teorização da prática pedagógica por professores e...
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MARIA APARECIDA DA SILVA DAMIN
Teorização da Prática Pedagógica por
Professores e Gestores, em Escolas Públicas
de Campinas, SP
CAMPINAS
2015
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iv
Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas Biblioteca da Faculdade de Educação
Rosemary Passos - CRB 8/5751
Informações para Biblioteca Digital
Título em outro idioma: Theorization of teaching practice by teachers and managers of public schools of Campinas, SP
Palavras-chave em inglês: Teachers
Experimentation
Desire
Chaos
Meeting (Social customs) Writing
Área de concentração: Psicologia Educacional
Titulação: Doutora em Educação
Banca examinadora: Afira Vianna Ripper [Orientador] Américo Grisotto
Guilherme do Val Toledo Prado
Maria de Fátima Garcia Silvio Donizetti de Oliveira Gallo
Data de defesa: 11-02-2015
Programa de Pós-Graduação: Educação
Damin, Maria Aparecida da Silva, 1954- D184t DamTeorização da prática pedagógica por professores e gestores, em Escolas
Públicas de Campinas, SP / Maria Aparecida da Silva Damin. – Campinas, SP:
[s.n.], 2015.
DamOrientador: Afira Vianna Ripper. DamTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de
Educação.
1. Professores. 2. Experimentação. 3. Desejo. 4. Caos. 5. Encontro (Costumes sociais). 6. Escrita. I. Ripper, Afira Vianna,1936-. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. III. Título.
v
vii
RESUMO
Este estudo mapeia produções de professores e gestores, da Secretaria Municipal de Educação
de Campinas, SP, no curso de Especialização “A Pesquisa e a Tecnologia na Formação
Docente”, da Faculdade de Educação da Unicamp, nos anos de 2008 e 2009. Ao seguir os
fluxos de desejo, na contingência cotidiana, problematizando e teorizando práticas, gera-se um
processo educativo caótico, constituído por campos intensivos, que denominei “Processo
Educação Caos”, caracterizado pela instabilidade e incerteza. Na tentativa de encontrar rastros
de campos intensivos detonadores da educação como devir a impulsionar a experimentação de
outras maneiras de se atuar na escola, transito nas produções escritas dos professores, gestores
e em teorizações de alguns filósofos como Gilles Deleuze & Félix Guattari, Michel Foucault,
Silvio Gallo, Baruch Spinoza, Antonin Artaud, Jacques Derrida, dentre outros. Alguns campos
intensivos gerados nos encontros se mostram a aumentar a força de ação à maneira de Spinoza
tais como: “a potência do desejo”, “os encontros alegres”, “o exercício da escrita” de forma
livre. O seguir fluxos de desejo na problematização e teorização da pratica cotidiana pelo
professor e gestor, no apreender via problematização de temas de interesse no dia a dia da sala
de aula por alunos e professores. Os “encontros”, que podem ser com qualquer coisa que
aumente a força de existir e o exercício da escrita como o vento a soprar registros castradores
da razão, marcados em nossos corpos por certa maneira de escrita vivida na escola. A
produção de saberes nesse processo pedagógico se dá de forma transversal, portanto um
currículo, aberto, em constante devir. No processo de escrita o que está naturalizado na escola
passa a ser visto por outros ângulos, questões são postas a nu, o que pode impulsionar a busca
por outras maneiras de fazer na escola, vida.
Palavras-chave: Professores, Experimentação, Desejo, Caos, Encontros, Escrita.
ix
ABSTRACT
This study maps the production of teachers and school administrators from the Campinas
Department of Education, São Paulo of a specialization course “The Research and Technology
in Teacher Education”, given by the Faculty of Education at UNICAMP during 2008 and
2009. Following the flows of desire in the daily contingency, discussing and theorizing
practices generates a chaotic educational process, consisting of intensive fields which I have
called “Process Education Chaos”, characterized by instability and uncertainty.
In an attempt to find traces of intensive fields of detonators of education as obligation, capable
of boosting other experiments of acting in school, I go back and forth between the teachers
and managers’ written productions and the theories of philosophers; such as, Gilles Deleuze,
Félix Guattari, Michel Foucault, Silvio Gallo, Baruch Spinoza, Antonin Artaud, Jacques
Derrida, among others. Some intensive fields generated during meetings showed a growing
rise on its action force similar to Spinoza’s theories, for example, “the power of desire”, “the
gay encounters”, “the exercise of writing” in a free manner. It follows the flow of desire on
the discussion and theorization about the daily school practice, both by teachers and managers.
The “encounters” which may be related to anything that increases the strength of existence and
the exercise of writing, which, as the wind blows away castrating records of reason, our minds
have been marked by the certain way that Writing was taught in school.
The knowledge production on such an educational process goes across the board and in a
transversal manner. It happens in the curriculum, which is open, and is constantly changing.
The process of writing, that which is taken for granted in school, comes to be seen from
different angles. It begins to see questions that be put openly which can boost the search for
different ways of facing what has to be done at school.
Key words: Teachers, Experimentation, Desire, Chaos, Meetings, Writing
xi
SUMÁRIO
Panorama dos campos intensivos... 01.
Problematização... 12.
Rastros do Percurso... 13.
Organização dos campos intensivos... 14.
Campo intensivo 1. A Potência do “Desejo” no Processo Educativo... 15.
Processo Educação Caos... 26.
Campos intensivos e algumas ressonâncias... 32.
Campos eletromagnéticos e mórficos... 33.
Campo intensivo e plano de imanência... 36.
Aparelho de controle institucional e espaço nômade... 39.
Campo intensivo 2. Prática Educativa e Teorizações do Cotidiano... 47.
“Encontros” a gerar campos intensivos no contingente cotidiano... 58.
Currículo em devir... 66.
Apreendendo a realidade cotidiana... 73.
Campo intensivo 3. O exercício da Escrita e o Corpo sem Órgãos de Artaud... 85.
Experimentação na escrita... 94.
Campo intensivo 4. Problematizar, Compor Afetos e Devir... 113.
Bibliografia... 127.
Anexos: Brincando com as ideias... Palavras... Poesias... 143.
xiii
A todos que partilham processos de produção coletiva, a criar “bons encontros”... A aumentar a potencia de ação no ambiente da escola... A disparar
partículas na invenção de vidas possíveis...
O que pode uma mistura de sonhos?
No exercício do olhar... Desvia o foco Mergulha nas águas do caudaloso rio
A irromper... Estórias e ecos De homens, tempos e lugares...
Na Cartografia, pesquisa e cria Experimenta seguir a si mesmo
Ainda, que impregnado do alheio Conhece o rumo do sonho... No Ser Professor!
A criar estratégias e desviar o curso do rio
A Delinear novos horizontes e descortinar o inimaginável As multivozes constituem e desconstituem
Atravessa pontes! Revê posturas... Reinventa o cotidiano Com Estilo! Desliza por diferenças...
A embalar Corpos na dança por trilhas mais amorosas...
Multicolorido de bolas e corpos a flutuar no ar
Desvenda os mistérios do “eu” no “outro” Ao sopro de abalos e rajadas repensa o existir
Rompe fluxos silenciosamente Ao caminhar pela vila
Na urdidura do tecer
Por entre grãos movediços A inexplicável magia da escrita
Misturas de sonhos a mover a trama Em tempo e vida! Presente com laço de fita!
A viver, sonhar e brincar...
Ao som de Ravel!
Maria A. S. Damin e Miriam B. Camargo
xv
Dedico...
A todos que ao seguir fluxos de desejo na contingência cotidiana, escolhem “encontros” mais alegres e amorosos...
xvii
GRATIDÃO
À vida por ter-me lançado ao “encontro” de pessoas muito especiais, que
impulsionam e encorajam o seguir de “vontades” no apreender... Outras que
embarcam juntas rumo ao “Caos” a experimentar caminhos na prática cotidiana,
vida... São pessoas muito queridas e admiradas... Imensa Gratidão às misturas, em
que fui me tornando...
Ao “convite” da Afira Vianna Ripper, em uma noite qualquer, de 1997, a cansados
professores de uma escola Estadual, para integrar um projeto educativo, associado às
tecnologias da informação, em parceria com docentes da Unicamp - o Projeto Ciência na
Escola. A minha vontade e perplexidade eram enormes, diante da interlocutora, consequência
da mais completa falta de habilidade com computadores. Indaguei-a: “como alguém que não
consegue operar com um mouse poderá utilizar um computador com alunos em sala de aula?”
Responde ela: “Você tem vontade? É só o que precisa, o resto aprende”... Aprendi e ensinei,
tendo-a como parceira... A frase “precisa vontade, o resto aprende” abriu um precedente
sem tamanho, que marcará minha maneira de lidar com as coisas... A orientação e parceria
nos grupos das escolas, no mestrado, nas aulas do curso de especialização “A Pesquisa e a
Tecnologia na Formação Docente” e na cuidadosa orientação neste texto.
Ao insistente “cadê seu projeto de doutorado?”, indagação do Silvio Gallo, repetida
diversas vezes nos corredores da Faculdade de Educação da Unicamp, sem isso com certeza
não teria me aventurado a fazê-lo. A alegre, tranquila e desafiante presença de sempre; no
exame de qualificação, as cirúrgicas sugestões para a reorganização... A clareza e
fecundidade de seus escritos a provocar o repensar da escola e da própria vida..
Ao Américo Grisotto pela atenta e cuidadosa leitura no texto da qualificação...
Sugestões de extrema beleza e delicadeza... Linda grafia que mais parecem notas musicais a
bailar e pontuar “conceitos” em potência..... Pelo desafiador texto a provocar e inspirar....
xix
Ao Guilherme do Val Toledo Prado, que em um momento de extremo desânimo para
continuar, exclamou “você não vai desistir agora!”, encontro de alguns minutos que me
lançaram de volta ao texto. Pela escrita com os professores e gestores, encontro profícuo de
escrita, no refazer do caminho do “como nos tornamos professor” com o problematizar de
práticas... Memorial de formação a embelezar as produções...
À Luciana Palharini por sua alegria, amizade e carinho... Que em um momento de
extremo desespero ajudou a pensar outra organização para este texto...
À Maria de Fátima Garcia pela parceria, no curso de Especialização, na FE,
Unicamp, 2º semestre de 2008... Encontros, conexões a lançar a outros territórios...
Ao professor Joaquim Brasil Fontes pelas acaloradas aulas a viajar na literatura..
Safo de Lesbos... Erasmo de Rotterdam... Antonin Artaud... E infinitos lugares...
Ao Henrique Lima Assis pela carinhosa e delicada revisão e sugestões no texto sobre
a escrita... No entremeio do “pintar o céu.... A abusar daqueles prateados, que associam aos
verdeazulados no horizonte, a deixar o fim do dia muito mais especial para escrever viver,
contemplar, escrever poemas...” Amar... Palavras, vida em nós... Quisera eu conseguir....
Ao professor Antonio Miguel pelas aulas sobre Filosofia da Educação Matemática,
Modelagem Matemática e Etnomatemática, que até hoje fazem parte dos meus cursos...
À Ligia Prando por nossas conversas rizomáticas... Amizade e apoio...
À Nadir Camacho e Rita Lanoux, da Secretaria da Pós-Graduação da Faculdade de
Educação, pela atenção de sempre...
À amiga Dione Pizarro que apensar de anos sem nos vermos continua a provocar e
inspirar...
Ao Carlos Bueno de Moraes Filho pela amizade e apoio incondicional em todos os
momentos...
Aos amigos Walmir Almagro, Elza Fassani, Sahori Yamaki, Marcos Pierossi e Bruno
Y. Pierossi por me lembrarem de que há vida lá fora... Amizade e apoio.
Ao Raulito Ramos por nossos encontros a pensar nossas teses... A proliferar ideias...
xxi
Aos professores e gestores nas disciplinas “A Pesquisa como instrumento
Pedagógico I, II e III”, do curso de Especialização “A Pesquisa e a Tecnologia na Formação
Docente” por nossos alegres, intrigantes, desafiantes e “contagiantes encontros” a
misturar partículas em campos intensivos... Ventos a soprar... A Misturar e disparar
fluxos:
No exercício do olhar à obra de arte na escola, vida... Thelma Ragusa Guimarães;
No desvio do foco das mazelas... Elizandra R. Neves;
No mergulhar do caudaloso rio, na Comissão Própria de Avaliação... Rob Ney Rodrigues;
No irromper de estórias e ecos no mundo da literatura... Ambrosina Castellar Brito;
Na História de homens tempos e lugares... Wolney Colussi;
Na cartografia a criar outros olhares à escola... Claudia Lattarini;
No criar estratégias e desviar o curso do rio... Antonio Carlos Mafra Juliano;
No delinear de novos horizontes... Joana Luzia Olaf;
No Reinventar o cotidiano... Maria de Fátima Garcia;
No descortinar o inimaginável... Denilda Altem;
Nas multivozes, que nos constituem e desconstituem... Rafaela Lopes;
No atravessar pontes e rever posturas... Mariangela Modé;
No embalar de Corpos na dança por trilhas mais amorosas... Silvana Salvador;
No experimentar seguir a si mesma, no Ser Professor... Nair Heerdt;
No estilo a deslizar por diferenças... Ieda Rockenbach;
No multicolorido de bolas e corpos a flutuar no ar... Mariângela Kachan;
No desvendar de mistérios do “eu” no “outro”... Girlene do Nascimento Urbano;
No sopro de abalos e rajadas repensa o existir... Rosana Tinel;
No mapear nascentes, rompe fluxos silenciosamente... José Cícero Alves;
No caminhar pela vila... Valéria M. Catarino;
Na urdidura do tecer... Miriam B. de Castro Camargo;
Por entre grãos movediços... Renato Horta Nunes;
No viver sonhar e brincar... Eliana D’Orázio;
Nos tempos e vida! Presente com laço de fita!... Durival José Gasparotto;
Na inexplicável magia da escrita... A mover a trama... Maria Aparecida Damin;
No som de Ravel!... Afira Vianna Ripper.
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À Secretaria Municipal de Educação de Campinas pela parceria nos cursos “A
Pesquisa e a Tecnologia na Formação Docente” e nos de Etnomatemática...
Às professoras de Educação Infantil e Ensino Fundamental I, do NAED NOROESTE
nos cursos de Etnomatemática pela alegria da criação... No “presente inestimável de um
novo ‘olhar’!” Elaine Nunes... Nas “Mãos que se tocam e misturam a tinta” Angela
Cobacho... “Na Onda, jogos o apreender das crianças” Elck Cristiny... No “Seguir um
bichinho no chão” Késia e Renata... Na “matemática do pandeiro” Érica Alexandrini... Na
“Matemáticantoria dos bebes” Islaine, Maria Elizabeth e Rosangela... Na “geometria das
pipas” Carolina C. Luz... No “ambiente de amorosidade aos bebes” Maria Prietto... Na
“espiral do encaixe de carrinhos” Priscila França... No “Devir - criança” por Marcia Dias...
Ao Wladimir Mesko, Lucia Pegolo Gama, Cristina Criscuolo pela presença na
defesa... Acolhida e apoio no Programa "Pesquisa e Conhecimento na Escola" que acaba de
nascer e já dá pistas de intensos fluxos de desejo a contagiar...
A todos os professores e gestores que cotidianamente reinventam a escola, vida...
À Déa Raquel Ehrhardt Carvalho por nossas conversas e sugestões... À Silvana da
Silva, Aluisio Negrão, Alberto Mello, Marco Millione, Valdinei, Lucelma Dalmolin e Lilian
por nossos acolhedores e adoráveis encontros...
Aos meus pais Francisco (in memorian) e Maria pela vida...
À Adriana e ao Franchine por nossas conversas e apoio de sempre... Ao Onofre,
Luiza e Natália pelo carinho e apoio... Aos irmãos Benedito e Fátima pela dedicação... Ao
Dimas, Ângela e Francisco por nos mostrarem que é sempre possível recomeçar... A todos
pelo apreender no compartilhar...
À Mariana Campinhos pelo carinho...
Ao Plínio Damin pelas sugestões neste texto... Encantamento com a filosofia,
encarnada na própria vida... A descortinar outros modos de vida...
À Virgínia Damin... A neta Sofia Fiorucci... Pela alegria... O apreender da
vida e de mim mesma... Por me mostrarem outros mundos...
1
PANORAMA DOS CAMPOS INTENSIVOS
Mistura Corpo /Ventre...
............
No som do descolar de células / pétalas....
Simplesmente...
A Composição de Corpo / pétalas...
Nas gotas orvalhadas das manhãs.....
..........
Um corpo sem órgãos?
Maria A. S. Damin
Este estudo trata da composição de forças no processo educativo ao se problematizar e
teorizar práticas, no contingente cotidiano, tendo como referência a produção de professores e
gestores da Rede Municipal de Educação de Campinas e os encontros na disciplina: “A
Pesquisa Cientifica como instrumento Pedagógico”, módulos I, II e III, turma B, do curso de
Especialização “A Pesquisa e a Tecnologia na Formação Docente”, da Faculdade de Educação
da Unicamp, em parceria com a SME - Secretaria Municipal de Educação de Campinas, SP,
nos anos de 2008 e 2009.
2
Mapeio suas teorizações de forma um tanto aleatória ao seguir rastros de afetos.
Rastros de afetos que possam detonar uma educação como devir, a impulsionar a
experimentação de outras maneiras de atuar na escola ao seguir fluxos de desejo na
problematização de práticas, o que gera um processo educativo caótico, constituído por
campos intensivos, que denominei “Processo Educação Caos”, caracterizado pela instabilidade
e incerteza. Movimento, em que transito nas produções escritas dos professores, gestores e
teorizações de alguns filósofos como Gilles Deleuze & Félix Guattari, Michel Foucault, Silvio
Gallo, Baruch Spinoza, Antonin Artaud, Jacques Derrida, dentre outros.
Alguns campos intensivos, gerados em encontros apontam para o aumento de nossa
força de ação à maneira de Spinoza como: “a potência do desejo”, “os encontros alegres”, “o
exercício da escrita” de forma livre, que podem detonar uma educação como devir: - ao seguir
fluxos de desejo na problematização e teorização da prática cotidiana pelo professor e gestor; -
o apreender via problematização de temas de interesse, no dia a dia da sala de aula por alunos
e professores; - os “encontros”, que podem ser com qualquer coisa que aumente a nossa força
de existir e, o exercício da escrita como o vento a soprar registros castradores da razão, marcas
em nossos corpos de certa maneira de escrita, vivida na escola, um exercício em direção ao
“corpo sem órgãos” proposto por Artaud.
Proponho a ideia de campos intensivos para pensar a dinâmica de um processo
Educativo caótico, na tentativa de encontrar rastros de intensidades, que apontem para uma
educação como devir. Intensidades que se mostram e se modificam continuamente. Em
constante devir.
Campos intensivos como o oceano virtual, que estamos mergulhados, mas que o
intensificamos ao redor de acontecimentos, perspectivamente como o pensamento para
Nietzsche, em que alguns prevalecem sobre infinitos outros. Essa ideia surge da noção de
campos na ciência, como os mórficos na biologia, os eletromagnéticos na física e
posteriormente os associei com o conceito plano de imanência em Deleuze & Guattari.
Poderíamos dizer um campo de forças virtual com Leibniz, a de que “a força é um virtual em
curso de actualização (de se tornar real), tanto como o espaço no qual se desloca” (DELEUZE
e PARNET, 2004, p.180).
3
O conceito de força foi substituído pelo de campo de forças por Maxwell1 e Faraday,
que “foram os primeiros a ultrapassar a física newtoniana mostrando que os campos têm sua
própria realidade e podem ser estudados sem qualquer referência a corpos materiais, ou seja,
são modificações do próprio espaço” (HAWKING, 2009, p. 43).
Nas “modificações do próprio espaço” campos intensivos se mostram e desaparecem
em torno de acontecimentos como na potência do desejo, nos encontros, no exercício da
escrita, no pensamento filosófico, dentre outros. Desejo como um “corpo sem órgãos” como
propõe Artaud, segundo Deleuze e Parnet (2004) em que partículas e fluxos o percorrem e
escapam tanto dos objetos como dos sujeitos.
Campos intensivos que se formam em fluxos de desejo, acontecimentos no espaço
microssocial, que podem impulsionar ações pedagógicas, em um processo criativo, dinâmico,
produtivo e caótico em termos de organização e gerenciamento. Observei essas características
no Projeto “Ciência na Escola”, desenvolvido com alunos2 e professores da educação básica,
na EE Professor Aníbal de Freitas, que foi estudado no Mestrado, em Damin (2004), processo
educativo, que denominei “Processo Educação Caos”.
Nos anos de 2008 e 2009 observei o delinear de intensidades semelhantes nos
encontros, aulas com um grupo de professores e gestores da rede Municipal de ensino de
Campinas, SP, na disciplina: “A Pesquisa como Instrumento Pedagógico I, II e III”, do curso
de especialização citado anteriormente, “turma B”3, grupo heterogêneo formado por
professores dos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental, diretora, orientadora pedagógica
e coordenadora pedagógica. Esse curso foi oferecido a duas turmas, A e B. Na turma A
1 Em 1865, o físico britânico James Clerk Maxwell combinou todas as leis conhecidas da eletricidade e
magnetismo. A teoria de Maxwell baseia-se na existência de “campos” que transmitem ações de um local para
outro. Ele reconheceu que os campos que transmitem perturbações elétricas e magnéticas são entidades
dinâmicas: podem oscilar e mover-se no espaço.
A síntese do eletromagnetismo de Maxwell pode ser condensada em duas equações que descrevem a dinâmica
dos campos. Ele próprio deduziu a primeira grande conclusão dessas equações que ondas eletromagnéticas de
todas as frequências propagam-se no espaço com a mesma velocidade fixa – a velocidade da luz (HAWKING,
2009, p. 43).
2 Participantes do projeto “Ciência na Escola”, que foi desenvolvido de 1996 até 2005, inserido no programa
especial criado pela FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, visando à melhoria do
ensino público (FAPESP – Linha de Pesquisa Ensino Público), pelo LEIA/FE/UNICAMP/FAPESP. 3 Turma B, porque era nessa turma, que eu participava como monitora da professora Afira Vianna Ripper.
4
estavam os professores dos Ciclos I e II e na B os dos Ciclos III e IV, porém à insistência de
duas professoras dos ciclos I e II, que não podiam participar da turma A e, de duas gestoras
foram agregadas à turma B.
Nessas duas experiências – na educação básica e na pós-graduação o processo
pedagógico se dava a partir de problematizações do cotidiano. O apreender do aluno seguia a
escolha de assuntos de seu interesse e do professor. Uma proposta de aprendizado via
metodologia de pesquisa no cotidiano da sala de aula, tendo como referência o Projeto
“Ciência na Escola”, que foi desenvolvido no LEIA - Laboratório de Educação e Informática
Aplicada da Faculdade de Educação, da Universidade Estadual de Campinas.
Este projeto foi criado em 19964 visando discutir o aprendizado via metodologia de
pesquisa com professores da universidade e de escolas municipais, entretanto em sua segunda
fase participaram também Escolas Estaduais, situadas no município de Campinas, financiado
pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, na linha Auxílio à
Pesquisa – Programa Ensino Público. O objetivo principal era “[...] despertar vocações para as
ciências entre os alunos das escolas públicas municipais de Campinas e, ao mesmo tempo,
possibilitar a melhoria da qualidade do ensino e o conhecimento da realidade educacional”
(PROJETO CIÊNCIA NA ESCOLA, FAPESP, PROCESSO, 96-2496, 1996, p.1). A parceria
nesse projeto entre professores de escolas públicas municipais e estaduais de Campinas, com
docentes da Unicamp, no ano de 2009 completou 13 anos.
Os primeiros oito anos foram de natureza investigativa, a fim de pesquisar temáticas
de natureza interdisciplinar, utilizando a pesquisa científica com os alunos. A
FAPESP financiou essa etapa de setembro 1996 a dezembro 2004 por meio do
Programa de Ensino Público e o Centro de Óptica e Fotônica (CEPOF) do Instituto
de Física da Unicamp apoiou essa etapa.
Nos anos seguintes o objetivo do Projeto foi a disseminação dos resultados da etapa
anterior sob o formato de cursos de extensão da Escola de Extensão da Unicamp –
Extecamp (2005 a 2007). Em 2008/2009 configurou-se neste Curso de
Especialização (lato sensu) ‘A pesquisa e a tecnologia na formação docente’ com 390
horas, vinculado à pós-graduação da Faculdade de Educação da Unicamp.
Em seus treze anos de atuação oito professores terminaram o curso de Mestrado e
três5 o de Doutorado, além de 36 que concluíram o curso de Especialização.
4 Projeto “Ciência na Escola” processo FAPESP, 96-2496.
5 Atualmente, esses três professores têm cargos efetivos como professores titulares em Universidades Públicas
brasileiras: Maria de Fátima Garcia, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte; Claudinei de Camargo
5
Atualmente três cursam o Mestrado e dois o Doutorado. Outros três pesquisadores
ligados ao projeto fizeram pós-graduação, dois cursaram o Mestrado e um o
Doutorado (RIPPER, 2010, p. 1)6.
As alunas de mestrado7 e uma de doutorado concluíram suas pesquisas e eu sou a
última a finalizar este texto... Consequência de uma visita da professora Afira em uma noite,
talvez meados de novembro de 1997, à EESG Aníbal de Freitas, onde eu lecionava
matemática, para convidar professores a participarem do Projeto “Ciência na Escola”.
Imediatamente senti enorme vontade, mas muito apreensiva, pois não tinha nenhum
conhecimento de informática, o mouse fugia por entre meus dedos. Pensava cá com meus
botões: como poderei orientar alunos no uso do computador? Arrisquei a indagar nossa
interlocutora, que para minha surpresa respondeu: “mas você gostaria de participar?”
Respondi sim e sua resposta: “é só isso que precisa, o resto aprende”... Lembro-me das
dificuldades com o bendito mouse! Era o próprio “Chico Bento” a navegar na Internet.... A
Maria de Fátima Garcia, coordenadora operacional do projeto, pacientemente me
acompanhava, fui me sentindo mais segura e arriscava a aventurar pelo mundo da tecnologia.
Logo em seguida participei de um curso de modelagem matemática8, no Instituto de
Matemática e Estatística da Unicamp (1999 e 2000), em que aprendi a elaborar modelos
matemáticos com o suporte de softwares muito específicos como o Matlab (MATrix
LABoratory)9. Uma combinação fabulosa em que números, tabelas, equações, funções se
transformam em imagens, usei o que era possível com alunos do Ensino Fundamental e Médio
e muitos pareciam artistas a brincar com cores e formas.
Sant’Anna, na Universidade Estadual da Bahia e Maria Cândida Müller, na Universidade Federal de Rondônia. 6 RIPPER, A. V. Tecendo Novos Territórios Pedagógicos. Congresso Internacional PBL10, USP/LESTE -
Universidade Estadual de São Paulo. Disponível em: http://www.uspleste.usp.br/pbl2010/trabs /trabalhos
/TC0338-1.pdf
7 Em 2012, outra aluna concluiu o doutorado, em 2013 duas professoras concluíram o mestrado e em 2014 mais
uma professora. Portanto, hoje contamos onze professores, que cursaram o mestrado e cinco professores
chegaram ao doutorado.
8 Cheguei a esse curso, porque o Professor Rodney Bassanezi do Instituto de Matemática e Estatística da
Unicamp pediu a professora Afira Vianna Ripper para usar o Laboratório de Informática e ela disse que sim, mas
queria uma vaga para uma professora.
9 MATLAB (MATrix LABoratory) trata-se de um software interativo de alta performance voltado para o cálculo
numérico, que integra análise numérica, cálculo com matrizes, processamento de sinais e construção
de gráficos em ambiente fácil de usar onde problemas e soluções são expressos somente como eles são escritos
matematicamente, ao contrário da programação tradicional. (http://pt.wikipedia.org/wiki/MATLAB).
6
O Projeto Ciência na Escola se confunde com o início da Informática na Educação
Brasileira e têm como precursores o Projeto EUREKA e o EDUCOM10. O Projeto EUREKA11
foi pioneiro no uso do computador no primeiro ano do ciclo I, criado em 1990, em parceria
entre Unicamp e rede Pública Municipal de Campinas, visando à melhoria do ensino e como:
[...] a informática já está presente e seu uso é inquestionável em quase todos os
ramos das atividades humanas. Do mesmo modo que outrora, com a revolução
industrial, as máquinas mecânicas libertaram o homem do esforço físico, hoje as
máquinas eletrônicas passam a fazer parte do trabalho intelectual de cálculo, controle
e armazenamento de dados. A inserção do computador na atividade científica faz
parte da realidade contemporânea. Como um dado de realidade, a tecnologia altera,
inevitavelmente, o trabalho e as relações humanas (MORAES, 2002, p.51).
A maneira como se conduzia o processo educativo no projeto EUREKA é considerada
até hoje, um grande avanço para a melhoria da Educação, como pontua Miriam Camargo,
coordenadora de cursos na Prefeitura Municipal de Campinas, que desde seu início se
estimulava a autonomia e o diálogo entre as diversas áreas do conhecimento, no processo
pedagógico, integrando alunos e professores da rede.
[...] à integração vertical e horizontal: integração entre alunos; entre professores e
alunos; entre séries e componentes curriculares, por meio de trabalhos desenvolvidos
por diferentes disciplinas de uma mesma série – através de temas geradores;
integração entre classes; integração entre professores da escola e da Fumec,
discutindo problemas comuns, através de reuniões semanais;
[...] à busca da autonomia do trabalho do professor e da própria produção do
conhecimento dos envolvidos no trabalho pedagógicos (professores e alunos)
(MORAES, 2002, p.50).
Segundo Camargo (2013), no projeto Eureka os grupos eram reflexivos, os professores
pensavam juntos os desafios das Unidades Educacionais e também no grupo da Unicamp com
todos os participantes, onde se tentava propor ações coletivas. Os rumos das ações eram
planejados em conjunto com os professores da escola básica e docentes do Laboratório de
Educação e Informática Aplicada, da Faculdade de Educação da Unicamp. A autora pontua
que hoje se faz necessário recuperar essa dinâmica, criando espaços para mais reflexões nos
cursos oferecidos pelo Núcleo Educacional de Informática, da Secretaria de Educação da
10 O projeto EDUCOM foi criado pelo MEC em 1983 para usar o computador no Ensino Médio. Visava o uso da
linguagem logo. “O projeto Logo na UNICAMP iniciou-se a partir de um estágio da Professora Afira Vianna
Ripper no laboratório Logo do Massachusetts Institute of Tecnology (MIT), onde conheceu o trabalho dos
professores Seymour Papert e Marvin Minsky, criadores da filosofia Logo”
(http://www.nied.unicamp.br/ojs/index.php/memos/article/view/57/56).
11 O Projeto EUREKA foi um desdobramento do Projeto EDUCOM.
7
Prefeitura Municipal de Campinas, onde as contribuições sugeridas pelos professores possam
ser acolhidas e que vá além, de apenas ensinar técnicas no uso de tecnologias.
Observamos que desde seu início o uso do computador na escola era pensado junto
com as questões pedagógicas, educacionais e não apenas técnicas para o seu uso, onde as
contribuições dos professores da escola básica e os da universidade se complementavam.
O Projeto “Ciência na Escola” continuou com os mesmos princípios do Eureka em
relação à dinâmica de trabalho com os grupos na escola e na Unicamp. Oferecia aos
professores da rede pública de Campinas subsídios tecnológicos, financeiros, materiais e
espaços para interação entre Escola e Universidade, havia trocas de saberes sobre a prática
pedagógica, o processo educativo e estudo de teorias educacionais. Movimento contrário à
corrente vigente, em que o saber do professor até hoje nas Faculdades de Educação têm muito
pouco valor, salvo raras exceções, em detrimento de grandes produções teóricas, que pouco ou
nada contribuem para a educação básica no país. Isso também acontece em outros países,
como observa Zeichner12, nos Estados Unidos.
Apesar de a academia não reconhecer a importância de deliberar juntamente com os
professores sobre o significado do seu trabalho, alguns pesquisadores universitários
estão tentando fazer isso, colocando em risco, inclusive suas reputações (2001, p.
212).
Durante a maior parte de minha carreira como professor universitário, formador de
professores, fui responsável pela organização e acompanhamento das experiências de
campo em escolas e comunidades de professores em formação, assim como pela
pesquisa sobre os processos de aprendizagem docente nos programas de formação
inicial de professores. Um dos desafios mais difíceis, para mim, durante esses anos,
tem sido o de mobilizar energia intelectual em meu departamento para reforçar as
conexões entre o que os nossos estudantes-professores fazem nos seus estágios em
escolas e comunidades e o restante da sua formação docente (ZEICHNER, 2010, p.
481).
Esse autor observa ainda, que apesar de seus colegas serem “reconhecidos
internacionalmente pelos seus trabalhos sobre igualdade, justiça social e permanência na
escola” (ibidem, 2001, p. 215, 216), os professores da escola, que fica a um quarteirão da
universidade não recebem “qualquer orientação para trabalhar com estes problemas e para
ensinar estes alunos a alcançar melhores resultados nos testes escolares” (ibidem).
12 Kenneth Zeichner é professor titular do Departamento de Currículo e Ensino da Universidade do Estado de
Wisconsin, Madison, E.U.A., onde desenvolve trabalhos de pesquisa e ensino na área de formação docente,
desenvolvimento profissional de professores e pesquisa-ação.
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O Projeto Ciência na Escola ao criar condições para o retorno de professores e gestores
de escolas públicas à universidade transpõe essa distância entre a universidade e a escola
básica, estreita seus laços, possibilita a produção de conhecimento em parceria ao criar
alianças na “rotina de estudo que pode levá-los até o Doutorado” (RIPPER, 2010, p. 1), o que
realmente aconteceu. Diversos professores participantes desse projeto cursaram o mestrado e
doutorado, além de muitos outros que no encontro com autores da educação, professores da
escola básica e os da universidade se envolveram na problematização e tomada de decisões
sobre questões educacionais no espaço microssocial, buscando “projetos pedagógicos que
representem os reais desejos das pessoas envolvidas” (DAMIN, 2004, p. 19). São ações que
contribuem para a criação de “vetores de forças na direção do desenvolvimento da
criatividade, o exercício da liberdade com responsabilidade, da ética e da produção de saberes
com relevância para a comunidade” (ibidem). As relações de poder são diluídas entre todos,
alunos e professores envolvidos exercem seus poderes em relações de força a envolver os
demais alunos e professores da escola, o que possibilita a invenção de outros modos de
educação, vida.
Uma prática incomum, tanto na escola como na universidade, que observei em meu
longo exercício no magistério como professora de Matemática, durante vinte e cinco anos, em
escolas da rede Estadual de Educação para alunos do Ensino Fundamental e Médio.
Participei do Projeto “Ciência na Escola” durante oito anos desenvolvendo pesquisas
junto com alunos em sala de aula, de 1998 a 2003 e, como coordenadora de professores, na EE
Professor Aníbal de Freitas e ETE Bento Quirino, de 2001 a 2005, orientando atividades de
pesquisa desenvolvidas nesse projeto. Minhas inquietações com o processo educativo me
levaram a cursar o Mestrado, nesta Faculdade de Educação, Universidade Estadual de
Campinas analisando um processo educativo via Metodologia da Modelagem Matemática no
cotidiano escolar, junto com professores de diversas áreas do conhecimento com uma:
[...] turma de alunos do ensino fundamental, partindo do princípio de que,
professores e alunos ensinam e aprendem. Na elaboração dos modelos matemáticos
apropria-se de saberes acumulados universalmente, que estão contidos em situações
do cotidiano sobre as mais diversas áreas do saber (DAMIN, 2004, p. 7).
[...] trata de educação, ensino e pesquisa atrelados, enfocando um processo
pedagógico por meio de pesquisa, tendo como eixo norteador a filosofia do Projeto
9
“Ciência na Escola”, que visa despertar vocações para as ciências em alunos do
ensino fundamental e médio em escolas públicas de Campinas (ibidem).
Ministrei diversas oficinas e cursos sobre o ensino da matemática para professores das
Prefeituras de Campinas e Paulínia. Na Secretaria Municipal de Paulínia para o Ensino Básico
(1ª a 4ª séries) em julho de 2007, intitulada “A transversalidade dos saberes a partir de
modelos matemáticos”. Utilizei elementos simples do cotidiano como uma fatura mensal de
água e de energia elétrica para exercitar possibilidades do aprendizado do currículo escolar de
forma transversal a partir desses elementos e, que infinitas conexões se apresentam
naturalmente à medida que tomo contato com o material e me deixo levar pelas indagações
que surgem. Quaisquer elementos, uma imagem, um gráfico ou situação.
Observei que professores do Ensino Básico quase não se arriscam a se inscrever em
cursos de matemática, pois segundo disseram a maioria não gosta de matemática, mas o
aprendizado contextualizado se torna mais atraente como escrevem as professoras Ângela e
Rosemari em suas avaliações:
Ângela: Foi muito interessante a maneira que ela usou para conversar, instruir e fazer
descobrir o que ela desejava foi excelente.
Quando começou a falar da história da Matemática, eu já me preocupei (achei que
fosse ser chato), mas depois pedindo que fizéssemos uma atividade com contas de
água e luz, foi maravilhoso. Eu não gosto de matemática, até me despertou o
interesse para aspectos que não tinha nem imaginado.
Rosimari: O interessante foi perceber, constatar que nossas aulas de matemática
podem ser empolgantes, um momento de construção do saber (aquisição de
conhecimento).
É preciso ouvir os alunos, deixá-los manipular, refletir sobre o objeto de estudo.
Desta forma contribuiremos para o desenvolvimento de habilidades.
Podemos observar que na apresentação de possibilidades de apreender o conhecimento
formal, a partir de elementos simples do cotidiano como o número de alunos matriculados
numa escola, de alguma forma contribui para o retorno do olhar para o fazer cotidiano e a
pensar em outras formas de experimentar algo diferente na sala de aula.
Outro minicurso ministrado em julho 2006, também na Secretaria Municipal de
Paulínia para o Ensino Fundamental e Médio “Aulas de Matemática: O que pretendo? Como
posso trabalhar a matemática aplicada ao contexto? E a avaliação da aprendizagem?” Um dos
objetivos era o de criar um ambiente propício, onde exista experimentação, que se coloque em
10
prática algo, que sinta vontade, ou que surja no dia a dia de sua sala de aula e que não apenas
reproduza as coisas. Pedi a cada participante que se apresentasse e falasse algo sobre si,
ficaram tão espantados que eu quisesse ouvi-los. Disseram que isso nunca havia acontecido
antes, apesar de terem participado de tantas oficinas, ninguém quis saber o que elas pensam.
Vejamos o que escrevem essas professoras em suas avaliações:
Eu gostei muito deste minicurso, no início a apresentação de cada colega criou um
ambiente “agradável”. A professora demonstrou muita humildade e clareza em sua
fala, apresentando sua vivência na sala de aula (ANDRÉIA, julho de 2006).
Gostei, nos foi possibilitados momentos de desabafos, de trocas de
experiências/angústias o que não ocorreu em outras ocasiões (DANIELA, julho de
2006).
As falas dessas professoras me chocaram! Eu tive o privilégio de vivenciar algumas
experiências muito diferentes, como no Projeto “Ciência na Escola” e nas aulas de Filosofia
do professor Silvio Gallo. Atualmente, ministro cursos de Etnomatemática para professores do
Município de Campinas e isso se repete, sempre se assustam, como alguém pode querer saber
o que eles pensam sobre as coisas.
No Projeto “Ciência na Escola” desde seu início quem decidia os rumos das
atividades eram os professores participantes, as duas coordenadoras Afira Vianna Ripper e
Maria de Fátima Garcia não mediam esforços, buscando condições para que realizássemos
nossos desejos. Uma vez a professora de Ciências, Hermelinda de Macedo, com quem
trabalhei na EEPG Professor Aníbal de Freitas, disse que tinha um sonho, o de construir um
rio para apresentar na Feira do Projeto “Ciência na Escola”. Esse rio foi uma instalação
denominada “Rio Serafim”13 apresentada na Unicamp “CIENTEC 2001”, maior evento de
Ciência e Tecnologia da América Latina, que abrigou os resultados das pesquisas de alunos do
Ensino Fundamental e Médio. A professora Afira se desdobrou e nos deu condições para a
sua construção, que, aliás, foi um sucesso e provocou a afirmação de uma aluna do Instituto de
Artes da Unicamp: “Isto é uma verdadeira obra de arte, deveria estar na BIENAl”, uma obra
de arte realizada por alunos de um 6º ano, de Escola Pública Estadual de Campinas.
Nas aulas de filosofia do professor Silvio Gallo, a dinâmica das aulas era maravilhosa
com conversas entre todos os participantes. Os estudantes em sua maioria eram filósofos, que
13 Os alunos durante suas pesquisas descobriram que esse é o nome do riacho que corre no meio da Avenida
Orozimbo Maia e o construíram, mostrando água limpa no início e a chegada da poluição que observaram.
11
cursavam mestrado ou doutorado, aprendi tanto nessas aulas, saia de lá em ebulição, querendo
saber mais sobre determinados pensadores e assuntos. Geralmente no final da aula ele fazia
uma explanação geral do assunto estudado, fazendo conexões com algumas das contribuições
trazidas pelos estudantes.
A professora Afira Vianna Ripper e o professor Silvio Gallo em pleno século XXI
constituem uma pequena parcela de professores universitários que apostam nessa visão
compartilhada no apreender e me reporta as observações de Nietzsche sobre as universidades
alemãs do século XIX. Ironicamente diz ele sobre a autonomia dos estudantes nas
universidades alemãs: “Uma só boca que fala para muitos ouvidos e metade de mãos que
escrevem – eis o aparelho acadêmico externo, eis a máquina cultural universitária posta em
funcionamento” (NIETZSCHE, 2003, p.126).
12
Problematização
A problematização a ser investigada se refere à potência de um processo pedagógico
norteado por estudos de situações, assuntos de escolha de alunos e professores e o
problematizar de práticas pedagógicas por professores e gestores. Processo educativo que se
mostra caótico por envolver uma diversidade de ações de professores, gestores, alunos,
funcionários, onde ao seguir fluxos de desejo como nos “sistemas caóticos” se torna
impossível prever o comportamento do sistema complexo com a multiplicidade de variáveis
na constante interação entre os espaços liso e estriado. O espaço estriado, do aparelho de
Estado opera com as iterações axiomáticas e o espaço nômade com a mobilidade flutuante do
inusitado, por tangenciamentos e dribles aos mecanismos de controle. A escola opera entre
esses dois grandes agenciamentos, o aparelho de controle institucional e o espaço nômade.
Nessa complexa teia de problematizações, acrescentamos mais algumas, interrogando
se existem pistas de uma educação como devir. Se sim, que traçados, enunciados, campos
intensivos a apontam? Que formas de saberes se produzem?
O apreender via problematizações do cotidiano favorece o deslizar por esses espaços e
possibilita um processo pedagógico criativo e caótico que impulsiona a experimentação de
outras maneiras de agir na escola. No problematizar e teorizar de práticas o que está
naturalizado como certo fascismo que existe na escola, em nós, podem ser postos a nu e
possibilita o pensar de outras formas. Operar nessas conexões e tensões dos mecanismos de
controle instituídos exige o desenvolvimento de nossa força pessoal na busca de produção de
saberes com relevância para a comunidade.
13
Rastros do percurso
Na tentativa de encontrar rastros de possíveis campos intensivos, nessa teia de
indagações, deslizo na produção dos dezoito professores e três gestores14, tanto na escrita
como em nossos encontros / aulas, buscando enunciados e suas ressonâncias nas aulas desses
professores com seus alunos e dos gestores com os demais membros da escola.
Um percurso um tanto nômade, teorizando aspectos que se apresentam como, os
“encontros”, os saberes produzidos e o exercício da escrita. Escrita que foi exercitada
cotidianamente, durante dois anos, no dia a dia da disciplina “A Pesquisa Científica como
Instrumento Pedagógico, módulos I, II e III” (2008 e 2009) e mais dois anos (2010 e 2011), na
elaboração de um livro com algumas das teorizações dos professores e gestores, que compõem
com os demais autores, os campos intensivos que se apresentam ao longo desta tese.
Processo semelhante à cartografia como uma paisagem na areia, em que desenhos se
mostram e se dissipam num fazer e refazer a acompanhar “o desmanchamento de certos
mundos – sua perda de sentido” (ROLNIK, 2006, p. 23) e a formação de outros a mostrar
“afetos contemporâneos...” (ibidem). Processo a desenhar rastros de campos intensivos, de
fluxos de desejo como forças ativas ao se deixar fecundar pela lembrança do processo vivido,
em que intensos fluxos saltam perspectivamente e vão compondo a caótica paisagem textual a
convidar os autores professores, gestores e os demais, em uma composição sempre aberta a
acolher incertos fluxos...
Estudo que se aproxima de uma cartografia como uma “micropolítica da percepção, da
afecção, da conversa, etc” (DELEUZE & GUATTARI, 1996, p. 90) a apontar pistas. Rastros
de situações que de alguma forma impulsionaram o processo educativo, em textos, falas,
gestos e tento compor possibilidades de educação, vida, não sobre, mas com os professores,
gestores, filósofos e de outros autores que vão sendo chamados pelo próprio texto.
14 Principalmente as monografias apresentadas em 2009 como conclusão do curso e o livro com o mesmo nome
do curso “A Pesquisa e a Tecnologia na Formação Docente”, organizado pela professora Afira Vianna Ripper e
Maria Aparecida da S. Damin, que contém 21 textos de professores e gestores, lançado pela Secretaria de
Educação do Município de Campinas, em agosto de 2014.
14
Organização dos campos intensivos
Esta tese está organizada em quatro partes que denominei campos intensivos:
No Campo Intensivo I “A potência do ‘desejo’” trago o referencial teórico para
pensar um processo educativo caótico e a constituição dos “campos intensivos”, tendo como
referencia Spinoza, Deleuze & Guattari, Teoria do Caos, teorias de campos na física e
biologia.
No Campo Intensivo II “Prática Educativa e Teorizações do Cotidiano” mapeio as
problematizações, teorizações dos professores e gestores, buscando elementos geradores de
campos intensivos em nossos encontros e no cotidiano da escola. Os autores que se
apresentam são: Kenneth Zeichner, Michel de Certeau, Silvio Gallo, Deleuze & Guattari,
Foucault e Nietzsche, dentre outros.
No Campo Intensivo III “A escrita e o corpo sem órgãos de Artaud” mapeio a
produção escrita de professores e gestores, na tentativa de encontrar em que medida o
processo de escrita pode ser libertador de nossas amarras e detonador de outras maneiras de
experimentar a educação, vida com Antonin Artaud, Deleuze & Guattari, Derrida, Blanchot,
dentre outros.
No Campo Intensivo IV “Problematizar, compor afetos, e devir...” Articulo os
campos intensivos anteriores e aponto possíveis composições de forças em um processo
educativo caótico...
15
Campo intensivo 1
A POTÊNCIA DO DESEJO NO PROCESSO EDUCATIVO
Ao deslizar nos fluxos Realidade imanente
Caminho próprio Imanência inapreensível
Evidente, mas escapa... ......
A estética, a poesia Roçam a imanência dos fluxos
Expõem, não explicam ......
Maria A. S. Damin
O desejo no processo educativo pode impulsionar o que denominei de processo
“Educação Caos” constituído por campos intensivos, que são gerados em “encontros”,
misturas de corpos, em afecções, como propõe Spinoza. Para caracterizar a ideia de campos
intensivos recorro à ideia de campos na física, biologia e plano de imanência em Deleuze &
Guattari.
Desejo, entendido como construtivismo na direção de Deleuze & Guattari (1997) em
que desejar é construir um agenciamento, construir um conjunto, campos intensivos, somos
16
máquinas desejantes, impulsionados à potência de criação. “Os agenciamentos são passionais,
são composições de desejo, que nada tem a ver com uma determinação natural ou espontanea,
só há desejo agenciando, agenciado, maquinado” (DELEUZE & GUATTARI, 1997, p. 78).
O desejo opera em fluxos que se conjugam e está em toda parte, não é interior a um
sujeito, mas imanente a um plano, que é preciso construir. Só existe desejo quando se cria um
campo de propagação desses fluxos, emissão de partículas. “Longe de supor um sujeito, o
desejo só pode ser atingido no ponto onde alguém é despojado do poder de dizer Eu”
(DELEUZE e PARNET, 2004, p. 112).
O campo intensivo do desejo emerge na composição de forças como a alegria, a
tristeza, a violência, em que seu efeito na mistura e mobilização é produtor, produz o real à
semelhança do agir sem agir dos chineses, como propõe Jullien (1998), não forço as coisas,
mas acompanho o fluxo do real, não permaneço inativo, sou parceiro do real em seu
desenrolar.
O mundo não é apenas um objeto para a ação, mas sou parte integrante de seu devir.
Sua eficácia advém do potencial da situação e da maneira como se apropria do acontecimento,
em que a potência da situação está no processo e na incerteza e seu efeito se dissipa na
composição de forças e não na ação espetacular nomeada por um eu. Composição de forças
geradas no encontro com pessoas, metodologias, livros, processo de escritura, ideias, em que
no pensar com, emergem forças a impulsionar a ação no processo de experimentação no
cotidiano da escola, vida. “Organizar bons encontros, compor os relacionamentos vivenciados,
formar as potências, experimentar” (DELEUZE, 2002, p.124), encontros que aumentem a
nossa potência de ação e não a tristeza que nos faz perder o gosto pelas coisas, à maneira de
Spinoza.
Spinoza quer dizer algo muito simples, que a tristeza não nos torna inteligentes. Na
tristeza estamos arruinados. É por isso que os poderes têm a necessidade de que os
sujeitos sejam tristes. A angústia jamais foi um jogo de cultivo da inteligência ou da
vivacidade. Quando vocês têm um afeto triste, é que um corpo atua sobre o seu, uma
alma atua sobre a sua em condições tais e sob uma relação que não convêm a de
vocês (DELEUZE, 2009, p. 53).
17
Para pensarmos a potência da ação, tomemos as aulas de Deleuze15 sobre Spinoza no
Cours Vincennes em 1978 ao explicar a seus alunos o cuidado que se deve ter no emprego das
palavras affectio e affectus, respectivamente afecção e afeto, que são traduzidas do latim para
o francês por alguns tradutores, ambas por afecção.
Eu começo pelas advertências terminológicas. No livro principal de Spinoza, que se
chama ‘Ética’ e está escrito em latim, encontram-se duas palavras: affectio e affectus.
Alguns tradutores, muito estranhamente, traduzem-nas da mesma maneira. O que é
uma catástrofe. Traduzem os dois termos, affectio e affectus, por afecção. Eu digo
que é uma catástrofe, porque, quando um filósofo emprega duas palavras é que, por
princípio, ele tem uma razão; ainda mais quando o francês nos dá facilmente as duas
palavras que correspondem rigorosamente a affectio e affectus, que são: afecção para
affectio e afeto para affectus. Alguns tradutores traduzem affectio por afecção e
affectus por sentimento; é melhor do que traduzi-las com a mesma palavra, mas eu
não vejo necessidade de recorrer à palavra sentimento quando o francês dispõe da
palavra afeto.
Então, quando emprego a palavra afeto isso remete ao affectus de Spinoza; quando
digo a palavra "afecção", ela remete a affectio (DELEUZE, 2009, p. 25, 26).
Para compreender Spinoza é necessário distinguir ideia de afeto e Deleuze começa
interrogando o que é uma ideia para que possamos compreender suas mais simples
proposições. A ideia se caracteriza por um modo de pensamento representativo e afeto
(affectus) por sua intensidade e não representa nada. A ideia como pensamento representativo
pressupõe uma realidade objetiva.
Sobre esse ponto Spinoza não é original; ele toma a palavra ideia no sentido em que
todo o mundo sempre a tomou. O que chamamos ideia, no sentido em que todo o
mundo sempre a tomou na História da Filosofia, é um modo de pensamento que
representa alguma coisa. Um modo de pensamento representativo.
[...] do ponto de vista da terminologia, é muito útil saber que desde a Idade Média
este aspecto da ideia é denominado “realidade objetiva”. Em um texto do século
XVII ou anterior, quando vocês encontram a realidade objetiva da ideia, quer dizer
sempre a ideia considerada como representação de alguma coisa (ibidem, p. 26, 27).
A ideia que representa alguma coisa tem uma realidade objetiva, que é a relação da
ideia com o objeto que ela representa. A ideia possui também uma realidade formal, que
Spinoza diz ter certo grau de realidade ou de perfeição, “que está ligado ao objeto que ela
representa, mas não se confunde com ele” (ibidem, p. 29). Esse grau de realidade ou de
perfeição da ideia é seu caráter intrínseco e, a sua relação com o objeto que ela representa é
seu caráter extrínseco, “pode ser que o caráter extrínseco e caráter intrínseco estejam
15Aula no Cours Vincennes em 24/01/1978
18
fundamentalmente ligados, mas não são a mesma coisa” (ibidem). Existe uma realidade formal
da ideia, seu caráter intrínseco, que é alguma coisa em si mesma com seu grau de realidade ou
de perfeição, que ela envolve em si mesma. “Toda ideia é alguma coisa, não somente ideia de
alguma coisa; isto é, tem um certo grau de realidade ou de perfeição que lhe é próprio”
(ibidem, p. 30).
Deleuze nos diz que é necessário descobrir a “diferença fundamental entre ideia e
afeto” (ibidem). A ideia de afeto é a que indica ou exprime o estado de um corpo ou de alguma
de suas partes. Estado do próprio corpo ou alguma de suas partes em relação a sua potência de
agir ou sua força de existir, se ela é diminuída ou aumentada, estimulada ou refreada e ao
mesmo tempo, as ideias dessas afecções. “Quando podemos ser a causa adequada de algumas
dessas afecções, por afeto compreendo, então, uma ação; em caso contrário uma paixão”
(SPINOZA, 2010, p. 163).
O afeto, que diz pathema [paixão] do ânimo, é uma ideia confusa, pela qual a mente
afirma a força de existir, maior ou menor do que antes, de seu corpo ou de uma parte
dele, ideia pela qual, se presente, a própria mente é determinada a pensar uma coisa
em vez de outra (SPINOZA, 2010, p. 257).
Com Deleuze (2009) podemos afirmar que há uma variação continua a aumentar e
diminuir a nossa potencia de agir ou força de existir, dependendo das ideias que se sucedem
em nós, cada uma variando o seu grau de perfeição ou de realidade, essa variação se dá em
nós, como autômatos espirituais. Há o tempo todo ideias que se sucedem em nós, aumentando
ou diminuindo nossa potência de agir ou força de existir, de maneira contínua, sobre uma linha
contínua. A isso chamamos afeto affectus, chamamos existir.
Através deste exercício penoso, sintam como aflora a beleza. Já não é mal esta
representação da existência, realmente é a existência na rua – é necessário imaginar
Spinoza passeando -, e ele vive a existência realmente como esta variação contínua: a
medida que uma ideia substitui a outra, eu não cesso de passar de um grau de
perfeição a outro, mesmo minúsculo; e é esta espécie de linha melódica da variação
contínua que vai definir o afeto (affectus), ao mesmo tempo, em sua correlação com
as ideias e sua diferença de natureza com as ideias (DELEUZE, 2009, p. 32).
O affectus é então a variação contínua da força de existir de alguém, enquanto esta
variação é determinada pelas ideias que ele tem (ibidem, p.34).
A variação é “determinada” pelas ideias que se tem do afeto, affectus, mas não se
reduz às ideias que se tem dele, “só dá conta de sua consequência; a saber, que ela aumenta
minha potência de agir ou ao contrário, a diminui em relação à ideia que tinha até o instante”
19
(ibidem, p. 35). Trata-se da variação contínua na força de agir ou existir e Spinoza nos alerta
de que não diz respeito a uma comparação entre o estado anterior e o atual, mas de variação na
potência de agir, de existir.
Agora vejamos a ideia de affectio, afecção. A afecção seria o efeito ou ação que um
corpo produz sobre o outro, uma mistura de corpos, em que um vai agir sobre o outro, “e o
outro que vai acolher a marca do primeiro. Toda mistura de corpos será chamada afecção”
(DELEUZE, 2009, p. 36). Uma mistura de corpos indica a natureza do corpo modificado, a
natureza do corpo afetado; a afecção indica a natureza do corpo modificado muito mais do
que a natureza do corpo modificante e envolve a natureza do corpo modificante. A ideia de
afecção será a marca de um corpo sobre o outro.
A afecção de um corpo por outro exterior é percebida pela ideia que se faz dela, à
medida que um corpo é afetado por outro, a mente o percebe, a mente será capaz de perceber
mais coisas dos outros corpos, quanto mais propriedade em comum tiver com os seus próprios
corpos. Corpos de grandezas iguais ou diferentes, quando estão justapostos, eles se movem
com graus iguais ou diferentes de velocidade, transmitindo o seu “movimento uns aos outros
segundo uma proporção definida, diremos que esses corpos estão unidos entre si, e que, juntos,
compõem um só corpo ou indivíduo, que se distingue dos outros por essa união de corpos”
(SPINOZA, 2010, p.101).
A ideia de afecção se constitui na mistura de um corpo com outro, a marca de um
corpo sobre o meu e remete ao encontro, a minha percepção dessa marca, que segundo
Deleuze (2009), Spinoza a utiliza uma única vez, em latim occursus, que é literalmente o
“encontro” e que vivemos ao acaso dos encontros à medida que tenho ideias-afecções. “Eu
diria que a primeira espécie de ideias para Spinoza é todo modo de pensamento que represente
uma afecção do corpo...” (DELEUZE, 2009, p. 37), a marca de um corpo sobre outro, este é o
primeiro tipo de ideias, que “corresponde ao que Spinoza chama primeiro gênero de
conhecimento. É o mais baixo, porque as ideias de afecção conhecem as coisas por seus
efeitos” (ibidem). Um conhecimento dos efeitos sem considerar as causas; o completo
desconhecimento dos corpos que afetam e que são afetados e, aí se encontra a indagação
central da filosofia de Spinoza, segundo Deleuze (2009): O que é um corpo?
20
Para Spinoza, a individualidade de um corpo define-se assim: é quando uma certa
relação composta (eu insisto nisso, muito composta, muito complexa) ou complexa
de movimento e de repouso se mantém através de todas as mudanças que afetam as
partes desse corpo. É a permanência de uma relação de movimento e repouso através
de todas as mudanças que afetam ao infinito todas as partes do corpo considerado
(ibidem, p.39).
O que poderá se dar em um encontro de corpos atravessados por essa teia
extremamente complexa de relações de movimento e repouso a afetar ao infinito suas partes?
Seria possível escapar das ideias-afecção: “Como poderíamos nos elevar ao conhecimento das
causas?” (ibidem, p. 41), ou seja, um saber sobre os corpos afetados, não apenas o saber das
ideias-afecções, ideias de misturas de corpos. Para isso, Deleuze diz que seria necessário um
curso inteiro para pensar a potência de um corpo.
Em relação às ideias-afecções existem dois tipos, a do efeito que “concilia ou que
favorece minha própria relação característica” (ibidem, p. 43) e a do “efeito que compromete
ou destrói minha própria relação característica” (ibidem), que correspondem aos movimentos
de variação; um que aumenta a potência de agir e se experimenta um affectus de alegria e o
outro em que a potência de agir é diminuída e se experimenta um affectus de tristeza.
Como nós poderíamos sair das ideias afecções, como nós poderíamos sair dos afetos
passivos que consistem no aumento ou diminuição de nossa potência de agir, como
poderíamos sair do mundo das ideias inadequadas, uma vez dito que nossa condição
parece condenar-nos estritamente a esse mundo (DELEUZE, 2009, p. 48).
Por isto é que é preciso ler a Ética como preparando uma espécie de cena inesperada.
Ela vai nos falar de afetos ativos nos quais já não há paixões, nos quais a potência de
agir é conquistada em vez de passar por todas as variações contínuas.
Este é um ponto muito estrito. Há uma diferença fundamental entre ética e moral.
Spinoza não faz moral, por uma razão muito simples: ele nunca se pergunta o que
nós devemos, ele se pergunta todo o tempo, do que nós somos capazes, o que está em
nossa potência; a ética é um problema de potência, e jamais um problema de dever.
Nesse sentido, Spinoza é profundamente imoral (ibidem, p. 48, 49).
Spinoza não se importa com o que deve ser feito, mas com o que pode ser feito. Ele
pensa em termos de bons encontros e maus encontros, nos aumentos e diminuições de
potência. Ele produz uma ética e não uma moral. O poder de ser afetado se realiza
continuamente, variando a potência de agir, dependendo da ideia-afecção que se tenha nos
possíveis encontros. “[...] eu não sou a causa de meus próprios afetos, eles são produzidos em
mim por outra coisa: eu sou, portanto passivo, eu estou no mundo da paixão” (ibidem, p. 49).
21
Para sair desse estado passivo Spinoza, segundo Deleuze (2009), propõe as ideias-
noções e as ideias-essências como modos de pensar adequado, pois compreende a causa. A
ideia-noção não diz respeito ao efeito de um corpo sobre outro, “é uma ideia que concerne e
que tem por objeto a conveniência e a desconveniência das relações características entre dois
corpos” (ibidem, p. 50). Essa ideia não representa o efeito da mistura de dois corpos, mas a
conveniência ou a desconvenência interna das relações características desses dois corpos, a
ideia-noção é adequada, porque compreende a causa. Existem “noções comuns que designam
alguma coisa de comum a todos os corpos” (ibidem, p. 52) e noções que caracterizam alguma
coisa comum a dois corpos. “O movimento e o repouso são objetos de noções ditas comuns a
todos os corpos” (ibidem).
É necessário criar encontros que nos convenham, compondo suas relações e escapar do
viver ao acaso dos encontros, ou seja, deixar os encontros tristes, que diminuem nossa
potencia de agir, de existir. “O mais belo é viver sobre as bordas, no limite do seu próprio
poder de ser afetado com a condição de que esse seja o limite alegre” (ibidem, p. 55). Formar
a noção comum das coisas que nos alegram é um exercício de uma vida inteira, em que
quando estamos seguros das noções comuns que remetem as relações de conveniência,
podemos “diminuir a porção respectiva das tristezas em relação à porção respectiva da
alegria” (DELEUZE, 2009, p. 57). “As noções comuns são o segundo gênero do
conhecimento” (ibidem, p. 59).
As noções comuns são coletivas, não abstratas e remetem sempre à multiplicidade,
embora sejam também individuais.
Em que tal e tal outro corpo convém, em que limite todos os corpos convêm; mas
nesse momento o mundo inteiro é uma individualidade. Então as noções comuns são
sempre individuais.
Além ainda das composições de relações, das conveniências anteriores que definem
noções comuns, estão as essências singulares.
As noções comuns ou as relações que me caracterizam concernem as partes
extensivas de meu corpo. Meu corpo é composto de uma infinidade de partes
extensas ao infinito, e essas partes entram sob tais e tais relações que correspondem a
minha essência (ibidem, p.60).
A essência singular é um grau de potência, que são meus limites de intensidade como a
diferença entre nascimento e morte, uma quantidade intensiva; como uma forma de
22
intensidade. Quando formamos as ideias como pura intensidade, em que a minha “intensidade
vai convir com a intensidade das coisas exteriores” (ibidem, p. 62), chega-se ao terceiro
gênero de conhecimento, no momento em que todos os corpos convêm uns aos outros, que “é
um mundo de intensidades puras” (ibidem).
Os corpos se encontram em constante relação uns com os outros, compondo-se e
criando agenciamentos possíveis, que marcam o existir, onde a potência e ação podem ser
aumentadas por uma vontade, a partir da escolha de encontros que nos componham e nos
alegrem e, não dos que diminuam a nossa força de existir.
Um mundo de intensidades puras em que corpos possam convir uns aos outros e que
aumentem a nossa potência de agir ou força de existir como efeito das afecções nos encontros
de corpos. Os encontros quanto mais alegres forem, mais acionam a nossa “força de existir”
nas atividades cotidianas, que se espalham como potência de pensar, de sentir e de se lançar
em virtualizações, compondo nos encontros campos intensivos, um processo de
experimentação em constante devir. Devir como elemento próprio do desejo, em que:
[...] desejar é passar por devires. Convém, para compreendê-lo bem, considerar sua
lógica: todo devir forma um ‘bloco’, em outras palavras, o encontro ou a relação de
dois termos heterogêneos que se ‘desterritorializam’ mutuamente. Não se abandona o
que se é para devir outra coisa (imitação, identificação), mas uma outra forma de
viver e de sentir assombra ou se envolve na nossa e a ‘faz fugir’
(ZOURABICHVILI, 2004, p. 48, 49).
“Desejar é passar por devires” em blocos disparados por afecções em encontros,
experimentações a mobilizar tudo e todos, em processos de produções caóticas imanentes a
seus domínios, formando agenciamentos na potência afirmativa da própria vida. Desejo,
multiplicidade, campos intensivos a mobilizar fluxos que se agenciam na incerta contingência
cotidiana a refazer-se indefinidamente. Intensidades a habitar o virtual, o caos como potência
sempre em curso de atualização em acontecimentos.
Deleuze & Guattari modificam a concepção vigente de desejo para a psicanálise a de
um negócio secreto ou vergonhoso como a psicologia e moral dominantes pretendem por uma
que se refere a “todas as formas de vontade de viver, de vontade de criar, de vontade de amar,
de vontade de inventar outra sociedade, outra percepção do mundo, outros sistemas de
valores” (GUATARI & ROLNIK, 2005, p. 261). Essa concepção de desejo é considerada
23
“totalmente utópica e anárquica” (ibidem) para o modelo de pensamento dominante sobre o
desejo, em que o desejo é atribuído a um sujeito.
[...] articulado a uma transcendência que o recalca encarcerando-o em carências,
culpabilidades, lei, falta, ou seja, colocar na ideia de desejo, a ideia de falta é supor
que, para além do ato de desejar, há alguma outra coisa: uma transcendência. Temos
aí uma concepção de desejo familiarizado e colocado em relação de exterioridade
com a produção social, separando-o do que ele pode. E o que o desejo pode?
(NEVES e JOSEPHSON, 2002, p. 104).
Interessa-nos o que pode o desejo, sua potência no processo educativo, em que as
formas de vontade de viver sejam agregadas ao processo e aumentem a potência de agir e não
se esvaziem em uma educação burocratizada. Que outras formas de experimentar a educação
poderá gerar a produção da vida com outras percepções de mundo, outros sistemas de valores?
A potência do desejo como possibilidades de ver e praticar as coisas, de encontrar:
[...] meios de fabricar outras realidades, outros referenciais, que não tenham essa
posição castradora em relação ao desejo, a qual lhe atribui toda uma aura de
vergonha, toda essa espécie de clima de culpabilização que faz com que o desejo só
possa se insinuar, se infiltrar secretamente, sempre vivido na clandestinidade, na
impotência e na repressão (GUATTARI & ROLNIK, 2005, p. 261).
A potência do desejo como produção, calcado na imanência das relações pedagógicas e
educativas na intrincada teia desejante dos agenciamentos, uma multiplicidade, que segundo
Deleuze & Parnet (2004) comporta termos heterogêneos, estabelece ligações, relações entre
eles, seja nas idades, nos sexos, nos reinos – através de relações entre naturezas diferentes.
A única unidade do agenciamento é de co-funcionamento: é uma simbiose, uma
‘simpatia’. O que é importante, não são nunca as filiações, mas as alianças ou as
misturas; não são as hereditariedades, as descendências, mas os contágios, as
epidemias, o vento (ibidem, p. 88).
Agenciamento, imanência, produção desejante, “as epidemias, o vento” me soam como
algo muito poderoso, criador e mobilizador das relações de poder, em que as misturas,
afecções convenientes podem dissipar o poder entre os envolvidos e potencializar a ação no
coletivo da escola, o que remete à eficácia humana para os chineses, que a pensaram com base
na transformação natural, em que:
O estrategista faz que a situação evolua em seu proveito do mesmo modo que a
natureza faz a planta crescer ou que o rio não cessa de escavar seu leito. Como nessas
modificações naturais, a transformação que ele opera é ao mesmo tempo difusa e
discreta, imperceptível em seu curso, mas manifesta por seus efeitos. Mais do que na
transcendência da ação os chineses creem na imanência da transformação: não nos
24
vemos envelhecendo, não vemos o rio escavar seu leito, e, no entanto é a esse
desenvolvimento imperceptível que se deve a realidade da paisagem e da vida.
Uma imagem conseguiu captar essa eficiência difusa da transformação – a do vento
(cf. ZY, § 33: ‘Ele sabe de onde vem o vento’). Como ele se insinua em toda parte e
no tempo, não se percebe o vento passar, mas sob seu curso, ‘as ervas se deitam’
(Conversas de Confúcio, XII, 19). Ele não é o sopro inspirado - pneuma divino – que
surge momentaneamente para suscitar, como uma onda arrancada ao torpor da
existência, o grande jato do ato heroico, ou da criação poética; mas aquele fluxo
contínuo que, propagando-se através do mundo e nele espalhando sua inscrição,
impregna-o gradativamente de sua tendência – nele estende ao infinito seu
movimento (JULLIEN, 1998, p.78).
A eficácia na imagem do vento remete à ideia de criação de fluxos contínuos a se
propagar, espalhar e impregnar gradativamente sua tendência ao infinito movimento. Desejo
na esfera do micropolítico ou molecular povoado apenas por intensidades a construir outras
coisas. Com Artaud podemos começar exercitando a liberação de nossos organismos e a
produção de corpos sem órgãos, ou seja, tentar zerar as representações, desviar o foco de
nossos fantasmas, encontrar nosso grau zero de intensidades e construir coisas que realmente
sejam relevantes no processo microsocial da escola, da sala de aula. Deleuze & Guattari
(1996) tomam de Artaud a ideia de corpo sem órgãos, que se refere a uma prática, uma
experimentação, que nunca a ele se chega , “não se pode chegar, nunca se acaba de chegar a
ele, é um limite” (p. 9) e que o grande livro sobre o corpo sem órgãos seria a Ética de Spinoza,
onde:
Os atributos são os tipos ou os gêneros de CsO, substâncias, potências, intensidades
Zero como matrizes produtivas. Os modos são tudo o que se passa: as ondas e as
vibrações, as migrações, limiares e gradiente, as intensidades produzidas sob tal ou
qual tipo substancial a partir de tal matriz (p. 14).
Experimentação que leva ao limite a potência de existir como uma “questão de vida ou
de morte, de juventude e de velhice, de tristeza e de alegria. É aí que tudo se decide” (p. 11).
Um corpo sem órgãos só existe povoado por intensidade, que passam e circulam, não diz
respeito a uma cena, lugar. Não tem nada a ver com o fantasma da psicanálise, nem nada a
interpretar. Trata-se de um corpo intensivo, que ao ser afetado por uma onda traça níveis ou
limiares no corpo, segundo variações em sua amplitude. “Quando um determinado nível de
onda, do fluxo, se encontra com forças exteriores, esse encontro determinará um órgão, mas
um órgão provisório, que só dura o quanto durar a ação da força” (MACHADO, 2010, p. 233).
O organismo se refere à estratificação que arranca o Corpo sem Órgãos da imanência e
25
constrói uma significação, um sujeito por acumulação, sedimentação ao impor formas,
funções, ligações, organizações dominantes e hierarquizadas, transcendências organizadas. O
corpo sem órgãos é a:
[...] realidade glacial sobre o qual vão se formar aluviões, sedimentações,
coagulação, dobramentos e assentamentos que compõem um organismo – uma
significação e um sujeito. É sobre ele que pesa e se exerce o juízo de Deus, é ele que
sofre. É nele que os órgãos entram nessas relações de composição que chamo
organismo (DELEUZE & GUATTARI, 1996, p. 21).
No ambiente da escola podemos começar exercitando a “liberação de nossos
organismos” permitindo a passagens dos fluxos de desejo, campos intensivos e com eles ir
construindo coisas relevantes na problematização de nossos próprios temas, no encontro com
os dos outros e gerar infinitos campos intensivos a disparar fluxos à semelhança do vento, que
ao soprar suas partículas a muitos impregna, acolhe e afeta, impulsionando a potencia da ação,
potencia do existir.
Um processo educativo ao embarcar nos fluxos desejantes gera o que denominei de
“Processo Educação Caos” formado por campos intensivos, na multiplicidade de correlação de
forças geradas por encontros, em que o maior desafio será o gerenciamento de demandas no
ambiente da escola.
A seguir tentarei caracterizar o “Processo Educação caos” e em seguida como concebo
um “campo intensivo”.
26
O Processo “Educação Caos”
Na complexa multiplicidade do processo educativo ao seguir o fluxo dos
acontecimentos emerge uma dinâmica educativa caótica, que implicará em conviver com a
incerteza e a constante sensação de transitar em meio ao caos e como nos “sistemas caóticos”
será impossível prever o comportamento do sistema complexo com a multiplicidade de
variáveis, envolvendo as ações das pessoas, no espaço microssocial.
Neste caso, o encontro com professores e gestores no cotidiano da escola e pensadores
de “fora” que nos remetem a uma grande imagem virtual por ressonância de acordes musicais.
Algumas vezes uma suave música clássica, outras um estrondoso e trepidante show rock,
como diz Deleuze (2000) sobre o pensamento de Foucault, numa multiplicidade de variáveis,
que nos remete aos sistemas caóticos.
Caótico, na direção da “teoria do caos”, importante ramo dos sistemas dinâmicos não
lineares, uma mistura de matemática e restrição estatística, que se dedica ao estudo de eventos
com comportamento aleatório e imprevisível, que utiliza estudos qualitativos e elabora
modelos matemáticos para investigar fenômenos naturais que surgem no universo. O processo
caótico no ambiente da escola pode ser tão aleatório e imprevisível quanto o dos sistemas
dinâmicos, em que campos intensivos surgem e desaparecem continuamente em torno de
acontecimentos. Processo caótico como potência de criação e de experimentação.
A palavra “caos” sofreu algumas modificações em seu sentido ao longo de sua
existência. Para os fenícios consistiu na primeira divindade que surgiu no universo, portanto o
27
mais velho dos deuses, que segundo Hesíodo não carregava as características de desordem e
confusão, que lhe atribuiu Ovídio16 em sua obra “Metamorfoses”.
Antes de existirem o oceano, a terra e os céus cobrindo tudo / a Natureza mostrava
apenas uma única face no mundo inteiro. / Caos era seu nome: uma massa bruta,
informe, / nada mais que um peso inerte e, nele acumuladas, / as sementes das coisas,
num grande amontoado (OVÍDIO apud MENNINGHAU17, 1996, p. 128).
A potência afirmativa era atribuída aos oceanos, céus, montanhas, Urano, Cronos e aos
deuses do Olimpo, que não emergem do caos, “mas de Gaia, que foi a segunda a nascer de
forma autóctone” (ibidem), apesar disso os “descendentes do Caos e de Gaia, tanto suas
características como seus domínios se entrecortam; ao invés de saírem um do outro para
depois se separarem, ambos continuam em permanente interação” (ibidem, 1996, p. 128, 129).
No universo pedagógico, educativo, a interação entre o “caos” e a ordem também é constante
e embora tomemos a ideia de “caos” como situações de difícil gerenciamento são elas que
propiciam interessantes “sacadas” e possibilidades de se experimentar outras formas de pensar
as coisas. Lembrando que no caos também existe ordem, mas uma ordem incerta, que é
impossível sabê-la de antemão.
Segundo Menninghau (1996) em Hesíodo e Ovídio o caos se constitui em parte de uma
narrativa mitológica sem gênese alguma, ao contrário, é o pressuposto pré-histórico de toda
gênese e apenas o seu desaparecimento constitui a origem do mundo. As teorias que se
referem ao caos hoje, narram a gênese sempre nova do próprio caos e nos oferecem a sua
genealogia; consideram caos e cosmos constituídos de caos e ordem, onde não existe caos
puro e nem ordem pura. As formas de caos hoje:
[...] associam as características de fertilidade e vida, ao passo que a fertilidade do
caos ovidiano era em si mesma contrária à vida; o mundo só poderia tornar-se
habitável para os deuses do Olimpo e para os seres humanos mediante a negação do
caos (ibidem, p. 128).
A palavra “caos”, no século XX, especialmente nas últimas décadas, a filosofia,
literatura, ciências naturais e matemática a retomam na tentativa de compreender nosso mundo
contemporâneo e ganha popularidade com a “Teoria do Caos”, importante ramo da
16 Poeta romano que viveu entre 43 A.C e 19 D.C.
17 Winfried Menninghaus é professor da Universidade Livre de Berlim, Alemanha. Palestra feita pelo autor no
Instituto de ESTUDOS AVANÇADOS da USP em 8 de junho de 1994.
28
Matemática da Complexidade; uma matemática de padrões e relações, que é considerada um
dos acontecimentos mais importantes deste século, tecnicamente chamada de “Teoria dos
Sistemas Dinâmicos”, em que a Matemática dos Fractais também é um importante ramo. Não
se trata de uma teoria dos fenômenos físicos, mas sim, uma teoria matemática cujos conceitos
e técnicas são aplicados a uma ampla faixa de fenômenos, uma combinação de matemática e
restrição estatística. Nos sistemas vivos Prigogine interliga suas principais características aos
sistemas dinâmicos e desenvolve a teoria das estruturas dissipativas18, modificando os
conceitos associados à estrutura - uma nova maneira de compreender a passagem da
“estabilidade para a instabilidade, da ordem para a desordem, do equilíbrio para o não
equilíbrio, do ser para o vir-a-ser. No centro da visão de Prigogine está a coexistência de
estrutura e mudança, de ‘quietude e movimento’” (CAPRA, 1996, p. 149, p. 51).
O Processo educação caos carrega essas variações entre a estabilidade e instabilidade,
calma e movimento, de verdades e normas legitimadas à infinitas bifurcações. Deslizar nesse
processo implica em se lançar nas situações de caos com suas flutuações e bifurcações,
experimentando desaprender “o jeito certo de fazer as coisas”. Expor-se ao acontecimento,
embarcar nos campos intensivos, despidos de nossas certezas e nos encontros escancarar
espaços para o processo de criação no coletivo da escola, à produção da própria vida, em sua
multiplicidade e caos, povoados por fluxos a impulsionar à ação, produção e a gerar
singularidades.
Singularidades que nada tem a ver com um sujeito da ação e onde o próprio
pensamento já se “constitui como possibilidade de pensar” (FORNAZARI, 2004, p. 2).
Singularidades como multiplicidade atual “os seres singulares (multiplicidade atual) seriam
fluxos que se recortam do plano de imanência (multiplicidade virtual)” (ibidem) e se
conjugam com outros fluxos. A multiplicidade virtual se refere ao próprio caos.
18 Procurando os exemplos mais simples que podiam ser descritos matematicamente. Ele descobriu esses
exemplos nos laços catalíticos das oscilações químicas, também conhecido como “relógios químicos”, que não
são sistemas vivos, mas os mesmos tipos de laços catalíticos de importância vital para o metabolismo de uma
célula, o mais simples sistema vivo conhecido. Portanto, o modelo de Prigogine nos permite entender as
características essenciais das células em termos de estruturas dissipativas (CAPRA, 1996, p. 159).
29
Essa ideia de multiplicidade vem da filosofia de Bergson, que segundo Deleuze (1999)
se caracteriza na mistura de duração e espaço e sua decomposição revela dois tipos de
multiplicidade, a virtual e a atual.
A duração como multiplicidade virtual pressupõe o que difere por natureza, na
memória coexiste o virtual de todos os graus de diferença dessa multiplicidade. O espaço é
uma “coexistência de um gênero inteiramente distinto, uma coexistência real, uma
simultaneidade” (ibidem, p. 118), uma multiplicidade atual, numérica, que é:
[...] representada pelo espaço (ou melhor, se levarmos em conta todas as nuanças,
pela mistura impura do tempo homogêneo): é uma multiplicidade de exterioridade,
de simultaneidade, de justaposição, de ordem, de diferenciação quantitativa, de
diferença de grau, uma multiplicidade numérica, descontínua e atual (DELEUZE,
1999, p. 28).
Multiplicidade descontinua e atual de exterioridade, de simultaneidade, que remete aos
espaços de n dimensões de Riemann19, onde o conceito de uma grandeza com múltiplas
dimensões comporta “diferentes métricas e que o espaço não será mais do que caso particular
de uma grandeza tri-dimensional” (RIEMANN, 1985, p. 6). Uma matemática do espaço
geométrico que modificou completamente a concepção de geometria, que antes apresentava
apenas definições formais e axiomas sem clareza das relações entre os dados. Matemática do
espaço geométrico, que é uma topologia das multiplicidades com espaços de muitas
dimensões, ou variedade, que se refere a características topológicas em que a dimensão pode
variar infinitamente. Variedade de n dimensões e sem formas fixas, em “que a métrica
permitirá passar a formas geométricas e a conceitos de distância e ângulo” (FERREIRÓS,
2011, p. 130), onde múltiplas métricas distintas coexistem em uma mesma base topológica.
19 Georg Friedrich Bernhard Riemann (1826 – 1866) que trouxe contribuições fundamentais para a análise e a
geometria diferencial sobre a superfície da esfera em que as geodésicas ou ‘retas’ são os círculos máximos. Nessa
geometria a menor distância entre dois pontos é uma geodésica e no plano é uma reta.
Riemann apresenta suas ideias em uma palestra na Faculdade de Filosofia de Göttingen com a presença de Gauss
no dia 10 de junho de 1854 e se torna um clássico da matemática. Nela, com base em uma linguagem intuitiva,
esse matemático alemão apresentou, a uma audiência de docentes da Universidade de Göttingen, um conjunto de
conceitos e postulados que, mais tarde, passaria a ser conhecido como geometria riemanniana, da qual a
geometria euclidiana é um caso particular. A audaciosa concepção de Riemann não foi bem entendida em sua
época. Porém, ao longo do século passado, serviu de base para o desenvolvimento de outros modelos de
geometria e de teorias da física, como a relatividade geral (CARMO, 2004, p.79).
30
Descontínua e atual, entretanto virtualmente existe uma potencia não numérica, pois
um espaço topológico é sempre caótico e virtual, que poderá ser atualizado por parâmetros em
“variedade” diversa.
Bergson, segundo Deleuze (1999), encantado com as ideias de Riemann caracteriza a
ideia de multiplicidade numérica, onde nem tudo já esta realizado, mas tudo é atual, admitindo
relações entre si com variações nas diferenças de graus como nos espaços topológicos, em que
uma mesma base permite múltiplas métricas.
A multiplicidade não numérica, como duração é “interna, de sucessão, de fusão, de
organização, de heterogeneidade, de discriminação qualitativa ou de diferença de natureza,
uma multiplicidade virtual e contínua, irredutível ao número” (DELEUZE, 1999, p. 28). Para
caracterizar a duração ou subjetividade se mergulha:
[...] em outra dimensão puramente temporal e não mais espacial: ela vai do virtual a
sua atualização; ela se atualiza, criando linhas de diferenciação que correspondem a
suas diferenças de natureza. Uma tal multiplicidade goza, essencialmente, de três
propriedades: da continuidade, da heterogeneidade e da simplicidade (ibidem, p. 32).
A duração é o virtual; e este ou aquele grau da duração é real à medida que esse grau
se diferencia. Por exemplo, a duração não é em si psicológica, mas o psicológico
representa um certo grau da duração, grau que se realiza dentre outros e no meio de
outros (ibidem, p. 113).
A duração como virtual e contínua de dimensão interna, diferenciação de natureza e
heterogêneo e, o espaço como o atual e descontínuo, um campo de exterioridade,
homogeneidade com diferenciação quantitativa e de grau. “O virtual não é a mesma coisa que
o possível: a realidade do tempo é finalmente a afirmação de uma realidade que se realiza, e
para a qual realizar é inventar. Com efeito, se tudo não está dado, resta que o virtual é o todo”
(DELEUZE, 1999, p. 137).
O “virtual é o todo”, o virtual é o próprio “caos” com suas instabilidades e incertezas,
potência em devir, que se adensa em campos intensivos, onde algo se atualiza e esvanece o
tempo todo, metamorfoseando infinitamente, perspectivamentente. Podemos pensá-lo em
termos de duração como a própria memória para Bergson, segundo Deleuze (1999), que surge
nebulosa e vagarosamente vai condensando, passando do virtual para o estado atual:
[...] instalamo-nos de súbito no passado, saltamos no passado como em um elemento
próprio. Assim como não percebemos as coisas em nós mesmos, mas ali onde elas
31
estão, só apreendemos o passado ali onde ele está, em si mesmo, não em nós, em
nosso presente.
Há, portanto, um ‘passado em geral’, que não é passado particular de tal ou tal qual
presente, mas que é como que um elemento ontológico, um passado eterno e desde
sempre, condição para a passagem! De todo presente particular. É o passado em geral
que torna possível todos os passados (ibidem, p. 43).
O passado como o virtual, porque ele não se constitui em um futuro, após de ter sido
presente, ele coexiste no presente e a dificuldade da filosofia com a própria noção de passado
se deve à considerá-lo interposto entre dois presentes, o que já foi e o atual, o que já foi agora
é passado. O biólogo Rupert Sheldrake (1995) criou a teoria de campos mórficos20, utilizando
a noção de duração de Bergson ao considerar que existe uma memória integrada em que
passado e presente coexistem, o que remete a processos quânticos.
Os campos intensivos, ainda são da ordem do virtual, um virtual a se mostrar em
constante passagem como a brisa ou rajadas de vento, que nos roçam e esvanecem, de forma
perspectiva, dependendo de misturas, de afecções nos encontros a gerar processos caóticos.
20 Falarei sobre isso, mais adiante para caracterizar o que entendo por campos intensivos.
32
Campos intensivos e algumas ressonâncias
A noção de campos intensivos surge a partir da ideia de campos na ciência, como os
eletromagnéticos na física, os mórficos na biologia com o plano de imanência em Deleuze &
Guattari e posteriormente percebi que tem a ver também com a ideia de intensivo em Spinoza.
Os campos da física e da biologia existem e estão por toda parte, mas se intensificam
em torno de acontecimentos de forma inteiramente probabilística. Esses campos e o virtual,
caos em Deleuze & Guattari podem ser considerados da mesma forma. Os campos são o
próprio caos, o plano de imanência e o campo intensivo são porções do caos que comportam
multiplicidades e volumes infinitos a explodir e se refazer continuamente à semelhança de um
fractal de Mandelbrot, em que cada zoom em uma imagem gera outras ao infinito. O campo
intensivo e o plano de imanência comportam volumes que não permanecem e, é diferente do
“conceito” em Deleuze e Guattari, que se atualiza e possui volume absoluto.
Na tentativa de mapear o que seria um campo intensivo farei a seguir uma breve
explanação sobre o que entendo por campos na física e na biologia, em seguida tento articular
os planos de imanência de Deleuze com o que chamo de campo intensivo.
33
Campos eletromagnéticos e mórficos
Tomemos, por exemplo, o campo de gravitação da Terra em que estamos imersos,
embora não nos seja visível, nem por isso é menos real. O campo de gravitação permeia o
universo e curva a matéria. Segundo Einstein ele não está no espaço e tempo é o próprio
espaço-tempo, que não é pura abstração, “possui uma estrutura e molda tudo aquilo que existe
e acontece no universo físico” (SHELDRAKE, 1995, p. 143). Existem os campos
gravitacional, eletromagnético e os campos de matéria da física quântica. O campo
eletromagnético apresenta muitos aspectos e integram a organização de todos os sistemas
materiais, desde os átomos até as galáxias.
Estão subjacentes ao funcionamento do nosso cérebro e do nosso organismo. São
essenciais à operação de toda a nossa maquinaria elétrica. Podemos ver os objetos
que nos rodeiam, incluindo este livro, porque estamos conectados com eles pelo
campo eletromagnético no qual se desloca a energia vibratória da luz. E, à nossa
volta, há, no campo, inúmeros padrões de atividade vibratórios que escapam aos
nossos sentidos (SHELDRAKE, 1995, p. 143 e 144).
Na Física clássica, entidades que têm a propriedade de se propagar são onda e
partícula, campo não é uma coisa nem outra. O conceito de campo revoluciona a maneira de
tratar as interações entre os corpos.
Na Física Newtoniana, a luz pareceria algo imóvel e sem alteração. Mas isso é absurdo
segundo a teoria de Maxwell, pois o que caracteriza a luz é exatamente a alteração contínua
dos campos, um pulso de luz estático não poderia existir, segundo Abdalla (2005).
Na era quântica que se inicia com Max Planck21 no ano de 1900 ele decreta que a luz
se propaga em pacotes discretos (quantum de energia). O nome quântico vem do fenômeno
físico de quantificação.
21 Max Karl Ernst Ludwig Planck (Kiel, 23 de Abril de 1858 — Göttingen, 4 de Outubro de 1947) foi um físico
alemão, considerado o pai da física quântica e um dos físicos mais importantes do século XX. Planck foi
agraciado com o Nobel de Física em 1918 (http://pt.wikipedia.org/wiki/Max_Planck).
34
A teoria quântica parte da ideia de que os átomos absorvem e emitem luz sob a forma
de quanta, ou unidades, de energia. As ondas de luz devem ser concebidas em termos
de ‘pacotes’ e estes quanta conferem à luz um aspecto particular. As partículas de luz
chamam-se fotons (SHELDRAKE, 1995, p. 170).
A possibilidade de quantificação da energia de um elétron, orbitando em torno de um
núcleo positivo, por exemplo, é totalmente fora dos parâmetros da física clássica. A mecânica
quântica pode ser considerada um método de interpretar os fenômenos físicos que ocorrem
em escala atômica e subatômica.
Desde a formulação do princípio de incerteza por Heisenberg em 1927 o mundo
nunca mais foi o mesmo. O princípio de incerteza de Heisenberg afirma que as
flutuações rápidas de energia e momento permeiam todo o universo em escalas
microscópicas do espaço-tempo.
Energia e momento são incertos: flutuam em escalas muito pequenas e isso é válido
para todos os fenômenos da natureza: criação e aniquilação de partículas, fortes
oscilações de campos eletromagnéticos flutuações de campos das forças
(ABDALLA, 2005, p. 39 e 40).
Em escala atômica e subatômica o universo se comporta de forma extremamente
frenética e caótica. Para pensar o funcionamento dos campos no terreno da biologia alguns
biólogos criaram a ideia de campos mórficos.
Os campos mórficos como os campos gravitacional, eletromagnético e de matéria
quântica conhecidos dos físicos, que estão intimamente ligados à matéria e são regiões não
materiais de influência. O biólogo Rupert Sheldrake22 na década de 80 generaliza essa ideia
elaborando um conceito amplo de campos mórficos que abrange os sistemas naturais e não
apenas os entes biológicos. Propôs também a existência do processo de ressonância mórfica,
como princípio capaz de explicar o surgimento e a transformação dos campos mórficos.
Existe uma espécie de memória integrada nos campos mórficos de cada coisa que já foi
organizada e podem ser consideradas como hábitos, por exemplo, as regularidades da natureza
são governadas por hábitos, mais que por coisas governadas por leis matemáticas eternas, que
existem de algum modo fora da natureza. A organização das sociedades, ideias, cristais e
moléculas dependem do modo como tipos semelhantes se organizaram no passado. “A
ressonância mórfica de inúmeros organismos passados dá origem a um campo mórfico que é
22Graduado em Filosofia em Harvard, Doutor em biologia pela tradicional Universidade de Cambridge,
pesquisador nessa mesma Universidade e na Royal Society.
35
composto ou uma média, das formas precedentes: não pode, pois, ser definido claramente, é
uma estrutura de probabilidade” (SHELDRAKE, 1995, p. 174).
Essa estrutura de probabilidade não é puramente aleatória existe uma influência de
informações contidas no campo mórfico como uma memória cumulativa que modificam a
probabilidade de eventos puramente aleatórios em que algumas coisas acontecem em vez de
outras.
Os campos mórficos e suas ressonâncias não são algum tipo de energia, mas, se
comportam de forma semelhante aos campos energéticos e suas ressonâncias. Esses princípios
agem sobre a matéria, mas não fazem parte dela. São fenômenos que escapam às leis que
governam a dinâmica das partículas, dos corpos e das ondas.
A principal característica dos campos mórficos e suas ressonâncias é a de que não
diminui de intensidade em nenhuma espécie de separação no espaço e no tempo, a ligação
existente possibilita o transporte da informação desses campos no espaço e no tempo.
O campo gravitacional, eletromagnético, campos de matéria da física quântica e os
mórficos constituem o próprio caos. Os campos intensivos seriam campos perspectivos como
o pensamento para Nietzsche, em que alguns se mostram, talvez por intensificações de
ressonâncias mórficas, acionadas por afecções provocadas em possíveis encontros, uma vez
que vivemos ao acaso dos encontros teremos campos intensivos a surgir e desaparecer
continuamente. O acontecimento parece ter a ver com intensificações de ressonância mórfica,
portanto campo intensivo e acontecimento em Deleuze & Guattari são da mesma natureza.
Vejamos a seguir o plano de imanência em Deleuze, que segundo Bento Prado júnior,
remete a um campo de produção parecido com uma superfície fractal, um sistema dinâmico
caótico.
36
Campo intensivo e plano de imanência
Em Deleuze um plano de imanência, segundo Prado Júnior (2000) remete a um campo
em que se produzem, racham e vibram conceitos, semelhante à uma superfície fractal “como
horizonte e reservatório, como um meio indivisível ou impartilhável. Mas um campo infinito
(ou horizonte infinito) e virtual” (ibidem p. 308). Uma superfície fractal pressupõe um plano
de referência da ciência, que é diferente do plano de imanência, o plano de referência é
limitado por coordenadas que se cruzam e a porção de caos é freada, nos pontos de
cruzamento de abscissa e ordenada:
E certamente o plano de referência opera já uma pré-seleção que emparelha as
formas aos limites, ou mesmo às regiões de abscissas consideradas. Mas as formas
não deixam de construir variáveis independentes daquelas que se deslocam na
abscissa (DELEUZE & GUATTARI, 1992, p. 157).
São essas bordas que dão ao plano suas referências; quanto aos sistemas de
coordenadas, eles povoam ou mobíliam o próprio plano de referência (ibidem, p.
155).
O plano de imanência pode ser comparado com uma superfície fractal de Mandelbrot,
apenas em relação à superfície que se transforma continuamente, porém em espaço aberto
multivetorial sem as referências e limites, a que está subordinado um objeto fractal de
Mandelbrot. O plano de imanência se aproxima da ideia de campo intensivo, se tomado como
porção perspectiva do caos. Perspectiva no sentido do pensamento para Nietzsche, de que não
existe simplicidade no pensamento, “cada ato do pensamento já é uma pluralidade de
pensamentos, de sentimentos, de inclinações, de aversões, etc., e cada um deles exige o seu
próprio ponto de vista” (GIACÓIA JUNIOR apud DAMIN, 2004, p. 31).
O plano de imanência é, entre outras coisas, uma espécie de solo intuitivo, cujos
‘movimentos infinitos’ são fixados pelas ‘coordenadas’ construídas pelo movimento
finito do conceito. O plano de imanência, despovoado de conceito, é cego (no limite
é o caos); o conceito, extraído de seu “elemento” intuitivo (no sentido de atmosfera),
é vazio.
Mas esse campo – que é o lugar onde se constroem e circulam os conceitos – não é
pensável por si mesmo. Sua definição e seu mapeamento só são possíveis pela
definição correlata dos conceitos que o povoam e nele circulam como as tribos
nômades no deserto, ou como as ilhas que fazem arquipélago no oceano.
37
[...] não há conceito sem plano, não há plano sem conceito que inscrevam, nesse
elemento fluido e virtual, superfícies e volumes, que o marquem como
acontecimentos, que o recubram como ladrilhos inumeráveis e distendam, assim,
esse meio impartilhável (PRADO JÚNIOR, 2000, p. 309).
O plano de imanência como solo intuitivo pode ser considerado cego sem os conceitos
que o povoam e pressupõe uma finalidade, que em alguma medida é diagramado de antemão.
Os campos intensivos seriam mais caóticos ao emergir sempre em encontros, o que pressupõe
sempre a multidão sem conter o movimento finito do conceito, seria um território a explodir
constantemente, impulsionando “acontecimentos”, criando rizomas com ínfimas
probabilidades de sua captura e compreensão, temos a sensação de que algo ocorreu em torno
de determinado “acontecimento”, mas esse algo sempre escapa.
Na ação na contingência, no seguir o fluxo das coisas, no fluir com os campos
intensivos, somos impulsionados por ressonâncias de tudo a que estamos imersos, detonados
por afecções, em imensas relações de forças, que são postas em movimento, onde algumas
emergem com suas próprias perspectivas na multiplicidade a provocar “acontecimentos”.
O campo intensivo e o plano de imanência são recortes do caos e podem ser
comparados às superfícies fractais no sentido de possibilidades infinitas “o plano é o absoluto
ilimitado, informe, nem superfície nem volume, mas sempre fractal” (DELEUZE &
GUATTARI, 1992, p. 52). “Nem superfície nem volume, mas sempre fractal” remete à noção
de campos na física e biologia, sempre porções do “caos”. O plano de imanência contém
multiplicidades e volumes, que se fazem e explodem continuamente, mas não são volumes e
nem planos como os campos intensivos. Os planos de imanência são “direções absolutas de
natureza fractal, ao passo que os conceitos são dimensões absolutas, superfícies ou volumes
sempre fragmentários, definidos intensivamente” (ibidem, p. 56).
Os campos intensivos seriam forças perspectivas, que podem ser de natureza fractal,
emergem em afecções, contem volumes e superfícies, mas não produz algo palpável como o
conceito. São territórios que lançam seus habitantes a outros territórios infinitamente como a
chuva do Deus Shiva dos Indus, ou dança das partículas atômicas, essa dança é a própria vida,
a criação e destruição, que são dinâmicas em que tudo se interage e recria. “[...] é ao mesmo
tempo o que deve ser pensado, e o que não pode ser pensado. Ele seria o não pensado no
38
pensamento. É a base de todos os planos, imanente a cada plano pensável que não chega a
pensá-lo. É o mais intimo do pensamento e, todavia o fora absoluto” (DELEUZE &
GUATTARI, 1992, p. 78).
Seguir os fluxos de desejo no contingente cotidiano pode ser uma maneira de se atuar
na educação, vida, que certamente estarão impregnados de ressonâncias de tantas coisas a
gerar campos intensivos, que se compõem caoticamente e se esvanecem continuamente.
39
Aparelho de controle institucional e espaço nômade
O processo Educação Caos no ambiente da escola opera “entre dois grandes
agenciamentos: o aparelho de controle institucional e o espaço nômade” (DAMIN, 2004, p.
119). Agenciamento como fabrica, fabrica de si mesmo e do real, uma multiplicidade que
estabelece conexões, misturas entre diferentes naturezas, na constante produção de realidades,
onde o que importa são os “modos de expansão, de propagação, de ocupação, de contágio, de
povoamento” (DELEUZE & GUATTARI, 2012, p. 20).
Agenciamentos pressupõem territórios. Territórios do aparelho de Estado, espaço
estriado e seu constante alisamento ao se apropriar de diferentes tipos de artifícios, que se
desterritorializam, cavam linhas de fuga, que o lançam a outras criações, “segundo um eixo
vertical orientado, o agenciamento tem ao mesmo tempo lados territoriais ou
reterritorializados, que o estabilizam, e pontas de desterritorialização que o impelem”
(DELEUZE & GUATTARI, 1975 apud ZOURABICHVILI, 2004, p.8).
A presença de um agenciamento se torna visível quando se consegue “identificar e
descrever o acoplamento de um conjunto de relações materiais e de um regime de signos
correspondente” (ZOURABICHVILI, 2004, p. 9). Vivemos imersos em grandes
agenciamentos sociais, marcados por códigos específicos, que eficientemente impulsionam a
reprodução e desvalorizam os processos de experimentação, especialmente na instituição
escolar de espaço estriado e agenciamento molar.
[...] um agenciamento molar que repousa em agenciamentos moleculares (daí a
importância do ponto de vista molecular em política: a soma dos gestos, atitudes,
procedimentos, regras, disposições espaciais e temporais que fazem a consistência
concreta ou a duração - no sentido bergsoniano - da instituição, burocracia estatal ou
partido), o indivíduo por sua vez não é uma forma originária evoluindo no mundo
como em um cenário exterior ou um conjunto de dados aos quais ele se contentaria
em reagir: ele só se constitui ao se agenciar, ele só existe tomado de imediato em
agenciamentos (ibidem).
Seu campo de experiência oscila entre sua projeção em formas de comportamento e
de pensamento preconcebidas (por conseguinte, sociais) e sua exibição num plano de
imanência onde seu devir não se separa mais das linhas de fuga ou transversais que
ele traça em meio às ‘coisas’, liberando seu poder de afecção e justamente com isso
voltando à posse de sua potência de sentir e pensar (ibidem).
40
Campo de experiência em que somos compostos e atravessados por linhas de natureza
muito diversa, segundo uma cartografia com seus traçados, como a linha de segmentaridade
dura, ligada a tudo que é molar definido pelo aparelho de estado com suas leis e normas. A
segunda, a da segmentaridade mais flexível abriga moralidades e molecularidades. A terceira
são as linhas de fuga, extremamente moleculares, que só traçam seus devires, entretanto as três
linhas estão sempre em conexões entre si, produzindo constantes movimentos de
territorialização e desterritorialização nos espaços estriados do aparelho de estado.
A existência dos espaços liso e estriado existe na coexistência deles, em suas misturas,
onde “[...] o espaço liso não para de ser traduzido, transvertido num espaço estriado; o espaço
estriado é constantemente revertido, devolvido a um espaço liso” (DELEUZE & GUATTARI,
1997, p.180).
Para pensar esses espaços Deleuze & Guattari o comparam com a “teoria dos jogos.
Sejam o Xadrez e o Go, do ponto de vista das peças, das relações entre as peças e do espaço
concernido” (DELEUZE & GUATTARI, 1997, p. 13).
O Xadrez é um jogo de estado com movimentos previamente determinado por regras
rígidas como as estrias impostas pela política educacional, enquanto o Go os que pensam
segundo a potência nômade, em espaço aberto, multivetorial, como nas estepes de um Oriente.
Relembrando rapidamente como funcionam esses dois jogos.
O xadrez opera em um espaço fechado, cada peça tem de
antemão leis a serem seguidas rigorosamente, por exemplo, o
cavalo anda em “L” duas casas em linha reta e vira uma para a
direita ou esquerda, movimento que pode ser repetido para
frente, para trás e para os lados.
As demais peças (torre, bispo, rainha, rei e peão) também
seguem leis bem marcadas como o aparelho de estado.
O “Go” é considerado um jogo aparentemente simples
e sem graça. Suas regras se aprendem em poucos minutos, mas leva uma vida inteira para
aprender suas técnicas, usa materiais e conceitos elementares como linha e círculo, madeira e
Figura 01. Tabuleiro de xadrez http://www.tabuleirodexadrez.com.br
41
pedra, fazendo combinações a partir de regras simples para gerar estratégias sutis e táticas
complexas que abalam a imaginação, segundo
Iwamoto (2006)23.
Os peões do Go são:
[...] grãos, pastilhas, simples unidades aritméticas, cuja função é
anônima, coletiva, ou de terceira pessoa; ‘Ele’ avança, pode ser
um homem, uma mulher, uma pulga, ou um elefante. Os peões do
go são os elementos de um agenciamento maquínico não
subjetivado, sem propriedades intrínsecas, porém apenas de
situação. Por isso as relações são muito diferentes nos dois casos
(DELEUZE & GUATTARI, 1997, p. 13).
A mobilidade do GO na conquista do território
em que a estratégia na simplicidade e ao mesmo tempo complexidade em um plano/tabuleiro
de 19 X 19 linhas, que produzem 361 cruzamentos e cada cruzamento possui 3 situações
distintas, que podem ser preenchidos com a pedra branca, preta ou vazio. O que equivale a
aproximadamente 3361 posições “o que representa uma ordem de 10132 mais possibilidades que
o jogo de xadrez. O xadrez apresenta 1043 posições diferentes” (KATO, KI LEE e HARANO,
2007, p.8).
O GO é uma luta por domínio territorial e o xadrez é um jogo de tomada de poder. O
GO, apesar de ser mais simples se comparamos a diversidade de peças e tabuleiro,
tem muito mais possibilidades e uma infinidade de estratégias. O Xadrez é um jogo
mais novo, de caráter medieval e sofreu muitas modificações durante sua história, já
o Go mesmo sendo mais antigo é jogado da mesma forma que há dois mil, três mil
anos atrás. O conjunto de regras de Go é menos restritivo que o conjunto de regras do
xadrez (ibidem, p. 9).
O xadrez é efetivamente uma guerra institucionalizada, regrada, codificada, com um
fronte, uma retaguarda, batalhas. O próprio do go, ao contrário, é uma guerra sem
linha de combate, sem afrontamento e retaguarda, no limite sem batalha: pura
estratégia, enquanto o xadrez é uma semiologia (DELEUZE & GUATTARI, 1997, p.
13 e 14).
23 Kaoru Iwamoto, jogador de GO, que sintetiza o fascínio que o jogo exerce nos povos do extremo oriente.
Iwamoto é profissional de 9º dan, o que se assemelha à faixa preta do judô.
Entre os famosos praticantes de go estiveram o xogum Ieyasu Tokugawa, o escritor prêmio Nobel Yasunari
Kawabata e o matemático norte-americano John Nash, aquele do filme “Uma Mente Brilhante”, com o ator
Russel Crowe. Nash era realmente praticante de GO - prova disso é a presença de seu nome na lista do Clube de
Go da Universidade de Princeton. (http://madeinjapan.uol.com.br/2006/09/26/go-sabedoria-no-tabuleiro.
Figura 02. Tabuleiro de go
http://madeinjapan.uol.com.br
42
O jogo de xadrez pode ser comparado ao espaço instituído pelo aparelho de Estado que
é estriado, controlado, marcado, esquadriado e o espaço cavado pela máquina de guerra é o
“liso” da potência nômade, aberto como o “go” em espaço aberto multivetorial.
Ao caracterizar os espaços liso e estriado Deleuze & Guattari usam os modelos
tecnológico, musical, marítimo, o físico e o matemático e marcam possíveis oposições e
misturas entre eles. No estriado atua o aparelho de Estado que é sedentário, métrico,
dimensional semelhante a um espaço de tecido, fechado nas tramas que entrecruzam linhas
horizontais. Apesar dos fios móveis no comprimento e largura são limitados como no modelo
musical, que: “que entrecruza fixos e variáveis, ordena e faz sucederem-se formas distintas,
organiza as linhas melódicas horizontais e os planos harmônicos verticais” DELEUZE &
GUATTARI, 1997, p. 184). O espaço estriado do modelo musical se torna liso na contínua
variação do desenvolvimento da forma, na “fusão da harmonia e da melodia em favor de um
desprendimento de valores propriamente rítmicos, o puro traçado de uma diagonal através da
vertical e horizontal” (ibidem, p. 184). O espaço estriado se alisa ao se desprender dos valores
rítmicos na constante interação e mistura.
O aparelho de Estado está no espaço estriado com suas regras e políticas educativas
engessadas, que se mantém em constante interação com o espaço liso. No espaço liso se
produzem as máquinas de guerra é intensivo, onde se criam fluxos que se lançam como
vetores de força em infinitas direções, impulsionado por acontecimentos, necessidades.
Em relação ao espaço liso e um modelo matemático os autores se perguntam:
Seria possível dar uma definição matemática muito geral dos espaços lisos? Parece
que os ‘objetos fractais’, de Benoît Mandelbrot, vão nessa direção. São conjuntos
cujo número de dimensão é fracionário ou não inteiro, ou então inteiro, mas com
variação contínua de direção (DELEUZE & GUATTARI, 1997, p. 195).
Um objeto fractal que vai nessa direção é a “curva de floco de neve", construída a
partir de um triângulo equilátero, em que triângulos equiláteros menores são construídos
repetidamente. Ergue-se no terço mediano dos lados progressivamente menores infinitamente
e com dimensão entre um e dois, essa curva foi considerada por Mandelbrot um grosseiro
modelo, mas vigoroso de uma linha costeira. Um triângulo que vai se transformado em curva
denteada como a de uma costa oceânica.
43
Figura 3. Construção do floco de neve de Koch.
Outro objeto citado por eles é a Esponja de Menger em que a partir de um cubo que vai
esburacando por cubos cada vez menores, tornando-se menor que um volume e maior que uma
superfície, aí teremos uma “apresentação matemática da afinidade entre um espaço liso e um
espaço esburacado” (DELEUZE & GUATTARI, 1997, p. 195).
Vejamos como a Esponja de Menger se esburaca, enquanto diminui seu volume e
aumenta sua superfície.
Esponja de Menger
Nível 1
Observemos na figura 4 que as faces do primeiro cubo estão inteiras, em seguida cada
face foi dividida em nove quadrados, gerando
um cubo dividido em vinte e sete pequenos
cubos. Posteriormente, removeu o cubo do meio
de cada face (seis) e o do centro. Portanto, foram
removidos sete cubos, surgindo a esponja de
Menger nível 1, figura 5, com 20 cubos.
Figura 5. Esponja de
Menger nível 1 Figura 4. Cubo
44
Nível 2 Nível 3
Repetindo o mesmo processo para
cada um dos pequenos cubos restantes
teremos uma Esponja de Menger nível 2,
figura 6, com 400 cubos menores.
Repetindo o mesmo processo para a
esponja de nível 2 teremos a esponja de nível
3, figura 7 com 8000 cubos menores e, assim
sucessivamente.
A esponja de Menger aumenta os buracos /
cubos em 20n, a cada iteração, onde n é o número de iterações.
O volume da esponja de Menger24 tende a zero e simultaneamente a superfície tende ao
infinito. Cada face desse cubo é chamada de Tapete de Sierpinski.
Parece-me interessante pensar no espaço liso como um espaço que se esburaca à
maneira da esponja de Menger. Ao se esvaziar vai diminuindo o volume e aumentando a
superfície, o que remete a ideia do corpo sem órgãos de Artaud, que pode ser tomado como
exercício de esvaziamento de nossas marcas, burocracias institucionais, políticas educacionais.
Enfim, dos organismos em geral e tentarmos cavar buracos, como maneiras de fazer as coisas,
aumentar a superfície de experimentação e criar infinitas possibilidades de mergulho em
determinadas situações, planos.
No processo educativo caótico, o espaço estriado referente ao aparelho de Estado, que
é controlado, marcado, esquadriado e o espaço da potência nômade, que é “liso”, aberto,
articulam-se em situações, acontecimentos a turbilhonar incessantemente em micro
24 Este modelo fractal tem uma dimensão intermediária entre o plano (2D) e o espaço (3D). A dimensão fractal da
esponja de Menger é dada por log 20 / log 3 = 2,726833028... Seu volume pode ser calculado V= (20/27)n
(http://www.reocities.com/CollegePark/7236/esponja1.htm).
201 = 20
202 = 400
203 = 8000
204 = 160 000
205 = 3.200 000
206 = 64 000 000
Figura 6. Esponja de
Menger nível 2
Figura 7. Esponja de
Menger nível 3
45
organizações completamente “fora” dos esquemas previstos pela instituição, escola. Impõe-
nos no cotidiano da vida, atordoando-nos em um emaranhado de surpresas, que emergem dos
possíveis campos intensivos gerados por afecções nesses dois espaços, que se mantêm em
constante interação.
Nunca nada se acaba: a maneira pela qual um espaço se deixa estriar, mas também a
maneira pela qual um espaço estriado restitui o liso, com valores, alcances e signos
eventualmente muito diferentes.
Talvez, seja preciso dizer que todo progresso se faz por e no espaço estriado, mas é
no espaço liso que se produz todo devir (DELEUZE & GUATTARI, 1997, p. 195).
O aparelho de Estado opera com as iterações axiomáticas e o espaço nômade com a
mobilidade flutuante do inusitado, por tangenciamentos e dribles aos mecanismos de controle.
Seguir os fluxos dos desejos nesse espaço é embaralhar essas forças de forma a proliferar as
conexões entre o espaço estriado e o liso ou nômade, em constante metamorfose.
Um processo educativo caótico em sua multiplicidade a proliferar singularidades, onde
é constante o estímulo à experimentação e criação. Processo em que aprendemos muito mais
do que ensinamos sobre os assuntos estudados, nós mesmos, e sobre como operar com as
flutuações e surpresas das situações, acontecimentos. São fluxos de desejo gerando campos
intensivos a operar nessas conexões, tensões entre os espaços lisos e estriados a gerar
situações limite com variação contínua de rumo, numa multiplicidade de iterações e
mobilidades infinitas. São multiplicidades de termos heterogêneos, de co-funcionamento, de
contágio, que “entram em certos agenciamentos e é neles que o homem opera seus devires...”
(DELEUZE & GUATTARI, 2012, p. 24).
47
Campo Intensivo 2
PRÁTICA EDUCATIVA E
TEORIZAÇÕES DO COTIDIANO
... Cotidiano, Mistura de fazeres,
... Sentimentos... Corpos... Vida, Que se faz e refaz,
Em virtuais Flutuações, Bifurcações...
Miriam B. C. de Camargo
Uma cartografia de movimentos, de campos intensivos, de pistas que se apresentem na
expressão de afetos, de algo que mobilize e convide o olhar, em direção a elementos que os
constituem. Em que medida o exercício de pensar a prática no encontro com seus pares, alunos
e outros intercessores pode contribuir para a criação de teorizações mais relevantes no espaço
microssocial? Que agenciamentos, acontecimentos podem gerar campos intensivos a
impulsionar a experimentação no cotidiano da escola, vida?
São indagações em um meio, que a produção do professor é pouco considerada nas
políticas educacionais e nos próprios cursos de graduação.
48
Não é só um problema de governo ou de políticas que está nos impedindo. Há espaço
para fazer o que deve ser feito. O problema é que no ambiente da universidade as
pessoas não são recompensadas por fazerem um bom trabalho na educação de
professores. [...] a Formação de Professores tem um status muito baixo nas
universidades. Você não se torna famoso só por fazer um bom trabalho em Formação
de Professores (ZEICHNER, 2000, p. 14).
O exercício de problematizar e produzir saberes sobre a prática educativa exige
disponibilidade para o processo constante de aprender, o olhar atento à vida que acontece
cotidianamente, considerar as aspirações da escola para que sejam relevantes à comunidade
microssocial.
Um saber fazer proveniente de sua própria atividade em um meio que é comum o
“consumo de teorizações construídas por profissionais que nunca atuaram numa sala de aula”
(TARDIF, 2002, p. 241). Isso tem gerado desconfianças nos professores do Ensino
Fundamental e Médio, após anos recebendo prescrições de como se deve conduzir o processo
educativo, via políticas educacionais, uma longa tradição dos professores acadêmicos em
considerar legítimo, apenas as suas produções.
Os textos direcionados a leitores não acadêmicos geralmente não são valorizados no
contexto da Universidade e pelos centros de pesquisa – que são hierarquizados e
categorizados em “acadêmicos, científicos”, de um lado e “de divulgação, de
didatização” de um outro, a estes últimos sendo atribuídos menor valor e pouca
legitimidade acadêmica (SOARES, 2001, p. 80).
A desconfiança nos acadêmicos foi o primeiro desafio a ser vencido com os
professores e gestores, que além da desvalorização de suas produções, ainda muitas vezes
usam o professor e sua sala de aula para suas dissertações e teses, apontando o que não
funciona, sem nenhum benefício para escola e como já citei anteriormente, era uma
exclamação recorrente: “nossa! Já fiz tantos cursos aqui na Unicamp e em outros lugares e
nunca ninguém quis saber o que eu penso sobre a escola, o aluno, a educação...”.
À medida que os fui convidando a olharem suas práticas, estudá-las e que tentaríamos
encontrar meios de publicar suas produções25, vagarosamente foram se sentindo seguros para
25 Felizmente conseguimos publicar suas produções no livro “A Pesquisa e a Tecnologia na Formação Docente”
pela Prefeitura Municipal de Campinas, lançado do dia 28/08/2014. São 21 textos, sendo 18 de professores e 3 de
gestoras sobre sua prática cotidiana.
49
expor suas práticas, incômodos, concepções de educação. A professora Rosana Tinel relembra
o processo.
O grupo foi pouco a pouco se descontraindo, relacionando-se e levantando
discussões muito interessantes a cada aula.
[...] fui ‘crescendo’ na forma de escrever, observando e escutando os comentários, as
apresentações dos seminários. Não houve momentos em que perdi o entusiasmo
pelas aulas e pelo curso mesmo nos dias em que estava extremamente cansada e mais
calada (2009, p.13).
Trazendo Spinoza podemos dizer que a potência da ação, no alegre “encontro” com os
colegas e o pensar junto criava campos intensivos a impulsionar o repensar da prática e
timidamente fomos adquirindo confiança para compartilhar nossas reflexões, indagações,
incômodos e situações, que iam sendo problematizadas no coletivo. Ao mesmo tempo, a
tentativa de dar forma a sua escrita e, à constante busca de metodologias e referências teóricas,
que pudessem contribuir nesse repensar da prática, um processo coletivo, em que cada um se
apropria a partir de suas próprias “vontades”.
Problematizar e teorizar a prática cotidiana por professores e gestores como uma forma
de compartilhar e trazer à visibilidade seus saberes, construídos ao longo de décadas no
exercício da profissão. Afinal, quem melhor conhece esses espaços e seus desafios? Sabe-se
muito pouco sobre características que lhe são inerentes.
De fato mal conseguimos identificar os atos do professor, que, na sala de aula, têm
influência concreta sobre a aprendizagem dos alunos, e estamos apenas começando a
compreender como se dá a interação entre educador e educandos (GAUTHIER,
1998, p. 17).
Ao se explicitar nossa concepção de educação, o que pretendo com a minha atividade
pedagógica, que ambientes e posturas podem favorecer o processo do apreender. Que
situações me possibilitam trabalhar com elementos simples do cotidiano e despertar o interesse
dos alunos? E a avaliação? E os conhecimentos produzidos pelos alunos? Existe um ambiente
propício, onde o participante possa exercitar o desenvolvimento de suas potencialidades? Em
que medida eu experimento outras formas de fazer, em minha atividade pedagógica e não
apenas reproduzo propostas prontas, geralmente, via políticas educacionais? São
questionamentos que contribuíram para se:
Atentar para a prática como referência para compreendê-la e reconstruí-la; a
relevância de descrever e compreender o cotidiano da escola pública típica; a
50
necessária associação ensino/pesquisa na formação inicial; o respeito aos saberes dos
professores e professoras produzidos em seu trabalho; a necessidade de construir
caminhos coletivos na escola pública (GERALDI, MESSIAS e GUERRA, 2001, p.
241).
Atentar para o saber na ação acumulado ao longo do tempo ao repensar o aprendizado
cotidiano, problematizando-o é uma forma de trazer à visibilidade estratégias usadas em salas
de aula, que encarnam conceitos sobre o modo de entender os valores educacionais.
“Professores e Professoras estão sempre a teorizar, à medida que estão confrontando-se com
vários problemas pedagógicos, por exemplo, a diferença entre as suas expectativas e os
resultados” (ibidem, p. 248).
Inquietar, incomodar, cavar em meio ao que parece não ter nenhuma possibilidade de
ação é tarefa essencial dos educadores em meio ao atual “caos social”, onde o cotidiano das
escolas é palco sombrio de seus efeitos. Vi professores precisarem de licença saúde por conta
de situações, que são muito maiores do que sequer conseguimos imaginar, mas vi também
professores encontrarem soluções para problemas, onde em princípio não se tinha a menor
ideia de por onde começar.
A professora de um terceiro ano, Nair Heerdt, na EMEF Oziel Alves Pereira, no ano de
2008 tinha 80% da sala de alunos não alfabetizados, com idade entre 7 e 14 anos.
Desesperadamente ela tentava encontrar formas de fazê-lo, sempre que começava a utilizar o
material proposto pela Secretaria de Educação, eles diziam “não dona isso a gente já sabe”,
pois já conheciam o material de anos anteriores e não tinham nenhum interesse nele.
Em uma das aulas, um aluno se levantou para entregar um bilhete a uma menina, mas a
professora o interceptou. O menino assustou, achando que ela lhe tomaria o bilhete e lhe
repreenderia, mas para sua surpresa ela lhe ensinou a melhorar o texto antes de entregá-lo à
destinatária. A partir desse incidente choveram bilhetes dos demais e rapidamente melhoraram
significativamente seu processo de escrita, porque de alguma forma isso fazia sentido para
eles. Nas palavras da professora.
Eu estava dando uma aula normal e de repente vi um aluno escrevendo um bilhete
com um semblante de felicidade, levantou-se e ia entregar a uma menina, mas antes
eu pedi para ele me entregar. Ele amassou o bilhete e não queria me mostrar. Disse-
me: Se eu lhe mostrar você não vai brigar comigo? Respondi: Não vou brigar
contigo. Ele desamassou o papel e me entregou. Estava escrito dentro de um coração:
51
Eu te amo Tainá eu te amo do fundo do meu coração, Lucas Olegário (HEERDT,
2009, p. 36).
Imediatamente, interrompi o que estávamos fazendo em vez de recriminá-lo, disse:
Se você quer mandar este bilhete para a Tainá vamos ver quais as letras que estão
faltando. Ele ficou muito nervoso e envergonhado, mas com muito jeitinho fui
dizendo: Eu consegui ler tudo, mas será que a Tainá vai conseguir? Vamos
reescrever, vai ficar bem bonito, então você entrega e ela vai ficar contente. Fiz isso
porque as palavras estavam todas coladas e faltando letras. Sentamos e eu fui lendo
para ele, e automaticamente o próprio aluno viu o que tinha feito, fui lendo e ele
consertando.
Choveram bilhetes. Os alunos e eu trocando bilhetes e entendendo, que para se
comunicar com o outro através da escrita precisamos pensar em nosso interlocutor,
ou seja, quem receberá nossa mensagem, assim a necessidade de transmitir seus
sentimentos aos outros levou meus alunos a demonstrarem para mim o quanto
sabiam e a melhorar suas produções de textos (HEERDT, 2009, p. 37).
O avanço no processo de aprendizagem foi rápido e eficiente. Começaram a ler,
queriam aprender sobre tudo e escrever. Considero um grande avanço, porque no
início eram 35 alunos da 3ª série que não sabiam ler e nem escrever, no entanto em
agosto já 32 estavam completamente alfabetizados, querendo escrever, escrever,
escrever, lendo tudo o que aparecia (ibidem, p. 38).
O esperado aconteceu rapidamente! De repente os alunos sabiam ler e escrever. O
acreditar da professora na capacidade do aluno e sua forma amorosa de caminhar junto,
mudou o processo pedagógico até a sua própria visão deles, que antes também os considerava
problemáticos. “Quando comecei o trabalho também acreditava que a turma era ‘fraca’,
digamos assim, problemática e que renderia muito pouco” (ibidem, p. 39).
Ao possível leitor isso pode parecer pouco, mas considero uma grande sacada da
professora, pois convivi durante 25 anos com alunos do Ensino Fundamental e Médio
lecionando matemática e a dificuldade no entendimento da própria matemática, por não
conseguir entender um texto era grande.
O nosso olhar sobre o processo educativo também os constitui e, aí o eterno exercício
de prestar atenção em possibilidades que apareçam sem ficarmos presos a currículos prontos e
em rótulos dados aos alunos, como determinadas salas são consideradas “fracas”,
“problemáticas” e tantos outros.
Experimentar outros modos de fazer as coisas, a partir do que acontece abre espaços
para o inusitado e inesperado e podemos ter agradáveis surpresas. Os alunos que não queriam
mais estudar com o material didático já utilizado durante diversos anos e diziam para a
52
professora “não dona isso a gente já sabe” foram envolvidos pela troca de bilhetes e
aprenderam a ler e a escrever de forma agradável e satisfatória.
Isso mostra a relevância de se problematizar ações, que ao invés de simplesmente se
encaixarem em determinados rótulos podemos tentar encontrar situações que interessem a
determinados grupos. Isso exige atenção a pistas vindas dos próprios alunos. A seguir um
trecho da avaliação do nosso percurso por essa professora:
E agora? para onde vou? - Por Nair Côrrea Heerdt
- Pode me dizer, por favor, por qual caminho devo seguir?
- Pediu Alice ao gato.
- Isso depende muito do lugar onde você quer ir - respondeu ele..
- Não me importa muito onde. – disse Alice.
- Então, não faz diferença o caminho a seguir...”.
(CARROL, Aventuras de Alice ...)
Nesta avaliação final da disciplina Pesquisa Científica B ao contrário do que
aconteceu com a Alice que não se importava com o caminho a seguir para sair do
País das Maravilhas, colocar que este curso me indicou vários caminhos, me abriu
várias possibilidades de trabalhar o processo educativo e me fez perceber que Ser
professor é ir além de apenas ministrar aulas prontas a partir de teorias alheias, mas
que sou capaz de formular minhas próprias teorias, ainda que esta esteja impregnada
de saberes alheios (HEERDT, 2009, p.15).
A universidade carece de cavar mais espaços para estudo e trocas de experiências, são
professores comprometidos com sua função social e que se encantam com a possibilidade de
enriquecer seu fazer pedagógico e evidenciam a importância do encontro para a produção de
enunciados que tenham relevância no espaço microssocial da sala de aula.
Os professores necessitam estar intimamente conectados às produções acadêmicas
das universidades e capacitados a utilizar os mais diversos recursos tecnológicos em
suas práticas pedagógicas cotidianas, pois ambos estão diretamente ligados à
produção do conhecimento (D’ORÁZIO, 2009, p. 18 e 19).
A produção de saberes em parceria com professores universitários pode ser
enriquecedor para ambos e contribuir de forma efetiva com o processo educativo ao
problematizá-lo, interrogando a prática cotidiana, escapando de “visões a priori”. Uma “(...)
problematização como acontecimento – talvez se possa indicar que a problematização seja um
modo de apropriação do acontecimento” (CARDOSO, 2001, p. 225). Um exercício do
pensamento em que a problematização já é “experimento, no sentido indicado por Foucault,
que se aproxima da perspectiva heideggeriana da experiência como aquilo que consiste em nos
afetar e transformar” (FIGUEIREDO, 1994, p. 121).
53
Experimentar com aquilo que tem a capacidade de forçar o pensamento, de nos afetar e
possibilitar a criação e ação no cotidiano, na contingência sem partir de problemas dados a
priori, mas “inventar e reinventar nas e com as soluções” (GELAMO, 2008, p. 161). De
maneira que as resoluções sejam “novamente re-elaboradas e re-articuladas. Desse modo, os
problemas não desaparecem nas soluções, mas se mantêm distintos e insistentes no
movimento de invenção de novas soluções” (ibidem). Com Deleuze (1988, p. 124) o
pensamento já como problematização e experimento. “[...] os problemas e as soluções não
podem ter a mesma natureza, apesar de estarem intrinsecamente ligados: a solução só encontra
seu sentido no problema a ela subjacente” (ibidem, 161). No cotidiano escolar certamente
encontraremos problemas e soluções de diferentes naturezas, em que as soluções podem ser
provisórias, múltiplas e calcadas localmente.
Práticas comuns no cotidiano em relação à gestão da escola, sala de aula, currículo,
produção de saberes e seus efeitos no processo educativo são temas a serem problematizados,
visando o constante repensar do espaço microsocial, em que intensivos fluxos pressionam,
oprimem e impulsionam ações, em meio a uma caótica relação de forças, que se estabelecem
nesse espaço, que historicamente tem se constituído em “eficiente dobradiça capaz de articular
os poderes que aí circulam com os saberes que a enformam e aí se ensinam, sejam eles
pedagógicos ou não” (VEIGA-NETO, 2003, p. 18).
Um cotidiano povoado por campos intensivos, gerados na multiplicidade das
correlações de forças com seus jogos incessantes de afrontamentos a transformá-los e nos
pressionar constantemente.
O cotidiano é aquilo que nos prende intimamente, a partir do interior. É uma história
a meio caminho de nós mesmos, quase em retirada, às vezes velada. É um mundo
que amamos profundamente, memória olfativa, memória dos lugares da infância,
memória do corpo, dos gestos da infância, dos prazeres. Talvez não seja inútil
sublinhar a importância do domínio desta história "irracional" ou desta "não-história.
O que interessa ao historiador do cotidiano é o invisível..." (CERTEAU, 2012, p.
31).
História “irracional”, o invisível nos remete aos campos intensivos povoados por
fluxos em constante devir. Operar nesses espaços implica mergulhar nesse mar virtual de
memórias e tentar apreender fluxos de sutilezas e nuances nas “artes de fazer” em que se criam
54
táticas frente às imposições dogmáticas do aparelho de Estado que tudo pretende burocratizar
e controlar.
Táticas que são saberes sem discurso, sem escritura, solidários de operações
múltiplas e anônimas, excluídos pelos saberes da administração e do controle, mas
não menos criadores e subversivos por isso.
Saberes e artes de fazer que irritam e estimulam a domesticação, mas também
anunciam e apelam à criação engenhosa, dando esperanças de que, nos interstícios
dos códigos impostos, toda uma série de táticas subterrâneas possa dar vida a ações
sem autores e sujeitos sem nome, demolindo as verdades de discursos morais,
políticos e tecnocráticos que intentam fabricar o conformismo (SOUZA FILHO,
2002, 133).
Michel de Certeau (2012) ao problematizar as artes de fazer na sociedade de consumo,
aponta a sua capacidade de driblar os mecanismos de controle e propõe os conceitos de tática e
estratégia, que fazem parte de um mesmo processo na tentativa de organização de uma
sociedade. As estratégias são ações que graças a um lugar de poder, a propriedade de um
próprio, “elaboram lugares teóricos (sistemas e discursos totalizantes), capazes de articular um
conjunto de lugares físicos onde as forças se distribuem” (p. 96), privilegiam as relações
espaciais e tem como modelo o “científico”, antes foi o militar. As táticas são procedimentos
circunstanciais, que transformam situações, mudando a geometria do espaço, talvez
pudéssemos dizer com Deleuze que as táticas alisam o espaço estriado das estratégias de
poder, estratégias e táticas coabitam os mesmos espaços e vão se modificando mutuamente.
[...] as estratégias apontam para a resistência que o estabelecimento de um lugar
oferece ao gasto do tempo; as táticas apontam para uma hábil utilização do tempo,
das ocasiões que apresenta e também dos jogos que introduz nas fundações de um
poder. Ainda que os métodos praticados pela arte da guerra cotidiana jamais se
apresentem sob uma forma tão nítida, nem por isso é menos certo que apostas feitas
no lugar ou no tempo distinguem as maneiras de agir (p. 96 e 97).
Nesses espaços as evidências são contingentes, resultam de uma disposição do espaço,
de uma particular forma de expor as coisas, constitui o lugar do nosso olhar, o que implica
“que nosso olhar, inclusive naquilo que é evidente, é muito menos livre do que pensamos. [...]
nos fazem ver e ver de uma determinada maneira, ver e crer” (CARVALHO e SILVA, 2009,
p.3).
Alves e Oliveira (2002) nos lembram de que os estudos sobre o cotidiano
acompanharam o caminho da ciência dominante na modernidade, a de Galileu e Newton,
como o “legitimador das ideias e dos trabalhos sobre a verdade” (ibidem, p. 84), que ao
55
privilegiar elementos controláveis e quantificáveis da realidade, desconsideram as demais
informações. “[...] a quantificação e sua ciência derivada, a estatística, acompanhada da
necessidade de generalização e de sua mais perfeita expressão, a universalidade” (ibidem) vêm
excluindo aspectos singulares e qualitativos do real, nas pesquisas do cotidiano.
Pensar o cotidiano como espaço de quantificação, significa considerá-lo como espaço
de repetição, de norma, de obviedade – “o espaço do senso comum e da regulação” (ibidem, p.
84). Na vida cotidiana há repetição constante, mas se experimentarmos olhar com mais
cuidado, encontraremos aspectos singulares e qualitativos de nossas práticas repetidas
infinitamente, e “vamos nos dar conta de que, na forma de fazer cada uma dessas atividades,
nunca há repetição” (ibidem, p. 86). O que pode ser medido, quantificado, regulamentado e
controlado é “o que” fazer, mas “não o ‘como’, que varia de modo mais ou menos anárquico e
caótico26” (ibidem). A análise quantitativa é insuficiente para dar conta de sua complexidade
e, a tentativa de sua desqualificação por determinados “discursos” que instauram o status de
científicos, nas intricadas teias de poder denunciadas por Foucault, uma multiplicidade de:
[...] correlações de força imanentes ao domínio onde se exercem e constitutivas de
sua organização; o jogo que, através de lutas e afrontamentos incessantes as
transforma, reforça, inverte; os apoios que tais correlações de força encontram umas
nas outras, formando cadeias ou sistemas ou, ao contrário, as defasagens e
contradições que as isolam entre si; enfim, as estratégias em que se originam e cujo
esboço geral ou cristalização institucional toma corpo nos aparelhos estatais, na
formulação das leis, nas hegemonias sociais (FOUCAULT, 1988, p. 88 e 89).
As práticas em uma perspectiva foucaultiana, segundo Veiga-Neto, (2003) se
caracterizam pela existência de certas regras a que o sujeito está submetido desde o momento
em que pratica o “discurso”. O discurso constitui a prática, uma concepção materialista que
não admite qualquer “discurso fora de relações materiais que o estruturam e o constituem”
(ibidem, p.54).
Os estudos sobre o cotidiano e suas práticas ao buscar sua positividade, como os de
Foucault (1979) sobre a constituição histórica das ciências humanas possibilita ativar saberes
locais, descontínuos desqualificados, não legitimados, contra a instância teórica unitária que
26 Caótico no sentido da Teoria do Caos, que segundo Prigogine (1996), o caos não é só desordem, é um tipo de
realidade que, a partir do desequilíbrio, cria formas de auto-organização.
56
pretende depurá-los, hierarquizá-los, ordená-los em nome de um conhecimento verdadeiro, em
nome da legitimidade de uma ciência detida por alguns.
Com Alves e Oliveira (2002) o cotidiano como um conjunto de atividades que
desenvolvemos em “nosso dia a dia, tanto do que nelas é permanência (o seu conteúdo) quanto
do que nelas é singular (as suas formas)” (p. 87).
Na multiplicidade de vida no cotidiano da escola com seus conteúdos e formas ao
inventar sentidos para suas produções, sejam elas intelectuais, de relações ou de
gerenciamentos, geram campos intensivos a impulsionar a experimentação. Esse processo, no
âmbito da micropolítica burla o aparelho de controle institucional, potencializando ações
relevantes na comunidade microssocial, o que exige agenciamentos completamente “fora” do
previsto pela instituição escola. É a produção da própria vida em sua multiplicidade e caos.
São invenções cotidianas desenhadas na escola que “mostram diferentes formas dos
professores se ‘ajustarem’ às políticas que lhe são impostas, às diferentes formas de ‘caça não
autorizada’ que vão reorganizando o cotidiano e suas práticas” (AMARAL, 2009, p.38),
aproveitando situações para encontrar saídas, embora o que se ganha não se permaneça.
Carvalho (2013), professora de Língua Inglesa afirma, que indagações sobre a sua
prática a levaram a prestar mais atenção a suas ações, colocando-se como parte do processo
educativo, na condição de professora e pesquisadora, o que exige constante abertura para
aprender sobre diversas coisas, que certamente refletirão no processo educativo com os seus
alunos.
Ao problematizar minha prática, reconheço o quão complexo e instável o educar se
configura, e que as concepções assumidas por mim no cotidiano irão definitivamente
interferir no processo de aprendizagem do aluno (CARVALHO, 2013, p. 121).
A dinâmica dos encontros com professores e gestoras foi permeada pela
problematização de sua própria prática, na tentativa de se criar práticas relevantes no espaço
microssocial. São teorizações oriundas da prática, resultantes de estudo e discussão de
questões educacionais locais, no encontro com diversos intercessores, um processo constante
de aprendizagem, onde a teoria educativa apreendida no mundo acadêmico contribui na
composição da sistematização dos estudos sobre o processo educativo cotidiano, ajudando a
repensá-lo.
57
Nesse processo campos intensivos gerados nos “encontros” de troca entre os
professores, gestores e diversos autores, algumas práticas e ideias marcaram de forma especial
por trazerem outras maneiras de se pensar e viver a escola, vida: - O “Projeto Ciência na
Escola” por propor um processo pedagógico a partir de temas escolhidos pelos alunos, uma
prática vivida desde o seu início e, que implica em um currículo aberto, que o conhecimento
escolar vai sendo apreendido, em acordo com as exigências do assunto em estudo; - A ideia de
Silvio Gallo sobre a transversalidade possibilita pensar esse currículo, junto com outros
autores como Gilles Deleuze e tantos outros...
A seguir tento mostrar como algumas dessas ideias foram sendo apropriadas pelos
professores e gestores na composição da pesquisa sobre a sua própria prática cotidiana, de
forma um tanto caótica, a partir dos Trabalhos de Conclusão de Curso, 2009, e de um livro
com algumas de suas produções27, já citado anteriormente.
27 “A Pesquisa e a Tecnologia na Formação Docente”, publicado pela Prefeitura Municipal de Campinas, lançado
em agosto de 2014.
58
‘Encontros’ a gerar campos intensivos no contingente cotidiano
Um encontro é talvez a mesma coisa que
um devir ou núpcias. É do fundo dessa solidão que
se pode dar qualquer encontro. Encontram-se pessoas
(e por vezes sem as conhecer nem as jamais ter visto),
mas também movimentos, ideias, acontecimentos, entidades
(DELEUZE e PARNET, 2004, p.17).
O essencial são os intercessores. A criação são os intercessores.
Sem eles não há obra. (...) é preciso fabricar seus próprios intercessores.
É uma série. Se não formamos uma série, mesmo que completamente imaginária,
estamos perdidos.
(DELEUZE, 2000, p.156).
O efeito do encontro com diversos intercessores como pessoas, livros, ideias ao se
deixar fecundar por fluxos em devir, “acontecimentos contagiantes” emergem e podem
impregnar os envolvidos, potencializar a ação e contribuir para o traçado de um currículo
aberto como um mapa, em que a conexão dos campos se dá ao atender chamados do
contingente cotidiano, a se metamorfosear constantemente.
Acontecimento no sentido de Deleuze (2003) a partir dos estoicos em que para eles
havia duas séries distintas, a dos seres (dos corpos) e a dos acontecimentos (dos incorpóreos).
Um incorpóreo como efeito da mistura de corpos, onde a vibração da vida e a
imprevisibilidade se faz presente a cada instante, como um conjunto de singularidades.
59
[...] que caracterizam uma curva matemática, um estado de coisas físico, uma pessoa
psicológica e moral. São pontos de retrocesso, de inflexão etc.; desfiladeiros, nós,
núcleos centros; pontos de fusão, de condensação, de ebulição etc.; pontos de choro e
de alegria, de doença e de saúde, de esperança e de angústia, pontos sensíveis como
se diz.
A singularidade faz parte de outra dimensão diferente das dimensões da designação,
da manifestação ou da significação. A singularidade é essencialmente pré-individual,
não-pessoal, aconceitual. Ela é completamente indiferente ao individual e ao coletivo
(DELEUZE, 2003, p. 55).
[...] não há acontecimentos privados e outros coletivos; como não há individual e
universal, particularidades e generalidades. Tudo é singular e por isso coletivo e
privado ao mesmo tempo, particular e geral, nem individual nem universal (ibidem,
p. 155).
“Acontecimentos contagiantes”, alegre vestígio dos nossos encontros / aulas
presenciais e pela internet no grupo Yahoo, capturado pela professora Denilda Altem (2009,
p.19) a produzir singularidades. Do encontro com pessoas, metodologias, o aprendizado
escolar via assuntos de interesse dos alunos e professores, livros, processo de escritura, ideias,
o pensamento filosófico de Deleuze, Foucault, Silvio Gallo, dentre outros, impulsionaram
forças a aumentar a ação no processo de experimentação no cotidiano da escola, vida.
O processo de aprendizado via problematização de situações de interesse de alunos e
professores foi uma prática desenvolvida no Projeto “Ciência na Escola”, que nos
desestabiliza, porque, geralmente, estamos acostumados a seguir propostas prontas, via livros
didáticos e apostilas, tão em moda hoje nas escolas e, de repente somos convidados a criar
nosso próprio material pedagógico. Surpreendeu-me a rapidez com que os participantes da
disciplina “A Pesquisa como instrumento pedagógico”, módulos I, II e III, do curso já citado,
se apropriaram dessa maneira um tanto caótica de “fazer” na escola, junto com seus alunos.
Nessa empreitada o filósofo e professor Silvio Gallo, que vem pensando a
transversalidade na produção do conhecimento, contribuiu muito para pensarmos essas
práticas com seus textos escritos de forma clara e provocadora. Nosso primeiro contato com a
filosofia. A partir dele passamos por Nietzsche, Foucault e Deleuze em pura experimentação,
ignorando muitos de seus princípios, na busca de subsídios para se pensar a vida cotidiana, o
que incorre em grande risco de se liberar a busca pelo saber que se deseja e, ainda, contaminar
outros com ressonâncias da ignorância: “O que um ignorante pode uma vez, todos os
ignorantes podem sempre” (RANCIÈRE, 2002, p. 55).
60
A prática do mestre ignorante, talvez possa contribuir para nos liberar da violência
cognitiva da razão, imposta pela educação do aparelho de Estado e agirmos em acordo com o
que realmente nos move. Ao nos compormos com os textos filosóficos, sem ideias pré-
concebidas, sem a pretensão de explicá-los, mas deixando-se fecundar por afecções em bons
“encontros” podemos aumentar a nossa potência de ação.
Segundo Rancière, (2002) o mestre ignorante não transmite seu saber, não guia o aluno
ao bom caminho, mas observa o percurso de sua “vontade”, na busca de seu caminho, o deixa
exercer sozinho, o que força o aprendiz a usar sua própria inteligência na busca dos caminhos
escolhidos e pode: “[...] forçar uma capacidade que se ignora ou se denega a se reconhecer e a
desenvolver todas as consequências desse reconhecimento” (ibidem, p.11).
Na busca de possibilidades, caminhos, na solidão povoada por tantos intercessores
sempre é possível encontrar algo novo a ser relacionado com o já conhecido, embora não se
encontre “necessariamente aquilo que buscava, menos ainda, aquilo que é preciso encontrar”
(ibidem, p.44), mas ao manter o foco da busca, que mesmo sozinho a procurar, o faz
incessantemente.
O ignorante sempre sabe alguma coisa e sempre pode relacionar o que ignora ao que
sabe. Tudo começa pelo obstáculo aparentemente mais intransponível: o da leitura.
Como penetrar em um mundo de signos que nos é opaco? O método de Jacotot
consiste na afirmação de que sempre há um ponto de passagem, de que o ignorante
sempre possui, em seu conhecimento oral da linguagem, os meios de estabelecer
relações com os signos escritos que ignora (RANCIÈRE, 2003 apud BENVENUTO,
2003, p. 191).
Talvez a não especialização, em certa medida, a ignorância mesmo, nos tenha
autorizado a liberar o medo do que seria certo ou errado na apropriação deste, ou daquele
pensamento filosófico e, em acordo com Kohan, (2003) a potência do mestre ignorante se
situa:
[...] nos desacordos que supõe e provoca, no trabalho de pensamento que desencadeia
como expressão solitária, inaudita, dissonante e, apesar de tudo, suficientemente
forte para interrogar uma realidade que desconsidera suas principais proposições ou,
no melhor dos casos, as ignora (p. 224).
A prática do mestre ignorante, no exercício de se interrogar nossas próprias práticas no
encontro com outros intercessores pode forçar capacidades ignoradas ou negadas, em que sua
força se situa na “experiência que provoca” (ibidem). Um exercício de não “subestimar
ninguém – começando por não subestimarmos a nós próprios” (ibidem).
61
Ainda, com Kohan (2003) a lição do mestre ignorante é a da emancipação, a de um
mestre que se emancipa a si próprio, que ensina sem método, ou seja, com seu próprio método
e, que a emancipação não tem a ver com um conteúdo, doutrina ou conhecimento.
Ninguém pode emancipar ninguém. Um mestre que escreve sua própria história, para
que os outros a leiam. E outro mestre lê a história, reflete sobre ela e a relata para que
outros(as) mestres a pensem. E se emancipem, na contradição e no paradoxo.
[...] só há uma única educação que vale a pena – a que emancipa (sem emancipar).
Quem não deixa que os(as) outros(as) se emancipem, embrutece.
Afinal, um ser humano pode o que pode qualquer ser humano (ibidem, p.228).
A educação na contingência, impulsionada por campos intensivos a noção de sujeito
será pensada em termos de singularização, agenciamentos, dispositivos, “(...) que não possuem
qualquer relação com o conceito de sujeito” (GALLO, 2011, p. 7, 8).
Processo na contingência, que não se espera um mestre “explicador”, do que, e como
devemos fazer as coisas, como entender e utilizar determinadas correntes de pensamento, mas
seguir o rumo que considerar adequado, o que implica em se responsabilizar por seus efeitos.
“Cada um possui seu caminho, não como um percurso traçado de antemão, mas como um
trajeto a ser construído, a ser inventado em sua singularidade” (ibidem, p.12).
Voltando aos nossos encontros, a busca por ideias, no pensamento filosófico, que
pudessem nos afetar, fez-se com certo receio e estranhamento, devido a nossa “ignorância” na
área, mas seguimos encorajados pela possibilidade de pensar junto com outros intercessores.
Iniciamos com teorizações de Gallo (1999) sobre a transversalidade de saberes, no final do
primeiro semestre de 2008. Em seguida os convidei a ler durante as férias do mês de julho,
alguns textos de Deleuze e fiquei à espreita pelos efeitos que poderiam provocar; esperei
reclamações, o que não aconteceu e para minha surpresa a maioria, de alguma forma tomou
contato com suas ideias. Trechos do convite:
Começaremos o próximo semestre lendo Gilles Deleuze, o filósofo das
multiplicidades, que segundo Gallo (2003), pensou as questões emergentes no século
XX, buscando construir uma filosofia imanente, um pensamento do acontecimento, o
que pode servir para o campo educacional. Imanente = calcado na materialidade, no
acontecimento.
A partir de quatro textos de Deleuze: “Rachar as coisas rachar as palavras”, “A vida
como obra de arte”, “Filosofia - Os Intercessores” e “Política – Controle e devir”, da
obra “Conversações”, vamos começar o 2º semestre, exercitando a criação.
Considerando que pensar é poder como estratégia, “pensar é ver e falar, mas com a
62
condição de que o olho não permaneça nas coisas e se eleve até as ‘visibilidades’, e
de que a linguagem não fique nas palavras ou frases e se eleve até os enunciados. É o
pensamento como arquivo”, como diz Deleuze (2000, p. 119) sobre Foucault.
Proponho que façam uma leitura capturando algo que os toque, que dispare
exercícios de pensamentos e possibilite criar algo inusitado... E escrevam...
Escrevam... Escrevam...
Vamos começar a primeira aula do segundo semestre, expondo o que surgiu desse
exercício (Aula 28/06/2008).
Na primeira aula de agosto alguns professores disseram que acharam os textos muito
estranhos, difíceis, outros que foram tocados por algumas ideias, um professor de história
ficou incomodado com algumas colocações de Deleuze sobre a história, posta por Foucault e
foi ler os textos do próprio Foucault como “Microfísica do Poder”, dentre outros. São novas
conexões a surgir no exercício do pensamento e da ação no cotidiano, que, posteriormente,
aparecem no estudo da sua prática no aprendizado de história.
Fiz uma apresentação dos textos de forma aleatória, na tentativa de provocar sensações
com retalhos de falas de Deleuze, imagens que pudessem afetar e trazer possíveis
convergências com a nossa maneira de pensar, de:
[...] encontrar algo que nos diga respeito, que possa ser utilizado como base para
avaliar, vindo de uma natureza que nos seja semelhante e cujas ideias possam ser, de
alguma forma, recriadas (GRISOTTO, 2010, p. 36).
“Acontecimento e Resistência: Educação menor no cotidiano da escola”28, texto de
Gallo (2007) proposto nesse momento, imediatamente impulsionou o pensar de práticas
problematizadas como lugar de resistência ao aparelho de Estado, na contramão dos fluxos
instituídos e políticas impostas.
A professora Rafaela Lopes29 ao estudar sua prática pedagógica no ensino da Língua
Inglesa, em parceria com a professora de Artes, Thelma Guimarães, sobre o artista brasileiro
Candido Portinari deslocou o conceito de educação menor para o de Inglês menor e nos
explica:
[...] podemos pensar no conceito de um ‘Inglês menor’: o Inglês utilizado por nós, os
menos favorecidos, resistente às potências mundiais globalizantes, que trabalhamos a
nova língua dentro de uma abordagem da valorização da cultura brasileira, utilizando
28 Esse texto foi proposto no início de agosto de 2008 pela professora Maria de Fátima Garcia, que lecionava a
disciplina “Desenvolvimento curricular e profissional do professor”, neste semestre nós juntamos essa disciplina
com a “Pesquisa científica como instrumento Pedagógico II”.
29 Essa professora concluiu o mestrado no ano de 2014.
63
a Língua Inglesa como ferramenta, desterritorializando-a, fazendo com que raízes
flutuem, escapando da territorialidade forçada, provocando novas buscas, encontros e
fugas.
A educação menor, o inglês menor, como a literatura menor, age por agenciamentos,
coletivamente, nas trincheiras da sala de aula, onde nossa estratégia é a resistência
(LOPES, 2009, p. 22).
A valorização da própria língua, a partir do aprendizado de uma língua estrangeira se
constitui em grande desafio no interior de nosso “sistema instituído, uma máquina de
resistência, ao contrário da literatura maior que se preocupa em territorializar-se no sistema de
tradições a toda força” (p. 76). Lopes se encantou com as ideias trazidas nos textos de
Deleuze e Gallo e escreve no seu Trabalho de Conclusão de Curso:
Encontrei-me nos textos, MARAVILHADA! A língua alvo como instrumento, como
ferramenta para conhecimento de outras culturas e da nossa também, explorando o
projeto “Cândido Portinari”, valorizando nosso povo, favorecendo a apropriação da
língua estrangeira como ferramenta de resistência (LOPES, 2009, p.8):
A autora busca a valorização da própria cultura a partir do ensino da língua inglesa e
pontua que em nossos encontros as leituras propostas misturadas às conversas, nas trocas
sobre o processo pedagógico se compuseram com seu repertório pessoal de vida e deixaram:
[...] muitas marcas por expressar teoricamente crenças que já existiam em mim: o
rizoma de Deleuze nas ideias de Silvio Gallo (2001) e Acontecimento e resistência:
educação menor no cotidiano da escola (ibidem, 2007) se coadunavam com minha
postura de professora de inglês que trabalhava com possibilidades de aprendizagem
da nova língua valorizando a cultura brasileira (LOPES, 2009, p. 7).
A professora Eliana Cristina D’Orázio (2009) lembra como o contato com a filosofia a
tocou, que os pensamentos e concepções dos autores mostrados no curso a despertaram para a
importância de seu trabalho, dos efeitos que suas escolhas possam ter na formação de seus
alunos e, que Nietzsche foi o autor que mais a tocou:
[...] devido à sua visão sobre a educação e a cultura, além de admirar a maneira
corajosa como escreveu suas críticas a respeito da educação alemã no séc. XIX.
Interessante observar que alguém que defendeu com tanta garra a essência da
educação, tenha nascido justamente no dia do professor...
Segundo Nietzsche, educação e cultura são inseparáveis. Não existe cultura sem um
projeto educativo, nem educação sem uma cultura que a apoie.
Como Nietzsche foi o autor que mais gostei, a seguir faço alguns comentários
(ibidem, 18):
Filosofando com Nietzsche:
No final do século XIX, Nietzsche criticava o sistema educacional alemão, pois
segundo ele, o Estado e os negociantes eram os grandes responsáveis pela
degradação da cultura. A preocupação em formar indivíduos que estivessem
64
rapidamente ‘prontos’ para o trabalho e para ganhar dinheiro, colocava em
detrimento uma educação que realmente levasse os alunos a construírem
determinados princípios a partir dos quais pudessem crescer por si mesmos, interior e
exteriormente (ibidem, 18).
Em relação às universidades alemãs de seu tempo diz: “O professor fala. O aluno
escuta... Atrás desses dois grupos, a uma relativa distância, está o vigilante Estado
lembrando, de tempo em tempo, que deve ser ele o objetivo, o fim e a quinta-
essência desses procedimentos de fala e de audição” (NIETZSCHE, 1988 apud
DIAS, 2001, p.36).
Em pleno século XXI a maioria dos cursos oferecidos aos professores, ainda seguem
esse modelo30 ironizado por Nietzsche, como pontua D’Orázio (2009), de que é lamentável
que este tipo de projeto não envolva um grande número de professores, que muitas outras
vozes seriam ouvidas e um número bem maior de alunos teriam mais motivação para
aprender. O processo pedagógico compartilhado como um detonador de intensidades, que
estimulam outras ações.
O pensamento de Nietzsche é extremamente atual, o sistema educacional brasileiro
não se mostra muito diferente do sistema alemão do século XIX, que recebia suas
destemidas críticas. [...] atualmente é a ‘indústria’ das universidades fabricando dois
tipos de profissionais: o primeiro constitui-se de professores ‘das salas de aula’
(Educação Básica e Ensino Médio), e o segundo pelos professores acadêmicos, que
se especializam em uma área do conhecimento, produzindo saberes que certamente
serão lidos por profissionais de seu próprio meio, os seus pares.
Nesse cenário o que vejo acontecer com a maioria dos professores, devido em parte
às contingências do dia-a-dia das escolas, é um afastamento entre os professores e as
novas técnicas e metodologias desenvolvidas nas universidades, provocando a
existência de um ‘abismo’ acadêmico entre os conhecimentos produzidos nas escolas
de Educação Básica e Ensino Médio e aqueles produzidos das universidades
(D’ORÁZIO, 2009, p.18).
“Abismo acadêmico” entre as produções dos professores do Ensino Superior e os da
Educação Básica e Ensino Médio. Acrescenta Nunes (2009) entre o ensino e a pesquisa, o
erudito e o popular, a arte e a ciência, a escola e a vida, o aluno e o professor, o que reflete a
fragmentação social da vida cotidiana. Indagar sobre essa distância no dia a dia da escola,
buscar alternativas que a superem e envidar esforços na direção de criar espaços onde o
trânsito nas diversas esferas sociais se estabeleça.
Encontrar saídas ao modelo fragmentado no processo de aprender exige que alunos e
professores “em sua força de existir” se encorajem a correr riscos, questionar e revisar
30 Quando iniciamos o curso de especialização e perguntamos aos professores o que esperavam dele, nos olhavam
intrigados e depois alguns disseram que era a primeira vez que alguém se interessava pelo que eles pensam.
65
certezas, o que exige disposição para ouvir o outro e o constante indagar de nossas próprias
ações. Isso pode ser realizado em projetos conjuntos “que ao colocar seus professores em
estreito contato, possamos gerar condições para uma educação, que realmente atenda às
necessidades de nossas crianças e jovens...” (DAMIN, 2004, p.14).
Observamos que os textos filosóficos nos lançam à vida cotidiana de professores e
impulsiona um novo olhar para as mesmas situações ao incorporar outras paisagens,
conceitos...
Através dos acontecimentos, no corpo dos textos filosóficos, encontram-se presentes
paisagens, cores, sons do pensamento em forma de ideias, conceitos, problemas,
oferecendo ao pensamento em termos afetivos o que pensar, ou o que experimentar,
cujos resultados podem trazer algo de singular. Este movimento ultrapassa o sentido
do já pensado. Assim, muda a ótica com que se pensava e também a ótica do
pensador que se lê (GRISOTTO, 2010, p. 31).
“Acontecimentos no corpo dos textos filosóficos” que se misturam e transformam em
acontecimentos na vida de quem os experimenta, em seu próprio corpo, sem a intenção de
ensinar filosofia, mas misturá-las ao sangue que corre nas veias. Utilizá-las, torcê-las, produzir
outros enunciados na escola, no processo pedagógico cotidiano, junto à “tomada da palavra
pelas professoras e professores, historicamente impedidos de dizerem suas próprias palavras”
(ALVES e GARCIA, 1999, p.10).
66
Currículo em devir
A potência dos “encontros contagiantes” remete à transversalidade de saberes, práticas,
relações e pressupõe um currículo aberto, em que agenciamentos se conectam a outros
agenciamentos, um processo extremamente caótico a criar campos intensivos, que surgem e
desaparecem constantemente. A repetição e a diferença coexistem nas “multiplicidades, que
são a própria realidade, e não supõem nenhuma unidade, não entram em nenhuma totalidade e
tampouco remetem a um sujeito” (DELEUZE & GUATTARI, 2011, p.10).
Um agenciamento se refere ao aumento de dimensões de uma multiplicidade que ao
aumentar suas conexões muda de natureza semelhante a um rizoma, “que não existem pontos
ou posições como se encontra numa estrutura, numa árvore, numa raiz. Existem somente
linhas” (ibidem, p.24). Linhas de fuga que fogem da hierarquia da ordem estabelecida e
disparam conexões com outras raízes, criando outros caminhos levados por marcas de
intensidades.
Os princípios característicos das multiplicidades concernem a seus elementos, que
são singularidades; as suas relações que são devires; a seus acontecimentos, que são
hecceidades (quer dizer individuação sem sujeito); a seus espaços-tempos, que são
espaços e tempos livres; a seu modelo de realização, que é o rizoma (por oposição ao
modelo da árvore); a seu plano de composição, que constitui platôs (zonas de
intensidade contínua); aos vetores que as atravessam, e que constituem territórios e
graus de desterritorialização (DELEUZE & GUATTARI, 2011, p.10, 11).
As realidades são multiplicidades, que não remetem a nenhuma unidade, nem
totalidade e nem a um sujeito, o que importa é fazer proliferar conexões entre os espaços liso e
estriado na produção de uma educação, vida, que no cotidiano, realmente, vise um tempo e
“espaço de troca, de criação, de relações amorosas e solidárias” (ALVES e OLIVEIRA, 2002,
p. 11). Diríamos com Spinoza: “encontros” de pura intensidade a lançar fluxos de desejo, que
só se produzem e se movem por rizoma a provocar o crescimento nas dimensões dos
agenciamentos, em que sua natureza muda, à medida que suas conexões aumentam.
Resumamos as principais características de um rizoma: diferentemente das árvores
ou de suas raízes, o rizoma conecta um ponto qualquer com outro ponto qualquer e
cada um de seus traços não remete necessariamente a traços de mesma natureza; ele
põe em jogo regimes de signos muito diferentes, inclusive estados de não signos. O
67
rizoma não se deixa reduzir nem ao uno nem ao múltiplo (DELEUZE &
GUATTARI, 2011, p. 43).
O rizoma se faz por “direções movediças” (ibidem), sem unidades e “procede por
variação, expansão, conquista, captura, picada” (ibidem), não possui começo e nem fim, mas
um meio em que cresce e transborda, são multiplicidades, que ao variar suas dimensões, muda
sua natureza e nela mesma se metamorfoseia.
Segundo Gallo (1999) a metáfora do rizoma é uma alternativa interessante para
subverter a metáfora da árvore, herança da modernidade, que é hierarquizada, onde a raiz é o
mito, o tronco a filosofia e as ramificações são as outras disciplinas.
Relembremos algumas metáforas criadas na tentativa de se entender o processo de
criação de conhecimento em todos os tempos e espaços do ser, fazer humano, segundo Alves e
Garcia (1999).
Conhecimento em rede de Certeau, Lefebvre e Latour, em que a grande diferença da
grafia em árvore, diz respeito à consideração de um valor diferente, o da prática social,
movimento em que se tenta “dar à prática a dignidade de fatos culturais e de espaço de criação
de conhecimentos” (ALVES, 1999, p.115). Movimento ligado aos processos desenvolvidos
com a informática, comunicação e campos de conhecimento não disciplinares como a
engenharia genética, os estudos sobre cidades, em que a grafia de rede se impõe aos processos
de criação. “A linearidade e a hierarquização dão lugar a múltiplas conexões e interpretações,
produzidas em zonas de contatos móveis” (ibidem).
Rede de subjetividades a partir de redes de contextos cotidianos de Boaventura de
Souza Santos.
Foucault ao caracterizar a capilaridade do poder, inverte o centro das preocupações
com o poder ao buscá-lo na base das relações sociais e, não no topo como nos estudos
anteriores. Poder como rede ou “teia de renda” uma multiplicidade de correlações de forças
imanentes a seus domínios, ou seja, enraizado na realidade cotidiana. O conhecimento é
essencialmente político. Saber e poder interligados tanto o poder produz saberes quanto o
saber põe a funcionar poderes vários. Em seus estudos sobre o poder, transitou por campos da
68
Filosofia, da História da Medicina e da Psicologia, rompendo a compartimentalização dos
saberes contemporâneo. Uma trajetória transversal.
Trajetória transversal, rizomática, que em acordo com Gallo, (2001) a metáfora do
rizoma é potencialmente mais libertária que a da rede.
A metáfora da rede tem sido utilizada como outra possibilidade de se pensar o
conhecimento, formado por múltiplos fios e nós de interconexões. Mas mesmo a rede
parece um tanto ordenada, embora rompa com a hierarquia do modelo arbóreo. Mais
caótico e, portanto, absolutamente não hierárquico e potencialmente mais libertário
parece-me o modelo do rizoma de Deleuze e Guattari (GALLO, 2001, p.175, 176).
[...] amparado por filósofos franceses contemporâneos, como Foucault e Deleuze,
tenho trabalhado a ideia de transversalidade aplicada à produção e circulação dos
saberes. E ela pode ser estendida também à educação, ajudando a pensar um
currículo não disciplinar (ibidem, p. 174).
Deleuze & Guattari criam o conceito de transversalidade para pensar em possíveis
maneiras para a escrita de um livro31 e subvertem a relação de transferência entre paciente e
terapeuta, na psiquiatria, para uma relação de multiplicidade. Gallo (2001) trabalha esse
conceito de transversalidade na produção e circulação de saberes, em que o mapa de saberes
seria “como imenso rizoma, um liame de fios e nós, sem começo e sem fim” (ibidem, p.176)
com infinitas possibilidades de trânsito “entre eles, sem nenhum vestígio de hierarquia”
(ibidem). O acesso transversal na organização curricular:
[...] significaria o fim da compartimentalização, pois as gavetas seriam abertas;
reconhecendo a multiplicidade das áreas do conhecimento, trata-se de possibilitar
todo e qualquer trânsito entre elas (ibidem, 1999, p. 34).
No encontro de professores, gestores e outros intercessores ao compartilhar
teorizações, angústias, práticas, cava-se possibilidades de pensar o processo pedagógico
atrelado às reais necessidades da escola, o que exige lugares para encontros, lugares que sejam
“[...] de partilha e de reflexão coletiva” (GALLO, 1999, p. 34) a impulsionar a experimentação
de práticas relevantes no espaço microssocial das escolas. Uma produção de saberes sobre a
prática, que ao se apropriar de maneiras nem sempre autorizadas se inventa e reinventa o
cotidiano, o que “implica acolher diferenças culturais sem hierarquias” (ALVES e GARCIA,
1999, p.13) e abre múltiplas possibilidades à invenção de modos de vida singulares, no espaço
microssocial.
31 No volume 1 de Mil Platôs.
69
Nessa empreitada, se faz necessário o mergulho em nossas maneiras de fazer, na
imanência cotidiana, junto com nossos alunos na tentativa de se criar processos educativos a
impulsionar a experimentação de outros modos de vida... Um processo coletivo que nunca
saberemos seu real alcance, apenas a sensação de que marcas de campos intensivos nos
impulsionam a potência da ação, o que remete a um currículo escolar criado na contingência
cotidiana com conexões e agenciamentos a saltarem em campos intensivos, na multiplicidade
da escola, vida.
Um currículo aberto, em devir, que pressupõe conexões abertas entre áreas do saber,
relações, ações e o constante exercício de se interrogar a prática pedagógica, na contingencia
cotidiana, em que campos intensivos se mostram e desaparecem em complexos processos de
enredamentos, inter-relações, negociações em n dimensões, enfim na multiplicidade da vida
com suas infinitas variáveis e possibilidades de agenciamentos.
Tentemos compor uma concepção de “currículo em devir” com os professores e
gestores. Tinel32 (2009) propõe um currículo que privilegie a multiplicidade, em que os
saberes e os componentes curriculares se entrelaçam para além das fronteiras escolares, onde a
continuidade da aprendizagem não se limite à escola e “sim à vontade do educando de
aprender mais sobre o assunto, de construir ações sobre o meio onde vive” (p. 52).
A escola pode “fazer com que as várias áreas do saber se articulem” (ibidem),
deixando de ser fragmentada. A autora ao estudar sua própria prática observa que é possível
criar um processo pedagógico em ciclos com alunos de diversos níveis. A Secretaria de
Educação Municipal de Campinas propõe ao Ensino Fundamental os ciclos de aprendizagem
“com a finalidade de romper com a compartimentalização do ensino e diminuir o fracasso
escolar, respeitando os espaços e tempos de aprendizagens” (ibidem, 21), mas como operar no
processo pedagógico, se:
Nós professores (as) da Prefeitura Municipal de Campinas estamos tão acostumados
à seriação, pois nos formamos assim e foi assim que trabalhamos até 2008, que nos
perguntamos: - Como será trabalhar com ciclos de aprendizagem? Como
redimensionar o currículo neste novo modo temporal de aprender? Como avaliar
dentro do ciclo? Como coordenar um grupo de professores (as) de um determinado
ciclo para que caminhem juntos nesse novo modo de pensar? (ibidem, 22).
32 Professora de Ciências e gestora.
70
São questionamentos que mostram os desafios a serem enfrentados para pensar o
processo pedagógico via ciclos de aprendizagem. Como mudar práticas em que estamos
imersos, desde os primeiros anos escolares até a graduação e, de repente como num passe de
mágica temos que mudar para problematizar situações mais compatíveis com nossa
contemporaneidade. Entretanto, ela lembra sua experiência com uma turma de alunos de
diversos ciclos no estudo do tema “A Otimização do Consumo de Energia Elétrica no Bairro
Jardim Maria Rosa33”, que aponta uma possibilidade do apreender em ciclos, a partir de
escolha de temas pelos estudantes, em que no exercício de fazer escolhas e assumir
responsabilidade:
[...] cada participante estabeleceu seu nível de aprendizagem, onde todos puderam
compartilhar e adquirir conhecimentos. Essa dinâmica propiciou o agrupamento de
alunos e alunas dos vários ciclos e contribuiu para a integração, crescimento,
aprendizagem e para diminuir a cultura da violência na escola (TINEL, 2009, p. viii).
Talvez, o mais importante no trabalho com projetos dessa natureza seja o estudo do
tema de forma transversal entre diversos campos do conhecimento e ainda,
possibilitam diversos níveis de aprendizagem (faixas etárias) adequando-se os
conceitos, procedimentos, métodos a cada fase que se encontra cada aluno / aluna
(ibidem, 36).
Outra professora, Denilda Altem (2009) propõe na mesma direção um aprender
esquizo, a partir de problematizações a romper fluxos instituídos e seguir o rumo desejado por
alunos e professores no processo pedagógico ao se atuar como “professores não de disciplinas,
mas configuradores de pesquisas. Que pesquisa, qual corpo, que currículo eu invento?” (2009,
p. 63).
São indagações associadas a uma vontade de saber sobre o fazer cotidiano, em que a
realização de sua pesquisa contribui na produção de novos saberes e, ao mesmo tempo se
experimenta formas de pensar, fazer na prática cotidiana. Um processo que exige a constante
disponibilidade para o “apreender” sobre as mais variadas coisas. O conceito de rizoma
contribui para se pensar a escola.
Somos parte de um rizoma social, não estamos fora e nem dentro, não somos começo
e nem fim, somos o meio. As rupturas se engendram, os buracos se abrem dando
33 Esse trabalho foi realizado na escola EMEF Virginia Mendes A. de Vasconcellos, situada “na periferia de
Campinas, região Sudoeste da cidade, com elevado índice de pobreza e que recebe meninos e meninas das mais
diversas regiões do país e de famílias de baixa renda” (TINEL, 2009, p. 15). Participaram desse estudo a diretora
Mariangela Modé, a coordenadora pedagógica do NAED SUL Miriam Camargo e Rosana Tinel que nesse
momento atuava como vice-diretora.
71
passagem ao inédito nas produções dos nossos alunos. Um rizoma pressupõe uma
multiplicidade. O processo de pesquisa facilita germinações e rizomas e exige de
professores e alunos certo desbravamento (ALTEM, 2009, p.26).
Um currículo em que “não estamos fora e nem dentro, não somos começo e nem fim”,
mas sempre de passagem na multiplicidade de possibilidades, seguindo exigências de saberes
e ações, em acordo com as necessidades dos assuntos em estudo, escapando das propostas
prontas e ordenadas via currículos oficiais. Proposta vivenciada por Altem (2009) com um
grupo de professores participantes34 do “Projeto Ciência na Escola”, que tem como parâmetro
o aprender via problematizações do cotidiano e sistematizações de suas pesquisas, em uma
escola da periferia de Campinas como todos os demais participantes deste estudo. São alunos e
professores problematizando assuntos de seus interesses na multiplicidade do cotidiano
escolar. Nesse percurso a autora se interroga em relação ao grupo de professores, onde
inicialmente se buscou:
[...] problematizar a importância do grupo em projetos de pesquisa na educação, pois
as ações coletivas favoreceram o processo de elaboração e avaliação das pesquisas
dos professores e alunos. Posteriormente a importância da formação continuada no
desenvolvimento pessoal e profissional de alunos e professores pesquisadores
(ALTEM, 2009, p. 23).
Garcia (2004) avalia a constituição dos grupos formados por professores de diversas
escolas, no Projeto “Ciência na Escola”, em que a mudança do caráter fragmentário, serial
“para o caráter integrador (e acolhedor) das comunidades” (p. 172) foi acontecendo
gradativamente à medida que havia encantamento de uns com os outros em relação aos
assuntos estudados e compartilhados. Isso também acontecia nos grupos das escolas, como
aponta Altem: “As reuniões dos grupos de professores na escola e os trabalhos coletivos
desenvolvidos com os alunos vão contagiando outros colegas que nem sempre estão
envolvidos” (ALTEM, 2009, p. 16).
São processos de pesquisa semelhantes à cartografia, em que fluxos de desejo na
contingência cotidiana vão delineando os caminhos da pesquisa, tanto no processo pedagógico
com os alunos como no estudo de suas próprias práticas, uma maneira de produção de saberes
“em constante devir, além das fronteiras das ciências, que se encontram no mundo da
34Trabalham na EMEF João Alves dos Santos 2003. Denilda Altem, Geografia; Durival José Gasparoto, Relações
Econômicas; Wolney Colussi, História; Renato Horta Nunes, Educação Física e outros que não participaram do
curso de Especialização.
72
pesquisa” (ibidem, p. ix). Aprender e fazer ao mesmo tempo. Vai-se a campo encontra
“elementos” da realidade e volta para confrontar com outros saberes e produzir o “novo” sobre
aquela situação em especial. Um processo que pode ter início de qualquer área do saber e
porções da realidade a serem problematizadas.
73
Apreendendo a realidade cotidiana...
Um apreender no contexto microssocial, em que à medida que se exercita o processo
de fazer a partir de seus próprios caminhos e “vontades”, aluno e professor são desafiados a
criar juntos maneiras para a ação no cotidiano.
Os conhecimentos matemáticos possibilitam estudos de porções da realidade ao se
elaborar modelos matemáticos e estatísticos, que nos ajudam na compreensão de determinadas
situações de forma ampla, pois para se encontrar parâmetros para a elaboração de um modelo
se faz necessário estudo, que não se limita a determinada área do conhecimento, mas transita
por diversas.
O traço marcante da modelagem é o da compreensão e interpretação de uma situação
real problematizada, na tentativa de formalizar um modelo para ação nessa realidade,
como um artesão que reproduz na argila o objeto observado, porém na linguagem da
matemática. Após encontrar soluções no universo da matemática volta-se à
realidade para interpretá-la na linguagem do mundo real. Um modelo tem sempre um
caráter utilitário e de mobilidade, ele serve ou não serve (DAMIN, 2004, p. 40).
Modelo para ação na realidade sempre com caráter de mobilidade, ele pode me ajudar
a compreender determinadas situações. Rodrigues (2009) nos mostra como elaborou um
modelo matemático, a partir das aspirações da comunidade escolar, nas reuniões da Comissão
Própria de Avaliação35, que é uma exigência da Avaliação Institucional Participativa36, que
possibilita maior participação da comunidade escolar nos rumos da escola. Os participantes
elencaram como uma das prioridades a qualidade do aprendizado e a partir dos elementos
considerados, que deveriam existir na “escola de qualidade”, criou-se um modelo matemático
denominado “quantificador numérico”, que facilitava a visão do panorama da avaliação dos
alunos por trimestre e a partir daí se buscava outras ações.
Obviamente, que este número representa um movimento que em si só, não indica a
força da ação, mas servirá de início para análise do processo iniciado no trimestre e
se aquela alteração foi real, se necessita de ajuste ou mesmo se deve ser descartado
(RODRIGUES, 2013, p. 78).
35 Na EMEF Professor Benevenuto F. Torres, Campinas, SP.
36Avaliação Institucional Participativa: LDB nº.9394/96 – O Projeto Pedagógico abrange todas as propostas e
ações da Unidade Educacional, envolvendo todos os que dela participam: família, comunidade e sua cultura,
professores, funcionários, pessoal administrativo, pedagógico e especialistas da saúde e Serviço Social. (Portaria
SME 1163/90, publicada no DOM Campinas, 14/nov./1990)
74
Um processo coletivo na Comissão Própria de Avaliação que assume os rumos da
escola com outros olhares a antigos problemas, pois suas propostas estavam sendo pensadas
no coletivo da escola em que as ações conjuntas se mostram mais eficientes.
Podemos começar a produzir conhecimentos novos sobre as ações e relações no
ambiente da escola, a partir de dados empíricos, onde a comunidade encontra sentido
palpável naquilo que produz, tornando-se mestre e aprendiz ao mesmo tempo e
criando rizomas de ações e aprendizados, numa infinidade de caminhos a
delinearem-se constantemente no percurso (RODRIGUES, 2013, p. 84).
Em relação à prática em sala de aula o criar rizomas com os alunos se deu na
problematização da produção do lixo na escola, em que alunos ao quantificarem os lixos
produzidos por eles mesmos vão apreendendo saberes de diversas áreas e exercitando posturas
de responsabilidade sobre a vida cotidiana em relação ao desperdício e seu custo para a
natureza. Um processo, em que do pensar junto encontrariam destinos para o lixo produzido
na escola, o que poderia ser reciclado, qual período ou classe produzia mais lixo, etc... Nesse
processo, em um determinado momento “ocorreu quase que um silêncio dentro da sala e
começam a pensar em meios de poder fazer este planejamento. Houve ideias do tipo: Vamos
juntar todo o lixo e pesar?” (RODRIGUES, 2009, p. 38).
O processo compartilhado nas pesquisas sobre a produção de lixo na escola mostra
“algo diferente do que apenas a destruição: a aprendizagem do conhecimento escolar de forma
transversal” (ibidem, 2013, p. 83).
Outro estudo que mostra uma forma de apreender calcado na realidade se refere à
cartografia e matemática. “O saber escolar foi sendo construído ao relacionar conceitos
matemáticos e cartografia do bairro e da escola, nos recortes da pesquisa como recortes de
vida de cada um” (LATARINI, 2013, p. 54), em que no tecer a matemática dos mapas na
cartografia da escola transita por aspectos aritméticos, históricos, geográficos, biológicos e
outros.
75
Um exemplo, o estudo de algumas
árvores do entorno da escola... O tronco de uma
árvore cortada foi aproveitado no processo do
apreender.
Com o uso de barbantes os alunos
transpuseram a circunferência da árvore para o
caderno após medirem o tronco cortado como
mostra a figura de número 8:
[...] elementos das circunferências concêntricas, coletando dados sobre as
circunferências, como o centro, área através do tronco de algumas árvores, diâmetro,
raio, estudo de circunferências concêntricas, etc.. (ibidem, 2009, p. 30).
Essa forma de apreender torna o olhar mais atento ao mundo e a enxergar os
conhecimentos escolares em todos os lugares. Em uma visita a estação trem “Anhumas” de
Campinas, SP, em que uma antiga “Maria Fumaça” faz um percurso turístico da cidade de
Campinas a Jaguariúna, observaram características das construções de determinada época,
relacionando “as medições das árvores com as suas próprias alturas e a proporção da porta do
casarão e o casarão. Ali percebi o resultado das medições da escola” (ibidem, p. 33).
Outra professora Joana Olaf aproveita o “acontecimento” Jogos da Amizade37 para
apreender o ferramental da estatística, na organização dos times para os jogos.
A pesquisa durante os Jogos da Amizade possibilitou-nos a alunos e professores a
leitura e interpretação dos dados vivenciados e coletados na própria escola, num
evento de grande significado para eles (OLAF, 2009, p. 21).
O objetivo desse trabalho com os alunos da 8ª série foi analisar estaticamente, as
seis modalidades de jogos no evento dos Jogos da Amizade e fazer análise
37“O Subprojeto Jogos da Amizade na EMEF Professor Vicente Ráo estava inserido no Projeto de Pesquisa:
“Trabalho Integrado na Escola Pública: participação política-pedagógica”, desenvolvido em conjunto com a
Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP/FE com apoio financeiro da
Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP que tinha por objetivo: Trabalhar a integração
entre os diferentes componentes curriculares, diferentes profissionais (equipe gestora, professores, equipe de
apoio, equipe administrativa) promovendo o trabalho coletivo na unidade escolar e promover a cidadania por
meio da participação dos alunos e pais em atividades que envolvam o convívio social e político”
(ROCKENBACH, 2009, p. 58).
Figura 8. Estudo de elementos da circunferência
76
comparativa entre as preferências de jogos, entre as equipes, entre os subtotais
durante a semana do evento e finalmente entre o resultado final (ibidem, p. 29).
Os gráficos e tabelas elaborados com o resultado dos Jogos da Amizade propiciaram
a utilização da linguagem matemática e seus conteúdos relacionados a diversas áreas
do conhecimento na realidade de alunos e professores (ibidem, p.30).
Um evento que atravessa as salas de aulas, os corredores e arquibancadas a impulsionar
o apreender sobre o que surgisse de vontade de saber com especial atenção às posturas
exercitadas no espaço microssocial. Um processo compartilhado com professores e alunos da
escola inteira, nas palavras da professora Ieda Rockenbach de Educação Física.
O traço marcante do caminho percorrido nesses jogos, em três anos, foi a mudança
de postura na maneira de encarar esse evento, não mais como atividade meramente
competitiva nem específica da área de Educação Física, mas sim como um evento de
integração entre a comunidade escolar, transformado os jogos competitivos em jogos
cooperativos (ROCKENBACH, 2013, p. 59).
“Integração” da comunidade escolar como momentos de diálogos e o constante
repensar do processo pedagógico por “professores de todas as áreas do conhecimento com a
coordenação da orientadora pedagógica” (ibidem) sobre possibilidades de sua apropriação
para a produção de saberes a partir dele, um processo pedagógico coletivo:
[...] constituído por reuniões com discussões conceituais, avaliação dos
procedimentos realizados e proposição de ações, que se constituíram em espaços
político-pedagógicos de ação/reflexão/ ação na escola, permeados por assuntos
relacionados ao processo da pesquisa e ao cotidiano da escola (ibidem, 2009, p. vi).
Projeto coletivo, em que se evidencia o atravessamento de saberes sobre o evento
“Jogos da Amizade” ao envolver todos os professores da escola. Em relação ao corpo discente,
a mistura de alunos, de anos diferentes numa mesma equipe favoreceu o “encontro” com os
demais, gerando novas amizades e a diversão entre seus pares e também com outros
segmentos da escola. Processo coletivo que possibilitou à professora uma visão mais clara de
seu papel de professora e pesquisadora de um processo, que visava “a transformação de uma
ação individual em prática coletiva” (ROCKENBACH, 2009, p. vi). Pesquisadora da própria
prática em um movimento de reflexão sobre a ação, que impulsiona “a construção de saberes e
estratégias de ação, com a participação ativa de todos os implicados” (ibidem, p. 21) e a
criação de outras maneiras de se atuar na realidade da escola e, surge outra maneira de olhar
para o currículo, que transita entre diversos campos de saberes. Isso exige o constante diálogo
77
entre os professores das diversas as áreas do saber e os gestores. Vejamos como se deu esse
movimento:
O Projeto de Pesquisa favoreceu o diálogo com os envolvidos no processo escolar,
mesmo entre aqueles que não participavam diretamente do evento. As decisões sobre
a organização escolar, e mais especificamente do JA, passaram a ser tomadas em
conjunto. Desta forma os envolvidos passaram a se sentir respeitados e promotores
de mudança na maneira de gerir a escola pública (ROCKENBACH, 2013, p. 59).
O que significa que a produção de saberes não é posta de antemão, mas delineada no
percurso, a partir dos fluxos de desejo dos envolvidos, calcado no acontecimento, em que
pequenas ações podem gerar importantes diferenças e abertura de novos caminhos no
ambiente microssocial, na contramão dos fluxos instituídos e políticas impostas. O professor
Renato Horta Nunes observa em suas pesquisas lacunas e silenciamentos em relação aos
saberes dos alunos e também do professor em relação à sua prática nos cursos de formação dos
professores e propõe: “um currículo, abrangente, uma cartografia sobre o movimento e as
atividades corporais, numa perspectiva de multiplicidade” (NUNES, 2009, p. vii).
Um currículo que parte do cotidiano do aluno e não de “[...] racionalizações abstratas
de um saber previamente produzido (GALLO, 2009)”, onde o cavar em meio ao caos e burlar
o aparelho de controle se tornam constantes na produção de saberes com relevância para a
comunidade microssocial. Segundo Nunes, (2009) pode diminuir “lacunas e silenciamentos
em relação aos saberes dos alunos e também do professor em relação à sua prática” (p. vii),
um processo que exige agenciamentos completamente “fora” do previsto pela instituição
escola. A produção da própria vida com outras visões de mundo....
As professoras de Educação Artística e Língua Inglesa ao vivenciar o processo
pedagógico, em parceria com alunos38 de um sexto ano do Ensino Fundamental, a partir do
artista brasileiro “Candido Portinari39” utilizaram “tecnologias como instrumento para a leitura
de textos escritos em inglês sobre o artista Cândido Portinari” (LOPES, 2009, p. 66) e para
estudo “de imagem pictórica através de instrumentos tecnológicos” (ibidem). Os alunos
38 Na EMEF Presidente Humberto de Alencar Castelo Branco, Prefeitura Municipal de Campinas, ano de 2008.
39 Cândido Portinari. Nascido na cidade de Brodosque, no estado de São Paulo, em 29 de dezembro de 1905.
Filho de imigrantes Italianos, formado pela Escola Nacional de Belas Artes sua obra abrange mais de 5.000
trabalhos, entre eles o painel “Guerra e Paz” que fica na sede da Organização das Nações Unidas em Nova York.
Político do Partido Comunista eleito senador em 1947. Morreu em 1962, envenenado por chumbo, que havia na
composição de suas tintas.
78
sugeriram pesquisar na “rede mundial de computadores a história de vida de Cândido
Portinari. Suas obras, cidade natal, países onde morou” (ibidem).
No “encontro” com o artista “Candido Portinari” e a fruição da professora e alunos
diante dos painéis “Guerra” e “Paz” do artista Candido Portinari Guimarães (2013) observam
que estavam se “educando para ‘pensar’ e, por que não dizer, para ‘ver1 com o mestre
Portinari. Era a contramão da compulsão do saber, era a possibilidade de ‘fazer parte’”
(GUIMARÃES, 2013, p. 21). Lembrando que na confecção desses painéis Portinari trabalhou
costurando diversos quadros feitos anteriormente sem:
[...] um plano prévio para orientar a costura, apenas a decisão de remexer naquele
conjunto de retalhos ao invés de outro. Os retalhos são arrumados segundo
possibilidades de ‘encaixe’ descobertas no manuseio e presos uns aos outros como os
fios de uma narrativa (GUIMARÃES, 2009, p.49).
No processo pedagógico que ela denominou de “O exercício do olhar e a criação de
saberes” com seus alunos, a partir dos dois painéis a “chave de fruição” (ibidem, p. 43)
dependia do “[...] movimento dos olhos dos alunos, no desenho, que nos indicaria dentre as
diversas cenas, a mais valorosa” (ibidem). Isso após “muito pensar junto, nós e os alunos
concluímos que só poderíamos estudar os painéis aos pedaços, ou aos retalhos” (ibidem, p.
46), selecionando imagens significativas para alunos e professora.
A maior parte do estudo sobre os pequenos quadros foram feitos em relação as suas
linhas de composição, experimentando pintar à maneira de Portinari, porém na direção
contrária, porque Portinari criou os grandes painéis na composição de diversas pequenas obras
de arte; alunos e professora faziam o contrário, retiravam pequenas obras ao escolher as
imagens. Nesse percurso: “Fizemos nossa primeira descoberta que definimos assim: pintar é
mais do que colorir, é integrar a forma com a cor na expressão de um sentimento” (2013,
p. 25), chegaram a essa concepção que consideram uma das mais importantes, porque “foi
realizada por alunos no exercício da criatividade, em pesquisa na sala de aula” (ibidem).
Na imersão da professora com seus alunos nas obras de Portinari passeiam por tempos
e lugares, como no estudo da obra Brodowski, sua cidade natal, que retrata a época, que “não
havia asfalto ou calçamento, as ruas eram de chão de terra e os meninos brincavam no meio da
rua” (ibidem, p. 24).
79
Os alunos escreveram sobre o que viam e comentaram sobre o que lhes
impressionava.
Muitas vezes a visão do aluno não é estudada por nós professores. Ao visitar obras
nos museus lhes é dada a visão formal de um monitor. Notamos que é sobremaneira
relevante conhecer a visão do aluno para melhor compreender como pensa, vê e sente
o mundo e as coisas (ibidem).
Guimarães observa que o estudo da obra de arte, além de exercitarem a criação
artística, ainda possibilitou associações entre o quadro e a vida real e consequentemente o
trânsito por diversas áreas do conhecimento o que tornou o “aprendizado mais significativo
para o nosso aluno” (ibidem).
Os efeitos provocados pelo exercício do olhar dos alunos sobre os painéis “Guerra e
Paz” surpreenderam a professora.
[...] ao falarem de gestos, sentimentos e atitudes que lhe tocaram a primeira vista.
As cores, as formas e o estilo de representação ficaram como que em segundo plano
para quase todos os alunos, foi realmente uma descoberta para nós que convivemos
com os alunos, mas que poucas vezes temos o cuidado de pesquisar os seus olhares,
as suas percepções diante de uma obra de arte (ibidem, 23).
Uma maneira de produzir saberes em parceria. O aluno aprendendo sobre a arte e o
mundo e a professora conhecendo melhor seu aluno e experimentando outras formas de ação
pedagógica. “Interessante como o meu conceito de pesquisa ganhara outra dimensão (2013, p.
23)”, citando Nietzsche ela continua:
Quem deixa que se interponham entre si as coisas, conceitos, opiniões, passados,
livros, quem, portanto, no sentido mais amplo, nasceu para a história, (grifo nosso)
nunca verá as coisas pela primeira vez e nunca será ele próprio uma tal coisa vista
pela primeira vez (NIETZSCHE, 1988c, p. 404 apud GUIMARÃES, 2013, p. 23).
São práticas que no “fazer com” professores e alunos mergulham na contingência
cotidiana, aproveitando possibilidades de descobertas coletivas em constante invenção de
processos de singulares.
Colussi (2009) ao repensar a escola como repetição de supostas verdades e difusão da
cultura dominante a perpetuar a “uniformização de comportamentos e padrões culturais” (p.
22) salienta que a melhoria da nossa educação depende da prática cotidiana do professor com
seus alunos. “Uma prática que não deve sujeitar-se aos desvios fáceis a que somos
constantemente tentados a tomar, diante das dificuldades que se interpõem em nosso caminho”
(ibidem) e se pergunta: “Como, então, o estudo da história no interior das escolas pode
contribuir para a definição de novas práticas educacionais?” (ibidem).
80
Aproveitar a experiência de vida de seus alunos e criar um aprendizado ativo, que ao
mesmo tempo, em que se aprende o conhecimento histórico, se modifica o modelo vigente,
indo além de documentos escritos e da aprendizagem por memorização ao se estimular a
expressão de seus saberes, medos e desejos.
[...] a partir da interação dos alunos, dos relatos das múltiplas vivências, podem-se
estabelecer os pontos comuns e os pontos divergentes dessas histórias de vida,
explicitando as diferenças e, ato contínuo, revelando a existência de determinadas
questões que não são particulares, mas dizem respeito a um grupo social mais amplo.
Trabalhar com a história de vida significa ir além dos documentos escritos e da
aprendizagem por memorização, onde o aluno assume um papel passivo, como um
receptáculo de informações e datas, que não lhe permite reconhecer sua própria
historicidade (ibidem, p. 26).
Processo pedagógico, experimentado ao se aprender “História a partir da história de
vida de alunos, em classes de 6º ano do ensino fundamental no ano de 2008, na EMEF João
Alves dos Santos” (ibidem, p VI), partindo do “princípio de que somos agentes da história e
possibilitar ao aluno reconhecer-se como tal, valorizando seus saberes e experiências”
(ibidem). Para isso foi necessário um estudo sobre os elementos que compõe a história e o
próprio sentido do termo história e:
[...] o de realidade histórica, ou seja, o conjunto dos fenômenos pelos quais se
manifestou e se manifesta a vida da humanidade, compreendendo, portanto, o vivido;
o de conhecimento histórico, sendo a história, agora, o trabalho de pesquisa e análise
do movimento do mundo e das coisas, finalizando com o registro da pesquisa numa
obra histórica.
O historiador não observa diretamente os acontecimentos estudados. ‘Não lidamos
com uma ciência experimental que simula em laboratório personagens, revoluções,
formas de trabalho ou viver’ (MIRANDA, 2007, p. 60).
O conhecimento histórico se dá por meio de vestígios, de pistas que são encontrados
nas fontes históricas (COLUSSI, 2009, p. 27).
Uma introdução ao estudo de história calcado no contexto em que “os homens
articulam sua experiência no tempo, orientam-se no caos das modalidades potenciais de
desenvolvimento, marcam com enredos e desenlaces o curso muito complicado das ações reais
dos homens” (NUNES, 1988, p. 16 apud LIMA, 2009, p.51).
Uma forma de aprender e pesquisar no campo da história que rompe com a visão de
uma história pronta e acabada e escapa do conhecimento apenas bibliográfico e, ao mesmo
tempo resgata suas próprias histórias, os fatos que marcaram suas vidas.
81
A vida cotidiana do bairro, por exemplo, salta aos nossos olhos à medida que os alunos
vão trazendo suas histórias recheadas de sonhos, dor e desafios, formando intensidades em
suas múltiplas matizes a tecer a grande teia de saberes. A migração é um fator comum na vida
da maioria dos alunos dessa escola, que ao se deslocar “[...] deixa para trás muitos traços de si
mesmo, imagens do lugar abandonado” (COLUSSI, 2009, p. 37), que se fazem presentes em
suas memórias. O novo espaço estranho, diferente vai sendo apropriado, na medida em que se
olha com atenção, “o sentimento de pertencimento vai sendo construído” (COLUSSI, 2009, p.
40) é o que evidencia a aluna Bárbara que antes sentia medo de caminhar no bairro, mas que
hoje, conhecendo-o melhor não se preocupa mais. Um processo pedagógico que:
Permite a emergência de outras vozes e outros saberes que são comumente
silenciados ou invalidados, muitas vezes de forma sutil, a partir das relações de poder
que se estabelecem em todos os momentos e espaços da sociedade (COLUSSI, 2013,
p. 134).
[...] abre a possibilidade para a realização de outros projetos de pesquisa como a
história de comunidades e instituições, o registro de tradições culturais, a trajetória
de indivíduos, famílias ou grupos pertencentes a diferentes camadas sociais,
gerações, sexo, profissões, religiões etc. (ibidem, 2009, p.43).
Professor e alunos ao tomarem contato com questões complexas de suas vidas e bairro
apreenderam sobre a história da cidade e do país, destruindo o mito do saber pronto e acabado
e da história como verdade absoluta. Os saberes históricos vão sendo apreendidos, não de
forma linear, mas associados ao contexto, atendendo a necessidades de compreensão dos fatos
em estudo, disparando conexões com outros contextos e momentos históricos, portanto o
currículo escolar vai se fazendo no processo.
Desenhar a história com a história / saberes dos alunos implica em trânsito por diversos
saberes a partir de fragmentos de memória de outros tempos, pois “restabelecer o vivido é uma
tarefa impossível. O que nos é permitido restringe-se à recuperação de alguns momentos que
ficaram registrados na memória ou em outro tipo de documento” (COLUSSI, 2009, p.27).
Apreender o cotidiano no estudo escolar dá visibilidade aos feitos e transformações possíveis
por pessoas comuns, uma maneira de saber sobre a história do lugar, que:
[...] ganha, necessariamente, contornos temporais e espaciais. Não se trata, portanto,
de proporem conteúdos escolares da história local, de entendê-los apenas na história
do presente ou de determinado passado, mas de procurar identificar a dinâmica do
lugar, as transformações do espaço, e articular esse processo às relações externas, a
outros ‘lugares’ (LIMA, 2009, p. 51).
82
O desenvolvimento do trabalho com história de vida permite, igualmente, o estudo
da vida dos homens em outros tempos e outros lugares, tratando de questões que
levem em conta também as experiências, os interesses e os questionamentos que os
alunos trazem para a escola (COLUSSI, 2009, p.43).
Observamos nesses professores autores um currículo desenvolvido de forma
transversal, a partir de situações problematizadas, que se transformam em dispositivos
disparadores de afetos a gerar campos intensivos no interior dos espaços e tempos da escola,
impulsionando o inventar caminhos, no exercício do apreender posturas, relações interpessoas,
saberes no coletivo da escola, enfim sobre o mundo em que se vive.
São professores que estão sempre a buscar outras formas de se atuar na escola. A
professora Silvana Amaral nos mostra um pouco de um processo de experimentação no
processo pedagógico ao longo de seu exercício no magistério com os livros didáticos
oferecidos pela escola, a sua insatisfação e a dos alunos:
Experimentei. Não em um único ano, mas ao longo dos últimos anos, exercendo a
mesma função. Experimentei os livros didáticos e não gostei. As atividades ali
encontradas não despertavam a curiosidade, não permitiam que a imaginação fluísse,
eram mecânicas, repetitivas e não se podia escrever nos livros, era necessário que
tudo fosse copiado no caderno, já que esse livro não lhes pertencia, seria utilizado
por outras crianças nos próximos anos. Os alunos também não se motivavam com as
atividades dos livros didáticos. Eu não percebia motivação e interesse deles pelas
atividades (AMARAL, 2009, p. 20).
Livros didáticos nem sempre são interessantes e suficientes para despertar o interesse,
mas podem ser usados para contribuir na compreensão de determinados saberes se estiverem a
serviço de assuntos escolhidos pelos alunos. Nesse processo Amaral (2009) decide produzir o
próprio material didático40 com seus alunos.
[...] no ano de 2005, resolvi mudar a forma de trabalhar com os alunos, resolvi
trabalhar com pesquisa, definíamos um tema, pesquisávamos e os alunos produziam
seu material didático. E aí tudo mudou: a motivação surgiu, o interesse havia sido
despertado, a curiosidade estava latente.
A sala de aula continua movimentada, alunos andando, falando, gritando, afinal são
crianças, são alegres, têm energia sobrando... Porém, produzem, aprendem,
envolvem-se com a pesquisa e sentem prazer em realizar as atividades.
O trabalho com pesquisa trás sentido ao aprender. Eles percebem que podem buscar
o conhecimento, que são capazes, inteligentes, que podem superar suas dificuldades
(ibidem).
40 Essa experiência da professora é anterior ao nosso curso
83
“Os alunos produziam seu material didático”, um apreender como ação, no exercício
de se experimentar, apropriar tomar para si e não apenas a passividade do repasse de
informações na exposição oral, que faz parte, mas não se reduz a ela. Processo pedagógico, em
que os livros didáticos de diferentes séries são oferecidos aos alunos e cada um escolhe o que
considerar mais atrativo e assume o seu próprio processo de aprendizado. Essa dinâmica exige
um cuidado em não subestimá-los, achando que esse ou aquele material não será
compreensível, mas deixá-lo que decida por si mesmo. Vejamos o que diz a aluna:
Essa pesquisa foi a primeira em todos os anos. Pegamos livros de 7ª série, 5ª série e
8ª série. Foi legal também pegar livros de outras séries e estudar perguntas diferentes,
ver como o mundo era antes e como é agora, como as pessoas viviam antes e como
vivem agora. Foi legal também pesquisar outras coisas na internet, tirar cópia e
também copiar coisas da lousa, que a professora ia lá e pesquisava pra gente e que
também nós pesquisávamos e pedíamos pra professora passar na lousa. Quando a
professora pedia para nós pegarmos o dicionário e achar aquela palavra desconhecida
nós procurávamos. Adorei esse ano! (aluna Beatriz Cristina da Silva, Aluna do 5º
ano D, 2008 apud AMARAL, 2009, p. 26).
A pesquisa, como ferramenta básica, possibilita estudar e investigar determinados
assuntos, de tal forma que o aluno ao se apropriar do conhecimento acumulado
universalmente, constrói um conhecimento novo para ele, de forma transversal, pois para se
compreender assuntos da realidade transitamos por diversas áreas do conhecimento.
Observamos alegria na fala da aluna Beatriz e como nos diz Paulo Freire a atividade docente e
discente não se separa e pode ser uma experiência alegre.
É falso também tomar como inconciliáveis seriedade docente e alegria, como se
alegria fosse inimiga da rigorosidade. Pelo contrário, quanto mais metodicamente
rigoroso me torno na minha busca e na minha docência tanto mais alegre me sinto e
esperançoso também. A alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz
parte do processo de busca. E ensinar e aprender não podem dar-se fora da procura,
fora da boniteza e da alegria (1999, p.160).
Amaral (2009) avalia que o papel do educador não é o de transmissor de
conhecimentos, mas de orientador a auxiliar o aluno a encontrar, organizar e gerir suas
pesquisas. Um apreender como ação, no exercício de se experimentar, apropriar tomar para si
e não apenas a passividade do repasse de informações na exposição oral, que faz parte, mas
não se reduz a ela. Um fazer pedagógico compartilhado por aluno e professor com atenção
constante às pequenas pistas que apontarão os próximos rumos a seguir no processo
microssocial em um complexo movimento semelhante:
84
A água, a areia, a força das marés, a influência da lua. A atuação do professor, sua
história de vida, as diretrizes e tendências curriculares, as forças sociais, políticas e
institucionais. São forças e dimensões que se encontram misturam, remexem,
transformam, passam por momentos de um turbilhão, se desconstroem e se
constroem novamente, se (re) estabilizam, (re) organizam, se (re) direcionam: um
movimento cíclico, abrangente, múltiplo, complexo (NUNES, 2009, p.1).
Seguir os fluxos de desejo no processo educativo ao se problematizar a prática
cotidiana e teorizá-la, impulsiona o mergulho em questões, antes consideradas por alguns
como responsabilidade dos outros, um exercício que traz maior clareza e nos assumimos como
parte do processo e o que chamamos de currículo se constitui em processos em devir.
Currículos abertos, abrangentes, participativos cavados em meio ao “caos” em constante devir,
onde nossos corpos a vibrar se movem com a intensa movimentação de fluxos que nos
atravessam a gerar campos intensivos, um processo que se faz e refaz continuamente.
85
Campo intensivo 3
O EXERCÍCIO DA ESCRITA E O
CORPO SEM ÓRGÃO DE ARTAUD
O método de Foucault sempre se contrapôs
aos métodos de interpretação. Jamais interprete,
experimente... (Deleuze, 2000, p. 109).
Ao seguir fluxos de desejo, problematizar e teorizar práticas o exercício da escrita em
nome próprio, se constitui em poderosa ferramenta para o abandono de nossas amarras, onde
repetições de posturas, situações que não nos servem mais se desnudam e possibilitam
exercitar o cavar de situações mais relevantes no espaço microssocial. Escrita de si como ética
da singularidade, em que ao se voltar o olhar para nós mesmos, em nossas ações cotidianas se
“incita o reinventar de outras formas de agir na escola” (MODÉ, 2013, p. 119), em narrativas
povoadas por caóticos fluxos, que só se atualizam perspectivamente ao mobilizar potências
impessoais, físicas, mentais, que só nos damos conta em meio ao processo. Escrevo
86
atravessada por rastros de encontros, tento compor com os professores e gestores, seus
próprios textos e outros autores levada por memórias de afetos.
Um exercício de escrita que possibilita o desapegar de “organismos estatizantes”,
romper fluxos instituídos, em que o conceito de “corpo sem órgãos” nos ajuda a pensar o
processo de experimentação na escrita. Deleuze retoma a noção de corpo sem órgãos de
Artaud “para marcar o grau zero das intensidades” (GUATTARI & ROLNIK, 2005, p. 382).
Um corpo sem órgãos não quer dizer ausência de órgãos, mas sacudir os organismos e
atirá-los ao vento. Organismos! Estrias marcadas pela religião, psicanálise, educação, crítica,
clínica e tantos dispositivos de controle a marcar nossos corpos. Grau zero das intensidades
parece ser a leveza encontrada, após despojar-se dos organismos e seguir fluxos de campos
intensivos, que sejam relevantes no processo.
O exercício da escrita com os professores e as gestoras se deu em relação à prática
cotidiana, em poesias, contos, ou seja, de forma livre, cada um experimentava o que sentisse
vontade, um exercício de se abrir aos fluxos, espalhar as ideias na tela do computador, no
papel como surgissem com emoção e vida. Um texto em constante devir. Escrita, vida,
encarnada, em que intensos fluxos saltam. Diferente de uma época, que segundo Blanchot,
(2005), Roland Barthes aponta que se pretendia uma mesma maneira de escrita para todos,
acolhida em inocente consentimento, onde a única preocupação dos escritores era a de
escrever bem, de levar a língua comum ao “grau mais elevado de perfeição ou de
concordância com o que procuravam dizer” (ibidem, p.302). Lembrando que segundo Barthes
(1987) a escrita aparece de necessidades administrativas das relações econômicas e por
sociedades extremamente hierarquizadas e fixas. Os povos nômades “nunca tiveram escrita
nem arquitetura: são incapazes de sentir o espaço como fechado, e a escrita é uma forma de
fechar visualmente espaços e sentidos não visuais” (p. 52).
Parece que fechar espaços e sentidos em representações, o que Artaud tentou
desesperadamente driblar, provocando a frase de Foucault (2007), que para ele a linguagem é
“recusada como discurso e retomada na violência plástica do choque, e remetida ao grito, ao
corpo torturado, à materialidade do pensamento, à carne” (p. 531). O teatro da “crueldade”,
que é a própria vida sem diferença entre texto e representação, “com este teatro nós reatamos
87
com a vida em vez de nos separarmos dela” (ARTAUD, 2008, p. 34). A escrita como processo
de experimentação, nos impulsiona a reatar com a vida. Aí está uma das potências do seu
pensamento e com Deleuze & Guattari (1996), que empenhemos a nos abrir aos fluxos e não
se fixar em fantasmas como os comercializados pela psicanálise, em significâncias e
subjetivações.
Derrida (2005) em “A farmácia de Platão” lembra que Sócrates compara a uma droga
os textos escritos que Fedro trouxe consigo. Um phármakon, uma medicina que pode ser ao
mesmo tempo filtro, remédio e veneno, que introduz no corpo do discurso todo tipo de
ambivalência, encanto e fascinação como “potência de feitiço, podem ser – alternada ou
simultaneamente – benéficas e maléficas” (DERRIDA, 2005, p. 14). A escritura, phármakon,
o descaminho a “destacar a possibilidade de outras formas de leituras que não se esgotam em
si mesmo, mas se inscreve num jogo de remetimentos, numa relação, não de múltiplos
sentidos, de uma escrita, como disseminação, uma escrita como indecidível” (KUIAVA e
ZEVALLOS, 2010, p.10). “Uma escrita como disseminação” para além do remédio e do
veneno, do bem e do mal, da fala e da escrita no sentido usual, porque para Derrida a escrita
não se limita à dualidades e transborda “para além da oposição tradicional de linguagem oral /
linguagem escrita” (ibidem, p. 9). Transbordamento na disseminação de sentidos,
completamente fora dos sistemas fechados dos discursos. “[...] o discurso, como sistema
linguístico incompleto é produzido pelo jogo de diferenças que se interpõem e organizam
nossa experiência no mundo” (ibidem, p. 10).
No exercício de escrita, na multiplicidade de possibilidades, podemos observar sua
potência esquizo, no rompimento de registros castradores operados pelo aprendizado que
considera apenas o racional, como se não nos mobilizássemos completamente ao ricochetear
de ideias, memórias que afloram, mas também como fármacos no sentido de doses
homeopáticas a reacender potências como a da alegria.
Reencontrei o prazer pela escrita logo no primeiro semestre do curso, na leitura de
textos voltados à nossa prática com discussões pertinentes à realidade do grupo.
[...] o prazer pela escrita foi sendo reavivado dentro de mim. Foi como se alguma
coisa estivesse adormecida desde os tempos da adolescência, quando fazia o meu
diário, e que agora mediante um estímulo tão carinhoso tudo voltasse, sem dúvida,
com mais maturidade (TINEL, 2009, p. 12 e 13).
88
Na frase: “Reencontrei o prazer pela escrita” prazer que não significa passividade, mas
uma violência plástica que agita todas as moléculas do organismo e o lança na direção do
Corpo sem Órgãos e consequentemente impulsiona o rompimento de registros castradores da
violência cognitiva da razão, uma máquina de guerra contra esses registros. A autora nos
aponta que dependendo da maneira como propomos o processo de escrita podemos apreender
e impulsionar a experimentação ou paralisar nossa capacidade, não só de escrita, mas de estar
na vida.
Pensar o exercício de escrita na direção de Artaud é pensá-la no por vir, no desvario, na
loucura indo ao extremo de si mesmo, tentando se deixar fecundar por fluxos e não tratá-la
como código como sugere Deleuze, que só conseguiu tratá-la em nome próprio, tardiamente
após ter lido Nietzsche. O gosto de dizer coisas simples em nome próprio é um ato de amor,
que exige um severo exercício de despersonalização, porque antes tem de se abrir às
multiplicidades que nos atravessam.
[...] o gosto para cada um de dizer coisas simples em nome próprio, de falar por
afetos, intensidades, experiências, experimentações. Dizer algo em nome próprio é
muito curioso, pois não é em absoluto quando nos tomamos por um eu, por uma
pessoa ou um sujeito que falamos em nosso nome. Ao contrário, um indivíduo
adquire um verdadeiro nome próprio ao cabo do mais severo exercício de
despersonalização, quando se abre às multiplicidades que o atravessam de ponta a
ponta, às intensidades que o percorrem. O nome como apreensão instantânea de tal
multiplicidade intensiva é o oposto da despersonalização operada pela história da
filosofia, uma despersonalização de amor e não de submissão (DELEUZE, 2000, p.
15).
Ao se abrir às “multiplicidades que nos atravessam” no processo de escrita se
impulsiona o reatar com a vida, como propõe Artaud (2008) para o teatro, que ao invés de nos
separarmos dela em representações teatrais e escritas meramente racionais como a
despersonalização da história da filosofia. “[...] não poderemos nos levar a sério se não
tivermos a impressão muito nítida de que uma parcela de nossa vida profunda está empenhada
nesta ação” (ARTAUD, 2008, p. 34). Ele propõe uma maneira de conceber o teatro tendo o
espaço como ponto de partida para a criação de sua linguagem, de forma que “a noção de uma
linguagem que pertenceria apenas ao teatro poderia confundir-se com a noção de linguagem
no espaço, tal qual se pode produzir no palco e oposta à linguagem das palavras” (ibidem,
p.72). Ele pretendia evitar que o teatro fosse parte secundária submetida ao texto e inverter
89
sua ordem em que a palavra estaria presente na cena, mas subordinada ao teatro como
escrevem Fernandes e Guinsburg na introdução da obra “Linguagem e Vida” de Artaud.
É o silencio da palavra/definição aliado à tentativa de despertar, por meio do teatro, o
gesto que dorme em cada palavra.
Com independência do sentido as palavras podem ser usadas de modo concreto, se
possível como objetos sólidos que causem comoções físicas. Esse uso concreto
transforma a palavra em espaço: explora sua entonação, sonoridade e intensidade,
ensaia as possibilidades musicais de pronunciá-la através do ‘deslocamento de ar que
sua enunciação provoca’ (ARTAUD, 2008, p. 21).
A discriminação do espaço como elemento essencial de constituição da linguagem do
teatro soa bastante radical se pensarmos no período em que os textos foram escritos,
quase todos nos anos 30. Radicalidade ainda mais efetiva se consideramos os
‘ensaios de realização dramática’, sem dúvida precursores das criações coletivas
presentes no teatro, sobretudo a partir dos anos 60 (ibidem, p.16).
Para essa transformação se utiliza todas as possibilidades de ação física disponíveis no
teatro “a serviço da produção de verdadeira ação orgânica dirigida ao espectador. A intenção é
recuperar, com meios científicos, algo equivalente a um choque sensorial” (ibidem). Orgânica
como o que carrega toda a força da vida, diferente de organismo que sufoca e a refreia. Teatro
e vida como uma coisa só, não se representa nada, vive-se tudo intensamente. Mergulho nos
sentimentos que poucos ousariam colocar em palavras. Que dirá experimentar. Um constante
exercício de se liberar do organismo e se aproximar do corpo sem órgãos.
Não concebo uma obra isolada da vida. Não amo a criação isolada. Também não
concebo o espírito isolado de si mesmo. Cada uma de minhas obras, cada um dos
planos de mim próprio, cada uma das florações glaciares de minha alma interior
goteja sobre mim.
Reconheço-me tanto numa carta escrita para explicar o estreitamento íntimo do meu
ser e a castração insensata da minha vida, como num ensaio exterior a mim próprio,
que me surja como uma gestação indiferente do meu espírito (ARTAUD, 1991, apud
COELHO PINTO, 2002, p. 73).
Derrida (2009) em “a palavra soprada” diz que Artaud resiste completamente, talvez
como ninguém o fizera antes, a separar a vida da obra “é o próprio protesto contra a própria
exemplificação” (p. 257). Situação em que crítico e médico ficam sem recursos diante da
recusa em significar uma existência, perante uma arte pretendida sem obra, “perante uma
linguagem que se quis sem rastro” (ibidem). Isto é sem diferença entre vida e obra, buscando
manifestação que não fosse expressão, “mas uma criação pura da vida, que jamais caísse longe
do corpo para decair em signo ou em obra, enfim em objeto” (ibidem). Artaud tentou destruir
90
a história da metafísica dualista, a dualidade da alma e do corpo, a da palavra e da existência,
do texto e do corpo.
Metafísica do comentário que autorizava os ‘comentários’ porque presidia já as obras
comentadas. Obras não teatrais, no sentido em que o entende Artaud, e que são já
comentários exilados. Chicoteando a sua carne para a despertar até à véspera deste exílio,
Artaud quis proibir que sua palavra lhe fosse soprada longe do corpo (DERRIDA, 2009, p.
257).
“Palavra soprada”, tomemo-la como “furtada por um comentador possível que a
reconheceria para alinhar numa ordem, ordem da verdade essencial ou de uma estrutura real,
psicológica ou de outra natureza” (ibidem). Toda palavra caída do corpo ao se oferecer para
ser ouvida ou recebida, oferece-se em espetáculo e “torna-se imediatamente palavra roubada”
(ibidem, 258). Sair desse ciclo do “pensar”, ainda não começou, nos diz Artaud, sempre se
“corre o risco de voltar à metafísica” (ibidem, p. 288), a composição, a criação a fazer-se na
materialidade da vida, no espaço real “e o resultado definitivo permanecerá tão rigoroso e tão
determinado como o de qualquer obra escrita, tendo a mais imensa riqueza objetiva”
(ARTAUD apud DERRIDA, 2009, p. 286).
Um processo de experimentação a sacudir os organismos de forma a possibilitar que o
homem se torne senhor daquilo que ainda não existe, mas o faz nascer, Artaud (1987).
Deleuze & Guattari (1996) dizem que na releitura de Heliogabalo e Tarahumaras, obras de
Artaud:
Espinosa, Heliogabalo e a experimentação têm a mesma fórmula: A anarquia e a
unidade são uma única e mesma coisa, não a unidade do Uno, mas uma unidade mais
estranha que se diz apenas do múltiplo. É isto que os dois livros de Artaud
exprimem: a multiplicidade de fusão, a fusibilidade como zero infinito, plano de
consistência, Matéria onde não existem deuses; os princípios, como forças, essências,
substâncias, elementos, remissões, produções, vibrações, sopros, Números. E enfim a
dificuldade de atingir este mundo da Anarquia coroada, se se fica nos órgãos, o
‘figado que torna a pele amarela, o cérebro que se sifiliza, o intestino que expulsa o
lixo’, e se se permanece fechado no organismo, ou em um estrato que bloqueia os
fluxos e nos fixa neste nosso mundo.
Percebemos pouco a pouco que o CsO não é de modo algum contrário dos órgãos.
Seus inimigos não são os órgãos. O inimigo é o organismo (DELEUZE &
GUATTARI, 1996, p. 20 e 21).
A experimentação como exercício contínuo. É isso que Heliogabalo põe em prática no
limite da vida até dar cabo dela. A escrita teatralizada que Artaud exerce magistralmente em
sua obra Heliogabalo, me afetou profundamente, a cada trecho da leitura imagens como
91
campo de forças saltam à nossa frente, um intenso escritor, ator, que viveu o teatro como a
própria vida. Cláudio Willer nos diz, que:
Em O Teatro e seu duplo, obra na qual apresenta o conjunto de ideias que
constituíram o teatro da crueldade, Antonin Artaud defende uma linguagem que
pudesse exprimir objetivamente verdades secretas. Uma linguagem mais concreta
que a utilizada para falar da esfera psicológica.
Relatado por Anais Nin da palestra (O Teatro e a peste, de O teatro e seu duplo) em
que declarou que não iria falar da peste, porém mostrá-la, encarnando o empesteado,
sofrendo, contorcendo-se até cair no chão, de forma tão chocante que esvaziou o
auditório. Ou nas ocasiões em que afirmou que Paris era Roma antiga e ele, Artaud,
era Heliogabalo (http://www.revista.agulha.nom.br/ agwiller7.htm).
Artaud critica o teatro europeu da época em que se fica preso à representação do texto
escrito e depois culpam o público pelo seu desinteresse. “Parece ter sido completamente
perdida a noção das necessidades do teatro e de suas possibilidades” (ARTAUD, 2008, p.72).
O que cabe perfeitamente à escola, quando se propõe uma escrita sem sentido e sem vida e
depois dizemos que alunos e professores sofrem de sua deficiência.
Em sua obra “Heliogabalo” ou “O anarquista coroado” sua escrita desnuda de
moralismos, que incomoda, provoca, torce e contorce, nos traz a anarquia reinante à época.
Escrita como campo de forças e não apenas representação de algo, o que pode ser
potencialmente detonador de processos criativos em relação à educação, vida. O nome
Heliogabalo tem sua origem no Deus Elagabalus ou, Pico Radioso, Píncaro da Montanha vem
de muito longe. Talvez, na velha cosmogonia fenícia, se chamasse Desejo e como o próprio
Elagabalus, não era simples:
[...] vinha da fusão multiplicada e lenta dos princípios que reverberaram no fundo do
Sopro do Caos. De todos esses princípios o Sol é apenas a figura reduzida, imagem
para devotos fatigados e decaídos.
Digamos que o sopro que estava no caos se enamorou desses princípios; e que é
desse movimento em frente, dessa espécie de ideia dominante, que nasceu o desejo
consciente. Há no Sol fontes vivas, uma ideia de caos reduzido e completamente
eliminado (ARTAUD, 1991, p. 20).
Sopro que contém o princípio da reprodução, uma espécie de fome vital a percorrer os
nervos, que com suas descargas “entra em conflito com os princípios inteligentes da cabeça”
(ibidem). Princípios que só valem para o espírito que pensa e quando pensa fora disso, um
princípio se reduz a nada. Conflitos que levaram esse rei a combinar religião e lascívia, no
lugar da ordem que deveria impor sobre o trono se esmera na desordem ou, na anarquia
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essencial existente nas coisas, entre a carne e espírito, eternidade e a brevidade da vida, poesia
e realidade a escancarar todos os tipos de contradições humanas e de princípios.
Chora na rua vendo a miséria do povo (p. 123).
Um estranho ritmo intervém na sua crueldade: este iniciado faz tudo com arte e a
dobrar. Quero dizer sobre dois planos. Todos os seus gestos têm duas caras.
Ordem, Desordem
Unidade, Anarquia,
Poesia, Dissonância,
Ritmo, Discordância,
Grandeza, Puerilidade,
Generosidade, Crueldade
(ibidem 121 e 122).
Forças opostas se entrelaçam o tempo todo nesse imperador que rompe com os
costumes dos romanos e impõe o culto monoteísta a Elagabalus, o deus-Sol, atacando
impiedosamente a anarquia politeísta romana e se comporta “[...] como autêntico sacerdote de
um culto unitário, como personificação de um deus único que é o sol” (ibidem, p. 96). Artaud
e Heliogabalo como um só parece buscar o espírito sagrado, como acontecimento que emerge
e explode em campos intensivos ao se adensar em composições de forças. Não como o que
“[...] fica colado aos princípios com uma força de identificação sombria” (ARTAUD, 1991, p.
54), em que o amor se apresenta em “uma das suas formas a caridade universal, e a outra, a
mais terrível, é o sacrifício da alma, isto é, a morte da individualidade” (ibidem). Espírito
sagrado como campos intensivos a proliferar forças a impedir que na representação se esvaia
processos singulares. A experimentação como vibração a impulsionar, que põe todas as nossas
moléculas a bailar e a lançar ao infinito do possível sem contradições como o imperador
adolescente que traz em si Homem e Mulher e “que, através da anarquia, lança sua poesia
desconexa na moralidade romana” (ARAÚJO JR., 2001, p.19).
Trazer a poesia e a ordem a um mundo cuja existência já é um desafio à ordem, é
levar à guerra e à permanência da guerra, é fundar um estado de crueldade incidida, é
suscitar uma anarquia sem nome, a anarquia das coisas e dos aspectos que acordam
antes de soçobrarem de novo e se fundirem na unidade (ARTAUD, 1991, p.100).
Durante toda a sua vida Heliogabalo é atraído por esta imantação de contrários, por
este duplo esquartejamento.
De um lado,
O DEUS
Do outro lado,
O HOMEM (ARTAUD, 1991, p. 96).
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É difícil encontrar na história mais perfeita reunião de crimes, de torpezas, de
crueldade, do que a perpetrada por esta família onde os homens usam de toda a maldade e
fraqueza e as mulheres de toda a virilidade. Vida e a Morte transformam-se uma na outra
nessa família de Júlias, que matam um rei sobrinho ou neto para que à custa da força violenta,
substituí-lo por um primo e continuamente se perpetuam as infâmias.
Ultrapassou todos os limites do que já seria uma grande desordem e se transforma em
sua primeira vítima “é um anarquista que começa por devorar-se a si mesmo e acaba por
devorar os seus excrementos” (ARTAUD, 1991, p.100). Uma morte que “é a coroação da sua
vida. Justa para os romanos, justa para ele. É a morte ignominiosa de um rebelde, mas um
rebelde que morre pelas suas ideias” (ARTAUD, 1991, p. 127). Heliogabalo é considerado por
Artaud a encarnação do Corpo sem Órgãos, que é o próprio teatro da crueldade.
Eu emprego o nome crueldade no sentido cósmico de rigor, de necessidade
implacável, no sentido gnóstico de apetite de vida, rigor cósmico e necessidade
implacável, no sentido gnóstico de turbilhão de vida que devora as trevas, no sentido
dessa dor de necessidade implacável fora da qual a vida não saberia se exercitar
(ARTAUD, 2008, p.103, 104).
Crueldade que lança de volta à própria vida ao invés de se distanciar dela, busca uma
linguagem como “criação pura da vida”, contrária a da representação, em que o apreender no
encantamento da palavra poderá impulsionar o pensar por outros ângulos. A revolução
artaudiana quer explodir os fundamentos do mundo moderno, subverter pela raiz os hábitos de
pensamento atuais e, em suas palavras, “descentrar o fundamento atual das coisas” (ARTAUD
in ARANTES, 1988, p 76).
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Experimentação na escrita
O texto duro não me agrada, Não me (trans)forma nem muda.
Emudece.
Eu quero experimentar na carne o jogo (da différance?!?),
De poder sentir a carícia que Um outro qualquer me oferece,
Construindo-me na Construção mesma do texto...
(FEREIRA, 2008, p. 90).
Experimentação, escrituração, conexões caóticas em tentativas de se apreender rastros,
rasuras de potências em perspectivos campos intensivos fugidios, que possam ser rabiscados
em textos, que de alguma forma deixe rastros de forças a roçar sua materialidade. Como posso
compor com as narrativas alheias sem rotular, mas tentar, em alguma medida, com Artaud um
reatar com a vida. O espaço caótico da escola, em sua multiplicidade se constitui fecundo
gerador de campos intensivos como potência, no exercício de uma escrita como ética da
singularidade, em que algo nos “incita a inventar outras formas ao conjugarmos os tantos
verbos da nossa vida. Um desafio, uma provocação, o ressoar de uma questão em nós: o que
tenho escolhido fazer de mim?” (MACHADO, 2004, p. 149).
No exercício de trazer o cotidiano para a nossa narrativa está imbricado o
desnaturalizar do olhar a esses espaços, de forma a embaralhar forças, provocando outros
arranjos e conexões nas estruturas estabelecidas, principalmente em nossa própria maneira de
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apropriação desses espaços. Ao problematizá-los na imanência da escrita, vida a forçar o
exercício do pensamento já como ação, em que vamos, nos tornando em outros, na
experimentação de modos de vida, o que não se reduz à razão, inteligência e erudição
conforme Machado (2004). Processo em que a leitura:
[...] nos percorre e não faz apenas parte de uma lembrança, torna-se nosso próprio
corpo. É preciso que haja uma composição das consultas, das leituras e releituras, das
escolhas, enfim, da vida, naquele que escreve e no que escreve.
Trata-se de conectar fragmentos por meio da criação de um estilo de escrita. E o
corpo que aí se cria, não é um corpo de doutrina, é o próprio corpo daquele que ao
ser percorrido pelas leituras se apossou delas e faz sua afirmativa.
A escrita pode transformar a coisa vista ou ouvida em batalhas. Ela transforma-se em
um princípio de ação. Em contrapartida, aquele que escreve se transmuta em meio a
esse emaranhado (ibidem, p. 149).
“Princípio de ação” na busca de outras maneiras de fazer, pensar a escola e a nós
próprios, em nosso processo de experimentar a escrita tínhamos como parâmetros leituras
sobre educação, filosofia e arte.
Leitura, em que o “mundo e o livro remetem um ao outro, eterna e infinitamente, suas
imagens refletidas” (BLANCHOT, 2005, p. 138), um poder infinito de multiplicação cintilante
e ilimitada, que é o labirinto da luz, “o que não é pouca coisa – será, então, tudo o que
encontraremos, no fundo de nosso desejo de compreender” (ibidem). Talvez, pudéssemos
tomar essa ideia como estilhaços de luz em incertos flashes, onde a única certeza que se tem é
o princípio da incerteza, apesar de Blanchot dizer isso sobre o devir da literatura em Borges,
nos ajuda a pensar o nosso processo de escrita, que radicalmente potente e dolorosa em seu
recomeço. Em meio a todo tipo de julgamento a que estamos imersos, do que deve e como
deve ser feito, em todas as nossas ações inclusive na escrita. Artaud propõe se livrar dos
julgamentos, segundo Deleuze (1997), da doutrina do juízo, em que dívidas infinitas se
escrevem em um livro autônomo sem que se perceba, de modo que se torna impossível saldá-
la.
Somos desapossados, expulsos de nosso território, dando que o livro já recolheu os
signos mortos de uma Propriedade que invoca o eterno. A doutrina livresca do juízo
só é suave na aparência, pois nos condena a uma escravidão sem fim e anula
qualquer processo libertário. Artaud dará ao sistema da crueldade desenvolvimentos
sublimes, escrita de sangue e de vida que se opõe à escrita do livro, como a justiça ao
juízo, e acarreta uma verdadeira inversão do signo (DELEUZE, 1997, p. 145).
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O sistema da crueldade posto por Artaud ao teatro enuncia as relações finitas do corpo
existente com forças que o afetam, enquanto a doutrina da dívida infinita determina as
relações da alma com os juízos. O sistema da crueldade é o oposto da doutrina do juízo. O
juízo impossibilita qualquer novo modo de existência. Em a “peste” obra de Artaud, entre o
teatro e a peste ele “cria um símbolo no qual cada uma das forças duplica e relança a outra”
(DELEUZE, 1997, p. 152) uma potência de forças, que é:
[...] uma idiossincrasia de forças em que a força dominante se transforma ao passar
para as dominadas, e as dominadas ao passar para a dominante: dentro de
metamorfose. É o que Lawrence chama símbolo, um composto intensivo que vibra e
se estende, que não quer dizer nada, mas nos faz girar até captar em todas as direções
o máximo de forças possíveis, cada uma das quais recebe sentidos novos ao entrar
em relação com as demais (ibidem).
Com Spinoza podemos exercitar o não juízo aos outros e prestar atenção aos que
compõe com nosso corpo e nos força o existir, que potencializam nossas ações e os que não
compõem e nos despotencializam. Há escolhas. A decisão “jorra vitalmente de um turbilhão
de forças que nos arrasta ao combate. Ela resolve o combate sem suprimi-lo nem encerrá-lo.
Ela é o relâmpago adequado à noite do símbolo” (ibidem). Símbolos a aglomerar forças,
construir compostos de potência, combate sem juízo algum.
O que nos incomodava era que, renunciando ao juízo, tínhamos a impressão de nos
privarmos de qualquer meio para estabelecer diferenças entre existentes, entre modos
de existência, como se a partir daí tudo de equivalesse. Mas não é antes o juízo que
supõe critérios preexistentes (valores superiores) e, preexistentes desde sempre (no
infinito do tempo), de tal maneira que não consegue apreender o que há de novo num
existente, nem sequer pressentir a criação de um modo de existência. O juízo impede
a chegada de qualquer novo modo de existência (DELEUZE, 1997, p. 153).
No juízo o campo de forças se esvai e despotencializa a chegada de outros modos de
existência, por isso, talvez o não julgar adense mais forças a gerar campos intensivos, a forçar
o existir. Livrar-se do julgar nosso e dos outros é um exercício na direção do corpo sem
órgão, o limite imanente, a experiência, “o corpo sem órgãos constitui o campo de imanência
do desejo, onde o desejo constitui processo de produção” (ibidem).
Experimentar deslizar na escrita se desapegando de travas, sem se distrair com os
“julgamentos”, na escolha do que e do como. Sem se limitar às resenhas e articulações de
pensamentos de outros autores, que estarão presentes, mas para dizer de si, com o que ocorre
na escola, em situações reais, “o local de trabalho, o sofrimento de bairros pobres, a vida das
97
pessoas” (LATARINI, 2009, p. 12). Ao ouvir a professora Nair, sinto “que ela fala em mim
como alguns dos textos que estudamos” (ibidem).
Trazer a vida que acontece em nós às palavras encarnadas carregadas de forças a
ricochetear e a lançar no mar virtual, mistura de corpos em que víamos uns nos outros em
violentos fluxos, a vida do professor, do aluno, de todos nós, que pulsa na escola e nos lança à
vida com gigantescos desafios de tantos nomes...
Ao querido amigo / aluno Pedro e tantos outros Pedros, Marias, Joãos..........
Que ideia de projeto poderia ter ou ser criada para educar um coração marcado pela
violência, que trás consigo um choro sufocado ou de medo?
Sufocado por lamentar o pai que perdeu aos 6 meses de vida, que vê o padrasto ser
assassinado, e depois de tudo isso perde o amor do avô que tanto ama, por vício da
bebida (Professora Joana Luzia Olaf, 2008).
Diante da impossibilidade há que se reencontrar a vida... Intensas palavras
“abrem de espaços a vastidão onde o real furta à fábula” (ROSA, 1985, p. 95). Fui oferecida
a um casal:
[...] estava então com 12 dias. [...] no endereço dado, onde eu era aguardada pela
minha nova mãe e pela minha nova avó.
[...] Segundo minha mãe, eu estava muito embrulhada em uma manta, suja ou sujinha
como ela diz, com muita fome, pois tinha passado 12 dias só tomando água com
açúcar.
Minha mãe genética conversou um pouco, me desenrolou dos trapos e se foi, estava
muito doente e logo faleceu. Segundo minha segunda mãe ela esperou que eu
estivesse bem acolhida, para depois falecer.
Minha avó Olívia contava que me deram um banho demorado e eu dormi o dia todo
na cama dela e a noite improvisou um colchãozinho em cima de duas cadeiras, pois o
berço só seria comprado no outro dia. Ela dizia que ficou tão macio que não dava
nem para me enxergar, pois eu afundava nas cobertas. Deve ter sido maravilhoso.
(CAMARGO, 2009, p. 1 e 2).
Esse retalho de texto mostra o aconchego das mães, uma que antes de ir, escolhe
cuidadosamente um cuidar que segue. Ao relembrar sua história, em sua intensidade, a
memória é tomada como um eterno agora a recriar a vida, a escola, uma escrita, em que tudo é
carne, sangue que escorre em nossas veias, sem um antes e um depois. Um saber vivo a recriar
a escola, vida como nos aponta Brito (2009, p. 7):
Fazíamos do quintal a nossa sala de aula. Nascia aí, talvez, a minha concepção de
Escola Viva. Nesta imensidão que era o quintal onde galinhas, pintinhos, patinhos,
porquinhos, marrequinhos, perus, pavõezinhos, passarada, flores, frutas
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diferentemente do que seria me apresentado nos livros, eram personagens vivos desta
página.
São textos41, vida, que a escola quase nunca acolhe. Já está na hora de começarmos a
escrever e deixar escrever na escola como propõe Kramer, (2002). Parando de ensinar a escrita
apenas como dígrafos, polissílabos, sintaxes ou sinônimos, para escrever ideias, emoções,
reivindicações, poemas, cartas, estórias. A linguagem na escola geralmente é prescritiva e
normativa, exclui as histórias dos atores das práticas, a linguagem literária, artística, poética.
“[...] a linguagem constitui o arame farpado mais poderoso para bloquear o acesso ao poder”
(ibidem, 2002, p. 2), talvez com a linguagem artística, literária, seja possível ir quebrando esse
arame farpado.
Penso que, na formação, é preciso partir da compreensão de que a linguagem nos
constitui e que é fundamental tomarmos consciência da linguagem que falamos.
Precisamos, como professores, tomar consciência de que os conceitos e os
preconceitos historicamente vividos pela sociedade em que estamos inseridos vão se
agarrando nos diálogos: eles falam em nós porque foram escritos em nós, na nossa
carne.
A literatura ocupa um papel central nesse processo, porque ela nos permite o
sentimento de aventura da descoberta, da compreensão do outro, ela nos ajuda a
sentir a dor do outro, e pensando no outro, ela nos incita a pensar sobre nós mesmos,
nossas dificuldades, limites, sentimentos de fracasso e conquista. O mundo
contemporâneo parece tentar apagar as dores, limpar as diferenças – embora se fale
tanto nelas – e camuflar a desigualdade. Penso que com a literatura aprendemos a ver
os detalhes que não estão visíveis, ouvir os sussurros, sentir as dobras, as rugas. Não
só a literatura, mas toda a produção cultural – a música, o cinema, a pintura, a
fotografia etc – quando revestida de sua dimensão de arte possibilita esse encontro
com o outro, e, portanto, consigo mesmo (ibidem).
A escrita do professor e do aluno podem trazer a baila silenciamentos de movimentos
culturais e oferecer possibilidades de acolhimento às múltiplas práticas, inclusive as corporais
como hip hop, percussão corporal, rap. Vejamos trechos de um rap feito por Carlos Henrique,
aluno do professor Renato Horta Nunes (2009, p. 45):
41 Esses dois fragmentos de texto fazem parte do memorial de formação das professoras que foram escritos sob a
orientação do professor Guilherme do Val Toledo Prado, na disciplina de “Narrativas Pedagógicas” (1º semestre
de 2009), do curso de especialização, citado ao longo desta tese. Essa escrita do memorial de formação aparece
no início de todos os TCCs de professores e gestores, o que muito embeleza essas produções e contribui no
processo de escrita.
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Este aluno em sua escrita ao criar com a sua própria condição de existir em um meio
extremamente violento, onde vê sua única saída no “rimar”, transformar em ritmos... Podemos
sentir isso em cada palavra “fuma pedra no portão da escola”, “corpos encontrados no meio do
mato...”, encontrou um professor que delicadamente se deteve e compôs com ele alguma
possibilidade cavada no espaço da escola para a produção de conhecimento à margem dos
programas instituídos.
O RAP, que do inglês representa rhythm and poetry (ritmo e poesia) surgiu na
Jamaica na década de 1960. Este gênero musical foi levado pelos jamaicanos para os
Estados Unidos, mais especificamente para os bairros pobres de Nova Iorque, no
começo da década de 1970. Ele é um dos quatro elementos que constitui o hip hop
(NUNES, 2009, p. 46).
Nunes (2009) aponta que nas diversas letras de músicas feitas pelo aluno sempre
tratam de assuntos de sua realidade cotidiana com posicionamento político, mas que na
maioria das vezes é desconsiderada pela escola e se perde a oportunidade de diálogo entre
professores e alunos, o que poderia enriquecer o currículo escolar e valorizar a pluralidade
cultural.
Situá-lo na linha de sua história, contrapô-lo frente a outros estilos musicais,
considerá-lo nas condições de sua prática, frente às resistências, nos polos de seu
desenvolvimento, são estratégias que podemos lançar para ampliar as possibilidades
Todo cuidado é pouco, presta atenção
O mundo ta louco ficando em extinção
Guerras, mortes, estou cansado de ouvir
Mas o que temos a fazer se quisermos existir
A chapa tá quente, a batalha começou
É a cena do crime, e a justiça não chegou
Agora quem sofre é a comunidade,
que não consegue distinguir aonde ta a verdade
não sabe se é la dentro ou se é aqui fora
moleque fuma pedra no portão da escola
perdendo tempo, sofrendo ao relento
ao invés disso podia estar vivendo
Agora vem em mim e vê se seu to errado
Corpos encontrados no meio do mato
Ninguém sabe qual que é a razão
Eu já não tenho dúvida, não, um papelão
Essa história já passou da hora de acabar
Mas quem pode interferir?
Minha parte é rimar
Carlos Henrique
100
de aprendizagem, ainda mais se considerarmos o entrelaçamento de outras
disciplinas e áreas de estudo (NUNES, 2009, p.46).
Isto abre possibilidades de aprendizado calcado na realidade do aluno e viabiliza o
trânsito por outras áreas do saber, em que o currículo acolhe os saberes da vida cotidiana, que
vem da rua, das famílias. O saber popular, vivo e praticado muitas vezes ignorado,
menosprezado, rejeitado, reprimido e, certamente, diminuído, como nos diz D’Ambrósio,
(2004). Ao acolher os saberes que o aluno traz a escola oferece oportunidade para o exercício
de outras formas de escritas como o rap, que com seu canto falado a fugir da estrita
racionalidade, estimula a criação ao reativar a imagem sonora da palavra ligando-a à formas e
conteúdos culturais, onde o movimento da ancestralidade atua como forças nos campos
intensivos.
A cultura é o movimento da ancestralidade, e a ancestralidade é como um tecido
produzido no tear africano: na trama do tear está o horizonte do espaço; na urdidura
do tecido está a verticalidade do tempo. Entrelaçando os fios do tempo e do espaço
cria-se o tecido do mundo que articula a trama e a urdidura da existência
(OLIVEIRA, 2007 p. 245).
Nesse movimento de apreender na escrita elementos da vida cotidiana, a pesquisa
realizada pela professora Ambrosina Castelar Brito (2009), aponta que se faz necessário
conhecer melhor o espaço da escola, sua biblioteca, o dia a dia da sala de aula. Olhar o
ambiente com mais atenção “o hábito de atuar, nos mesmos espaços e ambientes faz com que
eles sejam cada vez mais iguais e imperceptíveis. Ora não se lê o homogêneo” (FERRARA,
2000, p. 23). O exercício da leitura e da escrita se faz na realidade, não apenas em livros e se
criam táticas e estratégias que possibilitem a realização de leitura e de escrita que façam
sentido para os envolvidos. Vejamos o efeito do contato com ambiente da escola na busca de
assuntos para a produção de textos por Brito (2009, p. 42) e seus alunos, nas palavras do aluno
Cícero.
Eu estou fazendo este relatório porque vou falar sobre meu passeio na escola.
1. Eu vi um lindo ninho que o pássaro chamado bem-te-vi construiu. A árvore que
nós vimos é grande e faz uma bela sombra. No refeitório nós sentimos um delicioso
cheiro de macarrão.
2. Subindo lá em cima a primeira coisa que eu vi foi a garagem cheia de carros, ao
lado da garagem está a sala dos professores, tem o local para os fumantes, tem os
banheiros dos professores, masculino e feminino.
3. Seguindo o nosso passeio nós vimos o local onde plantaram algumas flores.
101
4. Ao lado da sala dos professores tem a informática e as quatro salas de aula e do
outro lado tem uma biblioteca.
5. No pátio tem dois pimbolins onde os meninos brincam, tem o local que tem
amarelinha, tem a quadra que os meninos jogam bola.
6. Tem o local onde fazem a comida, os banheiros das crianças, a diretoria e outras
quatro salas de aula.
7. Na entrada para um jardim tem pés de café, amoreira e outras plantas. Tem um
formigueiro e uma grande área de serviço (CÍCERO 6ª série B, 05/08/08).
Continua a professora “os alunos só conhecem na Escola, a sala de aula que
frequentam, os corredores por onde transitam e a quadra onde têm aulas de educação física”
(ibidem). Nessa visita que a professora denominou “caçar de palavras” para a elaboração de
textos, nas dependências da escola encontraram um mundo desconhecido, apesar de estarem
ali todos os dias.
Observaram um ninho de passarinho construído na luminária da rede pública. Viram
as plantas medicinais existentes na horta. Perguntaram pelas suas denominações,
tocaram nelas, perceberam seus aromas e indagaram sobre suas serventias (ibidem).
Conversaram com os servidores demonstrando interesse pelas atividades dos
mesmos, bem como sobre suas vidas. Presenciaram o diálogo entre um pedinte e a
professora onde o mesmo pediu um dinheiro para comprar um almoço. A professora
disse que não tinha dinheiro, e ele a chamou de hipócrita, "que vai à igreja, bate no
peito, e não dá de comer a quem tem fome".
E tudo isso teve a duração de 20 minutos.
Voltamos para a sala de aula felizes e fomos marcando na lousa as várias
possibilidades de textos, assuntos, que poderíamos usar. Mais de cem títulos
surgiram desta experiência. Ficou como dever de casa que se produzissem um texto,
a escolha deles, usando as palavras temas caçadas. Caçadas e bem presas na alma.
Quanta euforia! Quantas novidades! Há duas semanas tenho um ‘problema’: quantos
assuntos misturados! Querem falar sobre tudo!
Quantas páginas para corrigir! Socorro! Avaliando (BRITO, 2009, p. 42).
Esse movimento de “passear” no espaço da escola e a elaboração de textos requerem
mais vagar no olhar, no escutar, no sentir e um lançar-se ao momento, livre de ideias prontas e
tentar apreender o novo ao “cultivar a atenção e a delicadeza, aprender a lentidão, escutar os
outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência” (LARROSSA, 2002, p. 24). São
maneiras de estar no ambiente que o tornam heterogêneo e possibilita o exercício da escrita
como experiência, em que alunos e professora embarcam em fluxos impregnados de
sensações, memórias “das nossas experiências sensíveis e culturais, individuais e coletivas”
(FERRARA, 2000, p. 23) e marcam a maneira como lidamos com os signos, linguagens e
símbolos ao nosso redor.
102
A língua nasceu solta e desenvolta. Nasceu virada para fora de si.
A língua, na sua fantasia, tem vestidos: vestidos requintados com enfeites de emoção,
roupa de mendigo e com remendos […], vestido com bordados e afrontas que para
muitos são heranças que os séculos lhe foram juntando num pé de meia.
E com todos esses vestidos chega a bifurcar-se em língua do coração, língua do
sentir, da alma e língua de contacto com o resto do mundo.
[…] Têm elas o seu estilo de cooperação: a língua de viagens, a de contacto, acaba
pedindo emprestadas as roupas de emoção da língua do sentimento.
Esta, por sua vez vai deixando que a língua do sentimento faça uso de suas letras.
MIA COUTO (apud BRITO, 2009, p. 2009, p.46).
Deixar “que a língua do sentimento faça uso de suas letras”, em suas diversas formas
de escrita como a dos poemas, que alguns professores se arriscaram a brincar com eles. Em
que consiste um poema? Segundo Pedro Lyra (1986) dizer do poema é bem menos
controvertido do que da poesia. Poema se diz do objeto empírico, a poesia seria a substância
imaterial, o que implica em:
[...] dizer que o primeiro tem uma existência concreta e a segunda não (...). Ou seja: o
poema, depois de criado, existe per se, em si mesmo, ao alcance de qualquer leitor,
mas a poesia só existe em outro ser: primariamente, naqueles onde ela se encrava e
se manifesta de modo originário, oferecendo-se à percepção objetiva de qualquer
indivíduo (LYRA, 1986, p. 7).
Um poema, que se transformará em poesia se tocar o leitor. Para Artaud toda poesia
possui uma contradição essencial. “A poesia é multiplicidade triturada e incendiada. E a
poesia, que estabelece a ordem, suscita primeiro a desordem, a desordem dos aspectos
incendiados; provoca o choque dos aspectos que leva a um ponto único: fogo, gesto, sangue,
grito” (ARTAUD, 1991, p.100).
Um dos rastros de nosso processo de experimentação com a escrita é um texto da
professora Denilda Altem (Geografia) a se interrogar sobre seus, nossos desejos. Serão eles
realmente nossos? Qual sua origem? Ou serão eles agenciados por uma mídia capitalista em
que somos meros fantoches da máquina de produção do imaginário coletivo? Será? Será?
Será? De qualquer forma um acontecimento singular. Poderia ser chamado de poesia?
Vejamo-la:
103
O convite ao movimento na frase: “Dos desejos próteses em desejos devir...” Frase que
marca o movimento de todos nós, na tentativa de apreender rastros nos fluxos de desejo.
Desejo como “construção de agenciamentos”. Na frase “Desejos de voar longe, Longe dos
desejos padronizados”, talvez pudéssemos ler como um agenciamento coletivo na tentativa de
“explodir” forças padronizadas.
Com certo vagar começaram a pipocar textos, diante do meu insistente convite
“escrevam livremente o que o texto provocou, copiem trechos que considerarem interessantes,
anotem algo que os tenha mobilizado. Como essas ideias os ajudam a pensar seu projeto em
sala de aula?”.
Observei em meu longo exercício no magistério42 como professora de matemática e
coordenadora de professores o pavor de escrever, o medo de errar. Em uma escola estadual
42 Durante 25 anos lecionei Matemática para o Ensino Fundamental e Médio na rede Estadual de Educação do
Estado de São Paulo. Nos últimos cinco anos, do Projeto “Ciência na Escola”, atuei como coordenadora de
professores em duas escolas da rede Estadual, que participavam deste projeto.
Próteses de desejos
Quais são os meus verdadeiros desejos?
Desejo de ter
Desejo de ser
Desejos meus
Desejos de outrem.
Desejos impostos ou desejos infiltrados.
Desejos de mim
Desejos de ti
Desejos qualificados
Desejos quantificados.
Desejo do saber
Desejo de justiça
Desejo de luta
Desejo de igualdade
Desejos satisfeitos ou desejos esquecidos.
Desejos de voar longe,
Longe dos desejos padronizados.
Desejos de desejos...
Conheçamos nossos desejos.
Mergulhemos neles a descortinar o inimaginável.
Dos desejos próteses em desejos devir...
Denilda Altem (2009, p. 5)
104
que coordenei o Projeto “Ciência na Escola”, fiquei muito surpresa, pois quase todos os
professores tinham esse pavor de escrever e mostrar, inclusive eu, mas ao escrever projetos e
relatórios de pesquisa, exigidos nesse projeto, aos poucos fui descobrindo que conseguia
escrever e que poderia ir melhorando.
O exercício de escrita na problematização e teorização da prática pedagógica, uma
maneira de produção de saberes por professores e gestores sobre o seu cotidiano, junto com
seus alunos e outros pensadores foi o rumo seguido de forma um tanto à deriva, um exercício
de atenção a pequenos detalhes e pistas em seu cotidiano. Uma escrita livre e solta.
[...] sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em
nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está
querendo desabrochar de um modo ou de outro... (LISPECTOR apud CARVALHO,
2009, p. 4).
Embora não tivéssemos intenção de transformar nada, esse movimento mostrou que
no “desabrochar” da escrita se inventa outros modos de fazer as coisas e perceber a própria
vida ao se enredar na criação do texto.
Refaçamos nosso percurso com a professora Elizandra Neves (2009), ela nos lembra de
que nesta disciplina43 também foi proposto aos professores e gestoras que pensassem sobre sua
prática e a teorizassem.
No começo, achei difícil este exercício, pois não tinha o hábito de escrever sobre
minha prática, de refletir sobre o meu dia-a-dia como professora, e percebi que não
era a única no grupo com tal problema. A professora ao longo do curso, teve o
cuidado de nos motivar, de nos incentivar, dizendo sempre: ‘Vamos, escrevam o que
vier primeiro à cabeça, depois este exercício se torna um hábito. Nem que seja uma
linha’ (NEVES, 2009, p. 14).
A princípio fiquei apavorada diante da necessidade de escrever, mas a professora
dizia: escrevam, simplesmente escrevam, escrevam o que quiserem, mas escrevam.
Isso acontecia em todas as suas aulas, era uma motivação bem espontânea.
Timidamente, comecei a escrever, e a cada nova escrita, ela escrevia um elogio,
nunca fez críticas, só elogios e foi graças a ela que comecei a escrever sem pensar
quem seria o leitor (HEERDT, 2009, p.22).
As professoras Elizandra e Nair Heerdt confirmam o incômodo que se transformou o
processo de escrita na escola, observei isso também com os alunos. A professora Nair aponta
que se nos detivermos nas possibilidades de criação que o texto oferece e não em suas faltas
esse incômodo, organismo vai se esvaindo na direção do Corpo sem Órgão. Uma escrita em
43 A Pesquisa como Instrumento Pedagógico, módulos I, II, III, anos 2008 e 2009.
105
que ao assumirmos uma postura de coautoria, interferindo, sugerindo e apontando caminhos
para o texto torna o processo de escrita uma potente ferramenta no processo pedagógico, que
ao se mergulhar nesses espaços de forma livre, pode-se impulsionar a criação no fazer
cotidiano. Parece que essa postura inicial de buscar a potência do texto e não sua falta nos
remete a ideia da Teoria do Caos, a de que uma pequena interferência inicial pode gerar
grandes efeitos posteriormente.
Nesse processo a professora Ieda Rockenbach (2009) observa que a valorização do
estilo de cada um, estimulando diferenças se constitui em fator determinante para que se
sintam seguros para expor em suas escritas, o que pensam sobre as coisas e considera essa
postura imprescindível aos educadores. Uma criação de escrita como “um estilo de vida, de
nenhum modo algo pessoal, mas a invenção de uma possibilidade de vida, de um modo de
existência” (DELEUZE, 2000, p.126).
Segurança parece ser outro fator relevante nesse processo como aponta a professora
Cláudia Latarini, que se sentiu à vontade e segura para escrever quando os encorajei a
experimentarem sem se preocupar com os possíveis erros, isso depois de passado o incomodo
inicial do convite ao exercício de escrita. Nas palavras dela:
Para minha surpresa, eu que pouco escrevia, vi se abrir um problema (no início) a
minha frente, pois não sou de escrever sobre a escola e as aulas. Senti segurança
quando ela nos encorajou ao dizer que não existe o erro e que experimentássemos, eu
me senti à vontade para começar a escrever (LATARINI, 2009, p. 12).
Vejamos um pequeno trecho de sua escrita, denominada “O Piso” sobre o antigo piso
da escola pintado com o “J” de Jaci, que a Secretaria da Educação dos idos de 1975, da rede
de Educação Municipal de Campinas, SP, imortalizou no desenho da pavimentação.
Pisos que foram utilizados em sala de aula para o aprendizado da geometria como
ângulos, encaixes, junto à história da escola.
106
O Piso
A escola, os burburinhos dos alunos nos corredores, a chegada e a saída.
O barulho dos pés no chão, a correria nas entradas e saídas das aulas...
...
Piso indo embora, após 40 anos
A nos amparar dia após dia nas salas e biblioteca
Maravilhosos mosaicos a enfeitar nosso caminhar
Desconstruído e reconstruído, com novo piso
Porém, imortalizados em muitas fotos em sua antiga forma de J de Jaci
Nos celulares dos alunos do 6º ano B
Anfiteatro, direção, cozinha, pátio, salas de aula,
Corredores, entrada da escola, secretaria e banheiros.
Agora o J de Jaci é documento histórico.
Alunos atentos confortavelmente sentados a ouvir histórias
Da professora Vera sobre sua querida escola EMEF Vicente Ráo.
Construída em companhia de mais três
Elegantemente adornadas com o “J” de Jaci:
Raul Pila, Humberto Castelo Branco e João Alves dos Santos.
Jaci, a Secretaria da Educação dos idos de 1975
Imortalizou seu “J” no desenho da pavimentação
Cantos com pisos dissonantes, irregulares
Cantos com cores alternadas e cantos com maravilhosos mosaicos
A geometria reproduzida por alunos ao ranger do encaixe da madeira
Agora outros mosaicos
Criação multicolorida em folhas de caderno
Ângulos e encaixes a disparar desejos de aprendizados e sonhos.
A lousa tela do aluno/artista a receber formas e cores
Inusitado instante imortalizado na memória viva, imagens...
(LATARINI, 2009, p. vi)
As palavras da professora encarnadas, no apreender de alunos e professores sobre o
saber escolar da matemática e os da vida na escola, sua história, localização geográfica, o
apreender nos mapas da cidade e bairro. Alguns alunos ao descobrir que seus pais também
haviam estudado ali, inclusive alunos dessa mesma professora, foram se encantando mais com
a escola. Isso surgiu quando alunos e professora escolheram realizar uma pesquisa aberta onde
cada aluno traria o que achasse interessante sobre a escola e o bairro. Nas palavras da
professora:
107
A pesquisa se iniciou44 com o aluno Thiago da 6ª série B ao dizer que sua mãe havia
sido minha aluna. Com um sorriso no rosto, e meio encabulado, pois não me
conhecia, trouxe-me um recado dela: “minha mandou um beijo para você
professora”. Neste momento Thainá, Leonardo e outros alunos da mesma série,
estimulados pelo colega de sala, disseram que as mães e os pais também haviam
estudado no Vicente Ráo.
Mostraram encantamento com a escola que foi estimulada por mães, pais, irmãos e
irmãs que passaram por esta escola e as guardam na memória. Agora as expressam e
podemos observar claramente o que ali estava ocorrendo (LATARINI, 2009, p. 19):
Parte desse ‘desejo’ ou dessa fascinação pela escola pode muito bem ter sido
estimulada por mães, pais, irmãos e irmãs que se travestiram em mestres e mestras e
introduziram as crianças (obtendo bons ou maus resultados do ponto de vista da
aprendizagem) no mundo do alfabeto e dos números (SOUZA, 2003, p. 40).
O espaço educativo como lugar de encantamento a gerar campos intensivos
provocados por redemoinhos de imagens cores e cheiros, sorrisos, suor (ibidem). Espaço que
pode ser um barraco, uma casa, um prédio inteiro, uma quadra, um campus, que dependendo
das interações dos atores envolvidos podem aumentar ou diminuir a nossa força de ação.
Outras formas de exercitar relações de poder no cotidiano da escola podem emergir ao
se escrever sobre ele, pistas de seu funcionamento se apresentam e possibilita a busca de
relações de parceria, onde o poder se dilui, impulsionando a assunção de maior
responsabilidade entre os envolvidos no processo educativo, é o que aponta a diretora
educacional Mariangela Modé. “Escrever sobre o meu cotidiano na função de diretora se
constituiu em uma forma de olhar para minhas ações diárias, revendo e refletindo sobre cada
uma delas” (MODÉ, 2009, p. 10). Movimento que põe a nu, intensos conflitos de forças e
surge na própria tentativa da gestão de escapar “ao poder da chefia”, que nas relações
pedagógicas muitas vezes se encontram bloqueadas e cristalizadas. São situações que muitas
vezes destitui de poder os falantes, impondo verdades prontas, fenômeno muito antigo, que
segundo Barthes (1987) se acentua com a escrita, e tem:
[...] momentos de regressão linguística com o rosário, o moinhos de preces da
religião budista, o escapulário.
Quanto mais a igreja deu importância aos textos, mais se instaurou como corpo
social separado do povo: prova-o a inquisição. No plano político Rousseau
sustentava que a escrita é um processo que suspende o poder do povo; numa
sociedade realmente democrática, qualquer cidadão deve poder escutar e
compreender a voz do orador, e a disposição do cidadão em possuir uma palavra
própria a garantia de liberdade (p. 52).
44 Na segunda semana de março de 2008.
108
“Escutar e compreender a voz do orador” é, ainda, um grande desafio em nosso mundo
contemporâneo com tantos discursos codificados, inclusive na própria educação a perpetuar
relações de poder extremamente arraigadas e complexas como nos mostra Barthes. Estados de
dominação, que nem sempre permitem mobilidade aos diferentes parceiros, conforme
Foucault (2004). Ao falar por si mesma como “uma ética do cuidado de si como condição
pedagógica para liderar a escola, negociando conscientemente com os envolvidos, visando à
aprendizagem e a formação dos alunos” (MODÉ, 2009, p. 10). A autora aponta que a clareza
de uma situação pode impulsionar a experimentação, de processos coletivos, o que implica
embaralhar complexas relações de poder naturalizadas no cotidiano da escola. “(...) o discurso
não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por
que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar” (FOUCAULT, 2010, p. 10). No
falar se exerce um poder e se subjuga a um poder. “Uma linguagem é sempre política”
(OLIVEIRA, 2009, p. 118).
A escrita como um “conjunto de ritos, o cerimonial evidente ou discreto pelo qual
independentemente do que se quer imprimir, e da maneira como o exprimimos, anuncia-se um
acontecimento” (BLANCHOT, 2005, p. 301, 302).
“Acontecimento” não só no processo de escrita, mas na criação de práticas coletivas ao
negociar com os envolvidos, ao invés de repetir ações naturalizadas de imposição pela direção
da escola, de rumos pré-definidos. Atentos para não se deixar levar pelo “fascismo45 que está
em todos nós, que ronda nossos espíritos e nossas condutas cotidianas, o fascismo que nos faz
gostar do poder, desejar essa coisa mesma que nos domina e explora” (FOUCAULT, 1996, p.
199). Uma vida não fascista implica em fazer proliferar a ação, o pensamento e os desejos, se
livrando das velhas categorias do Negativo como a castração e a falta considerada sagradas no
pensamento ocidental como forma de poder e “modo de acesso à realidade. Prefiram o que é
positivo e múltiplo, a diferença à uniformidade, o fluxo às unidades, os agenciamentos móveis
aos sistemas. Considere que o que é produtivo, não é sedentário, mas nômade” (ibidem) ao se
deixar fluir com as multiplicidades caóticas, desvencilhando de amarras que nos são impostas
diariamente por “leis” sociais.
45 “O Fascismo histórico de Hitler e Mussolini – que soube tão bem mobilizar e utilizar o desejo das massas, mas
também o fascismo que está em todos nós” (FOUCAULT, 1996, p. 199).
109
Podemos afirmar que o processo de escritura pode ser poderosa ferramenta no processo
de “sacudir” nossos organismos e se aproximar de nossos corpos sem órgãos. Um corpo a se
deixar fecundar por fluxos intensivos, considerando a educação não apenas um processo
cognitivo da razão, mas que gera campos intensivos e põe em movimento forças, que nem
sequer imaginávamos existir. Michel Serres (2004) agradece a seus professores de ginástica, a
seus treinadores e guias de montanhismo que lhe ensinaram a pensar, na contramão do
pensamento corrente, o de que pensamos somente com o cérebro.
Deleuze (2007) ao pensar a pintura de Francis Bacon46 diz que o corpo vivido da
fenomenologia é pouco em relação a uma potência mais profunda e quase insuportável, que
“só podemos buscar a unidade do ritmo onde o próprio ritmo mergulha no caos, na noite, e
onde as diferenças de nível são sempre misturadas com violência” (ibidem, p. 51).
Nos anos 50 Bacon cria imagens, que são transparentes em seu interior, utilizando
imagens médicas de radiologia. Segundo Monteiro ele utilizou um livro de radiologia, o
Positioning in radiology (1934), de Kathleen Clara Clark, uma espécie de manual para a
produção de algumas de suas obras, como Head Surrounded by sides of beef (1954).
A popularização das imagens médicas em diferentes contextos midiáticos (cinema,
televisão, propaganda etc) tem fornecido ao público leigo um olhar que
anteriormente era limitado ao olho especializado do médico, contribuindo para a
criação de uma cultura dependente das imagens e das tecnologias que as produzem
(ibidem). (http://www.revistacinetica.com.br/cep/rosana_ monteiro.htm).
46 Francis Bacon nasceu em Dublin (28 de Outubro de 1909 - 28 de Abril de 1992) foi um pintor anglo-irlandês
de pintura figurativa. Foi descendente colateral de Francis Bacon, filósofo do Período Elisabetano. Seu trabalho é
mais conhecido como audaz, austero, e frequentemente grotesco ou imagem de pesadelo.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Francis_Bacon_artista
Figura 9. Painting of a dog, 1952
http://www.dailyartfixx.com/
110
Vejamos uma figura de Francis Bacon feita a partir de imagens de radiologia e outra da
italiana Benedetta Bonichi criada à moda de Bacon.
A forma de carcaça como mostra a figura de número 11 denominada Head surrounded
by sides of beef (1954) de Bacon é criada a partir de imagens de radiologia. A figura número
10 da artista italiana Benedetta Bonichi feita à maneira de Francis Bacon a partir de imagens
de raios X. A transparência da iluminação no interior do corpo humano em que arte e ciência
em violenta mistura lançam a sensação de um desencarnar em que um organismo escorre por
entre as vértebras dos esqueletos.
Figura 10. Benedetta Bonichi,
A Francis Bacon (2000)
http://www.revistacinetica.com.br/cep/rosana_
monteiro.htm
Figura 11. Francis Bacon, Head surrounded
by sides of beef (1954) http://www.revistacinetica.com.br/cep/rosana_monteiro.htm
111
Para além do organismo, mas também como limite do corpo vivido, há o que Artaud
descobriu e nomeou: corpo sem órgãos. ‘O corpo é o corpo Ele está sozinho E não
precisa de órgãos O corpo nunca é um organismo. Os organismos são os inimigos do
corpo’. O corpo sem órgãos se opõe menos aos órgãos do que à organização que se
chama organismo. É um corpo intenso, intensivo. Ele é percorrido por uma onda que
traça no corpo níveis ou limiares segundo as variações de sua amplitude. O corpo,
portanto, não tem órgãos, mas limiares ou níveis. De modo que a sensação não
qualitativa bem qualificada; ela possui apenas uma realidade intensiva que nela não
determina mais dados representativos, mas variações alotrópicas. A sensação é
vibração. Sabe-se que o ovo apresenta esse estado do corpo “antes” da representação
orgânica: eixos e vetores, gradientes, zonas, movimentos cinemáticos e tendências
dinâmicas em relação aos quais as formas são contingentes ou acessórias
(DELEUZE, 2007, p. 51).
“Sensação é vibração”, portanto produção de intensidades e talvez um processo de
escritura nessa direção, seriam rastros largados por fluxos perspectivos de campos intensivos
que se formam e modificam continuamente. Não a representação de alguma situação, mas o
encarnar da própria coisa, “uma realidade intensiva” em que se permite o escorrer do
organismo por entre vértebras. Uma tentativa de escrita em constante atualização do caos,
oceano virtual. Palavras a escorrer por entre vértebras misturadas com músculos, sangue... A
largar “sua cor sobre as coisas, transformando as ações em ritos e os acontecimentos em
cerimônias” (SARTRE, 1984, p. 35).
112
............................
.................................................................
Velhas e Antigas Cinzas
De repente!
Ressurgem Antigas fagulhas de cinzas
Pó queimado encravado
Como maldição
A estampar
Velhas histórias
Em distintos personagens
Estilhaços próprios
Artaud em sua infinita loucura capturou a dor
Do organismo/cinzas a impregnar
Livrar-se dos organismos para Artaud
Ou das cinzas dão no mesmo.
Sacudir a cinza/organismo milenar
Criar outros enredos...
Maria A. S. Damin
113
Campo intensivo 4
PROBLEMATIZAR, COMPOR AFETOS, E DEVIR...
... De repente,
Tornou-se público! Falas, poemas, escritos,
Desnudos desejos! ...
Joana Luzia Olaf (2009, p.12)
O problematizar e teorizar práticas no contingente cotidiano por professores e gestores
implicou em trazer à luz complexas relações de força no processo educativo, onde na
composição de afetos, em “encontros” à maneira de Spinoza, podemos “escolher” os que
compõem com nossos corpos a gerar campos intensivos, a aumentar nossa força de existir, de
agir. Dos encontros com pessoas, livros, ideias algumas situações deixaram rastros de
potências a detonar campos intensivos, a impulsionar a experimentação no processo educativo
como: - o apreender na problematização de assuntos da realidade por alunos e professores e, o
apreender na problematização da prática cotidiana por professores e gestores; - nos
“encontros” para trocas de experiências com os pares, metodologias, leitura de textos sobre
educação, filosofia, arte, dentre outros, acontecimentos a mobilizar algo, que impulsione a
114
ação, em afecções, mistura de corpos; - o exercício da escrita de forma livre, que contribui
para o romper de barreiras, como o medo de se expor e a exercitá-la como se fora brincadeira
de criança ao se lançar à deriva com as palavras que surgem e depois ajeitá-las a determinados
lugares ou descartá-las.
O apreender da prática cotidiana por professores e gestores pode ser um importante
vetor de força no processo educativo ao trazer rastros de vida da comunidade escolar,
resultante do saber do aluno via problematização de assuntos de seu interesse, onde.
[...] cada aluno que transmite um conhecimento, dá a sua forma e seu jeito à
explicação, interligando as experiências que possui com o seu próprio conhecimento.
Se o conhecimento é uma produção, uma invenção poderiam torná-lo uma aquarela
rizomática onde pintariam o próprio conhecimento. Tornando-se pintor e ator de sua
própria pesquisa (ALTEM, 2009, p.53).
Poderíamos dizer que há produção como invenção, tanto na do processo pedagógico de
alunos e professores no dia a dia da sala de aula, quanto na dos professores e gestores sobre a
prática. Ao serem delineados na contingência criam uma dinâmica educativa caótica, que na
busca do apreender a partir do que surge de interesse, descentraliza a “figura do professor”,
fortalece as conexões entre todos como aponta Lopes:
Observamos na fala dos alunos a importância das interações entre os pares aluno-
aluno, da descentralização da figura do professor quando se constroem juntos a
aprendizagem, uns ajudando aos outros, numa parceria que contempla não só as
relações professor/alunos, mas, sobretudo alunos/alunos (LOPES, 2009, p. 35).
Processo em que os envolvidos assumem a responsabilidade pelo processo educativo.
Invenção ao se buscar caminhos necessários, eles não estão prontos, tenho pistas em
metodologias, mas não se enquadram em nenhuma e é preciso misturá-las, inventá-las a cada
etapa para dar conta do que se busca. Processo educacional que favorece uma educação mais
integrada:
[...] sem dissociações abstratas; à parte a nova filosofia de educação que implica essa
postura e mesmo a nova visão de mundo que ela suscita, também experimentaríamos,
com essa postura pedagógica, uma sensível melhoria no aproveitamento e
rendimento dos alunos, pois aquela barreira intuitiva não mais precisaria ser
ultrapassada (GALLO, 1999, p. 38).
As teorizações dos professores apontam uma nítida melhoria no aproveitamento e
rendimento dos alunos. “O aproveitamento dos alunos foi excelente!!! Não esperávamos dos
alunos da 5ª série uma interação tão produtiva com os recursos tecnológicos e textos escritos
115
em língua inglesa” (LOPES, 2009, p.61). A professora pontua ainda que a integração entre
seus pares e áreas do saber, numa produção de “mão própria” foi surpreendente e “representou
um divisor de águas em meu caminho pela educação que merece atenção também, de forma
continuada, de gestores escolares” (ibidem).
Processo educativo na contramão de algumas propostas de formação de professores de
língua estrangeira, como nos lembra outra professora de língua inglesa, Girlene Urbano, que
na maioria das vezes lhes oferecem modelos prontos de como fazer. “O aluno-professor é
treinado a partir de certos modismos sobre como ensinar línguas, isto é recebe uma formação
pautada por dogmas (URBANO, 2013, p.164)”.
Uma prática coletiva, que instiga o comprometimento dos professores em todas as
etapas ao planejar ações conjuntas “fugindo dos conteúdos programados pelo poder
hegemônico, o que, na prática, já é uma grande transformação” (GASPAROTO, 2009, p. 41).
Uma dinâmica em que alunos e professores são parceiros a ensinar uns aos outros os mais
diversos saberes, “a partir do que fazemos, lemos, ouvimos, sentimos, conversamos, vemos,
traçando nossos conhecimentos em processos que são sempre transversais, mesmo que não o
percebemos” (ALVES e GARCIA, 1999, p. 106).
A produção de saberes nesse processo pedagógico acontece de forma transversal, o que
implica em um currículo aberto em constante devir, ao transpor barreiras entre disciplinas
como na “história, geografia, língua portuguesa, inglês – contribuindo para o que o aluno
perceba que tudo está interligado e amplie sua visão de mundo” (URBANO, 2009, p. vii).
Rompendo com a “fragmentação do currículo escolar, formando uma equipe de professores
pesquisadores integrada no processo educativo” (GASPAROTO, 2009, p. ix), em que se
assume a escola como um “espaço político, de possibilidades múltiplas” (URBANO, 2013, p.
165) ao pensar coletivamente os processos educativos.
A professora Elizandra Carvalho (2009) lembrou diversas vezes que essa maneira de
apreender no processo pedagógico só foi possível por se tratar de escola pública, o que em
uma escola particular seria praticamente impossível, uma vez que o processo pedagógico é
completamente estriado ao propor aulas, via apostilas com dias e horários determinados.
Parece que está cada vez mais difícil encontrar espaços para algum tipo de experimentação,
116
uma vez que a tendência das escolas públicas é também aderir aos cursos limitados em
apostilas, visando o controle total da atividade pedagógica.
[...] a grande vantagem de trabalhar na escola pública é que o professor, ainda que
utilize o currículo estabelecido, tem autonomia de criar, adaptando-se a realidade de
cada sala de aula (ibidem, 75).
Processo pedagógico que carrega inúmeros desafios no apreender via problematização
de temas de interesse, no dia a dia, da sala de aula. Gasparoto (2009) aponta algumas de suas
dificuldades com uma turma de alunos, no ano de 2008.
Deparamo-nos com diversas dificuldades, desde a aceitação da necessidade de
trabalho em grupos até a necessidade de leitura, interpretação e produção de textos de
forma autônoma, apenas com a orientação do professor (GASPAROTO, 2009, p.
39).
Desafios de diversas naturezas, desde o costume dos alunos com um saber pronto e
acabado, a nossa inexperiência até a burocracia do espaço estriado da escola. Ao se estudar
assuntos de sua realidade os alunos se mostram interessados, especialmente os “relacionados
ao seu bairro e às coisas que lhe dizem respeito, como saúde, prevenção, nutrição, atividades
físicas e plantas medicinais” (ibidem). Em relação ao processo de escrita a dificuldade está em
convencer “alunos costumeiramente ‘copistas’, passivos, em agentes de sua própria
aprendizagem e interessados em aprender” (GASPAROTO, 2009, p. 39) na direção de:
Kramer (2001), que no exercício da escrita é chegada a hora de deixar de ensinar a
escrita e começar a escrever as ideias, emoções e poemas, como aconteceu nos
encontros / aulas do curso “A Pesquisa e a Tecnologia na Formação Docente”47. E
como as ideias rolam! (ibidem).
Além, dos desafios no processo pedagógico com os alunos, que muda completamente a
dinâmica, existem infinitos outros no problematizar e teorizar de nossas próprias práticas, em
que as pesquisas no âmbito do nosso fazer cotidiano exigem o criar de caminhos próprios para
a sua compreensão. Um gênero de pesquisa, “que não se encaixa em nenhum dos paradigmas
clássicos (positivismo, crítico e interpretativo)” (DAMIN, 2004, p. 16).
47 UNICAMP, FE - Na disciplina “A Pesquisa Científica como instrumento Pedagógico”, em que foram
convidados escrever de diversas formas, artigos científicos, poemas, narrativas, enfim o que desejassem.
117
O processo vai se delineando na contingência, em que pesquisador e pesquisado estão
numa mesma pessoa, como protagonistas no campo curricular e profissional, com maior
conhecimento das instituições têm melhores condições para compreender e criar outras
práticas pedagógicas na escola. A investigação sobre a prática:
[...] envolve um nível de pensamento diferente da simples aprendizagem a partir da
experiência. Ao contrário da simples troca de experiências, a investigação sobre a
prática é ameaçadora para o status quo, na medida em que põe em causa a cultura
instituída da escola e ameaça as hierarquias e papéis tradicionais (MOUSLEY, 1997
apud PONTE, 2002, p. 20).
O sistema burocrático da instituição escolar está organizado para se exercer o controle
técnico sobre os processos do apreender com “o fim de alcançar objetivos específicos,
segundo a política dominante, do que favorecer a autonomia profissional ao docente”
(PEREIRA, 2001, p. 179).
No processo de pesquisa da prática a parceria com docentes da universidade pode
contribuir muito com teorizações filosóficas sobre questões educacionais, metodológicas,
ajudando-nos a pensar nossas próprias práticas, em sala de aula, em sua elaboração e
sistematização. Discussões com professores de escolas públicas e professores da universidade
podem impulsionar e legitimar nossas produções. Parceria na contramão da corrente vigente,
em que:
[...] a ideia de tratar seriamente o conhecimento produzido pelos professores como
um conhecimento educacional a ser analisado e discutido é uma ideia que ofende a
muitos e traz sérias consequências para quem assim procede na academia
(ZEICHNER, 2001, p. 230).
Alguns professores da Unicamp, parceiros nas produções estão na vanguarda,
formando alianças com professores de escolas públicas e contribuindo para a
valorização do saber docente e discente produzido nessas escolas e a consequente
melhoria dessas instituições (DAMIN, 2004, p. 147).
Segundo Zeichner (2001) é preciso romper o isolamento recíproco e a forma como
ambos vêm sendo tomados nas políticas governamentais reacionárias, em alguns países, ao
criar obstáculos e ignorar discussões “e evidencias de pesquisas de qualquer espécie” (p. 230).
Faz-se necessário tomar a iniciativa e formar alianças com os professores, caso contrário as
“pesquisas acadêmicas continuarão a serem ignoradas pelos professores e pelos planejadores
de políticas educacionais” (ibidem).
118
Observamos que no Projeto “Ciência na Escola” e no curso de especialização ao se
criar alianças com professores e gestores de Escolas Públicas, contribuiu-se para a
experimentação de outras maneiras de se pensar o processo pedagógico, no espaço
microssocial, em relação à apropriação dos espaços e tempos da escola.
Em nossos encontros a postura exercitada era a de criar um ambiente de calma e leveza
a apoiar cada um a experimentar o que realmente acreditasse e desejasse a partir de suas
vontades e campos de saberes. Muitas vezes sentimos vontade de experimentar outras coisas,
mas ficamos inseguros, o que em um encontro encorajador e com subsídios podemos fazê-lo
como aponta a professora Cláudia Latarini:
[...] no início do curso quando a professora da disciplina “A Pesquisa como
Instrumento Pedagógico I” quis ouvir o que tínhamos a dizer, percebi que algo
acontecia com a turma.
Todos se sentiam a vontade, para falar e falávamos muito, o que não ocorre em
outras aulas de cursos de especialização como os do ano passado Mat 300 e Mat 500
no IMECC e com outros professores daqui.
Nossa turma falava de sua vida na escola, de sua escola, todos queriam ouvir. [...]
fiquei muito feliz, pois senti como se um esparadrapo a tampar minha boca tivesse se
soltado. Pude soltar a voz, nunca havia feito isso antes.
Isso refletiu em minhas aulas e hoje ouço mais que falo, escuto e dou voz aos meus
alunos muito mais que antes, reúno-os em grupos e observo (LATARINI, 2009, p.
11).
[...] agora estou arriscando experimentar, inovar em minhas aulas (ibidem, p. 12).
“Nossa turma falava de sua vida na escola, de sua escola, todos queriam ouvir” essa
frase aponta que a força do acontecimento, no dia a dia da escola, se esvai na burocracia do
aparelho de Estado, em detrimento do pensar o processo pedagógico. Papeis a preencher,
mudanças de processos, visando o controle de tudo, em avaliações ad eternum, ao invés de
criar espaços para criações coletivas, dentro da própria escola, o que muitas vezes se repete
nos cursos destinados aos profissionais da educação. Podemos observar em suas falas, que
prezam esses momentos de trocas de vivencias, saberes e se apropriam de maneiras de fazer
uns dos outros. Uma professora de um 3º Ano desse curso disse que apreendia muito com os
professores dos Ciclos III e IV e que levava para suas aulas muitos desses saberes e maneiras
de lidar com o processo pedagógico.
119
Nos primeiros encontros as conversas eram permeadas por críticas à Secretaria
Municipal de Educação de Campinas, SP, infinitas questões de toda ordem de desatino
cometida pela gestão pública, que existem e são muitas.
Ouvíamos as questões48 trazidas por todos e as pensávamos juntos, o que sempre
resulta em certa “calma” e outra maneira de olhar a situação. São desafios muito maiores do
que nós. Crianças e jovens em situações limite, que algumas vezes contribuímos para o seu
agravamento, por nosso completo despreparo em lidar com elas. Exemplo, uma das escolas
costumava chamar a polícia para lidar com alguns alunos, uma das professoras não
concordava, conhecia o seu aluno e sabia que isso não o ajudaria, tentava desesperadamente
convencer a direção e interferir, sem sucesso... A contingência cotidiana da vida na escola se
impõe e algumas vezes, só nos resta o apoio mútuo, incentivo, confiança...
Vagarosamente diante do meu insistente convite a falarem de si, de suas escolas, da
maneira como pensavam o processo educativo, desviou-se o foco nas mazelas e começa a
despontar a potência do professor e gestor, empreendimentos de pessoas extremamente
comprometidas com o que acontece na escola.
Escolas da periferia da cidade com desafios de toda natureza. Gasparoto (2009) pontua
que a dinâmica dos nossos encontros impulsionou os participantes a se lançarem no processo
de escrita sem reservas, deixando que as palavras escorressem com emoção e vida, um deixar
rastros na escrita, em experimentações. “Desenvolveu-se de tal forma atraente que permitiu a
participação efetiva dos professores/alunos em todos os momentos, despertando em muitos a
necessidade de falar pela escrita os sentimentos mais escondidos da alma” (GASPAROTO,
2009, p. 23). Uma dinâmica de encontros a encorajar o seguir fluxos de desejo, partilha de
experiências, pode impulsionar o romper de limites e a experimentação de outras formas de
fazer as coisas:
48 Em um dos cursos de Etnomatemática que ministrei na rede pública de Campinas, no ano de 2014, teve uma
aula, que as professoras de Educação Infantil estavam extremamente abaladas com uma decisão judicial que
mandava matricular mais um tanto de bebes em salas, já com excesso de crianças por professora e agentes de
educação. O que tornava humanamente impossível de se realizar um trabalho digno para ambos. Foi uma tarde
inteira de desespero e tentativas de encontrar formas de exigir o cumprimento da legislação pelo poder público.
120
[...] a partilha de experiências, ideias, ações, propostas pedagógicas em função do
crescimento individual e de melhorar a aprendizagem do aluno. Era a possibilidade
de refletir sobre a sua prática pedagógica e enriquecê-la com a experiência dos
colegas, com os saberes dos coordenadores e com as ideias dos autores com os quais
tínhamos contato (ibidem, 2009, p.23).
A interação com o outro, em um grupo formado por professores e gestores, no repensar
da escola, educação se mostrou extremamente profícuo para que se compreenda a posição do
outro, criando um ambiente mais acolhedor e desarmado em relação às diversas situações que
se encontram cada um. Um episódio: na terceira aula do curso uma professora, após apresentar
um seminário, disse com os olhos brilhando: “Nossa professora! Eu tinha pavor de falar em
público, desde a terceira série, hoje sumiu! Ah! E o texto que escrevi, ficou tão bom que eu
nem acreditava”. Encontros alegres contagiam e aumentam a nossa força de existir como
aponta a professora Denilda Altem.
Esses espaços de integração ‘contagiantes’ ofereceram condições para que o grupo
de professores refletisse sobre suas práticas pedagógicas e criasse espaços e tempos
necessários para o desenvolvimento da aprendizagem por meio da pesquisa, um
processo de ensino/aprendizagem adequado às necessidades e aos interesses dos
alunos. Os vínculos criados favoreceram o nosso crescimento intelectual e
profissional e consequentemente o processo formativo de nossos alunos (ALTEM,
2009, p. 63, 64).
Nesse processo o ler e escrever parece que se constituem em importantes dispositivos
na emergência de intensidades, campos intensivos. Ao olhar para a si mesmo, repensam suas
ações e retorna para a escola, vida de outra maneira, acrescidas da compreensão da posição
dos outros, o que contribui para se inventar outras maneiras de gerenciar a escola em sua
complexa teia cotidiana. Nas palavras da diretora educacional, Mariângela Modé.
Escrever sobre o meu cotidiano na função de diretora se constituiu em uma forma de
olhar para minhas ações diárias, revendo e refletindo sobre cada uma delas.
Ouvir esses professores despidos de qualquer preconceito, se é que posso chamar
assim, que na escola sempre aparece em relação à chefia, tem sido um ganho grande
para minha função. Fomos aprendendo com o passar dos semestres a pensar juntos,
num grupo cuja coordenação do curso nos tem feito crescer em nossas reflexões.
Estamos aprendendo a ler e a escrever, construindo novas hipóteses na interação e no
confronto com outro (2009, p.8).
No turbilhão cotidiano de uma diretora educacional com suas demandas disciplinares,
organizacionais, burocráticas se é tragado por elas e, essa parada para pensar junto com outros
educadores possibilita o desnaturalizar do que está posto. O exercício de ler e escrever junto
com outros segmentos da escola, “na interação e no confronto com outro” se criam novos
121
campos de forças, em que cada um, ao se deixar levar, possibilita criar o inimaginado, como
na escrita de sua primeira poesia aos 40, 50 anos e experimentar outras formas de ensinar,
apreender, gerenciar a escola e própria sala de aula. Alunos e professores na escolha de
assuntos para o processo do apreender e as formas de fazê-lo protagonizam uma:
[...] educação como devir, primando por diferenças e singularidades os seus atores
(DAMIN, 2004, p. 119).
A aluna Flávia (2003) aponta para isso, ao dizer: “Esse trabalho nos fez ver as
pessoas com outros olhos... que cada um pensa de um jeito... Diferentes concepções
sobre as coisas. Amadurecemos muito” (ibidem).
Uma prática que exige atenção aos pequenos detalhes e pistas ao trazer vozes
silenciadas no grande cenário social para “encontros” a proliferar campos intensivos, onde, e
como se apresentarem. Campos intensivos a surgir em encontros, a impulsionar a nossa força
pessoal, quebrando o medo de experimentar, pensar e agir por sua própria conta e risco.
Dinâmicas carregadas de intensidade, redemoinhos de subjetividades no sentido de relação de
força consigo mesmo, como em Foucault, que não:
[...] emprega a palavra sujeito como pessoa ou forma de identidade, mas os termos
‘Subjetivação’, no sentido de processo, e ‘Si’, no sentido de relação (relação a si). E
do que se trata? Trata-se de uma relação de força consigo (ao passo que o poder era a
relação de força com outras forças, trata-se de uma ‘dobra’ da força).
Penso até que subjetivação tem pouco a ver com sujeito. Trata-se antes de um campo
elétrico ou magnético, uma individuação operando por intensidades (tanto baixas
como altas), campos individuados e não pessoas ou identidades. É o que Foucault,
em outras ocasiões, chama de paixão. Essa ideia de subjetivação em Foucault não é
menos original que a de poder e saber: as três constituem uma maneira de viver, uma
figura estranha em três dimensões, assim como a maior filosofia moderna (e esta é
uma declaração sem humor) (DELEUZE, 2000, p. 116 e 117).
“Campo elétrico ou magnético operando por intensidades”, campos intensivos a
produzir modos de existência. Uma individuação, particular ou coletiva, que caracteriza um
acontecimento, como o evento realizado no final de junho de 2008 após três meses de aula, em
que professores e gestores ao mostrarem suas produções no saguão do prédio chamado “o
anexo” da FE/UNICAMP. Produções escritas como artigos e poesias pendurados em uma
corda entre pilares, fotos, pôsteres. Além, de uma instalação artística da professora
Ambrosina, no formato de um banheiro para leitura, mobiliado com um vaso sanitário branco
com flores vermelhas dentro, no espelho uma bruxinha, em cima um galo e muitos metros de
122
papel higiênico, cuidadosamente enrolados em palavras, muitas palavras, Drummond, Clarice,
Bandeira e tantos outros...
O evento provocou a exclamação na professora Mariângela Kachan: “Pareciam
crianças às vésperas de entrar em férias” e, como nos coloca Deleuze (2000), uma
subjetivação pode ser uma hora do dia, um rio, um vento, uma vida.... É um modo intensivo e
não um sujeito pessoal. É uma dimensão específica sem a qual não se poderia ultrapassar o
saber nem resistir ao poder. O acontecimento “mostra dos professores” a disparar campos
intensivos, trouxe visibilidade a um processo singular caracterizado pelo inusitado, “nossos
olhares” pasmos de admiração e expressões “nunca pensei que eu fosse capaz” de escrever
textos, poemas, trabalhar com o software Pouwer Point.
Ao possível leitor isso pode parecer muito pouco, mas o efeito de encantamento, talvez
a liberação de si provocada em nós, se mostrou eficiente exercício rumo à experimentação de
coisas outras. Com Artaud poderíamos dizer, que um exercício de se sacudir os organismos e
se chegar um pouquinho mais perto do que seria um corpo sem órgãos, com o “escorrer” de
marcas ‘tristes’49 acumuladas pela moral de nosso tempo, em que os modos de vida devem ser
de uma determinada maneira, preconizados pela escola, igreja,... A violência cognitiva da
razão, em detrimento da alegria, da liberdade...
A frase que já citei anteriormente “Dos desejos próteses em desejos devir...”, da
professora Denilda aponta rastros do movimento vivido por todos nós, na tentativa de atualizar
nossa maneira de estar na vida, na escola e naquilo, em que vamos, nos tornando, o nosso
devir outro. Segundo Deleuze sobre Foucault, nós pertencemos a dispositivos e neles agimos.
À novidade de um dispositivo em relação aos que o precedem chamamos de
actualidade do dipositivo, a nossa actualidade. O novo é o actual. O actual não é o
que somos, mas aquilo em que nos vamos tornando, aquilo que somos em devir, quer
dizer, o Outro, o nosso devir outro. É necessário distinguir, em todo o dispositivo, o
que somos (o que não seremos mais), e aquilo que somos em devir: a parte da
história e a parte do actual (DELEUZE, 2000, p. 92 e 93).
No processo Educação Caos o pensar que possibilite refazer nossos modos de
existência certamente implica o impulsionar do encorajamento pessoal e o como nos
constituímos como “si”. O que nos interessa como a Foucault, posto por Deleuze é o:
49 Como as figuras de Bacon, mostradas no campo intensivo 3, em que a carne se escorre...
123
[...] nós hoje quais são nossos modos de existência, nossas possibilidades de vida ou
nossos processos de subjetivação; será que temos maneiras de nos constituirmos
como “si”, e, como diria Nietzsche, maneiras suficientemente “artistas”, para além
do saber e do poder? Será que somos capazes disso, já que de certa maneira é a vida
e a morte que aí estão em jogo? (DELEUZE, 2000, p. 124).
Por exemplo, o homem do século XIX enfrenta a vida, e se compõe com ela como
força do carbono. Mas quando as forças do homem se compõem com a do silício, o
que acontece e quais novas formas estão em vias de nascer? Foucault tem dois
predecessores, Nietzsche e Rimbaud, aos quais ele acrescenta sua versão, que é
esplêndida: que novas relações temos com a vida, com a linguagem? (ibidem, p.
125).
Com Deleuze a partir de Nietzsche encontrar “maneiras suficientemente ‘artistas’, para
além do saber e do poder” e, com Foucault cavar novas relações possíveis com a educação,
vida, em que as relações de poder se diluem na imanência dos fluxos de desejo e engendra
também uma ética de “si”. Ética de si como um conjunto de regras facultativas a avaliar o que
dizemos e fazemos, em função dos modos de vida, diferente da moral que se “[...] apresenta
como um conjunto de regras coercitivas de um tipo especial, que consiste em julgar ações e
intenções referindo-as a valores transcendentes (é certo, é errado...)” (DELEUZE, 2000,
p.125).
Relembrando que não entendemos o “si” como atributo de um sujeito, mas a uma
instância impessoal povoada por conexões de fluxos de desejo a recortar o caos, em misturas,
impulsionando a proliferação da Diferença na direção de Peter Pál Pelbart (1995, p. 2) sobre
Deleuze:
Deleuze fez da Diferença um conceito eminente e o elevou a uma suficiência sem
precedentes. [...] abrindo o caminho para a elaboração de uma ética da singularidade:
não apenas colher as diferenças constituídas, sejam elas individuais ou coletivas, mas
produzir novas diferenciações, fazer do homem um grande experimentador, um
afirmador de modos de existência singulares. É como disse Foucault, a ‘introdução a
uma vida não-fascista’.
Uma vida não fascista ao escolher ações mais afirmativas, que possibilite o
envolvimento de professores, gestores e alunos em projetos coletivos, que representem os reais
desejos dos envolvidos e que cada um seja responsável pela execução do que é proposto “com
o trabalho, a palavra, a ação e a reflexão, diluindo-se o poder entre todos” (DAMIN, 2004, p.
147). Um processo educativo calcado na materialidade do acontecimento em que pequenas
ações podem gerar importantes diferenças e abertura de novos caminhos, na contramão dos
124
fluxos instituídos e políticas impostas, onde a prática é desprestigiada, em detrimento da
racionalidade homogênea já formalizada, com caminhos traçados de antemão.
Os conhecimentos gerados da problematização de situações da realidade por
emergirem na contingência “podem ser considerados ‘nômades’ em relação à sua organização,
pois o aprendizado segue um caminho completamente ‘fora’ da ordem estabelecida pelos
programas escolares” (DAMIN, 2004, p. 144). Saberes advindos de estudos de assuntos do
cotidiano em sua materialidade e caos com caráter pragmático e contingente, “completamente
fora da ordem dos livros didáticos e dos programas pré-estabelecidos” (ibidem) ao tratar as
informações em “diversas abordagens: histórica, geográfica, socioeconômica, sociocultural,
dependendo do que surge de interesse entre os envolvidos, no processo compartilhado”
(ibidem). Saberes produzidos na contingência cotidiana sobre a prática, a matemática, a
geografia, a história, dentre outros, por professores, gestores e alunos. Com Deleuze &
Guattari (1997) podemos dizer que se trata de um conhecimento menor, calcado localmente,
no vivido, gerados por situações problematizadas, um saber nômade, onde estão presentes
condições “dinâmicas e nômades como as de devir, heterogeneidade, passagem ao limite,
variação contínua, etc.” (ibidem, p. 27). Um saber do presente capturado pelo olhar atento do
pesquisador:
[...] em busca de elementos que afetem o espaço, turbilhonando-o com ações
resultantes do acontecimento problematizado. Ações que transformam a visão de
uma ciência inatingível e ininteligível para a de uma ‘ciência nômade’ calcada
localmente no vivido, porque foram geradas e impulsionadas por situações-problema
(DAMIN, 2004, p. 143).
Um processo educativo, em que ações na contingência, na imanência cotidiana,
calcado na materialidade do acontecimento, no aqui e agora com atenção aos pequenos
detalhes e pistas, campos intensivos surgem e desaparecem à semelhança da emergência em
Nietzsche, em que forças entram em cena irrompendo dos bastidores. A emergência “é a
entrada em cena das forças; é sua interrupção, o salto pelo qual elas passam dos bastidores
para o teatro, cada um com seu vigor e sua própria juventude” (FOUCAULT, 1979, p. 24).
O encontro para trocas, o exercício da escrita apontam que podem ser eficientes
detonadores de intensidades a impulsionar a experimentação e, a consequente invenção de
outras maneiras de se pensar a escola, em que campos intensivos surgem e se imbricam uns
125
nos outros, compondo-se. Composição, que pode gerar um processo educativo caótico, em que
as fontes geradoras de campos intensivos variam dependendo da contingência. Um dos
elementos interessantes nesse processo é que aprendemos muito mais do que ensinamos sobre
os assuntos estudados, nós mesmos, e sobre como operar com as flutuações e surpresas das
situações, acontecimentos.
Campos intensivos gerados na multiplicidade dos encontros em que afecções
mutuamente refazem nossos corpos, flutuações rápidas podem incitar momentos de afluência,
relativos à aspirações comuns, algumas vezes fluxos de desejo irrompem em realizações. Na
instituição escola campos intensivos se constituem nas misturas dos espaços lisos, cavados na
teia de possibilidades de invenção com o espaço estriado em sua constante “implementação”
de novas leis educativas ad eternum, na tentativa de controle do estado sobre a vida cotidiana.
São forças a embaralhar constantemente e talvez, possamos dizer com Sheldrake
(1995) que dessa forma se impulsiona o campo de ressonância mórfica, que se adensam nos
campos intensivos. Sheldrake conjectura que se os conteúdos mentais se transmitem de forma
imperceptível de pessoa para pessoa, processos educativos que realcem os processos de
ressonância mórfica impulsionam o apreender.
Lembrando que essa ressonância se refere à emergência espontânea de propriedades
intensivas, que são sempre multiplicidades, definidas como “um conjunto entrelaçado de
campos vetoriais postos em relação por bifurcações que quebram as simetrias, com uma
distribuição de atratores50 que define cada nível integrado ou incorporado” (DELANDA,
2002, p. 32 apud MADARASZ, 2007, 180). Atratores, que podem ser pensados em termos de
campo de forças a exercer atração em certas situações, espaços a produzir diferenças.
50 O Atrator Caótico – a ordem no caos. A segunda lei da Termodinâmica afirma que os sistemas tendem à
desordem. Uma das grandes descobertas da ciência da complexidade foi mostrar que alguns sistemas tendem à
ordem, graças aos atratores caóticos.
Atrator é uma região (subconjunto) do espaço de fase de sistemas dissipativos para a qual tendem as trajetórias
que partem de determinada região. É como um campo de força que exerce uma certa atração numa determinada
região do espaço. Os atratores representam o processo de autoorganização dos sistemas.
http://www.fractalis.com.br/site/modules.php?name=Conteudo&pid=28
126
Bifurcações, atratores, campos de forças, campos intensivos elementos do Processo
“Educação Caos” a disparar um currículo aberto, em que elementos heterogêneos como os
saberes das ciências, das artes, modos de gerenciamentos de situações são chamados a compô-
lo, na complexa teia de agenciamentos a dar conta de demandas, em constante devir...
A nos convidar a lançarmos em experimentações...
A seguir fluxos de desejo na imanência cotidiana...
A compor encontros, que aumentem a nossa força de existir...
A forjar modos de vida singulares na escola, vida...
...........................................................................................
De repente...
...Tomada de assombro me dou conta do alcance das propostas do Projeto “Ciência na Escola”... Provocador de possibilidades de criação na escola....
Tudo o que se fazia nas escolas com os professores e alunos era criar condições para a um processo pedagógico na contingência... A força da universidade a impulsionar a criação de outras maneiras de fazer e pensar a escola...
Os “encontros”, em que cada participante mostrava o que fazia em sua escola iam contagiando os demais... Marcas de encantamento... Neste instante salta a minha frente dois mapeamentos de nascentes51 na cidade de Campinas... Fotos mostrando água a minar, embaixo de um tanque de lavar roupa, no bairro Jardim Proença com alunos e professores... Nascentes em Barão Geraldo... Composição de música sobre o tema água52... Criação de chuva ácida em laboratório...
Infinitas outras coisas...
51 No Curso de Especialização: José Cícero Alves, bairro Jardim Proença e Valéria Catarino em Barão Geraldo,
no ano de 2008, bairros de Campinas, infelizmente esses dois professores não concluíram o curso.
52 Alunos do Ensino Médio da EESG Aníbal de Freitas, 2002.
127
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VEIGA-NETO. Currículo e espaço. In BRASIL. Currículo: conhecimento e cultura. Salto
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_____________ A. Foucault & a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
WILLER, Cláudio. Antonin Artaud: loucura e lucidez, tradição e modernidade. Acesso
em 10/09/2011. Disponível em: http://www.revista.agulha.nom.br/agwiller7.htm
ZEICHNER, Kenneth M. Repensando as conexões entre a formação na universidade e as
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Educação, Santa Maria, v. 35, n. 3, set./dez. 2010.
____________________ Para além da divisão entre professor-pesquisador e pesquisador
acadêmico. In GERALDI, Corinta Maria Grisolia, FIORENTINI, Dario, Pereira, AGUIAR,
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____________________ Formação de professores: contato direto com a realidade da
escola. Revista Presença Pedagógica, v. 6, nº 34, Belo Horizonte, MG, 2000.
ZOURABICHVILI, François. O Vocabulário de Deleuze. Rio de Janeiro: Relume Dumará,
2004.
143
ANEXOS
BRINCANDO COM AS IDEIAS... PALAVRAS... POESIAS...
145
Amantes
Embriagada por um caudal de desejo, Impregnada de um luar de alegria,
Despiu-se da apatia, envolveu-se num lampejo, Entregando-se como um sol de pleno dia...
Na sucessão de tanta volúpia incontida,
Esparramou todo o amor, em que pese a dor, Não doou o corpo, mas, a alma que é vida,
Que é esperança, chama, eterno calor.
Parou o tempo e imortalizou a felicidade, A um instante fez-se apenas sentimento Para que amanhã não sentisse saudade
Do amado querido, inolvidável momento.
Sorriu, chorou, tornou-se mulher, Olvidou a dor, entregou-se ao amor,
Amada, amante, sem pudor qualquer, Foi feliz, amando, viveu com inteiro torpor.
Para minha mulher e para todas aquelas amam.
Durival José Gasparoto.
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A vida... Passos e compassos na EMEF Vicente Ráo
Com passadas chegando.. À escola ao meio dia Escuto ao longe um aluno... Chamando-me! Olho onde está... O que será que ele quer?
É grande a felicidade
Em poder algo ensinar... Para esta turminha alegre Que sempre que ali estou me persegue
E a dúvida que os mapas trazem... Não é geografia... Nem história... É a matemática dos mapas...
Calculando, desenhando e localizando..
A escola Vicente Ráo, Onde fica e como é. Quantas árvores! Qual é sua simetria? De suas folhas
Quanta alegria trás, A imaginação voa... Como um pássaro que quer pousar...
Na aprendizagem, descobertas...
Passam anos, passam dias A alegria da vida Funcionários a sorrir e a dizer bom dia,
Alunos a se despedir.. Com a certeza Dos bons momentos passados
O dia de hoje se foi.... Muito aprendemos... Muito ensinamos...
Amanhã ali continuamos prontos para o milagre da vida...
Gisele Z. Latarini
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O J de Jaci e a matemática
A escola, os burburinhos dos alunos nos
corredores, a chegada e a saída.
O barulho dos pés no chão, a correria na entrada e saídas das aulas... Quanta pressa!!!
Nas carteiras, nas salas muitos pés, quantos pés? Quantas carteiras e cadeiras sobre o chão?
O piso da escola é permanente? A esta pergunta, aparentemente sem sentido
Sob nossos pés observamos com olhar de matemáticos...
O Piso. Piso indo embora, após 40 anos
A nos amparar dia após dia nas salas e biblioteca Maravilhosos mosaicos a enfeitar nosso caminhar
Desconstruído e reconstruído, com novo piso Porém, imortalizados em muitas fotos em sua antiga forma de J de
Jaci Cantos com pisos dissonantes, irregulares
Cantos com cores alternadas e cantos com maravilhosos mosaicos A geometria reproduzida por alunos ao ranger do encaixe da
madeira Agora outros mosaicos... Criação multicolorida em folhas de caderno
Ângulos e encaixes a disparar desejos de aprendizados e sonhos. A lousa tela do aluno/artista a receber formas e cores
Inusitado instante imortalizado na memória viva, imagens... Corpos marcados/linguagens.....
Outros alunos virão......
Cláudia Gisele Zaparoli Latarini e Maria Aparecida da Silva Damin
151
SEMEIA PROFESSOR!
Semeia professor! Abaixe-se.
Sinta o cheiro da terra. Coloque sua mão nela.
Sinta-a escorrer pelos vãos de seus dedos.
Alguns solos são fofos, são vermelhos, Mas outros são secos, cheios de pedras.
Ah, mas sinta-o em suas mãos. Retire as pedras com paciência,
Regue-o.
Sinta o cheiro de terra molhada... O que antes estava tão seco,
Com dedicação e cuidado transforma-se em outro solo. Brinque com ele!
Escreva nele! Deixe sua marca...
Agora semeie, professor!
Não apenas jogue as sementes, mas semeie... Envolva-se,
Permita o dançar dos dedos com o solo. Ah, como é bom senti-lo!
Regue sempre. Adube. Tenha paciência. E, diariamente, contemple a transformação...
O desabrochar da vida! A conversão de sementes em flores,
Das mais diversas cores, Cada uma com sua beleza e encanto.
Missão cumprida!
Agora, professor, Comece tudo novamente, Semeando novos jardins.
Elizandra R.N. de Carvalho (2009, p. viii)
153
São: Caminhos elusivos
Nessas idas e vindas,
Pude perceber quantos caminhos percorremos. Muitos caminhos repetidos,
Mas com novos olhares. Nossos olhares mudam para esses velhos caminhos,
Dependendo de como queremos enxergá-los. Posso ver...
Caminhos que se cruzam e se entrelaçam Caminhos que se ligam ou se encontram Caminhos que vem e caminhos que vão
Caminhos novos e caminhos em construção Caminhos difíceis...
Caminhos curtos, caminhos longos
Caminhos ao sol, caminhos à sombra Caminhos meus, caminhos seus, caminhos nossos
Caminhos que refazemos juntos Caminhos naturalmente indefinidos...
Denilda Altem
155
Meu Maranhão
De estradas, poeira, buracos no chão Homens, mulheres, machado na mão
Trabalham, só trabalham Vivem a sofrer, esperando dias melhores para viver
Sol a pino! A seca massacrando sem dó
Donde nasci e me criei! Ó! Terra minha!
Sertão do Maranhão Em que viverei e um dia partirei
Talvez! Sacudir o pó e rumar para algum lugar
Cristalino e Multicolor A deslizar suavemente nas asas do beijar flor
Ou das abelhas a fabricar seu mel...
Nair Heerdt
Pensando na forma como a população segue em busca da palmeira de babaçu, isto é,
pega um machado, uma marmita, a família toda e pede licença ao dono das fazendas, que
não utilizam a palmeira para nada e extraem dela seu ganha pão, lembrei-me do quadro Os
retirantes de Cândido Portinari e escrevi este poema (Nair Heerdt, 2009, p.6).
157
A escola
A escola é uma Explosão de formas e cores
Que se transformam no infinito...
Imagens do cotidiano, Mistura de fazeres,
Mistura de sentimentos, Mistura de corpos, Mistura de vida, Que se faz e refaz,
Em virtuais flutuações, bifurcações...
Intensidade de trabalho, De união, De forças,
Que se interagem E se modificam Continuamente.
Movimento contínuo que se traduz
Na amizade, na interatividade e na diversidade Que simbolizam o NAED Sul.
Miriam Benedita de Castro Camargo
159
Um código, 4f 09042008?
O início de esperança Vontade imensa de Espalhar sementes e Buscar sabedoria de
Mentes ilustres Chega-se ao fim do começo.
Olhar reflexivo!
Numa análise profunda Das práticas, objetivos...
Relações humanas Comportamento!
Êxitos, fracassos?
Trabalho contínuo
A transformar vidas, Inventar caminhos
De repente, Tornou-se público!
Falas, poemas, escritos, Desnudos desejos!
Joana Luzia Olaf, inverno de 2008
Um código, 4f 09042008?
4f – Quarta feira, nove de abril, de 2008, nosso primeiro encontro no curso de Especialização...
161
Se sou professor (a) é...
Que tenho tanto a dar...
Que estou sempre a compartilhar.... Que estou sempre a aprender.... Que procuro momentos em que
Possa doar parte de mim a outro E promover mudanças inexplicáveis Em cada aluno(a) com quem convivo
Em cada ser com que vivo.
Queridos(as) amigos(as) professores(as), vejo-os(as) como uma explosão de
potencialidades e carinho a cada seminário que leio/assisto. Senti vontade de lhes dizer essa
poesia escrita acima, porém ela é muito simples para expressar a explosão de
humanidade/capacidade/amor embutidos em cada um de vocês.
Com muito carinho e desejando parabéns pelo seu dia....
Rosana Tinel (2008)
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PASSADO OU FUTURO
Passaram-se os anos, a educação sempre rondando. Será sorte ou destino. Mas afinal! Ela é para todos?
Como educadora, hora vejo o passado, hora vejo o futuro. Na verdade gosto muito dos dois.
Quando estou com o passado é maravilhoso, Posso fazer parte da realização do grande sonho de alguém,
No resgate do tempo perdido sem o privilégio do estudo em idade própria.
Discriminação! Mulher Brincou de boneca, casinha, viajou em estórias, poesias e sonhou com
o príncipe encantado, embalou seus filhos Conquistou independência,
Profissão, opção sem escolha, deixa estudo. Presente vazio... Voos ao futuro,
O que nada tem, sonha ser ídolo de futebol, Modelo, rosto estampado em capas de revistas, passarelas da noite.
Ao que tudo lhe parece fácil, aperta botões Preocupam-se com nada, arriscam suas vidas em grandes prédios...
Pichando! Expressam! Talvez, crítica ao sistema imposto,
Descrença de tudo...
A tecnologia... Aprendizado inovador, Ferramenta necessária...
À mudanças culturais, sociais, econômicas Novos horizontes a delinearem-se...
Joana Luzia Olaf
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SONHOS DE UM MENINO
Moleque sapeca e levado da breca,
Que alegre, corre e grita
Para a menina que joga peteca:
- Veja onde voa minha pipa!
Moleque brejeiro, que roda o pião,
Hoje descalço no seu pé-de-lata,
Já sonha com o mundo na palma da mão
Quando for homem grande usando gravata!
Sonha bem alto menino! Alegra seu coração!
Com atenção, veja bem por onde pisa
Siga em frente em valores e educação
E evolua sempre no caminho da pesquisa!
Esteja atento a Internet, ao mouse e ao monitor
Assim como aos livros, a lousa e ao giz,
E faça seus trabalhos sempre com amor,
Pois assim se constrói um país!
Eliana Cristina D´Orázio