teontologia bentes

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MINIST MINIST É É RIO GOEL RIO GOEL Pr. A. Carlos G. Bentes Pr. A. Carlos G. Bentes DOUTOR EM TEOLOGIA DOUTOR EM TEOLOGIA PhD em Teologia Sistem PhD em Teologia Sistemá tica tica TEONTOLOGIA A DOUTRINA DE DEUS “A SUA UNÇÃO VOS ENSINA A RESPEITO DE TODAS AS COISAS” (1 Jo 2.27) “A sabedoria é a coisa principal; adquire pois, a sabedoria; sim com tudo o que possuis adquire o conhecimento” (Pv 4.7).

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  • MINISTMINISTRIO GOELRIO GOEL

    Pr. A. Carlos G. BentesPr. A. Carlos G. BentesDOUTOR EM TEOLOGIADOUTOR EM TEOLOGIA

    PhD em Teologia SistemPhD em Teologia Sistemticatica

    TEONTOLOGIA A DOUTRINA DE DEUS

    A SUA UNO VOS ENSINA A RESPEITO DE TODAS AS COISAS (1 Jo 2.27)

    A sabedoria a coisa principal; adquire pois, a sabedoria; sim com tudo o que

    possuis adquire o conhecimento (Pv 4.7).

  • Autor: A. Carlos G. Bentes. E-mail: [email protected] 2

    Copyright 2012 Antnio Carlos Gonalves Bentes Capa: Carlos Bentes Reviso e diagramao: Charles Reuel de Andrade Bentes 1 edio: 1984 2 edio: 2012 Bentes, Antnio Carlos Gonalves

    Teontologia Belo Horizonte: edio do autor, 2012 .

    ISBN CDD CDU

  • Autor: A. Carlos G. Bentes. E-mail: [email protected] 3

    EPGRAFE

    Ganhar almas a principal ocupao do ministro cristo. Na verdade, deveria ser a

    principal atividade de todo crente verdadeiro.

    Eu desejaria antes levar um s pecador a Jesus Cristo do que desvendar todos os

    mistrios de Deus, pois a salvao aquilo pelo que devemos viver.

    Charles H. Spurgeon

  • Autor: A. Carlos G. Bentes. E-mail: [email protected] 4

    NDICE

    INTRODUO: A TRPLICE REVELAO DE DEUS 5

    PREFCIO 6

    UMA TEOLOGIA, NO UMA RELIGIO 7

    TEONTOLOGIA 9

    I. REFLEXES SOBRE A TEOLOGIA 9

    II. O QUE TEOLOGIA? 10

    III. A NECESSIDADE DA TEOLOGIA SISTEMTICA 25

    IV. A EXISTNCIA DE DEUS 28

    VI. IMANNCIA E A TRANSCENDNCIA DE DEUS 42

    VII. A NATUREZA DE DEUS. 47

    VIII. A PERSONALIDADE DE DEUS 53

    IX. CARTER DE DEUS 59

    X. COSMOLOGIA 59

    XI. ATRIBUTOS 76

    DEFINIES DOS ATRIBUTOS DE DEUS 103

    XII. OS NOMES DE DEUS 105

    O NOME DE DEUS 107

    O NOME DENOTA ESSNCIA 114

    XIII. DECRETO DE DEUS 121

    XIV. PREDESTINAO 132

    XV. A TRINDADE NAS ESCRITURAS: 152

    XVI. CONCLUSO 169

    BIBLIOGRAFIA 171

  • Autor: A. Carlos G. Bentes. E-mail: [email protected] 5

    A DOUTRINA DE DEUS

    INTRODUO: A TRPLICE REVELAO DE DEUS TRPLICE REVELAO DE DEUS I. A REVELAO NATURAL: Sl 19.1,2; At 14.17; Rm 1.19,20

    1.1. A NATUREZA REVELA O SEU CRIADOR: Sl 19.1,2; 1.2. A NATUREZA D TESTEMUNHO DE DEUS: At 14.17; 1.3. A NATUREZA REVELA: [Rm 1.19,20]:

    1.3.1. OS ATRIBUTOS INVISVEIS DE DEUS; 1.3.2. O SEU ETERNO PODER; 1.3.3. A SUA DIVINDADE.

    II. A REVELAO VERBAL: 2 Rs 17.13; Sl 103.7

    2.1. A REVELAO ESCRITA ATRAVS DOS PROFETAS: 2 Rs 17.13; 2.2. A REVELAO ESCRITA ATRAVS DE MOISS: Sl 103.7; 2.3. A REVELAO ESCRITA ATRAVS DOS APSTOLOS:

    III. A REVELAO PESSOAL: Jo 1.18; Hb 1.1,2

    3.1. JESUS O DEUS UNIGNITO REVELA O PAI: Jo 1.18; 14.9; Cl 1.15; 3.2. DEUS NOS FALA PELO FILHO: Hb 1.2; 3.3. JESUS A IMAGEM DO DEUS INVISVEL: Cl 1.15-20; Jo 12.45; 14.8-10.

    O CONHECIMENTO DE DEUS

    Revelao Natural Revelao Especial Dada a todos Destinada a todos Dada a Poucos Destinadas a Todos

    Suficiente para a Condenao Suficiente para a Salvao Declara a Grandeza de Deus Declara a Graa de Deus

    Manifestaes 1. Natureza: Salmo 19.1 2. Histria: Israel 3. Conscincia Moral Humana 4. Natureza Religiosa do Ser Humano

    Manifestaes 1. Moiss e os Profetas: Hb 1.1 2. A Encarnao: Hb 1.2 3. Os Apstolos: Hb 2.3,4

    Apologtica 1. Argumento Cosmolgico 2. Argumento Teleolgico 3. Argumento Antropolgico 4. Argumento Ontolgico

    Natureza 1. Pessoal: Fp 3.10 2. Antropolgica: Linguagem Humana 3. Analgica: Rm 5.7,8

  • Autor: A. Carlos G. Bentes. E-mail: [email protected] 6

    PREFCIO 1

    Dt 6.5: Ame o SENHOR, o seu Deus, de todo o seu corao, de toda a sua alma e de

    todas as suas foras.

    Dt 6.4,5: Oua, Israel: O SENHOR, o nosso Deus, o nico SENHOR. Ame o

    SENHOR, o seu Deus, de todo o seu corao, de toda a sua alma e de todas as suas foras.

    Mc 12.30: Ame o Senhor, o seu Deus, de todo o seu corao, de toda a sua alma, de

    todo o seu entendimento () e de todas as suas foras.

    Quando foi perguntado a Jesus qual era o principal dos mandamentos, ele respondeu

    citando um versculo do Antigo Testamento; mas ao faz-lo, ele efetuou uma adio

    importante. O texto que ele citou a prpria essncia do Judasmo: Ouve, Israel, o Senhor,

    nosso Deus, o nico Senhor. Amars, pois, ao Senhor, teu Deus, de todo o teu corao, de

    toda a tua alma e de toda a tua fora. Assim est escrito em Deuteronmio 6.4,5. Mas Jesus

    adicionou: Amars, pois, o Senhor teu Deus... de todo o teu entendimento [dia/noia - mente]

    (Mc 12.30). Esta adio fornece a razo de ser desta apostila. Sempre houve (e continua

    havendo) uma necessidade de se estudar teologia porque o Mestre exortou seus discpulos a

    amarem seu Deus, no somente com o corao e a fora, mas tambm com a mente.

    Ainda que o Mestre nunca tivesse dado tal prescrio, seus discpulos dificilmente

    poderiam se esquivar do uso de suas mentes, uma vez que foram compelidos a us-las em

    virtude das exigncias do mundo greco-romano, ambiente no qual estavam inseridos; homens

    de mente aguada, que compartilhavam esse ambiente com a Igreja Primitiva propunha aos

    cristos questes que exigiam profunda reflexo e distines rigorosas. Hoje tambm temos

    que usar a nossa mente para estudarmos a Palavra, para ensinarmos e para fazermos

    apologia. As exigncias atuais se no so iguais so maiores.

    O Cristianismo, enraizado na histria, assevera uma revelao dada de uma vez por

    todas. Mas esta revelao ainda tem que ser explicada.

    A Palavra Teologia

    O termo Teologia, segundo os seus aspectos etimolgicos, um vocbulo composto de

    duas palavras gregas - (theos, Deus), e (logos, discurso ou expresso). Tanto

    Cristo, a Palavra Viva, quanto a Bblia, a Palavra Escrita, so Logos de Deus. Eles so para

    Deus o que a expresso para o pensamento e o que o discurso para a razo.

    1 Prefcio do livro: Uma Histria do Pensamento Cristo. Vol. 1 de Justo Gonzles. Editora cultura Crist.

  • Autor: A. Carlos G. Bentes. E-mail: [email protected] 7

    Uma Teologia, No Uma Religio 2

    H uma diferena profunda entre o estudo de teologia e o estudo de religio.

    Historicamente, o estudo de religio tem sido includo sob os cabealhos de antropologia,

    sociologia, ou at mesmo psicologia. A investigao acadmica de religio tem procurado ser

    fundamentada num mtodo emprico-cientfico. A razo disso bastante simples. A atividade

    humana parte do mundo fenomenal. uma atividade que visvel, sujeita anlise

    emprica. Psicologia pode no ser concreta como a biologia, mas o comportamento humano

    em resposta a crenas, mpetos, opinies, etc. pode ser estudado de acordo com o mtodo

    cientfico.

    Para afirmar isso de modo mais simples, o estudo da religio principalmente o estudo

    de certo comportamento humano, seja sob a rubrica da antropologia, sociologia ou psicologia.

    O estudo de teologia, por outro lado, o estudo de Deus. Religio antropocntrica; teologia

    teocntrica. A diferena entre religio e teologia , em ltima anlise, a diferena entre Deus e

    o homem dificilmente uma diferena pequena.

    A revelao de Deus trplice:

    I. A REVELAO NATURAL: Sl 19.1,2; At 14.17; Rm 1.19,20. Estudando a natureza

    encontramos indcios sobre a natureza de Deus. A isto chamamos de teologia natural.

    Teologia natural se refere a informao sobre Deus colhidas na natureza. As pessoas

    abordam a teologia natural por duas perspectivas distintas. Primeiro h aqueles que vem a

    teologia natural como uma teologia derivada de pura especulao humana por um raciocnio

    sem ajuda nenhuma passam a refletir filosoficamente sobre a natureza. Em segundo lugar h

    aqueles que, de acordo com a abordagem histrica teologia natural, vem isso como sendo

    produto de e baseado em revelao natural. Revelao algo que Deus faz. a sua auto-

    revelao.3

    A teologia natural algo que ns adquirimos. o resultado ou de especulao humana,

    vendo a natureza como um objeto neutro em si, ou de recepo humana de informao dada

    pelo Criador em e atravs de sua criao. A segunda abordagem v a natureza no como um

    objeto neutro em si que mudo, mas como um teatro da revelao divina no qual a informao

    transmitida atravs da ordem criada.4

    2 SPROUL. Robert Charles. O Que Teologia Reformada. 1 ed. So Paulo: Editora Cultura Crist, 2009, p. 6-7. 3 SPROUL. Robert Charles. Op. Cit., p. 29. 4 Ibid. p. 29.

  • Autor: A. Carlos G. Bentes. E-mail: [email protected] 8

    A forte antipatia teologia em nossos dias, baseada em especulao humana sem

    suporte, trouxe em consequncia uma rejeio ampla e por atacado de toda a teologia

    natural.5

    II. A REVELAO VERBAL: 2 Rs 17.13; Sl 103.7. Ns estudamos teologia de vrias

    maneiras. A primeira estudando a Bblia. Historicamente a Bblia foi recebida pela igreja

    como um depsito ou armazm normativo de revelao divina. Pensou-se, em ltima

    instncia, ser seu autor o prprio Deus. por isso que a Bblia foi chamada o verbum Dei

    (Palavra de Deus) ou a vox Dei (voz de Deus). Foi considerada um produto de auto-revelao

    divina. A informao contida dentro dela vem no como resultado de uma investigao

    emprica ou especulao humana, mas sim por revelao sobrenatural. chamada de

    revelao porque vem da mente de Deus.6

    Jesus respondendo aos discpulos no caminho de Emas disse: nscios, e tardos de

    corao para crerdes tudo o que os profetas disseram! Porventura no importava que o Cristo

    padecesse essas coisas e entrasse na sua glria? E, comeando por Moiss, e por todos os

    profetas, explicou-lhes o que dele se achava em todas as Escrituras. A Bblia revela quem

    Deus, revela a Santssima Trindade.

    A teologia clssica fez uma distino forte entre revelao especial e revelao geral.

    As duas espcies de revelao so distinguidas pelos termos especial e geral por causa da

    diferena em alcance de contedo e na recepo de cada uma.7

    A revelao especial especial porque fornece informaes especficas sobre Deus

    que no podemos encontrar na natureza. A natureza no nos ensina o plano de Deus para a

    salvao; a Bblia ensina. Aprendemos muito mais pontos especficos sobre o carter e

    atividades de Deus com as Escrituras do que jamais poderamos colher da criao. A Bblia

    tambm chamada de revelao especial porque a informao nela contida desconhecida

    por pessoas que nunca a leram ou a tiveram proclamada para elas.8

    III. A REVELAO PESSOAL: Jo 1.18; Hb 1.1,2. A encarnao do Verbo a

    revelao suprema de Deus. Ningum jamais viu a Deus. O Deus unignito, que est no seio

    do Pai, esse o deu a conhecer (Jo 1.18). Havendo Deus antigamente falado muitas vezes, e

    5 SPROUL. Robert Charles. Op. Cit., p. 29. 6 SPROUL. Robert Charles. O Que Teologia Reformada. 1 ed. So Paulo: Editora Cultura Crist, 2009, p. 7.

    7 SPROUL. Robert Charles. Op. Cit., p. 9. 8 SPROUL. Robert Charles. Op. Cit., p. 9.

  • Autor: A. Carlos G. Bentes. E-mail: [email protected] 9

    de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes ltimos dias a ns nos falou pelo Filho, a

    quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e por quem fez tambm o mundo (Hb 1.1,2). COM QUE PROPSITO SE ENCARNOU? 9

    1. PARA PODER MANIFESTAR DEUS AO HOMEM. O Cristo encarnado a resposta

    divina pergunta: Como Deus ? O Logos, o Deus-Homem, expressa em ideias e realidade

    humanas tudo aquilo que pode ser traduzido do Infinito. Ningum jamais viu a Deus: o Deus

    unignito, que est no seio do Pai, quem o revelou (Jo 1.18).

    2. PARA PODER MANIFESTAR O HOMEM A DEUS. Cristo em Sua humanidade, o

    ltimo Ado, o ideal que satisfaz completamente o Criador: Este o meu Filho amado em

    que me comprazo (Mt 3.17).

    TEONTOLOGIA

    A Teontologia o estudo do Ser de Deus. chamada tambm de Teologia Prpria. TE THEOS () = Deus On () = Ser Logia () = Estudo

    Lembra-se ao aluno que o texto essencial para ser estudado a prpria Bblia. A teologia

    sistemtica, tem como interesse sistematizar o contedo teolgico da mesma para transmitir

    suas verdades de forma coerente e organizada.

    Mesmo que o esforo da sistemtica de resumir e organizar o ensino bblico, haver

    sempre a necessidade de recorrer ao texto bblico por pelo menos trs razes: 1) a falcia e

    limitao humana em resumir e categorizar todo o ensino teolgico da Bblia; 2) a

    responsabilidade do indivduo em averiguar de acordo com a prpria Bblia a certido dos

    ensinos transmitidos; e 3) a riqueza da narrativa bblica em transmitir verdades teolgicas

    atravs de eventos revelacionais, os quais no se classificam de forma natural em listas e

    definies sistemticas, mas no quotidiano do indivduo e do povo (essas formas

    comunicativas encerram ensino teolgico nas interaes humanas e divinas, como tambm no

    revelar as pressupostos teolgicos com os quais os personagens trabalham).

    I. REFLEXES SOBRE A TEOLOGIA

    O que no teologia: as formas do anncio.

    Teologia a reflexo intelectual sobre o ato, o contedo e implicaes da f crist. 9 CHAFER, Lewis Sperry. Teologia Sistemtica. 1 ed. Vol. 1. So Paulo: Editora Hagnos, 2003, p.

  • Autor: A. Carlos G. Bentes. E-mail: [email protected] 10

    Vrias so as formas pelas quais se realiza este anncio:

    1. Kerigma. Edital, notificao, intimao por meio de um arauto ou mensageiro. Seu

    escopo estabelecer o primeiro contato com Cristo, suscitar o interesse por Ele,

    transmitir a sua mensagem central, por si mesmo suficiente para abrir para uma

    resposta de adeso, e assim iniciar o processo de converso.

    2. Catequese.10 Instruir de viva voz. Ensino da doutrina da Igreja ministrado de forma

    metdica e sobretudo oral. Pedagogia da f destinada no s formao, como

    adeso do catecmeno () mensagem da Salvao. Doutrinao.

    3. Homilia. Exposio em tom familiar feita pelo pastor ou sacerdote para explicar as

    matrias de religio e sobretudo o Evangelho.

    II. O QUE TEOLOGIA?

    A partir do momento em que comeamos a refletir e a falar acerca de Deus, estamos

    fazendo teologia.

    Teologia :

    1. Discurso concernente a Deus;

    2. A cincia do sobrenatural;

    3. A cincia da religio;

    4. O estudo sobre Deus.

    5. A f buscando o entendimento da verdade de Deus.

    Definies mais elaboradas:

    1. A cincia de Deus segundo ele se revelou em sua Palavra (Ernest Kevan);

    2. A apresentao dos fatos da Escritura, em sua ordem e revelao prprias (Charles

    Hodge);

    3. a argumentao sobre a substncia divina cognoscvel, por meio de Cristo na obra

    da redeno (Ugo de So Vtor sc. XI- XII).

    4. A interpretao metdica dos contedos da f crist (Paul Tillich);

    10

    A palavra Catequese () se origina do verbo grego katch (), que significa ensinar de viva voz, anunciar, educar, catequizar. Catequese uma palavra composta de kata = contra e chsis = rudo; sendo a katchsis

    () a ao de proclamar, de anunciar. Catequese a ao de educar e de instruir os crentes depois da sua converso;

    primeira funo da Igreja, depois do anncio da f.

  • Autor: A. Carlos G. Bentes. E-mail: [email protected] 11

    5. Dogmtica a cincia na qual a igreja, segundo o estado atual do seu conhecimento,

    expe o contedo da sua mensagem, criticamente, isto , avaliando-o por meio das

    Sagradas Escrituras e guiando-se por seus escritos confessionais (Karl Barth).

    6. A Teologia a reflexo da Igreja a respeito da salvao trazida por Cristo e a

    respeito do Evangelho da salvao proclamada e explicada pelos apstolos (Roger

    Olson).

    7. Uma cincia que segue um esquema ou uma ordem humana de desenvolvimento do

    utrinrio e que tem o propsito de incorporar no seu sistema a verdade a respeito de

    Deus e o Seu universo a partir de toda e qualquer fonte (Lewis Sperry Chafer).

    8. A teologia sistemtica o ramo da teologia crist que rene as informaes

    extradas da pesquisa teolgica, organiza-as em reas afins, explica as suas

    aparentes contradies e, com isso, fornece um grande sistema explicativo

    (diferentemente da teologia histrica ou da teologia bblica).

    9. A cincia da teologia sistemtica assim chamada porque procura compreender a

    doutrina de maneira coerente e unificada. No alvo da teologia sistemtica impor

    Bblia um sistema derivado de certa filosofia. Antes, seu alvo discernir o

    interrelacionamento dos ensinos da prpria Bblia (R. C. Sproul).

    Kevan somente se refere revelao de Deus em sua Palavra.

    Barth mais abrangente, j que assinala que essa cincia forjada pela igreja.

    Histria

    Paralelos entre as estruturas da Teologia Sistemtica e a Histria da Igreja

    TEOLOGIA SISTEMTICA HISTRIA DA IGREJA SCULO

    I. BIBLIOLOGIA Gnosticismo e Cnon do NT II a IV

    II. TEONTOLOGIA

    III. CRISTOLOGIA

    IV. PNEUMATOLOGIA

    Controvrsia Trinitria

    Controvrsia Cristolgica

    IV

    V

    V. ANTROPOLOGIA Controvrsia Pelagiana V

    VI. SOTERIOLOGIA Reforma Protestante;

    Reformados x Arminianos

    XVI

    XVII

    VII. ECLESIOLOGIA Reforma;

    Luteranos x Anabatistas

    XVI

    XVI e XVII

    VIII. ESCATOLOGIA Dispensacionalismo, Adventismo etc. XIX e XX

  • Autor: A. Carlos G. Bentes. E-mail: [email protected] 12

    A tentativa de organizar as variadas ideias da religio crist (e os vrios tpicos e temas

    de diversos textos da Bblia) em um sistema simples, coerente e bem-ordenado uma tarefa

    relativamente recente. Na ortodoxia oriental, um exemplo antigo a Exposio da F

    Ortodoxa, de Joo de Damasco (feita no sculo VIII), na qual se tenta organizar, e demonstrar

    a coerncia, a teologia de textos clssicos da tradio teolgica oriental. No Ocidente, as

    Setenas de Pedro Lombardo (no sculo XII), em que coletada uma grande srie de

    citaes dos Pais da Igreja, tornou-se a base para a tradio de comentrio temtico e

    explanao da escolstica medieval - cujo grande exemplo a Suma Teolgica de Toms de

    Aquino. A tradio protestante de exposio temtica e ordenada de toda a teologia crist

    (ortodoxia protestante) surgiu no sculo XVI, com os Loci Communes de Felipe Melanchton e

    as Institutas da Religio Crist de Joo Calvino. No sculo XIX, especialmente em crculos

    protestantes, um novo modelo de teologia sistemtica surgiu: uma tentativa de demonstrar que

    a doutrina crist formava um sistema coerente baseado em alguns axiomas centrais. Alguns

    telogos se envolveram, ento, numa drstica reinterpretao da f tradicional com o fim de

    torn-la coerente com estes axiomas. Friedrich Schleiermacher, por exemplo, produziu Der

    christliche Glaube nach den Grundsatzen der evangelischen Kirche, na dcada de 1820, onde

    a ideia central a presena universal em meio humanidade (algumas vezes mais oculta,

    outras, mais explcita) de um sentimento ou conscincia de absoluta dependncia; todos os

    temas teolgicos so reinterpretados como descries ou expresses de modificaes deste

    sentimento.

    A teologia crist, como a maioria das disciplinas, proveniente de diversas fontes. Tem havido

    uma grande discusso na tradio crist quanto identidade e relativa importncia dessas

    fontes para anlise teolgica. 11

    Em termos gerais, quatro fontes principais tm sido reconhecidas dentro da tradio crist:

    1. As Escrituras;

    2. A Razo;

    3. A tradio;

    4. A experincia

    11 McGRATH, Alister E. Teologia: Sistemtica, histrica e filosfica. So Paulo: Ed. Shedd Publicaes, 2005, p. 199.

  • Autor: A. Carlos G. Bentes. E-mail: [email protected] 13

    A teologia move-se em trs plos: 12

    1. O Evangelho bblico; 2. A tradio da Igreja; 3. As formas do pensamento do mundo contemporneo.

    OS MDULOS DA TEOLOGIA SISTEMTICA

    10.Escatologiaeskhatos

    5. Hamartiologiahamartia

    9. Pneumatologia pneuma

    4. Angelologiaanguelos

    8. Eclesiologiaekklesia

    3. Antropologiaantropos

    7. Soteriologia soter

    2. Teontologiathes

    6. Cristologia= mashiha

    1. Bibliologia

    Principais Divises da Teologia Sistemtica 13

    1. BIBLIOLOGIA. Uma considerao dos fatos essenciais a respeito da Bblia.

    2. TEONTOLOGIA. Uma considerao dos fatos a respeito de Deus Pai, Filho e

    Esprito Santo, parte das obras deles.

    3. ANGELOLOGIA. Uma considerao dos fatos a respeito dos anjos, eleitos e cados.

    4. ANTROPOLOGIA. Uma considerao dos fatos a respeito do ser humano.

    5. HAMARTIOLOGIA. Uma considerao dos fatos a respeito da Queda (do pecado).

    6. CRISTOLOGIA. Uma considerao de tudo que a Escritura diz a respeito do Senhor

    Jesus Cristo.

    7. SOTERIOLOGIA. Uma considerao dos fatos a respeito da salvao.

    8. ECLESIOLOGIA. Uma considerao de todos os fatos a respeito da Igreja.

    9. PNEUMATOLOGIA. Uma considerao das Escrituras a respeito do Esprito Santo.

    10. ESCATOLOGIA. Uma considerao de tudo na Escritura que foi preditivo no tempo

    em que foi escrito.

    12 GRENZ, Stanley e OLSON, Roger E. Teologia do Sculo 20. 1 ed. So Paulo. Editora Cultura Crist, 2003. 13 CHAFER, Lewis Sperry. Teologia Sistemtica, vol. 1 e 2. 1 ed. So Paulo: Editora Hagnos, 2003, p. 58

  • Autor: A. Carlos G. Bentes. E-mail: [email protected] 14

    O tema central da teologia Deus; no deve haver dvidas quanto a isso. A questo

    que se levanta saber se a primeira pergunta que o ser humano faz naturalmente refere-se a

    um Ser superior, ou se antes a pergunta sobre si mesmo.

    provvel que o clssico tema principal da Teologia Sistemtica, Deus, sua existncia e

    atributos, seja uma herana do pensamento grego em torno do ser, e do qual se derivou a

    formulao das formosas provas testas, aceitas sem maiores vacilaes pelos telogos

    sistemticos e incorporadas ao inconsciente coletivo dos cristos que as aceitaram como se

    fossem parte da prpria revelao.

    A TEOLOGIA UMA CINCIA RELACIONADA A OUTRAS

    Cincia significa simplesmente saber.

    Um modo de conhecimento que se prope, mediante uma linguagem rigorosa e

    apropriada, formular leis por meio das quais se regem os fenmenos.

    O Que Cincia? uma forma de conhecimento que aspira formular, recorrendo a uma

    linguagem rigorosa e apropriada se possvel, com auxlio da linguagem matemtica.

    Cincias especulativas: So as que estudam as relaes entre os conceitos abstratos. Ex.:

    Matemtica.

    Cincias Naturais: So as que estudam os fenmenos na natureza, tanto em seu aspecto

    terico como prtico. Ex.: Biologia, Geologia, Botnica etc.

    Cincias Sociais. So as que tm como objeto de estudo o ser humano. Ex.: Histria,

    Psicologia e Sociologia.

    Teologia Escolstica. Baseia-se em argumentos racionais e filosficos.

    Teologia Positiva. Baseia-se em pressupostos tirados da Bblia.

    H duas ordens de conhecimento que se distinguem tanto por seu princpio quanto por seu

    objeto:

    1. Lumen Rationis luz da razo. Princpio pelo qual, inicialmente, conhecemos alguma

    coisa;

    2. Lumen Fidei luz da f. Objeto pelo qual podemos atingir os chamados mistrios da

    Criao, uma vez que estes no so atingveis pela razo natural, mas somente pela

    revelao.

  • Autor: A. Carlos G. Bentes. E-mail: [email protected] 15

    COM QUE CINCIAS A TEOLOGIA SE RELACIONA? 14

    TEOLOGIA

    LingsticaHermenuticaFilologiaFilosofia (Teologia Sistemtica)Psicologia (Teologia Pastoral)SociologiaPoltica (Teologia da Esperana, Teologia da libertao)

    Relaciona-se intimamente com as cincias humanas, sociais e as da linguagem. Por

    exemplo, ao falar de teologia estamos nos referindo a um discurso, elaborado a partir de dados

    tirados de um livro (a Bblia). Portanto, isto implica uma vinculao direta com a lingstica15, a

    hermenutica, e a filologia16.

    A cincia no um rgo novo de conhecimento. A cincia a hipertrofia de

    capacidades que todos tm. Isto pode ser bom, mas pode ser muito perigoso. Quanto maior a

    viso em profundidade, menor a viso em extenso. A tendncia da especializao conhecer

    cada vez mais de cada vez menos (Rubem Alves).

    A POSSIBILIDADE DA TEOLOGIA17

    S Deus pode falar sobre Deus (Karl Barth).

    Um pr-requisito para se construir um sistema teolgico provar que o conhecimento

    teolgico possvel. Jesus diz que Deus Esprito (Joo 4.24); ele transcende a

    existncia espao-temporal do homem. A questo que ento se levanta diz respeito a

    como os seres humanos podem conhecer algo sobre ele. Deuteronmio 29.29 tem a

    resposta:

    14 ROLDN, Alberto F. Para que serve a Teologia? 1 ed. Londrina, PR. Descoberta Editora Ltda, 2004. 15 Lingstica o Estudo das lnguas nas suas mtuas relaes e nos seus princpios, leis fonticas e semnticas, morfologia e

    sintaxe. 16 Filologia uma Cincia que, por meio de textos escritos, estuda a lngua, a literatura e todos os fenmenos de cultura de um

    povo. 17 CHEUNG, Vicent. TEOLOGIA SISTEMTICA. Boston, MA 02215, USA. 2003, p. 6-9.

  • Autor: A. Carlos G. Bentes. E-mail: [email protected] 16

    As coisas encobertas pertencem ao SENHOR, o nosso Deus, mas as reveladas

    pertencem a ns e aos nossos filhos para sempre, para que sigamos todas as palavras

    desta lei (Deuteronmio 29.29).

    Teologia possvel porque Deus se revelou a ns atravs das palavras da Bblia.

    Deus revelou sua existncia, atributos e exigncias morais a todo ser humano, incluindo tal

    informao dentro da mente do homem. A prpria estrutura da mente humana inclui algum

    conhecimento sobre Deus. Esse conhecimento inato, conseqentemente, faz com que o homem

    reconhea a criao como a obra de um criador. A grandeza, magnitude e o desgnio complexo

    da natureza servem para lembrar ao homem de seu conhecimento inato sobre Deus.

    Os cus esto declarando a glria de Deus. A vasta expanso mostra o seu

    trabalho manual. Um dia fala disso a outro dia; uma noite mostra conhecimento a outra

    noite. No h discursos, no h palavras; Nenhum som ouvido delas. Sua voz estende-se por

    toda a terra, suas palavras at os confins do mundo (Salmo 19.1-3).18

    Portanto, a ira de Deus revelada dos cus contra toda impiedade e injustia dos homens

    que suprimem a verdade pela injustia, pois o que de Deus se pode conhecer

    manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Pois desde a criao do mundo os

    atributos invisveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, tm sido vistos

    claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas, de forma que tais homens

    so indesculpveis; porque, tendo conhecido a Deus, no o glorificaram como Deus, nem lhe

    renderam graas, mas os seus pensamentos tornaram-se fteis e o corao insensato deles

    obscureceu-se (Romanos 1.18-21).19

    Embora o testemunho da natureza concernente ao seu criador seja evidente, o

    conhecimento do homem sobre Deus no vem da observao da criao. A ltima

    passagem em Romanos nos informa que o conhecimento de Deus no vem de

    procedimentos empricos, mas do que tem sido diretamente escrito na mente do homem

    um conhecimento inato:

    De fato, quando os gentios, que no tm a Lei, praticam naturalmente as coisas

    requeridas pela lei, tornam-se lei para si mesmos, embora no possuam a Lei; pois mostram

    que os requerimentos da Lei esto escritas em seu corao. Disso do testemunho tambm a

    18 Robert L. Reymond, A New Systematic Theology of the Christian Faith; Nashville, Tennessee: Thomas Nelson, Inc.; p. 396. Lemos na NVI assim: Os cus declaram a glria de Deus; o firmamento proclama a obra das suas mos. Um dia fala disso a outro dia; uma noite o revela a outra noite. Sem discurso nem palavras, no se ouve a sua voz.. 19 Sua realidade invisvel seu eterno poder e sua divindade tornou-se inteligvel, desde a criao do mundo, atravs das criaturas, de sorte que no tm desculpa (v. 20, Bblia de Jerusalm).

  • Autor: A. Carlos G. Bentes. E-mail: [email protected] 17

    sua conscincia e os pensamentos deles, ora acusando-os, ora defendendo-os (Romanos

    2:14-15).20

    Os telogos chamam isso de REVELAO GERAL. Esse conhecimento de Deus inato

    na mente do homem e no se origina da observao do mundo externo. O homem no infere do

    que ele observa na natureza que deve existir um Deus; antes, ele conhece o Deus da Bblia

    antes de ter acesso a qualquer informao emprica. A funo da observao estimular a

    mente do homem a recordar esse conhecimento inato de Deus, que foi suprimido pelo pecado, e

    tambm por esse conhecimento inato que o homem interpreta a natureza.

    Toda pessoa tem um conhecimento inato de Deus, e para onde quer que ele olhe,

    a natureza lembra disso. Todos os seus pensamentos e todas as suas experincias do

    testemunho irrefutvel da existncia e dos atributos de Deus; a evidncia inescapvel.

    Portanto, aqueles que negam a existncia de Deus so acusados de suprimir a verdade pela sua

    perverso e rebelio, e ao reivindicaram ser sbios, tornaram-se loucos (Romanos 1:22).

    Em outras palavras, a revelao geral de sua existncia e atributos por toda a sua criao

    isto , o conhecimento inato do homem e as caractersticas do universo deixam

    aqueles que negam a sua existncia sem escusa, e assim eles so justamente

    condenados.

    Embora uma pessoa tenha um conhecimento inato da existncia e dos atributos de Deus,

    e o universo criado sirva como um lembrete constante, a revelao geral insuficiente para

    conceder conhecimento salvfico de Deus e de informao impossvel de ser assim obtida.

    Assim, Deus revelou o que Lhe agradou nos mostrar atravs da revelao verbal ou

    proposicional isto , a Escritura. Essa a sua REVELAO ESPECIAL. Atravs dela, ganha-

    se informao rica e precisa concernente a Deus e s suas coisas. tambm atravs da

    Escritura que uma pessoa pode obter um conhecimento salvfico de Deus. Uma pessoa que

    estuda e obedece a Escritura ganha salvao em Cristo:

    Quanto a voc, porm, permanea nas coisas que aprendeu e das quais tem

    convico, pois voc sabe de quem o aprendeu. Porque desde criana voc conhece as

    Sagradas Letras, que so capazes de torn-lo sbio para a salvao mediante a f em Cristo

    Jesus. (2 Timteo 3.14-15).

    O conhecimento de Deus tambm possvel somente porque ele fez o homem

    sua prpria imagem, de forma que h um ponto de contato entre os dois, a despeito da 20 Quando ento os gentios, no tendo Lei, fazem naturalmente o que prescrito pela Lei, eles, no tendo Lei, para si mesmo so Lei; eles mostram a obra da lei gravada em seus coraes, dando disto testemunho sua conscincia e seus pensamentos... (v. 14-15, Bblia de Jerusalm).

  • Autor: A. Carlos G. Bentes. E-mail: [email protected] 18

    transcendncia de Deus. Animais ou objetos inanimados no podem conhecer a Deus como o

    homem, mesmo se lhes fosse dada sua revelao verbal.

    Deus preferiu nos revelar informao atravs da Bblia em palavras, ao invs de

    imagens ou experincias. A comunicao verbal tem a vantagem de ser precisa e

    acurada, quando propriamente feita. Visto que esta a forma de comunicao que a Bblia

    assume, um sistema teolgico digno deve ser derivado de proposies encontradas na

    Bblia, e no de quaisquer meios de comunicao no-verbais tais como sentimentos ou

    experincias religiosas.

    Ora, todo sistema de pensamento parte de um princpio primeiro, e usa o

    raciocnio dedutivo ou indutivo, ou ambos, para derivar o restante do sistema. Um sistema que

    usa raciocnio indutivo no confivel e desbanca para o ceticismo, visto que a induo

    sempre uma falcia formal, que freqentemente depende de informao emprica, e produz

    concluses universais a partir de particularidades. A certeza absoluta vem somente de

    raciocnio dedutivo, nos quais particularidades so deduzidas de universalidades por

    necessidade lgica.

    Contudo, visto que o raciocnio dedutivo nunca produz informao que j no esteja

    implcita nas premissas, o princpio primeiro de um sistema dedutivo contm todas as

    informaes para o resto do sistema. Isto significa que um princpio primeiro por demais

    estrito no conseguir produzir um nmero suficiente de proposies para providenciar aos

    seus partidrios uma quantidade significativa de conhecimento. Assim, induo e princpio

    primeiro inadequados tornam ambos impossvel o conhecimento.

    Mesmo que um primeiro princpio parea ser amplo o suficiente, devemos providenciar

    justificativa para afirm-lo. Sua justificao no pode vir de uma autoridade ou princpio

    mais altos, porque ento ele no seria o primeiro princpio ou a autoridade ltima dentro

    do sistema. Uma autoridade ou princpio menor dentro de um sistema no pode verificar o

    primeiro princpio, visto que deste prprio princpio primeiro que esta autoridade ou princpio

    menor depende. Portanto, um primeiro princpio de um sistema de pensamento deve ser auto-

    autenticador ele deve provar a si mesmo verdadeiro.

    A autoridade ltima dentro do sistema cristo a Escritura; portanto, nosso princpio

    primeiro a infalibilidade bblica, ou a proposio, A Bblia a palavra de Deus. Embora

    haja argumentos convincentes para apoiar um tal princpio mesmo se algum fosse empregar

    mtodos empricos, de forma que nenhum incrdulo poderia refut-los, o cristo deve consider-

    los como inconclusivos, visto no serem os mtodos empricos confiveis. Alm do mais, se

  • Autor: A. Carlos G. Bentes. E-mail: [email protected] 19

    fssemos depender da cincia ou de outros procedimentos empricos para verificar a

    verdade da Escrituras, estes testes permaneceriam ento como juzes sobre a prpria palavra

    de Deus, e assim, a Escritura no mais seria a autoridade ltima em nosso sistema. Como

    Hebreus 6:13 diz, Quando Deus fez a sua promessa a Abrao, por no haver ningum superior

    por quem jurar, jurou por si mesmo. Visto que Deus possui autoridade ltima, no h nenhuma

    autoridade maior pela qual algum possa pronunciar a Escritura como infalvel.

    Entretanto, nem todo sistema que reivindica autoridade divina tem dentro do seu

    princpio primeiro o contedo para provar a si mesmo. Um texto sagrado pode contradizer

    a si mesmo, e auto se destruir. Outro pode admitir a dependncia da Bblia crist, mas por outro

    lado, essa condena todas as outras alegadas revelaes. Ora, se a Bblia verdadeira, e ela

    reivindica exclusividade, ento todos os outros sistemas de pensamento devem ser falsos.

    Portanto, se algum afirma uma cosmoviso no-crist, ele tem de, ao mesmo tempo, rejeitar a

    Bblia.

    Isto gera um confronto entre as duas cosmovises. Quando isto acontece, o cristo pode

    estar confiante que seu sistema de pensamento impenetrvel aos ataques alheios, e que o

    prprio sistema bblico fornece o contedo para tanto defender como atacar em tais embates.

    O cristo pode destruir a cosmoviso de seus oponentes questionando o princpio primeiro

    e as proposies subsidirias do sistema. O princpio primeiro do sistema se contradiz?

    Ele falha em satisfazer aos seus prprios requerimentos? O sistema se desmorona por

    causa de problemas fatais de empirismo e induo? As proposies subsidirias contradizem

    uma a outra? Ele se apropria de premissas crists no dedutveis de seu prprio primeiro

    princpio? O sistema d respostas adequadas e coerentes para as questes ltimas, tais

    como aquelas concernentes epistemologia, metafsica e tica?

    Para repetir, o princpio primeiro do sistema cristo a infalibilidade bblica, ou a

    proposio, A Bblia a palavra de Deus. Deste princpio primeiro, o telogo pe-se a construir

    um sistema de pensamento inclusivo baseado na revelao divina infalvel. At onde este

    raciocnio correto, toda parte do sistema deduzido por necessidade lgica do princpio

    primeiro infalvel, e , assim, igualmente infalvel. E, visto que a Bblia a revelao

    verbal de Deus, que requer nossa adorao e comanda nossa conscincia, um sistema

    de teologia deduzido com validade lgica autorizado e obrigatrio. Portanto, at onde este

    livro for acurado na apresentao do que a Escritura ensina, seu contedo resume o que todos

    os homens devem crer, o que os cristos esto comprometidos a crer, e o que objetivamente

    verdadeiro.

  • Autor: A. Carlos G. Bentes. E-mail: [email protected] 20

    Resumindo:

    A Teologia possvel a partir de trs realidades:

    1. Deus se revelou em Jesus Cristo e na sua Palavra;

    2. O ser humano foi criado imagem de Deus;

    3. O Esprito Santo atua iluminando-nos (No h teologia sem o Esprito Santo).

    A Cincia da Teologia do Velho Testamento 21

    1. A palavra teologia pode ser em si fonte de confuso porque tem sido usada de muitos

    modos diferentes. A palavra no ocorre no Antigo ou no Novo Testamento. Plato e

    Aristteles a empregam no sentido de cincia das coisas divinas, ideia que pode insinuar

    que as coisas divinas podem ser compreendidas s com o intelecto. Terrien ops-se a

    essa definio de Plato e Aristteles. Ele disse que, no Antigo Testamento, a expresso

    mais prxima de teologia o conhecimento de Deus. Essa expresso indica uma

    realidade que induz e transcende a investigao e a discusso intelectual. Ela designa a

    presena de Iav.

    2. A teologia a cincia que trata da natureza de Deus e da sua relao com o universo. A

    Teologia do Velho Testamento o estudo dos atributos de Deus e o propsito das suas

    atividades na histria e na vida do povo de Israel, de acordo com a doutrina da revelao

    divina nos livros sagrados deste povo.

    3. A cincia da Teologia do Velho Testamento propriamente se limita ao estudo dos ensinos

    caractersticos, distintivos e persistentes dos veculos da revelao divina.

    4. A cosmologia dos escritores tem pouca importncia para o telogo, mas a doutrina da

    criao do mundo e das atividades de Deus na direo da histria tem importncia

    especial, porque pe em relevo o poder e a autoridade do Senhor. A Exegese das

    Escrituras essencial na exposio dos seus ensinos teolgicos, e deve acompanhar a

    discusso das doutrinas. O conhecimento do hebraico indispensvel para o telogo que

    deseje aprofundar-se no estudo da teologia do Velho Testamento. preciso estudar os

    ensinos dos escritores segundo a sua prpria norma psicolgica, reconhecendo e

    interpretando as experincias religiosas, reconhecendo e interpretando as experincias

    religiosas que so distintivas e que se relacionam entranhadamente com as doutrinas

    bblicas.

    5. Qual o valor do estudo da Teologia do Velho Testamento para o cristo? Os dois 21 SMITH, Ralph L. Teologia do Antigo Testamento. So Paulo: Vida Nova, 2001, pg. 68.

  • Autor: A. Carlos G. Bentes. E-mail: [email protected] 21

    testamentos esto entrelaados de tal modo que no se pode entender a fundo um, sem

    conhecimento bsico do outro. O Novo Testamento surgiu do Antigo. O Velho Testamento

    era a Bblia dos cristos primitivos antes da produo do Novo. O pregador, ou qualquer

    outro estudante do Evangelho pode estudar o Velho Testamento, a Bblia do Mestre, no

    somente com proveito, mas com o corao enlevado22 (Lc 24.29-49). Os ensinos

    teolgicos da primeira diviso da Bblia constituem as verdades religiosas e bsicas que

    produziram a Segunda parte.

    6. O Antigo Testamento a histria das experincias de comunho do povo de Israel com

    Deus, e a resposta progressiva de Deus fome espiritual dos homens.

    7. Os dois Testamentos so complementos um do outro e o cristianismo no pode

    abandonar a primeira parte da sua Bblia sem grande prejuzo da f crist.

    A Revelao de Deus nas Obras da Criao.23

    1. O Velho Testamento no faz distino especial entre a revelao geral ou natural, e a

    revelao direta aos escritores da Bblia.

    2. No h no hebraico a palavra natureza, mas as obras do mundo fsico, segundo os

    escritores bblicos, dependem absolutamente de Deus, o seu Criador e Sustentador.

    3. Como o controlador do mundo, Deus usa a natureza para revelar o seu poder, a sua

    sabedoria, a sua glria e a sua benignidade (Am 5.8; J 38; Is 40.12,26; Pv 8,9; Sl 104).

    4. Devido psicologia dos hebreus, difcil encontrar no Velho Testamento qualquer apoio

    do conceito moderno da revelao natural ou geral, no sentido de que o homem, sem

    qualquer orientao divina, capaz de descobrir, nas obras da natureza, provas

    satisfatrias da existncia de Deus.

    Deus Se Revela Diretamente aos Escritores Bblicos24

    1. Deus conhecido, segundo o Velho Testamento, no porque os homens nos seus

    esforos intelectuais o descobriram, mas somente porque o prprio Deus se revelou.

    2. O processo da revelao transcende os poderes racionais do homem. Essencialmente a

    revelao bblica a comunicao de conhecimento da Pessoal (Pessoalidade) de Deus.

    Ora, estas verdades a respeito da Pessoalidade, da vontade e dos planos de Deus que o

    homem no tem a capacidade de descobrir, mas uma vez comunicadas por Deus, no

    intercurso25 com homens idneos, concordam perfeitamente com o conhecimento racional

    22 ENLEVADO. Causar xtase, arroubamento, enlevo a; extasiar; arrebatar; deliciar; prender a ateno, absorver. 23 CRABTREE, A. R. Teologia do Velho Testamento, 2 ed. Rio de Janeiro, JUERP, 1977, p. 45-52. 24 CRABTREE, A. R. Op. Cit., p. 20. 25 Comunicao, trato, Relacionamento.

  • Autor: A. Carlos G. Bentes. E-mail: [email protected] 22

    da humanidade.

    3. Quando a revelao se refere s verdades comunicadas por Deus, estas se tornam

    elementos do conhecimento que mais enriquecem a vida humana.

    4. Segundo o conceito bblico, o homem no recebe, no processo da revelao, doutrinas

    teolgicas acerca de Deus, mas recebe conhecimento pessoal do Senhor, da sua

    majestade, santidade e glria. Recebe tambm conhecimento da justia do Senhor, do

    seu propsito e da sua vontade para com o seu povo. A essncia da revelao bblica o

    intercurso de inteligncias.

    Deus se revela por suas atividades na vida e na histria do seu povo, escolhido para ser a sua

    possesso peculiar dentre todos os povos do mundo (x 19.4-6; 20.2). Pelas atividades

    constantes do Senhor, em favor de Israel, atravs de todas as vicissitudes da histria, ele

    revelou o seu hesed ( ),26 o seu amor firme, fiel, constante e imutvel. Na orientao persistente de Israel, Deus levantou os seus mensageiros para interpretar a sua vontade e o

    seu propsito na escolha deste povo. Os profetas apresentavam ao povo as suas credenciais

    pela convico inabalvel de que eram portadores da palavra (dabar ) 27 de Deus, e pela qualidade da mensagem que lhe transmitiam. O fato essencial da revelao a verdadeira

    atividade de deus na vida do povo atravs de seus agentes, os profetas. O mais alto conceito

    da religio fraternidade entre Deus e o homem, mas no pode haver fraternidade quando a

    comunicao se limita ao homem. Se Deus ficasse eternamente silencioso, a religio seria a

    mais triste de todas as decepes humanas, e esta experincia espiritual da personalidade

    humana seria a mais cruel iluso do universo irracional. 5. Os escritores do Antigo Testamento no faziam uma distino formal entre a revelao

    geral e a revelao especial. Deus conhecido em parte por todas as suas operaes no

    mundo fsico e na conscincia do homem.

    A revelao nunca uma mera transmisso de conhecimento, mas sim um

    relacionamento que traz vida e transformao (Alister E. Mcgrath).

    A revelao envolve a manifestao da presena pessoal de Deus e no meras

    informaes a seu respeito (Emil Brunner).

    26 Hesed. A palavra significa o amor firme, persistente, imutvel, no cumprimento das promessas do seu concerto com Israel, mesmo quando o povo falhava e se mostrava indigno. A palavra sempre acentua a fidelidade de Deus para com o seu concerto com Israel. 27 Dabar significa comunicao do Senhor, mensagem, mandamento, ordem ou promessa. O Logos do Novo Testamento relaciona-se com Dabar do Senhor.

  • Autor: A. Carlos G. Bentes. E-mail: [email protected] 23

    A Teologia serve Igreja:

    A proteo da f dos mais fracos necessria, exigindo que se leve em conta a

    situao especfica das pessoas e dos grupos e que se lance mo de recursos

    catequticos e pedaggicos mais convenientes. Todavia, isso no significa que devam

    ser escondidos dos fiis os problemas e as questes teolgicas que hoje so os mais

    defendidos e ensinados nas instituies teolgicas mais competentes, bem como na

    maioria das faculdades de teologia. Manter o povo na ignorncia pode ser uma

    estratgia adequada a curto prazo para defender o atual status quo eclesial, mas a

    longo prazo conduz formao de guetos e torna-se invivel em uma sociedade

    pluralista e de meios de comunicao de massa, como a nossa.28

    Onde falta a teologia, a ao crist torna-se uma prtica crist irrefletida, correndo o

    risco de ser ingnua e sujeita manipulao ideolgica. Onde falta a prtica, a teologia torna-

    se especulao abstrata que no gera vida (Hoch, L. C.).

    A AUTORIDADE NA TEOLOGIA

    1. Autoridade Suprema: Bblia (2 Tm 3.16,17; Jo 10.35; Mt 5.17,18);

    2. Credos;

    3. Declaraes de F.

    A teologia hodierna uma verdadeira cincia, porm uma cincia sui generis, que foge

    do modelo das cincias emprico-formais, possuindo uma analogia estrutural com sua prpria

    metafsica, e, como saber cientfico, constituda de trs elementos principais: 29

    1. O sujeito epistmico: 30 o telogo;

    2. O objeto terico: Deus e a criao;

    3. O mtodo especfico: o caminho para o sujeito chegar ao objeto.

    assunto central da epistemologia saber que o objeto determina o mtodo, pois a

    verdade se procura, se encontra e no pode ser inventada nem criada.31

    28 ESTRADA. Juan Antnio. Para Compreender Como surgiu a Igreja. So Paulo: Editora Paulinas, 2005, p. 24. 29 MARINO, Raul Jnior. A religio do Crebro. So Paulo: Editora Gente, 2005, p. 126. 30 Epistemologia. Do Gr. epistme, cincia + lgos, tratado. Estudo crtico das vrias cincias; gnosiologia, teoria do

    conhecimento. 31 MARINO, Raul Jnior. Op. Cit., p. 126.

  • Autor: A. Carlos G. Bentes. E-mail: [email protected] 24

    O objeto da teologia o prprio Deus e tudo o que se refere a sua realidade que

    determina todas as realidades; aquela dimenso da realidade que estuda o Sentido Supremo

    e o Ser Supremo.32

    MTODOS DEDUTIVO E INDUTIVO33

    H desenvolvimento do pensamento metodolgico regendo as regras da lgica que se

    utiliza de certos mtodos para tratar com experincias. Quando esse pensamento metodolgico

    se expressa, por meio da fala ou de escritos e comunicado a outras pessoas, produz

    doutrinas teolgicas (Paul Tillich).34

    A teologia uma cincia cujo objeto Deus em sua revelao, e que trata das relaes

    que ele tem com o ser humano e o mundo. Ora, se a teologia uma cincia, que mtodos ela

    utiliza?

    Como sabemos, existem dois mtodos bsicos em toda cincia:

    1. O Dedutivo (a priori). Trabalha a partir de dados existentes. De uma proposio

    (afirmao) ou uma srie de proposies deduz ou infere uma srie de fatos.

    Deduo tirar inferncias e concluses lgicas dos dados.

    2. O Indutivo (a posteriori). Ele parte do particular e chega a um enunciado ou

    afirmao geral.

    MTODO DEDUTIVO: do geral para o particular a priori

    MTODO INDUTIVO: do particular para o geral a posteriori

    Destes dois mtodos resultam os dois tipos ou maneiras de fazer teologia:

    MTODO DEDUTIVO TEOLOGIA SISTEMTICA

    MTODO INDUTIVO TEOLOGIA BBLICA

    No mtodo dedutivo o geral Bblia e cada doutrina o particular.

    No mtodo indutivo cada livro da Bblia o particular e o geral a revelao de Deus.

    1. TEOLOGIA SISTEMTICA. aquela disciplina que tenta dar uma exposio das

    doutrinas da f crist, baseada principalmente nas Escrituras, falando s perguntas e questes

    da cultura e poca em ela existe, com aplicao vida pessoal do telogo e outros (John

    Hammett).

    32 MARINO, Raul Jnior. Op. Cit., p. 126. 33 ROLDN, Alberto F. Op. Cit., p. 42,43. 34 TILLICH, Paul. Op. Cit., p. 18,19.

  • Autor: A. Carlos G. Bentes. E-mail: [email protected] 25

    2. TEOLOGIA BBLICA. A Teologia Bblica o brao da teologia exegtica que estuda

    o processo da auto-revelao de Deus depositada na Bblia. A Teologia Bblica se prope

    expor o contedo da revelao de Deus em seu desenvolvimento histrico. Ela confere

    importncia decisiva ao trabalho exegtico, j que forma uma espcie de elo entre a exegese e

    a Teologia Sistemtica.35

    Sua metodologia (Teologia Bblica) indutiva, j que, comeando com os particulares,

    chega-se ao enunciado geral. A Teologia Bblica privilegia as formas de pensamento e

    cosmoviso dos autores bblicos (todos hebreus, exceo de Lucas), em vez de tomar como

    instrumento analtico a filosofia grega. Quando dizemos Teologia Bblica no estamos dizendo

    que a Teologia Sistemtica no bblica.

    EXEGESE DO TEXTO

    TEOLOGIA BBLICA

    TEOLOGIA SISTEMTICA

    III. A Necessidade da Teologia Sistemtica36

    Um dia ouvimos no rdio do nosso carro a transmisso da pregao de um evangelista

    do outro lado do pas. Embora alegando pregar a palavra de Deus como um cristo crente na

    Bblia, ele pregava uma f que ns no poderamos reconhecer como bblica, nem o Deus do

    qual ouvimos falar na Bblia. Esse homem assegurou seus ouvintes convertidos e no-

    convertidos que Deus est sempre do seu lado. Ele tambm falou de Deus como nosso

    Papai no cu, rico em recursos e vido e ansioso em nos ajudar, se apenas permitirmos que

    Ele assim o faa. Ns no pudemos reconhecer no que ele pregou o Deus soberano da

    Escritura, nem algo que lembrasse os Seus mandamentos, a Bblia. O evangelista era um

    humanista que estava usando, ou tentando usar, Deus como a maior fonte possvel disponvel

    ao homem; o ponto central do seu pensamento era o homem e as necessidades deste. Ele

    35 LADD, George E. Teologia do Novo Testamento. 2 ed. Rio de Janeiro, JUERP, 1985, p. 25. 36 RUSHDOONY, Rousas John. Systematic Theology volume 1. p. 59-61.

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    carecia de qualquer teologia sistemtica de Deus; em vez disso, havia traos em sua breve

    mensagem de uma teologia do homem como o verdadeiro centro e o deus das coisas.

    Bem resumidamente, a teologia sistemtica diz que Deus Deus. Ela declara que,

    porque Deus soberano, onipotente, todo sbio, todo santo, e conhece desde a eternidade

    tudo o que Ele ordena e decreta, no existe, portanto, nenhuma possibilidade oculta ou

    potencialidade em Deus, mas que Deus tanto plenamente auto-consciente como totalmente

    auto-consistente. Somente com tal Deus a teologia sistemtica possvel. Onde quer que a f

    na soberania de Deus decline, a tambm a teologia entra em eclipse.

    A palavra sistemtica em teologia sistemtica significa, entre outras coisas, primeiro,

    que ela uma declarao abrangente e unificada do que a Escritura como um todo ensina

    sobre Deus. A revelao de Deus na Escritura reunida numa forma resumida e abrangente,

    e os resultados da teologia bblica, a exegese e anlise da Escritura e seu significado,

    so organizados e apresentados.

    Segundo, a palavra sistemtica significa que o Deus totalmente soberano, que no

    muda (Ml 3.6), verdadeiramente cognoscvel. Ele sempre o mesmo. Os homens mudam de

    carter, crescem e regridem, mas Deus sempre o mesmo, totalmente auto-consistente e

    absolutamente soberano. Somente sobre tal Deus uma palavra sistemtica possvel. Esse

    o porqu a teologia moderna no pode produzir sistemticas. A posio de Karl Barth era uma

    negao da possibilidade de sistemticas. Assim, ele escreveu:

    Mas no o Todo-Poderoso que Deus. Ns no podemos entender quem Deus do ponto de vista de um conceito supremo de poder. E o homem que clama ao Deus Todo-Poderoso erra na sua concepo da maneira mais terrvel, visto que o Todo-Poderoso mau, da mesma forma que poder-em-si mau. O Todo-Poderoso representa o caos, o mal, o diabo. No haveria melhor descrio e definio para o diabo do que pensar nessa ideia de uma capacidade livre, soberana e independente Deus e poder-em-si so conceitos mutuamente exclusivos. Deus a essncia do possvel, mas poder-em-si a essncia do impossvel.37

    O Deus de Barth no o Deus da Escritura que declara: Eu sou o Deus Todo-

    Poderoso (Gn 17.1). O Deus de Barth um conceito limitado, o produto da imaginao do

    homem. Barth nos d apenas uma exposio sistemtica de sua incredulidade; ele no

    pode nos dar uma teologia sistemtica do Deus da Escritura.

    37 Karl Barth, Dogmatics in Outline, p. 48. New York: Philosophical Library, 1949.

  • Autor: A. Carlos G. Bentes. E-mail: [email protected] 27

    Similarmente, Haroutunian sustentava que a teologia sistemtica era impossvel,

    pois tal doutrina de Deus no pode fazer justia s complexidades da vida humana.38 O

    centro da teologia de Haroutunian a vida humana: o Deus da Escritura no pode em

    nenhum grau, nem em sentido algum, colidir com a soberania do homem autnomo.

    Por conseguinte, para ele teologia sistemtica uma iluso,39 pois o Deus da teologia

    sistemtica por definio excludo de toda considerao.

    Em terceiro lugar, sistemtica significa que a pressuposio da teologia no a mente

    do homem autnomo, mas o Deus soberano da Escritura. A sistemtica, como a apologtica,

    no procura provar Deus e Sua existncia; antes, ela pressupe o Deus trino como o nico

    fundamento e significado do raciocnio e prova. Como Van Til demonstrou to

    excelentemente, todas as disciplinas devem pressupor Deus, mas ao mesmo tempo a

    pressuposio a melhor prova.40 Sobre qualquer outra pressuposio, se aplicada

    logicamente, nenhuma prova possvel, pois toda realidade reduzida factualidade bruta,

    como Van Til mostrou.41 Em vez de factualidade bruta e sem sentido, todo o universo nos d

    somente a factualidade criada por Deus, e por conseguinte a pressuposio necessria para

    todo pensamento o Deus trino.

    Quarto, como Van Til sempre enfatizava, a sistemtica nega o conceito de neutralidade.

    No existe nenhum fato neutro, nenhum pensamento neutro, nenhum homem neutro e

    nenhum raciocnio neutro. Todos os homens, fatos e pensamentos ou comeam com o

    Deus soberano e trino, ou comeam com rebelio contra Ele. A sistemtica afirma esse

    Deus; a negao da sistemtica uma negao de Deus.

    Quinto, a sistemtica necessria se os homens ho de pensar inteligente e

    logicamente. Sem o conceito de sistemtica e o Deus que ela apresenta, no podemos

    sustentar um universo racional e cognoscvel, nem qualquer ordem com significado nele. A

    razo e lgica do homem no-regenerado so em essncia mais que irracional: elas

    so absurdas. A sistemtica no somente torna o raciocnio racional, mas declara que

    existe uma conexo necessria e significativa entre todos os fatos, pois todos os fatos

    so criao do Deus soberano e onipotente e, assim, revelaes do Seu propsito e ordem.

    A ideia de pregar todo o conselho de Deus uma possibilidade apenas se a

    38 Joseph Haroutunian, First Essay in Reflective Theology, p. 10. Chicago: McCormick Theological Seminary, 1943. 39 Idem. 40 Cornelius Van Gil, An Introduction to Theology, vol . I, p. 3. Philadelphia: Westminster Theological Seminary, 1947. 41 Ver R. J. Rushdoony, By What Standard? An Introduction to the Philosophy of Cornelius Van Til. Fairfax, Va.: hoburn Press, (1958) 1974; e R. J. Rushdoony, The Word of Flux. Fairfax, Va.: Thoburn Press, 1975.

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    sistemtica for uma realidade. De outra forma, no existe nenhuma conexo e unidade

    necessria e real na palavra de Deus, e temos em vez disso, sob diferentes

    dispensaes, uma palavra e plano mutveis e em desenvolvimento. Temos ento uma

    palavra fragmentada, no um conselho inteiro que uma unidade necessria e autoritativa.

    Assim, sem sistemtica no existe nenhuma palavra, e, na verdade, nenhum Deus

    como Sua revelao na Escritura apresenta. Temos ento outro deus com uma palavra

    ocasional que constituda de momentos de insight, e de poderes superiores ao homem, mas

    no um Deus absoluto, todo-poderoso e soberano, cuja palavra infalvel, e cuja revelao

    manifesta o nico sistema de verdade possvel. Esse

    O Deus vivo declara: Eu sou Deus, e no h outro Deus, no h outro semelhante a

    mim (Is. 46:9). No existe outro Deus, nem outra verdade, outra possibilidade, sistema ou

    significado fora dele. Ele Deus o Senhor.

    IV. A EXISTNCIA DE DEUS

    At o comeo do sculo XIX era quase geral a prtica de comear o estudo da dogmtica

    com a doutrina de Deus, mas ocorreu uma mudana sob a influncia de Scheleiermacher que

    procurou salvaguardar o carter cientfico da teologia com a introduo de um novo mtodo. A

    conscincia religiosa do homem substituiu a palavra de Deus como a fonte da teologia. A f na

    Escritura como autorizada revelao de Deus foi desacreditada e a compreenso humana

    baseada na apreenso emocional ou racional do homem, veio a ser o padro do pensamento

    religioso. A religio gradativamente tomou lugar de Deus como objeto da teologia. O homem

    deixou de ser ou de reconhecer o conhecimento de Deus como algo que lhe foi dado na Escritura

    e comeou a orgulhar-se de ter a Deus como seu objeto de pesquisa.

    Conseqncia natural deste sistema teolgico: Deus criado segundo a imagem e

    semelhana do homem.42 Doutrina a revelao da verdade como se encontra nas Escrituras; dogma43 a

    afirmao dos homens acerca da verdade quando apresentada num credo. Que maior objeto de

    pensamento existe seno o estudo da existncia de Deus?.

    Deus Esprito Pessoal, perfeitamente bom, que, em santo amor, cria, sustenta e

    dirige tudo. 42 http://textoscalvinistasteontologia.blogspot.com. 43 Dogma. Vem do vocbulo grego doken que significa pensar, imaginar ou ter uma opinio. Dogma. Ponto ou princpio de f definido pela Igreja. 2. Fundamento de qualquer sistema ou doutrina. 3. O conjunto das doutrinas fundamentais do cristianismo

  • Autor: A. Carlos G. Bentes. E-mail: [email protected] 29

    Deus Esprito, infinito, eterno e imutvel em seu ser, sabedoria, poder, santidade,

    justia, bondade e verdade (Definio do Breve Catecismo).

    Se existe ou no uma suprema inteligncia pessoal, infinita e eterna, onipotente,

    onisciente e onipresente, o Criador, Sustentador e Governante do universo, imanente em tudo

    ainda que transcendente a tudo, gracioso e misericordioso, o Pai e Remidor da humanidade,

    sem dvida o mais profundo problema que possa agitar a mente humana. Jazendo base de

    todas as crenas religiosas do homem, est ligado no apenas felicidade temporal e eterna

    do homem, mas tambm ao bem-estar e progresso da raa. (Whitelaw).

    O Deus Uno nos conhecido no especulativamente, mas existencialmente. Sem

    Deus no se pode conhecer a Deus. Deus jamais objeto. Em todo conhecimento ele que

    conhece em ns e por nosso meio. Somente ele se conhece a si mesmo. Ns apenas

    podemos participar nesse conhecimento de Deus. Mas ele no um objeto que possamos

    conhecer a partir do exterior. No se pode conhecer Deus em sua grandeza, em seu carter

    absoluto e incondicional. Ele s conhecido no amor que vem a ns. Portanto, para se

    conhecer Deus preciso estar dentro de Deus; participar nele.44

    O conhecimento de Deus no est posto em fria especulao, mas lhe traz consigo o

    culto (Joo Calvino).

    A Questo da metafsica e da cosmologia45

    O termo metafsica significa literalmente alm da fsica. Trata-se da disciplina da

    filosofia que estuda as causas primeiras e os primeiros princpios, sendo o cerne da

    preocupao filosfica clssica. Aristteles afirma que o objeto de investigao da metafsica

    o ser enquanto ser e as propriedades que necessariamente o acompanham. A pergunta

    por que as coisas so em vez de no serem? O ser a essncia de algo; a qualidade

    essencial de um ente sem a qual ele no pode subsistir.

    A preocupao metafsica sistemtica existe desde os filsofos pr-socrticos.

    Parmnides o considerado o primeiro filsofo propriamente metafsico. Plato via o ser numa

    realidade superior distinta do mundo em que vivemos, o mundo das ideias; j Aristteles via o

    ser nas prprias coisas e no fora delas e definia Deus, o motor imvel, como o Ser Absoluto.

    A filosofia crist medieval estabeleceu relao entre o Deus cristo e as teorias metafsicas

    gregas, de modo que Agostinho segue Plato e Toms de Aquino baseia-se em Aristteles.

    44 TILLICH, Paul. Histria do Pensamento Cristo. 3 Edio. So Paulo: Editora ASTE, 2004, p. 61. 45 SAYO, Luiz A. T. Cabeas Feitas. 33 Edio. So Paulo: Editora Hagnos, 2004, p. 16-18.

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    Na idade moderna, depois do ceticismo de David Hume e do idealismo de Kant, desistiu-se da

    busca metafsica. Kant defendeu a existncia do ser, mas disse que este se encontrava numa

    dimenso numnica46, inacessvel ao intelecto. Assim, teramos acesso apenas ao

    fenmeno, manifestao do ser enquanto ente particularizado. Tal interpretao fechava as

    portas para a metafsica. Por esse motivo, os filsofos modernos, desde Descartes desistiram

    da metafsica, dando ateno ao problema do conhecimento. Recentemente, Martin

    Heidegger, retomou o interesse pelo ser, afirmando que este se manifesta nos entes, sendo o

    ente do homem a porta de acesso ao ser. O mtodo de Heidegger chamado

    fenomenolgico, distinto dos clssicos mtodos dedutivo e indutivo.

    A questo cosmolgica tambm merece ser aqui abordada, pois historicamente

    confundia-se com o problema metafsico. Cosmologia quer dizer o estudo do mundo. Qual a

    origem do mundo? Quais os seus constitutivos fundamentais? Qual o seu fim ltimo? Os pr-

    socrticos perceberam a diversidade do mundo e se puseram a refletir qual seria o elemento

    fundamental na constituio do mundo. O primeiro filsofo a propor uma soluo foi Tales de

    Mileto (da sia Menor). Acreditava ele que a gua era o fundamento do mundo; outros

    pensadores defenderam outras alternativas como o fogo, o ar, o indeterminado, o nmero (no

    caso dos pitagricos). Plato delineou um mundo dualista, sendo o nosso mundo uma cpia

    do mundo superior e perfeito das ideias. Tal cpia fora feita pelo Demiurgo, uma espcie de

    divindade inferior, que tambm infundira uma alma ao mundo. Aristteles partia da ideia de

    que o mundo era eterno, caracterizado pela mudana, o movimento perene, isto , o devir.

    Todavia, o devir (vir a ser) sinal de imperfeio. Assim, o mundo precisa de um ser que no

    se modifica e ao mesmo tempo a causa de tudo, sendo o motor que a tudo move, e

    permanece imvel. Ainda segundo ele, o mundo constitudo de forma e matria.

    Ainda na Grcia antiga, Leucipo, Demcrito e Epicuro formularam a teoria atomista

    como modelo cosmolgico, afirmando que o mundo era composto de partculas pequenas e

    indivisveis chamada tomos. Os tomos com suas combinaes mltiplas davam origem

    diversidade do mundo. Vemos aqui os prenncios da qumica.

    Depois do Renascimento, despontou a perspectiva mecanicista, desenvolvendo-se

    muito a cincia da natureza. A viso mecanicista e matemtica do mundo se estabelece, e

    teorias cientficas como a teoria cintica e teoria molecular tornam-se alternativas de

    explicao do mundo. Assim, diminui-se o interesse e a esperana de que se possa achar 46 Numnica, numinoso. Sentimento nico vivido na experincia religiosa, a experincia do sagrado, em que se confundem a fascinao, o terror e o aniquilamento.

  • Autor: A. Carlos G. Bentes. E-mail: [email protected] 31

    respostas para a origem do mundo (criao x acaso), sua durao, sua extenso, se seu

    mover-se teleolgico ou no, etc. Por fim, a verdade que chegamos a um ponto onde

    cincia, filosofia e teologia compartilham do assunto. Os cristos, como j dissera Agostinho

    no IV sculo, defendem a criao do mundo por Deus a partir do nada. Deus o ser absoluto

    que comunica o seu ser ao mundo, fazendo com que do nada surja o mundo. Todavia isso no

    nos impede de abrir espao para ver o que a cincia nos diz sobre a constituio do mundo,

    sem esquecer todavia que sobre esse assunto h questes pertinentes unicamente cincia

    emprica, mas h aquelas que sempre ficaro de fora do mbito da cincia.

    SILOGISMO. Para falarmos mais sobre estes argumentos precisamos lembrar um

    pouco sobre silogismo.

    Um silogismo (do grego antigo , conexo de ideias, raciocnio;

    composto pelos termos com clculo) um termo filosfico com o qual

    Aristteles designou a argumentao lgica perfeita, constituda de trs proposies

    declarativas que se conectam de tal modo que a partir das duas primeiras, chamadas

    premissas, possvel deduzir uma concluso. A teoria do silogismo foi exposta por Aristteles

    em Analticos Anteriores.

    Num silogismo, as premissas so um ou dois juzos que precedem a concluso e dos

    quais ela decorre como conseqente necessrio dos antecedentes, dos quais se infere a

    consequncia. Nas premissas, o termo maior (predicado da concluso) e o termo menor

    (sujeito da concluso) so comparados com o termo mdio, e assim temos a premissa maior e

    a premissa menor segundo a extenso dos seus termos.

    Um exemplo clssico de silogismo o seguinte:

    Premissa maior: Todo homem mortal.

    Premissa menor: Scrates homem.

    Concluso: Logo, Scrates mortal.

    1. A CRENA NA EXISTNCIA DE DEUS INTUITIVA.

    Os escritores bblicos tanto presumem quanto defendem a existncia de Deus.

    Premissa Maior: Uma crena intuitiva se for universal e necessria.

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    Tanto a Escritura como a histria provam que a crena em Deus universal (Rm 1.19-

    21: Pois o que de Deus se pode conhecer manifesto entre eles, porque Deus lhes

    manifestou. Pois desde a criao do mundo os atributos invisveis de Deus, seu eterno poder e

    sua natureza divina, tm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas

    criadas, de forma que tais homens so indesculpveis; porque, tendo conhecido a Deus, no o

    glorificaram como Deus, nem lhe renderam graas, mas os seus pensamentos tornaram-se

    fteis e o corao insensato deles obscureceu-se).

    Premissa menor: A crena na existncia de Deus tambm necessria. necessria

    no sentido de que no podemos negar Sua existncia sem violarmos as prprias leis da nossa

    natureza.

    Concluso: Deus existe.

    2. A CRENA EM DEUS ASSUMIDA NAS ESCRITURAS (Gn 1).

    As Escrituras trabalham com algumas pressuposies bsicas das quais no abrem

    mo: a de que Deus existe, que ele criador e que ele soberano.

    3. A CRENA NA EXISTNCIA DE DEUS CORROBORADA POR ARGUMENTOS:

    Tesmo a doutrina de um Deus extraterreno, pessoal, o criador, preservador e

    governador deste mundo. O desgnio de todos os argumentos sobre este tema mostrar que

    os fatos que nos cercam, e os fatos da conscincia, carecem da hiptese da existncia de tal

    Ser. Os argumentos usualmente enfatizados sobre este tema so o Ontolgico, o

    Antropolgico, o Teleolgico, o Cosmolgico, o do Consenso Universal e o Esttico.

    Os dois primeiros argumentos, o ontolgico e o antropolgico esto baseados na

    natureza da alma humana:

    1. ONTOLGICO. Da palavra grega ON, EXISTENTE, SER. O homem tem a ideia inerente

    de um Ser Perfeito. Esta ideia naturalmente inclui o conceito de existncia, j que um ser, em

    tudo mais perfeito, que no existisse, no seria to perfeito quanto um ser perfeito que

    existisse. Portanto, visto que a ideia de existncia est contida na ideia de um Ser Perfeito,

    esse Ser Perfeito deve necessariamente existir. Foi Anselmo de Canturia quem produziu este

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    argumento. Se quisssemos afirmar este argumento em forma de silogismo47, usaramos as

    seguintes premissas:

    a) Premissa maior: Uma crena intuitiva universal entre os homens deve ser

    verdadeira.

    b) Premissa menor: A crena de que h Deus universal e intuitiva entre os homens

    c) Concluso: A crena de que h um Deus verdadeira.

    O argumento ontolgico48 tenta provar a partir do prprio conceito de Deus que

    Deus existe. Se Deus imaginvel, tem de existir realmente. Esse argumento foi

    formulado por Anselmo e defendido por Scotus, Descartes, Espinosa, Leibnitz e, na poca

    moderna, por Norman Malcolm, Charles Hartshorne e Alvin Plantinga, entre outros.

    Veremos o argumento de Anselmo.

    Anselmo (1033-1109) queria encontrar um nico argumento que provasse no

    apenas que Deus existe, mas tambm que ele tem todos os atributos superlativos que a

    doutrina crist lhe atribui. Depois de quase desistir do projeto, Anselmo chegou ao

    seguinte raciocnio: Deus o maior ser que se pode imaginar. Isso verdadeiro por

    definio, pois se pudssemos imaginar algo maior do que Deus, isso seria Deus.

    Portanto, nada maior do que Deus pode ser imaginado. E mais importante existir na

    realidade do que apenas na mente. Anselmo d o exemplo de um quadro. O que maior:

    a ideia que o artista tem do quadro ou o quadro em si, como existe na realidade?

    Obviamente esse ltimo, pois o quadro em si existe no apenas na mente do artista, mas

    tambm na realidade. De modo semelhante, se Deus existisse apenas na mente, algo

    maior do que ele poderia ser imaginado, que sua existncia no apenas na mente, mas

    tambm na realidade. Deus, porm, o maior ser que se pode imaginar. Por isso ele tem

    de existir no apenas na mente, mas tambm na realidade. Portanto, Deus existe.

    Outra maneira de dizer isso, mostra Anselmo, a seguinte: um ser cuja no-

    existncia inimaginvel maior do que um ser cuja no-existncia imaginvel. Deus,

    porm, o maior ser imaginvel. Portanto, a no-existncia de Deus tem de ser

    inimaginvel. No h contradio nessa ideia. Por isso, Deus tem de existir. Esse

    argumento aparentemente simples muito debatido at hoje.

    47 si.lo.gis.mo. s. m. Lg. Argumento que consiste em trs proposies: a primeira, chamada premissa maior; a segunda, chamada premissa menor; e a terceira, concluso. Admitida a coerncia das premissas, a concluso se infere da maior por intermdio da menor. 48 ROLDN, Alberto Fernando. Op. Cit., p. 77.

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    2. ANTROPOLGICO. Da palavra grega ANTHROPOS (), homem. Chamado

    tambm de argumento moral. Este argumento deriva da existncia de um Legislador Supremo

    que Deus, e do fato de haver a presena de uma lei moral no universo. J que o homem

    um ser moral e intelectual, deve ter um criador que tambm seja moral e inteligente (At 17.29).

    A natureza moral, os instintos religiosos, a conscincia e a natureza emocional do homem

    argumentam em favor da existncia de Deus.

    Os dois argumentos seguintes, o teleolgico e o cosmolgico, esto baseados na

    natureza do universo:

    3. TELEOLGICO. Da palavra grega TELOS, fim. O universo no apenas prova a

    existncia de um criador, mas indica a existncia de um Arquiteto, um Planejador (Rm 1.18-

    20). H um propsito observvel no universo que indica a existncia de Deus como seu

    planejador. Se quisssemos afirmar este argumento em forma de silogismo, usaramos as

    seguintes premissas corretas, para chegar a uma concluso razovel:

    a) Premissa maior: A ordem e a harmonia do universo somente podem ser explicadas

    quando pressupomos um Arquiteto inteligente, ou uma causa maior inteligente.

    b) Premissa menor: O universo como um todo e em todas as suas partes um grande

    projeto que demonstra ordem e simetria.

    c) Concluso: O mundo tem um Arquiteto ou projetista inteligente que Deus.

    4. COSMOLGICO. Da palavra grega KOSMOS, mundo, que significa um arranjo

    ordenado. O universo um efeito que exige uma causa adequada, e a nica causa suficiente

    Deus (Sl 19; Hb 3.4). Este argumento remonta ao tempo de Aristteles e tambm

    encontrado em outros escritores antigos, como Ccero, por exemplo. No tempo do

    escolasticismo, este argumento foi desenvolvido por Anselmo e por Toms de Aquino. Se

    quisssemos afirmar este argumento em forma de silogismo, usaramos as seguintes

    premissas:

    a) Premissa maior: Cada nova existncia ou mudana em qualquer coisa previamente

    existente deve ter tido uma causa preexistente e adequada. Em outras palavras, cada efeito

    tem uma causa adequada.

    b) Premissa menor: O universo como um todo e em todas as suas partes um sistema

    e mudanas. Ou seja, o mundo um efeito.

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    c) Concluso: O universo deve ter tido uma causa exterior a si prprio; a causa ltima

    ou absoluta deve ser externa, no-causada e imutvel. Portanto, o mundo tem uma causa

    adequada, fora de si mesmo, que o produziu Deus.

    Os dois ltimos argumentos tm a ver com a histria:

    5. O ARGUMENTO DO CONSENSO UNIVERSAL. Este argumento deriva a existncia de

    Deus da universalidade da religio. No h notcia de que tenha havido qualquer tribo no

    mundo, por mais remota que fosse, que no tenha tido uma religio. O fator religio est

    inserido na alma humana e nenhum ser humano escapa do fenmeno religioso. A religio

    inescapvel no ser humano. Ccero, o grande pago admirado por Calvino, considerou este

    argumento de grande valor, e o estudo da religio tem fortalecido a relevncia desse

    argumento. A. A. Hodge afirma:

    A histria total da raa humana revela uma ordem moral e um propsito que

    no podem ser explicados pela inteligncia ou propsito dos agentes

    humanos. Estas coisas existentes revelam a unidade de um plano que inclui

    todas as raas em todas pocas. Os fenmenos da vida nacional e da

    distribuio etnolgica, do desenvolvimento e da difuso das civilizaes e

    religies podem ser explicados somente pela existncia de um governador e

    educador sbio, justo e benevolente da raa humana.

    Todavia, o fato de se considerar a religio como fator universal no significa que todas

    as pessoas possuam um conceito correto sobre Deus e nem que a divindade que elas adoram

    seja verdadeira. Todavia, o argumento do consenso universal um argumento que no pode

    ser desprezado, pois uma vez mais mostra o semen religionis e o sensus divinitatis presentes

    na alma humana, apontando para um ser superior.

    At mesmo aqueles que no possuem ainda uma f segura ou uma teologia bem

    formada seriam acordes em admitir que o Universo deve ter tido uma causa primeira, um

    criador (argumento cosmolgico), pois o desgnio evidente do Universo aponta para uma

    mente ou um esprito supremo (argumento teleolgico) enquanto a natureza do homem, com

    seus impulsos, aspiraes, sentimentos e emoes, aponta para a existncia de um demiurgo

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    pessoal (argumento antropolgico). O mesmo se diga da Histria humana, a qual d

    evidncias de uma Providncia que governa sobre toda a criao (argumento histrico), sendo

    essa uma crena universal (argumento do consenso comum). 49

    6. O ARGUMENTO ESTTICO. H beleza no universo. Os seres humanos so criados com a

    grande capacidade de apreciar a beleza da criao. Ora, se h tanto uma coisa como a outra,

    s pode haver uma inteligncia e uma sabedoria para fazer algo to belo, a saber, Deus.

    Crtica: Essas provas racionais da existncia de Deus somente funcionam para aqueles

    que, por graa, j crem que ele existe. Esse exerccio racional sempre feito pelos telogos

    que j crem no Deus das Escrituras. Dificilmente encontramos pessoas completamente

    alienadas da f crist fazendo tais exerccios. Se os fizessem, todas as pessoas que exercitam

    sua razo de maneira razovel haveriam de crer nele.

    As famosas provas testas 50

    At nos nossos dias, as famosas provas testas elaboradas a partir da filosofia

    integram os contedos essenciais de muitas Teologias Sistemticas. Trata-se de

    argumentaes especulativas cujo ponto de partida no a Escritura Sagrada, mas o

    pensamento aristotlico que concebia Deus como o ser imvel, porque o que est em

    movimento significa mudana e contingncia. A gente se pergunta: Que relao essencial

    haver entre esse motor imvel e o Deus vivo e verdadeiro que se revelou na histria de

    Israel e de Jesus de Nazar? Alm disso, ainda que fosse possvel demonstrar a sua

    existncia, seria este o mesmo Deus da revelao na histria? Por outro lado, a avaliao,

    depois de tantos sculos de especulao filosfica sobre a existncia de Deus e de elaborao

    de argumentos que demonstram sua existncia, resulta antes negativa. Ou seja, os resultados

    parecem no ser os esperados. Em outras palavras, as provas testas como argumentos que

    falam de uma causa no causada (Deus) ou uma finalidade em todas as coisas que vemos

    (argumento teleolgico), j no parecem to convincentes como quando foram formuladas, o

    que no quer dizer que perderem seu fascnio. Na verdade, o telogo catlico Hans Kng

    sustenta:

    49 MARINO, Raul Jnior. Op. Cit., p. 138,139. 50 ROLDN, Alberto F. Op. Cit.

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    possvel que as provas da existncia de Deus tenham fracassado e fenecido

    como tais. No obstante, ainda que fracassadas e fenecidas, continuam

    despertando respeito nas geraes que nasceram depois. E no so poucos os

    que, perante o atade das provas da existncia de Deus, viram-se assombrados

    por um ressentimento nostlgico: Deveria ser possvel, apesar de tudo!

    Apesar dos fatos comentados, at o dia de hoje as famosas provas da existncia de

    Deus constam de algumas teologias sistemticas como contedos essenciais da f e da

    teologia. E isso tanto nas dogmticas catlicas como nas protestantes. sabido que Toms de

    Aquino (um telogo do sculo XIII), Doutor Anglico para a Igreja Catlica, estrutura todo o

    seu pensamento segundo as diretrizes de Aristteles, que na poca tinha sido redescoberto

    atravs das tradues das suas obras do grego para o rabe. No mbito protestante h

    teologias sistemticas que insistem, com maior ou menor nfase, nas importncias das provas

    testas.

    Devemos insistir que a leitura das Escrituras nos fornece um panorama bem diferente

    do que foi exposto. Realmente, observamos que o Deus vivo est ativo na histria humana e

    profundamente interessado nos processos espirituais e sociais do seu povo. Em sntese, trata-

    se do Deus que age e no de um mero motor imvel. Nas palavras de Justo Gonzles:

    A f do Novo Testamento um monotesmo dinmico. [...] O Deus da Bblia no

    o primeiro motor imvel da filosofia aristotlica. Quando os autores bblicos

    falam sobre Deus, eles no o fazem em termos estticos, como se Deus fosse

    um ser impassvel e imutvel, mas falam dele em termos dinmicos e de relao.

    O Papel de Argumentos e Provas 51

    Para o que cr, Deus no a concluso de um silogismo; ele o Deus vivo de Abrao,

    Isaque e Jac que vive em ns.

    O uso magisterial da razo ocorre quando a razo est acima do evangelho, como um

    magistrado, e o julga com base em argumentos e provas. O uso ministerial da razo ocorre

    quando a razo se submete e serve ao evangelho. Somente o uso ministerial da razo pode

    ser aceito. A filosofia realmente serva da teologia. A razo uma ferramenta para nos ajudar

    51 CRAIG, William L. A VERACIDADE DA F CRIST. So Paulo: Editora Vida Nova, 2004, p.35.

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    a compreender e defender melhor a nossa f; como disse Anselmo, temos uma f procura

    de compreenso. Aquele que sabe que o cristianismo verdadeiro com base no testemunho

    do Esprito tambm pode ter uma boa apologtica, que lhe refora ou fortalece o testemunho

    do Esprito, mas ela no serve de base para a sua f. Quando surge um conflito entre o

    testemunho do Esprito Santo quanto veracidade fundamental da f crist e convices

    baseadas em argumentos e provas, o primeiro que precisa ter precedncia sobre o segundo,

    e no o contrrio.

  • Autor: A. Carlos G. Bentes. E-mail: [email protected] 39

    V. CONCEPES RIVAIS ACERCA DE DEUS Concepo Politesmo Idealismo

    Partidrios

    Antigas Religies da Natureza Hindusmo Zen-Budismo Mormonismo

    Josiah Royce William Hocking Cincia Crist Plato, Hegel, Emerson

    Sntese da Doutrina

    Crena de que existe uma pluralidade de deuses. Alguns dizem que surgiu como rejeio do monotesmo. Muitas vezes intimamente ligado ao culto da natureza. a contraparte popular

    Essa filosofia um reducionismo intelectual que explica o dualismo observado entre mente e matria em termos de uma mente infinita que inclui tudo. Todos os componentes do universo, inclusive o bem e o mal, tornam-se nada mais que equivalente finitos do infinito. Todos os elementos fundem-se com o bem ltimo. O bem, por sua vez, representa a realidade ideal.

    Ideia de Deus

    Deus relegado a um entre muitos em um panteo de deuses. Difere do henotesmo, o qual, embora admita muitos deuses, v um deus acima de todos os demais.

    Deus uma personificao nebulosa do Absoluto. Embora perfeito, imutvel e transcendente, ele impessoal

    Contraste com a Bblia

    H somente um Deus verdadeiro (Dt 6.4; Is 43.10,11; 1Co 8.4-6; Gl 4.8).

    Deus pessoal bem como transcendente (Sl 103.13; 113.5,6; Is 55.8,9). O ser humano est naturalmente alienado de Deus (Ef 4.18).

    Concepo Realismo Pantesmo Partidrios Thomas Reid

    Neo-realista Spinoza, Radhakrishnan, Hindus, Transcendentalistas

    Sntese da

    Doutrina

    Os universais tm uma existncia em certo sentido independente das percepes particulares da mente. Em sua forma pura, diametralmente oposto ao reducionismo. Procura estabelecer o equilbrio entre a objetividade e a subjetividade. Sua estrutura sistematizada

    Esta concepo d nfase identificao de Deus com todas as coisas. A realidade representada como uma fuso amorfa de toda matria e esprito. O ser pessoal absorvido na Alma Superior predominante. Como tal, essa concepo diametralmente oposta ao desmo

    Ideia de

    Deus

    Essa concepo essencialmente o mesmo que o Idealismo. Deus distinto da sua criao e, portanto, transcendente

    Deus equivale a tudo e tudo equivale a Deus (Deus impessoal e imanente, mas no transcendente).

    Contraste com a Bblia

    Ver o Idealismo com relao aos trs primeiros pontos. O ser humano em nenhum sentido independente de Deus, nem pode alcanar a verdade espiritual de modo autnomo (At 17.28; 1Co 2.10-14).

    Deus pessoal e transcendente (Sl 103.13; 113.5,6; Is 55.8,9). O ser humano uma entidade real (Gn 2.7; 1Ts 5.23) e um agente moral livre limitado.

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    CONCEPES RIVAIS ACERCA DE DEUS Concepo Panentesmo Desmo

    Partidrios Digenes, Henry Bergson, John Cobb, Charles Hartshorne, Alfred N. Whitehead, Schubert Ogden

    Voltaire, Thomas Hobbes, Charles Blount, John Toland, Evolucionistas testas Thomas Jefferson

    Sntese da

    Doutrina

    Uma concepo processiva da realidade e de Deus (em contraste com uma concepo esttica) na qual um Deus finito que compreende todas as possibilidades do mundo gradualmente concretizado no mundo em parceria com o ser humano. Deus tem plo potencial e um plo factual, e por isso s vezes usa-se o termo bipolartesmo.

    A natureza e a razo apontam para certas verdades bsic