teologia latino-americana - uniasselvi

168
2016 T EOLOGIA L ATINO -A MERICANA Fábio Roberto Tavares

Upload: others

Post on 03-May-2022

14 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

2016

Teologia laTino-americana

Fábio Roberto Tavares

Page 2: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

Copyright © UNIASSELVI 2016

Elaboração:

Fábio Roberto Tavares

Revisão, Diagramação e Produção:

Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri

UNIASSELVI – Indaial.

291.211T231t Tavares; Fábio Roberto

Teologia latino americana/ Fábio Roberto Tavares : UNIASSELVI, 2016.

160 p. : il.

ISBN 978-85-7830-969-5

1.Teologia. I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

Page 3: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

III

apresenTação

Queremos com esse Caderno de Estudos procurar entender melhor a história da teologia latino-americana, os problemas e possibilidades, a interação com a sociedade civil, explorar as contribuições dos principais teólogos da América Latina para a discussão intelectual e pastoral de envolvimento cristão na sociedade contemporânea.

Queremos também examinar a configuração eclesiástica criada pela primeira geração de teólogos da libertação, e os desafios políticos e críticas feitas desta primeira geração. Estudar e entender o ambiente eclesial alterado e novos desafios teológicos e políticos para a teologia latino-americana.

Vamos também, muito brevemente, examinar os caracteres significativos para a formação da história política e teologia do período.

Você, acadêmico, é convidado, permanentemente a atentar para as contemporaneidades urgentes, questionar-se sobre como a teologia pode lidar com estas questões em um mundo cada vez mais secular.

A progressão de teólogos latino-americanos será evidenciada, através do seu envolvimento em movimentos sociais e a relação entre a Igreja e a sociedade civil, como desaparece a Igreja a partir da centralidade da sociedade para a maioria, e as comunidades cristãs se tornem intercaladas com outras partes de um mais amplo projeto de comunidades.

Este é um estudo que busca a interdisciplinaridade em que como religião e política são muitas vezes utilizadas como conceitos que existem na separação, aqui eles são dispositivos para um projeto interpretativo. Na primeira unidade vamos buscar um entendimento do contexto em que nasce e se desenvolve a teologia na América Latina. Sua identidade, os conceitos básicos que definem os tipos de teologia que vão tendo destaque no panorama latino-americano.

Na segunda unidade vamos indicar a proximidade que há entre a espiritualidade e a teologia, sem esquecer o contexto em que está se desenvolvendo esse estudo. Ainda nessa segunda unidade, vamos entender melhor como se dá o diálogo religioso, sua importância para as denominações religiosas. Vamos estudar também a relação entre a ética cristã e a Sagrada Escritura com a contribuição do apóstolo Paulo através de suas cartas.

Page 4: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

IV

Na unidade 3 vamos estudar as origens teológicas e políticas da teologia da libertação, bem como identificar e distinguir alguns personagens que contribuíram para o desenvolvimento e propagação da referida teologia. Queremos também, nesta unidade, identificar os temas centrais da teologia latino-americana a partir da contribuição de alguns pensadores da teologia da libertação.

Este tema: teologia latino-americana se faz por si só importante, como um referencial para entender a atual situação de nossa região, sua história, seu povo, suas dificuldades, seus avanços, seus fracassos. Não há como desvelar toda a história da teologia na América Latina, mas pelo menos incentivar a busca de mais conhecimento até para entender melhor a nossa história.

O que sabemos de antemão é que sob as circunstâncias atuais da América Latina, vemos que não podemos alimentar ou vestir, ou abrigar as maiorias. Aqueles que detêm o poder constituem uma minoria econômica que domina, às vezes, explicitamente, às vezes, subliminarmente o poder político, cultural e, infelizmente, também, por vezes, o poder religioso.

Esta minoria não vai tomar decisões que se opõem aos seus próprios interesses. O poder deve ser tomado como parte das maiorias para que as reformas estruturais, econômicas, sociais e políticas beneficiem essas maiorias e possam ser realizadas.

Não somos salvadores da pátria. Somos estudantes de teologia

preocupados com nossa realidade, com nossa história e queremos dar nossa contribuição, mesmo que modesta, para ter um mundo melhor.

Fábio Roberto Tavares

Page 5: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

V

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos!

NOTA

Page 6: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

VI

Page 7: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

VII

UNIDADE 1 - HISTÓRIA E IDENTIDADE ....................................................................................... 1

TÓPICO 1 - ENTENDENDO O CONTEXTO .................................................................................... 31 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 32 GESTAÇÃO E NASCIMENTO .......................................................................................................... 43 IDENTIDADE ....................................................................................................................................... 14

3.1 IDENTIDADE TRADIÇÃO OCIDENTAL ................................................................................... 153.2 CRISTÃOS ......................................................................................................................................... 153.3 NOSSA IDENTIDADE COMUM: A CRUZ ................................................................................. 19

LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 21RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 22AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 23

TÓPICO 2 - ENTENDENDO A TEOLOGIA ...................................................................................... 251 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 252 DEFININDO A TEOLOGIA ............................................................................................................... 263 ENTENDENDO A TEOLOGIA ......................................................................................................... 30LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 34RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 35AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 36

TÓPICO 3 - POR ONDE CAMINHA A TEOLOGIA ....................................................................... 371 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 372 EXISTEM TEOLOGIAS? ..................................................................................................................... 373 CORRENTES TEOLÓGICAS ............................................................................................................. 39

3.1 TEOLOGIA LIBERAL ..................................................................................................................... 403.2 TEOLOGIA POLÍTICA ................................................................................................................... 423.3 TEOLOGIA PRÁTICA .................................................................................................................... 42

4 TEOLOGIA NO BRASIL ..................................................................................................................... 43LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 46RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 51AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 52

UNIDADE 2 - TEOLOGIA E ESPIRITUALIDADE .......................................................................... 53

TÓPICO 1 - ESPIRITUALIDADE E LIBERTAÇÃO ......................................................................... 551 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 552 TEOLOGIA ESPIRITUAL OU ESPIRITUALIDADE TEOLÓGICA .......................................... 563 ESPIRITUALIDADE E LIBERTAÇÃO CRISTÃ............................................................................. 60LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 62RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 64AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 65

sumário

Page 8: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

VIII

TÓPICO 2 - DIÁLOGO PERMANENTE ............................................................................................ 671 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 672 UMA TEOLOGIA ALÉM MUROS .................................................................................................... 683 A TOLERÂNCIA NO DIÁLOGO ...................................................................................................... 68LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 80RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 84AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 85

TÓPICO 3 - A ÉTICA CRISTÃ .............................................................................................................. 871 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 872 A ÉTICA E A SAGRADA ESCRITURA ........................................................................................... 913 AS CARTAS PAULINAS ..................................................................................................................... 95LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 99RESUMO DO TÓPICO 3 .................................................................................................................... 102AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 103

UNIDADE 3 - TEOLOGIA E LIBERTAÇÃO ................................................................................... 105

TÓPICO 1 - TEOLOGIA QUE LIBERTA.......................................................................................... 1071 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 1072 CONTEXTO LATINO-AMERICANO ........................................................................................... 1083 AVANÇOS E RECUOS ...................................................................................................................... 1164 PENSANDO A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO ......................................................................... 118LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 123RESUMO DO TÓPICO 1 .................................................................................................................... 125AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 126

TÓPICO 2 - DIFERENÇAS QUE APROXIMAM ............................................................................ 1291 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 1292 TEOLOGIA EVANGÉLICA ............................................................................................................. 1313 TEOLOGIA CATÓLICA ................................................................................................................... 132LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 134RESUMO DO TÓPICO 2 .................................................................................................................... 136AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 137

TÓPICO 3 - A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO HOJE ................................................................... 1391 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 1392 DESAFIOS ........................................................................................................................................... 1403 A TEOLOGIA NA CONTEMPORANEIDADE ........................................................................... 1454 CONTRIBUIÇÕES DA TEOLOGIA LATINO-AMERICANA PARA O MUNDO .............. 147RESUMO DO TÓPICO 3 .................................................................................................................... 152AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 153

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................... 157

Page 9: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

1

UNIDADE 1

HISTÓRIA E IDENTIDADE

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir desta unidade, você será capaz de:

• conhecer a origem e o desenvolvimento da teologia;

• compreender as mudanças sociais e o desenvolvimento das primeiras con-cepções teológica na América Latina;

• entender a importância da presença dos jesuítas na história da América Latina;

• refletir sobre os tipos diferentes de teologias, suas características.

Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dos estudos, você encontrará atividades que o(a) ajudarão a fixar os conteúdos estudados.

TÓPICO 1 – ENTENDENDO O CONTEXO

TÓPICO 2 – ENTENDENDO A TEOLOGIA

TÓPICO 3 – POR ONDE CAMINHA A TEOLOGIA

Page 10: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

2

Page 11: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

3

TÓPICO 1UNIDADE 1

ENTENDENDO O CONTEXTO

1 INTRODUÇÃO

É fato, e é fato histórico já muito bem fundamentado e conhecido que as modernas nações da América Latina passaram a existir sob a égide da Igreja Católica Romana. Apenas um ano depois da “descoberta da América”, por Cristóvão Colombo, em 12 de outubro de 1492, a cruz e a espada foram oficialmente unidas para levar a cabo a conquista espiritual e militar do Novo Mundo para o romano pontífice e a realeza espanhola.

Mais do que a fé cristã como tal, o que o espanhol e mais tarde os conquistadores portugueses trouxeram a estas terras foi a Igreja Católica Romana, uma estrutura religiosa hierárquica intimamente associada ao Estado.

Olhando a história, podemos constatar que, enquanto outros países estavam satisfeitos em estabelecer-se no âmbito protestante ou regimes católicos e protestantes mistos que iriam caminhar para o liberalismo religioso, os países ibéricos criaram um tipo de Igreja-Estado do absolutismo autoritário em que governo e doutrina religiosa se tornaram inseparáveis. Outros países fizeram da religião uma expressão nacional, mas Espanha e Portugal mantiveram a crença inquebrantável na internacionalização da santa da Igreja Católica.

Não vamos exagerar em dizer que este “tipo de Igreja-Estado do absolutismo autoritária” tornou-se o fator mais decisivo na história da América Latina por quase 500 anos, não só política e religiosamente, mas também social, cultural e economicamente.

Page 12: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 1 | HISTÓRIA E IDENTIDADE

4

2 GESTAÇÃO E NASCIMENTO

Quando queremos falar em história da igreja na América Latina, e também da teologia, não dá para desconsiderar a grande influência da igreja católica. Isso é fato e a própria história nos demonstra, podemos ir além. A Igreja influenciou não só a história da igreja, mas a história como um todo da América Latina, seja na política, na economia, na sociedade, nos costumes, na cultura, nas tradições.

A América Latina tem sua origem no encontro da raça hispano-lusitana com as culturas pré-colombianas e africanas. A mestiçagem racial e cultural marcou fundamentalmente este processo e sua dinâmica indica que no futuro continuará marcando. Este fato não nos pode fazer desconhecer a persistência de várias culturas indígenas ou afro-americanas em estado puro e a existência de grupos com diversos graus de integração nacional. Posteriormente, durante os dois últimos séculos, afluem novas correntes migratórias, sobretudo no Cone Sul, que trazem modalidades próprias integrando-se basicamente no estrato cultural pré-existente. Na primeira época, isto é, do século XVI ao XVIII se lançam as bases da cultura latino-americana e de seu real substrato católico. Sua evangelização foi suficientemente profunda para que a fé passasse a ser constitutiva de sua essência e da sua identidade, dando-lhe a unidade espiritual que subsiste, apesar da anterior divisão em diversas nações e apesar de estar marcada por rupturas em nível econômico, político e social. (DOIG, 1990, p. 97).

Mantenha, acadêmico, essa realidade sempre presente no que vamos estudar a partir de agora. Então vamos lá. Vamos ver como isso começou.

A era cristã começou no Novo Mundo em 1492. O espanhol que aqui chegou, introduziu um diferente código moral, trazendo o batismo, a missa, novos conceitos de bem e mal, a ideia de céu e inferno, a Virgem Maria e os santos, uma nova constituição da família e o conceito de Cristo crucificado. A chegada da Igreja em nossas terras põe fim a sacrifícios humanos e canibalismo. Os índios, nativos que aqui moravam, foram forçados a ocupar uma posição secundária na estrutura social e, eventualmente, passaram a ser servos do rei espanhol e membros do rebanho.

É importante reconhecer que a história da Igreja Católica na América Latina não era apenas um complemento para a conquista ou uma questão secundária no movimento de independência mais tarde, mas, sim, que a história da conquista e a história da Igreja, são completamente interligadas.

Um exame da história da Igreja na América Latina é necessário para que se compreenda a simpatia que se tem com a teologia da libertação na América Latina desde os anos 1960. Por isso é preciso compreender o papel da Igreja nas épocas da conquista e independência. É preciso estar familiarizado com algumas das personalidades dominantes desses períodos, o tratamento dos índios durante e após esses períodos e o porquê de a igreja estar tão fortemente envolvida na libertação hoje.

Page 13: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 1 | ENTENDENDO O CONTEXTO

5

FIGURA 1 – JESUÍTAS NAS AMÉRICAS

FONTE: Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/formacao/ensino-catecismo-historia-educacao-brasil-750366.shtml#ad-image-0>. Acesso em: 12 abr. 2016.

Os jesuítas foram motivados para estabelecer a sua própria ordem social por São Thomas More, que publicou sua Utopia em 1516. A ideia fundamental da Utopia foi a de restaurar as bases cristãs da sociedade, adotando como certeza orientar as normas de direitos naturais.

Os jesuítas se viam como cumpridores da profecia de Thomas More, e

para levar a cabo este trabalho eles escolheram as selvas impenetráveis do Novo Mundo como a sua casa e oficina. Aqui, eles sentiram que poderiam fazer seu trabalho sem ser perturbados, armados com uma concessão de autogoverno do rei, que os protegia de outros inimigos naturais.

A Ordem Jesuíta foi fundada em 1540, e veio para a América espanhola durante a vigência de Thomas de Souza como governador, entre 1549 e 1553. Naquele tempo, os monges franciscanos e dominicanos já estavam estabelecidos no Novo Mundo, mas essas ordens não estavam destinadas a ter o impacto significativo que a Companhia de Jesus, ou a Ordem dos Jesuítas buscava ter sobre os povos indígenas do Brasil, Equador, Colômbia, Paraguai, Chile, México, Peru, Guatemala e Haiti. Através de seus sucessos com os índios tomados em seus cuidados e os conflitos resultantes, os jesuítas foram finalmente expulsos da América do Sul em 1767.

Veja na figura seguinte, um mapa que indica o trabalho missionário conjunto entre franciscanos e jesuítas no Paraguai.

Page 14: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 1 | HISTÓRIA E IDENTIDADE

6

FIGURA 2 – TRABALHO MISSIONÁRIO JESUÍTA

FONTE: Disponível em: <http://www.iadb.org/mobile/news/detail.cfm?lang=es&id=3392>. Acesso em: 20 abr. 2016.

A terra foi concedida aos padres jesuítas, bem como para outras ordens religiosas. O que importava, realmente, não era tanto a terra em si, mas sim o número de índios, ou almas, que viviam nessas terras. A agricultura foi importante neste período e os jesuítas, eventualmente, se encontraram entre os mais ricos proprietários de terras.

Mariano Picon-Salas (1952) escreveu que os jesuítas formaram uma

ligação entre a idade barroca e o período pré-revolucionário, indicando a sua preeminência entre as várias comunidades religiosas ativas nas explorações espanholas no Novo Mundo na época. No século XVII, a Ordem dos Jesuítas foi a organização cultural mais importante e uma das mais fortes forças econômicas e políticas em todo o mundo colonial.

No século XVIII, os padrões intelectuais, o poder econômico e influência social dos jesuítas era incomparável. Seu poder econômico era derivado de enormes extensões de terra agricultáveis no vale central do Chile, ranchos na região do Rio da Prata e propriedades rurais no Peru e no México. Havia oficinas jesuítas instaladas no Paraguai, Peru e Equador, e interesses de mineração na área de Chaco, de Nova Granada, hoje Colômbia, Equador, Venezuela e Panamá.

São Paulo

Itaipú damFOZ DO IGUASSU BRASIL

BRASIL

IguassuFalta

PUERTO IGUASSU

ASSUNCION

CIUDADDEL ESTE

PAR

ANA

RIV

ER

UR

UG

UAY

RIV

ER

ARG

ENTINA

ARGENTINA

CCMAYO RIVELPA

RAG

UAY

RIV

ER

Tebicuary river

Ibera marshiand

Villa Florida

Santa Rosa

POSADAS

ENCARNACION

Jesús

Trinidad

Santa Ana

San Ignácio Mini

Santa Maria Myor

Santo Angelo

San Miguel

Concepcion

LoretoSantiagoAyolas

Santa Mariada Fe

San Cosmey Damian

San IgnacioGuazu

Yacyertá dam

Buen

os A

ires

Neembucumarshiand

PILAR

PARANA RIVER

PARAGUAY

Page 15: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 1 | ENTENDENDO O CONTEXTO

7

Estas vastas propriedades compreendiam o aspecto material do que podemos entender como o maior experimento utópico que se pensou instaurar. Os jesuítas estabeleceram este império utópico sob condições adversas. O primeiro passo foi o de pacificar os índios locais. Pai González de Santa Cruz e Rodriguez y del Castillo foram martirizados em 1628 e foram beatificados por Pio XI. Depois que os índios foram pacificados as missões eram frequentemente atacadas por grupos que estavam em busca de índios para usá-los como escravos.

FIGURA 3 – REDUÇÕES

FONTE: Disponível em: <http://angelinawittmann.blogspot.com.br/2015/09/palestra-musica-nas-reducoes-jesuiticas.html>. Acesso em: 12 abr. 2016.

Apesar das dificuldades, os padres jesuítas configuraram comunidades-modelo dos povos indígenas no sul do Brasil, Colômbia e Paraguai, estas comunidades refletiam o sentido jesuíta de organização e autodisciplina, como se vê na disposição das instalações na imagem anterior. Estas reduções, como eram chamadas, eram na verdade, fazendas comunais. A palavra redução, deriva da palavra latina que significa “para levar de volta ou para reduzir”. Os jesuítas estavam convencidos de que o povo Guarani do Paraguai já conhecia a verdadeira fé, mas tinha sido desviado por Satanás. Estas missões foram para levar de volta ou submeter o Guarani ao cristianismo.

Os jesuítas descobriram que os índios, muitas vezes, aceitavam a conversão, aos milhares, mas eles tendiam a cair em práticas pagãs, especialmente a poligamia e canibalismo.

Page 16: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 1 | HISTÓRIA E IDENTIDADE

8

Os jesuítas foram apenas parcialmente bem-sucedidos em eliminar estas abominações praticadas pelos índios fora das missões, pois a poligamia e o canibalismo estavam profundamente enraizados na cultura dos índios. Por esta razão, apenas índios convertidos foram permitidos dentro das missões. Os jesuítas sentiram que a segregação era a única maneira de garantir que os índios convertidos não seriam tentados pelas antigas práticas pagãs.

No Paraguai, os jesuítas reuniam até cem mil guaranis para as reduções. Ao verificarmos o ano de 1607, o número de índios nas reduções era de 105.000. Os jesuítas, por necessidade, sentiram que tinham de isolar a comunidade das vizinhas colônias espanholas e portuguesas. Podemos imaginar hoje o motivo.

Em 1640, depois de Portugal ganhar a independência da Espanha, Filipe IV concedeu aos jesuítas a possibilidade de armar os índios. Sob o comando dos jesuítas, os índios tornaram-se uma força de combate formidável. Na verdade, na luta que se seguiu entre Portugal e Espanha, a força armada dos índios, muitas vezes, tornou-se o fator determinante nas vitórias espanholas. Sem essa força, grande parte do Uruguai, Bolívia e Paraguai poderiam pertencer atualmente ao Brasil.

Com muitas ameaças externas, por vezes violentas, mesmo assim, os jesuítas foram capazes de retornar com seus convertidos indígenas, mas eles foram ao encontro de uma série de novas dificuldades que cresceram, ironicamente, fora do sucesso das missões de redução e a tendência dos sacerdotes superprotegerem suas alas nativas.

O sucesso das reduções resultou desta organização tão bem dimensionada

pelos jesuítas. Cada missão estava sob o domínio de dois sacerdotes que foram responsáveis pela disciplina, desenvolvimento e bem-estar. Não havia pena capital, embora a flagelação era aplicada por delitos, como embriaguez.

As reduções foram divididas nos campos de Deus e os campos do Homem. Os Campos de Deus foram trabalhados por todos os índios juntos. Os Campos dos homens, por sua vez, foram reservados para o uso individual dos índios. As culturas produzidas nos Campos de Deus eram de propriedade da comunidade, enquanto as culturas reunidas nos Campos do Homem foram mantidas de forma individual.

Todos os índios que se integravam às reduções recebiam panelas e frigideiras, agulhas, roupas e outras, como chamaríamos na atualidade, utilidades domésticas.

O governo da redução era administrado por representantes eleitos, porém, mais uma vez essa democracia tinha suas limitações, pois, em vez de gerar admiração, gerava muita inveja dos crioulos que tinham seus privilégios.

Page 17: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 1 | ENTENDENDO O CONTEXTO

9

Por tudo isso, as reduções foram percebidas como ameaça política e econômica e, eventualmente, foram proibidas e os jesuítas foram forçados a abandonar as reduções.

Os jesuítas reuniam os índios com relativa segurança no isolamento das reduções e o processo de conversão e afirmação da doutrina cristã era uma consequência bastante óbvia no sentido de fortalecer a religião católica em detrimento de toda idolatria praticada pelos índios.

Os jesuítas também fizeram uso do teatro, já desenvolvido por monges franciscanos e dominicanos. Naquela época, o teatro era uma parte integrante de festas religiosas europeias. Ele foi usado para atrair e entreter os índios. Danças de origens indianas e africanas foram misturadas aos mistérios da nova religião. As comunidades puramente africanas foram imediatamente aceitas na escola de teatro jesuíta.

Outro dispositivo que os padres jesuítas usavam para fazer a religião

mais crível aos guaranis era usar erva-mate, um chá feito a partir das folhas da árvore de erva. Os guaranis acreditavam que a erva tinha poderes mágicos, visto que a erva é realmente um estimulante. Desta forma, os jesuítas não poderiam persuadir os guaranis que erva-mate não tinha poderes mágicos, porque já estava inculcado neles essa história. Além dessa utilização, os jesuítas, eventualmente, exportavam a erva cultivada pelos guaranis.

FIGURA 4 – AS MISSÕES E O CULTIVO DA ERVA-MATE

área originalocupada por índiostupi-guarani

área natural deocorrência daerva-mate

missões oureduções jesuítas

SÃO PAULOMATO GROSSO

DO SUL

BRASIL

PARANÁ

SANTA CATARINA

RIO GRANDEDO SUL

200 Km

PARAGUAI

URUGUAI

ARGENTINA

FONTE: Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/especiais/erva-mate/origens.jpp>. Acesso em: 20 abr. 2016.

Page 18: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 1 | HISTÓRIA E IDENTIDADE

10

Os jesuítas usavam sua riqueza, acumulada a partir do funcionamento das reduções, investindo-a em terra, ferramentas e animais de tração. Também utilizavam dessa riqueza produzida na redução para dirigir seminários e desenvolver missões de grande importância para a vida econômica das colônias. Eles forneceram centros intelectuais em cidades pequenas, províncias, proporcionando facilidades bancárias e fóruns para a resolução de problemas na política local.

No Paraguai, a imprensa jesuíta produziu livros impressos em língua guarani. Foram impressos a partir de fontes de madeira esculpida pelos índios. Embora o guarani foi a língua falada, orações e hinos foram escritos em latim.

Seguem instruções para o alfabeto guarani e suas declinações. Esta versão está em espanhol, com fácil compreensão para quem tem uma noção básica do espanhol.

El alfabeto guaraní

El alfabeto oficial actual del guaraní se compone de 33 letras, que son: a – ã – ch – e – ẽ – g – ĝ – h – i – ĩ – j – k – l – m – mb – n – nd – ng – nt – ñ – o – õ – p – r – rr – s – t – u – ũ – v – y – ỹ – '. Esto se ha explicado en la página del Abecedario Fonologico, con sus sonidos y ejemplos de uso en palabras.

Podemos resumirlo que este abecedario se compone de:

12 vocales: a – ã – e – ẽ – i – ĩ – o – õ – u – ũ – y – ỹ. 15 consonantes simples: g – ĝ – h – j – k – l – m – n – ñ – p – r – s – t – v – '. 6 consonantes digramas, que en guaraní cada par conforma una sola

letra: ch – mb – nd – ng – nt – rr. En cuanto a sus nombres,

Son los mismos sonidos para las vocales: a, ã, e, ẽ, i, ĩ, o, õ, u, ũ, y, ỹ (la tilde representa sonido nasal).

La última letra ( ' ) se llama puso (pronunciado pusó), y en realidad es una leve pausa enter vocales.

A las demás consonantes se le agrega una "e": che, ge, ĝe, he, je, le, me, mbe, ne, nde, nte, nge, nte, ñe, pe, re, rre, se, te, ve.

Con esto, ya resulta claro porqué en guaraní, "abecedario" se llama achegety (a-che-ge=letras; -ty=conjunto). Es bueno también recordar que las letras del español b – c – d – f – q – w – x – z no existen en guaraní, ni tampoco la ll (la antigua "ele).

FONTE: Disponível em: <http://www.taringa.net/post/apuntes-y-monografias/15396155/El-alfabeto-guarani-Ilustrado-para-Escolares.html>. Acesso em: 20 abr. 2016.

Page 19: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 1 | ENTENDENDO O CONTEXTO

11

Nos séculos XVII e XVIII, os jesuítas começaram a defender os seus direitos sobre os indígenas, o que atentava contra a autoridade da Espanha. Esta autoridade estava presente na nova elite e os latifundiários e os jesuítas foram expulsos de uma cidade após a outra. Finalmente, depois de uma última tentativa, os jesuítas foram expulsos de forma definitiva quando o Papa Clemente XIV dissolveu a ordem em 1773.

Uma vez no exílio, os jesuítas deram força para a escrita. A monarquia

católica que tinha sido efetivamente administrada pelos jesuítas, em seguida, começou a se desintegrar. No início do século XVIII, a comunidade paraguaia jesuítica foi a unidade mais pacífica e próspera do governo na América Latina.

A remoção da influência jesuíta trouxe uma série de revoltas locais. A

revolta em Assunção pode ser entendida porque Antequera queria o controle local das instituições locais em Buenos Aires e no Peru. A execução de Antequera tornou-se o ponto de encontro para as classes superiores e plebeus e sua nova consciência política sul-americana, que começou uma atitude de beligerância na direção da monarquia espanhola. Sem os jesuítas, o descontentamento contra o recrutamento militar, os impostos cada vez maiores e o ódio dos índios para seus magistrados espanhóis chegaram à superfície.

Francisco Xavier Clavijero e outros jesuítas exilados viram a miscigenação como a única resposta para o problema das raças. Outros membros da ordem, no entanto, discordaram fortemente. Clavijero (2010 , p. 36) em seu “Storia de la antigua ó Baja California” que teve sua publicação original no ano de 1852 escreveu assim: “não há dúvida de que a política dos espanhóis teria sido mais sábia se, em vez de buscar esposas da Europa e de escravos da África, eles tivessem insistido em fazer um único povo que não fosse o do índio”. Clavijero tentou remover conceitos errôneos dos europeus sobre os índios conferindo a eles uma caracterização de identificação universal.

Page 20: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 1 | HISTÓRIA E IDENTIDADE

12

FIGURA 5 – FRANCISCO XAVIER CLAVIGERO – 1731-1787

FONTE: Disponível em: <https://aguapasada.files.wordpress.com/2011/09/veracruz-invitacion-clavijero-canovas-110907.jpg>. Acesso em: 20 abr. 2016.

Antes da expulsão dos jesuítas, muitos deles começaram a tomar uma atitude benevolente para com as ideias de separação e independência da Espanha, que começou a ser construída aproximadamente no século XVIII.

A expulsão dos jesuítas em 1767 era parte de um padrão de toda a reforma

administrativa tanto de estrangeiros como dos nacionais sob os Bourbons. Como uma explicação oficial, a monarquia citou a necessidade de desfazer o poder jesuíta local e fazer valer o poder real em sua total amplitude.

FIGURA 6 – EXPULSÃO DOS JESUÍTAS

FONTE: Disponível em: <http://www.cervantesvirtual.com/portales/expulsion_jesuitas/>. Acesso em: 20 abr. 2016.

Page 21: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 1 | ENTENDENDO O CONTEXTO

13

Esta explicação foi relacionada com o ataque dos Bourbon sobre a sociedade dos Jesuítas na Europa e o resultado de ideias iluministas, de nacionalismo religioso e de resistência à autoridade papal.

Algumas das reformas Bourbon no Novo Mundo não provocaram grandes mudanças. No Equador, por exemplo, a expulsão dos jesuítas estava ligada à abolição da escravatura. Isso afetou apenas uma pequena minoria de negros.

Em 1767, havia pouco mais de duzentos jesuítas em toda a América espanhola, mas havia cerca de setecentos mil índios sob seus cuidados. Eles possuíam escolas, hospitais, estaleiros, oficinas onde os índios foram treinados para operar as máquinas ali empregadas e a fazer cerâmica. Eles haviam construído estradas que levavam para todas as partes do território de missão. Os jesuítas haviam estabelecido oitenta centros completos para correspondência servidos pelos mensageiros e mantidos por guardas com a utilização de cavalos. A grande frota de canoas e barcos que se deslocavam pelos rios levavam mercadorias nos pontos onde eles poderiam ser vendidos.

FIGURA 7– PLANTA DE UMA REDUÇÃO JESUITA

FONTE: Disponível em: <http://quintosanosbilac.blogspot.com.br/2013/07/maquete-reducoes-ou-missoes-jesuiticas.html>. Acesso em: 20 abr. 2016.

Page 22: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 1 | HISTÓRIA E IDENTIDADE

14

Ao avaliar as realizações dos padres jesuítas na América espanhola, seria justo afirmar que as ações tomadas contra os jesuítas eram excrescências de ações e mudanças de atitude no continente. A Companhia tinha caído em desgraça com monarquias e tinha perdido o favor do papado na Europa. Outras ordens, com ciúme da riqueza e do poder dos jesuítas que estavam mais próximas do ouvido papal conspiraram para que a ordem jesuíta fosse suspensa não só na região da América Latina, mas em todo o mundo.

Infelizmente para os povos nativos que estavam sob os cuidados dos jesuítas, para eles, nada mais era do que uma teocracia, que na verdade, pode ter legitimado e pavimentado mais tarde, o caminho para governos ditatoriais e autoritários na região. A expulsão privou as colônias de seus melhores professores e missionários, e, além disso, deixou as colônias em uma situação deplorável de abandono.

Os jesuítas tendiam a superproteger suas comunidades e quando eles foram expulsos das missões, as próprias missões não encontraram condições, nem líderes para governar a si mesmos. O erro foi deles também, porém, precisamos admitir que a história da teologia tem aí seu campo de nascimento e de crescimento na América Latina. Essa caminhada dos jesuítas nos dá indícios de como a teologia vai tendo uma identidade muito peculiar em nossa região que difere da europeia, por exemplo.

3 IDENTIDADE

Partindo da nossa escolha de conhecer melhor a teologia latino-americana feita por cristãos, vamos buscar aqui a identidade do cristão nas suas principais vertentes. Depois de conhecer os primórdios do cristianismo evidenciado pelas missões jesuíticas de modo muito determinante, vamos procurar entender melhor como vai se formando a identidade cristã, utilizando aqui algumas definições que provavelmente você já deve ter escutado em algum momento de sua vida.

Vamos nos deter aqui, levando em consideração várias limitações, seja de tempo, de espaço, de capacidade de aprofundamento, em duas identidades cristãs predominantes na América Latina: a católica e a evangélica.

Antes disso, é claro, já visualizamos alguns problemas de compreensão. Podemos começar nos questionando: o que é identidade? O que é cristão? Depois disso, então, vamos ver algumas características de cada grupo que dizem muito para o entendimento da nossa identidade cristã.

É preciso fazer um trabalho construtivo dentro da tradição, bem como, de identidade do modo de ser cristão. Todo mundo tem que ter algum ponto de identificação. No entanto, penso que é conveniente delinear dois problemas gerais que são persistentemente encontrados na maneira como as pessoas se situam em termos de sua identidade cristã. Vamos lá então, tentar compreender melhor essas duas palavras "identidade" e "cristão".

Page 23: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 1 | ENTENDENDO O CONTEXTO

15

3.1 IDENTIDADE TRADIÇÃO OCIDENTAL

Muitas vezes, vamos encontrar a identidade cristã apresentada como um objetivo evidente em si mesmo. Deve-se seguir a tradição, principalmente porque é tradição, ou seguir uma determinada estrutura de autoridade, porque é a forma mais autenticamente cristã da autoridade. Eu acredito que os membros de todas as tradições devem ser capazes de fundamentar a sua lealdade à sua tradição.

Na atualidade, todo cristão tem como por opção uma identificação muito forte com as fontes bíblicas. É lá, nas fontes bíblicas que este cristão vai buscar aquele Espírito que imprime nele a verdadeira identidade cristã. Não é o diploma de teologia, ‘a lembrancinha do batizado” que vai torná-lo mais ou menos cristão. Veja a afirmação do Papa Francisco dada em uma missa na casa Santa Marta:

Esta é a identidade cristã; não ter o espírito do mundo, com seu modo de pensar, seu modo de julgar… Você pode ter cinco diplomas em teologia e não ter o Espírito de Deus! Pode até ser um grande teólogo, mas não ser um cristão, porque não tem o Espírito de Deus, aquele que dá autoridade, que dá identidade, a unção do Espírito Santo.Era justamente por isso que o povo não gostava das pregações dos doutores da lei, explicou Francisco, pois estes falavam de teologia, mas não tocavam o coração. Com suas palavras, o povo não encontrava a própria identidade, porque eles não eram ungidos pelo Espírito Santo.A autoridade de Jesus – e a do cristão – provém justamente desta capacidade de entender as coisas do Espírito, de falar a mesma língua do Espírito. Vem da unção do Espírito Santo. Muitas vezes, vemos, entre nossos fiéis, velhinhas simples, que nem terminaram o ensino fundamental, mas que sabem dizer as coisas melhor do que um teólogo, porque têm o Espírito de Cristo, o que São Paulo possuía e que todos devemos pedir. FONTE: Disponível em: <http://www.rccsc.com.br/noticias/noticias-da-igreja/identidade-crista-vem-do-espirito-santo-explica-papa>. Acesso em: 25 maio 2016.

3.2 CRISTÃOS

Quando passamos nosso olhar na história do cristianismo, parece que o sentimento de ser perseguido é quase inseparável da identidade cristã. As raízes históricas deste complexo de perseguição cristã são óbvias, mas a sua continuação em eras mais recentes, quando os cristãos foram realmente o grupo mais poderoso, tem sido absolutamente desnecessária. Uma vez que os cristãos estão no poder, há uma tendência de ver a existência de qualquer outro centro de poder ou ponto de identificação como uma ameaça.

Page 24: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 1 | HISTÓRIA E IDENTIDADE

16

FIGURA 8 – IDENTIDADE CRISTÃ

FONTE: Disponível em: <http://www.esbocosermao.com/2014/06/identidade-espiritual.html>. Acesso em: 20 abr. 2016.

Alguns evangélicos usam uma definição mais simples relacionada com o processo pelo qual uma pessoa torna-se cristão: o cristão é uma pessoa que foi "salva". Um cristão é uma pessoa que sinceramente se arrepende de seus pecados, e que aceita Jesus como seu, ou seu Senhor e Salvador pessoal.

Alguns protestantes conservadores eliminam a necessidade de arrependimento, porque é uma ação humana. Eles acreditam que a salvação acontece somente através da fé e não pelas obras. Assim, ele é dependente unicamente da graça oferecida por Deus e não é provocada como resultado do mesmo em menor ou maior grau de esforço pessoal.

Page 25: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 1 | ENTENDENDO O CONTEXTO

17

FIGURA 9 – LUTERO E A REFORMA

O BATISMO ÉPARA SALVAÇÃO!

JESUS CRISTONÃO É DEUS!

NÃO SE PODEDOAR SANGUE!

TEM QUE SEGUARDAR OSÁBADO!

A MINHA BÍBLIAÉ A VERDADEIRA!

CALVINHO

CERTO!ESTÁ

EU NÃO CREIOEM SACRAMENTO!

EU ACEIRODÍZIMOS$!

EU CREIOEM LÍNGUAS!

A SANTA CEIAÉ SIMBÓLICA

VIVAE.G.WHITE!

JESUS TEVEIRMÃOS!

A NOSSADOUTRINA É

A CERTA!

VIVA AT.U.L.I.P.!

SÓ ACEITAMOSPRESBÍTEROS!

O QUE EU FIZ?POR QUE FUI CRIAR

ESSAREFORMA PROTESTANTE?

VIVAJOSEPHSMITH!

A TRINDADEÉ PAGÃ!VIVA

HENRIQUEIIII PERMITIMOS

O DIVÓRCIO!

PODE!PODE!

NÃO É NÃO!A MINHA

IGREJA É

A CERTA!?

?

CERVEJA

DABOA

CONVERSASMESA

À

FONTE: Disponível em: <http://www.historialivre.com/moderna/doutrinaslutero.htm>. Acesso em: 20 abr. 2016.

Outra definição comumente aceita é que um cristão é um indivíduo que tenha, pessoalmente, aceitado a Jesus Cristo para entrar e viver em seu coração.

Estas definições parecem implicar que os sacramentos da igreja ou rituais não salvam uma pessoa, apenas uma declaração específica de confiança e fé em Jesus, talvez precedida pelo arrependimento dos pecados.

Já para os católicos, uma pessoa se torna cristã, através do sacramento do batismo.

Page 26: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 1 | HISTÓRIA E IDENTIDADE

18

FIGURA 10 – SACRAMENTO DO BATISMO

FONTE: Disponível em: <http://sitedaparoquia.com.br/pspapostolo/wp-content/uploads/sites/16/2014/04/batismo-criane7a.jpg>. Acesso em: 20 abr. 2016.

Os católicos romanos acreditam que existem três grupos de indivíduos que, em combinação entre si, formam a "única Igreja Mística e Corpo de Cristo" (cf. 1 Cor 12,12), conforme orienta a Constituição Apostólica Concílio Vaticano II para os fiéis católicos em alguns de seus documentos como Gaudium et Spes, Lumen Gentiun etc. Estes grupos apontados nesses documentos são: Igreja Militante na Terra, a Igreja Triunfante no Céu e a Igreja Sofredora no Purgatório.

Sem nos atermos nesse ponto, porém, a título de curiosidade, vamos

descrever o que seria esse purgatório na versão católica. Purgatório é um lugar e estado de ser que algumas pessoas têm como experiência após a morte. No purgatório, os habitantes são punidos através de várias formas de tortura até que eles sejam suficientemente purificados e lavados das consequências temporais de seus pecados praticados na terra. Nesse ponto, eles podem entrar no céu. Estas crenças diferem dos protestantes, que geralmente rejeitam o conceito de purgatório, porque eles acreditam que não é mencionada ou implícita nos livros de suas versões da Bíblia. Além disso, a maioria acredita que, se o purgatório existisse, seria negar a salvação prometida na Bíblia uma vez que se confiou em Jesus como Senhor e Salvador.

Page 27: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 1 | ENTENDENDO O CONTEXTO

19

FIGURA 11 – PURGATÓRIO

FONTE: Disponível em: <http://www.sensusfidei.com.br/wp-content/uploads/2015/12/Almas.jpg>. Acesso em: 20 abr. 2016.

A boa teologia deve contribuir para tornar evidente uma identidade cristã autêntica, reforçar a identidade cristã através do uso de termos familiares e floreios retóricos característicos, mas do compromisso do verdadeiro cristão de dar testemunho da sua livre escolha.

3.3 NOSSA IDENTIDADE COMUM: A CRUZ

Paulo relata em 1 Cor 22-23 que ‘Cristo crucificado é motivo de escândalo para judeus e loucura para os gregos”. Tudo o que é mais destrutivo sobre o Cristianismo vem da cruz - a fetichização do sofrimento como um fim em si mesmo, a valorização de pura obediência como algo moralmente salutar, o conformismo que decorre do abraço instintivo do "mal necessário", em vista do bem supremo. Todos nós gostaríamos de saber se o cristianismo estava sempre indo inexoravelmente em direção a Constantino, aquele que vai reconhecer o cristianismo como religião oficial do império.

Na sintaxe notoriamente complicada, citada anteriormente por Paulo que declara, ‘mas nós proclamamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios, mas para aqueles que são chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é poder de Deus e sabedoria de Deus (1 Cor 1: 22-23).

Page 28: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 1 | HISTÓRIA E IDENTIDADE

20

Na prática, o poder de Deus tem sido o poder de sua própria autojustificação, a satisfação de sua honra ferida, o seu desejo de vingança contra uma raça rebelde, e a sabedoria tem sido a sabedoria opaca que confia abertamente na ‘vontade de Deus’. É esse Deus que envia seu filho para ser crucificado sob a lei romana, com a cumplicidade das autoridades judaicas, e ao fazê-lo, ele expõe a ilegitimidade nua da ordem romana.

Como a história nos mostra, o reino dos macabeus foi finalmente reabsorvido no sistema imperial, pois eram os sucessores para as comunidades paulinas. Mas pelo menos eles tentaram! Pelo menos eles foram capazes de conceber um sentido ao sofrimento e opressão que não seja a necessidade de continuar a submeter-se ao sofrimento e opressão como um fim em si mesmo. Há uma janela tão estreita em que algo como a cruz pode contrariar aos poderes em vez de simplesmente reforçá-las, tudo o mais ainda na medida em que tanto a teologia contemporânea, pelo menos entre nós cristãos assépticos, tolerantes em demasia, parecemos viciados ao gesto "do contra" mesmo não sendo a favor. A cruz não é para os fracos.

Page 29: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 1 | ENTENDENDO O CONTEXTO

21

A IDENTIDADE CRISTÃ

DOM PAULO MENDES PEIXOTO BISPO DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO

A razão de ser e de existir da pessoa está contida na sua identidade, nos seus gestos e ações e práticas concretas, trazendo como consequência a alegria e a felicidade da vida. É uma festa permanente, com apoio numa consciência de fé.

A vida do cristão acontece sob a ação de símbolos e gestos, que trazem consigo significados, revelando a ação do amor de Deus para com o seu povo. Vemos isto nos nossos momentos festivos e celebrativos, como acontece numa festa de casamento.

O perfil do cristão caminha no mundo marcado pela retidão, pela justiça e fidelidade. Mesmo na diversidade entre as pessoas e entre os dons, há um esforço constante de unidade, procurando não excluir ninguém, lutando para a conquista do bem comum e o valor da natureza.

Na identidade cristã é importante superar as distinções raciais, sociais e nacionais. A unidade não significa uniformidade, mas complementariedade rica e saudável. As pessoas não podem ser feridas nas suas originalidades, no seu próprio ser.

É fundamental ter em vista que cada pessoa tem uma história real de vida, tem um modo todo próprio de ser, de falar e de agir na construção do bem comum. A identidade pessoal corrobora com a identidade coletiva.

A humanidade busca sempre usufruir da festa da vida, daquilo que lhe faz feliz, mas nem sempre está preparada para isto. Muitos estão desligados dos compromissos que alimentam a qualidade da festa. Falta a sensibilidade, a solidariedade e a justiça. Encontramos pessoas que vivem na opulência total e no esbanjamento desmedido, sem escrúpulo e temor de Deus. Há uma insensibilidade ética em relação ao todo, buscando interesses injustos, violentos e até criminosos. Isto estraga a ação dos bem-intencionados.

Têm identidade feliz aquelas pessoas que conseguem ter o sabor da sabedoria divina, a bondade, a verdade, o cuidado com a vida e com as pessoas, com o meio ambiente, com a água e com a terra. É preciso mudar aquilo que dificulta uma vida saudável e cheia de esperança.

FONTE: Disponível em: <http://www.catequisar.com.br/texto/colunas/paulo_mendes/31.htm>. Acesso em: 22 abr. 2016.

LEITURA COMPLEMENTAR

Page 30: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

22

Neste tópico vimos:

• A gestação e nascimento da teologia com a presença dos jesuítas e seu trabalho de evangelização junto às populações que aqui residiam.

• A identidade do cristão, suas características, as diferenças entre o católico e o evangélico.

• A cruz como identidade que une tanto católico quanto evangélico.

RESUMO DO TÓPICO 1

Page 31: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

23

Vamos reproduzir aqui uma questão aplicada no ENADE, em 2015, para que você, acadêmico, possa se familiarizar com a dinâmica utilizada na prova que, obrigatoriamente os acadêmicos que irão concluir o curso no ano do ENADE, terão que realizar.

(ENADE 2015) Em 2017, cristãos luteranos e católicos comemorarão, conjuntamente, o quinto centenário do início da Reforma. Hoje, entre luteranos e católicos, está crescendo a compreensão, a colaboração e o respeito recíproco. Uns e outros, juntos, reconhecem que o que os une é maior do que aquilo que os divide: primeiramente a fé comum no Deus uno e trino e a revelação em Jesus Cristo, como também o reconhecimento das verdades fundamentais da doutrina da justificação. A verdadeira unidade da Igreja só pode existir como unidade na verdade do Evangelho de Jesus Cristo. A luta por esta verdade, que culminou, no século XVI, na perda da unidade no cristianismo no ocidente, pertence às páginas obscuras da história da Igreja. O iminente ano de 2017 solicita a católicos e luteranos a confrontar-se no diálogo sobre os problemas e as consequências da Reforma de Wittenberg, centrada na pessoa e no pensamento de Martinho Lutero, e a elaborar perspectivas para a recordação da Reforma e o modo de vivê-la hoje. O programa reformador de Lutero constitui um desafio espiritual e teológico tanto para os católicos quanto para os luteranos do nosso tempo.

(COMISSIONE LUTERANA-CATTOLICA ROMANA SULL’UNITÀ. Dai conflito ala comunione. Prefácio e n. 1 e 3).

Considerando o texto, avalie as asserções a seguir e a relação proposta entre elas.

I. O princípio evangélico da unidade fundamenta-se nas bases da pluralidade de formas eclesiais, anunciada nos escritos paulinos pelo binômio corpo-membros. Daí resulta oportuno sublinhar a necessidade histórica da Reforma, compreendida como forma de ser a única Igreja de Cristo.

II. A comemoração conjunta da Reforma, entre luteranos e católicos, é um dos resultados do diálogo iniciado formalmente há 50 anos e constitui um passo fundamental rumo à restauração da unidade desfeita em 1517.

AUTOATIVIDADE

Page 32: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

24

A respeito das asserções, assinale a opção CORRETA.

a) ( ) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justificativa correta da I.

b) ( ) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa correta da I.

c) ( ) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa.d) ( ) A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição verdadeira.e) ( ) As asserções I e II são proposições falsas.

Page 33: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

25

TÓPICO 2

ENTENDENDO A TEOLOGIA

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

Não somos teólogos. Somos estudantes. Precisamos caminhar muito nos estudos da teologia. O papel de um teólogo é o de um intelectual crítico, o que significa que a única ferramenta que o teólogo tem é a persuasão. Tudo o que o intelectual crítico pode fazer é tentar o seu melhor para criar argumentos persuasivos que resistem em seus próprios termos; se o público é completamente não receptivo, eu acho que nós precisamos dar ao teólogo o benefício da dúvida e supor que há uma persuasão básica neste trabalho.

Partimos do princípio de que muitos pensadores expressaram que a razão de ser da teologia deve ir além de uma mera sistematização da fé. A teologia é teologia quando se coloca a serviço de todos no dia a dia, quando surgem as dúvidas, as fraquezas, e aí, nessa realidade concreta, a teologia vem auxiliar com seu mistério divino, fundamentado na vivência de uma fé sólida e carismática.

Se observarmos a história, quando poderíamos pensar em uma teologia agindo dessa forma? Essa mesma história nos mostrou que ao trazer para cá respostas advindas de outros contextos e de outras realidades diferentes da nossa, gerou uma insatisfação que vai tornando possível e necessário de criar uma teologia própria, dentro deste contexto latino-americano, com seus próprios pressupostos, suas características, suas necessidades tão peculiares.

Método teológico tradicional. Para compreensão e vivência teológica, deve partir de um amor libertador, deve utilizar de uma teologia conduzida pela luz da fé.

Entender a teologia a partir de duas vertentes: temos a primeira referência da Teologia da Libertação, quando se cria um congresso nacional onde se trata da Teologia da Libertação em 1968. A partir desse congresso, Gustavo Gutierrez escreve sobre Teologia da Libertação.

O que temos a partir desse início, agora então registrado editorialmente. No pontificado de João Paulo II: discurso descritivo, teórico e a teologia da militância. A análise teórica, acadêmica da Teologia da Libertação, a igreja católica consegue impingir um controle.

Page 34: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 1 | HISTÓRIA E IDENTIDADE

26

Já a militância da Teologia da Libertação, diria a teologia da libertação no chão, se espalha com os vários grupos da própria igreja que não foi controlada. Nessa dimensão da teologia é que ela se mistura com a política. Aí, entra uma nova dinâmica na teologia da libertação: a dimensão política.

2 DEFININDO A TEOLOGIA

Queremos trabalhar nesse tópico algumas das direções básicas e essenciais que precisamos ter presente desenvolver uma teologia cristã com o mínimo de responsabilidade.

Quando nos perguntamos o que é Teologia, nossa resposta a esta questão irá indicar uma estratégia para estudar a teologia que tinha como meta auxiliar a Igreja no passado, como vimos anteriormente, de modo mais estendido com os jesuítas e que devemos seguir hoje. Assim, vamos dividir esse tópico em duas partes, além da introdução.

Em primeiro lugar, vamos olhar para a definição de teologia; em segundo lugar, vamos então tentar entendê-la melhor. Vamos olhar para algumas definições típicas oferecidas por alguns teólogos e descrever algumas tendências ou perspectivas destas definições e entendimento.

Que tal começarmos com a primeira carta de São Paulo aos Agora, quando se apresenta um sentido muito importante em que todos os seres humanos fazem teologia durante toda a sua vida. Até mesmo os incrédulos são confrontados com a revelação geral que os leva, no entanto, inconscientemente, às vezes, a refletirem sobre Deus, sobre suas exigências, de alguma forma ou de outra. E os crentes, não importa qual profissão que eles têm, dedicam muito do seu tempo com pensamentos voltados para Deus. No entanto, à medida que começamos a nos concentrar em teologia como uma tarefa mais formal, uma tarefa realizada por pessoas que fazem um esforço concentrado e em uma disciplina específica de estudo.

Há inúmeras maneiras, dirão cristãos e não cristãos para definir formalmente a teologia. Mas à medida que começamos a nossa discussão sobre o estudo formal da teologia, vamos limitar aqui nosso foco para quatro teólogos cristãos altamente respeitados que nos fornecem algumas orientações úteis. Vamos considerar as definições que encontramos nos escritos de Tomás de Aquino, Charles Hodge e William Ames.

Em primeiro lugar, Tomás de Aquino, o renomado teólogo católico romano, representa uma definição muito tradicional da teologia. Na Summa theologica, no livro 1, capítulo 1, seção 7 do seu conhecido Summa Theologica, Aquino chama a teologia de "doutrina sagrada", e definiu-a desta forma: A ciência unificada em que todas as coisas são tratadas sob o aspecto de Deus ou porque são o próprio Deus ou porque se referem a Deus. Tomás de Aquino apresenta duas dimensões importantes que merecem nossa atenção especial.

Page 35: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 2 | ENTENDENDO A TEOLOGIA

27

Primeiro, a teologia é definida por Aquino (2006) como uma "ciência". Agora, ele não quis dizer "ciência" no sentido moderno do termo, mas a ciência, no sentido mais amplo de uma busca intelectual ou acadêmica. Neste sentido, a teologia é uma tarefa acadêmica com um objetivo bastante específico. Definição de Aquino 'indica que, assim como algumas pessoas estudam biologia, psicologia, direito ou história, há outras pessoas que buscam a teologia como disciplina acadêmica. Este conceito de teologia é cumprido, principalmente, através dos tipos de preocupações e atividades que são comumente associados com o estudo acadêmico.

FIGURA 12 – TOMÁS DE AQUINO

FONTE: Disponível em: <https://institutosantacruz.files.wordpress.com/2015/09/sao-tomas.jpg>. Acesso em: 27 abr. 2016.

Deste ponto de vista, o trabalho do teólogo é principalmente o de pensar, ensinar ou escrever sobre doutrinas teológicas ou conceitos. Agora, é claro, Aquino deixa evidente que não acreditava que a teologia devesse continuar a ser uma tarefa acadêmica; deve ir além disso, a teologia deve influenciar todas as dimensões da vida cristã. No entanto, seu ponto de vista tende a conceber a teologia, principalmente, como um exercício intelectual.

Num segundo momento, para Aquino, a teologia tem pelo menos dois níveis. Por um lado, os teólogos abordam questões relativas ao "próprio Deus". Por exemplo, podemos formular pareceres sobre questões como os atributos de Deus: sua onisciência, sua onipresença, sua santidade. Adequamos a teologia a essas questões. O próprio Deus é o objeto que estudamos.

Page 36: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 1 | HISTÓRIA E IDENTIDADE

28

Por outro lado, como Aquino usou o termo, a teologia é também o estudo de qualquer outro assunto que diz respeito a Deus ou se refere a Deus. Estes tópicos podem ser discutidos sem especial referência a Deus, mas teólogos realizam seu ofício, relacionando assuntos a Deus. Por exemplo, a escatologia, o estudo das últimas coisas, é um assunto importante na teologia.

FIGURA 13 – CHARLES HODGE

FONTE: Disponível em: <http://global.britannica.com/biography/Charles-Hodge>. Acesso em: 27 abr. 2016.

Vamos ao nosso segundo teólogo, agora, o protestante Charles Hodge.

Embora a Reforma Protestante tenha mudado muito o pensamento a respeito do corpo de Cristo, não alterou significativamente a definição básica de teologia. Charles Hodge, de Princeton, que viveu de 1797 até 1879, define assim a teologia: A teologia é a ciência dos fatos da revelação divina na medida em que esses factos dizem respeito à natureza de Deus e nossa relação com ele. (HODGE, 2003).

Vamos apontar várias dimensões desta definição de teologia. Em primeiro lugar, a definição de Hodge é muito semelhante à definição de Aquino, mas devemos notar como ele explicita a revelação mencionada. A teologia lida com "os fatos da revelação divina". Agora, é claro, Aquino procurou defender a revelação de Deus tão bem, mas a definição de Hodge revela uma preocupação protestante típica, ou seja, uma ênfase sobre a importância da revelação de Deus, especialmente a Bíblia, como principal recurso para a teologia.

Page 37: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 2 | ENTENDENDO A TEOLOGIA

29

Em segundo lugar, é também importante notar que, como Aquino, Hodge (2003) descreve teologia como uma "ciência", ele viu a teologia principalmente como uma disciplina acadêmica. Na verdade, Hodge realmente utiliza dos métodos da ciência natural ou física no seu dia como um modelo a seguir para os teólogos.

Para Hodge (2003), o trabalho do teólogo era usar a Bíblia como um dado, e para pesquisar, testar e organizar os dados tanto como um cientista do século XIX faria em outros campos. Agora, ele também acreditava que as conclusões do teólogo devem ser aplicadas à vida cristã. Como Aquino, Hodge tendia a deixar aplicação nas mãos de ministros e pastores, limitando o trabalho real da teologia formal, em grande parte para acadêmicos e seus alunos.

Em terceiro lugar, vemos que Hodge (2003) também afirmou que havia dois temas principais em teologia. Ao fazer teologia no que diz respeito principalmente com a "natureza de Deus" e "nossa relação com ele".

Vimos um teólogo católico, um teólogo protestante. Agora vamos recorrer a William Ames, um purista, para saber como ele define teologia.

Ames (1997) descreve a teologia "a doutrina ou ensino de viver para Deus". Esse conceito vai trazer pelo menos duas maneiras diferentes de se ver a teologia. Em primeiro lugar, a sua definição não usa a palavra "ciência". Ames (1997) disse que a teologia é "doutrina ou ensino", isto é, a teologia é uma busca intelectual de ideias e de ensino. Mas ele enfatiza a estreita associação da teologia com outras disciplinas acadêmicas assim como indicaram Aquino e Hodge.

Em segundo lugar, enquanto que Ames (1997 p. 257) afirma que a teologia

é o estudo da doutrina, observe o que ele especifica como seu tema de estudo: "Vivos para Deus". Aquino, e até certo ponto Hodge, apontam a teologia como uma coleção de fatos e ideias, mas Ames enfatizou que a teologia envolve a forma como se está a viver para Deus. Em vez de limitar a teologia principalmente para um exercício intelectual, factual, Ames a olhou como uma experiencial (ou o que os puritanos chamam de "experimental") orientação para uma gama mais ampla de vida do crente. Para ele, a teologia, a medula da teologia, é feita quando essa visão mais ampla está em foco.

Page 38: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 1 | HISTÓRIA E IDENTIDADE

30

3 ENTENDENDO A TEOLOGIA

Vamos aqui resgatar vários pensadores, muito além de teólogos, para melhor compreender a teologia em todas suas variações, possibilidades e até mesmo dualismos, contradições, incompreensões. Como podemos olhar para a teologia que se desenvolve aqui na América Latina? Como ela se desenvolve? Ela é resultado da história? De qual história? A teologia é uma coisa? É palpável? Ela existe concretamente?

Cada contexto exige a formulação de uma nova teologia. Precisamos levar em conta por exemplo, os conflitos ideológicos do pós-guerra – guerra fria entre Estados Unidos e a União Soviética. É preciso levar em conta antes disso, o resultado da Segunda Guerra Mundial. Os perdedores e os vencedores que, a partir daí, vão definir qual bloco será o mais poderoso: dois eixos são formados, definidos por dois sistemas: o capitalista e o socialista. Veja que nestes dois sistemas se instaura uma disputa em todos os planos: no das ideias e no das práticas. No avanço das tecnologias, na polarização de benefícios para os cidadãos etc.

FIGURA 14 – GUERRA FRIA

FONTE: Disponível em: <http://entendendoaguerrafria.blogspot.com.br/p/charges.html>. Acesso em: 27 abr. 2016.

Page 39: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 2 | ENTENDENDO A TEOLOGIA

31

Essa polarização vai respingar muito fortemente na América Latina. Enquanto alguns países, diria, a maioria dos países do ocidente, vão adotar o capitalismo seguindo o modelo norte-americano chamado wafe of live, outros vão permanecer acreditando na possibilidade do sucesso do socialismo. Essa visão de um estilo de vida vai influenciar de diferentes formas os diferentes grupos que compõem a sociedade: jovens, adultos, homens, mulheres, leigos, ministros ordenados etc.

Outros elementos que precisamos levar em consideração são os processos de industrialização e urbanização na América Latina: crescimento da pobreza e a desigualdade social. Esses fatores serão considerados na formulação da teologia e a teologia, é claro, precisa levar essa condição muito a sério para poder contribuir de forma efetiva para a melhoria dessa realidade.

Aí entra o referencial do socialismo que se mostrava mais igualitário, mais justo, mais distributivo. Porém não se sustentou, pois, o liberalismo com suas ideologias foi e é preponderante.

O liberalismo capitalista, idolatria da riqueza em sua forma individual. Reconhecemos a força que infunde a capacidade criadora da liberdade humana e que foi propulsor do progresso. Contudo, considera o lucro como o motor essencial do progresso econômico, a concorrência como lei suprema da economia, a propriedade privada dos meios de produção como direito absoluto, sem limites nem obrigações sociais correspondentes. Os privilégios ilegítimos, derivados do direito absoluto de propriedade, causam contrastes escandalosos e uma situação de dependência e opressão, tanto no âmbito nacional quanto no internacional. Embora seja evidente que em alguns países se atenuou sua expressão histórica original, devido à influência de uma necessária legislação social e de precisas intervenções do Estado, em outros lugares ainda manifesta persistência ou mesmo, retrocesso a formas primitivas e de menor sensibilidade social. O coletivismo marxista conduz igualmente – por seus pressupostos materialistas – a uma idolatria da riqueza, mas em sua forma coletiva. Embora nascido de uma crítica positiva ao fetichismo do comércio e ao desconhecimento do valor humano do trabalho, não conseguiu ir à raiz da idolatria que consiste na recusa do Deus de amor e justiça (CONFERÊNCIA DE PUEBLA, 1979, p. 226-227).

Page 40: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 1 | HISTÓRIA E IDENTIDADE

32

FIGURA 15 – DIFERENTES TEOLOGIAS

FONTE: Disponível em: <http://teologiaegraca.blogspot.com.br/2010/09/favor-de-um-novo-paradigma-para-os.html>. Acesso em: 22 abr. 2016.

Outra realidade que precisa ser considerada é a teoria da dependência, primeiro entre os países próximos: Mercosul, por exemplo, e também dependência com os países desenvolvidos. Você, acadêmico, considera essa teoria procedente? Se procede, como a teologia, na sua versão libertadora, que é o nosso ponto maior de estudo, pode contribuir ou contribuiu para mudar essa condição de dependência?

É o caráter sociopolítico e econômico da teologia: questionar, quebrar a dependência econômica e contestar e criticar os regimes vigentes. Isso foi muito bem feito por movimentos estudantis e sindicatos, principalmente, nos anos 60 e 70. Claro que houve muitas prisões e mortes. Os próprios teólogos divergiam no entendimento de qual era o melhor sistema: o capitalista ou o socialista.

O clamor pela democracia, por causa de governos militares em quase toda a América Latina, fazia eco no campo de estudo da teologia. Essa situação levava a um paralelo com o povo de Israel que estava escravizado pelo faraó e que precisava se libertar com a força de um Deus libertador, que caminha junto com seu povo. Essa dinâmica cria no povo um animus, por ser preferido de Deus.

Page 41: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 2 | ENTENDENDO A TEOLOGIA

33

FIGURA 16 – TEOLOGIA REVOLUCIONÁRIA?

É, PADRE ARMANDO,ACHO QUE A

GENTE FOI UMPOUCO LONGE

DEMAIS!VIVAREVOLUCIÓN

LA

FONTE: Disponível em: <http://www.amormariano.com.br/noticias/prefeito-da-congregacao-para-a-doutrina-da-fe-dom-muller-lefebvrianos-sao-cismaticos-de-facto-o-fundador-da-teologia-da-libertacao-sempre-foi-ortodoxo/>. Acesso em: 22 abr. 2016.

Sendo que a própria teologia tinha diferentes visões e ações, imagina a igreja com suas diferentes visões e ações: uma linha mais conservadora que não queria se envolver e outra, e aí entram aqueles que aderem à Teologia da Libertação, que queriam uma inserção forte nessa dinâmica de crítica.

Em todos os lugares, seja nas igrejas, na academia, na faculdade, vamos ouvir teólogos que falam sobre desapropriação, falam dos pobres, do amor à Igreja, porém, praticando a posse, a repressão, o ódio dos pobres, e aí nos perguntamos o que isso tem a ver com aprender a amar? E continuamos nos questionando. Em geral, o que o cristianismo tem a ver com Cristo? O que ainda mais a hierarquia da igreja tem a ver com o amor em nossos tempos?

Vejam que isso é o que está em jogo no estudo da teologia: todos nós queremos aprender a amar. E isso é o que devemos buscar no ensino, no estudo da tradição cristã, no estudo das religiões que vão assumindo diferentes formas e variando no decorrer da nossa história, reformulando até a compreensão de tantos fenômenos religiosos presentes na atualidade.

Page 42: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 1 | HISTÓRIA E IDENTIDADE

34

LEITURA COMPLEMENTAR

PROJETO DE LIBERTAÇÃO

DOM PAULO MENDES PEIXOTOARCEBISPO DE UBERABA

Muitas pessoas vivem totalmente aprisionadas em situações desumanas, em estado de antivida e de empobrecimento. Isto caracteriza falta de libertação, ocasionando sofrimento e realidade de indignidade. É uma situação que pode acontecer no seio de toda comunidade, ficar no ostracismo e na insensibilidade de autoridades e instituições estavelmente constituídas para humanizar a sociedade.

Um projeto concreto de libertação deve ter como base sólida a experiência de Deus como presença libertadora e protetora da vida e da dignidade das pessoas. Numa sociedade libertadora acontece a fraternidade e a solidariedade, fundamentais para a harmonia e a boa convivência comunitária, valorizando cada indivíduo na sua dignidade de ser imagem e semelhança do Criador.

É interessante saber, mesmo em desacordo com a cultura moderna, que

“é na fraqueza que se manifesta a força de Deus”. O projeto de libertação de Deus é diferente dos ideais do mundo, que nem sempre têm projetos concretos de libertação. Deus sempre esteve do lado dos mais pobres. Ficou distante dos Faraós e de seus sistemas imperiais egoístas e despreocupados com o bem coletivo.

O caminho da cruz, assumido por Jesus, foi entendido, por judeus e gregos, como loucura e derrota total. Mas Deus transformou a cruz em gesto de sabedoria e caminho de salvação. A compreensão correta desse fato supõe atitude de fé, mas também de conhecimento de toda prática de Jesus, seus sinais e sua própria vida.

A libertação depende de mudança de mentalidade. Só investe em projetos assim quem toma consciência do bem que precisa realizar. Para isto temos os cursos de formação, principalmente na área social, no compromisso de fé e política e conhecimento da Doutrina Social da Igreja.

A realização do bem, na realidade atual, é conflitante com os interesses econômicos e políticos de grupos dominantes. Há pouca solidariedade com os pequenos e marginalizados. A prática de Jesus não sensibiliza quem tem seu coração nos bens materiais, dificultando o processo de libertação de todas as pessoas excluídas, fruto da má distribuição dos bens, que são de todas as pessoas.

FONTE: Disponível em: <http://www.catequisar.com.br/texto/colunas/paulo_mendes/p81.htm>. Acesso em: 24 abr. 2016.

Page 43: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

35

RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico vimos que:

• A definição da teologia passa pela compreensão epistemológica, histórica, dogmática até chegar na sua diferenciação entre as religiões.

• Para entender a teologia é preciso compreender a sua importância no contexto latino-americano.

• A teologia foi e é de suma importância para a melhoria da vida das pessoas, pois compreende o ser humano como um todo e não em partes.

Page 44: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

36

Continuamos neste espaço a reproduzir uma questão aplicada no ENADE 2015, para que você, acadêmico, possa se familiarizar com a dinâmica utilizada na prova que, obrigatoriamente, os acadêmicos que irão concluir o curso no ano do ENADE, terão que realizar. Busque aprofundar-se nesses conteúdos além deste Caderno de Estudos.

(ENADE 2015) Em lugar e em vez da comunidade solidária agregada por representações coletivas (o sonho de Durkheim), surgiu uma rede à maneira de Georg Simmel (1858-1918), difusa e desprovida de centro, conectada por afiliações genéricas, multidirecional e abstrata. A religião não se enfraqueceu como força social. Pelo contrário: parece ter-se reforçado no período recente. Mas mudou – e muda cada vez mais – de forma. (GEERTZ, C. O futuro das religiões).

A partir das informações do texto, avalie as afirmações a seguir.

I. A religião não desapareceu com o tempo, mesmo estando sempre presente, assumiu diferentes formas e variações ao longo da história da humanidade.

II. Com o surgimento da ciência, o fenômeno religioso desapareceu e transformou-se em representações coletivas coesas e mais fortes.

III. A compreensão do fenômeno religioso demonstra que as transformações da sociedade ocasionam reformulações nas religiões.

IV. As análises sociológicas da religiosidade confirmam o fim das religiões devido ao desencantamento do mundo pelo processo racional.

É CORRETO apenas o que se afirma em:

a) ( ) I e III.b) ( ) I e IV.c) ( ) II e IV.d) ( ) I, II e III.e) ( ) II, III e IV.

AUTOATIVIDADE

Page 45: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

37

TÓPICO 3

POR ONDE CAMINHA A TEOLOGIA

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

A teologia é um campo de estudo em que o homem tenta explicar o que Deus revelou. O foco específico da teologia varia, dependendo do escopo pretendido do campo de estudo e sobre a predileção religiosa daquele que vai realizar o estudo, no caso, o teólogo, de forma mais específica, a teologia católica e a teologia protestante ou evangélica, que, via de regra cada uma terá suas características muito próprias.

2 EXISTEM TEOLOGIAS?

Estamos tratando aqui de discussões teológicas. Existem diferenças de compreensão em alguns aspectos no que tange à teologia, entre evangélicos e católicos, como por exemplo, na utilização de livros que compõem as Sagradas Escrituras. Você, acadêmico, terá a oportunidade de em outras disciplinas do curso aumentar seus conhecimentos sobre isso.

Em praticamente cada área da teologia existem diferenças, elencamos cinco problemas mais evidentes e significativos que separam a igreja católica das igrejas evangélicas. Vamos a eles.

Um primeiro ponto de divergência na interpretação é sobre a justificação. Os evangélicos ensinam que os pecadores são justificados com base na fé, e que a fé nos é colocada na obra substitutiva consumada de Jesus na cruz, confirmada pela sua gloriosa ressurreição, e que este é um presente inteiramente baseado em sua graça. Finalmente, que a justificação é completa e total no momento da nossa conversão, e que os crentes nunca crescem mais justificados.

Em contraste, a Igreja Católica ensina que a justificação é um processo que inclui obras (com essas obras o objetivo é disseminar a fé), e que essas obras são a causa do processo de justificação. Além disso, a Igreja Católica ensina: "Se alguém disser que somente pela fé o ímpio é justificado; seja anátema” afirmação essa do Concílio de Trento, nº 9. Ou então essa outra afirmação: "Se alguém disser que a justiça [ou justificação] recebida não é preservada e também não é aumentada perante Deus através de boas obras, mas que essas obras são apenas frutos e sinais da justificação obtida, mas não a causa do aumento, seja anátema" também do Concílio de Trento, nº 24.

Page 46: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 1 | HISTÓRIA E IDENTIDADE

38

Uma segunda diferença é sobre a direção, a chefia da igreja católica, o papado. O papa como cabeça da igreja.

Para os evangélicos, a Igreja é composta de todos aqueles que foram justificados por Deus através da fé. As igrejas locais são lideradas por pessoas idosas, e cada igreja é geralmente autônoma. Jesus Cristo é a cabeça da igreja, e não há nenhuma autoridade sobre qualquer igreja local na terra para além da Escritura. Presbíteros e pastores são falíveis na forma como eles levam a igreja.

No ensino católico romano, a igreja é composta por leigos e é liderada por aqueles que receberam o sacramento da Ordem (diáconos, padres e bispos). A cabeça da igreja é o papa, que quando se fala com autoridade sobre assuntos relacionados com a igreja, é protegido contra a possibilidade de erro sobre doutrina e da moral da igreja. Além disso, para que todos possam ser salvos, eles devem estar sob a autoridade do papa:

O Papa, bispo de Roma e sucessor de S. Pedro, é princípio perpétuo e visível, e fundamento da unidade que liga, entre si, tanto os bispos como a multidão dos fiéis. Com efeito, em virtude do seu cargo de vigário de Cristo e pastor de toda a Igreja, o pontífice romano tem sobre a mesma Igreja um poder pleno, supremo e universal, que pode sempre livremente exercer. (UNAM SANCTAM, 1999, p. 409).

Uma terceira diferença trata da celebração eucarística, a missa, assim denominada pelos católicos onde se realiza a comunhão.

Para os evangélicos, a comunhão é comemorativa, e atua como uma lembrança da obra substitutiva expiatória de Jesus. O pão é o símbolo do corpo, e o vinho simbólico do sangue. Não há nada de místico ou meritório nisso, mas é um meio de graça e de provocar o crescimento na santidade.

A Igreja Católica ensina a transubstanciação, que o pão e o vinho se transformam literalmente no corpo e sangue de Jesus. Assim, a massa, o sacerdote chama Jesus que desceu do céu, e no partir do pão Jesus é ressacrificado. Se alguém disser que na missa um verdadeiro e próprio sacrifício não é oferecido a Deus; ou, que, para ser oferecido nada mais é que Cristo nos é dado para comer; seja anátema.

A quarta diferença traz a figura de Maria, a mãe de Jesus e de Deus para os católicos. Já para os evangélicos, Maria era mãe de Jesus, ela uma pecadora, e que foi salva de seus pecados por sua fé em Deus. Nós reconhecemos um período de sua vida onde ela não acreditava em Jesus (ver, por exemplo, Marcos 3: 30-33 Open in Software Bíblia Logos (se disponível)), mas que até o momento da morte de Jesus ela tinha colocado fé nele como seu Messias. Ela teve outros filhos depois de Jesus, e morreu uma morte física. Ela é para ser admirada como uma mulher de fé.

Page 47: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 3 | POR ONDE CAMINHA A TEOLOGIA

39

FIGURA 17 – ICONOGRAFIA DE MARIA

FONTE: Disponível em: <http://mulheres.tudybom.com.br/maria-de-nazare/1>. Acesso em: 27 abr. 2016.

Na Igreja Católica, Maria é um objeto de devoção e em grande parte do mundo, ela é um objeto de adoração a título definitivo. É normativa para orar com ela (considere, por exemplo, a Ave-Maria), e ensina-se que ela estava sem pecado. Na verdade, a Imaculada Conceição é a doutrina católica de que Maria foi concebida sem uma natureza pecaminosa, assim, ela não era uma receptora da redenção de Jesus, mas em vez disso foi uma das participantes no que diz respeito à redenção. Ela era virgem perpétua, e não teve morte física, mas foi elevada ao céu, onde ela reina agora como a Rainha do céu e é inefabilidade de Deus ("Deus inefável", ou "inexplicavelmente divina").

3 CORRENTES TEOLÓGICAS

Vamos trazer aqui algumas correntes teológicas que julgamos ser importantes ter presente no contexto deste caderno, que quer tratar da teologia latino-americana. Poderíamos trazer várias correntes, mas vamos ficar com três: a teologia liberal, teologia política e a teologia prática. Você poderá buscar em seus estudos, outras correntes.

Page 48: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

40

UNIDADE 1 | HISTÓRIA E IDENTIDADE

3.1 TEOLOGIA LIBERAL

Especificamente, a teologia liberal é definida pela sua abertura aos veredictos da moderna investigação intelectual, especialmente as ciências naturais e sociais; seu compromisso com a autoridade da razão e da experiência individual; sua concepção do cristianismo como uma forma ética de vida; o favorecimento de conceitos morais da expiação; e seu compromisso em tornar o cristianismo credível e socialmente relevante para as pessoas modernas.

A teologia liberal tem sido, e ainda é hoje, mais significativa do que é indicado pela história usual de sua ascensão e queda. Todo o campo da teologia moderna emprega ferramentas e teorias críticas que a tradição liberal tem desenvolvido. Ambos os movimentos que se abateram sobre a teologia liberal eram ramificações da tradição liberal. A ideia de uma terceira via cristã liberal entre a ortodoxia conservadora e descrença secular mantém a sua relevância original. E no final do século XX, a teologia liberal produziu muito de seu melhor trabalho. Ao longo da última geração, liberais tem escrito uma grande quantidade de teologia acadêmica altamente criativa e sofisticada, e vários liberais têm escrito obras populares que atingiram grandes audiências. No entanto, a renovação da teologia liberal em relação à geração passada passou despercebida até mesmo pelos seus defensores.

É por isso que temos a ideia de que muitas religiões levam a uma realidade – Deus, – e pior ainda, que vale tudo para podermos escolher a verdade que queremos. O que precisa ser levado em conta é que a teologia deve ser experimental. De que forma? Através da produção de possibilidades que lutam contra o mito de que a realidade é simplesmente dada, que uma ideia preconcebida de ‘natureza’ define o que pode e o que não pode ser feito, que há uma ortodoxia ou providencia às quais todos devem submeter-se.

A tentação desta teologia é estabelecer uma estrutura de mundo ou essência e então determinar onde se encaixam nessa estrutura. O problema é que este obscurece o fato de que tais estruturas são produzidas, e que eles servem interesses particulares. A visão mais radical da teologia liberal é que o que é Deus não pode ser ditada com antecedência. Isso não é uma desculpa para o relativismo, mas uma afirmação de que a teologia é anti-imperial, antissupremacista, anticapitalista, uma vez que resiste à dominação da realidade por um único princípio de valor. Mais positivamente, isto significa que Deus "é" a realidade que gera múltiplas expressões de solidariedade militante, a diferença florescente que é a riqueza comum de todas as criaturas. Deus é possível, não no sentido fraco, 'pode ou não ser real’, mas no sentido forte de uma possibilidade real de exprimir e de viver a solidariedade, a curiosidade, o amor ou perdão de maneiras incontáveis e imprevisíveis.

Page 49: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 3 | POR ONDE CAMINHA A TEOLOGIA

41

A segunda coisa que se faz necessário compreender nesse ponto é que esta é uma teologia parcial. As teologias liberais descobriram que as preocupações sobre o método e a verdade levam a compromissos políticos: tomar partido sobre questões de poder, recursos, reconhecimento e visibilidade. Estas são preocupações profundamente materiais, para fazer com raça, gênero e classe. Uma teologia que não é apenas um eco de uma hierarquia pré-existente não pode evitar esses envolvimentos políticos, mundanos. Mais do que isso: ele não deve evitá-los, uma vez que são sua seiva. Se a teologia não serve a libertação dos seres humanos de carne e sangue, é parte do problema.

Isto pode parecer uma base muito tênue para a teologia. É verdade que uma grande parte da teologia tem sido e deve ser terapêutica: curar-nos da idolatria e imagens falsas de transcendência. Tais ídolos hoje incluem a todos mercantilização devorando e mercantilização do mundo, bem como os falsos deuses do fundamentalismo e do tradicionalismo e do racismo ocidental. No entanto, este "não" é espelhado por uma afirmação de respeito para com as criaturas e criação em seu material, viveu evoluindo a contestada realidade. Um "sim" para as ecologias complexas, frágeis e contingentes que às vezes tornam as relações de graça possível, sem a ingenuidade que finge que o mundo pode ou deve ser libertado de toda a luta, violência ou acaso.

Houve cinco eventos de extinção em massa na pré-história da Terra. Estamos ocupados a fabricar o sexto. Nada diz que as coisas não poderiam ter sido diferentes. Não poderia haver vida em tudo aqui, deixe só o ser humano. Nada justifica o sofrimento do mundo. Não há ponto final sobrenatural que vai salvar tudo e nos dizer o que tudo aquilo significava. Se teologia é falar de todas as coisas à luz de Deus, isso não significa uma fuga para o conhecimento de outro mundo, ou uma redução de tudo a alguma medida comum, mas a descoberta de que este mundo é realmente capaz de fazer. A criação está sendo reinventada, sempre, e não apenas em formas que encontramos compreensível ou confortável. A teologia tem que viver com isso.

Para concluir, há que se levar em conta que a teologia liberal abriu a porta para um compromisso com a ciência, a democracia e o pensamento crítico, e agora não pode voltar a cair o sonho de preservar ilhas de divindade pura na tempestade da vida. Talvez agora, que temos de fazer teologia, sem alicerces, sem mesmo a vista da terra.

Page 50: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

42

UNIDADE 1 | HISTÓRIA E IDENTIDADE

3.2 TEOLOGIA POLÍTICA

De uma perspectiva muito simples, é possível isolar três tipos de "teologia política". O primeiro tipo é liberal, pois procura revelar a herança teológica inconsciente na esperança de removê-la e atingir uma verdadeira laicidade. Neste grupo, pode-se incluir Löwith e Derrida. O segundo tipo é o reacionário, que procura preservar tudo quanto pode da tradição teológica, a fim de manter algum tipo sentido no horizonte da modernidade. Finalmente, há a abordagem de esquerda radical, que mina a tradição teológica para qualquer possibilidade de transformação radical.

A partir desta perspectiva, parece que poderíamos acrescentar uma quarta posição da teologia política judaica como uma alternativa distinta para o modelo liberal. A questão que então se coloca é se este tipo de teologia política pode realmente ser praticado por um não judeu, ou se ele sempre vai acabar em espiral em uma posição categórica ou apocalíptica unilateralmente.

Não há necessidade de reducionismo aqui, como se a política fosse secretamente uma perseguição "religiosa" ou a teologia não fosse nada além de propaganda política. Ambos têm sua própria autonomia relativa e sua própria necessidade conceitual interior. Este último ponto explica porque uma disciplina pode servir como uma espécie de conceitos em desenvolvimento de laboratório que virão a ser usados no outro, como na genealogia de Agamben.

Por isso, parece que há uma legitimidade fundamental, mesmo em uma época como a nossa, onde se manifesta uma dissociação, no uso de teologia como uma maneira de pensar através da política, bem como na utilização de paralelos políticos para avaliar teologia. Não é preciso afirmar que as ideias teológicas podem causar certa opressão, quando também podem causar certa libertação. Particularmente, no caso de pensar através de possibilidades de novos paradigmas políticos revolucionários, transferindo a discussão para a esfera teológica, pode ser uma maneira de eliminar a própria distância da realidade contemporânea que parece não prometer nada, além do desespero, do vazio.

3.3 TEOLOGIA PRÁTICA

A preocupação da teologia, de modo especial na América Latina, é alcançar aqueles que nas Sagradas Escrituras são designados como os mais pobres. A teologia, em sua vertente prática, se presta nessa situação.

Page 51: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 3 | POR ONDE CAMINHA A TEOLOGIA

43

A Teologia Prática, como o próprio nome indica, é o estudo da teologia de uma maneira que se destina a torná-lo útil ou aplicável. Outra forma de dizer isto é que é o estudo da teologia de modo que ele pode ser usado e é relevante para preocupações diárias. Um seminário descreve seu Programa de Teologia Prática como "sendo dedicado à aplicação prática dos conhecimentos teológicos" e que "geralmente inclui as subdisciplinas de teologia pastoral, homilética e educação cristã, entre outros". Outro seminário vê o propósito da prática de teologia como ajudar a preparar os alunos para traduzir o conhecimento aprendido para o ministério eficaz para as pessoas. Fazendo isso a vida pessoal e familiar envolve, bem como a administração e ministérios de ensino na igreja. Eles afirmam que o objetivo da Teologia Prática é desenvolver comunicadores eficazes das Escrituras que têm uma visão para o crescimento espiritual dos crentes ao ser líderes servidores.

Alguns consideram teologia prática para ser simplesmente um nome mais técnico para a doutrina da vida cristã. Sua ênfase está em como todo o ensino da Escritura deve afetar a maneira como vivemos hoje, neste mundo atual. A ênfase da teologia prática não é simplesmente para contemplar ou compreender doutrinas teológicas, mas ir além da aplicação dessas doutrinas na vida cristã quotidiana, para que "contribuir para o mundo se tornar o que Deus quer que ele seja".

A premissa por trás dos programas da teologia prática é que os futuros líderes cristãos precisam ser equipados não só com o conhecimento teológico, mas também com as competências profissionais necessárias para ministrar eficazmente o mundo moderno. Muitas vezes, estes programas usam pregação, educação cristã, aconselhamento e programas clínicos para fornecer oportunidades para equipar e preparar futuros líderes cristãos.

4 TEOLOGIA NO BRASIL

Teologia é basicamente a reflexão sobre a fé vivida pelo povo. A história da teologia no Brasil, por isso, deve ser o estudo das várias maneiras de como a fé foi concebida e praticada em quase cinco séculos de história do catolicismo no Brasil. Uma visão histórica mais completa deve abranger também a experiência de fé em outras religiões e confissões religiosas, por interferência existente, quer como convergências ou divergências, em momentos diferentes. Essa história está sendo construída com muitos avanços, mas também com alguns retrocessos de todos os lados.

É importante notar, que de uma forma geral, a vivência da fé está diretamente relacionada com o mesmo conceito de igreja que permanece nos diferentes períodos históricos: O conceito é alterado conforme a ideia que a instituição eclesiástica tem de si mesma. Então vamos lá, vamos ver como evoluiu a caminhada da teologia no Brasil.

Page 52: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

44

UNIDADE 1 | HISTÓRIA E IDENTIDADE

Aqui, convém levar em conta, em primeiro lugar, que durante o período colonial, a fé católica foi introduzida no Brasil mediante o modelo igreja-cristandade cuja base está na união entre igreja e estado.

Na prática como isso acontece? A igreja é incorporada pelo poder político e instrumentalizada a favor do projeto colonial português. Tanto a evangelização, como a presença junto ao povo, a igreja atua como representante do estado e a transmissão da doutrina evangélica está condicionada a manutenção da estrutura latifundiária e escravista exigida por Portugal.

Visto de forma mais abrangente, a história da teologia no Brasil pode ser vista a partir de momentos marcantes de criação teológica ao mesmo tempo que são tempos de militância histórica. Isso vai trazer a teologia para o centro dos desejos do povo que anseia por uma teologia da libertação, contrapondo a teologia da dominação. Vê-se que no seu começo criativo foi um movimento teológico profético, e aqui podemos trazer a figura de Bartolomeu de Las Casas no tempo da evangelização inicial na América Latina.

A obra evangelizadora da Igreja da América Latina é o resultado do esforço unânime de missionários de todo o povo de Deus. Aí estão as incontáveis iniciativas de caridade, assistência, educação e, de modo exemplar, as originais sínteses de evangelização e promoção humana das missões franciscanas, agostinianas, dominicanas, jesuíticas, mercedárias e outras, aí estão a generosidade e o sacrifício evangélico de muitos cristãos em que, por sua abnegação e oração, a mulher teve papel essencial. Aí está a criatividade na pedagogia da fé, a vasta rede de recursos que conjugava todas as artes, desde a música, o canto e a dança, até a arquitetura, a pintura, o teatro. Toda a capacidade pastoral está associada a um momento de grande reflexão teológica e a uma dinâmica intelectual que dá vida e impulso a universidades e escolas, dicionários, gramáticas, catecismos em diversas línguas indígenas e aos mais significativos relatos históricos sobre as origens de nossos povos. E está associada igualmente a uma extraordinária proliferação de confrarias e irmandades de leigos que chegam a ser a alma e a espinha dorsal da vida religiosa dos crentes e a fonte remota, mas fecunda, dos atuais movimentos comunitários da igreja latino-americana. (CONFERÊNCIA DE PUEBLA, p. 88-89).

Aqui passamos também o tempo de emancipação nacional, de libertação

da teologia advinda da Europa. Somente a partir de 1965, que se terá uma teologia genuinamente da libertação, porque leva em consideração a realidade interna complexa que aqui se vive. E o que temos hoje?

A teologia ainda tem contribuído para as diferentes religiões, denominações? Fala-se da teologia da prosperidade. E a teologia da libertação, onde está?

É fato que o Brasil tem experimentado um crescimento explosivo das igrejas pentecostais e neopentecostais. Grandes multidões de pessoas pobres foram assistir a essas igrejas que procuram respostas para as suas necessidades espirituais, físicas e materiais.

Page 53: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 3 | POR ONDE CAMINHA A TEOLOGIA

45

A Igreja Católica, por sua vez, vendo a pouca visibilidade da Teologia da Libertação, tem se preocupado com o crescimento das igrejas pentecostais e neopentecostais. E igrejas protestantes brasileiras, as chamadas igrejas históricas, que chegaram no Brasil na primeira e segunda geração de igrejas que vieram principalmente dos Estados Unidos, sentem semelhante preocupação com esse avanço.

Este crescimento pentecostal e neopentecostal não tem uma lógica, em um primeiro olhar. Não há uma organização entre os integrantes desse movimento. Mas os críticos mais fortes de igrejas protestantes, que são muito pequenas no Brasil, em comparação com as grandes igrejas pentecostais e neopentecostais, usaram as imperfeições para apontar que o "renascimento" dos evangélicos no Brasil é falso, enganoso e condenado o crescimento pentecostal e neopentecostal no Brasil. Poderiam usar a expressão muito em voga no mundo político dizendo: “eles não nos representam”.

Vamos retomar um pouco de história para lembrarmos como se chegou

até aqui. Vamos usar o seu padrão para analisar um "reavivamento perfeito". Primeiro, veio o Grande Despertar, por Jonathan Edwards e outros. Em seguida, o nascimento dos Estados Unidos por homens simultaneamente protestantes e Mason. Isto é, a maioria dos fundadores eram protestantes.

A maior denominação Presbiteriana no Brasil, fundada por missionários

norte-americanos presbiterianos em meados de 1800 e berço da primeira versão protestante da Teologia da Libertação, na década de 1950, tem um tempo difícil para disciplinar os seus inúmeros ministros maçônicos e outros líderes, que, no entanto, têm sido ocupados criticando as muitas "heresias" do crescimento pentecostal e neopentecostal.

Não importa que o que a Palavra de Deus diz também se aplica à maçonaria entre os ministros protestantes, políticos e outros líderes: O Grande Despertar foi a maior bênção para o nascimento de América. Mas Maçonaria não foi uma bênção, e será, com seus esquemas de Nova Ordem Mundial, sua queda. O Grande Despertar não era um renascimento perfeito. Só Deus é perfeito. O crescimento pentecostal e neopentecostal no Brasil não é perfeito. Só Deus é perfeito.

Se o Brasil é hoje mais socialista, pentecostais e neopentecostais não são

os culpados. Na década de 1990, Rev. Caio Fábio, o maior líder Presbiteriano na história do Brasil, conduziu a Igreja brasileira para apoiar o Partido dos Trabalhadores (PT), que é o partido socialista no poder no Brasil, e hoje Rev. Fábio é um o homem caído, por causa de seus escândalos sexuais e financeiros.

Page 54: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

46

UNIDADE 1 | HISTÓRIA E IDENTIDADE

O que se percebe atualmente é que o Partido dos Trabalhadores e outros partidos socialistas estão determinados a impor o aborto e a homossexualidade no Brasil. O único obstáculo para seu projeto, por sua própria admissão, é o testemunho de ousadia dos tele-evangelistas neopentecostais, que estão sob uma carga pesada de críticas "teológica" dos calvinistas críticos confortavelmente em um ambiente religioso atormentado pela maçonaria e pela Teologia da Missão Integral, que é a versão protestante da Teologia da Libertação.

Esses são os desafios para a igreja e para a teologia atualmente. Existem muito mais, mas você, acadêmico, pode fazer essas buscas.

LEITURA COMPLEMENTAR

ALGUNS TIPOS DE TEOLOGIA

DIOCESE DE ANÁPOLIS

1 TEOLOGIA ESPECULATIVA, POSITIVA E MÍSTICA

A teologia especulativa privilegia as funções da razão e as suas operações cognitivas, enquanto a Sagrada Escritura e a Tradição são tratadas como ponto de partida, e o trabalho dos biblistas, patrologistas e historiadores dos dogmas, como uma preparação. Essa teologia teve o seu apogeu nas especulações escolásticas. Ela busca ser uma compreensão da Revelação – intelligentia revelationis e uma compreensão da verdade - intelligentia fidei. Pode desenvolver-se mais plenamente na teologia dogmática, e por isso considera essa área como teologia propriamente dita.

A teologia positiva privilegia as pesquisas da Sagrada Escritura, dos padres da Igreja, os ensinamentos dos Concílios, da liturgia e de outros relatos da tradição. Confere um valor especial à teologia bíblica e à história dos dogmas. Dedica muita atenção à análise e à síntese dos ensinamentos do magistério da Igreja. A moderna renovação da teologia e da vida da Igreja foi uma conquista da teologia positiva.

A teologia mística privilegia as experiências religiosas interiores dos Mistérios da fé. Vê na teologia positiva uma condição e uma etapa indispensável em direção à mística, a etapa que coroa o conhecimento da fé – scientia fidei. A diferente avaliação do valor da especulação criou duas correntes de mística: a corrente nitidamente racionalizada e humanística (Marsiglio Ficino e Pico della Mirandola), que alia a mística ao neoplatonismo e à escolástica; e a corrente exclusivamente vivencial, bíblica e desracionalizada [mística de Salamanca: S. Pedro de Alcântara (+1562), S. João da Cruz (+1591), S. Teresa de Ávila (+1582)]. Na teologia mística a teologia “genuflexa” predomina decididamente sobre a teologia “sentada”, e a teologia como “diálogo com Deus e a Deus”, sobre a teologia como “diálogo sobre Deus”.

Page 55: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 3 | POR ONDE CAMINHA A TEOLOGIA

47

2 TEOLOGIA INVESTIGADORA E TRANSMISSORA

No período patrístico a teologia brotava dos choques com os grandes problemas daqueles tempos: faziam-se perguntas sobre a unidade e a trindade de Deus, sobre o relacionamento de Cristo com Deus-Javé e com o panteão dos deuses pagãos, sobre a graça, o bem e o mal no mundo... A Idade Média, por sua vez, procedeu à construção de sínteses teológicas, a fim de transmiti-las às gerações futuras em forma de sumas escolásticas. Surgiram dois tipos de teólogos: uns faziam pesquisas, outros ensinavam. Os dois tipos são visíveis também na teologia posterior. Em geral apenas alguns indivíduos ou certos grupos empreendiam novas perguntas ou respondiam a perguntas antigas de forma nova ou renovada; os teólogos restantes transmitiam a doutrina já elaborada por outros, escrevendo manuais ou ensinando de acordo com manuais prontos. Os primeiros tornam-se os “criadores” da teologia, os segundos – os seus “transmissores”. Graças aos primeiros, a teologia se cria e rejuvenesce (teologia in fieri, in statu nascendi); graças aos segundos transforma-se em teologia de manual e escolar, sem a qual a formação do clero e dos teólogos leigos transforma-se quase numa utopia.

O tipo do teólogo “investigador”, que realiza pesquisas, é definido por muitos fatores:

1) aptidão para perceber os problemas;2) capacidade de escolher o método de pesquisa;3) visão do problema no amplo contexto da teologia, das ciências e da vida;4) coragem;5) carisma de teólogo;6) olhos na frente e atrás (atrás para não se afastar das raízes da Tradição; na

frente, para prever e ver os sinais do tempo).

3 TEOLOGIA DAS ESCOLAS E DOS CENTROS DE PENSAMENTO

As escolas teológicas existiram já na antiguidade (escola de Antioquia e de Alexandria). Desempenharam papel significativo na Idade Média a escola dominicana e a franciscana, bem como a dos vitoristas ou teólogos do convento de S. Vítor, nos arredores de Paris, especialmente de Hugo (+1141) e Ricardo (+1173). Na teologia contemporânea as divisões são feitas antes por regiões e ambientes. Fala-se da teologia sul-americana, da teologia do centro romano e alemão; começam a surgir artigos sobre a “teologia negra”, da África, e a “teologia amarela’, da Ásia. Na Polônia das últimas décadas formou-se um centro de teólogos no campo de influência dos professores pe. Inácio Rózycki (+1981) e pe. Vicente Granat (+1979). O Simpósio da Seção Dogmática dos Teólogos Poloneses organizado em Pelplin nos dias 17/18 de setembro de 1984 a respeito do tema, em busca da identidade da teologia polonesa, chamou a atenção para o problema das teologias nacionais. No período pós-conciliar criou-se um centro excepcionalmente criativo de teólogos ligado com a revista internacional “Concilium”.

Page 56: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

48

UNIDADE 1 | HISTÓRIA E IDENTIDADE

4 TEOLOGIA POLÊMICA, IRÊNICA, SIMBÓLICA E ECUMÊMICA

O caráter desses quatro tipos de teologia é definido pela postura diante da teologia não católica ou católica não ortodoxa.

A teologia polêmica (do grego polemos – guerra) procura refutar as opiniões contrárias. Atingiu o seu apogeu histórico no século XVI, na luta teológica com o protestantismo. Visto que os reformistas se posicionaram contra a escolástica baseando-se na Bíblia, a polêmica eficaz devia igualmente adotar uma teologia mais positiva, mais próxima do humanismo. Do grupo dos polemistas poloneses mais eminentes daquele período fazem parte: André Krzycki (+1537), Martim Kromer (+1589), Estanislau Hozjusz (+1579), Estanislau Sokolowski (+1593), Tiago Wujek (+1597) e Pedro Skarga (+1612).

A teologia irenista (do grego eirenikos – pacífico) apresenta as suas teses evitando disputas e ataques a quem quer que seja (desenvolveu-se após a Segunda Guerra Mundial a irenologia, ou ciência da paz religiosa).

A teologia simbólica (do grego symbolikos – que coloca lado a lado) constitui uma forma de teologia irenista. Sem intenção polêmica, coloca lado a lado as opiniões teológicas (ou a fé) das Igrejas cristãs, para destacar as semelhanças e as diferenças. Visto que são as Profissões ou Símbolos de fé que abordam a fé da Igreja da forma mais sintética, a posição das Igrejas é confrontada segundo a disposição lógica desses Símbolos. São utilizados também os textos simbólicos das diversas Igrejas, ou os livros teológicos mais importantes das diversas profissões religiosas, como os documentos conciliares ou a Profissão de Augsburgo. Um clássico da teologia simbólica é Johann Adam Möhler (+1838), autor da obra Symbolika. Um exemplo polonês da teologia simbólica pode ser o número especial da “Unidade”, revista mensal publicada pelo Consistório da Igreja Evangélica Reformada na Polônia; em colunas dispostas paralelamente, apresenta exposições concisas da fé e da teologia da igreja católica romana, evangélica de Augsburgo, evangélica reformada e ortodoxa, e essas exposições são feitas por teólogos das respectivas igrejas: um teólogo ortodoxo faz a exposição da igreja ortodoxa, um luterano da luterana etc.

Teologia ecumênica (do grego oikoumenikos – universal). Não se trata aqui de uma seção da teologia que se preocupe com a problemática do ecumenismo, mas de um tipo especial de teologia que se caracteriza por uma postura em relação às fontes e por uma atitude na pesquisa e na exposição.

A teologia ecumênica considerada a partir das fontes:

1) amplia o âmbito dos loci theoligici, anexando a eles as fontes teológicas típicas de outras Igrejas, como os escritos simbólicos das igrejas protestantes ou a liturgia das Igrejas ortodoxas, bem como a própria teologia das Igrejas irmãs (contrariamente ao princípio de que não devem ser lidos os teólogos não católicos);

Page 57: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 3 | POR ONDE CAMINHA A TEOLOGIA

49

2) controla e eventualmente corrige a sua própria hierarquia de fontes, por exemplo, dando mais atenção ao primado da Sagrada Escritura (graças ao justo postulado da teologia protestante) ou ao significado dos Padres da Igreja orientais (graças ao justo postulado dos teólogos ortodoxos).

Considerada do ponto de vista da postura, tanto na pesquisa como na exposição, a teologia ecumênica procura, de forma consciente, levar em conta os três princípios formulados pelo Decreto sobre o ecumenismo (nº 9-10) e pelo Diretório ecumênico (parte II, nº 117), a saber: o princípio da verdade na apresentação da posição das Igrejas e dos teólogos de fora da nossa profissão religiosa; o princípio da benevolência, que facilita a boa compreensão do outro lado e a correta apresentação da sua posição; e o princípio da afável abertura aos tesouros que descobrimos nos outros e que podem nos enriquecer 12.

Faz parte da teologia ecumênica igualmente a teologia que está amadurecendo nos diálogos doutrinários intereclesiais e que se pronuncia nos entendimentos publicados pelos grupos mistos que dialogam.

5 TEOLOGIA CATAFÁTICA E APOFÁTICA

A teologia catafática (do grego katafatikos – positivo, afirmativo) formula uma ciência sobre Deus para a qual – na sua própria convicção – encontra apoio nas fontes da teologia e também na razão humana. Quase toda a teologia escolástica e a teologia positiva fazem parte desse tipo de teologia.

A teologia apofática (do grego apofatikos – negativo), chamada teologia negativa, baseia-se na premissa de que só podemos falar corretamente de Deus negando, dizendo que ele não é por exemplo como nós, que não é limitado por qualquer coisa, que não se submete às categorias humanas de pensamento etc., ao passo que as tentativas de afirmações positivas sempre têm que terminar no insucesso e na inverdade (além da afirmação de que Deus é, embora também nesse caso é preciso apressar-se com a restrição de que “é” de outra forma que nós e tudo que nos cerca). A teologia apofática enfatiza que Deus é maior que as nossas palavras e os nossos pensamentos, sempre maior e sempre diferente. Só não cometemos um erro quando afirmamos que Deus não é tudo aquilo que conhecemos. O tipo do pensamento teológico apofático expressa uma profunda falta de confiança na especulação e no conhecimento pela analogia. Um eminente representante dessa corrente, o Pseudo-Dionísio Areopagita, escreveu: “Ousamos negar tudo a respeito de Deus para chegarmos a esse sublime desconhecimento que nos é encoberto por aquilo que conhecemos sobre o restante dos seres, para contemplar essa escuridão sobrenatural que está oculta ao nosso olhar pela luz perceptível nos outros seres”.

6 TEOLOGIA DA CRUZ E TEOLOGIA DA GLÓRIA

Martinho Lutero gostava de definir a sua teologia com o nome de teologia da cruz, e chamava a teologia escolástica de teologia da glória.

Page 58: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

50

UNIDADE 1 | HISTÓRIA E IDENTIDADE

De acordo com o seu nome, a teologia da cruz (theologia crucis) concentra-se na cruz de Cristo (entendida amplamente: como rebaixamento de Deus na encarnação, ocultação da divindade na humanidade, aviltamento na paixão) como sendo o “lugar” fundamental da revelação de Deus e da possibilidade de ser aí conhecido pelo homem. Na cruz Deus se oculta da forma mais profunda (Deus absconditus), e nessa ocultação mais profunda revela-se da forma mais plena (Deus revelatus).

A teologia da glória (theologia gloriae) – na interpretação de Lutero – é o conhecimento de Deus pelo caminho recomendado pela escolástica, isto é, o conhecimento da Sua grandeza a partir do mundo, através da analogia, com a apoio da especulação, à moda dos filósofos pagãos.

Embora a explanação reformista de ambos os termos, nitidamente polêmica, simplifique a questão (a escolástica não era indiferente à teologia da cruz, que se desenvolveu de forma excepcionalmente dinâmica, por exemplo, na escola franciscana), não deixa de perceber acertadamente duas correntes que estão presentes na teologia cristã de todos os séculos: 1) uma forte corrente de confiança otimista na razão e nas suas possibilidades de conhecer a Deus a partir das criaturas e 2) uma corrente paralela, embora menos espetacular, marcada por uma visão pessimista da luta da razão humana com o mistério divino (cf. a teologia apofática, a teologia mística, a teologia que serve de base para a devotio moderna, ou as tendências irracionais sempre presentes na teologia, que se manifestam também nos séculos XIX e XX).

7 TEOLOGIA QUERIGMÁTICA

O termo grego kerygma – que significa o anúncio por um arauto da vontade do rei ou de outra autoridade, proclamação, anunciação – foi introduzido em 1936 pelo jesuíta austríaco Joseph Andreas Jungman nas grandes disputas sobre a teologia. Ele constatou que a teologia escolar do seu tempo servia mal ao anúncio dos mistérios salvíficos da fé, e a dramática divisão entre a teologia e a vida estava se aprofundando cada vez mais. Passou a postular então uma renovação do querigma. De uma animada e demorada disputa brotou a consciência aprofundada de que toda a teologia, inclusive a sistemática, devia servir à missão fundamental da Igreja: o anúncio de Cristo e do seu Evangelho. Essa vocação básica de toda a teologia cristã deve definir tanto a escolha da temática, como a forma da sua elaboração teológica e a forma da sua transmissão pastoral.

FONTE: Disponível em: <http://www.diocesedeanapolis.org.br/index.php/teologia/419-tipos-de-teologias>. Acesso em: 26 abr. 2016.

Page 59: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

51

RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico vimos que:

• Existem teologias no continente latino-americano que foram e são muito importantes para o desenvolvimento da região.

• As correntes teológicas descrevem diferentes tipos de teologia com características, objetivos e atuações diferenciadas.

• Houve um crescimento das religiões pentecostais e neopentecostais nos últimos anos na América Latina.

Page 60: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

52

Vamos reproduzir aqui uma questão aplicada no ENADE, em 2015, para que você, acadêmico, possa se familiarizar com a dinâmica utilizada na prova que, obrigatoriamente, os acadêmicos que irão concluir o curso no ano do ENADE, terão que realizar.

(ENADE 2015) Historicamente, o tema central da teologia gira em torno da figura de Deus. Contudo, o ponto de partida da reflexão teológica é a existência histórica, concreta, e, às vezes, trágica, do ser humano que pensa. Uma teologia que abandona decididamente a mentalidade confessionalista de gueto, ainda bastante difundida, é capaz de unir uma ampla tolerância do extraeclesial, do religioso e do simplesmente humano com a reflexão sobre o especificamente cristão. Desta forma, ao se falar de teologia, precisamos encarar a tarefa a partir de óticas múltiplas, dando valor aos pontos de vista de outras ciências. Falar de reconstrução, de contextualização e de óticas múltiplas implica fazer perguntas ao cristianismo que se crê, que se professa e defende. (KUNG, H. Teología para la postmodernidad. Madrid: Alianza Editorial, 1989).

A partir do texto, que discorre acerca da historicidade da teologia, assinale a opção CORRETA.

a) As nuances teológicas enfatizam o humano pensante em detrimento da fé cristã.

b) A teologia trabalhada sob uma ótica científica assegura respostas sobre o sentido da vida.

c) A síntese histórica da teologia apresentada evidencia a figura humana a partir de uma única ótica.

d) O ser humano, como ser pensante e aberto a óticas múltiplas, é capaz de reconstruir sua fé e refletir suas ações.

e) A teologia cristã é ciência completa, capaz de responder aos anseios humanos.

AUTOATIVIDADE

Page 61: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

53

UNIDADE 2

TEOLOGIA E ESPIRITUALIDADE

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir desta unidade você será capaz de:

• identificar as tendências e perspectivas da espiritualidade contemporânea, particularmente no âmbito latino-americano e dos novos movimentos e associações eclesiais;

• apresentar as perspectivas da espiritualidade do Concílio Vaticano II;

• valorizar as experiências e orientações da Igreja quanto ao “rosto” da espi-ritualidade latino-americana;

• compreender a importância da ética cristã na identidade do cristão e sua fundamentação na Sagrada Escritura;

• favorecer o diálogo e o respeito intraeclesial, ecumênico e inter-religioso.

Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dos estudos você encontrará atividades que o(a) ajudarão a fixar os conteúdos estudados.

TÓPICO 1 – ESPIRITUALIDADE E LIBERTAÇÃO

TÓPICO 2 – ÉTICA CRISTÃ

TÓPICO 3 – DIÁLOGO PERMANENTE

Page 62: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

54

Page 63: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

55

TÓPICO 1

ESPIRITUALIDADE E LIBERTAÇÃO

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Vamos estudar, nessa unidade, a relação muito próxima, praticamente univitelina, da teologia e da espiritualidade. Por isso é importante entender que quando falamos de ‘’espiritualidade’’, queremos nos referir a um aspecto interior, experiencial de ser. Queremos entender a espiritualidade como uma região de consciência dentro da qual as pessoas experimentam, e não apenas pensam em um poder superior, o absoluto, Deus, Alá, Nirvana, Senhor, Consciência Cósmica, Consciência Crística, o Vazio, ou, caso mais específico dos cristãos, Jesus Cristo, Santíssima Trindade.

Esta experiência espiritual pode ocorrer em vários níveis: físico,

emocional, cognitivo e transcendente. Espiritualidade é uma qualidade que pode infundir experiência em uma ampla variedade de configurações. Pode ser tanto transcendente quanto imanente: pode ser tanto uma experiência de transcender as preocupações mundanas e uma percepção do momento presente intenso de que o fundamento de todo ser permeia todas as coisas. A essência da espiritualidade é uma vitalidade intensa e uma profunda sensação de entendimento que se compreende intuitivamente como tendo vindo de uma ligação direta, interna com esse princípio misterioso que liga todos os aspectos do universo, a quem nós, cristãos, nos dirigimos – Deus.

Há muitas tradições espirituais, cada uma das quais tem a sua própria

linguagem e os conceitos relativos à natureza única, o caminho que deve ser seguido para experimentar da melhor maneira possível esta realidade à nossa disposição.

Não vamos nos aprofundar sobre isso, porque queremos trilhar no

caminho da espiritualidade que reforça a ação prática, mas, na maioria das tradições espirituais, o misticismo está no cerne da espiritualidade, misticismo este que se refere ao transcendente, a experiências contemplativas que melhoram a compreensão espiritual. Essas experiências místicas podem ocorrer durante práticas intencionais destinadas a criar aberturas para experiências transcendentais, como a oração cristã contemplativa, ou podem ocorrer no processo de viver um estilo de vida que é propício para experiências transcendentais. Algumas práticas já existentes em algumas denominações, como a escuta comunitária, o embate com a própria realidade, a oração, são evidências dessa preocupação com a vivência das Sagradas Escrituras.

Page 64: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 2 | TEOLOGIA E ESPIRITUALIDADE

56

As religiões ditas organizadas, sejam cristãs ou não, no fim das contas são grupos sociais que têm doutrinas teológicas e comportamentais, com momentos de adoração por vezes ritualizada.

Avançando um pouco mais, vemos que a relação entre religião e espiritualidade, com as devidas proporções, se equipara à espiritualidade e teologia. Voltando à religião e espiritualidade, muitas pessoas usam as duas palavras como sinônimas, e realmente, à primeira vista, não conseguimos identificar muitas diferenças entre elas. Outros usam a religião para se referir a um programa sociocultural para o desenvolvimento espiritual e para trazer realizações espirituais na vida cotidiana. E eles usam espiritualidade para se referir às suas experiências internas e vão tentando colocá-las em prática. A maioria das pessoas vê a espiritualidade como um termo mais amplo, que inclui uma maior variedade de experiências do que incluiria sob a religião. Algumas pessoas atribuem pouca ou nenhuma importância à religião organizada, mas, ao mesmo tempo, se veem como pessoas muito espirituais, fenômeno esse muito forte na atualidade.

O que queremos é mostrar a importância de uma espiritualidade forte,

fundada em preceitos bíblicos, próxima a uma teologia que prioriza a libertação, ao resgate do ser humano. Vamos então avançar.

2 TEOLOGIA ESPIRITUAL OU ESPIRITUALIDADE TEOLÓGICA

Provavelmente, João Batista Libâneo tenha dito que a teologia sem espiritualidade é vazia e espiritualidade sem teologia é cega. Se não disse, deveria ter dito.

Só no Ocidente e apenas durante o século XII, quando o empreendimento

teológico mudou a partir dos mosteiros para as novas universidades, é que o pensamento cristão começa a se tornar uma atividade distinta da ascese, enquanto a contemplação tende a separar-se da eucaristia e também da ética.

E isso é muito bom, porque a espiritualidade vai aos poucos se tornando uma teologia com a atitude, a teologia com a alma – mas não uma alma sem corpo. Uma espiritualidade verdadeiramente cristã encarnada.

Esta espiritualidade conduz a algumas práticas que podem ser desde um simples jejum (uma prática comum para católicos e de forma desavergonhada nos dias atuais com dietas estúpidas e sem contexto), bem como práticas mais complexas que, mais que exigir um corpo resistente, pedem muito mais que isso, pedem uma mudança de vida, de atitudes, de testemunho. Usualmente, a espiritualidade nos leva a encontrar o nosso eu, e aí, quando nos encontramos, podemos ir ao encontro do outro, conviver com o outro sem nos anularmos. Essa é a linha mestra do sucesso de um casamento.

Page 65: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 1 | ESPIRITUALIDADE E LIBERTAÇÃO

57

Não obstante, na filosofia neoplatônica, mesmo sob influência gnóstica insidiosa, e mesmo - por assim dizer - não muito apropriado aqui como exemplo, mas o quarto de um casal, bem como a cela do monge, guardadas as devidas proporções, podem ser um lugar onde o céu e a terra obtêm bênçãos e graças conforme a intensidade espiritual e teológica ali vivenciada. Na verdade, o material como tal, é (perdoem o trocadilho) uma questão espiritual. E aí, perdemos momentos preciosos de comemoração, de confraternização, de renovação.

FIGURA 18 – CASAMENTO TAMBÉM É RENÚNCIA

OBRIGADO!ESTOU JEJUANDO

EMCONSAGRAÇÃO

É UMVOTO DE

DOISANOS

FONTE: Disponível em: <https://marcotelesc.files.wordpress.com/2009/04/jejum.jpg>. Acesso em: 15 abr. 2016.

A espiritualidade pode ser entendida como a teologia de joelhos, mas também é teologia dos pés que se põem no trabalho. "Pão para mim é uma questão física", disse Nicolas Berdyaev (1957), "comprar pão para o meu vizinho é uma questão espiritual".

Qualquer autêntica espiritualidade cristã terá shalom – paz e justiça – em seu coração. Tem o ‘olhar para o lado’ e ver a necessidade do próximo e compadecer-se dele. Vejamos o que nos diz o evangelho de Mateus: “ao que lhes responderá o rei: em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes”. (BÍBLIA, N. T. Mateus, 25:40)

Page 66: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 2 | TEOLOGIA E ESPIRITUALIDADE

58

Os cristãos latino-americanos – aqui, preferencialmente, os mais pobres – visualizam certas semelhanças entre o contexto histórico e social em que Jesus realizou sua missão, com todos os desafios e conflitos elencados na Sagrada Escritura, e o contexto histórico e social em que os cristãos latinoamericanos estão agora testemunhando em sua fé. Percebemos então que essa humanidade de Jesus – como sempre, o lugar primordial da experiência cristã – é capaz de misturar a mesma experiência de fé e amor de Jesus com as tarefas históricas da atualidade.

Esta espiritualidade da libertação vem da experiência de vida entre os pobres e necessitados. Essa experiência traz uma preocupação e solidariedade com a justiça. Para os cristãos, tais experiências, que à primeira vista tendem a ter um viés ético e sociológico, vão se tornando experiências espirituais na medida em que descobrem nos pobres um lugar de compaixão e predileção de Deus, e uma revelação misteriosa da humanidade de Jesus. Conhecimento e contemplação de Jesus e da opção preferencial pelos pobres tornam-se inseparáveis. Quando se entende essa condição de pobreza, isso passa uma fonte de espiritualidade através da humanidade de palavras e ações de Jesus.

A espiritualidade da libertação tende a enfatizar a vivência de Jesus sob o impulso do espírito como o impulso essencial da cristandade. Aqui cabe destacar esta mesma tendência, também encontrada na dedicação de Maria, sempre um fator importante em qualquer espiritualidade latino-americana. Maria é agora vista mais em seu relacionamento com Jesus, como se apresenta na Bíblia; seguidora perfeita de Jesus, compartilhando sua missão e preocupações, como exemplo fundamental da vida cristã.

Seus privilégios e seu papel especial no que diz respeito à humanidade – como fator importante no 'catolicismo popular' – são 'humanizados' para as pessoas quando começam, a partir de Maria com sua humildade e vida simples, seu carinho com o povo oprimido.

Não é por acaso que as teologias da libertação estão profundamente comprometidas com a combinação de experiência, reflexão, ação e oração/adoração/eucaristia, veem na figura de Maria também uma fonte inspiração para não desistir, mesmo de uma realidade dura. Espero que você, acadêmico, consiga identificar esta realidade nesses nossos estudos e também nas realidades que o circundam.

Então, o que é "espiritualidade"? Talvez a espiritualidade é uma daquelas coisas que é mais fácil mostrar do que dizer.

Mas a espiritualidade é muito mais do que uma ciência de interpretar experiências pessoais excepcionais; a espiritualidade toca todas as áreas da experiência humana: o público e o social, as dores, os caminhos tortuosos, até mesmo patológicos da mente, o mundo moral e relacional. E a meta de uma vida cristã não se torna iluminação, mas totalidade – uma aceitação deste pacote complicado e confuso de experiências como um possível teatro para o trabalho criativo de Deus. É Deus brincando conosco? Não acredito nisso. Acredito que é Deus nos dando liberdade de fazer escolhas, livres.

Page 67: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 1 | ESPIRITUALIDADE E LIBERTAÇÃO

59

FIGURA 19 –LIBERDADE DE ESCOLHAS

FONTE: Disponível em: <http://ocatequista.com.br/archives/13708>. Acesso em: 15 abr. 2016.

Em um sentido importante, então, "espiritualidade" é praticamente sinônimo de discipulado, partindo exatamente de onde você está e dando o próximo passo no seguimento de Jesus para onde quer que Ele nos leve. Assim, uma boa dose de santidade tem a ver com discernimento.

Page 68: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 2 | TEOLOGIA E ESPIRITUALIDADE

60

3 ESPIRITUALIDADE E LIBERTAÇÃO CRISTÃ

Para melhor entender uma "espiritualidade da libertação", devemos em primeiro lugar tentar entender a ligação que se dá no núcleo da Teologia da Libertação. Falando da América Latina, a Teologia da Libertação tem sido de grande valia, pois tem despertado grande interesse, seja no meio acadêmico, seja na própria sociedade e, é claro, com efeito sobre o resto da Igreja. Ela também tem despertado controvérsia, principalmente porque nem todos os chamados ‘teólogos da libertação' pensam da mesma forma. Até certo ponto, essa expressão 'teologia da libertação' tornou-se um termo ambíguo, que precisa ser explicado sempre que é usado.

Uma questão fundamental é saber se é de fato legítimo falar sobre uma "espiritualidade da libertação", como uma forma especial de espiritualidade cristã. No sentido de que há substancialmente apenas uma espiritualidade cristã, que é viver pelo espírito, de acordo com o evangelho, e de seguir Jesus Cristo com a ajuda da Igreja – independentemente da sociedade, qualquer que seja a cultura, seja quais forem as circunstâncias pessoais. Neste sentido, todas as formas de espiritualidade (e no nosso caso a espiritualidade de renovação e libertação) devem estar em continuidade com as melhores tradições espirituais da Igreja. Elas devem reproduzir e renovar os valores essenciais de qualquer genuína espiritualidade cristã: o valor supremo de amor, oração e contemplação, ascese e abnegação, uma predileção para os pobres e necessitados, a caridade fraterna, nutrição espiritual pela Sagrada Escritura e pelos sacramentos, e assim por diante. Claramente, uma espiritualidade de libertação tem que levar tudo isso em conta.

Por outro lado, há uma espiritualidade da libertação no sentido de que pode haver uma pluralidade de espiritualidades, devido ao fato de que qualquer autêntica espiritualidade cristã tem um rosto humano. A singularidade da espiritualidade na atualidade se expressa sob novas formas, em diferentes contextos sociais e culturais, em diferentes experiências humanas e cristãs. Neste sentido, podemos concordar que há uma espiritualidade da libertação, pelo menos emergente, no mesmo sentido em que nós concordamos que há uma espiritualidade monástica, ou uma espiritualidade medieval, ou uma espiritualidade cristã oriental, ou, como no nosso caso, uma espiritualidade do matrimônio, ou de missão ou uma espiritualidade do exílio. Poderíamos até, de forma muito particular, dizer que não há espiritualidade cristã. Há 'uma espiritualidade de algo', e esse algo é o evangelho. Mas a experiência do evangelho é vivida em diferentes culturas e situações. Talvez, por isso, seria mais correto, mais real e verdadeiro falar de uma "espiritualidade em tempos de libertação" ou "em culturas ou sociedades em necessidade de libertação".

Page 69: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 1 | ESPIRITUALIDADE E LIBERTAÇÃO

61

O que precisamos verdadeiramente focar nessa renovação espiritual tão necessária do cristianismo latino-americano sob o signo da libertação é a reavaliação do Jesus histórico. A Teologia da Libertação acredita que a teologia espiritual tem sofrido de uma concepção excessivamente abstrata e idealista de Jesus Cristo, que se tem separado da verdadeira espiritualidade histórica e encarnada que Jesus experimentou. Assim, teólogos apontam os ataques que esta verdadeira espiritualidade vem sofrendo daqueles que são capazes de invocar “o Espírito de Cristo”, mas não olham para o concreto Jesus, para a sua vida real. Eles continuam apelando para algum espírito vago que não é o espírito que serviu como a força motriz por trás da história concreta de Jesus.

Também podemos ver que por trás da espiritualidade da libertação há uma nova cristologia, com reflexões sobre os evangelhos por grupos cristãos ou comunidades eclesiais de base, que, por incrível que pareça, ainda existem. Ambos começam a partir do Jesus histórico, e eles veem Jesus Cristo não como um problema teológico abstrato, mas, sim, como uma verdade concreta que lança luz e inspiração na verdade concreta da nossa própria experiência vivida.

O que os latino-americanos descobriram a partir desta abordagem a Jesus Cristo é a semelhança notável entre a situação histórica e social em que Jesus viveu e agiu e a situação na América Latina hoje. Os temas vitais que cercam o Jesus histórico e os temas de vida e morte que cercam a América Latina coincidem: a realidade nascente do reino de Deus que é justiça para os pobres; o apelo à conversão radical como uma opção para os pobres; a situação de crise de uma sociedade caracterizada pelo pecado social; a relação entre ortodoxia e ortopraxis. Mas isso fica claro somente quando vemos a história de Jesus, não em termos idealistas que nos chegam pelos catecismos ou por dogmas, mas em termos de categorias históricas que descrevem a vida humana de Jesus: denúncia e anúncio do Evangelho, conflito e confronto, confiança incondicional no plano de Deus.

Assim, a Teologia da Libertação e da espiritualidade leva a sério a humanidade de Jesus. Mas hoje estamos mais conscientes da necessidade de levar a humanidade de Jesus a sério não só em suas implicações históricas pessoais, mas em toda a história. Essa condição facilita e nos permite recuperar a dimensão essencial da vida e discipulado cristão: o seguimento de Jesus histórico pelo impulso do espírito. E não só isso. Impulsiona-nos a proclamar que a América Latina precisa mesmo é de uma igreja ‘para educar as pessoas capazes de moldar a história de acordo com as 'práxis' de Jesus’. Esta espiritualidade exige um seguimento real de Jesus no sentido de que a sua própria história e da práxis se tornam o modelo e a base de nosso estilo de discipulado e evangelho da vida.

Veja, acadêmico, que estamos na segunda unidade e já estamos falando de uma Teologia da Libertação, de uma igreja engajada na perspectiva do pobre. Não esqueça que a Sagrada Escritura apresenta três possíveis situações de pobreza: o órfão, a viúva e o estrangeiro, e temos a confirmação de que “pobres, sempre os tereis”. (BÍBLIA, Jo 12: 8.

Page 70: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 2 | TEOLOGIA E ESPIRITUALIDADE

62

LEITURA COMPLEMENTAR

Livro, cap. e vers.) Então podemos assim raciocinar: se hoje temos pobres que não se enquadram nesses três tipos, alguma injustiça está ocorrendo, e é aí que a teologia, e nós, precisamos nos atentar.

ESPIRITUALIDADE CRISTÃ E QUALIDADE DE VIDA

Flávio Sobreiro

Quando falamos em qualidade de vida, logo nos lembramos de uma alimentação saudável, exercícios, noites de sono bem dormidas e outras centenas de métodos que visam cuidar da pessoa de um modo que ela possa viver mais e melhor. Mas onde entra a espiritualidade cristã dentro do contexto da qualidade de vida?

Hoje, o ser humano é visto como um todo. Não somos um compartimento com gavetas diferenciadas. Tudo o que faz parte de nós compõe aquilo que somos. E a espiritualidade está presente naquilo que faz parte de nossa existência em sua totalidade.

Quando descuidamos da alimentação, o nosso corpo, as nossas emoções, o nosso humor, o nosso sono, a nossa autoestima, o nosso desempenho no trabalho, as nossas motivações respondem de maneira negativa. O mesmo processo acontece quando descuidamos de nossa espiritualidade. Todo o nosso ser responde negativamente.

Uma qualidade de vida saudável também exige que a espiritualidade seja cuidada. Muitos adentram em complexos processos de depressão sem saber o real motivo desse estado negativo que, aos poucos, vai se enraizando na vida. Em muitos casos, alguma área social, psicológica ou espiritual sofreu algum abalo. Além do acompanhamento médico e psicológico, faz-se necessário que o paciente também ajude a si mesmo. É neste momento importante do processo de cura que a espiritualidade ocupa uma importante função.

Uma vida com qualidade exige de todos nós uma vivência espiritual saudável e equilibrada, na qual possamos cuidar de todos os outros aspectos que nos compõem, sem deixarmos de lado nenhum deles, incluindo nossa espiritualidade.

Adquirimos uma qualidade de vida espiritual saudável quando reservamos um tempo para a nossa oração diária. A oração nos devolve a paz e nos coloca em contato com nossa própria alma e com Deus já presente nela. Silenciosamente, o Senhor vai transformando o nosso interior para que o exterior seja um reflexo daquilo que foi sendo cultivado nos tempos sagrados, reservado para o nosso crescimento na fé, na esperança e no amor.

Page 71: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 1 | ESPIRITUALIDADE E LIBERTAÇÃO

63

A espiritualidade somente é saudável quando é vivenciada com equilíbrio. Tudo o que foge ao equilíbrio torna-se espiritual e psicologicamente perigoso. O trabalho, o esporte, o lazer, a diversão, o descanso, a participação na vida de comunidade são importantes para o nosso crescimento humano, social, mental e espiritual. E em todos estes ambientes a espiritualidade deverá estar presente. A experiência de Deus que trazemos gravada em nossa alma não fica isolada das outras experiências da vida, mas as potencializa.

Quem separa a vida social da experiência espiritual que traz em si perde-se nos territórios de sua própria alma. O equilíbrio entre a vida e a fé não é motivo para nos afastar das diferentes realidades que nos interpelam. Uma vida espiritual madura, sadia e equilibrada abre-nos um caminho de paz que é trilhado a partir das experiências de fé que estão sendo cultivadas em nosso próprio coração.

Quem descobriu na espiritualidade um jeito maduro de ser mais humano e divino encontrou em si mesmo o segredo do amor de Deus, que em nós equilibra todos os aspectos da vida.

FONTE: Disponível em: <http://noticiascatolicas.com.br/espiritualidade-crista-e-qualidade-de-vida.html>. Acesso em: 21 mar. 2016.

Page 72: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

64

RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico vimos que:

• Há uma relação muito próxima, praticamente univitelina, da teologia e da espiritualidade.

• É importante entender que quando falamos de ‘’ espiritualidade’’ queremos nos referir a um aspecto interior, experiencial de ser.

• Para melhor entender uma “espiritualidade da libertação”, devemos em primeiro lugar tentar entender a ligação que se dá no núcleo da Teologia da Libertação.

• A Teologia da Libertação tem sido de grande valia na América Latina, pois tem despertado grande interesse, seja no meio acadêmico, seja na própria socidade e, é claro, com efeito sobre o resto da Igreja.

Page 73: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

65

AUTOATIVIDADE

Levando em consideração a importância do ENADE para você, acadêmico, e para a instituição, vamos reproduzir aqui algumas questões aplicadas no ENADE em 2015, para que você possa ir se familiarizando com a dinâmica utilizada na prova que, obrigatoriamente, os acadêmicos que irão concluir o curso no ano do ENADE terão que realizar.

1 Questão 24 – ENADE 2015Ultimamente, a leitura bíblica orante, além do estudo histórico e literário, está sendo promovida em nível comunitário. O escutar em comunidade valoriza ainda mais a Palavra, faz com que ela saia da posse pessoal. A lectio se torna proclamação, a meditativo toma a forma de confronto consciente com a realidade em que vivemos, inclusive a realidade coletiva, política, cultural. A oratio torna-se expressão daquilo que a comunidade coloca diante de Deus (e diante dos outros). Então, a contemplatio não será apenas um momento de minha alma com Deus, mas de presença de Deus junto a seu povo. KONINGS, J. Por uma pastoral inteiramente bíblica. In: FERNANDES, L. A. et al. (Orgs.). Exegese, teologia e pastoral: relações, tensões e desafios. Santo André: Academia Cristã, 2015 (adaptado). No texto acima destacam-se aspectos mais abrangentes para uma pastoral bíblica. Nessa perspectiva, além da leitura e do estudo da Bíblia, consideram-se características principais de uma pastoral bíblica:

(A) – A organização das atividades litúrgicas de modo individual.(B) – O fundamentalismo cristão, a tolerância entre os cristãos e a expressão de fé.(C) – A escuta comunitária, o confronto com a realidade, a oração e

contemplação.(D) – O isolamento pessoal, a oração e o jejum para uma maior proximidade

com Deus.(E) – A valorização da tradição, a hermenêutica e o isolamento para favorecer a

meditação.

2 Identificar três textos do Novo Testamento que falam explicitamente sobre ‘pobre’.

Page 74: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

66

Page 75: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

67

TÓPICO 2

DIÁLOGO PERMANENTE

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Nós somos chamados a ser um, porque Deus é um só. Mas o único Deus é Trindade: é por isso que a unidade não pode significar uniformidade. A palavra de ordem da diversidade eclesial, às vezes, pode dar a impressão de que ela é simplesmente uma manobra tática para apaziguar os cristãos que valorizam a liberdade de consciência e temem por uma autoridade centralizada, válida para todos. Parece que delegar as responsabilidades para outros fica mais fácil, mas é preciso nós mesmos tomarmos nossas decisões. Ir ao encontro do outro é uma delas. Desvencilharmo-nos de nossas próprias amarras, prisões, preconceitos. E já sabendo que o outro é outro porque é diferente de nós. E isso é muito bom.

Pelo contrário. Estudiosos de denominações diversas afirmam que não existe apenas um fluxo estreito de fé em Jesus no Novo Testamento, mas um grande rio largo de muitas correntes. Há, é claro, limites para a diversidade aceitável, mas gostaríamos de sugerir que eles se encontram dentro dos parâmetros de: (a) um batismo comum, (b) uma confissão trinitária de fé, e (c) a crença em Cristo crucificado e ressuscitado como Senhor e Salvador. Além disso, seria razoável esperar mais acordo entre nossas igrejas do que apenas distanciar-se uma das outras por simples ignorância ou medo.

No meu ponto de vista, limitado, é claro, talvez o maior obstáculo para um futuro ecumênico é a recusa em reconhecer nosso passado antiecumênico. Católicos mataram protestantes e os protestantes mataram católicos – na verdade, protestantes mataram outros protestantes. Acredito que o progresso no diálogo não pode vir de uma negação da história. O que se faz necessário é o arrependimento, reconhecimento e reconciliação em um caminho verdadeiramente ecumênico.

Page 76: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 2 | TEOLOGIA E ESPIRITUALIDADE

68

2 UMA TEOLOGIA ALÉM MUROS

A unidade da Igreja não é uma opção na agenda da paróquia, ou da comunidade, ou do presbitério, ou uma responsabilidade que pode ser delegada a um grupo de notáveis. Deve ser parte integrante da vida de todos os crentes e de suas comunidades.

No discurso de despedida no evangelho de João, Jesus pede ao Pai para santificar seus discípulos na verdade e assim Ele os envia para o mundo. Em seguida, ele reza: "Eu não peço apenas em nome destes, mas também em nome de quem vai acreditar em mim pela sua palavra, para que possam ser um. Como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, que também eles estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste (João 17, 20-21). Veja, acadêmico, que o imperativo ecumênico é inerente ao imperativo missionário. Como a igreja pode, com integridade, proclamar shalom para o mundo quando não vive uma koinonia verdadeira?

DICAS

Caro acadêmico! Para aprofundar seus conhecimentos com esses termos – koinonia, shalom, ecumenismo, ortopráxis, ortodoxia e tantas outras que vão aparecendo neste nosso texto, sugiro que você busque mais leitura desses pensadores: Martin Niemöller e John Haward Yoder, que vão fazer essa ligação entre o movimento ecumênico que extrapola o campo missionário e chega até a promoção da paz.

Enfim, o que eu quero chamar atenção é para a ligação entre a unidade, o diálogo e a paz. E aí, trazendo para a teologia, a ortopraxia deve ser tão essencial para o projeto ecumênico como a ortodoxia.

3 A TOLERÂNCIA NO DIÁLOGO

Neste mundo globalizado, onde as pessoas de diferentes origens, culturas e religiões estão vivendo juntas, e onde o mundo se tornou multicultural e cheio de diversidade, estabelecer a tolerância e a harmonia tornou-se condição fundamental para manter o mínimo de paz.

A ausência da tolerância leva para a luta, violência e, finalmente, destrói a paz e a segurança da sociedade. Quando as pessoas falham em seus argumentos tornam-se intolerantes, e, em seguida, usam da força e agressividade para reforçar o seu ponto de vista. Vimos incidentes consideráveis na história recente no mundo e também no Brasil, em que, por causa da falta de tolerância, as pessoas têm atacado pessoas de outras crenças, seus locais de culto, as suas comunidades. O mundo está cheio de diversidade, e essa é justamente a beleza do nosso universo.

Page 77: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 2 | DIÁLOGO PERMANENTE

69

Na sociedade humana a religião é, sem dúvida, a força mais poderosa e difundida na vida humana. Alguns sugerem que mais guerras têm sido travadas, mais pessoas morrem, ou seja, há mais o mal perpetrado em nome da religião do que de qualquer outra instituição. No entanto, no final, a religião organizada não é nada mais do que um sistema de crenças construídas em torno de uma determinada ideia de como as coisas são. Jesus queria fundar uma religião? Buda queria fundar uma religião? Maomé? Infelizmente, quando as ideias religiosas se transformam em dogmas e doutrinas, tornam-se, a partir daí, motivo de críticas, e por isso pode-se acusar as religiões de causarem problemas que são quase impossíveis de resolver.

Muitos crentes, especialmente a partir da ala conservadora das religiões do mundo, aceitam que o conhecimento completo das questões religiosas e espirituais foi revelado para a humanidade nos tempos antigos através de algum livro sagrado: vide cristãos – a Bíblia, a Torá etc. No entanto, a maioria dos liberais religiosos sugere que nós nos enganamos se imaginarmos que as nossas ideias atuais sobre questões religiosas e espirituais abrangem mais do que uma pequena fração da verdade ainda a ser descoberta. Nós não estamos no mesmo limiar da nossa compreensão dos mistérios finais. Somos parte de uma realidade que nos confronta com perguntas sobre estes assuntos, e nos foi dada uma inteligência que não pode descansar até que se obtenha algumas respostas a estas perguntas. O que não se pode é jogar toda tradição, história, doutrinas, ritos, cultura no lixo e ignorar o que se produziu a partir das verdades religiosas.

FIGURA 20 – TOLERÂNCIA E DIÁLOGO

FONTE: Disponível em: <http://muquedepeao.blogspot.com.br/2012/07/existe-pecado-ao-sul-do-equador.html>. Acesso em: 14 abr. 2016.

Page 78: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 2 | TEOLOGIA E ESPIRITUALIDADE

70

A maioria das pessoas não está ciente de que a maior parte dos conflitos das diferentes tradições religiosas, bem como as suas principais diferenças doutrinárias, estão na preocupação de dar respostas a perguntas que não são relevantes, às questões que não são respondidas, a perguntas que não têm respostas, ou perguntas que levam aos mesmos argumentos. Por outro lado, os temas que são realmente importantes são raramente discutidos. Isso pode ser porque a matéria em discussão é difícil de lidar ou que são simplesmente relutantes em comprometer os interesses desgastados ou adquiridos. Juntamente com o fornecimento de respostas erradas a perguntas certas, esta prática leva à rigidez de pensamento.

Se existe apenas uma verdade, por que as mensagens dadas pelas diferentes religiões se mostram tão confusas e diferentes? Por que deveria haver tantas revelações que não concordam umas com as outras, e que todas carregam as marcas do tempo e lugar do seu surgimento? São as atuais religiões apenas uma fase de uma evolução contínua em direção a uma religião universal?

A base espiritual para a tolerância religiosa é o reconhecimento da fonte comum de todas as grandes religiões do mundo. Entre os direitos humanos básicos, o direito de seguir a própria consciência em matéria de religião e de crença é sem dúvida uma das mais bem aceitas.

A nossa imagem da realidade última é influenciada por um efeito de seleção inevitável – a de nossa existência. Nossa mente humana sempre vê tudo a partir de uma perspectiva limitada e, portanto, incompleta: é mais difícil de discutir qualquer questão religiosa sem tomar partido. A este respeito, considere o dano feito em escolas religiosas, onde as crianças, em seus primeiros anos, são encorajadas a ver a vida através do prisma de uma doutrina e culturas carregadas de preconceitos religiosos, adquirindo assim uma visão caolha levada praticamente para toda sua vida.

Somos mais bem informados que nossos pais e avós eram. Devemos usar esse conhecimento extra. Podemos buscar alguma ajuda na filosofia, mas as expectativas não parecem ser particularmente brilhantes, porque, pela sua própria natureza, a filosofia é bastante inconclusiva.

Existe uma prática amplamente aceita, principalmente na academia, para basear respostas para os problemas religiosos sobre definições arbitrárias, terminologia discutível, hipóteses controversas que violem os princípios básicos da física elementar, e noções não testáveis. Até agora, há pouco objeto de estudo para esta abordagem.

Embora a religião universal ainda é apenas uma utopia, uma determinada tentativa deve ser feita na reconciliação dos diferentes sistemas de crença, que deixe espaço para a discordância inteligente.

Page 79: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 2 | DIÁLOGO PERMANENTE

71

É nessa convicção que devemos tolerar as crenças espirituais e religiosas de outras pessoas. No entanto, a crença não existe de forma isolada do resto do mundo. Crenças podem gerar ações e às vezes essas ações podem prejudicar os outros.

Há uma linha muito tênue entre a intolerância religiosa e a crítica legítima de práticas religiosas prejudiciais. Por exemplo, e aqui todo cuidado é pouco, mas é possível perceber que se pode ser religiosamente tolerante com crenças mesmo sendo crítico de um grupo ou pessoa que exerça qualquer dos seguintes atos, ou recomenda, ensina ou defende que outros executem esses atos que seguem. São alguns, porém, acadêmico, é possível que lembremos outros:

• Discrimine arbitrariamente no emprego com base na deficiência, sexo, estado civil, nacionalidade, raça, religião, orientação sexual etc.

• Reduza os direitos civis e humanos das mulheres, das minorias sexuais, das minorias raciais etc. no fornecimento de alojamento, permitindo que um casal para se casar, permitindo que um candidato a ser considerado para a ordenação etc.

• Encoraje as pessoas a serem mordidas por cobras venenosas como um teste de fé.

• Física e/ou psicologicamente abuse de crianças durante a condução para exorcizar possíveis "demônios" durante um exorcismo.

• Prive uma criança de cuidados médicos necessários em favor da busca de uma cura através da oração, a menos que estudos confiáveis mostram que a oração é pelo menos tão eficaz quanto o tratamento médico convencional.

• Fisicamente abuse de uma criança com base em uma crença religiosa que vem com a seguinte afirmação: "poupar a vara estraga a criança".

• Expresse ódio a grupos inteiros de pessoas com base em sua idade, deficiência, sexo, nacionalidade, raça, religião, orientação sexual etc.

FONTE: Adaptado de: <http://pt.depositphotos.com/7558930/stock-photo-proverb-spare-the-rod-and.html>. Acesso em: 10 maio 2016.

Cada religião, e cada tradição dentro de uma religião, ensina um conjunto de ritos e de crenças. Alguns, por exemplo, podem ter poucas crenças, deixando que seus membros cultivem suas próprias convicções religiosas. Outros, como, por exemplo, o Catolicismo Romano, têm milhares de crenças, de ritos, de doutrinas.

Muitas religiões têm algumas crenças em comum. Por exemplo, quase todos os grupos religiosos têm uma ética de reciprocidade (também conhecida como a Regra de Ouro), que apela aos seus membros para que se use do bom trato com as outras pessoas de forma decente.

Mas quando se trata da fé, diferem grandemente e aí podemos sinalizar algumas dessas diferenças levando em consideração o que de antemão já conhecemos:

Page 80: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 2 | TEOLOGIA E ESPIRITUALIDADE

72

• Na natureza da sua divindade/divindades - se ele, ela, ou eles permeiam o universo, são remotas, são íntimos, ou estão dentro do indivíduo na forma de possessão por espíritos.

• No número de divindades – se 0, 1, 2, uma trindade – três pessoas em uma divindade – ou muitos.

• Na natureza da humanidade – se somos inerentemente pecaminosos, naturalmente bons, ou propensos ao mal devido à falta de conhecimento.

• Na origem do universo – a crença na teoria da evolução ou crença em uma das muitas centenas de histórias de criação, incluindo o design inteligente.

FIGURA 21 – FÉ E RAZÃO

DARWIN, OLHE ISSO!

VAI DEMORAR MUITO?OLHE ISSO! NÃO NÃO, SÓ

MAIS ALGUNSMILHARES DE ANOS.

FAÇA MELHOR!PUF!

FONTE: Disponível em: <http://subirquadrado.blogspot.com.br/2010_07_01_archive.html>. Acesso em: 15 mar. 2016.

A figura acima demonstra esse embate entre fé e razão, que em muitos pontos já foi superado, porém, em outros, ainda é determinante e causa muito barulho.

Acreditamos que o atrito e o ódio entre as religiões podem ser reduzidos através da compreensão. Mas o entendimento só pode ser alcançado se as pessoas aprendem sobre os princípios das outras religiões. Elas precisam saber como as crenças de outros grupos religiosos diferem umas das outras e de seu próprio grupo de fé. O conhecimento traz o respeito e o diálogo aproxima.

Page 81: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 2 | DIÁLOGO PERMANENTE

73

Como já mencionamos anteriormente, podemos identificar a tolerância religiosa como estendendo a liberdade religiosa para as pessoas de todas as tradições religiosas, embora difiram em suas crenças e/ou práticas. Já liberdade religiosa podemos definir na sua ação de dar liberdade para que a pessoa:

• Acredite através da adoração e testemunho (ou praticar a liberdade de crença, culto e testemunho), como quiser;

• Tenha condições de mudar suas crenças ou religião; e associado com os outros para expressar suas crenças dentro de limites razoáveis, para tentar convencer os outros a adotar suas crenças.

FIGURA 22 – A TOLERÂNCIA

FONTE: Disponível em: <http://www.catolicoemverso.com.br/2015_01_01_archive.html>. Acesso em: 25 abr. 2016.

Nós sentimos que as comparações de crenças e críticas às práticas que ferem os outros são permitidas dentro dos limites da tolerância religiosa. Esta tolerância deve levar ao diálogo, porque, por si só, não tem sentido.

Avançando nessa compreensão, quando falamos no diálogo inter-religioso, este vai acontecendo a partir de discussões que conduzem para a compreensão mútua realizada entre os diferentes grupos religiosos. Esta definição não significa, contudo, apenas fornecer as orientações no âmbito das quais o diálogo inter-religioso formal deve ser realizado. Somente conceitua.

Como os cristãos podem dialogar com membros de outras religiões, sem comprometer suas crenças e cair no sincretismo, enquanto ao mesmo tempo se mantêm respeitosos para com os não cristãos? Quando se trata de diálogo, é sempre um desafio.

Page 82: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 2 | TEOLOGIA E ESPIRITUALIDADE

74

Um dos documentos fundamentais no diálogo inter-religioso é o “Diálogo do Decálogo”, de Leonard Swidler (1988). Esta obra apresenta dez "mandamentos" para se engajar em diálogo inter-religioso construtivo. Estes mandamentos são – parafraseando os Dez Mandamentos (os da Sagrada Escritura, é claro):

1. O objetivo do diálogo é aumentar a compreensão.2. Os participantes devem se envolver tanto no diálogo entre si, quanto no

diálogo inter-religioso.3. Os participantes devem ser honestos e sinceros.4. Os participantes devem assumir que os outros participantes são igualmente

honestos e sinceros.5. Cada participante deve se permitir fazer sua autodefinição.6. Não deve haver preconceitos quanto às áreas de desacordo.7. Diálogo não pode ocorrer somente entre iguais.8. Diálogo só pode ocorrer onde há confiança mútua.9. Os participantes devem ser autocríticos de suas tradições religiosas.10. Os participantes devem tentar experimentar como as tradições de outros os

afetam de forma holística.

Swidler (1988) é explícito quando diz que o diálogo só deve ocorrer entre iguais circunstâncias, situação confirmada no Concílio Vaticano II, que descreve dessa forma: “par cum pari”. Isto significa simplesmente que os participantes devem ser iguais em autoridade ou posição dentro de suas comunidades religiosas (e, quando possível, iguais em educação).

Um diálogo entre um líder de um grupo religioso e um recém-convertido ao outro não seria um verdadeiro diálogo; o recém-convertido provavelmente seria incapaz de facilitar a discussão que está sendo colocada em pauta.

Outro estudioso do diálogo inter-religioso, Paul Griffiths (2001), afirma que os participantes devem ser os "intelectuais representativos" de uma comunidade religiosa, que "normalmente envolvem, entre outras coisas, a formulação e defesa de frases que expressam as doutrinas da comunidade". Esses intelectuais devem ter, para citar Vaticano II, "igualdade na aprendizagem e igualdade ao nível das responsabilidades obtidas conforme suas experiências de vida".

Page 83: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 2 | DIÁLOGO PERMANENTE

75

FIGURA 23 – DIÁLOGO E GLOBALIZAÇÃO

FONTE: Disponível em: <http://tvl.pt/wp-content/uploads/2013/11/relegioes_forum.jpg>. Acesso em: 29 mar. 2016.

Uma área em que os participantes devem ter uma educação igual é em relação à religião (ou religiões) com que estão dialogando. Cada participante deve ter um conhecimento mais aprofundado sobre as crenças e práticas da outra comunidade religiosa. Por exemplo, cada participante poderá realizar um doutorado em uma área de estudos religiosos; no entanto, o diálogo será desigual se apenas um participante tem conhecimento sobre a religião do outro. Este é um dos motivos de tantos dissabores nessa área: a incompreensão, a ignorância a respeito da história, da tradição, em relação a outra religião.

A crença de Swidler é a de que deve haver confiança mútua entre os participantes, e isso indica a necessidade de os participantes serem conhecidos pelos outros. Isso não significa que os participantes devem ser amigos íntimos. Em vez disso, enfatiza a importância da participação de intelectuais que realmente sejam representativos em suas denominações, para que o diálogo não seja raso, superficial. Essa condição permite que todos os participantes, a priori, desenvolvam respeito e confiança um para o outro antes de iniciar o diálogo. A capacidade de avaliar o histórico de vida dos próprios participantes também irá garantir que todos se motivem para o diálogo honesto e sincero. Um participante com segundas intenções, ou cuja veracidade é suspeita, será tipicamente identificável a partir da qualidade de sua graduação de estudos.

Vimos anteriormente que o principal objetivo do diálogo deve ser uma maior compreensão das semelhanças e diferenças entre as comunidades religiosas, que os participantes devem primeiro ver os outros participantes como pessoas criadas à imagem de Deus, e, secundariamente, como membros de uma comunidade religiosa diferente da sua.

Page 84: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 2 | TEOLOGIA E ESPIRITUALIDADE

76

Um objetivo deve, portanto, ser o de encontrar uma maneira em que as pessoas possam coexistir pacificamente em uma sociedade pluralista. E é nessa crescente realidade política e social (evidentemente pluralista) que, a fim de ser cívica, social, política e teologicamente responsável, os cristãos precisam ser capazes de falar com os de outras tradições religiosas. Esta é uma sincera compreensão de diferentes tradições que pode diminuir o risco de conflitos sectários que ocorreram durante alguns conflitos religiosos no passado, como durante a Inquisição e a Guerra dos Trinta Anos, e outros que continuam em cantos do nosso globo terrestre, inclusive no Brasil, assunto em que você, acadêmico, poderá se aprofundar ainda mais.

Outro objetivo é que o diálogo inter-religioso vai aumentar a eficácia da evangelização. Ao compreender claramente as crenças e práticas de outras comunidades religiosas, se pode identificar de forma mais eficaz as maneiras em que o evangelho pode ser apresentado. A apologética também vai melhorar à medida que os cristãos compreendem mais claramente as feridas que outras religiões têm apontado para o cristianismo.

FIGURA 24 – ECUMENISMO

FONTE: Disponível em: <http://pt.radiovaticana.va/news/2016/01/09/orar_pelo_di%C3%A1logo_inter-religioso_-_inten%C3%A7%C3%A3o_do_papa/1199894>. Acesso em: 2 fev. 2016.

Finalmente, esse encontro com outras religiões vai aumentar a valorização que os cristãos têm em relação à sua fé. Isso pode inspirar os cristãos a responder às preocupações e pontos fracos em suas próprias igrejas locais, resultando em aumento da retenção de membros que poderiam ter sido atraídos pela vibração de outras comunidades religiosas.

Page 85: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 2 | DIÁLOGO PERMANENTE

77

Outra consideração que precisa ser salientada é de que diálogo inter-religioso não é um fórum de debate e argumentação hostil para se definir um vencido e um vencedor. O objetivo do diálogo não pode ser visto como um ataque ou uma defesa da própria fé. Não pode ser uma busca da vitória da minha crença contra outra. Em vez disso, o objetivo do diálogo é aumentar a compreensão, o respeito às diferenças.

Isso não significa que não haverá, ou não deve haver ou acontecer, algum desacordo aberto durante o diálogo. Como as diferenças que estão no núcleo dos sistemas de crença das pessoas estão em causa, haverá discordância frequente. No entanto, o diálogo não é o fórum para tentar provar a superioridade de um sistema de crença em detrimento de outro.

Abrir desacordo deve principalmente ocorrer apenas quando um participante acredita que outro participante fez ou promoveu um equívoco de crenças ou práticas do primeiro. Por exemplo, no caso hipotético de um diálogo entre um cristão evangélico e um Mórmon, em que seria inadequado para o evangélico afirmar ao Mórmon que o seu conceito de Deus está errado, mesmo que o ensino não esteja de acordo com o cristianismo ortodoxo. É importante lembrar que o diálogo não é um monólogo. É um fórum para falar com participantes de outras religiões. Este princípio – não é monólogo – é uma das regras mais importantes no diálogo inter-religioso. Os participantes devem ser autorizados a definir as suas crenças e sua compreensão dos ensinamentos de sua religião, sem contradição de outros participantes.

É importante entender a diferença entre o significado que se projeta sobre outras religiões, o que essas outras religiões entendem como o seu próprio significado. É equivocado interpretar o que os outros estão dizendo nos nossos termos, nossos conceitos e nossa cosmovisão.

Em outras palavras, os participantes não devem afirmar que outro participante não está apresentando com precisão suas crenças. Em vez disso, os participantes devem assumir, salvo prova em contrário, que as crenças estabelecidas refletem com precisão a fé vivenciada por esse participante.

Isso não significa que todas as outras definições devem ser ingenuamente aceitas. É perfeitamente adequado questionar um participante sobre a ortodoxia de suas crenças quando essas crenças parecem diferir da fé histórica da religião em questão. Se um participante católico, em um diálogo com um integrante da Igreja da Unificação, alegar que acredita que a crucificação era insuficiente para o perdão dos pecados, seria apropriado para o participante da Unificação questionar se a declaração é considerada ortodoxa à luz do seu desvio histórico.

Page 86: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 2 | TEOLOGIA E ESPIRITUALIDADE

78

Também relacionado a este ponto é que os participantes devem ser capazes de reconhecer a si mesmos quando sua fé é definida por outros participantes. Por uma questão de compreensão, cada participante desse diálogo irá, naturalmente, tentar expressar por si mesmo o que pensa sobre o significado da declaração do parceiro. Se um participante acredita que uma definição é imprecisa, então há um desacordo aberto e seria apropriado mais questionamentos para buscar uma melhor definição ou uma melhor aproximação do verdadeiro sentido que se busca.

Assim como o diálogo inter-religioso não é um fórum de debate, também pode se tornar um campo de batalha, em que a retórica se torne fator preponderante. A retórica altamente carregada, inflamatória, usada em muitos esforços, não tem lugar no diálogo inter-religioso.

É lamentável que tal escrita é comum entre alguns no campo da apologética contra as seitas; mesmo quando temos a facilidade de cair na armadilha de usar assuntos polêmicos para agredir os outros. Embora seja virtuoso para defender a verdade, é ignóbil usar termos pejorativos no processo. Tal retórica virulenta não tem absolutamente nenhum lugar no diálogo inter-religioso.

Quem se dispõe a participar do diálogo inter-religioso deve ser tão disposto a examinar criticamente sua própria religião como quando se coloca a analisar outras religiões. Isso não significa que os participantes não serão dedicados às suas próprias tradições de fé; essas pessoas invariavelmente cairiam no erro de sincretismo. Em vez disso, isso significa que os participantes devem levar a sério as objeções que os outros têm à sua religião.

Essa objetividade não é apenas essencial para o diálogo inter-religioso bem-sucedido; ela também é bíblica. A autocrítica também permite que os cristãos respondam eficazmente às objeções que outros podem ter em relação ao cristianismo.

Os participantes devem estar dispostos a honestamente considerar como as pessoas em outras religiões compreendem e vivem a sua fé. Em outras palavras, os participantes devem estar dispostos a andar nos sapatos dos outros.

Tal posição não é sincretista, é simplesmente ser simpático. Esta condição permite aos participantes perceber que a religião não é meramente algo da cabeça, mas também do espírito, do coração.

Os cristãos que são apaixonados por sua fé devem ser sensíveis às

experiências dos outros, mesmo que essas experiências gerem algum conflito com o que os cristãos sabem ser verdadeiro. Tal sensibilidade permite aos cristãos compreender os benefícios temporais que as pessoas recebem dos seus credos.

Page 87: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 2 | DIÁLOGO PERMANENTE

79

O diálogo também permite que os cristãos compreendam o que motiva as pessoas de outras religiões a rejeitar o cristianismo, ou o que convence os cristãos para se converter a outras religiões, e, assim, aguçar, reorientar a apologética dos cristãos para aumentar a consciência das deficiências que possam existir na igreja.

Outro aspecto muito importante a se levar em consideração no diálogo inter-religioso é sobre a definição clara do vocabulário a ser utilizado.

Uma das áreas centrais em que o diálogo inter-religioso pode ser útil é em esclarecer a terminologia religiosa. John V. Taylor (1981, p. 98) afirma:

A comunicação entre uma [religião] e outra é repleta de dificuldades que não devem ser subestimadas. Como o diálogo começa, portanto, vamos frequentemente encontrar que a mesma palavra carrega um conjunto totalmente diferente de significados nas diferentes tradições; podemos também descobrir com surpresa que muitas diferentes palavras são usadas para significar a mesma coisa.

Seria irrealista, ilusório, pensar que muitos participantes atuais no diálogo inter-religioso aprovam o objetivo declarado de usar o diálogo inter-religioso como um meio de entendimento esclarecido de outras comunidades religiosas, e então usar esse entendimento para aumentar a eficácia da evangelização das comunidades e apologética contra a sua crítica ao cristianismo.

Enquanto muitos participantes concordam com as diretrizes listadas acima, eles iriam opor-se à motivação evangélica para se engajar no processo.

A ênfase evangélica na evangelização e na defesa do cristianismo ortodoxo vai afastar muitos potenciais participantes no diálogo, cujo motivo é a aceitação como iguais nos esforços espirituais.

Tudo isso significa mais do que simplesmente abster-se de críticas durante o diálogo: isso significa que, de acordo com estudiosos, todas as religiões devem ser aceitas como iguais em termos de sua relação com a verdade.

É importante que todos os cristãos que pretendem participar no diálogo percebam que a teologia conservadora vai servir como um obstáculo no caminho do diálogo. Muitos indivíduos e comunidades se recusam a dialogar com um cristão que esteja comprometido com o essencial do cristianismo histórico, mesmo que há um cristão envolvido em um diálogo a fim de obter uma compreensão exata de outras tradições e não evangelizar ou criticar durante o diálogo.

Nesses casos, se deve, é claro, simplesmente reconhecer que há diferenças sociológicas entre evangelização e da religião em questão, para não tornar o diálogo impossível.

Page 88: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 2 | TEOLOGIA E ESPIRITUALIDADE

80

LEITURA COMPLEMENTAR

No entanto, mesmo que a natureza exclusivista do cristianismo ortodoxo é uma barreira para o diálogo como entendido por muitos estudiosos não evangélicos, cristãos conservadores devem esforçar-se para envolver os não cristãos em diálogo.

Você, acadêmico, já deve ter notado que este caderno de estudos é feito por autores cristãos, então não há como desconsiderar toda a contribuição histórica dada pelas igrejas cristãs para o mundo de um modo geral.

A Igreja, com sua teologia, sempre vai buscar o melhor para todos, indistintamente. E o diálogo é o melhor caminho para todos. Ela sempre vai buscar estabelecer relações com as religiões não cristãs, articulando o desejo da Igreja para iniciar o diálogo com as religiões não cristãs, mesmo que estas não vejam isso com bons olhos, mesmo porque até entre os cristãos há muitas reticências quanto a isso.

Parte-se do princípio de reconhecer um ser supremo, ou ainda mais, de um Pai. Esta consciência e resultados de reconhecimento em um modo de vida estão imbuídos de um profundo sentido religioso.

A Igreja não rejeita nada do que é verdadeiro e santo nessas religiões. Ela deve ter um grande respeito para o modo de vida e conduta, preceitos e doutrinas que, embora diferentes em muitos aspectos do seu próprio ensino, no entanto, muitas vezes, refletem um raio daquela verdade que ilumina todos os homens. No entanto, nem por isso ela anuncia e tem o dever de proclamar, sem hesitações, Cristo, que é o caminho, a verdade e a vida (BÍBLIA, N. T. João, 14: 6).

Combatendo o fundamentalismo: uma defesa do pluralismo e do diálogo

Renato Somberg Pfeffer

A nova fase da política mundial tem gerado uma profusão de visões sobre o futuro: predizem o fim da história, preveem o retorno das rivalidades entre nações-estados ou, ainda, falam do declínio da nação-estado decorrente do conflito entre tribalismo e globalização. Uma das mais interessantes visões sobre o futuro é a do cientista político Samuel Huntington. Ele sustenta a tese de que a humanidade está em rota de colisão entre as civilizações: “Nesse mundo novo, a política local é a política da etnia e a política mundial é a política das civilizações. A rivalidade das superpotências é substituída pelo choque das civilizações” (HUNTINGTON, 1997, p. 21). Huntington afirma que as grandes divisões da humanidade e a fonte predominante de conflitos serão de ordem cultural. Apesar da continuidade das nações-estados como sujeitos centrais dos acontecimentos globais, os principais conflitos se darão entre diferentes civilizações.

Page 89: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 2 | DIÁLOGO PERMANENTE

81

O foco central dos conflitos do século XXI, ainda segundo Huntington, será entre a civilização ocidental e as não ocidentais e destas últimas entre si. Em primeiro lugar, porque possuem concepções diferentes das relações entre Deus e os homens, entre cidadãos e Estado, entre pais e filhos, entre liberdade e autoridade, entre igualdade e hierarquia. Em segundo lugar, o mundo está ficando cada vez menor e a consciência da diferença entre as civilizações cada vez maior. Em terceiro lugar, e principalmente, o fundamentalismo religioso presente em todas as religiões é um fator marcante neste início de século XXI.

A questão do fundamentalismo religioso é essencial para melhor compreensão do mundo contemporâneo. O fundamentalismo oferece aos seus seguidores certezas absolutas e orientações inquestionáveis, permitindo-lhes viver em segurança. Ocorre nestas correntes uma renúncia da hermenêutica como mediação entre os textos sagrados. O resultado disto é a negação do método histórico-crítico e a crença na aplicabilidade literal destes textos às situações concretas da vida. O desenvolvimento desta onda fundamentalista religiosa se associa às transformações ocorridas na modernidade. Frente ao pluralismo e às mudanças constantes provocadas pelo avanço capitalista, segmentos religiosos tradicionalistas reagem retornando aos fundamentos mais profundos de sua religião.

As tradições não são, em si, más. Através delas construímos nossas identidades. Como afirma Riesgo (2006, p. 42), o fundamentalismo cai em um mau uso da tradição, que impede a recriação, exigência mestra de nossa condição histórica. Em outras palavras, a tradição não pode impedir as mudanças que às vezes são necessárias, ela deve servir como mediadora para que nos recoloquemos frente aos desafios do presente. Afirmações a-históricas das tradições pelos fundamentalistas impedem o progresso e violentam a capacidade cognitiva do ser humano, malogrando suas possibilidades. A proclamação de respostas definitivas para as perguntas últimas da humanidade coloca o fundamentalismo em clara contradição com o pluralismo de respostas promovido pela infinidade de religiões do planeta. No entanto, é importante ressaltar, o fenômeno fundamentalista constitui uma “zona marginal” (KIENZLER, 2000, p. 11), a cara obscura das diversas religiões.

O pluralismo religioso, ao contrário do que advoga o fundamentalismo, é legítimo e necessário, dada a distância infinita entre criador e criatura. Esquecer a insuficiência das linguagens religiosas para cobrir esta distância nos leva a atitudes etnocêntricas e racistas, típicas do fundamentalismo. A visão mais plausível para entender a relação do homem com Deus seria admitir que todos os povos são escolhidos e que Deus se manifesta de diferentes formas para cada um. Esta visão permite legitimar o pluralismo e propiciar uma relação harmoniosa entre os povos.

Esta não parece ser a tônica dominante do final do século XX e início do XXI, onde tendências fundamentalistas crescem em todas as grandes religiões do mundo. Estes fundamentalismos religiosos têm se destacado no cenário internacional sendo promotores de vários atos terroristas. A reação ao terrorismo, por sua vez, também tem adquirido um caráter irracional de nova cruzada que coloca em risco a economia mundial e os direitos civis. Uma das grandes questões que a humanidade hoje se defronta é justamente essa: existe alternativa ao fundamentalismo?

Page 90: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 2 | TEOLOGIA E ESPIRITUALIDADE

82

A única alternativa ao fundamentalismo é o diálogo intercultural. Somente através dele poderemos encontrar igualdades na diferença, abrindo espaço para a convivência harmoniosa e frutífera. Este parece ser o único caminho para superar os extremos de uma sociedade desumanizada, injusta e com tendências fundamentalistas. Uma filosofia intercultural deve ser entendida como possibilidade de diálogo e interação entre culturas, desafiando a perspectiva meramente econômica da globalização. A interculturalidade busca o diálogo que negue qualquer noção de superioridade e, portanto, não admite as certezas absolutas do fundamentalismo. Podemos através dela descobrir intuições e convicções compartidas por grande parte da humanidade e o Estado democrático tem um papel fundamental neste processo.

A necessidade do diálogo intercultural em um mundo globalizado pode ajudar a confirmar a universalidade dos direitos humanos que servem como norma e limite para outros direitos. Não se deverão permitir diferenças culturais que vão contra estes direitos e contra o bem comum. Por outro lado, as diferenças que enriquecem o acervo cultural como meio humanizador devem ser estimuladas. Os direitos humanos, portanto, devem servir como critério para decidir o que é aceitável ou não em determinada cultura. Neste contexto, os invariantes humanos, encontrados nas diversas culturas, devem se transformar em transculturais, garantindo a possibilidade de diálogo. Do contrário, não haverá solução senão aceitar modelos políticos excludentes.

Os direitos humanos estão acima de qualquer tradição cultural específica, como se fosse algo transcendente a elas; eles são patrimônio de toda a humanidade, por serem memória de sua luta por liberdade. O diálogo intercultural, por sua vez, possibilitaria o encontro de tradições culturais que vivenciaram histórias de libertação. As culturas trocariam assim experiências, enriquecendo-se mutuamente.

Respeitando a pluralidade cultural, estar-se-ia caminhando para uma cultura universal de liberação humana. A universalidade seria garantida da participação solidária de todas as culturas neste projeto (FORNET-BETANCOURT, 2001, p. 293). A transcendência anteriormente referida possibilitaria uma crítica ética das culturas a partir da universalidade dos direitos humanos. Não há, ainda segundo Fornet-Betancourt, ideia melhor que o ethos humanizador dos direitos humanos para orientar nossa práxis no mundo de hoje.

O reconhecimento dos direitos humanos e a reivindicação da dignidade humana são fenômenos cada vez mais universais. Tais direitos são valores transculturais proclamados por todas as pessoas de “boa vontade”. No mundo atual, as religiões se veem forçadas a aceitar estes valores se querem ser legitimadas.

Somente uma religiosidade que conjugue abertura ao mistério do sagrado ou divino com a paixão solidária efetiva pelo ser humano e tudo o que existe, como por uma visão universal e fraterna da espécie humana e que assuma profundamente a racionalidade, merece denominar-se humana. Humanismo e religião se pertencem (MARDONES apud AMIGO FERNÁNDEZ DE ARROYABE, 2003, p. 445-446).

Page 91: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 2 | DIÁLOGO PERMANENTE

83

Deste ponto de vista, a dignidade humana deveria ser a exigência mínima de toda verdadeira religião.

Em tempos de globalização, cada tradição religiosa tem sido desafiada a se situar frente a si mesma no debate com as demais, o que implica a necessidade de se pensar a questão da igualdade entre todos os que se reúnem. Esta igualdade é facilitada pelo reconhecimento, pela maioria das tradições religiosas, da regra de ouro segundo a qual não devemos fazer aos demais aquilo que não gostaríamos que fizessem conosco. Por outro lado, os diferentes textos, mitos e ritos dificultam a questão da igualdade e algumas religiões acabam por optar por uma postura fundamentalista. Ou seja, enquanto algumas religiões se abrem ao diálogo, outras se fecham e se colocam como donas absolutas da verdade.

Igualdade e o diálogo são elementos fundamentais em mundo democrático. Tal posição torna necessária uma profunda reavaliação das tradições centrais de todas as religiões, que parta do princípio de que nenhuma delas é totalmente verdadeira nem falsa. Ao obrigar as tradições religiosas a repensar seus parâmetros, o diálogo inter-religioso faz com que elas se abram ao mundo. As religiões não são fins em si mesmas, são, na verdade, tentativas de orientar e dar sentido à vida de seus fiéis através de doutrinas que pretendem interpretar o mundo. Estas tradições estão sendo forçadas pelo diálogo a serem mais modestas frente aos desafios que o mundo contemporâneo está lançando.

Acima das divergências doutrinais ou das práticas religiosas, o diálogo incita os teólogos a assumir a dimensão incompreensível de Deus e da realidade e aos fiéis desenvolverem uma solidariedade aberta intercambiando e reafirmando sua própria fé (BASSET, 1999, p. 426).

Este cenário transforma a dimensão absoluta da fé no núcleo do encontro dos crentes no diálogo inter-religioso, levando-se em conta a verdade que cada fiel leva. O diálogo abre novas percepções da verdade e do absoluto nas diferentes tradições religiosas, sendo incompatível, portanto, com todo tipo de fundamentalismo que pretende ser possuidor de verdades absolutas. No plano das doutrinas, o diálogo não pode ir além das confrontações onde cada crente se esconde; no plano da fé, o diálogo faz com que os crentes se encontrem em suas convicções mais profundas, naquelas que dão sentido a suas vidas. Somente a fé, por ser opção pessoal e não um algo que foi recebido para ser transmitido, pode ser revisada e enriquecida através do diálogo com outras pessoas orientadas por um caminho diferente.

FONTE: Disponível em: <http://cpdoc.fgv.br/mosaico/?q=artigo/di%C3%A1logo-interreligioso-e-constru%C3%A7%C3%A3o-da-cidadania-em-um-mundo-globalizado-contribui%C3%A7%C3%A3o-do-sinc>. Acesso em: 10 maio 2016.

Page 92: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

84

RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico vimos:

• Que na sociedade humana a religião é, sem dúvida, a força mais poderosa e difundida na vida humana.

• Que o objetivo do diálogo não pode ser visto como um ataque ou uma defesa da própria fé. Não pode ser uma busca da vitória da minha crença contra outra. Em vez disso, o objetivo do diálogo é aumentar a compreensão, o respeito às diferenças.

• Que a igreja, com sua teologia, sempre vai buscar o melhor para todos, indistintamente, e o diálogo é o melhor caminho para todos.

• Que é urgente buscar estabelecer relações com as religiões não cristãs, através da articulação e do desejo da Igreja para iniciar o diálogo com as religiões não cristãs.

Page 93: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

85

AUTOATIVIDADE

Levando em consideração a importância do ENADE para você, acadêmico, e para a instituição, vamos reproduzir aqui algumas questões aplicadas no ENADE em 2015, para que você possa ir se familiarizando com a dinâmica utilizada na prova que, obrigatoriamente, os acadêmicos que irão concluir o curso no ano do ENADE terão que realizar.

1 Questão 34 – ENADE 2015A palavra tolerância é, antes de mais nada, marcada por uma guerra religiosa entre cristãos, ou entre cristãos e não cristãos. A tolerância é uma virtude cristã, ou, por isso mesmo, uma virtude católica. O cristão deve tolerar o não cristão, porém, ainda mais que isso, o católico deve deixar o protestante existir. Como hoje sentimos que as reivindicações religiosas estão no coração da violência, recorremos a essa boa e velha palavra, “tolerância’. Que muçulmanos concordem em viver com judeus e cristãos, que judeus concordem em viver com muçulmanos, que os crentes concordem em tolerar os “infiéis” ou “descrentes”. A paz seria, assim, a coabitação tolerante.DERRIDA, J. In: BORRADORI, G. (Org.). Filosofia em tempo de terror: diálogos com Habermas e Derrida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004 (adaptado).

O termo “tolerância”, conforme apresentado no texto, refere-se:

(A) À ideia de liberdade de expressão dissociada dos valores cristãos, uma vez que a tolerância sempre foi negada pelos cristãos católicos.

(B) À ideia de uma superação definitiva do distanciamento criado pelas barreiras culturais que impediam a boa convivência entre diferentes religiões.

(C) À aceitação de uma ideia de ordem que permita administrar entraves culturais e evitar conflitos religiosos através de uma concordância comum, mas não de uma virtude de acolhimento ao outro.

(D) Ao conceito filosófico que questiona os antagonismos e inquietações religiosas da modernidade, mas que não provocou nenhuma influência sobre as perspectivas de liberdade de credo.

(E) À nova forma de acolhimento ao outro, advinda das novas formas de interação da humanidade que surgiram com os avanços tecnológicos e permitiram uma abertura a diferentes crenças.

2 Identificar pelo menos dois personagens do Novo Testamento que fazem uso da palavra “razão”.

Page 94: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

86

Page 95: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

87

TÓPICO 3

A ÉTICA CRISTÃ

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Queremos, neste tópico, entender melhor o que é a ética cristã e, nessa perspectiva, compreender melhor como a teologia se desenvolve com uma ética muito peculiar, que vai se destacar sobremaneira na Teologia da Libertação, e como isso vai se encaminhando para um melhor entendimento da influência que esta teologia vai provocar no continente latino-americano. Na Unidade 3 essa condição será tratada com mais aprofundamento e extensão.

Você, acadêmico, já deve ter estudado a disciplina de Ética, Política e Sociedade e visto os conceitos de ética e moral. Para relembrar, então, ética é o ramo da filosofia que está preocupado com o caráter e a conduta humana. Ela lida com o ser humano, não tanto como um sujeito do conhecimento, mas como uma fonte de ação. Tem a ver com a vida ou a personalidade em suas disposições interiores, manifestações exteriores e sua relações sociais.

Foi Aristóteles quem primeiro deu a este estudo o seu nome e sua forma sistemática, e de lá até os dias atuais, essa disposição não mudou muito. De acordo com o significado do termo grego, é a ciência dos costumes (ethika, de ethos, “custom”, “hábito”, “disposição”). Mas na medida em que as palavras “costume” e “hábito” parecem se referir apenas aos costumes exteriores ou costumes, a simples etimologia iria limitar a natureza do que aqui se apresenta como ético.

Se estamos falando de uma possível base para a ética cristã, devemos ser claros sobre o que queremos dizer quando nos referimos a cristão e o que entendemos por ética. Cristão, já sabemos, em termos gerais é aquele que conscientemente opta por se tornar um seguidor de Jesus, isto é, para decidir usar a vida e os ensinamentos de Jesus como um modelo para a sua vida. Vamos agora olhar para a ética para ver como ele se aplica a quem se identifica como cristão e decide agir de acordo com esse compromisso.

Será que ser um cristão implica um comportamento diferenciado na sociedade? Como deve o cristão se comportar? Existe tal coisa como uma ética cristã? Podemos razoavelmente descobrir diretrizes ou construir um conjunto de princípios para guiar a vida do cristão? Podemos identificar um cristão quando estamos passando por uma rua? E não valem como critério as vestimentas. Se Jesus é o modelo que escolhemos para imitar, o que isso implica sobre nossas atitudes, valores e estilo de vida? A prática do bem? Como identificar o bem? Vejamos.

Page 96: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

88

UNIDADE 2 | TEOLOGIA E ESPIRITUALIDADE

O cristianismo define que o bem é o que Deus determina. Todavia, essa afirmação é simples demais e facilmente incorre em objeções e críticas. Não basta asseverar que algo é certo, se Deus determinar que é certo e errado, se Deus determinar que é errado, pois é preciso questionar: algo é correto porque Deus determina ou será que Ele o determina porque é certo em si? Quando alguém diz que algo é correto porque Deus assim quer e determina, esse conceito torna-se voluntarismo. O bem e o correto dependem da vontade de Deus. Porém, isso é diferente de dizer que algo bom e correto é bom em si mesmo, independentemente do fato de Deus assim querer e determinar. Essa conceituação é denominada de essencialismo, isto é, algo é bom quando sua essência é boa. (FRIESEN, 2015, p. 110)

Historicamente, nos três principais ramos do cristianismo (católicos, ortodoxos e protestantes) podemos facilmente indicar que há mais de 33.000 denominações do protestantismo, mas o número exageradamente elevado é provavelmente devido à maioria das igrejas serem estabelecidas sob nomes diferentes para atender às necessidades legais regionais de organizações sem fins lucrativos independentes.

Normalmente, haverá algumas diferenças consideráveis de opinião entre as muitas denominações protestantes. Quando falamos protestantes, estamos nos referindo ao início dessas igrejas a partir do cisma de Lutero. Atualmente, podemos entender também como evangélicos os integrantes desse ramo.

A similaridade entre os três ramos é a crença de que a Sagrada Escritura é o guia principal para a prática, para a fundamentação ética e moral. Um padrão entre muitos cristãos é a crença de que os livros da Bíblia foram inspirados por Deus e, portanto, a Bíblia é a fonte principal ou única de conhecimento do que é certo e errado.

Não há como falar de ética cristã sem recorrer ao embasamento bíblico.

Por isso, caro acadêmico, fica muito interessante você sempre ter em mãos a sua Bíblia, não para se impor ou utilizar-se dela como uma arma contra os infiéis, ou para defender sua fé em detrimento da fé diferente do próximo, mas, nesse caso, como fonte de pesquisa.

Page 97: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 3 | A ÉTICA CRISTÃ

89

FIGURA 25 – BÍBLIA SAGRADA

FONTE: Disponível em: <https://latuffcartoons.files.wordpress.com/2013/03/intolerancia-religiosa-mata.gif>. Acesso em: 15 mar. 2016.

A Bíblia legitimamente goza de um lugar de honra em fazer ética cristã, não só para os seus ensinamentos morais, mas também para proporcionar uma apreciação da vida comum dos primeiros cristãos, suas explorações teológicas e seu vivo sentido do poder e da presença de Jesus Cristo.

Como se poderia fazer ética cristã sem os dez mandamentos, do século VIII a.C? E o grito dos profetas por justiça, o "Sermão" no Monte das Oliveiras? A teologia paulina?

No entanto, nunca foi tão fácil de aplicar o ensino bíblico com as

circunstâncias em que os crentes se encontram. Considere o problema enfrentado por Clemente de Alexandria no século III: se Jesus havia aconselhado ao jovem rico para vender tudo o que tinha e dar aos pobres, como foi este conselho difícil de ser acomodado e confortavelmente situado na clientela de Clemente? Da mesma forma, a partir do episódio de Jesus ordenar a Pedro para colocar a sua espada na bainha (João, 18, 10-11). Se as ideias da Bíblia são para serem implementadas com sabedoria e graça, e não devem ser impostas como "um jugo que nem nossos pais nem nós pudemos suportar" (BÍBLIA, N. T. At. 15:10), o que seria prudente destacar e considerar em uma ética bíblica? Elenco algumas considerações, que podem ser ampliadas conforme acreditarmos que se faz necessário contemplar alguma deficiência nessa área. Vamos lá.

Page 98: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

90

UNIDADE 2 | TEOLOGIA E ESPIRITUALIDADE

• A sabedoria moral embutida na tradição da Igreja.• A razão consagrada que reconhece a nossa obrigação de amar a Deus com todas

as nossas forças.• A abertura orante sob a orientação do Espírito Santo, a quem Cristo prometeu

enviar a seus seguidores para levá-los a toda a verdade (João, 16, 7-13), o Espírito que ajudaria discípulos a discernir o que é certo, no meio de tantas ambiguidades intrigantes.

Deve ficar claro para nós, estudantes de teologia, a evidência na discussão de que a ética bíblica não pode resolver todos os problemas sozinha, mas precisam se somar a ela a tradição, a razão e, é claro, como cristãos que somos, a orientação do Espírito Santo.

Visto isso, vamos então nos aprofundar um pouco mais nessa ética cristã fundada na Sagrada Escritura.

FIGURA 26 – ESTUDO BÍBLICO

FONTE: Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/timelines/zxjwmnb>. Acesso em: 25 abr. 2016.

Page 99: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 3 | A ÉTICA CRISTÃ

91

2 A ÉTICA E A SAGRADA ESCRITURA

É passível de entendimento que a ética tem a preocupação com a forma de como devemos conduzir nossas vidas. Claramente, então, é uma parte integrante da revelação bíblica. De Gênesis a Apocalipse encontramos os princípios, preceitos, mandamentos, avisos, orientações e conselhos que são destinados a orientar as nossas vidas em direção ao que é justo, bom e que honra a Deus. O apóstolo Paulo nos diz que a Escritura foi dada não só para revelar o caminho da salvação de Deus, mas também para nos treinar na justiça e nos equipar para "toda boa obra". (BÍBLIA, N. T. 2 Timóteo, 3: 14-17).

Logo no princípio da criação, Deus mesmo introduziu a ética quando declarou repetidamente que o seu próprio trabalho era "bom" (BÍBLIA, A. T. Gênesis 1), e passou a dar responsabilidades a Adão e Eva para cumprir (BÍBLIA, A. T. Gênesis 2:19) e normas para se viver (BÍBLIA, A. T. Gênesis 2: 15-17). Então, depois de resgatar Israel da escravidão e escolhendo-a como seu povo (BÍBLIA, A. T. Êxodo, 19: 1-6), Deus começou seu relacionamento com este povo eleito, dando-lhe um código de ética para guiar o seu comportamento em relação a ele e entre si (BÍBLIA, A. T. Êxodo, 20: 1-17). Este código básico foi ampliado nos cinco primeiros livros da Bíblia, a Torá (que significa "lei" ou "instrução").

Séculos mais tarde, quando Jesus apareceu em cena, para inaugurar a fase culminante da história da redenção, ele também começou por emitir um manifesto ético para fornecer orientação para a conduta de seus discípulos (BÍBLIA, N. T. Mateus 5: 7). Vejamos, por exemplo, o Sermão da Montanha. É praticamente uma carta ética para toda uma nova dimensão do amor, ao mesmo tempo em que reafirma a essência do que o Antigo Testamento sempre tinha pretendido. No coração da ética de Jesus está o chamado ao amor a Deus e aos outros (BÍBLIA, N. T. Marcos 12: 28-31), uma chamada que ressoa através do resto do Novo Testamento (BÍBLIA, N. T. 1 Coríntios 13: 1-3); (Jo 2: 8; 1); (Ped 4: 7-8); 1 Jo 4, 8).

Quando chegamos ao momento final da história da salvação, com a criação do novo céu e da nova terra (Ap 21-22), vemos a referência ética mais uma vez. Mas desta vez a ética atingiu o seu pico mais alto, com o triunfo do bem (1 Cor 15,27; Ap 21, 1-8.), a derrota do mal e do sofrimento (Ap 20, 7-10; 21, 4) e a restauração da humanidade na presença de Deus (Ap 21,3. 22-27).

Junto com este breve panorama da ética na linha da história bíblica, a importância da ética é ainda mais realçada pelo elevado valor que Deus coloca na vida ética. Para os profetas do Antigo Testamento, por exemplo, qualquer ato de adoração que não é acompanhado por um comportamento ético aceitável é inútil e ofensivo a Deus (Is. 1: 1-10; 58: 5-10; Amos 5: 21-26). Além de salientar a sua importância, a Escritura ressalta a finalidade prática a que a ética serve.

Vimos anteriormente que um retorno importante da vida ética é a autenticidade que provém da Bíblia para aqueles que procuram conhecer a palavra de Deus. Mas a Bíblia acrescenta três insights para isso.

Page 100: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

92

UNIDADE 2 | TEOLOGIA E ESPIRITUALIDADE

O primeiro diz respeito à validação da nossa identidade cristã. De acordo com Jesus, quando nossas vidas exibem a ética do amor, demonstramos ao mundo que pertencemos a ele (João 13, 34-35) e reforçamos a afirmação de que somos filhos e filhas de Deus (Mt 5,44 - 45).

O segundo permite ver, na afirmação de Jesus, que a vida ética glorifica a Deus. Jesus ensina que quando nossa luz brilha antes que as pessoas, elas vão ver nossas boas obras e glorificar a nosso Pai no céu (Mat 5,16).

O link que Jesus faz neste verso entre ética e testemunho fornece o terceiro insight: a ética como meio de testemunho e de missão cristã. Encontramos esse tema em toda a Bíblia. Por exemplo, em Gênesis 12,3, onde Deus escolheu Abraão para ser uma bênção para as nações. Mas, mais tarde, Deus disse que o cumprimento dessa promessa foi ligado com a vontade da família de Abraão "para manter o caminho do Senhor, fazendo justiça e juízo" (Gn 18,19). No Salmo 72, o salmista reza para que o rei de Israel cumpra a sua obrigação ética de modo que a nação possa prosperar e realizar a sua vocação missionária (Sl 72, 1-17). Pedro e Paulo ecoam o mesmo tema quando afirmam que a influência positiva que os cristãos podem ter na sociedade depende do tipo de vida ética que eles vivem.

Para os cristãos, um incentivo ainda maior para explorar a ética bíblica é o fato de que a ética encontra seu fundamento no próprio Deus. Biblicamente falando, é Deus, como Criador de um universo moral ordenado e como um ser absolutamente perfeito, que é o autor da moralidade (Gn 2:17). Em termos bíblicos, então, a ética não é uma invenção humana. Ela está enraizada no próprio Deus.

Além disso, de acordo com a Bíblia, Deus supre a ética, não só com a sua origem, mas também como sua âncora. Esta âncora é encontrada na visão de mundo que emerge da história da salvação que Deus diz em sua Palavra. Essa visão de mundo diz que Deus nos criou à sua imagem (Gn 1,27). Nós caímos e profundamente perturbamos o estado de bem-estar que existia sob o domínio de Deus (Gn 3, 8). Mas nós fomos resgatados por um gracioso Deus (Gn 3.15; Rm 3, 22-25.). Este ponto de vista é fundamental para a ética. Pois é a imagem de Deus que fornece a base para o ensino da Bíblia em questões como a santidade da vida humana (Gn 9, 8-17), a igualdade de todos os seres humanos diante de Deus (Jó 31:15; Atos 17: 25-26), e o valor intrínseco e a dignidade de todas as pessoas. Da mesma forma, uma das principais razões que a Bíblia insiste sobre a pureza é a doutrina da redenção, que diz que os remidos não pertencem a si mesmos, mas a Deus, que habita neles pelo Espírito Santo (1 Cor 6, 18-20).

Os remidos de Israel foram guiados por Moisés. E os remidos do nosso continente? Que amparo tiveram por aqueles que aqui chegaram? Como levar em consideração a aplicação, a vivência da Bíblia nos povos que aqui viviam quando os colonizadores tomam posse dessas terras? Como a teologia e a Bíblia foram a “tábua de salvação” da barbárie sobre esses povos ou elas legitimaram todo tipo de dominação? Esses povos foram libertados? De quê?

Page 101: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 3 | A ÉTICA CRISTÃ

93

Uma boa obra para compreender os habitantes que aqui no continente latino-americano moravam é o filme “A Missão”. Este filme, entre tantas reflexões, nos mostra com rara beleza cinematográfica a escravidão, não só física, mas também das próprias tradições surrupiadas, aí incluídos os mitos, as crenças, a cultura, as artes, as danças, o jeito de pensar, enfim, este morador dessas terras tem seu modo de vida modificado. E não é para melhor. E onde entra o livro sagrado nesta história?

No contato com a Bíblia cristã, não raro as experiências foram traumáticas. Alguns textos bíblicos serviram para libertá-los, a maioria, porém, foi utilizada para justificar a pacificação e a escravidão. Em tempos mais recentes, há renovado interesse tanto pelas tradições indígenas quanto pelas afrodescendentes. Merecem destaque os diálogos entre suas falas sagradas e a Bíblia cristã. “A palavra se fez índia” estabelece o diálogo entre a Bíblia e as tradições indígenas da América Latina (JIMÉNEZ, 1997). “Raízes afro-asiáticas no mundo bíblico” destaca a presença de povos afro-asiáticos na própria Bíblia (MENA LÓPEZ, 2006, p. 39).

Os promotores da Teologia da Libertação apelam para profetas do Antigo Testamento para buscar apoio. Por exemplo, no capítulo 3, Malaquias adverte do julgamento de Deus sobre aqueles que oprimem o homem sem julgamento: "Eu virei para colocá-los em julgamento. Vou ser rápido para testemunhar contra... aqueles que defraudarem trabalhadores de seus salários, que oprimem as viúvas e os órfãos, e privam os estrangeiros entre vós, de justiça, mas não me temem”, diz o Senhor dos Exércitos.

Além disso, as palavras de Jesus em Lucas 4:18 mostram a sua compaixão pelos oprimidos: "O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para anunciar boas novas aos pobres. Ele enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, pôr em liberdade os oprimidos "(cf. Isaías 61: 1).

Quando atentamos para o Antigo Testamento vemos que a centralidade é:

A libertação da pessoa humana e a aliança entre Deus e seu povo. A libertação do Egito devolve a dignidade à pessoa criada e abre possiblidades para que Deus se revele e caminhe com seu povo. Sem dignidade humana, a pessoa é descaracterizada, perde sua essência de ser à imagem de Deus (Gn 1,27), não consegue, assim, reconhecer o criador, nem a si próprio. (MANUAL CNBB, 2014, p. 45).

Vejamos o discurso de libertação no livro do Êxodo. Aqui se demonstra como a compreensão da história, do contexto, deve evitar a abordagem ideológica que diluir a sua única mensagem a mensagem de libertação do povo escolhido por Deus:

Page 102: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

94

UNIDADE 2 | TEOLOGIA E ESPIRITUALIDADE

O livro do Êxodo destaca a intervenção de Deus em favor de um povo oprimido e explorado no Egito. Essa nação passava por um momento de crescimento econômico e atraía grande número de pessoas e grupos. Vinham de todas as partes por diversos motivos: trabalho, comércio, cultura ou intempérie climática. Abraão e Sara, atingidos por forte seca em Canaã, foram obrigados a descer e residir no Egito (cf. Gen 12,10). José, filho do patriarca Jacó, a primeira pessoa vendida na Bíblia, foi levado por mercadores a trabalhar como escravo justamente no Egito (cf. Gn 37,12-28). Esse grande fluxo migratório para o Egito contribuiu para torná-lo um grande império na época. As construções e o intenso fluxo de pessoas ao Egito proporcionaram condições para grandes explorações por parte do faraó e seus ministros. (MANUAL CNBB, 2014, p. 45).

Deus age na história de diferentes maneiras. Não se pode negar que o projeto de libertação instaurado pelo homem tem seu significado no projeto de libertação de Deus.

FIGURA 27 – BÍBLIA DE TODOS

CUIDADO!TEÓLOGOS

TRABALHANDO

FONTE: Disponível em: <http://3.bp.blogspot.com/-QE614Tpi9KM/U8ggmEXAkvI/AAAAAAAAYo0/L0YFiMM0ms8/s1600/Atentados+contra+a+B%C3%ADblia.jpg>. Acesso em: 14 abr. 2016.

O que vemos com frequência é que alguns teólogos da libertação usam as palavras de Jesus, como, por exemplo, em Mt 10,34, para promover a ideia de que a Igreja deve estar envolvida no ativismo: "Não penseis que vim trazer paz à terra. Eu não vim trazer paz, mas espada." Jesus, de acordo com a Teologia da Libertação, não empurrou para a estabilidade social, mas para a agitação social.

A Bíblia certamente ensina aos seguidores de Cristo a cuidar dos pobres (Gal 2,10; 1 Jo 3,17), e também a falar contra a injustiça. E, sim, a Bíblia adverte repetidamente contra a sedução das riquezas (Mc 4,19). Quando levamos em conta a orientação advinda da Teologia da Libertação, por um lado, coloca-se a ação social em pé de igualdade com a mensagem do evangelho, levando em consideração que a necessidade primária da humanidade é espiritual, não social. Por outro lado, não podemos esquecer que o evangelho é para todas as pessoas, incluindo os ricos (Lc 2,10).

Page 103: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 3 | A ÉTICA CRISTÃ

95

Os visitantes do Menino Jesus incluíam tanto pastores e magos e ambos os grupos foram muito bem-vindos. Atribuir um estatuto especial a qualquer grupo como sendo preferido por Deus é discriminar, algo que Deus não faz (At 10, 34-35). Cristo traz unidade à sua Igreja, não de divisão ao longo das linhas socioeconômicas, raciais ou de gênero (Ef 4,15). Assim, a Bíblia dá ênfase na prática do discipulado e a Teologia da Libertação vai por este caminho como condição prévia para o verdadeiro conhecimento de Deus.

3 AS CARTAS PAULINAS

Vimos algumas referências éticas em algumas passagens bíblicas, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento. Vimos também como a Bíblia e a Teologia da Libertação foram utilizadas no período de colonização da América. Vamos aqui nos atentar para o apóstolo Paulo, que tantas cartas escreveu para diferentes públicos, mas, mesmo assim, Paulo estabelece um abrangente princípio unificador central. Ao escrever aos romanos, por exemplo, ele é capaz de formular o mandamento do amor como um somatório de cumprimentos da lei (13, 8-10).

Seu ensaio poético sobre ágape (amor) em 1 Cor 13 é justamente considerado como uma contribuição importante para a espiritualidade e a ética. Mas notamos também que este não é o único princípio a que ele apela.

Vejamos quando Paulo trata sobre a admissibilidade de visitar uma prostituta (1 Cor 6, 12-20): Se certos coríntios se sentem livres de restrições e, portanto, acreditavam que eles foram autorizados a juntar-se a prostitutas, Paulo não nega o princípio da liberdade, mas em vez disso recorda-lhes o absurdo de suas ações: "não sabeis que os vossos corpos são membros de Cristo? Por isso, deve levar os membros de Cristo e torná-los membros de uma meretriz? Nunca!" (1 Cor 6,15). Como eles podem participar do seu corpo para o corpo de uma prostituta se eles são membros de Cristo? "Agora você é o corpo de Cristo e seus membros em particular" (1 Cor 12,27). Paulo dá assim um mandado cristológico e eclesiológico para o comportamento moral, que é distinto do princípio do ágape, embora não relacionado a ele.

Além desses princípios gerais, Paulo oferece listas de virtudes (Gálatas 5, 22-23; Filipenses 4, 8), que servem como modelos de bom comportamento; e de vícios (1 Cor 6, 9-10; Gal 5, 19-21; Rom 1, 26-32), que servem como padrões de conduta a serem evitados.

Page 104: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

96

UNIDADE 2 | TEOLOGIA E ESPIRITUALIDADE

Como observado em outras passagens bíblicas, os ensinamentos morais de Paulo são, em parte, temporários e em parte de valor perene. O candidato principal para um ensino que é de valor perene é certamente o mandamento do amor ao próximo como a si mesmo. Quando Ágape é aplicado a um problema moral particular, a abordagem de Paulo é reconhecida como de valor perene, mesmo se o problema particular, como na questão de comer alimentos oferecidos aos ídolos, não é urgente.

Vejamos Paulo tratando sobre a comida oferecida aos ídolos: o enigma moral a ser resolvido em 1 Cor 8 é se a liberdade dos que gozam de sabedoria lhes dá o direito de ofender a consciência de outros que supõem que comer tais alimentos envolve-os na adoração de ídolos. Paulo propõe que, por causa do amor, os conhecedores devem abster-se de causar tropeço a um irmão por quem Cristo morreu. "A ciência incha, mas o amor edifica" (1 Cor 8,1).

Seria ignorar o óbvio se não se mencionar também que, se o Ágape é a base moral para o comportamento amoroso, então a teoria da expiação é a base teológica: o sujeito crente é aquele por quem Cristo morreu (1 Cor 8,11).

Tão importante quanto Ágape é para Paulo, não está claro, nos casos mencionados abaixo, como seus julgamentos morais são baseadas neste princípio. Estes são alguns exemplos com que você, acadêmico, poderá ir além nos seus estudos:

• Paulo sobre a escravidão: ele não era um abolicionista (1 Cor 7, 21-24);• Paulo sobre o casamento: o celibato é a sua preferência, para outros, bem comoa

si mesmo. Sua visão do casamento é na melhor das hipóteses uma concessão, com base em várias considerações: a) fim-de-tempo exigência, b) a urgência da missão, e c) um grau de realismo e conveniência moral (1 Coríntios 7: 6-9); ele aconselha: "Se [solteiros e às viúvas] não está praticando o autocontrole, eles devem se casar”.

• Paulo sobre as mulheres: seus pontos de vista, embora não incomuns para uma pessoa de sua época, não lhe garantem uma passagem sob a acusação de sexismo (1 Cor 11, 3, 7, 11; 14: 33-36);

• Paulo em uma alta valorização do Estado, e com a apresentação ao imperador (Rom 13, 1-7): seus sentimentos são bem-intencionados.

Felizmente, o próprio Paulo reconhece que em certas questões ele não

tem palavra inspirada em Jesus, mas mesmo assim dá o seu parecer (1 Coríntios 7:12, 25). Podemos deixar em aberto a possibilidade de que em outras questões também não tinha referências advindas de Jesus.

Sabemos que a moral cristã consiste em viver a vida com orientação e inspiração das Escrituras e tradições cristãs. A ética cristã como uma disciplina acadêmica se utiliza das escrituras e tradições no seu desenvolvimento e na sua crítica. A maioria dos especialistas em ética cristã concorda que as fontes para fazer ética incluem revelação (escritura) e tradição, bem como a razão humana e experiência, afirmação essa já confirmada no início desse ponto.

Page 105: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 3 | A ÉTICA CRISTÃ

97

Sendo moldada pela revelação bíblica é a principal maneira como a ética cristã pode ser distinguida das perspectivas éticas alternativas, tanto religiosos e seculares; portanto, uma questão importante para um especialista em ética cristã é como a moralidade (a prática) ou a ética (ideias sobre a prática) dependem de religião (convicções e compromissos) ou da teologia (discussão crítica sobre essas convicções e compromissos).

Poucas pessoas, religiosas ou não, negariam uma dependência histórica. Os grandes mestres éticos tendem a ser profetas ou fundadores de alguma religião. Podemos lembrar alguns fundadores de congregações religiosas, como por exemplo, Inácio de Loyola, João Bosco, Francisco de Assis, que exerceram e exercem grande influência através de uma vivência fundada na ética, além é claro de trazerem uma contribuição muito evidente na área da educação, da assistência social, da cultura e de uma vivência religiosa e espiritual edificantes. Você, acadêmico, deve conhecer outras personagens com essa envergadura. O contraponto dessa realidade vem com grandes pensadores, principalmente da filosofia que querem diminuir essa dependência, encorajando a própria ética para evitar suposições religiosas ou teológicas. Podemos citar Kant e Hegel como representantes dessa corrente, que conduz para um endeusamento das ideias por si só.

FIGURA 28 – ENDEUSANDO KANT E HEGEL

FONTE: Disponível em: <https://philoforchange.files.wordpress.com/2014/08/kant1-1.jpg>. Acesso em: 29 abr. 2016.

Para encerrar esse estudo, vamos destacar algumas características desta ética fundada na Bíblia, tendo presente o que vimos até aqui:

Page 106: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

98

UNIDADE 2 | TEOLOGIA E ESPIRITUALIDADE

• A ética bíblica é de aliança ou comunhão. Ela existe para o povo de Deus. Embora todas as pessoas são moralmente responsáveis perante Deus, a Bíblia ensina que a vida ética retratada nas Escrituras é destinada especialmente para aqueles que estão em relação de aliança com Deus. O Sermão da Montanha, por exemplo, revela isto (Mt 5, 1-2). Da mesma forma, a ética do amor, a pedra angular do ensinamento moral do Novo Testamento, é colocada sobre os ombros dos crentes (Jo 13, 34-35; 1 Ped. 4, 8; Heb. 13,1).

• A ética bíblica é motivada na graça. "Nós amamos porque Ele nos amou primeiro" (1 Jo 4,19). O que Deus tem feito por nós, supremamente manifestada em Cristo, é a base para o que, em seguida, devemos fazer por Deus. A aceitação de Deus de nós como seus filhos resulta em uma vida ética. Em toda a Bíblia, estar na posição vertical em relação a Deus não reside essencialmente no esforço de vontade dos crentes, mas na transformação espiritual e moral provocada neles pelo evangelho (1 Cor 6, 9-11; cf. Rom. 1, 16-17.) E o trabalho em curso do Espírito em suas vidas (Rm 5, 5; 2 Cor 5,14; Gal 2,14; 3: 3).

• A ética bíblica é transformadora. A vida ética descrita na Bíblia é aquela que é energizada por algo mais profundo do que a mera conformidade de comportamento. Pelo contrário, a ética bíblica deriva da vida interior, que a Bíblia chama o coração. É uma ética gerada por uma lei escrita no coração (Jer 31, 31-33). E os impulsos que animam a habitação e Espírito santificador (Rm. 5, 5; Gal 5, 22-25.). Este é fundamentalmente impulso que vem de dentro (Mt 5, 27-28; 6: 1; 15, 18-20). Ele vai além da mera conformidade com um código escrito (Mt 23, 25-28; 2 Cor 3: 6).

• A ética da Bíblia é contracultural. É "contra a corrente". Considerando que a cultura em torno conduz a sua vida em grande parte de forma que resulta da queda, aqueles que estão em uma relação de aliança com Deus são chamados a conduzir suas vidas de acordo com a nova identidade que flui do gracioso relacionamento (Ex. 19: 5; 1 Pedro 2: 9-12.). Isso não significa rejeição dos valores culturais, mas a avaliação radical e, se necessário existentes, a substituição desses valores, à luz do reino em que os crentes têm sido atraídos pela graça de Deus (Rom. 12: 1-2). Jesus demonstra esse princípio em seu ensinamento sobre amar os inimigos (Mt 5, 43-44), no materialismo (Mt 6, 19-24) e sobre a não retaliação (Mt. 5, 38-42). Paulo também segue este princípio contracultural em seu ensinamento sobre a pureza sexual (1 Cor 6 12-20; Col 3: 5-6.), sobre a igualdade das pessoas diante de Deus (Gal 3: 28-29; Cl 3: 11), e a preocupação com os outros (Filipenses 2: 1-3.).

• A ética bíblica tem um caráter integrativo. Atingindo em todos os cantos da vida humana, o sistema de ética ensinada na Bíblia toca crença e conduta (Rom. 12: 1; Ef. 4: 17-24), o comportamento privado e moralidade pública (Tg 1:27), pessoal, piedade e justiça comunitária (Jer 7, 1-11). Esta característica é devido ao quadro de economia em que os crentes vivem agora.

• O caráter escatológico da ética bíblica. Biblicamente, a ética busca fundamento naquilo que Deus fez em Cristo e o que ele promete fazer no futuro.

Page 107: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 3 | A ÉTICA CRISTÃ

99

• A nova era almejada no Antigo Testamento raiou em Jesus, mas ainda não foi levada a termo completo. Ética bíblica, então, é realmente uma ética atemporal: é para aqueles que vivem entre os tempos (Tito 2, 11-14; 2 Ped. 3, 13-14). Seguidores de Cristo buscam a santidade, olhando para trás e vendo à frente. Olharmos para o que Deus fez, enviando seu Filho, nos unindo a Cristo, e colocando seu Espírito dentro de nós. E estamos ansiosos para o que Deus vai fazer, como vai executar a justiça e, finalmente, resgatar seu povo de todo pecado e sofrimento.

LEITURA COMPLEMENTAR

A MORAL E A ÉTICA CRISTÃJuberto Santos

O que são valores? Valor é um conjunto de qualidades que determina o

mérito e a importância de um ser referente ao binômio BEM e MAL. Por exemplo: Caráter, Honra, Fidelidade, Idoneidade. Ex.: Se quero fazer um contrato, procuro uma pessoa honesta. Se quero casar, procuro uma pessoa que seja fiel, que tenha caráter. Nós nascemos com valores, com razão, independentes do credo, religião, porque todos nós nascemos com uma lei eterna que sempre diz: “Faça o bem e evite o mal” – este é o princípio da ética. E nós sabemos quando agimos corretamente porque essa lei está dentro de cada um de nós, na faculdade que se chama CONSCIÊNCIA.

Se a Ética representa o costume ou conjunto de atos que uma comunidade ou uma pessoa realizam porque os consideram válidos, então a Ética Cristã responderá pelos costumes ou conjunto de atos praticados pelos cristãos. E se alguém se preocupa com os bons costumes, os cristãos deverão encontrar-se na primeira linha de ataque. Ataque àquilo que é mau e contrário aos costumes dos cristãos mais antigos. A palavra “ethos” aparece 12 vezes no Novo Testamento (Lucas 1:9; 2:42; 22:39; João 19:40; Atos 6:14; 15:1; 16:21; 21:21; 25:16: 26:3; 28:17; Hebreus 10:25) e significa estilo de vida, conduta, costume ou práticas. O plural “ethe” aparece em I Coríntios 15,33 quando se diz que “as más conversações corrompem os bons costumes”.

O cristão não vive de tradições! Apoia-se na Bíblia, que é a sua regra de fé, busca a direção de Deus para a sua vida através da oração e comunhão com o Criador. A Bíblia é o Livro do Deus vivo e, consequentemente, um Livro vivo. Os seus textos, aparentemente conservadores, encerram mensagens vivas e atuais para a nossa vida. Há, porém, um aspecto que não se deve perder de vista: a maneira simples e piedosa de aceitação do Evangelho, o modo de proceder em cada situação e outras qualidades que foram transitando através dos tempos entre os filhos de Deus. São esses costumes que constituem a Ética Cristã. Se há costumes respeitados pelos cristãos que vêm desde épocas distantes, não há razão para serem postos de lado agora. Sim, se os cristãos do passado eram abençoados procedendo de certa maneira, devemos continuar com esses bons costumes nos dias de hoje.

Page 108: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

100

UNIDADE 2 | TEOLOGIA E ESPIRITUALIDADE

Não podemos ser “pescadores de aquário”, como diz o bispo de Friburgo Dom Rafael Cifuentes. Eu preciso ser exemplo (“Sal da terra e luz do mundo”) perante minha família, meu ministério, minha Igreja sempre, em todo o lugar e a toda a hora!!! O que adianta eu ser uma pessoa na igreja, nos encontros e eventos, e outra totalmente diferente com a minha namorada, com meus amigos? Mascarado não dá mais para viver!

Temos que fazer nossas escolhas, sair de cima dos muros da indecisão (Ap 3, 15-16). Deus não quer homens e mulheres conformados com este mundo (Rm 12, 2); é preciso ir além e não tomar a forma dada por uma vida paganizada. Antes devemos, convertendo-nos para o Senhor, deixar renovar a nossa mente. Essa é a única maneira de discernir a vontade de Deus. Todo aquele que assume a fé em Jesus, deve assumi-la incondicionalmente: “Aquele que vive e crê em mim jamais morrerá” (Jo 11, 26). Se somos cristãos, devemos seguir o exemplo de Jesus. “Aquele que diz que está nele, também deve andar como ele andou.” (1Jo 2, 6) Não podemos apresentar um Jesus deformado, quando não aceitamos a renovação da nossa vida. Lembre-se sempre: O ouvido mais próximo de suas palavras não é o do irmão, é o seu. “Meu justo viverá pela fé, mas se voltar atrás não contará com a minha estima” (Hb 10, 38). Não podemos criar um novo catecismo, viver e pregar o nosso próprio Evangelho, anunciar um Cristo light. A oração deve orientar a nossa vida e devemos aproveitar dos nossos momentos de intimidade com Deus para pedir as diretrizes que nos vão conduzir. Quem reza e não ouve a Deus é como um cego diante de um imenso horizonte, só faz ideia por aquilo que lhe dizem e não pelo que de fato experimentou.

Assim, a Ética Cristã não exclui a razão, mas aplica-se à obediência a Cristo. Na sua essência é normativa, enquanto a Ética secular é descritiva. A Ética Cristã é também ensino, mandamento, diretriz, enquanto os costumes são variáveis e flexíveis. Os Dez Mandamentos constituem o primeiro tratado de ética dado pelo Senhor com o propósito de regular o comportamento humano no cumprimento dos seus deveres para com Deus, para com o próximo e para consigo próprio. A Ética Cristã é normativa, porque se baseia em normas estabelecidas pelo Criador.

Há costumes dos povos que se desatualizam: as modas passam, e até outros aspectos que caem em desuso devido à sua pouca expressividade. Porém, as nossas reações, a maneira de proceder, o comportamento, a apresentação e muitos outros valores próprios de quem vai viver com Jesus por toda a eternidade não devem passar de moda. Os cristãos ficam abismados e indignados ao ver que essa sociedade de padrões morais supostamente flexíveis, a qual se recusa a aceitar parâmetros de certo e errado, tende a condenar veementemente os cristãos que desafiam as suas ideias. “O Deus de vocês só sabe condenar”, anunciou-me uma amiga minha – sem perceber ou talvez sem se importar com o aspecto de que ela mesma estava julgando o nosso amado Deus.

Page 109: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 3 | A ÉTICA CRISTÃ

101

Um cristão deverá ser diferente dos não cristãos? Sim. Refiro-me a ser diferente para melhor. Não a chamar a atenção imediata por vestir algo muito antigo ou extravagante, mas pela sua postura. O cristão deverá deixar uma boa impressão, o bom cheiro de Cristo, como a Bíblia refere. Não basta ser cristão; é preciso parecer também que o é. Não é suficiente ter uma boa moral; é necessário não deixar dúvidas a esse respeito. Como deverá ser a atitude de um católico face à guerra? E quanto à responsabilidade social? E o sexo? A homossexualidade? Como deverá ser visto o controle de natalidade? Qual a posição de um cristão quanto à eutanásia, suicídio, pena capital e aborto? Ecologicamente, como estamos? Como procedemos? Atendemos às normas sociais e às condutas bíblicas? E os reais valores?

Pela ginástica do raciocínio comum hoje, os escritores dizem que não podemos mais retomar aqueles valores ingênuos, pois os problemas da sociedade atual são por demais complexos e esmagadores. E quais são esses problemas? Gravidez na adolescência, disparada do número de divórcios, doenças sexualmente transmissíveis, pais ausentes, famílias criadas só pelo pai ou só pela mãe, vulgarização e exploração do sexo na mídia, conflitos raciais, violência nos meios de comunicação, violência das gangues, crianças que matam sem remorso... A lista assustadora parece não ter fim. Isso deixa os cristãos decepcionados e desconcertados, pois são exatamente os problemas que poderiam ser resolvidos – ou pelo menos atenuados – por meio do comprometimento com a moral bíblica. São problemas que se exacerbaram justamente quando a sociedade abandonou os valores cristãos. A coincidência é grande demais para não ser levada em consideração.

Para compreender o fervor moral dos cristãos, os não cristãos precisam entender que a nossa moral começa não por uma lista de mandamentos, mas pelo relacionamento com Deus. Em consequência de ter fé em Cristo e de conhecê-lo, é claro que tentamos segui-lo em nossos atos. As suas leis ajudam a segui-lo com maior fidelidade e de maneira mais inteligente. Elas dão uma referência objetiva quando somos assaltados por dúvidas ou desviados pelos desejos. Como nem sempre queremos obedecer a Deus, as suas leis morais evitam que vivamos segundo os caprichos dos sentimentos.

Em todos esses estágios da sociedade há pessoas cuja religião é sincera e viva e cuja moral não é apenas uma máscara, mas procede do coração. Um ensinamento vital tanto da fé judaica quanto da religião cristã é que Deus conserva um “remanescente” de fiéis, testemunhando a sua santidade e a sua misericórdia. A partir do testemunho e das orações desse remanescente, pela misericórdia de Deus, vem novamente a renovação espiritual. As pessoas se voltam para Deus. A conduta delas muda, pois são transformadas no íntimo pelo Espírito Santo. A moral é incorporada, e a sociedade se renova porque as pessoas se renovam. Esse é o “reavivamento” que os cristãos esperam e pedem em oração – primeiro espiritual, depois inevitavelmente moral. Não podemos brincar se ser Igreja!

FONTE: Disponível em: <http://www.catequisar.com.br/texto/colunas/juberto/28.htm>. Acesso em: 3 maio 2016.

Page 110: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

102

RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico vimos:

• Um breve panorama da ética na linha da história bíblica; a importância da ética é ainda mais realçada pelo elevado valor que Deus coloca na vida ética.

• Algumas referências éticas, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, e também como a Bíblia e a Teologia da Libertação foram utilizadas no período de colonização da América.

• O apóstolo Paulo escreveu muitas cartas para diferentes públicos, mas mesmo assim ele estabelece um abrangente princípio unificador central.

• Algumas características desta ética fundada na Bíblia.

Page 111: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

103

Para aprofundar ainda mais esses estudos, indicamos a pesquisa dos seguintes temas com relação à ética:

1 A ética e a ciência.

2 Ética e psicologia.

AUTOATIVIDADE

Page 112: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

104

Page 113: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

105

UNIDADE 3

TEOLOGIA E LIBERTAÇÃO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir desta unidade você será capaz de:

• compreender as origens teológicas e políticas da Teologia da Libertação;

• identificar e distinguir entre os pontos de vista de figuras que contribuíram para o desenvolvimento e propagação da Teologia da Libertação;

• compreender a origem e o desenvolvimento e a influência da Teologia da Libertação na sociedade;

• identificar os temas centrais da teologia latino-americana com argumentos de textos a partir de uma variedade de perspectivas;

• conhecer a contribuição de alguns pensadores da Teologia da Libertação para o desenvolvimento social do continente latino-americano.

Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dos estudos você encontrará atividades que o(a) ajudarão a fixar os conteúdos estudados.

TÓPICO 1 – TEOLOGIA QUE LIBERTA

TÓPICO 2 – DIFERENÇAS QUE APROXIMAM

TÓPICO 3 – A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO HOJE

Page 114: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

106

Page 115: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

107

TÓPICO 1

TEOLOGIA QUE LIBERTA

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Quando as pessoas se lançam a estudar teologia, são muitas vezes sobrecarregadas pela grande abrangência de temas nesse campo. É comum pensar a teologia como abrangendo uma longa lista de assuntos. Ao longo dos dois milênios da fé cristã, uma série de temas têm vindo a ocupar aqueles que concentram muita atenção na teologia. A lista de temas difere de um ramo de igrejas para outro, mas há semelhanças suficientes que nos permitem citar uma série de grandes categorias teológicas.

A busca da teologia normalmente inclui alguns tópicos relativamente práticos, como missões, evangelização, a apologética (a defesa da fé), adoração, ministérios de misericórdia, aconselhamento, ritos, homilética e tradição. Também inclui uma vasta gama de assuntos mais teóricos ou abstratos: soteriologia – a doutrina da salvação, a eclesiologia – a doutrina da igreja, a antropologia – a doutrina da humanidade, pneumatologia – a doutrina do Espírito Santo, cristologia – a doutrina de Cristo, teologia bíblica, teologia sistemática, teologia moral etc.

Neste ponto, vamos dar uma atenção especial à Teologia da Libertação, que se notabilizou como forte representação da teologia latino-americana.

Veja que a Teologia da Libertação não é o sistema de uma única pessoa, um Rahner ou Tillich, um De Chardin ou Barth; um Gutierrez, um Boff. A Teologia da Libertação é, antes, um esforço cooperativo de muitos. Pelo menos como um símbolo, a Teologia da Libertação representa bem o cristianismo, pois é o esforço conjunto de homens e mulheres de todas as cores, de todas as crenças em todo o mundo em um projeto comum que visa à construção de uma sociedade de justiça e amor. Ao invés de concorrência, busca-se a partilha de ideias.

Os teólogos da libertação conhecem um ao outro, respeitam uns aos outros, e promovem as suas ideias. Isso não é comum, pelo menos em algumas partes da América Latina, onde a misantropia é conhecida a correr alta. Teologia, assim vista, é um esforço comum, enfrentando uma catástrofe comum.

Page 116: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 3 | TEOLOGIA E LIBERTAÇÃO

108

Muitos estudiosos concordam que a América Latina tem uma situação única que distingue a teologia que é feita aqui da teologia que é feita em outros lugares. Na verdade, no início do desenvolvimento da Teologia da Libertação latino-americana, havia um livro do teólogo protestante José Míguez Bonino, traduzido em inglês, que dizia, entre outras afirmações, que fazer teologia é uma situação revolucionária. É um livro maravilhoso que foi publicado antes de outro grande teólogo, que já mencionamos na Unidade 2, Gustavo Gutiérrez.

Bonino foi envolvido no movimento de direitos humanos na Argentina. Ele ressaltou que o que estava acontecendo lá e que precisava acontecer na América Latina, incluindo os tipos de perguntas que tinham que ser abordadas, eram fundamentalmente diferentes das perguntas da teologia europeia, mesmo entre a teologia política de figuras como Moltmann, Metz e Soelle.

O que queremos aqui é mostrar que a Teologia da Libertação vai se desenvolver como fruto da opção pelos pobres e, neste seu desenvolvimento, vai necessitando de novos aprofundamentos diante das novas exigências do momento histórico atual, buscando dar respostas para as questões relacionadas com as culturas, a bioética, a sexualidade, a ecologia e outros tantos temas urgentes e que precisam de um olhar atento da teologia. Dessa forma, a teologia não é simplesmente o trabalho imediato, uma reflexão livre, direta, espontânea e inequívoca sobre dados revelados. Não. Toda teologia é uma obra mediada.

2 CONTEXTO LATINO-AMERICANO

O que caracteriza ou diferencia a teologia latino-americana das outras teologias? É a sua capacidade e seu esforço para falar de Deus a partir da perspectiva dos pobres e sofrimento do mundo e reforçando aqueles temas que são fundamentais para a vida cristã: Deus, Jesus Cristo, a Igreja, o pecado, a graça, a salvação, discipulado. Com esses fundamentos, a teologia latino-americana está robusta para poder denunciar o sofrimento humano causado pelas estruturas socioeconômicas injustas que se opõem ao reinado de Deus, e resultando daí o pecado social. Esta teologia latino-americana questiona da seguinte forma: como Deus se manifesta na experiência de pessoas que conhecem a pobreza e opressão? Ela reconhece os pobres membros privilegiados do reinado de Deus. Os pobres, dada a sua condição da pobreza, são submetidos à vida ao contrário do que Deus quer para eles.

Para chegar a entender a teologia no contexto latino-americano, vamos brevemente desenvolver aqui quatro fatores principais que têm desempenhado um papel importante na formulação da Teologia da Libertação latino-americana. Em primeiro lugar, é um movimento teológico pós-iluminista. Os principais representantes, como Gustavo Gutierrez, Juan Segundo, José Miranda, são sensíveis às perspectivas epistemológicas e sociais de Kant, Hegel e Marx, autores estes que vimos brevemente na primeira e na segunda unidade desse caderno de estudos.

Page 117: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 1 | TEOLOGIA QUE LIBERTA

109

Em segundo lugar, a Teologia da Libertação tem sido grandemente influenciada pela teologia política europeia. Podemos destacar, como representantes dessa teologia europeia, J. B. Metz e Jürgen Moltmann e Harvey Cox, este último que tem criticado fortemente a natureza histórica e individualista da teologia existencial.

Em terceiro lugar e em sua maior parte, temos o movimento teológico católico romano. Com notáveis exceções, como José Miguez Bonino, já citado anteriormente e também Ruben Alves, ambos também desenvolveram uma Teologia da libertação com forte identificação com a teologia desenvolvida pelos teólogos da igreja Católica Romana. Depois do Vaticano II (1965) e da Conferência do Episcopado Latino-americano (Celam II), em Medellín, Colômbia (1968), um número significativo de líderes latino-americanos, dentro da Igreja Católica Romana, transformou a Teologia da Libertação na voz teológica para a Igreja na América Latina. O papel dominante da Igreja Católica Romana na América Latina tornou a teologia uma ferramenta importante para a libertação em todo o continente sul-americano.

Em quarto lugar, temos o movimento teológico específica e exclusivamente situado no contexto latino-americano. Os teólogos, que vão desenvolver esta teologia, alegam que seu continente foi vitimado pelo colonialismo, pelo imperialismo, por um desenvolvimentismo unilateral e por corporações multinacionais, e por isso a teologia precisa se ocupar dessa situação sendo um contraponto, um referencial de contestação a tudo isso.

A situação latino-americana pode ser vista da seguinte forma: o que aqui se tem é um "desenvolvimentismo" que tem colocado nações do Terceiro Mundo subdesenvolvidas, assim chamadas em uma situação de dependência, isso resultando em economias locais da América Latina a terem seus destinos controlados por decisões tomadas em Nova York, China ou Londres. A fim de perpetuar esta exploração econômica, países capitalistas desenvolvidos, chamados também de países de primeiro mundo, especialmente os Estados Unidos, dão apoio militar e econômico para garantir que certos regimes políticos que apoiam mantenham o status quo econômico a favor deles, é claro. A ilustração que segue demonstra de forma alegórica essa situação de dominação econômica através de figuras que podem parecer ingênuas, divertidas, simplórias, mas que trazem toda essa carga de dominação e dependência.

Page 118: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 3 | TEOLOGIA E LIBERTAÇÃO

110

FIGURA 29 – “AJUDA” NORTE-AMERICANA

FONTE: Disponível em: <http://profdiney.blogspot.com.br/p/charges-sociologia.html>. Acesso em: 28 abr. 2016.

É nesta realidade que a teologia se desenvolve e é para esta realidade que ela precisa dar respostas claras, fortes e evidentes de que algo está errado e é preciso mudar.

O caráter distintivo da teologia na América Latina é a hegemonia do catolicismo. Esta constatação já vimos nas unidades anteriores, com a chegada da colonização espanhola e portuguesa.

Até muito recentemente, o catolicismo da América Latina poderia ser caracterizado como pré-tridentino, ou seja, o tipo de catolicismo que tinha características da Baixa Idade Média, antes do Concílio de Trento. Você, acadêmico, pode relembrar sobre este período quando estudou a disciplina de História da Igreja Antiga à Contemporânea.

O Concílio de Trento, em parte em resposta à Reforma Protestante, em parte devido às chamadas católicas internas de reforma, procurou reorganizar o catolicismo, trazendo o controle para as mãos do bispo, regularizando sacramentos, insistindo na forma adequada de fornecer os sacramentos.

Page 119: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 1 | TEOLOGIA QUE LIBERTA

111

O catolicismo do povo também tinha pouco a ver com o catolicismo vivido na igreja. É centrado em torno de eventos como dias de festa, em que todas as populações das cidades participam de eventos desenvolvidos pela e para devoção popular. Sacerdotes cobriam vastos territórios, às vezes, com áreas do tamanho de estados e, por isso, poucas vezes visitavam as comunidades, e quando se faziam presentes era uma festa, literalmente, e também os sacramentos precisavam ser ministrados.

Outra característica importante foi a exploração econômica por cerca de 500 anos, primeiramente, por Espanha e Portugal, e também a exploração britânica em lugares como a Argentina. Houve monopólio estrangeiro de indústrias inteiras e setores que foram mediados por uma pequena classe, dentro da América Latina, de pessoas muito poderosas.

Havia enormes fazendas, minas e regimes militares que defendiam a manutenção dessa situação de dominação. A Igreja, via de regra, era aliada às classes ricas e poderosas, com algumas exceções heroicas (por exemplo, Bartolomé de las Casas).

Apesar dos ensinamentos sociais da Igreja Católica já no final do século XIX e do século XX, que eram, em muitos aspectos, bastante progressistas, porém sem ainda ter uma eficácia de mudança nesse panorama. Assim, os movimentos progressistas vão tendo significado e importância, como sindicatos e movimentos universitários. Havia alguns grupos cristãos estudantis que se aliaram, às vezes, ao chamado e bem conhecido "marxismo", mas numa versão mais – digamos - light, sem muita conexão com a realidade.

Efetivamente, temos a figura de Simón Bolívar, que tentou unir a América Latina. A Revolução Mexicana, no início do século XX, era um movimento secular anticlerical, anti-igreja, porque a Igreja foi totalmente aliada dos grupos proprietários de terra, os nossos conhecidos latifundiários.

Nos anos 50 e 60, havia uma história de crescimento (iniciada na década de 20) da intervenção dos Estados Unidos na América Latina. Vamos a alguns exemplos desse intervencionismo:

• Nicarágua: 17 operações militares dos EUA.• Sob Eisenhower, o governo eleito da Guatemala foi derrubado porque era

"socialista".• Os militares tinham base em Cuba, na Argentina e no Brasil, já é fato a influência

dos Estados Unidos em 1964.

Page 120: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 3 | TEOLOGIA E LIBERTAÇÃO

112

FIGURA 30 –DIVISÃO DO MUNDO SOB A ÓTICA NORTE-AMERICANA

O MUNDO, SEGUNDO OS EUA

PUXA-SACOS BÊBADOS DERROTADOS

PETRÓLEOE

GUERRA

VINHOPERFUME

ESPAGUETTI... FÁBRICADA

NIKE

ILHA GRANDE(HAWAII??)

FÁBRICADA

MICROSOFTÁREA

RADIOATIVA

NÃO VENHAMAQUI

ESTADO52

ÁREAVAZIACAFÉ

SEXODROGAS

Latinos

GELO

GELO

DIAMANTES

Fonte: brasildefato

FONTE: Disponível em: <http://ericksilveira.blogspot.com.br/2015/09/os-estados-unidos-sao-o-obstaculo-para.html>. Acesso em: 28 abr. 2016.

A ecologia foi vista inicialmente com muita suspeita, porque foi considerada como uma preocupação da burguesia americana. Pensava-se assim: "Eles querem nossas florestas para lhes dar oxigênio". No entanto, as pessoas começaram a perceber, pela primeira vez no Brasil, e, posteriormente, em outros lugares, que o destino da terra e o destino de todos estão interligados. Para essa discussão, temos

Em muitos desses casos, a Igreja estava do lado do opressor. Óbvio que, junto dessa dominação militar, vinha a dominação econômica, ideológica, cultural, e essa condição foi muito acentuada na América Latina.

Um dos terremotos iniciais para o catolicismo latino-americano foi o segundo Concílio do Vaticano II. Este concílio define a Igreja como sendo o lugar por excelência do leigo, não mais da hierarquia, o que era um afastamento radical do Vaticano I e do Concílio de Trento. Houve uma ênfase direcionada à Bíblia e seu uso evidenciado na catequese.

A intervenção dos Estados Unidos, muito atuante sob o governo de JFK, evoluiu para a formação do Estado de segurança nacional com a derrubada de regimes populistas na Argentina (Eva Perón), Brasil, Bolívia e Chile. Tudo isso foi fortemente orquestrado pelos EUA em colaboração com generais de toda a América Latina e resultou em extrema opressão. Em todos os casos, a partir dos anos 60, chegando até os anos 80, governos opressores foram apoiados seja aberta ou dissimuladamente pelos EUA. Eles tinham seus planos globais para se impor como nação dominante.

Page 121: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 1 | TEOLOGIA QUE LIBERTA

113

Os bispos receberam o imperativo de evangelização das pessoas por meio da Bíblia e, ao mesmo tempo, o reconhecimento de que eles estavam perdendo as massas urbanas aos movimentos seculares e marxistas e ao aumento do protestantismo pentecostal.

Um certo número de teólogos nesta fase, que tinha realizado seus estudos na Europa, estavam agora se voltando para a Bíblia e também para a realidade. Teólogos que tinham se formado em seminários católicos nos anos 40 e 50 nunca tinham sido obrigados a ler a Bíblia. De repente, com o Concílio Vaticano II, houve um reconhecimento de que se não começasse essa aproximação, a situação para eles iria ficar complicada. Assim, houve uma nova ênfase sobre a Bíblia e autores que vão se debruçar e escrever sobre ela e desenvolver estudos das correntes contemporâneas da filosofia europeia que já tinham um olhar sobre a Bíblia.

Quando olhamos para a Revolução Cubana, percebemos a presença da ideologia marxista, que dispensa a influência dos EUA e os proprietários de terras, oferecendo assim uma espécie de faísca e de esperança de libertação do jugo norte-americano para o resto da América Latina.

Em 1968, os bispos latino-americanos se reuniram em uma conferência em Medellín. Seu objetivo era descobrir como implementar o Vaticano II na América Latina, onde eles ainda não tinham sido influenciados pelas reformas de Trento. Eles precisavam treinar agentes pastorais para trabalhar entre os povos indígenas, junto com trabalhadores, junto das universidades etc. Uma das coisas que provocou isso foi que não havia pessoas que "conheciam" a Bíblia através de formação no seminário, mas eles tiveram que começar a falar sobre isso e então eles leram a Bíblia "ingenuamente". No Brasil, o trabalho de Paulo Freire, que iniciou uma educação com veio populista e forte influência marxista, se tornou um modelo para a formação dos trabalhadores leigos que iriam se formar nas comunidades, usando a Bíblia e métodos pedagógicos de Freire.

A primeira fase da Teologia da Libertação na América Latina apropriou-se dos ensinamentos sociais da Igreja Católica, que foi essencialmente o evangelho voltado para o âmbito social, sem a contaminação do marxismo. No entanto, eles acrescentaram suas próprias maneiras de usar o marxismo, em primeiro lugar como uma forma de criticar a economia do "desenvolvimento". Este desenvolvimento, na realidade, significava o desvio de recursos da América Latina a partir da periferia para o centro (neste período, para os EUA e Grã-Bretanha).

Vamos avançando.

Page 122: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 3 | TEOLOGIA E LIBERTAÇÃO

114

A parte norte do Brasil, região que foi influenciada mais fortemente pelo trabalho de Paulo Freire, já estava recebendo bom grupo de representantes do pentecostalismo protestante. Os bispos, que só viajavam para as partes remotas do Brasil uma vez por ano, descobrem que as comunidades estavam enfraquecidas e que eles estavam perdendo a sua influência. Portanto, eles reconheceram que precisavam criar comunidades locais que se reunissem sem sacerdotes, ou quaisquer outros membros da hierarquia, mas que se motivassem e se envolvessem a partir da reflexão bíblica. Esta centralidade da Bíblia vai alimentar a reflexão sobre a realidade social em que se encontravam. Dessa situação, percebe-se então que há uma aproximação entre a Bíblia e Paulo Freire, que é o que o povo tem de mais real, que faz parte do cotidiano.

Toda essa realidade vivida no Norte e Nordeste do Brasil e que depois se espalha faz parte da primeira fase da Teologia da Libertação, que vai crescendo a partir deste movimento que se congrega a partir do estudo da Bíblia com um olhar sobre a realidade e vai se espalhando pela América Latina. Teólogos, como Gutiérrez e Sobrino, estavam se movendo em toda a América Latina, participando de conferências em cada país e região, enquanto trabalhavam na formação de leigos, principalmente envolvidos em alguma pastoral coordenada pela Igreja.

A partir dessa primeira fase até a próxima, podemos destacar como referência, como grande evento, a conferência de bispos que foi a Conferência de Puebla, em 1979, que marcou essa nova fase. A Igreja Católica tem um novo papa, João Paulo II, e uma resposta altamente negativa no Vaticano às influências marxistas no movimento, e à politização no movimento de libertação, com alguns padres, mesmo tornando-se líderes políticos. Na Conferência de Puebla, o Vaticano estava tentando colocar alguns limites no movimento. Ao mesmo tempo, próximo de Puebla, cerca de 40 teólogos da libertação se reúnem. Cada vez que uma declaração que sai de Puebla, os teólogos da libertação, aqueles reunidos fora da conferência, apresentavam uma declaração que era essencialmente uma negação de que os bispos se opunham à Teologia da Libertação. Assim, desde o início, um dos temas distintos em Teologia da Libertação latino-americana é a tentativa de ser "mais católico" do que o Vaticano.

Neste ponto, a Teologia da Libertação entra para o que poderia ser chamado de uma segunda fase. Eles começaram a perceber que haviam enfatizado questões econômicas e políticas (por exemplo, o Estado de segurança nacional e do neoliberalismo) à custa de uma série de outras questões de importância crescente. Estes incluíram as necessidades das populações indígenas, que eram a minoria em alguns lugares, mas eram a maioria em lugares como o Brasil. Esses grupos, muitas vezes, não eram ainda de língua espanhola. Então, eles começaram a prestar atenção à espiritualidade indígena do povo e trouxe-a para o meio da Teologia da Libertação. Eles também prestaram atenção aos movimentos pentecostais protestantes (que muitas vezes eram populares entre os pobres urbanos), que tinham inicialmente denunciado, e tentaram trazê-los para o movimento de libertação, encontrando elementos que eram potencialmente progressivos. Eles tentaram formar alianças ao invés de manifestar a instintiva reação marxista típica ao pentecostalismo.

Page 123: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 1 | TEOLOGIA QUE LIBERTA

115

Veja, caro acadêmico, que todo esse desenvolvimento da Teologia da Libertação não é exclusividade do catolicismo, mas também grupos do mundo protestante desenvolveram com muito esmero a Teologia da Libertação, até em momentos de parceria com o catolicismo.

Apesar de que existem divergências significativas entre os teólogos da libertação, na maioria de seus escritos encontramos repetidos os temas fundamentais que constituem uma saída radical da doutrina tradicional e estabelecida das Igrejas Católica e Protestante:- Uma implacável acusação moral e social contra o capitalismo como sistema injusto e iníquo, como forma de pecado estrutural.- O uso do instrumento marxista para compreender as causas da pobreza, as contradições do capitalismo e as formas da luta de classes.- A opção preferencial a favor dos pobres e a solidariedade com sua luta de emancipação social. O desenvolvimento de comunidades cristãs de base entre os pobres como a nova forma da Igreja e como alternativa ao modo de vida individualista imposto pelo sistema capitalista.- A luta contra a idolatria (não o ateísmo) como inimigo principal da religião, isto é, contra os novos ídolos da morte, adorados pelos novos faraós, pelos novos Césares e pelos novos Herodes: O consumismo, a riqueza, o poder, a segurança nacional, o Estado, os exércitos; em poucas palavras, “a civilização cristã ocidental”. FONTE: Disponível em: <http://www.adital.com.br/site/noticia_imp.asp?cod=35648&lang=PT>. Acesso em: 25 maio 2016.

Uma característica que começa a aparecer a partir dos anos 80 é que os autores pararam de escrever livros com ‘libertação’ no título (embora eles ainda estavam sendo traduzidos para o inglês com esses títulos). Vão sendo recuperados temas como a espiritualidade voltada para o meio ambiente, para a preservação, para a ecologia. Outro tema importante foi uma mudança no pensar sobre questões de ecologia.

A ecologia está a exigir um repensamento da teologia da criação. Há um processo crescente de aprofundamento da compreensão da ecologia que vai desde um simples cuidado para evitar destruir o meio ambiente até uma responsabilidade ética pelo planeta a partir de uma consciência de comunhão profunda com o cosmos. Pode-se falar que emerge novo paradigma da “era ecológica”. A TdL é chamada a fazer a ponte entre essa preocupação ecológica com a realidade dos pobres. A vida de ambos está ameaçada. Há relação profunda entre essas duas dominações como de suas respectivas libertações. Procura-se articular o grito da terra com o grito dos pobres.A teologia tem se preocupado em dialogar com as ciências da natureza, com a antropologia para ter uma base para suas reflexões sobre a real condição religiosa do ser humano. FONTE: Disponível em: <http://servicioskoinonia.org/relat/229.htm#a252>. Acesso em: 25 maio 2016.

Page 124: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 3 | TEOLOGIA E LIBERTAÇÃO

116

Para você aprofundar seus conhecimentos sobre a ecologia e a urgência desse tema para a humanidade sob o olhar de um teólogo, leia esta obra.

Leonardo Boff, elaborou vários materiais nessa temática.

Assim, a Teologia da Libertação latino-americana passou por uma série de fases e continua a produzir muito material, porém sem aquela interação ou aplicabilidade na realidade, no cotidiano das pessoas. E você, acadêmico, deve se perguntar o motivo disso. Seria a secularização? Os avanços tecnológicos que contribuem para uma individualização das pessoas e aí não formam mais tantos grupos como existiam na região, reunidos em torno de ideologias ou por influência de diferentes religiões, principalmente pela Igreja Católica? Os novos movimentos que estão voltados preferencialmente para a prosperidade de forma individual?

3 AVANÇOS E RECUOS

Se existe uma espécie de "instinto religioso" na humanidade ou se a religião é um tipo de reação ao sofrimento, parece que a experiência religiosa é algo que está aqui e vai permanecer no futuro.

No olhar da Teologia da Libertação, constata-se que as autoridades políticas, muitas vezes, apoiadas pelos EUA, implacavelmente reprimiam os que a contestavam, como vimos nos temas anteriores. Esta preocupação da teologia persiste até hoje, seus teólogos e principais líderes ainda estão trabalhando, e ainda há comunidades de base em operação, no entanto, deixou de ser um fator central na luta política na América Latina e se tornou um fenômeno muito mais marginal.

Podemos salientar que a repressão, de diversas formas, principalmente no catolicismo, é a culpa para o declínio da Teologia da Libertação. Temos vários exemplos emblemáticos para demonstrar essa situação. Para aqueles que pensam que o cristianismo está apático em relação às demandas sociais, a Teologia da Libertação permanece como uma clara demonstração em contrário.

Page 125: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 1 | TEOLOGIA QUE LIBERTA

117

Ao mesmo tempo, porém, a oposição extrema da Teologia da Libertação para todos os poderes estabelecidos indistintamente, às vezes de forma cega, provavelmente provocou uma repressão inevitável, especialmente tendo em conta as realidades da Guerra Fria, quando qualquer movimento de protesto populista foi tratado como uma conspiração comunista pelos EUA e pelos países em que havia essa dominação estabelecida, que foi e continua sendo a maior potência militar da história da humanidade.

A ideia de que os EUA iriam permitir que um regime com a ideologia da Teologia da Libertação tomaria o poder em seu quintal nunca foi realmente possível, como atesta a experiência de Jean-Bertrand Aristide, o padre católico deposto da Presidência do Haiti. Veja então que, mesmo com a presença da Teologia da Libertação, não foi suficiente para ter um resultado aceitável do ponto de vista do próprio movimento, dada a sua crítica radical de todos os arranjos políticos e econômicos existentes. Parece que faltou um equilíbrio.

Portanto, em geral, enquanto uns tendem a rejeitar o argumento de que a Teologia da Libertação ‘nunca pegou’, alegar que então o pentecostalismo fala mais diretamente às necessidades das pessoas parece muito mais plausível do que ficar apenas na ideia de opressão ao movimento.

O pentecostalismo, em geral, teve mais ‘entrada’ nessas novas missões – países, – congregando com muito menos oposição das autoridades, mesmo que os obstáculos que tem enfrentado foram também dos mais variados, tais como restrições gerais sobre a liberdade religiosa não se limitando a pentecostais, e isso é provavelmente porque o pentecostalismo não tornou sua missão apenas uma oposição a todas as autoridades.

Veja que o pentecostalismo coloca como missão restaurar o mesmo acesso direto ao poder de Deus que os apóstolos experimentaram no dia de Pentecostes – quando acontecem transformações milagrosas da vida das pessoas, superação milagrosa de fronteiras raciais e étnicas que não podem ser restringidas a uma realidade do passado, mas algo que toda pessoa tem possibilidade real, direta, aqui e agora.

A partir dessas constatações, e desta contextualização do pentecostalismo, com características muito próximas do catolicismo, ambos da mesma bandeira cristã, temos então pregadores que são autenticados não através da formação e aprovação institucional, mas pela evidência de Deus, trabalhando através deles. Igrejas são fundadas não através de uma cadeia de tradição, mas em caso de necessidade.

Sabemos que, historicamente, o cristianismo tradicional tem insistido na continuidade institucional e sobre a centralidade dos sacramentos. Por sua vez, a Teologia da Libertação apresenta uma visão da herança bíblica que revela um Deus que está sempre do lado dos pobres e oprimidos, possibilitando sempre a opção pela liberdade de escolher qual caminho seguir.

Page 126: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 3 | TEOLOGIA E LIBERTAÇÃO

118

Embora seus teólogos sempre tentaram manter a paz com as igrejas institucionais, eles apresentaram as suas ideias de grupos de conscientização ou ‘comunidades de base’ como a expressão mais autêntica da comunidade cristã, e a luta política pela justiça como a mais significativa experiência religiosa.

O que torna esses dois movimentos, o catolicismo e o pentecostalismo, que partem tanto da corrente principal do cristianismo, tão obviamente cristãos? Ambos, claro, fazem de Cristo e da Bíblia os pontos indispensáveis e indiscutíveis de referência de toda sua missão.

O cristianismo evoluiu a partir de uma comunidade de judeus e gentios em uma religião essencialmente gentil, quando ficou claro que o judaísmo estava tomando um caminho diferente. Ele deixou de ser um culto de perseguidos que rejeitavam a adoração do império para ser a religião que uniu e definiu o império. Passou de serva do poder instituído para ser o governante de fato da Europa Ocidental durante a Idade Média, e quando a nova estrutura de poder do Estado-nação começara a evoluir, ele encontra um novo papel de apoio a esses regimes e mostrou notável flexibilidade na adaptação às novas realidades do capitalismo emergente. Ufa. Um parágrafo para resumir o nascimento de uma religião e seu desenvolvimento em 2000 anos.

Mesmo o cristianismo convencional, indiscutivelmente, transformou-se, a fim de ultrapassar as fronteiras da nação-estado com o cristianismo liberal, que abraça a linguagem dos direitos humanos que estão acima das leis de qualquer nação e do cristianismo conservador, que luta para preservar a vida humana através do seu regulamento da vida familiar e da sexualidade, mais uma vez concebida como uma lei natural que excede qualquer estado-nação. O teólogo, de modo muito especial, deve participar das discussões sobre os direitos humanos, de maneira muito especial e colaborativa, no sentido de resgatar o indivíduo de tantas descaracterizações por que passa na atualidade.

No próximo tópico vamos estudar mais de forma distinta essas duas forças da teologia: a católica e a evangélica.

4 PENSANDO A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

Atrás de uma ideia há um pensador. Para entender melhor a importância de um grande teólogo nessa compreensão da Teologia da Libertação no contexto latino-americano, temos vários pensadores que nos servem como guias para encontrarmos os caminhos que nos levam aos grandes pilares da Teologia da Libertação. Podemos citar Austin Cline Ralph Della Clava e tantos outros que você, acadêmico, pode também lembrar. Um dos pontos que eles têm em comum é apontar Gustavo Gutiérrez como o principal arquiteto da Teologia da Libertação no contexto latino-americano.

Page 127: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 1 | TEOLOGIA QUE LIBERTA

119

Gutiérrez foi padre católico que cresceu em extrema pobreza no Peru. Gutiérrez empregou muitas críticas ao capitalismo e também ao marxismo. Essas críticas devem ser entendidas como parte de sua análise teológica de como o cristianismo deve ser usado para tornar a vida das pessoas melhor, aqui e agora, em vez de simplesmente oferecer-lhes esperança de recompensas no céu.

FIGURA 31 – GUSTAVO GUTIERREZ

FONTE: Disponível em: <http://www.brandeis.edu/now/2014/september/gittler-gutierrez.html>. Acesso em: 29 abr. 2016.

Enquanto ainda no início de sua carreira como um padre, Gutiérrez começou a desenhar seus pensamentos a partir de filósofos e teólogos da tradição europeia para desenvolver suas próprias crenças. Os princípios básicos que permaneceram com ele através das mudanças em sua ideologia foram: amor (como um compromisso para com o próximo), a espiritualidade (com foco em uma vida ativa no mundo), este mundanismo em oposição a outro mundo, a igreja como uma serva da humanidade, bem como a capacidade de Deus para transformar a sociedade através das obras dos seres humanos.

O que distingue Gutiérrez de outros pensadores é que ele foi muito comedido em referenciar a teologia utilizando-se de Marx. Ele incorporou ideias sobre luta de classes, a propriedade privada dos meios de produção, e críticas ao capitalismo, mas ele rejeitou as ideias de Marx sobre o materialismo, o determinismo econômico e, claro, o ateísmo.

A teologia de Gutiérrez é aquela que coloca a ação em primeiro lugar e a reflexão em segundo, uma grande mudança de como a teologia tem sido tradicionalmente feita. Em “A força do pobre na história” (1979), ele escreve:

Page 128: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 3 | TEOLOGIA E LIBERTAÇÃO

120

Desde o início, a Teologia da Libertação postulou que o primeiro ato é o envolvimento no processo de libertação, e que a teologia vem depois, como um segundo ato. O momento teológico é um dos primeiros movimentos a desenvolver uma reflexão crítica a partir de dentro, e a refletir sobre a práxis históricas concretas, em confronto com o mundo do Senhor, como viveu e acolhida na fé. (GUTIÉRREZ, 1979, p. 59).

Muitos desconsideram de forma contundente que a Teologia da Libertação se baseia em tradições da doutrina social da Igreja. Gutiérrez não só foi influenciado por esses ensinamentos, mas seus escritos influenciaram o que foi ensinado nas academias de teologia.

Muitos documentos oficiais da Igreja buscaram inspiração em Gutiérrez para apontar como temas importantes da doutrina da Igreja as grandes disparidades de riqueza entre ricos e pobres, e argumentam que os ricos devem fazer mais de um esforço para ajudar os pobres do mundo.

Dentro do sistema teológico de Gutiérrez, libertação e salvação se tornam a mesma coisa. O primeiro passo para a salvação é a transformação da sociedade: os pobres devem ser libertados da opressão econômica, política e social. Isto irá envolver tanto luta e conflito. Tal disposição para tolerar atos violentos é uma das razões pelas quais as ideias de Gutiérrez nem sempre foram calorosamente recebidas pelos líderes católicos no Vaticano.

Na América Latina, segundo Maduro, “a produção teológica se realiza no meio de uma situação de dominação e de conflito”. O conflito atinge “também os esquemas de interpretação da realidade”, inclusive da revelação de Deus. Essa característica aparece também em outros lugares e momentos? Para Enrique Domingo Dussel (nasc. 1934), a igreja na América Latina colonial, “a nova cristandade das Índias”, foi “a única cristandade [...] colonial ou dependente”. Sua característica específica eram a dependência, a dominação, o conflito. As outras duas cristandades, a bizantina e a latina, não eram dependentes. Será que Dussel e Maduro as considerariam como não conflitivas? Creio que não. Sua análise está visivelmente influenciada, se não inspirada, pelo marxismo. O marxismo vê toda a história como conflitiva. O famoso Manifesto do Partido Comunista, de 1848, afirma: “A história [transmitida por escrito] de toda a sociedade até hoje é a história de lutas de classes”. Consequentemente, todos os contextos históricos eram conflitivos. Teologia, pois, sempre seria produzida em situações de conflito. FONTE: Disponível em: <http://www3.est.edu.br/publicacoes/estudos_teologicos/vol4801_2008/et2008-1e_jfischer.pdf>. Acesso em: 25 maio 2016.

Esta é uma questão importante na América Latina após o colapso do socialismo real no Leste Europeu, no final do regime sandinista na Nicarágua e na transição para um Pré-Vaticano de muito conservadorismo II na Igreja Católica.

Page 129: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 1 | TEOLOGIA QUE LIBERTA

121

Gutiérrez (1979) oferece evidências da aceitação do seu trabalho por muitos bispos e a relação entre seu pensamento e o envolvimento prático de muitas pessoas e comunidades, de modo especial na vida da Igreja Católica. Ele reconhece as críticas que recebeu por seu uso de análise social e da necessidade "para aperfeiçoar novas ferramentas analíticas”. Ele passa a descrever a nova situação mundial com as demandas urgentes de compreensão para que "tanto a própria perspectiva científica e a concepção cristã do mundo exigem um discernimento rigoroso de dados científicos – discernimento, mas não medo da contribuição das ciências sociais". (GUTIÉRREZ, 1979, p. 121).

A abordagem à história latinoamericana, conhecida como "teoria da dependência", era muito influente no início de teologias da libertação. Ora, numa maneira muito explícita, Gutiérrez (1979, p. 121) admite:

a teoria da dependência que foi tão amplamente utilizada nos primeiros anos do nosso encontro com o mundo latino-americano, porém agora tornou-se uma inadequada ferramenta, porque não tem suficientemente em conta a dinâmica do mercado interno de cada país ou das vastas dimensões do mundo dos pobres.

Outro passo para a salvação é a transformação de si: temos de começar a existir como agentes ativos ao invés de aceitar passivamente as condições de opressão e exploração que nos cercam. Para concluir essa reflexão, um último passo é a transformação da nossa relação com Deus – especificamente, a libertação do pecado.

As ideias de Gutiérrez podem dever tanto para a doutrina social católica tradicional como também para o marxismo, mas tiveram maiores problemas para encontrar eco entre a hierarquia católica, no Vaticano. O catolicismo hoje está muito preocupado com a persistência da pobreza em um mundo de abundância, mas não compartilha a caracterização da teologia de Gutiérrez como um meio para ajudar os pobres e não para explicar o dogma da Igreja.

Vamos adiante. O Papa João Paulo II, já falecido, no período do seu pontificado, expressou forte oposição aos "sacerdotes políticos" que se tornavam mais envolvidos com a realização da justiça social do que ministrar aos seus rebanhos – uma crítica curiosa, dada a quantidade de apoio que forneceu aos dissidentes políticos na Polônia, enquanto os comunistas ainda lá governavam. Com o tempo, porém, a sua posição suavizou um pouco, possivelmente por causa da implosão da União Soviética e o desaparecimento da ameaça comunista.

Page 130: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 3 | TEOLOGIA E LIBERTAÇÃO

122

Para concluir essa discussão, podemos perceber que durante os anos 1970 e 1980 o panorama teológico na América Latina foi dominado pelo discurso de teologias da libertação. Por uma questão de precisão, é importante usar o plural porque não há apenas uma abordagem teológica que poderia ser rotulada de "teologia da libertação". Depois de 20 anos, é evidente que algumas das formas mais radicais desta teologia, que eram forjadas, principalmente dentro do mundo acadêmico com nenhuma relação com a vida da igreja, estão em processo de extinção. Há sim, no entanto, uma linha da Teologia da Libertação, que tem se esforçado para manter ligação com a vida das igrejas, com a sua pastoral e com sua missão de evangelização. Essa tem sido a linha exemplificada pela de Gustavo Gutierrez, que evidentemente vai durar mesmo que tome novas formas. Para onde a Teologia da Libertação está indo nesta década?

Para um maior aprofundamento, caro acadêmico, seguem alguns eventos, figuras importantes, literatura da área, para você buscar maiores informações sobre essa temática.

Figuras que merecem destaque:

- Hélder Câmara;- Paulo Evaristo Arns.

Eventos:

- O congresso de El Escorial, Espanha, em julho de 1972, sobre o tema da "Fé cristã e a transformação da sociedade na América Latina".

- O primeiro congresso dos teólogos latino-americanos, realizado na Cidade do México em agosto de 1975.

- Os primeiros contatos formais entre os teólogos da libertação e defensores de liberação dos negros nos EUA e outros movimentos feministas de libertação, ameríndios e similares.

- A criação da Associação Ecumênica de Teólogos do Terceiro Mundo.

Materiais impressos:

- Concilium - Revista Eclesiástica Brasileira (REB)- Grande Sinal- Estúdios Centroamericanos (ECA)- Revista Latino-americana de Teologia

Page 131: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 1 | TEOLOGIA QUE LIBERTA

123

LEITURA COMPLEMENTAR

A TEOLOGIA NO BRASIL NOS ÚLTIMOS 30 ANOS

Pe. José Carlos Veloso Júnior

A “nova maneira” de fazer teologia na América Latina foi marcada por um novo método teológico. Este método foi realizado pela chamada “teologia da libertação”.

Houve diversas tentativas de estabelecer as fases da Teologia da Libertação. Dentro do contexto epistemológico brasileiro, esta “nova maneira” de fazer teologia teve sua inspiração no método ver-julgar-agir, sua gênese nas publicações de H. Assmann e Leonardo Boff, seu desenvolvimento com a Teologia do Político de Clodovis Boff e sua discussão nos anos 80. Nos últimos anos, a Teologia da Libertação tem acolhido no seu seio os novos paradigmas feitos pelo processo de globalização e pela necessidade de uma evolução no seu próprio quadro epistemológico.

Pode-se dizer que a história da teologia no Brasil se identifica com a teologia da libertação. Seu método se inspirou no modelo comunitário-pastoral realizado pela Ação Católica e pelas Conferências Episcopais e indicado pelo Magistério do Papa João XXIII e Paulo VI, nos anos 60. Mas somente a partir dos anos 70 é que o mesmo foi elaborado teologicamente por diversos teólogos, dos quais se recordam os fundadores desta nova corrente, G. Gutiérrez, H. Assmann e J. Sobrino.

A gênese da Teologia da Libertação tem suas raízes mais antigas na obra de H. Assmann e na contribuição extensa e orgânica de Leonardo Boff. No entanto, o seu desenvolvimento foi realizado por Clodovis Boff, por transformar o método pastoral ver-julgar-agir em método teológico construído em cima das práxis, por meio da mediação socioanalítica (MSA) e da mediação hermenêutica (MH). Com estes autores se incorpora anteriormente à temática teológica a realidade social e suas ciências. Com isso, há diversas mudanças epistemológicas a respeito do ponto de partida da teologia e ocorrem muitas consequências na articulação entre o transcendente e o imanente da teologia e nas suas relações com a prática teológica. Assim, o ponto de partida da Teologia da Libertação muda o foco da revelação da Palavra de Deus e sua comunicação com a humanidade para a práxis histórica, na qual está presente a imagem imanente de Cristo e do seu Reino que incentiva a ação concreta dos cristãos na busca pela libertação humana. Esta mudança exige o uso das ciências sociais e a escolha de um instrumental teórico anterior à elaboração teológica. Assim, há uma alteração do princípio do método teológico tradicional, provocando uma variedade de críticas no âmbito eclesial e despertando interesses na sociedade civil, com exageros e oposição entre um lado e o outro, acontecendo um conflito na Igreja. Estas atitudes, por sua vez, incentivaram um debate sobre as influências da realidade socioeconômico-político-cultural no contexto teológico e, por outro lado, a definição da especificidade da teologia como razão da fé, com uma perspectiva epistemológica, preocupando-se

Page 132: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 3 | TEOLOGIA E LIBERTAÇÃO

124

com sua relação com as demais ciências e com a influência dos movimentos e correntes filosóficas contemporâneas no seu campo específico. Estas duas atitudes são sintetizadas nas obras de Paulo Fernando Carneiro de Andrade sobre o uso da sociologia na Teologia da Libertação e de Paulo Sérgio Lopes Gonçalves com o projeto sistemático da Teologia da Libertação.

Portanto, a questão principal da teologia no Brasil foi o método e a elaboração de um novo princípio hermenêutico, que acolhe a realidade socioeconômico-político-cultural, ao interno da teologia. Porém, este texto procura limitar-se ao problema epistemológico, evitando uma abordagem pastoral e bíblica, apesar destas duas dimensões estarem presentes ao longo da história da teologia nestes últimos 30 anos. Quer também contribuir para uma elaboração epistemológica da teologia no Brasil, às portas da V Conferência do Episcopado Latino-americano, indicando o perigo de abandono da sistemática metodológica realizada no continente e da colocação no seu lugar de uma metodologia “pós-moderna” holística baseada no sentimento e numa dimensão espiritualista de característica “carismática”, que ainda não foi suficientemente criticada e abordada.

FONTE: Disponível em: <http://www.cienciaefe.org.br/online/producao/pe_jose_carlos_veloso/teologia_no_brasil_a.htm>. Acesso em: 4 maio 2016.

Page 133: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

125

Neste tópico vimos:

• Que uma das características da teologia na América Latina foi a hegemonia do catolicismo.

• Que a centralidade da Bíblia vai alimentar a reflexão sobre a realidade social em que se encontra a população mais empobrecida.

• Que houve uma aproximação entre a Bíblia e Paulo Freire, que é o que o povo tem de mais real, que faz parte do cotidiano.

• Que o cristianismo tradicional tem insistido na continuidade institucional e na centralidade dos sacramentos.

• Que a Teologia da Libertação apresenta uma visão da herança bíblica que revela um Deus que está sempre do lado dos pobres e oprimidos, possibilitando sempre a opção pela liberdade de escolher qual caminho seguir.

• Que muitos documentos oficiais da Igreja buscaram inspiração em Gutiérrez para apontar, como temas importantes da doutrina cristã, as grandes disparidades de riqueza ente ricos e pobres e a argumentação de que os ricos devem fazer mais de um esforço para ajudar os pobres do mundo.

• Que durante os anos 1970 e 1980 o panorama teológico na América Latina foi dominado pelo discurso de teologias da libertação.

RESUMO DO TÓPICO 1

Page 134: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

126

Levando em consideração a importância do ENADE para você, acadêmico, e para a instituição, vamos reproduzir aqui algumas questões aplicadas no ENADE em 2015, para que possa se familiarizar com a dinâmica utilizada na prova que, obrigatoriamente, os acadêmicos que irão concluir o curso no ano do ENADE terão que realizar.

1 Veja esta questão aplicada no ENADE de 2015 para o curso de Bacharelado em Teologia, que faz uma reflexão a partir de um texto de Gutiérrez sobre a Teologia da Libertação.

A Teologia da Libertação nos propõe, talvez, não tanto um novo tema para a reflexão quanto uma nova maneira de fazer teologia. A teologia como reflexão crítica da práxis histórica é, assim, uma teologia libertadora, uma teologia da transformação libertadora da história da humanidade e, portanto, libertadora, também, da porção dela – reunida em ecclesia – que confessa abertamente Cristo como uma teologia que não se limita a pensar o mundo, mas procura situar-se como um momento do processo por meio do qual o mundo é transformado, abrindo-se – no protesto ante a dignidade humana pisoteada, na luta contra a espoliação da imensa maioria da humanidade, no amor que liberta, na construção de nova sociedade, justa e fraterna – ao dom do reino de Deus. FONTE: GUTIÉRREZ, G. Teologia da libertação: perspectivas. São Paulo: Loyola, 2000. Trad. 6ª ed. 1996 (adaptado).

No texto, o autor propõe que a Teologia da Libertação seja:

(A) Uma teologia mais vertical, que leve a massa de homens e mulheres massacrados a reatar sua relação com Deus em um processo de libertação.

(B) Uma nova maneira de fazer teologia, que leva a maioria da população a superar a condição de dependência e aumentar seus recursos materiais e financeiros.

(C) Uma teologia crítica, que leve em conta o drama espiritual de tantas pessoas ainda presas ao pecado, que será superado por meio da cura e da libertação.

(D) Um novo modo de fazer teologia na América Latina, que rompa com dogmas e conceitos elaborados em outras épocas e pensados fora do continente latino-americano.

(E) Uma nova maneira de fazer teologia, que reflita a práxis histórica a partir das multidões excluídas, em vista da construção da nova sociedade, aberta ao dom do reino de Deus.

AUTOATIVIDADE

Page 135: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

127

2 ENADE 2015 – QUESTÃO 21

O meio ambiente, os direitos humanos e a ética são problemas urgentes do mundo contemporâneo. Eles deram origem a uma série de reflexões que procuram seu lugar na academia por meio dos temas da ecologia, dos direitos humanos e da bioética, sem que se devam constituir em disciplinas do conhecimento, mas, mantendo sua dimensão problemática, permitam ser abordados de maneira interdisciplinar. Hoje, a fundamentação argumentativa dos direitos humanos não pode, nem deve dar passagem à nova racionalidade ideológica e socioeconômica que centra sua absolutez no mercado e não na vida, às custas dos fracos argumentos políticos, das fracas democracias contemporâneas, pois o mercado parece estar tirando-lhes espaço. Para esta nova lógica da oferta e da procura, o valor se enraíza na intercambialidade, na possibilidade de atribuir um valor, que não radica na essência, nem em sua finalidade ou uso. Esta contingência da realidade exige, pelos direitos humanos, uma volta ao sujeito. A pretensão de propor uma fundamentação teológica dos direitos humanos não é uma intromissão no mundo jurídico nem no mundo da política internacional. Os direitos humanos reclamam por si mesmos a compreensão do horizonte teológico, não porque eles tenham de teologizar-se ou converter-se em categorias teológicas, mas porque se convertem em locus teológico, ou seja, lugar de onde podem ser compreendidos perante o sujeito que está em constante busca de concretizar a proposta do reino de Deus.FONTE: CORREDOR, D. E. Fundamentação teológica dos direitos humanos. Cadernos de Teologia Pública. Ano 2. N. 15. 2005. (adaptado).

Com base no texto, no que diz respeito à inserção do teólogo em espaços públicos e privados de discussão interdisciplinar, assinale a opção correta:

(A) O teólogo, cujo discurso se pauta no sobrenatural, não deve extrapolar o horizonte do seu discurso em discussão sobre direitos humanos.

(B) O fato de não ser veiculado nos meios de telecomunicação, em razão dos altos custos de transmissão, leva o discurso teológico dos direitos humanos a ser desconsiderado.

(C) A participação do teólogo em discussões sobre direitos humanos, entre outras que são fundamentais, atualmente, não pode ser vista como uma ingerência, devendo, ao contrário, ser considerada colaboração.

(D) A grande maioria da população é controlada pelo que dizem os meios de comunicação de massa, razão pela qual a teologia e os direitos humanos perdem cada vez mais espaço na sociedade atual.

(E) O fato de não ser possível comprovar os argumentos teológicos torna um contrassenso considerar a participação de teólogos em discussões sobre direitos humanos.

Page 136: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

128

Page 137: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

129

TÓPICO 2

DIFERENÇAS QUE APROXIMAM

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

A Teologia da Libertação sempre se propôs a reexaminar todo o conteúdo básico da revelação e da tradição, e com isso ela deixa evidentes e transparentes as dimensões sociais e libertadoras implícitas em ambas as fontes – a tradição e a revelação. Novamente, isto não é uma questão de reduzir a totalidade do mistério para esta dimensão, mas de sublinhar os aspectos de uma verdade maior particularmente relevante para nosso contexto de opressão e libertação vivido aqui na América Latina.

Tal formalização também corresponde às exigências pastorais. Os últimos anos têm visto um grande número de situações em que a Igreja tem se envolvido com os oprimidos, com um número muito grande de agentes pastorais envolvidos. Muitos movimentos surgiram sob a tutela, em grande medida, da Teologia da Libertação; estes, por sua vez, colocaram novos desafios à Teologia da Libertação. Quando lançamos o olhar especificamente sobre o Brasil, existem movimentos ou centros de união e conscientização, de direitos humanos, de defesa dos moradores de favelas, de sem-teto, das mulheres marginalizadas, dos indígenas, do agricultor familiar rural e tantos outros.

Queremos acreditar que a teologia, no seu viés libertador, é um movimento que tenta interpretar a Escritura através do sofrimento dos pobres. Os verdadeiros seguidores de Jesus, de acordo com esta teologia, devem trabalhar em direção a uma sociedade justa, que visa trazer a mudança social e política, e um alinhamento com a classe trabalhadora. Jesus, que era pobre mesmo, aponta explicitamente seu foco nos pobres e oprimidos, e qualquer igreja legítima dará preferência aos que têm sido historicamente marginalizados ou privados de seus direitos. Por isso a doutrina da igreja deve crescer a partir da perspectiva dos pobres. A defesa dos direitos dos pobres aqui será vista como o aspecto central das Escrituras.

De acordo com a Teologia da Libertação, Maria é a expressão, a alegria que Deus utilizou para libertar os materialmente pobres e alimentar aqueles com fome e trazer para a realidade aqueles que se julgam materialmente ricos. Ele é um Deus, em outras palavras, que favorece os destituídos sobre aqueles com riqueza.

Page 138: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

130

UNIDADE 3 | TEOLOGIA E LIBERTAÇÃO

A teologia que vamos estudar, ou as teologias, sempre, em todo momento, vão buscar seu embasamento nas Escrituras, seja ela a teologia evangélica, seja a católica. Claro que, aqui, vamos dar destaque para o cristianismo, porque esse é o foco preferencial do caderno: falar da teologia cristã.

Atualmente, os cristãos constituem um terço da humanidade, aproximadamente dois bilhões de pessoas. Em termos absolutos, o cristianismo continua a aumentar em número, mas em números relativos está diminuindo. Há um século, o cristianismo estava convencido de que um esforço missionário renovado levaria à conversão de praticamente todo o planeta a Cristo dentro de três ou quatro décadas. Quando chegamos no século passado, essa realidade mostrou-se inviável. Entramos no século XXI e o que temos? Você pode constatar números que demonstram uma nova realidade que está diante de nós.

Um fator importante que se mostra como desafio é a crise da missão e isso se constata em muitas denominações além do catolicismo, das igrejas tradicionais e até de algumas denominações pentecostais.

Somente números não bastam. Mas demonstram uma porção da realidade que precisa ser analisada. Enquanto o catolicismo, na Europa, diminui assustadoramente, em outras regiões do mundo ele cresce, principalmente na África e em algumas regiões da América. A figura que segue nos dá algumas informações em números sobre a evolução das principais denominações religiosas no mundo em três períodos: 1900, 2015 e 2050.

QUADRO 1 – RELIGÕES EM NÚMEROS

1900 2015 (ESTIMADA) 2050 (PROJEÇÃO)

População mundial 1.619.625.000 7.324.782.000 9.550.945.000

Cidades com mais de 1 milhão de pessoas 20 501 880

Cristãos (todas as linhas) 558.131.000 2.419.221.000 3.437.236.000

Mulçumanos 199.818.000 21.703.146.000 2.678.227.000

Hindus 202.973.000 984.532.000 1.183.629.000

Budistas 126.956.000 520.002.000 575.769.000

Judeus 12.292.000 14.532.000 15.500.000

Ateus 226.000 136.444.000 125.723.000

NÚMEROS RELATIVOS A IGREJA

Mártires cristãos (média anula) 34.400 90.000 100.000

Denominações 1.600 45.000 70.000

Templos 4000.000 4.309.000 9.000.000

Bíblias impressas por ano 5.452.600 82.600.000 135.000.000

Pessoas não evangelizadas 880.122.000 2.124.216.000 2.608.900.000

FONTE: Disponível em: <https://noticias.gospelprime.com.br/cristianismo-maior-religiao-mundo/>. Acesso em: 12 mar. 2016.

Page 139: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 2 | DIFERENÇAS QUE APROXIMAM

131

2 TEOLOGIA EVANGÉLICA

Para falar da teologia evangélica é fundamental entender, antes de tudo, que tem havido uma mudança significativa na forma como os cristãos latino-americanos percebem a pessoa de Jesus Cristo. As imagens clássicas do Menino Jesus e o sofrimento de Cristo das cenas da paixão, habilmente descritos e analisados por vários estudiosos, foram substituídos por uma imagem de Jesus mais voltado na busca da justiça, da paz, aquele Jesus do Novo Testamento. A contribuição específica da teologia evangélica a esta mudança tem sido, nos últimos anos, a busca por um novo modelo para a missão espelhado no modelo de Jesus nos Evangelhos, em um paradigma cristológico da ética social e em um momento de mudança por todo o continente. Esta nova dimensão teológica se manteve muito próxima das preocupações e das convicções das crescentes comunidades evangélicas que continuam a crescer na América Latina em todas as suas vertentes, principalmente as neopentecostais.

A teologia evangélica desenvolve o estudo da revelação de Deus a partir de uma perspectiva evangélica. O Evangelicalismo é um movimento popular dentro do protestantismo que enfatiza o ‘nascer de novo’ e ter um relacionamento pessoal com Jesus Cristo. A palavra evangélico vem do grego, traduzida como "evangelho" ou "boa notícia". A teologia evangélica pretende descrever toda abordagem teológica para os evangélicos a partir de sua fé cristã.

Para entender melhor essa dinâmica, vamos elencar alguns princípios básicos considerados pela teologia evangélica. Em um primeiro momento, a teologia evangélica está comprometida com uma visão muito forte das Escrituras. Isto está de acordo com o princípio da Reforma, a ‘sola scriptura’, ou seja, a Bíblia é a única autoridade de fé e da prática na vida do cristão (2 Tm 3,16). Este biblicismo evangélico ignora qualquer autoridade tradicional ou oral que pode existir em algumas igrejas e mantém apenas no comando a Sagrada Escritura. Além disso, a hermenêutica evangélica geralmente se baseia em uma interpretação literal da Bíblia. Isso quer dizer que os evangélicos acreditam que a Bíblia deve ser interpretada literal, histórica, gramatical e contextualmente.

O segundo princípio aponta que a teologia evangélica é amplamente baseada em uma abordagem individual para a fé cristã. Os evangélicos dão grande ênfase à conversão individual e à responsabilidade na fé. De acordo com a teologia evangélica, cada pessoa é responsável por fazer a sua própria decisão de se submeter ao Senhor Jesus Cristo. A conversão ocorre quando uma pessoa nasce de novo como uma nova criação sob o poder do evangelho para a sua salvação (Jo 1,12 3; Rm 1,16). O novo nascimento ocorre individualmente, em vez de comunitariamente. Em outras palavras, pertencer a uma igreja evangélica não salva uma pessoa; cada pessoa deve exercer sua fé pessoal em Jesus.

Page 140: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

132

UNIDADE 3 | TEOLOGIA E LIBERTAÇÃO

O terceiro princípio é a forte ênfase no trabalho missionário. Fiel ao seu nome, os evangélicos promovem o evangelho e têm sido responsáveis por muitos missionários indo ao redor do mundo para compartilhar as boas novas de Jesus. Os evangélicos também procurar influenciar a cultura e a lei, levando a sério o mandamento de Jesus para ser sal e luz do mundo (Mt 5, 13-16). E o quarto princípio direciona o foco sobre a essência do evangelho: a morte e ressurreição de Jesus (1 Cor 15, 3-7). Que o pecado do mundo foi pregado na cruz com Jesus é de extrema importância na teologia evangélica. Como resultado, os cristãos evangélicos tendem a estabelecer altos padrões morais e éticos para sua vivência cristã.

Em suma, a teologia evangélica incide sobre o evangelho, as boas novas de Deus para o mundo em Jesus Cristo. Os evangélicos acreditam que a Bíblia é o suficiente, por ser a Palavra inspirada oficial de Deus e que a mensagem fundamental da Palavra é graciosa provisão de salvação de Deus através de Seu Filho unigênito.

3 TEOLOGIA CATÓLICA

Já houve um tempo em que cada cristão se identificava com a Igreja Católica. Vejamos o porquê. Na sequência de Pentecostes, o evangelho se espalhou rapidamente. Apesar de momentos de grandes, intensas e violentas perseguições, grupos de crentes iam surgindo em todo o Império Romano. Estes primeiros cristãos desfrutavam de uma fé comum dada por Deus. O ensinamento de Paulo mostrando uma igreja como um corpo formado por todos os verdadeiros crentes fornecia uma compreensão teológica deste novo relacionamento (1 Cor 12, 12-31).

Os primeiros cristãos usaram o termo católico, vindo do grego que significava palavra relativa ao todo, para descrever esta natureza mundial da igreja. O mais antigo documento que contém o termo é uma carta de Inácio do início do século segundo. Nos três primeiros séculos, "a Igreja Católica" se referia a todos os crentes que estão ligados à mesma fé em todo o mundo.

Já vimos anteriormente, mas vale aqui reforçar que o que marca e distingue o católico em torno de uma só igreja é a submissão ao Papa, o Bispo de Roma, como representante de Cristo na Terra. No entanto, a Igreja raramente se refere a si mesma como a Igreja Católica Romana. Ele prefere chamar-se a Igreja Católica, de modo a não limitar de forma alguma a reivindicação de jurisdição universal como una, santa, católica e apostólica.

Visto isso, a teologia católica, na atualidade, renovou-se a partir do Concílio Vaticano II, que procurou abrir a igreja para os anseios do mundo contemporâneo e todas suas novas demandas, sejam elas temporais, espirituais, religiosas etc.

Page 141: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 2 | DIFERENÇAS QUE APROXIMAM

133

O que se espera é uma igreja aberta ao mundo. O que pedia o Concílio Vaticano II: à ciência, à tecnologia, de modo preferencial aos que necessitam. Já temos identificados os mais pobres dos pobres. Se biblicamente temos os órfãos, as viúvas e os estrangeiros, hoje são os refugiados que são os mais pobres entre os pobres e são para eles que devem se voltar os olhos, as mãos, todo o empenho da igreja e da sociedade.

Estamos em pleno Antropoceno, a era em que o ser humano – e não um meteorito, nem um cataclismo natural qualquer de dimensões colossais – tornou-se a maior ameaça contra a vida. Edward Wilson calculou que estamos perdendo a cada ano de 20 mil a 100 mil espécies vivas. É realmente a sexta extinção em massa e também poderia afetar uma boa parte da humanidade, especialmente a pobre e sofredora. Nesse caso, caberá aos sobreviventes reorganizar o planeta em novas bases. Mikhail Gorbachev, o coordenador das atividades da Carta da Terra, compara a situação da Terra e da humanidade à de um avião sobre a pista de decolagem: chega um momento crítico em que o avião deve decolar, se não quiser colidir com o fim da pista. E, na opinião dele, já ultrapassamos o ponto crítico, e nós levantamos voo. Mas os seres humanos são surpreendentes e capazes de mudança. A evolução não é linear, procede por saltos, e é possível que a humanidade adquira consciência e dê o salto necessário, abraçando uma nova visão que tenha no centro toda a comunidade de vida, até mesmo as plantas e os animais que são nossos companheiros na casa comum. Afinal, o ser humano tem em si energias divinas, daquele Deus que é soberano e amante da vida, e que não vai permitir que a vida desapareça. FONTE: Disponível em: <http://fraternitasmovimento.blogspot.com.br/2015/10/hoje-dentro-da-opcao-pelos-pobres-e.html>. Acesso em: 25 maio 2016.

Tanto a teologia, quanto a própria Igreja percebem uma perda daquele vigor dos primórdios. E, com essa constatação, reforça-se o pensamento e também já o movimento de “retorno” às fontes, tanto à fonte bíblica quanto à fonte teológica. Com esse retorno às fontes, o vigor retoma novas forças e, a partir daí,

poderá se colocar a serviço de humanidade, e concentrar suas preocupações na defesa apaixonada do outro:- denunciando todas as formas de exclusão: por razão de tipo, de cultura, de etnia, de religião, de classe social;- propondo caminhos eficazes para ‘incluir no bem comum da humanidade os emigrantes, os marginalizados, os pobres, os países subdesenvolvidos, os grupos excluídos, etc.O grande pecado de hoje é a tendência da sociedade para gerar formas de exclusão. A grande proposta ética da teologia moral católica tem de ser de articular um ‘ethos’ da inclusão’ baseado na dignidade humana compartilhada igualmente por todas as pessoas. (COMPÊNDIO DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA, 2005, p. 310).

Com o olhar atento ao desemprego estrutural, à corrupção que está

se tornando estrutural e institucional, a Igreja deve reforçar e justificar a sua preocupação e seu empenho legitimado por uma teologia que vem para libertar, para evangelizar.

Page 142: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

134

UNIDADE 3 | TEOLOGIA E LIBERTAÇÃO

O primeiro olhar deve ser com os olhos do Evangelho, e não com olhar que segue uma metodologia do ver, julgar e agir. Os olhos de um discípulo, que vão ao encontro do outro, não vão de mãos abanando. Ele tem à sua disposição a mediação de todas as ciências humanas e sociais. Aqui podemos elencar a história, a cultura, a religião, a política, a economia. Claro que é preciso filtrar essas mediações para não reproduzir ou apenas imitar o que tantas outras instituições já fazem. Purificá-las de seus vícios, sejam antropológicos, sejam sociais. Como se vê o homem, como se vê a sociedade, como se vê a história. Assim, para o cristão, o olhar deve se voltar sempre ao Evangelho. Este Evangelho é o concreto na relação entre o humano e o sagrado – Deus. Dessa forma, percebemos o quão finito é o ser humano e, mesmo assim, mantém a esperança e o sentido de viver.

Não precisa criar nada novo. A novidade é chegar, é enxergar.

LEITURA COMPLEMENTAR

DIÁLOGO ENTRE EVANGÉLICOS E CATÓLICOS

Bertil Ekstrom diretor executivo

da Comissão de Missões da Aliança Evangélica Mundial

Durante os últimos dez anos tem havido uma aproximação entre evangélicos e católicos em nível internacional. A Aliança Evangélica Mundial (AEM), através de sua liderança e suas comissões de teologia e de liberdade religiosa, tem mantido um contínuo diálogo com o Vaticano concernente a assuntos que se referem à perseguição aos cristãos em diversas partes do mundo, à situação dos refugiados e migração internacional, além de temas que historicamente têm gerado conflito entre católicos e evangélicos. Este diálogo em nenhum momento significa uma aproximação teológica ou doutrinária, mas busca minimizar hostilidades e buscar áreas em comum onde pode haver cooperação, como, por exemplo, em questões éticas, sociais e educacionais.

Um documento denominado “Testemunho Cristão num Mundo Multirreligioso” foi endossado pelo Vaticano através do Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos, pelo Conselho Mundial de Igrejas e pela Aliança Evangélica Mundial. O texto é fruto de um trabalho de um grupo de estudo com representantes das três entidades, trazendo recomendações de boa conduta na evangelização e no trabalho missionário.

Recentemente um documento foi elaborado pela Comissão de Teologia da AEM e pelo mesmo Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos, que apresenta as divergências e as convergências entre a fé evangélica e a fé católica com vistas às comemorações dos 500 anos da Reforma Protestante em 2017.

Page 143: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 2 | DIFERENÇAS QUE APROXIMAM

135

O conflito histórico entre católicos e protestantes/evangélicos em nosso país faz com que tenhamos muitas vezes dificuldade em entender o valor deste diálogo. No entanto, tem sido de grande importância para os cristãos perseguidos em muitos países, sendo que o esforço unido da AEM e do Vaticano tem feito com que governos tenham tomado providências positivas. Em outras situações de conflito, como, por exemplo, a situação dos palestinos, também tem havido uma ação conjunta. Em certas questões éticas, evangélicos e católicos estão muito próximos, como nos assuntos de aborto, eutanásia, manipulação genética e combate à corrupção e às causas de pobreza e opressão.

Outro exemplo positivo desta colaboração nestes últimos anos tem sido a aceitação de evangélicos em conselhos para assuntos religiosos em países onde, em vários casos, a Igreja Romana tem sido a única representante dos cristãos. Recentemente, representantes da Aliança Evangélica de Sri Lanka foram convidados a fazer parte dos diálogos religiosos do governo devido a uma recomendação do Papa Francisco junto aos líderes católicos daquele país.

FONTE: Disponível em: <http://www.ultimato.com.br/conteudo/o-dialogo-entre-evangelicos-e-catolicos>. Acesso em: 2 abr. 2016.

Page 144: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

136

Neste tópico vimos:

• Que a teologia ou as teologias, sempre, em todo momento, vão buscar seu embasamento nas Escrituras, seja ela a teologia evangélica, seja a católica.

• Que a teologia evangélica incide sobre o evangelho, sobre as boas novas de Deus para o mundo em Jesus Cristo.

• Que os evangélicos acreditam que a Bíblia é o suficiente, por ser a Palavra inspirada oficial de Deus.

• Que a teologia católica, na atualidade, renovou-se a partir do Concílio Vaticano II.

• Que a Igreja Católica procurou se abrir para os anseios do mundo contemporâneo e todas suas novas demandas, sejam elas temporais, espirituais, religiosas etc.

RESUMO DO TÓPICO 2

Page 145: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

137

AUTOATIVIDADE

Levando em consideração a importância do ENADE para você, acadêmico, e para a instituição, estamos reproduzindo algumas questões aplicadas no ENADE em 2015, para que você possa se familiarizar com a dinâmica utilizada na prova que, obrigatoriamente, os acadêmicos que irão concluir o curso no ano do ENADE terão que realizar.

1 Questão 21 – ENADE 2015 – TEOLOGIA As fontes da religião, por um lado, são problemas da vida como anseios religiosos e, por outro, revelações de um poder transcendente. A religião baseia-se em necessidades. O homem indaga pelo “para quê” de sua existência passageira e de tudo que faz e sofre. Não encontra sentido nas coisas transitórias. Em geral, não se satisfaz com categorias como acaso, risco ou destino para interpretar experiências mais importantes. Alimenta a esperança no sentido transcendente para sua vida cotidiana. ZILLES, U. Situação atual da filosofia da religião. Teocomunicação. V. 36, n. 151, 2006 (adaptado).

De acordo com o exposto, a religião relaciona-se com a ideia de dar sentido à vida. Nessa perspectiva, a relação do ser humano com o Sagrado ou o Absoluto é importante porque as pessoas

(A) somente encontram sentido na vida ao se tornarem membros de uma religião e seguirem rigorosamente suas doutrinas sobre a fé.

(B) vivem individualmente seus dramas e sofrimentos e sua relação com o Sagrado lhes dá um sentido, suprindo a necessidade de uma vida exterior ou coletiva.

(C) descobrem o sentido dos acasos e sofrimentos da vida concreta, conseguindo resolver as questões referentes à sua finitude e às suas necessidades por meio da sacralização interior.

(D) passam a ignorar os problemas da vida cotidiana por saberem-se seres transitórios, buscando apenas uma vida contemplativa e aguardando as revelações do poder transcendente.

(E) tomam consciência de uma realidade que transcende a elas e a tudo que é finito, considerando que até a vida cotidiana faz parte de um todo ao qual se submetem pelo sentido que encontram no infinito.

Page 146: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

138

2 QUESTÃO 23 – ENADE 2015 –TEOLOGIAEm decorrência da decretação de estado de calamidade pública por conta das chuvas, várias pessoas da sociedade se mobilizam para prestar socorro e ajuda às pessoas atingidas pelas cheias. Uma comunidade religiosa foi convidada a unir esforços com outras comunidades nessa mobilização. Entretanto, resiste a colaborar, pois não se sente à vontade para trabalhar em conjunto com pessoas de outras crenças. A comunidade solicita que seu líder religioso se pronuncie contra ou a favor da união de esforços com outras comunidades no socorro e na ajuda às pessoas atingidas pelas cheias. Considerando essa situação hipotética e os princípios teológicos que evidenciam a relevância social da religião, avalie os seguintes argumentos que poderão ser utilizados pelo líder religioso.

I. a comunidade deve trabalhar em conjunto com pessoas de outras crenças religiosas, porque o mandamento do amor está acima dos costumes e normas internas da comunidade.

II. a comunidade deve trabalhar em conjunto com pessoas de outras crenças religiosas; por causa desse gesto, Deus abençoará a comunidade.

III. a comunidade deve trabalhar em conjunto com pessoas de outras crenças religiosas, porque os fiéis são protegidos por Deus; nenhuma maldade os atingirá.

IV. a comunidade deve trabalhar em conjunto com pessoas de outras crenças religiosas, porque a promoção da vida humana é um princípio religioso fundamental.

Os argumentos teológicos que evidenciam a relevância da religião são:

(A) I e II apenas.(B) I e IV apenas.(C) II e III apenas.(D) III e IV, apenas.(E) I, II, III e IV.

Page 147: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

139

TÓPICO 3

A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO HOJE

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico queremos explorar a contribuição da teologia e, por conseguinte, alguns de seus pensadores que escolhemos de forma a contemplar a linha de pensamento expressa na nossa ementa e, por conseguinte, neste caderno de estudos.

Queremos aqui argumentar, e você pode estabelecer os seus próprios parâmetros e também argumentar que, no contexto latino-americano, tem havido uma redescoberta de uma relação fluida e por vezes contraditória entre a prática da religião e a prática da política. Como o nosso ponto geográfico é a América Latina, os cristãos foram forçados a responder às crises na política, e na qual suas próprias crenças, práticas e modo de vida foram levados ao limite por violações dos direitos humanos e formas absolutistas de governo. Façamos um resgate histórico das crises de governos, muitos tomados por militares que tivemos em nossa região: Chile, Argentina, Brasil. Qual foi a resposta cristã desse confronto contra o Estado, ou um silêncio obsequioso? As relações históricas entre a Igreja e o Estado têm sido bem documentadas, mas com o advento de governos democráticos e ao colapso dos regimes socialistas na Europa Oriental, a essas narrativas foi dada menos atenção por teólogos e cristãos ao redor do globo. No entanto, as relações básicas entre religião e política delineadas pelo grande pensador Gustavo Gutiérrez se tornaram o manifesto cristão para ações cristãs relacionadas com mais problemas contemporâneos da América Latina e do Terceiro Mundo: problemas contemporâneos de propriedade da terra, a conquista econômica neoliberal do Terceiro Mundo, a opressão das mulheres, a destruição das florestas tropicais, o aquecimento global, a corrupção e os direitos indígenas. A fim de compreender o que se tornou um manifesto cristão e a influência que os pioneiros da Teologia da Libertação tiveram na ação cristã até os dias atuais.

Page 148: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 3 | TEOLOGIA E LIBERTAÇÃO

140

2 DESAFIOS

O desafio constante para a Teologia da Libertação é descobrir como se manter interligado na vida concreta das pessoas, de modo preferencial aos mais pobres. Por exemplo, grande parte da Teologia da Libertação latino-americana ainda não leva os insights da teologia feminista a sério na sua análise econômica, embora a maioria das pessoas pobres na América Latina sejam mulheres. A concretude da pobreza na América Latina não se permite desafiar a mentalidade patriarcal que ainda domina tanto a Teologia da Libertação latino-americana.

Também como grande desafio para a Teologia da Libertação é responder às críticas, principalmente da sua base empírica, e aí é possível abrir o leque também para os filósofos que muito contribuem para o seu avanço e também para a clareza nas ideias. Leia atentamente esse texto de João Batista Libâneo, intitulado “Panorama da Teologia latino-americana nos últimos anos”. Você pode ver este texto na íntegra, pois aqui vamos apresentar somente a parte que levanta as críticas para a Teologia da Libertação.

Da parte de teólogos e filósofos, surgem críticas à fragilidade da base empírica da TdL e à deficiência do embasamento filosófico. A base empírica simplifica uma leitura da realidade cada dia mais difícil de ser realizada com um instrumental monocolor. As análises da teoria da dependência e marxistas não dão conta de interpretar o neocapitalismo avançado das sociedades superindustrializadas, nem a rede complexa de interligações entre as economias. A opção revolução por parte da TdL não termina sendo ineficaz em vista de maior justiça social? A busca de libertação nacional não paga um preço inevitável e alto? A TdL não silencia por demais as alienações do mundo socialista, hoje tão claramente expostas, mas já desde muito tempo percebidas?

O próprio fracasso do socialismo real mostrou a sua insuficiência teórica e os seus erros programáticos. A TdL, segundo esses críticos, pagou e ainda paga um tributo excessivo a tal análise. A categoria filosófica de práxis, apesar de central na TdL, não tem sido trabalhada com rigor conceptual que permita uma estruturação mais consistente e sistemática da TdL. Encerra muita ambiguidade.

Outra área de críticas toca a pretensão utópica e messiânica da TdL. Todo movimento e sua correspondente teoria que pretende ser portador de uma revolução messiânica e utópica carrega em si o germe do autoritarismo, do despotismo, e termina sendo fonte e foco de violência. Beira o fanatismo e a intransigência. Além disso, a TdL incorre na ilusão maniqueísta de dissociar cristianismo e história, ao criticar as alianças entre o cristianismo e o Ocidente dominador, o cristianismo e as classes dominantes e querer libertá-lo de tais grilhões seculares e assim "restituí-lo à pureza de sua essência e desprendê-lo da cultura ocidental possuída pelo demônio de um projeto de dominação que encontra, no capitalismo avançado dos nossos dias, sua última e mais monstruosa realização".

Page 149: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 3 | A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO HOJE

141

Na posição dicotômica da TdL, em que se opõem frontalmente capitalismo e socialismo, reflete-se pouco, observam críticos, sobre a troca de ideologias. Olha-se a realidade na ótica marxista e esquece-se que o dogmatismo marxista é também uma prisão opressora para a leitura da realidade e da Palavra de Deus.

A TdL, na crítica de alguns autores, não escapa de certo "imanentismo historicista" por deixar-se embalar pelo pensamento utópico de corte marxista. Estes aspectos utópicos a colocam em choque com a teologia da história, que assume como eixo central da história o mistério da encarnação. Nessa leitura utópica da história, esta é movida por uma implacável luta de classes, entre o bem e o mal, a caminho duma sociedade sem classes, vitória do bem sobre o mal, na esteira do mito marxista.

A teologia é, no fundo, uma reflexão entre o agir interpelante e salvífico de Deus ao homem na história. A sua inteligência e sistematização implicam necessariamente uma compreensão do homem. No pressuposto de toda teologia está uma antropologia. A TdL fala continuamente da sociedade nova, do homem novo. Mas falta-lhe a elaboração de uma antropologia que responda à sua leitura da revelação. Está mais implícita que tematizada. E a concepção implícita antropológica de certa TdL, segundo alguns filósofos, parece incompatível com a fé, devido à sua visão prometeica do homem.

Além destas críticas teóricas, constata-se que a TdL não tem conseguido responder aos problemas da "intelligentsia" sobretudo técnica e tecnológica da sociedade moderna, ao restringir-se quase exclusivamente ou às classes populares ou à problemática estritamente social. A classe média liberal, fundamental para uma verdadeira transformação social, não tem recebido a devida atenção. Assim, as elites dirigentes tornam-se cada dia mais alheias não só à fé cristã, mas até mesmo aos verdadeiros interesses populares. E a desejada libertação dos pobres fica ainda mais distante. Questão que vem sendo levantada pelos próprios teólogos da libertação.

Todo balanço crítico é um esforço sintético que se molda dentro de esquemas anteriores. Este longo périplo tentou mostrar uma teologia viva e em tensão. O polo escolhido foi a TdL. Pese tanta objeção e crítica, ela continua renovando-se, buscando novos temas, cobrindo tarefa importante no seio da Igreja. A seu lado estão outras correntes que buscam maior espaço teórico, posto já terem ocupado maior relevo institucional. Talvez seja um dos traços mais importantes da conjuntura eclesial da América Latina, certo descompasso entre a reflexão teológica e certos novos arranjos administrativos.

Contudo, em meio à incerteza cada vez maior para os pobres, a preocupação por eles continua sendo uma exigência para todos. E esta opção da Igreja é-lhes ainda uma réstia de esperança. Ser esperança para os pobres é a maior responsabilidade social e histórica da Igreja. Ser apelo de conversão a todos é sua vocação missionária. Ser reflexão séria, coerente e regrada é tarefa intelectual de qualquer teologia latino-americana. Estar aberta a sempre novas reformulações, autocríticas, aperfeiçoamentos é sua possibilidade de futuro.

Page 150: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 3 | TEOLOGIA E LIBERTAÇÃO

142

No Encontro Internacional de El Escorial (1992), tentou-se, ao final de um balanço da TdL nas últimas décadas, traçar-lhe as perspectivas de futuro. Talvez a maior parte da TdL ainda esteja por ser escrita, já que seu período de existência, em termos de movimento histórico e correntes teológicas, é muito restrito. O futuro da TdL interliga-se profundamente ao destino de vida dos pobres no processo histórico vigente. Em outras palavras, a TdL só tem futuro se, no tempo novo que se abre, a perspectiva a partir do reverso da história e a força histórica dos pobres ainda têm sentido e são pensáveis.

FONTE: Disponível em: <http://servicioskoinonia.org/relat/229.htm>. Acesso em: 25 maio 2016.

A Teologia da Libertação terá de abordar mais intencionalmente e criticamente as maneiras em que o capitalismo continua a funcionar como a inquestionável ideologia do mundo globalizado e como a economia dominante no Ocidente. Algumas organizações internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC), salvaguardam uma cada vez maior margem de lucro para as partes interessadas, neste caso, os ricos à custa das nações economicamente mais pobres e indigentes. Estes dois organismos institucionalizaram uma ideologia de mercado neoliberal.

No nosso cada vez mais globalizado mundo econômico, os países têm-se muito mais em dívida com os interesses do mercado e longe da responsabilidade perante os seus cidadãos.

FIGURA 32 – CAPITALISMO SEM FREIOS

MESTRE, DESISTO, DEVOLVA MEU FARDO,ELE É MUITO MAIS SUAVE QUE O SEU!!!

FONTE: Disponível em: <http://tribunadainternet.com.br/noel-o-bom-velhinho-em-especial-para-o-mundo-dos-negocios/>. Acesso em: 20 abr. 2016.

Page 151: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 3 | A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO HOJE

143

Ao lançarmos nosso olhar para a América Latina, podemos constatar, via de regra, o seguinte:

A América Latina continuará mantendo um ritmo acelerado de aumento de população e de concentração nas cidades grandes. Tornar-se-ão mais agudos os problemas que afetam os serviços públicos. A população vai ser majoritariamente jovem e terá dificuldade crescente em encontrar locar de trabalho. Por outro lado, a sociedade do futuro apresenta-se mais aberta e pluralista, por outro, é submetida ao influxo cada vez maior dos ditames dos meios de comunicação, que irão programando cada vez mais a vida do homem e da sociedade. (PUEBLA, p. 115.)

Em termos de desafios, objetivos e aspirações, a Teologia da Libertação certamente mostra-se como uma expressão de preocupação cristã pela pobreza e opressão, do compromisso cristão e de solidariedade com os pobres e os oprimidos.

Ela é construída a partir de uma concepção dinâmica da salvação, uma teologia em que o homem em relação a seu fim último é visto em sua totalidade e não apenas em termos de sua alma. Dentro de tal perspectiva, a libertação social é vista como parte integrante da libertação escatológica.

A distinção entre a vida natural e sobrenatural não implica uma separação das duas realidades; ela expressa a vida como uma realidade experimentada em dois níveis diferentes. Ambos devem ser vistos como tendo uma relevância para o outro. Pela encarnação de Jesus, a vida natural tornou-se orientada para o sobrenatural, tal que não pode ser devidamente considerada fora da esfera do sobrenatural.

Você, acadêmico, deve aprofundar-se nestas questões, pois aqui não teremos condições de desenvolver todo pensamento acerca de encarnação de Jesus, natural, sobrenatural. Busque mais bibliografias que tratem a respeito.

A pessoa humana torna-se assim o centro da unidade natural e sobrenatural. Podemos, portanto, falar apenas de uma vida experimentada pelo indivíduo em dois planos diferentes, o natural e o sobrenatural, que compõem a totalidade da vida propriamente dita. A vida natural não pode ser tratada como um objeto ou avaliada apenas em termos do seu valor de utilização. Não pode também ser considerada meramente como um meio para um fim.

A vida natural exprime a finitude do homem; ela aponta para as pessoas como mestres de seu próprio destino e expressa um valor positivo na realidade criada. A vida natural é também um meio para a vida sobrenatural; que encontra a sua realização em Deus que se autocomunica para o homem (graça) e se abre para que a realização final dê (a vida eterna) a própria vida. Por Meio de Jesus, Deus se comunica com os homens, mesmo que esse homem, na sua finitude, por vezes não O reconhece ou tira sua relevância na sua vida. E sobre esse afastamento, temos vários exemplos para ilustrar isso.

Page 152: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 3 | TEOLOGIA E LIBERTAÇÃO

144

Quando vemos comemorações religiosas transformadas em comércio, fica evidente essa secularização que vivemos e a marquetização de um evento religioso utilizado para vender, para lucrar, para girar o mercado.

FIGURA 33 – MARKETING EM CAUSA PRÓPRIA

FONTE: Disponível em: <https://umpdejp.files.wordpress.com/2011/04/charge-jesusxcoelho.jpg>. Acesso em: 20/04/2016.

Esta vida natural, portanto, incluindo a nossa corporeidade e tudo o que nos circunda, inclusive esses desafios de resgate do sagrado, torna-se um componente essencial da única realidade que nos torna divinos/humanos.

A vida não tem significado, a menos que vivida livremente em todas as esferas disponíveis para nós através da criação. Uma dessas esferas é o social, é o instinto gregário na pessoa humana e é um dos mais fortes, de modo que homens/mulheres são por sua natureza seres sociais. A plena realização das suas vidas envolve, portanto, a realização de sua identidade como seres sociais.

A teologia pode não dizer nada diretamente da vida sobrenatural; no entanto, faz uma contribuição teológica significativa na sua afirmação da vida sobre o contexto social – plano natural –, por isso pertence e aponta de forma essencial para o sobrenatural.

Já a Teologia da Libertação tem a ver com a vida e a realização da mesma na esfera socioeconômica. Libertação significa libertar a pessoa humana a partir de estruturas socioeconômicas injustas para uma vida plenamente desenvolvida.

Page 153: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 3 | A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO HOJE

145

Esta teologia inculturada afirma e expressa a vida como ela deve ser vivida dentro do contexto cultural. Vida vivida fora do contexto cultural adequado é artificial; e a vida não estará plenamente realizada.

Obviamente, o trabalho dos teólogos não pode deixar de trazer à discussão a presença feminina na teologia latino-americana. São uma exceção, mas suas contribuições ainda não são parte integrante do trabalho da esmagadora maioria dos teólogos americanos. Em sua maior parte, esses teólogos ainda são cegos para seu próprio viés androcêntrico. A Teologia da Libertação, nas próximas décadas, terá que abordar estes e outros desafios se for para permanecer fiel à sua visão inovadora.

O maior desafio nestes estudos feitos até aqui, na busca de compreender melhor a teologia no continente latino-americano, é o papel, a utilidade, a necessidade da teologia na contemporaneidade.

3 A TEOLOGIA NA CONTEMPORANEIDADE

A teologia contemporânea é geralmente definida como um estudo da teologia e teológicas tendências da I Guerra Mundial até o presente. Cobre do século XX aos dias de hoje. As principais categorias tipicamente abrangidas pela teologia contemporânea incluem o fundamentalismo, a neo-ortodoxia, o pentecostalismo, o evangelicalismo, neoliberalismo, pós-Vaticano II catolicismo, a teologia ortodoxa oriental do século XX, e o movimento carismático.

Além dessas categorias maiores, a teologia contemporânea também lida com áreas especializadas, tais como a teologia da libertação, teologia feminista, e várias teologias étnicas. Com a grande variedade de credos envolvidos, alguns estudiosos afirmam servir como "especialistas" em teologia contemporânea. Pelo contrário, a tendência é se especializar em uma ou mais áreas de pesquisa teológica contemporânea.

Um ramo mais recente da teologia contemporânea é o estudo do diálogo inter-religioso. Já tivemos, na unidade anterior, essa discussão da importância do diálogo entre as religiões. Neste diálogo, a teologia cristã histórica se coloca em comparação com as visões de mundo, de sistemas de crenças não cristãs, como base para o diálogo entre as diferentes religiões.

Quanto mais avançamos cronologicamente, mais o diálogo se torna fundamental para a teologia entender as urgências do mundo. Quando lançamos o olhar sobre o Brasil. Leia atentamente a reflexão muito real feita por Carlos Eduardo B. Calvani sobre o panorama dessa dimensão para o Brasil.

Page 154: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 3 | TEOLOGIA E LIBERTAÇÃO

146

A partir dos anos sessenta começou a se desenvolver no Brasil o movimento ecumênico de modo mais intenso. Diversos organismos e institutos ecumênicos foram criados nos bons tempos em que ainda havia muitas verbas para tanto. Apesar de alguns percalços, o movimento ecumênico só trouxe benefícios para a teologia no Brasil. A ASTE é um desses frutos, bem como organismos aqui já citados, como o CESEP e CEBI, além do CLAI, CEBEP, CONIC, o antigo CEDI, agora Koinonia e o Instituto Ecumênico de Pós-graduação em Ciências da Religião de São Bernardo do Campo, que, embora hospedado numa instituição confessional (Universidade Metodista), trabalha com bastante autonomia e liberdade. Fazendo um retrospecto dos últimos vinte ou trinta anos de produção teológica no Brasil, observo que tudo o que houve de novidade, de acréscimo, tudo o que não era mera repetição, surgiu nesses ambientes ecumênicos mais arejados. O método popular de leitura da Bíblia, as articulações pastorais, a renovação litúrgica (ainda não encampada pelas Igrejas), a nova hinologia latino-americana, em geral foram produzidas por pessoas e grupos envolvidos no movimento ecumênico e não por iniciativas confessionais isoladas. Apesar de as igrejas protestantes tradicionais atualmente darem pouca atenção ao movimento ecumênico, esse é um dos poucos espaços onde vislumbro humanamente alguma esperança concreta para a renovação da teologia no Brasil. Se há algum conselho que eu possa dar aos meus alunos de teologia é esse: invistam seu tempo de férias, seus fins de semana livres, feriados, etc, na participação de encontros ecumênicos que estão sempre acontecendo pelo Brasil. Muita gente diz que não participa porque não são divulgados. Isso é preguiça de buscar informações. Procurem na internet os endereços de sites ecumênicos no Brasil (geralmente todos têm algum boletim informativo ou, pelo menos, o número do telefone).

FONTE: Disponível em: <http://www.faculdadeunida.com.br/site/servicos/servicos-artigos/53-desafios-para-o-ensino-da-teologia-latino-americana>. Acesso em: 25 maio 2016.

A realidade está aí. É preciso buscar informações, e hoje, com tantos recursos tecnológicos, não podemos dizer que não sabíamos da existência de grupos tão distintos que estão nessa perspectiva de ir ao encontro do outro através do diálogo.

A teologia contemporânea é essencialmente um campo de estudos acadêmicos. Como tal, aborda os desafios intelectuais enfrentados, incluindo a ciência, as questões sociais e práticas religiosas. Enquanto muitos teólogos contemporâneos partilham uma herança cristã, nem todos a colocam em prática ou não a reconhecem. Na verdade, muitos estudiosos agnósticos ou mesmo ateus entraram em campo e estão ensinando aos seus pontos de vista a respeito da fé e da crença na sociedade contemporânea.

Page 155: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 3 | A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO HOJE

147

Para o cristão que crê na Bíblia, a teologia contemporânea é importante, pois ela traça o desenvolvimento de crenças na história recente. No entanto, é fundamental perceber que a teologia contemporânea muitas vezes afasta da teologia cristã tradicional quando se avalia a fé no contexto de vários movimentos sociais ou em comparação com outros sistemas de crença. Apenas aderindo a uma cosmovisão bíblica geralmente não é o objetivo e não é suficiente.

Aqueles que querem entender o que a Palavra de Deus ensina sobre temas importantes da atualidade podem encontrar informações úteis em uma ampla variedade de materiais teológicos contemporâneos. No entanto, a própria Bíblia não muda. É o padrão da verdade para o crente, agora e para sempre (1 Timóteo 3: 16-17).

4 CONTRIBUIÇÕES DA TEOLOGIA LATINO-AMERICANA PARA O MUNDO

Concluindo essa nossa caminhada na busca de uma melhor compreensão da teologia latino-americana, sua história, suas realizações, passando pelas correntes, sua espiritualidade, pela Teologia da Libertação, vamos então indicar, com muita simplicidade, algumas propostas que a teologia latino-americana apresenta para o mundo hoje.

Para isso, precisamos levar em conta os recentes acontecimentos na Europa Oriental e China, que nos têm mostrado como o mundo está precisando de um embasamento na fé, no resgate dos valores fundamentais para poder sair de tantas realidades de desigualdade espalhadas pelo mundo. Estas questões de desigualdade, corrupção, o racismo e todos os tipos de abusos contra direitos humanos não desapareceram na América Latina. Podemos constatar de fato que eles se tornaram piores em alguns países.

Veja o gráfico a seguir que indica o Índice de Desenvolvimento Humano do ano de 2011 levantado pela ONU sobre o Brasil e alguns países do mundo para servir como referência para países da América Latina e mais especificamente para nós, brasileiros, os índices do Brasil.

Page 156: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 3 | TEOLOGIA E LIBERTAÇÃO

148

FIGURA 34 – ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

O Brasil e o índice de desenvolvimento humano em outros países

Grupo de desenvolvimento: Muito alto Alto Médio Baixo

Ranking

Fonte: ONU Infográfico: estadão.com.br

144548515784101187

Noruega

Uruguai

MéxicoBrasilChina

Rep. Dem. do Congo

Cuba

EUA

PaísExpectativa

de vidaMédia de anos

de estudoTaxa de

fertilidadePIB per

capita (US$)IDH

Argentina

81,1 12,612,49,38,59,98,57,27,53,5

78,575,977,079,177,0

47.55743.01714.52713.242

13.24510.1627.476280 5,5

1,81,6

2,21,52,0

2,0

2,22,1

5.416

0,9430,9100,7970.7830,7760,7700,7180,6870,286

73,573,548,4

FONTE: Disponível em: <http://saude.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-melhora-indice-de-desenvolvimento-humano-mas-ritmo-de-evolucao-diminui,793677>. Acesso em: 20 abr. 2016.

A partir deste contexto, desta visão que nos coloca em situações por vezes desumanas, é que trazemos para discussão, neste tempo que vivemos, as questões teológicas e éticas relacionadas com a vida e testemunho dos teólogos e das igrejas que continuam a desafiar essa realidade na América Latina, Ásia e África, bem como entre os pobres na América do Norte e Europa.

O fim da esperança marxista e tudo o que prometiam outros sistemas que não o capitalista, predominante nessas regiões, ainda não foi adequadamente avaliado por teólogos da libertação em relação à sua teologia. Teólogos evangélicos que não compartilham essa esperança vão continuar a trabalhar em sua própria agenda no afã de relacionar a sua esperança no Senhorio de Cristo e da sua vitória final para a luta de um número crescente de pessoas pobres para a sobrevivência.

Esta tarefa é ainda mais urgente porque há evidência factual abundante agora que, enquanto teólogos da libertação tomaram a "opção preferencial pelos pobres", na América Latina, os pobres têm, evidentemente, preferido se juntar às crescentes igrejas evangélicas pentecostais e neopentecostais, que trazem respostas mais eficazes que a teologia católica.

Page 157: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 3 | A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO HOJE

149

FIGURA 35 – DIÁLOGO NA DIFERENÇA

FONTE: Disponível em: <http://colunas.gospelmais.com.br/files/2014/02/igrejas_evang%C3%A9licas.jpg>. Acesso em: 17 mar. 2016.

Vamos então destacar algumas formas em que a teologia pode fazer uma contribuição para todo o corpus da teologia cristã, aqui não distinguindo entre católicos, evangélicos e outras denominações. Vamos aqui reforçar o que vimos no ponto anterior quando falamos de inculturação, revelação, cultura e tantos outros valores.

Uma primeira contribuição vem de novas abordagens para questões antigas. Trazendo para o presente questões antigas com uma visão cultural e religiosa atual, da América, não mais da Europa, é parte da função de inculturação latino-americana da teologia. Este casamento entre uma nova antropologia cristã com uma inculturação fundamentada no Evangelho.

A antropologia cristã anima e sustém a obra pastoral de inculturação da fé, dedicada a renovar desde dentro, com a força do Evangelho, os critérios de juízo, os valores determinantes, as linhas de pensamento e os modelos de vida do homem contemporâneo. Com a inculturação, torna-se um sinal mais transparente daquilo que realmente ela é, e um instrumento mais apto para a missão. O mundo contemporâneo está marcado por uma ruptura entre Evangelho e cultura; uma visão secularizada da salvação tende a reduzir também o cristianismo a uma sabedoria meramente humana, como se fosse a ciência do bom viver. (Compêndio da doutrina social da Igreja, p. 294).

Page 158: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 3 | TEOLOGIA E LIBERTAÇÃO

150

Através de tal questionamento, novas formas de colocar a questão podem ser reveladas ou alguma luz pode ser lançada sobre novas abordagens para a questão. Além disso, as respostas para velhas perguntas são obrigadas a fornecer uma compreensão mais ampla da questão envolvida, aqui, no caso, de uma inculturação verdadeira, fundada no Evangelho.

Outro ponto importante é o sentido de comunidade, sentido de pertença, muito determinante e fundamental na nossa cultura, preferencialmente cristã. Por isso o indivíduo define a si mesmo não em termos egoístas, mas em termos de a comunidade à qual ele/ela pertence. Para ele/ela, o pensamento cartesiano cogito ergo sum se torna cognatus ergo sum. Busca-se uma revalorização do sentido religioso, de uma religiosidade que

Apesar de seus desvios e ambiguidades, exprime a identidade religiosa do povo. Ao purificar-se de eventuais deformações, ela oferece um lugar privilegiado à evangelização. As grandes devoções e celebrações populares têm sido um distintivo, conservando valores evangélicos e são sinal de pertença à Igreja. (DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA, 2005, p. 111).

Aqui se coloca uma nova perspectiva sobre a família e a sociedade, e sua

abordagem à vida é menos mecânica e mais humana e pessoal. O sentido de Deus e do espiritual é ainda muito forte dentro da cultura, mesmo que não seja tão forte como era há muitos anos. Vai-se fazendo uma teologia orientada para a criação. Eles abrigam uma perspectiva que assume um embasamento em Deus na criação, na ordem da natureza, e na ordem social. Cultiva-se uma visão integrada da realidade em que até mesmo o profano é visto como capaz de ser incorporado dentro do sobrenatural. Tudo isso deve ser uma contribuição complementar à secularização ocidental da teologia, não negando, é claro, o viés individualista.

A teologia deve sempre procurar problemas humanos e dar respostas correspondentes quando e onde eles existem. E porque muito se comenta e já se visualiza uma proposta de igreja mundial, e isso também significa uma era de uma teologia universal, isto é, uma era de teologia cuja visão não será limitada às perspectivas de uma cultura particular. É uma visão de que tudo tem a ver com tudo. Não há como negar essa realidade.

Que tudo tem a ver com tudo, em todos os momentos e em todas as circunstâncias: tudo está em relação, como reconheceu o próprio papa na encíclica [Laudato si']. A matéria não existe, é apenas energia altamente condensada, e todos temos o mesmo caminho e o mesmo destino. E, apesar de todas as crises, todas as dificuldades, todas as devastações, o universo sempre vai se auto-organizando e se autocriando rumo a uma complexidade cada vez maior. Teilhard de Chardin foi profético: existem muitas contradições, passa-se por tanta devastação e, às vezes, parece que o mal prevalece, mas a vida nunca foi destruída. Como destacou Edward Wilson, a vida não é nem material, nem espiritual: a vida é eterna e está imersa no processo da evolução. E é isso que o cristianismo afirma: que tudo está relacionado e que existe um fim bom para a humanidade e para o universo. Em outras palavras, não iremos ao encontro da morte térmica, mas a

Page 159: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

TÓPICO 3 | A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO HOJE

151

formas cada vez mais complexas e mais altas. FONTE: Disponível em: <http://fraternitasmovimento.blogspot.com.br/2015/10/hoje-dentro-da-opcao-pelos-pobres-e.html>. Acesso em: 25 maio 2016.

O surgimento de teologias baseadas em diferentes perspectivas culturais deve ser visto como um primeiro passo para uma nova era; para o quadro da teologia mundial genuíno que deve ser desenvolvido a partir dessas teologias decorrentes de diferentes origens culturais. Por esta razão, essas teologias devem primeiro se permitir cumprir seu curso completo de desenvolvimento, para não ficarem à margem de uma contribuição verdadeira e não apenas reproduzir o que as outras já desenvolvem.

Em suma, é de se esperar que o fortalecimento dessas teologias vai conduzir à recuperação da verdadeira natureza da teologia como logos, refletido em Jo 1,14: “e o verbo se fez carne, e habitou entre nós; e nós vimos sua glória, como a glória do Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade”.

Page 160: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

152

Neste tópico vimos:

• Que o grande desafio constante para a Teologia da Libertação é descobrir como se manter interligado na vida concreta das pessoas, de modo preferencial aos mais pobres.

• Que a distinção entre a vida natural e sobrenatural não implica uma separação das duas realidades; ela expressa a vida como uma realidade experimentada em dois níveis diferentes.

• Que a teologia contemporânea é essencialmente um campo de estudos acadêmicos.

• Que o surgimento de teologias baseadas em diferentes perspectivas culturais deve ser visto como um primeiro passo para uma nova era; para o quadro da teologia mundial genuíno, que deve ser desenvolvido a partir dessas teologias decorrentes de diferentes origens culturais.

RESUMO DO TÓPICO 3

Page 161: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

153

AUTOATIVIDADE

Levando em consideração a importância do ENADE para você, acadêmico, e para a instituição, estamos reproduzindo algumas questões aplicadas no ENADE em 2015, para que você possa se familiarizar com a dinâmica utilizada na prova que, obrigatoriamente, os acadêmicos que irão concluir o curso no ano do ENADE terão que realizar.

1 QUESTÃO 32 – ENADE 2015 – TEOLOGIANo fundamento da Teologia da Libertação se encontra uma mística: o encontro com o Senhor no pobre, que hoje é toda uma classe de marginalizados e explorados de nossa sociedade caracterizada por um capitalismo dependente, associado e excludente. Uma teologia – qualquer que seja – que não possua, em sua base, uma experiência espiritual é sem fôlego e tagarelice religiosa. Parte-se da realidade miserável como a descreveram os bispos de Puebla: “como o mais devastador e humilhante flagelo que é a situação de desumana pobreza em que vivem milhões de latino-americanos, vítimas de salários de fome, de desemprego e subemprego, da desnutrição, da mortalidade infantil, da falta de moradia adequada, dos problemas de saúde e da instabilidade no trabalho”. Quem não se apercebe dessa realidade escandalosa não pode entender o discurso da Teologia da Libertação. Essa experiência-raiz pode ser trabalhada em dois níveis: um, sensível, assim como se mostra à primeira vista aos nossos olhos; outro analítico, como se revela em seus mecanismos estruturais postos à vista mediante a análise científica.BOFF, L. BOFF. Da libertação: o teológico das libertações sócio-históricas. Petrópolis: Vozes, 1982 (adaptado).

A partir do texto, avalie as afirmações a seguir.I. É tarefa da teologia perceber a enorme miséria na qual incontável número

de pessoas vive na América Latina, e tal percepção deve levar à indignação ética e religiosa de forma a mover a ação pastoral em favor das pessoas atingidas pela miséria.

II. É tarefa da teologia analisar os mecanismos que causam o estado de miséria de milhos de latino-americanos e de pessoas de outros continentes, articular críticas e mediar ações que levem a mudanças amplas e radicais da realidade.

III. É tarefa da teologia chamar a atenção de simpatizantes dos princípios teológicos para que vejam a miséria reinante e se empenhem para amenizá-la onde seja possível, pois é ilusão pensar que se possa alcançar mudanças amplas na sociedade.

IV. Na perspectiva da Teologia da Libertação, é urgente uma transformação do sistema capitalista reinante na sociedade, que beneficia uma minoria em detrimento da grande maioria, e para alcançar esse objetivo é preciso abrir mão da espiritualidade e da experiência religiosa ou mística.

V. Os principais expoentes da Teologia da Libertação perceberam que os bispos em Puebla exageraram na forma como descreveram a realidade de milhões de latino-americanos, por isso a maioria dos teólogos da libertação nunca aderiu ao discurso dos bispos.

Page 162: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

154

É correto apenas o que se afirma em:

(A) I e II.(B) II e IV.(C) III, IV e V.(D) I, II, III e V.(E) I, III, IV e V.

2 QUESTÃO 33 – ENADE 2015 – TEOLOGIA

A globalização provoca o fenômeno do sincretismo, do relativismo e do nivelamento religioso, com sérias consequências teológicas. A globalização, como definimos, não é simplesmente o fluxo da cultura dominante e massificante, mas também o circular de todo exotismo cultural possível. E as diferentes religiões lançam no circuito da internet suas expressões religiosas, frequentemente como unidades soltas, descoladas do sistema religioso maior. Cada um capta-as como quer. LIBANIO, J. B. Globalização e o impacto sobre a fé.Disponível em: <www.celam.org>. Acesso em: 4 ago. 2105 (adaptado).

Considerando as consequências da globalização para as tradições religiosas, conforme apresentadas no texto, avalie as afirmações a seguir.

I. A globalização permite que se pense a fé como unidade de crenças; por meio da internet a religião alcança um maior número de crentes, o que favorece uma vinculação eclesial única e nivelada, com dimensões objetivas.

II. A presença simultânea de muitas tradições religiosas na internet implica a relativização das verdades de fé, e, sendo todas as expressões religiosas igualmente verdadeiras em si, cabe a cada um escolher a que melhor responde às suas indagações.

III. A fé cristã é contrária às consequências negativas da globalização que permitem aos novos sincretismos religiosos ameaçar as tradições.

IV. No contexto atual da globalização, as religiões disponibilizam na internet fragmentos de sua doutrina, o que favorece uma apropriação pessoal, que pode ser caracterizada como sincretismo.

É CORRETO apenas o que se afirma em:

(A) I e III.(B) II e IV. (C) III e IV.(D) I, II e III.(E) I, II e IV.

Page 163: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

155

QUESTÃO 10 – ENADE 2015 – TEOLOGIANão é possível pensar o processo de construção cultural como ausente de encontros conflituosos. O homem, ser dinâmico e mutável, significa e ressignifica a realidade dialeticamente, dando-lhe sentido. Uma consequência gerada pela secularização foi o pluralismo religioso, conforme denominou Berger (1995). Ou seja, as religiões não possuem mais o monopólio sobre a sociedade e suas esferas; dessa forma, surge o pluralismo, que possibilita às pessoas transitar pelas mais variadas formas de expressão religiosa. Assim, crescem o mercado e a oferta religiosa, o que se pode perceber nitidamente, em nossas cidades, pelo número de igrejas que abrem e fecham todos os dias, na esteira dos novos movimentos religiosos (NMRs). O processo de secularização não afeta simplesmente o espaço das tradições religiosas, mas também a cultura vigente e, mais, a dimensão subjetiva da pessoa. Os NMRs, extremamente diversos, tornaram-se visíveis a partir da Segunda Guerra Mundial, e como religiosos, oferecem não apenas um posicionamento teológico sobre a existência e sobre as coisas sobrenaturais, mas se propõem a responder, no mínimo, a algumas questões últimas que, tradicionalmente, têm sido endereçadas às grandes religiões. GUERREIRO, S. Novos movimentos religiosos. O quadro brasileiro. São Paulo: Paulinas, 2006. (Adaptado).

A partir desse texto, assinale a opção CORRETA:

(A) O processo de secularização favoreceu o predomínio das religiões sobre as sociedades.

(B) A secularização contribuiu para o surgimento de novas expressões religiosas.

(C) As consequências da secularização uniformizaram as religiões tradicionais.(D) Os NMRs representam uma realidade que atinge uma cultura específica.(E) Os NMRs negam-se a responder questões tradicionais das grandes

religiões.

Page 164: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

UNIDADE 3 | TEOLOGIA E LIBERTAÇÃO

156

Page 165: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

157

REFERÊNCIAS

ADRIANO, Prosperi. Concílio de Trento. Roma: Editora Einaldi, 2001.

AMES, William. The marrow of theology. New York: Princeton, 1997.

AQUINO, Tomás de. Summa Theológica. Loyola: São Paulo, 2006.

ARNS, Paulo Evaristo. A paz e as religiões. Revista Estudos Avançados / Universidade de São Paulo, 52: 341-352, 2004.

BERDYAEV, Nicolas: Espírito e Realidade. (Trad. George Reavey). London: the Centenary press, 1939.

BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: São Paulo,1976.

BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulinas, 1973.

BOFF, Leonardo. Igreja: carisma e poder – ensaios de eclesiologia militante. Rio de Janeiro: Record, Edição Revista, 2005.

BOICE, James Montgomery e outros. Reforma hoje: uma convocação feita pelos evangélicos confessionais. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999.

BOICE, James Montgomery. O evangelho da graça: a aventura de restaurar a vitalidade da igreja com as doutrinas bíblicas que abalaram o mundo. São Paulo: Cultura Cristã, 2003.

BONHOEFFER, Dietrich. Resistência e submissão: cartas e anotações escritas na prisão. Edição crítica com apêndices e bibliografia. São Leopoldo: Sinodal / Escola Superior de Teologia, 2003.

BRIGHENTI, Agenor. A igreja do futuro e o futuro da igreja: perspectivas para a evangelização na aurora do Terceiro Milênio. São Paulo: Paulus, 2001.

BRUNNER, Emil. O escândalo do cristianismo. São Paulo: Novo Século, 2004.

CHAMPION, Françoise. Religiosidade flutuante, ecletismo e sincretismos. In: DELUMEAU, Jean (Dir.). As grandes religiões do mundo. Lisboa: Editora Proença, 1996.

COMPÊNDIO DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA. Paulinas: São Paulo: 2005.

CONFERÊNCIA DE PUEBLA. São Paulo: Paulinas, 1979.

Page 166: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

158

DOIK, German K. Dicionário Rio, Medellin, Puebla. São Paulo: Loyola, 1990.

FRIESEN, Albert. Teologia moral: Ética cristã. InterSaberes: Curitiba, 2015.

GIBELLINI, Rosino. A teologia do século XX. São Paulo: Loyola, 2ª edição, 2002.

GRENZ, Stanley J., OLSON, Roger E. A teologia do século XX. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.

GRENZ, Stanley J., OLSON, Roger E. Beber no próprio poço: no itinerário espiritual de um povo. São Paulo: Loyola, 2000.

GRENZ, Stanley J., OLSON, Roger E. Falar de Deus a partir do sofrimento do inocente: uma reflexão sobre o Livro de Jó. Petrópolis: Vozes, 1987.

GRENZ, Stanley J.; OLSON, Roger E. A força histórica dos pobres. Petrópolis: Vozes, 1981.

GUTIERREZ, Gustavo. Los pobres y la liberación en Puebla. Bogotá: Indo-American Press Service, 1979

GUTIÉRREZ, Gustavo. Teologia da libertação: Perspectivas. São Paulo: Loyola, 2000.

HIGUET, Etienne A. (Org.). Teologia e modernidade. São Paulo: Fonte Editorial, 2005.

HODJE, Charles. Teologia sistemática de Charles Hodje. São Paulo: Agnos, 2003.

HORTON, Michael (Org.). Cristo, o Senhor: a reforma e o senhorio na salvação. São Paulo: Cultura Cristã, 2000.

HORTON, Michael. As doutrinas da maravilhosa graça: um antídoto contra o cristianismo cultural infiltrado no meio evangélico. São Paulo: Cultura Cristã, 2003.

JUNQUEIRA, Sergio. O sagrado: fundamentos e conteúdo do ensino religioso. São Paulo: Curitiba: Intersaberes, 2012.

KIENZLER, Klaus. El fundamentalismo religioso. Madrid: Alianza, 2000.

KÜNG, Hans. Teologia a caminho: fundamentação para o diálogo ecumênico. São Paulo: Paulinas, 1999.

KUYPER, Abraham. Calvinismo. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002.

Page 167: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

159

LIBANIO, João Batista; MURAD, Afonso. Introdução à teologia: perfil, enfoques, tarefas. 6. ed. São Paulo: Loyola, 2007.

MACARTHUR JR., John. Sociedade sem pecado. São Paulo: Cultura Cristã, 2002.

NOGUEIRA, Luiz Eustáquio dos Santos. O cristão desafiado pelas religiões. Horizonte - Revista do Núcleo de Estudos de Teologia, Belo Horizonte, v. 1, n. 2, jul./dez. 1997.

OLIVEIRA, Dennison de. História do Brasil: política e economia. Curitiba: Intersaberes, 2010.

OLIVEIRA, Ednilson Turozi de. Ensino religioso: fundamentos epistemológicos. Curitiba: Intersaberes.

OLIVEIRA, Ednilson Turozi de. Ensino religioso: fundamentos epistemológicos. Curitiba: InterSaberes.

PANASIEWICZ, Roberlei. Internacionalização, identidade e diálogo inter-religioso. Horizonte – Revista do Núcleo de Estudos de Teologia, Belo Horizonte, v. 1, n. 2, jul./dez. 1997.

PALOU, Francisco, CLAVIJERO, Francisco Javier. Historia de la antigua baija California (trad.) Grã-Bretanha: Britsh Library, 2010.

PICON – SALAS, Mariano. Dependencia e independencia en la historia hispano-americana. Michigan: ibrería Cruz del Sur, 1952.

PUEBLA. EVANGELIZAÇÃO NO PRESENTE E NO FUTURO DA AMÉRICA LATINA. Paulinas: São Paulo, 1979.

QUEIRUGA, A. Torres. El dialogo de las religiones. Madrid: Sal térrea, 1992.

QUEIRUGA, A. Torres. Globalización, interculturalidad, religión y democracia. Revista ciencias de las religiones, 8:5-28, 2003.

RODRIGUES, Eliane Hubner da Silva. Introdução à teologia. Indaial: grupo Uniasselvi, 2009.

RODRIGUES, Eliane Hubner da Silva. Introdução à teologia. Indaial: Grupo Uniasselvi, 2009.

ROUANET, Sérgio Paulo. A América Latina entre a globalização e a universalização: Revista Tempo Brasileiro, 122:59-72, 1995.

SOUZA, Ney de. Temas de teologia latino-americana. São Paulo: Paulinas,

Page 168: Teologia laTino-americana - UNIASSELVI

160

2007.

SOUZA, Ney de. Temas de teologia latino-americana. São Paulo: Paulinas, 2007.

SUSIN, Luiz Carlos. O mar se abriu: trinta anos de teologia na América Latina. São Paulo: Loyola, 2000.

SUSIN, Luiz Carlos. O mar se abriu: trinta anos de teologia na América Latina. São Paulo: Loyola, 2000.

TAVARES, Fábio Roberto. Formação da sociedade brasileira. Indaial: Uniasselvi, 2013.

TAVARES, Fábio Roberto. Movimentos religiosos contemporâneos. Indaial: Uniasselvi, 2009.

TAYLOR. Jhon V. Presença cristã entre religiões africanas. London: New Edition, 2001.

TILLICH, Paul. A era protestante. São Paulo: Instituto Ecumênico de Pós-Graduação em Ciências da Religião, 1992.

TILLICH, Paul. Perspectivas da teologia protestante nos séculos XIX e XX. São Paulo: ASTE, 3ª edição, 2004.

TILLICH, Paul. Teologia sistemática. São Leopoldo/São Paulo: Sinodal/Paulinas, 1984.

TORRES QUEIRUGA, Andrés. Do terror de Isaque ao Abbá de Jesus: por uma nova imagem de Deus. São Paulo: Paulinas, 2001.

TORRES QUEIRUGA, Andrés. Fim do cristianismo pré-moderno: desafios para um novo horizonte. São Paulo: Paulus, 2003.

TORRES QUEIRUGA, Andrés. Recuperar a criação: por uma religião humanizadora. São Paulo: Paulus, 1999.

TORRES QUEIRUGA, Andrés. Recuperar a salvação: por uma interpretação libertadora da experiência cristã. São Paulo: Paulus, 1999.

ZWIDLER, Leonar ZWIDLER, Leonard. Cristãos e não cristãos em diálogo. São Paulo: Paulinas, 1988.