tendencias dos livros de artista_texto

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Tendências do Livro de Artista no Brasil Annateresa Fabris Cacilda Teixeira da Costa O livro de artista pode ser conceituado a partir de duas vertentes: - uma, mais abarcadora, baseada, num primeiro momento, na interação entre arte e literatura e que termina por abranger livros Ilustrados, livros-objetos, livros únicos, encadernações artisticas, sem por isso deixar de levar em consideração aquela tendência que começa a delinear-se nos anos 60 e acaba por modificar radicalmente a prática e o significado do termo; - outra, mais restritiva, que só considera livro de artista aquelas produções de baixo custo, formato simples, únicas da geração minimalista-conceitual, a qual, freqüentemente, tem no livro o único veículo de registro e divulgação de suas obras. São porta-vozes desta categoria críticos como Richard Francis, Martin Attwood, Tim Guest, Germano Celant, além de Françoise Woimant, Anne Moeglin Delcroix as quais chegam até mesmo a propor uma diferanciação semântica entre “livro de bibliófilo”, correspondente ao primeiro grupo, e “livro de artista", marco definidor da atitude conceitual e minimalista 1 . Mesmo na acepção mais ampla, o livro de artista constitui um veículo para idéias de arte, uma forma de arte em si, apresentando pouca ou nenhuma relação com as monografias, os livros-museu imaginário, as edições de luxo (que muitos artistas costumam fazer em colaboração com escritores e poetas), os álbuns de gravura, de reproduções, etc. E, muito embora, neste caso, se possa falar em ilustração, é necessário, porém, definir o significado peculiar que o termo adquire em obras que não têm como objetivo estabelecer uma relação mecânica, descritiva, entre texto e imagem. A partir dos conceitos de ilustração abstrata de Breon Mitchell, ou de "iluminar" de Riva Castlemann, que, baseada em homologias de ordem estética, se refere a um diálogo equilibrado entre texto e imagem 2 , na primeira categoria podemos incluir: 1. Um precursor como William Blake; 2. As inúmeras parcerias do século XIX e XX - Fausto (1828), de Goethe/ Delacroix; O Corvo (1875), de Poe/Mallarmé/Manet; Saint Matorel (1911), de Jacob/Picasso; La Fin du Monde (1919), de Cendrars/Léger; Poésies (1932), de Mallarmé/Matisse; A Toute Épreuve (1958), de Eluard/Miró; Escrito en el Aire (1964), de Alberti/ León Ferrari; Último Round (1969), de Cortazar/Virginia Silva; Foirades (Fizzles) (1976), de Becket/Johns, só para citar alguns exemplos que se definem quase sempre com base em afinidades no processo estrutural da criação, em intercâmbios fecundadores que fazem da expressão gráfica o equivalente plástico da palavra. No caso brasileiro, isso é demonstrado pela colaboração de Tarsila do Amaral com Cendrars em Feuilles de Route 3 e com Oswald de Andrade em Pau Brasil, que data de 1924-25, e mais recentemente, por dois livros-objeto: Escritura e Trilogia, ambos editados em 1973. No primeiro, organizado por Gastão de Holanda e Cecilia Jucá, oito gravadores interpretam oito pequenos textos de escritores e artistas, criando oito cadernos independentes, masque articulam sua leitura de maneira lúdica; no segundo, de autoria de Péricles Eugênio da Silva Ramos e Sérvulo Esmeraldo, os módulos terra, céu, água são interpretados pelo artista plástico como objetos, concebidos, dum lado, literalmente (terra, água) e, do outro, como estruturas cinéticas; 3. Obras como Klânge (1912), de Kandinsky; Les Enfants Terribles (1929),de Cocteau; Cirque de L'Étoile Filante (1938), de Rouault; Jazz (1947), de Matisse, em que o artista é simultaneamente autor de texto e imagem. Jazz pode ser considerado o ponto de chegada desta tendência e o elemento germinal da atual concepção de livro de artista: utilizando a técnica do pochoir (estêncil colorido com pincel), Matisse dispõe livremente texto e imagem, os quais raras vezes se relacionam entre si. Enquanto muitas gravuras retratam o mundo do circo, no texto, Matisse descreve seu processo de criação. A essa primeira oposição imagem/texto, o artista acrescenta um 1 Cfr. com Artist's Book (London, 1976); Books by Artisti; XIIª Biennale de Paris (Paris, 1982). 2 2 B. MitchelI, Beyond lilustration: the Livre d'Artist in Twentieth Century (Bloomington, 1976), p. 6; R. Castleman, Artistas Modernos Enquanto Ilustradores (Nova lorque, 198 1), p. 17. 3 A relação criadora entre Cendrars e Tarsila é justamente notada por um crítico contemporâneo, Francisco Martins de Almeida, que afirma na abertura de sua resenha: “A nova coleção de poesias de Blaise Cendrars vem comentada pela ingenuidade construtiva do traço sólido e tranqüílo de Tarsila do Amaral. Não se pode deixar de notara correlação que existe entre a arte da pintora brasileira e a do poeta francês. Há em ambos a calma arquitetônica da linha precisa. Feuilles de Route são desenhos simplificados das paisagens por onde Cendrars passou (... ) "M. de A., "Feuilles de Route, A Revista, I (1), jul. 1925 ,p. 54.

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Texto do catálogo da exposição no CCSP em 1985

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Tendncias do Livro de Artista no Brasil Annateresa Fabris Cacilda Teixeira da Costa O livro de artista pode ser conceituado a partir de duas vertentes:- uma, mais abarcadora, baseada, num primeiro momento, na interao entre arte e literatura e que termina por abranger livros Ilustrados, livros-objetos, livros nicos, encadernaes artisticas, sem por issodeixardelevarem consideraoaquelatendnciaquecomeaadelinear-senosanos60eacabapormodificarradicalmentea prtica e o significado do termo;-outra,maisrestritiva,quesconsideralivrodeartistaaquelasproduesdebaixocusto,formatosimples, nicasdageraominimalista-conceitual,aqual,freqentemente,temnolivroonicoveculoderegistroe divulgaodesuasobras.Soporta-vozesdestacategoriacrticoscomoRichardFrancis,MartinAttwood,Tim Guest,GermanoCelant,almdeFranoiseWoimant,AnneMoeglinDelcroixasquaischegamatmesmoa proporumadiferanciaosemnticaentrelivrodebiblifilo,correspondenteaoprimeirogrupo,elivrode artista", marco definidor da atitude conceitual e minimalista1. Mesmo na acepo mais ampla, o livro de artista constitui um veculo para idias de arte, uma forma de arte em si, apresentando pouca ou nenhuma relao com as monografias, os livros-museu imaginrio, as edies de luxo (quemuitosartistascostumamfazeremcolaboraocomescritoresepoetas),oslbunsdegravura,de reprodues,etc.E,muitoembora,nestecaso,sepossafalaremilustrao,necessrio,porm,definiro significadopeculiarqueotermoadquireemobrasquenotmcomoobjetivoestabelecerumarelao mecnica, descritiva, entre texto e imagem. ApartirdosconceitosdeilustraoabstratadeBreonMitchell,oude"iluminar"deRivaCastlemann,que, baseadaemhomologiasdeordemesttica,serefereaumdilogoequilibradoentretextoeimagem2,na primeira categoria podemos incluir: 1. Um precursor como William Blake;2.AsinmerasparceriasdosculoXIXeXX-Fausto(1828),deGoethe/Delacroix;OCorvo(1875),de Poe/Mallarm/Manet;SaintMatorel(1911),deJacob/Picasso;LaFinduMonde(1919),deCendrars/Lger; Posies(1932),deMallarm/Matisse;AToutepreuve(1958),deEluard/Mir;EscritoenelAire(1964),de Alberti/ Len Ferrari; ltimo Round (1969), de Cortazar/Virginia Silva; Foirades (Fizzles) (1976), de Becket/Johns, s para citar alguns exemplos que se definem quase sempre com base em afinidades no processo estrutural da criao, em intercmbios fecundadores que fazem da expresso grfica o equivalente plstico da palavra. Nocasobrasileiro,issodemonstradopelacolaboraodeTarsiladoAmaralcomCendrarsemFeuillesde Route3ecomOswalddeAndradeemPauBrasil,quedatade1924-25,emaisrecentemente,pordois livros-objeto: Escritura e Trilogia, ambos editados em 1973. No primeiro, organizado por Gasto de Holanda e CeciliaJuc,oitogravadoresinterpretamoitopequenostextosdeescritoreseartistas,criandooitocadernos independentes, masque articulam sua leitura de maneira ldica; no segundo, de autoria de Pricles Eugnio da SilvaRamoseSrvuloEsmeraldo,osmdulosterra,cu,guasointerpretadospeloartistaplsticocomo objetos, concebidos, dum lado, literalmente (terra, gua) e, do outro, como estruturas cinticas; 3. Obras como Klnge (1912), de Kandinsky; Les Enfants Terribles (1929),de Cocteau; Cirque de L'toile Filante (1938), de Rouault; Jazz (1947), de Matisse, em que o artista simultaneamente autor de texto e imagem. Jazz pode ser considerado o ponto de chegada desta tendncia e o elemento germinal da atual concepo de livro deartista:utilizandoatcnicadopochoir(estncilcoloridocompincel),Matissedispelivrementetextoe imagem, os quais raras vezes se relacionam entre si. Enquanto muitas gravuras retratam o mundo do circo, no texto, Matisse descreve seu processo de criao. A essa primeira oposio imagem/texto, o artista acrescenta um

1 Cfr. com Artist's Book (London, 1976); Books by Artisti; XII Biennale de Paris (Paris, 1982). 2 2 B. MitchelI, Beyond lilustration: the Livre d'Artist in Twentieth Century (Bloomington, 1976), p. 6; R. Castleman, Artistas Modernos Enquanto Ilustradores (Nova lorque, 198 1), p. 17. 3ArelaocriadoraentreCendrarseTarsilajustamentenotadaporumcrticocontemporneo,FranciscoMartinsde Almeida, que afirma na abertura de sua resenha:A nova coleo de poesias de Blaise Cendrars vem comentada pela ingenuidade construtiva do trao slido e tranqlo de Tarsila do Amaral. No se pode deixar de notara correlao que existe entre a arte da pintora brasileira e a do poeta francs. H em ambos a calma arquitetnica da linha precisa. Feuilles de Route so desenhos simplificados das paisagens por onde Cendrars passou (... ) "M. de A., "Feuilles de Route, A Revista, I (1), jul. 1925 ,p. 54. ulteriortratamentodiferenciador;aslinhaspretasondulantesdotextomanuscritochocam-secomascores vivas das ilustraes, gerando um contraponto contrastivo e integrativo ao mesmo tempo. SeoexemplodeMatisseapontaparaumtipodeestruturaemqueescritaeimagemsefecundem reciprocamente sem relaes de subordinao, um outro veio poderia ter sido aberto por O Livro de Mallarm, do qual s conhecemos realizado seu esboo, Um Lance de Dados. Primeiro Poema-estrutura, nos dizeres de Augusto de Campos, Um Lance de Dados (1897) desdobra-se em torno duma tipografia funcional, capaz de dar conta das metamorfoses, dos fluxos e refluxos das imagens", caracterizando-se pelo uso de tipos diversos, por uma nova disposio das linhas, pelos "brancos, por uma concepo inovadora da pgina, em que as palavras formamumtodoe,aomesmotempo,seseparamemdoisgrupos,determinadospelapregacentral,sem perder, porm, o carter dum ideograma nico4.A revoluo de Um Lance de Dados teria sido radicalizada ainda mais se o projeto de O Livro tivesse sido levado a cabo. Nele, Mallarm no propunha a circularidade e a pluralidade semntica de seu poema-partitura, e sim, umaverdadeiraobraemmovimento,quetinhanapermutaosualeiestrutural.AspginasdeOLivrono seguiriamumaordemfixa:permutveis,poderiaserdeslocadas,lidascomoconstelaescombinatrias determinadaspeloautor,quenegavatodoequalquertipodedireounvoca,deseqnciaobrigatria,sem abrir mo, entretanto, dum significado subjacente ao jogo mvel5. EmboraoprojetoradicaldeMallarmnochegueaserrealizado,inegvelqueoexemplodeliberdade sugeridoporUmLancedeDadosfundamentaboapartedaprxisartsticacontempornea,noultimaa renovaodaconcepodelivroporpartedasvanguardashistricasque,aoprodutoannimodaindstria editorial, contrapem criaes pessoais, fruto do trabalho conjunto de artista, escritor, diagramador. Nosexemplosatagoraapontados,olivrodeartistaconfigura-secomoumaunidadeexpressivaqueveicula umadeterminadaidiadearteequeincorporaemseuprocessoestruturaloelementofundamentalna construodolivro:suanaturezaseqencial.Assimcomoopintorque,aofazerumquadro,exploradados inerentesnaturezadestesuporte-superfcie,enquadramento,dimenso,etc.-aofazerumlivro,oartista trabalha com uma seqncia coerente de espaos - as pginas -, o tempo que necessrio para vir-Ias, o gesto do leitor e a intimidade que estabelece entre o livro e a pessoa que o manipula. Por mais variadas que possam serastcnicas,pormaisvariadasquepossamserasdiretrizesestticas,olivrodeartistaexplorasempreas caractersticasestruturaisdolivro:aobranocadapaginaesimasomadetodaselas,percebidasem diferentesmomentos.Olivrodeartistaconfigura-se,portanto,comoumaseqnciaespao-temporal, determinadapelarelaocinticaentrepginaepgina,ou,comodiriaMirellaBentivogliopela"pgina,em seu dilogo com o contexto da pgina, o livro6.Nocasobrasileiro,sejexisteumacertabibliografiasobreolivrodearte,quepermitedeterminarsua fisionomiaesuasprincipaisvertenteseditoriais7difcilainda,porm,determinarcomonossosartistasse envolveramcomaquelaconcepocriadoradolivrocomo"arquitetura",prpriadolivrodeartista.Pode-se, entretanto, destacar o papel pioneiro de Vicente do Rego Monteiro, cuja escrita ideogramtica cria um percurso particularpelacapitalfrancesaemQuelquesVisagesdeParis(1925):noilustraoesimleituraoutra, transcriao do poema. Ou, ainda, lembrar as pesquisas de Alosio Magalhes nas oficinas do Grfico Amador de Recife, que privilegiam o carter plstico, visual do fazer livrocomo demonstra Aniki Bob (1958), em que otextodeJooCabraldeMelloNetosurgecomoumaespciede"Ilustraodaformaplstica,qual posterior. Nosanos50,momentoemquesefirmanoBrasilaconcepodelivrodeartista,osartistasplsticossero precedidospelospoetasconcretoseneoconcretos,osquais,privilegiandoaimagemgrfico-espacialcomo forma,enfatizamapresenadeelementosvisuaisemseuspoemas-objeto.Seapoesiaconcretarevalorizaa palavracomoestruturasignificanteessencial,colocando-anumespaoespecfico,concebidocomoagente estrutural - o espao grfico - se leva a um novo tipo de interao, de identidade entre forma e contedo", seapartirdelapossvel,noBrasil,pensarnumatipografiacriadora,suainfluncianumanovaidiadelivro ser mais reflexa do que efetiva, pois suas realizaes no requerem necessariamente o suporte livro, podendo extrinsecar-se em outras formas, como o cartaz, o filme, etc. Mais radical ser a experincia levada a cabo pelos neoconcretos com os "livros-poemas" (Ferreira Gullar, Theon Spanudis,LygiaPape,entreoutros),nosquaisoselementosplsticoseoselementosgrficossoigualmente determinantes.Oslivros-poemasrequeremo"manuseioexpressivoporpartedoleitorcomocondiode existncia, experincia que ser aprofundada em 1960 pelo Livro Infinito, de Reynaldo Jardim, volume com dois

4 A. de Campos,Poesia,Estrutura, in Mallarm (So Paulo, 1974), p, 178-9. 5 Cfr. com: U. Eco, Opera Aperta (Milano, 1967), p. 39-42; H. de Campos, A Arte no Horizonte do Provvel (So Paulo, 1969), p. 17-9. 6 M. Bentivoglio,Parola immagine e oggetto. D'Ars, XVII(80), Aug. 1976, p. 157. 7 Vide entre outros: C. Teixeira da Costa A. Fabris, O livro de arte no Brasil; entre o luxo e a indigncia. Comunicaes e Artes, (11), 1982, p. 21-30; C. H. Knychata, O Livro de Arte Brasileiro (Rio de Janeiro, 1983). dorsos e dois comeos, logo, sem comeo nem fim, estrutura circular, contnua, cujas pginas, "trabalhadas em vista da totalidade do livro, recebem, geram e transferem o movimento e o significado que por elas se propaga, silenciosamente,atravsdecortes,dobrasedesdobras."Construocontnua-descontnua",olivrode Reynaldo Jardim propicia uma experincia multi-sensorial, em que tato e olho, corpo e mente participam duma operao imediata, concreta, sem fuga8. Embora o livro-poema se refira geralmente a experincias poticas, que tm na dimenso cintico- temporal um elementofundamental,requerendo,portanto,acolaboraoativadoleitor-comoemAumentesuaRenda (1969), de Marco Antonio Amaral Resende, no qual a leitura determinada pelo duplo ato de rasgar as folhas coladas:destruiosemnticadaatividadeleitoraedestruioconcreta do objeto-poema9 -, h casos em que este tipo de realizao consubstancia claramente o processo da poesia visual como inter-relao necessria entre palavraeimagemnumcontextonico,simultneoeinscindvel.oquesepercebenasexperimentaesde Edgar Braga: Algo (1971), Tatuagens (1976), que fazem explodir as fronteiras convencionais entre poesia e artes plsticas,dandovidaaumapoticaqueexploraintensamenteavisualidade,umavisualidadequeevoca,no primeirocaso,osfrottagessurrealistasoualiberdadegestualdaaction-painting;deVillariHerrmann,cujo poemaOxignesis(1977)propeumaleituracircular,deflagradapelaspalavrasdapginacentral,asquais remetemaritmos,formasgeomtricas,formasorgnicas,quetmseufeixeideogramticonaimagem subseqente, anterior ao texto, evocadora da idia do orgasmo; de Rgis Bonvicino, que, em Rgis Hotel (1978), compe uma reportagem de sabor pop pela escolha de alguns signos-objetos da paisagem contempornea; de Walter Silveira, que, em Pin-Up (1979), cria uma escrita prxima do graffiti em que texto e imagem se fundem e seconfundem;deLenoradeBarros,aqual,emOndeseV(1983),exploraaambigidadedomoderno significado de leitura atravs de seqncias verbo-visuais que, nos fotogramas, se transformam em verdadeiras performances. Apoesiavisualter,nodecorrerdosanos70,umterrenodeexperimentaoedivulgaonumasriede revistas independentes como as cariocas Navilouca, Almanaque Biotnico Vitalidade, Polem, as paulistas Artria, QorpoEstranho,Muda,abaianaCdigo,agachaNervoptico.ExperinciasudigrudiaseditadasnoRiode Janeiro,projetosintersemiticosaquelaspublicadasemSoPauloeSalvador,especificamentevinculadas poticasvisuaisadePortoAlegre,quecircula,geralmente,comofolhanica.Comocontrapontos experincias dos poetas, mas ainda no mbito do livro-poema, Lygia Pape produz, em 1959, o Livro da Criao, no qual a linguagem no-verbal determina, nos dizeres da autora, uma narrativa verbal10. Feito s de formas e cores,olivroumaestruturamvelqueevoludoplanoparaoespao,construdomedidaqueoleitorvai armandosuaspginasedelasextraindoinmerassugestesmetafsicas,ldicas,quepercorremdoiseixos principais de leitura: a criao do mundo, a criao artstica atravs de elementos genuinamente plsticos.LygiaPaperealizatambmlivros-poemascombinandopoemaseimagens,comodocasodoLivroPoema n 4 (1959),cujaspginas,cortadascircularmente,revelamaspalavrasgraasaummovimentodepulsao, e dos Poemas-Xilogravuras(1960),nosquaisarealidadeverbalearealidadevisualsefecundamreciprocamente, integrando-senoguisadetexto/ilustraoesimatravsdumasoluoglobalquejseesboaapartirda capa. Em 1968, Julio Pacello, um dos mais ativos editores de livros de arte, publica Objetos, de Julio Plaza e Augusto deCampos,livro-poemaquenegaalinearidadedoprocessohabitualdeleitura,poissuavisualizaovaise configurando medida que o leitor projeta suas pginas no espao, criando uma sintaxe puramente plstica. OsmesmosautoresprosseguemsuapesquisaemPoemobiles(1974).Escritaeimagemconstituemuma dimensonica,resultandonacriaodembiles,queexploramintensamentetodososcomponentesda estruturaespacial.Formas,cores,relevosintegram-senumaleituraldica,frutododinamismoconjuntode gesto construtor e viso, nica condio possvel de existncia da obra. Nem sempre as pesquisas com livro tm comoresultadofinalumaedio,oqueacaboulevandoalgunscrticosafalardeobjetosouesculturas portteis.Entretanto,comoseusautoresexploramaspeculiaridadesdolivro,pode-sedetectaracriaode inmeros livros nicos no panorama brasileiro: Casulo (1959), de Lygia Clark, em que cada pgina considerada comoumplanosobreoqualserealizamdobradurasnoespao,dentrodamesmalinhadepensamentoque levaraosBichosde1960;Livros-Objetos(1959)eSemente(1960),deAmliaToledo-estudosformais,os primeiros; um delicado jogo de transparncias que se modificam ao virar as pginas de papel de seda e de arroz tingidaspelaartista,osegundo,pesquisaestaque,posteriormente,serretomadaeaprofundadanumlivro com pequena tiragem: Divino Maravilhoso (1971); O Caderno Que Respira (1970), de Wesley Duke Lee, no qual aspginasdesiguais,aoseremviradassugeremumaprofundamentonoapenasnolivro,masnoprprio mundomentalepsicolgicodoleitor,graasaousodeimagensquevosetomandocadavezmaisdensas; HistriadaArte(1984),museuimaginriopeculiar,queespelhaoprocessodecriaodeWesleyDukeLee,

8 Ferreira Guilar, "Palavra, humor, inveno", in Projeto Construtivo Brasileiro na Arte (1950-1962) (Rio de Janeiro -So Paulo, 1977), p. 157-60. 9 J. Plaza, "O livro como forma de arte (I). Arte em So Paulo, (6), abr. 1982, s.p. 10 Livro da criao, in Lygia Pape (Rio de Janeiro, 1983), p. 46. entremeado com elementos de atualidade, para terminar na figura emblemtica de Marcel Duchamp, presente sintomaticamente na anotao do endereo. Os anos 60 vo conferir um novo status prtica o ao significado do livro de artista, devendo-se tomar como ponto de referncia aquilo que Daniel Fendick define a cultura ubqua do paperback"11. A concepo de livro de artista amplia-se, passando a designar a obra de arte existente na estrutura formal do livro. Opondo-se ao carter elitista e exclusivo do "livro de biblifilo, o livro de artista afirma-se como uma obra decomunicaoquesedirigeaumpblicomaisvasto,enfatizandoadimensodaleitura,opredomniodo conceito, do processo intelectual, transformando-se no registro e na "exposio pblica dos procedimentos do fazer arte.Olivrodeartistapassaacobriravastareada"arte-no-objetual",documentandoperformances,trabalhos conceituais,experinciasdelandart,etc.,desenvolvendo-se,freqentementenadimensointermdia, explorandoduasdiretrizesdeestruturadolivro:anaturezaserial,ofluxoinformativopropiciadopelovirarda pgina.AediodefinitivadeSilence(1961),deJohnCage,omarcoinicialdestanovaatitudeperanteolivrode artista. A obra uma coletnea de manifestos, artigos, conferncias, uma exposio de processos criativos, que seguem,omaisdasvezes,naescrita,aformadascomposiesmusicaisdoautor,suaestruturaideogrmica, colocando o leitor em relao direta com a experincia de Cage.Atendnciapropriamenteconceitualcomeaaconfigurar-seem1966numaatividadecomo ArtandCulture, de John Latham, que transforma em lquido a obra homnima de Clement Greenberg12, tendo prosseguimento noanoseguinte,comaexposioPessoasApresentamseusLivrosPreferidos-,organizadaporJosephKosuth, naqualolivroaparececomopurainformaoeaartecomoumprocessoanalticoefilosfico.Em1968,a formao do grupo Art and Language, que desloca o eixo da investigao artstica da feitura do objeto para o conceitodoobjeto,vaimodificarradicalmenteanoodosuporteemproldetodososveculosdaescrita impressa. neste contexto que o catlogo adquire um novo significado. Seth Siegelaub, dono duma galeria especializada em"atividadesinformativas(livros,catlogos,fotografias,cartespostais,artepelotelefone),organiza,em 1969,trsexposiesqueserealizamdefatonocatlogo:"5-31January,March1969,"Summer Exhibition13. Ocatlogo,destamaneira,passaaserumaobradearte.Nomaisdocumentale/ouinformativocomona prticatradicional,tantopodeconstituiraexposioemsi,quantoserumacriaoautnomaemrelao exposio,feitacommaterialtotalmenteindito,queestabelece um dilogo estimulante com o primeiro nvel de apresentao.Nosanos70,multiplica-seapublicaodelivrosconceituaiscomeobjetivofundamentaldeestabelecerum canal de produo e distribuio que escape do circuito artstico estabelecido. Publicado pelos prprios artistas, poralgumasgalerias,por pequenas editoras, o livro conceitual ramifica suas vertentes, abarcando a expresso poltica,apoesiavisual,asseqnciasfotogrficasougrficas,inventrios,pesquisasseriais,experimentaes intersemiticas,etc.Osurgimentodasnovastendnciaspictricasnosfinsdadcadalevaaumarevisodo ascetismo conceitual. Comea a despontar novamente o livro "sensual" que usa abundantemente a cor, escolhe formatosediagramaesrebuscadas,realaatatilidadedomaterial,sevaledetcnicascomoacolagem,o recorte.Nestatendnciadestacam-seartistascomoLucianoBartolin,AntonioVioletta,EugeniaBalcells,Paula Hocks, Judith Levy.UmdosprimeirosmarcosdanovaconcepodelivrodeartistanoBrasilserasriedeCadernosLivrosque Barriocomeaadesenvolverdesde1966,cadernosquevoalmdoregistrodeidiasoudetrabalhosem andamento para abarcarem in toto o significado de sua produo. Se, por um lado, Possvel acompanhar, nos Cadernos Livros, o processo de elaborao da potica de Barrio, do outro estas obras adquirem uma dimenso conceitual, feita de pulses orgnicas o de reflexo, da busca duma esttica do Precrio, prxima da arte povera

11D. Fendick, The Book as Art II (Washington, 1977), s.p. 12 Latham toma emprestado o livro de Greenberg da biblioteca de St. Martins School of Art e organiza, junto com o escultor Barry Fianagan, o evento Acalme-se e mastigue, do qual participam artistas, estudantes, crticos de arte. Cada convidado deve mastigar uma pgina de Art and Cultura: o produto , a seguir, dissolvido em cido sulfrico at transformar-se numa espciedeacar,neutralizadopelobicarbonatodesdio.Asoluoacrescentadofermentoparatorn-laborbulhante. Quando a biblioteca solicita a devoluo do livro, Latham tenta convencer a bibliotecria a aceitar o lquido, que o livro, o que provocar sua demisso da faculdade. Cfr. com: L. Lippard, Six Years: the Dematerialization of the Art Object (London, 1973), p. 14-6. 13 Dir a esse respeito Siegelaub: O emprego de catlogos de livros para comunicar (e estudar) a arte o meio mais neutro de apresentao da nova arte. Agora o catlogo pode servir como informao primria da exposio, e digo primria em oposio informao secundria sobre arte que aparece em revistas, catlogos, etc.; em alguns casos, a exposio pode ser tambm , catlogo". Apud: G. Battcock, ed., La Idea como Arte (Barcelona, 1977), p. 129. e da necessidade de seu registro, dando vida a uma srie de painis ao mesmo tempo caticos e estruturados, a um exerccio de plena liberdade criadora fora das categorias artsticas tradicionais.Nos livros posteriores, Barrio ordenar de maneira sistemtica seu processo de produo, transformando-os em registrosdeexposies-aes,partedumtrabalhomaiscomplexo,quecontinuatendoseutraodefinidorna experimentao precria, na mutao. A polmica com o mercado de arte, que caracteriza a produo jovem de fins dos anos 60, vai se tomar mais radicalnoinciodadcadaseguinte,impulsionadapelodesenvolvimentodaartepostalcomsuanfasenas mdiasnoconvencionais,daspesquisasconceituaiseintermediais,queofereceroumcampodeatuao bastante amplo para o livro de artista, no obstante as dificuldades de circulao e divulgao pblicas. ApesardaatuaodoMuseudeArteContemporneadeSoPaulo,sobretudoatravsdasmostras Prospectiva 74 e Poticasvisuais (1977), ou de eventos como Poucos e Raros (1978, 1980), organizados pelaPoesiaeArte,comopatrocniodasedepaulistadoInstitutoGoethe,olivrodeartistatempoucas oportunidadesdeapresentaocomosuporteautnomo,auto-suficiente.Caberaosartistasdivulgarsua produoemlivropelocorreio,distribu-Iaacrticos,instituies,aumpequenopblicointeressado,tentar comercializ-la atravs de algumas livrarias (Cultura, Duas Cidades, Bux, Kars, em So Paulo; Muro, no Rio de Janeiro;Livros-7,noRecife)egalerias(GabinetedeArtesGrficas,ArteGlobal,Mltipla,emSoPaulo),sem encontrar,entretanto,grandeacolhidaporpartedacrtica.Aspoucasexceesnessesentidoparecemsera resenha de Srgio Amaral a Outra Pedra de Rosetta, de Daniel Santiago, e Paulo Bruscky, publicada pelo revista Vozes,emnovembrode1975;adePauloLeminskiaPotica-Poltica,deJulioPlaza,(DiriodoParan,31de julhode1977);oensaiodeJulioPlaza:"Olivrocomoformadearte,tentativadeestabelecerparmetrose categorias de classificao a partir de uma anlise semiolgica, divulgada por Arte em So Paulo, em abril-maio de 1982.1973podeserconsideradooano-chaveparaasedimentaodosprocessosintermediaisnoBrasil,graas tambmradicaoemSoPaulodeJulioPlazaeReginaSilveiraapsumaestadaemPortoRico,quelhes permitiuentraremcontatocomosmeiosdeProduonoconvencional.Seestesprocessosdaroumnovo impulso produo de livros de artista, no se pode esquecer, entretanto que, dois anos antes, Mira Schendel realizara uma srie de 49 cadernos, nos quais se fazia pa tente uma investigao de carter semntico, realada pela busca de puros valores espaciais na inter-relao signo/pgina.DasnovasidiastrazidasporJulioPlazaeReginaSilveiranasceasrieOn-Off(1973-1974),organizadapor Mrio lshikawa com o concurso daqueles artistas que se destacaro nas novas concepes de livro, publicao em que o carter seqencial determinado no pelo "contedo" e sim pelo dilogo entre as vrias modalidades decdigoutilizadaspelosparticipantesecujadivulgaosegueaquelaestratgiadaguerrapreconizadapor Gabriel Borba, que quer com isso designar uma forma de distribuio da informao artstica, voluntariamente marginal, avessa aos esquemas tradicionais do mercado14. comesseobjetivoquesofundadasaGranatoProductions(1973),voltadaparaumsistemadedivulgao atravs da arte postal, e a Cooperativa Geral para Assuntos de Arte, idealizada, em 1976, por Gabriel Borba e MaurcioFridman,quevireditardiversoslivrosdeartista-Em4Desentende-seMelhor,Trma,Rebustia, Orbe,ReceitadeArteBrasileira,ArtistaProfissional(suaprimeiraedioforaumcadernoquedavacontado processoburocrticodesencadeadopelacessodolotedeRadhaAbramoaGabrielBorbana6Exposio Jovem Arte Contempornea, (1972). Oanode1974pareceserdecisivonaconsolidaodolivrodeartistacomoexpressoautnoma,poisso editados Poemobiles e Reduchamp, de Julio Plaza e Augusto de Campos, Situao Executiva e Interferncias, de Regina Slveira, o terceiro On-Off, a segunda edio de La Phenomena, organizada por Artur Matuck e Gabriel Bonduki,NingumteOuvirnoPasdoIndivduo,deMriolshikawa,OutraPedradeRosetta,deDaniel Santiago e Paulo Bruscky, que lanam, no mesmo perodo, o livro-objeto Como Ler, composto e impresso em massa de po", conforme os dizeres do convite, Testarte, de Vera Barcellos, Nearer, de Anne Bella Geiger, entre outros. Entre esta data e o incio dos anos 80, multiplica-se a edio de livros de artista nos mais diferentes materiais, tcnicaseformatos,explorandoasnovidadesdoxeroxedocomputador,abordandotodasortedetemas discussessobreanaturezadaarte,problemasdecrtica,documentaodeperformances,jogosdepalavras, reflexes polticas, pesquisas intersemiticas, etc. Algunsdosresultadosmaisestimulantessoalcanadosjustamentecomreflexessobreaquestoartstica, comoSobreaArte(1976),deAnnaBellaGeiger,MatriadeUso(1978),deEssilaParaso,oscadernosde desenho de Maria Luiza Saddi e Rute Gusmo, The Art of Drawing (1981), de Regina Silveira.

14 Depoimento s autoras. So Paulo, 11 abr. 1984. Aoladodestaspublicaes,quefocalizamossistemasdereproduodalinguagemartstica,devemser lembradasinvestigaescentradasnosprocessosdeconstruoprpriosde cada artista, como The Illustration of Art: Art e The Illustration of Art: Society (1973), de Antonio Dias, obras que, ao serem despojadas de todo e qualquercarterfsico-sensorial,impem-secomomodelospuramentereflexivos;ExecutivaseasrieBraziI Today (1977), de Regina Silveira, trabalhos em que o registro fotogrfico se imbrica com a projeo de espaos geomtricos,numaoperaodesemantizaodorecorte"naturalpelaaplicaodamalhaperspectivista; Carimbos(1977-78)eMalha(1981),deCarmelaGross,osprimeiros,configuraestachistasdoato de pintar reduzidoasuagestualidadeprimria,asegunda,umaseqnciaespao-temporaldenmeros,quedesafiaa todo momento, a percepo do espectador por sua configurao regular, contradita pelos vrios eixos de leitura potenciais;CuadroEscritoeImagens(1984),deLenFerrari,queexploramvrioscdigoseregistrosnuma intrigante potica visual que, ora cria narrativas, ora isola a imagem em toda sua nitidez. De carter poltico, soOutraPedradeRosetta,emqueseusautoresarticulamumdiscursoirnicosobreasociedadedemassa, servindo-se dos mais variados tipos de papel, de diferentes idiomas, livro nico, montado aleatoriamente (os exemplaresdatiragemdiferemtodosentresi);Potica-Poltica(1977),deJulioPlaza,livroqueseestruturaa partirdajustaposiodefragmentos-cadeadosemanchasquedefinemassilhuetasdevriospasessul-americanos-,fragmentosque,somados,compemomapadaAmricaLatina,almdaquelesdosEstados Unidos e do Oriente Mdio, e que possui duas seqncias de leitura, conforme sua abertura maneira ocidental ou oriental; Leituras (1982-1984), de Mrio lshikawa, leitura impossvel da Deciarao Universal dos Direitos do Homem pelos vrios processos de interveno obliterativa realizados pelo artista; O Olho Prisioneiro (1975) e Ars Memoria(1977),deArturMatuck.SeemLaPhenomena,quejtinhacomoeixoaartemanifestandoseu processosocial",Matucksepreocuparacomaalquimiamoderna,isto,comossistemasdeinformaoe reproduodeimagens,formulandooSemion,osmbolodainformaoliberada,estaidiaser retomada em O Olho Prisioneiro, no qual se configura seu oposto, o copyright, caracterizado por uma tarja preta. Pela seleodasimagens,quesereferemaomundodapolticaequeledaarte,percebe-sequeaintenodo artistapremdiscussooproblemadacensuraaliadoaododireitoautoral,ambosinstrumentosda concepo mercantilista da informao. Em Ars Memoria, no qual Matuck busca a definio do interlinguo, espciedelinguagemuniversal,ocentrododebateconstitudopelodireitodepropriedadequeohomem exerce sobre o animal, consubstanciado em imagens de massacre. O livro procede por trs movimentos - "Tra-Daemon", "Tra-Daemon"/ Ratioethica", "Ratioethica - tendo sua chave de leitura na palavra identidade e na idia da razo humana transformada pela tica. Outrosartistasusamolivrocomoregistrodeperformances:Gretta,quecolocaemxequeosmitosda feminilidade e a viso objetual do corpo da mulher; Ivald Granato, que elabora uma performance lingstica em O Domador de Boca (1978), concebido juntamente com Ulses Carrn. Ou se valem dele como reflexo sobre a condiofeminina,comodemonstramoscadernosdeAnsiaPachecoChaves,espciedediriosntimos,em que so negados os limites entre o privado e o pblico, e The Rite of Words (1980) de Mary Dritschel, em que so destacados ironicamente alguns dos chaves lingsticos sobre a mulher e o amor, totalmente esvaziados de significadopela seqncia casual em que so apresentados e pelas poses, freqentemente antitticas, de seus modelos, que no representam os conceitos que lhes so confiados. O desenvolvimento das pesquisas com o xerox, que, no Brasil, coincide com o interesse pela arte postal e pelos processosconceituais(inciodadcadade70),propiciaroaparecimentodediversoslivrosdeartista,que utilizamatcnicadereproduo,tantoemtermosconceituaisquantocomoexperimentaoeexploraoda dialtica do meio multplicador, incapaz de produzir cpias absolutamente idnticas. EmboraoprimeirolivrodeartistarealizadocomatcnicaxeroxpareaserViva1(1972-1973),deAlosio Magalhes,aspublicaesqueutilizamalinguagemdomeiomultiplicadoravultamsobretudonofinalda dcada, podendo ser lembrados os nomes de Hudinilson Jr, que elabora uma potica do corpo", a princpio, quase mimtica e, progressivamente, abstratizante, at alcanar em Narcisse (1984) valores puramente abstratos peladestruioprogressivadaimagem;BenardoKrasniansky,queestruturasingularesmontagensdecarter ps-moderno,querpelousodacitaodiferente",querpeloaproveitamentocriativodossignosdomuseu imaginrio, mediados pelos meios de comunicao de massa, com os quais estabelece um dilogo ativo graas a justaposies, a intervenes "tonais", que trazem a marca dum registro pessoal; Mrio Ramiro e Rafael Frana, queiniciamsuaspesquisasjuntocomHudinilsonJr.,interessadossobretudonaxerox-artecomoformade especulaosobreasequencialidade,sobreotempocomoestruturacinemtica,"flmica";RenatoBrancatelli, que elabora pesquisas de carter semiolgico a partir dos signos da comunicao social.Os processos conceituais, que esto na base da nova-concepo de livro de artista e aos quais se vincula a maior partedaproduoqueutilizatalsuporteentrensnadcadade70,informamtambmaconcepodo catlogocomoprojeto,comoumaoutraexposio,paralelaquelaquetemlugarnosespaosdelegadosdo circuitoartstico,masautnoma,autocontida,umavezqueaspginasseqenciaissubstituemasquatro paredes dos museu/galeria. OsprimeirosensaiosdecatlogoscriadoressurgemnombitodaEscolaBrasil.Baravelli,Fajardo,Nasser, Resendeestimulamseusalunosaorganizaremlbuns,amanteremcadernosdeapontamentos,propoema criao, de narrativas diferentes, como, por exemplo, aquela que deveria estruturar uma histria num caderno em branco, empregando apenas furos, recortes, dobras, grampos, fita adesiva15. dentro deste esprito de adequao da forma idia, da concepo da soluo grfica como relao intrseca entre "forma"e "contedo, processo deflagrado pelo exemplo de Wesley Duke Lee, que os artistas da Escola Brasil produzem os primeiros catlogos conceituais entre ns: Baravelli Fajardo Nasser Resende (1968), colagem coletiva de imagens oriundas do imaginrio coletivo; C.A.Fajardo, por Frederico Jayme Nasser, Jos Resende, que acompanham a mostra dos quatro artistas no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e no Museu de Arte ContemporneadeSoPaulo,emagosto-outubrode1970,diriosdebordoquerevelamoladoocultodo processodecriao;ArteMuitasCoisas(1970),quepropeumpercursodeleituradinmicoejocosopara aquelesquedeveriamserosobjetivosldicosdaEscolaBrasil,graasaojogotransparncia/opacidade,que desvela e encobre ao mesmo tempo uma parte das informaes. E, embora o catlogo criador no seja uma constante no panorama brasileiro, vrios artistas dedicam-se, porm, sua produo: Antonio Dias (Poltica: Ele no Acha mais Graa no Pblico das Prprias Graas, 1979), Barrio (Registro de Trabalho, 1981), Paulo Herkenhoff (Geometria Anrquica, a M Vontade Construtiva e mais Nada, 1980), Tunga (os catlogos das mostras do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e da Galeria Luisa Strina em1975)criamregistrosdeseuprocessodetrabalho,gerandoumacontra-exposioauto-reflexiva;Wilson Alves(VnuseoMeninoMgico,Mesmo,1976)que,aotransformaradocumentaodesuaspeasnuma espcie de baralho, permite ao espectador montar um sem nmero de mostras imaginrias. Oarrefecimentodastendnclasconceituais,nosfinsdosanos70,adificuldadededivulgao,deprodues alheias aos suportes tradicionais, o desinteresse das editoras16 repercutem na prtica do livro de artista, que vai sendopaulatinamenteabandonadoe,emcertoscasos,substitudoporexperimentaescommicrofichase videotexto, propiciadores de livros compactos", livros tteis, dirigidos especificamente ao olho17. Inversamente,multiplicam-seasexposies:em1979,Tadeu Junges e Walter Silveira organizam, na Escola de ComunicaeseArtesdaUniversidadedeSoPaulo,amostra"MultimdiaInternacional,enquantoPaulo Brusckycuradorda"Primeiraexposiointernacionaldelivrodeartista,realizadanoRecife;em1983,o mesmoartistaorganiza,semprenoRecife,a"Primeiraexposionacionaldelivrodeartista",enquantoo Espao NO de Porto Alegre organiza, para o Museu de Arte Moderna do Rio Grande do Sul, a mostra ArteLivro Gacho(1950-1983)";em1984,sorealizadasduasexposiescoletivasnoRiodeJaneiro:naBibliotecada PUC e na Livraria Espetculo (Universidade Cndido Mendes). Se diminuem as publicaes conceituais, nos fins dadcadade70,ointeressepelolivrodeartistaartesanalconheceumnovoimpulso,comodemonstramas "Edies Joo Pereira" (So, Paulo, 1979) e a "Oficina Goeldi" (Belo Horizonte, 1980).Tal como acontece na Europa e nos Estados Unidos, a orientao esttica dos anos 80 no deixa de se refletir numaconcepomaissensorialdolivrodeartista,patentenaspesquisasgrficasdeLuiseWeiss, voluntariamenteevocadorasdosentidoldicodosdesenhosinfantis;nasnaturezasnoires"deLuciano Figueiredo, desencarnaes do carter informativo da imprensa diria graas a sutis jogos cromticos, que criam uma outra leitura, feita de transparncias e manchas, de elementos puramente espao-visuais. Umavertentepeculiardolivrodeartistarepresentadapela"bibliotecavirtual"deOtvioRoth:pequenos cadernos, curas folhas em branco funcionam como mensagens de si mesmas e nos quais cada pgina, apesar da similitudeaparente,guardamarcasdoprocessodetrabalhoedeacidentesdepercurso(manchas,furos, rebarbas, espessuras etc.). Se o livro de artista no teve condies de conquistar um pblico mais vasto no Brasil, por estar essencialmente associado a pesquisas que no tiveram grande penetrao no mercado, inegvel, entretanto, que divulgou a artecontemporneajuntoaumanovafaixadefruidores,osquaisnoconcebemmaisaobraapartirde categoriastcnicasrestritivas,sendocapazesdeapreciaroprocesso,deestabelecerumarelaomaisntima comoobjetoartstico,propiciadapeladimensocintico-temporaldolivro,cujoritmodeleituraestabelecem livremente. Oleitortoma-se,dessaforma,oprogramadordumaespcieparticulardemuseu,ummuseunolimiarda exposiorealedaquelaimaginria,mediado,emgrandeparte,pelouniversodastcnicasdereproduo, propostas como a obra em si e no como o simulacro benjaminiano, destruidor da aura.

15 Depoimento de Frederico Nasser s autoras, So Paulo, 15 maio 1984. 16MassaoOhno,umdospoucoseditoresengajadosnapublicaodelivrosdeartista,afirmaqueostrabalhosporele coordenadosforamfeitoscomsobrasdeoramento,sobrasdematerial,tendosidoespecificamenteideadosparaterum baixo custo. Depoimento s autoras. So Paulo, 12 dez, 1984. 17 Depoimentos de Regina Silveira e Julio Plaza s autoras. So Paulo, 25 abr. 1984; 18 abr. 1984.