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História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
1
INTRODUÇÃO
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
2
A presente investigação prende-se com a mais recente estrutura de Educação e
Formação de Adultos, o Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
(RVCC) e tem como principal objectivo determinar se existirá nestes anos mais
recentes, que correspondem a uma nova fase dos processos RVCC, uma tensão entre os
dispositivos metodológicos que utilizam e que se inscrevem em duas lógicas diferentes,
uma de natureza informal, a História de Vida do adulto que procura o processo RVCC,
a outra de natureza formal, o Balanço de Competências a serem reconhecidas, validadas
e certificadas. A História de Vida conduz ao Balanço de Competências, e a articulação
de ambos produz o Portefólio Reflexivo de Aprendizagens (PRA), processo
aparentemente fácil mas que pressupõe da parte do adulto uma capacidade real de
reflectir sobre as aprendizagens efectuadas ao longo da vida em contextos formais, não
formais e informais. O Balanço de Competências faz-se remetendo para um Referencial
de Competências-Chave, de nível básico ou secundário, cujo défice implica um
processo de formação dos adultos que assume na prática a forma escolar. A tensão
mencionada, a existir, será precisamente produzida pela tentativa de formalização do
informal, o qual é princípio orientador fundamental do campo da Educação e Formação
de Adultos, pois como reconhece Canário as modalidades educativas não formais e
informais constituiriam ―a matriz fundamental dos processos de aprendizagem‖ (2000:
82).
O tema escolhido prende-se com o facto de ter entrado em contacto com esta realidade
no 4º ano da Licenciatura em Ciências da Educação. O meu estágio decorreu no Centro
de Novas Oportunidades (CNO) da Cruz Vermelha de Vila Nova de Gaia, tendo na
ocasião estudado as razões do abandono dos adultos em processo RVCC. As conclusões
do relatório de estágio indicam como razões de abandono constrangimentos de ordem
diversa, desde a complexidade do Referencial de Competências-Chave até à inibição em
falar da História de Vida, passando pela falta de apoio por parte dos profissionais
(referida pelos adultos) ou pela pressão de metas quantitativas a atingir (referida pela
equipa técnico pedagógica).
No decurso daquele estudo, verifiquei existirem adultos que abandonavam o processo,
regressavam, para de novo o abandonarem. Este abandono recorrente despertou-me a
curiosidade e levou-me a interrogar se as razões subjacentes não residiriam
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precisamente na própria natureza do processo RVCC e na hipotética contradição entre
dispositivos metodológicos, nomeadamente as Histórias de Vida e o Referencial de
Competências-Chave.
A presente investigação está estruturada em três partes distintas: o quadro conceptual,
que pretende enquadrar teoricamente o trabalho, o quadro metodológico, que define as
metodologias e procedimentos utilizados no desenvolvimento da investigação e os
resultados e discussão, interligando teoria e estudo empírico na produção de
conhecimento.
O quadro conceptual divide-se em dois capítulos os quais constituem em conjunto a
moldura teórica da investigação.
O Capítulo I intitulado ―Educação e Formação de Adultos‖ remete-nos para o conceito
de Aprendizagem ao Longo da Vida e como esta no discurso oficial se relaciona
preferencialmente com a fase adulta da vida dos indivíduos. Aí coloca-se a questão
sobre o que é um adulto e como é olhada e tratada a questão da educação e formação de
adultos.
O Capítulo II intitulado ―Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências‖
faz uma breve contextualização dos Centros de Novas Oportunidades, onde decorrem os
processos RVCC, e reflecte sobre os dispositivos metodológicos que utilizam, História
de Vida e Balanço de Competências. Refere também o perfil dos profissionais RVCC,
salientando o seu papel de mediadores e agentes de comunicação. Por fim, procura
desenvolver o conceito de autonomia, dado que é central ao processo RVCC, é pedida
autonomia ao adulto que o frequenta como condição fundamental de sucesso,
constituindo ponto fulcral perceber se essa autonomia não deveria ser estimulada pelo
processo em si em vez de exigida à partida.
O Capítulo III intitulado ―Metodologia de recolha e tratamento de dados‖ subdivide-se
em quatro pontos distintos. O primeiro e segundo pontos abordam a problemática de
estudo e a metodologia qualitativa utilizada na sua abordagem, que se traduz numa
análise do sentido que os actores dão às suas práticas. O terceiro ponto refere os
procedimentos adoptados no decurso da investigação, nomeadamente os instrumentos
de recolha de dados utilizados, entrevista e análise documental, finalmente o quarto
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desenvolve o conceito de análise de conteúdo como método de análise e tratamento de
dados.
Os Resultados e Discussão contêm dois capítulos, o Capítulo IV intitulado ―Principais
Considerações para o Tema em Estudo‖ e o Capítulo V intitulado ―(Re)problematizando
o processo RVCC‖. No ponto 1 do Capítulo IV é feita a análise de conteúdo das
entrevistas, respeitando o significado atribuído pelos sujeitos aos acontecimentos e
procurando compreender através da escuta as suas perspectivas sobre o tema em
questão. No ponto 2 do mesmo Capítulo são discutidos os resultados obtidos,
interligando dados empíricos e conceitos teóricos, demonstrando que existe uma tensão
entre a História de Vida individualizada do adulto e os Referenciais de Competências-
Chave padronizados, comuns a todos os CNO‘s, e avaliando as repercussões no
processo RVCC.
O Capítulo V constitui uma reflexão sobre os CNO‘s, a realidade actual do processo
RVCC e a realidade nos anos iniciais da sua criação e implementação no terreno,
procurando determinar qual o ponto crucial da tensão História de Vida/Referencial de
Competências-Chave e que parece situar-se na mudança do perfil do público-alvo.
A Conclusão constituiu uma reflexão sobre o percurso da investigação, meditando sobre
o que é na realidade o processo RVCC, quais os objectivos dissimulados que visa e o
que poderia ser se norteado pelos grandes princípios orientadores da Educação e
Formação de Adultos.
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1ª Parte – QUADRO CONCEPTUAL
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Capítulo I
Educação e Formação de Adultos
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1.1. Aprendizagem ao Longo da Vida
“Aprendizagem ao longo da vida: um conceito que surge na década de 1970”1
Após a Segunda Guerra Mundial os governos dos países aliados assinaram a Carta das
Nações Unidas, destinada a manter a paz e segurança recém adquiridas, promovendo
simultaneamente o desenvolvimento económico e social característico do modelo de
civilização ocidental. Foi assim imposta a chamada ―modernização‖, hegemonia da
História e cultura ocidental, e começa-se a falar em Direitos Humanos, uma vez mais
Direitos Humanos ―ocidentais‖ que não tinham em linha de consta as diferenças
culturais e se auto-proclamavam como norma de conduta moral universal. De acordo
com Finger e Asún (2003: 27/30) surgiu então o Economic and Social Council
(ECOSOC), o qual tinha como objectivo a coordenação das agências de
desenvolvimento quer económico quer social, tendo um ano mais tarde sido fundada a
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO),
como agência especializada do ECOSOC. A sua missão era ―contribuir para a paz e
segurança, promovendo a colaboração entre os povos, através da educação, da ciência e
da cultura‖ (Constituição da UNESCO, in Finger e Asún, 2003: 28).
A UNESCO teve o seu apogeu nos chamados ―gloriosos 30 anos‖ que se seguiram ao
pós-guerra, no decurso dos quais muitas colónias adquiriram a sua independência,
tendo-se então alargado substancialmente o número dos seus países membros. Por esta
altura foi também criado o Conselho Internacional de Educação de Adultos por um
colaborador próximo da UNESCO, uma vez que a educação para todos ao longo da vida
era vista como um dos pilares fundamentais do desenvolvimento e do crescimento
económico. Em anos mais recentes teve contudo a UNESCO o cuidado de passar a falar
em desenvolvimento sustentável e a mostrar preocupação com a conservação ambiental
e a poupança de recursos naturais.
No entanto, ―o discurso e a filosofia da UNESCO em relação à educação popular e de
adultos… são produtos típicos das Décadas de Desenvolvimento e de uma agenda de
acção social de libertação e empowerment através da educação, quer científica, quer
cultural‖ (Finger e Asún: 2003: 29). A sua acção neste campo tem sido muito profícua,
1 Eurydice, (2000: 9)
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quer mobilizando recursos e lançando programas de propagação de conhecimentos, quer
através da organização de conferências e publicação e guarda de documentos
Em 1948, Paul Lengrand inicia funções na Unesco, sendo nomeado responsável pela
Divisão de Educação de Adultos em 1962, tendo estado na base da implantação de uma
Unidade de Aprendizagem ao Longo da Vida. Nessa capacidade apresenta em 1965 um
relatório no Comité Internacional da UNESCO, intitulado Uma Introdução à Educação
ao Longo da Vida. É o emergir de um novo conceito que irá tentar restaurar o sistema
educativo abalado com os acontecimentos de Maio de 1968, preconizando que ―a
Educação Permanente era o princípio unificador que permitia reunir num todo coerente
os vários aspectos da educação‖ (Lengrand, 1965, cit. Nogueira, 1996: 37).
A Educação Permanente na Europa2 é seguidamente impulsionada pelo Conselho da
Europa, tendo-se realizado sob os auspícios da UNESCO duas conferências, nas quais
se procurou articular a Educação Escolar com a Educação de Adultos no seio da
Educação Permanente. Foram elas a Terceira Conferência Internacional de Educação de
Adultos (realizada em Tóquio em 1972) que estabeleceu como objectivos examinar as
tendências da educação de adultos durante o decénio precedente, considerar as funções
da educação de adultos no contexto da educação permanente e examinar as estratégias
do desenvolvimento educativo no que diz respeito à educação de adultos e a
Recomendação sobre o Desenvolvimento da Educação de Adultos de Nairobi (1976), a
qual, embora sublinhando a prioridade que deve ser dada a ―grupos educacionalmente
subpriveligiados", referindo melhoramentos a efectuar para colmatar essa situação e
propondo diversas medidas nesse sentido, acaba por não estabelecer os direitos da
educação dos adultos.
2 ―Em 1970, o Conselho da Europa edita uma recolha de quinze estudos sob o título ―Educação
Permanente‖. É o resultado de uma série de reflexões iniciadas desde 1967 no âmbito do Conselho da
Cooperação Cultural. Em 1981 é publicado um documento ―Contribuição para o desenvolvimento de uma nova política educativa‖ que retoma os três principais textos elaborados no âmbito do projecto
―Educação Permanente‖. Este projecto, de 1972 a 1979, foi empreendido pelo Grupo Director sob a
presidência de Bertrand Schwartz, dando lugar em Junho de 1979 a um Simpósio de Síntese, em Siena,
que marcou finalmente o termo. Depois, baseando-se nos princípios ou fundamentos do conceito de
Educação Permanente, uma série de projectos - principalmente no domínio da Educação dos Adultos -
procurou traduzi-los em termos de estratégias educativas adaptadas à evolução social, económica e
cultural dos países signatários da Convenção Cultural Europeia‖.
TITZ, Jean-Pierre (1995) ―O projecto ―Educação Permanente‖ do Conselho da Europa‖, Formação
Profissional nº 6 Revista Europeia, 45 [On-line]
http://www.cedefop.europa.eu/etv/Upload/Information_resources/Bookshop/132/6_pt_titz.pdf, 18/09/09
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É por conseguinte o Simpósio de Sienne de 1980 que vem confirmar para a Europa o
valor da Educação Permanente e definir o quadro de acção constitutivo dos seus
princípios, bem como as suas consequências, os quais podem ser esquematizados da
seguinte forma:
Quadro nº 1 - Os traços e os contornos dos Princípios da Educação Permanente
Fonte: (Nogueira, 1996: 38)
Quadro nº 2 – As consequências dos princípios da Educação Permanente
A Educação Permanente Consequências
Designa um Projecto. Não é um sistema fechado.
É global. Não é sectorizada.
Destina-se tanto a reestruturar o sistema educativo como a desenvolver todas as possibilidades de formação fora do sistema educativo.
Ultrapassa o sistema educativo e, como
consequência, ultrapassa as possibilidades de qualquer Ministério da Educação.
Considera o ser humano sujeito da sua própria educação, por meio da interacção permanente das suas acções e reflexões.
É participativo, descentralizado e englobado nas necessidades sociais reais.
Rejeita intervenções que se limitem ao período de escolaridade.
É transescolar.
Abarca todas as dimensões da vida, todos os ramos do saber e todos os conhecimentos práticos que podem adquirir-se por todos os meios.
É integral.
Contribui para todas as formas de desenvolvimento da personalidade.
Articula projectos de formação com projectos de desenvolvimento.
É total. Articula todos os projectos educativos entre si.
Fonte: (Nogueira, 1996: 38)
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A Educação Permanente é pelo exposto nos quadros e nas palavras de Canário ―um
princípio reorganizador de todo o processo educativo‖3 (2000: 88), objecto de citações
entusiásticas de diversos autores, como por exemplo ―traz consigo um mundo melhor‖,
―a promoção de uma nova sociedade‖, ―um suplemento de alma para os anos 70‖
(Gérard Wiel, Hartung, Sarrouy cit. Nogueira, 1996: 36-37) ou mais recentemente
Malgraive ―a formação inicial será pensada e realizada em função de e para a formação
contínua de adultos‖ (1981, cit. in Nogueira, 1996: 37).
A publicação da UNESCO, conhecida como Relatório Delors (1996), decorridos mais
de trinta anos sobre o relatório Lengrand, continua a promover o conceito de Educação
ao Longo da Vida ―…a Educação é tão diversificada…que abrange todas as actividades
que permitem ao ser humano, desde a infância até à velhice, adquirir um conhecimento
dinâmico do mundo dos outros e de si próprio.‖ (Eurydice 2000:11). A Organização
para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), também em 1996,
enfatiza a progressão da vida activa, salientando que a mesma
― […] engloba o desenvolvimento social do ser humano sob todas as formas e em
todos os contextos, tanto formais…como não formais…e empreende esforços com
vista a assegurar que todos os adultos, tanto empregados como desempregados, que
necessitem de fazer uma reciclagem dos mesmos, tenham oportunidade de o fazer.‖
(idem:11-12).
Estava lançado um desafio aos sistemas educativos dos países membros da OCDE, o
qual ―adopta instrumentos internacionais, decisões e recomendações, para promover
regras ou acordos multilaterais necessários para garantir o progresso das nações dentro
de uma economia cada vez mais global. O diálogo, o consenso e a pressão sobre os seus
pares são o verdadeiro centro de actuação da OCDE‖4.
O significado do conceito em Portugal
Seguindo o estudo da EURODYCE, Portugal interpreta o conceito de aprendizagem ao
longo da vida como uma
3 Em itálico no original
4 OCDE Enquadramento Geral (2002) in Autoridade Nacional de Comunicações (ANACON) [On-line]
http://www.anacom.pt/render.jsp?categoryId=7821, 13/07/09
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―aceleração da transição para uma economia e sociedade diferentes…. (economias
baseadas no conhecimento) e (sociedades da informação) ‖, assim como atribuir à
escola um papel central ― […] enquanto instância privilegiada para a construção de
conhecimentos, saberes, competências e atitudes [...] capazes de dotar qualquer
cidadão com os instrumentos básicos essenciais para o exercício de uma cidadania
activa numa sociedade em rápida mutação‖ (idem:114).
Uma das preocupações transversais no relatório de Portugal é reforçar a qualidade da
educação escolar para todos considerando ― […] as fragilidades específicas da situação
educativa da população portuguesa, resultante dos atrasos acumulados durante gerações
[…]‖ (idem:116). Ainda segundo a mesma fonte, em meados dos anos 90, 80% da
população entre os 15-64 anos detinha como habilitação escolar apenas 9 ou menos
anos de escolaridade.
A este atraso de Portugal durante gerações não está alheio o regime político de ditadura
vivido antes do 25 de Abril de 1974, que em nada privilegiou a área educativa.
Remetendo especificamente para a área da Educação de Adultos, antes de Abril de
1974, houve pouca intervenção no nosso país, pese embora o ensaio de múltiplas
tentativas de reformas nesse campo surgidas a partir do século XIX.
No decurso desse século foram tentadas sucessivas reformas educativas as quais
incluíam os adultos analfabetos, tendo nessa época surgido um movimento associativo
muito forte. A título de exemplo5, podemos mencionar um projecto de Henrique
Nogueira, datado da década de 60, o qual preconizava a criação de escolas de adultos
em cada povoado, acompanhadas de gabinetes de leitura e pólos de cultura sediados em
associações; também o industrial Casimiro Freire, na década de 80, iniciou uma
campanha pela criação das chamadas ―escolas móveis‖, escolas que iriam ao encontro
de todos os que delas necessitassem. Contudo, o século XIX foi marcado pela
instabilidade política decorrente das lutas liberais, instabilidade essa que se reflectiu nos
impulsos reformadores. No final do século, apesar de tudo, surgiram inúmeras
associações culturais, que privilegiavam a formação cívica e política, como preparação
para a revolução republicana.
5 Informação retirada da obra de António Inácio C. Nogueira Para uma Educação Permanente à Roda da
Vida.
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Porém o analfabetismo generalizado diminuía muito lentamente, por razões diversas, a
que não seriam alheias por ventura as sucessivas tentativas de ―europeização‖ de
Portugal, seguidas de períodos de isolamento. A república foi de início uma fonte de
esperança, preconizando uma aposta forte na educação popular. Foram emitidos
inúmeros decretos, que logo eram substituídos por outros, numa série de ajustamentos,
que se revelaram pouco frutíferos. Ainda assim a educação de adultos sofreu um
impulso positivo, com as iniciativas culturais promovidas pelas ―escolas móveis‖,
universidades populares e outras instituições dedicadas a projectos de desenvolvimento
local. Esse impulso quebrou-se com a instauração da ditadura, a qual tentou glorificar
veladamente o analfabetismo. Por exemplo, a escolaridade obrigatória que na Primeira
República, em 1919, havia passado para cinco anos regressou aos três anos de 1911,
vindo a ser aumentada para seis anos apenas em 1964. Passou também a ser exercido
um forte controlo sobre as instituições promotoras da educação popular. Abertamente
contudo o regime promovia campanhas pela alfabetização que poucos resultados
alcançavam, embora seja de salientar a acção global de Leite Pinto no Ministério da
Educação, a reforma do ensino técnico e o Plano de Educação Popular, durante os anos
cinquenta. Porém será apenas na década de 70, com a reforma de Veiga Simão, que a
educação passa a assumir um papel central nos debates sobre a modernização e o
desenvolvimento do país, e que se começa a falar de democratização do ensino e de
Educação Permanente. Surgiram os Cursos do Ensino Primário Supletivos para Adultos
(CEPSA‘S) que funcionaram entre 1971 e 1974, sem grandes resultados,
particularmente nas regiões mais remotas e sempre de cariz escolar.
Foi necessário esperar por Abril de 1974 para se viver de novo uma euforia de base
associativista, tendo as variadas intervenções culturais e sociais então promovidas
começado a institucionalizar-se e a fazer parte da estrutura de organismos como a
Direcção Geral de Educação Permanente. Nos dois anos seguintes apareceram novas
correntes neste âmbito, fortemente impregnadas por um ambiente revolucionário e um
subjacente processo de democratização. O poder político dedica mais atenção à
educação de adultos: por um lado foi criado o Plano Nacional de Alfabetização6 (PNA),
6 O P. N. A. apareceu em Maio de 1975, a partir de uma iniciativa do Ministro da Educação do IV
Governo Provisório, e pretendia baixar significativamente a taxa de analfabetismo (para 3%), apenas em
três anos.
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sendo o seu principal objectivo de difícil concretização, e por outro, apareceu um
modelo de educação popular, que segundo Rothes (2005) procurou dar voz às classes
socialmente mais desfavorecidas e melhorar a qualidade dos processos educativos. Estes
esforços do pós 25 Abril representaram o ― […] tentar lançar-se o embrião do que seria
um campo e um edifício de educação de adultos em Portugal. Conceberam-se e
experimentaram-se, nessa altura, algumas inovações significativas‖ (Melo, Alberto7).
Melo refere como exemplo o exame da 4ª classe para adultos que nos anos 75/76 foi
totalmente renovado, passando a centrar-se no adulto, não se baseando apenas numa
situação puramente escolar, mas em todo o seu percurso de vida. Está aqui já presente a
lógica que preside ao actual sub-sistema RVCC, quando utiliza a metodologia das
Histórias de Vida e contempla as aprendizagens realizadas em todos os lugares e tempos
de vida.
Não é por falta de iniciativa/empenhamento por parte dos técnicos pertencentes aos
movimentos de educação que a Educação de Adultos não tem os resultados previstos.
Em 1979 surge o Plano Nacional de Alfabetização e Educação de Base de Adultos
(PNAEBA), aprovado pela Lei nº 3/79 de 10 de Janeiro. Os seus principais objectivos
eram reduzir o analfabetismo e alargar o acesso dos adultos à escolaridade obrigatória.
Este plano englobava parâmetros necessários que permitiam desenvolver medidas e
práticas transversais à Educação Popular e à Educação Permanente, estando a sua
execução prevista para um período de dez anos. A nível central, pretendia-se a criação
de um Instituto Nacional de Educação de Adultos, que nunca chegou a ser uma
realidade. Só em 1986, e com a Lei de Bases do Sistema Educativo, Lei nº 46/86 de 14
de Outubro, documento emergente da reforma do sistema educativo, é contemplada a
educação de adultos numa perspectiva que tem como referência a educação escolar, não
tendo em conta a vertente plurifacetada e a dimensão mais vasta da educação de adultos.
Estrutura-se unicamente em torno do ensino recorrente de adultos e da educação extra-
escolar. O primeiro destina-se aos ―indivíduos que já não se encontram na idade normal
7 Comunicação apresentada no Painel ―Desenvolvimento da Aplicação de Políticas de Educação /
Formação‖, integrado no Seminário ―Políticas de Educação / Formação: Estratégias e Práticas‖,
promovido pelo Conselho Nacional de Educação, no âmbito da divulgação do Programa ―Novas
Oportunidades‖. Lisboa, 7 de Fevereiro de 2006.
Publicada ―Associação o direito de Aprender‖ [On-line]
http://www.direitodeaprender.com.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=45&Itemid=12,
07/07/09
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de frequência do ensino básico e secundário‖8 e aos ―indivíduos que não tiveram
oportunidade de se enquadrar no sistema de educação escolar na idade normal de
formação, tendo em especial atenção a eliminação do analfabetismo.‖9 A educação
extra-escolar destina-se a todo o jovem ou adulto, que pretenda ―aumentar os seus
conhecimentos e desenvolver as suas potencialidades, em complemento da formação
escolar ou em suprimento da sua carência.‖10
Está direccionada numa perspectiva de
educação permanente e visa a continuidade da acção educativa. A Educação de Adultos
teve um tratamento menor e diminuto por parte dos governos, nunca tendo existido no
sistema educativo no que a ela diz respeito ―um tratamento articulado dos diferentes
contextos educativos formais e não-formais e das diferentes práticas que se inserem
dentro do conceito alargado de educação de adultos, parecendo traduzir, por
conseguinte, uma não valorização deste campo.‖ (Veloso, 2004:197). Atendendo que a
Lei de Bases do Sistema Educativo apenas abordava esta questão no sentido restrito e
escolarizante, surgiram em 1988 duas novas tentativas que procuram reorganizar um
projecto para o subsistema da educação de adultos.
O Documento Preparatório III, elaborado a pedido da Comissão de Reforma do Sistema
Educativo, pretendia consolidar e estruturar todo o subsistema de educação de adultos,
não menosprezando as vias de cariz mais escolar, mas valorizando uma perspectiva
plurifacetada, onde de acordo com Rothes estavam integradas as seguintes modalidades
da educação não escolar: extensão educativa, formação para o trabalho, promoção
cultural e cívica, e intervenção socioeducativa. O Plano de Emergência para a Formação
de Bases de Adultos, constituído no âmbito da Direcção Geral de Apoio e Extensão
Educativa, tinha como principal finalidade, ―contribuir para melhorar o nível de
qualificação da mão-de-obra, através da formação profissional que incluía uma
formação geral de base, na perspectiva dum melhor desempenho profissional e a
possibilidade de prossecução das carreiras e de melhor adaptação às exigências do
mercado de trabalho‖ (Rothes, 2005: 273). Contudo, mais uma vez, este plano nunca
viria a ser adoptado, mantendo-se as medidas meramente escolarizantes da intervenção
do Estado no campo da Educação de Adultos.
8 Artigo 20º, ponto 1, da Lei nº46/86 de 14 de Outubro.
9 Artigo 20º, ponto 2, da Lei nº46/86 de 14 de Outubro
10 Artigo 23º, ponto 1, da Lei nº46/86 de 14 de Outubro
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Coincidentemente em 1986, com a entrada de Portugal para a Comunidade Europeia,
emerge a formação já largamente difundida nos outros países membros, incentivada
pela possibilidade de recurso aos fundos comunitários. As acções de formação
profissional então implementadas tiveram o apoio do Fundo Social Europeu. Um pouco
mais tarde, em 1989, com o alargamento dos fundos estruturais comunitários, Portugal
candidata-se ao PRODEP11
, Subprograma 3, Educação de Adultos. No âmbito do
PRODEP, o Subprograma de Educação de Adultos que veio a ser aprovado inserido no
1.º Quadro Comunitário de Apoio, em 1990, teve como objectivos essenciais a obtenção
da escolaridade obrigatória articulada com uma formação profissional inicial. Podemos
dizer que a década de 90, foi marcada pelo PRODEP – entre 1990 e 1993, decorreu o
PRODEP I e entre 1994 e 1999, o PRODEP II. Estes programas, representaram uma
melhoria das medidas implementadas e desenvolvidas pelo governo neste sector,
contudo não existiram alterações qualitativas significativas, permanecendo o enfoque na
escolaridade obrigatória (ampliando-se o Ensino Recorrente - 1º e 2º Ciclos) e em
algumas acções de formação profissional inicial. Uma das debilidades do programa12
prendeu-se com o facto de se destinar a indivíduos dos 14 aos 45 anos, o que
comportava dificuldades, dada a diferença de maturidade e de interesses e objectivos de
uns e outros. Na realidade não estamos a lidar apenas com Educação de Adultos, mas
educação de adultos e de jovens que abandonaram precocemente o sistema escolar
formal. Com uma componente de formação geral e uma componente de formação
técnico-prática que se destinava a introduzir os sujeitos no mundo profissional, o
PRODEP/Educação de Adultos, ainda que teoricamente contemplasse o
desenvolvimento individual e sócio-cultural, na prática instrumentalizou o processo
educativo, tendo obtido pouco resultado, dado o número restrito de formandos que
frequentaram as acções de formação profissional.
Perante a situação da população adulta portuguesa, foi constituído o ―Grupo de Missão
para o Desenvolvimento da Educação e Formação de Adultos, por decisão conjunta do
Ministério da Educação e do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social‖.
(Veloso, 2004:212). Um dos seus objectivos era a criação de uma Agência Nacional de
11
Programa Operacional de Desenvolvimento da Educação para Portugal 12
Informação retirada da obra de Fátima Barbosa (2004) A Educação de Adultos: Uma Visão Crítica
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Educação e Formação de Adultos (ANEFA)13
, a qual surgiu em 1999, sob a tutela
conjunta dos Ministérios da Educação e do Trabalho e da Solidariedade, extinguindo-se
então o Grupo de Missão.
Quais as finalidades da ANEFA? No diploma pode ler-se que a ANEFA foi criada…
“com a natureza de instituto público, sujeito à tutela e superintendência dos Ministros
da Educação e do Trabalho e da Solidariedade, concebida como estrutura de
competência ao nível da concepção de metodologias de intervenção, da promoção de
programas e projectos e do apoio a iniciativas da sociedade civil, no domínio da
educação e formação de adultos, e ainda da construção gradual de um sistema de
reconhecimento e validação das aprendizagens informais dos adultos‖.
A ANEFA manteve-se em regime de instalação até a sua integração final em 2002
(Decreto-Lei nº 208/2002, de 17 de Outubro) na DGFV (Direcção Geral da Formação
Vocacional), actual Agência Nacional para a Qualidade, (ANQ)14
.
As finalidades destes organismos pouco diferem entre si à primeira vista quanto aos
objectivos previstos no diploma que criou a ANEFA e os que prevê a ANQ, a diferença
mais notória reside na qualificação mínima a que se refere a ANQ, ou seja o 12º ano. Os
restantes objectivos permanecem aparentemente os mesmos, apesar dos oito anos
entretanto decorridos; contudo a diferença de linguagem utilizada, ao introduzir o
conceito certificação, e das práticas que daí forçosamente decorrem é significativa se
nela nos detivermos com atenção, traduzindo um desvirtuamento dos processos de
Educação e Formação de Adultos, pela insistência nas qualificações, conotando
Educação e Formação Profissional e pela introdução de um novo público, os jovens,
excluídos do sistema de educação formal.
13
Criada pelo Decreto-Lei nº387/99, de 28 de Setembro. 14
A ANQ foi criada pelo Decreto-Lei nº 276-C/2007 de 31/07/2007 – o mesmo decreto prevê no seu
artigo 18º a extinção da DGFV e do Instituto para a Qualidade na Formação, organismos cujas
atribuições passaram para a responsabilidade da ANQ - Diário da República nº 146 Série I de
31/07/2007 Suplemento [on line]
http://bdjur.almedina.net/item.php?field=node_id&value=1207485, 12.06.08
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
17
Quadro nº 3 – Quadro comparativo entre finalidades da ANEFA e da ANQ
Finalidades da ANEFA15
Finalidades da ANQ16
O desenvolvimento da educação e formação ao
longo da vida, considerada como «condição para a plena participação na sociedade», assenta num
conceito de educação de adultos definido como o
conjunto de processos de aprendizagem, formais
ou não formais.
Uma política de educação de adultos que visa, em
simultâneo, corrigir um passado marcado pelo atraso
neste domínio e preparar o futuro deve assegurar
respostas eficazes e adequadas que garantam a
igualdade de oportunidades, permitam lutar
contra a exclusão social através do reforço das
condições de acesso a todos os níveis e tipos de
aprendizagem, ao mesmo tempo que asseguram a
transição para a sociedade do conhecimento.
Nesta óptica, a estratégia para a educação e
formação de adultos deve combinar uma lógica de serviço público e uma lógica de programa, que se
traduza no estímulo e apoio à iniciativa e à
responsabilidade individual e de grupos, no sentido
de uma capacitação crescente das pessoas e das comunidades, privilegiando para isso a dimensão
local e regional e mobilizando a sociedade civil.
Assim, a acção a desenvolver deve dar
visibilidade e substância a estratégias de
valorização pessoal, profissional, cívica e
cultural, na óptica da empregabilidade, da
criatividade, da adaptabilidade e da cidadania
activa.
É missão da ANQ, I. P., coordenar a execução das
políticas de educação e formação profissional de jovens e adultos e assegurar o desenvolvimento
e a gestão do sistema de reconhecimento,
validação e certificação de competências. A
coordenação das políticas de educação e formação, assegurando a coerência e a pertinência
da oferta formativa orientada pelo objectivo da
dupla certificação, bem como a valorização dos
dispositivos de reconhecimento, validação e certificação de competências são pilares
fundamentais da estratégia de qualificação da
população portuguesa e de promoção da
aprendizagem ao longo da vida protagonizadas, em particular, pela Iniciativa Novas
Oportunidades.
Esta Iniciativa propõe metas ambiciosas no
domínio da certificação escolar e profissional
da população e exige a mobilização alargada
dos instrumentos, políticas e sistemas de
qualificação.
…têm por principal desígnio promover a generalização do nível secundário como
qualificação mínima da população portuguesa
A intervenção da ANQ, I. P. visa assim, de modo
global e articulado, melhorar a relevância e a
qualidade da educação e da formação
profissional…
A leitura do quadro suscita diversas questões, como por exemplo que direccionamento
teve a educação e a formação de adultos nos últimos anos?
A sua análise reveste-se de grande interesse, porque enfatiza as diferentes concepções
de educação subjacentes a cada um dos organismos, nomeadamente uma abordagem
humanista com centralidade do sujeito no seu processo de educação e formação, por
parte da ANEFA, por contraponto a uma abordagem tecnicista que visa a mera
qualificação da população portuguesa por parte da ANQ. Neste ponto da pesquisa
teórica, é já visível uma tensão de posturas entre dois organismos que se sucederam no
tempo, e consequentemente em contextos políticos diferentes, o que como é sabido se
repercute nas políticas educativas.
15
Decreto-Lei n.º 387/99 de 28 de Setembro (Revogado pelo artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 208/2002 de
17 de Outubro) [On line]
http://dre.pt/pdf1sdip/1999/09/227A00/66726675.pdf, 12.06.08 16
Decreto-lei nº 276-C/2007 de 31-07-2007 [On line]
http://dre.pt/pdf1sdip/2007/07/14603/0001600020.pdf, 20/09/09
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
18
Considerando que a preocupação central do meu trabalho é tentar perceber quais as
directivas que regem actualmente a Educação e Formação de Adultos em processo
RVCC e consequentes metodologias utilizadas, esta tensão observada constituiu o
primeiro sinal que perspectiva outras mudanças, as quais irão ser objecto de posterior
pesquisa. De facto, em termos efectivos aonde têm conduzido estas medidas? Se
tivermos em consideração o mais recente documento oficial Programa Operacional
Potencial Humano 2007-2013 (POHP) e observarmos quais as suas
finalidades/objectivos, temos a sensação de estar perante o relatório Delors com uma
―actualização‖ de semântica, com a introdução de novos conceitos como coesão social,
sustentabilidade e a ênfase dada à globalização. A Educação já foi contemplada com
inúmeros financiamentos da UE, esperando-se que o Prodep III lidere a evolução do
sistema educativo na primeira década do novo milénio, inspirado por uma Visão de
Qualidade do serviço público de educação. São elementos fundamentais destes
programas de desenvolvimento educativo para Portugal:
―a convergência, com os outros países europeus, das taxas de pré-escolarização e
de escolarização no ensino secundário;
a abertura à prestação de novos serviços pelas instituições escolares, especialmente
dirigidos a adultos e activos, estimulantes de Aprendizagem ao Longo da Vida;
a rápida evolução do sistema tradicional de ensino para um sistema de
aprendizagem orientada, no qual os alunos são estimulados a aprender com os
meios e ao ritmo do seu tempo‖. (Prodep III)17
Em todo este discurso é notório que várias oportunidades não foram no devido tempo
aproveitadas, tornando-se premente uma postura por parte do Estado Português que seja
suficientemente proactiva. O sub-sistema RVCC surgiu como uma das saídas com mais
potencial para alcançar as metas impostas e deste modo cumprir os protocolos na área
da Educação, tendo entre 2001 e 2005 sido certificados a nível nacional 44.192 adultos
e de 2006 em diante 189.508 adultos.18
17
Prodep III [On-line]
www.prodep.min-edu.pt/menu/1.htm, 15/07/09 18
Fonte: Ministério da Educação, a partir de dados fornecidos pelos CNO‘s à DGFV (2006) e à
plataforma SIGO (2007), com dados provisórios até 30 de Junho de 2009. [On-line] www.min-edu.pt/outerFrame.jsp?link=http%3A//www.novasoportunidades.gov.pt, 29/08/09
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
19
1.2. O que é ser adulto (no sistema educativo)?
Gaston Mialaret diz-nos que ―A educação se destina a todas as idades da vida de um
homem, desde que nasce até que morre‖ (1996: 17). A aprendizagem ao longo da vida
contudo está directamente associada no discurso político ao campo da educação e
formação de adultos. Antes de se iniciar um percurso nesse mundo da educação e
formação de adultos convém determinar o que se entende por adulto, dado ser um
conceito, aliás como o de juventude, que pode flutuar e estar sujeito a múltiplas
interpretações.
Até ao final da Segunda Guerra Mundial, o adulto era olhado como alguém que atingiu
uma determinada idade, idade essa considerada como a referência e a norma, a qual
Avanzini defende ser tanto estatística como ideal. Afirma o autor que
―a noção de adulto designa tanto uma norma estatística, isto é, o estado que a maioria
dos sujeitos parece ter atingido a uma certa idade, como uma norma ideal, isto é, um
certo estado de equilíbrio. Mas ainda que este equilíbrio seja frequentemente mais
desejado que possuído, torna-se aos olhos dos que chegam a estas idades, uma espécie
de exigência em nome da qual criticamos a ―imaturidade‖ daqueles que não o
possuem‖ (1991: 14)
Vaz por sua vez afirma que a passagem à idade adulta corresponde a ―mudanças
fundamentais de estatuto – o início da vida profissional, a saída da família de origem e o
casamento‖ (2003: 12); este conjunto de transições implica a aquisição de maturidade e
até determinada altura posicionava os indivíduos que a alcançavam numa situação
normativa na sociedade.
Segundo Boutinet (2000, cit in Sousa: 2007:58), tal deixou de acontecer devido ao
desenvolvimento de uma sociedade pós-industrial em mutação constante, tendo-se então
começado a problematizar o conceito de adulto. Ainda de acordo com Avanzini, ao
falarmos de adulto estamos a utilizar um termo ―difuso‖ e ―incerto‖, propondo o autor a
seguinte definição ―processo através do qual os sujeitos (adolescentes) enfrentam e
ultrapassam progressivamente dificuldades e encontram equilíbrios para as tensões‖,
isto é ― processo de conquista de autonomia onde antes não existia, de capacidade de se
tornar auto-suficiente […]‖ (1991:11-12). Contudo outros autores salientam que o
adulto é alguém em ―maturidade vocacional nunca atingida‖ (Boutinet, 2000, cit Sousa,
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
20
2007: 61) que se mantém em contínuo desenvolvimento, numa perspectiva humanista
evolucionista (Rogers, 1961, cit in Sousa, 2007: 61), sendo esta imaturidade vivida
actualmente de forma vulnerável e arriscada, dada a incerteza e o risco de uma
sociedade em permanente transformação. Filomena Sousa refere no seu artigo de 2007
O que é “ser adulto”: as práticas e representações sociais sobre o que é “ser adulto”
na sociedade portuguesa, os três modelos que Boutinet considera estarem na base da
definição do conceito de adulto:
―1) um modelo tradicional do adulto padrão, estático, estável, que caminha,
vocacionalmente, para uma maturidade que entende como definitiva – modelo que se
considera ainda persistir como representação predominante na sociedade portuguesa –
e outros dois modelos emergentes que, nos últimos trinta anos, têm caracterizado as
duas direcções para onde se encaminha o adulto inacabado. São eles: 2) o adulto em
perspectiva, do perene desenvolvimento vocacional; e 3) o adulto como problema, do
caos vocacional‖. (Sousa, 2007: 62)
É este inacabamento que permite admitir uma predisposição do adulto para a
aprendizagem ao longo da vida. Esta realidade faz com que as respostas dadas pela
Educação/Formação de Adultos sejam muito diversificadas, surgindo desde logo certa
ambiguidade entre ambos os conceitos, o que pode originar um conflito entre as
expectativas do adulto que se deseja educar ou formar, nunca sendo demais referir a
polivalência quer de semântica quer de interpretação entre diversos autores (estando em
geral educação mais associada ao ensino formal e a formação na sua génese ao ensino
profissional), e os interesses políticos reguladores do sistema educativo e formativo em
geral.
1.3. Educação ou Formação de adultos – conceitos interligados?
Considerando o que referi em relação às diferenças de interpretação a que estão sujeitos
os conceitos de Educação e de Formação, procurarei nesta rubrica expor diferentes
pontos de vista de diferentes autores, que me permitam retirar algumas ilações e
construir uma abordagem pessoal para o desenvolvimento do trabalho.
Para alguns autores a educação é mais vasta do que a formação, havendo
inequivocamente opiniões divergentes. A ilustrar o referido temos a posição de Agustin
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
21
Osório, na sua obra Educação Permanente e Educação de Adultos, diz-nos que
―educação e formação são dois processos inter-relacionados. A primeira tem uma visão
ou consideração mais holística (desenvolvimento integral da pessoa) enquanto a
formação parece um processo mais pontual e funcional, dirigida à aquisição das
destrezas específicas normalmente vinculadas ao mundo do trabalho‖ (2005: 197). Um
outro autor, Gaston Pineau,19
considera porém a formação como processo ontológico
essencial ―prévio‖ ao processo educativo, o qual contribuiria para a formação[…]
humana. A formação, segundo o autor, é uma função inerente à evolução humana e deve
ter em conta factores como o quotidiano, as experiências, a narrativa da vida. É nesse
sentido uma formação permanente totalmente pessoal e intransmissível, uma formação
que não é nem uniforme nem comandada, mas depende da própria pessoa e da sua
relação consigo mesma, com os outros e com o meio envolvente. Por sua vez para
Marie-Christine Josso, a educação não é mais do que
―a acção duma sociedade através das diversas instituições que essa sociedade põe em
funcionamento através das diversas instâncias políticas, dos governos, a fim de
assegurar as transmissões do ―savoir – faire‖ dos comportamentos que vão assegurar a
integração na vida social, cultural, económica, política das novas gerações‖20.
Assim, a educação assegura, simplesmente, a ―continuidade da vida da sociedade‖. Este
―savoir-faire‖ que Josso aqui aponta é, indubitavelmente, aquilo que denominamos de
capacidade, de ―skills‖, a forma como agimos, reagimos e operacionalizamos uma
determinada tarefa ou situação, conceito que mais adiante se revestirá de alguma
importância quando abordar a noção de balanço de competências.
Seja qual for o ponto de vista aceite ou preferido no que diz respeito à educação ou
formação de adultos, existiu e provavelmente ainda subsiste uma concepção sobre
educação de adultos algo redutora, como mero combate ao analfabetismo, o que a reduz
à forma escolar e não distingue por isso os motivos e objectivos dos adultos daqueles
que animam as crianças, se bem que não serão tão diferentes assim, excepto pelo facto
das últimas serem ―forçadas‖ à frequência escolar. Esta visão de educação de adultos
coloca um conjunto de pessoas de uma determinada idade sentadas em bancos
escolares, num lugar específico e a horas específicas, com um professor que lhes
19
Pineau, G. (2004) Temporalidades na Formação, São Paulo: Triom 20
Em entrevista concedida à Associação O direito de Aprender – Out/2008
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
22
transmite conhecimentos, conhecimentos que lhes faltam, ou seja, que colmatam um
défice de que são portadoras. Não pergunta porque é que aquelas pessoas ali estão, e
sendo voluntárias, que propósito as anima e o que querem realizar.
Há porém uma concepção de educação de adultos mais abrangente, a que valoriza a
experiência vivida informalmente, e que se apoia na história de vida do adulto para a
conhecer e a converter em fonte de conhecimento. Já não se encontram presentes apenas
intenções educativas mas também efeitos educativos, efeitos produzidos pelas
aprendizagens realizadas a partir do quotidiano, através do contacto com a realidade
social, por ―osmose‖ como refere Abraham Pain. (Pain, 1990 citado in Canário, R.,
2000: 82)21
. O adulto torna-se então objecto, sujeito e agente de socialização,
conduzindo o seu processo educativo, em ambiente formal, não formal ou informal,
auto, hetero ou ecoformando-se.
A educação assim considerada é um processo complexo, heterogéneo e plural, não
compartimentalizável em disciplinas ou em temas específicos. É factor de
desenvolvimento humano, na tripla vertente do saber, conhecimento teórico, do saber
fazer, a técnica, e do saber ser, competências de relacionamento consigo próprio e com
os outros, e que sem dúvida contribuem para uma maior capacidade de conceber e
realizar com êxito projectos de vida. Surge o conceito de Educação Permanente como
educação em todas as idades, em todas as situações e circunstâncias da vida, em todos
os espaços sociais e não apenas nas instituições especializadas, contudo na prática os
saberes construídos pelas pessoas continuam a ser olhados com cepticismo, e a oferta
educativa exagerada tem tendência a conduzir à normalização e condicionamento dos
adultos, como o faz com os jovens.
O movimento da Educação Permanente tem a sua génese no início dos anos 70 do
século passado, assumindo-se como ruptura e crítica ao modelo escolar, trazendo
consigo o embrião de uma nova sociedade. Nogueira obra afirma que ―a Educação
Permanente apresenta-se como paradigma de um novo tipo de homem, dinâmico e em
constante via de complemento; um princípio que preside, força e orienta a formação do
cidadão ideal‖ (1996: 36). Era uma concepção de educação cheia de promessas,
21
Canário, R. (2000). Educação da Adultos Um Campo e uma Problemática, Lisboa: Educa
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
23
particularmente a partir da década de 70, em que se procurou conjugou a Educação
Escolar e a Educação de Adultos na Educação Permanente, tornando-se a primeira
apenas uma das etapas num processo global de educação permanente. A esse propósito,
Nogueira cita Dias22
(1986):
―emerge um novo conceito de Educação Permanente que pode descrever-se como um
processo de crescimento ou desenvolvimento até à realização final da própria pessoa,
no tempo, ao longo de todas e cada uma das fases da existência – infância, juventude,
vida adulta, terceira idade – e no espaço, em todos os lugares em que a vida decorre‖
(1996: 37).
As promessas da Educação Permanente não se cumpriram porque ―continuamos a não
ser capazes de assumir a realidade descontínua e informal da Educação Permanente;
rubricamos uma nova forma de dominação, agora durante toda a vida‖ (idem: 40-41).
Simultaneamente, desvalorizaram-se no campo das práticas educativas os saberes
adquiridos por via experiencial, relegados para segundo plano, o que Canário afirma
tratar-se ―de uma ideia totalmente contraditória com o conceito de ―aprender a ser‖ que
estrutura os ideais da educação permanente‖ (2000: 89). Talvez por estas razões evoluiu
posteriormente o conceito de Educação Permanente para educação ao longo da vida e
mais recentemente fala-se em Aprendizagem ao Longo da Vida como processo de
formação de responsabilidade individual, humanista, ligado aos imperativos de
desenvolvimento económico, de combate ao desemprego, e constituindo-se como factor
de manutenção da coesão social.
A formação de adultos, por sua vez, conheceu um grande crescimento na segunda
metade do século XX, confundindo-se com a formação profissional contínua, pois esta
constitui-se como ―vertente fundamental da visibilidade e autonomia do campo da
formação de adultos, relativamente aos tradicionais sistemas escolares‖ (Canário, 2000:
39). Foi identificada por conseguinte com a formação profissional, necessária ao mundo
do trabalho, tendo criado à sua volta expectativas de mudança profunda e constituindo-
se como veículo fundamental ao êxito de reformas estruturais na sociedade. Canário
afirma que o sentimento de decepção que se sucedeu a uma primeira fase marcada pela
22
Dias, J. C. (1986) A educação de adultos como objectivo de educação escolar no contexto da educação
permanente, in A. Inácio et al. (coord.), Primeiro Congresso Nacional de Educação de Adultos.
Coimbra: Associação Portuguesa para a Cultura e Educação Permanente
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
24
euforia, levou paradoxalmente ao ―crescimento em flecha da oferta de formação
profissional contínua‖ (2000: 40), marcada porém pela ineficácia. Os cursos de
formação profissional, de uma maneira geral, quer se tratasse de formação inicial ou
contínua, pareciam uns e outros dotados de alguma inutilidade: no segundo caso apenas
uma forma de obter lucro, porque as empresas pagavam bem para os seus trabalhadores,
todos quadros médios e superiores, se reciclarem; no primeiro caso, essencialmente uma
questão de amortizar conflitos sociais, colocando na formação jovens adultos
desempregados ou à procura do 1º emprego, sem que a formação viesse a ter qualquer
impacto na sua empregabilidade futura. Especificamente a formação contínua parecia a
maior parte das vezes não ir de encontro às necessidades reais dos formandos, não os
escutando nem valorizando os seus saberes experienciais, não construindo com eles o
conhecimento, não provocando mudança; era-lhes imposta pela sociedade de forma
compulsiva, para manterem um emprego que de alguma maneira sentiam em perigo. Os
indivíduos tinham que frequentar os cursos de formação, porque estes eram eficazes, de
qualidade, e por muita decepção que sentissem, sentiam-se na obrigação de se formarem
para se actualizarem, consequentemente as ofertas formativas multiplicaram-se sem
controlo algum da real necessidade da sua existência. A oferta formativa traduziu-se
num acumular de cursos dispersos, desgarrados, fragmentados, que nada tinham a ver
uns com os outros. Tratava-se antes de mais de uma questão de competição entre
indivíduos numa sociedade cada vez mais exigente, na qual, segundo Lima
― […] a educação tende a ser considerada como um bem de consumo passível de
mercadorização, e de troca, e a aprendizagem ao longo da vida se transforma num
atributo meramente individual, só plenamente eficaz quando utilizado contra o outro,
com menos ―competências para competir‖. (Lima, 2007: 20).
Numa perspectiva mais abrangente, existem contudo modalidades de formação que
tornam possível a aproximação entre situações de trabalho e de formação, afirmando o
formando como sujeito co-produtor da sua formação, realizando-se a prática formativa
no próprio ambiente de trabalho. Ali transformam os sujeitos as experiências em
aprendizagens não formalizadas, em saberes, através da reflexão e da pesquisa sobre o
próprio exercício do trabalho, auto-formando-se de forma permanente, individual e
colectivamente. Canário fala de ―aprendizagem organizacional‖ e refere que o colectivo
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
25
de actores em presença aprende teorizando sobre o trabalho, teorização essa que
estrutura a acção colectiva, o que permite ―não apenas a possibilidade de aprendizagem
através da organização, mas também, dando à expressão um sentido metafórico, a
possibilidade de as organizações aprenderem, no sentido de reforçarem a sua
capacidade autónoma de mudança‖ (2000: 45). Adquirem assim os sujeitos
competências que nada têm a ver com qualificações, graus académicos e diplomas. São
conhecimentos adquiridos na acção, no contacto e interacção com os outros e que
dependem também da experiência de vida de cada um. Pelo exposto a formação não se
desliga do contexto de trabalho, realiza-se nele e com ela aprendem pessoas e
organizações, adquirindo-se competências técnicas e relacionais.
Gostaria no entanto de salientar que apesar da prevalência do contexto profissional e das
competências nele adquiridas serem particularmente ―exploradas‖ no processo RVCC,
não podem ser desconsideradas todas as aprendizagens obtidas noutros contextos. São
todas essas competências que interessam ao presente estudo, porque são elas que se
pretendem formalizar no processo RVCC, atribuindo-lhes uma correspondência escolar,
num paradigma de Aprendizagem ao Longo da Vida, como realçado anteriormente.
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
26
Capítulo II
Reconhecimento, Validação e Certificação de
Competências
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
27
2.1. Breve contextualização dos CNO´S
Será pertinente situar contextualmente os Centros de Novas Oportunidades, as razões
que levaram à sua criação e os objectivos que se propõem atingir, caracterizando a
relevância que assumiram no campo da Educação e Formação de Adultos.
O poder político nacional, assim como directivas Europeias têm tido uma influência
decisiva no rumo que levam as políticas de Educação, tendo surgido uma série de
directivas conjuntas, que obrigam os diferentes países a tomar medidas para
acompanhar as resoluções adoptadas, como por exemplo: ―O ensino, a formação e a
empregabilidade foram reconhecidos pelo Conselho Europeu de Lisboa, de Março de
2000, como parte integrante das políticas económicas e sociais necessárias para atingir o
objectivo estratégico de fazer da Europa a economia baseada no conhecimento mais
dinâmica do Mundo até 2010” (cit. in Conselho da Europa, n.º doc. ant: 9175/04 EDUC
101 SOC 220).
A directiva com maior visibilidade para alcançar as metas referidas é a qualificação dos
jovens e adultos, com o incremento da Iniciativa Novas Oportunidades, na qual se
insere o subsistema Reconhecimento, Validação, Certificação e Validação de
Competências (RVCC). O seu objectivo principal é orientar os adultos, maiores de 18
anos, que não possuem a escolaridade obrigatória, para processos de reconhecimento,
validação e certificação de competências, tendo em vista a melhoria dos seus patamares
de certificação escolar e profissional, bem como para a continuação de processos de
formação contínua, numa perspectiva de aprendizagem ao longo da vida. (Portaria
nº1082-A/2001 – Artº 2).
Não podemos esquecer contudo que ensino e formação estão relacionados com
empregabilidade no discurso oficial, ou seja, traduzem uma formação subordinada à
economia e interesses empresariais. Tal tem conduzido tradicionalmente a um
desinteresse do sistema educativo Português em conceder à Educação de Adultos ―um
tratamento articulado dos diferentes contextos educativos formais e não-formais e das
diferentes práticas que se inserem dentro do conceito alargado de educação de adultos,
parecendo traduzir, por conseguinte, uma não valorização deste campo.‖ (Veloso,
2004:197). Para colmatar esta falha, embora mantendo a educação cativa da economia,
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
28
as directivas actuais centram-se numa estratégia dual: por um lado, a elevação das taxas
de conclusão do nível secundário nos jovens, com um forte combate ao abandono
precoce e uma aposta no reforço das vias profissionalizantes; por outro lado, a
persistente recuperação dos níveis de qualificação da população adulta, através da
conjugação da educação de adultos com a generalização dos processos de
reconhecimento, validação e certificação de competências.
Apenas perante esta visão global das estratégias governamentais para se alcançar uma
melhoria dos indicadores de abandono escolar precoce e consequente melhoria nos
índices de qualidade na educação, podemos determinar o porquê da especificidade da
formação dos adultos que procuram os RVCC e as motivações dos formadores para a
ela se dedicarem. Estes encontram-se colocados perante uma situação para a qual não
receberam eles mesmos formação, tendo para além disso de dar formação ―formatada‖
e ―à medida‖ das necessidades dos adultos. Estaremos perante um modelo de formação
em que realmente os alunos aprendem com os meios ao seu dispor e ao ritmo do seu
tempo ou, dadas as limitações de tempo impostas pelas metas a atingir pelos CNO‘s e
as exigências de apresentação de resultados, centrando-se no produto final a obter e não
no processo, tratando-a como treino em vez de prática reflexiva, transformando os
actores envolvidos em objectos em vez de sujeitos de formação?
Em boa verdade a qualificação dos adultos que recorrem aos CNO‘s, para além dos fins
estatísticos já mencionados, traz consigo a noção muito em voga hoje em dia de
constituir a formação uma forma privilegiada de enfrentar e resolver problemas de cariz
social. De facto, segundo Ferry (1987), a formação constitui um dos grandes mitos do
nosso século, apresentando-se como resposta para todos os problemas. O autor diz que
a formação saiu dos limites estritamente profissionais e alargou-se a outros campos,
tendo-se banalizado de tal forma que se impôs como ―resposta a todas as interrogações,
a todas as desordens, a todas as angústias dos indivíduos e dos grupos desnorteados e
agitados por um mundo em constante mutação e ainda por cima desestabilizados pela
crise económica. Da formação exige-se o domínio das acções e situações novas, a
mudança social e pessoal que já não se espera de mudanças estruturais‖23
(1987: 31). O
poder político, para manter a coesão social, envia os desempregados para cursos de
23
Em francês no original.
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
29
formação, os activos empregados fazem cursos de formação para conservarem o
emprego; todo este frenesim de formação, mais imposta que desejada, é do meu ponto
vista questionável, porém quando se é confrontado com questões de desemprego ou de
crise económica, espera-se que a formação se estruture de forma a fornecer soluções,
tornando-se assim uma ferramenta imprescindível na luta pela inclusão social, pois
também ajuda a promover ―[…] o emprego e a mobilidade social […]‖ (Canário,
2000:39). Sendo pois o actual público-alvo dos CNO's em larga medida desempregado
ou com emprego precário ―tais destinatários terão em comum a partilha do risco de
exclusão socioprofissional‖ (Imaginário, 2001: 122), criam-se expectativas da
existência de uma relação directa e quase imediata entre formação/qualificação e
ingresso num mercado de trabalho estável, as quais sendo defraudadas podem
eventualmente ter como consequência o abandono do processo.
Contudo no discurso oficial a criação e o desenvolvimento do Sistema RVCC justifica-
se pelos baixos níveis de escolaridade da população portuguesa e pelo facto duma parte
significativa desta população exercer funções e responsabilidades, sociais e
profissionais, nas quais evidencia competências e conhecimentos muito para além das
que correspondem às suas certificações/qualificações.
Coloca-se aqui a questão, já enunciada, de determinar se as aprendizagens formais, não
formais e informais feitas pelo adulto no seu percurso de vida e materializadas em
produto identificável com o ensino formal, não traduzirá alguma tensão entre um
princípio de reconhecimento de saberes adquiridos em contexto experiencial, as
Histórias de Vida, e um Balanço de Competências que poderá ser entendido como
pretendendo ―moldar‖ essas mesmas Histórias de Vida?
2.2. A História de Vida
De acordo com Vieira na sua obra Histórias de Vida e Identidades (1999), as Histórias
de Vida enquanto metodologia de pesquisa surgem ligadas à Antropologia, com a obra
de autobiografia de um índio realizada em 1920 por Radin, a qual, segundo Balandier
(Balandier, 1990, cit Vieira, 1999: 71) ―revela do interior, do ponto de vista do sujeito,
como se estabelece a relação entre a sociedade e a cultura‖.
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
30
Marie-Christine Josso concebe a História de Vida como projecto metodológico. A
autora considera que esta opção metodológica se baseia na ―necessidade de reivindicar,
de dar um lugar, justificar a sua sustentação, dando uma legitimidade à mobilização da
subjectividade como modo de produção de saber e à intersubjectividade como suporte
do trabalho interpretativo e de construção de sentido para os autores dos relatos‖ (Josso,
1999: 15).24
Deste modo se justifica que as Histórias de Vida sejam entendidas, nas
Ciências da Educação, como formação e/ou auto-formação, pois permitem-nos conhecer
melhor os adultos e os seus percursos, pelo que se pode considerar as ―Histórias de Vida
como uma ―mediação‖ para a formação, […] não no sentido de as considerar como uma
técnica de formação, mas como uma abordagem que produz, ela própria, um certo tipo
de formação e um certo tipo de conhecimento.‖ (Couceiro, 1996: 2).25
A História de Vida é por conseguinte pensamento reflexivo necessário a um processo de
formação, que se deseja com continuidade no tempo. No campo da educação a
metodologia das Histórias de Vida pode contribuir para que seja valorizada a
aprendizagem experiencial individual, mas também colectiva, alicerçando no actual
mundo globalizado a identidade cultural dos povos. Tem por conseguinte potencial para
dar estabilidade ao processo educativo, independentemente das ideologias políticas em
vigor num determinado momento.
O processo RVCC reclama a História de Vida como metodologia fundamental, sendo
pedido a cada candidato que faça uma reflexão sobre as suas aprendizagens
experienciais, sobretudo aquelas que foram ricas no desenvolvimento de competências.
Compete ao profissional RVCC utilizar os instrumentos necessários à desocultação
dessas competências e à identificação dos interesses e motivações do adulto,
conduzindo-o a uma reflexão sobre as experiências passadas e presentes, tendo em vista
a definição de projectos de vida futuros. A operacionalização de todo o processo é
materializada no Referencial de Competências – Chave para a Educação e Formação de
Adultos, documento oficial pelo qual se regem as equipas técnico-pedagógicas dos
Centros Novas Oportunidades. No Referencial de Competências - Chave para a
24
Josso, Marie-Christine “Life history and Project: life history as a Project and “life histories” attending
to projects‖ in Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 25, n. 2, 11-23, jul/dez 1999 25
Couceiro, Maria do Loreto Paiva (1996) ―O porquê e para quê do uso das Histórias de Vida‖ in Manuela
Malpique, Histórias de Vida, Porto: Campo das Letras.
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
31
Educação e Formação de Adultos - nível secundário – guia de operacionalização, são
caracterizadas as Histórias de Vida, dando orientações metodológicas para a sua
utilização; fazem algumas distinções, designando-as como Abordagem (Auto)
biográfica. Esta é definida como um item estruturante do seguinte modo:
‖A Abordagem (Auto) biográfica aproxima-se das Histórias de Vida como método, na
medida em que visa ―a construção de um sentido vital dos factos temporais‖
(Couceiro, 2002:31). Apela à interrogação permanente: ―colocar-se face à vida,
atribuir-lhe um sentido, construir um pensamento legitimado pela experiência
existencial, compreender o modo como o sujeito se formou e deu forma à sua
existência é, de facto, um processo de interrogação, de descoberta, de criação e não de
adequação ou eventual transformação em função de algo previamente definido e
conhecido‖. (Honoré, 1992 in Couceiro, 1995: 360).
Os registos biográficos têm, sobretudo, um valor heurístico de auto e hetero-
descoberta e de elicitação de competências. São um instrumento, que assume um
carácter historicamente situado e que permite descrever, re-escrever ou verificar,
informalmente, vários níveis da experiência relevantes para o sujeito, envolvendo
dimensões individuais e sociais, tanto na esfera privada como na pública‖.
(Referencial de Competências-Chave para a Educação e Formação de Adultos – Nível
Secundário Guia de Operacionalização: pág. 29).26
Esta abordagem às Histórias de Vida como instrumento para validar competências
direccionando os adultos para o cumprimento de objectivos, pareceria muito redutora ao
despojá-los das suas subjectividades, inibindo uma auto-reflexão, produtora de
conhecimento.
António Nóvoa,27
a partir do conceito de autoformação participada, desenvolve uma
reflexão metodológica em torno das potencialidades e dos limites do método
autobiográfico, salientando três ideias fundamentais:
―as histórias de vida constroem-se numa perspectiva retroactiva (do presente para o
passado) e procuram projectar-se no futuro; a formação deve ser entendida como uma
tomada de consciência reflexiva (presente) de toda uma trajectória de vida percorrida
26 Anexo I – Quadro com as ―Diferenças entre Histórias de Vida e (Auto) biografias‖ 27 António Nóvoa é Vice-Reitor da Universidade de Lisboa. Professor Catedrático da Faculdade de Psicologia e de
Ciências da Educação da Universidade de Lisboa. Presidente da Associação Internacional de História da
Educação - ISCHE (2000-2003). [On-line]
http://www.asa.pt/autores/autor.php?id=413, 12/03/09
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
32
no passado; é fundamental que a abordagem biográfica não deslize no sentido de
favorecer uma atitude ―intimista‖ (e não participada), na medida em que tal poderia
dificultar a meta teórica a atingir, isto é, a compreensão a partir da história de vida de
cada um do processo de formação dos adultos‖ (Nóvoa citado por Nóvoa & Finger,
1988: 15).
Também Correia28
cit. in Ana Pires (2007), falando sobre os saberes experienciais,
privilegia uma perspectiva crítica, defensora de ―modelos de intervenção preocupados
com o aprofundamento das valências emancipatórias da formação‖, procura a
―reabilitação das experiências inserindo‑as num processo cuja pertinência já não se
defina pela sua adequabilidade relativamente aos saberes formais e susceptíveis de
serem transmitidos, mas pelo sentido que lhes atribuem os indivíduos e os grupos em
formação. […] Para além de se preocupar com o reconhecimento destes saberes, o
trabalho de formação procura induzir situações em que os indivíduos se reconheçam nos
seus saberes e sejam capazes de incorporar no seu património experiencial os próprios
saberes produzidos pelas experiências de formação‖ (op. cit., p. 37).
Na minha opinião, as perspectivas dos autores supra corroboram o enunciado nos
Referenciais de Competências-Chave no que concerne a utilização das Histórias de
Vida como metodologia, sendo no plano teórico o processo RVCC sobretudo um
processo de formação. Contudo, na prática o conceito de História de Vida é imbuído de
adaptações necessárias ao funcionamento do processo, (instrumentalização da biografia
do sujeito, criação de instrumentos que direccionam a biografia). Esta abordagem
coloca-se pela obrigatoriedade de cumprimento do referencial. É esta necessidade de
coerência que poderá eventualmente deturpar a ―essência‖ do processo, tornando-o
―essencialmente‖ um processo de ortopedia social.
2.3. Balanço de competências
O Balanço de Competências está muito ligado às competências adquiridas no mundo do
trabalho, embora em teoria se dirija aos saberes experienciais provenientes de contextos
diversos, formais, não formais e informais. Marise Ramos na sua obra A Pedagogia das
28PIRES, A.L.O. (2007) ―Reconhecimento e Validação das Aprendizagens Experienciais. Uma problemática
educativa‖ in Sísifo. Revista de Ciências da Educação, 2, 5-20. [On-line]
http://sisifo.fpce.ul.pt, 14/05/09
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
33
Competências: autonomia ou adaptação? salienta que ―a ideia central em qualquer
caso, é distanciar a certificação da concepção académica de credencial obtida ao
concluir estudos com êxito demonstrado por meio de provas e aproximá-la da descrição
de capacidades profissionais reais do trabalhador, independentemente da forma como as
tenha adquirido‖ (2006: 87). Contrapondo a esta ideia de que o balanço de competências
se direcciona essencialmente às adquiridas em contexto de trabalho, surgem outras
definições mais abrangentes de competência.
É altura de retomar o conceito de capacidade já referido anteriormente quando abordei a
questão da educação e da formação de adultos, pois parece-me esta mais directamente
ligada ao trabalho, à execução de tarefas. Gérard Malglaive (1995) considera a
capacidade como o potencial que cada indivíduo tem em si mesmo (já que esta noção
faz parte do sistema neurológico) em realizar uma determinada tarefa. É, no fundo, o
valor, o mérito ou o talento. Quanto à competência é quer a integração, quer a
coordenação de um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que, por serem
pessoais e intransmissíveis, produzem uma actuação diferenciada. A competência
encerra em si mesma várias dimensões humanas, convocadas no momento de realizar
uma determinada tarefa. O conjunto de crenças e valores inerentes a cada indivíduo
(presentes, obviamente, em tudo aquilo que o indivíduo realiza) determinará o seu modo
de ser, o seu ―modus operandi‖, o qual, por sua vez, determinará sem dúvida o grau de
motivação que o indivíduo tem para a realização de actividades concretas. Poder-se-á
concluir, assim, que a competência se expressa pelo modo singular como uma
determinada tarefa é operacionalizada. A competência evoca, segundo Malglaive, a
excelência do fazer, a habilidade, a amplitude de saberes e do saber - fazer num
determinado domínio (Malglaive, 1995:122).
Também Ana Pires nos fala de competência como de um conceito abrangente, dotado
de ambiguidade, com uma multiplicidade de categorias. No seu artigo As Novas
Competências Profissionais, propõe uma sistematização da noção de competência da
autoria de Patrick Gilbert e Michel Parlier:
― - A competência possui um duplo carácter operatório e finalizado: apenas tem sentido
em relação à acção – ela é sempre «competência para agir» - e também na medida
em que realiza essa acção. A competência é indissociável da actividade pela qual se
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
34
manifesta.
- É relativa a uma determinada situação. Tirando partido dos diferentes elementos
dessa situação, permite que o indivíduo se adapte a ela ou que se adapte às suas
condições evolutivas.
- Combina de forma dinâmica os diferentes elementos que a constituem (saberes,
saberes-fazer práticos, raciocínios…) para responder a essas exigências de
adaptação.‖ (1994: 6)
Refere em seguida que as competências, embora a autora fale especificamente das
profissionais, não são apenas técnicas, mas pessoais e relacionais, não se reduzindo nem
às capacidades nem mesmo às qualificações.
Aponta onze competências genéricas, nas quais se incluem por exemplo o espírito
crítico, a percepção e interpercepção nas relações pessoais e a preocupação e solicitude
em relação aos outros, os ―soft skills‖, competências-chave fundamentais tais como a
autonomia, a flexibilidade, o espírito de liderança e a criatividade e finalmente as
competências de terceira dimensão, as quais agrupam os comportamentos profissionais
e sociais, as atitudes relativas à comunicação, à auto imagem e à capacidade de
adaptação e mudança, as capacidades criativas e as atitudes existenciais ou éticas.
Porém, é de salientar o facto que tais competências podem ser desenvolvidas quer por
actividades profissionais e de formação, quer por actividades ligadas à vida social e
familiar.
Por sua vez o vocábulo Balanço sugere desde logo avaliação dos aspectos positivos ou
negativos das competências dos adultos, avaliação com carácter reflexivo, critico, auto
avaliação, feita embora em conjunto com o profissional RVCC na sua qualidade de
mediador. Esta avaliação formativa que o discurso oficial afirma estar presente no
Balanço de Competências, assume ou deveria assumir um papel orientador de apreensão
das aprendizagens realizadas ao longo da vida a que Luísa Cortesão (1999, cit in
Terrasêca, 2002: 197)29
chama ―papel de bússola‖ para o distinguir do ―papel de
balança‖ desempenhado pela avaliação sumativa.
29
CORTESÃO. L. (1999), cit in TERRASÊCA (2002) Tensão controlo/avaliação in Avaliação de
Sistemas de Formação. Contributos para a compreensão da avaliação enquanto processo de
construção de sentido. Porto: FPCE-UP (Tese Doutoramento) pp. 195-210.
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
35
É um Balanço de Competências desta natureza, em que a ―bússola‖ aponta o caminho
para o reconhecimento de um conjunto de competências de natureza abrangente, não
apenas profissionais mas também do âmbito do saber ser, que parece ter repercussões na
obra de Luís Imaginário, sobre a origem do sub-sistema RVCC, quer a nível
internacional, quer em Portugal. Intitulada ―Balanço de Competências, Discursos e
Práticas‖ (2001) dá-nos a contextualização do referencial de competências (emergiu em
França) como ―ferramenta‖ para a validação dos saberes adquiridos. A Parte III é
dedicada a Portugal, ―[…] onde as práticas que se reivindicam do qualificativo de
balanço de competências são percorridas segundo as mesmas variáveis utilizadas na
análise do dispositivo francês e na base da informação recolhida, sobretudo, por
questionário postal junto dos respectivos actores‖ (Idem: 3).
Diz-nos o autor que o balanço de competências tende a ser concebido de duas formas,
uma de reconhecimento de saberes experienciais, adquiridos em ambientes não formais
e informais, outra como dispositivo de certificação formal. Na primeira concepção, a
seu ver, estará presente uma dimensão de ―projecto‖, ausente da segunda. Decorrente
desta dupla natureza do balanço de competências, também os seus objectivos envolvem
um duplo desígnio, o do reconhecimento, por um lado e da certificação por outro.
Identifica ainda o autor características comuns a todos os actores institucionais
envolvidos no que diz respeito aos objectivos do balanço de competências, a saber:
―[…] tendem a considerar conjuntamente competências pessoais, sociais e
profissionais‖, ―[…] manifestam-se particularmente atentos às competências não-
formais ou informalmente adquiridas‖ e ―[…] articulam mais ou menos explicitamente
o balanço de competências com projectos de formação consubstanciáveis em percursos
individualizados‖ (2001: 112).30
Quanto às metodologias utilizadas afirma o autor algo
de muito significativo na minha opinião, e que traduz o dilema presente na pergunta de
partida deste trabalho: ―[…] uma intervenção supostamente ajustada aos ritmos do
confronto e da exploração pessoal dos sujeitos se transverteria num curso quase escolar
sobre o balanço de competências‖ (2001: 120). Quanto ao público-alvo o balanço de
competências dirige-se sobretudo àqueles que partilham o risco de exclusão
30
De salientar a constatação interessante que faz o autor no que diz respeito ao perfil preferencial do
profissional do balanço de competências, que é o de psicólogo, embora não estejam excluídos o de
outros profissionais das áreas das ciências sociais e humanas.
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
36
socioprofissional, tanto jovens como adultos, desempregados ou em risco de
desemprego e ainda aqueles que desejam uma certificação profissional ou, entre os
activos, os que querem progredir na carreira.
A partir deste conceito de Balanço de Competências foi elaborado o Referencial de
Competências-Chave pela Direcção-Geral de Formação Vocacional (DGFV), para
ambos os níveis de escolaridade, básico e secundário, procurando-se colmatar os baixos
índices de qualificação da população portuguesa.
O Referencial de Competências-Chave do nível básico assenta
―numa organização em quatro áreas nucleares e uma área de conhecimento e
contextualização das competências, consideradas todas elas necessárias para a
formação da pessoa/cidadão no mundo actual. As áreas nucleares são: Linguagem e
Comunicação (LC); Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC); Matemática
para a Vida (MV) e Cidadania e Empregabilidade (CE).
A visão integradora subjacente ao referencial pressupõe a existência de articulação
horizontal e vertical entre as Áreas, já que o domínio de competências específicas de
cada uma delas enriquece e possibilita a aquisição de outras, existindo algumas
competências gerais comuns às diferentes áreas, que resultam da visão transversal do
conhecimento e das capacidades subjacentes à noção de competência-chave. Ler e
interpretar informação oral, escrita, visual, numérica ou em formato digital é uma
competência transversal imprescindível ao exercício da cidadania e da
empregabilidade.‖ (2002: 10) 31
Sistematizam-se tais áreas de competências da seguinte forma:
31
Fonte: Referencial de Competências-Chave para a Educação e Formação de Adultos – Nível Básico
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
37
Figura 1 – Nível Básico
Cada área tem três níveis correspondentes aos três ciclos de ensino básico (sem com
eles se identificarem), denominados B1, B2 e B3, cada um deles com 400 h de
formação, correspondentes a 40 créditos, num total de 1.200 h de formação e 120
créditos.
Quanto ao Referencial de Competências-Chave do nível secundário é composto por três
áreas, das quais a ―Área Cidadania e Profissionalidade (CP) assume […] um carácter
explicitamente transversal, ao reflectir conhecimentos, comportamentos e atitudes
articulados e integradores das outras Áreas de Competências-Chave. Esta sua
transversalidade, envolvente das outras duas áreas, aparece clara no modelo conceptual
do Referencial de Competências-Chave, e traduz-se também na definição de uma
estrutura semelhante com os mesmos elementos de referência das áreas operatórias. As
duas Áreas - Sociedade, Tecnologia e Ciência (STC) e Cultura, Língua, Comunicação
(CLC) – são consideradas de natureza instrumental e operatória […] envolvendo
domínios de competências específicas e cobrindo campos científicos e técnicos muito
diversos, mas utilizando estruturas iguais e os mesmos elementos de referência
conceptual‖. (2006: 24)32
Sistematizam-se tais áreas de competências da seguinte forma:
32
Fonte: Referencial de Competências-Chave para a Educação e Formação de Adultos – Nível
Secundário
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
38
Figura 2 - NÍVEL SECUNDÁRIO
Neste nível é necessária a obtenção de 44 créditos para que o candidato seja certificado
dentro deste sistema. De notar que este número de créditos deve distribuir-se pelas três
Áreas de Competências-Chave da seguinte forma: 16 créditos em Cidadania e
Profissionalidade (CP); 14 créditos em Sociedade, Tecnologia e Ciência (STC); 14
créditos em Cultura, Língua, Comunicação (CLC).
Cada crédito corresponde a cerca de 12 horas de trabalho, dedicadas ao reconhecimento
e validação de uma competência num determinado domínio da realidade, podendo
compreender diversas actividades, como exploração auto-biográfica, elaboração de
materiais, conversa com técnicos e formadores, assistência a formações, auto-
aprendizagem, entre outros.
2.4. Profissional de RVCC
O profissional de RVCC faz parte fundamental dos quadros técnico-pedagógicos deste
sub-sistema de ensino, juntamente com os técnicos de diagnóstico e encaminhamento e
os formadores, entre outros.
O artigo 10º da portaria nº 370/2008 de 21 de Maio do Ministério do Trabalho e
Solidariedade Social define o seu perfil profissional do seguinte modo:
―1 — Ao profissional de RVC compete:
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
39
a) Participar nas etapas de diagnóstico e de encaminhamento, sempre que tal se revele
necessário;
b) Acompanhar e apoiar os adultos na construção de portefólios reflexivos de
aprendizagens, em estreita articulação com os formadores, através de metodologias
biográficas especializadas, tais como o balanço de competências ou as histórias de vida;
c) Conduzir, em articulação com os formadores, a identificação das necessidades de
formação dos adultos ao longo do processo de reconhecimento e validação de
competências, encaminhando-os para outras ofertas formativas, nomeadamente para
cursos de educação e formação de adultos ou formações modulares, disponibilizadas por
entidades formadoras externas ou para formação complementar, de carácter residual e
realizada no próprio centro, pós a validação de competências e a sua certificação;
d) Dinamizar o trabalho dos formadores no âmbito dos processos de reconhecimento e
validação de competências desenvolvidos;
e) Organizar, conjuntamente com os elementos da equipa do centro que intervêm nos
processos de reconhecimento, validação e certificação de competências e com o
avaliador externo, os júris de certificação, participando nos mesmos.
2 — O profissional de RVC deve ser detentor de habilitação académica de nível
superior e possuir conhecimento das metodologias adequadas e experiência no domínio
da educação e formação de adultos, nomeadamente no desenvolvimento de balanços de
competências e construção de portefólios reflexivos de aprendizagem‖.
Como foi dito anteriormente, Imaginário (2001) traçou na sua obra o perfil de
qualificação destes profissionais, tendo chegado à conclusão que a generalidade das
instituições ligadas à formação e ao emprego afirmam que a formação académica de
base deve ser preferencialmente em Psicologia, ou na área das ciências sociais e
humanas como, por exemplo, a Sociologia, a Economia e mesmo a Gestão de Empresas.
Não há referência às Ciências da Educação, embora, como se pode constatar, o ponto 2
do artigo 10º refira especificamente conhecimento e experiência no domínio da
educação e formação de adultos, o que de certa forma revela, do meu ponto de vista,
uma incongruência entre o discurso e as práticas.
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
40
Alberto Melo aborda ao de leve a problemática destes profissionais no seu artigo
intitulado ―Reconhecimento, validação e certificação das competências adquiridas‖;
integrado num conjunto de estudos e relatórios subordinados ao tema ―Aprendizagem
ao Longo da Vida no Debate Nacional sobre Educação‖, da responsabilidade do
Conselho Nacional de Educação. O artigo em questão relata uma sessão realizada em
2006 para a qual foram convidados representantes de seis entidades que promovem
Centos de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências. À interrogação
―Que medidas tomar para melhorar o enquadramento e o desempenho dos CRVCC, no
sentido de reforçar o seu contributo para a valorização e investimento das pessoas, das
famílias e das entidades empregadoras – em particular os mais desfavorecidos, os
adultos menos escolarizados e as PME – na educação e formação?‖ (2007: 196), foram
feitos comentários relacionados com o objectivo do processo, com o perfil do público-
alvo, com o desajuste do Balanço de Competências, com a avaliação dos Centros e
também com os Profissionais de RVCC. Relativamente a estes considerou-se que lhes
deveriam ser aplicadas as metodologias inerentes aos Centros, isto é, ―que sejam
reconhecidas todas as competências que foram produzidas nas suas práticas de trabalho
com os adultos, a fim de se poder consolidar uma nova carreira profissional
especializada. É, aliás, necessária uma formação periódica de todos os agentes que
intervêm neste sistema, incluindo obviamente os profissionais de RVCC‖ (2007: 197,
198).
Concluindo, são os profissionais RVCC uma peça importante nos Centros, pois além do
seu trabalho específico com os adultos, ainda se constituem mediadores ao longo de
todo o processo, articulando-se não só com os técnicos de diagnóstico e
encaminhamento quando necessário mas também com os formadores; são pois uma
figura sempre presente no apoio prestado aos adultos.
2.5. Autonomia
Torna-se pertinente tratar o conceito de autonomia, uma vez que este surgiu ao longo de
todo o trabalho como categoria emergente no discurso dos profissionais entrevistados,
tanto implícita como explicitamente.
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
41
Se perguntarmos a alguém o que entende por autonomia talvez a resposta imediata seja
capacidade de decisão, saber escolher o mais conveniente e fazer essa escolha
conscientemente; de facto, a palavra autonomia tem origem no grego e significa auto
governo, governar-se a si próprio. Contudo o conceito é muito abrangente, e num
sentido mais lato aparece ligado à participação social e política, como condição de
exercício de uma democracia participativa, tornando-se ainda mais exigente e exigível
num contexto globalizado. De facto, num mundo globalizado como o actual torna-se
uma prioridade nas suas múltiplas vertentes material, psicológica, sócio cultural e
política.
Num artigo intitulado "O Sentido da Autonomia no Processo de Globalização‖ dois
autores, Siqueira & Pereira, consideram que na sociedade actual a autonomia ―constitui-
se como necessidade material, no momento em que a racionalidade tecnológica coloca
como exigências para o homem o domínio do conhecimento, a capacidade de decidir, de
processar e seleccionar informações, a criatividade e a iniciativa‖ (1998)33
. Continuam
afirmando que a palavra autonomia reveste-se de uma profusão de novos sentidos, todos
eles direccionados para qualificar a acção humana, em todas as circunstâncias da vida
social, numa multiplicidade de contextos. Reconhecem portanto a autonomia como
categoria central da essência da vida humana, como o poder de determinar os processos
e as estratégias de acção, permitir a escolha de caminhos e alternativas, bem como
objectivar desejos e ideais no sentido de efectivar a acção crítica nas mais diversas
situações que a vida impõe.
Talvez por esta razão tenha a autonomia surgido recorrentemente no presente estudo,
até porque no discurso oficial está muito presente a noção de que, como é dito pelos
autores no artigo citado, ―a educação deve ser repensada segundo as exigências do
mundo actual, que são colocadas segundo os princípios da modernidade reflexiva. Isto
significa que, nesse contexto, a educação precisa assumir seu verdadeiro papel na
formação da consciência crítica, disseminando a autonomia como valor central na
33 Artigo publicado na Revista Educação, vol. 22, nº 2 [On-line] http://www.angelfire.com/sk/holgonsi/index.autonomia1.html, 25/05/09
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
42
defesa de um projecto de cidadania moderno que promova a liberdade do homem.‖
(1998).
Seria desejável que no processo RVCC o adulto fosse de facto capaz de autonomia e de
reflectir criticamente sobre a sua história de vida, contudo para que isso aconteça ele
precisa de se sentir responsável, interlocutor de pleno direito, e não comandado de fora,
formatado por um técnico que o dirige.
Pierre Vayer, na sua obra Princípio de Autonomia e Educação afirma que num projecto
o papel do «capitão» é de ―coordenar o desenvolvimento das estratégias e das acções
colectivas com vista do fim a atingir‖ (1993: 171) numa ―complementaridade de acções
e interacções‖ (idem). Chama contudo a atenção que ―para que os interlocutores
presentes sejam verdadeiramente autónomos‖ existe a ―necessidade que cada um seja
realmente um especialista no seu trabalho, isto é, que domine as técnicas que lhe
permitem desempenhar o seu papel de forma óptima‖ (1993: 172).
E aqui reside a dúvida quanto à verdadeira autonomia do processo que sentem os
profissionais de RVCC, (no parecer das palavras dos profissionais entrevistados) quer
no que se refere à capacidade de escolha informada dos adultos sobre o seu projecto de
vida futura, quer no que diz respeito à capacidade de gestão do processo em si mesmo.
Acaba muitas vezes por ser o profissional que faz uma avaliação das competências do
adulto a partir de um referencial no qual encaixa a sua história de vida, a fim de que
possa ser certificado. A formação de adultos que certifique é por conseguinte bem vista,
mas a educação numa perspectiva abrangente, não limitada a um dado período da vida,
que significa a apropriação de oportunidades educativas vividas no quotidiano e que não
decorre dentro de quadros institucionalizados, ou seja, que não tenha intenções mas sim
efeitos educativos e que não confere diplomas, essa é olhada com alguma suspeição,
quando deveria ser a base de um processo verdadeiramente autónomo. A construção
conjunta de um projecto educativo baseado na auto-reflexão e a não imposição de um
pré-formatado, revelaria a margem de autonomia dos adultos e consequentemente seria
uma oportunidade de resolver problemas concretos, através de um processo de
inovação, de mudança qualitativa e de transformação.
Temos contudo que reconhecer que, como salienta Marise Ramos na sua obra A
Pedagogia das Competências: autonomia ou adaptação? ―A certificação das
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
43
competências passa a adquirir um valor relacionado com a empregabilidade […]‖
incrementando ―possibilidades de promoção e de mobilidade profissional‖. (2006: 87) e
mesmo que isso não seja exactamente verdade e que a certificação não corresponda a
mais emprego, é essa noção que leva muitos adultos a começarem o processo. É
também essa noção, a de qualificação para o mundo do trabalho, que conduziu à
elaboração de um Referencial de Competências-Chave, necessária talvez, mas redutora
da autonomia.
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
44
2ª Parte – QUADRO METODOLÓGICO
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
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Capítulo III
Metodologia de Recolha e Tratamento de
Informação
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
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3.1. Problemática de estudo
Vivemos hoje numa sociedade de risco, sem precedentes na História, precisamente
porque está em constante mutação. Reina a incerteza, os valores esbatem-se e flutuam, o
trabalho, laço social por excelência, é em si mesmo um valor em vias de relegitimação,
a criminalidade organiza-se e torna-se mais violenta, numa sociedade também ela
violenta e potenciadora de uma cultura da violência. Vivemos contudo também numa
sociedade do conhecimento, o qual nos é transmitido instantaneamente pelos diversos
dispositivos de comunicação ao nosso dispor. É o risco aliado ao conhecimento que
conduz o discurso global a dar centralidade à questão das mudanças sociais e da
inovação, sendo pedida à Educação a responsabilidade de ser proactiva, pois dela se
espera a resolução dos problemas sociais, estando no saber a chave do desenvolvimento
do bem-estar, da segurança e do progresso económico individual e comum.
No nosso país, perante o atraso estrutural de qualificação que a população apresenta,
existe inequivocamente uma forte pressão para que nesta área sejam alcançados os
níveis Europeus. Essa pressão traduz-se na implementação de um conjunto de
estratégias governamentais que visam alcançar uma melhoria dos indicadores de
abandono escolar precoce e consequente melhoria nos índices de qualidade na
educação, e também qualificar os adultos através da formação, com o incremento da
Iniciativa Novas Oportunidades, na qual se insere o subsistema RVCC. O problema
deste estudo centra-se na compreensão da lógica que presidiu à implementação do
processo RVCC, e das metodologias adoptadas, especificamente o dispositivo Histórias
de Vida e o dispositivo Referencial de Competências – Chave. Esta medida altamente
inovadora no que diz respeito ao problema de qualificação dos menos jovens, pretende
conjugar a educação de adultos com o reconhecimento, validação e certificação das suas
competências, tendo o mesmo recebido um elogio da OCDE, em relatório de 200334
―Avaliar e Certificar os Conhecimentos e as Competências adquiridas no trabalho, em
casa ou na sociedade, é uma forma de motivar os adultos, porque estes têm a certeza de
não irem perder tempo a aprender coisas que já sabem. O sistema Nacional Português
de Reconhecimento, de Validação e de Certificação ao nível de educação e de
experiência pessoal é deste ponto de vista exemplar‖ (2003: 9).
34
Au-delà du discours: Politiques et pratiques de formation des adultes – Points clés. OCDE (2003)
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Como explicitado anteriormente, pretende este trabalho aprofundar esta estrutura de
Educação e Formação de Adultos em Portugal, à qual subjaz o Paradigma da
Aprendizagem ao Longo da Vida, considerando que as aprendizagens formais, não
formais e informais realizadas pelo adulto no seu percurso de vida podem ser
materializadas em produto substituível ao quadro de qualificação do ensino formal. Visa
compreender se não haverá alguma tensão entre um princípio de reconhecimento de
saberes adquiridos em contexto experiencial, saberes apreendidos e reflectidos pelo
adulto na sua História de Vida, e um Balanço de Competências que poderá ser
entendido como pretendendo ―moldar‖ e adaptar a fins instrumentais essas mesmas
Histórias de Vida. Considerando o exposto, elegi como objecto de estudo da presente
investigação os profissionais RVCC de diferentes Centros. A razão da escolha prende-
se com o seu posicionamento no percurso RVCC, que é precisamente o de acompanhar
o adulto na sua História de Vida e inferir desta as competências passíveis de serem
reconhecidas de acordo com o Referencial de Competências-Chave.
Desejando conhecer o modo como os profissionais lidam com este ―formato‖, quais são
as motivações e expectativas e qual a perspectiva de educação e formação de adultos
que está presente, surgiram questões inevitáveis:
1. Como percepcionam os profissionais este ―formato‖, e quais as suas reacções?
2. Que percepção têm os profissionais da reacção dos adultos a este mesmo formato, (o
que os motiva, que expectativas têm e o que os conduz por vezes ao abandono do
percurso?)
3. Finalmente, que perspectiva de Educação de Adultos está subjacente a tal sub-
sistema de ensino?
Ou seja, o que se reconhece e valida, como se reconhece e valida, lógicas que se
encontram em presença, tendo por base a reflexão dos actores intervenientes,
nomeadamente os profissionais de RVCC. A metodologia utilizada para prosseguir os
fins que me proponho atingir é um reflexo das minhas preocupações, que se situam num
campo de compreensão dos fenómenos, de interpretação de pontos de vista, e que se
enquadram na metodologia qualitativa.
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3.2. Metodologia qualitativa – uma abordagem fenomenológica
Considerando que o presente trabalho se situa na área das Ciências Sociais e Humanas,
as quais procuram ―compreender o significado que os acontecimentos têm para as
pessoas vulgares em situações particulares‖ (Bogodan e Biklen, 1994:53), pareceu-me
mais adequado o recurso a uma metodologia qualitativa para dar conta de uma postura
compreensiva, na recolha e tratamento das informações. Tal abordagem pressupõe uma
multiplicidade de conceitos que se interligam podendo ser definida como ―uma
enfocagem de métodos múltiplos, traduzidos numa aproximação interpretativa e
naturalista ao objecto de estudo‖ (Denzin & Lincoln, 1998: 3). É pois capaz de
interpretar os sentidos da complexidade das relações entre os indivíduos que interagem
em situações concretas, que é justamente o caso destes adultos, com o ensino formal
deixado para trás há muitos anos, e que por motivos diversos decidem aumentar o seu
nível de escolaridade, assim como dos profissionais que os orientam e os ajudam a
realizar aprendizagens. De acordo com Canário (1996: 65) ―um problema corresponde
sempre a um ponto de vista, é algo que não é dado mas sim construído e essa construção
é mais importante que a solução, porque a determina‖. É segundo esta lógica, que a
problemática deste estudo foi tratada, como um problema em permanente construção,
observada através do meu ângulo particular de visão, submetida porém a constante
vigilância, para que essa interferência não perturbasse e alterasse a investigação.
Essa permanente construção, precisamente porque é fundamental, exige por parte do
investigador o que Denzin chama de ―arte de interpretação‖ (1998: 313), o desafio de
tornar inteligível as interacções em presença e de as transpor do campo para o texto e
deste para o leitor. Necessária à arte de interpretar é a capacidade por parte do
investigador de escuta total, de comunicação, de empatia, de viver a incerteza, de
reconhecer a singularidade de cada situação, de interrogar o sentido, e possuir
características de flexibilidade, adaptabilidade, autonomia, e tolerância à frustração e à
ambiguidade.
Reconheço que estas valorizações fazem sentido por me situar num paradigma
fenomenológico. Para Bogden & Biklen, ―os investigadores fenomenologistas tentam
compreender o significado que os acontecimentos e interacções têm para as pessoas
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vulgares, em situações particulares‖ (1994: 53), ou seja, procuram determinar qual a
atribuição de sentido que os sujeitos fazem às experiências da vida quotidiana.
O investigador produz uma ―análise do sentido que os actores dão às suas práticas e aos
acontecimentos com os quais se vêem confrontados: os seus sistemas de valores, as suas
referências normativas, as suas interpretações de situações conflituosas ou não, as
leituras que fazem das próprias experiências, etc.‖ (Quivy e Campenhoudt, 1997: 193).
Consequentemente valorizam as subjectividades dos sujeitos e interpretam os
fenómenos a partir dos seus pontos de vista, não perdendo contudo a noção da
existência de uma realidade exterior condicionante da acção humana.
Nos contactos estabelecidos surgiu não só a implicação mas também a
imprevisibilidade, pois que lidando com seres humanos, com os seus afectos e
subjectividades, esteve sempre presente a novidade e diversidade, revelando-se a
capacidade de escuta essencial, para ser possível discernir o sentido atribuído por cada
um às questões em causa, percepcionar o ponto de vista dos outros, tendo consciência
que pelo simples facto de me posicionar como agente externo ao contexto influenciava
o discurso dos profissionais a exercerem as suas funções no processo que desejava
estudar, na verdade a minha intervenção podia influenciar o que pretendia observar, e
competia-me prestar especial atenção à invisibilidade do quotidiano, interpelando,
questionando, para poder intuir com alguma veracidade o que me queriam realmente
transmitir. Nessa transmissão surgiram também efeitos indesejados, decorrentes da
autonomia dos sujeitos, o que me levou a considerar ao universo do possível preterindo
o universo do desejável; por isso mesmo, espero ser capaz de deixar o ―Outro‖ falar, e
ao interpretá-lo não transpor apenas para o papel a projecção de mim mesma e das
minhas opiniões.
Optei na recolha de materiais qualitativos pela entrevista feita aos profissionais, para
verificar se encontrava algum indicador esclarecedor da forma como estes lidam com o
―formato‖ do processo RVCC, o qual põe em conflito os saberes experienciais do adulto
e um Balanço de Competências padronizado, que acaba por desaguar num conjunto de
saberes de Educação formal, segundo o modelo escolar. Utilizei também a análise
documental, tendo-me socorrido da legislação referente à implementação dos Centros
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
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de Novas Oportunidades, dos documentos oficiais dos RVCC e do meu relatório de
estágio.
3.3. Procedimentos e Instrumentos de recolha de dados
Num primeiro momento escolhi e defini o objecto de estudo da presente investigação.
Determinei posteriormente os objectivos que pretendia alcançar, em função de dúvidas
que tinham permanecido após a conclusão do meu estágio de licenciatura no mesmo
contexto que me propunha agora observar. Realizei leituras exploratórias que me
permitissem enquadrar teoricamente o tema, e compreender o que já foi dito
anteriormente a esse respeito. Explorados os conceitos pertinentes ao objecto de estudo,
passei à construção dos instrumentos de recolha de dados (entrevista e análise
documental), tendo a entrevista sido revista e refinada algumas vezes.
Num segundo momento, foram feitos por escrito os primeiros contactos com os
profissionais que pretendia entrevistar, explicando os objectivos da investigação e
indagando da sua disponibilidade de colaboração. Obtido o seu consentimento, foram
então administradas as entrevistas.
Os dados obtidos foram num terceiro momento sujeito a tratamento através do recurso à
análise de conteúdo. Procedi de seguida à sua apresentação e discussão, passando às
grandes questões finais e respectivas conclusões.
3.3.1. A Entrevista
A entrevista foi o dispositivo de recolha de informações que escolhi ―não apenas por ser
uma das técnicas mais usadas pelas metodologias qualitativas, o que já é de si carta de
apresentação relevante, mas porque a possibilidade de optar por uma apresentação semi-
estruturada […] permitia ter os mesmos pontos de referência para todos os indivíduos
entrevistados […] ‖ (Terrasêca, 1996: 90) mas também por considerar que através desta
(apesar de haver um fio condutor reflexo da minha pré-concepção sobre o assunto)
poderia percepcionar como os entrevistados, enquanto profissionais, entendem e lidam
com as questões levantadas.
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- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
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A entrevista foi elaborada tendo em conta os objectivos do trabalho, nomeadamente a
questão do ―formato‖ do processo RVCC, mas também qual a percepção dos
profissionais em relação à autonomia dos adultos em todo esse processo, e quais as suas
expectativas e motivações. Queria perceber o sentido atribuído pelos profissionais às
Histórias de Vida e à necessidade que sentem de as confrontar com o Referencial de
Competências-Chave, para cumprirem as metas que lhes são exigidas. Pela mesma
razão resolvi entrevistar profissionais de RVCC em contexto escolar e em contexto não
escolar, para determinar se todos faziam a mesma atribuição de sentido, ou se este
diferia, conforme o enquadramento institucional a partir do qual se posicionavam. Uma
vez confirmados os contextos onde iriam decorrer, apesar de já ter um esboço das
questões do guião, senti necessidade de as ordenar e reformular diversas vezes.
Inicialmente, tinha feito uma abordagem directa à problemática, questionando ―a frio‖
os profissionais sobre qual a sua percepção de como reagia o adulto às Histórias de
Vida, se já tinha trabalhado e se conhecia o dispositivo. Concluído o que seria o guião
da entrevista, vi nele reflectida a minha ânsia de obter respostas. Procurei fazer o
exercício de me colocar na posição do entrevistado e conclui que seria uma entrevista
para respostas formatadas sem deixar espaço para o discurso fluir, sem lugar para que o
entrevistado tivesse necessidade de reflectir um pouco antes de me responder, o que
poderia inibir a produção de informação imprevista e na maior parte das vezes relevante
para o estudo. Senti então necessidade de reformular a abordagem, iniciando o guião
com questões que me elucidassem sobre o percurso do profissional até ao seu contexto
actual de trabalho, (considerando os diferentes contextos de entrevista, escolas e outras
instituições públicas), tentando perceber as suas rotinas. Deste modo quebraria o
constrangimento inicial, através de questões mais pessoais e menos formais. Este
posicionamento fez-me reformular a ordem das questões35
O guião definitivo, pareceu-me adequado a obter as informações pretendidas. Não
sendo as perguntas fechadas, permitiria que o entrevistado fluísse no seu discurso. De
acordo com Cohen e Manion este tipo de entrevista semi-estruturada permite ao
investigador ―indagar de modo a que possa penetrar mais profundamente, se pretender,
ou aclarar mal entendidos […] por outro lado também podem ter como resultado
35
Anexo II - Guião de entrevista provisório e definitivo
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respostas inesperadas ou imprevistas‖ (1990:385). É, na realidade esta preocupação que
está presente no estudo, o procurar acrescentar algo que nos leve à compreensão da
questão de partida.
Foi obtido o consentimento dos sujeitos a partir de um contacto escrito prévio, tendo as
entrevistas sido agendadas de acordo com a disponibilidade dos entrevistados, que se
mostraram muito receptivos. No início de cada entrevista, foi explicado
pormenorizadamente qual o objectivo da mesma, a sua importância para a investigação
e foi pedida autorização para utilizar o gravador como suporte áudio de informação,
garantindo-se o anonimato. Cada entrevista tinha a duração prevista de 45 minutos,
tendo atingido sensivelmente os 60 minutos.
3.3.2. A Análise Documental
A análise documental é um dos métodos de recolha de dados na investigação
qualitativa, que pode ser usado em simultâneo com os restantes métodos, possibilitando
a obtenção de informação de diferente natureza e a comparação posterior das diversas
informações, permitindo assim a triangulação da informação obtida,36
entendendo-se a
triangulação como um processo que permite evitar ameaças à validade interna inerente à
forma como os dados de uma investigação são recolhidos.
A representação seguinte do processo mostra bem a centralidade da análise de
documentos entre os diversos métodos de recolha de informações:
36 Igea, et al., (1995) cit in CALADO, S.S. & FERREIRA, S. C. R. (2004/2005) Análise de
Documentos: Método de Recolha e Análise de Dados, Mestrado em Educação – Didáctica das
Ciências – Metodologia da Investigação I – DEFCUL [On-line]
http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/ichagas/mi1/analisedocumentos.pdf, 15/06/09
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Figura 3 – UTILIZAÇÂO CONJUNTA DE MÉTOOS DE RECOLHA DE DADOS (Adaptado de Igea et al, 1995)
Início Fim
Observação37
Processo de Reconstrução
obtenção da Documentos da realidade
Informação social
Entrevistas
Tempo
t0 t1
Essa centralidade deve-se ao facto da análise documental, sendo um método de recolha
de informação, estar enquadrada teoricamente numa disciplina mais vasta que podemos
apelidar de Documentação. De acordo com Maria Molina (1993)38
a Documentação
assume-se como ciência por ter um objecto, pontos de vista específicos, leis,
classificação, método, e ser dotada de técnica e organização. Esta Documentação
organizada permite obter de forma rápida e fácil informações seguras e verdadeiras,
actualizadas, universais e susceptíveis de serem postas à disposição da maioria das
pessoas. Porém, sendo ciência está na base de todas as ciências, pois é-lhes
imprescindível, fornecendo-lhes instrumentos de trabalho como a análise documental, é
por isso simultaneamente ―especializada (tem os seus próprios métodos de trabalho) e
pluridisciplinar‖ (Molina, 1993: 23).
Valendo-me dessa pluridisciplinariedade, socorri-me da análise documental, a qual teve
como objectivo compreender de forma mais aprofundada a realidade em estudo,
baseando-se nos documentos dos RVCC, em Leis, Decretos-Lei e Portarias, Relatórios
de Organismos Oficiais portugueses e estrangeiros, bem como no meu relatório de
estágio de Licenciatura que me forneceu dados relativos aos adultos em processo RVCC
37
Foram mobilizados pontualmente registos de observação do estágio, (Marques, 2008) 38
Molina, M.P. (1993) Análisis Documental Fundamentos y Procedimientos, Madrid: Eudema, S.A.
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e às dificuldades que experimentaram, servindo-me de complemento à restante
informação, obtida por outros processos.
Os documentos utilizados foram submetidos a uma análise crítica para aferir do valor do
discurso utilizado e da pertinência dos dados fornecidos para o objecto do estudo. De
facto, segundo Cohen & Manion (1990), os documentos utilizados numa investigação
devem ser submetidos a uma crítica externa, para ajuizar da autenticidade das fontes, o
que não foi o caso na presente investigação, uma vez que se trata de documentos
oficiais, e a uma crítica interna que tem como objectivo analisar a sua relevância para as
finalidades visadas pelo projecto. Posteriormente foi o seu conteúdo analisado e
estruturado para servir de suporte quer ao quadro conceptual, quer à apresentação e
discussão dos resultados.
3.4. Análise e tratamento de dados: A Análise de Conteúdo
Seguiu-se um trabalho moroso de transcrição das entrevistas39
com o objectivo de
proceder à análise de conteúdo das mesmas. A finalidade da análise de conteúdo de
acordo com Jorge Vala ―[…] será pois de efectuar inferências, com base numa lógica
explicitada, sobre as mensagens cujas características foram inventariadas e
sistematizadas‖ (Vala, 1986: 104). A análise de conteúdo oferece ―a possibilidade de
tratar de forma metódica informações e testemunhos que apresentam um certo grau de
profundidade e complexidade‖ (Quivy e Campenhoudt, 1997: 227).
Na perspectiva de Bardin a análise de conteúdo pode ser entendida como
―Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por
procedimentos, sistemáticos e objectivos de descrição do conteúdo das mensagens,
indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos
relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens"
(Bardin, 1977:42).
Ainda de acordo com Bardin quem se propõe fazer análise de conteúdo, deve ter bem
presente que esta aparece como ―um conjunto de técnicas de análise das comunicações,
39
Anexo III - Transcrição das entrevistas
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que utiliza procedimentos sistemáticos e objectivos de descrição do conteúdo das
mensagens‖ (idem: 37).
Após a transcrição, as entrevistas foram limpas de interjeições e de muletas de
expressão que as tornavam confusas e procedeu-se a uma primeira leitura, para
compreender as respostas de cada indivíduo na sua globalidade. Seguiu-se uma fase não
menos morosa e cansativa que consistiu na codificação; segundo Jorge Vala ― a
classificação, a categorização é uma tarefa que realizamos quotidianamente com vista a
reduzir a complexidade do meio ambiente, estabilizá-lo, identificá-lo, ordená-lo ou
atribuir-lhe sentido‖ (2007:110).
Procedeu-se num primeiro momento à categorização, estando os objectivos da
investigação estreitamente ligados à escolha das categorias, as quais constituem rubricas
significativas em função das quais o conteúdo das entrevistas é classificado. O
tratamento das mensagens do texto pela sua fragmentação em categorias permitiu uma
descrição/enumeração das características do texto, por deduções lógicas (inferências).
Num segundo momento foram determinadas as unidades de análise, por referência a
palavras e temas retirados do corpo do texto, tendo num terceiro momento o registo da
sua frequência servido de indicadores às categorias, e base de quantificação de análise.
O trabalho de categorização, ao procurar determinar categorias exclusivas e dotadas de
objectividade, bem como as unidades de sentido que as caracterizam, não foi fácil,
sobretudo pela necessidade de comunicação contínua entre os conteúdos das entrevistas
analisadas e o quadro teórico de referência.
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3ª Parte – RESULTADOS E DISCUSSÃO
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Capítulo IV
Principais Considerações para o Tema em Estudo
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4.1. Análise das entrevistas
A discussão final é feita de acordo com os resultados da investigação, nela confluindo
todos os dados recolhidos que se revelaram pertinentes para a compreensão da questão
de partida, sendo que a investigação empírica constou da recolha de materiais
qualitativos, análise documental, entrevistas feitas aos profissionais de RVCC e análise
de conteúdo40
das mesmas.
Esta investigação tem como objectivo compreender a forma como lidam os agentes
intervenientes no processo RVCC com a tensão existente entre um reconhecimento de
saberes adquiridos na vida quotidiana, explicitados e reflectidos pelo adulto na sua
História de Vida, e uma necessidade de certificação que se traduz num Balanço de
Competências que pretende moldar essa mesma História de Vida a fins instrumentais,
ou seja, pretende encaixar a História de Vida e traduzi-la em saberes segundo o modelo
escolar, a fim de que o adulto possa receber um diploma. Pretendeu-se retirar das
―falas‖ dos profissionais de RVCC a compreensão da forma como trabalham com este
―formato‖ e a sua percepção em relação ao modo como os adultos reagem a esse mesmo
―formato‖, aquilo que os motiva ao procurarem o processo RVCC, que expectativas têm
à partida e se colocados perante uma cultura de massificação de ensino-aprendizagem
não tenderão muitos a abandoná-lo.
Surgiram por conseguinte questões que se prendem com o que reconhece e valida,
como se reconhece e valida, lógicas que se encontram em presença, tendo por base a
reflexão dos actores intervenientes, nomeadamente os profissionais de RVCC, que
conduzem inevitavelmente a inquirir se o que se aprende na vida pode ter diploma, qual
o valor real do que aprendemos ao longo da vida e porque precisamos de diplomas; isto
é, estamos por um lado perante um discurso que valoriza o percurso individual a ponto
de afirmar que os saberes experienciais são tão importantes que podem ser reconhecidos
e certificados mas por outro lado encontramo-nos perante práticas de uniformização e
massificação da educação de adultos, que parecem ser as únicas viáveis para conferir
diplomas, que no fundo não têm qualquer outro resultado senão diminuir as estatísticas
40
ANEXO IV – Análise de conteúdo
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
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preocupantes de qualificação dos portugueses. Encontramo-nos perante um choque de
paradigmas, bem expresso na afirmação de Ana Pires41
quando interroga
―Em que medida a lógica centrada na pessoa – que exige um forte investimento
institucional no sentido de lhe facultar a apropriação dos meios que lhe permitem
desenvolver uma estratégia formativa, assente na expressão das suas potencialidades e
na construção de um projecto, com base em informações pertinentes e relevantes sobre
si próprio, sobre o meio educativo e profissional – não se encontra em profunda tensão
com uma lógica presente no discurso político defensora de uma maior
responsabilização do indivíduo face ao seu percurso formativa e às suas
aprendizagens‖ (2005: 611).
Tal lógica surge como tentativa de simultaneamente legitimar e desresponsabilizar o
Estado perante os cidadãos, responsabilizando estes pelos seus fracassos no campo
educativo. E por isso se proclama também a autonomia do adulto em todo este processo
e que em última análise só não se ―educa‖ e não ―sobe na vida‖ quem não detiver a
capacidade de gerir essa autonomia.
Que perspectiva de Educação de Adultos está pois subjacente a tal sub-sistema de
ensino?
Para responder a estas questões fiz quatro entrevistas a profissionais de RVCC, três em
contexto escolar, e uma em contexto não escolar.
Foram estas inquietações que me conduziram à determinação das categorias de análise;
espero através dos indicadores retirados das entrevistas poder inferir algumas respostas
pertinentes à conclusão deste estudo. Assim, as categorias extraídas foram:
Categoria 1 – Perfil do público-alvo do processo RVCC
Categoria 2 – Motivação dos Adultos
Categoria 3 – História de Vida
Categoria 4 – Referencial de Competências-Chave
Categoria 5 – Consequências do Processo
Categoria 6 – Percurso do processo
Categoria Emergente (transversal a todo o processo) – Autonomia
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Na sua obra Educação e Formação ao Longo da Vida: Análise Crítica dos Sistemas de Dispositivos de
Reconhecimento e Validação de Aprendizagens e de Competências (2005).
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
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60
Foi bastante difícil organizar a informação produzida de forma coerente e produtiva. A
ordem de enunciação das categorias é aleatória nesta fase de exposição, perspectivando
se tornem evidentes ou não numa fase posterior de discussão de resultados diferentes
graus de relevância.
Categoria 1 - Perfil do público-alvo do processo RVCC
De acordo com o conteúdo das entrevistas, conforme excertos de texto abaixo
reproduzidos, ressalta da análise do discurso dos profissionais entrevistados as
percepções que têm em relação ao perfil do público-alvo.
Dois dos profissionais referem especificamente a falta de competências do adulto
relacionadas com a falta de educação formal, por analogia a peças com defeito de
fabrico, sendo esse defeito proporcional ao grau académico que possuem. Há também
uma distinção bastante expressiva entre o perfil do público do básico que associam ao
operário fabril e o do secundário que relacionam com empregado de escritório.
― … Eu o que digo aos meus colegas é assim, estas pessoas que aparecem no CNO dos adultos portanto, são peças produzidas na escola e que saíram da fábrica, da fábrica do serviço com avarias… (ent.1). ―Não estão em bruto nada! Estão estragadas! Elas saíram da escola, não acabaram o 9º ano, ou não acabaram a 4ª classe, ou não acabaram o 12º ano. Se não acabaram o 12º ano, vamos lá ver, a
avaria deles é um farolim...‖ (ent.1) ―…O secundário vai para temas muito gerais, acaba por ser muito diferente, mas ai
também concordo que realmente os públicos do secundário e do básico são públicos completamente diferentes, porque o público do básico é aquele operário fabril que precisa de escolaridade para continuar ou para manter o posto de trabalho… (ent.3) ―…para o secundário vêm aquelas pessoas que trabalham num escritório e logicamente têm em casa alguma interacção com os filhos.‖ (ent. 3)
Os restantes profissionais consideram o público-alvo como sendo maioritariamente
desempregado ou carenciado, mas não ―avariado‖ ou com défice de escolaridade
formal. Referem contudo a juventude do adulto como factor negativo no que diz
respeito às competências:
―…temos pessoas de rendimento social de inserção, que à partida são pessoas que têm prioridade mais para durante o dia, mas são falsos desempregados na realidade! E eles depois não aparecem durante o dia; porque realmente não são, e
são esses que fazem mais barulho quando chegam aqui, porque realmente vêm que não vão conseguir conciliar, e não conseguem …‖ (ent.2) ―… Pessoas carenciadas, pessoas desempregadas, começamos a ter muitos vindos da assistente social – do rendimento social de inserção – começamos a ter muita população.‖ (ent.2).
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
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―… É como os desempregados que passam aqui por nós que a gente diz eu sei que é difícil e tal … e eles olham para nós…‖ (ent.4) ―… a realidade é que não estou na situação deles e é importante que eles se sintam compreendidos se não sentem que há feedback do outro lado não podem confiar…‖ (ent.4) ―…O que acontece aqui é que estão a ser certificadas competências, e as competências é saber aplicar as coisas na prática em diferentes contextos e muitas vezes os jovens têm o ensino
teórico mas não têm essa competência…‖ (ent. 4)
Em síntese, podemos concluir que os profissionais, no que diz respeito ao público-alvo,
sentem que a larga maioria dos utentes do processo RVCC são sujeitos com poucas
competências e em risco de exclusão sócio-profissional.
O discurso remete para uma tensão entre uma História de Vida individual, indutora de
uma capacidade formativa baseada nas potencialidades de cada indivíduo e que lhe
permita a construção de um projecto de vida pessoal, social e profissional e a forma
como os profissionais olham os adultos. O Referencial de Competências-Chave
uniformizado começa a revelar-se um guia de operacionalização do processo
fundamental para consertar as ―peças‖ se as ―avarias‖ não forem tão graves que o
inviabilizem.
Categoria 2 – Motivação dos Adultos
No que diz respeito aos motivos que levam os adultos ao processo RVCC, a
generalidade dos profissionais pareceu considerar que de início estes vêm para o
processo com a ideia de algum facilitismo. A título de exemplo um deles referiu (ent. 2)
que ―Já tivemos adultos que no dizem: “Ah, o meu filho não quer estudar porque diz
que mais tarde vai para as novas oportunidades”, outro (ent. 3) mencionou o caso de
uma formanda que precisava de um certificado em inglês para progredir na carreira, sem
saber falar uma única palavra da língua, (“ai, eu só precisava do papel …”) e pretendia
que lho dessem sem fazer horas de formação. Alguns iniciam o processo de alguma
forma constrangidos, para não perderem apoios sociais de que usufruem. Outros fazem-
no voluntariamente por diversas razões, que vão desde a ―necessidade‖ de aprender até
à ―necessidade‖ de socializar, de comunicar, passando por ―aproveitamento‖ da situação
[no sentido material, e tendo em conta o que significa para uma parte considerável do
público o valor da bolsa de formação - (“…temos as pessoas que querem o dinheiro da
bolsa.” (Ent. 4].
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
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Observemos os excertos transcritos a propósito destes diferentes aspectos:
―… três formandas que nós tivemos aqui, que foram cá postas por obrigação, em rendimento social de integração, onde para elas escreverem o ―sim‖, que queriam fazer a formação, teve que existir uma discussão forte…‖ (ent. 1) ―…essas pessoas estão a frequentar cursos… porque estão a ser mandadas pelo IEFP … e as assistentes sociais também…‖ (ent. 1) ―…vêm cá aprender, receber orientações.‖
(ent.1) ―…e quando volta… ao CNO não vem a pensar que não vai aprender nada.‖
(ent. 1) ―…importante para eles, … a formação…‖ (ent.1) ―Um tempo de prazer,
quando eles vêm para aqui com vontade de estar com pessoas com que eles
se sintam bem‖ (ent.1)
―… a assistente social mandou.‖ (ent.2) ―… eu até queria, ou até estava a pensar no assunto‖ (ent. 2) ―…a questão da comunicação realmente também tem sido um dos nossos trabalhos; a comunicação com os adultos. (Ent. 2) ―Não é por vontade que vêm fazer… depois querem-no fazer da maneira mais fácil possível e mesmo na maneira mais fácil, supostamente, mesmo assim ainda tentam fazer o mínimo dos mínimos!‖ (ent.2)
―…a maior parte vem à procura de uma certificação por imposição da entidade patronal, ou estando desempregado por orientação do Instituto de Emprego, podem até ao fim eles sentir alguma satisfação, mas depois eu não creio que haja progressão quase nenhuma‖ (ent.3) ―o objectivo dela era o da progressão na carreira, que passaria por ter o certificado do 12º ano. E se não há seriedade no processo daqui a pouco temos um nível de escolaridade aumentado mas ―com pés de barro‖…(ent.3)
―…as pessoas têm consciência clara que enquanto não se qualificarem não vão
conseguir um emprego‖ (ent. 4) ―…sentem a necessidade de ver reconhecidas as competências que têm porque sentem que é importante para a progressão profissional…‖ (ent. 4) ―…temos as pessoas que querem o dinheiro da bolsa.‖ (Ent. 4) ―…a maior parte das vezes existe uma motivação extrínseca que os motiva, que os faz andar para a frente, mas acaba por ser a pressão do mercado de trabalho, de evolução e do avançar e de não sentir que estão atrás dos outros que trabalham com eles e por ai fora‖ (ent.4).
As motivações expressas nas ―falas‖ dos profissionais revelam uma variedade muito
grande de razões por parte dos candidatos, contudo a procura voluntária do processo por
parte dos adultos parece estar ligada à importância que dão à formação, como forma de
reforçar a sua auto-estima e a sua auto-valorização e de definir projectos pessoais e
profissionais (importante para a progressão profissional – ent. 4). Está também expresso um
desejo por parte dos adultos, reconhecido pelos profissionais, de socializar, de comunicar com
os outros, de partilhar experiências e aprendizagens, ou seja, uma dimensão de convívio.
Categoria 3 – História de Vida.
No que respeita as Histórias de Vida, os profissionais emitiram não apenas o seu ponto
de vista pessoal, mas reflectiram criticamente sobre o que consideram ser a perspectiva
do adulto. De acordo com a percepção dos entrevistados, nesta categoria está por eles
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
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reconhecido o valor formativo das Histórias de Vida e da autoavaliação que o adulto faz
das suas experiências em contextos diversos. Reconhecem o saber do adulto, mas
salientam a falta de capacidade de reflexão sobre esse saber. Os contextos de
aprendizagem são valorizados, também eles, de maneira diferente por profissionais e
adultos, para os primeiros os contextos de aprendizagem por excelência são as
formações e os empregos, para os segundos a vida pessoal e social em geral.
Considerando a História de Vida como dispositivo fundamental de todo o processo, é
evidente que as percepções diferentes que adultos e profissionais têm da mesma poderão
condicionar a eficácia do processo, razão pela qual os profissionais procuram
encaminhar a História de Vida na direcção ―certa‖ para procederem a um balanço de
competências. Este facto revê-se no discurso retirado das entrevistas:
―O formando quando vem cá, na história de vida, ele não tem…ele tem a sua história de vida valorizada. Ele sabe muito! ‖ (ent.1) ―…eles até conseguem apresentá-la pontualmente aqui e acolá… a auto-estima muito baixa… ‖ (ent. 1).
―…O adulto quando estamos numa fase inicial, a história de vida, ou quando falamos na história de vida, ou mesmo quando o adulto lá fora ouve que se tem que fazer uma história de vida, eles estão a ver os sentimentos e o casamento, depois surgem histórias associadas mais à parte sentimental, quando não é isso que se procura nestes processos; São as aprendizagens, as formações, os empregos que
foram tendo, mas eles apelam sempre para a vertente pessoal, mais íntima. Tentamos numa fase inicial desconstruir um bocadinho essa ideia porque é a que eles têm lá de fora, isso é verdade…‖ (ent.2) ―Referem que fizeram esta formação, que trabalharam nisto e naquilo, mas não falam exactamente naquilo que queremos…‖ (ent.2) ―…eles apelam sempre para a vertente pessoal, mais íntima‖ (ent.2)
―É uma narrativa, e os adultos vão muito por aí.‖ (ent. 3) ―…não há uma reflexão
acerca das aprendizagens‖ (ent. 3) ―…chamamos muito à atenção para o facto de ser uma história reflexiva, argumentativa também, mas quantos é que apresentam assim? Só se for no secundário, no básico é muito difícil, acaba por ser uma narrativa‖ (ent.3) ―A reflexão é muito pouca, eles têm muita dificuldade em fazer reflexões…‖ (ent. 3) ―…nós pretendemos ao máximo demonstrar as competências, os conhecimentos…‖ (ent.3) ―Nós damos sempre a informação do que pretendemos e quando nós começamos um processo, nesse sentido, nós damos um guião, um guião do que deverá ser feito…‖ (ent.3) ―… a história de vida é única
mas chega a um ponto – porque nós temos que obedecer ao tal programa – chega a um ponto que o adulto tem de extravasar a história de vida para as vivências comuns… ― (ent.3) ―Conta o facto de ter experiência profissional, ter uma experiência social! Se não tem como é que vai fazer o processo? Aconteceu situações de formandos novos que acabam por desistir do processo porque não têm, como é que eu vou conseguir fazer uma história de vida se ele não tem experiência de vida‖ (ent.3)
―…essa acaba por ser a base do trabalho com as pessoas, é a história delas, é a realidade delas, é a visão delas.‖ (ent. 4) ―…a base é a pessoa, a pessoa é a história dela, é a visão dela, é a narrativa dela, a pessoa que está à nossa frente é resultado
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
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de uma história de vida…‖ (ent. 4) ―…também fazer com que o adulto faça um exame auto-crítico muito grande para realmente fazer a tal equivalência ao ensino formal.‖ (ent. 4)
Em síntese, existe nos profissionais a noção de que os adultos quando são confrontados
com a necessidade de construção de um dossier pessoal do qual faz parte a sua História
de Vida sentem muita dificuldade, confundindo as competências que os profissionais
pretendem certificar com relatos do foro íntimo. Considerando os profissionais que o
adulto não tem uma capacidade de reflexão elevada, pelos menos no básico, sentem por
isso necessidade de os auxiliar não apenas a reflectir, mas conduzindo-os a apontar
aprendizagens que tenham ―valor‖ prático, direccionando-os para aquelas competências
padronizadas e estabelecidas no Referencial de Competências-Chave, ao ponto de
fornecerem um guião do que deve ser feito. O extravasar a História de Vida para as
vivências comuns significa para os profissionais nela encontrar vivências semelhantes
às de todas as outras histórias de vida, susceptíveis de validação e certificação por
―encaixarem‖ no Referencial de Competências-Chave. Que liberdade tem pois o adulto
para reflectir e avaliar as suas competências, se têm que ser comuns a todos? Contudo,
para se obter sucesso, deveria ser atribuída uma centralidade fundamental ao indivíduo.
Ana Pires salienta que:
―a centralidade atribuída à pessoa no seu processo de construção e desenvolvimento
encontra-se em consonância com o valor atribuído à auto-avaliação, que parece ser
imprescindível no processo de identificação das aprendizagens e competências;
fazendo apelo à reflexividade, promovendo a conscientização e a transformação da
pessoa, favorecendo a sua emancipação‖ (2005: 408).
Para além da tensão existente entre História de Vida individual e um Referencial de
Competências-Chave, também do discurso dos profissionais se podem tirar algumas
ilações quanto à autonomia que se pede ao adulto durante todo o processo RVCC e que
aparece como categoria emergente e transversal a todas as suas fases. Como podem os
adultos ser interlocutores de pleno direito se são incapazes de reflectir criticamente e
autoavaliar as suas aprendizagens e experiências? Antes porém de considerar essa
questão vejamos o que nos dizem os profissionais em relação ao Referencial de
Competências-Chave.
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
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Categoria 4 – Referencial de Competências-Chave
Relativamente ao Referencial de Competências-Chave, os profissionais entrevistados
referiram-se à sua matriz e à sujeição dos adultos e essa matriz, apontando os conteúdos
do referencial e os critérios da sua aplicação. Tais conteúdos, de carácter estanque e
compartimentalizado disciplinarmente, são do seu ponto de vista pouco ajustados às
competências dos adultos, as dificuldades são muitas e a certificação difícil, e muitas
vezes apenas parcial.
Eis algumas das ―falas‖ mais significativas:
―…no ensino formal nós vamos buscar os saberes para os validar, e aqui vamos buscar as competências para as transformar em saberes formais e validar. Logicamente temos que andar à procura delas porque a maior parte das pessoas nem sabe que as têm…‖ (ent.2) ―…tem 88 créditos se cumprir o referencial todo‖ (Ent. 2). ―O adulto muito raramente atinge os 88, não é, por isso é que existem coisas que realmente não se encaixam na vida daquele adulto, por isso é que nunca
chega aos 88, porque há coisas que realmente não encaixam‖ (ent.2) ―Fica validado com metade dos créditos, por isso… Bom, é uma estratégia‖ (ent. 2) ―…acho que em todo o caso se está a formatar, acho que há coisas que provavelmente cada pessoa, cada profissional podia acrescentar àquelas 88, e até mesmo de região para região‖ (ent.2)
―… é matriz, é verdade! Nós temos realmente um manual com as actividades todas do processo…‖ (ent.3) ―…através da autobiografia deles depois é que vamos dar linhas orientadoras.‖ (ent.3) ―…nós temos que estar ali a apoiar, a dar linhas
orientadoras se não os adultos não conseguem.‖ (ent 3) ―Concordo que o processo é individual mas com muita orientação, sem dúvida…‖ (Ent. 3) ―…o que não devia acontecer é a história de vida do adulto adequar-se ao referencial, isso é que não pode ser, ou o referencial tem de ser chapado na história de vida do adulto, isso não devia acontecer‖ (ent.3)
―…nunca me preocupou muito a parte dos referenciais, porque para mim os referenciais devem ser um apêndice, não devem ser a base do trabalho, eu tenho
que ter em conta como é que eu exploro a história de vida e depois ver se as competências estão lá ou não‖ (ent.4)
Salienta-se claramente deste discurso a existência de uma matriz enformadora, um
manual com todas as actividades prescritas, e os profissionais orientam, guiam e apoiam
os adultos no sentido de cumprirem os objectivos definidos no referencial, sendo que os
critérios que presidem a essa orientação são a obtenção dos créditos necessários à
certificação e a implementação de estratégias para alcançar esse fim; portanto o
processo é individual, não o sendo… tendo os adultos que se sujeitar à matriz e à
formatação decorrente desse facto. Apenas o entrevistado 4 considerou que os
referenciais não são o mais importante no trabalho a desenvolver.
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
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Mais concretamente em relação aos conteúdos do Referencial de Competências-Chave
teórico e à sua padronização, referiram as dificuldades da sua implementação:
―…os portfolios são parecidos de CNO para CNO… ― (Ent. 2) ―Os processos são
já muito mais padronizados‖ (Ent. 2) ―Porque o referencial… é intragável, sinceramente, aquilo é muito complicado o
referencial…‖ (Ent.3) ―Quer dizer, não há um trabalho de autobiografia, a partir do qual se parte para as
competências, quer dizer, pega-se no referencial e eles vão construir a história de vida com base no referencial; há um encaixe no referencial, não há uma história de vida!‖ (ent. 4) ―Condiciona sempre!‖ (O referencial) (ent. 4) ―…certificação parcial, tem competências, foram certificadas, é-lhe dito o quê que falta para ter a certificação‖. (ent. 4)
Os profissionais mencionam as competências e a necessidade da sua existência para o
adulto ser certificado, porém reconhecem a padronização do Referencial de
Competências-Chave e o condicionamento a que estão sujeitos os adultos; reconhecem
igualmente as dificuldades que sentem todos os intervenientes no processo, dado que ―o
referencial é intragável, é muito complicado‖. De referir que o mesmo profissional que
afirma não serem os referenciais o mais importante acaba por admitir que estes
condicionam sempre o processo.
Perante isto, quais são as consequências do processo para os adultos, mesmo que o
levem até ao fim? Será que saem apenas com as suas competências reconhecidas,
validadas e certificadas e sem nenhuma mudança real, seja ela intrínseca ou extrínseca,
ou pelo contrário há sempre algo que muda…
Categoria 5 - Consequências do Processo
No que diz respeito a esta categoria de análise os profissionais revelarem algum
cepticismo quando à capacidade de mudança revelada pelos adultos em formação. O
entrevistado 2 particularmente refere a quase completa ausência de mudança, seja ela
interna ou externa. Os outros profissionais afirmam que alguns adultos saem do
processo apenas com a certificação, porém outros acabam por valorizar as
aprendizagens realizadas e a formação tem efeitos que se traduzem numa mudança de
mentalidade, e que constituem um verdadeiro crescimento. O entrevistado 3 faz uma
distinção entre o nível básico e secundário, considerando este último muito mais
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
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enriquecedor. Por sua vez o entrevistado 4 pensa que os cursos EFA são mais
enriquecedores do que o processo RVCC.
Eis algumas transcrições que revelam os diferentes pontos de vista:
―…ela neste momento está à procura se conclui a formação dela para ver se consegue fazer alguma coisa e não estar dependente duma esmola da sociedade‖ (ent.1) ―Quando as pessoas chegam ao final do processo, não se ouve falar em alguma delas ―Agora que eu tenho o 9º ano, agora que tenho o 12º ano vou ter melhor possibilidade de emprego‖, não ouves falar! O que ouves dizer sempre ―Eu agora já vejo a vida doutra maneira, eu agora começo a compreender as coisas de outra forma‖ (ent. 1) ―As pessoas quando vêm cá, vêm com essa necessidade de adquirir conhecimentos, e depois quando saem daqui, eles vão satisfeitos com eles
próprios porque viram que o conhecimento que tinham era muito maior do que eles consideravam! É um passo para o inicio de outra actividade‖ (ent.1),
―…existem adultos que saem só com o certificado, sem uma única mudança.‖ (ent. 2) ―… a maioria penso que será isso… procura a certificação ‖ (ent. 2).
―…mas depois eu não creio que haja progressão quase nenhuma‖. (Ent. 3) ―… umas sessões e querem um papel. (ent. 3) ―…há as tais actividades que são padronizadas, eles podem até mudar um bocadinho, mas são poucas as pessoas…‖
vai trazer uma mais-valia em termos pessoais e mesmo profissionais.‖ (Ent. 3) (ent. 3) ―sem dúvida no secundário eu acho que as pessoas enriquecem, pelo menos da experiencia que eu tenho enriquecem; Agora o básico…eu acho que a mais-valia do básico eles próprios dizem é a experiencia informática‖ (ent.3) ―não sei se ela vai conseguir ao não fazer o processo, mas nela vejo uma mais-valia do processo, porque através do processo ela começou a ver o telejornal todos os dias; ela aponta as palavrinhas que não conhece, ou conteúdos, ou temas da actualidade
que não esteja a par para chegar a casa e ir ver e informar-se‖ (ent.3) ―…ela uma vez veio ter comigo e disse ―Oh doutora, eu estou a aprender imenso‖, mas está a aprender imenso porquê, porquê que me está a dizer isso? ―olhe, eu não sabia o que era a globalização, eu não sabia o que era isto, o que era aquilo” e eu fiquei parva, nunca pensei! ―eu não via noticias, eu só me dedicava ao trabalho, via um novelita‖ e eu disse não, não pode ser! Uma pessoa tão nova! Mas isto deve acontecer muitas vezes…‖ (ent.3)
―…uma percentagem muito mais elevada de pessoas que têm motivações
extrínsecas (certificação) do que intrínsecas (mudança), sem dúvida!‖ (ent. 4)
―…na prática, no mercado de trabalho, nas qualificações não vejo que seja
enriquecedor em nada. É mesmo só um reconhecimento…‖ (ent. 4) ― o aumento da
auto-estima, o aumento da auto-confiança, também são factores importantes quer
individualmente quer para a sociedade quer para o mercado de trabalho, portanto
apesar de tudo este processo tem vantagens, trouxe vantagens, que é as pessoas
verem realmente reconhecidas competências que até agora ninguém olhava para
elas‖ ent.4) ―eu acho que há mais-valias nos EFA, no sentido de aquisição de novas
competências e de conhecimentos que propriamente o RVCC, o que não é mesmo
suposto que isso aconteça!‖ (ent.4)
Os profissionais parecem concordar no facto de considerarem as mudanças muito
ténues, apenas levemente enriquecedoras e apenas nalguns casos. Mesmo assim esse
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
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enriquecimento quando existe é a nível pessoal, porque a nível de mercado de trabalho
os efeitos do processo não se fazem sentir, um dos profissionais afirma mesmo “…a
nível prático isto não trouxe diferença nenhuma…” (ent.4).
Categoria 6 – Percurso do processo
Como salientado anteriormente, a sequência atribuída às categorias não é sinónimo de
maior ou menor relevância para o estudo, mas sim de uma coerência que pretende ser
facilitadora da compreensão da análise feita. Esta categoria começou por ser tratada na
fase inicial de elaboração deste trabalho como Categoria 1, porque pareceu-me então
importante e pertinente ao tema da investigação começar por estabelecer a percepção e
postura dos profissionais em relação ao percurso de construção do processo RVCC. Se
continua a ser válida esta perspectiva, não me parece menos acertado analisar o
Percurso do processo depois do ―percurso‖ percorrido, pois nele confluem tensões e
constrangimentos inerentes a todas as categorias, que podem melhor elucidar as
dificuldades sentidas pelos diversos intervenientes, limitadoras das probabilidades de
sucesso, uma vez que o discurso dos profissionais indicia alguns factores susceptíveis
de condicionar a evolução do processo RVCC, numa tripla vertente:
a) Percepção sobre a influência do contexto onde decorre o processo
Sendo os entrevistados provenientes de contextos diferentes, de CNO‘s situados em
escolas e de um CNO do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), o seu
discurso revela existirem diferenças consideráveis entre eles. Gostaria de salientar que o
facto de apenas uma entrevista ter sido realizada em contexto não escolar, e por essa
razão não terem os diferentes discursos o mesmo peso comparativo, são no entanto
evidentes estas diferenças no discurso que é possível analisar. Além das diferenças entre
instituições diversas do sector público, o entrevistado 3 salientou diferenças entre os
CNO‘s do sector público (onde trabalha actualmente) e do privado (onde já trabalhou).
O entrevistado 1 revela ainda descrença numa cultura de trabalho a sério numa entidade
pública. Os excertos seguintes são ilustrativos desta realidade:
―…se o CNO é numa escola, todo o espaço é escola‖ (ent. 1) ―O CNO numa
empresa é um espaço reservado…‖ (ent.1) ―…CNO na empresa, não se pode tirar, de qualquer forma, os portefólios dentro da empresa, porque aquilo são propriedade da empresa…‖ (ent.1) ―…CNO na escola não tens ninguém contratado, tens horas atribuídas a professores…‖ (ent. 1) ―Não há cultura! Numa
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entidade pública não há cultura! Não pode haver! Se me falarem em cultura numa entidade pública é o despotismo, é o desinteresse, desresponsabilização…não tem nada de bom.‖ (ent.1) ―Eu tenho um produto que tenho que vender e as pessoas têm que começar a entender, isso é outro princípio: a escola é uma empresa de venda de serviços‖ (ent.1)
―…são ―aproveitados‖ professores para formadores‖ (ent. 2) ―…os professores do
ensino regular, não estão habituados a este tipo de interacção e de conversa e de histórias de vida;‖ (ent. 2)
―…professores exercem uma série de actividades‖ (ent. 3) ―…Enquanto no privado, pelo menos a experiencia que eu tive é ou trabalhas ou trabalhas! Porque se não trabalhares não falta quem queira trabalhar.‖ (ent. 3) ―Havia aquelas questões das metas, que no privado existe muito mais pressão do que em relação aqui ao contexto público…e então lá o que é que acontecia, eu conhecia a pessoa desde o inicio que ela entrava, porque havia muito mais o meu contacto, até ao fim; Aqui é diferente …‖ (ent. 3)
Numa escola, todo o espaço é escola, mesmo o do CNO, vigora por conseguinte a
lógica escolar, até porque os formadores são os mesmos professores que dão aulas às
crianças e jovens. No CNO privado a lógica é empresarial, não se podem retirar os
portefólios do espaço físico onde funciona o CNO, na escola os professores não
compreendem isto, levam-nos consigo para ler e analisar em casa, quando não têm
tempo de o fazer no próprio local. Por essa razão diz um dos entrevistados (ent. 1) que
“Na escola não consegues induzir essa ideia nos professores…‖ (a de não retirar os
portefólios) e que “…portanto não há paralelismo de actividade entre CNO escola e
CNO empresa, não há‖. (ent. 1).
Os profissionais também referem as diferenças entre formadores e professores,
afirmando que a comunicação com os adultos é muito diferente conforme se trate de um
professor ou de um formador. Os primeiros não estão habituados a lidar com as
Histórias de Vida e a interagir com os adultos de forma adequada às suas motivações e
expectativas; afirmam também estarem os formadores vocacionados para lidarem
profissionalmente com adultos, ao contrário dos professores (os professores são
“aproveitados” para formadores – ent. 2) que exercem o seu trabalho com crianças e
jovens, além de que realizam todo um conjunto de actividades muito diversificadas, que
impedem a sua dedicação em exclusivo aos adultos.
Surge aqui uma questão importante, se por lado nos CNO‘s situados em escolas os
professores não interagem com os adultos como seria desejável, por outro lado nos
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
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CNO‘s privados os profissionais estão sujeitos a uma grande pressão, que condiciona
igualmente o seu trabalho.
As afirmações produzidas revelam este constrangimento dos profissionais, a pressão
para atingirem metas, que se coloca a todos, mas que se põe com grande acuidade na
actividade privada e que os força a cumprirem objectivos, sob pena de despedimento e
substituição por outros.
De acordo com os profissionais, o contexto também influencia o adulto, este pensa que
não vai para um processo de reconhecimento de competências, mas sim para a escola, a
qual se identifica com o formato que o adulto reconhece:
―…para ele a ideia, a escola é o local onde aprendeu algo‖ (ent1) … quando vem para a escola, está sempre a pensar que o formador (neste caso o professor), lhe dê
afectos, que lhe deu quando ele foi aluno, não vem à procura de mais nada! (ent.1) ―Para um processo de reconhecimento e acha que vem para a escola, sem dúvida!
Então aqui ainda se nota mais! Aqui nota-se mais; São aqueles conceitos de formador, a sessão, professora, a aula, é teste; é muito complicado mudarmos…‖ (ent. 3). ―…no X, isso não acontecia! Podia acontecer uma vez por outra chamar professor, mas é o formador, a formadora, é uma sessão não é uma disciplina…realmente ai nota-se um bocadinho a mistura, pelo facto de ser numa
escola, nota-se um bocadinho… (ent.3). (O entrevistado 3 esclarece que tendo trabalhado num CNO privado consegue identificar posturas diferentes)
b) Percepção em relação ao processo e ao perfil da equipa técnico-profissional
Os profissionais revelam no seu discurso algum desalento em relação ao processo e à
forma como é implementado nos CNO‘s; mostram não acreditar que traga vantagens
significativas para os adultos, a não ser ao nível da auto-estima e da comunicação com
os outros. Esse pode ser um ―tempo de prazer‖ (ent. 1), a que se segue um tempo
importante e que constitui a mais-valia do processo, mas que é penoso, o da formação
“… eu tenho que ir lá, porque aquilo é importante para mim” (ent.1). Põem também
em questão o papel dos formadores, como sendo limitador do adulto e do profissional
RVCC, e o seu próprio trabalho junto dos utentes do processo, afirmando a necessidade
de experiência e de técnica.
―…conjugando estes 3 tempos não é, da comunicação, de uma actividade
agradável, e que aquilo é importante para ele como formação, é que eles vão conseguir ter sucesso…‖ (ent. 1) Enquanto nós não pensarmos que isto é assim, não se faz nada. Mas é que não se faz mesmo nada‖ (ent.1) ―O elemento limitador
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
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é o formador; é limitador no formando e é limitador no profissional, é limitador… (ent.1) ―Ele sabe muito! Só que nunca ninguém lhes ensinou como é que aquele conhecimento que ele adquiriu ao longo da vida, se podia transpor em linguagem escrita.‖ (ent.1)
―…os professores do ensino regular, não estão habituados a este tipo de interacção e de conversa e de histórias de vida… trabalho feito pelos profissionais.‖ (ent.2)
―… é muito difícil fazermos um adulto aproveitar uma coisa em que nós não acreditamos…‖ (ent.4) ― ... o que entristece é que normalmente as próprias pessoas que trabalham na área põem em causa as coisas!‖ (ent.4)….‖E a realidade é que na maior parte das situações esse processo de orientação está a ser muito aligeirado‖ (ent.4) ―…tento-me centrar no que isto tem de positivo, neste momento é um pouco esse processo que eu estou a fazer, porque eu já tenho uma visão muito crítica, acho que andamos a assassinar uma geração inteira, porque a realidade é essa…‖ (ent.4) ―Há centros que pegam no referencial, chegam às sessões com os adultos e
dizem assim ―ok, vocês na unidade de competência A têm que mostrar capacidade de liderança…‖ (ent.4) ―O adulto tem uma descodificação do referencial na segunda sessão, há centros que nem isso fazem mas nós fazemos…‖ (ent.4) ―…mas a realidade é que não estou na situação deles e é importante que eles se sintam compreendidos se não sentem que há feedback do outro lado não podem confiar, e lógico que a idade dá-nos um estatuto, maturidade‖ (ent.4) ―…tenho alguma experiencia que me permite tentar perceber se aquela pessoa tem
competências ou não.‖ (ent.4)
Deste discurso ressalta a falta de identidade profissional, ou pelo menos uma forma
pouco elogiosa de se olharem a si mesmos e ao seu trabalho, destes ―profissionais‖ que
surgiram a par com este novo sub-sistema de Educação; atendendo a que a construção
de identidades destes profissionais parece marcada por conflitos que se estabelecem na
fronteira entre aquilo que lhes é pedido e o que eles, enquanto pessoas e enquanto
profissionais, podem de facto desenvolver, tendo em conta as expectativas pessoais e
profissionais, tal construção acaba por ser posta em cheque quando os próprios
profissionais admitem e reconhecem a falta de técnica, de formação e de experiência da
equipa técnico-pedagógica. É notório um certo mal-estar e crise identitária por via da
frustração que sentem pela falta de formação específica para lidar com os adultos; como
afirma um deles ―se o profissional e até depois o formador não sabe dar […] feedback
de uma forma correcta, está o processo todo estragado.‖ (ent. 1).
c) Percepção em relação ao público-alvo
O perfil do público-alvo do processo RVCC que, como já foi referido é na sua maioria
um público em risco de exclusão socioprofissional, também se reveste de importância
quando se considera a construção do percurso do processo, como se pode verificar pelas
afirmações de um dos profissionais:
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
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―…eles agora aparecem em adultos na esperança que aquela agonia que eles tiveram na altura que eles deviam ter saído aqui da escola com os componentes todos para poderem circular livremente com garantia, vêm cá buscar, para nós podermos compor essa falta que têm na peça de trabalho deles.‖ (ent.1) ―A formação da sociedade portuguesa, certificada – estamos a falar de formação certificada – é das mais baixas da Europa. Mas a formação da sociedade portuguesa
que é não certificada, é das mais elevadas da Europa. Nós temos um défice muito grande na certificação, portanto, nós não estamos a dar nada a ninguém que eles não tenham direito!‖ (ent.1)
O processo RVCC é aqui visto numa perspectiva curativa de um mal incontornável,
destina-se a colmatar desigualdades sociais e desvirtua o seu objectivo principal de
processo de formação.
Categoria emergente - Autonomia
Os profissionais revelaram perante esta questão sérias dúvidas sobre a capacidade de
autonomia dos adultos, como já foi dito atrás, quando referiram a sua falta de
capacidade de reflexão crítica, encontrando-se estreitamente interligado este conceito
com a História de Vida.
Afirmam que o adulto não sabe gerir a autonomia que dele se espera durante o processo,
tem uma compreensão reduzida do que se lhe pretende transmitir, contudo,
paradoxalmente, deixam ao adulto a responsabilidade das suas decisões, se inicia ou não
o processo, se o abandona ou permanece nele. A capacidade de decidir pertence ao
adulto, “…o adulto se quiser vai mas aí a responsabilidade já não é nossa…” (ent. 3)
porém duvidam que ele tenha essa capacidade, assumindo que afinal a gestão do
processo acaba por pertencer aos profissionais
Vejamos o que dizem:
―…às vezes o adulto nem sequer sabe gerir essa autonomia, e portanto, se o
profissional e até depois o formador não sabe dar esse feedback de uma forma
correcta, está o processo todo estragado.‖ (ent. 1) ―…levou-se 4 meses a passar a
ideia correcta do que é que se queria num portefólio de história de vida de um
formando!‖ (ent.1) ―… No fundo responsabiliza-se o adulto pela decisão tomada‖. (ent. 3) ―…e o
adulto assina, assumindo essa responsabilidade‖ (ent. 3) ―…pensávamos que quem tinha a última palavra era o adulto.‖ (ent. 3) ―Apesar de agora não é bem assim, agora nós é que temos que decidir…‖ (ent. 3)
Confrontam-se aqui discursos contraditórios, espera-se autonomia por parte do adulto, é
mesmo entendida como um dos princípios que regem o processo, e abdicar dele seria
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
73
desvirtuá-lo, contudo será que o adulto tem esta autonomia? E se não a tem como
parece, por incapacidade, não deveria fazer parte do processo estimular essa autonomia?
Não será lícito responsabilizar os agentes intervenientes no sentido de a promover
activamente, como resulta do seu papel de mediadores?
A grande dúvida que surge quando se coloca tais interrogações é se o próprio processo é
dotado de autonomia, ela está implícita nos diversos trâmites processuais, foi por
exemplo concedida autonomia aos CNO‘s para alteração dos instrumentos, há mais
horas de formação…, mas até que ponto o Referencial de Competências-Chave limita
tal autonomia?
Questionado sobre este ponto, um dos entrevistados respondeu:
―Concordo com isso, mas também seria de todo sem lógica fazer um processo sem ter a matriz. Seria complicado. O que estaríamos a aproximar, o que iríamos validar, ao contrário de um ensino formal, no ensino formal nós vamos buscar os saberes para os validar, e aqui vamos buscar as competências para as transformar em saberes formais e validar. Logicamente temos que andar à procura deles porque a maior parte das pessoas nem sabe que os têm. Os processos são já muito mais padronizados‖ (ent. 2)
ou seja, a padronização impede a autonomia, porém é reconhecida a necessidade da
existência de um referencial de competências-chave como guia da acção, o qual por sua
vez condiciona a autonomia do adulto na reflexão que produz sobra a sua História de
Vida.
4.2. Discussão de Resultados
É pertinente relembrar aqui o objectivo principal da presente investigação, a saber: não
haverá alguma tensão entre um princípio de reconhecimento de saberes adquiridos em
contexto experiencial, saberes apreendidos e reflectidos pelo adulto na sua História de
Vida, e um Balanço de Competências que poderá ser entendido como pretendendo
“moldar” e adaptar a fins instrumentais essas mesmas Histórias de Vida.
Procurei obter respostas dando voz aos intervenientes no processo, para uma melhor
compreensão do fenómeno tal como ele é visto e sentido pelos diversos actores em
presença, profissionais actualmente em exercício e também recorrendo posteriormente a
afirmações produzidas por adultos em processo RVCC, resultantes de inquéritos
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
74
efectuados no âmbito do meu estágio no decurso do qual efectuei observação
participante; tornou-se necessário o recurso aos adultos para determinar como são
afectados pelo formato do processo RVCC e se esse formato é susceptível ou não de os
conduzir por vezes ao abandono.
Os resultados encontrados demonstram que existe de facto uma tensão entre a História
de Vida individualizada do adulto, aprendizagens experienciais feitas em contextos
diversos, e um Referencial de Competências-Chave padronizado, comum a todos os
CNO‘s e permanente no tempo, enquanto as mudanças na sociedade se produzem a um
ritmo acelerado.
Desejo contudo salientar que na minha opinião o processo RVCC, se tem evidentes
fraquezas, ou não seria tão severamente julgado pelos profissionais envolvidos,
comporta também vantagens não negligenciáveis, ao elevar os níveis de auto-estima e
ao despertar os candidatos para novos projectos de vida e novas oportunidades de
educação. Ana Pires, na sua obra referida anteriormente, enumera algumas dessas
vantagens, afirmando que ao tornarem a educação mais visível, estes processos
constituem um importante motor de ―novas dinâmicas formativas:
contribuindo para a elaboração de projectos pessoais, profissionais e sociais,
articulando os saberes detidos com as motivações e as aspirações da pessoa;
abrindo caminho para novas oportunidades de educação/formação – não numa lógica
―carencialista‖ mas sim de ―experiencialidade‖ – facilitando a integração e a
mobilidade formativa, promovendo a aprendizagem ao longo da vida;
desenvolvendo a auto-estima, a auto-imagem, a autonomia, fazendo elevar a
motivação e o nível de implicação dos adultos nos processos de aprendizagem;
contribuindo para o reforço e a construção de identidades pessoais, sociais e
profissionais‖ (2005: 115/116).
Poder-se-ia argumentar que estas contribuições são apenas teóricas e não têm tradução
prática, contudo alguns outros estudos corroboram estas consequências positivas nos
adultos que frequentaram o processo, quer a nível pessoal quer mesmo no plano
profissional. Um estudo de 2003 de Luísa Almeida42
refere que:
42
Almeida, Luísa Maria Pinhal de (2003) Eu, os Outros e as Competências, Dissertação de Mestrado,
Coimbra: Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
75
―[…] ao longo do processo podemos verificar que existe (por parte do adulto) um
crescente conhecimento de si, que passa, neste processo, essencialmente pelo auto-
reconhecimento e reconhecimento das suas competências‖ (pág. 165) ―O utente
adquire um maior auto-conhecimento, nomeadamente das competências que possui,
que foi adquirindo ao longo da sua vida e aqueles que será útil vir adquirir. Esta
tomada de consciência do que se sabe, do que é capaz, ou do que ainda não é capaz,
funciona como um mecanismo capaz de nutrir a confiança do sujeito relativamente às
suas capacidades, contribuindo para uma visão mais realista de si próprio‖ (pág. 166)
―[…] o processo de RVCC, proporciona um melhor bem-estar da pessoa consigo
própria. Se o reconhecimento das competências por parte do adulto o torna mais
confiante, simultaneamente eleva a sua auto-estima, porque ele se sente mais capaz. À
medida que as competências dos utentes vão sendo reconhecidas pelos outros, vão
sendo também auto-reconhecidos, o que eleva a auto-estima, tornando o utente mais
confiante e portanto mais determinado no seu agir‖ (pág. 176)
Também um estudo de 200443
elaborado pelo Centro Interdisciplinar de Estudos
Económicos (CIDEC) a pedido da Direcção Geral de Formação Vocacional, e que
incidiu sobre o percurso socioprofissional dos adultos certificados até 2002, parece
chegar a conclusões semelhantes no que se refere ao aumento da auto-estima, da auto-
imagem e mesmo ao aparecimento de projectos futuros no plano pessoal e profissional.
Refere o estudo que:
―uma consequência natural do facto do adulto relembrar um conjunto de saberes e de
tomar consciência das competências que foi adquirindo ao longo da vida é o reforço
da sua auto-estima e da sua auto-valorização. Este impacte positivo do processo de
RVCC parece ser, aliás, mais frequente que o próprio reforço do auto-conhecimento.‖
(pág. 32) ―o processo de RVCC teve, de facto, um ―contributo muito importante‖ para
a definição/reconstrução dos projectos pessoal e profissional dos mesmos.‖ (pág. 33)
E aponta algumas razões invocadas pelos adultos para participarem e concluírem o
processo RVCC:
―Entre os motivos que estiveram na origem da participação e na conclusão do
processo de RVCC encontra-se frequentemente o desejo de valorização / realização
43
CIDEC (2004), O Impacto do Reconhecimento e Certificação de Competências Adquiridas ao Longo da
Vida, Lisboa, DGFV
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
76
pessoal (pág. 34) ―Cerca de 17% dos adultos certificados que responderam ao
inquérito apontaram como motivação a melhoria da empregabilidade e a progressão na
carreira‖ (idem) ―Contudo, o prosseguimento de estudos é também apontado como
motivo por cerca de 10% dos adultos.‖ (idem)
Contudo, os investigadores tiveram o cuidado de salientar em relação às consequências
do processo que os Centros de RVCC são em geral mais optimistas que os adultos e em
relação às motivações, que entre os adultos inquiridos se encontravam indivíduos que
desempenhavam cargos de elevada complexidade e responsabilidade dentro de
empresas. Em relação à empregabilidade dos adultos certificados o estudo do CIDEC
chega a algumas conclusões algo animadoras, mas que revelam não ter o processo tanto
impacto nesse campo como tem no que diz respeito a consequências pessoais,
eminentemente subjectivas.
―Para além de aumentar a verosimilhança na obtenção de emprego por parte do adulto
desempregado, o processo de RVCC parece promover a aproximação ao mercado de
trabalho por parte dos desempregados e dos inactivos, que habitualmente se designa
na literatura como ―labour force attachment‖. De facto, são frequentes os adultos que
iniciam o processo numa situação de inactividade e que, após a certificação, passaram
a considerar-se desempregados, pretendendo encontrar uma ocupação remunerada e
procurando-a eventualmente. Por outro lado, os indivíduos que se mantiveram
desempregados após a respectiva certificação, passaram a estar mais motivados para
arranjar trabalho e passaram a procurá-lo mais frequentemente‖ (pág. 61).
Conclui no entanto a esse respeito que a maior parte dos adultos que procuram o sistema
estão empregados, e que a esses sim, a certificação trouxe vantagens significativas na
progressão na carreira e no aumento do índice salarial. Este estudo remonta, como foi
dito, a 2004 e incidiu sobre o público certificado até 2002. De então para cá o público
mudou, como salienta Joana Costa44
:
―O balanço de competências foi originariamente pensado para activos empregados e
nessa altura falava-se exclusivamente em «balanço de competências tipo». Todavia
este processo ganhou «novos públicos45, os mais penalizados em termos
44
Costa, Joana Auxilia Pereira Fernandes da (2005) Competências Adquiridas ao Longo da Vida
Processos, Trajectos e Efeitos, [Dissertação de Mestrado], UM: Instituto de Educação e Psicologia 45
Imaginário, L. (2001) Balanço de Competências Discursos e Práticas, Lisboa: DGEFP
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
77
socioprofissionais, tanto jovens como adultos, desempregados (ainda ou já) ou em
risco de desemprego» ‖ (2005: 37).
Ora parece precisamente situar-se no actual perfil do público-alvo, pouco escolarizado
ou demasiado jovem para ter experiências significativas, e na forma como é
percepcionado pelos profissionais, o foco principal de tensão entre História de Vida e
Referencial de Competências-Chave, dado que se foi produzindo como já acentuei mais
do que uma vez um desvirtuamento do processo, o qual se foi transformando de
processo de formação num processo de ortopedia social (Correia, 2005)46
, com carácter
paliativo de necessidades e carências.
Contudo essa tensão inicia-se com o próprio processo e acompanha o seu decurso, tendo
a sua primeira origem nos profissionais, como se pode constatar pelas entrevistas
realizadas. A primeira conclusão que se salienta é a que diz respeito à construção do
percurso do processo RVCC e à falta de crédito que tem junto dos profissionais. Estes,
não acreditando no trabalho que realizam, sentem que não são capazes de transmitir aos
adultos uma confiança que eles não possuem. Exercendo a sua actividade em
instituições públicas, embora de natureza diferente, questionam as próprias entidades
promotoras e a sua cultura organizacional, considerando que não realizam um trabalho
sério, pelo desinteresse e desresponsabilização reinantes. Pensam que na fase de
orientação dos adultos todo o processo é tratado de uma forma aligeirada; afirmam por
essa razão que a orientação deve ser feita por técnicos, o que dada a percepção que têm
do processo, pode significar que as Histórias de Vida passarão a ter um registo
tecnicista.
No que diz respeito à equipa técnico pedagógica, consideram que no contexto
institucional privado têm falta de tempo pela pressão acrescida do cumprimento de
metas, o que conduz à perca de qualidade de trabalho. Este é um constrangimento
decorrente da necessidade de fazer afluir um número crescente de adultos em risco de
exclusão a um processo visto como curativo de desigualdades sociais, e a qualificar a
população portuguesa para fins estatísticos. Um estudo do CIDEC de 2007 refere
precisamente este constrangimento, relacionando-o com a perda de qualidade do
46
Expressão da autoria de Correia, José Alberto (2005) ―A Formação da Experiência e a Experiência da
Formação‖ in Canário, Rui & Belmiro Cabrita, Educação e Formação de Adultos, Mutações e
Convergências, Lisboa: Educa, 61-72.
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
78
processo: ―Metas de execução físicas muito elevadas, e por vezes, desadequadas dada a
realidade local, o que implicava uma carga de trabalho e uma pressão muito grande
sobre as equipas de profissionais e de formadores com eventuais perdas de qualidade‖
(2007: 49). No contexto público, embora também haja metas físicas a cumprir, a
pressão não é tão elevada, contudo os profissionais relacionam a fraca qualidade do
processo ao facto de os formadores em contexto escolar serem também professores, não
tendo do seu ponto de vista vocação para lidar com adultos; tendem por essa razão a
impor a forma escolar, que os adultos por sua vez, sendo a única que conhecem, tomam
como a forma ―natural‖ de aprender. Ora a forma escolar traduz-se em ―processos
uniformes de ensino‖ (Canário, 2000: 98), descontextualizados do tempo e espaço da
acção, e consequentemente afastados das experiências individuais, das aprendizagens
singulares e únicas, ou seja da História de Vida de cada adulto. Porém, enquanto
referem com desagrado a falta de formação dos professores para lidarem com um
público adulto, revelam também os próprios profissionais uma concepção taylorista dos
processos de ensino, quando apelidam os adultos de ―peças com avaria‖. Salientam
igualmente a vertente da comunicação e convívio como sendo uma fase de prazer
durante o processo, já a fase da formação, embora importante para os adultos, é vista
pelos profissionais como a fase de sacrifício, a que têm que se submeter se querem ter
algum sucesso.
A estes adultos pode ser ―aplicado‖ o Referencial de Competências-Chave, entendido
como
―uma linha de produção dividida ordeiramente em disciplinas, ensinadas em unidades
de tempo pré estabelecidos, organizados em graus e controlado por testes
estandardizados, destinados a excluir as unidade defeituosas e devolvê-las para
reelaboração‖ (Reich, 1993, cit in Canário, 2000: 102).
Estes adultos, dado o seu perfil particular, parecem sentir dificuldades acrescidas em
iniciar, percorrer e completar o processo, sendo essa a percepção dos profissionais
quando referem a sua falta de competências e detectam poucas mudanças trazidas pelo
processo. Descritos pelos profissionais como ―peças avariadas‖, ―pessoas
desempregadas, carenciadas‖, não representam todavia a totalidade do universo dos
utentes, existe uma pequena fatia de utentes empregados que procuram a progressão
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
79
profissional. São pois, conforme afirma Imaginário (2001: 123) quer ―aprendentes‖ quer
―candidatos à certificação profissional‖, porém, e no discurso dos profissionais, mesmo
estes últimos procuram algum facilitismo no processo. É de salientar que, embora os
profissionais falem de facilitismo por parte dos adultos, o processo RVCC também se
reveste ele mesmo de facilitismo, pois perante metas irrealistas a cumprir, só tem duas
opções: ou dá a formação a correr, com falta de seriedade e qualidade no seu trabalho,
ou escolhe um público mais avançado, que cause menos problemas e torne o processo
mais fácil do que os ―alunos‖ difíceis, pouco escolarizados. Os profissionais contudo
fazem uma distinção entre o público do básico, sendo que os do básico são tão
―básicos‖ que só competências adicionais podem ser uma mais-valia ―Agora o básico…
eu acho que a mais-valia do básico eles próprios dizem é a experiencia informática …”
(ent. 3). enquanto os do secundário apresentam com maior regularidade uma estrutura
de aprendizagens experienciais objecto de uma reflexão mais consolidada e uma
perspectiva de futuro mais optimista. ―se eu fizer o 12º ano sei que tenho hipóteses de
progredir no local de trabalho, se realmente não fizer esta formação não tenho
hipóteses de concorrer no concurso x …” (ent. 4). Esta distinção leva os profissionais a
considerarem o processo RVCC do secundário mais enriquecedor do que o básico.
Embora os profissionais reconheçam que os adultos sabem muito, saberes adquiridos ao
longo da vida nos contextos particulares a que pertencem, afirmam terem pouca
capacidade de reflexão sobre esses saberes, não se auto-avaliam criticamente e,
consequentemente, a desejada autonomia, fundamental em todos os processos de auto-
direccionamento e que é pedra basilar de todo o processo RVCC, não se revela. Têm
por conseguinte de ser conduzidos, guiados, são-lhes fornecidas linhas orientadoras,
apontando-lhes o caminho a seguir. Esse caminho conduz ao Referencial de
Competências-Chave, têm de ser encontradas vivências comuns a todos os candidatos
nas diferentes História de Vida para que estas encaixem na matriz teórica, e possam
assim as competências serem reconhecidas, validadas e certificadas. Contudo, o
referencial, de acordo com a opinião dos profissionais, é não só muito padronizado,
como complicado, difícil, ―intragável‖, e a obrigatoriedade do seu cumprimento reduz a
autonomia implícita no processo. E se a autonomia implícita é limitada, o processo
encontra dificuldades em promover a autonomia do adulto, que se sente de alguma
forma ―abandonado‖, entregue a si mesmo.
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
80
Estamos perante um somatório de dificuldades que conjugadas parecem ser o ponto de
convergência da tensão inevitável entre uma História de Vida individualizada, única, e
um Referencial de Competências-Chave comum a todos os utentes e a todos os Centros.
Por um lado, a dificuldade dos adultos em reflectirem sobre a sua História de Vida, por
outro a dificuldade dos profissionais em exercerem a sua função de mediadores, por
motivos diversos. Dependendo do contexto, por não estarem vocacionadas para lidarem
com adultos, ou por falta de tempo disponível tendo em vista o cumprimento de metas
físicas a atingir. Uns e outros, sentem também a dificuldade decorrente de terem de
―encaminhar‖ as vivências dos adultos para o cumprimento do Referencial de
Competências-Chave. Esta tensão tem consequências no desfecho do processo. Mesmo
para os adultos que o terminam as mudanças nem sempre são visíveis, por vezes apenas
se obtém um ―papel‖, a certificação, sem qualquer mudança real. Esta, quando existe,
verifica-se sobretudo a nível pessoal, com o aumento da auto-estima e da auto-
confiança. Segundo o já referido estudo do Cidec de 2004, apenas um reduzido número
de adultos manifesta o desejo de prosseguir estudos e vê as suas perspectivas
profissionais melhoradas.
Perante este cenário, construído pelas percepções dos profissionais e acerca dos adultos
que nele se movem, como reagem os adultos no que respeita à permanência ou ao
abandono do processo? Esta foi uma das questões colocadas no início da presente
investigação. As inferências que se podem legitimamente fazer a este respeito decorrem
de uma escuta cuidadosa das ―vozes‖ dos intervenientes no processo, seja o quadro
técnico-pedagógico, seja os adultos que o abandonaram, tanto na sua fase inicial como
numa fase posterior, para o recorri ao meu relatório de estágio.47
A compreensão dos
motivos do abandono foi muito semelhante em ambos os grupos, diferindo sobretudo na
linguagem utilizada.
O quadro técnico-pedagógico (2008: 46, 47):
―Falta de conhecimento do processo, pelo facto de pensarem que vinham para aprender, ex: …este curso….‖ (ent. A) as pessoas achavam que vinham para aqui, que era um curso, que iriam aprender… mas essencialmente porque as pessoas não sabiam muito bem o que é que os esperava e tinham outras expectativas em relação ao processo, pensavam que iam aprender‖ (ent. E)
47
Marques, Maria José (2008), Desafios do meu Estágio, Porto: FPCE-UP [Relatório de Estágio]
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
81
―…História de vida inibidora‖ (ent. B, D) ―Dificuldade em introduzir o percurso de vida no conjunto de critérios‖ (ent. C) ―No final do processo.., portanto porque faltava formação. Eles sentiam
necessidade de mais formação‖ (ent. A) ―…porque há muita gente que não se apercebe que tem dificuldades… e então como a formação só era dada no final…‖ (ent. A)
―Não conseguirem completar o próprio dossier‖ (ent. A) ―no final do processo, acabando a ―obrigatoriedade‖ de vir cá semanalmente, eles
arrumavam o dossier e esqueciam. ‖ (ent. B ―Não fui chamado dizem os adultos‖, … vontade tínhamos nós de os chamar a
todos, não é, mas depois dissemos assim ―Não, parece que estamos a obrigá-los a‖
e isto tem que ser por livre e espontânea vontade…‖ (ent. B)
Os adultos (2008: 46, 47):
―Pensava que vinha aprender; Não incentivava fazer a H.V.‖ (1) ―Pensou que vinha aprender; Tinha outras expectativas‖ (7, 28) ―O processo intimidou-a. Paciência para fazer o dossier da H.V.‖ (2) ―Não se sente à vontade para falar‖ (3) ―Dificuldade falar da Infância‖ (5) ―Estava à espera que lhe ligassem‖ (66) ―Formação de informática insuficiente. Necessidade de mais sessões individuais.
Onde tivessem mais apoio‖ (43)
Dificuldades na árvore genealógica, exigem demais na elaboração do dossier. (52) ―Deixou de se sentir à vontade para vir mostrar o dossier, porque já tinha passado
muito tempo‖ (112) ―O formador não ligou a dar feedback do trabalho realizado‖ (114)
As percepções quanto às razões do abandono, quer do quadro técnico-pedagógico, quer
dos adultos têm indicadores semelhantes reveladores de dificuldades que surgem ao
longo de todo o processo e que coincidem com as detectadas a partir do discurso dos
profissionais entrevistados recentemente.
A dificuldade de completar o dossier (ent. A) ou a demasiada exigência na sua
elaboração, a falta de tempo e disponibilidade dos formadores ―O formador não ligou a
dar feedback do trabalho realizado” (114) “Necessidade de mais sessões individuais.
Onde tivessem mais apoio” (43). Mas também a dificuldade dos adultos em reflectirem
e autoavaliarem a sua História de Vida, alguns contrapõem-na mesmo ao ―aprender‖
“Pensava que vinha aprender; Não incentivava fazer a H.V.” (1), o processo revela-se
intimidante e sentem necessidade de serem chamados, incentivados. A mesma
percepção tem o quadro técnico quando refere que ―a História de Vida é inibidora”
(ent. B, D) e que existe ―Dificuldade em introduzir o percurso de vida no conjunto de
critérios‖ (ent. C).
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
82
Esta parece ser a questão fulcral que emerge deste discurso, porquê a dificuldade
associada à História de Vida do adulto? Seria de esperar ser fácil ao adulto reflectir
sobre o seu percurso individual, falar das aprendizagens realizadas ao longo dos anos,
das experiências adquiridas nas vivências quotidianas, sobretudo com o
acompanhamento e apoio do profissional na implementação de um projecto
emancipatório gratificante para o indivíduo. Será que não o é precisamente porque nesta
―viagem‖ (auto) biográfica o adulto deve dar conta das suas competências referentes à
capacidade de mobilizar, num determinado contexto, um conjunto de saberes, situados
ao nível do saber, saber-fazer e saber-ser, que podem ser utilizados na resolução de
problemas, mas que não existem per se, estão ligados a acções concretas e associados a
contextos específicos. Tais saberes experienciais, adquiridos em ambientes não formais
e informais, susceptíveis de serem reconhecidos, não parecem coincidir com os saberes
formais, susceptíveis de serem certificados. Essas competências irão por conseguinte ser
―interpretadas‖ de acordo com o Referencial de Competências-Chave, tendo o
profissional de fornecer linhas orientadoras que possibilitem extrai-las da História de
Vida moldáveis ao Referencial de Competências-Chave, podendo por consequência ser
não apenas reconhecidas, mas validadas e certificadas…
Este conjunto de percepções parece por em causa a própria natureza do processo RVCC,
como sendo confuso, com instrumentos repetitivos e pouco claros, e com lacunas pelo
facto de ser um processo novo, com uma linguagem pouco acessível, o que
inevitavelmente se reflecte no adulto. É precisamente a natureza do processo RVCC,
onde se confronta a tensão História da Vida individualizada e Referencial de
Competências-Chave padronizado, que conduz às grandes questões enunciadas
anteriormente,
O que se aprende na vida pode ter diploma…?
Porque precisamos de diploma?
O valor do que aprendemos ao longo da nossa vida…?
Finalmente, e mais importante, que perspectiva de Educação de Adultos está
subjacente a tal sub-sistema de ensino?
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
83
as quais serão tratadas na reflexão final como pertinentes para a compreensão das
principais considerações suscitadas pelo tema em estudo.
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
84
Capítulo V
(Re) problematizando o processo RVCC
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
85
A Educação e Formação de Adultos, que faz parte do paradigma da Educação ao Longo
da Vida, tem ao longo do tempo adoptado diversos modelos, a que não são alheios as
políticas nacionais assim como internacionais. Licínio Lima tem uma posição bastante
crítica quanto à influência do poder político. De acordo com o autor ―Ao longo das
últimas três décadas a educação de adultos em Portugal foi sujeita a uma considerável
diversidade de lógicas politico educativas‖ (in Canário, Rui & Belmiro Cabrita, 2005:
50). Pode ainda ler-se ―A ausência de uma política educativa global, dando conta da
natureza polifacetada da educação de adultos, torna consideravelmente mais difícil, se
não inviabiliza mesmo, a possível coexistência de políticas e de práticas […]‖ (idem
50).
Além disso, como salienta Rui Canário,48
se o poder político valoriza, numa perspectiva
de educação ao longo da vida, a aquisição de competências estratégicas que permitam
―aprender a aprender‖ e um conjunto de conhecimentos gerais sem utilidade prática
imediata, não deixa de afirmar que o desenvolvimento cultural é ―o primeiro factor de
adaptação à evolução da economia e do emprego‖ (Livro Branco, pág. 27 in Canário,
2000: 91). Afirma o autor que ―a subordinação da educação à lógica mercantil, induz a
que a própria educação se organize adoptando a racionalidade económica do mercado‖
o que conduz a ―uma visão instrumental dos processos formativos‖ (2000: 90).
Ainda que a nível teórico essa visão instrumental não se encontre no processo RVCC,
que se propõe reconhecer, validar e certificar os saberes e competências adquiridos ao
longo da vida em ambientes formais, não-formais e informais, não deixa na prática de
estar presente na metodologia que utiliza e nos fins que se propõe atingir uma
racionalidade instrumental, subordinada à economia e ao emprego.
As críticas de Mathias Finger e José Manuel Asún na sua obra A Educação de Adultos
numa Encruzilhada: Aprender a nossa saída têm muita actualidade neste quadro,
quando salientam que a educação permanente partiu para a ―humanização do
desenvolvimento sem o questionar‖, propondo-se aliás ―humanizá-lo de uma forma
bastante ocidental‖ (2003: 33) e quando reconhecem que a educação permanente não
critica as instituições: ―Se é verdade que se apresenta como um discurso não
institucional e aceita as experiências não formais […] como experiências de
48
Na sua obra Educação de Adultos, Um Campo e uma Problemática (2000)
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
86
aprendizagem significativas, o facto é que acaba por encurralá-las numa estrutura
formal e fundamentalmente institucional‖ (idem: 34). Afirmam ainda a fragilidade
epistemológica e pedagógica da Educação Permanente, o que conduz à confusão entre
educação e aprendizagem e à mistura entre aprendizagem individual e colectiva.
É neste enquadramento que surgem os Centros de Novas Oportunidades como a
estrutura legal mais recente de Educação e Formação de Adultos, na qual se englobam
os cursos EFA (Educação e Formação de Adultos), os CEF (Cursos Educação e
Formação de Jovens) e o sistema RVCC que reconhece e valida saberes e competências
experienciais, atribuindo ao adulto uma certificação de nível básico ou secundário.
Parece terem existido duas fases no sistema RVCC, uma de experimentação e
implementação no terreno, da responsabilidade da ANEFA, na qual os processos
seguiam as grandes linhas orientadoras que norteiam a Educação e Formação de
Adultos. Uma fase posterior, surgida após a extinção da ANEFA, em que o processo
RVCC se desvirtuou pela necessidade de qualificar a todo o custo, com a mudança do
público-alvo, e com a proliferação indiscriminada de Centros sem um controlo
adequado de qualidade, de capacidade logística ou de critérios razoáveis de localização
geográfica.
De acordo com a ANQ, existiam em 2005 em Portugal 73 Centros/equipas RVCC, o
POPH prevê na sua meta 2007-2013 a implementação de 314 Centros/equipas RVCC,
em pleno funcionamento já no ano de 2010. Por sua vez existiam 43.134 adultos
abrangidos nos 73 Centros em 2005; estabelece o POPH nas suas metas que nos 314
Centros venham a estar presentes 204.000 adultos, ou seja, quase o quíntuplo das
pessoas.
O percurso de um adulto ao dirigir-se a um destes Centros pode esquematizar-se da
seguinte forma:
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
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Quadro nº 4 – Percurso do adulto no Centro RVCC
A análise deste quadro mostra que logo que o adulto entra no Centro RVCC, e passada a
fase de acolhimento, informação e aconselhamento inicial, é feito um reconhecimento e
identificação das suas competências, confrontando-as com o Referencial de
Competências-Chave. É significativa a utilização da palavra ―confronto‖ pelo
simbolismo que encerra de ―luta‖ com a História de Vida, ―luta‖ bem presente no
discurso dos inquiridos, como evidenciam os resultados decorrentes dos dados
disponíveis.
Este confronto surge precisamente porque se tenta conferir um diploma ao que se
aprende na vida, para qualificar e tornar ―empregáveis‖ os adultos pouco escolarizados.
As Histórias de Vida acabam por ser uma reflexão do sujeito relativamente ao seu
percurso, não só pessoal, mas também profissional, e ainda acerca da sua relação com
os outros, basicamente através dos saberes, técnicas, artes, culturas e tecnologias. Por
isso mesmo, o conhecimento é visto como um todo, não se fragmentando pelas várias
áreas do saber, logo é construído transversalmente, articulando o passado (memória), o
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
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presente (experiência actual) e o futuro (projecto idealizado). Trata-se, como diz como
diz Olívia Santos Silva, de ―colocar os sujeitos no centro da aprendizagem‖ e, desta
forma, ―extrapolar os mundos individuais para aceder a novos mundos‖ (Silva, 2002:
50). O sujeito relata acontecimentos exteriores a si mesmo, pelos quais se deixou levar
ou sobre os quais teve de tomar posição e que são extremamente relevantes, na medida
em que foram vividos a partir do próprio interior do indivíduo, dependendo das suas
emoções e das suas representações. O seu grande objectivo é sem dúvida o da auto-
formação do sujeito e é nesse sentido que são utilizadas nos RVCC, na fase de
reconhecimento das competências, como princípio teórico.
Contudo, o que acontece na prática? Subjazendo a este processo o objectivo de proceder
a uma equivalência ao ensino formal, a História de Vida de cada sujeito, para ser
reconhecida e validada, é ―filtrada‖ e ―padronizada‖ de acordo com a matriz teórica
oriunda do Ministério da Educação. É deste modo possível conferir diploma ao que se
aprende na vida, contudo a forma como se faz a recolha de dados dos candidatos nos
centros RVCC não é de todo a mais relacionada com a História de Vida, enquanto
metodologia das Ciências Sociais e Humanas, convertendo-se apenas em balanço de
experiências pessoais em contextos vocacionados para o trabalho. Em todo este
processo pede-se autonomia ao adulto, que este frequentemente não está em condições
de dar, fragilizado pelas suas condições socioeconómicas e também porque à chegada
tem a expectativa de ir ―aprender‖, o que não se concretiza da forma esperada,
significando que para a generalidade dos adultos as aprendizagens experienciais não são
valorizadas49
.
Não questiono os aspectos positivos da acção dos Centros RVCC, que os têm
inegavelmente, como já foi anteriormente afirmado, sobretudo pela elevação da auto-
estima dos adultos e a consequente mobilização em torno de projectos de vida futuros,
quer profissionais, quer de prosseguimento de estudos.
Existem no entanto debilidades que importa apontar, e que podem conduzir ao
abandono do processo, sob variados pretextos.
49 Estando eu directamente a trabalhar nesta área percepciono que os formandos têm realmente
interiorizado o modelo escolar, o que se revela no simples pormenor de nos abordarem como
―professores‖, ―doutores‖, mas raramente como formadores.
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
89
A esse propósito, e a título de exemplo, surgiu um relatório da OCDE50
de 2003, o qual
faz uma análise muito interessante do abandono dos adultos dos processos de formação;
senão, vejamos:
―A falta de tempo é uma das razões mais invocadas pelos adultos para explicar a sua
recusa em iniciar uma formação, sobretudo se ela não for profissional. É-lhes difícil
encontrar tempo para continuar o curso. Isto reflecte também os seus compromissos
profissionais e familiares, e para além disso de que eles estão pouco convencidos dos
benefícios da aprendizagem. Os seus problemas financeiros são também referidos
como barreiras à aprendizagem‖ (OCDE, 2003:5).
É que para além das dificuldades já referidas, os Centros de Novas Oportunidades
podem defraudar as expectativas dos adultos ao fazerem crer que mais escolaridade
corresponde a mais emprego, o que não é exacto. Canário refere que:
―Contributos, convincentes, de sociólogos como Boudon (1973) ou Lucie Tanguy
(1986) evidenciaram a inexistência de uma relação directa e linear entre o mundo da
formação e o mundo do trabalho. Por outro lado, a realidade empírica das últimas
décadas confronta-nos com a compatibilidade entre um crescente desemprego
(estrutural), uma acentuação das desigualdades sociais, e por outro lado, um acréscimo
constante da escolarização e da formação‖ (2000: 39).
É esta subordinação ao mundo do trabalho que conduz à massificação dos processos de
formação de adultos, massificação essa que no seu seio transporta duas inquietações
fundamentais:
- Qualificar para quê?
- Uma pedagogia da urgência?
Penso que será de toda a pertinência fazer aqui referência ao encontro em que participei
na Biblioteca de Vila Nova de Gaia, a 5 de Abril de 2008, no âmbito do convite feito
pelos participantes do Curso (Per) Cursos de Educação e Formação de Adultos,
intitulado ―Feira das Vaidades” – A caminho do futuro: qualificar para quê?‖ O
conferencista, Prof. Alcoforado51
, colocou esta questão, esclarecendo que todo este
esforço de qualificação é questionável se não forem criadas as infra-estruturas
50
Au-delà du discours : Politiques et pratiques de formation des adultes – Points clés, OCDE (2003) 51
Prof. da Universidade de Coimbra, especializado na área de Educação de Adultos
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
90
necessárias que suscitem e valorizem essa qualificação, ou seja, para que a formação
produza efeitos de coesão social tem de haver outros sistemas que permitam esta
articulação qualificação – emprego - coesão social.
Ainda que a pergunta do debate: “A caminho do futuro: qualificar para quê?”
permaneça sem uma resposta satisfatória, deixa algumas propostas de reflexão sobre a
complexidade, não só do processo de certificação, mas também do sistema que lhe terá
de dar continuidade. É que não é claro, para além dos fins meramente estatísticos e da
possível satisfação pessoal de alguns formandos, o porquê de se qualificar sem delinear
uma estratégia futura, que dê continuidade ao processo iniciado. Parece estar subjacente
o que Adalberto Dias de Carvalho e Isabel Baptista na sua obra Educação Social
Fundamentos e Estratégias apelidam de ―pedagogia de urgência‖, visão redutora de um
processo educativo que se destina aos mais vulneráveis do ponto de vista pessoal e
social, e que tenta combater desigualdades sem na realidade o conseguir.
Se, como afirma o relatório Delors, a Educação é um tesouro a descobrir, a sociedade
em si mesma tem de ser educativa, e a meta que se coloca é de ―educação para todos‖,
―justificando a necessidade de reforçar a complementaridade e a ligação entre os tempos
e formas de aprendizagem, tradicionalmente separados‖ (Carvalho & Baptista, 2004:
61). Canário cita a este propósito um relatório elaborado em 1991 para o Conselho da
Europa por Gérald Bogard, o qual defende que ―o adulto é co-produtor da sua
formação‖ e como tal tem de ser invertido o princípio de elaboração dos dispositivos
educativos: ―em vez de procurar vender um produto pré-confeccionado, torna-se
necessário co-produzi-lo com o «consumidor», rompendo ―com a lógica da «disciplina»
‖ (Bogard, 1991, cit. Canário, 2000: 25).
Está aqui presente a pergunta de partida deste trabalho, nos processos RVCC as
Histórias de Vida consubstanciam a ligação entre tempos e formas de aprendizagem,
que não se limitam ao espaço/tempo escolar, mas se estendem a todos os tempos e
espaços da vida. Já os Referenciais Teóricos ―pré-confeccionados‖ compartimentalizam
os saberes em núcleos geradores, a fim de os traduzir em competências susceptíveis de
reconhecimento, validação e certificação. Surge um conflito, potenciador de interrupção
e abandono do processo. Sendo contudo imprescindíveis como guias de todo o
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
91
processo, sem as quais este não seria exequível, não podem nem devem ser postos de
lado.
Assumindo que este dilema é a problemática central desta pesquisa, levantam-se
algumas questões que poderão conduzir a uma maior eficácia do processo RVCC,
questões essas que se relacionam quer com a componente formativa, ou seja,
directamente com os Referenciais de Competências-Chave, quer com alguns dos
motivos potenciadores de insucesso do processo pela pressão que exercem sobre a
forma como este se desenrola, como sejam a necessidade de formação da equipa
técnico-pedagógica ou a falta de avaliação institucional dos Centros de Novas
Oportunidades e o seu financiamento.
1 - A primeira questão diz respeito aos Referenciais de Competências.
Segundo Nogueira:
―A Educação de Adultos sempre defendeu a autonomia dos territórios educativos e um
novo papel regulador da Administração Central, o que pressupõe uma mudança
funcional em todo o processo de construção e desenvolvimento do currículo, com a
assunção de novos papéis pelos formadores, enquanto mediadores activos, críticos,
criativos e reflexivos de propostas programáticas que se querem abertas e flexíveis.
Relega-se, frontalmente, a ideia de que os programas devem ser únicos e aplicados
através de rotinas.
Só se pode falar, mesmo para contextos muito escolares, em currículo com finalidades
de Educação de Adultos, quando o valor nacional de um programa for entendido
apenas como referencial permanente, susceptível de ser recriado, reinterpretado,
contextualizado e adoptado, consoante a diversidade, singularidade, necessidades e
interesses de quem os procura‖ (1996: 209)
Ora um dos pontos críticos dos Referenciais é precisamente a sua universalidade, o
serem comuns a todos os CNO´S e aplicados indiscriminadamente a todos os públicos e
contextos em que estes se situam; não urgiria modificar esta situação, ou seja, o
Referencial de Competências-Chave não ser o mesmo para um público urbano ou rural,
do litoral ou do interior?
Outro ponto crítico já anteriormente referenciado é a sua compartimentalização em
núcleos geradores, segundo uma lógica académica. Os saberes experienciais, saberes
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
92
vocacionados para a acção, são excluídos desta lógica, pois possuem uma lógica e um
ritmo próprios. Como refere Ana Pires,
―os saberes da acção, construídos através da experiência, possuem uma lógica e
coerência própria, e não podem ser reportados directamente a um saber académico. A
decomposição dos saberes em disciplinas e a sua descontextualização […] não se
encontra em consonância com a lógica dos saberes experienciais‖ (2005: 575)
Preconiza a autora, com toda a razão, a construção de referenciais integradores, que
contemplem a formação humana na sua globalidade, integrando todas as dimensões do
desenvolvimento: humana, cultural, profissional, científica e social, de maneira a
permitir que a formação dos adultos seja precisamente um processo co-produzido e co-
participado. Também Melo sugere ―temas integradores‖ em Educação de Adultos ―já
que permitem «combater a rigidez militarizada de toda a instituição escolar na sua tarefa
de domesticação do ‗aluno‘» ‖. (Melo, 1978, cit in Nogueira, 1996: 214).
Nogueira propõe para qualquer arquitectura curricular destinada a adultos seis pilares
que considera serem fundamentais:
Quadro nº 5 – Os seis pilares de uma arquitectura curricular em educação de adultos
O Pilar Globalizador Tem em atenção toda a pessoa e o seu contexto sociocultural.
Assenta nos seus interesses e necessidades.
O Pilar Activo Converte a pessoa em sujeito activo do processo formativo, numa distância de acção - reflexão-acção.
O Pilar Indutivo Institui o concreto como situação de partida. Em seguida generaliza, fornecendo processos de abstracção. Tudo assenta à partida na
bagagem cultural da pessoa.
O Pilar Participativo Rompe as barreiras entre educador/educando. É o facilitador das relações habituais na formação e fora dela.
O Pilar Grupal Desenvolve a consciência de pertença a um grupo que favoreça as
condições de aprendizagem de cada pessoa. Possibilita situações de desenvolvimento pessoal e projecção social que podem incidir na transformação da realidade. Isto não interfere com o tratamento individualizado dos processos de aprendizagem.
O Pilar Flexível Programa de forma flexível, com respeito pelos participantes.
Fonte: (Nogueira, 1996: 212)
Sem que seja posta em causa a existência no processo de formação de objectivos a
atingir e a auto e hetero avaliação de aprendizagens realizadas, parece-me que os
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
93
Referenciais têm de passar por aqui para serem verdadeiramente fonte de educação e de
formação para os adultos que procuram o processo RVCC, porque apenas assentando
nestes seis pilares é na realidade estimulada a autonomia52 dos adultos e a sua
singularidade.
Um terceiro ponto crítico dos Referenciais de Competências - Chave é a sua validade
temporal. A sociedade actual encontra-se em permanente mutação, competências e
saberes novos surgem a toda a hora, e a sua integração atempada nos referenciais é de
difícil implementação pois estes, sendo prescritivos, não têm capacidade rápida de
evolução. Urge serem desenhados dispositivos que permitam a sua actualização
constante, para que possam acompanhar não só o presente mas também o futuro.
Contudo tais dispositivos só podem ser adoptados fazendo-se um estudo sério das
especificidades dos diferentes contextos em que se inserem os CNO‘s e do público a
que se dirige a formação, estudo esse que parece ter estado até agora ausente. Seria mais
benéfico pensar todo este processo como um processo de intervenção para a mudança,
em vez de mera cosmética certificadora, contudo tal implicaria uma noção de
temporalidade da formação que não se coaduna com a presente brevidade com que
decorre todo o processo.
Um último ponto crítico tem a ver com a noção de competência subjacente aos
Referenciais, uma noção redutora de competências direccionadas para o mundo do
trabalho, e que parece mais indicada numa visão de formação de recursos humanos, do
que numa visão de formação integral de um adulto. Na verdade, quando falei do
Balanço de Competências, referi-me à obra de Luís Imaginário Balanço de
Competências Discursos e Práticas, salientando algumas conclusões do autor. Afirma
ele que a nível do discurso institucional tendem a ser consideradas válidas competências
pessoais, sociais e profissionais, porém quanto às metodologias utilizadas nos processos
de certificação, ou seja, quanto à prática ―uma intervenção supostamente ajustada aos
ritmos do confronto e da exploração pessoal dos sujeitos se transverteria num curso
quase escolar sobre o balanço de competências‖ (2001: 120). É uma visão
empobrecedora das competências, que torna todo o processo muito frágil. Ana Pires
refere ainda algo de muito significativo e que contribui para acentuar a tensão entre
52
O itálico deseja salientar a noção de autonomia.
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
94
História de Vida e Referenciais de Competências-Chave; afirma que ―no plano ético, a
redução da experiência, que é complexa e dinâmica, a indicadores externos e
―objectivos‖ – as competências – é incompatível com noção de autonomia53 da pessoa‖.
(2005: 580). É certo que os Referenciais de Competências-Chave para o sistema RVCC
foram em Portugal elaborados especificamente para esse sistema, contudo mesmo o
tema Cidadania, que é contemplado quer no nível básico, quer no secundário, está
associado a ―empregabilidade‖ e ―profissionalidade‖, ou seja, é uma cidadania que visa
um fim instrumental, que se dirige ao trabalho. Tal fim instrumental impede a
autonomia do adulto como sujeito co-produtor da sua formação e impede a autonomia
do próprio processo, ao impedi-lo de se afirmar na sua qualidade plena de processo de
Educação e Formação de Adultos.
2 - A segunda questão prende-se com os profissionais RVCC e formadores, na verdade
com os agentes intervenientes no processo, e diz respeito à sua formação. É reconhecida
a sua necessidade, e mesmo que deveriam ser subordinados a um percurso semelhante
ao dos adultos, ou seja, deveriam as suas competências para trabalhar com adultos ser
reconhecidas, validadas e certificadas. Os próprios profissionais reconhecem e sentem
esta necessidade de formação, como já vimos anteriormente.
Esta lacuna estará relacionada com o facto de nos termos habituado a lidar com este
sub-sistema de Educação de Adultos como eterna ―novidade‖. Contudo, essa desculpa
começa a deixar de ser válida porque entre a génese dos Centros de RVCC54
criados em
2001, cuja finalidade era acolher e orientar os adultos maiores de 18 anos que não
possuíam o 9.º ano de escolaridade, para processos de reconhecimento, validação e
certificação de competências adquiridas ao longo da vida, e os actuais CNO‘s, que
entretanto alargaram a certificação para o nível secundário, já passaram oito anos.55
53
O itálico é da minha autoria, não existe no texto original. Desejei salientar esta noção, por ir de
encontro ao afirmado anteriormente sobre a falta de autonomia dos sujeitos, embora essa autonomia
lhes seja pedida como sendo inerente ao processo RVCC. 54
Portaria n.º 1082-A/2001, de 5 de Setembro (criação do Sistema Nacional de Reconhecimento,
Validação e Certificação de Competências) 55
A certificação do secundário tem base na:
Portaria n.º 86/2007 de 12 de Janeiro: Alargamento do dispositivo de RVCC para o nível secundário
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
95
O estudo de Luís Imaginário & José Manuel Castro**
Perfil de Competências dos
Profissionais de RVCC (Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências)56
,
de Dezembro de 2003 demonstra preocupação com a falta de identidade profissional,
sendo que os profissionais estudados não se identificam com a designação que lhes foi
atribuída.
―Entre os Profissionais de RVCC entrevistados, como aliás em todos os outros com
quem se chegou à fala, observa-se, praticamente em todos eles, uma hesitação
constante entre a designação "profissional", recomendada pela ANEFA (Agência
Nacional de Educação e Formação de Adultos), e "técnico", que, entre nós, é
francamente mais comum. De resto, "Profissional de RVCC" pode revelar-se uma
designação razoavelmente inapropriada, se aplicada ao exercício autónomo da função
reconhecimento de competências, por oposição a um exercício que se limite à
aplicação de normativos pré-existentes (caso em que, mais rigorosamente, estaremos
em presença de um "técnico de...", que não de um "profissional de..."). Nesta
circunstância, porém, a designação "Profissional de RVCC" quer-se a mais neutra
possível, ou seja, sem nada pressupor acerca de tal autonomia ou ausência dela. Além
disso, regista-se igualmente uma outra hesitação, desta vez entre RVC,
"reconhecimento e validação de competências" e RVCC, "reconhecimento, validação
e certificação de competências". (2003: 3/4).
Esta questão de indefinição da terminologia é agravada pela falta de formação que estes
profissionais sentem. A exemplo da questão da designação de ―profissional‖, a
necessidade de formação é um problema que vem de trás, mas que se mantém por
resolver. Aquando do meu estágio no CNO de Vila Nova de Gaia, foi-me solicitado
pela Coordenadora do Centro que efectuasse um levantamento das necessidades de
formação junto da equipa técnico-pedagógica.57
Os resultados obtidos foram claramente
elucidativos da necessidade de formação sentida pela equipa técnico-pedagógica
daquele Centro, que à questão ―quais as formações concretas de frequência prioritária‖
**
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação e Instituto de Consulta Psicológica, Formação e
Desenvolvimento / Centro de Desenvolvimento Vocacional da Universidade do Porto. 56
Estudo para a ANOP (Associação Nacional de Oficinas de Projectos), no âmbito do PRODERCOM
(Projecto de Desenvolvimento, Reconhecimento e Validação de Competências). 57
Anexo V - Relatório Resultados do Questionário de Levantamento de Necessidades de Formação do
CNO – CVP Vila Nova de Gaia (Mjosé/est/fpceup/cno-cvp/Março 2008)
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
96
respondeu colocando em 1º lugar o Balanço de Competências, em 2º a Orientação
Vocacional, seguido da Gestão do Tempo. A questão seguinte ―Motivos que levaram a
assinalar as acções/áreas de formação como prioritárias‖ recebeu esmagadoramente a
resposta ―necessidade de actualização de conhecimentos em relação ao Referencial de
Competências‖. Não deixa de ser curioso ser o Balanço de Competências a formação
com mais solicitação, considerando que é uma das áreas chave deste processo. A
coerência destas respostas leva-nos a concluir que há efectivamente uma necessidade
partilhada pelo quadro técnico-pedagógico quanto à área específica de formação de que
sentem necessidade, nomeadamente formação sobre o Balanço de Competências.
Considerando toda esta problemática, convém não confundir as práticas e misturar
reconhecimento e validação de competências com certificação, nesse sentido o
profissional RVCC será sobretudo um mediador, intermediário entre o adulto e a sua
história de vida e um ―agente de comunicação‖, exercendo a sua actividade em estreita
colaboração com todos os envolvidos no processo e ―favorecendo a autonomia dos
indivíduos e dos colectivos‖ (Canário, 2000: 78). Considerando a evolução constante da
sociedade a que já aludi quando mencionei a ―necessidade‖ de actualização dos
Referenciais de Competências-Chave, é lícito pensar-se numa evolução/actualização
dos profissionais da Educação. Esta questão torna-se ainda mais pertinente
considerando a emergência de novos sub-sistemas de Educação, nomeadamente o
RVCC, para o qual foram criadas uma série de ―figuras‖ novas no contexto educativo,
sem que fossem pensadas formações superiores adequadas. Necessitarão estes
profissionais de uma formação séria e reflectida, devem também ser capazes de
trabalhar em equipa, com os restantes profissionais do Centro, particularmente os
formadores. Quanto a estes últimos devem estar preparados e formados para trabalhar
com adultos, atendendo a que o público adulto tem especificidades em relação às
crianças e jovens, que se prendem sobretudo com uma experiência de vida mais vasta e
enriquecida pela forma particular como os adultos organizam e percepcionam as suas
experiências. A conotação do ―formador‖ com o ―professor‖ tem que deixar de existir,
sob pena de se escolarizar o processo. Mas para que tal aconteça é importante que o
próprio formador reflicta sobre o seu papel, e o que significa formar adultos. É que o
adulto ―deve ter oportunidades de conhecer e aprender o modo como pensa, criando
modos de resolver problemas, prever probabilidades na tomada de decisões,
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
97
consciencialização no pensamento crítico e intuição na criatividade‖ (Nogueira, 1996:
206) e o formador tem que ter esta dimensão fundamental da Educação e Formação de
Adultos bem presente. Para tal precisa de se conhecer a si mesmo e aos formandos, ser
dotado de criatividade e capaz de inovar.
Nogueira propõe um perfil do formador de adultos ideal, no que apelida de dupla forma
interactiva:
Quadro nº 6 – Forma interactiva 1 do formador ideal
O formador ideal para a
Educação de Adultos
É um programador
É um investigador
É um arquitecto
É um inovador
É um avaliador
Interpreta e adapta o currículo construindo um projecto formativo no local de formação.
Associa permanentemente o pensamento e a acção.
Re(constrói) os eixos do desenho curricular.
Re(interpreta) à luz das necessidades e condições mais concretas de cada situação social, cultural e geográfica.
Re(analisa) a sua própria acção e a de todos os actores intervenientes no processo de formação.
Fonte: (Nogueira, 1996: 217)
Figura 4 – Forma interactiva 2 do formador ideal
SABER-SER SABER-SABER
SABER-FAZER SABER-INTERVIR
Fonte: (Nogueira, 1996: 217)
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
98
O formador de adultos ideal conjuga assim as dimensões formação e investigação,
avalia os formandos e o processo, mas também se avalia a si mesmo e é dotado de um
conjunto significativo de qualidades pessoais, sociais e técnicas.
Também Carvalho & Baptista preconizam a necessidade de formação contínua,
entendendo essa formação como
―a vivência consequente de atitudes que lhe permitam partilhar a curiosidade, fruir a
descoberta, organizar as iniciativas, evoluir, promover-se para que, formando-se, se
transforme ajudando a formar os outros – os educandos! – pelo contágio operado por
essa formação, a partir daí entendida como um autêntico projecto de vida.‖ (2004: 89)
Afirmam que só assim poderá
―contribuir para protagonizar consequentemente o combate contra a exclusão social a
partir da viabilização da liberdade de cada um para construir responsavelmente os seus
projectos de vida. Projectos que cada um, também, tem o direito e o dever de idealizar,
de realizar, de avaliar e de adaptar.‖ (2004: 86).
Sob esta perspectiva o formador de adultos é simultaneamente um educador, um
investigador, um mediador social e um agente de comunicação e de relação humana.
É compreensível a impossibilidade tanto dos profissionais RVCC quanto dos
formadores em desenvolverem nos centros RVCC a sua actividade nestes moldes,
condicionados como estão pelas metas a cumprir e pela falta de tempo; também pela
falta de formação nesta área. Seria desejável, contudo que fosse pelo menos considerada
a hipótese de no futuro poderem vir a exercer o seu trabalho um pouco mais em
consonância com esta concepção.
3 - Uma terceira questão passa pela avaliação institucional a que os Centros RVCC
deveriam submeter-se, avaliação externa mas também interna. A avaliação externa está
definida na lei como sendo responsabilidade da ANEFA; com a sua extinção ficou um
vácuo que não parece ter sido ainda preenchido. As informações sobre o impacto do
sistema RVCC são poucas e difíceis de encontrar; também existem poucos estudos
sobre avaliação da qualidade das actividades desenvolvidas nos Centros, assim como
falta de apoio e acompanhamento. Os Centros são abandonados um pouco à sua sorte,
competem entre si para cumprirem as pouco realistas metas físicas de certificação
estabelecidas pela ANQ, e proliferam sem controlo, muitas vezes sem mesmo terem
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
99
definido estratégias racionais de localização geográfica. Alberto Melo afirma mesmo a
necessidade de se constituir ―um Observatório dos CRVCC, operando à escala nacional,
constituído com base nos ―avaliadores externos‖ dos Centros, para acompanhar de perto
o processo em curso‖ (2007:198), avaliadores esses totalmente independentes dos
Centros.
Quanto ao financiamento dos Centros, deve ser preciso, claro e atempado, a fim de que
estes saibam com o que podem contar e se organizem eficientemente, gerindo com
racionalidade os seus recursos endógenos e valorizando adequadamente os seus
profissionais. A este propósito, Fernando Marques destaca como variáveis transversais
responsáveis pelas dificuldades que os Centros têm atravessado continuamente desde
2001 até hoje ―o sub-financiamento, os atrasos, para além do aceitável, no recebimento
das verbas relativas aos financiamentos aprovados e a incerteza para o ―ano seguinte‖
uma vez que as candidaturas são anuais o que implica que de Janeiro a Maio/Junho de
cada ano os Centros financiados, para não fecharem portas, se encontrem a trabalhar
sem rede e sem saberem qual o orçamento que lhes está destinado‖ (2007: 179).
Em Centros sub-financiados, vivendo na incerteza económica e pressionados a atribuir
certificação a um número elevado de formandos, com profissionais muitas vezes em
situação profissional precária, o processo dificilmente é conduzido com a necessária
qualidade, agudizando-se as tensões daí derivadas.
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
100
CONCLUSÃO
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
101
Os resultados da presente investigação demonstram existir uma tensão entre a História
de Vida individualizada do adulto que procura o processo RVCC e o Referencial de
Competências-Chave padronizado, tensão que se instalou com a mudança do perfil do
público-alvo e se agudiza permanentemente com a proliferação desordenada de Centros
RVCC e a crescente necessidade de certificar cada vez mais pessoas.
Existiram duas fases distintas no processo RVCC, a primeira a da sua concepção,
experimentação e implementação no terreno, sob a égide da ANEFA, a qual se regia
pelos grandes princípios norteadores da Educação e Formação de Adultos e que tinha
como público-alvo os activos empregados que desejavam ver reconhecidas, validadas e
certificadas as competências adquiridas as longo da vida, como projecto de
desenvolvimento pessoal, social e profissional. As suas motivações eram
essencialmente intrínsecas, embora também procurassem a progressão na carreira.
Contudo, actualmente, a já referida necessidade de certificar a todo o custo cada vez
mais adultos, e adultos cada vez mais jovens, a fim de diminuir estatísticas preocupantes
de abandono precoce do sistema escolar formal e de falta de qualificações da população,
assim como a subordinação do processo a imperativos económicos e do mundo do
trabalho, subverteu os objectivos que presidiram inicialmente à sua criação como
processo de Educação e Formação de Adultos. Nos anos mais recentes, a mudança de
perfil do público-alvo, agora maioritariamente em risco de exclusão social, muitas vezes
impelido a frequentar o processo RVCC por motivações extrínsecas, como sejam a
perda de apoios sociais, produziu uma tensão visível entre os diversos dispositivos
metodológicos utilizados, seja pela dificuldade que este público sente em reflectir e
mesmo reproduzir a sua História de Vida, seja pela inadequação de aplicação dos
critérios dos Referenciais Teóricos a estes adultos. O processo RVCC é actualmente
sobretudo um processo curativo de desigualdades sociais, diria mesmo um processo que
sem curar procura adormecer essas desigualdades.
Não sendo provável nem desejável que o RVCC se limite a retornar ao seu público
preferencial de origem, o ideal seria deixar de olhar o novo público-alvo sob uma lógica
de ortopedia social, mas sim de intervenção social, entendida esta como uma acção que
aproxima mais um público adulto, pouco escolarizado e, regra geral, numa situação
sócio - económica debilitada, de práticas de Educação de adultos susceptíveis de
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
102
garantir uma temporalidade adequada e uma abordagem mais profissionalizante e
menos tecnicista a este sub-sistema de Educação Adultos. Esta postura mais autêntica
permitiria pôr de lado a hibridez de que se reveste o processo, tornando-o mais
transparente e credível para todos os intervenientes.
Tal como é tem certamente algumas vantagens, alguns dos adultos aumentam de facto a
sua auto-estima e a sua capacidade de construção de projectos de vida futura, mas a
deformação que tem sofrido e que certamente se irá acentuar com as novas metas
propostas pelo POHP para o período 2007-2013, levam-me a concluir o que o processo
RVCC não é ou não deveria ser:
um processo de facilitismo à obtenção de qualificações, acessível, por ex. a jovens
que abandonaram precocemente o sistema de ensino formal. A ―abertura‖ a esta faixa
etária deixa adivinhar a escolarização deste sub-sistema de ensino. Os jovens que
recentemente deixaram o ensino formal têm ainda ―fresco‖ este modelo (assim como
tiveram acesso ao ensino das novas tecnologias (TIC), que são um grande obstáculo
para gerações anteriores). Paradoxalmente estes jovens têm vantagem sobre os
adultos porque apesar de terem uma experiência de vida mais curta, os saberes
formais permitem-lhe com relativa facilidade provar competências passíveis de
serem validadas.
uma educação de segunda oportunidade; como processo de formação de adultos não
tem ou não deveria ter a ―forma escolar‖, nem a sua missão é dar uma nova
oportunidade escolar àqueles que foram excluídos do sistema, é o sistema que tem
que se renovar e reformar para evitar que novos adultos chegam aos Centros RVCC
no futuro; neste sentido a denominação de Centros de Novas Oportunidades para os
centros onde funcionam os RVCC e os cursos EFA é incongruente com o público
adulto a que se destinam e reveladora da concepção dos governantes sobre os
verdadeiros objectivos que presidem a estas iniciativas;
administrado a ―correr‖; a educação e formação de adultos é um processo demorado
e gradual, que não se coaduna nem se destina aos ―espaços‖ e ―tempos‖ escolares;
porr essa razão, se a implementação dos CNO‘s em escolas regulares parece um
processo problemático, tal dever-se-á a uma tendência de escolarização do processo
por parte dos professores.
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- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
103
circunscrito a um Referencial de Competências-Chave, único e descontextualizado
não sendo mais do que um currículo da Educação de Adultos. Os Centros deveriam
ser adequadamente contextualizados, dirigindo-se às particularidades dos adultos das
zonas em que se situam e contribuindo decisivamente para os processos de
desenvolvimento local;
Pelo mesmo motivo, as iniciativas RVCC não deveriam ser desgarradas e
inconsistentes, mas inserir-se em iniciativas mais vastas de Educação e Formação de
Adultos, num todo consistente e que permitisse a este campo da Educação
desenvolver-se e adquirir junto do grande público o crédito que merece e de que o
país necessita.
Se o processo RVCC não satisfizer estas condições e não se afirmar novamente como
um verdadeiro processo de Educação e Formação de Adultos, corremos o risco de,
como dizia um dos profissionais RVCC entrevistados (ent. 4), estarmos ―a assassinar
uma geração inteira‖, com uma educação e formação assente em ―pés de barro‖.
Reconheço a dificuldade de se conjugar num único processo as diferentes modalidades
educativas que se podem encontrar nos domínios e práticas da Educação e Formação de
Adultos.
Ventosa (1999:52) define a educação formal como o “sector da educação que pertence
ao sistema educativo do país”, conferindo certificação; a educação não formal como o
“tipo de educação que, ainda que sistemática e estruturada, não entra no sistema
educativo, permanecendo à margem, portanto, da regulamentação e do reconhecimento
oficial que aquele impõe e outorga”; finalmente a educação informal como sendo
constituída por “todos aqueles processos que, sem ter uma intencionalidade educativa
explícita, influem nas condutas, valores e conhecimentos das pessoas”, afirmando ainda
que estes processos não se produzem de forma sistemática. A esta luz, o processo
RVCC, não pertencendo ao sistema de ensino formal, altera-se na sua essência de
processo de Educação e Formação de Adultos a fim de conferir certificação, desejando
o reconhecimento oficial que não é característico da modalidade de educação não
formal que assume, ao mesmo tempo que procura na História de Vida individualizada
do adulto as aprendizagens típicas da educação informal.
História de Vida e Referencial de Competências - Chave
- Tensões e conflitos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
104
É pelo justo equilíbrio destas três dimensões educativas que tem que passar o processo
RVCC, abstendo-se da valorização excessiva dos aspectos formais, próprios dos fins
instrumentais dissimulados a que verdadeiramente se destina e assumindo os ideais que
presidiram à sua criação.
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