tcc2_fabrício leomar_final_18.02.13

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ INSTITUTO DE EDUCAÇÃO FÍSICA E ESPORTES CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA FABRÍCIO LEOMAR LIMA BEZERRA O ENSINO E A APRENDIZAGEM DO SENSÍVEL NA LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA: OS INDÍCIOS DE UMA FORMAÇÃO ESTÉTICA FORTALEZA 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO FÍSICA E ESPORTES

CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA

FABRÍCIO LEOMAR LIMA BEZERRA

O ENSINO E A APRENDIZAGEM DO SENSÍVEL NA LICENCIATURA EM

EDUCAÇÃO FÍSICA: OS INDÍCIOS DE UMA FORMAÇÃO ESTÉTICA

FORTALEZA

2013

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FABRÍCIO LEOMAR LIMA BEZERRA

O ENSINO E A APRENDIZAGEM DO SENSÍVEL NA LICENCIATURA EM

EDUCAÇÃO FÍSICA: OS INDÍCIOS DE UMA FORMAÇÃO ESTÉTICA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

ao Curso de Licenciatura em Educação Física

do Instituto de Educação Física e Esportes da

Universidade Federal do Ceará, como requisito

final para obtenção do Título de Licenciado

em Educação Física.

Orientadora: Profª. Drª. Tatiana Passos Zylberberg.

Co-orientador: Prof. Dr. Francisco Silva Cavalcante Junior. Ph.D.

FORTALEZA

2013

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O

MEU

CARINHO .

.

.

Esse trabalho é dedicado com

todo meu carinho para

Andréa Chaves de Araújo

(in memoriam)

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O MEU ABRAÇO

O meu abraço fraterno de agradecimento a quem de alguma forma fez parte da minha jornada

de vida para a concretude dessa minha jornada acadêmica.

Aos meus pais, Machado e Mosarina, pelo amor, pela confiança, por acreditarem na educação

e fazerem de tudo pra gente ter a melhor, por respeitarem as minhas escolhas, pela dedicação

e por trabalharem duro pra dar o melhor para seus dois filhos e sua filha.

À minha amável irmã, amiga, companheira, Gabriella, pelo amor e carinho incondicional, por

estar perto mesmo longe, pela ajuda sempre, por acreditar em mim, por me conhecer, ter

respeito e me encorajar pra ser como sou. Te amo minha ―Bethânia‖, do irmão ―Caetano‖.

Ao meu irmão, Fábio, e à minha cunhada, Viviane, pelo carinho e apoio e por meu darem

sobrinhos tão lindos, Lívia e Arthur, que me alegram tanto.

À minha querida professora Tatiana Zylberberg, minha orientadora, amiga, conselheira, a

quem eu carinhosamente batizei de mãe, pela humanidade em pessoa, pela sensibilidade, pela

atenção, pela dedicação para com a educação, por me fazer perceber que ser professor é

possível e encantador. Por me acompanhar, acreditar em mim, por me dar forças nas minhas

crises e por me fazer acreditar que um mundo mais humano é possível.

Ao querido professor Cavalcante Jr., co-orientador, amigo, mestre, conselheiro, a quem eu

admiro e chamo de padrinho, pela escuta, pela confiança, pela sensibilidade, pela fraternidade,

pela integridade, pelo humanismo. Por estar perto e pelo apoio na minha vida estudantil.

Ao professor doutor Osmar Gonçalves, membro da minha banca, pelas contribuições para

melhoria do trabalho, pela dedicação, pela leitura e pelas palavras sensíveis dedicadas.

Ao professor doutor Wagner Wey Moreira, pelo carinho de se prontificar a ler minha

monografia em dois dias e dar sugestões e palavras tão carinhosas e animadoras.

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À turma de Licenciatura em Educação Física do IEFES/UFC (Instituto de Educação Física e

Esportes da Universidade Federal do Ceará) 2012.1, a quem eu tenho orgulho de dizer que fui

monitor e que sempre me trataram com muito respeito, carinho e gratidão. Pela gentileza e

alegria de aceitarem fazer parte do meu trabalho.

À minha adorável turma de faculdade, Licenciatura/Bacharelado Educação Física UFC 2009,

a quem gentilmente eu tenho um carinho especial, diferente e amoroso por cada um. Por me

tratarem tão bem do jeito que sou, por me fazerem sentir a alegria de estar junto de vocês. Por

me fazer sentir orgulho de dizer que sou dessa turma e por me proporcionarem momentos

inesquecíveis de amizade, companheirismo, felicidade e gratidão. Em especial aos amigos

Julio, Lourenço (Lóló), Renêe (Francisquin), Robson (Róró), Rodolfo (Dolfim) e às amigas,

Ana Carla (Lulu), Andressa, Carla Coelho (Carlinha), Karen (T-Rex), LuiZa e Sara (Sarinha).

Ao meu grande e caloroso amigo Fidel Machado, pela parceria de amizade tão linda, pelo

carinho, por estar junto de alguma forma, pelas ajudas, pela confiança, pelas palavras

pertinentes e afagadoras de amor, apoio e respeito, por acreditar que eu sou lindo e afins.

Aos professores e às professoras do IEFES, pelo aprendizado, por me tratarem tão bem. Em

especial ao carinho dos professores Leandro Masuda, Marcos Campos, Adriana, Lorena,

Edson, Eleni e Lima.

Aos funcionários, funcionárias, servidores, técnicos(as) administrativos e técnicos(as)

esportivos do IEFES, pelo acolhimento, dedicação e carinho nos momentos que precisei.

Às várias amizades que fiz pelo IEFES e pela UFC.

Aos amigos do Ensino Médio e da Licenciatura em Matemática do CEFET-CE (minha

segunda casa durante 10 anos), pela felicidade de ter o carinho de suas amizades até hoje.

Às amigas do curso de Licenciatura em Letras/Espanhol, Katarinna e Camila.

Aos amigos e às amigas de aventura, Amanda, Márcio, Joislan, Twany, Jessica, Wanderlan,

Vanessa, Sara, Anderson, Cristiano e Graciliano.

Aos amigos e às amigas que fiz pelas minhas andanças pelo mundo e que contribuíram e

contribuem de alguma forma para o ser humano que sou.

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SUMÁRIO

O MEU CARINHO...................................................................................................................03

O MEU ABRAÇO....................................................................................................................04

QUE HISTÓRIA É ESSA DE CIÊNCIA E ARTE?................................................................07

1. A BUSCA ........................................................................................................................ 11

2. A DESESTABILIZAÇÃO ACADÊMICA: A DESCOBERTA DE JOSÉ ........................ 15

3. O MERGULHO ACADÊMICO DE JOSÉ ....................................................................... 18

4. A DESCOBERTA DE NOVAS POSSIBILIDADES........................................................ 23

5. O ENCONTRO COM SENSINÓPOLIS .......................................................................... 28

6. O ENCONTRO COM A ARTE E O SABER SENSÍVEL ................................................ 31

7. O (RE)CANTO DA POIESIS .......................................................................................... 41

8. ALÉM DAS QUADRAS POLIESPORTIVAS................................................................. 48

9. NAS E PELAS PISTAS DOS INDÍCIOS ........................................................................ 61

10. A AVENTURA PELOS DADOS VISUAIS.....................................................................72

11. A JORNADA ................................................................................................................. 78

INSPIRAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 87

POR DENTRO DA HISTÓRIA DE JOSÉ..............................................................................91

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7

QUE HISTÓRIA É ESSA DE

CIÊNCIA E ARTE

Eu só faço travessuras com palavras.

Não sei nem me pular quanto mais obstáculos

(Manuel de Barros, 2010)

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Quando escolhi como tema do meu trabalho de conclusão curso o saber sensível

foi me posto o seguinte desafio: fazer esse trabalho todo no sensível! ―Ãh?!‖ – foi a primeira

interjeição que veio na minha cabeça. ―Como assim fazer um trabalho todo no sensível?‖ – foi

uma das minhas perguntas para mim mesmo. A dúvida mais crucial era: ―Como escrever de

forma sensível?‖ Foi nessas inquietudes que descobri o hibridismo possível entre ciência e

arte. Descobri ―a ciência poética ou a poesia cientifica‖ (GIAXA, 2006, p.50) que se revela

em um trabalho monográfico sobre a história de um tal José. História que mistura ficção e

realidade, poesia e prosa, arte e ciência. A história de um menino e o seu percurso pelo saber

sensível.

Daí em diante várias perguntas recorrentes me perturbavam ―Será que posso fugir

do rigor da escrita acadêmica que sempre fui posto na minha formação como licenciado em

Educação Física?‖ ―Mas será que isso é possível para um trabalho de conclusão de curso?‖

Não quis saber, me joguei no desafio e comecei a escrever essa história, mas pouco tempo

depois parei. ―Do que adiantaria continuar esse meu caminho para lá na frente ele ser

rejeitado por não se encaixar nos moldes de um trabalho dito acadêmico baseado em todas

aquelas normas, leis e afins?‖ – era o que me questionava. Mas minha vontade de desconstruir

era grande, de fazer uma coisa diferente que proporcionasse uma escrita e uma leitura leve,

prazerosa e ao mesmo tempo significativa.

Reconheço meu gosto por ler e escrever narrativas, contos, crônicas e poesias

desde meu Ensino Médio no CEFET-CE1. Quando comecei minha primeira graduação, o

curso de Licenciatura em Matemática, também no CEFET-CE, participei de um grupo

literário criado pelos alunos do curso, depois passei pela minha segunda graduação

incompleta, o curso de Licenciatura em Letras/Espanhol na Universidade Estadual do Ceará

(UECE), e foi muito difícil chegar à Licenciatura em Educação Física e ter esse meu gosto

sendo abduzido... parecia ter que me acostumar, quase que exclusivamente, com a leitura e a

escrita acadêmica proposta pela comunidade científica. Aqueles textos, apesar de densos e

importantes, eram muitas vezes chatos, entediantes, sem graça, eram escritos quase sempre da

mesma forma, do mesmo modelo, com os mesmos métodos, com os mesmo princípios, na

mesma ordem. Com relação à minha escrita eu me sentia como Giaxa (2006):

Escrever se tornou uma tarefa maçante, devo dizer, árdua. O que eu fazia,

normalmente, era copiar palavras, textos e ideias daqueles todos que, antes de mim,

1 Antigo Centro Federal de Educação e Tecnologia do Ceará. Hoje se chama Instituto Federal de Educação,

Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE).

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pensavam. Memorizar conceitos e reproduzi-los com fidelidade era garantia de aprovação. Sendo assim, era o que me restava. E nesse processo que, hoje, considero

quase que ―emburrecedor‖, fui, aos poucos, desaprendendo a escrever e deixando

que escapassem as minhas ideias, passageiras como nuvens nada densas, que se

desfaziam em sonho distante. Por medo, insegurança ou por não acreditar em

minhas palavras - talvez românticas em excesso - os registros de toda a

efervescência das experiências vivenciadas nos tempos de faculdade, as questões

mais mirabolantes sobre o tempo, o amor e tantas outras curiosidades que me

acompanhavam nessa época, não foram registradas, ou melhor, foram registradas em

papel nenhum, como memórias sem valor (p.42).

Escrever sobre nossos sentimentos, desejos, memórias e até sobre assuntos

acadêmicos de forma livre, autônoma e criativa aconteceram de forma muito esporádica na

minha formação em Licenciatura em Educação Física. Na maior parte da minha trajetória tive

que me adequar ao que a comunidade científica exigia e sempre achei que aquele era o único

jeito aceitável de se fazer ciência. Felizmente descobri que não era.

Em das reuniões com minha orientadora e com meu co-orientador eu falei dessa

minha angústia, de saber que eu não poderia sempre escrever livre, de qualquer jeito. Era

claro que tinha vontade de escrever ciência, afinal eu estava numa Universidade, que eu tinha

que me adequar ao rigor científico, mas que isso fosse paralelo a uma escrita pudesse ser feita

de outras formas, que tivesse a minha voz, o meu eu, a minha personalidade e que fosse

fluida, leve, sensível. Para minha surpresa e alegria o meu co-orientador me mostrou que era

possível. Fazer arte e ciência no mesmo contexto, escrever de forma criativa e poética no

mundo acadêmico e científico era possível. Ele me falou que existiam trabalhos, na maioria

em inglês, que relatavam experiências dessa escrita acadêmica poética (BRADY, 2004);

(BUTLER-KISBER, 2002); (CAHNMANN, 2003); (CANCIENNE & SNOWBER, 2003);

(FINLEY & KNOWLES, 1995); (PIIRTO, 2002); (SPARKES, 2009); (SPARKES & SMITH,

2011). Foi ai que me senti mais seguro para voltar a escrever a monografia em forma de

história, pois agora tinha um respaldo teórico consistente.

Para o meu encantamento puder ler sobre trabalhos que relatavam experiências

com poesia e escrita criativa na Educação Física e no Desporto. Dentre esses destaco o

trabalho de Sparkes; Nilges; Swan & Dowling (2003) que conta em uma parte do texto a

história vivida pela própria autora Lynda Nilges, que na época era estudante, e relatou a sua

experiência como professora no estágio em Educação Física por meio de representações

poéticas. Lynda produziu 19 poemas e os apresentou como relatório final desse estágio. Ela

conta que escolheu a poesia ―porque a palavra na sua essência significa captar algo profundo e

pessoal que não pôde ser acessado autenticamente nas formas mais tradicionais de análise‖

(p.156). Para Lynda a poesia foi uma forma de expressar o que estava sentindo, de indicar um

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lado do processo de ensino e aprendizagem que é muito pessoal, emocional e vulnerável. Foi

uma forma de tornar mais vivo o processo:

A capacidade reflexiva da poesia de Lynda envolveu os leitores e ouvintes e se

tornou evidente através das reações dos que leram ou ouviram seus poemas. A

primeira pessoa a ver os poemas de Lynda foi seu professor supervisor. Lynda

lembra deste evento distintamente porque ela estava com medo de que ele poderia

pensar que ela tinha feito algo fútil. Ele leu os poemas e com Lynda aprendeu uma

lição. Após a aula, ele se aproximou dela com lágrimas nos olhos e disse: 'Você

realmente fez isso, isso é real, que é a minha escola e sua experiência’. Em seguida,

Lynda apresentou os poemas durante um seminário semanal no campus. Mais uma

vez, ela estava com medo do que poderia ser, de qual reação poderia ter o público quando o coordenador do seminário anunciasse sua apresentação como uma "leitura

de poesia". O público, no entanto, ouviu atentamente a sua leitura dos poemas e riu

somente quando foi apropriado (p.159).

Essa monografia me possibilitou um redescobrir da minha escrita, de possibilitar

um pensar sensível e de um promover um cientista que sente. Nas páginas seguintes você

encontrará um texto que é poético e científico, que é científico e poético, um texto que passeia

pela arte e pela ciência. Um texto que pretendeu na sua essência ser gostoso de ler para o

público em geral não deixando de ser belo. Um texto que, como diz Behar (2003) citado por

Giaxa (2006), possa transpor os limites da academia produzindo formas de comunicação mais

acessíveis tanto no seu formato quanto na sua apresentação e que isso possa gerar também

diálogos coletivos sobre esse processo, assim como compartilhamentos e vivências diversas,

possíveis e relevantes.

Dada essa abertura inicial, de agora em diante você entrará no universo da história

de José, um menino que viveu praticamente toda sua vida formativa pensando que havia um

único jeito de aprender e de ensinar. Por algo do destino (ou não, já que isso ainda não é

consenso na ciência) ele descobriu que outra possibilidade de aprendizagem era possível e,

era possível, para e na formação em Educação Física.

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1.

A BUSCA

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12

Numa manhã de verão ensolarado, na pequena e pacata Racionópolis um

burburinho tomou de conta da cidade. A possível chegada de uma nova professora na

Universidade de Racionópolis (UNIRACIO) era o motivo de tanta algazarra. A UNIRACIO

era o orgulho de Racionópolis e tudo que por lá acontecia virava motivo de prosa entre os

moradores. Mas a algazarra não era porque a professora fosse bonita ou feia, estrangeira ou

não, alta ou baixa, magra ou gorda, deficiente ou não ou fosse apenas mais uma professora

nova na Universidade. O motivo de tanto rebuliço era pelo boato que rondava nas ruas da

cidade: no concurso para professor de Filosofia do curso de Educação Física só havia um

candidato e era uma mulher. A existência dessa possibilidade gerou uma reviravolta na

cidade.

José, um menino do curso de Educação Física da Universidade estava ansioso

pela chegada da nova professora. Vivendo toda sua vida em Racionópolis e carregando a

história de uma sociedade patriarcal na qual a superioridade intelectual masculina prevalecia

sobre a intelectualidade feminina, ele não sabia que existiam mulheres que estudavam e, além

do mais, ensinavam Filosofia. Esse fato aguçava a sua curiosidade e seu interesse em

conhecer aquela pessoa. Justamente nas suas férias a oportunidade apareceu. Passeando pelo

bloco de Educação Física da UNIRACIO, José viu um cartaz que dizia que a candidata para

professora da área de Ciências Humanas em Educação Física da Universidade de

Racionópolis ministraria uma aula pública no dia seguinte como parte da seleção do concurso.

José não pensou duas vezes e abdicou um dia das suas sagradas férias para estar naquela aula.

Finalmente, depois de tanta ansiedade, o dia da tal aula havia chegado. Dentre os

presentes José era o único estudante e chegou para assistir a aula escondendo bem a sua

curiosidade. Um fato que aconteceu antes da aula deixou o menino com calafrios. Quando

caminhava tranquilamente pelo corredor do bloco de Educação Física ele avistou uma mulher

desconhecida passeando pelo corredor e sentiu o coração borbulhar pelo corpo. Era a tal

candidata.

A aula foi uma ―viagem‖ (nos dizeres de José), quase um espetáculo. José saiu da

aula em êxtase diante daquela nova possibilidade de aprender Filosofia. A primeira coisa que

queria fazer era grudar naquela professora (no bom sentido). No corredor, ao final da

apresentação, ela ainda falou alguma coisa com José, mas ele, no auge do seu encantamento,

não se lembrava mais o que era. Mas de uma coisa ele se recordava, que aquele pouco tempo

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e que aquelas breves palavras transmitiram o amor de pessoa que ela era e veio a ser ao longo

dos dias na Universidade. Sim, ela passou no concurso. Não tinha como não passar.

O rebuliço que ela já havia causado antes de chegar à cidade e na UNIRACIO

tomou proporções maiores quando seus dias como professora começaram. Os comentários

sobre suas aulas nos corredores deixavam o menino doido. Ele queria estar lá, mas tinha que

cumprir outras obrigações. José começou então a participar dos projetos que a tal professora

começou a criar com outros professores que ele também admirava e quando havia alguma

brecha ele se metia nas suas aulas e ela com o maior carinho aceitava. A partir dessas

participações José começou a ouvir uma palavra que durante muito tempo soava como

simples, mas que na ―voz‖ daquela professora despertou sua complexidade. A tal palavra era:

sensível. Mais tarde ele ainda descobriu que essa palavra levava para não só um, mas para

infinitos caminhos. Como um convite às possibilidades de aprender.

A vontade de José era percorrer aqueles caminhos com ela e isso começou a se

materializar após a abertura de inscrições para a seleção de bolsistas-monitores das disciplinas

da tal professora. Seu desejo estava próximo. Ele já se imaginava dentro da sala de aula,

experimentando e vivenciando mais de perto tudo aquilo. Mas as coisas ficaram confusas para

o inseguro José. Ele estava receoso porque ele já tinha sido bolsista-monitor da disciplina de

Filosofia e ficava refletindo se deveria e se podia ser bolsista da mesma disciplina mais uma

vez. Porém, para sua alegria, ele soube, dias depois, que a seleção não era para apenas uma

disciplina, mas para as disciplinas de Ciências Humanas em Educação Física e que ele

poderia concorrer à seleção. Mas como nada na vida de José foi fácil ele se viu suspenso

numa corda bamba. Na mesma época para a seleção de bolsista-monitor da tal professora ele

também estava concorrendo à outra modalidade de bolsa dentro do curso: um projeto que

trabalhava com formação inicial em Educação Física e que se mostrava como outra fonte rica

de aprendizagem para a sua formação acadêmica. O menino estava aflito nessa corda bamba e

pensando para que lado deveria deixar-se cair. Ele não queria ter que escolher entre um e

outro. A escolha era muito difícil para aquele menino indeciso e inseguro, mas uma coisa

incrível aconteceu nessa corda bamba: superando todas as leis da Física José acabou caindo

para os dois lados. Ele foi contemplado com a bolsa remunerada do projeto de formação

inicial e decidiu ficar como bolsista-monitor voluntário da professora rebuliçosa. Seu desejo

seria realizado: iria estar nas aulas da professora e não apenas como aluno ouvinte. Ele seria

um dos monitores! Viveria a docência junto com ela!

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14

Depois de passar por duas graduações incompletas, Licenciatura em Matemática e

Licenciatura em Letras/Espanhol, José estava pela primeira vez prestes a completar um ciclo

acadêmico dentro da Universidade. Estava chegando ao fim a jornada de quatro anos dentro

da sua terceira graduação: o curso de Licenciatura em Educação Física.

José sempre admirou a profissão de ser professor. Uma das suas tristezas na vida

foi saber que sua mãe, por percalços da vida, havia desistido da profissão. O menino sentia

orgulho de dizer que queria ser um professor e ia mais além: ele dizia que queria ser um

educador.

José comentava nas conversas por ai que todos nós não somos educadores, mas

temos o potencial para sermos, assim como o professor tem o potencial de ser um educador.

Acontece do professor não ser um educador quando ele apenas se preocupa, tão e somente só,

em ministrar suas aulas, em transmitir os conhecimentos que ele julga necessário, em entrar e

sair da sala pregando o mesmo discurso e não se preocupando com a formação integral do ser

humano, com as relações educacionais que os estudantes estabelecem na família e na

sociedade. Alves (2000, p.19) ensinou a José que ―De educadores para professores realizamos

o salto de pessoa para função‖.

O educador caminha junto com os estudantes amplificando a transformação do

outro e de si mesmo, caminha como um mediador na relação de ensino-aprendizagem. Ele

não vai para a escola para mais um dia de aula e não vê, por exemplo, o erro apenas como um

erro, mas um sinal para encontrar outras possibilidades de acertar no processo de

aprendizagem.

Neste longo percurso José finalmente havia encontrado sua paixão: a Educação

Física. Ele não queria terminar o curso por terminar. Seu desejo era que seu trabalho de

conclusão de curso não fosse significativo só para ele ou para o curso, mas que fosse para a

sociedade e a cidade, ou quiçá para o país e para o mundo. José era humilde, não estava

deslumbrado, mas ele queria que seu trabalho fosse importante para a valorização da

Educação, em especial da Educação Física, dos estudantes e dos professores-educadores.

Como já dito, José estava prestes a se formar um professor-educador ciente da relevância da

educação numa sociedade que deseja a equidade e a redução das desigualdades sociais. O que

ele não esperava e nem imaginava era que com a chegada daquela professora no curso de

Educação Física da UNIRACIO e o fato dele ter sido bolsista-monitor das disciplinas dela iria

possibilitar outros caminhos para o percurso final da sua história.

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15

2.

A

ACADÊMICA:

A DESCOBERTA DE JOSÉ

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16

No ano de 2012, antes de começar o penúltimo semestre do curso de Licenciatura

em Educação Física, José tinha um ―certo‖ projeto de conclusão de curso. Sua ideia era

trabalhar com Mídias e Educação Física. O menino carrapato tinha passado as férias fazendo

cursos de cinema numa ONG da cidade e saiu de lá com o desejo fixo de utilizar recursos

audiovisuais na Educação Física, mas não sabia o que especificamente, nem como. Além

disso, o indeciso José tinha outra dúvida. Ele não sabia quem queria para ser seu(ua)

orientador(a). Ele sabia que a nova professora de Ciências Humanas, que a propósito se

chamava Céu ,também trabalhava com mídia, mas antes da chegada dela ele vislumbrava ser

orientado pelo professor Amarillo, a quem ele tinha um tremendo carinho, admiração e em

quem se espelhava para seus anseios futuros como educador. José pensava até na

possibilidade de ser orientado pelos dois.

Em mais um dia qualquer da Universidade José participou de uma reunião com a

professora Céu e com o professor Amarillo. Estavam presentes também todos os estudantes

que desejavam ser orientados por algum deles dois. E José nas suas viagens sendo o único que

queria ser orientado pelos dois. Essa reunião também fazia parte do laboratório que esses dois

professores haviam criado: LEPSER – Laboratório de Estudos das Possibilidades de Ser2.

Começada a reunião, cada estudante falou sobre os assuntos que tinham interesse de

pesquisar, os professores ouviam atentamente e davam sugestões, assim como os outros

estudantes também opinavam. José falou sobre seu interesse por Mídia e Educação Física,

pensava em trabalhar com isso fazendo um documentário sobre como era a Educação Física

nas melhores escolas públicas do Ceará. A professora Céu indicou vários textos e livros,

enquanto que o professor Amarillo sugeriu que fizesse apenas com uma escola. Ao final da

reunião José falou para os professores que não sabia ainda quem escolher para lhe orientar no

projeto de trabalho de conclusão de curso. Ele desejava que fosse a professora Céu, mas

também não queria deixar de ouvir os ensinamentos do mestre Amarillo. Eis que uma

surpresa surgiu para José. O professor sugeriu que José fosse orientado pelos professores do

laboratório, que naquela época eram apenas eles dois. José ficou todo serelepe. Depois ele

descobriu que o nome que se dá para isso é orientação e co-orientação, mas ele não queria

nem saber. Ele queria era estar juntinho daqueles dois. Por questões mais burocráticas, por um

desejo maior de José e pelo tema ser mais da sua área, a professora ficou como sua

orientadora oficial.

2 lepser.wordpress.com.br

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17

José começou a ler as teses, as dissertações e os livros que falavam de Mídia e

Educação Física e ficou um tanto quanto surpreso. Existia uma infinidade de possibilidades

para realizar trabalhos nessa área que ele nem imaginava que existiam. Eram trabalhos de

crítica em relação à mídia esportiva, de produções dentro da Educação Física por intermédio

dos meios audiovisuais, intervenções na escola com mídia-educação, pesquisas sobre

fotografia e vídeos. Dentre essa vasta possibilidade seu interesse maior era de utilizar os

meios audiovisuais como possibilidade de formação e aprendizagem na docência em

Educação Física. Além disso, ele descobriu que em uma Universidade no sul do país havia

um laboratório que trabalhava com essa área de Mídia e Educação Física. O menino estava

empolgado, porém os ventos da vida tomaram outras direções e junto com isso aconteceu a

mudança de tema da pesquisa de José. Outras coisas começaram a lhe afetar e ele mudou sua

empolgação para algo que vinha marcando sua formação e que ele ainda não estava se dando

conta. Sabe o sensível? Pois bem, começou a mexer demais com o garoto, a ponto de

conquistar de vez o menino José.

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18

3.

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19

Em mais um dia de reunião entre o professor Amarillo, a professora Céu e seus

orientandos, o professor sugeriu que José que lesse o livro ―O valor do conhecimento tácito‖,

cujo autor, Cláudio Saiani, relatava a epistemologia de Michael Polanyi para a escola:

Polanyi afirma que sabemos mais do que podemos relatar. Esse fato pode ser

ilustrado pela metáfora do iceberg. A parte visível assemelha-se ao conhecimento

que pode ser descrito, o conhecimento explícito. A parte submersa é o conhecimento

tácito, com ―volume‖ bem maior do que o da parte visível (SAIANI, 2004, p.101).

Mesmo vivendo em Racionópolis José brincava de fazer poesia. Quando ele fazia

o curso de Licenciatura em Matemática ele teve um professor de Português, no primeiro

semestre, que ministrava a disciplina de Produção de Textos Acadêmicos, mas estimulava os

estudantes a escreverem sobre tudo, mesmo num curso popularmente conhecido como da área

das exatas. José então começou a escrever contos, crônicas, poemas, além dos textos

acadêmicos. O professor adorava e estimulava que José continuasse produzindo. E ele, cada

vez mais, se sentia bem ao escrever sobre o que tinha vontade.

Educação Física, qual o seu iceberg?

Sabendo que existe o invisível,

Todos nós somos tácitos.

Que ácido!

Achar que o movimento é apenas aquele visível.

Que ácido!

Achar que o corpo se resume ao que está explícito.

Movimento. Encantamento. Deslumbramento.

Sou corpo.

Não apenas biomecânico, cinesiológico...

Sou corpo.

Sou biológico, filosófico, antropológico, psicológico, sociológico...

Sou movimento.

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20

Não apenas no exercício, na fisiologia, na especialização técnica, na bola.

Sou movimento.

No ócio, na alegria, na emoção poética, na memória.

Sentir com a mente.

Mover com o corpo.

Mover com a mente

Sentir com o corpo.

Integrar e construir.

Não delimitar e destruir.

Sem (pre)conceitos.

Não ao corpo mecanizado!

Não ao corpo adestrado!

Educação Física, qual o seu iceberg?

É viver todo esse gelo.

É ser transcendente.

É ser humano, pleno.

É ser corpo total.

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21

Numa outra reunião, agora sozinho com a sua professora-orientadora Céu, José

falou de seu encantamento pelos trabalhos de Mídia e Educação Física, falou também como

ficou maravilhado com as ideias do livro que o professor Amarillo lhe tinha sugerido e que

não sabia se devia juntar os dois temas ou se tinha que escolher um. A professora começou a

lhe falar sobre o saber sensível, que estava conectado com esse conhecimento tácito e sugeriu

que José pensasse sobre sua trajetória acadêmica, que escrevesse em palavras aquilo que o

―movia‖ como ser existente no mundo e que depois conversasse novamente com o professor

Amarillo. José achou aquela orientação meio estranha, mas resolveu seguir. Voltou para casa

e começou a rever sua vida acadêmica dentro do curso de Licenciatura em Educação Física da

UNIRACIO. José tinha um caderno só para os assuntos da monografia e quando estava

escrevendo sobre o que lhe movia como ser humano tomou um baita susto ao rever as páginas

do caderno e perceber a seguinte inscrição no meio daquelas anotações sobre Mídia e

Educação Física: SENSÍVEL + INTELIGÍVEL. Ele não se lembrava em que contexto tinha

anotado aquilo, mas a ficha tinha caído, uma luz brotou pelos cabelos cacheados de José, ele

parecia ter se encontrado e pensou que naquele momento ele queria fechar seu ciclo com

aquilo que fosse mais representativo na sua trajetória dentro do curso e dentro da

Universidade. E essa representação estava estampada em tornar possível a incorporação do

saber sensível (corporal) junto do saber inteligível (racional) na formação dos estudantes de

Educação Física da UNIRACIO. Conversando com seus orientadores eles lhe aconselharam a

não falar histórica e profundamente do saber inteligível. O momento era de dar vez e voz ao

saber sensível. Esse saber inteligível e racional já foi abordado desde a Idade Moderna. Agora

era preciso dar importância também ao saber sensível. E um grande desafio foi proposto para

José.

– Por que não fazer a sua monografia toda no sensível? Por que não escrever de

forma poética um texto acadêmico? Por que não colher dados de forma poética numa pesquisa

científica? - falou o professor Amarillo.

– Monografia toda no sensível? Monografia em forma poética? Como assim? E

isso pode? Vou ser reprovado não? – José ficou se remoendo com seus pensamentos.

O desafio parecia grande, mas escrever uma monografia com essa possibilidade

poética trazia uma admiração para José, primeiro pelo diferente, segundo pela desconstrução

de um certo rigor científico e terceiro pela possibilidade de escrever um texto acadêmico que

ele achava, que por ser poético, seria mais leve de ser se lido.

– Além disso, - disse a professora Céu - você, que é meu monitor da turma que

entrou no semestre 2012.1 para o curso de Licenciatura em Educação Física, pode aproveitar

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seus registros audiovisuais (filmagens e fotos) das aulas para se apropriar da abordagem do

Paradigma Indiciário e caminhar a sua metodologia na busca de indícios de uma formação

estética perpassada pelo saber sensível.

– Então utilizarei uma metodologia que use o audiovisual? Que show de bola.

Procurar indícios para o que eu pesquiso por meio das fotografias e das filmagens? Gostei

dessa ideia.

José adorou o desafio. A chegada da professora Céu, sua união com o professor

Amarillo, os projetos e a monitoria fizeram com que o saber sensível pegasse o José de jeito e

ele fez disso a sua história final dentro do curso de Licenciatura em Educação Física da

UNIRACIO.

Desinventar objetos. O pente, por exemplo. Dar ao

pente funções de não pentear. Até que ele fique à

disposição de ser uma begônia. Ou uma gravanha.

Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma.

(Manuel de Barros, 2000)

Desinventar a ciência? Dar à ciência a função de não cienciar?

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4.

A DESCOBERTA

DE

NOVAS

POSSIBILIDADES

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Depois de ter definido o que iria falar na sua monografia, José procurou os seus

dois professores orientadores para pedir indicações de livros que elucidassem sobre o saber

sensível. Eles, surpreendentemente, não lhe indicaram nenhum. O professor Amarillo

aconselhou que José procurasse à Dona Bergante na Biblioteca Central Cartesiana (BCC) da

Universidade de Racionópolis. José achou aquilo muito estranho e se perguntava o que ele,

que está estudando sobre o saber sensível iria fazer na Biblioteca Central Cartesiana da

UNIRACIO. No entanto, como um fiel escudeiro daqueles dois professores e com uma total

confiança neles, ele seguiu o conselho do professor. No dia seguinte lá estava José na

biblioteca, todo receoso. Ele nunca tinha entrado naquela biblioteca que só tinha duas cores

em toda a sua pintura: cinza e branca. Algumas regras regiam a biblioteca e seu

descumprimento poderia ocasionar penas severas. Não era permitido, por exemplo, entrar

com mochila, comida e água.

Logo na entrada José foi recepcionado com um ―o que você deseja‖ não muito

simpático da bibliotecária e ele respondeu gentilmente ―bom dia pra senhora também‖ e

recebeu como resposta um sorriso amarelo sem graça. Ele se recordou que raramente tinha

encontrado bibliotecários(as) simpáticos(as) e se perguntava o porquê disso, já que aquela

profissão fazia com que eles vivessem rodeados de livros e tomassem conta da casa deles. O

menino falou que estava à procura da Dona Bergante. A bibliotecária mandou José deixar sua

mochila no guarda-volumes e disse apenas que a Dona Bergante se encontrava no 2º andar.

Ele entrou e viu uma imensidão de livros, todos bem organizados, separados por assunto e

vários avisos de silêncio. Numa sala separada alguns estudantes faziam suas pesquisas em

computadores. Numa outra sala alguns conversavam. E numa seguinte outros se debruçavam

sobre as mesas como se estivessem devorando os livros. José se sentiu acuado. Por dentro, a

biblioteca também era sem cores, os muros internos tinham o mesmo cinza e branco da

fachada externa. Depois desse contato visual José subiu logo as escadas. Curioso, queria saber

quem era essa tal de Dona Bergante e porque o professor Amarillo tinha dito para procurá-la.

Chegando no 2º e último andar da biblioteca ele foi até a recepção e não encontrou ninguém,

aquilo tudo estava muito estranho e ele se perguntava o que estava fazendo ali. Chegou até

pensar que o professor Amarillo, aquele homem sério, sereno, elegante, lhe tivesse feito

alguma pegadinha, mas eis que uma mão serena toca nos seus ombros:

– Você que é o José? O rapaz do saber sensível e orientando do professor

Amarillo? - perguntou uma senhora.

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José estava assustado. Ele ficou na dúvida em responder se sim ou se não. Aquela

senhora, com a voz tão leve e um jeito tão meigo não podia ser mais uma daquelas

bibliotecárias chatas, pensou ele. Resolveu arriscar.

– Sim, me chamo José. Estou estudando sobre o saber sensível e sou orientando

da professora Céu e do professor Amarillo.

– Sei, sei. Pois, seja bem-vindo, meu filho. Pessoas como você, que se interessam

por esse assunto são raras aqui na Biblioteca Central Cartesiana.

José se tranquilizou. O fato daquela senhora o ter chamado de ―meu filho‖ o

deixava mais aliviado. Auspicioso que era e se lembrando do filme Matrix, ele soltou a

seguinte pergunta:

– A senhora é algum tipo de oráculo? Como sabia que eu era o José?

Ela riu, pediu que José a seguisse e que estivesse aberto para as possibilidades que

ia encontrar. Sem obter nenhuma resposta direta, José a seguiu, ainda um pouco assustado.

Eles chegaram à última prateleira de livros do 2º andar da biblioteca e José viu algo mágico,

algo que ele só tinha visto antes nos filmes. Aquela velha e simpática senhora puxou um livro

da prateleira e uma passagem secreta se abriu ao meio com um caminho para outro espaço.

Ele ficou fascinado. A porta dava entrada para algo que se parecia com outra biblioteca. Era

um lugar com um colorido reluzente e animador, cheio de desenhos e frases. Uma frase na

parte superior da porta chamou logo a atenção e intrigou José.

– Fique a vontade e usufrua da melhor maneira este lugar que eu guardo e

preservo por tanto tempo aqui dentro da Biblioteca Central Cartesiana.

Dona Bergante contou que sempre, com muito cuidado para não ser descoberta,

tentava levar alguns estudantes da UNIRACIO ou algum morador de Racionópolis para o

encantamento daquele lugar secreto. A felicidade dela era ver o deslumbramento das pessoas

com aquela outra possibilidade que se apresentava e que existia.

Ao adentrar naquela porta José viu realmente outra biblioteca, outro mundo diante

dos seus olhos. Aquele vasto corredor continha milhares de livros, dispostos em prateleiras

coloridas e espiraladas. José achou o máximo. Cada cor de prateleira representava o assunto

geral de que se tratavam aqueles livros. As paredes não eram apenas cinzas e brancas,

existiam cores, quadros de pinturas, desenhos feitos pelos visitantes, grafites, não apenas para

serem contemplados, mas para que os visitantes pudessem produzi-los ali mesmo, ao vivo.

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Aquele lugar secreto era integrado de ambientes diversos. Tinham mesas, cadeiras

e computadores, num mesmo espaço existiam poltronas e almofadas gigantes. De qualquer

ambiente era possível ouvir uma boa música e produzir arte de toda maneira. José apelidou o

lugar de ―ateliê da sensibilidade‖. Ele estava sozinho naquele lugar e depois de fazer o

reconhecimento do local foi aos poucos sendo chamado pelos livros. José aproximou-se

desses livros que o chamavam, que estavam na prateleira verde, sentou-se em uma das

almofadas gigantes e começou a se deliciar com um deles. As horas se passaram e José não

tinha percebido. Era preciso se despedir daquele encantador lugar secreto e voltar à

Universidade de Racionópolis. José agradeceu a gentileza de Dona Bergante e se despediu. A

senhora lhe desejou que fizesse um bom trabalho e que voltasse sempre, mas que tivesse

cuidado em Racionópolis, pois as pessoas não poderiam saber que ele estava lendo os livros

proibidos da cidade e que, além disso, estava produzindo um trabalho sobre o saber sensível.

José ficou mais uma vez assustado, mas estava movido pelas nuvens. Nunca

tinha imaginado que pudesse existir um lugar daquele jeito em Racionópolis. Era preciso

contar para seus orientadores o que tinha acontecido. No dia seguinte, ele os encontrou e a

primeira coisa que fez foi contar tudo que tinha acontecido na Biblioteca Central Cartesiana.

José contou tudo de forma estonteante. A empolgação foi tanta que ele até esqueceu de dar

bom dia. O professor Amarillo e a professora Céu se deliciavam e sorriam com o jeito de

José.

– Agora era preciso se encantar com os livros, transpirar e escrever de forma

autoral sobre o saber sensível - falaram os professores-orientadores.

José voltava constantemente ao lugar secreto daquela biblioteca para fazer as suas

leituras. Durante mais de um mês José ficou rodando o mundo daqueles livros e a cada leitura

era como se ele conversasse com os autores. Daquele lugar mágico ainda iria aparecer grandes

descobertas. Seus orientadores sugeriram que, passadas as leituras, José começasse a escrever

sobre tudo aquilo, que começasse a escrever sobre o sensível, mas que isso deveria acontecer

em outro lugar guardado por Dona Bergante. José achou aquilo novamente estranho, porém,

mais uma vez, resolveu confiar e seguir os conselhos de seu mestre e da sua mestra. No dia

seguinte, lá se foi ele, com as leituras e a curiosidade de saber o que mais aquele lugar iria lhe

proporcionar.

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5. O ENCONTRO

COM

SSEENNSSIINNÓÓPPOOLLIISS

Nosso conhecimento não era de estudar em livros.

Era de pegar de apalpar de ouvir e de outros sentidos.

Seria um saber primordial?

Nossas palavras se ajuntavam uma na outra por amor

e não por sintaxe. A gente queria o arpejo. O canto. O gorjeio das palavras.

Um dia tentamos até de fazer um cruzamento de árvores

com passarinhos

para obter gorjeios em nossa palavras.

Não obtivemos.

Estamos esperando até hoje.

Mas bem ficamos sabendo que é também das percepções

primárias que nascem arpejos e canções e gorjeios.

Porém naquela altura a gente gostava mais das palavras

desbocadas.

Tipo assim: Eu queria pegar na bunda do vento. O pai disse que vento não tem bunda.

Pelo que ficamos frustrados.

Mas o pai apoiava a nossa maneira de desver o mundo

que era a nossa maneira de sair do enfado.

(Manuel de Barros, 2010)

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– Seja bem-vindo novamente, meu filho. Agora você vai entrar num outro

universo desse lugar secreto. E para isso você deverá estar vendado - disse Dona Bergante.

José adorava quando aquela doce senhora o chamava de seu filho. Tão grande já

era a confiança dele por ela que deixou ser vendado e levado tranquilamente. O lugar só era

visitado por pessoas selecionadas, por isso a necessidade das vendas, para ninguém saber,

inicialmente, como se chegava naquele local maravilhoso. Muitas pessoas de Racionópolis

ainda não podiam saber ou ainda não estavam preparadas para saber da existência dele.

Como num outro truque que só se ver em filmes Dona Bergante escreveu algumas

palavras em uma prateleira e uma porta apareceu entre as prateleiras verde e amarela. Ela

abriu a porta com a única chave que existia daquele lugar e do qual ela era a detentora. Depois

conduziu José até dentro do lugar, pediu para ele contar lentamente até dez e disse que depois

ele poderia tirar a venda. No exato momento em que terminou a contagem, José ouviu a

batida da porta se fechando, tirou a venda e se viu sozinho naquele lugar. A beleza lhe entrou

aos olhos. Não parecia um lugar qualquer, parecia uma nova cidade. E era. Começou a andar

lentamente, viu várias pequenas ruas e já estava totalmente certo que estava numa nova

cidade, mas não sabia como. Um lugar colorido como aquela biblioteca e que revelava muito

cuidado. Tinham quadros, desenhos, pinturas e grafites pintados nas paredes, esculturas pelas

ruas, não havia muros e as casas eram de diferentes formas e cores. No pensamento de José

parecia um grande ateliê ou uma cidade ateliê, como ele chegou a dizer. E não demorou muito

para José saber onde estava. Ele andou mais alguns metros e viu uma placa com alguns

dizeres e abaixo estava escrito algo em letras menores:

“BEM-VINDO A SENSINÓPOLIS”

Sem dúvida, há um saber sensível, inelutável, primitivo, fundador de todos

os demais conhecimentos, por mais abstratos que estes sejam; um saber

direto, corporal, anterior às representações simbólicas que permitem os

nossos processos de raciocínio e reflexão. E será para essa sabedoria

primordial que deveremos voltar a atenção se quisermos refletir acerca das

bases sobre as quais repousam todo e qualquer processo educacional, por

mais especializado que ele se mostre (DUARTE JR., 2010, p.12).

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José estava no lugar certo para o seu estudo sobre o saber sensível. Continuou

andando por aquela tranquila cidade e observando detalhes tácitos. Dentre eles os escritos de

Duarte Jr. (2010) o chamavam à atenção. Ele gostou de algo que viu de longe, em alusão ao

ditado ―quando a cabeça não pensa o corpo padece‖ e dizia ―quando só a cabeça pensa o

corpo fenece‖ (p.125). José achou a frase interessante e despertado pela curiosidade foi se

aproximando daquela inscrição, logo em seguida encontrou duas outras frases que falavam de

um saber que vinha do corpo:

Assim, ao saber detido pelo corpo o

homem moderno não costuma emprestar

prestígio, sequer lhe dando, no mais das

vezes, a devida atenção e

reconhecimento. No entanto, grande

parte de nosso agir cotidiano

fundamenta-se nesse saber corporal

básico, primitivo em sua origem, mas

com enorme potencial para ser

desenvolvido e lapidado, ou seja,

educado (DUARTE JR., 2010, p.125).

Inelutavelmente, há um saber detido

por nosso corpo, que permanece

íntegro em si mesmo e irredutível a

simplificações e esquematizações

cerebrais. O corpo conhece o mundo

antes de podermos reduzi-lo a

conceitos e esquemas abstratos

próprios de nossos processos mentais

(DUARTE JR., 2010, p.126).

José então pôs a se perguntar que saber é esse detido pelo corpo? Por que durante

todo nosso dia e em todo o nosso cotidiano agimos através do corpo e nos ambientes

educacionais sofremos uma paralisação dos corpos? E se o corpo conhece o mundo antes de

reduzi-lo a conceitos abstratos e mentais, porque ainda pensamos uma educação sem o corpo,

como se existisse tão somente a razão? Corpos sentados para pensar apenas racionalmente,

simplificadamente e reducionalmente. Quando José fala em educação sem o corpo, fala de

uma educação que não leva em consideração os saberes transbordados pelo corpo. Saberes

emanados de um corpo que sente, que age, que move, que vive, que representa, mas que não

se apresenta, que não fala e que não é visto como uma forma de conhecimento. Conhecimento

de si, dos outros, de conteúdos, de vida. Aprender com e pelo corpo também é um

aprendizado. É possível pensar com o corpo, não somente com a mente e através disso não

mais reduzir, mas ampliar as possibilidades de aprendizagem na educação.

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6.

O ENCONTRO COM

A ARTE

E

O SABER

SENSÍVEL

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32

José já tinha lido aquelas frases no livro de Duarte Jr., mas achava bonito lê-las

novamente naquele local. Pareciam ter outro sentido! Aliás, depois de ter lido as frases, ele

percebeu que a casa onde estavam àqueles escritos era pra lá de interessante. Ela era no

formato que parecia um trapézio, cheia de janelas e portas, tinha um jardim lindo em todo

contorno, flores brotavam dos telhados. Movido mais uma vez pela curiosidade, José foi se

aproximando daquele recinto e ao chegar perto tomou um grande susto.

– Bom dia!!!! - gritou uma voz estonteante de um moço que apareceu subitamente

na janela.

– Bom dia! - respondeu José dando alguns passos para trás.

– Pode entrar a porta está aberta.

Ainda mais curioso para saber como era aquela casa por dentro, José aceitou o

convite. A casa por dentro era ainda mais apreciativa. Era do jeito que José imaginava a sua

futura casa. Era um grande vão aberto com uma cozinha ao fundo, os quartos e banheiros nos

lados. Ao mesmo tempo, não exista dentro e fora, esquerda ou direita. O vão era repleto de

almofadas. A casa era toda bem decorada, com lindos detalhes.

– Fique a vontade.

Falou aquele rapaz e se retirou. José se sentou em uma das poltronas e continuou

prestando mais atenção naquela casa. Ele adorava ser um observador. No teto percebeu outra

frase que lhe chamou a atenção:

Assim, parece pertinente estabelecer-se uma distinção entre o inteligível e o

sensível, ou, em outras palavras, entre o conhecer e o saber. O inteligível consistindo

em todo aquele conhecimento capaz de ser articulado abstratamente por nosso

cérebro através de signos eminentemente lógicos e racionais, como as palavras, os

números e os símbolos da química, por exemplo; e o sensível dizendo respeito à

sabedoria detida pelo corpo humano e manifestada em situações as mais variadas,

tais como o equilíbrio que nos permite andar de bicicleta, o movimento harmônico

das mãos ao fazerem soar diferentes ritmos num instrumento de percussão, o passe

preciso de um jogador de futebol que coloca, com os pés, a bola no peito de um

companheiro a trinta metros de distância, ou ainda a recusa do estômago a aceitar um alimento deteriorado com base nas informações odoríficas captadas pelo nosso

olfato. Conhecer, então, é coisa apenas mental, intelectual, ao passo que o saber

reside também na carne, no organismo em sua totalidade, numa união de corpo e

mente. Neste sentido, manifesta-se o parentesco consangüíneo do saber com o sabor:

saber implica em saborear elementos do mundo e incorporá-los a nós (ou seja, trazê-

los ao corpo, para que dele passem a fazer parte) (DUARTE JR., 2010, p.127).

Quando José tentava ler as outras coisas, foi interrompido pelo moço que lhe

trouxe uma xícara de café.

– Olá! Eu me chamo Valentin.

José tomou um pouco do café e respondeu:

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– Eu me chamo José e estou fascinado por essa cidade. E me desculpe a

intromissão, mas você é algum fã de Duarte Jr.?

Valentin deu uma tremenda gargalhada e respondeu.

– Aaaah... Sensinópolis é encantadora. E não sei se sou fã de Duarte Jr. Sou

professor de Artes da UNISENSI. Tive aula com ele e acabei virando admirador dos seus

escritos e de sua pessoa.

– O que é UNISENSI?

– É a Universidade de Sensinópolis, um lugar também incrível. Lá as Artes e a

Educação Física estão presentes em todos os cursos.

José sorridente falou.

– Eu sou aluno de Licenciatura em Educação Física da UNIRACIO.

– Da UNIRACIO??? - se admirou Valentin - Mas então o que você faz aqui?

Geralmente as pessoas de Racionópolis não querem muito contato com a cidade de

Sensinópolis. Por isso vivemos isolados, escondidos e com poucos habitantes. Acontece

muito de algumas pessoas saírem daqui para Racionópolis no intuito de levar um pouco do

que vivemos aqui sobre o sensível para lá.

– Eu sou monitor das disciplinas de Ciências Humanas do curso de Educação

Física e a partir dessa experiência e das ações da professora Céu nessas disciplinas eu resolvi

estudar sobre a importância do saber sensível dentro do percurso formativo dos estudantes de

Educação Física da UNIRACIO, principalmente na Licenciatura, que é o meu curso.

– Agora entendi. Então você está aqui orientado pela professora Céu e deve contar

também com a ajuda do professor Amarillo. Ambos saíram daqui de Sensinópolis. A

professora saiu ano passado, com esse desafio de ir para a UNIRACIO. E o professor

Amarillo já tinha saído há mais tempo. Foi um dos primeiros a sair daqui pra lá. Que bom que

eles se encontraram e estão fazendo trabalhos significativos.

José tomou mais um pouco do café e disse.

– Sim, eles estão mesmo. Eu estou terminando o curso sendo orientado por eles

nessa minha monografia sobre o saber sensível. Tinha até pensado em falar do saber

inteligível e do saber sensível, mas eles me sugeriram falar só sobre o sensível. Era a vez de

dar voz e movimento a esse saber.

– É verdade. Aqui na UNISENSI nós trabalhamos com os saberes integrados,

dando a devida importância para os dois, buscando o equilíbrio. Coisa que não parece

acontecer na UNIRACIO, que utiliza quase que somente o saber inteligível.

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Eu também concordo que os dois saberes devem estar presentes, nesse

equilíbrio. É como Freire (1991, p.27) disse ―Se há um sensível e um inteligível, um cérebro e

um espírito, estão todos integrados numa mesma realidade‖. E se a realidade é a mesma, um

não pode se sobrepor ao outro, como eu vejo que acontece na Educação Física? Será que se

sobrepõe o inteligível sobre o sensível? Uma educação que traga em seu nome o físico, em

alusão a uma dimensão carnal, ainda considera o mental superior? Nesse momento é preciso

essas reflexões e que se fale, se pense e se incorpore a possibilidade de aprendizagem também

pelo saber sensível. É preciso por em prática uma educação do sensível que encontre nos

corpos a sua morada e as suas manifestações. Uma educação que faça com que nós não

apenas tenhamos corpos, mas que sejamos corpos, dentro de um processo educacional, dentro

da nossa relação com o outro e com o mundo, dentro da vida. Uma Educação Física que

considere o físico, mas não no sentindo de querer ter um corpo, mas de ser um corpo:

a especialização pode transformar-se numa perigosa fraqueza. Um animal que só

desenvolvesse e especializasse os olhos se tornaria um gênio no mundo das cores e

das formas, mas se tornaria incapaz de perceber o mundo dos sons e dos odores. E

isto pode ser fatal para a sobrevivência. (...) A ciência não é um órgão novo de

conhecimento. A ciência é a hipertrofia de capacidades que todos têm. Isto pode ser

bom, mas pode ser muito perigoso. Quanto maior a visão em profundidade, menor a

visão em extensão. A tendência da especialização é conhecer cada vez mais de cada

vez menos (ALVES, 1981, p.12).

– Dessa forma, que sentindo faz especializar os corpos? Como disse Gaiarsa

(2002) é preciso que sejamos corpos que não sofram mais de uma gloriosa tradição negativa.

Uma tradição advinda da era moderna, intensificada pela visão de Descartes que comparou o

ser humano à mecânica do relógio, cujo corpo era um mecanismo e a mente o único meio

pensante, introduzindo dessa forma a visão cartesiana do ser humano, que age unicamente

pela razão e que esse é o único conhecimento verdadeiro, pois para ele, o conhecimento

sensível - corporal - enganava os humanos. Como Descartes estava errado, afirmou Damásio

(1996). Somos também emoção, somos sensíveis de forma extremamente complexa.

Entretanto, em pleno século XXI, ainda vemos uma educação pautada na racionalidade, no

cartesianismo, no mecanicismo e no reducionismo. ―O modelo tradicional de ensino

privilegiou mais a imobilidade corporal e estigmatizou a aprendizagem como algo que

acontece dentro da cabeça e se expressa na escrita ou na oralidade. A educação incorporou a

concepção de saber descorporalizado‖ (ZYLBERBERG, 2007, p. 103):

onde quer que estejamos está presente o espírito de repressão ao corpo. Tal espírito

domina a assim chamada ―comunidade acadêmica‖. Orozco mostrou este fato num

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mural retratando uma colação de grau universitária. Lá está o professor! Ele simboliza as mais altas aquisições da mente em nossa sociedade. Seu corpo mostra-

se contraído. Sua humanidade se perdeu. Isto é o que a disciplina acadêmica produz:

horas e horas com todos os sentidos corporais desligados e apenas com o intelecto

em operação, horas e horas trancado num escritório com escrivaninha, estantes e

livros. Em seu rosto já se nota a presença da morte. Agora, o momento de glória! O

professor entregará o símbolo de excelência intelectual a seu discípulo, que

conseguiu dominar a erudição acadêmica, tornando-se alguém como o mestre. E o

discípulo recebe o diploma: um tubo de ensaio com um feto morto em seu interior

(ALVES, 1987, p.156).

– Nesse mesmo sentido Freire (1991, p.30 e 31) nos diz ―talvez, até mesmo o

sensível tenha abdicado voluntariamente em favor da razão para que a espécie sobrevivesse‖.

E Fontanella (1995) corrobora dizendo que o corpo pagou um preço caro para que a razão se

tornasse a rainha, mesmo um não deixando de ser o outro. E o grito do corpo ecoa pela volta

do sensível.

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Valentin aplaudiu e se admirou com a perspicácia daquele garoto que veio de

Racionópolis. E ainda admirado e nesse clima poético, ele pediu para que José visse seus

quadros enquanto que ele pegava alguma coisa para comerem e beberem. José então começou

a olhar os quadros pintados por Valentin e continuou admirando aquela casa. Em um

determinado momento ele ficou intrigado e perplexo com um quadro de globos terrestres e

pessoas.

– O nome desse é aisthesis. - falou Valentin

– Aisthesis?

– Sim. Eu quis retratar uma ideia de Duarte Jr.

– Ah... sim. A de que é preciso ser feito ―um projeto radical: o de um retorno à

raiz grega da palavra ―estética‖ - aisthesis, indicativa da primordial capacidade do ser humano

de sentir a si próprio e ao mundo num todo integrado‖ (DUARTE JR., 2010, p.13).

– Exatamente, José!

– É com essa ideia que eu tento desenvolver a arte e o saber sensível também nas

minhas aulas.

– Pois é Valentin, para mim a arte é uma possibilidade de um florescer do saber

sensível, mas não como um simples ensino da arte, mas sim do aprender e do fazer com a

arte, nas suas mais diversas formas gerando, assim, um aprender com o sensível. Um aprender

pelas percepções que se vive, que se sente e que pode ser estimulado não apenas nos cursos de

artes, mas em outros cursos, em outros contextos, com outras possibilidades. A Educação

Física, por exemplo, pode fazer um casamento muito interessante com a arte em todas as suas

dimensões de estudo: biológicas, esportivas e humanas. Eu vejo isso na minha experiência

como monitor das disciplinas de Ciências Humanas em Educação Física, mas gostaria de ver

também nas outras disciplinas e nos outros contextos nos quais a Educação Física se insere.

Gostaria de ver o brilho nos olhares dos estudantes quando eles produzem algo que nem

imaginavam que podiam, que era permitido e que eles conseguiriam. Como, por exemplo,

montar uma dança que represente o texto do mito da caverna de Platão. E isso não ser o fazer

por fazer, mas ser significativo, ser sensível aos seus sentimentos, ao seu corpo.

– Dançar o mito da caverna? - falou Valentin espantando - Eu nem imagino como

deve ter sido isso, mas deve ter sido surpreendente.

– Eu também não imaginava. Foi uma grata surpresa. E esses tipos de atividades

foram estimulando eles a produzirem várias coisas, a pensarem e enxergarem outro

significado para o processo de ensino-aprendizagem. Posso até lhe mostrar algumas fotos que

tenho aqui comigo.

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Valentin então pegou seu computador e eles começaram a ver algumas fotos

que José tinha no seu pendrive sobre os registros que ele e a professora faziam das aulas.

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– Diante de tudo isso, de toda essa história e de todas essas imagens vale lembrar

que:

Quando se fala de correr, de suar, de

carregar pesos, é o corpo que faz. Para

refletir, calcular, tocar uma sonata ou

esculpir no mármore, aí entra em cena o

espírito, o dono do corpo? O corpo

transporta a criança à escola e quem

aprende é o espírito? (...) Considerar arte,

poesia e ciência como produções de nossa realidade corporal é resistir a séculos de

tradição e de farsa intelectual (FREIRE,

1991, p.31).

ao invés de a arte ser cosa mentale, ela

parece consistir fundamentalmente

numa ―coisa corporal‖, ao ativar em

nós os mecanismos sensíveis de que

somos dotados, na inteira extensão de

nosso corpo. A experiência estética,

em que pese as abstrações e raciocínios nela envolvidos e dela

decorrentes, acontece primordialmente

no corpo, colocando em

funcionamento processos biológicos

que têm a ver com isto que

denominamos sentimento (DUARTE

JR., 2010, p.136).

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40

– Até quando o tripé (arte, poesia e ciência) viverá como mecanismo de

resistência à tradição racional de intelectualidade quando se pretende trabalhar com o corpo?

E por que a Educação Física, que trabalha com o corpo, que tem uma grande possibilidade de

trabalhar com o sensível, o estético e o poético fica presa ao reducionismo da cosa mentale? –

falou Valentin.

– Uma formação em Educação Física que caminhe lado a lado com uma Educação

Estética abre portas para experiências estéticas corporais que revelem sentimentos, sentidos,

sensações e emoções que possibilitem uma educação do sensível e revelem uma

aprendizagem e uma formação significativa para os corpos que respiram e inspiram Educação

Física. ―Mesmo o mais altamente formalizado ramo do conhecimento (a Matemática)... só

pode ser adquirido pelo desenvolvimento de uma arte‖, afirmou Michael Polanyi (SAIANI,

2004, p.134). Dessa forma, é possível ver a arte como uma possibilidade de se trabalhar o

saber sensível dentro da formação de licenciados em Educação Física. Um saber sensível que

revele uma nova ideia para o que se entende por inteligência, uma nova ideia para o que se

deseja no processo de ensino-aprendizagem e uma nova ideia na relação entre professores e

estudantes. Não é uma tarefa simples e fácil. É uma tarefa diferente, que à primeira vista pode

dar trabalho, mas que pode se tornar mais significativa e humana – disse José.

Visão é recurso da imaginação para dar às palavras

novas liberdade?

(Manuel de Barros, 2010)

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41

7.

O (RE)CANTO DA

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42

De repente, Valentin e José escutam uns sons vindos do lado de fora da casa. São

sons de instrumentos musicais e de vozes cantarolando.

– O que é isso? - perguntou José.

– Esses sons devem ser lá do (Re)Canto da Poiesis.

– (Re)Canto da Poiesis?

– Sim. É um espaço onde a vida é aguçada, os sentidos afloram e as pessoas se

enchem de poética.

– Poxa! Eu preciso seguir essas melodias, quero que elas me guiem até esse lugar.

. – Aproveite. Sinta e siga a beleza dessas melodias.

José e Valentin se despediram. José agradeceu pela receptividade, pela conversa e

pela magia que aquela casa lhe trouxe. Valentin também agradeceu a visita, ao aprendizado

que ele também recebeu. Ele ainda sugeriu que José, depois de passar pelo(Re)Canto da

Poiesis fosse até o departamento de Educação Física da UNISENSI, que ele ainda teria mais

surpresas.

Depois disso, José continuou sua agradável caminhada por Sensinópolis, dessa

vez guiado pelas melodias. A cada passo o som ficava mais atraente e gostoso. José então se

entregou, fechou os olhos e começou a dançar, sem se importar com nada, sem se importar se

o estavam vendo e julgando, sem se julgar. Ele apenas ia, seguia a música e dançava, mas seu

êxtase foi interrompido quando o motorista de um ônibus buzinou reverenciando a sua dança.

Ele abriu os olhos rapidamente, deu um salto pra trás e no meio daquele susto conseguiu

acenar para o motorista e ler uma frase de uma propaganda escrita na parte traseira do ônibus:

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43

– Esses saberes sensíveis que também emanam do meu corpo são saberes que não

me prendem e não me embrutecem. Eles me emancipam. O saber sensível foge desses

padrões estabelecidos de inteligência e representação dessa inteligência! - gritou José pelas

ruas.

Continuando sua caminhada, ele se deparou, logo em seguida, com um lugar lindo

que transbordava sons extremamente agradáveis. Era o (Re)Canto da Poiesis. O lugar era uma

casa enorme e praticamente toda aberta. Tinha uns atraentes telhados decorados que se

enalteciam quando eram tocados pelos raios do sol. Não tinha portas e em vez de janelas

existiam buracos, de diversas formas, abertos nas paredes para o vento e os sons circularem e

se misturarem. José entrou bem quieto naquele galpão, sentou-se no chão e começou a

apreciar tudo aquilo. Eram pessoas tocando, cantando, pintando, escrevendo, desenhando,

jogando, exercendo poética, coisa que ele nunca tinha visto antes. José estava encantado. Até

que uma pessoa percebeu a sua entrada, o seu vislumbramento e foi ao seu encontro.

– Olá, tudo bem? Me chamo Ícaros. Sou professor aqui do (Re)Canto da Poeisis.

– Tudo bem. Ah, então é esse o lugar.

Os dois se cumprimentaram e José continuou:

– Eu me chamo José, sou monitor das disciplinas de Ciências Humanas em

Educação Física da UNIRACIO e estou fazendo minha monografia sobre o saber sensível na

formação em Educação Física e acabei de vim da casa de Valentin.

– Ah, então você já conheceu um dos grandes artistas da nossa cidade. Você deve

ter aprendido muito com ele e com aquela casa.

– Foi espetacular. Depois ele me disse que era o momento de seguir o som, me

deliciar com o lugar de onde vinham essas melodias, aproveitar e deixa fluir.

– Pois fique a vontade. Você está no lugar certo. O pessoal aqui me chama de

professor, mas pode me chamar de Ícaros mesmo, pois na verdade nem sei bem o que sou.

Essa questão de identidade e de me personalizar me deixa confuso. Não gosto muito de ser

chamado professor, se você for pensar nessa figura do professor como o único detentor único

do saber correto e do conhecimento. Posso pensar na ideia de ser uma autoridade, mas não em

um autoritário. Posso me considerar, quem sabe, um apoiador, um orientador, um

aconselhador, um mestre e também um aprendiz, nessa relação tácita de encontro e

desencontro, de proximidade e separação, que foge às regras da pedagogia e que o professor,

ou melhor, o mestre age semelhante ao coach (um treinador de um time), que sugere, dar

exemplos, critica, ensina de maneira até explícita, mas não controla, nem domina o aprendiz

(SANTIN, 2004).

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44

– Posso dizer que o saber sensível possibilita uma nova concepção para a relação

entre professor e estudante. Uma relação em que o professor deixe de ser apenas o

distribuidor de regras e conhecimentos para possibilitar aos estudantes que se descubram e se

revelem, ampliando seu autoconhecimento e sua autonomia. Uma relação pela sensibilidade,

em que a compreensão da formação entre os sujeitos envolvidos vá além do tradicionalismo,

do conhecimento hegemônico de um sobre o outro. Não é uma relação em que não existam

regras, mas uma relação cujo foco seja a busca da autonomia e do (re)conhecimento pessoal e

profissional, que passe por diversas possibilidades de aprendizagem. E não me importa se o

professor vai ser chamado de professor ou de educador, de mestre, de coach, mas a sua

atuação, o seu ―como fazer‖ é que deve ser significativo, deve integrar esse saber sensível à

aprendizagem, proporcionando emoções que causem paixões intelectuais por meio da

descoberta de outras possibilidades de enxergar o aprendizado, a educação, o mundo, o outro

e a si próprio (SAIANI, 2004)

– No entanto, - continuou José - essa paixão não deve ficar apenas no campo da

intelectualidade ou da racionalidade, como essa frase possa parecer. É preciso que a

descoberta seja também uma autodescoberta, a partir do momento em que as paixões

corporais também movam esse ser. E o saber sensível se insere nessa autodescoberta no

momento em que os alunos se descobrem e se revelam no instante em que também habitam o

conhecimento tácito:

sendo ela (a escola) uma agência de transmissão dos valores culturais, e sendo eles

gerados por paixões intelectuais, é tarefa da escola muito mais despertar e fomentar tais paixões do que transmitir informações e procedimentos (...) Não se pretende

aqui excluir da formação dos alunos determinadas habilidades que se poderiam

denominar ―técnicas‖. Na verdade, Polanyi não faz diferença entre o uso de uma

ferramenta intelectual e uma ferramenta técnica, já que ambas exigem que o

indivíduo habite (indewell) seu conhecimento tácito (SAIANI, 2004, p.84).

José continuou.

– Se nesta frase trocarmos Escola por Universidade, a ideia de Saiani também se

aplica. Trazendo para a formação em Licenciatura em Educação Física, não é negar ou excluir

essa formação de determinadas habilidades dos estudantes, de um saber racional, mas afirmar

que ela não pode ser a única, muito menos, ser vista como a superior. O saber inteligível, o

saber do logos não pode ser superior ao saber sensível, ao saber corporal. O saber sensível

precisa ser incorporado no trabalho com as disciplinas de formação dos estudantes para que

eles, como futuros professores, também saibam valorizar e utilizar esse tipo de saber na sua

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45

atuação docente futura. No mesmo sentido caminha o conhecimento tácito, que é esse

conhecimento inerente ao sujeito, mas que não é explícito, que é a parte escondida do iceberg

e que tem que ser valorizada e revelada. Um caminho para uma aprendizagem significativa

segue no trabalho com o saber sensível em conjunto com o conhecimento tácito.

Depois disso Ícaros levou José para fazer um passeio por aquele ambiente que

respirava poesia e aproveitando esta importante reflexão de José sobre essa busca por uma

nova relação entre professor e estudante e o despertar para a paixão intelectual por intermédio

do saber sensível, ele contou a história do violoncelista Bernard Greenhouse que esta descrita

na obra de Saiani (2004). Greenhouse teve como seu professor o grande Pablo Casals e que

nas primeiras aulas Casals exigia meticulosamente que Greenhouse repetisse a Suíte em Ré

Menor de Bach da mesma forma. Era uma copia absoluta. Depois de mais algumas aulas

Greenhouse já parecia muito feliz por estar tocando da mesma forma que o professor, quando

que para sua surpresa Casals falou o seguinte: ―Muito bom. Agora apenas sinta. Ponha seu

instrumento no chão e escute a Suíte em Ré Menor‖. Casals executou a peça toda modificada

e Greenhouse ficou boquiaberto, escutando uma performance celestial, absolutamente linda e

depois disso Casals disse: ―Agora você aprendeu como improvisar Bach. De agora em diante,

você vai estudar Bach desse jeito‖ (p.114).

– E assim se apresenta o saber sensível - comenta José. Talvez nem tanto a

questão do improvisar, mas que pode estar inserido também. O saber sensível nesse caso

aparece quando o músico deixa de racionalizar sobre as notas, sobre as posições dos dedos no

instrumento, sobre tudo que ele já sabe, para tocar sentindo e corporificando. Tocar o que

aquela música (re)significa, as sensações que ela traz e o que ela aflora no seu corpo. Ele já

sabe a parte técnica de como se tocar a música, agora é preciso deixar o saber sensível fluir,

tomar de conta e quando ele menos perceber tocar nessa performance celestial e linda.

Quando o músico deixa de pensar e se preocupar demais nas técnicas para executar a música e

apenas deixa essas técnicas se incorporarem naturalmente à sensibilidade, a emoção, ao afeto

e a poesia daquela música, ele passa a se utilizar do saber sensível e a beleza da execução é

outra. É uma execução corporificada e significada para aquele ser. É como no filme ―Mr.

Holland - Adorável Professor‖. Você já deve ter assistido.

– Sim. É maravilhoso. Sempre passo para os meus aprendentes.

– Pois bem, no filme uma garota diz para o professor de música, Mr. Holland, que

ela não vai mais tocar clarinete por que só está atrapalhando o resto da banda. Ele pergunta

para a garota se é legal tocar e ela diz que queria que fosse. Ele então fala que eles estão

fazendo errado, pois estão tocando notas escritas. E ela pergunta se há algo a mais para tocar

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além das notas escritas. Mr. Holland comenta que música é muito mais que notas. Em seguida

põe pra tocar um vinil de uma banda que não sabe cantar, que não tem nenhum senso de

harmonia, que repetem sempre os mesmos três acordes e pergunta por que eles gostam tanto

daquela banda. A moça responde que gostam por que é legal. O professor fala que tocar tem

que ser uma coisa legal e que música é coração, é sentimento e que tem que fazer a gente

achar lindo estar vivo, que não são só notas numa pauta. Depois ele pede para ela o

acompanhar no piano tocando seu clarinete, mas sem ler a partitura, pois ela já sabe a música

que está na sua cabeça, nos seus dedos, no seu coração e que é preciso que ela confie em si

mesma. Eles começam a tocar e a garota sempre erra na mesma parte. Ela pensa em desistir,

mas o professor fala para ela não pensar nisso e pergunta do que ela gosta mais nela quando

se olha no espelho. Ela responde que é o cabelo ruivo, pois seu pai sempre dizia que o fazia

lembrar o pôr-do-sol. Ele, com sua maestria, diz para a garota fechar os olhos e tocar o pôr-

do-sol. A música então flui, a garota se emociona por ter conseguido tocar e a cena termina

com um gratificante sorriso no rosto de Mr. Holland.

– Isso me fez lembrar um texto que eu gosto muito, ―Como ensinar‖, de Rubem

Alves (2008). Nele o autor começa a dar exemplos de como ensinaria algumas coisas para as

crianças. Ele fala da jardinagem, da leitura e da música:

Se fosse ensinar a uma criança a beleza da música, não começaria com partituras,

notas e pautas. Ouviríamos juntos as melodias mais gostosas e lhe falaria sobre os

instrumentos que fazem a música. Aí, encantada com a beleza da música, ela mesma

me pediria que lhe ensinasse o mistério daquelas bolinhas pretas escritas sobre cinco

linhas. Porque as bolinhas pretas e as cincos linhas são apenas ferramentas para a produção da beleza musical. A experiência da beleza tem que vir antes ( p.130).

– Já eu, se fosse ensinar a uma criança a beleza da Educação Física, não

começaria com treinos físicos, técnicos e discursos sobre o funcionamento biológico do

corpo. Sentiríamos juntos os nossos corpos, o pulsar de cada órgão e os sentidos que o corpo

expressa. Reconheceria-mos como corpo. Veríamos a beleza da gestualidade com complexa

integração de ossos, músculos e sistemas. Contemplaríamos as belezas poéticas dos

movimentos nos esportes, nas lutas, nas ginásticas, nas danças, nos jogos e etc. Ai, encantada

com a beleza de ser corpo, ela mesma pediria para descobrir os mistérios e encantamentos do

nosso corpo e da Educação Física. De diversas formas nós estamos interligados

corporalmente. Para Duarte Jr. (2010) é preciso estar entregue de corpo inteiro à realidade e

sentir a vida antes mesmo de nela pensar e que esse princípio da estesia deve ser o princípio

fundante de qualquer processo educacional – disse José.

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8.

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49

Depois de sua passagem pelo (Re)Canto da Poiesis, José seguiu seu destino em

direção à UNISENSI. A cidade de Sensinópolis não era muito grande, do ponto de vista de

tempo e espaço de Racionópolis, mas a ida até a UNISENSI rendeu uma saborosa caminhada

para José. Ele aproveitou para apreciar outras belezas da cidade. Afinal, o caminho, como

uma permanente jornada, deve ser tão apreciado quanto o destino. Neste caso, o destino era

digno de recompensa. A Universidade de Sensinópolis era numa área enorme. Ao seu redor

não tinha muros. Ela era cercada por uma vasta área verde e ao seu lado passava um grande

lago cristalino, digno de aguçar todos os sentidos. Era de se ficar extasiado diante de tamanha

beleza. Os prédios das faculdades preservavam a arquitetura antiga, mas o colorido

característico da cidade, também se encontrava na UNISENSI. Além dos coloridos naturais

das flores, cada prédio tinha uma cor diferente. O prédio da Educação Física, por exemplo, era

em vários tons de verde. Quando chegou à portaria, José foi logo bem tratado pela simpática

recepcionista. Ela disse que ele podia subir até o 3º e último andar do bloco, que a pessoa que

queria falar com ele já estava lhe esperando. Que pessoa era essa que queria conversa com

José? O que ela queria? O menino estava ficando preocupado e cada vez mais curioso com

esse mistério todo. Primeiro foi Valentin que não quis dizer com quem ele iria conversar na

UNISENSI e depois a recepcionista que já foi dizendo que a pessoa com quem ele ia

conversar já estava esperando e, além do mais, ele ficou se perguntando por que as pessoas

com quem ele ia conversar sempre se encontravam no último andar do local onde elas

estavam.

José caminhou cautelosamente até o 3º andar do bloco de Educação Física,

começou a andar pelos corredores e não via ninguém. José era um menino medroso. Até que

percebeu que havia um corredor onde se encontravam as salas dos professores. Foi até lá e

percebeu que em na porta das salas tinha o nome de cada professor(a).

– E agora? Quais desses ou dessas querem conversar comigo? São muitos

professores(as) – disse José.

Cada sala era decorada de acordo com o gosto do(a) professor(a). Ao chegar perto

de uma porta decorada com desenhos e poemas José tomou um tremendo susto quando uma

voz lá de dentro disse:

– Pode entrar. Sinta-se a vontade.

José demorou uns cinco minutos para tomar coragem e entrar na sala. Na porta

estava escrito a seguinte frase: ―Seja bem vindo ao aconchego da Professora Rejane Brito‖.

Aquela frase o acalmava, mas a timidez ainda era grande. Quando finalmente decidiu abrir a

porta José tomou outro susto, a professora abriu a porta primeiro e José ficou sem reação por

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alguns segundos, mas o ar angelical daquela pessoa o confortou rapidamente e a primeira

coisa que ele falou foi.

– Como você sabia que era eu que estava em frente à sua porta?

– Sensações. - falou rindo a professora - Mas também eu já sabia que você estava

vindo até aqui para conversar comigo. Desde que o professor Amarillo e a professora Céu

saíram daqui da UNISENSI, que eu espero pessoas que são estimuladas por eles. Elas

aparecem esporadicamente, mas é sempre gratificante quando elas vêm. E você é a primeira

pessoa que vem aqui orientado por eles. Fiquei muito feliz em saber que eles estão fazendo

um ótimo trabalho na UNIRACIO. Além disso, o mestre Valentin me avisou, assim que você

saiu da casa dele, que um menino chamado José estava vindo me procurar. Então, eu sentei,

comecei a ler e esperei. Quando senti seus pés chegando perto da minha sala só pedi que você

entrasse.

José ficou mais a vontade e se acomodou em uma das poltronas da sala. A

professora lhe trouxe suco e biscoito e ele, mais uma vez, se apresentou dizendo que estava

fazendo a sua monografia sobre o saber sensível na formação em Educação Física a partir da

sua experiência como monitor da professora Céu. Ele contou que desde a sua chegada à

Sensinópolis já tinha conversado e observado as relações entre o saber sensível e a arte, a

música, o corpo e o conhecimento tácito. E que, além daquelas relações, José via o saber

sensível interligado a uma nova ideia para o fenômeno da inteligência, para o processo de

ensino-aprendizagem, para a relação entre professor e estudante, para o ambiente escolar, para

os vários ambientes de aprendizagem que vão além da sala de aula e etc.

– Ou seja, você nesta pesquisa faz várias relações entre o saber sensível e suas

possibilidades, e ao mesmo tempo busca a educação que eu busco: uma educação que

considere o sensível e as infinitas possibilidades de aprendizagem. Uma educação

transformadora, humana e significativa - falou a professora.

Já sabendo da vinda de José, a professora Rejane Brito começou a ler os livros

que possivelmente ele já tinha lido. Aproveitando o momento ela resolveu ler o seguinte

trecho de um desses livros:

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Na consideração e educação do sujeito, hoje, sua

dimensão imaginativa, emotiva e sensível (ou sua

corporeidade) deve ser colocada como origem de todo

projeto que vise a educá-lo e a fortalecê-lo como

princípio da vida em sociedade. A sensibilidade do

indivíduo constitui, assim, o ponto de partida (e talvez,

até o de chegada) para nossas ações educacionais com

vistas à construção de uma sociedade mais justa e

fraterna, que coloque a instrumentalidade da ciência e

da tecnologia como meio e não um fim em si mesma

(DUARTE JR., 2010, p.139).

A educação do sensível, por conseguinte, significa

muito mais que o simples treino dos sentidos

humanos para um maior deleite face as qualidades

do mundo. Consiste, também e principalmente, no

estabelecimento de bases mais amplas e robustas

para a criação de saberes abrangentes e

organicamente integrados, que se estendam desde a

vida cotidiana até os sofisticados laboratórios de

pesquisas... Educar primordialmente a sensibilidade

constitui algo próximo a uma revolução nas atuais

condições do ensino, mas é preciso tentar e forçar

sua passagem através das brechas existentes, que são

estreitas, mas podem permitir alargamentos

(DUARTE JR., 2010, p.204 e 205).

José começou a viajar nas suas reflexões, se imaginado num outro lugar. Ficou

todo avoado falando sozinho.

– Temos que ir atrás dessas brechas. O saber sensível deve ser um percurso, uma

trajetória para a formação humana. Uma formação humana que incorpore a concepção de um

saber corporalizado e que considere individualmente os sujeitos envolvidos e ao mesmo

tempo, considere que os sujeitos vivem em sociedade. O corpo e suas reações visíveis e

invisíveis precisam estar do lado de dentro da escola, da universidade, do curso de Educação

Física e sua formação, do mundo, precisam ser percebidas, exploradas e trabalhadas. Por que

precisamos de saberes que caminhem em uma única direção? Por que é preciso dizer que é

necessário buscar saberes abrangentes e organicamente integrados, se nós, na nossa

complexidade, somos seres humanos tão abrangentes e integrados? Isso não já seria óbvio? O

corpo não pode sofrer uma paralisia dos sentidos. O corpo que age e que reage precisa ser

falado nas suas diversas maneiras. O ser humano necessita dessa abertura ao sensível para

perceber e organizar os estímulos que lhe alcançam ao corpo. Uma educação que considere o

saber sensível não deve pensar num corpo anestesiado, mas num corpo recheado de sentidos.

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E esse corpo estimulado, recheado não pode ficar retraído, atrofiado, embrutecido. Ele precisa

ser expandido.

Nesse momento, a professora Rejane Brito, que já estava falando sozinha,

começou a se preocupar com José.

– José! José! José!

José não respondia. Até que a professora além de chamar pelo seu nome começou

a lhe cutucar. E ele como se estivesse saindo de um sonho respondeu.

– Oi professora, tudo bem?

– Eu que lhe pergunto. Está tudo bem? Você parecia estar sonhado acordado.

Estava ficando com medo.

– Me desculpe, é que, às vezes, fico assim mesmo, lesando e viajando comigo

mesmo.

– Sobre o quê estava ―lesando‖? – brincou a professora

– Ah professora, era só sobre essa ideia das brechas, do saber sensível e do corpo.

E quando você me interrompeu eu estava pensando sobre o que disse Najmanovich (2001):

Só podemos conhecer o que somos capazes de perceber e processar com nosso

corpo. Um sujeito encarnado paga com a incompletude a possibilidade de conhecer.

Ao assumir essa posição, descobrimos que o ―corpo‖ de que estamos falando não é o

―corpo da modernidade‖, estamos começando a pensar em um

multidimensionalidade de nossa experiência corporal. É por isso que podemos

começar a pensar em uma nova forma da corporalidade: o ―corpo vivencial‖ ou

―corpo experiencial‖ (p.23 e 24).

– Muito interessante. Principalmente para nós da Educação Física. Devemos

assumir essa multidimensionalidade corporal. - comentou a professora.

– E uma educação que passe pelo sensível leva em consideração a formação de

um ser humano multidimensional. Zylberberg (2007) escreveu sobre isso e falou que:

o modelo tradicional de ensino privilegiou mais a imobilidade corporal e

estigmatizou a aprendizagem como algo que acontece dentro da cabeça e se expressa

na escrita e/ou na oralidade. A educação incorporou a concepção de saber

descorporalizado. Temos de assumir o desafio de uma educação na qual o corpo não

seja considerado um acessório, subjugado à mente, mas referência essencial da

complexa e indivisível estrutura humana (p. 103).

José continuando a conversa lembrou que, segundo Nóbrega (2005), ―o corpo foi

deixado de fora da ação pedagógica. Para aprender, as crianças deveriam ficar imóveis,

quando muito, o corpo era considerado como instrumento para o desenvolvimento do

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intelecto‖ (p.17). Dessa forma, a aprendizagem não deve ser reduzida em função do aspecto

lógico, relegando a planos inferiores a sensibilidade expressa no corpo e na motricidade.

– A Zylberberg era um amor de pessoa. Ela também saiu daqui da UNISENSI

para o mundo. Os trabalhos que ela apresentava nas disciplinas eram uma ―viagem‖ e eram

encantadores por isso. Ela chegou a fazer labirinto, quebra-cabeça, jogos e etc. Eu me

divertia. Chegamos até a produzir uma coreografia de dança juntas, que falava sobre a

modernidade e a relação com o pensar. Naquela época eu já estudava sobre o saber sensível e

estabelecia outra concepção na relação entre professor e estudante:

essa missão deve caber ao educador que coloca seus alunos em contato com tais

manifestações pretensamente estéticas. A ele compete, sem dúvida, despertar e

aprimorar a sensibilidade dos educandos, munindo-se do necessário espírito crítico para lhes apontar o quanto certas ―experimentações‖ mais lhes toldam a percepção e

obnubilam seus sentidos do que lhes abrem novas maneiras de sentir a vida e o

mundo ao redor (DUARTE JR., 2010, p.220).

– Então, o que nos cabe ao pensar a formação de um professor de Educação

Física, de um educador? É comum escutar, na escola, que é o professor de Educação Física

que os estudantes se sentem mais a vontade para se relacionar. Por mais que suas aulas sejam

poucas na semana, em comparação com outras disciplinas, ele tem um papel importante no

despertar de uma inteligência corporal que inspire sensibilidade, autoconhecimento, aceitação

e possibilidades de visualizar perspectivas de um mundo diferente, com a quebra de

paradigmas e verdades. Pensar a formação de um professor de Educação Física é ter a noção

de que ele não vai ser um mero fornecedor de técnicas e de verdades sobre a motricidade e a

concepção corporal dos indivíduos. É preciso ele estar atento, tanto para fugir do comodismo

que uma concepção lógica e racional possa trazer, quanto para estar disposto a instituir dentro

da concepção pedagógica de aprendizagem a educação do sensível - falou a professora Rejane

Brito.

Depois disso, José se calou e começou a olhar para os vários cantos da sala. A

professora percebeu que José já ia entrar novamente no seu momento lesado, ou melhor, no

seu momento reflexivo e deu um estalar de dedos, que fez com que ele se assustasse e

voltasse para si.

– Eu já ia viajar de novo, professora.

– Eu percebi. Por isso lhe trouxe de volta rapidamente. Viajar é muito bom, mas

dessa vez eu queria que você viajasse aqui e não fosse para muito longe.

José riu e respondeu.

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– Eu estava refletindo sobre os professores que eu tive na minha vida como

estudante e em alguns trechos de um autor no qual ele fala da relação entre professor e

estudante no processo de ensino-aprendizagem:

Ao colocar-se como exemplo e ao renunciar a ser o fornecedor de

regras, o professor também renuncia ao controle sobre o que o

aluno aprende. Sendo um profissional do ensino, possui um

conhecimento pessoal de seu fazer pedagógico, e se compromete

com ele. Deve confiar em que cada um de seus alunos construa seu

próprio conhecimento pessoal. Mas um ponto deve ser sublinhado: essa renuncia ao controle não significa o niilismo pedagógico, nem

um laisser faire capaz de abandonar o aluno aos seus próprios

devaneios. A dualidade subjetivismo/objetivismo nos acostumou a

pensar em termos de controle absoluto ou falta de controle, de

modo que talvez devamos recorrer à filosofia oriental para nos

aproximarmos de uma espadachim que não sente raiva de seu

adversário, nem procura controlar sua própria espada, mas integra-

se a ela, deixando o Tao fluir...

(SAIANI, 2004, p.89).

José então se levantou e começou a andar pela sala. A professora ficou só

observando e achando aquilo meio estranho. José estava aprontando, e de uma hora para outra

começou a recitar um poema que tinha criado.

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Corpo não, mente.

Mente, presente.

Corpo, ausente.

Corpo, não mente.

Mente, mente.

Corpo, sensivelmente.

Mente, racionalmente.

Corpo e Mente, legalmente.

Professor, aprendente.

Estudante, aprendente.

Formação, abrangente.

Educação, globalmente.

Ser humano, plenamente!

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A professora Rejane Brito olhou admirada e iniciou umas palmas. José agradeceu

e voltou a se sentar. A professora então foi até a sua prateleira de livros sendo observada

minuciosamente por José. A professora pegou um livro amarelo e voltou a se sentar, mas

antes trouxe biscoitos e sucos e perguntou para José se ele já tinha lido aquele livro. Ele

respondeu que sim. A professora então pediu licença a José e recitou um trecho do livro:

Não há ignorante que não saiba uma infinidade de coisas, e é sobre este saber, sobre

esta capacidade em ato que todo ensino deve se fundar. Instruir pode, portanto,

significar duas coisas absolutamente opostas: confirmar uma incapacidade pelo

próprio ato que pretende reduzi-la ou, inversamente, forçar uma capacidade que se

ignora ou se denega a se reconhecer e a desenvolver todas as consequências desse

reconhecimento. O primeiro ato chama-se embrutecimento e o segundo, emancipação (RANCIÈRE, 2011, p.11 e 12).

– O professor precisa ver significado naquilo que faz - falou José. Ele ou ela

precisam fazer com que o estudante atribua sentido ao que está fazendo. Para isso, deve

oferecer infinitos caminhos para que um conteúdo seja apreendido, precisa saber que a

maneira com que as coisas lhe fazem significado, nem sempre é da mesma forma que fará

para os estudantes, e que não será para outros estudantes. Num ambiente de sala de aula as

características dos estudantes são múltiplas. A inteligência do professor não pode abolir a

inteligência dos estudantes, pois, segundo Rancière (2011), isso causa o embrutecimento. E eu

pergunto o que causa o embrutecimento na formação de professores de Educação Física? Será

essa capacidade de se ignorar o corpo? A aprendizagem tem que ser significativa. O professor

precisa ver significado para si, para que auxilie os estudantes a criarem os seus e se

expandirem, se emanciparem. E dessa forma, Saiani (2004) diz que ―O professor precisa ter

um sexto-sentido, uma espécie de ―terceiro olho‖ para perceber as entrelinhas das respostas

dos estudantes, e de seu comportamento‖ (p.107):

Também faz parte do conhecimento tácito do professor a visão que possui de sua

disciplina. Nada temos a opor ao fato do professor abraçar tais preferências, mas

elas orientarão tacitamente seu curso, mesmo que o conteúdo seja fechado,

provocando e valorizando certas atitudes dos alunos, em detrimento de outras.

Estará ciente dessa valoração quando planeja e enquanto conduz seu curso? Por

outro lado, não estaria ele tentando a privilegiar determinado tipo de aluno (os que tiveram maior pendor para sua disciplina, por exemplo?) (p.109).

A professora Rejane Brito percebeu que falar da relação entre professor e

estudante mexia com José e ela não quis interrompê-lo. Ele então continuou...

– O professor, no convívio com seus estudantes, deve levar em consideração, de

modo especial a maneira como eles reagem diante de suas explicações e de sua disciplina,

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57

pois nem todos aprendem da mesma forma. Uma educação do sensível também se estabelece

neste contexto, ou seja, considerando uma nova concepção de inteligência e de como o

professor age e de como os estudantes aprendem.

– Me dê licença para lhe interromper José.

– Claro professora. Eu acabei me empolgando.

– É que você falando isso me fez lembrar das últimas palavras de Zylberberg

(2007) quando ela se despediu daqui do curso de Educação Física da Universidade de

Sensinópolis. Ela disse que tínhamos que ter diversos olhares para a aprendizagem dos

estudantes:

O corpo também pode revelar conhecimentos indizíveis. Para aprender, não

podemos ignorá-lo, independente de qual disciplina escolar estivermos falando. Por

isso, é importante que os professores percebam seus alunos em sua corporeidade

para poderem ver outros sinais que anunciam a multiplicidade da inteligência

humana (p.247).

– É isso! - exclamou José.

– A sua despedida foi um momento especial e marcante. Se tivesse mais tempo eu

lhe contaria, detalhe por detalhe, mas essa sua passagem por Sensinópolis está chegando ao

fim.

Era verdade, a passagem de José por aquela cativante cidade estava se

findando. Era preciso voltar a Racionópolis com todo aquele aprendizado e ser mais um

batalhador do saber sensível naquela cidade.

– E não se esqueça: - disse a professora Rejane Brito.

As próprias leis e enunciados científicos podem despertar o sentimento do belo,

desde que a sua construção ou apreensão se dê por parte de um sujeito sensível, não

de um técnico que se restrinja a aplicar fórmulas e a pensar tão-somente no modo

operacional. E, aliás, esta espécie de ―técnico em ciência‖ parece ser o que

atualmente vem sendo formado por nossas universidades, preocupadas apenas com a instrumentalidade do conhecimento e a mensuração de sua eficiência, em detrimento

da formação de cientistas cuja sensibilidade e ampla visão de mundo provavelmente

os tornaria dotados de personalidades mais íntegras e até de maior capacidade

criativa. Tomar o sensível (e a percepção do belo a ele associada) como fundamento

de um processo educacional, portanto, não tem a ver apenas com os níveis

elementares da educação, com a formação da criança e do jovem exclusivamente,

mas pode se estender ao longo de toda a vida adulta, com significativo incremento

na qualidade de vida dos indivíduos e da sociedade como um todo (DUARTE JR.,

2010, p.157-158).

– Isso me faz pensar como está a formação dos licenciados em Educação Física da

UNIRACIO. Será que estão sendo formadas pessoas mais técnicas e menos sensíveis? O que

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é uma formação que considere o sensível? Formar para o sensível é formar um sujeito na sua

multidimensionalidade e na sua corporeidade. É deixar de pensar um corpo como um mero

objeto e ver um corpo com vida. Nesse sentido, me lembro das palavras de Alves (1999)

sobre o vislumbramento dele para os cursos de Educação Física ao perceber a

desconsideração para com a educação da sensibilidade dentro desses cursos:

o curioso é que quando se fala em ―educação física‖ a imagem que aparece é a de

um atleta com short, camiseta e tênis, pronto para alguma atividade que envolva o

uso dos músculos. Mas os olhos, os ouvidos, a boca, o nariz, a pele são também

parte do físico. Podem também ficar atrofiados como ficam atrofiados os músculos.

O corpo atrofiado pela inércia e pelo acúmulo de gordura pode terminar em

obesidade, diabetes, colesterol alto e infarto. Mas um corpo de sentidos atrofiados termina numa doença terrível chamada ―tédio‖. Imagino uma faculdade de educação

física que tenha também cursos do tipo ―Curso de cheiração avançada I‖, ―Curso de

cheiração avançada II‖, ―Curso de observação de cores‖, ―Curso de audição de

ruídos da natureza‖... (p.50).

E José continua:

– Além do mais, Merleau-Ponty (1994) afirma que ―é pelo corpo que compreendo

o outro, como é pelo meu corpo que compreendo as coisas‖ (p.196). O sujeito não se

representa apenas pelo racional, pelo inteligível, mas também pelo corporal, pelo sensível.

Para além da técnica, para além de um sujeito que pensa, existe um sujeito que sente, que

assimila corporalmente as coisas que lhe afetam. Nas atividades físicas é comum pensarmos

na automatização técnica do movimento a partir das inúmeras repetições, que fazem com que

aquele movimento se torne habitual e realizado depois sem pensar. No entanto, Merleau-

Ponty (1994) afirma o contrário, que, através do hábito o corpo tem a capacidade de aprender

e refletir e nunca poderá ser explicado como um ato automatizado, ou como sendo uma

função da inteligência. Pelo fato de o corpo aprender e refletir, ele não se restringe a situações

que são fixadas para sempre. Dessa forma, trazendo a ideia de corporeidade do mesmo autor,

o corpo se estabelece como individual, indivisível e inalienável. Devemos estabelecer que ―o

ponto de partida do ser humano é a corporeidade. Dela se originam e dela emanam todas as

propriedades constitutivas do modo de ser do homem, e condição necessária de sua presença e

de suas manifestações no mundo‖ (SANTIN, 1993, P.5).

A professora Rejane Brito deu um forte abraço em José e agradeceu pela sua

visita e dedicação em querer estudar sobre o saber sensível na formação dos licenciados em

Educação Física da UNIRACIO. Ela se despediu entregando-lhe um manuscrito e pediu que

fechasse os olhos, pois ela ia ter que lhe vendar. José não entendeu muito aquele ritual, mas

confiou naquela educada senhora.

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Na verdade, cada bloco dos cursos da UNISENSI tinha um portal que permitia as

pessoas irem direto pra Racionópolis e somente alguns membros da Universidade é que

detinham a chave desse portal. Ela disse que o manuscrito era para ser apreciado em

Racionópolis. De olhos vendados José se despediu agradecendo aqueles momentos marcantes.

A professora o conduziu até o portal e quando ele menos imaginou já estava em Racionópolis

ouvindo uma voz já conhecida.

– Está tudo bem, meu filho, já pode tirar a venda.

Aquele ―meu filho‖ era conhecido. José tirou a venda rapidamente e deu um forte

abraço em Dona Bergante. Compartilhou os momentos mágicos que tinha vivido em

Sensinópolis e que havia trazido um manuscrito que uma professora tinha lhe presenteado e

que era pra ser apreciado em Racionópolis.

– Se quiser você pode ler aqui. Só há nós dois na Biblioteca. Estamos seguros.

E assim José leu o manuscrito.

Talvez alguns argumentem que tal abrangência

educacional mostrar-se-ia impossível em nosso tempo de

especializações, dado a maior parte de cada currículo ser

direcionada a um conhecimento específico, pelo acúmulo de

conhecimentos obtidos na modernidade. Porém, isto parece

ser, sobretudo, uma falácia. Pois, em primeiro lugar, uma

educação mais abrangente (isto é, que considere também o

saber sensível e o estético) no ensino elementar e médio é

perfeitamente viável, desde que se ponha de lado essa

olímpica pretensão de fornecer ao estudante um calhamaço

de conteúdos em cada disciplina, os quais, em sua maioria,

não são assimilados por estarem distantes de sua vida

concreta e se apresentarem totalmente desarticulados entre

si. Parece que bastariam os fundamentos de cada ciência,

de cada conhecimento, de par com o desenvolvimento do

raciocínio e pensamento dos educandos, ou seja, menos

informação e bem mais formação intelectual. Afinal, é

humanamente impossível (e dispensável) reter-se

conhecimentos fatuais sobre tudo o que há para ser

conhecido, bastando se aprender como obtê-los aquando de

sua necessidade: o fundamental é que se aprenda a

aprender. O mesmo valendo para as atividades estéticas e

sensíveis: ao invés de uma catadupa de informações acerca

das artes e artistas, uma educação mais voltada ao

desenvolvimento da sensibilidade, do corpo, para que este

aprenda a se relacionar de maneira mais íntegra e plena

com o mundo ao redor (DUARTE JR., 2010, p.202-203).

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– Guarde esse manuscrito com muito carinho e cuidado. - falou dona Bergante -

Sua jornada pelo saber sensível está apenas começando.

– Pode deixar Dona Bergante. É preciso tirar essa falácia e visualizar uma

articulação entre os conhecimentos compartilhados e os contextos que vivem professores e

estudantes no processo de ensino aprendizagem. Segundo Morin (2011) ―a educação deve

promover a ―inteligência geral‖ apta a referir-se ao complexo, ao contexto, de modo

multidimensional e dentro da concepção global‖ (p.36). Ou seja, essa complexidade, que é

unidade e multiplicidade, estabelece que os vários elementos do qual o sujeito se constitui

(como o psicológico, sociológico, afetivo, econômico, político, mitológico) formam um

tecido interdependente e interativo com o conhecimento que ele carrega e adquiri e o contexto

em que ele se insere, numa formação educacional plena do ser humano, na sua

multidimensionalidade (MORIN, 2011). Dessa forma, Dona Bergante, defenderei que essa

educação pelo saber sensível é sim possível. É possível quando considerarmos que os corpos

não são apenas perfeitos, mas são possíveis. Possíveis de conhecimento, possíveis de

aprendizado, possíveis de vida. E que a educação não considere o corpo apenas como um

mero objeto da produção do intelecto. O corpo é processo, é produto, é memória, é cultura, é

subjetivo, é história, é desejo, é expressão, é compreensão... O corpo é. E nós somos corpos.

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61

9.

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62

De volta à Racionópolis José foi se encontrar com seus orientadores para lhes

contar o aprendizado que tinha acumulado com aquela viagem, do quanto tinha aprendido

mais sobre o saber sensível vivendo aqueles momentos e aquelas experiências em

Sensinópolis. Sentia-se mais integrado com ele mesmo, com os outros e com o mundo.

Aquela viagem por Sensinópolis, o encontro com a arte, com a música, com a poesia, com

outra possibilidade para a formação dos licenciados em Educação Física demonstrou para

José que uma educação do saber sensível é plenamente possível. As suas vivências e

experiências como monitor mostravam isso e agora, depois dessa viagem, só confirmavam

ainda mais.

Seus orientadores lhe disseram que estavam felizes em ver um José, que viveu

praticamente sua vida toda regida pelo saber racional, cada vez mais interligado com o saber

sensível. E que agora, depois dessa viagem teórica, era preciso utilizar uma metodologia,

também sensível, que pudesse mostrar como a sua experiência como monitor de Ciências

Humanas em Educação Física mostrava caminhos para essa outra possibilidade de

aprendizagem. Uma possibilidade significativa, instigante, descobridora, orgânica, fluida e

integradora. Uma possibilidade de introduzir o saber sensível na formação em Educação

Física.

– Você se lembra da ideia que nós demos para essa ―metodologia sensível‖? -

falou o professor Amarillo.

– Bem... É... É sobre as fotos e os vídeos que eu faço como monitor das

disciplinas?

– É sobre isso sim. O professor Amarillo sugeriu que você utilizasse os registros

audiovisuais que você faz das aulas como um produto final do seu trabalho de conclusão de

curso - falou a professora Céu.

– Como mostrar de forma sensível que é possível dançar o mito da caverna3?

Como mostrar de forma sensível que são possíveis outras possibilidades de aprendizagem?

Descrever de formar racional, de forma literária e oral não é o único caminho. Um produto

audiovisual é mais um passo para essa sua trajetória do saber sensível, que começou desde a

escolha do tema, passando pela escrita criativa e sensível e chegando num resultado sensível.

O produto audiovisual é a poesia da sua monografia - falou o professor Amarillo.

– Dessa forma, a sugestão que tinha lhe dado como metodologia para realizar essa

produção audiovisual era de utilizar o Paradigma Indiciário. Você vai buscar indícios desse

3 Referência a Alegoria da Caverna do Filósofo Platão

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saber sensível através dos registros fotográficos e de vídeos que você realizou na sua vivência

como monitor. Além desses registros você pode buscar indícios nas produções escritas e

artísticas que os estudantes realizaram durante a disciplina e apresentar uma produção

audiovisual com tudo isso - falou a professora Céu.

– Paradigma Indiciário, audiovisual, Educação Física, saber sensível, quanta

coisa! Fico feliz de trabalhar com duas coisas que gosto: Educação Física e audiovisual.

Ainda mais fazendo uma pesquisa tão prazerosa sobre o saber sensível. Já com esse

Paradigma Indiciário ainda vou me aproximar dele, nunca ouvi falar.

– Para isso procure esses autores e textos.

A professora deu alguns nomes de artigos para José ler sobre o Paradigma

Indiciário, além de autores e autoras que ela conhecia e que tinham feito suas pesquisas com

essa metodologia.

– Tome também esse livro de presente - falou o professor Amarillo.

O professor abriu a gaveta da sua mesa, tirou um livro, fez uma dedicatória e deu

de presente para José. O nome do livro era ―Dados Visuais para Pesquisa Qualitativa‖, de

Marcus Banks. José ficou encantado. Nunca tinha ouvido falar desse tipo de abordagem para

pesquisas acadêmicas.

– Mas antes de você fazer essa nova viagem pela metodologia sensível é preciso

definir quais os registros que vamos utilizar para a busca dos indícios.

– Como assim professora Céu?

– Você é meu monitor de Ciências Humanas em Educação Física, ou seja, será

monitor nas três disciplinas que eu ministro: Fundamentos Filosóficos da Educação Física,

Fundamentos Sociológicos da Educação Física e Ética e Profissionalidade. No semestre

2012.1 você foi monitor de Fundamentos Filosóficos da turma do primeiro semestre e de

Ética e Profissionalidade da turma do terceiro semestre. Nesse semestre você está sendo

monitor da disciplina de Fundamentos Sociológicos para a mesma turma que ingressou no

semestre 2012.1. O que você me diz?

– Eu prefiro fazer o trabalho com a turma do semestre 2012.1, da disciplina de

Fundamentos Filosóficos. Essa experiência de participar desse processo de se descobrir e se

revelar, de se ver quebrando paradigmas, crenças e descorporificando um corpo educacional

tão marcado pela tradição de uma educação cartesiana, reducionista, determinista e racional

está sendo gratificante para mim e acredito que para eles também, ao se perceberem nesse

momento inicial da graduação numa educação mais humana e significativa, com essa

experiência de viver uma Educação Física que integre o saber sensível. Eles vêm do Ensino

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64

Médio para a Universidade e logo nesse primeiro semestre se encantam, se descobrem e se

revelam através dessas outras possibilidades de se aprender pelo saber sensível, de se

aprender não apenas de forma intelectual, cognitiva, racional, fechada, imóvel, calada e

esquecida. Uma possibilidade de corporificar o aprendizado. Por isso é mais relevante

escolher essa turma para realizar esse trabalho e essa produção audiovisual por intermédio dos

vídeos, das fotos e das produções escritas e artísticas desses estudantes e identificar indícios

no percurso deles, nas suas produções, nos seus corpos significativos, móveis, lembrados,

abertos, falantes e atuantes no processo de aprendizagem.

Feita essas definições e essas escolhas eles se despediram. José foi correndo para

sua casa para saber o que era esse tal de Paradigma Indiciário. Ele estava diferente após sua

volta de Racionópolis, via a cidade através de outras perspectivas, mas a cidade continuava a

mesma. A mesma Racionópolis de sempre. A casa de José também permanecia a mesma. Um

ambiente onde ele não conseguia estudar. O barulho e as confusões eram constantes. José

sempre procurava outro ambiente onde estivesse mais tranquilo para estudar. Foi ai que ele se

lembrou da Dona Bergante. Estava com saudades dela. Ele fez sua pesquisa online de

publicações sobre o Paradigma Indiciário, pegou os artigos que a professora tinha lhe

sugerido e pegou outros que ele tinha considerado interessante, colocou o computador na

mochila e foi em direção à Biblioteca Central Cartesiana.

– Olá, meu filho, o que fazes aqui?

Como aquele ―meu filho‖ animava José.

– Estava com saudades suas, Dona Bergante, e queria lhe pedir para ficar naquela

outra biblioteca estudando sobre o Paradigma Indiciário e sobre pesquisas com dados visuais,

por que lá em casa, como sempre, está impossível de se concentrar.

– Claro meu filho, mas acho que agora você vai precisar ainda mais de mim.

– Como assim Dona Bergante?

– Existe uma pessoa aqui em Racionópolis que pode lhe ajudar sobre esse

Paradigma Indiciário.

– Aqui em Racionópolis?

– Sim. E está na sua frente.

– Como assim? A senhora?

Dona Bergante riu e falou:

– Você ainda sabe pouco de mim, José. Já fiz muitas coisas na vida antes de virar

bibliotecária. Assim como você sempre tive sede de aprender coisas novas. Já fui professora,

fotógrafa, cineasta, jornalista, escritora. Até aprender a surfar eu aprendi. E dentre tantas

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coisas que já fiz eu participei de um grupo que estudava sobre o Paradigma Indiciário na

aprendizagem da linguagem.

– Que interessante Dona Bergante!

José ficou maravilhado com aquelas revelações.

– Então me fale mais sobre ele, por favor! – falou José.

Os dois foram para aquele lugar secreto da Biblioteca Central Cartesiana e Dona

Bergante começou a falar para sobre o Paradigma Indiciário. Ela falou que o paradigma foi

proposto pelo historiador italiano Carlo Ginzburg no final do século XIX e trouxe outra

possibilidade de se pensar uma nova epistemologia para as pesquisas nas Ciências Humanas.

Uma epistemologia que tinha seu direcionamento e seu foco para os detalhes, os resíduos e o

que se apresentava como singular:

esse autor chama a atenção para o fato de que um modelo epistemológico fundado

no detalhe, no resíduo, no episódico, no singular, já havia emergido silenciosamente

no âmbito das chamadas ciências humanas no final do século XIX, sem que no

entanto se registrasse a preocupação coma definição de um paradigma de

investigação epistemologicamente coerente com esses pressupostos. Ginzburg

discute exatamente se paradigma, que chama de indiciário, e preocupa-se, dentre

outras coisas, com a definição de princípios metodológicos que garantam rigor às investigações centradas no detalhe e nas manifestações de singularidade

(ABAURRE, FIAD, MAYRINK-SABINSON e GERALDI, 2005, p.6).

– Mas como começou tudo isso Dona Bergante? Ele pensou tudo isso do nada?

De onde ele tirou essas ideias? – disse José.

– Calma, meu filho. Para o historiador esse paradigma teve suas raízes nos

primórdios da humanidade através da figura do caçador, uma pessoa que para a sua atividade

de caça e para a sua sobrevivência aprendeu a decifrar pistas, sinais e indícios deixados por

animais. Segundo Ginzburg (2002) o caçador ―aprendeu a farejar, registrar, interpretar e

classificar pistas infinitesimais como fios de barba. Aprendeu a fazer operações mentais

complexas com rapidez fulminante, no interior de um denso bosque ou numa clareira cheia de

ciladas‖ (p 151). Além disso, José, esse modelo de investigação tem suas bases nas histórias

de Morelli, Sherlock Holmes e Freud.

– Espera ai Dona Bergante. Quem é esse tal de Morelli? O que o grande detetive

criado por Conan Doyle tem a ver com isso? E Freud também? Até Freud explica o

Paradigma Indiciário? Como assim? O que tudo isso tem a ver?

Dona Bergante começou a rir e respondeu.

– Carlo Ginzburg comentou que esse método indiciário, baseado na semiótica, se

revelou, no âmbito das Ciências do século XIX, através desses três personagens. Giovanni

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Morelli foi um médico italiano que também era especialista em identificar se os quadros de

artes eram de autores verdadeiros. Ele fazia uma análise minuciosa dos pequenos detalhes

como os lóbulos das orelhas, as unhas, as formas dos dedos das mãos e dos pés. Para ele esses

pequenos detalhes, imperceptíveis para a grande maioria das pessoas, era o que revelava as

marcas de uma autoria verdadeira. Já o personagem de ficção Sherlock Holmes tinha como

principal característica a descoberta de crimes naquelas pistas que eram irrelevantes e que

passavam despercebidas. Para Freud esse método de interpretação baseado nos indícios e nos

sintomas o tornaram a refletir que ―pormenores normalmente considerados sem importância,

ou até triviais... forneciam a chave para aceder aos produtos mais elevados do espírito

humano‖ (GINZBURG, 2002, p. 149-150). O que chama a atenção é o fato desses três casos

terem a medicina nas entranhas dos seus métodos indiciários, pois Morelli era um médico que

gostava de arte, Conan Doyle, o criador de Sherlock Holmes, foi médico antes de ser escritor

e Freud se formou em medicina e se especializou na psicanálise. Para Ginzburg existem

disciplinas que são ditas indiciárias por se estabelecerem nesse tipo de modelo de ciência ―que

se preocupa com o particular, com o diferente, com os sinais peculiares que caracterizam a

singularidade de cada objeto, e o paradigma de análise qualitativa que ele descreve com

relação às ciências humanas‖ (DUARTE, 1998, p.37). Dentre essas disciplinas estão a

filologia, a história, a arte, a linguagem e principalmente a medicina, que tem suas origens

indiciárias na Grécia Antiga através de Hipócrates que criou a medicina preventiva e

antecipou uma ideia revolucionária de que o médico poderia predizer o que estava

acontecendo com a doença através de uma análise detalhada e cuidadosa dos vários casos

daquela doença (PIMENTEL e MONTENEGRO, 2007). Fazendo referência aos três casos

acima e a medicina Ginzburg (2002) nos indaga:

Como se explica essa tripla analogia? A resposta, a primeira vista, é muito simples.

Freud era um médico; Morelli formou-se em medicina; Conan Doyle havia sido

médico antes de dedicar-se à literatura. Nos três casos, entrevê-se o modelo da

semiótica médica: a disciplina que permite diagnosticar as doenças inacessíveis à

observação direta na base de sintomas superficiais, as vezes irrelevantes aos olhos

do leigo(...) Mas não se trata simplesmente de coincidências biográficas. O final do

século XIX– mais precisamente, na década de 1870-80 – começou a se firmar nas

ciências humanas um paradigma indiciário baseado justamente na semiótica. Mas as

suas raízes eram muito antigas (p 150-151).

– Então para Ginzburg existiam disciplinas indiciárias e disciplinas não

indiciárias. Mas o que tudo isso pode ser relevante? - perguntou José.

– Ora José sua monografia mostra uma nova possibilidade de compreender o

ensino e a aprendizagem no âmbito da formação da Licenciatura em Educação Física por

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intermédio do saber sensível, um saber que não seja reducionista, mecânico, positivista,

direitista e apenas cognitivista. Ginzburg traz com esse Paradigma Indiciário uma nova

possibilidade de se pensar uma nova epistemologia para as Ciências Humanas, de se revelar

outros métodos possíveis para se fazer ciência. Essas disciplinas que você chamou de não

indiciária, ele chama de disciplinas das ciências galileanas, das Ciências Naturais que se

baseiam no modelo da física de Galileu, um modelo experimental, quantitativista, estatístico,

sistemático, matemático, com regras formais, que separa sujeito do objeto, que se caracteriza

pela generalização e a não aceitação da individualidade do fenômeno pesquisado, orientado

exclusivamente para as regularidades da natureza (GOES, 2000), (CUNHA, 2009) e

(DUARTE, 1998):

O paradigma galileano, ao apagar os traços individuais do objeto em nome de uma

racionalização e objetivação do conhecimento, acaba por banir a dimensão

emocional (dimensão estética) do observador para a produção do conhecimento,

que, segundo o mesmo [Ginzburg], passa por outros sentidos que não apenas a razão

ou intelecto (LOPES, 2004, p.30).

– Então José, buscando novas possibilidades de se fazer ciência, seja qual ela for,

Humana ou Natural, é preciso estar aberto a novos saberes que por muito tempo a ciência

positivista não incorporou e não valorizou. Não se pretende questionar a contribuição que o

positivismo teve na historia da ciência, que permanece produzindo conhecimentos pertinentes

sobre a nossa realidade, ―porém os resultados e conquistas obtidos depois de mais de dois

séculos, que têm nos colocado atualmente, nos mais diversos campos, em situações-limites

que a própria ciência reconhece-se incapaz de solucionar‖ (PIMENTEL e MONTENEGRO,

2007, p. 187):

É preciso questionar os saberes científicos, saberes dos vencedores, pois a

concepção dominante é aquela que, valorizando de forma intensa as estratégias de

inteligência cognitiva, desvaloriza as demais, como as corporais, sensitivas e

intuitivas (inteligência corporal, viva), que também são formas de expressão da

humanidade. Isso se deve, em grande parte, à necessidade de homogeneizar, para

acabar com as diferenças, no intuito do controle e da conformação social e, para

isso, a modernidade produziu o Estado absoluto com suas instituições (escolas,

hospitais, exército ...). É preciso romper com esse modelo de ciência instrumental, compreendendo que a ciência do controle, da exatidão, do conhecimento como valor

universal não permite a incerteza, a curiosidade e outras formas de relação com o

conhecimento (PIMENTEL e MONTENEGRO, 2007, p. 186).

– Que interessante Dona Bergante observar que esse Paradigma Indiciário se

relaciona com a minha pesquisa sobre o saber sensível. O Paradigma Indiciário é flexível,

volúvel, fluxo e se conecta de acordo com as situações que aparecem. Foi muito

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surpreendente perceber essa conexão do saber sensível e do Paradigma Indiciário, pois eles se

assemelham, se cruzam e se completam:

O paradigma indiciário valoriza a aproximação emocional do observador com o seu

objeto, os traços e o conhecimento individuais em detrimento à generalização. A

verdade é o que se consegue provar, às vezes, com auxílio da sensibilidade (emoção)

e da razão, porque o absoluto é inatingível. Assim, é preciso enfatizar que a prova no

método indiciário, não se restringe ao controle racionalista/positivista. O

conhecimento é possível neste paradigma através da relação Razão e Emoção, e não

na oposição Racionalismo versus Irracionalismo marcada pela oposição lógica, por

exemplo, entre parte e todo, aparência e essência, sincrônico e diacrônico, histórico

e lógico, universal e singular, sujeito e objeto, passado e presente, teoria e prática, etc (RODRIGUES, 2005, p.6).

– Muito bem José. O Paradigma Indiciário faz uma relação entre a razão e

sensibilidade enquanto o paradigma positivista faz um confronto do racionalismo versus

irracionalismo. Assim como o saber sensível não pode ser reprimido pelo saber inteligível, o

Paradigma Indiciário não pode ficar à deriva do paradigma positivista. E é nessa conexão

entre os indícios e a sensibilidade que você deve buscar na sua pesquisa. Essa metodologia

não se concentra na quantidade de dados, mas na qualidade e o significado e o significante

que os indícios revelam nos diversos corpus analisado (MELO, 2011, p.159). Richter, Reis e

Pessolano (2002) nos diz que ―Para o PI (Paradigma Indiciário) não importa a quantidade de

dados obtidos, mas a sua relevância para o problema investigado, confirmando uma das

características fundamentais das investigações qualitativas‖ (p.6):

Dessa forma, o indiciarismo poderia tornar-se um dos ―caminhos‖ [metodologia]

através do qual o mistério da unidade subjacente à diversidade existente no mundo,

objeto de todo conhecimento, pode adquirir um sentido fora do debate desgastado da

razão e desrazão, onde o mito da neutralidade/eficácia tudo explica e tudo molda

com os critérios absolutistas de verdade (...). Trata-se de um método onde o faro, o

golpe de vista, a intuição - que pertence a todos os homens sem distinção e une

estreitamente o animal homem às outras espécies animais – ganha uma importância

inusitada. (RODRIGUES, 2005, p.6).

– Então José, seu outro desafio nesse seu trabalho todo baseado no sensível é

buscar foto-indício, vídeo-indício, texto-indício, palavra-indício, frase-indício de uma

formação em Educação Física que incorpore o saber sensível, tornando a aprendizagem

significativa, fazendo com que os estudantes se descubram e se revelem como corpos

aprendentes possíveis de conhecimento. Tudo isso através dos seus registros e das produções

dos estudantes da disciplina:

O divergente, o diferente e a multiplicidade de histórias e vivências são contributos

para a construção do saber. O processo de conhecimento forma-se também

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69

utilizando os sentimentos, as emoções, os desejos, e os sonhos, e estes não devem ser reprimidos em detrimento de uma ditadura racionalista, todos os sentidos agem

completando-se, combinando e reforçando significados (PALHANO, 2009 p.4).

– É uma metodologia que tem como seus elementos constituintes a diversidade, o

plural, a alternatividade, que trabalha com os opostos, com a dúvida, as incertezas e tem a

ousadia de se arriscar, buscar novas possibilidades e estudar o micro e não apenas o

macroscópico (PALHANO, 2009). Existem duas questões metodológicas cruciais que dizem

respeito ao Paradigma Indiciário: 1) aos critérios para identificar os dados que serão

colocados como representativos para se obter a ―singularidade que revela‖, pois no sentido

básico, quaisquer dado é um dado singular; 2) ao que se estabelece como ―rigor

metodológico‖, que não pode aqui ser compreendido da mesma forma que é estabelecido nos

paradigma de investigação racionalista cujos procedimentos são experimentais, de

replicabilidade e baseados na quantificação (ABAURRE; FIAD; MAYRINK-SABINSON e

GERALDI, 2005). Sobre esse rigor metodológico é preciso entendê-lo como um rigor

científico diferente dos tratados nas pesquisas de métodos positivistas. Ginzburg propõe um

―rigor flexível‖ que apresente um caráter conjectural, permitindo reelaborações e

ressignificações, sendo as pistas tratadas de forma assistemática, com flexibilidade necessária,

sem se fechar e engessar (DOMITROVIC, 2011). Um rigor metodológico flexível que não

precise trabalhar com regras formalizadas, explícitas ou que já existam previamente, mas que,

o faro, o golpe de vista e a intuição possam também fazer parte da pesquisa científica, se

assim for necessário (SUASSUNA, 2008, p.365). Para Ginzburg é preciso não se perder no

uso do termo intuição, pois essa intuição de que ele fala é uma ―intuição baixa arraigada nos

sentidos‖ e não a intuição supra sensível dos vários irracionalismos que se estabeleceram nos

séculos XIX e XX (DOMITROVIC, 2011). O importante José é ter a ideia de que a pesquisa

qualitativa exige um rigor diferente da pesquisa quantitativa, sem desmerecer uma ou outra,

mas respeitando a diversidade de possibilidades:

torna-se necessário (...) o estabelecimento de um rigor metodológico diferenciado

daquele instaurado pelas metodologias experimentais, uma vez que o olhar do

pesquisador está voltado, neste paradigma, para a singularidade dos dados. No

interior desse ―rigor flexível‖ (tal como o denomina Ginzburg) entram em jogo

outros elementos, como a intuição do investigador na observação do singular, do

idiossincrático, bem como sua capacidade de, com base no caráter iluminador desses

dados singulares — tal como propõe o paradigma indiciário — formular hipóteses

explicativas interessantes para aspectos da realidade que não são captados

diretamente, mas, sobretudo, são recuperáveis através de sintomas, de indícios

(QUARTAROLLA, 1994 apud DUARTE, 1998, p. 40).

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70

– Entendi os caminhos desse percurso pelo Paradigma Indiciário, mas e eu como

pesquisador?

– Meu querido José, o pesquisador como você que se utiliza do Paradigma

Indiciário deve ter em mente que o indício se estabelece como um dado em relação às

hipóteses iniciais e que ele deve se colocar num movimento entre os dados e a hipótese para a

construção de interpretações para o fenômeno observado, ou seja, a partir dos dados

aparentemente negligenciáveis o pesquisador remonta uma realidade complexa, que não é

diretamente experimentável (SUASSUNA, 2008). No seu caso José, você vai considerar as

pistas deixadas pelas estudantes por intermédio dos registros que você fez e das produções

deles e com a sua hipótese de que é possível um processo de ensino aprendizagem que

considere o saber sensível dentro da Educação Física, irá interpretar essas pistas, identificando

as marcas que revelam essa aprendizagem pelo sensível. ―Nesse tipo de abordagem, o

pesquisador não há de esperar a repetição de certas ocorrências, mas deve interpretá-las no

que elas têm de relevante ou significativo para explicar aquilo que se quer compreender‖

(SUASSUNA, 2008, p. 366). Essa autora ainda nos cita outra autora para nos dizer de umas

das ferramentas principais da pesquisa com o Paradigma Indiciário: a intuição. Ela coloca

como fundamental ―o papel da intuição do pesquisador na observação e na análise do dado

singular, com vistas à formulação de hipóteses plausíveis para explicar aspectos da realidade

não captáveis diretamente, mas recuperáveis exatamente através de sintomas e indícios‖

(QUARTAROLLA, 1994 apud SUASSUNA, 2008, p.367).

– Essa sugestão da minha orientadora Céu em utilizar o Paradigma Indiciário

casou direitinho com a pesquisa sobre o saber sensível.

– E é preciso José que percebamos a importância do Paradigma Indiciário para a

educação. Apesar de ainda não ter sido teorizado explicitamente e ainda permanecer

inconcluso, inacabado e não sistematizado, esse paradigma ainda se estabelece amplamente

vivo e operante, com uma significância epistemológica muito importante. A busca nas e pelas

pistas dos indícios é por uma Educação Física que incorpore o saber sensível e seja cada vez

mais emancipatória, humana e significativa. Tais indícios devem ser buscados com muita

atenção através dos acontecimentos que ocorrem na escola, na universidade, na sala de aula,

pois podem permitir que os educadores compreendam momentos de fracasso, dificuldade,

desinteresse e percebam que é preciso adquirir essa observação para os detalhes

comportamentais dos educandos, de suas inquietações, dúvidas e descobertas, fazendo da

prática pedagógica um ato de valorização do educando como parte importante na construção

do seu conhecimento, possibilitando uma aprendizagem significativa:

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71

Observar a atitude dos alunos durante o trabalho com o conteúdo, sua postura frente

ao emprego da metodologia, suas construções elaboradas por meio da avaliação,

seus gestos, silêncios exige de nós uma escuta atenta aos indícios. Eles é que poderão nos direcionar na construção de uma outra cultura escolar – não aquela

apenas baseada na nota, no erro e acerto, nos fortes e fracos, nos inteligentes e nos

não inteligentes – mas a que valoriza o risco e a criação, a criatividade e a

transgressão de novos olhares e novas formulações, na medida em que estudar

propicia relacionar os conhecimentos com a realidade de sua vida, seu meio social.

Para isso, é preciso que o educador esteja atento (PIMENTEL e MONTENEGRO,

2007, p. 190).

– Então Dona Bergante não é ser contra a construção do conhecimento dos

estudantes baseado no modelo instrumental do saber e fazer científico, mas enriquecer essa

construção valorizando as experiências, a intuição, a curiosidade, os gestos, as diversas

linguagens, as diversas culturas, os diversos sentimentos e os múltiplos saberes que podem

aparecer quando se aguça a sensibilidade de professores e estudantes e se descobre a

capacidade de criação de novos conhecimentos, num diálogo de possibilidades que

potencialize a formação de pessoas mais criativas, intuitivas, versáteis, ampliando a leitura de

mundo e a essência do ser humano, que é ser humano (PIMENTEL e MONTENEGRO,

2007).

– Exatamente José! O saber sensível e o Paradigma Indiciário devem caminhar

juntos nessa sua pesquisa.

O indiciado da vez é o indiciário.

O Paradigma Indiciário.

Acusado de ser incendiário.

Culpado por promover infinitas

possibilidades.

Dentro do campo de batalha.

O campo da pesquisa limitada.

Rá, que cilada!

Sofreu com sua ideologia.

Em querer observar o pulsar da vida.

Foi encarcerado.

Aqui não é permitido Holmes – falou o

delegado.

Você é acusado por indiciarismo.

Um crime grave. Um grave delito.

Delito contra as certezas.

Aqui nessa cidade.

Nada de tornar visível o invisível.

– Mas a vida é múltipla!

Não tinha jeito.

O indiciário pra prisão foi levado.

Por querer relacionar razão e

sensibilidade.

Seu aliado, o saber sensível?

Conseguiu escapar.

Esperança, ainda há.

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72

1100.. AA

AAVVEENNTTUURRAA

PPEELLOOSS

DDAADDOOSS VVIISSUUAAIISS

Eu gosto do absurdo divino das imagens.

(Manuel de Barros, 2010)

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73

Depois de saber os caminhos por onde andar pelo Paradigma Indiciário, José

definiu seus próximos passos. Escolheu como outro aporte metodológico o método visual de

pesquisa qualitativa para a coleta e análise dos dados. Os registros audiovisuais (fotos e

vídeos) das aulas e das produções escritas e artísticas dos estudantes feitos por José durante a

sua experiência como monitor da disciplina de Fundamentos Filosóficos da Educação Física,

da turma que ingressou no semestre 2012.1 ―guardavam‖ indícios de um saber sensível na

Educação Física. Era possível revelá-los. Com os indícios, José teve como ideia a construção

de um produto audiovisual que expressasse o ―se descobrir e o se revelar dos estudantes‖

durante a experiência de ensino-aprendizagem do sensível.

A escolha pelo método visual para coleta e análise de dados surgiu antes mesmo

de José pensar em trabalhar numa pesquisa sobre o ensino e a aprendizagem do saber sensível

na Licenciatura em Educação Física. Vivendo em Racionópolis ele se surpreendeu quando

nos primeiros dias de aula sua como monitor da disciplina de Fundamentos Filosóficos em

Educação Física a professora Céu pediu que José fosse registrando as aulas em fotos e vídeos

através da câmera que ela tinha levado.

– Mas registrar o que? – perguntou José.

– Vá registrando aquilo que vai chegando até você. – respondeu a professora.

José não entendeu muito aquela resposta, mas começou a tirar foto e fazer vídeos

das aulas, afinal mexer com audiovisual era outra coisa que ele gostava muito. Depois dessas

primeiras aulas a professora perguntou se José tinha uma câmera fotográfica. Ele tinha. Ela

então pediu que ele trouxesse em cada aula para que ambos pudessem fazer os registros. José

ainda estava sem entender o porquê de tudo aquilo, mas durante as aulas seguintes ele não

deixou de levar sua câmera e registrar aquilo que ia chegando até ele, mesmo sem saber que

aquilo era aquele. Até que chegou um dia e José não se conteve.

– Professora Céu me explique realmente qual o propósito de se fazer esses

registros das aulas?

– Esses registros José são para inúmeros fins. Não fazemos um percurso linear,

mas tivemos uma formação linear. Às vezes os estudantes não conseguem percebem o quanto

aprenderam e como, até que se assistam num vídeo. A sequência de fotos permite resgatar o

percurso de aprendizagem. As vozes, as narrativas, as falas, permitem demonstrar como olhar

sobre determinado conteúdo foi se transformando. Todos juntos dialogamos sobre as

possibilidades de uma educação transformadora em que os estudantes se descobrem e se

revelam sujeitos ativos de uma aprendizagem significativa e como eles corporificam o

aprendizado, não apenas memorizando dados e fatos filosóficos. Esses registros são

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74

reveladores quando se compreendem, revendo tudo o que produziram, como ativos na

produção do conhecimento, no processo de ensino e aprendizagem com autoria e criatividade.

Durante toda a sua vivência como monitor José foi registrando as produções que

os alunos faziam nas aulas, os relatos deles e qualquer outra coisa que ele achasse

significativo, sem saber que esses registros não serviriam apenas para a disciplina, mas

também para o seu futuro trabalho de conclusão de curso. O período que José iniciou a

monitoria coincidiu com o período em que ele teria que escolher sobre que tema ia trabalhar

na sua monografia e que orientador(a) ele iria querer. Como já foi dito nesta história José teve

muitas dúvidas sobre qual tema escolher para seu trabalho monográfico e qual orientador(a)

escolher para lhe ajudar nesse trabalho. Até que quando foi proposto o desafio de se fazer uma

monografia toda no sensível através da sua experiência como monitor José se lembrou logo

dos registros audiovisuais, mas ficou na dúvida se o seu desejo de utilizá-los de alguma forma

no seu trabalho de conclusão de curso seria possível.

Graças ao professor Amarillo esse desejo de José foi possível. Foi ele que mostrou

para José o livro ―Dados visuais para pesquisa qualitativa‖, de Marcus Banks, que garantia

teoricamente essa possibilidade. A partir daí José começou a procurar na internet se existiam

outros trabalhos que se utilizassem de uma metodologia visual para a coleta e análise de

dados. ―É importante enfatizar que os métodos visuais podem utilizar tanto imagens estáticas

(fotografias) quanto imagens em movimento (filmes e vídeos)‖ (MENDONÇA & CORREIA,

2008, p.134). José acabou descobrindo que uma bibliografia especializada que traga manuais

de métodos e técnicas de investigação em metodologias visuais é praticamente inexistente,

pois assim como o saber sensível e o Paradigma Indiciário a metodologia visual também

sofreu com as ciências positivistas que não legitimavam esse tipo de abordagem para as

pesquisas cientificas. (CAMPOS, 2011).

Como sempre acontecia quando José ficava empolgado e queria compartilhar sua

alegria com alguém ou falar algo, ele foi direto procurar Dona Bergante que sempre o recebia

muito bem e ficou empolgada com a ideia e muito curiosa pra ver as fotos e os vídeos.

– A grande discussão Dona Bergante é no respaldo que esse tipo de metodologia

possa ter para o conhecimento cientifico, por ser subjetiva e polissêmica.

– Mas a palavra, por exemplo, é também polissêmica José. As imagens são

onipresentes na nossa sociedade, têm uma forte significância e podem sim desempenhar um

papel importante para a colheita de dados. Se eles justificam que a imagem pode gerar

múltiplos sentidos, a palavra, por ser polissêmica, também pode. Já subjetividade da imagem

pode proporcionar que se revele algum conhecimento que não é possível por outro meio de se

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fazer ciência. Sua preocupação tem que ser em fazer um passo a passo de como se estabelecer

o vínculo entre o Paradigma Indiciário e a metodologia visual:

Na mais acomodada prática estamos fadados ao fracasso de querer usar

somente palavras para pensar quando devo permitir um raciocínio amplo do

que a imagem e a sua carga simbólica possa carregar, ainda que venha

dotada de subjetividade. E quanto a esta, não posso querer excluí-la do

processo de formação do conhecimento, pois a subjetividade está implicada

no homem assim como sua própria existência. Seria equívoco ignorar a

essência do pesquisador na construção de sua filosofia e pensamento. O

saber científico se constrói pela inteireza do homem e toda a sua carga existencial. A imagem não deixa de ser instrumento científico pela

característica de suas potencialidades subjetivas (OLIVEIRA, 2012, p.57).

– É verdade Dona Bergante. Um autor chamado Flick (2007) destaca que ―as

fotografias, os filmes e o vídeo são cada vez mais utilizados como formas genuínas e fontes

de dados‖ (p.161). E é como diz Banks (2009):

Restringir-se a uma única metodologia ou área de investigação é tão

sociologicamente limitador quanto ignorar deliberadamente uma metodologia ou

uma área. Este livro [Dados visuais para pesquisa qualitativa] é uma tentativa de argumentar que as metodologias de pesquisa visual são diferenciadas e valiosas e

devem ser consideradas pelo pesquisador social, seja qual for o projeto. Não é uma

tentativa de provar que tais metodologias suplantam todas as outras. A pesquisa

visual dever ser vista como apenas uma técnica metodológica entre muitas a serem

empregadas por pesquisadores sociais, mais apropriada em alguns contextos menos

em outros (p.18 e 19).

José continuou falando para Dona Bergante.

– Ainda sobre a importância de se utilizar os métodos visuais para pesquisa

qualitativa, em determinados contextos, o mesmo autor nos alerta que é crescente os métodos

de pesquisa com filmes e fotografias, pois se percebe que os métodos de entrevista, por

exemplo, definem a pesquisa até um determinado momento. Já o audiovisual pode

proporcionar ir além do que as palavras podem dizer e representar. Eu pretendo utilizar os

métodos visuais para esse trabalho direcionando os olhares para o corpo, para os sentimentos,

para as emoções e para um saber sensível. Vou me basear na história do antropólogo visual

Jay Ruby, que utilizou uma série de mídias para a apresentação do seu projeto social. Jay

chamou a sua metodologia de ―uma etnografia pictórica‖, utilizando-se também de uma

abordagem reflexiva e colaborativa. Ele estava disposto a publicar o resultado de sua pesquisa

de modo não convencional. Seu método escolhido foi um CD, no qual continha imagens fixas

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76

e em movimento, e nesse caso, armazenava muito mais conteúdo significativo do que se

tivesse publicado um livro ou um filme etnográfico (BANKS, 2009).

– Para esse produto audiovisual e para a sua apresentação é importante estar

atento para alguns detalhes, como a multivocalidade das imagens, pois ―Dizer que imagens

são multivocais, e ―falam‖ para diferentes pessoas em diferentes contextos de diversas

maneiras é um axioma da própria pesquisa visual‖ (BANKS, 2009, p.122). A compreensão

do público é um aspecto relevante que deve ser levado em consideração, assim como as

relações entre imagens e textos. Estar atento para o público-alvo, mas também para os

públicos imprevisíveis. E uma apresentação visual de uma pesquisa que estuda sobre o saber

sensível se incorpora e se torna extremamente relevante a partir da fala de Banks (2009) ―na

apresentação de pesquisa visual os pesquisadores podem tentar trabalhar com imagens,

deixando-as falar por si mesmas, por assim dizer, em vez de tentar forçá-las a se adaptar a

uma programação intelectual predeterminada‖ (p.124). E sobre a importância da imagem

como método de pesquisa, penso como Oliveira (2012) que em sua dissertação de mestrado

apresentou o resultado da sua análise dos dados num álbum de fotografias. Enquanto eu me

detenho na importância e na defesa da imagem e do vídeo como método de pesquisa, ela se

focou na fotografia:

O lugar da imagem está nos livros, nas músicas, nos cheiros, na pele, na textura das

coisas, ela torna-se presença viva na matéria e no que é imaterial. Podemos ouvir

imagens, sentir imagem, falar imagem, ler imagem, tocar imagem, cantar imagem.

Ela assume diferentes formas, presente em diversas linguagens. Assim quero acolher

a imagem como uma cultura, uma escrita, uma comunicação. Penso por meio dela e pesquiso por meio dela. A imagem como método de pesquisa assumindo seu espaço

social dentro de uma cultura que a relega sempre a uma segunda categoria dentro da

academia. Já não convém negar o lugar que cabe a ela estar, a linguagem que ela

pode assumir. As ciências sociais tem o compromisso de construir conhecimento

também através da linguagem visual, utilizando a fotografia como método de

pesquisa (p.37).

– Mas José, como você irá fazer esse link entre o Paradigma Indiciário e a

metodologia visual? Você acha possível? – perguntou Dona Bergante.

– Olha Dona Bergante, como já tenho lhe dito, essa monografia sempre se

mostrou um desafio que eu resolvi me aventurar, desde a escolha do tema até chegar ao seu

fim que é a apresentação. E com a metodologia não poderia ser diferente. Paradigma

Indiciário e metodologia visual foram duas coisas que eu nunca tinha ouvido falar na vida,

principalmente para pesquisas acadêmicas, mas analisando todo esse percurso eu acho que

essa dupla forma um casal perfeito. Para esse tipo de pesquisa seja passado a diante para

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estudos sobre o corpo, por exemplo, é preciso: 1) Fazer o registro audiovisual do fenômeno a

ser estudado, sem julgamentos. Você escolherá se vai desejar trabalhar só com fotos, só com

vídeos ou os dois; 2) Ter em mente os indícios que se deseja buscar nos registros audiovisuais

para a hipótese proposta; 3) Verificar onde se encontra os indícios que se quer buscar nos

registros audiovisuais feitos; 4) Separar os registros que contém os indícios; 5) Categorizar os

indícios por meio da condução do seu olhar para os seus desejos sobre fenômeno estudado; 6)

Produzir com esses registros um produto audiovisual que relate as categorias dos indícios que

se deseja mostrar desse fenômeno.

– E você conseguirá também com esse trabalho quebrar esses tradicionalismos das

apresentações de trabalhos monográficos?

– Meu desejo é que sim Dona Bergante. Como também sempre desejei que essa

monografia fosse toda no sensível, eu quero ela seja do começo ao fim, pois está sendo uma

quebra de crenças, que eu não tenho a mínima ideia do que possa acontecer. Como sempre

vou me aventurando nas coisas que gosto e que me dão satisfação em realizar. Sobre a

―aceitação‖ ou não desse trabalho, de seu formato, de sua escrita, de sua metodologia eu não

espero nada. O que me importa é que essa monografia, da forma que ela é, possa ser relevante

para a Educação, para a Educação Física, para os professores e estudantes de Educação Física

e que possa trazer novas possibilidades de se fazer ciência e de se pensar outras possibilidades

de tornar a aprendizagem dos educandos mais significativa, principalmente corporificando-a.

Dona Bergante sentiu a emoção de José ao falar desse seu desafio monográfico e

de como ele parecia empenhado para fazer uma produção que além de significativa fosse

também estética. José falou para Dona Bergante que vai fazer o máximo, e espera que seja

feliz nas revelações dos indícios para que o produto audiovisual saia bom, belo e que seja

capaz de apresentar tantos os indícios que deem conta do saber sensível, quanto que posso

abrir portas também para interpretações alternativas, para outros possíveis indícios que os

outros podem observar e compartilhar.

Eles se despediram e José prometeu voltar para aquele lugar. Dona Bergante disse

que seria sempre um prazer recebê-lo.

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78

11.

E agora, José?

A festa acabou,

a luz apagou,

o povo sumiu,

a noite esfriou,

e agora, José?

e agora, você?

(...) você marcha, José!

José, para onde?

(Carlos Drummond de Andrade – José)

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79

E agora José, para onde você vai marchar? Você passou toda a sua vida em

Racionópolis, conheceu a Sensinópolis, teve a oportunidade de viver uma experiência como

monitor de iniciação à docência nas disciplinas de Ciências Humanas em Educação Física,

percebeu que uma aprendizagem pelo saber sensível é possível na formação dos estudantes do

curso de Licenciatura, fez registros audiovisuais dessa aprendizagem, conheceu o paradigma

que busca indícios do que se quer mostrar, vai buscar esses indícios nos registros

audiovisuais, mas e agora? Para onde ir? Qual a sua jornada?

A jornada de José era uma jornada sem fim, era uma jornada que sempre tinha um

começo. O paradoxo da jornada como uma espiral.

figura 1 - http://www.facebook.com/photo.php?fbid=487269901333112&set=a.233367313390040.59062.212099128850192

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José, desde que se descobriu, sempre quis fazer o curso de Licenciatura em

Educação Física. Queria ser aquele professor que era quase sempre querido por todos os

estudantes e que tinha uma relação bem próxima com eles. Apreciador de esportes, ele

admirava aquela profissão em que o professor ensinava os seus estudantes alguma modalidade

esportiva. Na visão que José tinha sobre a Educação Física na escola, era só isso: esporte. Foi

esta a vivência que o menino teve durante anos e anos.

Atualmente ainda é clara a lembrança de um professor de Educação Física que

dizia para seus estudantes: ―Vocês devem fazer vestibular para Educação Física e tornarem-se

professores, olha ai... é só fazer uma aula aqui e ali e, no mais, entregar a bola pro racha e

receber no final do mês um dinheiro mole, mole!‖. Felizmente não foi esse tipo de exemplo

que fez José querer ser professor de Educação Física.

Antes de ingressar na Universidade José acreditava que o curso de Licenciatura

em Educação Física da UNIRACIO era quase que exclusivamente todo prático, que ele ia

praticar muitos esportes e que ia ser uma moleza fazê-lo e terminá-lo. Doce ilusão. Outra

visão que José tinha da Educação Física era que quase todos os(as) estudantes do curso eram

bombados(as). Isso o deixava aflito, afinal ele nunca se encaixou nos padrões que a sociedade

estabelecia como referência de beleza e achou que ia sofrer no curso por isso. Para sua alegria

o curso era formado por pessoas múltiplas, em todos os sentidos.

Vários estigmas foram sendo quebrados. O curso também era múltiplo. Só

esportes e atividade física? Nada disso! Filosofia, Sociologia, História, Antropologia, Ética,

Psicologia, Cultura, Política. As Ciências Humanas também faziam parte, para a felicidade de

José. E assim, entre disciplinas da área biológica, da área das humanas e da área específica da

Educação Física, entre participação de projetos de pesquisa, de projetos de monitoria, de

grupos artísticos, de grupos políticos, entre os corredores, salas, laboratórios, quadras e afins a

sua jornada formativa foi se construindo no curso de Licenciatura em Educação Física da

UNIRACIO.

Nesta jornada... de repente, após a sua experiência como monitor de iniciação à

docência no seu último ano de curso, fez com que José entrasse numa reflexão profunda sobre

que licenciado ele estava se formando até aquele momento? Que formação estavam tendo

também seus colegas de curso? José ficou preocupado. ―O ser humano não aprende somente

com sua inteligência, mas com seu corpo e suas vísceras, sua sensibilidade e sua imaginação‖

(MOREIRA; PORTO; MANESCHY & SIMÕES, 2006, p. 140) foi uma das frases que

marcou esta experiência de José como monitor. ―Eles tem que viver essa experiência que

estou vivendo. A Educação Física é mais do que aquilo que a gente imagina que é e pode ser.

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Ela pode ser possível de outra forma. O seu ensino e aprendizagem é possível de outra

maneira‖, dizia ele nas conversas com os colegas de curso. E assim, junto com uma amiga

chamada Luz eles foram conversar com a professora Céu.

– Ei José, o que tu acha da gente falar com a professora Céu para ela oferecer uma

disciplina optativa no próximo semestre para que outras pessoas do curso possam viver a

experiência que você viveu como monitor da disciplina de Fundamentos Filosóficos da

Educação Física? – falou a amiga Luz.

– Que ótima ideia, Luz. Nossa formação precisa também considerar essa outra

possibilidade de ensino aprendizagem que ela trouxe para a formação em Educação Física da

UNIRACIO. Uma formação na multidimensionalidade do ser humano que considera outros

saberes, outras linguagens, outras inteligências, que considera mais o como fazer do que o que

fazer, que traz outros olhares para o que seja a Educação Física e a formação dos estudantes

como futuros professores da área, que tem o seu foco na aprendizagem, da preocupação de

como os estudantes aprendem e não apenas de como o professor ensina, que considera o

estudante como assimilador, construtor e produtor do conhecimento, que considera o

estudante na sua complexidade e na sua corporeidade. Uma corporeidade que é aprendente

(MOREIRA; PORTO; MANESCHY & SIMÕES, 2006):

Advogar o princípio da complexidade para um corpo ativo, uma corporeidade

aprendente, é assumir que não se está procurando uma receita como resposta, mas

um desafio, uma motivação para o ato de pensar. Também é assumir que aspirar à

complexidade é tender para o conhecimento multidimensional, sabendo que a

complexidade surge como dificuldade, como incerteza, e não como uma clareza ou como uma resposta. É necessário que se procure o caminho de um pensamento

multidimensional que integre e desenvolva a formalização e a quantificação, mas

que não se restrinja a estas, porque a realidade antropossocial é multidimensional

por conter sempre uma dimensão individual, uma dimensão social e uma dimensão

biológica (MOREIRA; PORTO; MANESCHY & SIMÕES, 2006, p. 142).

A professora Céu aceitou o pedido de José e Luz e, no semestre seguinte, ofertou

a disciplina chamada Corporeidade e Educação. No primeiro dia aula, os estudantes estavam

reunidos, olhos atentos em busca do novo e num diálogo inicial, conversaram sobre o que

esperavam aprender. Então veio a ideia de fazer um resgate filosófico, sociológico e

antropológico da Educação Física tentando minimizar a lacuna que muitos estudantes sentiam

nessa área. Impulsionados por José queriam viver a experiência de profunda aprendizagem da

sua monitoria, a experiência do saber sensível na formação dos estudantes de Educação

Física. Infelizmente só oito estudantes participaram.

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82

– Mas José, você acha que essa é a solução? Você acha que isso é que vai mudar

tudo na formação do licenciado em Educação Física? – perguntou a amiga Luz.

– Não sei minha querida, mas ver como eu vi o quanto é significativo essa

experiência do saber sensível para a formação estética dos estudantes de Licenciatura em

Educação Física é uma oportunidade que eu gostaria que muitos estudantes do curso

vivessem. E que fosse possível também nas outras disciplinas das diversas áreas que

abrangem o nosso curso. Como você já sabe, eu vivi essa experiência sendo monitor,

registrando através de fotos e vídeos esse percurso formativo que interliga o saber sensível e o

inteligível e também vivi como sendo aluno da disciplina de Corporeidade. Imaginar-me sem

isso na minha futura prática docente é me imaginar inacabado, limitado, segmentado. Não sei

o quanto isso seria a solução, mas a possibilidade de integrar o saber sensível, de tornar o

corpo vivo e significativo na formação dos estudantes de Licenciatura em Educação Física da

UNIRACIO está ao nosso dispor e eu acho que ela deve ser aproveitada ao máximo para que

eles possam ter outros olhares para o que seja corpo, para o que seja Educação Física e para o

que queiram aprender.

A jornada de José pela representatividade do ensino e a aprendizagem do sensível

na Licenciatura em Educação Física da UNIRACIO começa, termina e recomeça pelos

indícios. Indícios que ele buscou nas produções artísticas e acadêmicas dos estudantes e nos

registros em fotos e vídeos da sua experiência como monitor. Indícios que ele encontra,

indícios que ele deixa, indícios que fazem pensar uma ressignificação da prática pedagógica

do professor de Educação Física, indícios que mostram outros olhares para a visão de corpo

que os estudantes passam a ter, um corpo não mais reduzido, mecânico, dócil e separado da

mente, mas um corpo ascendente, que ascende para ser integrado, interligado, pleno. Indícios

que possibilitam pensar uma formação estética e ética. Para José foram os indícios,

identificados nesses registros, que o inspiraram para voltar a querer a docência, depois de ter

passado por uma dura crise de não querer mais ser professor. Os indícios carregaram José pela

vontade de querer multiplicar essa semente e fazer do saber sensível uma possibilidade

transformadora na vida dos estudantes de Educação Física.

Essa monografia escrita em forma de história possibilitou a José um revelar de sua

escrita, de seu processo de investigação, de seu mergulho teórico e da sua profunda

ressignificação do sensível na docência e na ciência.

Agora José segue seu caminho. Com a mochila nas costas começa uma nova

jornada. Com uma latente vontade presente no corpo renasce o desejo - ainda maior - de fazer

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a diferença com as pessoas e no mundo. De fazer esta diferença sendo professor, sendo

educador.

Mas antes era preciso fazer algo, era preciso expor esses indícios que tanto ele

falou. Para isso José voltou a Sensinópolis, escolheu umas árvores em frente ao bloco de

Educação Física da UNISENSI, montou entra elas uma tela de projeção feita com um grande

pano branco e apresentou seu filme para as pessoas. Estavam presentes as pessoas que

cruzaram o seu percurso acadêmico pelo saber sensível em Sensinópolis: a Dona Bergante, o

professor Valentin, o professor Ícaros, a professora Rejane Brito, os estudantes, familiares e

mais algumas pessoas da cidade. O filme era o ―produto‖ e o presente do trabalho de

conclusão de curso do José e mostrava os indícios que ele identificou ao longo desta jornada.

Um dos próximos passos? Nos meses seguintes... fazer uma sessão em Racionópolis. Mais

um desafio para José.

No descomeço era o verbo.

Só depois é que veio o delírio do verbo.

O delírio do verbo estava no começo, lá onde a

criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos. A criança não sabe que o verbo escutar não funciona

para cor, mas para som.

Então se a criança muda a função de um verbo, ele

delira.

E pois.

Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer nascimentos –

O verbo tem que pegar delírio.

(Manuel de Barros, 2000)

Que a ciência possa pegar delírio!

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84

estrelando: turma 2012.1

O ENSINO E A APRENDIZAGEM DO

SENSÍVEL NA LICENCIATURA EM

EDUCAÇÃO FÍSICA: OS INDÍCIOS DE

UMA FORMAÇÃO ESTÉTICA

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do AMIGO Fidel Machado.

(Primavera de 2012)

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Tenho o privilégio de não saber quase tudo.

E isso explica.

o resto.

(Manuel de Barros, 2010)

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POR DENTRO DA HISTÓRIA DE JOSÉ

Abra apenas depois de terminada a leitura e use-o preferencialmente para fins acadêmicos.

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Racionópolis – cidade onde José nasceu e cresceu e que é tem como característica principal e

dominante ser movida pelo saber racional, positivista, determinista, fechado e limitado.

Sensinópolis – cidade que é oposta à Racionópolis. Uma cidade viva, aberta, integradora,

livre e onde José descobre que é possível aprender por um outro saber.

UNIRACIO – Universidade da cidade de Racionópolis.

UNISENSI – Universidade da cidade de Sensinópolis.

Biblioteca Central Cartesiana (BCC) – Biblioteca principal da UNIRACIO.

(Re)Canto da Poiesis – lugar de poética da cidade de Sensinópolis onde se pode encontrar

todo tipo de arte.

José – menino do curso de Licenciatura em Educação Física da UNIRACIO. Personagem

principal da história.

Professor Amarillo – professor doutor do curso de Educação Física da UNIRACIO.

Professora Céu – professora doutora do curso de Educação Física da UNIRACIO.

Dona Bergante – bibliotecária da Biblioteca Central Cartesiana e conselheira de José.

Valentin – um dos grandes artistas de Sensinópolis e professor de artes da UNISENSI

Ícaros – professor de música do (Re)Canto da Poiesis.

Professora Rejane Brito – professora do curso de Educação Física da UNISENSI e a médica

principal da cidade de Sensinópolis.

Luz – amiga de José. É da mesma turma de José na faculdade.