritodessa compreenso de pobreza s populaes do Terceiro Mundo, privadas do acesso abens e servios bsicos como saneamento, alimentao adequada etc.

    10 Incluindo aqui o que se denomina necessidades intermedirias, tais como acessoadequado gua e alimentao, moradia, ambiente protegido, segurana e proteo nainfncia, educao bsica etc.

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    11 E os meios para funcionar tratam do ser e do fazer, ou seja, do que se refere ao que se, bem como da capacidade de agir, de fazer acontecer. Na verso brasileira da obra deSen, functionnings foi traduzido como funcionamentos.

    12 Traduo empregada na verso em portugus da obra do autor.

    13 Ver a este respeito Serge PAUGAM e Franz SCHULTHEIS, Naissance dune Sociologie dela Pauvret, Introduo ao livro de SIMMEL (1998). O texto original de Simmel foipublicado na Alemanha em 1908.

    14 Ver nota 8 sobre Rowntree.

    15 Na verdade o que a Inglaterra e a Alemanha (antiga Prssia) faro j na primeirametade do sculo XIX.

    16 TOWNSEND (1993) recorda que os custos de manuteno das instituies e seus resi-dentes (os pobres) passou a preocupar os grupos dirigentes, e, quando da formulaode um novo esquema de proteo dos pobres em 1834, por exemplo, na Inglaterra oprincpio de reduo da elegibilidade teve papel crucial no pensamento tanto dospolticos, quanto dos que se dedicavam a investigaes cientficas. [] Por essa razo,havia muita presso para definir o mnimo necessrio para os pobres residindo em insti-tuies e para aqueles capazes, vivendo fora do quadro de assistncia.

    17 Sobre o debate acerca da escolha do domiclio/famlia como unidade de anlise nadiscusso da pobreza, veja LO VUOLO, R.; BARBEITO, A.; PAUTASSI, L.; RODRIGUEZ, C.(1999).

    18 ESTIVILL (2003) aponta com pertinncia o fato de a excluso vir a ser um conceitoregional, operacionalizado inicialmente na Frana, sendo, por extenso, adotado emtoda a Europa Ocidental, mas sem propriedade. [] a excluso social seria a nova faceda questo social na Frana. A organizao e gesto do mercado de trabalho na Alema-nha, assentada no maior envolvimento dos empresrios na formao e co-gesto tripartite,nos pases escandinavos, atravs da concertao, ou na Inglaterra, onde a integraosocial e poltica concebida partindo das distintas comunidades, a excluso no trata-da de forma idntica exceo francesa.[] Para alm do caso francs entretanto, anoo de excluso foi infiltrada, penetrou e se populariza no Sul da Europa, no Norte eno Leste, e alcana a Amrica Latina e `frica [].

    19 Traduzida no Brasil, em algumas obras como desqualificao social. Veja a este res-peito PAUGAM (1999).

    20 Ser que quem nada faz de socialmente relevante, pode existir socialmente? No sen-tido em que existir socialmente significa ocupar, de fato, um lugar na sociedade []?pergunta CASTEL (1995, p. 29).

    21 Lei de 1998 relativa luta contra a excluso social. A Inglaterra recusou-se a adotar taldefinio, preferindo manter sua adeso noo de igualdade de chances.

    22 Aldaza Sposati discorre sobre essa compreenso da excluso em Excluso Socialabaixo da Linha do Equador, in: VRAS et alii (1999).

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    23 MARSHALL citado por VLEMINCKX, K.; BERGHMAN, J. (2001).

    24 FASSIN (1996) menciona numa nota do seu artigo a constatao de Alain TOURAINE (1992)para quem Estamos nos aproximando da Amrica Latina. Os conceitos que utilizamosso os mesmos empregados h trinta anos na Amrica Latina, mas que s agora estosendo descobertos desse lado do Atlntico: setor formal, setor informal, ao invs de umasimples oposio entre trabalho e desemprego. Por que no aceitar que os excludos sejamo Sul no Norte, tal como os habitantes de So Paulo so o Norte no Sul?

    25 Aqui entendido na acepo de OLIVEIRA (1975) de um tercirio em grande expansopara prover os servios necessrios expanso do capitalismo.

    26 Mais especificamente em O que aconteceu com a famlia brasileira?

    27 Veja tambm SEI (2003).

    28 Ver a este respeito estudos de Albert BERRY (1997) citado por Jos Antonio OCAMPO naRevista da CEPAL, 65, 1999.

    29 Vale lembrar aqui o trabalho emprico desenvolvido por S.A. MORLEY (1994), sobrepobreza e desigualdade na Amrica Latina.

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