tcc2_fabrício leomar_final_18.02.13
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO FÍSICA E ESPORTES
CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA
FABRÍCIO LEOMAR LIMA BEZERRA
O ENSINO E A APRENDIZAGEM DO SENSÍVEL NA LICENCIATURA EM
EDUCAÇÃO FÍSICA: OS INDÍCIOS DE UMA FORMAÇÃO ESTÉTICA
FORTALEZA
2013
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FABRÍCIO LEOMAR LIMA BEZERRA
O ENSINO E A APRENDIZAGEM DO SENSÍVEL NA LICENCIATURA EM
EDUCAÇÃO FÍSICA: OS INDÍCIOS DE UMA FORMAÇÃO ESTÉTICA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao Curso de Licenciatura em Educação Física
do Instituto de Educação Física e Esportes da
Universidade Federal do Ceará, como requisito
final para obtenção do Título de Licenciado
em Educação Física.
Orientadora: Profª. Drª. Tatiana Passos Zylberberg.
Co-orientador: Prof. Dr. Francisco Silva Cavalcante Junior. Ph.D.
FORTALEZA
2013
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O
MEU
CARINHO .
.
.
Esse trabalho é dedicado com
todo meu carinho para
Andréa Chaves de Araújo
(in memoriam)
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O MEU ABRAÇO
O meu abraço fraterno de agradecimento a quem de alguma forma fez parte da minha jornada
de vida para a concretude dessa minha jornada acadêmica.
Aos meus pais, Machado e Mosarina, pelo amor, pela confiança, por acreditarem na educação
e fazerem de tudo pra gente ter a melhor, por respeitarem as minhas escolhas, pela dedicação
e por trabalharem duro pra dar o melhor para seus dois filhos e sua filha.
À minha amável irmã, amiga, companheira, Gabriella, pelo amor e carinho incondicional, por
estar perto mesmo longe, pela ajuda sempre, por acreditar em mim, por me conhecer, ter
respeito e me encorajar pra ser como sou. Te amo minha ―Bethânia‖, do irmão ―Caetano‖.
Ao meu irmão, Fábio, e à minha cunhada, Viviane, pelo carinho e apoio e por meu darem
sobrinhos tão lindos, Lívia e Arthur, que me alegram tanto.
À minha querida professora Tatiana Zylberberg, minha orientadora, amiga, conselheira, a
quem eu carinhosamente batizei de mãe, pela humanidade em pessoa, pela sensibilidade, pela
atenção, pela dedicação para com a educação, por me fazer perceber que ser professor é
possível e encantador. Por me acompanhar, acreditar em mim, por me dar forças nas minhas
crises e por me fazer acreditar que um mundo mais humano é possível.
Ao querido professor Cavalcante Jr., co-orientador, amigo, mestre, conselheiro, a quem eu
admiro e chamo de padrinho, pela escuta, pela confiança, pela sensibilidade, pela fraternidade,
pela integridade, pelo humanismo. Por estar perto e pelo apoio na minha vida estudantil.
Ao professor doutor Osmar Gonçalves, membro da minha banca, pelas contribuições para
melhoria do trabalho, pela dedicação, pela leitura e pelas palavras sensíveis dedicadas.
Ao professor doutor Wagner Wey Moreira, pelo carinho de se prontificar a ler minha
monografia em dois dias e dar sugestões e palavras tão carinhosas e animadoras.
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À turma de Licenciatura em Educação Física do IEFES/UFC (Instituto de Educação Física e
Esportes da Universidade Federal do Ceará) 2012.1, a quem eu tenho orgulho de dizer que fui
monitor e que sempre me trataram com muito respeito, carinho e gratidão. Pela gentileza e
alegria de aceitarem fazer parte do meu trabalho.
À minha adorável turma de faculdade, Licenciatura/Bacharelado Educação Física UFC 2009,
a quem gentilmente eu tenho um carinho especial, diferente e amoroso por cada um. Por me
tratarem tão bem do jeito que sou, por me fazerem sentir a alegria de estar junto de vocês. Por
me fazer sentir orgulho de dizer que sou dessa turma e por me proporcionarem momentos
inesquecíveis de amizade, companheirismo, felicidade e gratidão. Em especial aos amigos
Julio, Lourenço (Lóló), Renêe (Francisquin), Robson (Róró), Rodolfo (Dolfim) e às amigas,
Ana Carla (Lulu), Andressa, Carla Coelho (Carlinha), Karen (T-Rex), LuiZa e Sara (Sarinha).
Ao meu grande e caloroso amigo Fidel Machado, pela parceria de amizade tão linda, pelo
carinho, por estar junto de alguma forma, pelas ajudas, pela confiança, pelas palavras
pertinentes e afagadoras de amor, apoio e respeito, por acreditar que eu sou lindo e afins.
Aos professores e às professoras do IEFES, pelo aprendizado, por me tratarem tão bem. Em
especial ao carinho dos professores Leandro Masuda, Marcos Campos, Adriana, Lorena,
Edson, Eleni e Lima.
Aos funcionários, funcionárias, servidores, técnicos(as) administrativos e técnicos(as)
esportivos do IEFES, pelo acolhimento, dedicação e carinho nos momentos que precisei.
Às várias amizades que fiz pelo IEFES e pela UFC.
Aos amigos do Ensino Médio e da Licenciatura em Matemática do CEFET-CE (minha
segunda casa durante 10 anos), pela felicidade de ter o carinho de suas amizades até hoje.
Às amigas do curso de Licenciatura em Letras/Espanhol, Katarinna e Camila.
Aos amigos e às amigas de aventura, Amanda, Márcio, Joislan, Twany, Jessica, Wanderlan,
Vanessa, Sara, Anderson, Cristiano e Graciliano.
Aos amigos e às amigas que fiz pelas minhas andanças pelo mundo e que contribuíram e
contribuem de alguma forma para o ser humano que sou.
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SUMÁRIO
O MEU CARINHO...................................................................................................................03
O MEU ABRAÇO....................................................................................................................04
QUE HISTÓRIA É ESSA DE CIÊNCIA E ARTE?................................................................07
1. A BUSCA ........................................................................................................................ 11
2. A DESESTABILIZAÇÃO ACADÊMICA: A DESCOBERTA DE JOSÉ ........................ 15
3. O MERGULHO ACADÊMICO DE JOSÉ ....................................................................... 18
4. A DESCOBERTA DE NOVAS POSSIBILIDADES........................................................ 23
5. O ENCONTRO COM SENSINÓPOLIS .......................................................................... 28
6. O ENCONTRO COM A ARTE E O SABER SENSÍVEL ................................................ 31
7. O (RE)CANTO DA POIESIS .......................................................................................... 41
8. ALÉM DAS QUADRAS POLIESPORTIVAS................................................................. 48
9. NAS E PELAS PISTAS DOS INDÍCIOS ........................................................................ 61
10. A AVENTURA PELOS DADOS VISUAIS.....................................................................72
11. A JORNADA ................................................................................................................. 78
INSPIRAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 87
POR DENTRO DA HISTÓRIA DE JOSÉ..............................................................................91
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7
QUE HISTÓRIA É ESSA DE
CIÊNCIA E ARTE
Eu só faço travessuras com palavras.
Não sei nem me pular quanto mais obstáculos
(Manuel de Barros, 2010)
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Quando escolhi como tema do meu trabalho de conclusão curso o saber sensível
foi me posto o seguinte desafio: fazer esse trabalho todo no sensível! ―Ãh?!‖ – foi a primeira
interjeição que veio na minha cabeça. ―Como assim fazer um trabalho todo no sensível?‖ – foi
uma das minhas perguntas para mim mesmo. A dúvida mais crucial era: ―Como escrever de
forma sensível?‖ Foi nessas inquietudes que descobri o hibridismo possível entre ciência e
arte. Descobri ―a ciência poética ou a poesia cientifica‖ (GIAXA, 2006, p.50) que se revela
em um trabalho monográfico sobre a história de um tal José. História que mistura ficção e
realidade, poesia e prosa, arte e ciência. A história de um menino e o seu percurso pelo saber
sensível.
Daí em diante várias perguntas recorrentes me perturbavam ―Será que posso fugir
do rigor da escrita acadêmica que sempre fui posto na minha formação como licenciado em
Educação Física?‖ ―Mas será que isso é possível para um trabalho de conclusão de curso?‖
Não quis saber, me joguei no desafio e comecei a escrever essa história, mas pouco tempo
depois parei. ―Do que adiantaria continuar esse meu caminho para lá na frente ele ser
rejeitado por não se encaixar nos moldes de um trabalho dito acadêmico baseado em todas
aquelas normas, leis e afins?‖ – era o que me questionava. Mas minha vontade de desconstruir
era grande, de fazer uma coisa diferente que proporcionasse uma escrita e uma leitura leve,
prazerosa e ao mesmo tempo significativa.
Reconheço meu gosto por ler e escrever narrativas, contos, crônicas e poesias
desde meu Ensino Médio no CEFET-CE1. Quando comecei minha primeira graduação, o
curso de Licenciatura em Matemática, também no CEFET-CE, participei de um grupo
literário criado pelos alunos do curso, depois passei pela minha segunda graduação
incompleta, o curso de Licenciatura em Letras/Espanhol na Universidade Estadual do Ceará
(UECE), e foi muito difícil chegar à Licenciatura em Educação Física e ter esse meu gosto
sendo abduzido... parecia ter que me acostumar, quase que exclusivamente, com a leitura e a
escrita acadêmica proposta pela comunidade científica. Aqueles textos, apesar de densos e
importantes, eram muitas vezes chatos, entediantes, sem graça, eram escritos quase sempre da
mesma forma, do mesmo modelo, com os mesmos métodos, com os mesmo princípios, na
mesma ordem. Com relação à minha escrita eu me sentia como Giaxa (2006):
Escrever se tornou uma tarefa maçante, devo dizer, árdua. O que eu fazia,
normalmente, era copiar palavras, textos e ideias daqueles todos que, antes de mim,
1 Antigo Centro Federal de Educação e Tecnologia do Ceará. Hoje se chama Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE).
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pensavam. Memorizar conceitos e reproduzi-los com fidelidade era garantia de aprovação. Sendo assim, era o que me restava. E nesse processo que, hoje, considero
quase que ―emburrecedor‖, fui, aos poucos, desaprendendo a escrever e deixando
que escapassem as minhas ideias, passageiras como nuvens nada densas, que se
desfaziam em sonho distante. Por medo, insegurança ou por não acreditar em
minhas palavras - talvez românticas em excesso - os registros de toda a
efervescência das experiências vivenciadas nos tempos de faculdade, as questões
mais mirabolantes sobre o tempo, o amor e tantas outras curiosidades que me
acompanhavam nessa época, não foram registradas, ou melhor, foram registradas em
papel nenhum, como memórias sem valor (p.42).
Escrever sobre nossos sentimentos, desejos, memórias e até sobre assuntos
acadêmicos de forma livre, autônoma e criativa aconteceram de forma muito esporádica na
minha formação em Licenciatura em Educação Física. Na maior parte da minha trajetória tive
que me adequar ao que a comunidade científica exigia e sempre achei que aquele era o único
jeito aceitável de se fazer ciência. Felizmente descobri que não era.
Em das reuniões com minha orientadora e com meu co-orientador eu falei dessa
minha angústia, de saber que eu não poderia sempre escrever livre, de qualquer jeito. Era
claro que tinha vontade de escrever ciência, afinal eu estava numa Universidade, que eu tinha
que me adequar ao rigor científico, mas que isso fosse paralelo a uma escrita pudesse ser feita
de outras formas, que tivesse a minha voz, o meu eu, a minha personalidade e que fosse
fluida, leve, sensível. Para minha surpresa e alegria o meu co-orientador me mostrou que era
possível. Fazer arte e ciência no mesmo contexto, escrever de forma criativa e poética no
mundo acadêmico e científico era possível. Ele me falou que existiam trabalhos, na maioria
em inglês, que relatavam experiências dessa escrita acadêmica poética (BRADY, 2004);
(BUTLER-KISBER, 2002); (CAHNMANN, 2003); (CANCIENNE & SNOWBER, 2003);
(FINLEY & KNOWLES, 1995); (PIIRTO, 2002); (SPARKES, 2009); (SPARKES & SMITH,
2011). Foi ai que me senti mais seguro para voltar a escrever a monografia em forma de
história, pois agora tinha um respaldo teórico consistente.
Para o meu encantamento puder ler sobre trabalhos que relatavam experiências
com poesia e escrita criativa na Educação Física e no Desporto. Dentre esses destaco o
trabalho de Sparkes; Nilges; Swan & Dowling (2003) que conta em uma parte do texto a
história vivida pela própria autora Lynda Nilges, que na época era estudante, e relatou a sua
experiência como professora no estágio em Educação Física por meio de representações
poéticas. Lynda produziu 19 poemas e os apresentou como relatório final desse estágio. Ela
conta que escolheu a poesia ―porque a palavra na sua essência significa captar algo profundo e
pessoal que não pôde ser acessado autenticamente nas formas mais tradicionais de análise‖
(p.156). Para Lynda a poesia foi uma forma de expressar o que estava sentindo, de indicar um
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lado do processo de ensino e aprendizagem que é muito pessoal, emocional e vulnerável. Foi
uma forma de tornar mais vivo o processo:
A capacidade reflexiva da poesia de Lynda envolveu os leitores e ouvintes e se
tornou evidente através das reações dos que leram ou ouviram seus poemas. A
primeira pessoa a ver os poemas de Lynda foi seu professor supervisor. Lynda
lembra deste evento distintamente porque ela estava com medo de que ele poderia
pensar que ela tinha feito algo fútil. Ele leu os poemas e com Lynda aprendeu uma
lição. Após a aula, ele se aproximou dela com lágrimas nos olhos e disse: 'Você
realmente fez isso, isso é real, que é a minha escola e sua experiência’. Em seguida,
Lynda apresentou os poemas durante um seminário semanal no campus. Mais uma
vez, ela estava com medo do que poderia ser, de qual reação poderia ter o público quando o coordenador do seminário anunciasse sua apresentação como uma "leitura
de poesia". O público, no entanto, ouviu atentamente a sua leitura dos poemas e riu
somente quando foi apropriado (p.159).
Essa monografia me possibilitou um redescobrir da minha escrita, de possibilitar
um pensar sensível e de um promover um cientista que sente. Nas páginas seguintes você
encontrará um texto que é poético e científico, que é científico e poético, um texto que passeia
pela arte e pela ciência. Um texto que pretendeu na sua essência ser gostoso de ler para o
público em geral não deixando de ser belo. Um texto que, como diz Behar (2003) citado por
Giaxa (2006), possa transpor os limites da academia produzindo formas de comunicação mais
acessíveis tanto no seu formato quanto na sua apresentação e que isso possa gerar também
diálogos coletivos sobre esse processo, assim como compartilhamentos e vivências diversas,
possíveis e relevantes.
Dada essa abertura inicial, de agora em diante você entrará no universo da história
de José, um menino que viveu praticamente toda sua vida formativa pensando que havia um
único jeito de aprender e de ensinar. Por algo do destino (ou não, já que isso ainda não é
consenso na ciência) ele descobriu que outra possibilidade de aprendizagem era possível e,
era possível, para e na formação em Educação Física.
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1.
A BUSCA
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Numa manhã de verão ensolarado, na pequena e pacata Racionópolis um
burburinho tomou de conta da cidade. A possível chegada de uma nova professora na
Universidade de Racionópolis (UNIRACIO) era o motivo de tanta algazarra. A UNIRACIO
era o orgulho de Racionópolis e tudo que por lá acontecia virava motivo de prosa entre os
moradores. Mas a algazarra não era porque a professora fosse bonita ou feia, estrangeira ou
não, alta ou baixa, magra ou gorda, deficiente ou não ou fosse apenas mais uma professora
nova na Universidade. O motivo de tanto rebuliço era pelo boato que rondava nas ruas da
cidade: no concurso para professor de Filosofia do curso de Educação Física só havia um
candidato e era uma mulher. A existência dessa possibilidade gerou uma reviravolta na
cidade.
José, um menino do curso de Educação Física da Universidade estava ansioso
pela chegada da nova professora. Vivendo toda sua vida em Racionópolis e carregando a
história de uma sociedade patriarcal na qual a superioridade intelectual masculina prevalecia
sobre a intelectualidade feminina, ele não sabia que existiam mulheres que estudavam e, além
do mais, ensinavam Filosofia. Esse fato aguçava a sua curiosidade e seu interesse em
conhecer aquela pessoa. Justamente nas suas férias a oportunidade apareceu. Passeando pelo
bloco de Educação Física da UNIRACIO, José viu um cartaz que dizia que a candidata para
professora da área de Ciências Humanas em Educação Física da Universidade de
Racionópolis ministraria uma aula pública no dia seguinte como parte da seleção do concurso.
José não pensou duas vezes e abdicou um dia das suas sagradas férias para estar naquela aula.
Finalmente, depois de tanta ansiedade, o dia da tal aula havia chegado. Dentre os
presentes José era o único estudante e chegou para assistir a aula escondendo bem a sua
curiosidade. Um fato que aconteceu antes da aula deixou o menino com calafrios. Quando
caminhava tranquilamente pelo corredor do bloco de Educação Física ele avistou uma mulher
desconhecida passeando pelo corredor e sentiu o coração borbulhar pelo corpo. Era a tal
candidata.
A aula foi uma ―viagem‖ (nos dizeres de José), quase um espetáculo. José saiu da
aula em êxtase diante daquela nova possibilidade de aprender Filosofia. A primeira coisa que
queria fazer era grudar naquela professora (no bom sentido). No corredor, ao final da
apresentação, ela ainda falou alguma coisa com José, mas ele, no auge do seu encantamento,
não se lembrava mais o que era. Mas de uma coisa ele se recordava, que aquele pouco tempo
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e que aquelas breves palavras transmitiram o amor de pessoa que ela era e veio a ser ao longo
dos dias na Universidade. Sim, ela passou no concurso. Não tinha como não passar.
O rebuliço que ela já havia causado antes de chegar à cidade e na UNIRACIO
tomou proporções maiores quando seus dias como professora começaram. Os comentários
sobre suas aulas nos corredores deixavam o menino doido. Ele queria estar lá, mas tinha que
cumprir outras obrigações. José começou então a participar dos projetos que a tal professora
começou a criar com outros professores que ele também admirava e quando havia alguma
brecha ele se metia nas suas aulas e ela com o maior carinho aceitava. A partir dessas
participações José começou a ouvir uma palavra que durante muito tempo soava como
simples, mas que na ―voz‖ daquela professora despertou sua complexidade. A tal palavra era:
sensível. Mais tarde ele ainda descobriu que essa palavra levava para não só um, mas para
infinitos caminhos. Como um convite às possibilidades de aprender.
A vontade de José era percorrer aqueles caminhos com ela e isso começou a se
materializar após a abertura de inscrições para a seleção de bolsistas-monitores das disciplinas
da tal professora. Seu desejo estava próximo. Ele já se imaginava dentro da sala de aula,
experimentando e vivenciando mais de perto tudo aquilo. Mas as coisas ficaram confusas para
o inseguro José. Ele estava receoso porque ele já tinha sido bolsista-monitor da disciplina de
Filosofia e ficava refletindo se deveria e se podia ser bolsista da mesma disciplina mais uma
vez. Porém, para sua alegria, ele soube, dias depois, que a seleção não era para apenas uma
disciplina, mas para as disciplinas de Ciências Humanas em Educação Física e que ele
poderia concorrer à seleção. Mas como nada na vida de José foi fácil ele se viu suspenso
numa corda bamba. Na mesma época para a seleção de bolsista-monitor da tal professora ele
também estava concorrendo à outra modalidade de bolsa dentro do curso: um projeto que
trabalhava com formação inicial em Educação Física e que se mostrava como outra fonte rica
de aprendizagem para a sua formação acadêmica. O menino estava aflito nessa corda bamba e
pensando para que lado deveria deixar-se cair. Ele não queria ter que escolher entre um e
outro. A escolha era muito difícil para aquele menino indeciso e inseguro, mas uma coisa
incrível aconteceu nessa corda bamba: superando todas as leis da Física José acabou caindo
para os dois lados. Ele foi contemplado com a bolsa remunerada do projeto de formação
inicial e decidiu ficar como bolsista-monitor voluntário da professora rebuliçosa. Seu desejo
seria realizado: iria estar nas aulas da professora e não apenas como aluno ouvinte. Ele seria
um dos monitores! Viveria a docência junto com ela!
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14
Depois de passar por duas graduações incompletas, Licenciatura em Matemática e
Licenciatura em Letras/Espanhol, José estava pela primeira vez prestes a completar um ciclo
acadêmico dentro da Universidade. Estava chegando ao fim a jornada de quatro anos dentro
da sua terceira graduação: o curso de Licenciatura em Educação Física.
José sempre admirou a profissão de ser professor. Uma das suas tristezas na vida
foi saber que sua mãe, por percalços da vida, havia desistido da profissão. O menino sentia
orgulho de dizer que queria ser um professor e ia mais além: ele dizia que queria ser um
educador.
José comentava nas conversas por ai que todos nós não somos educadores, mas
temos o potencial para sermos, assim como o professor tem o potencial de ser um educador.
Acontece do professor não ser um educador quando ele apenas se preocupa, tão e somente só,
em ministrar suas aulas, em transmitir os conhecimentos que ele julga necessário, em entrar e
sair da sala pregando o mesmo discurso e não se preocupando com a formação integral do ser
humano, com as relações educacionais que os estudantes estabelecem na família e na
sociedade. Alves (2000, p.19) ensinou a José que ―De educadores para professores realizamos
o salto de pessoa para função‖.
O educador caminha junto com os estudantes amplificando a transformação do
outro e de si mesmo, caminha como um mediador na relação de ensino-aprendizagem. Ele
não vai para a escola para mais um dia de aula e não vê, por exemplo, o erro apenas como um
erro, mas um sinal para encontrar outras possibilidades de acertar no processo de
aprendizagem.
Neste longo percurso José finalmente havia encontrado sua paixão: a Educação
Física. Ele não queria terminar o curso por terminar. Seu desejo era que seu trabalho de
conclusão de curso não fosse significativo só para ele ou para o curso, mas que fosse para a
sociedade e a cidade, ou quiçá para o país e para o mundo. José era humilde, não estava
deslumbrado, mas ele queria que seu trabalho fosse importante para a valorização da
Educação, em especial da Educação Física, dos estudantes e dos professores-educadores.
Como já dito, José estava prestes a se formar um professor-educador ciente da relevância da
educação numa sociedade que deseja a equidade e a redução das desigualdades sociais. O que
ele não esperava e nem imaginava era que com a chegada daquela professora no curso de
Educação Física da UNIRACIO e o fato dele ter sido bolsista-monitor das disciplinas dela iria
possibilitar outros caminhos para o percurso final da sua história.
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15
2.
A
ACADÊMICA:
A DESCOBERTA DE JOSÉ
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16
No ano de 2012, antes de começar o penúltimo semestre do curso de Licenciatura
em Educação Física, José tinha um ―certo‖ projeto de conclusão de curso. Sua ideia era
trabalhar com Mídias e Educação Física. O menino carrapato tinha passado as férias fazendo
cursos de cinema numa ONG da cidade e saiu de lá com o desejo fixo de utilizar recursos
audiovisuais na Educação Física, mas não sabia o que especificamente, nem como. Além
disso, o indeciso José tinha outra dúvida. Ele não sabia quem queria para ser seu(ua)
orientador(a). Ele sabia que a nova professora de Ciências Humanas, que a propósito se
chamava Céu ,também trabalhava com mídia, mas antes da chegada dela ele vislumbrava ser
orientado pelo professor Amarillo, a quem ele tinha um tremendo carinho, admiração e em
quem se espelhava para seus anseios futuros como educador. José pensava até na
possibilidade de ser orientado pelos dois.
Em mais um dia qualquer da Universidade José participou de uma reunião com a
professora Céu e com o professor Amarillo. Estavam presentes também todos os estudantes
que desejavam ser orientados por algum deles dois. E José nas suas viagens sendo o único que
queria ser orientado pelos dois. Essa reunião também fazia parte do laboratório que esses dois
professores haviam criado: LEPSER – Laboratório de Estudos das Possibilidades de Ser2.
Começada a reunião, cada estudante falou sobre os assuntos que tinham interesse de
pesquisar, os professores ouviam atentamente e davam sugestões, assim como os outros
estudantes também opinavam. José falou sobre seu interesse por Mídia e Educação Física,
pensava em trabalhar com isso fazendo um documentário sobre como era a Educação Física
nas melhores escolas públicas do Ceará. A professora Céu indicou vários textos e livros,
enquanto que o professor Amarillo sugeriu que fizesse apenas com uma escola. Ao final da
reunião José falou para os professores que não sabia ainda quem escolher para lhe orientar no
projeto de trabalho de conclusão de curso. Ele desejava que fosse a professora Céu, mas
também não queria deixar de ouvir os ensinamentos do mestre Amarillo. Eis que uma
surpresa surgiu para José. O professor sugeriu que José fosse orientado pelos professores do
laboratório, que naquela época eram apenas eles dois. José ficou todo serelepe. Depois ele
descobriu que o nome que se dá para isso é orientação e co-orientação, mas ele não queria
nem saber. Ele queria era estar juntinho daqueles dois. Por questões mais burocráticas, por um
desejo maior de José e pelo tema ser mais da sua área, a professora ficou como sua
orientadora oficial.
2 lepser.wordpress.com.br
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17
José começou a ler as teses, as dissertações e os livros que falavam de Mídia e
Educação Física e ficou um tanto quanto surpreso. Existia uma infinidade de possibilidades
para realizar trabalhos nessa área que ele nem imaginava que existiam. Eram trabalhos de
crítica em relação à mídia esportiva, de produções dentro da Educação Física por intermédio
dos meios audiovisuais, intervenções na escola com mídia-educação, pesquisas sobre
fotografia e vídeos. Dentre essa vasta possibilidade seu interesse maior era de utilizar os
meios audiovisuais como possibilidade de formação e aprendizagem na docência em
Educação Física. Além disso, ele descobriu que em uma Universidade no sul do país havia
um laboratório que trabalhava com essa área de Mídia e Educação Física. O menino estava
empolgado, porém os ventos da vida tomaram outras direções e junto com isso aconteceu a
mudança de tema da pesquisa de José. Outras coisas começaram a lhe afetar e ele mudou sua
empolgação para algo que vinha marcando sua formação e que ele ainda não estava se dando
conta. Sabe o sensível? Pois bem, começou a mexer demais com o garoto, a ponto de
conquistar de vez o menino José.
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18
3.
![Page 19: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/19.jpg)
19
Em mais um dia de reunião entre o professor Amarillo, a professora Céu e seus
orientandos, o professor sugeriu que José que lesse o livro ―O valor do conhecimento tácito‖,
cujo autor, Cláudio Saiani, relatava a epistemologia de Michael Polanyi para a escola:
Polanyi afirma que sabemos mais do que podemos relatar. Esse fato pode ser
ilustrado pela metáfora do iceberg. A parte visível assemelha-se ao conhecimento
que pode ser descrito, o conhecimento explícito. A parte submersa é o conhecimento
tácito, com ―volume‖ bem maior do que o da parte visível (SAIANI, 2004, p.101).
Mesmo vivendo em Racionópolis José brincava de fazer poesia. Quando ele fazia
o curso de Licenciatura em Matemática ele teve um professor de Português, no primeiro
semestre, que ministrava a disciplina de Produção de Textos Acadêmicos, mas estimulava os
estudantes a escreverem sobre tudo, mesmo num curso popularmente conhecido como da área
das exatas. José então começou a escrever contos, crônicas, poemas, além dos textos
acadêmicos. O professor adorava e estimulava que José continuasse produzindo. E ele, cada
vez mais, se sentia bem ao escrever sobre o que tinha vontade.
Educação Física, qual o seu iceberg?
Sabendo que existe o invisível,
Todos nós somos tácitos.
Que ácido!
Achar que o movimento é apenas aquele visível.
Que ácido!
Achar que o corpo se resume ao que está explícito.
Movimento. Encantamento. Deslumbramento.
Sou corpo.
Não apenas biomecânico, cinesiológico...
Sou corpo.
Sou biológico, filosófico, antropológico, psicológico, sociológico...
Sou movimento.
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Não apenas no exercício, na fisiologia, na especialização técnica, na bola.
Sou movimento.
No ócio, na alegria, na emoção poética, na memória.
Sentir com a mente.
Mover com o corpo.
Mover com a mente
Sentir com o corpo.
Integrar e construir.
Não delimitar e destruir.
Sem (pre)conceitos.
Não ao corpo mecanizado!
Não ao corpo adestrado!
Educação Física, qual o seu iceberg?
É viver todo esse gelo.
É ser transcendente.
É ser humano, pleno.
É ser corpo total.
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Numa outra reunião, agora sozinho com a sua professora-orientadora Céu, José
falou de seu encantamento pelos trabalhos de Mídia e Educação Física, falou também como
ficou maravilhado com as ideias do livro que o professor Amarillo lhe tinha sugerido e que
não sabia se devia juntar os dois temas ou se tinha que escolher um. A professora começou a
lhe falar sobre o saber sensível, que estava conectado com esse conhecimento tácito e sugeriu
que José pensasse sobre sua trajetória acadêmica, que escrevesse em palavras aquilo que o
―movia‖ como ser existente no mundo e que depois conversasse novamente com o professor
Amarillo. José achou aquela orientação meio estranha, mas resolveu seguir. Voltou para casa
e começou a rever sua vida acadêmica dentro do curso de Licenciatura em Educação Física da
UNIRACIO. José tinha um caderno só para os assuntos da monografia e quando estava
escrevendo sobre o que lhe movia como ser humano tomou um baita susto ao rever as páginas
do caderno e perceber a seguinte inscrição no meio daquelas anotações sobre Mídia e
Educação Física: SENSÍVEL + INTELIGÍVEL. Ele não se lembrava em que contexto tinha
anotado aquilo, mas a ficha tinha caído, uma luz brotou pelos cabelos cacheados de José, ele
parecia ter se encontrado e pensou que naquele momento ele queria fechar seu ciclo com
aquilo que fosse mais representativo na sua trajetória dentro do curso e dentro da
Universidade. E essa representação estava estampada em tornar possível a incorporação do
saber sensível (corporal) junto do saber inteligível (racional) na formação dos estudantes de
Educação Física da UNIRACIO. Conversando com seus orientadores eles lhe aconselharam a
não falar histórica e profundamente do saber inteligível. O momento era de dar vez e voz ao
saber sensível. Esse saber inteligível e racional já foi abordado desde a Idade Moderna. Agora
era preciso dar importância também ao saber sensível. E um grande desafio foi proposto para
José.
– Por que não fazer a sua monografia toda no sensível? Por que não escrever de
forma poética um texto acadêmico? Por que não colher dados de forma poética numa pesquisa
científica? - falou o professor Amarillo.
– Monografia toda no sensível? Monografia em forma poética? Como assim? E
isso pode? Vou ser reprovado não? – José ficou se remoendo com seus pensamentos.
O desafio parecia grande, mas escrever uma monografia com essa possibilidade
poética trazia uma admiração para José, primeiro pelo diferente, segundo pela desconstrução
de um certo rigor científico e terceiro pela possibilidade de escrever um texto acadêmico que
ele achava, que por ser poético, seria mais leve de ser se lido.
– Além disso, - disse a professora Céu - você, que é meu monitor da turma que
entrou no semestre 2012.1 para o curso de Licenciatura em Educação Física, pode aproveitar
![Page 22: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/22.jpg)
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seus registros audiovisuais (filmagens e fotos) das aulas para se apropriar da abordagem do
Paradigma Indiciário e caminhar a sua metodologia na busca de indícios de uma formação
estética perpassada pelo saber sensível.
– Então utilizarei uma metodologia que use o audiovisual? Que show de bola.
Procurar indícios para o que eu pesquiso por meio das fotografias e das filmagens? Gostei
dessa ideia.
José adorou o desafio. A chegada da professora Céu, sua união com o professor
Amarillo, os projetos e a monitoria fizeram com que o saber sensível pegasse o José de jeito e
ele fez disso a sua história final dentro do curso de Licenciatura em Educação Física da
UNIRACIO.
Desinventar objetos. O pente, por exemplo. Dar ao
pente funções de não pentear. Até que ele fique à
disposição de ser uma begônia. Ou uma gravanha.
Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma.
(Manuel de Barros, 2000)
Desinventar a ciência? Dar à ciência a função de não cienciar?
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23
4.
A DESCOBERTA
DE
NOVAS
POSSIBILIDADES
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24
Depois de ter definido o que iria falar na sua monografia, José procurou os seus
dois professores orientadores para pedir indicações de livros que elucidassem sobre o saber
sensível. Eles, surpreendentemente, não lhe indicaram nenhum. O professor Amarillo
aconselhou que José procurasse à Dona Bergante na Biblioteca Central Cartesiana (BCC) da
Universidade de Racionópolis. José achou aquilo muito estranho e se perguntava o que ele,
que está estudando sobre o saber sensível iria fazer na Biblioteca Central Cartesiana da
UNIRACIO. No entanto, como um fiel escudeiro daqueles dois professores e com uma total
confiança neles, ele seguiu o conselho do professor. No dia seguinte lá estava José na
biblioteca, todo receoso. Ele nunca tinha entrado naquela biblioteca que só tinha duas cores
em toda a sua pintura: cinza e branca. Algumas regras regiam a biblioteca e seu
descumprimento poderia ocasionar penas severas. Não era permitido, por exemplo, entrar
com mochila, comida e água.
Logo na entrada José foi recepcionado com um ―o que você deseja‖ não muito
simpático da bibliotecária e ele respondeu gentilmente ―bom dia pra senhora também‖ e
recebeu como resposta um sorriso amarelo sem graça. Ele se recordou que raramente tinha
encontrado bibliotecários(as) simpáticos(as) e se perguntava o porquê disso, já que aquela
profissão fazia com que eles vivessem rodeados de livros e tomassem conta da casa deles. O
menino falou que estava à procura da Dona Bergante. A bibliotecária mandou José deixar sua
mochila no guarda-volumes e disse apenas que a Dona Bergante se encontrava no 2º andar.
Ele entrou e viu uma imensidão de livros, todos bem organizados, separados por assunto e
vários avisos de silêncio. Numa sala separada alguns estudantes faziam suas pesquisas em
computadores. Numa outra sala alguns conversavam. E numa seguinte outros se debruçavam
sobre as mesas como se estivessem devorando os livros. José se sentiu acuado. Por dentro, a
biblioteca também era sem cores, os muros internos tinham o mesmo cinza e branco da
fachada externa. Depois desse contato visual José subiu logo as escadas. Curioso, queria saber
quem era essa tal de Dona Bergante e porque o professor Amarillo tinha dito para procurá-la.
Chegando no 2º e último andar da biblioteca ele foi até a recepção e não encontrou ninguém,
aquilo tudo estava muito estranho e ele se perguntava o que estava fazendo ali. Chegou até
pensar que o professor Amarillo, aquele homem sério, sereno, elegante, lhe tivesse feito
alguma pegadinha, mas eis que uma mão serena toca nos seus ombros:
– Você que é o José? O rapaz do saber sensível e orientando do professor
Amarillo? - perguntou uma senhora.
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José estava assustado. Ele ficou na dúvida em responder se sim ou se não. Aquela
senhora, com a voz tão leve e um jeito tão meigo não podia ser mais uma daquelas
bibliotecárias chatas, pensou ele. Resolveu arriscar.
– Sim, me chamo José. Estou estudando sobre o saber sensível e sou orientando
da professora Céu e do professor Amarillo.
– Sei, sei. Pois, seja bem-vindo, meu filho. Pessoas como você, que se interessam
por esse assunto são raras aqui na Biblioteca Central Cartesiana.
José se tranquilizou. O fato daquela senhora o ter chamado de ―meu filho‖ o
deixava mais aliviado. Auspicioso que era e se lembrando do filme Matrix, ele soltou a
seguinte pergunta:
– A senhora é algum tipo de oráculo? Como sabia que eu era o José?
Ela riu, pediu que José a seguisse e que estivesse aberto para as possibilidades que
ia encontrar. Sem obter nenhuma resposta direta, José a seguiu, ainda um pouco assustado.
Eles chegaram à última prateleira de livros do 2º andar da biblioteca e José viu algo mágico,
algo que ele só tinha visto antes nos filmes. Aquela velha e simpática senhora puxou um livro
da prateleira e uma passagem secreta se abriu ao meio com um caminho para outro espaço.
Ele ficou fascinado. A porta dava entrada para algo que se parecia com outra biblioteca. Era
um lugar com um colorido reluzente e animador, cheio de desenhos e frases. Uma frase na
parte superior da porta chamou logo a atenção e intrigou José.
– Fique a vontade e usufrua da melhor maneira este lugar que eu guardo e
preservo por tanto tempo aqui dentro da Biblioteca Central Cartesiana.
Dona Bergante contou que sempre, com muito cuidado para não ser descoberta,
tentava levar alguns estudantes da UNIRACIO ou algum morador de Racionópolis para o
encantamento daquele lugar secreto. A felicidade dela era ver o deslumbramento das pessoas
com aquela outra possibilidade que se apresentava e que existia.
Ao adentrar naquela porta José viu realmente outra biblioteca, outro mundo diante
dos seus olhos. Aquele vasto corredor continha milhares de livros, dispostos em prateleiras
coloridas e espiraladas. José achou o máximo. Cada cor de prateleira representava o assunto
geral de que se tratavam aqueles livros. As paredes não eram apenas cinzas e brancas,
existiam cores, quadros de pinturas, desenhos feitos pelos visitantes, grafites, não apenas para
serem contemplados, mas para que os visitantes pudessem produzi-los ali mesmo, ao vivo.
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Aquele lugar secreto era integrado de ambientes diversos. Tinham mesas, cadeiras
e computadores, num mesmo espaço existiam poltronas e almofadas gigantes. De qualquer
ambiente era possível ouvir uma boa música e produzir arte de toda maneira. José apelidou o
lugar de ―ateliê da sensibilidade‖. Ele estava sozinho naquele lugar e depois de fazer o
reconhecimento do local foi aos poucos sendo chamado pelos livros. José aproximou-se
desses livros que o chamavam, que estavam na prateleira verde, sentou-se em uma das
almofadas gigantes e começou a se deliciar com um deles. As horas se passaram e José não
tinha percebido. Era preciso se despedir daquele encantador lugar secreto e voltar à
Universidade de Racionópolis. José agradeceu a gentileza de Dona Bergante e se despediu. A
senhora lhe desejou que fizesse um bom trabalho e que voltasse sempre, mas que tivesse
cuidado em Racionópolis, pois as pessoas não poderiam saber que ele estava lendo os livros
proibidos da cidade e que, além disso, estava produzindo um trabalho sobre o saber sensível.
José ficou mais uma vez assustado, mas estava movido pelas nuvens. Nunca
tinha imaginado que pudesse existir um lugar daquele jeito em Racionópolis. Era preciso
contar para seus orientadores o que tinha acontecido. No dia seguinte, ele os encontrou e a
primeira coisa que fez foi contar tudo que tinha acontecido na Biblioteca Central Cartesiana.
José contou tudo de forma estonteante. A empolgação foi tanta que ele até esqueceu de dar
bom dia. O professor Amarillo e a professora Céu se deliciavam e sorriam com o jeito de
José.
– Agora era preciso se encantar com os livros, transpirar e escrever de forma
autoral sobre o saber sensível - falaram os professores-orientadores.
José voltava constantemente ao lugar secreto daquela biblioteca para fazer as suas
leituras. Durante mais de um mês José ficou rodando o mundo daqueles livros e a cada leitura
era como se ele conversasse com os autores. Daquele lugar mágico ainda iria aparecer grandes
descobertas. Seus orientadores sugeriram que, passadas as leituras, José começasse a escrever
sobre tudo aquilo, que começasse a escrever sobre o sensível, mas que isso deveria acontecer
em outro lugar guardado por Dona Bergante. José achou aquilo novamente estranho, porém,
mais uma vez, resolveu confiar e seguir os conselhos de seu mestre e da sua mestra. No dia
seguinte, lá se foi ele, com as leituras e a curiosidade de saber o que mais aquele lugar iria lhe
proporcionar.
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5. O ENCONTRO
COM
SSEENNSSIINNÓÓPPOOLLIISS
Nosso conhecimento não era de estudar em livros.
Era de pegar de apalpar de ouvir e de outros sentidos.
Seria um saber primordial?
Nossas palavras se ajuntavam uma na outra por amor
e não por sintaxe. A gente queria o arpejo. O canto. O gorjeio das palavras.
Um dia tentamos até de fazer um cruzamento de árvores
com passarinhos
para obter gorjeios em nossa palavras.
Não obtivemos.
Estamos esperando até hoje.
Mas bem ficamos sabendo que é também das percepções
primárias que nascem arpejos e canções e gorjeios.
Porém naquela altura a gente gostava mais das palavras
desbocadas.
Tipo assim: Eu queria pegar na bunda do vento. O pai disse que vento não tem bunda.
Pelo que ficamos frustrados.
Mas o pai apoiava a nossa maneira de desver o mundo
que era a nossa maneira de sair do enfado.
(Manuel de Barros, 2010)
![Page 29: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/29.jpg)
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– Seja bem-vindo novamente, meu filho. Agora você vai entrar num outro
universo desse lugar secreto. E para isso você deverá estar vendado - disse Dona Bergante.
José adorava quando aquela doce senhora o chamava de seu filho. Tão grande já
era a confiança dele por ela que deixou ser vendado e levado tranquilamente. O lugar só era
visitado por pessoas selecionadas, por isso a necessidade das vendas, para ninguém saber,
inicialmente, como se chegava naquele local maravilhoso. Muitas pessoas de Racionópolis
ainda não podiam saber ou ainda não estavam preparadas para saber da existência dele.
Como num outro truque que só se ver em filmes Dona Bergante escreveu algumas
palavras em uma prateleira e uma porta apareceu entre as prateleiras verde e amarela. Ela
abriu a porta com a única chave que existia daquele lugar e do qual ela era a detentora. Depois
conduziu José até dentro do lugar, pediu para ele contar lentamente até dez e disse que depois
ele poderia tirar a venda. No exato momento em que terminou a contagem, José ouviu a
batida da porta se fechando, tirou a venda e se viu sozinho naquele lugar. A beleza lhe entrou
aos olhos. Não parecia um lugar qualquer, parecia uma nova cidade. E era. Começou a andar
lentamente, viu várias pequenas ruas e já estava totalmente certo que estava numa nova
cidade, mas não sabia como. Um lugar colorido como aquela biblioteca e que revelava muito
cuidado. Tinham quadros, desenhos, pinturas e grafites pintados nas paredes, esculturas pelas
ruas, não havia muros e as casas eram de diferentes formas e cores. No pensamento de José
parecia um grande ateliê ou uma cidade ateliê, como ele chegou a dizer. E não demorou muito
para José saber onde estava. Ele andou mais alguns metros e viu uma placa com alguns
dizeres e abaixo estava escrito algo em letras menores:
“BEM-VINDO A SENSINÓPOLIS”
Sem dúvida, há um saber sensível, inelutável, primitivo, fundador de todos
os demais conhecimentos, por mais abstratos que estes sejam; um saber
direto, corporal, anterior às representações simbólicas que permitem os
nossos processos de raciocínio e reflexão. E será para essa sabedoria
primordial que deveremos voltar a atenção se quisermos refletir acerca das
bases sobre as quais repousam todo e qualquer processo educacional, por
mais especializado que ele se mostre (DUARTE JR., 2010, p.12).
![Page 30: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/30.jpg)
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José estava no lugar certo para o seu estudo sobre o saber sensível. Continuou
andando por aquela tranquila cidade e observando detalhes tácitos. Dentre eles os escritos de
Duarte Jr. (2010) o chamavam à atenção. Ele gostou de algo que viu de longe, em alusão ao
ditado ―quando a cabeça não pensa o corpo padece‖ e dizia ―quando só a cabeça pensa o
corpo fenece‖ (p.125). José achou a frase interessante e despertado pela curiosidade foi se
aproximando daquela inscrição, logo em seguida encontrou duas outras frases que falavam de
um saber que vinha do corpo:
Assim, ao saber detido pelo corpo o
homem moderno não costuma emprestar
prestígio, sequer lhe dando, no mais das
vezes, a devida atenção e
reconhecimento. No entanto, grande
parte de nosso agir cotidiano
fundamenta-se nesse saber corporal
básico, primitivo em sua origem, mas
com enorme potencial para ser
desenvolvido e lapidado, ou seja,
educado (DUARTE JR., 2010, p.125).
Inelutavelmente, há um saber detido
por nosso corpo, que permanece
íntegro em si mesmo e irredutível a
simplificações e esquematizações
cerebrais. O corpo conhece o mundo
antes de podermos reduzi-lo a
conceitos e esquemas abstratos
próprios de nossos processos mentais
(DUARTE JR., 2010, p.126).
José então pôs a se perguntar que saber é esse detido pelo corpo? Por que durante
todo nosso dia e em todo o nosso cotidiano agimos através do corpo e nos ambientes
educacionais sofremos uma paralisação dos corpos? E se o corpo conhece o mundo antes de
reduzi-lo a conceitos abstratos e mentais, porque ainda pensamos uma educação sem o corpo,
como se existisse tão somente a razão? Corpos sentados para pensar apenas racionalmente,
simplificadamente e reducionalmente. Quando José fala em educação sem o corpo, fala de
uma educação que não leva em consideração os saberes transbordados pelo corpo. Saberes
emanados de um corpo que sente, que age, que move, que vive, que representa, mas que não
se apresenta, que não fala e que não é visto como uma forma de conhecimento. Conhecimento
de si, dos outros, de conteúdos, de vida. Aprender com e pelo corpo também é um
aprendizado. É possível pensar com o corpo, não somente com a mente e através disso não
mais reduzir, mas ampliar as possibilidades de aprendizagem na educação.
![Page 31: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/31.jpg)
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6.
O ENCONTRO COM
A ARTE
E
O SABER
SENSÍVEL
![Page 32: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/32.jpg)
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José já tinha lido aquelas frases no livro de Duarte Jr., mas achava bonito lê-las
novamente naquele local. Pareciam ter outro sentido! Aliás, depois de ter lido as frases, ele
percebeu que a casa onde estavam àqueles escritos era pra lá de interessante. Ela era no
formato que parecia um trapézio, cheia de janelas e portas, tinha um jardim lindo em todo
contorno, flores brotavam dos telhados. Movido mais uma vez pela curiosidade, José foi se
aproximando daquele recinto e ao chegar perto tomou um grande susto.
– Bom dia!!!! - gritou uma voz estonteante de um moço que apareceu subitamente
na janela.
– Bom dia! - respondeu José dando alguns passos para trás.
– Pode entrar a porta está aberta.
Ainda mais curioso para saber como era aquela casa por dentro, José aceitou o
convite. A casa por dentro era ainda mais apreciativa. Era do jeito que José imaginava a sua
futura casa. Era um grande vão aberto com uma cozinha ao fundo, os quartos e banheiros nos
lados. Ao mesmo tempo, não exista dentro e fora, esquerda ou direita. O vão era repleto de
almofadas. A casa era toda bem decorada, com lindos detalhes.
– Fique a vontade.
Falou aquele rapaz e se retirou. José se sentou em uma das poltronas e continuou
prestando mais atenção naquela casa. Ele adorava ser um observador. No teto percebeu outra
frase que lhe chamou a atenção:
Assim, parece pertinente estabelecer-se uma distinção entre o inteligível e o
sensível, ou, em outras palavras, entre o conhecer e o saber. O inteligível consistindo
em todo aquele conhecimento capaz de ser articulado abstratamente por nosso
cérebro através de signos eminentemente lógicos e racionais, como as palavras, os
números e os símbolos da química, por exemplo; e o sensível dizendo respeito à
sabedoria detida pelo corpo humano e manifestada em situações as mais variadas,
tais como o equilíbrio que nos permite andar de bicicleta, o movimento harmônico
das mãos ao fazerem soar diferentes ritmos num instrumento de percussão, o passe
preciso de um jogador de futebol que coloca, com os pés, a bola no peito de um
companheiro a trinta metros de distância, ou ainda a recusa do estômago a aceitar um alimento deteriorado com base nas informações odoríficas captadas pelo nosso
olfato. Conhecer, então, é coisa apenas mental, intelectual, ao passo que o saber
reside também na carne, no organismo em sua totalidade, numa união de corpo e
mente. Neste sentido, manifesta-se o parentesco consangüíneo do saber com o sabor:
saber implica em saborear elementos do mundo e incorporá-los a nós (ou seja, trazê-
los ao corpo, para que dele passem a fazer parte) (DUARTE JR., 2010, p.127).
Quando José tentava ler as outras coisas, foi interrompido pelo moço que lhe
trouxe uma xícara de café.
– Olá! Eu me chamo Valentin.
José tomou um pouco do café e respondeu:
![Page 33: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/33.jpg)
33
– Eu me chamo José e estou fascinado por essa cidade. E me desculpe a
intromissão, mas você é algum fã de Duarte Jr.?
Valentin deu uma tremenda gargalhada e respondeu.
– Aaaah... Sensinópolis é encantadora. E não sei se sou fã de Duarte Jr. Sou
professor de Artes da UNISENSI. Tive aula com ele e acabei virando admirador dos seus
escritos e de sua pessoa.
– O que é UNISENSI?
– É a Universidade de Sensinópolis, um lugar também incrível. Lá as Artes e a
Educação Física estão presentes em todos os cursos.
José sorridente falou.
– Eu sou aluno de Licenciatura em Educação Física da UNIRACIO.
– Da UNIRACIO??? - se admirou Valentin - Mas então o que você faz aqui?
Geralmente as pessoas de Racionópolis não querem muito contato com a cidade de
Sensinópolis. Por isso vivemos isolados, escondidos e com poucos habitantes. Acontece
muito de algumas pessoas saírem daqui para Racionópolis no intuito de levar um pouco do
que vivemos aqui sobre o sensível para lá.
– Eu sou monitor das disciplinas de Ciências Humanas do curso de Educação
Física e a partir dessa experiência e das ações da professora Céu nessas disciplinas eu resolvi
estudar sobre a importância do saber sensível dentro do percurso formativo dos estudantes de
Educação Física da UNIRACIO, principalmente na Licenciatura, que é o meu curso.
– Agora entendi. Então você está aqui orientado pela professora Céu e deve contar
também com a ajuda do professor Amarillo. Ambos saíram daqui de Sensinópolis. A
professora saiu ano passado, com esse desafio de ir para a UNIRACIO. E o professor
Amarillo já tinha saído há mais tempo. Foi um dos primeiros a sair daqui pra lá. Que bom que
eles se encontraram e estão fazendo trabalhos significativos.
José tomou mais um pouco do café e disse.
– Sim, eles estão mesmo. Eu estou terminando o curso sendo orientado por eles
nessa minha monografia sobre o saber sensível. Tinha até pensado em falar do saber
inteligível e do saber sensível, mas eles me sugeriram falar só sobre o sensível. Era a vez de
dar voz e movimento a esse saber.
– É verdade. Aqui na UNISENSI nós trabalhamos com os saberes integrados,
dando a devida importância para os dois, buscando o equilíbrio. Coisa que não parece
acontecer na UNIRACIO, que utiliza quase que somente o saber inteligível.
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Eu também concordo que os dois saberes devem estar presentes, nesse
equilíbrio. É como Freire (1991, p.27) disse ―Se há um sensível e um inteligível, um cérebro e
um espírito, estão todos integrados numa mesma realidade‖. E se a realidade é a mesma, um
não pode se sobrepor ao outro, como eu vejo que acontece na Educação Física? Será que se
sobrepõe o inteligível sobre o sensível? Uma educação que traga em seu nome o físico, em
alusão a uma dimensão carnal, ainda considera o mental superior? Nesse momento é preciso
essas reflexões e que se fale, se pense e se incorpore a possibilidade de aprendizagem também
pelo saber sensível. É preciso por em prática uma educação do sensível que encontre nos
corpos a sua morada e as suas manifestações. Uma educação que faça com que nós não
apenas tenhamos corpos, mas que sejamos corpos, dentro de um processo educacional, dentro
da nossa relação com o outro e com o mundo, dentro da vida. Uma Educação Física que
considere o físico, mas não no sentindo de querer ter um corpo, mas de ser um corpo:
a especialização pode transformar-se numa perigosa fraqueza. Um animal que só
desenvolvesse e especializasse os olhos se tornaria um gênio no mundo das cores e
das formas, mas se tornaria incapaz de perceber o mundo dos sons e dos odores. E
isto pode ser fatal para a sobrevivência. (...) A ciência não é um órgão novo de
conhecimento. A ciência é a hipertrofia de capacidades que todos têm. Isto pode ser
bom, mas pode ser muito perigoso. Quanto maior a visão em profundidade, menor a
visão em extensão. A tendência da especialização é conhecer cada vez mais de cada
vez menos (ALVES, 1981, p.12).
– Dessa forma, que sentindo faz especializar os corpos? Como disse Gaiarsa
(2002) é preciso que sejamos corpos que não sofram mais de uma gloriosa tradição negativa.
Uma tradição advinda da era moderna, intensificada pela visão de Descartes que comparou o
ser humano à mecânica do relógio, cujo corpo era um mecanismo e a mente o único meio
pensante, introduzindo dessa forma a visão cartesiana do ser humano, que age unicamente
pela razão e que esse é o único conhecimento verdadeiro, pois para ele, o conhecimento
sensível - corporal - enganava os humanos. Como Descartes estava errado, afirmou Damásio
(1996). Somos também emoção, somos sensíveis de forma extremamente complexa.
Entretanto, em pleno século XXI, ainda vemos uma educação pautada na racionalidade, no
cartesianismo, no mecanicismo e no reducionismo. ―O modelo tradicional de ensino
privilegiou mais a imobilidade corporal e estigmatizou a aprendizagem como algo que
acontece dentro da cabeça e se expressa na escrita ou na oralidade. A educação incorporou a
concepção de saber descorporalizado‖ (ZYLBERBERG, 2007, p. 103):
onde quer que estejamos está presente o espírito de repressão ao corpo. Tal espírito
domina a assim chamada ―comunidade acadêmica‖. Orozco mostrou este fato num
![Page 35: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/35.jpg)
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mural retratando uma colação de grau universitária. Lá está o professor! Ele simboliza as mais altas aquisições da mente em nossa sociedade. Seu corpo mostra-
se contraído. Sua humanidade se perdeu. Isto é o que a disciplina acadêmica produz:
horas e horas com todos os sentidos corporais desligados e apenas com o intelecto
em operação, horas e horas trancado num escritório com escrivaninha, estantes e
livros. Em seu rosto já se nota a presença da morte. Agora, o momento de glória! O
professor entregará o símbolo de excelência intelectual a seu discípulo, que
conseguiu dominar a erudição acadêmica, tornando-se alguém como o mestre. E o
discípulo recebe o diploma: um tubo de ensaio com um feto morto em seu interior
(ALVES, 1987, p.156).
– Nesse mesmo sentido Freire (1991, p.30 e 31) nos diz ―talvez, até mesmo o
sensível tenha abdicado voluntariamente em favor da razão para que a espécie sobrevivesse‖.
E Fontanella (1995) corrobora dizendo que o corpo pagou um preço caro para que a razão se
tornasse a rainha, mesmo um não deixando de ser o outro. E o grito do corpo ecoa pela volta
do sensível.
![Page 36: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/36.jpg)
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Valentin aplaudiu e se admirou com a perspicácia daquele garoto que veio de
Racionópolis. E ainda admirado e nesse clima poético, ele pediu para que José visse seus
quadros enquanto que ele pegava alguma coisa para comerem e beberem. José então começou
a olhar os quadros pintados por Valentin e continuou admirando aquela casa. Em um
determinado momento ele ficou intrigado e perplexo com um quadro de globos terrestres e
pessoas.
– O nome desse é aisthesis. - falou Valentin
– Aisthesis?
– Sim. Eu quis retratar uma ideia de Duarte Jr.
– Ah... sim. A de que é preciso ser feito ―um projeto radical: o de um retorno à
raiz grega da palavra ―estética‖ - aisthesis, indicativa da primordial capacidade do ser humano
de sentir a si próprio e ao mundo num todo integrado‖ (DUARTE JR., 2010, p.13).
– Exatamente, José!
– É com essa ideia que eu tento desenvolver a arte e o saber sensível também nas
minhas aulas.
– Pois é Valentin, para mim a arte é uma possibilidade de um florescer do saber
sensível, mas não como um simples ensino da arte, mas sim do aprender e do fazer com a
arte, nas suas mais diversas formas gerando, assim, um aprender com o sensível. Um aprender
pelas percepções que se vive, que se sente e que pode ser estimulado não apenas nos cursos de
artes, mas em outros cursos, em outros contextos, com outras possibilidades. A Educação
Física, por exemplo, pode fazer um casamento muito interessante com a arte em todas as suas
dimensões de estudo: biológicas, esportivas e humanas. Eu vejo isso na minha experiência
como monitor das disciplinas de Ciências Humanas em Educação Física, mas gostaria de ver
também nas outras disciplinas e nos outros contextos nos quais a Educação Física se insere.
Gostaria de ver o brilho nos olhares dos estudantes quando eles produzem algo que nem
imaginavam que podiam, que era permitido e que eles conseguiriam. Como, por exemplo,
montar uma dança que represente o texto do mito da caverna de Platão. E isso não ser o fazer
por fazer, mas ser significativo, ser sensível aos seus sentimentos, ao seu corpo.
– Dançar o mito da caverna? - falou Valentin espantando - Eu nem imagino como
deve ter sido isso, mas deve ter sido surpreendente.
– Eu também não imaginava. Foi uma grata surpresa. E esses tipos de atividades
foram estimulando eles a produzirem várias coisas, a pensarem e enxergarem outro
significado para o processo de ensino-aprendizagem. Posso até lhe mostrar algumas fotos que
tenho aqui comigo.
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Valentin então pegou seu computador e eles começaram a ver algumas fotos
que José tinha no seu pendrive sobre os registros que ele e a professora faziam das aulas.
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– Diante de tudo isso, de toda essa história e de todas essas imagens vale lembrar
que:
Quando se fala de correr, de suar, de
carregar pesos, é o corpo que faz. Para
refletir, calcular, tocar uma sonata ou
esculpir no mármore, aí entra em cena o
espírito, o dono do corpo? O corpo
transporta a criança à escola e quem
aprende é o espírito? (...) Considerar arte,
poesia e ciência como produções de nossa realidade corporal é resistir a séculos de
tradição e de farsa intelectual (FREIRE,
1991, p.31).
ao invés de a arte ser cosa mentale, ela
parece consistir fundamentalmente
numa ―coisa corporal‖, ao ativar em
nós os mecanismos sensíveis de que
somos dotados, na inteira extensão de
nosso corpo. A experiência estética,
em que pese as abstrações e raciocínios nela envolvidos e dela
decorrentes, acontece primordialmente
no corpo, colocando em
funcionamento processos biológicos
que têm a ver com isto que
denominamos sentimento (DUARTE
JR., 2010, p.136).
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– Até quando o tripé (arte, poesia e ciência) viverá como mecanismo de
resistência à tradição racional de intelectualidade quando se pretende trabalhar com o corpo?
E por que a Educação Física, que trabalha com o corpo, que tem uma grande possibilidade de
trabalhar com o sensível, o estético e o poético fica presa ao reducionismo da cosa mentale? –
falou Valentin.
– Uma formação em Educação Física que caminhe lado a lado com uma Educação
Estética abre portas para experiências estéticas corporais que revelem sentimentos, sentidos,
sensações e emoções que possibilitem uma educação do sensível e revelem uma
aprendizagem e uma formação significativa para os corpos que respiram e inspiram Educação
Física. ―Mesmo o mais altamente formalizado ramo do conhecimento (a Matemática)... só
pode ser adquirido pelo desenvolvimento de uma arte‖, afirmou Michael Polanyi (SAIANI,
2004, p.134). Dessa forma, é possível ver a arte como uma possibilidade de se trabalhar o
saber sensível dentro da formação de licenciados em Educação Física. Um saber sensível que
revele uma nova ideia para o que se entende por inteligência, uma nova ideia para o que se
deseja no processo de ensino-aprendizagem e uma nova ideia na relação entre professores e
estudantes. Não é uma tarefa simples e fácil. É uma tarefa diferente, que à primeira vista pode
dar trabalho, mas que pode se tornar mais significativa e humana – disse José.
Visão é recurso da imaginação para dar às palavras
novas liberdade?
(Manuel de Barros, 2010)
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7.
O (RE)CANTO DA
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De repente, Valentin e José escutam uns sons vindos do lado de fora da casa. São
sons de instrumentos musicais e de vozes cantarolando.
– O que é isso? - perguntou José.
– Esses sons devem ser lá do (Re)Canto da Poiesis.
– (Re)Canto da Poiesis?
– Sim. É um espaço onde a vida é aguçada, os sentidos afloram e as pessoas se
enchem de poética.
– Poxa! Eu preciso seguir essas melodias, quero que elas me guiem até esse lugar.
. – Aproveite. Sinta e siga a beleza dessas melodias.
José e Valentin se despediram. José agradeceu pela receptividade, pela conversa e
pela magia que aquela casa lhe trouxe. Valentin também agradeceu a visita, ao aprendizado
que ele também recebeu. Ele ainda sugeriu que José, depois de passar pelo(Re)Canto da
Poiesis fosse até o departamento de Educação Física da UNISENSI, que ele ainda teria mais
surpresas.
Depois disso, José continuou sua agradável caminhada por Sensinópolis, dessa
vez guiado pelas melodias. A cada passo o som ficava mais atraente e gostoso. José então se
entregou, fechou os olhos e começou a dançar, sem se importar com nada, sem se importar se
o estavam vendo e julgando, sem se julgar. Ele apenas ia, seguia a música e dançava, mas seu
êxtase foi interrompido quando o motorista de um ônibus buzinou reverenciando a sua dança.
Ele abriu os olhos rapidamente, deu um salto pra trás e no meio daquele susto conseguiu
acenar para o motorista e ler uma frase de uma propaganda escrita na parte traseira do ônibus:
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– Esses saberes sensíveis que também emanam do meu corpo são saberes que não
me prendem e não me embrutecem. Eles me emancipam. O saber sensível foge desses
padrões estabelecidos de inteligência e representação dessa inteligência! - gritou José pelas
ruas.
Continuando sua caminhada, ele se deparou, logo em seguida, com um lugar lindo
que transbordava sons extremamente agradáveis. Era o (Re)Canto da Poiesis. O lugar era uma
casa enorme e praticamente toda aberta. Tinha uns atraentes telhados decorados que se
enalteciam quando eram tocados pelos raios do sol. Não tinha portas e em vez de janelas
existiam buracos, de diversas formas, abertos nas paredes para o vento e os sons circularem e
se misturarem. José entrou bem quieto naquele galpão, sentou-se no chão e começou a
apreciar tudo aquilo. Eram pessoas tocando, cantando, pintando, escrevendo, desenhando,
jogando, exercendo poética, coisa que ele nunca tinha visto antes. José estava encantado. Até
que uma pessoa percebeu a sua entrada, o seu vislumbramento e foi ao seu encontro.
– Olá, tudo bem? Me chamo Ícaros. Sou professor aqui do (Re)Canto da Poeisis.
– Tudo bem. Ah, então é esse o lugar.
Os dois se cumprimentaram e José continuou:
– Eu me chamo José, sou monitor das disciplinas de Ciências Humanas em
Educação Física da UNIRACIO e estou fazendo minha monografia sobre o saber sensível na
formação em Educação Física e acabei de vim da casa de Valentin.
– Ah, então você já conheceu um dos grandes artistas da nossa cidade. Você deve
ter aprendido muito com ele e com aquela casa.
– Foi espetacular. Depois ele me disse que era o momento de seguir o som, me
deliciar com o lugar de onde vinham essas melodias, aproveitar e deixa fluir.
– Pois fique a vontade. Você está no lugar certo. O pessoal aqui me chama de
professor, mas pode me chamar de Ícaros mesmo, pois na verdade nem sei bem o que sou.
Essa questão de identidade e de me personalizar me deixa confuso. Não gosto muito de ser
chamado professor, se você for pensar nessa figura do professor como o único detentor único
do saber correto e do conhecimento. Posso pensar na ideia de ser uma autoridade, mas não em
um autoritário. Posso me considerar, quem sabe, um apoiador, um orientador, um
aconselhador, um mestre e também um aprendiz, nessa relação tácita de encontro e
desencontro, de proximidade e separação, que foge às regras da pedagogia e que o professor,
ou melhor, o mestre age semelhante ao coach (um treinador de um time), que sugere, dar
exemplos, critica, ensina de maneira até explícita, mas não controla, nem domina o aprendiz
(SANTIN, 2004).
![Page 44: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/44.jpg)
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– Posso dizer que o saber sensível possibilita uma nova concepção para a relação
entre professor e estudante. Uma relação em que o professor deixe de ser apenas o
distribuidor de regras e conhecimentos para possibilitar aos estudantes que se descubram e se
revelem, ampliando seu autoconhecimento e sua autonomia. Uma relação pela sensibilidade,
em que a compreensão da formação entre os sujeitos envolvidos vá além do tradicionalismo,
do conhecimento hegemônico de um sobre o outro. Não é uma relação em que não existam
regras, mas uma relação cujo foco seja a busca da autonomia e do (re)conhecimento pessoal e
profissional, que passe por diversas possibilidades de aprendizagem. E não me importa se o
professor vai ser chamado de professor ou de educador, de mestre, de coach, mas a sua
atuação, o seu ―como fazer‖ é que deve ser significativo, deve integrar esse saber sensível à
aprendizagem, proporcionando emoções que causem paixões intelectuais por meio da
descoberta de outras possibilidades de enxergar o aprendizado, a educação, o mundo, o outro
e a si próprio (SAIANI, 2004)
– No entanto, - continuou José - essa paixão não deve ficar apenas no campo da
intelectualidade ou da racionalidade, como essa frase possa parecer. É preciso que a
descoberta seja também uma autodescoberta, a partir do momento em que as paixões
corporais também movam esse ser. E o saber sensível se insere nessa autodescoberta no
momento em que os alunos se descobrem e se revelam no instante em que também habitam o
conhecimento tácito:
sendo ela (a escola) uma agência de transmissão dos valores culturais, e sendo eles
gerados por paixões intelectuais, é tarefa da escola muito mais despertar e fomentar tais paixões do que transmitir informações e procedimentos (...) Não se pretende
aqui excluir da formação dos alunos determinadas habilidades que se poderiam
denominar ―técnicas‖. Na verdade, Polanyi não faz diferença entre o uso de uma
ferramenta intelectual e uma ferramenta técnica, já que ambas exigem que o
indivíduo habite (indewell) seu conhecimento tácito (SAIANI, 2004, p.84).
José continuou.
– Se nesta frase trocarmos Escola por Universidade, a ideia de Saiani também se
aplica. Trazendo para a formação em Licenciatura em Educação Física, não é negar ou excluir
essa formação de determinadas habilidades dos estudantes, de um saber racional, mas afirmar
que ela não pode ser a única, muito menos, ser vista como a superior. O saber inteligível, o
saber do logos não pode ser superior ao saber sensível, ao saber corporal. O saber sensível
precisa ser incorporado no trabalho com as disciplinas de formação dos estudantes para que
eles, como futuros professores, também saibam valorizar e utilizar esse tipo de saber na sua
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atuação docente futura. No mesmo sentido caminha o conhecimento tácito, que é esse
conhecimento inerente ao sujeito, mas que não é explícito, que é a parte escondida do iceberg
e que tem que ser valorizada e revelada. Um caminho para uma aprendizagem significativa
segue no trabalho com o saber sensível em conjunto com o conhecimento tácito.
Depois disso Ícaros levou José para fazer um passeio por aquele ambiente que
respirava poesia e aproveitando esta importante reflexão de José sobre essa busca por uma
nova relação entre professor e estudante e o despertar para a paixão intelectual por intermédio
do saber sensível, ele contou a história do violoncelista Bernard Greenhouse que esta descrita
na obra de Saiani (2004). Greenhouse teve como seu professor o grande Pablo Casals e que
nas primeiras aulas Casals exigia meticulosamente que Greenhouse repetisse a Suíte em Ré
Menor de Bach da mesma forma. Era uma copia absoluta. Depois de mais algumas aulas
Greenhouse já parecia muito feliz por estar tocando da mesma forma que o professor, quando
que para sua surpresa Casals falou o seguinte: ―Muito bom. Agora apenas sinta. Ponha seu
instrumento no chão e escute a Suíte em Ré Menor‖. Casals executou a peça toda modificada
e Greenhouse ficou boquiaberto, escutando uma performance celestial, absolutamente linda e
depois disso Casals disse: ―Agora você aprendeu como improvisar Bach. De agora em diante,
você vai estudar Bach desse jeito‖ (p.114).
– E assim se apresenta o saber sensível - comenta José. Talvez nem tanto a
questão do improvisar, mas que pode estar inserido também. O saber sensível nesse caso
aparece quando o músico deixa de racionalizar sobre as notas, sobre as posições dos dedos no
instrumento, sobre tudo que ele já sabe, para tocar sentindo e corporificando. Tocar o que
aquela música (re)significa, as sensações que ela traz e o que ela aflora no seu corpo. Ele já
sabe a parte técnica de como se tocar a música, agora é preciso deixar o saber sensível fluir,
tomar de conta e quando ele menos perceber tocar nessa performance celestial e linda.
Quando o músico deixa de pensar e se preocupar demais nas técnicas para executar a música e
apenas deixa essas técnicas se incorporarem naturalmente à sensibilidade, a emoção, ao afeto
e a poesia daquela música, ele passa a se utilizar do saber sensível e a beleza da execução é
outra. É uma execução corporificada e significada para aquele ser. É como no filme ―Mr.
Holland - Adorável Professor‖. Você já deve ter assistido.
– Sim. É maravilhoso. Sempre passo para os meus aprendentes.
– Pois bem, no filme uma garota diz para o professor de música, Mr. Holland, que
ela não vai mais tocar clarinete por que só está atrapalhando o resto da banda. Ele pergunta
para a garota se é legal tocar e ela diz que queria que fosse. Ele então fala que eles estão
fazendo errado, pois estão tocando notas escritas. E ela pergunta se há algo a mais para tocar
![Page 46: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/46.jpg)
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além das notas escritas. Mr. Holland comenta que música é muito mais que notas. Em seguida
põe pra tocar um vinil de uma banda que não sabe cantar, que não tem nenhum senso de
harmonia, que repetem sempre os mesmos três acordes e pergunta por que eles gostam tanto
daquela banda. A moça responde que gostam por que é legal. O professor fala que tocar tem
que ser uma coisa legal e que música é coração, é sentimento e que tem que fazer a gente
achar lindo estar vivo, que não são só notas numa pauta. Depois ele pede para ela o
acompanhar no piano tocando seu clarinete, mas sem ler a partitura, pois ela já sabe a música
que está na sua cabeça, nos seus dedos, no seu coração e que é preciso que ela confie em si
mesma. Eles começam a tocar e a garota sempre erra na mesma parte. Ela pensa em desistir,
mas o professor fala para ela não pensar nisso e pergunta do que ela gosta mais nela quando
se olha no espelho. Ela responde que é o cabelo ruivo, pois seu pai sempre dizia que o fazia
lembrar o pôr-do-sol. Ele, com sua maestria, diz para a garota fechar os olhos e tocar o pôr-
do-sol. A música então flui, a garota se emociona por ter conseguido tocar e a cena termina
com um gratificante sorriso no rosto de Mr. Holland.
– Isso me fez lembrar um texto que eu gosto muito, ―Como ensinar‖, de Rubem
Alves (2008). Nele o autor começa a dar exemplos de como ensinaria algumas coisas para as
crianças. Ele fala da jardinagem, da leitura e da música:
Se fosse ensinar a uma criança a beleza da música, não começaria com partituras,
notas e pautas. Ouviríamos juntos as melodias mais gostosas e lhe falaria sobre os
instrumentos que fazem a música. Aí, encantada com a beleza da música, ela mesma
me pediria que lhe ensinasse o mistério daquelas bolinhas pretas escritas sobre cinco
linhas. Porque as bolinhas pretas e as cincos linhas são apenas ferramentas para a produção da beleza musical. A experiência da beleza tem que vir antes ( p.130).
– Já eu, se fosse ensinar a uma criança a beleza da Educação Física, não
começaria com treinos físicos, técnicos e discursos sobre o funcionamento biológico do
corpo. Sentiríamos juntos os nossos corpos, o pulsar de cada órgão e os sentidos que o corpo
expressa. Reconheceria-mos como corpo. Veríamos a beleza da gestualidade com complexa
integração de ossos, músculos e sistemas. Contemplaríamos as belezas poéticas dos
movimentos nos esportes, nas lutas, nas ginásticas, nas danças, nos jogos e etc. Ai, encantada
com a beleza de ser corpo, ela mesma pediria para descobrir os mistérios e encantamentos do
nosso corpo e da Educação Física. De diversas formas nós estamos interligados
corporalmente. Para Duarte Jr. (2010) é preciso estar entregue de corpo inteiro à realidade e
sentir a vida antes mesmo de nela pensar e que esse princípio da estesia deve ser o princípio
fundante de qualquer processo educacional – disse José.
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8.
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Depois de sua passagem pelo (Re)Canto da Poiesis, José seguiu seu destino em
direção à UNISENSI. A cidade de Sensinópolis não era muito grande, do ponto de vista de
tempo e espaço de Racionópolis, mas a ida até a UNISENSI rendeu uma saborosa caminhada
para José. Ele aproveitou para apreciar outras belezas da cidade. Afinal, o caminho, como
uma permanente jornada, deve ser tão apreciado quanto o destino. Neste caso, o destino era
digno de recompensa. A Universidade de Sensinópolis era numa área enorme. Ao seu redor
não tinha muros. Ela era cercada por uma vasta área verde e ao seu lado passava um grande
lago cristalino, digno de aguçar todos os sentidos. Era de se ficar extasiado diante de tamanha
beleza. Os prédios das faculdades preservavam a arquitetura antiga, mas o colorido
característico da cidade, também se encontrava na UNISENSI. Além dos coloridos naturais
das flores, cada prédio tinha uma cor diferente. O prédio da Educação Física, por exemplo, era
em vários tons de verde. Quando chegou à portaria, José foi logo bem tratado pela simpática
recepcionista. Ela disse que ele podia subir até o 3º e último andar do bloco, que a pessoa que
queria falar com ele já estava lhe esperando. Que pessoa era essa que queria conversa com
José? O que ela queria? O menino estava ficando preocupado e cada vez mais curioso com
esse mistério todo. Primeiro foi Valentin que não quis dizer com quem ele iria conversar na
UNISENSI e depois a recepcionista que já foi dizendo que a pessoa com quem ele ia
conversar já estava esperando e, além do mais, ele ficou se perguntando por que as pessoas
com quem ele ia conversar sempre se encontravam no último andar do local onde elas
estavam.
José caminhou cautelosamente até o 3º andar do bloco de Educação Física,
começou a andar pelos corredores e não via ninguém. José era um menino medroso. Até que
percebeu que havia um corredor onde se encontravam as salas dos professores. Foi até lá e
percebeu que em na porta das salas tinha o nome de cada professor(a).
– E agora? Quais desses ou dessas querem conversar comigo? São muitos
professores(as) – disse José.
Cada sala era decorada de acordo com o gosto do(a) professor(a). Ao chegar perto
de uma porta decorada com desenhos e poemas José tomou um tremendo susto quando uma
voz lá de dentro disse:
– Pode entrar. Sinta-se a vontade.
José demorou uns cinco minutos para tomar coragem e entrar na sala. Na porta
estava escrito a seguinte frase: ―Seja bem vindo ao aconchego da Professora Rejane Brito‖.
Aquela frase o acalmava, mas a timidez ainda era grande. Quando finalmente decidiu abrir a
porta José tomou outro susto, a professora abriu a porta primeiro e José ficou sem reação por
![Page 50: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/50.jpg)
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alguns segundos, mas o ar angelical daquela pessoa o confortou rapidamente e a primeira
coisa que ele falou foi.
– Como você sabia que era eu que estava em frente à sua porta?
– Sensações. - falou rindo a professora - Mas também eu já sabia que você estava
vindo até aqui para conversar comigo. Desde que o professor Amarillo e a professora Céu
saíram daqui da UNISENSI, que eu espero pessoas que são estimuladas por eles. Elas
aparecem esporadicamente, mas é sempre gratificante quando elas vêm. E você é a primeira
pessoa que vem aqui orientado por eles. Fiquei muito feliz em saber que eles estão fazendo
um ótimo trabalho na UNIRACIO. Além disso, o mestre Valentin me avisou, assim que você
saiu da casa dele, que um menino chamado José estava vindo me procurar. Então, eu sentei,
comecei a ler e esperei. Quando senti seus pés chegando perto da minha sala só pedi que você
entrasse.
José ficou mais a vontade e se acomodou em uma das poltronas da sala. A
professora lhe trouxe suco e biscoito e ele, mais uma vez, se apresentou dizendo que estava
fazendo a sua monografia sobre o saber sensível na formação em Educação Física a partir da
sua experiência como monitor da professora Céu. Ele contou que desde a sua chegada à
Sensinópolis já tinha conversado e observado as relações entre o saber sensível e a arte, a
música, o corpo e o conhecimento tácito. E que, além daquelas relações, José via o saber
sensível interligado a uma nova ideia para o fenômeno da inteligência, para o processo de
ensino-aprendizagem, para a relação entre professor e estudante, para o ambiente escolar, para
os vários ambientes de aprendizagem que vão além da sala de aula e etc.
– Ou seja, você nesta pesquisa faz várias relações entre o saber sensível e suas
possibilidades, e ao mesmo tempo busca a educação que eu busco: uma educação que
considere o sensível e as infinitas possibilidades de aprendizagem. Uma educação
transformadora, humana e significativa - falou a professora.
Já sabendo da vinda de José, a professora Rejane Brito começou a ler os livros
que possivelmente ele já tinha lido. Aproveitando o momento ela resolveu ler o seguinte
trecho de um desses livros:
![Page 51: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/51.jpg)
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Na consideração e educação do sujeito, hoje, sua
dimensão imaginativa, emotiva e sensível (ou sua
corporeidade) deve ser colocada como origem de todo
projeto que vise a educá-lo e a fortalecê-lo como
princípio da vida em sociedade. A sensibilidade do
indivíduo constitui, assim, o ponto de partida (e talvez,
até o de chegada) para nossas ações educacionais com
vistas à construção de uma sociedade mais justa e
fraterna, que coloque a instrumentalidade da ciência e
da tecnologia como meio e não um fim em si mesma
(DUARTE JR., 2010, p.139).
A educação do sensível, por conseguinte, significa
muito mais que o simples treino dos sentidos
humanos para um maior deleite face as qualidades
do mundo. Consiste, também e principalmente, no
estabelecimento de bases mais amplas e robustas
para a criação de saberes abrangentes e
organicamente integrados, que se estendam desde a
vida cotidiana até os sofisticados laboratórios de
pesquisas... Educar primordialmente a sensibilidade
constitui algo próximo a uma revolução nas atuais
condições do ensino, mas é preciso tentar e forçar
sua passagem através das brechas existentes, que são
estreitas, mas podem permitir alargamentos
(DUARTE JR., 2010, p.204 e 205).
José começou a viajar nas suas reflexões, se imaginado num outro lugar. Ficou
todo avoado falando sozinho.
– Temos que ir atrás dessas brechas. O saber sensível deve ser um percurso, uma
trajetória para a formação humana. Uma formação humana que incorpore a concepção de um
saber corporalizado e que considere individualmente os sujeitos envolvidos e ao mesmo
tempo, considere que os sujeitos vivem em sociedade. O corpo e suas reações visíveis e
invisíveis precisam estar do lado de dentro da escola, da universidade, do curso de Educação
Física e sua formação, do mundo, precisam ser percebidas, exploradas e trabalhadas. Por que
precisamos de saberes que caminhem em uma única direção? Por que é preciso dizer que é
necessário buscar saberes abrangentes e organicamente integrados, se nós, na nossa
complexidade, somos seres humanos tão abrangentes e integrados? Isso não já seria óbvio? O
corpo não pode sofrer uma paralisia dos sentidos. O corpo que age e que reage precisa ser
falado nas suas diversas maneiras. O ser humano necessita dessa abertura ao sensível para
perceber e organizar os estímulos que lhe alcançam ao corpo. Uma educação que considere o
saber sensível não deve pensar num corpo anestesiado, mas num corpo recheado de sentidos.
![Page 52: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/52.jpg)
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E esse corpo estimulado, recheado não pode ficar retraído, atrofiado, embrutecido. Ele precisa
ser expandido.
Nesse momento, a professora Rejane Brito, que já estava falando sozinha,
começou a se preocupar com José.
– José! José! José!
José não respondia. Até que a professora além de chamar pelo seu nome começou
a lhe cutucar. E ele como se estivesse saindo de um sonho respondeu.
– Oi professora, tudo bem?
– Eu que lhe pergunto. Está tudo bem? Você parecia estar sonhado acordado.
Estava ficando com medo.
– Me desculpe, é que, às vezes, fico assim mesmo, lesando e viajando comigo
mesmo.
– Sobre o quê estava ―lesando‖? – brincou a professora
– Ah professora, era só sobre essa ideia das brechas, do saber sensível e do corpo.
E quando você me interrompeu eu estava pensando sobre o que disse Najmanovich (2001):
Só podemos conhecer o que somos capazes de perceber e processar com nosso
corpo. Um sujeito encarnado paga com a incompletude a possibilidade de conhecer.
Ao assumir essa posição, descobrimos que o ―corpo‖ de que estamos falando não é o
―corpo da modernidade‖, estamos começando a pensar em um
multidimensionalidade de nossa experiência corporal. É por isso que podemos
começar a pensar em uma nova forma da corporalidade: o ―corpo vivencial‖ ou
―corpo experiencial‖ (p.23 e 24).
– Muito interessante. Principalmente para nós da Educação Física. Devemos
assumir essa multidimensionalidade corporal. - comentou a professora.
– E uma educação que passe pelo sensível leva em consideração a formação de
um ser humano multidimensional. Zylberberg (2007) escreveu sobre isso e falou que:
o modelo tradicional de ensino privilegiou mais a imobilidade corporal e
estigmatizou a aprendizagem como algo que acontece dentro da cabeça e se expressa
na escrita e/ou na oralidade. A educação incorporou a concepção de saber
descorporalizado. Temos de assumir o desafio de uma educação na qual o corpo não
seja considerado um acessório, subjugado à mente, mas referência essencial da
complexa e indivisível estrutura humana (p. 103).
José continuando a conversa lembrou que, segundo Nóbrega (2005), ―o corpo foi
deixado de fora da ação pedagógica. Para aprender, as crianças deveriam ficar imóveis,
quando muito, o corpo era considerado como instrumento para o desenvolvimento do
![Page 53: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/53.jpg)
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intelecto‖ (p.17). Dessa forma, a aprendizagem não deve ser reduzida em função do aspecto
lógico, relegando a planos inferiores a sensibilidade expressa no corpo e na motricidade.
– A Zylberberg era um amor de pessoa. Ela também saiu daqui da UNISENSI
para o mundo. Os trabalhos que ela apresentava nas disciplinas eram uma ―viagem‖ e eram
encantadores por isso. Ela chegou a fazer labirinto, quebra-cabeça, jogos e etc. Eu me
divertia. Chegamos até a produzir uma coreografia de dança juntas, que falava sobre a
modernidade e a relação com o pensar. Naquela época eu já estudava sobre o saber sensível e
estabelecia outra concepção na relação entre professor e estudante:
essa missão deve caber ao educador que coloca seus alunos em contato com tais
manifestações pretensamente estéticas. A ele compete, sem dúvida, despertar e
aprimorar a sensibilidade dos educandos, munindo-se do necessário espírito crítico para lhes apontar o quanto certas ―experimentações‖ mais lhes toldam a percepção e
obnubilam seus sentidos do que lhes abrem novas maneiras de sentir a vida e o
mundo ao redor (DUARTE JR., 2010, p.220).
– Então, o que nos cabe ao pensar a formação de um professor de Educação
Física, de um educador? É comum escutar, na escola, que é o professor de Educação Física
que os estudantes se sentem mais a vontade para se relacionar. Por mais que suas aulas sejam
poucas na semana, em comparação com outras disciplinas, ele tem um papel importante no
despertar de uma inteligência corporal que inspire sensibilidade, autoconhecimento, aceitação
e possibilidades de visualizar perspectivas de um mundo diferente, com a quebra de
paradigmas e verdades. Pensar a formação de um professor de Educação Física é ter a noção
de que ele não vai ser um mero fornecedor de técnicas e de verdades sobre a motricidade e a
concepção corporal dos indivíduos. É preciso ele estar atento, tanto para fugir do comodismo
que uma concepção lógica e racional possa trazer, quanto para estar disposto a instituir dentro
da concepção pedagógica de aprendizagem a educação do sensível - falou a professora Rejane
Brito.
Depois disso, José se calou e começou a olhar para os vários cantos da sala. A
professora percebeu que José já ia entrar novamente no seu momento lesado, ou melhor, no
seu momento reflexivo e deu um estalar de dedos, que fez com que ele se assustasse e
voltasse para si.
– Eu já ia viajar de novo, professora.
– Eu percebi. Por isso lhe trouxe de volta rapidamente. Viajar é muito bom, mas
dessa vez eu queria que você viajasse aqui e não fosse para muito longe.
José riu e respondeu.
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– Eu estava refletindo sobre os professores que eu tive na minha vida como
estudante e em alguns trechos de um autor no qual ele fala da relação entre professor e
estudante no processo de ensino-aprendizagem:
Ao colocar-se como exemplo e ao renunciar a ser o fornecedor de
regras, o professor também renuncia ao controle sobre o que o
aluno aprende. Sendo um profissional do ensino, possui um
conhecimento pessoal de seu fazer pedagógico, e se compromete
com ele. Deve confiar em que cada um de seus alunos construa seu
próprio conhecimento pessoal. Mas um ponto deve ser sublinhado: essa renuncia ao controle não significa o niilismo pedagógico, nem
um laisser faire capaz de abandonar o aluno aos seus próprios
devaneios. A dualidade subjetivismo/objetivismo nos acostumou a
pensar em termos de controle absoluto ou falta de controle, de
modo que talvez devamos recorrer à filosofia oriental para nos
aproximarmos de uma espadachim que não sente raiva de seu
adversário, nem procura controlar sua própria espada, mas integra-
se a ela, deixando o Tao fluir...
(SAIANI, 2004, p.89).
José então se levantou e começou a andar pela sala. A professora ficou só
observando e achando aquilo meio estranho. José estava aprontando, e de uma hora para outra
começou a recitar um poema que tinha criado.
![Page 55: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/55.jpg)
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Corpo não, mente.
Mente, presente.
Corpo, ausente.
Corpo, não mente.
Mente, mente.
Corpo, sensivelmente.
Mente, racionalmente.
Corpo e Mente, legalmente.
Professor, aprendente.
Estudante, aprendente.
Formação, abrangente.
Educação, globalmente.
Ser humano, plenamente!
![Page 56: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/56.jpg)
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A professora Rejane Brito olhou admirada e iniciou umas palmas. José agradeceu
e voltou a se sentar. A professora então foi até a sua prateleira de livros sendo observada
minuciosamente por José. A professora pegou um livro amarelo e voltou a se sentar, mas
antes trouxe biscoitos e sucos e perguntou para José se ele já tinha lido aquele livro. Ele
respondeu que sim. A professora então pediu licença a José e recitou um trecho do livro:
Não há ignorante que não saiba uma infinidade de coisas, e é sobre este saber, sobre
esta capacidade em ato que todo ensino deve se fundar. Instruir pode, portanto,
significar duas coisas absolutamente opostas: confirmar uma incapacidade pelo
próprio ato que pretende reduzi-la ou, inversamente, forçar uma capacidade que se
ignora ou se denega a se reconhecer e a desenvolver todas as consequências desse
reconhecimento. O primeiro ato chama-se embrutecimento e o segundo, emancipação (RANCIÈRE, 2011, p.11 e 12).
– O professor precisa ver significado naquilo que faz - falou José. Ele ou ela
precisam fazer com que o estudante atribua sentido ao que está fazendo. Para isso, deve
oferecer infinitos caminhos para que um conteúdo seja apreendido, precisa saber que a
maneira com que as coisas lhe fazem significado, nem sempre é da mesma forma que fará
para os estudantes, e que não será para outros estudantes. Num ambiente de sala de aula as
características dos estudantes são múltiplas. A inteligência do professor não pode abolir a
inteligência dos estudantes, pois, segundo Rancière (2011), isso causa o embrutecimento. E eu
pergunto o que causa o embrutecimento na formação de professores de Educação Física? Será
essa capacidade de se ignorar o corpo? A aprendizagem tem que ser significativa. O professor
precisa ver significado para si, para que auxilie os estudantes a criarem os seus e se
expandirem, se emanciparem. E dessa forma, Saiani (2004) diz que ―O professor precisa ter
um sexto-sentido, uma espécie de ―terceiro olho‖ para perceber as entrelinhas das respostas
dos estudantes, e de seu comportamento‖ (p.107):
Também faz parte do conhecimento tácito do professor a visão que possui de sua
disciplina. Nada temos a opor ao fato do professor abraçar tais preferências, mas
elas orientarão tacitamente seu curso, mesmo que o conteúdo seja fechado,
provocando e valorizando certas atitudes dos alunos, em detrimento de outras.
Estará ciente dessa valoração quando planeja e enquanto conduz seu curso? Por
outro lado, não estaria ele tentando a privilegiar determinado tipo de aluno (os que tiveram maior pendor para sua disciplina, por exemplo?) (p.109).
A professora Rejane Brito percebeu que falar da relação entre professor e
estudante mexia com José e ela não quis interrompê-lo. Ele então continuou...
– O professor, no convívio com seus estudantes, deve levar em consideração, de
modo especial a maneira como eles reagem diante de suas explicações e de sua disciplina,
![Page 57: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/57.jpg)
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pois nem todos aprendem da mesma forma. Uma educação do sensível também se estabelece
neste contexto, ou seja, considerando uma nova concepção de inteligência e de como o
professor age e de como os estudantes aprendem.
– Me dê licença para lhe interromper José.
– Claro professora. Eu acabei me empolgando.
– É que você falando isso me fez lembrar das últimas palavras de Zylberberg
(2007) quando ela se despediu daqui do curso de Educação Física da Universidade de
Sensinópolis. Ela disse que tínhamos que ter diversos olhares para a aprendizagem dos
estudantes:
O corpo também pode revelar conhecimentos indizíveis. Para aprender, não
podemos ignorá-lo, independente de qual disciplina escolar estivermos falando. Por
isso, é importante que os professores percebam seus alunos em sua corporeidade
para poderem ver outros sinais que anunciam a multiplicidade da inteligência
humana (p.247).
– É isso! - exclamou José.
– A sua despedida foi um momento especial e marcante. Se tivesse mais tempo eu
lhe contaria, detalhe por detalhe, mas essa sua passagem por Sensinópolis está chegando ao
fim.
Era verdade, a passagem de José por aquela cativante cidade estava se
findando. Era preciso voltar a Racionópolis com todo aquele aprendizado e ser mais um
batalhador do saber sensível naquela cidade.
– E não se esqueça: - disse a professora Rejane Brito.
As próprias leis e enunciados científicos podem despertar o sentimento do belo,
desde que a sua construção ou apreensão se dê por parte de um sujeito sensível, não
de um técnico que se restrinja a aplicar fórmulas e a pensar tão-somente no modo
operacional. E, aliás, esta espécie de ―técnico em ciência‖ parece ser o que
atualmente vem sendo formado por nossas universidades, preocupadas apenas com a instrumentalidade do conhecimento e a mensuração de sua eficiência, em detrimento
da formação de cientistas cuja sensibilidade e ampla visão de mundo provavelmente
os tornaria dotados de personalidades mais íntegras e até de maior capacidade
criativa. Tomar o sensível (e a percepção do belo a ele associada) como fundamento
de um processo educacional, portanto, não tem a ver apenas com os níveis
elementares da educação, com a formação da criança e do jovem exclusivamente,
mas pode se estender ao longo de toda a vida adulta, com significativo incremento
na qualidade de vida dos indivíduos e da sociedade como um todo (DUARTE JR.,
2010, p.157-158).
– Isso me faz pensar como está a formação dos licenciados em Educação Física da
UNIRACIO. Será que estão sendo formadas pessoas mais técnicas e menos sensíveis? O que
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é uma formação que considere o sensível? Formar para o sensível é formar um sujeito na sua
multidimensionalidade e na sua corporeidade. É deixar de pensar um corpo como um mero
objeto e ver um corpo com vida. Nesse sentido, me lembro das palavras de Alves (1999)
sobre o vislumbramento dele para os cursos de Educação Física ao perceber a
desconsideração para com a educação da sensibilidade dentro desses cursos:
o curioso é que quando se fala em ―educação física‖ a imagem que aparece é a de
um atleta com short, camiseta e tênis, pronto para alguma atividade que envolva o
uso dos músculos. Mas os olhos, os ouvidos, a boca, o nariz, a pele são também
parte do físico. Podem também ficar atrofiados como ficam atrofiados os músculos.
O corpo atrofiado pela inércia e pelo acúmulo de gordura pode terminar em
obesidade, diabetes, colesterol alto e infarto. Mas um corpo de sentidos atrofiados termina numa doença terrível chamada ―tédio‖. Imagino uma faculdade de educação
física que tenha também cursos do tipo ―Curso de cheiração avançada I‖, ―Curso de
cheiração avançada II‖, ―Curso de observação de cores‖, ―Curso de audição de
ruídos da natureza‖... (p.50).
E José continua:
– Além do mais, Merleau-Ponty (1994) afirma que ―é pelo corpo que compreendo
o outro, como é pelo meu corpo que compreendo as coisas‖ (p.196). O sujeito não se
representa apenas pelo racional, pelo inteligível, mas também pelo corporal, pelo sensível.
Para além da técnica, para além de um sujeito que pensa, existe um sujeito que sente, que
assimila corporalmente as coisas que lhe afetam. Nas atividades físicas é comum pensarmos
na automatização técnica do movimento a partir das inúmeras repetições, que fazem com que
aquele movimento se torne habitual e realizado depois sem pensar. No entanto, Merleau-
Ponty (1994) afirma o contrário, que, através do hábito o corpo tem a capacidade de aprender
e refletir e nunca poderá ser explicado como um ato automatizado, ou como sendo uma
função da inteligência. Pelo fato de o corpo aprender e refletir, ele não se restringe a situações
que são fixadas para sempre. Dessa forma, trazendo a ideia de corporeidade do mesmo autor,
o corpo se estabelece como individual, indivisível e inalienável. Devemos estabelecer que ―o
ponto de partida do ser humano é a corporeidade. Dela se originam e dela emanam todas as
propriedades constitutivas do modo de ser do homem, e condição necessária de sua presença e
de suas manifestações no mundo‖ (SANTIN, 1993, P.5).
A professora Rejane Brito deu um forte abraço em José e agradeceu pela sua
visita e dedicação em querer estudar sobre o saber sensível na formação dos licenciados em
Educação Física da UNIRACIO. Ela se despediu entregando-lhe um manuscrito e pediu que
fechasse os olhos, pois ela ia ter que lhe vendar. José não entendeu muito aquele ritual, mas
confiou naquela educada senhora.
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Na verdade, cada bloco dos cursos da UNISENSI tinha um portal que permitia as
pessoas irem direto pra Racionópolis e somente alguns membros da Universidade é que
detinham a chave desse portal. Ela disse que o manuscrito era para ser apreciado em
Racionópolis. De olhos vendados José se despediu agradecendo aqueles momentos marcantes.
A professora o conduziu até o portal e quando ele menos imaginou já estava em Racionópolis
ouvindo uma voz já conhecida.
– Está tudo bem, meu filho, já pode tirar a venda.
Aquele ―meu filho‖ era conhecido. José tirou a venda rapidamente e deu um forte
abraço em Dona Bergante. Compartilhou os momentos mágicos que tinha vivido em
Sensinópolis e que havia trazido um manuscrito que uma professora tinha lhe presenteado e
que era pra ser apreciado em Racionópolis.
– Se quiser você pode ler aqui. Só há nós dois na Biblioteca. Estamos seguros.
E assim José leu o manuscrito.
Talvez alguns argumentem que tal abrangência
educacional mostrar-se-ia impossível em nosso tempo de
especializações, dado a maior parte de cada currículo ser
direcionada a um conhecimento específico, pelo acúmulo de
conhecimentos obtidos na modernidade. Porém, isto parece
ser, sobretudo, uma falácia. Pois, em primeiro lugar, uma
educação mais abrangente (isto é, que considere também o
saber sensível e o estético) no ensino elementar e médio é
perfeitamente viável, desde que se ponha de lado essa
olímpica pretensão de fornecer ao estudante um calhamaço
de conteúdos em cada disciplina, os quais, em sua maioria,
não são assimilados por estarem distantes de sua vida
concreta e se apresentarem totalmente desarticulados entre
si. Parece que bastariam os fundamentos de cada ciência,
de cada conhecimento, de par com o desenvolvimento do
raciocínio e pensamento dos educandos, ou seja, menos
informação e bem mais formação intelectual. Afinal, é
humanamente impossível (e dispensável) reter-se
conhecimentos fatuais sobre tudo o que há para ser
conhecido, bastando se aprender como obtê-los aquando de
sua necessidade: o fundamental é que se aprenda a
aprender. O mesmo valendo para as atividades estéticas e
sensíveis: ao invés de uma catadupa de informações acerca
das artes e artistas, uma educação mais voltada ao
desenvolvimento da sensibilidade, do corpo, para que este
aprenda a se relacionar de maneira mais íntegra e plena
com o mundo ao redor (DUARTE JR., 2010, p.202-203).
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– Guarde esse manuscrito com muito carinho e cuidado. - falou dona Bergante -
Sua jornada pelo saber sensível está apenas começando.
– Pode deixar Dona Bergante. É preciso tirar essa falácia e visualizar uma
articulação entre os conhecimentos compartilhados e os contextos que vivem professores e
estudantes no processo de ensino aprendizagem. Segundo Morin (2011) ―a educação deve
promover a ―inteligência geral‖ apta a referir-se ao complexo, ao contexto, de modo
multidimensional e dentro da concepção global‖ (p.36). Ou seja, essa complexidade, que é
unidade e multiplicidade, estabelece que os vários elementos do qual o sujeito se constitui
(como o psicológico, sociológico, afetivo, econômico, político, mitológico) formam um
tecido interdependente e interativo com o conhecimento que ele carrega e adquiri e o contexto
em que ele se insere, numa formação educacional plena do ser humano, na sua
multidimensionalidade (MORIN, 2011). Dessa forma, Dona Bergante, defenderei que essa
educação pelo saber sensível é sim possível. É possível quando considerarmos que os corpos
não são apenas perfeitos, mas são possíveis. Possíveis de conhecimento, possíveis de
aprendizado, possíveis de vida. E que a educação não considere o corpo apenas como um
mero objeto da produção do intelecto. O corpo é processo, é produto, é memória, é cultura, é
subjetivo, é história, é desejo, é expressão, é compreensão... O corpo é. E nós somos corpos.
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9.
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De volta à Racionópolis José foi se encontrar com seus orientadores para lhes
contar o aprendizado que tinha acumulado com aquela viagem, do quanto tinha aprendido
mais sobre o saber sensível vivendo aqueles momentos e aquelas experiências em
Sensinópolis. Sentia-se mais integrado com ele mesmo, com os outros e com o mundo.
Aquela viagem por Sensinópolis, o encontro com a arte, com a música, com a poesia, com
outra possibilidade para a formação dos licenciados em Educação Física demonstrou para
José que uma educação do saber sensível é plenamente possível. As suas vivências e
experiências como monitor mostravam isso e agora, depois dessa viagem, só confirmavam
ainda mais.
Seus orientadores lhe disseram que estavam felizes em ver um José, que viveu
praticamente sua vida toda regida pelo saber racional, cada vez mais interligado com o saber
sensível. E que agora, depois dessa viagem teórica, era preciso utilizar uma metodologia,
também sensível, que pudesse mostrar como a sua experiência como monitor de Ciências
Humanas em Educação Física mostrava caminhos para essa outra possibilidade de
aprendizagem. Uma possibilidade significativa, instigante, descobridora, orgânica, fluida e
integradora. Uma possibilidade de introduzir o saber sensível na formação em Educação
Física.
– Você se lembra da ideia que nós demos para essa ―metodologia sensível‖? -
falou o professor Amarillo.
– Bem... É... É sobre as fotos e os vídeos que eu faço como monitor das
disciplinas?
– É sobre isso sim. O professor Amarillo sugeriu que você utilizasse os registros
audiovisuais que você faz das aulas como um produto final do seu trabalho de conclusão de
curso - falou a professora Céu.
– Como mostrar de forma sensível que é possível dançar o mito da caverna3?
Como mostrar de forma sensível que são possíveis outras possibilidades de aprendizagem?
Descrever de formar racional, de forma literária e oral não é o único caminho. Um produto
audiovisual é mais um passo para essa sua trajetória do saber sensível, que começou desde a
escolha do tema, passando pela escrita criativa e sensível e chegando num resultado sensível.
O produto audiovisual é a poesia da sua monografia - falou o professor Amarillo.
– Dessa forma, a sugestão que tinha lhe dado como metodologia para realizar essa
produção audiovisual era de utilizar o Paradigma Indiciário. Você vai buscar indícios desse
3 Referência a Alegoria da Caverna do Filósofo Platão
![Page 63: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/63.jpg)
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saber sensível através dos registros fotográficos e de vídeos que você realizou na sua vivência
como monitor. Além desses registros você pode buscar indícios nas produções escritas e
artísticas que os estudantes realizaram durante a disciplina e apresentar uma produção
audiovisual com tudo isso - falou a professora Céu.
– Paradigma Indiciário, audiovisual, Educação Física, saber sensível, quanta
coisa! Fico feliz de trabalhar com duas coisas que gosto: Educação Física e audiovisual.
Ainda mais fazendo uma pesquisa tão prazerosa sobre o saber sensível. Já com esse
Paradigma Indiciário ainda vou me aproximar dele, nunca ouvi falar.
– Para isso procure esses autores e textos.
A professora deu alguns nomes de artigos para José ler sobre o Paradigma
Indiciário, além de autores e autoras que ela conhecia e que tinham feito suas pesquisas com
essa metodologia.
– Tome também esse livro de presente - falou o professor Amarillo.
O professor abriu a gaveta da sua mesa, tirou um livro, fez uma dedicatória e deu
de presente para José. O nome do livro era ―Dados Visuais para Pesquisa Qualitativa‖, de
Marcus Banks. José ficou encantado. Nunca tinha ouvido falar desse tipo de abordagem para
pesquisas acadêmicas.
– Mas antes de você fazer essa nova viagem pela metodologia sensível é preciso
definir quais os registros que vamos utilizar para a busca dos indícios.
– Como assim professora Céu?
– Você é meu monitor de Ciências Humanas em Educação Física, ou seja, será
monitor nas três disciplinas que eu ministro: Fundamentos Filosóficos da Educação Física,
Fundamentos Sociológicos da Educação Física e Ética e Profissionalidade. No semestre
2012.1 você foi monitor de Fundamentos Filosóficos da turma do primeiro semestre e de
Ética e Profissionalidade da turma do terceiro semestre. Nesse semestre você está sendo
monitor da disciplina de Fundamentos Sociológicos para a mesma turma que ingressou no
semestre 2012.1. O que você me diz?
– Eu prefiro fazer o trabalho com a turma do semestre 2012.1, da disciplina de
Fundamentos Filosóficos. Essa experiência de participar desse processo de se descobrir e se
revelar, de se ver quebrando paradigmas, crenças e descorporificando um corpo educacional
tão marcado pela tradição de uma educação cartesiana, reducionista, determinista e racional
está sendo gratificante para mim e acredito que para eles também, ao se perceberem nesse
momento inicial da graduação numa educação mais humana e significativa, com essa
experiência de viver uma Educação Física que integre o saber sensível. Eles vêm do Ensino
![Page 64: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/64.jpg)
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Médio para a Universidade e logo nesse primeiro semestre se encantam, se descobrem e se
revelam através dessas outras possibilidades de se aprender pelo saber sensível, de se
aprender não apenas de forma intelectual, cognitiva, racional, fechada, imóvel, calada e
esquecida. Uma possibilidade de corporificar o aprendizado. Por isso é mais relevante
escolher essa turma para realizar esse trabalho e essa produção audiovisual por intermédio dos
vídeos, das fotos e das produções escritas e artísticas desses estudantes e identificar indícios
no percurso deles, nas suas produções, nos seus corpos significativos, móveis, lembrados,
abertos, falantes e atuantes no processo de aprendizagem.
Feita essas definições e essas escolhas eles se despediram. José foi correndo para
sua casa para saber o que era esse tal de Paradigma Indiciário. Ele estava diferente após sua
volta de Racionópolis, via a cidade através de outras perspectivas, mas a cidade continuava a
mesma. A mesma Racionópolis de sempre. A casa de José também permanecia a mesma. Um
ambiente onde ele não conseguia estudar. O barulho e as confusões eram constantes. José
sempre procurava outro ambiente onde estivesse mais tranquilo para estudar. Foi ai que ele se
lembrou da Dona Bergante. Estava com saudades dela. Ele fez sua pesquisa online de
publicações sobre o Paradigma Indiciário, pegou os artigos que a professora tinha lhe
sugerido e pegou outros que ele tinha considerado interessante, colocou o computador na
mochila e foi em direção à Biblioteca Central Cartesiana.
– Olá, meu filho, o que fazes aqui?
Como aquele ―meu filho‖ animava José.
– Estava com saudades suas, Dona Bergante, e queria lhe pedir para ficar naquela
outra biblioteca estudando sobre o Paradigma Indiciário e sobre pesquisas com dados visuais,
por que lá em casa, como sempre, está impossível de se concentrar.
– Claro meu filho, mas acho que agora você vai precisar ainda mais de mim.
– Como assim Dona Bergante?
– Existe uma pessoa aqui em Racionópolis que pode lhe ajudar sobre esse
Paradigma Indiciário.
– Aqui em Racionópolis?
– Sim. E está na sua frente.
– Como assim? A senhora?
Dona Bergante riu e falou:
– Você ainda sabe pouco de mim, José. Já fiz muitas coisas na vida antes de virar
bibliotecária. Assim como você sempre tive sede de aprender coisas novas. Já fui professora,
fotógrafa, cineasta, jornalista, escritora. Até aprender a surfar eu aprendi. E dentre tantas
![Page 65: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/65.jpg)
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coisas que já fiz eu participei de um grupo que estudava sobre o Paradigma Indiciário na
aprendizagem da linguagem.
– Que interessante Dona Bergante!
José ficou maravilhado com aquelas revelações.
– Então me fale mais sobre ele, por favor! – falou José.
Os dois foram para aquele lugar secreto da Biblioteca Central Cartesiana e Dona
Bergante começou a falar para sobre o Paradigma Indiciário. Ela falou que o paradigma foi
proposto pelo historiador italiano Carlo Ginzburg no final do século XIX e trouxe outra
possibilidade de se pensar uma nova epistemologia para as pesquisas nas Ciências Humanas.
Uma epistemologia que tinha seu direcionamento e seu foco para os detalhes, os resíduos e o
que se apresentava como singular:
esse autor chama a atenção para o fato de que um modelo epistemológico fundado
no detalhe, no resíduo, no episódico, no singular, já havia emergido silenciosamente
no âmbito das chamadas ciências humanas no final do século XIX, sem que no
entanto se registrasse a preocupação coma definição de um paradigma de
investigação epistemologicamente coerente com esses pressupostos. Ginzburg
discute exatamente se paradigma, que chama de indiciário, e preocupa-se, dentre
outras coisas, com a definição de princípios metodológicos que garantam rigor às investigações centradas no detalhe e nas manifestações de singularidade
(ABAURRE, FIAD, MAYRINK-SABINSON e GERALDI, 2005, p.6).
– Mas como começou tudo isso Dona Bergante? Ele pensou tudo isso do nada?
De onde ele tirou essas ideias? – disse José.
– Calma, meu filho. Para o historiador esse paradigma teve suas raízes nos
primórdios da humanidade através da figura do caçador, uma pessoa que para a sua atividade
de caça e para a sua sobrevivência aprendeu a decifrar pistas, sinais e indícios deixados por
animais. Segundo Ginzburg (2002) o caçador ―aprendeu a farejar, registrar, interpretar e
classificar pistas infinitesimais como fios de barba. Aprendeu a fazer operações mentais
complexas com rapidez fulminante, no interior de um denso bosque ou numa clareira cheia de
ciladas‖ (p 151). Além disso, José, esse modelo de investigação tem suas bases nas histórias
de Morelli, Sherlock Holmes e Freud.
– Espera ai Dona Bergante. Quem é esse tal de Morelli? O que o grande detetive
criado por Conan Doyle tem a ver com isso? E Freud também? Até Freud explica o
Paradigma Indiciário? Como assim? O que tudo isso tem a ver?
Dona Bergante começou a rir e respondeu.
– Carlo Ginzburg comentou que esse método indiciário, baseado na semiótica, se
revelou, no âmbito das Ciências do século XIX, através desses três personagens. Giovanni
![Page 66: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/66.jpg)
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Morelli foi um médico italiano que também era especialista em identificar se os quadros de
artes eram de autores verdadeiros. Ele fazia uma análise minuciosa dos pequenos detalhes
como os lóbulos das orelhas, as unhas, as formas dos dedos das mãos e dos pés. Para ele esses
pequenos detalhes, imperceptíveis para a grande maioria das pessoas, era o que revelava as
marcas de uma autoria verdadeira. Já o personagem de ficção Sherlock Holmes tinha como
principal característica a descoberta de crimes naquelas pistas que eram irrelevantes e que
passavam despercebidas. Para Freud esse método de interpretação baseado nos indícios e nos
sintomas o tornaram a refletir que ―pormenores normalmente considerados sem importância,
ou até triviais... forneciam a chave para aceder aos produtos mais elevados do espírito
humano‖ (GINZBURG, 2002, p. 149-150). O que chama a atenção é o fato desses três casos
terem a medicina nas entranhas dos seus métodos indiciários, pois Morelli era um médico que
gostava de arte, Conan Doyle, o criador de Sherlock Holmes, foi médico antes de ser escritor
e Freud se formou em medicina e se especializou na psicanálise. Para Ginzburg existem
disciplinas que são ditas indiciárias por se estabelecerem nesse tipo de modelo de ciência ―que
se preocupa com o particular, com o diferente, com os sinais peculiares que caracterizam a
singularidade de cada objeto, e o paradigma de análise qualitativa que ele descreve com
relação às ciências humanas‖ (DUARTE, 1998, p.37). Dentre essas disciplinas estão a
filologia, a história, a arte, a linguagem e principalmente a medicina, que tem suas origens
indiciárias na Grécia Antiga através de Hipócrates que criou a medicina preventiva e
antecipou uma ideia revolucionária de que o médico poderia predizer o que estava
acontecendo com a doença através de uma análise detalhada e cuidadosa dos vários casos
daquela doença (PIMENTEL e MONTENEGRO, 2007). Fazendo referência aos três casos
acima e a medicina Ginzburg (2002) nos indaga:
Como se explica essa tripla analogia? A resposta, a primeira vista, é muito simples.
Freud era um médico; Morelli formou-se em medicina; Conan Doyle havia sido
médico antes de dedicar-se à literatura. Nos três casos, entrevê-se o modelo da
semiótica médica: a disciplina que permite diagnosticar as doenças inacessíveis à
observação direta na base de sintomas superficiais, as vezes irrelevantes aos olhos
do leigo(...) Mas não se trata simplesmente de coincidências biográficas. O final do
século XIX– mais precisamente, na década de 1870-80 – começou a se firmar nas
ciências humanas um paradigma indiciário baseado justamente na semiótica. Mas as
suas raízes eram muito antigas (p 150-151).
– Então para Ginzburg existiam disciplinas indiciárias e disciplinas não
indiciárias. Mas o que tudo isso pode ser relevante? - perguntou José.
– Ora José sua monografia mostra uma nova possibilidade de compreender o
ensino e a aprendizagem no âmbito da formação da Licenciatura em Educação Física por
![Page 67: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/67.jpg)
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intermédio do saber sensível, um saber que não seja reducionista, mecânico, positivista,
direitista e apenas cognitivista. Ginzburg traz com esse Paradigma Indiciário uma nova
possibilidade de se pensar uma nova epistemologia para as Ciências Humanas, de se revelar
outros métodos possíveis para se fazer ciência. Essas disciplinas que você chamou de não
indiciária, ele chama de disciplinas das ciências galileanas, das Ciências Naturais que se
baseiam no modelo da física de Galileu, um modelo experimental, quantitativista, estatístico,
sistemático, matemático, com regras formais, que separa sujeito do objeto, que se caracteriza
pela generalização e a não aceitação da individualidade do fenômeno pesquisado, orientado
exclusivamente para as regularidades da natureza (GOES, 2000), (CUNHA, 2009) e
(DUARTE, 1998):
O paradigma galileano, ao apagar os traços individuais do objeto em nome de uma
racionalização e objetivação do conhecimento, acaba por banir a dimensão
emocional (dimensão estética) do observador para a produção do conhecimento,
que, segundo o mesmo [Ginzburg], passa por outros sentidos que não apenas a razão
ou intelecto (LOPES, 2004, p.30).
– Então José, buscando novas possibilidades de se fazer ciência, seja qual ela for,
Humana ou Natural, é preciso estar aberto a novos saberes que por muito tempo a ciência
positivista não incorporou e não valorizou. Não se pretende questionar a contribuição que o
positivismo teve na historia da ciência, que permanece produzindo conhecimentos pertinentes
sobre a nossa realidade, ―porém os resultados e conquistas obtidos depois de mais de dois
séculos, que têm nos colocado atualmente, nos mais diversos campos, em situações-limites
que a própria ciência reconhece-se incapaz de solucionar‖ (PIMENTEL e MONTENEGRO,
2007, p. 187):
É preciso questionar os saberes científicos, saberes dos vencedores, pois a
concepção dominante é aquela que, valorizando de forma intensa as estratégias de
inteligência cognitiva, desvaloriza as demais, como as corporais, sensitivas e
intuitivas (inteligência corporal, viva), que também são formas de expressão da
humanidade. Isso se deve, em grande parte, à necessidade de homogeneizar, para
acabar com as diferenças, no intuito do controle e da conformação social e, para
isso, a modernidade produziu o Estado absoluto com suas instituições (escolas,
hospitais, exército ...). É preciso romper com esse modelo de ciência instrumental, compreendendo que a ciência do controle, da exatidão, do conhecimento como valor
universal não permite a incerteza, a curiosidade e outras formas de relação com o
conhecimento (PIMENTEL e MONTENEGRO, 2007, p. 186).
– Que interessante Dona Bergante observar que esse Paradigma Indiciário se
relaciona com a minha pesquisa sobre o saber sensível. O Paradigma Indiciário é flexível,
volúvel, fluxo e se conecta de acordo com as situações que aparecem. Foi muito
![Page 68: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/68.jpg)
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surpreendente perceber essa conexão do saber sensível e do Paradigma Indiciário, pois eles se
assemelham, se cruzam e se completam:
O paradigma indiciário valoriza a aproximação emocional do observador com o seu
objeto, os traços e o conhecimento individuais em detrimento à generalização. A
verdade é o que se consegue provar, às vezes, com auxílio da sensibilidade (emoção)
e da razão, porque o absoluto é inatingível. Assim, é preciso enfatizar que a prova no
método indiciário, não se restringe ao controle racionalista/positivista. O
conhecimento é possível neste paradigma através da relação Razão e Emoção, e não
na oposição Racionalismo versus Irracionalismo marcada pela oposição lógica, por
exemplo, entre parte e todo, aparência e essência, sincrônico e diacrônico, histórico
e lógico, universal e singular, sujeito e objeto, passado e presente, teoria e prática, etc (RODRIGUES, 2005, p.6).
– Muito bem José. O Paradigma Indiciário faz uma relação entre a razão e
sensibilidade enquanto o paradigma positivista faz um confronto do racionalismo versus
irracionalismo. Assim como o saber sensível não pode ser reprimido pelo saber inteligível, o
Paradigma Indiciário não pode ficar à deriva do paradigma positivista. E é nessa conexão
entre os indícios e a sensibilidade que você deve buscar na sua pesquisa. Essa metodologia
não se concentra na quantidade de dados, mas na qualidade e o significado e o significante
que os indícios revelam nos diversos corpus analisado (MELO, 2011, p.159). Richter, Reis e
Pessolano (2002) nos diz que ―Para o PI (Paradigma Indiciário) não importa a quantidade de
dados obtidos, mas a sua relevância para o problema investigado, confirmando uma das
características fundamentais das investigações qualitativas‖ (p.6):
Dessa forma, o indiciarismo poderia tornar-se um dos ―caminhos‖ [metodologia]
através do qual o mistério da unidade subjacente à diversidade existente no mundo,
objeto de todo conhecimento, pode adquirir um sentido fora do debate desgastado da
razão e desrazão, onde o mito da neutralidade/eficácia tudo explica e tudo molda
com os critérios absolutistas de verdade (...). Trata-se de um método onde o faro, o
golpe de vista, a intuição - que pertence a todos os homens sem distinção e une
estreitamente o animal homem às outras espécies animais – ganha uma importância
inusitada. (RODRIGUES, 2005, p.6).
– Então José, seu outro desafio nesse seu trabalho todo baseado no sensível é
buscar foto-indício, vídeo-indício, texto-indício, palavra-indício, frase-indício de uma
formação em Educação Física que incorpore o saber sensível, tornando a aprendizagem
significativa, fazendo com que os estudantes se descubram e se revelem como corpos
aprendentes possíveis de conhecimento. Tudo isso através dos seus registros e das produções
dos estudantes da disciplina:
O divergente, o diferente e a multiplicidade de histórias e vivências são contributos
para a construção do saber. O processo de conhecimento forma-se também
![Page 69: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/69.jpg)
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utilizando os sentimentos, as emoções, os desejos, e os sonhos, e estes não devem ser reprimidos em detrimento de uma ditadura racionalista, todos os sentidos agem
completando-se, combinando e reforçando significados (PALHANO, 2009 p.4).
– É uma metodologia que tem como seus elementos constituintes a diversidade, o
plural, a alternatividade, que trabalha com os opostos, com a dúvida, as incertezas e tem a
ousadia de se arriscar, buscar novas possibilidades e estudar o micro e não apenas o
macroscópico (PALHANO, 2009). Existem duas questões metodológicas cruciais que dizem
respeito ao Paradigma Indiciário: 1) aos critérios para identificar os dados que serão
colocados como representativos para se obter a ―singularidade que revela‖, pois no sentido
básico, quaisquer dado é um dado singular; 2) ao que se estabelece como ―rigor
metodológico‖, que não pode aqui ser compreendido da mesma forma que é estabelecido nos
paradigma de investigação racionalista cujos procedimentos são experimentais, de
replicabilidade e baseados na quantificação (ABAURRE; FIAD; MAYRINK-SABINSON e
GERALDI, 2005). Sobre esse rigor metodológico é preciso entendê-lo como um rigor
científico diferente dos tratados nas pesquisas de métodos positivistas. Ginzburg propõe um
―rigor flexível‖ que apresente um caráter conjectural, permitindo reelaborações e
ressignificações, sendo as pistas tratadas de forma assistemática, com flexibilidade necessária,
sem se fechar e engessar (DOMITROVIC, 2011). Um rigor metodológico flexível que não
precise trabalhar com regras formalizadas, explícitas ou que já existam previamente, mas que,
o faro, o golpe de vista e a intuição possam também fazer parte da pesquisa científica, se
assim for necessário (SUASSUNA, 2008, p.365). Para Ginzburg é preciso não se perder no
uso do termo intuição, pois essa intuição de que ele fala é uma ―intuição baixa arraigada nos
sentidos‖ e não a intuição supra sensível dos vários irracionalismos que se estabeleceram nos
séculos XIX e XX (DOMITROVIC, 2011). O importante José é ter a ideia de que a pesquisa
qualitativa exige um rigor diferente da pesquisa quantitativa, sem desmerecer uma ou outra,
mas respeitando a diversidade de possibilidades:
torna-se necessário (...) o estabelecimento de um rigor metodológico diferenciado
daquele instaurado pelas metodologias experimentais, uma vez que o olhar do
pesquisador está voltado, neste paradigma, para a singularidade dos dados. No
interior desse ―rigor flexível‖ (tal como o denomina Ginzburg) entram em jogo
outros elementos, como a intuição do investigador na observação do singular, do
idiossincrático, bem como sua capacidade de, com base no caráter iluminador desses
dados singulares — tal como propõe o paradigma indiciário — formular hipóteses
explicativas interessantes para aspectos da realidade que não são captados
diretamente, mas, sobretudo, são recuperáveis através de sintomas, de indícios
(QUARTAROLLA, 1994 apud DUARTE, 1998, p. 40).
![Page 70: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/70.jpg)
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– Entendi os caminhos desse percurso pelo Paradigma Indiciário, mas e eu como
pesquisador?
– Meu querido José, o pesquisador como você que se utiliza do Paradigma
Indiciário deve ter em mente que o indício se estabelece como um dado em relação às
hipóteses iniciais e que ele deve se colocar num movimento entre os dados e a hipótese para a
construção de interpretações para o fenômeno observado, ou seja, a partir dos dados
aparentemente negligenciáveis o pesquisador remonta uma realidade complexa, que não é
diretamente experimentável (SUASSUNA, 2008). No seu caso José, você vai considerar as
pistas deixadas pelas estudantes por intermédio dos registros que você fez e das produções
deles e com a sua hipótese de que é possível um processo de ensino aprendizagem que
considere o saber sensível dentro da Educação Física, irá interpretar essas pistas, identificando
as marcas que revelam essa aprendizagem pelo sensível. ―Nesse tipo de abordagem, o
pesquisador não há de esperar a repetição de certas ocorrências, mas deve interpretá-las no
que elas têm de relevante ou significativo para explicar aquilo que se quer compreender‖
(SUASSUNA, 2008, p. 366). Essa autora ainda nos cita outra autora para nos dizer de umas
das ferramentas principais da pesquisa com o Paradigma Indiciário: a intuição. Ela coloca
como fundamental ―o papel da intuição do pesquisador na observação e na análise do dado
singular, com vistas à formulação de hipóteses plausíveis para explicar aspectos da realidade
não captáveis diretamente, mas recuperáveis exatamente através de sintomas e indícios‖
(QUARTAROLLA, 1994 apud SUASSUNA, 2008, p.367).
– Essa sugestão da minha orientadora Céu em utilizar o Paradigma Indiciário
casou direitinho com a pesquisa sobre o saber sensível.
– E é preciso José que percebamos a importância do Paradigma Indiciário para a
educação. Apesar de ainda não ter sido teorizado explicitamente e ainda permanecer
inconcluso, inacabado e não sistematizado, esse paradigma ainda se estabelece amplamente
vivo e operante, com uma significância epistemológica muito importante. A busca nas e pelas
pistas dos indícios é por uma Educação Física que incorpore o saber sensível e seja cada vez
mais emancipatória, humana e significativa. Tais indícios devem ser buscados com muita
atenção através dos acontecimentos que ocorrem na escola, na universidade, na sala de aula,
pois podem permitir que os educadores compreendam momentos de fracasso, dificuldade,
desinteresse e percebam que é preciso adquirir essa observação para os detalhes
comportamentais dos educandos, de suas inquietações, dúvidas e descobertas, fazendo da
prática pedagógica um ato de valorização do educando como parte importante na construção
do seu conhecimento, possibilitando uma aprendizagem significativa:
![Page 71: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/71.jpg)
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Observar a atitude dos alunos durante o trabalho com o conteúdo, sua postura frente
ao emprego da metodologia, suas construções elaboradas por meio da avaliação,
seus gestos, silêncios exige de nós uma escuta atenta aos indícios. Eles é que poderão nos direcionar na construção de uma outra cultura escolar – não aquela
apenas baseada na nota, no erro e acerto, nos fortes e fracos, nos inteligentes e nos
não inteligentes – mas a que valoriza o risco e a criação, a criatividade e a
transgressão de novos olhares e novas formulações, na medida em que estudar
propicia relacionar os conhecimentos com a realidade de sua vida, seu meio social.
Para isso, é preciso que o educador esteja atento (PIMENTEL e MONTENEGRO,
2007, p. 190).
– Então Dona Bergante não é ser contra a construção do conhecimento dos
estudantes baseado no modelo instrumental do saber e fazer científico, mas enriquecer essa
construção valorizando as experiências, a intuição, a curiosidade, os gestos, as diversas
linguagens, as diversas culturas, os diversos sentimentos e os múltiplos saberes que podem
aparecer quando se aguça a sensibilidade de professores e estudantes e se descobre a
capacidade de criação de novos conhecimentos, num diálogo de possibilidades que
potencialize a formação de pessoas mais criativas, intuitivas, versáteis, ampliando a leitura de
mundo e a essência do ser humano, que é ser humano (PIMENTEL e MONTENEGRO,
2007).
– Exatamente José! O saber sensível e o Paradigma Indiciário devem caminhar
juntos nessa sua pesquisa.
O indiciado da vez é o indiciário.
O Paradigma Indiciário.
Acusado de ser incendiário.
Culpado por promover infinitas
possibilidades.
Dentro do campo de batalha.
O campo da pesquisa limitada.
Rá, que cilada!
Sofreu com sua ideologia.
Em querer observar o pulsar da vida.
Foi encarcerado.
Aqui não é permitido Holmes – falou o
delegado.
Você é acusado por indiciarismo.
Um crime grave. Um grave delito.
Delito contra as certezas.
Aqui nessa cidade.
Nada de tornar visível o invisível.
– Mas a vida é múltipla!
Não tinha jeito.
O indiciário pra prisão foi levado.
Por querer relacionar razão e
sensibilidade.
Seu aliado, o saber sensível?
Conseguiu escapar.
Esperança, ainda há.
![Page 72: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/72.jpg)
72
1100.. AA
AAVVEENNTTUURRAA
PPEELLOOSS
DDAADDOOSS VVIISSUUAAIISS
Eu gosto do absurdo divino das imagens.
(Manuel de Barros, 2010)
![Page 73: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/73.jpg)
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Depois de saber os caminhos por onde andar pelo Paradigma Indiciário, José
definiu seus próximos passos. Escolheu como outro aporte metodológico o método visual de
pesquisa qualitativa para a coleta e análise dos dados. Os registros audiovisuais (fotos e
vídeos) das aulas e das produções escritas e artísticas dos estudantes feitos por José durante a
sua experiência como monitor da disciplina de Fundamentos Filosóficos da Educação Física,
da turma que ingressou no semestre 2012.1 ―guardavam‖ indícios de um saber sensível na
Educação Física. Era possível revelá-los. Com os indícios, José teve como ideia a construção
de um produto audiovisual que expressasse o ―se descobrir e o se revelar dos estudantes‖
durante a experiência de ensino-aprendizagem do sensível.
A escolha pelo método visual para coleta e análise de dados surgiu antes mesmo
de José pensar em trabalhar numa pesquisa sobre o ensino e a aprendizagem do saber sensível
na Licenciatura em Educação Física. Vivendo em Racionópolis ele se surpreendeu quando
nos primeiros dias de aula sua como monitor da disciplina de Fundamentos Filosóficos em
Educação Física a professora Céu pediu que José fosse registrando as aulas em fotos e vídeos
através da câmera que ela tinha levado.
– Mas registrar o que? – perguntou José.
– Vá registrando aquilo que vai chegando até você. – respondeu a professora.
José não entendeu muito aquela resposta, mas começou a tirar foto e fazer vídeos
das aulas, afinal mexer com audiovisual era outra coisa que ele gostava muito. Depois dessas
primeiras aulas a professora perguntou se José tinha uma câmera fotográfica. Ele tinha. Ela
então pediu que ele trouxesse em cada aula para que ambos pudessem fazer os registros. José
ainda estava sem entender o porquê de tudo aquilo, mas durante as aulas seguintes ele não
deixou de levar sua câmera e registrar aquilo que ia chegando até ele, mesmo sem saber que
aquilo era aquele. Até que chegou um dia e José não se conteve.
– Professora Céu me explique realmente qual o propósito de se fazer esses
registros das aulas?
– Esses registros José são para inúmeros fins. Não fazemos um percurso linear,
mas tivemos uma formação linear. Às vezes os estudantes não conseguem percebem o quanto
aprenderam e como, até que se assistam num vídeo. A sequência de fotos permite resgatar o
percurso de aprendizagem. As vozes, as narrativas, as falas, permitem demonstrar como olhar
sobre determinado conteúdo foi se transformando. Todos juntos dialogamos sobre as
possibilidades de uma educação transformadora em que os estudantes se descobrem e se
revelam sujeitos ativos de uma aprendizagem significativa e como eles corporificam o
aprendizado, não apenas memorizando dados e fatos filosóficos. Esses registros são
![Page 74: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/74.jpg)
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reveladores quando se compreendem, revendo tudo o que produziram, como ativos na
produção do conhecimento, no processo de ensino e aprendizagem com autoria e criatividade.
Durante toda a sua vivência como monitor José foi registrando as produções que
os alunos faziam nas aulas, os relatos deles e qualquer outra coisa que ele achasse
significativo, sem saber que esses registros não serviriam apenas para a disciplina, mas
também para o seu futuro trabalho de conclusão de curso. O período que José iniciou a
monitoria coincidiu com o período em que ele teria que escolher sobre que tema ia trabalhar
na sua monografia e que orientador(a) ele iria querer. Como já foi dito nesta história José teve
muitas dúvidas sobre qual tema escolher para seu trabalho monográfico e qual orientador(a)
escolher para lhe ajudar nesse trabalho. Até que quando foi proposto o desafio de se fazer uma
monografia toda no sensível através da sua experiência como monitor José se lembrou logo
dos registros audiovisuais, mas ficou na dúvida se o seu desejo de utilizá-los de alguma forma
no seu trabalho de conclusão de curso seria possível.
Graças ao professor Amarillo esse desejo de José foi possível. Foi ele que mostrou
para José o livro ―Dados visuais para pesquisa qualitativa‖, de Marcus Banks, que garantia
teoricamente essa possibilidade. A partir daí José começou a procurar na internet se existiam
outros trabalhos que se utilizassem de uma metodologia visual para a coleta e análise de
dados. ―É importante enfatizar que os métodos visuais podem utilizar tanto imagens estáticas
(fotografias) quanto imagens em movimento (filmes e vídeos)‖ (MENDONÇA & CORREIA,
2008, p.134). José acabou descobrindo que uma bibliografia especializada que traga manuais
de métodos e técnicas de investigação em metodologias visuais é praticamente inexistente,
pois assim como o saber sensível e o Paradigma Indiciário a metodologia visual também
sofreu com as ciências positivistas que não legitimavam esse tipo de abordagem para as
pesquisas cientificas. (CAMPOS, 2011).
Como sempre acontecia quando José ficava empolgado e queria compartilhar sua
alegria com alguém ou falar algo, ele foi direto procurar Dona Bergante que sempre o recebia
muito bem e ficou empolgada com a ideia e muito curiosa pra ver as fotos e os vídeos.
– A grande discussão Dona Bergante é no respaldo que esse tipo de metodologia
possa ter para o conhecimento cientifico, por ser subjetiva e polissêmica.
– Mas a palavra, por exemplo, é também polissêmica José. As imagens são
onipresentes na nossa sociedade, têm uma forte significância e podem sim desempenhar um
papel importante para a colheita de dados. Se eles justificam que a imagem pode gerar
múltiplos sentidos, a palavra, por ser polissêmica, também pode. Já subjetividade da imagem
pode proporcionar que se revele algum conhecimento que não é possível por outro meio de se
![Page 75: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/75.jpg)
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fazer ciência. Sua preocupação tem que ser em fazer um passo a passo de como se estabelecer
o vínculo entre o Paradigma Indiciário e a metodologia visual:
Na mais acomodada prática estamos fadados ao fracasso de querer usar
somente palavras para pensar quando devo permitir um raciocínio amplo do
que a imagem e a sua carga simbólica possa carregar, ainda que venha
dotada de subjetividade. E quanto a esta, não posso querer excluí-la do
processo de formação do conhecimento, pois a subjetividade está implicada
no homem assim como sua própria existência. Seria equívoco ignorar a
essência do pesquisador na construção de sua filosofia e pensamento. O
saber científico se constrói pela inteireza do homem e toda a sua carga existencial. A imagem não deixa de ser instrumento científico pela
característica de suas potencialidades subjetivas (OLIVEIRA, 2012, p.57).
– É verdade Dona Bergante. Um autor chamado Flick (2007) destaca que ―as
fotografias, os filmes e o vídeo são cada vez mais utilizados como formas genuínas e fontes
de dados‖ (p.161). E é como diz Banks (2009):
Restringir-se a uma única metodologia ou área de investigação é tão
sociologicamente limitador quanto ignorar deliberadamente uma metodologia ou
uma área. Este livro [Dados visuais para pesquisa qualitativa] é uma tentativa de argumentar que as metodologias de pesquisa visual são diferenciadas e valiosas e
devem ser consideradas pelo pesquisador social, seja qual for o projeto. Não é uma
tentativa de provar que tais metodologias suplantam todas as outras. A pesquisa
visual dever ser vista como apenas uma técnica metodológica entre muitas a serem
empregadas por pesquisadores sociais, mais apropriada em alguns contextos menos
em outros (p.18 e 19).
José continuou falando para Dona Bergante.
– Ainda sobre a importância de se utilizar os métodos visuais para pesquisa
qualitativa, em determinados contextos, o mesmo autor nos alerta que é crescente os métodos
de pesquisa com filmes e fotografias, pois se percebe que os métodos de entrevista, por
exemplo, definem a pesquisa até um determinado momento. Já o audiovisual pode
proporcionar ir além do que as palavras podem dizer e representar. Eu pretendo utilizar os
métodos visuais para esse trabalho direcionando os olhares para o corpo, para os sentimentos,
para as emoções e para um saber sensível. Vou me basear na história do antropólogo visual
Jay Ruby, que utilizou uma série de mídias para a apresentação do seu projeto social. Jay
chamou a sua metodologia de ―uma etnografia pictórica‖, utilizando-se também de uma
abordagem reflexiva e colaborativa. Ele estava disposto a publicar o resultado de sua pesquisa
de modo não convencional. Seu método escolhido foi um CD, no qual continha imagens fixas
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e em movimento, e nesse caso, armazenava muito mais conteúdo significativo do que se
tivesse publicado um livro ou um filme etnográfico (BANKS, 2009).
– Para esse produto audiovisual e para a sua apresentação é importante estar
atento para alguns detalhes, como a multivocalidade das imagens, pois ―Dizer que imagens
são multivocais, e ―falam‖ para diferentes pessoas em diferentes contextos de diversas
maneiras é um axioma da própria pesquisa visual‖ (BANKS, 2009, p.122). A compreensão
do público é um aspecto relevante que deve ser levado em consideração, assim como as
relações entre imagens e textos. Estar atento para o público-alvo, mas também para os
públicos imprevisíveis. E uma apresentação visual de uma pesquisa que estuda sobre o saber
sensível se incorpora e se torna extremamente relevante a partir da fala de Banks (2009) ―na
apresentação de pesquisa visual os pesquisadores podem tentar trabalhar com imagens,
deixando-as falar por si mesmas, por assim dizer, em vez de tentar forçá-las a se adaptar a
uma programação intelectual predeterminada‖ (p.124). E sobre a importância da imagem
como método de pesquisa, penso como Oliveira (2012) que em sua dissertação de mestrado
apresentou o resultado da sua análise dos dados num álbum de fotografias. Enquanto eu me
detenho na importância e na defesa da imagem e do vídeo como método de pesquisa, ela se
focou na fotografia:
O lugar da imagem está nos livros, nas músicas, nos cheiros, na pele, na textura das
coisas, ela torna-se presença viva na matéria e no que é imaterial. Podemos ouvir
imagens, sentir imagem, falar imagem, ler imagem, tocar imagem, cantar imagem.
Ela assume diferentes formas, presente em diversas linguagens. Assim quero acolher
a imagem como uma cultura, uma escrita, uma comunicação. Penso por meio dela e pesquiso por meio dela. A imagem como método de pesquisa assumindo seu espaço
social dentro de uma cultura que a relega sempre a uma segunda categoria dentro da
academia. Já não convém negar o lugar que cabe a ela estar, a linguagem que ela
pode assumir. As ciências sociais tem o compromisso de construir conhecimento
também através da linguagem visual, utilizando a fotografia como método de
pesquisa (p.37).
– Mas José, como você irá fazer esse link entre o Paradigma Indiciário e a
metodologia visual? Você acha possível? – perguntou Dona Bergante.
– Olha Dona Bergante, como já tenho lhe dito, essa monografia sempre se
mostrou um desafio que eu resolvi me aventurar, desde a escolha do tema até chegar ao seu
fim que é a apresentação. E com a metodologia não poderia ser diferente. Paradigma
Indiciário e metodologia visual foram duas coisas que eu nunca tinha ouvido falar na vida,
principalmente para pesquisas acadêmicas, mas analisando todo esse percurso eu acho que
essa dupla forma um casal perfeito. Para esse tipo de pesquisa seja passado a diante para
![Page 77: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/77.jpg)
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estudos sobre o corpo, por exemplo, é preciso: 1) Fazer o registro audiovisual do fenômeno a
ser estudado, sem julgamentos. Você escolherá se vai desejar trabalhar só com fotos, só com
vídeos ou os dois; 2) Ter em mente os indícios que se deseja buscar nos registros audiovisuais
para a hipótese proposta; 3) Verificar onde se encontra os indícios que se quer buscar nos
registros audiovisuais feitos; 4) Separar os registros que contém os indícios; 5) Categorizar os
indícios por meio da condução do seu olhar para os seus desejos sobre fenômeno estudado; 6)
Produzir com esses registros um produto audiovisual que relate as categorias dos indícios que
se deseja mostrar desse fenômeno.
– E você conseguirá também com esse trabalho quebrar esses tradicionalismos das
apresentações de trabalhos monográficos?
– Meu desejo é que sim Dona Bergante. Como também sempre desejei que essa
monografia fosse toda no sensível, eu quero ela seja do começo ao fim, pois está sendo uma
quebra de crenças, que eu não tenho a mínima ideia do que possa acontecer. Como sempre
vou me aventurando nas coisas que gosto e que me dão satisfação em realizar. Sobre a
―aceitação‖ ou não desse trabalho, de seu formato, de sua escrita, de sua metodologia eu não
espero nada. O que me importa é que essa monografia, da forma que ela é, possa ser relevante
para a Educação, para a Educação Física, para os professores e estudantes de Educação Física
e que possa trazer novas possibilidades de se fazer ciência e de se pensar outras possibilidades
de tornar a aprendizagem dos educandos mais significativa, principalmente corporificando-a.
Dona Bergante sentiu a emoção de José ao falar desse seu desafio monográfico e
de como ele parecia empenhado para fazer uma produção que além de significativa fosse
também estética. José falou para Dona Bergante que vai fazer o máximo, e espera que seja
feliz nas revelações dos indícios para que o produto audiovisual saia bom, belo e que seja
capaz de apresentar tantos os indícios que deem conta do saber sensível, quanto que posso
abrir portas também para interpretações alternativas, para outros possíveis indícios que os
outros podem observar e compartilhar.
Eles se despediram e José prometeu voltar para aquele lugar. Dona Bergante disse
que seria sempre um prazer recebê-lo.
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78
11.
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
(...) você marcha, José!
José, para onde?
(Carlos Drummond de Andrade – José)
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E agora José, para onde você vai marchar? Você passou toda a sua vida em
Racionópolis, conheceu a Sensinópolis, teve a oportunidade de viver uma experiência como
monitor de iniciação à docência nas disciplinas de Ciências Humanas em Educação Física,
percebeu que uma aprendizagem pelo saber sensível é possível na formação dos estudantes do
curso de Licenciatura, fez registros audiovisuais dessa aprendizagem, conheceu o paradigma
que busca indícios do que se quer mostrar, vai buscar esses indícios nos registros
audiovisuais, mas e agora? Para onde ir? Qual a sua jornada?
A jornada de José era uma jornada sem fim, era uma jornada que sempre tinha um
começo. O paradoxo da jornada como uma espiral.
figura 1 - http://www.facebook.com/photo.php?fbid=487269901333112&set=a.233367313390040.59062.212099128850192
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80
José, desde que se descobriu, sempre quis fazer o curso de Licenciatura em
Educação Física. Queria ser aquele professor que era quase sempre querido por todos os
estudantes e que tinha uma relação bem próxima com eles. Apreciador de esportes, ele
admirava aquela profissão em que o professor ensinava os seus estudantes alguma modalidade
esportiva. Na visão que José tinha sobre a Educação Física na escola, era só isso: esporte. Foi
esta a vivência que o menino teve durante anos e anos.
Atualmente ainda é clara a lembrança de um professor de Educação Física que
dizia para seus estudantes: ―Vocês devem fazer vestibular para Educação Física e tornarem-se
professores, olha ai... é só fazer uma aula aqui e ali e, no mais, entregar a bola pro racha e
receber no final do mês um dinheiro mole, mole!‖. Felizmente não foi esse tipo de exemplo
que fez José querer ser professor de Educação Física.
Antes de ingressar na Universidade José acreditava que o curso de Licenciatura
em Educação Física da UNIRACIO era quase que exclusivamente todo prático, que ele ia
praticar muitos esportes e que ia ser uma moleza fazê-lo e terminá-lo. Doce ilusão. Outra
visão que José tinha da Educação Física era que quase todos os(as) estudantes do curso eram
bombados(as). Isso o deixava aflito, afinal ele nunca se encaixou nos padrões que a sociedade
estabelecia como referência de beleza e achou que ia sofrer no curso por isso. Para sua alegria
o curso era formado por pessoas múltiplas, em todos os sentidos.
Vários estigmas foram sendo quebrados. O curso também era múltiplo. Só
esportes e atividade física? Nada disso! Filosofia, Sociologia, História, Antropologia, Ética,
Psicologia, Cultura, Política. As Ciências Humanas também faziam parte, para a felicidade de
José. E assim, entre disciplinas da área biológica, da área das humanas e da área específica da
Educação Física, entre participação de projetos de pesquisa, de projetos de monitoria, de
grupos artísticos, de grupos políticos, entre os corredores, salas, laboratórios, quadras e afins a
sua jornada formativa foi se construindo no curso de Licenciatura em Educação Física da
UNIRACIO.
Nesta jornada... de repente, após a sua experiência como monitor de iniciação à
docência no seu último ano de curso, fez com que José entrasse numa reflexão profunda sobre
que licenciado ele estava se formando até aquele momento? Que formação estavam tendo
também seus colegas de curso? José ficou preocupado. ―O ser humano não aprende somente
com sua inteligência, mas com seu corpo e suas vísceras, sua sensibilidade e sua imaginação‖
(MOREIRA; PORTO; MANESCHY & SIMÕES, 2006, p. 140) foi uma das frases que
marcou esta experiência de José como monitor. ―Eles tem que viver essa experiência que
estou vivendo. A Educação Física é mais do que aquilo que a gente imagina que é e pode ser.
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Ela pode ser possível de outra forma. O seu ensino e aprendizagem é possível de outra
maneira‖, dizia ele nas conversas com os colegas de curso. E assim, junto com uma amiga
chamada Luz eles foram conversar com a professora Céu.
– Ei José, o que tu acha da gente falar com a professora Céu para ela oferecer uma
disciplina optativa no próximo semestre para que outras pessoas do curso possam viver a
experiência que você viveu como monitor da disciplina de Fundamentos Filosóficos da
Educação Física? – falou a amiga Luz.
– Que ótima ideia, Luz. Nossa formação precisa também considerar essa outra
possibilidade de ensino aprendizagem que ela trouxe para a formação em Educação Física da
UNIRACIO. Uma formação na multidimensionalidade do ser humano que considera outros
saberes, outras linguagens, outras inteligências, que considera mais o como fazer do que o que
fazer, que traz outros olhares para o que seja a Educação Física e a formação dos estudantes
como futuros professores da área, que tem o seu foco na aprendizagem, da preocupação de
como os estudantes aprendem e não apenas de como o professor ensina, que considera o
estudante como assimilador, construtor e produtor do conhecimento, que considera o
estudante na sua complexidade e na sua corporeidade. Uma corporeidade que é aprendente
(MOREIRA; PORTO; MANESCHY & SIMÕES, 2006):
Advogar o princípio da complexidade para um corpo ativo, uma corporeidade
aprendente, é assumir que não se está procurando uma receita como resposta, mas
um desafio, uma motivação para o ato de pensar. Também é assumir que aspirar à
complexidade é tender para o conhecimento multidimensional, sabendo que a
complexidade surge como dificuldade, como incerteza, e não como uma clareza ou como uma resposta. É necessário que se procure o caminho de um pensamento
multidimensional que integre e desenvolva a formalização e a quantificação, mas
que não se restrinja a estas, porque a realidade antropossocial é multidimensional
por conter sempre uma dimensão individual, uma dimensão social e uma dimensão
biológica (MOREIRA; PORTO; MANESCHY & SIMÕES, 2006, p. 142).
A professora Céu aceitou o pedido de José e Luz e, no semestre seguinte, ofertou
a disciplina chamada Corporeidade e Educação. No primeiro dia aula, os estudantes estavam
reunidos, olhos atentos em busca do novo e num diálogo inicial, conversaram sobre o que
esperavam aprender. Então veio a ideia de fazer um resgate filosófico, sociológico e
antropológico da Educação Física tentando minimizar a lacuna que muitos estudantes sentiam
nessa área. Impulsionados por José queriam viver a experiência de profunda aprendizagem da
sua monitoria, a experiência do saber sensível na formação dos estudantes de Educação
Física. Infelizmente só oito estudantes participaram.
![Page 82: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/82.jpg)
82
– Mas José, você acha que essa é a solução? Você acha que isso é que vai mudar
tudo na formação do licenciado em Educação Física? – perguntou a amiga Luz.
– Não sei minha querida, mas ver como eu vi o quanto é significativo essa
experiência do saber sensível para a formação estética dos estudantes de Licenciatura em
Educação Física é uma oportunidade que eu gostaria que muitos estudantes do curso
vivessem. E que fosse possível também nas outras disciplinas das diversas áreas que
abrangem o nosso curso. Como você já sabe, eu vivi essa experiência sendo monitor,
registrando através de fotos e vídeos esse percurso formativo que interliga o saber sensível e o
inteligível e também vivi como sendo aluno da disciplina de Corporeidade. Imaginar-me sem
isso na minha futura prática docente é me imaginar inacabado, limitado, segmentado. Não sei
o quanto isso seria a solução, mas a possibilidade de integrar o saber sensível, de tornar o
corpo vivo e significativo na formação dos estudantes de Licenciatura em Educação Física da
UNIRACIO está ao nosso dispor e eu acho que ela deve ser aproveitada ao máximo para que
eles possam ter outros olhares para o que seja corpo, para o que seja Educação Física e para o
que queiram aprender.
A jornada de José pela representatividade do ensino e a aprendizagem do sensível
na Licenciatura em Educação Física da UNIRACIO começa, termina e recomeça pelos
indícios. Indícios que ele buscou nas produções artísticas e acadêmicas dos estudantes e nos
registros em fotos e vídeos da sua experiência como monitor. Indícios que ele encontra,
indícios que ele deixa, indícios que fazem pensar uma ressignificação da prática pedagógica
do professor de Educação Física, indícios que mostram outros olhares para a visão de corpo
que os estudantes passam a ter, um corpo não mais reduzido, mecânico, dócil e separado da
mente, mas um corpo ascendente, que ascende para ser integrado, interligado, pleno. Indícios
que possibilitam pensar uma formação estética e ética. Para José foram os indícios,
identificados nesses registros, que o inspiraram para voltar a querer a docência, depois de ter
passado por uma dura crise de não querer mais ser professor. Os indícios carregaram José pela
vontade de querer multiplicar essa semente e fazer do saber sensível uma possibilidade
transformadora na vida dos estudantes de Educação Física.
Essa monografia escrita em forma de história possibilitou a José um revelar de sua
escrita, de seu processo de investigação, de seu mergulho teórico e da sua profunda
ressignificação do sensível na docência e na ciência.
Agora José segue seu caminho. Com a mochila nas costas começa uma nova
jornada. Com uma latente vontade presente no corpo renasce o desejo - ainda maior - de fazer
![Page 83: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/83.jpg)
83
a diferença com as pessoas e no mundo. De fazer esta diferença sendo professor, sendo
educador.
Mas antes era preciso fazer algo, era preciso expor esses indícios que tanto ele
falou. Para isso José voltou a Sensinópolis, escolheu umas árvores em frente ao bloco de
Educação Física da UNISENSI, montou entra elas uma tela de projeção feita com um grande
pano branco e apresentou seu filme para as pessoas. Estavam presentes as pessoas que
cruzaram o seu percurso acadêmico pelo saber sensível em Sensinópolis: a Dona Bergante, o
professor Valentin, o professor Ícaros, a professora Rejane Brito, os estudantes, familiares e
mais algumas pessoas da cidade. O filme era o ―produto‖ e o presente do trabalho de
conclusão de curso do José e mostrava os indícios que ele identificou ao longo desta jornada.
Um dos próximos passos? Nos meses seguintes... fazer uma sessão em Racionópolis. Mais
um desafio para José.
No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a
criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos. A criança não sabe que o verbo escutar não funciona
para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele
delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer nascimentos –
O verbo tem que pegar delírio.
(Manuel de Barros, 2000)
Que a ciência possa pegar delírio!
![Page 84: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/84.jpg)
84
estrelando: turma 2012.1
O ENSINO E A APRENDIZAGEM DO
SENSÍVEL NA LICENCIATURA EM
EDUCAÇÃO FÍSICA: OS INDÍCIOS DE
UMA FORMAÇÃO ESTÉTICA
![Page 85: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/85.jpg)
85
![Page 86: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/86.jpg)
86
do AMIGO Fidel Machado.
(Primavera de 2012)
![Page 87: TCC2_Fabrício Leomar_FINAL_18.02.13](https://reader033.vdocuments.mx/reader033/viewer/2022042822/55cf9be7550346d033a7cc64/html5/thumbnails/87.jpg)
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Tenho o privilégio de não saber quase tudo.
E isso explica.
o resto.
(Manuel de Barros, 2010)
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POR DENTRO DA HISTÓRIA DE JOSÉ
Abra apenas depois de terminada a leitura e use-o preferencialmente para fins acadêmicos.
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Racionópolis – cidade onde José nasceu e cresceu e que é tem como característica principal e
dominante ser movida pelo saber racional, positivista, determinista, fechado e limitado.
Sensinópolis – cidade que é oposta à Racionópolis. Uma cidade viva, aberta, integradora,
livre e onde José descobre que é possível aprender por um outro saber.
UNIRACIO – Universidade da cidade de Racionópolis.
UNISENSI – Universidade da cidade de Sensinópolis.
Biblioteca Central Cartesiana (BCC) – Biblioteca principal da UNIRACIO.
(Re)Canto da Poiesis – lugar de poética da cidade de Sensinópolis onde se pode encontrar
todo tipo de arte.
José – menino do curso de Licenciatura em Educação Física da UNIRACIO. Personagem
principal da história.
Professor Amarillo – professor doutor do curso de Educação Física da UNIRACIO.
Professora Céu – professora doutora do curso de Educação Física da UNIRACIO.
Dona Bergante – bibliotecária da Biblioteca Central Cartesiana e conselheira de José.
Valentin – um dos grandes artistas de Sensinópolis e professor de artes da UNISENSI
Ícaros – professor de música do (Re)Canto da Poiesis.
Professora Rejane Brito – professora do curso de Educação Física da UNISENSI e a médica
principal da cidade de Sensinópolis.
Luz – amiga de José. É da mesma turma de José na faculdade.