testamento de um cao
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Minhas posses materiais são
poucas e eu deixo tudo para você...
Uma coleira mastigada em uma das extremidades, faltando dois botões, uma
desajeitada cama de cachorro e uma escudela de água que se encontra fendada na borda.
Deixo para você metade de uma bola de borracha, uma
boneca rasgada, que você vai encontrar
debaixo da geladeira, um
ratinho de borracha sem apito, que está debaixo do fogão da
cozinha e uma porção de ossos enterrados no
canteiro de rosas, e sob o assoalho de
minha cama.
Além disso, eu deixo para você a memória, que,
aliás são muitas.
Deixo para você a memória de dois enormes
olhos marrons, a memória de uma caudinha curta e espetada, de
nariz molhado e de choradeiras atrás da porta.
Deixo para você uma mancha no tapete da sala de estar junto à janela, quando nas tardes de inverno eu me apropriava
daquele lugar, como se fosse meu, e me
enrolava feito uma bolinha para pegar um pouco
de sol.
Deixo para você um tapete
esfarrapado em frente à sua
cadeira preferida, o qual
nunca foi concertado com o tipo de linha
certo, essa é a verdade.
Eu o mastiguei todinho, quando tinha ainda cinco meses de idade, lembra-se? Também deixo para você a
memória da primeira surra que levei e
também todo o meu esquecimento.
Deixo para você um esconderijo que fiz no jardim, debaixo dos arbustos perto
da varanda da frente, onde eu encontrava asilo durante aqueles
dias de verão. Ele deve estar cheio de folhas agora, e, por isso, talvez
você tenha dificuldades em me encontrar. Sinto
muito!
Deixo, também, e só para você, o barulho que eu fazia ao sair
correndo sobre as folhas de outubro,
quando nós vagabundeávamos pelo bosque.
Deixo, ainda, a lembrança de momentos pelas manhãs quando
saíamos juntos pela margem do riacho, e
você me dava aqueles biscoitos
de baunilha. Recordo-me das suas risadas, porque eu
não conseguia alcançar aquele
coelho impertinente.
Deixo-lhe como herança minha devoção, minha
simpatia, meu apoio quando as coisas não andavam bem;
meus latidos quando você levantava a
voz aborrecido... e minha frustração por você ter
ralhado comigo todas as vezes que eu colocava o nariz debaixo da cauda.
Eu nunca fui à igreja e nunca
escutei um sermão. No entanto, mesmo sem haver falado sequer uma palavra em toda a minha vida, deixo para você exemplo de
paciência, de amor e compreensão.
Sua vida tem sido mais alegre porque
eu vivi
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