terceira seção - superior tribunal de justiça · no referido caso, foi denunciado o então...

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Terceira Seção

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Terceira Seção

CONFLITO DE COMPETÊNCIA N. 120.848-PE (2012/0012676-0)

Relatora: Ministra Laurita Vaz

Suscitante: Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco

Suscitado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte

Interessado: José de Nicodemo Ferreira Júnior

Interessado: Justiça Pública

EMENTA

Confl ito positivo de competência. Constitucional e Processual

Penal. Art. 14, da Lei n. 10.826/2003. Crime comum, supostamente

praticado por prefeito, em outro Estado. Competência do Tribunal de

Justiça do Estado do município governado pelo interessado. Art. 29,

inciso X, da Constituição da República. Prerrogativa de foro criada

em função da relevância do cargo de prefeito para o respectivo Estado.

Confl ito de competência conhecido, para reconhecer a competência

do tribunal suscitado.

1. No caso, o Interessado, prefeito do Município de Rafael

Fernandes-RN, foi autuado em fl agrante-delito em ocasião em que

portava um revólver calibre 38 sem autorização ou registro, em rodovia

no Município de Salgueiro-PE. O Tribunal de Justiça do Estado do

Rio Grande do Norte, posteriormente, expediu alvará de soltura.

O Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, então, suscitou o

presente confl ito, sob o fundamento de que a Corte potiguar não tinha

jurisdição sobre crime comum ocorrido em município pernambucano.

2. O Poder Constituinte, ao criar a prerrogativa prevista no art.

29, inciso X, da Constituição da República, previu que o julgamento

dos Prefeitos, em razão do cometimento de crimes comuns, ocorre

perante o Tribunal de Justiça.

3. A razão teleológica dessa regra é a de que, devido ao relevo

da função de um Prefeito, e o interesse que isso gera ao Estado em

que localizado o Município, a apreciação da conduta deve se dar pelo

Tribunal de Justiça da respectiva unidade da Federação.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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4. Ora, a Constituição é clara ao prever como um dos preceitos

que regem o Município o “julgamento do Prefeito perante o Tribunal

de Justiça”. Ressalte-se: está escrito no inciso X do Art. 29 da Carta

Magna “perante o Tribunal de Justiça”, e não “perante Tribunal de

Justiça”. O artigo defi nido que consta na referida redação, conferida

pelo Constituinte, determina sentido à norma que não pode ser

ignorado pelo aplicador da Lei, impedindo a interpretação de que se

utilizou a Corte Suscitante.

5. Outrossim, relembre-se o que já esclareceu o eminente Ministro

Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal: “[a] prerrogativa de foro,

prevista em norma a encerrar direito estrito, visa a benefi ciar não a

pessoa, mas o cargo ocupado” (HC n. 88.536-GO, 1ª Turma, Rel. Min.

Marco Aurélio, DJe de 15.2.2008).

6. Desta feita, não há nenhuma lógica em reconhecer a

competência da Corte do local do delito no julgamento do feito, em

detrimento do interesse do Tribunal de Justiça do Estado do Rio

Grande do Norte em apreciar causa referente a Prefeito – cujo cargo é

ocupado em Município daquela unidade da Federação.

7. Nem se diga ainda que, em razão de regra processual existente

em legislação infraconstitucional, poderia prevalecer, no caso, a

competência em razão do local do cometimento do crime. Isso porque

a única interpretação que pode ser dada à hipótese é a de que qualquer

regra de hierarquia inferior sobre processo não pode sobrepor-se a

determinação da Carta Magna, como por diversas vezes já esclarecido

pelo Supremo Tribunal Federal e por esta Corte.

8. Conflito de competência conhecido, para declarar como

competente o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira

Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das

notas taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, conhecer do confl ito e declarar

competente o Suscitado, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do

Norte, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Jorge

Mussi, Og Fernandes, Sebastião Reis Júnior, Marco Aurélio Bellizze, Vasco

Jurisprudência da TERCEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 655-698, abril/junho 2012 659

Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS), Adilson Vieira Macabu

(Desembargador convocado do TJ-RJ) e Gilson Dipp votaram com a Sra.

Ministra Relatora.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura.

Brasília (DF), 14 de março de 2012 (data do julgamento).

Ministra Laurita Vaz, Relatora

DJe 27.3.2012

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Laurita Vaz: Trata-se de confl ito positivo de competência,

em que consta como suscitante o Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco,

e suscitado o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte.

Segundo documentação acostada aos autos, o Interessado, José de Nicodemo

Ferreira Júnior, prefeito do Município de Rafael Fernandes-RN, foi autuado

em fl agrante-delito em ocasião que em portava um revólver calibre 38 sem

autorização ou registro, em rodovia no Município de Salgueiro-PE.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, posteriormente,

expediu alvará de soltura. O Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco,

então, suscitou o presente confl ito, sob o fundamento de que a Corte potiguar

não tinha jurisdição sobre crime comum ocorrido em município pernambucano.

Manifestação do Ministério Público Federal às fls. 106-108, pela

competência da Corte Suscitada.

Os autos então vieram a mim conclusos para julgamento, no dia 06 seis de

março de 2012.

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora): Primeiramente, insta mencionar

que esta Seção, no âmbito do CC n. 60.076-RS, Rel. Min. Maria Th ereza,

iniciou o debate sobre qual Tribunal competia julgar crime praticado por

prefeito em outra unidade da Federação.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

660

Naquela controvérsia – nas palavras da eminente Relatora – “[p]retendia-

se [...] defi nir qual o juízo competente para o julgamento do feito: se o tribunal

em cuja jurisdição se encontra o referido Município ou o Tribunal que tenha

jurisdição sobre a localidade em que ocorreu o delito”.

No referido caso, foi denunciado o então prefeito do Município de Tio

Hugo-RS, Gilmar Muhl, pela suposta prática dos delitos previstos nos arts. 50,

da Lei n. 9.605/1998, e 171, inciso I, § 3º, c.c. os arts. 29 e 69, estes últimos do

Código Penal, que teriam sido praticados em Santarém-PA.

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região declinou da competência

para a Corte Federal da 4ª Região, que o suscitou o confl ito de competência,

posteriormente distribuído perante esta Corte sob o número 60.076-RS.

As certidões de julgamento do confl ito revelam que os Ministros que

compunham esta Terceira Seção, à época por mim presidida, votaram no

seguinte sentido: a eminente Ministra Maria Th ereza conheceu do confl ito

para declarar competente o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em razão

do local do cometimento do crime. Entretanto, os senhores Ministros Arnaldo

Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho e Jorge Mussi acompanharam a

divergência inaugurada pelo eminente Ministro Felix Fischer, defi nindo como

competente o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao qual estaria submetido

o prefeito do Município do Rio Grande do Sul. Os demais Ministros que à

época compunham este Órgão não chegaram a votar quanto a tal mérito.

Isso porque, diante do superveniente falecimento de Gilmar Mühl –

ocorrido antes da conclusão do julgamento, adiado pelo pedido de vista do

eminente Ministro Og Fernandes –, esta Seção julgou o confl ito prejudicado,

conforme a seguinte ementa:

Confl ito de competência. Crime praticado por prefeito de um município, em outro Estado, em detrimento de bens da União. Falecimento do prefeito. Confl ito de competência prejudicado.

1. Confl ito suscitado para defi nir o juízo competente para processar e julgar Prefeito do Município de Tio Hugo-RS, que praticou, em tese, crime no Município de Aveiro-PA, em detrimento de bens ou interesse da União.

2. Diante do falecimento do Prefeito, esvaiu-se o objeto do Conflito de Competência.

3. Conflito de Competência prejudicado. (CC n. 60.076-RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 28.5.2009.)

Jurisprudência da TERCEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 655-698, abril/junho 2012 661

Passo então a apreciar a presente controvérsia processual, idêntica à que

anteriormente se iniciou.

No caso, o Interessado, prefeito do Município de Rafael Fernandes-RN,

foi autuado em fl agrante-delito em ocasião em que portava um revólver calibre

38 sem autorização ou registro, em rodovia no Município de Salgueiro-PE.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, posteriormente,

expediu alvará de soltura. O Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco,

então, suscitou o presente confl ito, sob o fundamento de que a Corte potiguar

não tinha jurisdição sobre crime comum ocorrido em município pernambucano.

Não assiste razão ao Tribunal Suscitante.

O Poder Constituinte, ao criar a prerrogativa prevista no art. 29, inciso X,

da Constituição da República, previu que o julgamento dos Prefeitos, em razão

do cometimento de crimes comuns, ocorre perante o Tribunal de Justiça.

A razão teleológica dessa regra é a de que, devido ao relevo da função

de um Prefeito, e o interesse que isso gera ao Estado em que localizado o

Município, a apreciação da conduta deve se dar pelo Tribunal de Justiça da

respectiva unidade da Federação.

Ora, a Constituição é clara ao prever como um dos preceitos que regem o

Município o “julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça”. Ressalte-

se: está escrito no inciso X do Art. 29 da Carta Magna “perante o Tribunal de

Justiça”, e não “perante Tribunal de Justiça”. O artigo defi nido que consta na

referida redação, conferida pelo Constituinte, determina sentido à norma que

não pode ser ignorado pelo aplicador da Lei, impedindo a interpretação de que

se utilizou a Corte Suscitante.

Outrossim, relembre-se o que já esclareceu o eminente Ministro Marco

Aurélio, do Supremo Tribunal Federal: “[a] prerrogativa de foro, prevista em

norma a encerrar direito estrito, visa a benefi ciar não a pessoa, mas o cargo

ocupado” (HC n. 88.536-GO, 1ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de

15.2.2008).

Desta feita, não há nenhuma lógica em reconhecer a competência da Corte

do local do delito no julgamento do feito, em detrimento do interesse do Tribunal

de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte em apreciar causa referente a

Prefeito cujo cargo é ocupado em município daquela unidade da Federação.

Nem se diga ainda que, em razão de regra processual existente em legislação

infraconstitucional, poderia prevalecer, no caso, a competência em razão do local

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

662

do cometimento do crime. Isso porque a única interpretação que pode ser dada

à hipótese é a de que qualquer regra de hierarquia inferior sobre processo não

pode sobrepor-se a determinação da Carta Magna, como por diversas vezes já

esclarecido pelo Supremo Tribunal Federal e por esta Corte.

Ante o exposto, conheço do Confl ito de competência, para declarar como

competente o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, o

Tribunal Suscitado.

É como voto.

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL N. 1.241.750-SC (2011/0154748-0)

Relator: Ministro Gilson Dipp

Embargante: Wilton José Pimentel

Advogado: Rose Mary Grahl e outro(s)

Embargado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS

Advogado: Procuradoria-Geral Federal - PGF

EMENTA

Embargos de divergência no recurso especial. Divergência comprovada. Previdenciário. Cálculo da renda mensal do benefício. Teto de 20 salários mínimos instituídos pela Lei n. 6.950/1981. Aplicabilidade. Análise da legislação aplicável. Observância da legislação em vigor na nova data de início do benefício: Decreto n. 89.312/1984. Período denominado de “Buraco Negro”. Revisão administrativa do art. 144 da Lei n. 8.213/1991. Possibilidade a partir da lei de benefícios. Embargos acolhidos.

I- O conhecimento dos embargos de divergência é de rigor, vez que, havendo entendimentos diversos a respeito da matéria entre as Turmas que compõem a Terceira Seção, os requisitos ínsitos, tanto no art. 546, I do Código de Processo Civil, quanto do art. 266, § 1º do

Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça restam atendidos.

Jurisprudência da TERCEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 655-698, abril/junho 2012 663

II- Antes do advento da Constituição Federal, o cálculo dos

benefícios previdenciários era feito de acordo com as regras elencadas

na CLPS de 84 - Decreto n. 89.312 - que trouxe em seu bojo a

determinação de que o benefício de prestação continuada teria seus

valores calculado com base no salário-de-benefício.

III- Desde o regime da CLPS, o limite máximo do salário-

de-contribuição não se confunde com o menor e o maior valor teto

do salário-de-benefício, pois, enquanto o primeiro, na linguagem

tributária, pode ser entendido como a base de cálculo sobre a qual

incidirão as alíquotas estabelecidas em lei, o segundo é o valor utilizado

para o cálculo da renda mensal dos benefícios de prestação continuada.

IV- A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, seguindo a

orientação fi rmada no âmbito do Pretório Excelso, fi rmou compreensão

no sentido de que, preenchidos os requisitos para a aposentadoria

antes da Lei n. 7.787/1989, deve prevalecer no cálculo o teto de 20

salários mínimos de referência previstos na Lei n. 6.950/1981, ainda

que concedida na vigência da Lei n. 8.213/1991.

V- Tendo o benefício sido concedido no denominado “Buraco

Negro”, seu recálculo, na forma preconizada no art. 144 da Lei de

Benefícios é de rigor. Contudo, a nova renda mensal a ser implantada

substituirá, para todos os efeitos, a até então existente, não podendo, a

teor do elencado no art. 33 da Lei n. 8.213/1991, ser superior ao limite

de salário-de-contribuição no referido mês.

VI- Tendo isso como norte, não há falar em regime híbrido de

aplicação de normas, pois, o cálculo da RMI seria feito com base na

legislação que a regulamentaria, sendo somente o seu recálculo sujeito

às regras da Lei de Benefícios. Assim, ambas as normas, cada uma a

seu tempo, estariam sendo aplicadas na integralidade, seja em seus

aspectos positivos, seja em seus aspectos negativos.

VII- Nesse contexto, esclarece-se que o que não é possível é a

aplicação da Lei n. 6.950/1981 no tocante ao limite do salário-de-

contribuição e do art. 144 da Lei n. 8.213/1991 somente no que diz

respeito ao critério de atualização dos salários-de-contribuição, vez

que ai sim, em última análise, estar-se-ia admitindo a cisão da norma,

com a incidência apenas de seus aspectos positivos aos segurados,

configurando sim, sistema híbrido de normas previdenciárias,

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

664

rechaçado por vários julgados desta Corte Superior e do Supremo

Tribunal Federal.

VIII- Entendimento diverso do ora explanado, com o simples

afastamento da revisão estabelecida no art. 144, dos benefícios cujo

cálculo da RMI se deu com base na legislação revogada, esvaziaria

todo o conteúdo normativo do citado dispositivo, transformando-o

em tábula rasa.

IX- Embargos acolhidos e providos para determinar a aplicação,

à espécie, do art. 144 da Lei n. 8.213/1991.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça. A

Seção, por unanimidade, conheceu e acolheu os embargos de divergência,

nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. A Sra. Ministra Laurita Vaz e

os Srs. Ministros Jorge Mussi, Sebastião Reis Júnior, Marco Aurélio Bellizze,

Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS) e Adilson Vieira

Macabu (Desembargador convocado do TJ-RJ) votaram com o Sr. Ministro

Relator.

Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro Og Fernandes.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura.

O Dr. Armando Verri Júnior sustentou oralmente pelo embargante.

A Dra. Milene Goulart Valadares sustentou oralmente pelo embargado.

Brasília (DF), 14 de dezembro de 2011 (data do julgamento).

Ministro Gilson Dipp, Relator

DJe 29.3.2012

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Gilson Dipp: Cuida-se de embargos de divergência,

interpostos por Wilton José Pimentel, contra acórdão da Egrégia Sexta Turma,

cuja ementa restou vazada nos seguintes termos:

Jurisprudência da TERCEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 655-698, abril/junho 2012 665

Agravo regimental. Previdenciário. Revisão da RMI do benefício. Teto de 20 salários mínimos. Lei n. 6.950/1981. Critério de atualização dos salários-de-contribuição. Artigo 144 da Lei n. 8.213/1991. Adoção de regime híbrido. Impossibilidade.

1. O entendimento fi rmado nesta Corte Superior é no sentido de ser vedada a adoção de regime híbrido, com a aplicação da Lei vigente à época do implemento das condições para a concessão do benefício, no que diz respeito ao limite do salário-de-contribuição (Lei n. 6.950/1981) e da aplicação do artigo 144 da Lei n. 8.213/1991 no tocante ao critério de atualização dos salários-de-contribuição.

2. Agravo regimental a que se nega provimento.

Em suas razões recursais, aponta a parte embargante divergência com

recente julgado proferido pela Quinta Turma desta Corte Superior de Justiça,

cuja relatoria fi cou a cargo do Ministro Jorge Mussi.

A propósito, cita-se sua ementa:

Previdenciário. Revisão de aposentadoria concedida em março de 1991. Retroação a julho de 1989. Observância da legislação em vigor na nova data de início do benefício: Decreto n. 89.312/1984. Período denominado de “Buraco Negro”. Revisão administrativa do art. 144 da Lei n. 8.213/1991. Possibilidade a partir da Lei de Benefícios.

1. A revisão de benefício concedido em 1991 para o fi m de ter seu termo a quo alterado para 1989 deve observar a norma própria de cálculo na data da nova RMI, nos moldes da Consolidação das Leis da Previdência Social - CLPS, editada pelo Decreto n. 89.312, de 23.1.1984.

2. Inaplicável a regra expressa no art. 144 da Lei n. 8.213/1991 ao Período Básico de Cálculo - PBC de aposentadoria com DIB em 1989, porquanto estava destinada à revisão e não à concessão de benefício. Ademais, o referido art. 144 somente entrou em vigor com o advento da Lei n. 8.213, em 1991; dessa forma, descabe falar em sua aplicação retroativa por ausência de previsão legal.

3. Hipótese em que a retroação do benefício ainda o manterá no período compreendido entre 5.10.1988 e 5.4.1991 (buraco negro) e, portanto, sujeito à revisão do art. 144 da Lei de Benefícios, com a ressalva do parágrafo único, segundo o qual a nova renda substituirá para todos os efeitos a que prevalecia até então.

4. Embargos acolhidos, em parte, com efeitos infringentes, para declarar que a renda mensal inicial, após sua apuração com observância do Decreto n. 89.312/1984, deverá ser recalculada e reajustada na forma defi nida no art. 144 da Lei n. 8.213/1991 a contar de sua vigência, à semelhança das revisões efetivadas administrativamente.” (EDcl no REsp n. 1.106.893-SC, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 17.8.2010, DJe 30.8.2010)

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

666

Informa o embargante que na época em que lhe foi deferido o benefício

de aposentadoria o limite máximo do salário-de-contribuição de 20 salários

mínimos, instituído pela Lei n. 6.950/1981, teria sido extinto pela Lei n.

7.787/1989, que o teria reduzido para 10 salários-mínimos.

Aduz que, na data da edição da citada lei restritiva, já contava com

mais de 30 anos de tempo de serviço, o que lhe garantiria, desde então, o

direito à obtenção da aposentadoria. Com base em tal afi rmação, pugnou pelo

reconhecimento do direito adquirido à aposentação com a observância do teto

de 20 salários, elencados na Lei n. 6.950/1981.

Alega, ainda que, tendo se transferido para a inatividade após a edição

da Lei n. 8.213/1991, teria direito ao recálculo do benefício de acordo com as

regras elencadas no art. 144 da citada Lei de Benefícios.

Afi rma que algumas decisões desta Corte estão equivocadas, pois partem

da “falsa premissa de que existira algum tipo de mescla de legislação ao se

determinar a aplicação do ora revogado art. 144 da Lei n. 8.213/1991, nos casos

onde seja reconhecido direito adquirido sob a égide do teto contributivo da Lei

n. 6.950/1981.”

Sustenta que tal entendimento é equivocado pois, enquanto a Lei n.

8.213/1991 regulamente a concessão de benefício previdenciário, a Lei n.

6.950/1981, cuja natureza é essencialmente tributária, trata das regras inerentes

às contribuições previdenciárias. Portanto, as legislações em tela ditam normas

de natureza distinta, a aplicação dessas também se dá em situações diversas, não

havendo falar pois, em regime híbrido na sua aplicação.

Argumenta que à época em que teve seu benefício deferido, o cálculo da

RMI era feito pelo Decreto n. 89.312/1984, fato esse que não afasta seu direito

ao recálculo determinado pelo art. 144 da Lei n. 8.213/1991. Para tanto, alude

que o próprio dispositivo determina a revisão do benefício “de acordo com as

regras estabelecidas nesta Lei”, não devendo, portanto, sofrer qualquer tipo de

infl uência da CLPS/84.

Por fi m, sublinha que se “a Lei n. 8.213/1991 se sub-roga inteiramente

sobre a CLPS não pode haver qualquer hibridismo, o que ocorre é que o

regramento da CLPS é retirado e a Lei n. 8.21391 passa a reger inteiramente as

regras de cálculo do benefício.”

Às fl s. 372-389, o INSS apresentou impugnação, pela qual alegou ser

aplicável, à espécie, o Enunciado Sumular n. 168, vez que “embora exista

Jurisprudência da TERCEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 655-698, abril/junho 2012 667

paradigma invocado pelo embargante, publicado em 30.8.2010, o fato é que a

jurisprudência majoritária do STJ é fi rme no sentido de que, no caso de direito

adquirido com base na legislação anterior (Lei n. 6.950/1981), que previa o

teto do salário-de-contribuição de 20 salários-minimos, o benefício deve ser

recalculado também pela legislação anterior (CLPS), sem aplicação do art. 144

da Lei n. 8.213/1991” (fl . 373).

Alegou, ainda, que sendo reconhecido o direito adquirido à revisão da

renda mensal inicial do benefício com base na legislação que previa o teto de

20 salários-minimos, a correção monetária dos 36 salários-de-contribuição, nos

termos do art. 31, 144 e 145 da Lei n. 8.213/1991 deverão ser afastadas, pois,

do contrário, estar-se-ia admitindo a concessão de benefício previdenciário de

forma híbrida, o qual é vedado pelo ordenamento jurídico.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Gilson Dipp (Relator): Cuida-se de embargos de

divergência, interpostos por Wilton José Pimentel, contra acórdão da Egrégia

Sexta Turma, cuja ementa restou vazada nos seguintes termos:

Agravo regimental. Previdenciário. Revisão da RMI do benefício. Teto de 20 salários mínimos. Lei n. 6.950/1981. Critério de atualização dos salários-de-contribuição. Artigo 144 da Lei n. 8.213/1991. Adoção de regime híbrido. Impossibilidade.

1. O entendimento fi rmado nesta Corte Superior é no sentido de ser vedada a adoção de regime híbrido, com a aplicação da Lei vigente à época do implemento das condições para a concessão do benefício, no que diz respeito ao limite do salário-de-contribuição (Lei n. 6.950/1981) e da aplicação do artigo 144 da Lei n. 8.213/1991 no tocante ao critério de atualização dos salários-de-contribuição.

2. Agravo regimental a que se nega provimento.

Em suas razões recursais, aponta a parte embargante divergência com

recente julgado proferido pela Quinta Turma desta Corte Superior de Justiça,

cuja relatoria fi cou a cargo do Ministro Jorge Mussi.

A propósito, cita-se sua ementa:

Previdenciário. Revisão de aposentadoria concedida em março de 1991. Retroação a julho de 1989. Observância da legislação em vigor na nova data de

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

668

início do benefício: Decreto n. 89.312/1984. Período denominado de “Buraco Negro”. Revisão administrativa do art. 144 da Lei n. 8.213/1991. Possibilidade a partir da Lei de Benefícios.

1. A revisão de benefício concedido em 1991 para o fi m de ter seu termo a quo alterado para 1989 deve observar a norma própria de cálculo na data da nova RMI, nos moldes da Consolidação das Leis da Previdência Social - CLPS, editada pelo Decreto n. 89.312, de 23.1.1984.

2. Inaplicável a regra expressa no art. 144 da Lei n. 8.213/1991 ao Período Básico de Cálculo - PBC de aposentadoria com DIB em 1989, porquanto estava destinada à revisão e não à concessão de benefício. Ademais, o referido art. 144 somente entrou em vigor com o advento da Lei n. 8.213, em 1991; dessa forma, descabe falar em sua aplicação retroativa por ausência de previsão legal.

3. Hipótese em que a retroação do benefício ainda o manterá no período compreendido entre 5.10.1988 e 5.4.1991 (buraco negro) e, portanto, sujeito à revisão do art. 144 da Lei de Benefícios, com a ressalva do parágrafo único, segundo o qual a nova renda substituirá para todos os efeitos a que prevalecia até então.

4. Embargos acolhidos, em parte, com efeitos infringentes, para declarar que a renda mensal inicial, após sua apuração com observância do Decreto n. 89.312/1984, deverá ser recalculada e reajustada na forma defi nida no art. 144 da Lei n. 8.213/1991 a contar de sua vigência, à semelhança das revisões efetivadas administrativamente. (EDcl no REsp n. 1.106.893-SC, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 17. 8.2010, DJe 30.8.2010)

Após aludido julgamento, nos autos do AgRg no REsp n. 1.210.743-PR,

de relatoria do Min. Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ-

RJ, a douta Quinta Turma, reafi rmou aludido entendimento.

A propósito, cumpra trazer à lume o seguinte trecho das razões de decidir:

Em conclusão, a aplicação do art. 144 da Lei n. 8.213/1991, não confi gura sistema híbrido, pois não há falar em conjugação das regras relativas aos critérios de atualização, limites de salário de contribuição, salário de benefício e coefi cientes de cálculo da legislação anterior (Lei n. 6.950/1981), com as da Lei n. 8.213/1991, porquanto foi por ela determinado o alcance dos benefícios concedidos neste período imediatamente anterior à sua vigência.

Assim, independente de o benefício ter sido concedido em 9.1.1992, com sua RMI calculada de acordo com as regras previstas na Lei n. 8.213/1991, existindo a retroação para 2.7.1989, a fim de que ela seja recalculada com base na Lei n. 6.950/1981, ser-lhe-á aplicado o artigo 144, com a observância do disposto no seu parágrafo único. (sem grifo no original)

Jurisprudência da TERCEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 655-698, abril/junho 2012 669

A ementa do julgado restou vazada nos seguintes termos:

Previdenciário. Agravo regimental no recurso especial. Aposentadoria. Revisão. Concessão após vigência da Lei n. 8.213/1991. Retroação para novo cálculo da renda mensal inicial - RMI. Possibilidade. Período compreendido entre 5.10.1988 e 5.4.1991. “Buraco Negro”. Recálculo e reajuste com aplicação do art. 144 da Lei n. 8.213/1991.

1. É firme o entendimento deste Superior Tribunal de Justiça de que, preenchidos os requisitos para a aposentadoria antes do advento da Lei n. 8.213/1991, deve prevalecer no seu cálculo o teto de 20 (vinte) salários-mínimos previsto na Lei n. 6.950/1981, ainda que tenha sido concedida na vigência da Lei n. 8.213/1991.

2. A apuração da nova renda mensal inicial dar-se-a sem prejuízo da aplicação do art. 144 da Lei n. 8.213/1991, visto que a data considerada para o recálculo da referida renda se insere no período compreendido entre 5.10.1988 e 5.4.1991, o denominado “buraco negro”, com a ressalva do parágrafo único, segundo o qual a nova renda substituirá, para todos os efeitos, a que prevalecia até então. In casu, a aplicação do art. 144 da Lei n. 8.213/1991 não confi gura sistema híbrido, pois não há falar em conjugação das regras relativas aos critérios de atualização, limites de salário de contribuição, salário de benefício e coefi cientes de cálculo da legislação anterior (Lei n. 6.950/1981) com as da Lei n. 8.213/1991, porquanto foi por ela determinado o alcance dos benefícios concedidos no período “buraco negro”, imediatamente anterior à sua vigência.

3. Agravo regimental provido para negar provimento ao recurso especial. (AgRg no REsp n. 1.210.743-PR, Rel. Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ-RJ), Quinta Turma, julgado em 7.4.2011, DJe 10.5.2011)

Na decisão embargada, a Colenda Sexta Turma entendeu não ser possível

garantir ao segurado um regime misto de aplicação da norma, de forma a determinar,

a título de atualização dos salários-de-contribuição, a incidência da Lei vigente

à época do implemento das condições para a concessão do benefício, qual seja, a Lei

n. 8.213/1991, e no que diz respeito ao limite teto desses, utilizar os parâmetros

elencados na Lei n. 6.950/1981.

Por sua vez, o acórdão paradigma, em sentido oposto, entendeu que, apesar do

julgado a quo ter determinado que a apuração da renda mensal inicial - RMI - fosse

feita com base nas regras previstas no Decreto n. 89.312/1984, considerando-se, para

tanto, o teto de 20 salários-mínimos previstos na Lei n. 6.950/1981, tendo o benefício

sido concedido no ano de 1991, deveria ser recalculado e reajustado na forma defi nida

no art. 144 da Lei n. 8.213/1991.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

670

Com efeito, a análise acurada do acórdão embargado e do paradigma,

trazido à colação pelo embargante, bem como do precedente que seguiu a

orientação fi rmada no paradigma, demonstra a existência de entendimentos

díspares entre as Turmas que compõem a Terceira Seção.

Dessa feita, tendo os embargos de divergência o papel de uniformização a

jurisprudência dos órgãos julgadores desta Corte Superior de Justiça, garantido

que esta cumpra seu papel constitucional de interpretar, de forma sólida, a

legislação infraconstitucional, o conhecimento do presente é de rigor, vez

que restam atendidos os requisitos ínsitos, tanto no art. 546, I do Código de

Processo Civil, quanto do art. 266, § 1º do Regimento Interno do Superior

Tribunal de Justiça.

A controvérsia a ser dirimida na presente via recursal, por envolver direito

intertemporal, se revela de alguma complexidade. Assim, para um exame mais

didático da matéria, o detalhamento do debate se mostra necessário.

A primeira questão tem como norte a análise da sistemática de cálculo da

renda mensal inicial dos benefícios previdenciários concedidos no período de

vigência do Decreto n. 89.312/1984, e a segunda analisará a aplicação do art.

144 da Lei n. 8.213/1991 e, consequentemente, a possibilidade de se mesclar

as regras de cálculos ínsitas na legislação revogada com a nova aos benefícios

concedidos no denominado “Buraco Negro”.

1- Da sistemática de cálculo da renda mensal inicial no período de

vigência da Consolidação das Leis da Previdência Social de 1984 (CLPS)

Antes do advento da Constituição Federal, o cálculo dos benefícios

previdenciários era feito de acordo com as regras elencadas no Decreto n.

89.312, de 23.1.1984, que trouxe em seu bojo a determinação de que o benefício

de prestação continuada teria seus valores calculado com base no salário-de-

benefício.

O art. 21, II e § 2º da citada norma determinou que o salário-de-benefício

seria obtido pela média simples de todos os últimos salários-de-contribuição,

após a correção monetária dos 24 (vinte e quatro) salários-de-contribuição,

anteriores aos 12 (doze) últimos, relativamente aos meses imediatamente

anteriores à data da entrada do requerimento, até o máximo de 36, apurados em

período não superior a 48 meses, devendo, para tanto, ser observado o menor e

o maior valor teto.

Jurisprudência da TERCEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 655-698, abril/junho 2012 671

De início cumpre esclarecer que, desde o regime da CLPS, o limite

máximo do salário-de-contribuição, perseguido pelo autor no importe de 20

salários mínimos, não se confundia com o menor e o maior valor teto do salário-

de-benefício, por terem esses propósitos diversos.

Isso porque, enquanto o salário-de-contribuição se apresenta como o

valor básico sobre o qual serão estipuladas as contribuições do segurado, ou,

na linguagem tributária, a base de cálculo sobre a qual incidirá as alíquotas

estabelecidas em lei, sendo seu limite a baliza máxima para o recolhimento

da contribuição previdenciária, o salário-de-benefício, como dito, é o valor

utilizado para o cálculo da renda mensal dos benefícios de prestação continuada.

Sendo assim, conclui-se que o teto do salário-de-contribuição é o valor

máximo de contribuição permitido e o teto do salário-de-benefício - sujeito à

incidência do menor e maior valor teto, ínsito, inicialmente, no art. 5º da Lei n.

5.890/1973 - se consubstancia em um limitador utilizado para defi nir a renda

mensal inicial.

Segundo alega a parte embargante, no período de vigência do Decreto n.

89.312/1984, o limite máximo do salário-de-contribuição era, nos termos do

art. 4º da Lei n. 6.950/1981, de 20 (vinte) salários mínimos de referência, tendo,

após o advento da Lei n. 7.787/1989, sido reduzido para 10 (dez).

O exame acurado dos autos revela que o segurado preencheu os

requisitos legais necessários à concessão da aposentadoria antes da edição da

Lei n. 7.787/1989. Nesse caso, tendo o Supremo Tribunal Federal fi rmado

compreensão no sentido de que a legislação aplicável, em caso de concessão de

aposentadoria, é aquela vigente à época do implemento dos requisitos, faz ele jus

ao teto de 20 salários mínimos previstos na Lei n. 6.950/1981.

A propósito, cita-se o seguintes precedente:

Constitucional. Previdenciário. Aposentadoria. Proventos. Direito adquirido. I. Proventos de aposentadoria: direito aos proventos na forma da lei vigente ao tempo da reunião dos requisitos da inatividade, mesmo se requerida após a lei menos favorável. Súmula n. 349-STF: desnecessidade do requerimento. Aplicabilidade à aposentadoria previdenciária. Precedentes do STF. II. Agravo não provido. (RE n. 269.407-STF, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU 2.8.2002)

Seguindo essa orientação, este Tribunal fi rmou compreensão no sentido de

que, preenchidos os requisitos para a aposentadoria antes da Lei n. 7.787/1989,

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

672

deve prevalecer no cálculo o teto de 20 salários mínimos previstos na Lei n.

6.950/1981, ainda que concedida na vigência da Lei n. 8.213/1991.

A propósito, colacionam-se os seguintes julgados:

Agravo regimental. Recurso especial. Previdenciário. Aposentadoria por tempo de serviço concedida na vigência da Lei n. 8.213/1991. Teto-limite. Vinte salários mínimos. Leis n. 5.890/1973 e 6.950/1981. Requisitos preenchidos antes do advento da Lei n. 7.787/1989. Súmula n. 7-STJ.

1. Não há como abrigar agravo regimental que não logra desconstituir os fundamentos da decisão atacada.

2. É firme o entendimento deste Superior Tribunal de Justiça de que, preenchidos os requisitos para a aposentadoria antes do advento da Lei n. 7.787/1989, deve prevalecer no seu cálculo o teto de 20 (vinte) salários mínimos previsto na Lei n. 6.950/1981, ainda que concedida na vigência da Lei n. 8.213/1991.

3. A inversão do decidido quanto à alegação do preenchimento dos requisitos para a concessão da aposentadoria antes da Lei n. 7.787/1989, como propugnado, demandaria o reexame do conjunto fático-probatório, providência sabidamente incompatível com a via estreita do recurso especial (Enunciado n. 7-STJ).

4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp n. 966.738-SC, Rel. Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, julgado em 19.8.2008, DJe 6.10.2008)

Previdenciário. Aposentadoria por tempo de serviço. Renda mensal inicial. Teto dos salários-de-contribuição a considerar. Direito adquirido.

I - Tem direito adquirido à aposentação na vigência da Lei n. 8.213/1991, sem redução do teto dos salários-de-contribuição de 20 (vinte) para 10 (dez) salários mínimos, da Lei n. 7.787/1989, o segurado-empregado que, no advento desta lei, já havia implementado todos os requisitos para obtenção do benefício, e continuou contribuindo sobre remuneração acima de 10 (dez) salários mínimos.

II - Recurso improvido. (REsp n. 352.428-RN, de minha relatoria, Quinta Turma, julgado em 2.5.2002, DJ 3.6.2002, p. 244)

Nesse passo, em um consectário lógico do reconhecimento do direito

adquirido ao cálculo da renda mensal inicial do benefício considerando-se,

na apuração do salário-de-benefício, as contribuições vertidas até quando era

possível contribuir com base no teto de vinte salários mínimos de referência,

devendo incidir, no cálculo desse salário-de-benefício, o menor e o maior

valor-teto vigentes na época, nos termos dos artigos 23 e 33 da CLPS, regras

limitadoras essas revogadas pelo artigo 136 da Lei n. 8.213.

Jurisprudência da TERCEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 655-698, abril/junho 2012 673

Isso porque, o reconhecimento do direito ao benefício com base nas regras anteriores à Lei n. 7.787/1989 não pode implicar adoção de regime híbrido, de modo a se mesclar as disposições da legislação anterior e da legislação posterior (Lei n. 8.213/1991) no que diz respeito aos critérios de atualização de salário-de-contribuição, limites de salário-de-contribuição e de salário-de-benefício e coefi cientes de cálculo.

2- Da incidência do critérios elencados no art. 144 da Lei n. 8.213/1991.

Alega o embargante que tendo o benefício sido concedido no período compreendido entre 5.10.1988 e 5.4.1991, denominado pela doutrina de “Buraco Negro”, faria jus ao recálculo da renda mensal inicial nos moldes elencados no citado art. 144 da Lei n. 8.213/1991.

No acórdão paradigma restou decidido que, tendo o benefício sido concedido no período abarcado pelo citado art. 144, a renda mensal, após sua apuração com observância do Decreto n. 89.312/1984, deverá ser recalculada e reajustada na forma definida no alegado artigo da Lei n. 8.213/1991, à semelhança das revisões efetivadas administrativamente.

Já o acórdão embargado entendeu não ser possível a aplicação do citado dispositivo pois “o cálculo da renda mensal inicial dos benefícios previdenciários obedece às regras contidas no diploma legal vigente ao tempo em que preenchidos os requisitos para a concessão do benefício, ainda que algumas contribuições tenham sido vertidas na vigência de outro diploma legal.”

Ao que tudo indica, as interpretações conferidas pela Quinta e Sexta Turma desta Corte de Justiça, em torno da aplicação ou não do art. 144, se mostram distorcidas. Assim, um exame mais detalhado da questão, com o aclaramento dos pontos que, a princípio, parecem se confundir, se mostra necessário.

A propósito, cumpre trazer à lume, naquilo que interessa, a redação original do aludido dispositivo:

Art. 144: Até 1º de junho de 1992, todos os benefícios de prestação continuada concedidos pela Previdência Social, entre 05 de outubro de 1988 e 05 de abril de 1991 devem ter sua renda mensal inicial recalculada e reajustada, de acordo com as regras estabelecidas nesta lei.

Parágrafo único: A renda mensal recalculada de acordo como o disposto no caput, desde artigo substituirá para todos os efeitos a que prevalecia até então, não sendo devido, entretanto, o pagamento de quaisquer diferenças decorrentes da aplicação deste artigo referentes às competências de outubro de 1988 a maio de 1992.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

674

Extrai-se do enunciado legal que todos os benefícios concedidos no período

por ele abarcado tiveram sua RMI recalculada e reajustada sob o comando das

regras elencados na Lei n. 8.213/1991, o que resultou em nova apuração em

substituição, para todos os efeitos, da que antes prevalecia.

Dessa feita, reconhecido o direito adquirido, como postulado, ao cálculo

da RMI em data anterior ao advento da sistemática instituída pelas Lei n.

7.787/1989 e, tendo sido o benefício concedido no denominado “Buraco

Negro”, não se pode negar a possibilidade de aplicação do citado art. 144 que,

por sua vez, determina a realização do novo cálculo da RMI, do benefício agora

em manutenção, de acordo com as regras estabelecidas na Lei n. 8.213/1991,

inclusive com a incidência dos limitadores instituídos pelo novo regime de

cálculo.

Assim, na aplicação do citado dispositivo da Lei de Benefícios, deve-se

reconhecer a incidência da Lei n. 8.213/1991, o que permite concluir que a

nova renda mensal a ser implantada a partir de junho de 1992, não poderá ser

superior ao limite máximo do salário-de-contribuição no referido mês, a teor do

elencado no art. 33 da Lei n. 8.213/1991.

Nesse contexto, resta evidenciado que o que não é possível é a aplicação

da Lei n. 6.950/1981 no tocante ao limite do salário-de-contribuição e do art.

144 da Lei n. 8.213/1991 somente no que diz respeito ao critério de atualização

dos salários-de-contribuição, vez que ai sim, em última análise, estar-se-ia

admitindo a cisão da norma, com a incidência apenas de seus aspectos positivos

aos segurados, confi gurando sim, sistema híbrido de normas previdenciárias,

rechaçado por vários julgados desta Corte Superior e do Supremo Tribunal

Federal.

Em caso similar ao presente, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento

do Recurso Extraordinário n. 575.089, de Relatoria do Ministro Ricardo

Lewandowski, afi rmou que “não é lícito aos segurados no INSS mesclar as

vantagens de dois regimes distintos de aposentadoria, benefi ciando-se das

vantagens decorrentes de um sistema híbrido.”

Aludido julgado restou assim ementado:

Aposentadoria. Contagem de tempo. Direito adquirido. Art. 3º da EC n. 20/98. Contagem de tempo de serviço posterior a 16.12.1998. Possibilidade. Benefício calculado em conformidade com normas vigentes antes do advento da referida emenda. Inadmissibilidade. RE improvido. I - Embora tenha o recorrente direito adquirido à aposentadoria, nos termos do art. 3º da EC n. 20/98, não pode

Jurisprudência da TERCEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 655-698, abril/junho 2012 675

computar tempo de serviço posterior a ela, valendo-se das regras vigentes antes de sua edição. II - Inexiste direito adquirido a determinado regime jurídico, razão pela qual não é lícito ao segurado conjugar as vantagens do novo sistema com aquelas aplicáveis ao anterior. III - A superposição de vantagens caracteriza sistema híbrido, incompatível com a sistemática de cálculo dos benefícios previdenciários. IV - Recurso extraordinário improvido. (RE n. 575.089, Relator(a): Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 10.9.2008, Repercussão Geral - Mérito DJe-202 Divulg 23.10.2008 Public 24.10.2008 Ement Vol-02338-09 PP-01773 RB v. 20, n. 541, 2008, p. 23-26 RT v. 98, n. 880, 2009, p. 122-129)

Seguindo nesse sentido, o AgRg no Recurso Extraordinário n. 615.772-

SC, que tratou do tema ora em apreciação, qual seja, a aplicação conjunta da Lei

n. 6.950/1981 com a Lei n. 8.213/1991, confi rmou tal orientação.

Agravo regimental no recurso extraordinário. Previdenciário. Revisão de benefício. Aplicação conjunta da Constituição da República de 1988 e das Leis n. 6.950/1981 e 8.213/1991. Impossibilidade de sistema híbrido. Agravo regimental ao qual se nega provimento. (RE n. 615.772 AgR, Relator(a): Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 15.2.2011, DJe-043 Divulg 3.3.2011 Public 4.3.2011 Ement Vol-02476-01 PP-00296)

No mesmo sentido, são os seguintes precedentes desta Corte de Justiça:

Agravo regimental. Previdenciário. Benefício devido nos moldes da legislação em vigor na data do preenchimento dos requisitos. Súmula n. 359-STF.

1. No caso, decidiu o Tribunal de origem em sintonia com o entendimento jurisprudencial desta Corte de que os proventos de aposentadoria são regidos pela lei vigente ao tempo em que o segurado reuniu os requisitos necessários para fazer jus ao benefício, qual seja, a Lei n. 6.950/1981, não havendo que se falar em ofensa ao disposto na Lei n. 8.213/1991.

2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no Ag n. 935.603-SC, Rel. Min. Paulo Gallotti, Sexta Turma, DJ 19.5.2008)

Previdenciário. Benefício concedido no período denominado “Buraco Negro”. Revisão pelo art. 144 da Lei n. 8.213/1991. Substituição da renda mensal inicial. Regime jurídico previdenciário. Manutenção de regra revogada. Impossibilidade.

1. A interpretação do caput do art. 144 da Lei n. 8.213/1991 com o seu parágrafo único denota que o legislador estabeleceu uma revisão com a consequente substituição da renda mensal. Por isso, não há como manter um sistema de cálculo anterior que foi revisto e substituído por uma nova regra. (grifo nosso)

2. A redação original do art. 41, § 3º, segundo a qual “nenhum benefício reajustado poderá exceder o limite máximo do salário-de-benefício na data

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

676

do reajustamento, respeitados os direitos adquiridos” revela, mesmo que implicitamente, a limitação ao teto máximo somente para fi ns de pagamento.

3. Descabe falar em direito adquirido a regime jurídico, com a manutenção dos critérios legais embasadores da renda. Precedente do STF.

4. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp n. 1.119.035-SC, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 22.2.2010)

Com razão os julgados que sustentam a impossibilidade de combinação

de normas nas situações em que o segurado pleiteia a cisão dessas de forma a se

benefi ciar apenas dos aspectos positivos de cada uma.

Porém, ao que tudo indica, a questão que ora se coloca não requer a

aplicação conjugada de leis, mas sim a aplicação integral dessas, cada uma a seu

tempo, vez que, enquanto uma traça os parâmetros para a concessão da renda

mensal inicial, a outra visa a sua revisão.

Partindo dessa premissa, duas questões precisam estar esclarecidas: uma diz

respeito à sistemática de cálculo da renda mensal inicial quando da concessão do

benefício e a outra se refere ao recálculo da RMI do benefício em manutenção.

O cálculo da RMI, como visto, obedecerá as regras em vigor quando do

preenchimento de todos os requisitos para a aposentadoria. Assim, apesar de o segurado

ter se aposentado no período abarcado pelo “buraco negro”, a apuração do salário-de-

benefício terá como base as contribuições vertidas até a edição da Lei n. 7.789/1989,

quando era possível contribuir com base no teto de vinte salários mínimos de referência,

caso em que também deverá ser observado, no cálculo desse, o menor e o maior valor-

teto vigentes na época, nos termos dos artigos 23 e 33 da CLPS.

Já o recálculo da RMI, a ser efetuado até 1º.6.1992, deverá ser feito na forma

preconizada no art. 144 da Lei n. 8.213/1991 que, por sua vez, substituirá, para

todos os efeitos, a que prevalecia até então, de modo que a nova renda mensal a ser

implantada, a teor do elencado no art. 33 da Lei n. 8.213/1991, não seja superior ao

limite de salário-de-contribuição no referido mês.

Tendo isso como norte, frisa-se, não há falar em regime híbrido de aplicação de

normas, pois, o cálculo da RMI seria feito com base na legislação que a regulamentaria

- vez que o segurado já preenchia todos os requisitos para a inativação quando do

advento da Lei n. 8.213/1991 -, sendo somente o seu recálculo sujeito às regras da

Lei de Benefícios. Assim, ambas as normas, cada uma a seu tempo, estariam sendo

aplicadas na integralidade, seja em seus aspectos positivos, seja em seus aspectos

negativos.

Jurisprudência da TERCEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 655-698, abril/junho 2012 677

Entendimento diverso do ora explanado, com o simples afastamento da revisão

estabelecida no art. 144, dos benefícios cujo cálculo da RMI se deu com base na

legislação revogada, esvaziaria todo o conteúdo normativo do citado dispositivo,

transformando-o em tábula rasa.

Do exame acurado do acórdão embargado, conclui-se que a improcedência

do pedido de aplicação do art. 144 ocorreu pelo fato desse entender que o

segurado estaria vinculado a outro regime, no caso, o estabelecido na Lei n.

6.950/1981.

A propósito, cita-se o seguinte trecho da decisão recorrida:

Com efeito, segundo o entendimento firmado nesta Corte, o cálculo da renda mensal inicial dos benefícios previdenciários obedece às regras contidas no diploma legal vigente ao tempo em que preenchidos os requisitos para a concessão do benefício, ainda que algumas contribuições tenham sido vertidas na vigência de outro diploma legal.

Assim, a reforma do acórdão embargado é de rigor, vez não ser ela,

conforme explanado acima, a mais condizente com as regras inerentes à

hermenêutica jurídica.

Pelo exposto, presente a divergência, conheço dos embargos e dou-

lhe provimento para determinar a aplicação, à espécie, do art. 144 da Lei n.

8.213/1991, o fazendo nos termos da fundamentação acima.

É o voto.

VOTO

A Sra. Ministra Laurita Vaz: Senhora Presidente, acompanhei com atenção

as duas sustentações orais e, agora, o minucioso voto do eminente Ministro

Relator que, a meu ver, esgotou a matéria de modo a não deixar dúvida a

respeito da aplicação do teto previsto na Lei n. 6.950/1981, ainda que concedida

a aposentadoria na vigência da Lei n. 8.212/1991.

No caso, está tudo definido com relação aos salários de contribuição

efetivados na vigência da lei anterior, uma vez que o embargante já teria

preenchido todos os requisitos para a aposentação.

Assim sendo, acompanho o voto do eminente Ministro Relator,

conhecendo dos embargos de divergência e os acolhendo.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

678

VOTO

O Sr. Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado

do TJ-RJ): Sra. Presidente, acompanho integralmente o voto do eminente

Ministro Gilson Dipp que, para mim, foi didático ao tratar de uma questão

bastante delicada que causou significativa turbulência no interesse dos

segurados neste País, porquanto é inconcebível que alguém contribua com

valores correspondentes a, até, 20 salários mínimos e, posteriormente, com uma

simples mudança nas regras vigentes, venha a sofrer uma redução no aludido

teto, caracterizando violação fl agrante ao direito adquirido, que é uma garantia

constitucional.

Portanto, parabenizo o eminente Relator pelo voto proferido, assinalando

que não vou adentrar em algumas considerações que já havia feito sobre o

tema, mesmo porque essa questão não diz respeito a dar ao segurado o melhor

dos dois mundos, como sustentado pelo patrono que assomou à Tribuna. Não.

O pior dos dois mundos será o introduzido pela nova sistemática, porque as

pessoas contribuíram, de boa fé, durante anos, em consonância com a lei vigente

no país e, de repente, foram colhidas à sorrelfa por uma transformação que viola

frontalmente os direitos individuais e avilta a cidadania.

Em conclusão, acompanho e parabenizo o douto Relator pelo voto.

Conheço dos embargos de divergência e os acolho.

MANDADO DE SEGURANÇA N. 10.272-DF (2004/0183441-3)

Relator: Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS)

Impetrante: Associação Nacional dos Advogados da União - ANAUNI

Advogado: Fábio Medina Osório e outro(s)

Impetrado: Advogado Geral da União

Litis. Pas: André Luiz Santa Cruz Ramos e outros

Advogado: Luciana Maria Tavares Rodrigues

Jurisprudência da TERCEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 655-698, abril/junho 2012 679

EMENTA

Administrativo. Mandado de segurança. Organização

administrativa do Estado. Exercício provisório de Procuradores

Federais no Gabinete do Advogado Geral da União. Agente político.

Atribuições que ultrapassam as funções dos advogados da União.

Assessoramento técnico. Ausência de desvio de função. Autorização

legislativa.

1. A Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União (LC n.

73/1993), combinada com a Lei n. 10.480/2002, aliadas, ainda, ao

Parecer Normativo n. GQ-162 AGU, aprovado pelo Presidente da

República, autorizam o Advogado-Geral da União a determinar o

exercício provisório de Procuradores Federais em seu gabinete.

2. Preliminares de perda do objeto e ausência de interesse jurídico

afastadas, eis que, a ausência de Procuradores Federais lotados no

Gabinete do Advogado-Geral da União, ressoa como conseqüência

da liminar deferida neste mandamus, impedindo a autoridade política

que procedesse novas nomeações daqueles servidores. Encontra-se

presente, portanto, a situação concreta na qual a impetrante almeja

proteção do direito, adquirindo, a presente demanda, contornos de

mandado de segurança preventivo, agindo, ainda, como instrumento

de pacifi cação institucional dos importantes órgãos administrativos

em jogo.

3. A natureza jurídica da Procuradoria-Geral Federal refoge à

teoria clássica de organização administrativa, não podendo ser defi nida,

em todos os seus aspectos, nem como entidade na administração

indireta, nem como órgão da administração direta.

4. A natureza jurídica de determinado ente ou órgão pode se

constituir em vetor inicial indicativo para o legislador na elaboração

de suas competências administrativas, mas não em fonte normativa

única, capaz de legitimar direitos ou vincular a atuação administrativa.

Quem determina, de fato, a organização e estrutura da Administração

Pública, é a Lei.

5. As funções desempenhadas no Gabinete do Advogado-Geral

da União não se equiparam às funções institucionais estabelecidas

para os Advogados da União, tornando-se impróprio o entendimento

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

680

de que o aproveitamento de Procuradores Federais naquele gabinete ensejaria desvio de função.

6. Não é desarrazoado que ordenamento jurídico autorize, por meio de Lei, que o Advogado-Geral da União, à altura de seu status de Ministro de Estado, possa discricionariamente indicar as pessoas que irão assessorá-lo em seu gabinete no desempenho de suas funções.

7. A Lei n. 10.480/2002, atenta aos princípios da efi ciência na prestação do serviço público, à semelhança do instituto da cessão de servidores públicos federais, disciplinada na Lei n. 8.112/1990, autoriza expressamente em seu artigo 12, § 1º, III, que o Advogado-Geral da União determine o exercício provisório de Procurador Federal em órgãos da Advocacia-Geral da União.

8. O artigo 47 da Lei Complementar n. 73, autoriza o Advogado-Geral da União a requisitar quaisquer servidores da Administração Federal para desempenho de atividades na Advocacia-Geral da União.

9. O Parecer Normativo GQ-162 AGU, de 27.8.1998, aprovado em 15.9.1998 pelo Presidente da República, de aplicabilidade vinculada nos órgãos e entidades da Administração Federal, assevera que “o estágio probatório não é fator impeditivo da requisição ou cessão

de servidor a esta Advocacia-Geral da União, quaisquer que sejam as

atribuições a serem nela exercidas.”

10. Se o Advogado-Geral da União está autorizado a requisitar qualquer servidor dos órgãos ou entidades da Administração Pública Federal, independentemente da titulação exercida, a fortiori, poderá ele dispor, notoriamente, da capacidade funcional dos membros da categoria “irmã” dos Advogados da União, que é a dos Procuradores Federais, para o exercício de atividades em seu gabinete, mesmo porque a seleção do staff , para o assessoramento direto em confi ança, está inserida no campo discricionário daquela autoridade política, não sendo cargo privativo de nenhuma categoria.

11. Segurança denegada. Liminar revogada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira

Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, denegar a segurança,

Jurisprudência da TERCEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 655-698, abril/junho 2012 681

cassando a liminar anteriormente concedida, nos termos do voto do Sr. Ministro

Relator. Os Srs. Ministros Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado

do TJ-RJ), Laurita Vaz, Jorge Mussi, Sebastião Reis Júnior e Marco Aurélio

Bellizze votaram com o Sr. Ministro Relator.

Afi rmou suspeição o Exmo. Sr. Ministro Og Fernandes.

Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro Gilson Dipp.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura.

O Dr. Fábio Medina Osório sustentou oralmente pelo impetrante.

O Dr. Rodrigo Frantz Becker sustentou oralmente pelo impetrado.

Brasília (DF), 26 de outubro de 2011 (data do julgamento).

Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS),

Relator

DJe 22.3.2012

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-

RS): Cuida-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, interposto

pela Associação Nacional dos Advogados da União - ANAUNI, contra ato do

Advogado-Geral da União, consubstanciado nas Portarias n. 647/04 e 740/04,

que determinaram o exercício provisório de Procuradores Federais no Gabinete

do Advogado-Geral da União.

A requerente proclama o seu direito líquido e certo à anulação dos atos

ilegais e abusivos, além de inconstitucionais, que designaram, de forma subjetiva

e sem motivação, Procuradores Federais para exercer funções, que seriam

inerentes aos cargos de Advogados da União.

Informa a impetrante que os indigitados atos vulneram os incisos I e II

do artigo 37 e § 2º e caput do artigo 131 da Constituição da República, por

versarem sobre organização e funcionamento da Advocacia-Geral da União,

matéria de competência de Lei Complementar; por violarem o concurso público

específi co para exercer as atribuições dos cargos efetivos de Advogado da União;

por outorgarem a estranhos à carreira, funções públicas, constitucionalmente

atribuídas aos Advogados da União; e, por inobservarem os princípios da

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

682

legalidade, da moralidade e da impessoalidade pública, em face da ausência

de causa motivadora do ato, e investirem em função pública de cargo efetivo,

servidor escolhido ao único arbítrio do impetrado.

Aduz, outrossim, que a Procuradoria-Geral Federal não é órgão integrante

da Administração Pública Direta e seus cargos não pertencem à Advocacia

Geral da União, consoante Lei Complementar n. 73/1993.

Afi rma que a Procuradoria-Geral Federal não se constitui em órgão federal

subordinado à Advocacia Geral da União, mas, sim, vinculado, ou seja, não há

exercício de poder hierárquico, mas mera supervisão ministerial, concluindo-se

que os serviços jurídicos dos entes da Administração Indireta pertencem aos

entes descentralizados, porque subordinados às pessoas de origem, assim como

os seus cargos e pessoas neles investidos.

O presente mandado de segurança foi distribuído em 5.1.2005,

inicialmente, ao eminente Ministro Luiz Fux, quando compunha a Primeira

Seção, oportunidade em que concedeu liminar, para que o Impetrado não

procedesse a novas nomeações, a título provisório, até que viessem as informações

da autoridade coatora.

Em 8.6.2005, a egrégia Primeira Seção, apreciou questão de ordem para,

mantendo a liminar anteriormente concedida, remeter os autos a esta Terceira

Seção, por tratar-se de caso típico, envolvendo interesse de servidores públicos.

Manifestou-se o Ministério Público Federal pela concessão da segurança

(fl s. 138-153).

Posteriormente, os autos foram atribuídos a esta Relatoria em 4.5.2011.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-

RS) (Relator):

Considerações iniciais sobre a estrutura da Advocacia Geral da União.

Nos termos do art. 131 da Constituição, “a Advocacia-Geral da União é a

instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União,

judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que

Jurisprudência da TERCEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 655-698, abril/junho 2012 683

dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e

assessoramento jurídico do Poder Executivo.”

Nos termos do referido artigo, a Lei Complementar n. 73, de 10 de

fevereiro de 1993, que instituiu a “Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União”,

dispôs sobre a organização e funcionamento da instituição, classifi cando seus

órgãos como:

1. - Órgãos de direção superior (LC n. 73, art. 2º, I): Advogado-Geral da

União, Procuradoria-Geral da União, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional,

Consultoria-Geral da União, Conselho Superior da Advocacia-Geral da União

e Corregedoria-Geral da Advocacia da União;

2. - Órgãos de execução (LC n. 73, art. 2º, II): Procuradorias Regionais da

União, Procuradorias Regionais da Fazenda Nacional, Procuradorias da União

nos Estados e no Distrito Federal, Procuradorias da Fazenda Nacional nos

Estados e no Distrito Federal, Procuradorias Seccionais da União, Procuradorias

Seccionais da Fazenda Nacional, Consultoria da União e Consultorias Jurídicas

nos Ministérios;

3. - Órgão de assistência direta e imediata ao Advogado-Geral da União (LC

n. 73, art. 2º, III): o Gabinete do Advogado-Geral da União;

4. - Órgãos vinculados (LC n. 73, art. 2º, § 3º): Procuradorias e Departamentos

jurídicos de autarquias fundações públicas federais.

Destaco os dois últimos, por estarem diretamente ligados à compreensão

da controvérsia.

A Procuradoria-Geral Federal - PGF, nos termos da Lei n. 10.480, de

2 de julho de 2002, é um órgão vinculado à AGU, sendo responsável pela

representação judicial, extrajudicial, consultoria e assessoramento jurídico das

Autarquias e Fundações Públicas Federais.

A única entidade autárquica federal, cuja Procuradoria não foi absorvida

pela Procuradoria-Geral Federal, é a do Banco Central do Brasil, organizada e

mantida por quadro próprio.

Atualmente, quatro carreiras jurídicas representam a Administração

Federal (direta, autárquica e fundacional): Advogados da União, Procuradores

da Fazenda Nacional, Procuradores Federais e Procuradores do Banco Central.

Estabelecida essa apresentação inicial, passo ao voto.

A pretensão merece ser conhecida, porém, no mérito, não deve prosperar.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

684

Das preliminares de perda do objeto e interesse de agir da impetrante.

A impetrante indica, como violadas, as Portarias n. 647/04 e 740/04, que

determinaram o exercício provisório de Procuradores Federais no Gabinete

do Advogado-Geral da União, órgão cujas funções seriam, segundo seu

entendimento, inerentes e privativas do cargo efetivo de Advogado da União.

As informações da autoridade coatora, às fl s. 296, defendem a perda do

objeto, noticiando que:

De fato, todos os Procuradores Federais designados pela Portaria n. 740, de 21 de dezembro de 2004 para terem Exercício Provisório no Gabinete do Advogado Geral da União, já não se encontram mais em exercício provisório em tal Unidade, consoante precisas informações tecidas pelo DAJI, que prontamente elencou um a um os casos e o destino daqueles procuradores, inicialmente lotados no Gabinete do AGU.

A autoridade coatora sustenta, outrossim, a ausência de interesse jurídico

da associação impetrante, ao argumento de que o afastamento dos Procuradores

Federais do Gabinete do AGU não ensejaria abertura de cargos para os fi liados

da autora, não havendo utilidade à Impetrante, quanto a eventual decretação da

nulidade das Portarias.

Venia permissa, não entendo desta forma, maxime porquanto a referida

alegação tangencia o próprio mérito do presente writ.

Com efeito, ecoam no mundo jurídico os efeitos da liminar concedida pelo

primeiro Relator, o Min. Luiz Fux, e mantida pela Primeira Seção, no sentido

de impedir que o Advogado-Geral da União proceda a novas nomeações, a

título provisório, de Procuradores Federais em seu Gabinete.

Nesse sentido, eventual de perda do objeto ressoa como conseqüência da

liminar deferida neste mandamus, encontrando-se presente, portanto, a situação

concreta na qual a impetrante almeja proteção do direito. É um contexto em que

a presente demanda adquire contornos de mandado de segurança preventivo,

agindo, ademais, como instrumento de pacifi cação institucional dos importantes

órgãos administrativos em jogo.

Destarte, consoante destacado, tomando feição de mandado de segurança

preventivo, urge a esta Corte o pronunciamento acerca do solução jurídica do

litígio, considerando que, evidentemente, a procedência da demanda limitaria a

abrangência de discricionariedade do Advogado-Geral da União, benefi ciando

Jurisprudência da TERCEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 655-698, abril/junho 2012 685

os Advogados da União, que obteriam o direito à exclusividade na atuação das

funções inerentes ao Gabinete daquela autoridade.

Da delimitação objetiva do presente mandamus.

De se referir que, em data recente, a impetrante fez referência às portarias

Portarias n. 441/11, 1.022/09 e 1.023/09, editadas pela autoridade impetrada,

que determinaram o exercício provisório de Procuradores Federais na Secretaria-

Geral de Contencioso da Advocacia Geral da União, asseverando estarem em

desacordo com o comando inserto na liminar deferida pelo e. Ministro Luiz

Fux.

Por óbvio esta postulação refoge ao âmbito do presente mandado de

segurança, inovando a inicial.

Com efeito, a petição endereçada posteriormente ao Juízo se refere ao

exercício provisório de Procuradores Federais na Secretaria-Geral de Contencioso

da Advocacia Geral da União, enquanto que a petição inicial, objeto do presente

mandamus, está centrada no aproveitamento de Procuradores Federais no

Gabinete do Advogado Geral da União. As peculiaridades dos órgão serão melhor

examinadas no mérito da presente ação.

Está nítida, por meio das petições colacionadas e da própria argumentação

dos memoriais da Impetrante, a intenção de estender os limites objetivos da

presente demanda, almejando uma declaração judicial, abstrata, que impeça

o Advogado-Geral da União de exercer a atribuição que lhe é conferida pelo

artigo 12, § 1º, III, a Lei n. 10.480/2002:

Art. 12. (...)

§ 1º Compete ao Advogado-Geral da União, relativamente à Carreira de Procurador Federal e seus Membros:

I - disciplinar, promover e homologar os concursos públicos, de provas e títulos, de ingresso na Carreira de Procurador Federal;

II - distribuir os cargos pelas três categorias da Carreira; e

III - determinar o exercício provisório de Procurador Federal em órgãos da Advocacia-Geral da União.

Todavia, objeto do presente mandamus, é importante que se deixe bem claro,

consiste em aferir a higidez das Portarias n. 647/04 e 740/04, que determinaram

o exercício provisório de Procuradores Federais no Gabinete do Advogado-Geral

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

686

da União. É o órgão de assistência direta e imediata ao Advogado-Geral da

União e autônomo em relação aos órgãos de execução e de direção superior da

AGU, consoante se extrai do art. 2º, III, da LC n. 73, já mencionada.

Ampliar o objeto da ação, para discutir, nesta via, a (im)possibilidade

genérica de o Advogado-Geral da União determinar o remanejamento de

Procuradores Federais, por meio exercício provisório, indistintamente, à todos

os órgãos da Advocacia da União, seria negar vigência ao artigo 12, § 1º,

III, da Lei n. 10.480/2002, e, consequentemente, demandaria a afetação do

presente processo ao Plenário desta Corte, para declaração incidental de

inconstitucionalidade, em respeito à reserva de plenário, prevista no artigo 97 da

Constituição Federal.

Não se nega a possibilidade de dec laração incidental de

inconstitucionalidade de normas em mandado de segurança. Mas no presente

processo, como requer a Impetrante, me parece temerário.

É que, estaríamos subvertendo a natureza do presente writ,

transformando-o em ferramenta de controle abstrato de constitucionalidade,

uma vez que a norma em comento tem destinatário específi co (o Advogado-

Geral da União), e o seu conteúdo normativo se confunde com a própria ação

estatal em que, neste ato, a Impetrante busca ver invalidada.

Ou seja, ao dec lararmos, neste caso, incidentalmente, a

inconstitucionalidade da norma, não estaríamos, somente, preservando o

direito líquido e certo coletivamente considerado, mas, sim, por via transversa,

eliminando integralmente a efi cácia do art. 12, § 1º, III, da Lei n. 10.480/2002,

procedimento, ao meu ver, que demandaria uma exegese normativa que

ultrapassa o objeto do presente processo, inerente ao controle abstrato de

constitucionalidade, reservado à competência da Suprema Corte, nos termos do

artigo 102, a, da Constituição Federal, e incompatível com os estreitos limites

do mandado de segurança, cuja liquidez e certeza emanam diretamente da prova

pré-constituída.

Contudo, para evitar maiores discussões, não vislumbro, em princípio, uma

fl agrante inconstitucionalidade do art. 12, § 1º, III, da Lei n. 10.480/2002, como

defende a impetrante.

Primeiro, porque a impetrante parte da premissa, que entendo equivocada,

de que os cargos no Gabinete do Advogado-Geral da União seriam privativos

de Advogados da União, e, segundo porque o artigo 12, § 1º, III, da Lei

n. 10.480/2002, tem seu conteúdo lógico respaldado no artigo 47 da Lei

Jurisprudência da TERCEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 655-698, abril/junho 2012 687

Complementar n. 73/1990, que autoriza a requisição pelo Advogado-Geral

da União de servidores dos órgãos e entidades da Administração Federal,

inserindo-se, naturalmente, a Procuradoria-Geral Federal. Essa matéria será

tratada no mérito.

Nesse contexto, a Súmula Vinculante n. 10 do Supremo dispõe que: “Viola

a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de

tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato

normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.”

A contrario sensu, considerando que meu voto é no sentido de se prestigiar

o regramento do artigo 12, § 1º, III, da Lei n. 10.480/2002, conferindo-se

efi cácia ao mencionado dispositivo, rejeito, portanto, o pedido formulado no item

4, da petição inicial, para observância ao procedimento previsto no artigo 97 da

Carta Maior, e conseqüente, declaração incidental de inconstitucionalidade do

referido dispositivo.

Se este fosse o objeto do mandado de segurança, consoante tenta induzir

as razões e as petições da Impetrante, restaria imprópria a via eleita, porque “não

cabe mandado de segurança contra lei em tese”, nos termos da Súmula n. 266-STF.

Vamos, portanto, limitados ao que foi requerido na exordial, tão somente

defi nir se as Portarias n. 647/04 e 740/04, são válidas, ou não. Ou seja, se a

determinação para lotação provisoria de Procuradores Federais no Gabinete

do Advogado-Geral da União, constitui ato ilegal ou abusivo por parte da

autoridade coatora.

Ultrapassadas as preliminares, passo ao exame do mérito.

É de se reconhecer, num primeiro momento, a tese da Impetrante, de que

não há hierarquia entre a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral

Federal, cuja função institucional reside na defesa da Administração Indireta,

atuando por vinculação, sendo-lhe assegurada a autonomia administrativa

e financeira, consoante disposição legal, expressa no artigo 9º da Lei n.

10.480/2002:

Art. 9º É criada a Procuradoria-Geral Federal, à qual fi ca assegurada autonomia administrativa e fi nanceira, vinculada à Advocacia-Geral da União.

Parágrafo único. Incumbe à Advocacia-Geral da União a supervisão da Procuradoria-Geral Federal.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

688

Registre-se que a Procuradoria-Geral Federal não se circunscreve apenas

dentro dos critérios adotados pela doutrina, para defi ni-la como entidade da

Administração Indireta. Ela, possui, outrossim, diversas características que

exorbitam dessa defi nição, não sendo absoluta a conclusão de que a relação entre

os referidos órgãos seria de mera supervisão ministerial.

A principal característica, que retira da Procuradoria-Geral Federal a

natureza de Administração Indireta, é a ausência de personalidade jurídica

própria, fi gurando no mundo jurídico como “órgão administrativo”, vinculado

pela lei à Advocacia-Geral da União. Não está claro, todavia, o alcance em que

o legislador empregou o termo “vinculação”, uma vez que a Constituição não

distinguiu a Administração direta da indireta, quanto à defesa do patrimônio

público federal, apenas admitiu que a Advocacia-Geral da União pudesse fazer a

representação judicial e extrajudicial, através de órgãos a ela vinculados.

A “supervisão ministerial” pressupõe a existência de duas pessoas jurídicas,

uma exercendo controle sobre a outra, materializando a idéia de descentralização

administrativa. A hierarquia, por outro lado, é inerente a uma mesma pessoa

jurídica, relacionando-se à idéia de desconcentração.

Com efeito, não há como negar a subordinação administrativa da

Procuradoria-Geral Federal, órgão sem personalidade jurídica, dado que é o

Advogado-Geral da União que disciplina, promove e homologa os concursos

públicos, de provas e títulos, de ingresso na Carreira de Procurador Federal, e

distribui os cargos dentro das três categorias da Carreira. Cito, para corroborar, a

título exemplifi cativo, o artigo 12 da Lei n. 10.480/2002:

Art. 12. Os cargos, e seus ocupantes, da Carreira de Procurador Federal criada pela Medida Provisória n. 2.229-43, de 6 de setembro de 2001, integram quadro próprio da Procuradoria-Geral Federal.

§ 1º Compete ao Advogado-Geral da União, relativamente à Carreira de Procurador Federal e seus Membros:

I - disciplinar, promover e homologar os concursos públicos, de provas e títulos, de ingresso na Carreira de Procurador Federal;

II - distribuir os cargos pelas três categorias da Carreira; e

III - determinar o exercício provisório de Procurador Federal em órgãos da Advocacia-Geral da União.

§ 2º Até que a Procuradoria-Geral Federal disponha de orçamento próprio, a remuneração dos Membros da Carreira de Procurador Federal incumbe à autarquia ou fundação federal em que o servidor estiver lotado ou em exercício

Jurisprudência da TERCEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 655-698, abril/junho 2012 689

temporário, e à Advocacia-Geral da União quando em exercício temporário em órgãos desta.

§ 3º Os dirigentes dos órgãos jurídicos da Procuradoria-Geral Federal serão nomeados por indicação do Advogado-Geral da União.

§ 4º O Presidente da República poderá delegar ao Advogado-Geral da União competência para prover, nos termos da lei, os cargos, efetivos e em comissão, da Procuradoria-Geral Federal.

§ 5º (...)

Destaco, ainda, o poder normativo exercido pelo Advogado-Geral da União

sobre as atribuições dos titulares da Procuradoria-Geral Federal, bem como sobre

a competência, a estrutura e o funcionamento do órgão, previsto em lei:

Art. 14. O Advogado-Geral da União editará os atos necessários dispondo sobre a competência, a estrutura e o funcionamento da Procuradoria-Geral Federal, bem como sobre as atribuições de seus titulares e demais integrantes.

Parágrafo único. A representação judicial exercida pela Advocacia-Geral da União na forma dos arts. 11-A e 11-B da Lei n. 9.028, de 12 de abril de 1993, acrescentados pela Medida Provisória n. 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, poderá ser gradualmente assumida pela Procuradoria-Geral Federal, conforme ato do Advogado-Geral da União, observado o disposto no § 8º do art. 10.

A natureza jurídica da Procuradoria-Geral Federal refoge à técnica

clássica de organização da Administração Pública, não podendo ser defi nida,

teoricamente, em todos os seus aspectos, nem como entidade na administração

indireta, nem como órgão da administração direta.

Diversas entidades, também, contribuem para fomentar a diversidade

doutrinária e jurisprudencial acerca do tema, como por exemplo a Empresa

Brasileira de Correios e Telégrafos ou a própria Ordem dos Advogados do

Brasil, que não têm suas naturezas jurídicas definidas dentro de padrões

científi cos da doutrina.

Fazendo um paralelo, a título de ilustração, José dos Santos Carvalho Filho,

ao tratar do tema “Contrato de Gestão Administrativo”, instrumento jurídico

que também escapa aos conceitos teóricos da bipolaridade - Administração

Direta e Indireta -, preleciona que:

Cuida-se, enfim, de inovação que refoge à técnica organizacional da Administração Pública e que só serve para aumentar a confusão que reina administrativa em geral.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

690

O que a sociedade tem perseguido atualmente - desapontada com os velhos métodos da organização administrativa - é a adoção de novas técnicas e modernos instrumentos formadores da administração gerencial (public management), que não só atende aos anseios da Administração como também corresponde às expectativas do interesse da coletividade. (MANUAL DO DIREITO ADMINISTRATIVO, 21ª Ed., Rio de Janeiro, 2009)

Destarte, a natureza jurídica de determinado ente ou órgão, pode, sim, agir como vetor inicial indicativo para o legislador, na elaboração de suas competências administrativas, mas não se constitui em fonte normativa capaz de legitimar direitos ou vincular a atuação administrativa. Quem disciplina, de fato e de direito, a organização e estrutura da Administração Pública, é a Lei.

Cumpre, então, defi nir se a designação, de forma subjetiva, de Procuradores Federais, para exercerem funções no Gabinete do Advogado Geral da União, constitui ato ilegal ou abusivo.

Primeiramente, é importante ressaltar que a fi gura política do Advogado-Geral da União, não se confunde com a instituição pública da Advocacia-Geral da União.

A instituição Advocacia-Geral da União é o órgão administrativo, cuja função reside na representação judicial e extrajudicial da União, com atuação no contencioso nos três poderes e no consultivo no Poder Executivo.

O Advogado-Geral da União, por sua vez, é a pessoa física titular do cargo político, com status de Ministro de Estado, que presta assessoramento imediato ao Presidente da República, cidadão maior de 35 anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada. Suas atribuições estão descritas no art. 4º da Lei Complementar n. 73, de 10 de fevereiro de 1993, a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União. Delas se destacam:

- Dirigir a Advocacia-Geral da União;

- Representar a União junto ao Supremo Tribunal Federal;

- Promover a defesa de leis e atos normativos impugnados em ações diretas de inconstitucionalidade;

- Desistir, transigir, acordar e fi rmar compromisso nas ações de interesse da União, nos termos da legislação vigente;

- Assessorar o Presidente da República em assuntos de natureza jurídica, elaborando pareceres e estudos ou propondo normas, medidas e diretrizes;

- Assistir o Presidente da República no controle interno da legalidade dos atos da Administração;

Jurisprudência da TERCEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 655-698, abril/junho 2012 691

- Sugerir ao Presidente da República medidas de caráter jurídico reclamadas pelo interesse público;

- Fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e demais atos normativos, a ser uniformemente seguida pelos órgãos e entidades da Administração Federal;

- Unifi car a jurisprudência administrativa, garantir a correta aplicação das leis, prevenir e dirimir as controvérsias entre os órgãos jurídicos da Administração Federal;

- Editar enunciados de súmula administrativa, resultantes de jurisprudência iterativa dos Tribunais;

- Exercer orientação normativa e supervisão técnica quanto aos órgãos jurídicos de autarquias e fundações públicas;

- Homologar os concursos públicos de ingresso nas Carreiras da Advocacia-Geral da União;

Cumpre ao Advogado Geral da União, além da chefi a direta à Instituição

que representa, a prerrogativa de editar atos normativos, que fi xam as diretrizes

na atuação, e a estrutura funcional dos órgãos da Advocacia Pública Federal,

englobando a Procuradoria-Geral da União, a Procuradoria-Geral da Fazenda

Nacional e a Procuradoria-Geral Federal.

Por se tratar de agente político, o Advogado-Geral da União exerce

função de governo e administração, no comando na fi xação de estratégias

políticas, consideradas necessárias e convenientes, que desenham os destinos

fundamentais do Estado.

Ou seja, o exercício das funções desempenhadas no Gabinete do Advogado-

Geral da União, não se circunscreve nos limites das funções institucionais

cometidas aos Advogados da União, tornando-se impróprio o entendimento

de que o aproveitamento de Procuradores Federais naquele gabinete, ensejaria

desvio de função.

Repisando a Lei Complementar n. 73, o Gabinete do Advogado-Geral

da União é órgão que não exerce papel executivo, mas de assistência direta

e imediata ao Advogado-Geral da União (LC n. 73, art. 2º, III). Não há, no

entanto, ato regimental dispondo sobre a estrutura e o funcionamento do

referido órgão.

Cumpre, ressaltar, ainda, consoante informação às fl s. 167, que as peças

processuais elaboradas no Gabinete do Advogado-Geral da União, são por ele

fi rmadas, dispensando-se a assinatura dos servidores na elaboração das minutas,

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

692

fato este que confi gura a fl agrância da típica hipótese de assessoramento técnico,

o que enfraquece a argumentação de que os cargos de lotação naquele gabinete

seriam privativos de Advogados da União.

Como conseqüência, não me parece desarrazoado que o ordenamento

jurídico autorize, por meio de Lei, que o Advogado-Geral da União, à altura de

seu status de Ministro de Estado, possa discricionariamente indicar as pessoas

que irão assessorá-lo no desempenho de suas funções.

Deixo de enfrentar, com a devida vênia, a alegação sobre eventual

possibilidade de desvio de fi nalidade na escolha da composição do Gabinete, com

refl exos na moralidade e impessoalidade pública, como defende a impetrante,

uma vez que tal anomalia não se presume, devendo ser ela fundamentada,

comprovada em fatos concretos, e, por fi m, responsabilizada pelos mecanismos

de controle administrativo nas vias adequadas, pelas autoridades competentes,

não sendo este o presente caso.

Neste sentido, ciente de que não se trata do regime jurídico em foco, porém

de pacífi ca aplicação subsidiária, oportuna a lembrança do instituto da cessão de

servidores públicos federais, disciplinada no art. 93 da Lei n. 8.112/1990:

Art. 93. O servidor poderá ser cedido para ter exercício em outro órgão ou entidade dos Poderes da União, dos Estados, ou do Distrito Federal e dos Municípios, nas seguintes hipóteses: (Redação dada pela Lei n. 8.270, de 17.12.1991) (Regulamento) (e 3.12.2002)

I - para exercício de cargo em comissão ou função de confi ança; (Redação dada pela Lei n. 8.270, de 17.12.1991)

II - em casos previstos em leis específi cas. (Redação dada pela Lei n. 8.270, de 17.12.1991)

De se assinalar que o regime jurídico aplicável ao caso, a Lei n. 10.480/2002,

atenta aos princípios da efi ciência na prestação do serviço público, à semelhança

do instituto da cessão, autoriza expressamente em seu artigo 12, § 1º, III, que

o Advogado-Geral da União determine o exercício provisório de Procurador

Federal em órgãos da Advocacia-Geral da União:

Art. 12. (...)

§ 1º Compete ao Advogado-Geral da União, relativamente à Carreira de Procurador Federal e seus Membros:

I - disciplinar, promover e homologar os concursos públicos, de provas e títulos, de ingresso na Carreira de Procurador Federal;

Jurisprudência da TERCEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 655-698, abril/junho 2012 693

II - distribuir os cargos pelas três categorias da Carreira; e

III - determinar o exercício provisório de Procurador Federal em órgãos da Advocacia-Geral da União.

Acrescente-se, ainda, que o artigo 47 da Lei Complementar n. 73,

autoriza o Advogado-Geral da União, expressamente, a requisitar servidores da

Administração Federal para desempenho de atividades na Advocacia-Geral da

União:

Art. 47. O Advogado-Geral da União pode requisitar servidores dos órgãos ou entidades da Administração Federal, para o desempenho de cargo em comissão ou atividade outra na Advocacia-Geral da União, assegurados ao servidor todos os direitos e vantagens a que faz jus no órgão ou entidade de origem, inclusive promoção.

Não é demais relembrar que a atribuição política de governo exercida

pelo Advogado-Geral da União não se confunde com a atividade inerente

aos Advogados da União, exercendo os servidores de seu gabinete, por óbvio,

atividade de confi ança por meio de assessoramento técnico.

Importa acentuar, por oportuno, a inaplicabilidade do § 3º, do artigo 20, da

Lei n. 8.112, que restringe a cessão de servidores públicos federais em estágio

probatório, a fi m de exclusivamente ocuparem “cargos de Natureza Especial,

cargos de provimento em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores -

DAS, de níveis 6, 5 e 4, ou equivalentes”.

Com efeito, o Parecer Normativo n. GQ-162 AGU, de 27.8.1998,

aprovado em 15.9.1998, pelo Presidente da República, restou ementado nos

seguintes termos:

Ementa: O estágio probatório não é fator impeditivo da requisição ou cessão de servidor a esta Advocacia-Geral da União, quaisquer que sejam as atribuições a serem nela exercidas.

Assunto: Cessão de servidor submetido a estágio probatório.

Tipo de Ato: Parecer

Número: GQ-162

Sigla: AGU

Data: 27.8.1998

Data Adoto: 15.9.1998

Data Aprovo: 15.9.1998

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Advogado-Geral da União: Geraldo Magela da Cruz Quintão

Consultor-Geral da União: Wilson Teles de Macedo

Esse Parecer Normativo, remonta ao contexto histórico da formação

da Advocacia-Geral da União, implementada por servidores requisitados ou

cedidos de ministérios, autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de

economia mista, de outros Poderes da República, de Estados, Distrito Federal e

Municípios.

Consoante cediço, o parecer do Advogado-Geral da União, quando

aprovado pelo Presidente da República e publicado juntamente com o despacho

presidencial, adquire caráter normativo e vincula todos os órgãos e entidades da

Administração Federal, que fi cam obrigados a lhe dar fi el cumprimento.

O citado instrumento normativo, de aplicabilidade vinculada, bem ilustrou

a abrangência do artigo 47 da Lei Complementar n. 73, no que concerne à

requisição, pela Advocacia-Geral da União, de servidores públicos federais:

À sua vez, o art. 47 da Lei Complementar n. 73, de 1995, atribui a esta Instituição o poder de recrutar servidores da Administração Federal, a fazer-se através do instituto da requisição, de maneira irrecusável, ex vi do art. 5º da Lei n. 8.682, de 1993. É irrelevante que o servidor seja arregimentado a título de cessão ou de requisição: essencialmente, a Lei Complementar n. 73 colima o objetivo de garantir a colaboração dos servidores, proporcionando assim a esta AGU a mão-de-obra necessária ao desempenho de suas funções institucionais. Observe-se que norma de categoria a ela inferior não pode criar óbice ao recrutamento, qualquer que seja a terminologia utilizada na regulamentação do afastamento de pessoal do órgão ou entidade a que pertence.

A limitação de ceder-se estagiário, a fi m de exclusivamente “ocupar cargos de Natureza Especial, cargos de provimento em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS, de níveis 6, 5 e 4, ou equivalentes” (art. 20, § 3º da Lei n. 8.112), é inaplicável ao recrutamento de servidores pela AGU, sob a denominação de requisição ou cessão, posto que a lei ordinária não dispõe de poder para restringir ou estabelecer condições à incidência da Lei Complementar n. 73.

Em síntese, se o Advogado-Geral da União está autorizado a requisitar

qualquer servidor dos órgãos ou entidades da Administração Pública Federal,

independentemte da titulação exercida, a fortiori, poderá ele dispor da notória

capacidade funcional dos membros da categoria “irmã” dos Advogados da

União, que é a dos Procuradores Federais, para o exercício de atividades em seu

Jurisprudência da TERCEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 655-698, abril/junho 2012 695

gabinete. Principalmente porque a seleção do staff para o assessoramento direto

em confi ança, está inserida no campo discricionário daquela autoridade política,

não sendo cargo privativo de nenhuma categoria.

Conclui-se, portanto, pela ausência de direito líquido e certo da Impetrante,

materializada na autorização legislativa para que o Advogado-Geral da União

determine o exercício provisório de Procuradores Federais em seu Gabinete.

Ante o exposto, denego a segurança, revogando a liminar antes deferida pela

Primeira Seção.

É como voto.

VOTO

O Sr. Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ-

RJ): Sra. Ministra Presidente, ouvi atentamente o voto do eminente Relator Sr.

Ministro Vasco Della Giustina. A Advocacia-Geral da União tem um regime

específi co que encontra amparo, inclusive, na Constituição, no seu art. 131,

quando trata das funções essenciais à justiça: primeiro, o Ministério Público;

segundo, a Advocacia Pública; terceiro, a Advocacia e a Defensoria Pública.

O artigo 131 da Constituição Federal dispõe sobre a Advocacia-Geral

da União. O seu § 2º prevê que o ingresso nas classes iniciais das carreiras da

instituição, de que trata este artigo, se fará mediante concurso público de provas

e títulos. É exigência constitucional.

A advocacia pública está representada nos Estados e no Distrito Federal.

Temos, também, os procuradores dos municípios, dentro da organização

federativa do Brasil.

Não há, expressamente, qualquer norma impedindo que o Advogado-

Geral da União traga para o seu gabinete servidores como órgão de assessoria

para cumprir um mister que lhe foi designado pela Constituição Federal. Assim,

inexistindo regra específi ca tratando desse assunto, não há que se falar em

violação ao art. 5º, inciso II, da Constituição: “Ninguém será obrigado a fazer

ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Ora, se isso está no

âmbito das atribuições do Advogado-Geral da União, não se pode dizer que os

impetrantes teriam direito líquido e certo ao mandado de segurança.

Então, essas questões que foram discutidas aqui, ou seja, dar a um ente

de natureza da administração pública superior o poder de avocar, de designar

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

696

pessoas para seu gabinete, podem parecer estranhas mas, de fato, não há preceito impedindo que assim seja feito. A própria Constituição estatui que a Advocacia-Geral é instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial ou extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e seu funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.

Ora, o eminente Relator destacou um ponto que me parece muito importante e poderia estar acarretando prejuízo para os impetrantes, que é a parte referente ao art. 47 da Lei Complementar, autorizando, expressamente, o Advogado-Geral da União a requisitar servidores da Administração Federal. Se assim age e não foi declarada inconstitucional, quer incidenter tantum quer via ação indireta de inconstitucionalidade, “O Advogado-Geral da União pode requisitar servidores dos órgãos ou entidades da Administração Federal, para o desempenho de cargo em comissão ou atividade outra na Advocacia-Geral da União, assegurados ao servidor todos os direitos e vantagens.” Portanto, o servidor que for requisitado terá preservado todos os direitos e vantagens a que faz jus no órgão ou entidade de origem, inclusive promoção.

Não é demais relembrar, como disse o Sr. Ministro Relator, que a atribuição política de governo exercida pelo Advogado-Geral da União não se confunde com a atividade inerente, diria específi ca, dos Advogados da União, exercendo os servidores do seu gabinete, ou seja, do chefe da instituição, do Advogado-Geral da União, atividade de confi ança por meio de assessoramento técnico.

Sra. Presidente, fi z essas considerações porque a matéria, a princípio, era complexa. Pensei em pedir vista dos autos para melhor examiná-la, mas já estou convencido de que não há ilegalidade nem direito liquido e certo por parte dos impetrantes, única forma capaz de embasar um mandado de segurança.

Acompanho o eminente Ministro Relator, no sentido de denegar a ordem em mandado de segurança.

VOTO

A Sra. Ministra Laurita Vaz: Apesar de ser complexa a matéria em

discussão no mandamus, o Relator, eminente Desembargador Convocado Vasco

Della Giustina, esgotou todas as questões em seu bem elaborado voto.

Diante disso, acompanho o Relator para denegar a ordem.

É o voto.

Jurisprudência da TERCEIRA SEÇÃO

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VOTO

O Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior: Sra. Presidente, denego a ordem

em mandado de segurança, acompanhando o voto do Sr. Ministro Relator, até

porque fi cou bem facilitado o entendimento da questão, não só pela clareza do

seu voto como também pelo fato de que tanto o impetrante quanto a Advocacia-

Geral da União apresentaram memorial. Assim, foi possível a compreensão de

todo o confl ito até com certa antecedência.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze: Senhora Presidente, também

parabenizo os dois lados pelos excelentes memoriais, de conteúdos, que muito

auxiliaram no deslinde da controvérsia. O Sr. Ministro Vasco Della Giustina

foi ao detalhe no voto, Sra. Presidente, invocando a Lei Complementar n. 73, o

art. 2º, § 5º, que deixa inequívoco que todas as carreiras integram esse quadro

da AGU; o art. 23, que os membros de cada uma das carreiras integrantes desse

quadro geral seriam lotados e distribuídos pela AGU; o art. 47, que permite

a requisição de servidores para cargos em comissão e para outras atividades e

funções. Não só o cargo em comissão, mas também para outra atividade.

Penso, Sra. Presidente, que a discussão só poderia ter relevância se a

designação para exercício provisório, ou requisição de agente público, tivesse

como objetivo o exercício de atividade privativa de cada uma das carreiras. A lei

complementar estabelece algumas situações de exercício privativo de atividade,

por exemplo, a do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, para representar a

União na execução da dívida ativa, como também para o exercício dos cargos de

chefi a na AGU, não na data da instalação, pois havia uma exceção.

Nas situações que não envolvam atividades típicas e privativas de cada uma

das carreiras integrantes do quadro da AGU, não haveria nenhum problema a

designação para exercício provisório ou mesmo a requisição.

Mesmo na atividade típica, Sra. Presidente, foi estabelecida, no art. 69,

uma exceção que poderia ser exercida até por outro integrante, de carreira

diversa, mas por tempo limitado, por 2 (dois) anos.

Leio no art. 69:

O Advogado Geral da União poderá, tendo em vista a necessidade de serviço, designar excepcional e provisoriamente, como representantes judiciais - isso é função

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698

típica, específi ca de uma das carreiras -, titulares do cargo de Procurador da Fazenda Nacional de Assistente Jurídico para representação da União.

Nessa hipótese, excepcional, esta sim passível de contestação, a autorização

no prazo de 2 (dois) anos, contados dessa lei, está no parágrafo único do art.

69, mas isso já foi superado. Nessa hipótese, seria possível reconhecer o direito

postulado no mandado de segurança. Mas não é esse o caso dos autos.

Não vejo nenhuma ilegalidade, mas apenas o cumprimento da lei

complementar, na cessão, requisição ou designação provisória para exercício

de cargo não típico, não exclusivo e que não revele o exercício das funções

institucionais próprias de cada carreira específi ca integrante do Quadro da

Advocacia Geral da União, muito menos de membro de carreira que integra o

próprio quadro, para exercer função ou atividade no Gabinete do Ministro de

Estado, Chefe da AGU.

Não ocorreu violação da atuação privativa prevista na lei complementar.

Por tais razões, parabenizando o voto do Sr. Ministro Vasco Della Giustina,

denego a ordem.