terapia do luto contribuições

Upload: nuno-cruz

Post on 12-Apr-2018

242 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    1/44

    Terapia do Luto: contribuies e reflexes sob a perspectiva

    da Anlise do Comportamento

    Dafne Rosane Oliveira

    So Paulo, janeiro/2014

    ESPECIALIZAO EM TERAPIA COMPORTAMENTAL:TEORIA E PRTICA

    HOSPITAL UNIVERSITRIO USP-SP

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    2/44

    Terapia do Luto: contribuies e reflexes sob a perspectiva

    da Anlise do Comportamento

    Autora: Dafne Rosane Oliveira

    Supervisora: Dr Maly Delitti

    Monitores: Bruna Garcia Forlim e Gabriel Delitti

    Coordenadora do curso: Dr Maria Martha Hubner

    Trabalho apresentadocomo requisito do Curso deEspecializao em TerapiaComportamental: teoria e

    prtica, oferecido pelo HospitalUniversitrio da Universidadede So Paulo, para a obtenodo ttulo de Especialista emTerapia Comportamental.

    So Paulo, janeiro/2014

    ESPECIALIZAO EM TERAPIA COMPORTAMENTAL:TEORIA E PRTICA

    HOSPITAL UNIVERSITRIO USP-SP

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    3/44

    Dedico esse trabalho ao querido professor e

    orientador de mestrado Lincoln Gimenes, quemesmo sem querer reacendeu em mim um

    interesse muito genuno, de forma peculiar, unindo

    um momento to delicado de sua vida pessoal com

    a avidez de um eterno pesquisador, que busca

    sempre investigar e encontrar motivos para se ter

    um mundo melhor.

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    4/44

    Agradecimentos

    Aos meus pais, que me apoiaram em mais uma etapa de investimento em minha

    carreira.

    Aos meus irmos, companheiros a cada minuto de alegria ou tristeza, e de cada

    conquista.

    Ao Ti e Ana, que me acolheram em seu lar por tantas semanas, com muito carinho e

    ateno.

    A minha amada dupla Gabi, que caiu como um anjo e me deixou aprender e ensinar nanossa parceria de sintonia perfeita.

    A minha querida e admirada supervisora Maly, que soube direcionar minha trajetria da

    teoria para a prtica clnica, dosando reforo positivo, negativo e punio, e garantindo

    um ambiente de muito aprendizado.

    Aos queridos monitores, Bruna e Gabriel, que modelaram meu comportamento de

    terapeuta, com dicas muito importantes e elogios contagiantes.

    As minhas bolotas queridas, Gabi, Nana, Sarah e Lu, que fizeram meu ano mais feliz,

    com cada risada, com cada discusso, com cada almoo e happy hour que completavam

    o prazer de estar ao lado de vocs, analistas do comportamento to adorveis.

    A todos os professores que nos deram aula durante o curso e aos colegas de superviso.

    A Martha Hubner e Regina Wielenska, que mesmo no sendo minhas supervisoras

    estiverem presentes esclarecendo dvidas e ministrando timas aulas.

    A toda a equipe da especializao, Michele e Vilma, e novamente querida professora e

    coordenadora Martha Hubner.

    E ao meu cliente, que permitiu ser ajudado e me ajudou muito no meu processo de

    aprendizagem de terapeuta. Sou muito grata por isso.

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    5/44

    Quem no pensa e no reflete sobre a morte,acaba por esquecer da vida. Morre antes, sem perceber (...)

    (...) Eu no tenho medo de morrer... S tenho pena.A vida to boa..."

    Rubem Alves

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    6/44

    Resumo

    A Terapia do Luto uma modalidade de atendimento clnico psicoterpico

    voltado para queixas relacionadas a diversos tipos de perdas que envolvam o processo

    de luto. Diversas abordagens dentro da Psicologia abordam o tema e exercem suas

    anlises e intervenes de acordo com seu arcabouo terico. O objetivo do presente

    trabalho reunir as principais contribuies encontradas na literatura sobre o tema:

    perdas, morte, luto e terapia do luto, e fazer anlises e reflexes sob a tica da Anlise

    do Comportamento. Hoje em dia h poucos trabalhos na literatura comportamental que

    abordem o tema diretamente, embora a Terapia Comportamental se ocupe por vezes

    com queixas relacionadas a diversos tipos de perdas. Ser investigado como a Anlise

    do Comportamento pode interpretar e aplicar seus preceitos na clnica comportamental

    que trabalha com o luto como queixa clnica, e formas de trabalhar o luto em

    modalidades educativas, preventivas e teraputicas.

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    7/44

    ndice

    Introduo ........................................................................................................................1

    1. Anlise do Comportamento ........................................................................................2

    1.1 Anlise do Comportamento e o estudo da morte e luto .........................................4

    1.2 Terapia Comportamental .........................................................................................5

    2. Morte e luto ..................................................................................................................7

    2.1 Representaes de morte ..........................................................................................8

    2.2 O processo do luto ...................................................................................................11

    2.3 Fases do luto .............................................................................................................12

    2.4 Tarefas do luto ........................................................................................................ 15

    2.5 Tipos de luto .............................................................................................................17

    2.6 Luto e DSM ..............................................................................................................19

    2.7 Mediadores do luto ..................................................................................................20

    3. Interpretaes do luto a partir de conceitos comportamentais ............................22

    4. Anlise funcional do luto...........................................................................................26

    5. Terapia Comportamental do luto ............................................................................28

    6. Velhice e o medo da morte ........................................................................................30

    Consideraes Finais ....................................................................................................33

    Referncias ....................................................................................................................34

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    8/44

    1

    De uma forma geral a Psicologia estuda interaes de organismos com seu

    ambiente, em especial referindo-se ao homem, mesmo que tenha que recorrer a estudos

    com outras espcies de animais para entend-lo. (Todorov 2007, Keller & Schoenfeld,

    1966). Podemos falar de interaes e estud-las durante qualquer fase da vida, desde o

    nascimento at a morte. E nesse processo notrio que os organismos se relacionam

    entre si e formam vnculos. Podemos exemplificar com as relaes que so criadas e

    cultivadas entre pais e filhos, tios, irmos, amigos, padrinhos e madrinhas de qualquer

    natureza, companheiros de trabalho, animais de estimao e etc. Havendo vnculo de

    parentesco ou no, durante toda nossa vida criamos e cultivamos vnculos, alguns mais

    fundamentais e duradouros, outros mais transitrios e no por isso menos importantes.

    Contudo, naturalmente, esses vnculos so rompidos em algum momento da

    vida. Portanto, so recorrentes eventos relacionados a perdas, que podem envolver

    morte e o processo do luto. Nesse sentido, tema propcio para estudos em Psicologia:

    sobre a forma como criamos, rompemos e lidamos com a formao e rompimento de

    vnculos. E natural que eventos relacionados s perdas so comumente motivos que

    levam as pessoas a buscar alguma ajuda, como a terapia. O rompimento de um

    relacionamento amoroso, a perda de um emprego, uma mudana de pas, o trmino de

    uma faculdade: so exemplos de eventos que envolvem muitas perdas, e por isso

    comumente esto relacionados a eventos aversivos e a muito sofrimento a quem por eles

    passam.

    Mas alm dos tipos de perdas descritos, acontecem tambm as perdas

    ocasionadas por morte, o que geralmente envolve um processo de luto. Franco (2010)

    aponta que o luto pode ser entendido e trabalhado com base em mltiplas referncias, e

    que acima de tudo o luto parte necessariamente de um posicionamento diante da

    realidade, pois justamente desse fenmeno que se trata: formar e romper e vnculos.

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    9/44

    2

    Nesse sentido, falamos de luto com referncia tanto s perdas em geral, como no que

    diz respeito a uma reao diante da ocorrncia de morte. Todavia, mais comum ouvir

    falar e comentar sobre as perdas em geral. Cotidianamente, parece ser mais fcil

    conversar com um amigo sobre um rompimento amoroso do que sobre a morte da

    pessoa amada. O assunto morte, mesmo estando muito presente no cotidiano, pouco

    discutido tanto no mbito familiar quanto no acadmico.

    Falar sobre morte pode causar estranhamento, repulsa e desconforto, por se tratar

    de um tema que gera muitas perguntas, s vezes muita revolta, e a sensao de no saber

    como agir que vem misturada com o sofrimento, inevitvel. Dessa forma, estamos

    sujeitos a nos deparar com a ocorrncia da morte de pessoas queridas, com as quais

    formamos vnculos, e quando vivenciamos o processo do luto, que uma resposta do

    organismo para lidar com a perda. Parkes (1998) aponta que o luto uma resposta

    normal para um estresse que ser vivido pela maioria em algum momento da vida.

    No presente trabalho ser feita uma anlise do material disponvel na literatura

    sobre tratamento clnico psicoterpico do luto em diversas abordagens. Entretanto, a

    base terica que fundamenta as anlises feitas neste estudo ser a Anlise do

    Comportamento. Hoje em dia h poucos trabalhos na literatura comportamental que

    abordem o tema. Portanto, sero analisadas as contribuies dos trabalhos de outras

    abordagens, e ser feita uma proposta de estudo e interveno direcionados para as

    queixas clnicas relacionadas perdas, morte e luto, sob a perspectiva da Anlise do

    Comportamento, o que vamos chamar de Terapia Comportamental do Luto.

    1. Anlise do Comportamento

    A Anlise do Comportamento (AC) uma cincia que se destina a estudar, em

    ltima instncia, o comportamento humano, embasado pela filosofia do Behaviorismo,

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    10/44

    3

    que apresenta uma viso de homem e mundo que lhe so caratersticas e que sustentam

    os princpios dessa abordagem. O homem visto sob uma perspectiva interacionista:

    Os homens agem sobre o mundo, modificam-no e, por sua vez, so modificados pelas

    consequncias de sua ao. (Skinner, (1992/1957)

    Para a AC todo comportamento tem uma funo, alguma circunstncia que

    mantm a ocorrncia daquele comportamento em uma determinada situao. Tal funo

    muitas vezes nitidamente percebida, como quando uma criana chora e tem a ateno

    da me. Mas algumas vezes a funo no percebida claramente, e exige uma anlise

    mais cuidadosa para averiguar o que est mantendo aquele comportamento. Em alguns

    casos, necessrio que essa anlise seja feita rapidamente pois pode trazer prejuzos a

    quem emite o comportamento. Por exemplo, se uma criana tem comportamentos auto

    lesivos importante entender sua funo, para que ele possa ser extinguido e substitudo

    por outro comportamento que no traga danos a quem est se comportando.

    Nesse sentido, para entender porque fazemos o que fazemos, ou seja, porque um

    comportamento ocorre precisamos analisar a histria de vida de quem se comporta. Essa

    anlise referenciada pelo modelo de seleo pelas consequncias, que se constitui

    atravs de trs nveis de seleo, a saber, o nvel filogentico relacionado

    sobrevivncia das espcies e carga gentica que carregamos; o nvel ontogentico, que

    diz respeito aos comportamentos que emitimos, que operam sobre o ambiente, e por fim

    o nvel cultural, que est relacionado influncia das prticas culturais, da cultura a qual

    est inserido o comportamento em questo. Portanto, qualquer comportamento, est

    sempre sendo influenciado por esses trs nveis, em diferentes intensidades. (Skinner,

    1981)

    A tradio da AC tem suas razes na pesquisa bsica, com experimentos com

    animais no humanos e humanos, investigando e ditando leis para o comportamento.

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    11/44

    4

    Porm, alm disso a AC tem se ocupado a estudar qualquer fenmeno envolvido no

    comportamento humano, desde prticas parentais at comportamentos pr-ambientais.

    Acredita-se que a Anlise do Comportamento tenha ferramentas importantes

    para a anlise de processos comportamentais que estejam envolvidos em situaes de

    perdas, morte e luto. Pretende-se, portanto, trazer uma discusso das principais

    produes na rea de morte e luto, apresentar propostas de interveno no contexto

    educativo e teraputico, individual e grupal, por meio da terapia comportamental do

    luto; e ademais, dialogar por meio da linguagem da Anlise do Comportamento, de

    acordo com a viso de homem e mundo caractersticos da abordagem.

    1.1. Anlise do Comportamento e o estudo da morte e luto

    Tradicionalmente, as abordagens que trabalham com luto, como a Psicanlise, a

    Gestalt e a Fenomenologia so mentalistas. A Anlise do Comportamento difere dessas

    abordagens ao rejeitar o mentalismo: ao rejeitar que os eventos mentais sejam causa do

    comportamento. Isso apresenta implicaes importantes, uma vez que pode se

    caracterizar como alvo de crticas ao estudo do luto pela AC. Nesse sentido, possvel

    que algumas pessoas rejeitem a abordagem do luto em termos comportamentais, por

    argumentar que os processos psicolgicos, como o sofrimento do luto, so as causas das

    reaes comportamentais do enlutado e que, portanto, deve-se abordar o psicolgico e

    no o comportamento. Hoshino (2006) aponta que:

    Esta dicotomia mente-corpo derivado das pressuposies filosficas

    da antiguidade no mais se sustenta frente aos conhecimentos atuais

    das neurocincias e a insistncia em sua manuteno revela

    desconhecimento dos avanos tidos nesta rea ou questo de f. O

    segundo ponto a crtica que muitas pessoas fazem ao behaviorismo e

    todas as demais posies correlatas acusando-os de negarem os

    processos psicolgicos que so eminentemente subjetivos. Estas

    pessoas desconhecem que o neobehaviorismo radical aborda estes

    processos como comportamentos encobertos (privados) e sua

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    12/44

    5

    obedincia aos mesmos princpios dos comportamentos observveis.

    (p. 313)

    E essa perspectiva no desumaniza em nada o tratamento dado ao enlutado. Oestudo da morte e do luto envolve processos psicolgicos bsicos (como a memria e a

    percepo) e fenmenos complexos, que devero ser analisados como qualquer outro

    comportamento. E alm disso, Hoshino (2006) sugere que o luto humano seja uma

    manifestao filogeneticamente adquirida atravs de mutaes sucessivas e preservada

    em funo da vantagem trazida para a sobrevivncia (valor adaptativo), o que mostra a

    influncia do nvel filogentico.

    1.2 Terapia Comportamental

    O modelo clnico da terapia comportamental baseia-se na proposta do

    Behaviorismo para suas anlises e intervenes. Na prtica clnica tem como um dos

    instrumentos mais valiosos a anlise funcional (AF). A AF identifica a relao entre os

    eventos ambientais e as aes do organismo, e por meio dela que possvel o

    levantamento correto dos dados necessrios para o processo teraputico. (Delitti, 1997).

    Dessa forma, busca-se entender as variveis das quais o comportamento alvo na terapia

    funo, e possveis formas de modificao do ambiente, para propiciar eventos

    antecedentes que sejam favorveis s respostas desejadas.

    Uma queixa, que corriqueiramente aparece em consultrios, est relacionada a

    diversos tipos de perdas que acontecem durante o curso da vida. De fato, desde que

    nascemos estamos vivenciando perdas, como a interrupo do leite materno, a perda de

    um amiguinho que vai morar longe, a morte de um animal de estimao, uma desiluso

    amorosa, a morte de um parente ou a separao de um casal. Como vimos, essas perdas

    podem ou no estar relacionadas morte, e pode envolver um processo de luto.

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    13/44

    6

    No trabalho clnico tpico, quer em consultrios ou clnica-escolas, no

    possvel que haja um controle rigoroso de variveis, para se saber claramente quais

    esto sendo manipuladas, quais esto sendo modificadas, em suma o que funo de

    que. (Guilhardi, 1997). Da mesma maneira, com queixas clnicas de luto, fica difcil a

    experimentao, pois muitas vezes pode ser aversivo no processo teraputico que sejam

    levantados dados para a investigao cientfica do caso.

    Uma possibilidade que sejam feitos trabalhos por meio de entrevistas em

    pessoas enlutadas, identificando variveis que influenciam o enfrentamento. O trabalho

    de Fernandes & Lopes (2010) investigou por meio de uma entrevista semiestruturada as

    respostas de enfrentamento e de culpa em pais enlutados. Foram identificadas as respostas

    de culpar outras pessoas pela morte do filho e justificar que o filho j havia cumprido sua

    misso de vida. Como respostas de culpa foram identificadas a responsabilidade pela

    morte do filho, por deixar defazer algo relacionado ao papel social paterno, aprendido e

    socialmente cobrado, como por exemplo, estar distante do filho de quatro anos, no momentodo

    acidente e morte por afogamento; e dvidas quanto busca do melhor tratamento parao

    filho de18 anos, com cardiopatia congnita. Tanto os comportamentos de culpa como os de

    enfrentamento estavam relacionados causa da morte.

    Atualmente tm surgido diversos modelos clnicos em terapia comportamental. Cada

    um a sua maneira enfatiza algumas variveis e apresenta formas de entender e intervir diante s

    queixas. Pode-se citar a FAP (sigla em ingls de Psicoterapia Analtico Comportamental), ACT

    (sigla em ingls para Terapia de Aceitao e Compromisso), e a Terapia Comportamental

    Dialtica. O objetivo desse trabalho no apresentar tais terapias, nem to pouco analis-las,

    mas como algumas premissas da FAP so muito compatveis com a proposta da Terapia

    Comportamental do luto, elas sero mais especificadas em sees seguintes.

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    14/44

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    15/44

    8

    Ademais, Hoshino (2006) destaca que a perda desencadeadora do luto consiste

    em deixar de se ter o que tinha, na maioria das vezes, algum ou algo do ambiente a

    quem ou ao qual se tinha vnculo afetivo. Isto significa que a perda acarreta modificao

    de uma situao ambiental que proporcionava bem-estar. O fato de o luto ser reao a

    uma modificao, geralmente ambiental, implica que ele um conjunto de respostas de

    interao com o meio. Portanto, trata-se de um conjunto de comportamentos, pblicos e

    privados, que envolvem a perda de diversas fontes de reforamento.

    Vrios estudiosos se debruaram em entender o processo de luto e

    frequentemente postularam a existncia de etapas e fases para a realizao desse

    processo. Passar por essas etapas, que tem caractersticas tpicas, seria uma forma de

    obter uma resoluo para esse tipo de condio ao qual nos deparamos diante de uma

    perda. Tais fases sero descritas e analisadas posteriormente na seo que aborda o

    processo do luto.

    2.1 Representaes de morte

    Podemos falar de vrios tipos de morte, a depender da forma como elas ocorrem,

    e a interpretao que damos a elas, que sero proporcionais viso de morte, crenas e

    motivaes envolvidas. At porque, podemos falar de uma morte simblica, por

    exemplo, se pensarmos em uma criana que nasa com alguma doena grave ou uma

    deficincia. No se trata de uma morte concreta e isso pode representar uma morte

    simblica, a morte do filho idealizado. Alm disso, podemos falar da morte natural e

    no natural. Hoje em dia com o avano da tecnologia em promover a extenso da vida

    difcil falar em morte natural. Mas podemos pensar tambm em acidentes ou doenas

    graves que levam crianas a bito, que evidentemente so encaradas como morte no

    normais, no naturais, pois fala-se que elas vo na contramo da lei da vida, que seria

    nascer, viver e morrer na velhice.

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    16/44

    9

    Philippe Aris (2003, 1975) um autor conhecido na rea de estudos da morte,

    por ter uma vasta literatura em que fala sobre a morte no ocidente e expe diversas

    representaes de morte, que sero descritas brevemente, de acordo com a anlise do

    mencionado autor. Elas se constituem pela viso de morte da poca e das caractersticas

    de vida, crenas e atitudes peculiares.

    Uma representao diz respeito morte domada, que se insere principalmente na

    viso da poca, em meados da Idade Mdia, quando havia a conscincia de que todos

    ns iremos morrer e que a morte faz parte da vida. Era comum que a morte ocorresse

    por doenas ou ferimentos fatais, e a morte temida era aquela que fosse abrupta,

    repentina, que no deixava tempo para despedidas. Isso est relacionado ao fato de que

    a morte estava envolvida em um evento familiar que inclua a espera no leito, e o que

    chamavam do cerimonial do moribundo, situao em que havia o lamento pela vida, a

    evocao de pessoas e coisas amadas, o perdo e a absolvio sacramental. (Aris,

    2003, 1975)

    H tambm a morte interdita, que era permeada pela viso de que a morte era

    algo vergonhoso, que envolvia repugnncia, fracasso, impotncia e tendncia de ocultar

    o moribundo, que ficava solitrio. A morte no era mais vista como um fenmeno

    natural, e era comum a chamada medicalizao da morte, quando os moribundos eram

    levados aos hospitais para morrer, lugar que era conveniente para esconder a

    repugnncia e aspectos srdidos ligados doena. Dessa maneira, foi ficando mais

    comum a supresso do luto e das manifestaes de dor. (Aris, 2003, 1975)

    Seguindo adiante fala-se da morte reumanizada. Diante do avano da medicina

    que busca a todo custo impedir ou adiar a morte, surge a humanizao da morte, junto

    com a rejeio a uma morte medicalizada, trazendo a possibilidade de que as pessoas

    possam se preparar para morrer. Nesse sentido fala-se muito em cuidados paliativos,

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    17/44

    10

    que representa o grande pilar do processo de reumanizao da morte. (Aris, 2003,

    1975)

    Nesse contexto que se inserem as discusses ticas sobre o efeito dos avanos na

    medicina na escolha dos pacientes em se submeterem ou no aos processos que adiam a

    morte. Com descries bem simples sero citados esses processos, que podem estar

    fortemente envolvidos em como as pessoas lidam com a finitude, seja da prpria pessoa

    ou de pessoa queridas. Temos a distansia, que refere-se a manter a pessoa viva mais

    tempo do que o necessrio, sem que haja chances de melhora. A eutansia, que no

    Brasil crime, ajudar uma pessoa a obter sua prpria morte, seja por qual motivo for.

    E a ortotansia, que considerada como a boa morte, quando se cuida para que a pessoa

    tenha uma morte digna, sem procedimentos fteis que iriam somente prolongar a vida

    sem qualidade.

    Por fim, temos a descrio de Kovcs (2003), que fala da morte escancarada,

    que convive com a morte interdita e a morte reumanizada. Ela est relacionada com as

    mortes violentas, em guerras, tragdias, desastres e emergncias, envolvendo a

    banalizao da morte:

    A morte escancarada por ser inesperada no permite preparo prvio.

    Envolve mltiplos fatores que podem dificultar a sua elaborao:

    perdas mltiplas (morte de vrias pessoas da mesma famlia), perdas

    invertidas (filhos e netos que morrem antes de pais e avs), presena

    de corpos mutilados, desaparecimento de corpos e cenas de violncia.

    (Kovcs, 2003, p. 150)

    Essa representao de morte envolve a veiculao pela mdia de cenas fortes, de

    superexposio e sensacionalismo em cima de tragdias. So vrios os exemplos dessa

    exposio, e Kovcs (2003) apresenta uma reflexo importante em relao a isso, pois

    fato que hoje em dia, com a globalizao e a rapidez de transmisso dos meios de

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    18/44

    11

    comunicao inevitvel que as tragdias sejam noticiadas, contudo deve haver muito

    cuidado com a forma como as notcias so apresentadas, de modo a gerar uma reflexo

    em quem assiste, a fim de combater a banalizao e criar possibilidades de discusso, e

    no somente gerar perplexidade e desconforto.

    Portanto, fica claro que o ambiente em que a morte ocorre vai determinar em

    grande amplitude a forma como ela ser encarada. E quando fala-se em ambiente faz-se

    referncia ao qualquer aspecto envolvido que possa modificar o comportamento: as

    pessoas envolvidas (juntamente com sua histria de vida permeada de aprendizagens

    que ajudam ou dificultam o enfrentamento), as condies nas quais as mortes

    acontecem, as expectativas em relao a ela, a forma como veiculada, seja pelos

    familiares ou pelas redes de comunicao em massa. Sem contar que todos esses

    aspectos esto atuando em conjunto e de acordo com as valores e preceitos de uma

    sociedade, de uma cultura, de uma parcela da populao, de uma famlia ou de uma

    pessoa que faa parte da vida de quem se foi.

    2.2 O processo do luto

    Vimos que o luto faz referncia a um estresse diante de uma perda, e que trata-se

    de um conjunto de comportamentos, pblicos e privados, que envolvem a perda de

    diversas fontes de reforamento. Acredita-se que qualquer pessoa ir passar por esse

    processo em algum momento da vida, seja o luto diante de mortes ou de outras perdas.

    O comportamento de enfrentamento morte determinado por diversos fatores,

    e como qualquer outro comportamento ele selecionado pelas suas consequncias (cf

    Skinner 2003/1953), e sofre muita influncia do nvel ontogentico (em relao ao

    repertrio que a pessoa possui para lidar com perdas e rompimento de vnculos) e do

    nvel cultural, em referncia como a comunidade em questo enxerga a questo da

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    19/44

    12

    morte. Isso envolve muitos pontos de vista, crenas religiosas, sobre a finitude da vida e

    a existncia de diversos tipos de rituais.

    Kovcs (2008) aponta que a expresso do luto ter caractersticas peculiaridades

    de acordo com os ritos familiares e a cultura em questo. No h julgamentos em

    relao aos tipos de rituais, mas ressalta-se sua importncia, como estratgia que facilita

    a elaborao do luto. Essa questo demonstra a influncia do terceiro nvel de seleo, a

    cultura. So vrios os autores que investigaram e buscaram algumas regularidades na

    vivncia do processo de luto. comum falar de fases e estgios que devem ser vividos

    para a elaborao do processo de luto.

    Quando falamos em elaborao do luto, termo comum na rea, nos referimos

    vivncia da perda, ou seja, a entrar em contato com as contingncias da perda, com os

    estmulos aversivos, com a perda de reforadores e eventualmente o ganho de

    reforadores tambm (como quando uma viva recebe uma boa herana do marido), e

    lidar com essas novas contingncias de forma que no haja sofrimento que impea a

    pessoa de realizar suas atividades rotineiras e que lhe so reforadoras.

    2.3 Fases do luto

    Klber-Ross (1996) talvez a referncia mais citada na rea, e conhecida pela

    elaborao das cinco fases do luto. A autora tem uma vasta produo nas questes da

    morte e luto, e inicialmente criou as fases quando investigava o processo que levava um

    paciente terminal aceitar sua condio. Mas ela percebeu que essas fases tambm se

    aplicavam as pessoas que vivenciavam uma perda. Inicialmente tem-se a fase da

    negao, quando a pessoa nega a ocorrncia da morte e mostra no acreditar que a

    pessoa amada est de fato morta. Por exemplo, pais que esperam ansiosamente o filho

    chegar em casa, mulheres que colocam um prato na mesa para o marido falecido.

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    20/44

    13

    A segunda fase a raiva, marcado por sentimentos de revolta, inveja e

    ressentimento. comum o aparecimento de agressividade e atribuio de causa ou

    culpa para algo ou algum. A fase da barganha marcada pela tentativa de alguma

    espcie de negociao que possa mudar ou evitar a perda. comum o apelo a entidades

    divinas e quaisquer crenas por meio de pactos ou promessas. A fase da depresso

    permeada por extrema tristeza, choro, introspeco e isolamento. E por fim, a ltima

    fase a da aceitao, que no significa o fim do sofrimento, mas um perodo em que a

    pessoa deixa de lutar contra a morte, a aceita e isso facilita o enfrentamento. (Klber-

    Ross, 1996)

    Parkes (1998) tambm postulou as fases do luto da seguinte maneira: Alarme,

    Torpor, Depresso, e Recuperao/Organizao. Rando (1993) orgazinou as fases em:

    Evitao ou negao, Confrontao, Acomodao. E por fim, Saunders (1989, 1999)

    falou em: Choque, Conscincia da perda, Conservao-retirada, Elaborao, Reparao.

    Todas essas classificaes so similares s fases de Klber-Ross, no sentido geral de

    no aceitar a morte inicialmente, confrontar, tentar evitar a realidade da forma que for

    possvel, extrema tristeza diante da realidade e conseguir aceitar a condio. Essas fases

    so meras descries de um conjunto de comportamentos que so comumente emitidos

    diante perdas. No tem um compromisso cronolgico, elas podem no acontecer na

    ordem descrita, e geralmente se mesclam e se confundem. E mesmo aps a aceitao

    nada impede que a pessoa emita comportamentos tpicos das fases anteriores.

    A ideia de falar em fases do luto interessante, uma vez que quando falamos em

    pesquisa que tem como objetivo gerar conhecimento para aplicao notria a

    necessidade de uma sistematizao, para facilitar a linguagem entre os pesquisadores e

    para o registro adequado dos achados em cada um dos pacientes. Contudo, preciso

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    21/44

    14

    fazer uma anlise cuidadosa para no encaixar a dor dos pacientes em fases sem ter a

    devida anlise da funo de cada comportamento dentro de um contexto.

    Gimenes (2012) compartilha um exemplo pessoal em um relato proferido

    durante uma palestra na ABPMC (Associao Brasileira de Psicologia e Medicina

    Comportamental) em 2012, em que mostra de forma singela e ntida as fases do luto:

    Numa nota pessoal quero dizer que estou vivendo um longo perodo

    de luto s avessas. No removeram minhas fontes de reforamento.

    Porm, minhas condies fsicas me impedem de acess-las. J neguei

    que isso pudesse estar acontecendo comigo. J tive raiva, j chutei o

    pau da barraca e rodei a baiana. J tentei negociar com todas as

    entidades divinas. J tive perodos de depresso e muito choro.

    Atualmente, estou tentando lidar com a aceitao, buscando novas

    fontes de reforamento. Estar presente hoje aqui uma dessas

    tentativas. (Gimenes, 2012, p.77)

    Nesse mesmo texto descrito acima, Gimenes aponta um o trabalho que traz uma

    contribuio muito relevante, ao comparar as fases do luto de Klber-Ross com a

    extino operante. Brevemente, a partir de um registro cumulativo de uma sesso de

    extino foi possvel identificar as semelhanas entre os comportamentos do rato nesta

    situao com os estgios do luto: negao, raiva, negociao ou barganha, depresso e

    aceitao.

    Na negao, no incio da extino o rato continua respondendo como

    se nada houvesse mudado; na raiva, o animal comea a morder a barra

    e partes da caixa; na negociao, o animal volta a pressionar a barra

    tentando obter os reforos; na depresso, o animal para de responder e

    se isola em um canto da caixa; na aceitao, finalmente o rato volta a

    andar e farejar livremente pela caixa como fazia antes de aprender a

    responder na barra. Os estgios intermedirios podem ou no ocorrer e

    sua durao varia de indivduo para indivduo. O importante que em

    ambos os casos estamos descrevendo o processo da perda de uma

    fonte de reforamento crticos. (Gimenes, 2012, p. 77)

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    22/44

    15

    2.4 Tarefas do luto

    Outra autora muito conhecida por sua produo James William Worden,

    principalmente com seu livro: Aconselhamento do Luto e Terapia do Luto: um manual

    para profissionais de sade mental. Diferente das fases do luto ela fala sobre tarefas do

    luto como estratgias para se alcanar a resoluo. Sua proposta interessante, na

    medida em que d mais autonomia a pessoa que est vivenciando o luto, pois na medida

    em que completa as tarefas a pessoa se sente segura para avanar no enfrentamento e

    entrar em contato com as novas contingncias advindas com a morte. (Worden,

    2013/1932)

    A primeira tarefa aceitar a realidade da perda. Em meio negao e a procura

    em encontrar o morto em outra pessoa (s vezes a pessoa jura ter visto a pessoa morta e

    pensa que ele pode estar vivo e precisando de ajuda), necessrio aceitar que a pessoa

    morreu e no ir voltar nunca mais. vlido pensar em uma questo de controle de

    estmulos, pois h uma ateno seletiva no ambiente que faz com que a pessoa foque

    sua ateno em qualquer coisa que lembre o falecido. Por exemplo, repara-se que vrios

    carros iguais o dele passaram na rua, repara-se nas pessoas que tem um biotipo e

    caractersticas fenotpicas parecidas com o morto e com isso podem haver essas

    confuses que s atrapalham no discernimento de que a realidade a morte. (Worden,

    2013/1932)A segunda tarefa processar a dor do luto, dar um espao para a dor, que em

    outras palavras seria: entrar em contato com as contingncias e no se esquivar.

    comum que a esquiva acontea por meio da idealizao do morto, da evitao de

    lembranas, de objetos, o uso de drogas e viagens. A estratgia da esquiva pode ser

    muito boa a curto prazo, mas a longo prazo pode ter um efeito desastroso, pois muitas

    vezes quando a pessoa percebe que esteve longe e quer voltar para de fato se despedir

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    23/44

    16

    da pessoa, de suas coisas, objetos e lugares, tarde demais. comum que a famlia

    interfira nesse sentido, como por exemplo, um caso em que um vivo, aps o enterro de

    sua esposa, chega na casa onde viveu cinquenta anos de casamento e encontra tudo

    diferente: mveis novos, tudo organizado diferente e sem as fotos, sem as roupas, sem

    os pertences de sua esposa. Essa atitude de extrema violncia, embora com boa

    inteno, pois o enlutado est vulnervel e pode no perceber que o importante que ele

    entre em contato com as contingncias e que aos poucos, na medida em que haja

    habituao, ele consiga se desfazer do que no mais necessrio na ausncia da pessoa

    amada. (Worden, 2013/1932)

    A terceira tarefa ajustar-se a um mundo sem a pessoa morta, o que envolve

    segundo Worden (2013/1932), ajustes internos, externos e espirituais. uma fase de

    adaptao perda, de anlise dos papis que eram antes desempenhados, das novas

    habilidades e funes que vem pela frente e de identificao e aceitao dos ganhos com

    a perda. Por exemplo, um pai que precise aprender a criar os filhos na ausncia da me;

    e uma herana rejeitada por acreditar-se que o dinheiro maldito.

    A quarta tarefa encontrar uma conexo duradoura com a pessoa morta em

    meio ao incio de uma nova vida. Worden (2013/1932) diz que preciso criar: novos

    padres de vida que incluam as relaes modificadas, porm duradouras, com aquelas

    pessoas que foram importantes e amadas. Em outras palavras, pode-se dizer que

    esperado que o enlutado fique sob controle de estmulos relacionados ao morto que no

    lhe tragam um sofrimento insuportvel, como por exemplo, falas caractersticas, valores

    compartilhados, costumes que podem ser repetidos at como uma espcie de

    homenagem ao morto. Dessa forma estabelece-se uma essa conexo com o morto sem

    que isso prejudique os planos e as atividades que so previstas nessa nova vida, sem o

    morto.

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    24/44

    17

    2.5 Tipos de luto

    O processo de luto normal pode ser comparado a uma adaptao sadia perda e

    torna-se organizado quando a morte tomada como algo real, com o enlutado

    apontando certa disponibilidade para novos investimentos em sua vida, ou seja, diante

    da perda de uma fonte de reforadores preciso buscar outras fontes e lidar com as

    perdas. Esse processo sugere a reorganizao da nova rotina do dia a dia, caracterizando

    assim um processo de luto bem elaborado.

    Hoje em dia, fala-se em luto virtual. Diante da presena frequente e intensa das

    redes sociais e da internet como meio de comunicao imediato, tem sido comum a

    expresso da dor virtualmente. Fagundes (2012) conduziu um estudo em que analisou e

    realizou a comparao das fases do luto com a extino operante em uma pgina de uma

    rede social, analisando as mensagens, principalmente da me e da namorada, no perfil

    de um jovem que morreu em um acidente de moto. Sobre isso Filipakis et al (2006)

    apontam uma vantagem e uma desvantagem desse tipo de expresso:

    a) esta forma de enfrentamento auxilia no processo de elaborao de

    cada etapa da perda, por configurar uma forma de socializao e

    extravasamento dos sentimentos dos enlutados;

    b) pode haver um prolongamento desnecessrio e martirizador de

    algumas etapas do processo de enlutamento.

    Quando se fala em luto patolgico (termo substitudo hoje em dia por luto

    complicado), falamos da intensificao dos processos presentes no luto normal (tanto

    em relao ao tempo de durao quanto em relao ao comprometimento provocado

    pelos sintomas). Essa intensificao assume um carter irreversvel, integrando-se a

    vida do enlutado e impedindo a reorganizao de sua vida e a construo de novos

    projetos para o futuro (Kovcs, 2008).

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    25/44

    18

    Existem alguns fatores complicadores do luto, que se referem ao tipo de morte

    e/ou circunstncia do acontecimento. Existe o luto antecipatrio, quando normalmente

    so ntidas as fases do luto, por exemplo, diante de um diagnstico de uma doena

    incurvel. O luto parental, envolve a morte de um filho, que muitas vezes chamada de

    morte invertida e costuma envolver culpa dos pais por algum motivo no ter cuidado do

    filho como deveria. O luto adiado, acontece normalmente quando no h vivncia do

    luto, por muitos fatores, e ocorre muito tempo aps o acontecimento da morte ou perda:

    quando as contingncias reais da perda na esto mais presentes. O luto no autorizado,

    quando por questes de crenas e costumes no h aceitao socialmente, como o luto

    por animais, aborto, ou de amantes. H tambm o luto coletivo, e um exemplo foi o

    acidente na boate Kiss, em Santa Maria no Rio Grande do Sul, onde houve muitas

    mortes e a cidade toda ficou de luto pelo acontecimento. Por fim o luto suspenso, que

    ocorre por desaparecimento, quando h ausncia do corpo.

    Segundo Rando (1993), h consequncias srias quando no se cuida de pessoas

    que apresentam risco para processos de luto complicado. preciso: (a) identificar

    fatores de risco; (b) delinear tendncias scio-culturais e tecnolgicas que possam

    exacerb-las; (c) observar o que necessrio ser trabalhado para se evitar um luto

    complicado.

    H uma importante distino que deve ser feita quando falamos de luto, tristeza

    e depresso. A tristeza est presente no luto e na depresso. O sentimento de tristeza

    geralmente se relaciona com a perda de reforadores (Catania, 1999), ou seja, uma

    determinada fonte de reforo deixa de s-lo. Quando o brinquedo preferido de uma

    criana quebra, ela fica triste porque no poder mais brincar com ele. A perda de um

    ente querido provoca tristeza, j que no poderemos mais ter as interaes sociais

    reforadoras que tnhamos com aquela pessoa.

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    26/44

    19

    Dependendo do oferecimento de reforadores na vida da pessoa, pode acontecer

    de a perda ser muito significativa, e ou, as fontes de reforamento serem muito restritas,

    o que permite que uma profunda tristeza se instale. Geralmente as pessoas com quadro

    de depresso se encaixam nesse perfil. (Hubner, 2012) Contudo, importante no

    confundir depresso com luto, pois o luto no uma doena e no precisa

    necessariamente do tratamento dado a uma doena. Alguns casos de luto podem

    precisar de medicao, mas trata-se de uma reao de a um estresse, a uma perda

    significativa, e aps a resoluo do luto, havendo a adaptao perda, a pessoa deixa de

    sentir a tristeza profunda que pode ser confundida com depresso, e se tratada como tal

    pode trazer mais prejuzos do que benefcios ao enlutado.

    2.6 Luto e DSM

    O luto no uma doena. Embora possa ser permeado por extrema tristeza e

    com sintomas de depresso, o luto no uma doena e no a mesma coisa que

    depresso. O luto encontra-se no DSM (Manual Diagnstico e Estatstico de

    Transtornos Mentais, que encontra-se na quinta edio) e desde a primeira publicao o

    luto j foi considerado como necessrio de ateno, sendo classificado como outras

    condies que podem ser foco de ateno clnica. (Parkes, 1998)

    No DSM-IV ele considerado como um transtorno de adaptao, e pode ser

    definido pelo conjunto de sintomas emocionais e comportamentais desenvolvidos por

    um ou mais estressor, como alguma doena, morte ou desemprego. Seus principais

    sintomas so: insnia, angstia, isolamento social, anedonia, irritabilidade, fadiga, baixa

    auto-estima, pessimismo, hostilidade, impulsividade e, s vezes, uso de substncias.

    (Manfrinato, 2011)

    Recentemente, estudiosos do luto estiverem presentes em uma polmica que

    envolvia a publicao da quinta edio do DSM, pois essa edio excluiu a regra que

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    27/44

    20

    elimina o luto dos sintomas de depresso. A mudana justificada pela ressalva de que

    os mdicos devero ficar alerta para diferenciar o luto normal do diagnstico de uma

    doena mental e outra ressalva para o fato de que a depresso e o luto podem coexistir.

    (Kupfer, 2013) Contudo, essa questo levanta outra preocupao, pois uma pessoa que

    est de luto por ao menos duas semanas pode ser diagnosticada com depresso, e poder

    ser medicada para isso. preocupante que pacientes enlutados sejam medicados sem

    necessidade, uma vez que o medicamento pode deixar a pessoa em uma situao em que

    no seja possvel vivenciar de fato as contingncias, e isso, como j vimos, um fator

    de risco para um luto complicado.

    2.7 Mediadores do luto

    Alm das tarefas do luto, Worden (2013/1932) apresenta em seu livro

    mencionado, uma seo muito interessante em que vai elencando fatores que

    influenciam a vivncia do luto, pois sabe-se que esses efeitos so muito diferentes. Para

    algumas pessoas o luto uma experincia muito intensa, para outros muito leve; para

    alguns o luto comea com o comunicado sobre a morte, e para outros trata-se de uma

    experincia adiada. E at mesmo sobre o fim do processo, os autores no tem um

    consenso. Bowbly (1980) e Parkes (1998) so unnimes ao afirmar que o luto acaba

    quando a pessoa acaba o processo de restituio. Para Worden (2013/1932) o luto acaba

    quando a tarefas do luto so cumpridas. Alguns autores falam de perodos, quatro

    meses, um ano, dois anos. comum falar-se em um ano pelo menos, pois quando o

    enlutado vive com a ausncia do morto, ao menos uma vez, todas as comemoraes e

    datas importantes de um ano.

    Um dos mediadores do luto refere-se ao vnculo, a quem era a pessoa que

    morreu, qual era o relacionamento entre elas, seus conflitos, suas conquistas juntos, ou

    seja, de que forma ocorria o relacionamento. Essa questo muito importante, pois mais

    importante que parentesco ou tempo de convivncia a intensidade do vnculo um fator

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    28/44

    21

    fundamental na magnitude do luto. Outro mediador a condio da perda, como a

    pessoa morreu: inicialmente fala-se da sigla NASH (natural, acidental, suicdio e

    homicdio), e sobre fatores de como ocorreu: se foi repentina ou inesperada, se envolvia

    uma grande distncia fsica ou se foi em local prximo, se a morte foi violenta e/ou

    traumtica, se envolve mltiplas perdas, mortes evitveis, perdas ambguas, mortes

    estigmatizadas (que normalmente esto relacionadas com o luto no autorizado).

    (Worden, 2013/1932)

    Outra questo refere-se aos antecedentes histricos: idade, gnero, histria de

    como a pessoa resolve seus problemas e suas estratgias de enfrentamento. importante

    a investigao da histria prvia em relao a transtornos psiquitricos, tentativas de

    suicdio e abuso de drogas, se existe uma rede social de apoio, se houve ganhos

    secundrios com a perda (bens materiais por exemplo), e se existem estressores

    concorrentes: outras questes que j aconteciam antes da perda ou que se intensificaram

    com a perda, como por exemplo outras perdas. Outra questo muito importante so os

    rituais: evidentemente que no existe um ritual especfico obrigatrio, pois isso vai

    depender das crenas de cada pessoa, mas fato que os rituais aps a morte ajudam na

    elaborao do luto, na medida em que funcionam como uma homenagem, uma

    celebrao ao morto, e uma confirmao de que aquilo realmente aconteceu. (Worden,

    2013/1932)

    Todos esses mediadores nada mais so que descritores das contingncias que

    vo mediar a interpretao da perda pelo enlutado. Uma leitura correta do ambiente ir

    facilitar a compreenso do ocorrido, e minimizar as chances de que a morte esteja

    envolvida com culpa, o que muito comum de acontecer. Alm disso, essa leitura do

    ambiente, que pode ser direcionada pelo terapeuta durante o processo teraputico,

    envolve ainda a adaptao e a programao de contingncias futuras que facilitem a

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    29/44

    22

    resoluo do luto. E naturalmente que a histria de vida, o repertrio comportamental e

    a variabilidade comportamental vo mediar esse enfrentamento.

    3.Interpretaes do luto a partir de conceitos comportamentais

    A literatura cientfica em psicologia experimental dispe de vrios conceitos

    construdos e validados em laboratrios que descrevem a forma como nos relacionamos

    com o mundo. Essa seo exige algum conhecimento prvio desses conceitos que

    podem ser adquiridos com a literatura especializada. (cf Skinner, 1978, Keller &

    Schoenfeld, 1966, Sidman, 1976, Miguel, 2000)

    Para interpretarmos as reaes diante uma perda fala-se em controle de

    estmulos. Pois sabemos que processos psicolgicos, como a memria, ateno e

    percepo, esto envolvidos com a compreenso das relaes entre estmulos e

    ambiente, que so selecionados por meio de contingncias de reforamento. E estar

    atento a algo, prestar ateno/estar atento a/focar a ateno sobre, nada mais que um

    comportamento operante, controlado por suas consequncias e estmulos antecedentes.

    (Strapasson & Dittrich, 2008)

    Portanto, diante de uma perda, de algo ou algum com o qual havia um vnculo,

    a ateno fica focada naquilo, nas lembranas do vnculo, e em qualquer outro tipo de

    estmulo que tenha uma equivalncia funcional ou semelhana fsica com o objeto ou

    pessoa perdida. Lembrar ver na ausncia da coisa vista, e comum que o enlutado

    lembre de muitas coisas relacionadas a perda, e que at pense ver de fato a pessoa, uma

    vez que h uma sensibilidade alterada que faz com que o enlutado fique sob controle de

    estmulos que lembrem o morto.

    Por exemplo, uma me, aps perder o filho adolescente pode jurar que viu a

    bicicleta do filho na porta do supermercado, quando na verdade s uma bicicleta

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    30/44

    23

    parecida. Um vivo pode se chatear por sentir a todo momento cheiro de comida, como

    quando sua mulher cozinhava, e na verdade o cheiro esteve sempre presente, vindo de

    outras casas prximas, mas ele nunca havia percebido at a morte de sua mulher. Ou at

    mesmo, morre um cachorro querido, e seu dono comea a reparar e achar que existem

    muitos cachorros pela rua e isso lhe traz sofrimento; e na verdade os cachorros sempre

    estiveram l, mas antes no faziam parte do ambiente do dono.

    Conforme j apontado podemos falar em termos de extino sobre o processo

    que ocorre diante uma perda. Se pensarmos que a extino uma operao que

    suspende o reforo, e que a perda trata-se da retirada de um reforador crtico para a

    pessoa, podemos interpretar a extino operante como similar reao de luto. A tabela

    1, adaptada do trabalho de Fagundes (2012) ilustra a comparao:

    Tabela 1.Comparao entre as fases do luto e as fases da curva da extino.Fases do luto Kluber-Ross Fases da curva de extino

    Negao Burst1

    Raiva Agressividade adjuntiva

    Barganha Variabilidade comportamental

    Depresso Diminuio da taxa de respostas acompanhada de respondentes

    Aceitao Retorno ao nvel operante

    Da mesma forma, se pensarmos que operao estabelecedora so operaes,

    eventos, que estabelecem ou modulam o valor de um determinado estmulo como

    reforador, podemos dizer que a morte pode se tornar uma operao estabelecedora, de

    privao e/ou estimulao aversiva. Parkes (1998) que no compartilha da literatura

    comportamental apresenta trechos que nos fazem pensar que a comparao faz sentido:

    1Burst o jorro constante de respostas mesmo na ausncia da apresentao do reforo (Bravin, 2008,p. 8)

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    31/44

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    32/44

    25

    um acontecimento real, ou at mesmo com a criao de uma falsa relao contingente

    entre esses eventos, pela criana.

    Portanto, indicado, tanto a pais quanto educadores, que haja muita

    transparncia, pois por mais que os adultos tentem esconder seu sofrimento, ou tentem

    poupar a criana, fato que o sofrimento existe e que a criana sente. Kovcs (2010)

    aponta que as crianas buscam o adulto como apoio, que pode acolher e legitimar seus

    sentimentos, responder perguntas, em uma tentativa de ordenar o mundo que fica

    abalado aps perdas significativas. Mas muitas vezes no h esse espao, nem na

    famlia e nem na escola, e essa falta de esclarecimentos pode levar a consequncias

    ruins para a criana e dificuldades no processo de luto. Participar dos rituais, do velrio,

    por exemplo, faz a criana se sentir parte da famlia, e da situao pela qual a famlia

    est passando.

    Ademais, podemos falar acerca do desamparo aprendido, que refere-se a dados

    experimentais que demonstram a dificuldade de aprendizagem operante apresentada por

    organismos que tiveram experincia prvia com eventos aversivos incontrolveis.

    Impede-se que os animais aprendam uma resposta de fuga e esquiva - aprendizagem

    operante. (Hunziker, 2003) E esse modelo inclusive comparado com um modelo

    animal de depresso, que demonstra a impossibilidade de controle sobre o meio.

    comum, no senso comum falar que diante a morte temos a sensao de impotncia, de

    que nada podemos fazer, e nesse sentido que feita a comparao com o desamparo

    aprendido.

    Por fim, importante ressaltar que todas essas comparaes so meras

    especulaes tericas criadas a partir de conceitos disponveis e construdos pela

    psicologia experimental, e analisado mediante a literatura que mostra algumas

    regularidades na reao ao luto. So interpretaes que trazem indcios e incentivo para

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    33/44

    26

    que haja pesquisas empricas que possam, ou no, atestar com alguma veracidade essas

    comparaes.

    4. Anlise funcional do luto

    Conforme apontado, a anlise funcional um instrumento extremamente

    importante para anlise e interveno na clnica comportamental. Fernandes & Lopes

    (2010) apresentam uma anlise muito coerente: com relao ausncia por morte de um

    ente querido, respostas de enfrentamento so emitidas e diversificadas, constituindo-se

    numa classe operantes que tm como consequncia evitar, minimizar, terminar com os

    aversivos ou produzir mais punitivos. Nesse caso, o processo de enlutamento pode ser

    complexo, longo e doloroso, chegando a nveis disfuncionais quando no finalizado

    de maneira adequada.

    Para Guilhardi (2013) preciso ter sempre em conta que as funes que os

    eventos tm para cada pessoa so construdas socialmente, como resultado da ao de

    contingncias de reforamento. Dessa forma, retific-las implica em desconstruir e

    reconstruir, e ocasionar novas contingncias de reforamento ou novas inter-relaes

    entre contingncias. E mais que isso, o terapeuta no pode simplesmente desejar mudar

    as funes dos eventos, pois h necessidade de conhecer seus determinantes e manej-

    los apropriadamente.

    Guilhardi (2013) em uma anlise sobre o perdo faz uma anlise muito valiosa

    sobre um caso descrito em seu texto que envolve perdas em um relacionamento

    amoroso. A citao apresenta uma anlise funcional que descreve o caso de Maria, que

    foi trada pelo marido:

    Maria somente ter perdoado plenamente se sua dor se esvanecer.

    Uso o termo esvanecer para destacar que a dor diminui

    gradativamente at nveis suportveis. A dor no cessa abruptamente,

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    34/44

    27

    pois os sentimentos se alteram lentamente, seguindo os princpios

    comportamentais que regulam os processos de extino operante e

    respondente. Maria conservar, provavelmente, o comportamento de

    se lembrar do ocorrido, mas sem a terrvel moldura do sofrimento.

    Lembrar, neste episdio, significa: 1. ver na ausncia do episdio

    visto; 2. imaginar quais foram os comportamentos de Joo, uma vez

    que Maria no teve acesso e no pode ter visto o que ocorreu

    exatamente; 3. repetir para si mesma os tatos verbais expressos por

    Joo; 4. ampliar os tatos de Joo com seus prprios tatos: ela faz a si

    mesma questes sobre o que ocorreu, porque ocorreu, como ocorreu,

    com que intensidade ocorreu, quando ocorreu e emite suas prprias

    respostas, uma vez que as apresentadas por Joo no a convencem.

    Pensar, ver as cenas, imaginar situaes ocorridas etc., sem

    consequncias sociais e ambientais reais, fazem parte dos longos

    processos de extines respondente e operante. Longos e dolorosos!

    (p. 9)

    Nesse sentido que vlido destacar a FAP (Terapia Analtico Funcional), que

    aponta que a esquiva de sentimentos obtida por meio de contatos reduzidos com as

    variveis de controle para os comportamentos clinicamente relevantes, o que por sua

    vez diminui a oportunidade para a aquisio de novo comportamento.

    (Kohlenberg & Tsai, 2001) A esquiva de sentimentos muito comum em casos de luto,

    pois a estimulao aversiva frequente impede que o enlutado entre em contato com os

    sentimentos extremamente dolorosos.

    E nesse caso, a FAP demonstra que a explicao que dada ao cliente, o

    enlutado, que muito importante entrar em contato com os sentimentos, e no deve

    envolver apelos tais como: bom colocar para fora, liberar aqueles sentimentos

    reprimidos ou, Se voc segur-los eles vo sair de outro jeito. Ao invs disso dito

    ao cliente que a emoo apenas um produto eventual do lidar com os problemas, ou de

    entrar em contato com estmulos importantes. A ausncia de emoo, entretanto, um

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    35/44

    28

    problema srio indicando uma esquiva que interfere com a terapia e tambm interfere

    em outras reas da vida do cliente. (Kohlenberg & Tsai, 2001)

    Portanto, a FAP mostra que a expresso emocional crucial, no porque seja

    curativa por si mesma, mas porque serve para mostrar que o cliente est em contato com

    variveis de controle importantes, e que novos comportamentos podem agora ser

    aprendidos. A citao seguinte mostra o caso de um paciente que fala sobre a perda de

    Jesse, e mostra que preciso entrar em contato com as contingncias aversivas e lidar

    com elas, e se encaixa perfeitamente para casos de luto:

    importante que voc se deixe entristecer, porque se voc evitar

    pensar, sentir, falar sobre Jesse, voc acabar evitando muitas coisas,

    tais como atividades que vocs faziam juntos ou encontrar novos

    homens, coisas estas que poderiam aflorar quaisquer sentimentos

    sobre ele. Evitando todas essas coisas, no apenas a riqueza da sua

    vida que sofrer interferncia, mas voc tambm no ter

    oportunidade de imaginar o que acontece de errado e de aprender

    novas formas de lidar com algum prximo a voc quando problemas

    semelhantes aparecerem. (Kohlenberg & Tsai, 2001, p.253)

    5. Terapia Comportamental do Luto

    A Terapia do Luto indicada para queixas clnicas que envolvam qualquer tipo

    de perda, seja por morte, fim de relacionamento ou mudana de pas. Est relacionada a

    alguns procedimentos e tcnicas especficas, e muitas delas so usadas por diversos

    tipos de abordagens tericas, contudo com diferentes interpretaes dos resultados e

    consequente programao de intervenes diferenciadas. Pode ser feita em diversas

    modalidades.

    Existem, incialmente, a possibilidade de grupos educativos e preventivos, que

    tem o objetivo de trazer reflexes sobre a morte, perdas e luto, como um fator de

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    36/44

    29

    proteo para lidar com as reais ocorrncias desses eventos durante a vida. Alm da

    modalidade grupo pode ser realizado um trabalho individual e at mesmo com carter

    teraputico. O grupo pode ser tambm teraputico e costuma trazer bons resultados, pois

    o compartilhamento da dor muitas vezes minimiza as contingncias aversivas

    envolvidas.

    Ser apresentado um modelo de grupo de reflexo sobre a vida e a morte, em

    dez encontros2. A tabela 2 apresenta uma descrio das atividades de cada encontro,

    que envolviam vivncias, atividade em que os participantes do grupo deveriam fazer

    atividades e traz-las para discutir com o grupo, como escrever cartas e trazer objetos

    pessoais.

    Tabela 2.Descrio dos encontros do grupo educativo de reflexes sobre a vida e a morte.Primeiro encontro Apresentao dos terapeutas e dos participantes, integrao e

    levantamento de expectativas.Segundo encontro Vivncia 1: Sobre a vida a morte e o morrer (discusso da

    banalizao da morte, representaes de perdas, morte, luto e

    vida.)Terceiro encontro Vivncia 2: Perdas passadas (compartilhamento do lbum de

    retratos de pessoas falecidas e carta ao morto)Quarto encontro Discusso das Tarefas do luto: Ele morreu? Por que? Preciso falar

    sobre isso? Perdas e ganhos aps a sua morte? Qual o meu projetode vida na ausncia dele?

    Quinto encontro Vivncia 3: Minha morte (cinco objetos que caracterizem oparticipante, carta sobre a prpria morte, visita ao cemitrio)

    Sexto encontro Discusso sobre os rituais de passagem, e a criana e a morte.

    Stimo encontro A boa mortediscusses de biotica.Oitavo encontro Perdas futurasobjetos da pessoa escolhida e carta de despedidapara algum que ainda no morreu.

    Nono encontro Discusso e Retomada das primeiras vivncias.

    Dcimo encontro Retomada das discusses e encerramento.

    2Atividade realizada pela prof. Alessandra de Andrade Lopes como atividade extracurricular no curso de

    Psicologia da Unesp-Bauru.

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    37/44

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    38/44

    31

    uma questo temporal, pois se encaminha para o trmino da vida, e porque trata-se de

    um perodo de muitas perdas: a perda da juventude, da capacidade fsica e diversos

    declnios comuns, na viso e audio por exemplo. Mas isso no quer dizer que no haja

    sofrimento ou que seja fcil aceitar a morte na terceira idade. E mais uma vez, fica

    ntida a importncia de que haja um repertrio de aprendizagem para lidar com perdas,

    morte e luto.

    Em 1985, o principal expoente do Behaviorismo, B.F. Skinner, publicou em

    parceria com a colega M.E. Vaughan o livro Viva bem a velhice: aprendendo a

    programar a sua vida.Nesse livro eles apresentam reflexes sobre a velhice, como

    ocorre o contato com o mundo durante a velhice, com passado e lembranas, com as

    mudanas fsicas corporais, os pensamentos, a necessidade de manter-se ocupado,

    organizar-se no dia a dia, a relao da convivncia com as pessoas, estar bem consigo

    mesmo, o papel de velho na sociedade, e, por fim, o medo da morte. A citao a seguir

    descreve o cerne do livro:

    Num roteiro que funciona bem, voc viver relativamente livre de

    aborrecimentos, ter chances de fazer vrias das coisas que aprecia e

    menos razes para fazer o que no gosta. O senso de humor dar conta

    de alguns aborrecimentos remanescentes. Seria mais fcil voc

    conseguir boa parte disso, se voc tivesse sido preparado quando era

    jovem. Tal preparo teria sido mais provvel, se voc tivesse olhado

    para a velhice que se prenunciava no futuro, no como algo a sertemido, mas como um problema a ser resolvido. (Skinner &

    Vaughan, 1985, p. 112)

    As reflexes so muito interessantes e servem como uma leitura no tcnica para

    qualquer idade. A ideia geral do livro pensar em planejamento, em como nossas aes

    dirias refletem nessa fase da vida. Apresenta-se que planejar nossa vida e nossa velhice

    aumenta as chances de uma vida saudvel, buscando identificar e lidar com as

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    39/44

    32

    dificuldades. Ao final do livro o tema da morte abordado, como um final necessrio, e

    falando-se sobre o medo da morte. Os autores apontam que grande parte do problema

    est na incerteza da morte, pois algo com o qual no aprendemos por experincia

    pessoal. Os autoresressaltam que:

    ...a nica coisa que devemos temer da morte, o medo da morte que

    nos impede de viver bem nossas vidas. Se, depois da morte, voc vier

    a ser recompensado ou castigado pelo que fez em sua vida, e se no

    est bem seguro de como ser, talvez deva tomar cuidado para no

    ficar sempre lembrando que um dia morrer (memento mori), sob

    pena de provavelmente desfrutar menos da vida. (p. 97 )

    Skinner & Vaughan (1985) sugerem que provavelmente melhor no pensar na

    morte. Mas acredita-se que esse argumento contraditrio com a linha de raciocnio

    exposta durante todo o livro. Talvez os autores estivessem se esquivando de tratar a

    morte como qualquer outro tema trabalhado no livro, que envolve a perspectiva de

    conhecimento e planejamento para a vida. Pois durante todo o livro apresenta-se que

    devemos ter conhecimento das mudanas ocorridas nas contingncias, para ajudar a

    lidar com elas e programar uma vida saudvel. Fica o questionamento: se os autores

    afirmam que o medo da morte pode atrapalhar o desfrute da vida, porque no refletir

    sobre a morte, para lidar com esse medo e justamente valorizar a vida?

    E com essa perspectiva que acredita-se que devamos encarar a morte, tanto

    como profissionais quanto em qualquer outro papel de nossas vidas. Pois acredita-se

    que, quanto mais pensamos na morte mais temos motivos para prestar ateno vida, e

    viv-la com qualidade. A partir do momento que reflexes sobre a morte esto presentes

    no repertrio de um indivduo mais provvel que ele se exponha s contingncias

    aversivas que envolvem perdas e consiga lidar melhor com elas. O sofrimento

    inevitvel, mas uma mudana no controle de estmulos pode facilitar a vivncia de uma

    grande dor.

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    40/44

    33

    Consideraes Finais

    O presente trabalho teve como objetivo apresentar as principais contribuies na

    Terapia do Luto, inicialmente contextualizando o tema de perdas, morte e luto, trazendo

    os materiais disponveis na literatura e apontando o olhar da Anlise do

    Comportamento. Acredita-se que a Terapia Comportamental tem uma base terica que

    lhe permite estudar qualquer tipo de queixa clnica, e que a anlise funcional continua

    sendo um instrumento valioso tambm nas queixas relacionadas ao luto.

    de extrema importncia o conhecimento dos tipos de luto, dos mediadores do

    luto, e das consequncias a longo prazo que podem aparecer se no houver um

    acolhimento cuidadoso para tais queixas. tentador e pode parecer uma boa opo a

    esquiva dos sentimentos de dor e saudade, que poderiam ser uma boa opo com outro

    tipo de queixa. Mas no caso do luto importante que o terapeuta conduza a manuteno

    do contato do cliente com as contingncias aversivas do luto e que possa direcion-lo,

    seja por meio das tarefas, da explicao das fases do luto e de qualquer outra estratgia

    que possibilite a vivncia do luto, para que se alcance a resoluo do luto, a

    reorganizao da vida e a investida em uma vida saudvel.

    E vale ressaltar que para trabalhar com questes de luto o terapeuta precisa ter

    passado por esse passado de aprendizagem sobre os tipos e determinantes do luto, as

    representaes de morte, ou seja, entrar em contato com sua prpria morte por meio das

    reflexes sugeridas, para ter em seu repertrio esse enfrentamento baseado na premissa

    de que importante refletir sobre a morte, justamente porque assim estamos buscando

    que a vida seja de qualidade e nos colocando de frente diante os acontecimentos da vida,

    que vez ou outra no podem ser evitados.

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    41/44

    34

    Referncias

    Aris, P. (2003).Histria da morte no ocidente (P. V. Siqueira, Trad.). Rio de Janeiro:Ediouro. (Original publicado em 1975)

    Bowlby, J. (1980)Apego e perda: tristeza e depresso. So Paulo: Martins Fontes.

    Bravin, A. A.Extino operante como procedimento aversivo: avaliao de seus efeitoscom o Labirinto em Cruz Elevado.Dissertao (Mestrado). Programa de Mestrado emCincias do Comportamento (Anlise do Comportamento) do Instituto de Psicologia daUniversidade de Braslia, 2008.

    Catania, A. C. (1999) Aprendizagem: comportamento, linguagem e cognio. PortoAlegre: Artes Mdicas.

    Combinato, D.S., Queiroz, M.S. (2006) Morte: uma viso psicossocial. Estudos dePsicologia, 11 (2), 209-216.

    Delitti, M. (Org.). (1997).Anlise funcional: o comportamento do cliente como foco da

    anlise funcional. In: Delitty, M.(Org.) Sobre Comportamento e Cognio, Vol. 2. Capt,6. So Paulo: Arbytes.

    Fagundes, F. (2012)Luto no virtual: verificao da relao entre as fases do luto e aextino operante a partir da vivncia compartilhada em uma rede social virtual. Trabalho de concluso de curso. Centro Universitrio Luterano de Palmas. Palmas,2012.

    Fernandes, V. Lopes, A.A. (2010, outubro) Anlise funcional de comportamentos deculpa e de enfrentamento de mes e pais enlutados. Anais da I Jornada de Anlise doComportamento de Bauru. Bauru, SP, Brasil.

    Filipakis,C. D., Fagundes, F.; Teixeira, I.; Almeida, R. C.; Stakoviak, F. H. M. (2006) Oluto no virtual. Psicoinfo: Seminrio Brasileiro de Psicologia e Informtica. Caderno deResumos. PUC-SP. So Paulo.

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    42/44

    35

    Franco, M.H.P. (2007) Atendimento Psicolgico a Vtimas e Equipes. Mesa Redondaapresentada no Segundo Simpsio Brasileiro de Desastres Naturais e Tecnolgicos.Santos.

    Franco, M.H.P. (Org.) (2010) Formao e rompimento de vnculos. O dilema dasperdas na atualidade. So Paulo: Summus.

    Gimenes, L.S. (2012) Anlise do Comportamento e outros sistemas. Boletim ContextoABPMC, Disponvel em:http://abpmc.org.br/site/boletim/dez12/full.html

    Guilhardi, H.J. (1997) Vol 1 Capt. 33, p. 322-337 Com que contingncias o terapeutatrabalha em sua atuao clnica? In: Banaco, R. A. (Org.). (1997). Sobrecomportamento e cognio: Vol. 1. So Paulo: Arbytes.

    Guilhardi, H.J. (2013) Perdo em uma perspectiva comportamental. Instituto deTerapia por Contingncias de Reforamento. Campinas SP. Disponvel em:http://www.itcrcampinas.com.br/txt/perdao.pdf

    Hoshino, K. . A perspectiva biolgica do luto. In: Helio Jos Guilhardi; NoreenCampbell de Aguirre. (Org.) Sobre Comportamento e Cognio: 2006, v. 17, p. 313-326.

    Hubner, M.M.C., Moreira, M.B. (2012)Temas clssicos da Psicologia sob a tica daAnlise do Comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.

    Hunziker, M.H.L. (2003) Desamparo aprendido. Tese apresentada ao Instituto dePsicologia da Universidade de So Paulo como parte dos requisitos para obteno do

    ttulo de Livre Docente. So Paulo.

    Keller, F. S., & Schoenfeld, W. N. (1966).Princpios de psicologia. So Paulo, SP:EPU. (Original publicado em 1950)

    Kohlenberg, R. J., Tsai, M. (2001). Psicoterapia Analtica Functional (FAP): CriandoRelaes Teraputicas Intensas e Curativas. Santo Andr, SP: ESETEc (Originalpublicado em 1991)

    http://abpmc.org.br/site/boletim/dez12/full.htmlhttp://abpmc.org.br/site/boletim/dez12/full.htmlhttp://abpmc.org.br/site/boletim/dez12/full.htmlhttp://www.itcrcampinas.com.br/txt/perdao.pdfhttp://www.itcrcampinas.com.br/txt/perdao.pdfhttp://www.itcrcampinas.com.br/txt/perdao.pdfhttp://abpmc.org.br/site/boletim/dez12/full.html
  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    43/44

    36

    Kovcs, M.J. (2003)Educao para a Morte. Temas e Reflexes. So Paulo: Casa doPsiclogo.

    Kovcs, M.J.(Org.) (2008) Morte e Desenvolvimento Humano. So Paulo, Casa do

    Psiclogo.

    Kovcs, M.J. (2010)A morte no contexto escolar: desafio na formao de educadores.Em: Franco, M.H.P. (Org.) Formao e rompimentos de vnculos: o dilema das perdasna atualidade. So Paulo: Summus.

    Kubler-Ross, E. (2005). Sobre a morte e o morrer(Paulo Menezes, Trad.). So Paulo:Martins Fontes. (Original publicado em 1996)

    Kupfer, D. (2013) O DSM-5 o melhor que temos para diagnosticar os transtornosmentais. Entrevista ao site de Veja. Disponvel em:http://veja.abril.com.br/noticia/saude/o-dsm-5-e-o-melhor-que-temos-para-diagnosticar-os-transtornos-mentais Acesso em: 01 fevereiro 2014.

    Manfrinato, M.G. (2011) Psicologia e DSM. Trabalho apresentado no Curso deAprimoramento: Teoria, Pesquisa e Interveno em Luto, 4 Estaes Instituto dePsicologia. So Paulo-SP.

    Miguel, C.F. (2000) O conceito de operao estabelecedora na Anlise doComportamento.Psicologia: Teoria e Pesquisa. Vol. 16 n. 3, pp. 259-267

    Parkes, C. M. (1998).Luto: Estudo sobre a perda na vida adulta. (M. H. F. Bromberg,

    Trad.). So Paulo: Summus Editorial. (Original publicado em 1996)

    Rando, T.A (1993) Treatment of complicate mourning. Illinols: Research Press.

    Saunders, (1999) Grief. The Mourning After: Dealing with Adult Bereavement. (2nded.). New York: Jonh Wiley & Sons, Inc.

    Sidman, M. Tticas da pesquisa cientfica. So Paulo: Brasilience, 1976.

  • 7/21/2019 Terapia Do Luto Contribuies

    44/44