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Trabalho de Conclusão de Curso. Responsabilidade civil do Médico decorrente do erroTRANSCRIPT
EVERTON QUEIROZ CAMARGO
RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO DECORRENTE
DO ERRO
UNIC/IUNI – UNIVERSIDADE DE CUIABÁ
FACULDADE DE DIREITO – CAMPUS PANTANAL
CUIABÁ – MT
2014
EVERTON QUEIROZ CAMARGO
RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO DECORRENTE
DO ERRO
Monografia apresentada pelo acadêmico à
Faculdade de Direito da Universidade de
Cuiabá / UNIC/IUNI - Campus Pantanal, como
critério para aceite no programa de ensino de
graduação no curso de Direito - ano 2014, para
desenvolvimento do Trabalho de Conclusão de
Curso II do 10º Semestre Noturno.
Professor Orientador: Prof. Esp. Silvio Soares da S. Junior
CUIABÁ – MT
2014
APRECIAÇÃO
________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Dedico este trabalho a toda minha
família, meus amigos e todos que me
apoiaram durante esta caminhada.
Agradeço aos meus pais pelo apoio,
pelo carinho, agradeço aos meus
professores e ao meu orientador.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................... 06
CAPÍTULO I
DA RESPONSABILIDADE CIVIL.............................................................. 08
1.1 Responsabilidade como Aspecto da Obrigação........................ 18
1.2 Responsabilidade subjetiva....................................................... 19
1.3 Responsabilidade objetiva......................................................... 21
1.4 Teoria do risco do negócio........................................................ 22
1.5 Risco, Custo e o beneficio......................................................... 23
1.6 Teoria res ipsa loquitor............................................................... 24
1.7 Do Dano..................................................................................... 25
1.8 Responsabilidade Contratual e Extracontratual......................... 29
1.9 Espécies de danos...................................................................... 30
CAPÍTULO II
NOÇÕES GERAIS DO DIREITO DO CONSUMIDOR.............................. 33
2.1 Natureza contratual dos serviços médicos................................ 37
CAPÍTULO III
RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA.................................................... 41
3.1 Da responsabilidade civil no dano estético....................... 50
3.2 Informação causadora do dano.......................................... 55
3.3 Negativa de autorização para internação ou tratamento.... 55
3.4 Reparação e indenização.................................................... 57
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................ 58
REFERÊNCIAS........................................................................................... 60
INTRODUÇÃO
A discussão acerca da responsabilidade médica pelos danos
experimentados por qualquer paciente obteve nos últimos anos grande
repercussão na mídia e nos indivíduos de uma forma em geral. Ademais, pode-
se observar que em anos recentes tem havido um aumento das demandas
judiciais visando a reparação civil e penal decorrente da perda de um ente
querido, ou de um procedimento mau executado, ou em alguns casos quando
ocorre o dano estético.
O Direito e a Medicina são ciências fronteiriças, pois, muitas vezes,
os reflexos desta repercutem naquela ou vice-versa.
Ilustrando-se, assim, muitas doenças originam-se por causa de um
“negócio jurídico imperfeito”, tendo-se como base o cidadão que deixa de
contratar um advogado preventivamente, faz um contrato imperfeito, perde o
patrimônio, sofre um infarto, dirige-se ao médico.
Em seguida, o médico recomenda o tratamento, mas o cidadão não
faz os exercícios físicos, tampouco deixa de administrar o remédio
corretamente, por conseguinte, retoma-se para o advogado o inventário.
As relações jurídicas, que o paciente se submete, fazem fronteira
entre a Medicina e o Direito, assim como a conduta médica, pois atos médicos
culposos ou dolosos, que violem direito e causem prejuízo ao paciente são
tidos como atos ilícitos. Por isso, os profissionais da saúde devem agir com
prudência e perícia, a fim de evitar a responsabilização civil.
A responsabilidade civil sempre foi um dos temas mais fascinantes
do Direito Privado, mas limitada a sua aplicabilidade ao campo do dano
material. Porém, o chamado dano não patrimonial ganha importância a partir
da análise de velhos códigos, de antigas civilizações, a exemplo de Hamurabi.
Há, na história do direito o registro da inquietação com a
responsabilidade civil, pois o homem buscou sempre a proteção da lei, o que,
ao mesmo tempo, lhe traz a necessidade de ser responsável pelos seus atos.
O desenvolvimento desse instituto deve-se à ordem social, no entanto, resulta
também da ordem científica, moral e ética.
É sabido que a sociedade tem o Direito como algo invisível e
distante, no entanto se trata de uma premissa falsa, haja vista o brocardo
milenar: ubi societas, ibi jus.
Diante disso, o médico precisa estar atento à evolução da ciência
médica, dos seus direitos e deveres, objetivando evitar o erro médico.
Como é tratada a responsabilidade civil decorrente do erro médico?
Com o aparecimento do Código de Defesa do Consumidor, passa-se
a disponibilizar ao ordenamento jurídico uma forma nova de se tratar a
reparação do dano, já que a lei traz a responsabilidade objetiva do fornecedor.
O presente estudo teve como objetivo realizar uma pesquisa sobre o
instituto da responsabilidade civil do médico em decorrência do erro,
investigando a origem da responsabilidade civil e os pressupostos necessários
a sua configuração.
A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica, com a adoção de
procedimentos de cunho teórico/histórico e o levantamento de doutrina,
legislação e jurisprudência pertinentes à responsabilidade civil do médico
decorrente do erro.
7
CAPÍTULO I
DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Noutro campo do entendimento e do saber humano, é preciso
compreender o que é Direito. O que será que define o Direito como norma que
procura nos proteger como cidadãos no convívio social? Ao se referir ao
Direito, está de pronto, manifestando ou distribuindo a justiça? “A busca por
esta ou aquela resposta nos leva a um pensamento de Aristóteles, cuja
sabedoria é retratada pela célebre frase: O homem é, por natureza, um animal
político”. 1
Esta afirmação de Aristóteles traduz-se, certamente, no mais remoto
antecedente da visão do conceito de sociedade. Se não pelo próprio sentido de
seu conteúdo, é pela natureza de sua constituição, como, aliás, o próprio
filósofo chegou a se pronunciar:
(...) Por conseguinte, é evidente que o Estado é uma criação da natureza e que o homem é, por natureza, um animal político. E aquele que por natureza, e não por mero acidente, não tem cidade, nem Estado, ou é muito mau ou muito bom, ou sub-humano ou super-humano como o guerreiro insano condenado, nas palavras de Homero, como alguém sem família, sem lei, sem lar porque uma pessoa assim, por natureza amante da guerra, é um não-colaborador, como uma peça isolada num jogo de damas. 2
Aristóteles enxergou a necessidade humana de viver em conjunto,
pela impossibilidade do isolamento do homem, sendo esta uma condição
essencial de vida, conjuminada com a sua inteligência, sentimento e razão,
diferentemente dos irracionais que vivem simplesmente em grupos, inclusive
deixando claro que o maior diferencial do homem é o dom da palavra.
É desse dom que, para Aristóteles, nasce a possibilidade de o
homem distinguir o conveniente do inconveniente e o justo do injusto. Um
1 BARBOZA, Jovi Vieira. Dano moral: o problema do quantum debeatur nas indenizações por dano moral. Curitiba: Juruá, 2008, p. 42.
2 Idem, p. 43.
conjunto de pessoas, “constituindo uma sociedade, dá origem a uma família, a
uma cidade, a um Estado, que, para Aristóteles, é criação da natureza, pois,
uma vez isolado o indivíduo, não auto-suficiente”. 3
A fase histórica da formação do Direito atravessa inúmeros padrões
e complexos culturais, envolvidos por influências filosóficas e sociológicas de
vários pensadores, nas mais diversas eras e segmentos sociais, desde a
origem da sociedade, “sempre conduzida de forma a esclarecer o aspecto
dicotômico da definição do termo como Ciência. O método científico é, sem
dúvida, um fascinante ponto de apoio na descoberta de conhecimentos, ou
mesmo na sua construção”. 4
A denominação pura e simples de sociedade para um grupo de
indivíduos conduz cada um a um estado de ordem, onde todos têm a mesma
liberdade, sem, entretanto, diminuir ou prejudicar a liberdade do outro.
“Em seu egoísmo tendencioso, o ser humano muitas vezes age de
maneira imediatista, sem se preocupar com os semelhantes, seja no momento
de sua vivência, seja vislumbrando as gerações futuras”. 5
No que tange aos direitos coletivos e difusos, não basta o
comportamento individual, pois o somatório de todos os comportamentos de
cada ser humano não resulta numa proteção concreta coletiva ou difusa dos
bens da humanidade ou da sociedade.
A responsabilidade civil sempre foi um dos temas mais fascinantes
do Direito Privado, mas limitada a sua aplicabilidade ao campo do dano
material. Porém, o chamado dano não patrimonial ganha importância a partir
da análise de velhos códigos, de antigas civilizações, a exemplo de Hamurabi.
No período romano clássico, o termo era utilizado no contrato de fiança, em duas de suas modalidades, a saber, a sponsio e a fidepromessio. A primeira, era destinada apenas aos cidadãos romanos, em que o credor dirigia-se ao devedor, indagando-lhe: Spondesne mihi centum dare? Após ouvira resposta afirmativa, voltava-se ao sponsor –
3 BARBOZA, Jovi Vieira. Op. Cit., p. 43. 4 Idem, p. 46.5 Ibidem, p. 65.
9
fiador – e indagava-lhe: Idem dari spondes? E este, por sua vez, respondia: Spondeo. Já a fidepromissio era aplicada tanto aos romanos quanto aos estrangeiros em que o fidepromissor, ao ser indagado: idem fidepromittis? Respondia positivamente. 6
O conceito básico de responsabilidade pressupõe a atividade
danosa do ser humano, agindo inicialmente de forma licita vindo a lesionar uma
norma jurídica preexistente, seja legal ou contratual, subordinando-se assim as
consequências do seu ato, quer seja, a obrigação de reparar.
A palavra responsabilidade tem seu ingresso no cenário jurídico em fins do século XVIII, constando do Dicionário Crítico da Língua Francesa, publicado entre os anos de 1787 e 1788 na cidade de Marsella, revestindo-se de cunho eminentemente político, no qual o termo vem a ser reconhecido, exprimindo a responsabilidade dos atos dos governantes em relação aos cargos políticos que ocupavam. Foi no Código Penal francês de 1810 que, pela primeira vez, empregou-se o termo em um texto legal, com o sentido que hoje lhe é designado mundialmente. A partir de então todos os ordenamentos jurídicos vieram a adotá-lo. 7
“A palavra responsabilidade origina-se do latim, de responsum, que,
por sua vez, deriva-se do verbo respondere, cujo radical é spondeo, que
exprime a ideia de segurança ou garantia da restituição ou compensação do
bem sacrificado”. 8
Leciona Sergio Cavaliere Filho:
Em seu sentido etimológico, a responsabilidade exprime a idéia de obrigação, encargo, contraprestação. Em sentido jurídico, o vocábulo não foge dessa ideia. Designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um outro dever jurídico. Em apertada síntese, a responsabilidade civil é um dever jurídico
6 GABURRI, Fernando. Responsabilidade Civil nas Atividades Perigosas Lícitas. Curitiba: Juruá, 2011, p. 20.
7 GABURRI, Fernando. Op. Cit., p. 21. 8 Idem, p. 20.
10
sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário.9
Assim, a responsabilidade civil é decorrente da violação de um
interesse particular, podendo o dano ser à integridade física, aos sentimentos
ou aos bens de uma pessoa, obrigando, dessa forma, o infrator ao pagamento
de uma indenização quase sempre pecuniária a vítima, caso não seja possível
a reposição anterior de coisas.
Neste teor, assevera o doutrinador Carlos Roberto Gonçalves:
Quem pratica um ato, ou incorre numa omissão de que resulte dano, deve suportar as consequências de seu procedimento. Trata-se de uma regra elementar de equilíbrio social, na qual se resume, em verdade, o problema da responsabilidade. Vê-se, portanto, que a responsabilidade é um fenômeno social. 10
Vislumbram-se na responsabilidade civil quatro pressupostos da
responsabilidade civil, no qual logo podemos observá-los no artigo 186 do
Código Civil, vejamos:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 11
Maria Helena Diniz alude para a característica sancionatória do
instituto, assim, se expressando:
A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma
9 CAVALIERE FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 2.
10 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 3.
11 BRASIL, República Federativa do. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 21 set. 2014.
11
coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal. 12
Orlando Gomes atrela a culpa à responsabilidade, mas adverte que
alguém mesmo não sendo responsável, poderá vir a reparar um dano:
Não há como considerar alguém responsável sem culpa. Contudo, não é preciso declarar essa pessoa responsável para lhe impor, em dadas circunstâncias, a mesma obrigação de reparar um dano. 13
No direito comparado, para os irmãos Mazeaud, “uma pessoa é
civilmente responsável quando está sujeita a reparar o dano sofrido por
outrem”.14
Nos primórdios das civilizações o dano foge ao alcance do direito. A reparação nas primitivas sociedades caracterizava-se pela autotutela, ou seja, pela prática da vingança privada como forma de se compensar os danos sofridos. Tal prática era de acordo com os princípios das autoridades religiosas e sociais de então. Acreditavam os antigos que a vida de cada um constituía-se de um complexo de bens e de males, cuja distribuição se traduziria no perfeito equilíbrio social, que seria rompido com a prática de atos ilícitos. 15
Na seara do direito, encontra-se a obrigação e com ela os deveres
decorrentes das relações jurídicas. Quem garante o cumprimento do dever é a
responsabilidade. Hart diz “bem que a responsabilidade é a força do dever,
sendo o vínculo que leva ao seu cumprimento, externamente eficiente”. 16
Conforme Rizzatto Nunes:
12 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil. Responsabilidade Civil. 23 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 29.
13 GOMES, Orlando. Obrigações. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 278.14 MAZEAUD E MAZEAUD. Leçons de droit civil, Paris. In QUEIROZ, Odete Novais Carneiro.
Da responsabilidade por vício do produto e do serviço. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 34.
15 GABURRI, Fernando. Op. Cit., p. 21. 16 GOMES, Orlando. Op. Cit., p. 279.
Como decorrência de todas as garantias constitucionais, a iniciar pelo princípio maior da intangibilidade da dignidade da pessoa humana, garantia da vida sadia, do piso vital mínimo da inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, do direito de ser informado e se informar, de receber produtos e serviços de qualidade, a preços baixos e eficientes, de só receber publicidade verdadeira etc., a Constituição Federal garante ao consumidor atingido o direito à indenização contra as violações praticadas. 17
Assim, surge a proteção à integridade da pessoa humana, entendida
essa integridade como a vida sem qualquer perturbação de ordem física ou
psicológica.
Antes de qualquer intervenção humana, dos deuses esperava-se o restabelecimento do equilíbrio rompido, procurando os interessados estimular o zelo daquelas entidades na correção da injustiça por meio de devotiones ou imprecações, para colocar sob sua discrição os autores do ilícito. Estabelecida a ajuda divina, a vítima, por si própria, encarregava-se de restabelecer o equilíbrio rompido, utilizando-se do processo da vingança privada, de modo a conferir ao causador um mal tão intenso quanto o praticado. Neste período vingança e justiça confundiam-se, deixando profundas cicatrizes na ordem social, de modo que, ainda nos dias atuais, essa noção não desapareceu da consciência do homem civilizado, embora notáveis os esforços dos juristas para dissipá-la. 18
Por muito tempo, o Direito enxergou a perturbação de ordem
psicológica como ato ilícito, cuja reparação poderia ser reclamada pelo direito
penal, com a consequente aplicação de penas ao agressor, “penas essas que
nem sempre geraram para a vítima sensação de satisfação, seja do ponto de
vista da aplicação da lei, do direito em questão, seja do ponto de vista da
prática da justiça”. 19
17 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 306.
18 GABURRI, Fernando. Op. Cit., p. 22. 19 BARBOZA, Jovi Vieira. Op. Cit., p. 30.
Em Hamurabi encontram-se sinuosas posições de regulamento da
vida em sociedade, como, por exemplo, no art. 184, pelo qual, morrendo o pai,
sem que tenha entregado a filha a um marido, os irmãos são obrigados a fazê-
lo. “Ou, ainda, a pena de talião (dente por dente, olho por olho), a partir do art.
195 e a curiosa indenização do art. 209, com ênfase para a valoração do corpo
humano”. 20
No mundo moderno, cujas mudanças são fundamentalmente
originadas de regras de condutas impostas pela própria sociedade,
preocupação com a ética científica, no campo da bioética, por exemplo, é sinal
de que, apesar de tudo, o ser humano ainda tem consciência de seu valor, do
valor da vida, da essência da vida.
É com essa preocupação que surge a presente pesquisa, procurando esmiuçar os subterrâneos da doutrina contemporânea e as referências aos estudos dos antepassados, na busca pelo sentido de valorização da dignidade da pessoa humana através da reparação correta e justa do dano moral. 21
A razão de ser do direito é alcançar a justiça, a harmonia, a
proporção, com fundamento na equidade, sendo, portanto, meta da
responsabilidade, em particular, buscar o reequilíbrio das partes.
No plano histórico, a responsabilidade civil se mostra presente
desde os primórdios da civilização, em que se imperava a chamada vingança
coletiva. Tratava-se da reação conjunta de determinado grupo em desfavor do
agressor, em razão da violência exercida contra um dos componentes.
Em um segundo momento, a responsabilidade civil passou a se
apresentar como uma reação individual da vítima, ou seja, esta se valia da
vingança privada, utilizando-se da Lei de Talião, na qual os homens realizavam
justiça com as próprias mãos. A reparação do dano era expressa pelas frases
‘olho por olho, dente por dente’, e ‘quem com ferro fere, com ferro será ferido’.
Nesse período, notava-se pouca interferência do poder público, que restringia-
se, “basicamente a ditar o modo e tempo em que a vítima poderia aplicar o 20 Idem, p. 31.21 Ibidem, p. 32 – 33.
direito de retaliação, gerando no agressor o dano similar ao que realizou. Nota-
se que a responsabilidade era de cunho objetivo, não levando em consideração
a culpa do agente”. 22
Posteriormente, Maria Helena Diniz destaca que, tem início o
período da composição, qual seja:
Ante a observância de que seria mais conveniente entrar em composição com o autor da ofensa – para que ele pudesse reparar o dano mediante a prestação da poena (pagamento com certa quantia de dinheiro), a critério da autoridade pública, se o delito fosse público (perpetrado contra direitos relativos à res publica), e do lesado, se tratar de delito privado (efetivado contra interesses de particulares) – do que cobrar retaliação, porque esta não reparava o dano algum, ocasionando na verdade duplo dano. 23
Nesse período, sob a égide da Lex Aquilia de damno, ou Lei de
Aquilia, inicia-se a solidificação do conceito de reparação pecuniária de dano,
em que se impunha a possibilidade de reparação da coisa, levando-se em
conta o patrimônio do lesante e o valor da res, “delineando-se a noção de culpa
como fundamento da responsabilidade, de tal modo que, se o agente da
conduta agisse sem culpa, estaria isento da reparação”. 24
“Essa lei instituiu as diretrizes da responsabilidade extracontratual,
criando uma forma pecuniária de indenização do prejuízo, com base no
estabelecimento do seu valor”.25
O Estado começou a intervir nos conflitos privados, fixando o valor
dos prejuízos, obrigando a vítima a aceitar a composição, renunciando assim a
vingança.
Seguindo a linha do tempo, vislumbra-se que na Idade Média iniciou a diferenciação da
22 DINIZ, Maria Helena. Op. Cit,.p. 10.23 Idem, p. 11.24 Ibidem, p. 11.25 BRAMBILLA, Juliana. A responsabilidade civil na síndrome da alienação parental.
Disponível em: http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/article/viewFile/2692/2471. Acesso em: 21 set. 2014.
responsabilidade civil e penal, uma vez que se passa a ter um conceito de dolo e culpa stricto sensu, com a elaboração dogmática de culpa. No entanto, a teoria da responsabilidade civil apenas estabeleceu-se por obra da doutrina, em que teve como figura principal o jurista francês Domat. 26
Levando-se em conta a evolução pluridimensional da
responsabilidade civil, no âmbito do fundamento, ou seja, o porquê o agente
deve ser obrigado a reparar o dano, deixa-se de atribuir tão somente à culpa do
agente, hipótese em que será futuramente considerado como responsabilidade
subjetiva, considerando cumulativamente o risco da conduta, o que passará a
ser a responsabilidade objetiva, estendendo a indenização de danos sem a
existência de culpa.
Desse modo, a carência da culpa para cobrir todos os danos, por ser
necessário a investigação do elemento subjetivo da ação, e face a ampliação
significativa da tecnização dos tempos atuais, caracterizado pelo advento das
máquinas, gerou um aumento nos risco à vida e à saúde humana, sendo
necessária uma reformulação da teoria da responsabilidade civil, tendo em
vista o processo de humanização.
Acerca da modificação da visão sobre a responsabilidade civil, a
doutrinadora já citada, continua nos ensinando:
Representa uma objetivação da responsabilidade, sob a idéia de que todo risco deve ser garantido, visando à proteção jurídica a pessoa humana, em particular aos trabalhadores e as vitimas de acidentes, contra a insegurança material, e todo o dano deve ter uma responsável. 27
Vale ressaltar que mesmo ante as mudanças ocorridas ao longo do
tempo, a culpa continua sendo o fundamento primordial da responsabilidade
civil, uma vez que o risco não a anulou, encontrando-se em conjunto, como
fundamento da responsabilidade.26 MOURA, Caio Roberto Souto de. Responsabilidade civil e evolução em direção ao risco
no novo Código Civil. Disponível em: http://www.esmafe.org.br/web/revista/rev02/01_artigo_resp_civil_em_dir_ao_risco_no_novo_cod_civil.pdf. Acesso em: 21 set. 2014.
27 DINIZ, Maria Helena. Op. Cit., p. 16.
“A ampliação da responsabilidade civil deu-se também com relação
a sua extensão ou área de incidência, mais um âmbito citado na evolução
pluridimensional”. 28
Nota-se um aumento nos números de pessoas responsáveis pelos
danos, de favorecidos da indenização, bem como os fatos que geram a
responsabilidade civil, uma vez que a reparação do dano superou o âmbito
patrimonial da vítima, sendo possível a indenização do dano moral.
Por fim, levando-se em conta a densidade ou profundidade da
indenização, o principio adotado é o da responsabilidade patrimonial, em que
deve o lesante responder pelo dano ocasionado ao lesado com o seu
patrimônio.
A doutrinadora Maria Helena ressalta as exceções, verbis:
Exceto nos casos em que se disponha a proceder, ou seja, seja possível a execução pessoal e nos de intervenção a terceiro para a realização devida, especialmente nos campo contratual. Essa responsabilidade deverá ser total, cobrindo o dano em todos os seus aspectos, de tal sorte que todos os bens do devedor respondem pelo ressarcimento, com exceção dos inalienáveis e dos gravados. 29
Atualmente, as hipóteses de cabimento da reparação de danos são
extremamente amplas, sendo possível a incidência da responsabilidade civil
nas mais distintas relações presumidas no ordenamento jurídico.
1.1 Responsabilidade como Aspecto da Obrigação
“No Direito antigo (período quiritário romano) já estavam
consagrados como princípios gerais de direito os princípios da
28 SANTOS, Pablo de Paula Saul. Responsabilidade civil: origem e pressupostos gerais. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11875. Acesso em: 21 set. 2014.
29 DINIZ, Maria Helena. Op. Cit., p. 17.
17
responsabilidade civil: viver honestamente, não ofender a outrem, dar a cada
um o que é seu”. 30
Em um primeiro sentido, a palavra responsabilidade deve ser
encarada como um aspecto da obrigação. Descumprida uma obrigação surge a
responsabilidade do patrimônio do devedor pelo seu cumprimento.
Neste sentido, afirma Lopes:
(...) todo contrato gera responsabilidade porque encerra em si uma promessa, que no fundo é como uma aposta contra si mesmo: prometo fazer isto, se acontecer aquilo. Assumo, portanto, o risco de fazer que aconteçam determinadas coisas, comprometo-me a pintar um quadro. Devo, pois, criar todas as condições para cumprir tal promessa. Se não a cumprir, perderei a aposta que fiz contra mim mesmo de que conseguiria realizar aquilo prometido. Se perder, devo pagar a aposta. O pagamento poderá ser a prestação da própria coisa ou a compensação de meu credor. 31
E Orlando Soares leciona:
A concepção de responsabilidade exprime a obrigação de responder por alguma coisa, ou seja, assumir o pagamento do que se obrigou ou do ato que praticou. Juridicamente, a noção de responsabilidade também envolve o sentido geral de obrigação, encargo, dever, compromisso, sanção, imposição. 32
É, ainda, neste sentido a definição de De Plácido e Silva:
Forma-se o vocábulo de responsável, de responder, do latim respondere, tomado na significação de responsabilizar-se, vir garantindo, assegurar,assumir o pagamento do que se obrigou ou do ato que praticou.Em sentido geral, pois, responsabilidade exprime a obrigação de responder por alguma coisa. Quer
30 CARVALHO NETO, Inácio de. Responsabilidade Civil no Direito de Família - Atualizado de Acordo com a EC 66/2010 - Biblioteca de Estudos em Homenagem ao Professor Arruda Alvim. 5 ed. Curitiba: Juruá, 2013, p. 26.
31 LOPES, José Reinaldo de Oliveira. Responsabilidade civil do fabricante e a defesa do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 18.
32 SOARES, Orlando. Responsabilidade civil no Direito brasileiro. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 9.
18
significar, assim, a obrigação de satisfazer ou executar o ato jurídico, que tenha se convencionado, ou a obrigação de satisfazer a prestação ou de cumprir o fato atribuídos ou imputados à pessoa por determinação legal. A responsabilidade, portanto, tem ampla significação, revela o dever jurídico, em que se coloca a pessoa, seja em virtude de contrato, seja em face de fato ou omissão, que lhe seja imputado, para satisfazer a prestação convencionada ou para suportar as sanções legais, que lhe são impostas. 33
Quando se emprega o termo responsabilidade, tem ele o significado
de obrigação de reparar o dano.
1.2 Responsabilidade subjetiva
A responsabilidade subjetiva tem como fundamento o elemento
culpa. Assim, aquele que sofreu um dano deverá, obrigatoriamente, provar que
o agente causador agiu com dolo ou culpa, para fazer surgir o dever
indenizatório.
A relação jurídica privada entre o médico e o seu paciente é compreendida majoritariamente pela doutrina e pela jurisprudência como uma relação de consumo, sendo assim aplicáveis o Código de Defesa do Consumidor – CDC e o Código Civil – CC, à luz da Constituição Federal – CF, visto que em regra o médico e o paciente estão jungidos por força de uma relação obrigacional contratual, seja direita (contrato particular) ou indireta (através de um plano de saúde). 34
Tratando-se de erro médico e da responsabilização do profissional, a
maior dificuldade residirá exatamente em fazer a prova de que o médico tenha
agido com imprudência, negligência ou imperícia.
33 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 124-125.
34 CALADO, Vinicius de Negreiros. Responsabilidade Civil do Médico e Consentimento Informado - Um Estudo Interdisciplinar dos Julgados do STJ. Curitiba: Juruá, 2014, p. 31.
19
Humberto Theodoro Junior é mais incisivo ao considerar como
normal os riscos, as falhas e até mesmo o insucesso e as lesões decorrentes
da prestação de serviços médicos:
Razão por que os tribunais, em princípio, não são liberais com o ônus da prova a cargo do paciente ou de seus dependentes, quando se trata de ação indenizatória fundada em erro médico. Nenhum tipo de presunção é de admitir-se, cumprindo ao autor, ao contrário, o ônus de comprovar, de forma idônea e convincente, o nexo causal entre uma falha técnica, demonstrada in concreto, e o resultado danoso queixado pelo promovente da ação indenizatória. 35
Em muitas circunstâncias, a impossibilidade de comprovação da
culpa acaba criando para o lesado uma situação de aparente injustiça.
Exatamente a partir da constatação dessa dificuldade surgiu a discussão em
torno da necessidade de se buscarem novos fundamentos para a
responsabilidade civil, visando melhor resolver o grave problema da
comprovação da culpa de molde que se pudesse priorizar a reparação, e assim
evitar as injustiças que a consciência jurídica e humana repudia.
1.3 Responsabilidade objetiva
“A formulação da teoria do risco remonta à França do século XIX e
significou uma verdadeira revolução nos conceitos de responsabilização civil,
tendo sido Saleilies o responsável por propor, nos idos de 1897”, 36 uma nova
teoria para tratar dos problemas decorrentes dos acidentes do trabalho.
Esta teoria ganhou contornos mais amplos e definidos a partir de
Josserand, seu mais entusiasta defensor, conforme Melo:
35 THEODORO JUNIOR, Humberto. Responsabilidade civil por erro médico: aspectos processuais da ação. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, nº. 4, mar/abr., 2000, p. 14.
36 MELO, Nehemias Domingos de. Responsabilidade civil por erro médico: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Atlas, 2013, p. 12.
20
Por essa concepção nova, quem cria um risco deve, se esse risco vem a verificar-se à custa de outrem, suportar as consequências, abstração feita a qualquer falta cometida. Assim, não é cometer uma falta criar com autorização dos poderes públicos, um estabelecimento incômodo, insalubre ou perigoso, ruidoso ou pestilencial; entretanto, não é obrigado a indenizar os vizinhos, lesados pelo funcionamento desse estabelecimento, danos e juros? Não é cometer uma falta fazer uma companhia ferroviária transitarem seus trens nos trilhos: ela obteve para esse fim uma concessão dos poderes públicos e realiza um serviço público: não obstante, se as trepidações dos trens comprometem a solidez das casas marginais, se o fumo das locomotivas enegrece uma lavanderia estabelecida precedentemente perto da via férrea, se as fagulhas das locomotivas ateiam fogo às florestas e às plantações, não será de toda justiça conceder uma reparação às vítimas desses prejuízos? Quem cria um risco deve suportar a efetivação dele. Assim, o ponto de vista objetivo toma o lugar do ponto de vista subjetivo, e o risco toma o lugar da culpa, essa espécie de pecado jurídico. 37
Como se pode notar, as justificativas para a elaboração desta teoria
prosperaram a partir da constatação de que a teoria subjetiva não mais atendia
às necessidades de indenizar as vítimas que sofressem acidentes em razão de
certas atividades surgidas a partir da revolução industrial.
Constatou-se ademais que seria impossível à vitima fazer a prova
contra o causador do dano, em face de determinadas relações, até pela
impessoalidade da relação que se estabelecia na chamada vida moderna.
Inicialmente, a teoria foi desenvolvida a partir dos problemas decorrentes dos
acidentes de trabalho e da dificuldade do empregado de fazer a prova da culpa
do empregador. “Para superar essa dificuldade é que foi formulada a teoria do
risco profissional, pela qual o ofendido, para ver nascer seu direito à
indenização, apenas precisava provar a ocorrência do dano e a relação deste
com a atividade profissional desenvolvida”. 38
37 Idem, p. 22. 38 MELO, Nehemias Domingos de. Op. Cit., p. 22.
21
Assim, a teoria do risco foi criada a partir da comprovação de que a
responsabilidade apoiada na culpa mostrava-se insuficiente para que o lesado
alcançasse a plena satisfação de seus prejuízos.
1.4 Teoria do risco do negócio
A Constituição Federal garante a livre iniciativa para aquele que
deseja atuar na atividade econômica, em conformidade com uma série de
princípios encontrados no art. 170 da Constituição. Essa livre iniciativa,
encontrada na constituição, é uma característica inerente à sociedade
capitalista contemporânea.
Sendo a atividade econômica uma das características presentes na sociedade capitalista atual, devemos observar outras características ligada a esta, que fundamente a responsabilidade do fornecedor, que claramente explora a atividade econômica, que é o risco. Os negócios, a exploração da atividade econômica, implicam em risco. Na livre iniciativa, a ação daquele que explora a atividade econômica esta sujeita ao sucesso ou ao fracasso. 39
O risco do sucesso ou do fracasso é responsabilidade do
empreendedor, que em seus investimentos, deve calcular a possibilidade de
não prosperar na atividade pretendida. Comum é o exemplo daquele mau
administrador, que por eventual erro de calculo, pode chegar ao fracasso.
Porém, o risco é inerente à atividade.
As variáveis do mercado devem ser levadas em consideração, para
aquele que deseja explorar qualquer atividade econômica, a concorrência na
atividade pretendida, os insumos básicos para produção, os meios de
distribuição, a expectativa do consumidor em relação ao produto ou serviço
colocado no mercado de consumo. Somam-se a isso inúmeros fatores, os
quais envolvem diretamente a possibilidade de prejuízo do negócio.
39 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Op. Cit., p. 123.
22
Contudo, prosperar ou fracassar é um risco daquele que de forma
livre ingressa na atividade econômica.
1.5 Risco, Custo e o beneficio
Para o direito do consumidor o que interessa é o risco, que tem
fortes ligações com o custo. Analisar o binômio em questão é fundamental para
a avaliação da viabilidade do negócio.
Quando se eleva ao máximo o empreendimento de técnicas e
métodos para a redução da margem de risco ao mínimo, consequentemente os
custos da produção de bens e serviços chegarão a valores elevados. A
qualidade no que tange a diminuição dos riscos a níveis baixíssimos aumenta
de maneira exorbitante o custo para o produto, “o que geraria produtos com
baixo risco, mas com valores inacessíveis ao consumidor. Sendo esse outro
binômio a ser considerado, o custo confrontado com o benefício”. 40
“Equilibrar o risco, com o custo de produção para se chegar ao
máximo de beneficio é a chave para desvendar a rentabilidade do negócio e o
sucesso econômico”. 41
Desta forma, sobre esse assunto, Rizzato Nunes conclui:
Dentro dessa estratégia geral dos negócios, como fruto da teoria do risco, um item especifico é o que está intimamente ligado à sistemática normativa adotada pelo CDC. É aquele voltado a avaliação da qualidade do produto e do serviço, especialmente voltados para a adequação, finalidade, proteção à saúde, segurança e durabilidade. Tudo referendo e complementado pela informação. 42
Com isso, a qualidade do produto é um fator básico do produto ou
do serviço, onde sem ela não pode ser entendido a existência do respeito aos
direitos básicos do consumidor.
40 MELO, Nehemias Domingos de. Op. Cit., p. 24.41 NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Op. Cit., p. 128. 42 NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Op. Cit., p. 128.
23
Deste modo, ao observar os aspectos trazidos na análise do
risco/custo/beneficio, “deve-se acrescer a esses três elementos uma
característica existente no mercado de consumo, a produção em série, que é
uma das preocupações do CDC quanto aos riscos trazidos por ela”. 43
1.6 Teoria res ipsa loquitur
Esta teoria foi desenvolvida nos Estados Unidos da América e
aplica-se em favor da vítima toda vez que a prova foi insuficiente para
comprovar a culpa do médico, “mas as circunstâncias forem tão evidentes que
se possa dizer que a coisa fala por si mesma”. 44
Melo leciona que essa construção teórica se insere que se pode
denominar de “direito de evidência circunstancial”, aplicável quando se
apresentarem as seguintes circunstâncias: “a) quando não há evidência de
como e por que ocorreu o dano; b) quando se crê que não teria ocorrido o dano
se não houvesse culpa; e c) quando recair sobre o médico que estava
atendendo pessoalmente paciente”.45
Significa dizer que o evento danoso ocorreu em face de uma intervenção que normalmente não oferecia aquele tipo de risco, ou seja, em circunstâncias normais aquilo não ocorreria. Assim, se veio a ocorrer o acidente, alguma forma de culpa (imprudência, negligência ou imperícia) deve ter concorrido para sua manifestação. 46
Assim, ante a simples ocorrência de determinados fatos, pode-se
presumir a culpa médica, em favor do paciente. É uma presunção hominis,
extraída por inferência, de um fato provado nos autos. São exemplos: o
esquecimento de pinças ou outro instrumental cirúrgico dentro do corpo do
paciente; as queimaduras produzidas no paciente por diversas fontes de calor
durante o transcurso da operação ou tratamento; as infecções produzidas “por
falta de esterilização ou esterilização inadequada do instrumental cirúrgico; as
43 Idem, p. 128. 44 MELO, Nehemias Domingos de. Op. Cit., p. 27. 45 Idem, p. 28. 46 MELO, Nehemias Domingos de. Op. Cit., p. 28.
24
lesões em qualquer parte do corpo de um enfermo anestesiado produzidas fora
da zona onde tem lugar o tratamento ou operação”.47
1.7 Do Dano
A responsabilidade civil encontra seu fundamento em um princípio
geral de direito, próprio dos ordenamentos jurídicos das nações civilizadas,
pelo qual aquele que causa um dano a outrem tem o dever de repará-lo. A par
dele, existe um complexo de normas jurídicas positivadas pertinentes ao dever
de reparar o dano, ou seja, o prejuízo causado por alguém a outra pessoa em
razão de ato ilícito, que é aquele originado pelo descumprimento de uma
obrigação contratual (responsabilidade contratual) “ou de um dever geral de
conduta (responsabilidade extracontratual ou aquiliana) ou, ainda pelo
exercício abusivo de um direito regularmente reconhecido, hipótese em que o
excesso que implica lesão a interesses jurídicos de outrem dá azo ao dever de
indenizar”. 48
A conduta que caracteriza o ato ilícito encontra-se delineada pelos
arts. 186 e 187, e o dever de reparar o dano provocado por ela no art. 927,
todos do CC de 2002.
Todo ato tem um agente: aquele que o pratica. Tem, também, uma
consequência, que pode ser positiva, negativa ou neutra, em relação ao direito
de outrem. Se um ato praticado por qualquer pessoa viola “direito” alheio, abre-
se o portão da responsabilidade civil e estampa-se a obrigação de indenizar.
“Comporta-nos, pois, investigar o que se deve responder, como resultado do
fato oriundo da atuação humana, isto é, o dano”.49
A configuração jurídica da causalidade perpassa pela multiplicidade de sentidos e de significados atribuíveis ao significante pelo Direito e por outras áreas do conhecimento, sendo importante revisar as premissas que
47 Idem, p. 28. 48 PAROSKI, Mauro Vasni. Dano Moral e sua Reparação no Direito do Trabalho. Curitiba:
Juruá, 2013, p. 45. 49 BARBOZA, Jovi Vieira. Op. Cit., p. 128.
25
lastreiam o nexo causal, desde a sua análise como elemento da responsabilidade civil até a dupla função que exerce o instituto: delimitar o responsável pela reparação e a extensão desta. 50
A questão do dano é por demais discutida no Poder Judiciário,
especialmente no que tange ao dano moral. Contudo, quanto às relações de
consumo, importa ter como base a dignidade da pessoa humana, garantida
como princípio basilar constitucional e observar os atributos da pessoa que não
podem ser violados, sob qualquer hipótese.
Predomina em doutrina a compreensão de que os elementos
constitutivos do ato ilícito, para o direito brasileiro, restringem-se a dois – um,
objetivo ou material: o dano; outro, subjetivo: a culpa. Devem estar ligados por
um nexo de causalidade. Em resumo, o dano deve ser o efeito gerado pela
conduta culposa (abrangendo a culpa stricto sensu e o dolo) de alguém.
Entende-se, porém, que o dano não é necessariamente elemento
constitutivo do ato ilícito, “embora possa ser uma consequência deste, mas
sim, é pressuposto do dever de reparação, o que não é difícil de ser
compreendido quando se tem em mente que nem todo ato ilícito causa dano e
nem todo dano é fruto de ato ilícito”. 51
O exercício regular de um direito, portanto, ato lícito, sob certas
circunstâncias, pode causar prejuízo a alguém, mas, nem sempre subsiste o
dever de repará-lo.
Uma conduta ilícita, de outro lado, pode perfeitamente não causar
prejuízo a ninguém, como se dá, por exemplo, com o empregador que não
cumpre norma legal que exige o fornecimento e a fiscalização do efetivo
“uso de equipamentos de proteção individual pelos seus empregados (EPIs),
capazes de evitar graves acidentes de trabalho. Pode ser que, embora não
fornecidos os EPIs, o que é uma conduta ilícita (por omissão), nenhum
acidente ocorra, nenhum dano haja. Nada restará, então, a ser reparado”. 52
50 FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. Responsabilidade por Danos - Imputação e Nexo de Causalidade - Prefácio de Luiz Edson Fachin - Apresentação de Paulo Luiz Netto Lobo. Curitiba: Juruá, 2014, p. 37.
51 PAROSKI, Mauro Vasni. Op. Cit., p. 45. 52 Idem, p. 45.
26
O Código consumerista trata da responsabilidade por danos no capítulo IV, dividido em cinco seções, buscando proteger desde a saúde e segurança do consumidor até a garantia de desconsideração da personalidade jurídica, com o fim de tornar efetiva a proteção. É no art. 12, do Código, que vamos encontrar o dispositivo legal que estabelece ser objetiva a responsabilidade civil na defesa do Direito do Consumidor. 53
Portanto, séria e importante modificação no ordenamento jurídico
pátrio nos chega com a vigência do Código de Defesa do Consumidor ao se
estabelecer a responsabilidade objetiva do fornecedor, pois não há
necessidade de se provar a culpa deste para que se possa obter a reparação
do dano, bastando, que seja demonstrado o prejuízo e o nexo causal que liga o
consumidor ao fornecedor.
Observemos um castelo de areia construído à beira-mar. Uma fotografia efetuada imediatamente após sua construção o registrará de forma íntegra, sem qualquer estrago. Com o passar das horas, a ação do vento, da chuva ou qualquer outra intempérie poderá modificá-lo. Mas, imaginemos que uma pessoa cometa qualquer ato que promova um estrago na forma do castelo, como, por exemplo, um golpe com a mão ou um objeto qualquer. Esse suposto ato, sem qualquer justificativa, causará um dano ao castelo imaginário. 54
Essa figura hipotética do dano serve para, por comparação,
estabelecer que o “castelo de areia” é a intimidade, a vida, a liberdade, a
igualdade, a segurança de uma pessoa qualquer. “Qualquer estrago nesse
castelo imaginário será considerado um dano causado à vítima, suscetível de
indenização pelo instituto da responsabilidade civil”.55
O dano material consiste no prejuízo financeiro sofrido pelo paciente
até se reabilitar dos efeitos dos danos decorrentes do erro médico. Neste caso,
53 BARBOZA, Jovi Vieira. Op. Cit., p. 129.54 BARBOZA, Jovi Vieira. Op. Cit., p. 129.55 Idem, p. 1269.
27
os responsáveis pelo dano devem indenizar todas as despesas até o fim da
convalescença do paciente, consoante os Artigos 949 e 950 do CC:
Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não ‘ possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho. 56
Por fim, também há o dano reflexo, ou lesão em ricochete, que se
resume no dano moral ou material sofrido pelo pai ou mãe, “por consequência
da morte do filho, vítima do erro médico, ou vice-versa. Ou ainda o dano sofrido
pelo cônjuge virago decorrente da lesão sofrida pelo cônjuge varão, sendo a
recíproca verdadeira”. 57
Assim o dano é a essência da responsabilidade civil, posto que,
inexistiria razão para se falar em indenização se não houve tal elemento.
Inexiste responsabilidade civil sem dano.
1.8 Responsabilidade Contratual e Extracontratual
56 BRASIL, República Federativa do. Op. Cit., p. 18.57 VIANA, Thiago Henrique Fedri. Erro médico: responsabilidade civil do médico, hospital e
plano de saúde. Campinas: Millennium, 2012, p. 56.
28
A doutrina também divide a responsabilidade civil de acordo com a
qualidade da violabilidade do dever jurídico, ou seja, se a infração do dever
jurídico é oriunda de uma lei ou de um negócio jurídico.
O dever de indenizar pode ter como fonte, ou fato gerador, o inadimplemento de uma obrigação negocial, ou então a lesão de um direito subjetivo. Deste modo, diz-se que, quanto ao seu fato gerador, a responsabilidade civil pode ser contratual e extracontratual. 58
A responsabilidade extracontratual advém de uma lesão a um direito
subjetivo, pois, inexiste qualquer relação jurídica entre o ofensor e a vítima,
emanando a lei o dever jurídico do agente. Considera-se tal ilícito como
aquiliano ou absoluto. Acerca dessa dicotomia criada pela doutrina Cavalieri
Filho nos ensina:
Tanto na responsabilidade extracontratual como na contratual há violação de um dever jurídico preexistente. A distinção esta na sede desse dever. Haverá responsabilidade contratual quando o dever jurídico violado estiver previsto no contrato. A norma convencional já define o comportamento dos contratantes e do dever especifico a cuja observância ficam adstritos. E como os contratos estabelecem um vinculo jurídico entre os contratantes, costuma-se também dizer que na responsabilidade contratual há uma relação jurídica preexistente entre as partes. Haverá, por seu turno, responsabilidade extracontratual se o dever jurídico violado não estiver previsto no contrato, mas sim na lei ou ordem jurídica. 59
“Ressalta-se que em relação a tal separação entre responsabilidade
contratual e extracontratual, existe uma ligação entre tais espécies”, já que as
regras dispostas no Código Civil são similares para ambas as
responsabilidades (contratual e extracontratual).
58 GABURRI, Fernando. Direito Civil para Sala de Aula - Responsabilidade Civil. 3 ed. Curitiba: Juruá, 2014, p. 41.
59 CAVALIERE FILHO, Sergio. Op. Cit., p. 16.
29
Um importante ponto distintivo entre ambas as espécies reside
justamente na possibilidade de redução, ou de afastamento, da indenização em
caso de responsabilidade contratual, conforme pactuado entre as partes.
Gaburri Lembra que na responsabilidade contratual com pluralidade
de devedores não há presunção de solidariedade, “conforme resulta expresso
no art. 265 do CC, ao passo que, se a ofensa delitual (extracontratual) tiver
mais de um autor, todos são considerados solidariamente responsáveis, nos
termos da 2ª parte do art. 942 do CC”. 60
1.9 Espécies de danos
O erro médico pode causar diversos “danos autônomos”, sendo
material, moral ou estético.
O dano material consiste no prejuízo financeiro sofrido pelo paciente
até se reabilitar dos efeitos dos danos decorrentes do erro médico. Neste caso,
os responsáveis pelo dano devem indenizar todas as despesas até o fim da
convalescença do paciente, consoante os Artigos 949 e 950 do CC:
Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não ‘ possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-
60 GABURRI, Fernando. Direito Civil para Sala de Aula - Responsabilidade Civil. Op. Cit., p. 42.
30
lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho. 61
O dano moral é a dor psíquica sofrida pelo paciente por ter sido
lesado em virtude da conduta ilícita do médico, hospital, plano de saúde ou
qualquer outro causador do dano.
Considerando o entendimento do Colendo Superior Tribunal de
Justiça, é possível a cumulação de pedido de indenização em consequência de
dano moral e de dano estético:
Agravo regimental. Recurso especial não admitido. Dano moral e dano estético. Cumulação. 1. Possível a cumulação da indenização por dano moral com o dano estético. Precedentes. 2. A alegação de que a condenação por danos morais e estéticos, da que decorrentes do mesmo fato, não foi deferida em função de títulos diversos, é questão ausente do Acórdão recorrido, ficando impossibilitado o exame do tema face a ausência de pre questionamento” (Superior Tribunal de Justiça. Acórdão: AGA 305666/RI (200000439215), 374087. Agravo regimental no agravo de instrumento data da decisão: 29/08/2000, Órgão julgador: Terceira turma, 3. Agravo regimental improvido. Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Fonte: DJ DATA: 23/10/2000 PG: 00141. VEJA: RESP 162566-SP RESP 192823-RJ, RESP 219807-SP (STJ). 62
O dano estético, que não se confunde com dano moral, é lesão
causada à integridade física da pessoa, “que gera a deformação da aparência,
ao contrário do dano moral, pois, neste, o dano é psíquico afetando a
incolumidade da mente”.63
Embora o dano estético seja autônomo em relação às demais
espécies de lesão, os seus reflexos podem gerar o dano moral.
61 VIANA, Thiago Henrique Fedri. Op. Cit., p. 55.62 VIANA, Thiago Henrique Fedri. Op. Cit., p. 56. 63 Idem, p. 56.
CAPÍTULO II
NOÇÕES GERAIS DO DIREITO DO CONSUMIDOR
A compreensão de um plano geral no qual se incrusta o Direito do
Consumidor é por demais importante, antes de adentrarmos pelos chapadões
jurídicos alardeando a aplicação da Lei 8.078, de 11.09.1990, Código de
Defesa e Proteção do Consumidor.
Como se sabe, até o advento do CDC, as regras aplicadas às relações de consumo eram aquelas que vigoravam para a sociedade em geral, isto é o Código Civil, o qual vigeu até 10.01.2003, quando entrou em vigor o Código atual. Importante notar que o Código de 1916, quando de sua edição, revogou os usos e costume da época, fazendo com que somente a lei passasse aplicada de forma absoluta, até a edição da chamada LICC, Lei de Introdução ao Código Civil, em 1942, que reconhece a possibilidade de lacunas ou omissões da lei, com a aplicação dos usos e costumes. 64
Assim, como bem nos lembra o Professor Rizzatto Nunes, a lei
consumerista nos chegou com bastante atraso, “pois o direito privado, que
regeu as relações de consumo pelo século inteiro, adviera de inspirações
fundadas no direito europeu do século anterior”. 65
O mundo capitalista introduziu ferramentas poderosas a favor
daqueles que se arriscam em negócios comerciais e industriais, trouxe
invenções e aprimoramentos de técnicas aplicadas ao desenvolvimento
industrial, “tornando possível que um turbilhão de novos e atrativos produtos
invada as prateleiras das lojas, as telas da televisão, as páginas de revistas e
de jornais, induzindo as pessoas adquirirem cada vez mais, incentivadas pelo
modismo ou pelo modernismo”. 66
Essa corrente constante de inovações tecnológicas tem deixado
muita gente de boca aberta diante das vitrines dos principais shoppings centers
64 BARBOZA, Jovi Vieira. Op. Cit., p. 39.65 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Op. Cit., p. 1 – 2. 66 BARBOZA, Jovi Vieira. Op. Cit., p. 40.
do mundo inteiro, assim como tem proporcionado muita dor de cabeça a outro
sem-número de pessoas que compram o que não podem pagar e, outras
vezes, não obtêm a satisfação almejada no momento da compra, “por defeito
do produto, da oferta, má qualidade ou má-fé de quem fabrica ou fornece o
produto ou serviço adquirido”. 67
Com o crescimento gigantesco das cadeias de produção, é possível
que um produto seja fabricado no Japão e consumido no Brasil (pese-se aqui o
fator globalização). Assim, é extremamente prescindível que a cadeia formada
pelas pessoas que intermediam a comercialização do produto em questão seja
responsável em todos os níveis, “pois o que não é de se admitir é que o último
elemento, o consumidor, seja o único a correr riscos em toda a cadeia de
consumo”. 68
A proteção do consumidor, então, aparece para atender a princípios
ideológicos, possibilitando uma análise do comportamento da sociedade do
ponto de vista da riqueza, isto é, de um lado o poderio econômico na figura do
fornecedor de produtos ou serviços e, de outro lado, aquele que representa o
alvo desse poderio, cujo patrimônio será proporcional e inversamente afetado à
medida que adquira tais produtos ou serviços do mercado fornecedor. Essa
visão nos é apresentada, entre outros, por Bittar; in verbis:
Sob o prisma negocial e impulsionada pela concentração de vultuosos capitais em empreendimentos industriais, comerciais ou de prestação de serviços, essa escalada tem feito com que se estenda, por países e continentes diversos, a influência de grandes empresas, produtoras e distribuidoras de bens os mais variados, que, alcançando públicos infinitos como consumidores, têm-nos sob sua esfera de ação, para a satisfação de necessidades próprias ou familiares, sejam vitais, pessoais ou sociais. 69
Mister compreender, entretanto, que a a Constituição Federal do
Brasil de 1988, concebe o regime capitalista, nele incluindo a livre-iniciativa,
67 BARBOZA, Jovi Vieira. Op. Cit., p. 40.68 Idem, p. 40.69 BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do consumidor. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2002, p. 1.
33
fato que merece atenção do legislador, visando a proteção daqueles que
sustentam a sociedade capitalista de massa, “pois, do contrário, a distribuição
de riquezas ficaria cada vez mais distante e, ainda, a conservação do Estado
Democrático de Direito não seria possível”. 70
As relações de consumos dos moldes atuais têm origem na
Revolução Industrial e que, anteriormente, o que se vislumbrava era uma
relação singela entre o adquirente e o artesão.
É de fundamental importância destacar, inicialmente, que o Código
de Defesa do Consumidor nasceu por expressa determinação constitucional.
Rememore-se que o constituinte de 1388 alçou a defesa do consumidor a
status constitucional, ao inserir, dentre os direitos e garantias fundamentais, a
defesa do consumidor (CF, art. 5°, XXXII). Ademais, ao regular os princípios
pelos quais se deve reger a ordem econômica, incluiu a defesa do consumidor
como postulado a ser respeitado (CF, art. 170). “Não bastassem estas duas
inserções, ao tratar das Disposições Constitucionais Transitórias o legislador
constituinte determinou ao legislador ordinário que elaborasse o Código de
Defesa do Consumidor (ADCT, art. 48)”. 71
Dessa forma, o Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8078/90), ao ser elaborado por expressa determinação constitucional e ao se autodenominar norma de ordem pública e de interesse social (art. 1º), assegurou sua aplicação, enquanto microssistema legal, a todos os ramos do direito, em que a presença do consumidor possa ser encontrada. Daí poder afirmar que, sempre que houver uma relação de consumo, a lei a ser aplicada será a lei consumerista, não importando tratar-se de relação contratual ou extracontratual, isto porque as regras principiológicas do Código de Defesa do Consumidor hão de permear todo o sistema jurídico vigente para assegurar a sua prevalência frente a qualquer outra norma que com ela colida. 72
Fazendo-se uma relação de semelhança, pode-se dizer que o
Código de Defesa do Consumidor é para o consumidor o que a Consolidação
70 BARBOZA, Jovi Vieira. Op. Cit., p. 41.71 Idem, p. 41. 72 MELO, Nehemias Domingos de. Op. Cit., p. 11.
34
das Leis do Trabalho é para trabalhador. Ambas são legislações dirigidas a
determinado segmento da população visando ofertar uma proteção especial
aos mais fracos na relação jurídica.
A responsabilidade civil dos profissionais liberais, por falhas na prestação de serviços, deve ser fixada mediante a apuração de culpa, é o que preceitua o Código de Defesa do Consumidor (art. 14, § 4°). Assim, a responsabilidade é subjetiva, constituindo-se em exceção à regra geral ínsita na lei consumerista. Dessa forma, em qualquer ação indenizatória manejada contra profissional liberal se exigirá de seu proponente, além da demonstração do dano e do nexo causal, a prova da culpa do fornecedor de serviço, em qualquer de suas modalidades: negligência, imprudência ou imperícia. 73
O Código Civil brasileiro adota como regra o princípio da
responsabilidade subjetiva, isto é, fundada na culpa (arts. 186 e 927, caput),
“pela qual a vítima somente obterá o direito à indenização se provar que o dano
sofrido ocorreu por culpa do agente causador do dano. A culpa aqui
referenciada é a lato sensu, que inclui, além da culpa stricto sensu (falta de
prudência, negligência e imperícia), também o dolo”. 74
Segundo o disposto no art. 186 do Código Civil, “aquele que, por
ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar
dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. 75
Desta conceituação pode-se depreender que a expressão “ação ou
omissão voluntária está diretamente ligada à vontade do agente de agir ou se
omitir, caracterizando assim o dolo, enquanto a negligência ou imprudência
está diretamente ligada à culpa”. 76
73 MELO, Nehemias Domingos de. Op. Cit., p. 13. 74 Idem, p. 14. 75 Ibidem, p. 14. 76 Idem, ibidem, p. 14.
35
2.1 Natureza contratual dos serviços médicos
Ao se referir à palavra obrigação, como forma de definir o instituto,
somos levados a rememorar que o homem em sociedade vive cercado de
deveres e imposições, decorrentes de sua vida social, política ou de relações,
algumas até sem eficácia jurídica, “tais como os deveres morais, religiosos ou
de etiqueta; outras penetrando na órbita do direito criam relações jurídicas que
devem ser respeitadas e cumpridas pelas partes”. 77
Na maioria das vezes, o contrato de prestação de serviços entre
médico e paciente é verbal ou tácito, raramente se tem um contrato escrito.
“Assim, cogitar-se-ia que a aplicação das normas consumeristas sobre
nulidade de cláusulas abusivas seria inócua e ineficaz”.78
Mas não se deve olvidar de que as práticas abusivas encontram
terreno fértil em tais espécies de contratos (verbais e tácitos), por isso é que foi
instituído o Código de Defesa do Consumidor, a fim de salvaguardar e proteger
a fragilidade do consumidor, segundo as entrelinhas de sua exposição de
motivos.
Recurso Especial. Erro Médico. Cirurgião Plástico. Profissional Liberal. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Precedentes. Prescrição Consumerista. I - Conforme precedentes firmados pelas turmas que compõem a Segunda Sessão, é de se aplicar o Código de Defesa do Consumidor aos serviços prestados pelos profissionais liberais, com as ressalvas do § 4° do artigo 14.II - O fato de se exigir comprovação da culpa para poder responsabilizar o profissional liberal pelos serviços prestados de forma inadequada, não é motivo suficiente para afastar a regra de prescrição estabelecida no artigo 27 da legislação consumerista, que é especial em relação às normas contidas no Código Civil.Recurso especial não conhecido. 79
77 MELO, Nehemias Domingos de. Op. Cit., p. 65. 78 VIANA, Thiago Henrique Fedri. Op. Cit., p. 65. 79 Idem, p. 65 – 66.
36
Na sociedade moderna há, por assim dizer, uma necessidade
imperiosa de regular a existência das relações entre as pessoas. Nesse
sentido, algumas relações obrigacionais surgirão decorrentes diretamente da
própria lei, obrigando o indivíduo a se conduzir dentro dos limites traçados na
ordem jurídica; outras, como decorrência das convenções livremente
pactuadas, para atender aos interesses recíprocos, de receber e dar
prestações.
Assim, a primeira ideia de obrigação tem a ver com um dever
jurídico, significando dizer que a todo direito corresponde uma obrigação.
Nos primórdios da civilização, o cumprimento da obrigação recaía sobre a própria pessoa do devedor, que respondia com seu próprio corpo pelo adimplemento. No Direito Romano, a evolução do instituto teve seu início por volta do século IV a.C., com a edição da Lei Petélia Papíria, que passou a não mais admitir fosse a execução realizada sobre a pessoa do devedor, devendo se processar sobre os seus bens. 80
Consoante essa nova orientação, extraí-se das Institutas Romanas o
conceito formulado pelos jurisconsultos de Justiniano, de seguinte teor:
“obrigação é o vínculo jurídico ao qual nos submetemos coercitivamente,
sujeitando-nos a uma prestação, segundo o direito de nossa cidade”. 81
Atualmente, esta questão está superada, pois não há mais dúvida
quanto à questão: a responsabilidade médica é contratual, ainda que se possa
considerar um tipo de contrato “sui gerteris, pelo qual o profissional da
medicina se obriga à prestação de um serviço consciencioso e de acordo com
as técnicas científicas disponíveis, sendo, assim, uma típica obrigação de
meios”.82
Assim, o fato de se “considerar como contratual a responsabilidade
médica não tem, ao contrário do que poderia parecer, o resultado de presumir
80 MELO, Nehemias Domingos de. Op. Cit., p. 65.81 Idem, p. 66. 82 Ibidem, p. 67.
37
a culpa. O médico não se compromete a curar, mas a proceder de acordo com
as regras e os métodos da profissão”. 83
O contrato de serviços médico é um contrato singular,
Pois para sua formação basta haver a convergência volitiva, isto é, o encontro de vontades quanto às bases em que se desenvolverá a relação, não havendo nenhuma obrigatoriedade quanto a ser escrito, podendo se manifestar pelas mais variadas formas, inclusive de maneira rudimentar ou mesmo informal. A relação pode ser estabelecida partir da consulta marcada com a secretária do médico ou a partir da chamada do médico por ato do próprio paciente ou de alguém em nome dele, dentre outras formas. 84
Ademais, nesse tipo de contrato o objetivo a ser alcançado, isto é, a
cura, não depende somente do profissional médico, mas também do paciente
com a sua colaboração direta ou indireta. Quer dizer, não basta o médico ser
competente e dedicado, pois o sucesso da empreitada dependerá em muito do
próprio organismo do paciente, das informações por ele prestada, da correta
aceitação do que foi prescrito etc.
Assim, o adimplemento do contrato não é a cura, mas a dedicação, zelo e esforço do profissional. Provando que assim agiu, isto é, que aplicou toda sua técnica e conhecimento para que o paciente atingisse a cura, o médico terá cumprido sua parte no contrato e não se poderá falar em inadimplemento se o paciente não se curou, pois a obrigação terá sido de meio e não de resultado. 85
É dessa relação pessoal entre médico e paciente que exsurge o
caráter intuitu personae desse tipo de contrato. Também por isso sua
bilateralidade, tendo em vista que o contrato impõe obrigações recíprocas.
83 BOMTEMPO, Tiago Vieira. O dever de informar na relação médico-paciente inserido no código de defesa do consumidor. Disponível em: http://ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13169&revista_caderno=10. Acesso em: 22 set. 2014.
84 MELO, Nehemias Domingos de. Op. Cit., p. 68. 85 Idem, p. 68.
Além disso, é quase sempre um contrato oneroso, de trato sucessivo e
comutativo.
Assim, o contrato médico apresenta-se, dentro do quadro geral das
obrigações negociais, como um típico contrato de prestação de serviços, que
não é regido pela legislação do trabalho, porque versa sobre atividade de
profissional liberal. As prestações devidas pelas partes são: da parte do
médico, de prestar o melhor serviço correspondente à sua formação técnica;
“e, da parte do cliente, o pagamento dos honorários correspondentes ao
serviço prestado e cumprir com as determinações médicas,
independentemente dos resultados que serão obtidos”. 86
Cabe destacar que tratando-se de contrato realizado com entidade
hospitalar haverá, regra geral, um contrato de prestação de serviços de
natureza complexa, tendo em vista que nele estará inserida a prestação dos
serviços médicos, sem aquele caráter personalíssimo, pois o paciente poderá
ser atendido por qualquer dos médicos que estejam de plantão, bem como
pelos diversos especialistas que se façam necessários no curso do
tratamento/atendimento.
86 MELO, Nehemias Domingos de. Op. Cit., p. 68.
CAPÍTULO III
RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA
A responsabilidade civil consiste em um conjunto de princípios e
normas que visam a restabelecer o convívio entre as pessoas, por meio de
reparação de danos.
Esse instituto jurídico existe desde os tempos mais remotos da
humanidade e vem evoluindo com o passar dos tempos.
Há 1.700 a.C. o Código de Hamurabi, que adotava entre os seus
princípios a Lei de Talíão, cominava as seguintes penas para os médicos que
cometessem o erro:
XIII - Médicos e Veterinários. 218 - Se um médico trata alguém de uma grave ferida com a lanceta de bronze e o mata ou lhe abre uma incisão com a lanceta de bronze e o olho fica perdido, se lhe deverão cortar as mãos. 219° - Se o médico trata o escravo de um liberto de uma ferida grave com a lanceta de bronze e o mata, deverá dar escravo por escravo. 87
Frente ao rigor dessas penas, o homem passou a raciocinar que o
uso da retaliação não ressarcia o dano causado, mas, sim, gerava outro dano.
“Por isso, vingança privada evoluiu para a composição voluntária. Esta se
materializava através da poena fixada pela vítima, que consistia em pagamento
de uma indenização em dinheiro ou objetos, a fim de compensar o dano”. 88
Durante muitos séculos, a medicina esteve revestida de caráter religioso e mágico, atribuindo-se aos desígnios de Deus a saúde e a morte. Neste contexto, não se cogitava responsabilizar o médico que apenas participava de um ritual, talvez inútil, pois dependente da vontade Divina. Até início do século passado, o médico era visto como um profissional cujo título lhe garantia a
87 VIANA, Thiago Henrique Fedri. Op. Cit., p. 25. 88 Idem, p. 25
onisciência, médico da família, amigo e conselheiro, figura de uma relação social que não admitia dúvida sobre a qualidade de seus serviços, e, menos ainda, a litigância sobre eles. O ato do médico se resumia na relação entre uma confiança (do paciente) e uma consciência (do próprio médico). 89
O Brasil adota a teria da culpa no caso erro médico, nos termos dos
Artigos 186 do Código Civil e 14, § 4°, do Código de Defesa do Consumidor,
quando se trata de responsabilidade do médico.
A Constituição Federal veda a discriminação em virtude de classe
social, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas. Isso quer dizer que se
um doente estiver em estado de emergência às portas de um hospital ou
clínica privada deverá ser atendido pelos médicos plantonistas, embora não
tenha condições de pagar os honorários do profissional. Após a cessação do
estado grave, deverá ser transferido ao estabelecimento hospitalar do Sistema
Único de Saúde.
“II - O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano,
em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua
capacidade profissional.” 90
O médico não age vinculado ao resultado de cura do paciente, haja
vista que a sua obrigação é de meio e não de resultado, exceto no caso de
cirurgia plástica (estética). Assim, o profissional da saúde deve usar todos os
meios para curar o doente, estudar a literatura médica e sua evolução
constante, mas não se vincular ao resultado. Ao contrário, por exemplo, é o
caso do engenheiro civil, que deve entregar a obra pronta, sendo sua
obrigação de resultado.
“III - Para exercer a Medicina com honra e dignidade, o médico
necessita ter boas condições de trabalho e ser remunerado de forma justa.” 91
Vale lembrar que os valores sociais do trabalho constituem
fundamentos da Constituição da República Federativa do Brasil. O médico
exerce serviço público voltado para o bem da humanidade, por isso deve ser
89 MELO, Nehemias Domingos de. Op. Cit., p. 95.90 VIANA, Thiago Henrique Fedri. Op. Cit., p. 4. 91 Idem, p. 4.
41
bem remunerado, a fim de que possa ter condições de se especializar a cada
dia, e prestar serviços com qualidade e eficiência.
Ademais, todo o desenvolvimento tecnológico à disposição da
medicina criou oportunidades, gerou novas especialidades profissionais, e
aumentou os riscos tendo em vista que os mesmos aparelhos e técnicas
colocados a serviço do homem pode também funcionar mal, ou ser
inadequadamente utilizado, gerando por via de consequência, danos
extraordinários, podendo culminar em lesões de toda ordem e até com o
evento morte.
Na teoria da culpa, a responsabilidade civil exige a existência dos
elementos subjetivos: dolo ou culpa em sentido estrito. “O dolo consiste na
vontade de lesar, ao passo que a culpa stricto sensu relaciona-se a conduta
negligente, imprudente ou imperita”.92
Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso. Recurso de apelação cível - ação ordinária de indenização. Erro médico - medicamento causador de alergia grave - causa morte da paciente - esposa e mãe dos autores - preliminares: cerceamento de defesa—ausência de prova pericial e sentença extra e ultra petita- preliminares afastadas. Erro comprovado - dever de indenizar - pensionamento mensal e dano moral — quantum indenizatório devido pelo médico - mantido - responsabilidade objetiva do hospital - afastamento mantido - recurso improvido - Sentença mantida. O Juiz é o destinatário das provas, cabendo a ele aferir e aquilatar sobre a necessidade ou não de sua produção, para a formação do seu convencimento. Não caracteriza cerceamento de defesa a não realização de prova pericial, uma vez que os elementos coligidos nos autos eram suficientes para a formação do convencimento judicial. Bem como a postulação dos valores pretendidos a título de indenização por danos morais e pensionamento mensal vêm inseridos na inicial, não há falar-se em sentença extra e ultra petita. A ministração equivocada do medicamento clorafenicol, que o profissional médico tinha pleno conhecimento que a paciente era alérgica e vem ocasionar a morte de ente familiar dos autores em decorrência de choque anafilático, demonstra a culpa por negligência na prestação do serviço e o dever
92 VIANA, Thiago Henrique Fedri. Op. Cit., p. 26.
42
de indenizar. Considerando que o valor fixado à título de indenização por danos morais não se mostra excessivo ou absurdo, mesmo porque encontra-se dentro do princípio da razoabilidade e proporcionalidade, deve ser mantido. Destarte, o pensionamento mensal visa a recompor o prejuízo causado por meio do ato ilícito praticado pelo requerido, e deve ser mantido, mormente, se a vítima fatal auferia remuneração mensal, decorrente de atividade profissional e esse valor corresponde a 2/3 (dois terços) do que percebia mensalmente, fixados em salários mínimos da data do evento morte, que são devidos até quando a falecida completaria 65 anos, inclusive, benefícios previdenciários e o 13° salário. Na hipótese em que o dano, morte da paciente, decorre de falha técnica restrita ao profissional médico e, este não tem nenhum vínculo com o hospital, seja de emprego ou de mera preposição, não cabe atribuir ao nosocômio a obrigação de indenizar, devendo ser mantida a sentença que o afastou dessa responsabilidade, mormente, quando verifica-se que não houve falha na prestação do serviço oferecido pelo hospital (TJMT - Quinta câmara cível - Apelação N° 45418/2010 - Classe CNJ - 198 - Comarca de Arenápolis - Desembargador Sebastião De Moraes Filho - Presidente Da Quinta Câmara Cível E Relator). 93
A rigor não se espera que o médico, profissional focado na saúde,
tenha a vontade deliberada de causar o mal ao paciente. Portanto, geralmente,
o erro médico é praticado por negligência, imprudência e imperícia.
Todo esse quadro remete-se ao estudo da responsabilidade civil por
deficiência, erros e falhas na prestação dos serviços médico-hospitalares que,
para melhor compreensão, deverá ser analisada sob dois ângulos distintos:
“quando prestada pessoal e diretamente pelo médico, como profissional liberal;
e, quando prestada de forma empresarial através dos hospitais, clínicas, casas
de saúde, bancos de sangue, laboratórios e planos de saúde”.94
Verifica-se que o médico somente poderá ser responsabilizado se
agir com culpa ou dolo, nos termos da teoria da responsabilidade civil subjetiva.
Mas a teoria da culpa evoluiu para teoria do risco, portanto, se
atividade econômica causa risco ao consumidor, o fornecedor do serviço deve
93 VIANA, Thiago Henrique Fedri. Op. Cit., p. 144 – 145.94 MELO, Nehemias Domingos de. Op. Cit., p. 96.
43
ser responsabilizado independentemente de culpa. “Neste caso, apenas deve
ser comprovado o nexo de causalidade entre a conduta (ação ou omissão) e o
resultado”. 95
Conclui-se que a responsabilidade civil subjetiva exige os seguintes
requisitos legais: conduta (dolosa ou culposa), resultado (dano moral ou
material) e nexo causal (vínculo entre a conduta e o resultado).
“A responsabilidade civil objetiva demanda tão somente à
comprovação do nexo de causalidade entre a conduta e o resultado. Logo, não
importa a vontade do agente, mas, sim, o resultado danoso”. 96
Os atos médicos consistem em obrigação de meio e de resultado.
Em regra, a atividade médica desenvolve-se como obrigação de meio, isto é, o
médico utiliza-se de seu conhecimento para tratar o paciente, sem vincular-se
ao resultado de cura. Por isso, neste caso, a responsabilidade é subjetiva.
No entanto, o cirurgião plástico tem obrigação de resultado no caso
de cirurgia plástica estética, haja vista que o seu ato médico é focado em
resultado estético. Há autores que entende que a obrigação de resultado tem
como consequência a regra geral da responsabilidade do Código de Defesa do
Consumidor, a responsabilidade objetiva. Outros entendem que trata-se de
responsabilidade subjetiva com presunção de culpa.
Mas, quando o cirurgião plástico efetua uma cirurgia reparatória, por
exemplo, no caso de queimaduras, a obrigação é de meio, assim sendo, sua
responsabilidade é subjetiva. O hospital enquadra-se nas regras sobre
responsabilidade civil objetiva, ou seja, é obrigado a indenizar
independentemente de culpa do seu empregado ou preposto, em relação ao
dano causado, segundo a jurisprudência:
Indenização por erro médico. Ação movida contra o hospital e o profissional liberal. Responsabilidade objetiva do nosocômio e subjetiva do médico, dependendo esta última, da comprovação da culpa, na forma do artigo 14, § 4°, CDC — inversão do ônus probatório. Possibilidade, desde que presente os requisitos
95 MELO, Nehemias Domingos de. Op. Cit., p. 28. 96 Idem, p. 28.
44
no artigo 6°, VIII, CDC. Honorários periciais a serem arcados pelo réu agravante aplicação do enunciado n°34 do centro de debates, estudos e pesquisas deste tribunal. Recurso desprovido (TAPR — AI 0280862- 8 (234842) — Curitiba — 188 C. Civ. — Rei. Des. Luíz Lopes — DJPR 08.04.2005). 97
Os Artigos 927, 932, III, e 933 do Código Civil Brasileiro asseveram:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.932. São também responsáveis pela reparação civil: - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; [...] Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos 1 a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos. 98
Os hospitais, por terem responsabilidade civil objetiva, respondem
pelos atos de terceiros, ou seja, empregados ou prepostos. Assim, o erro
médico praticado pelo médico empregado gera a responsabilidade subjetiva do
médico, e objetiva do hospital (empregador). Às vezes, o médico não é
empregado, mas, preposto, quando executa um ato médico (cirurgia), no centro
cirúrgico do hospital, sem manter vínculo empregatício com este, conforme
jurisprudência:
Ação de indenização por danos morais - Agravo retido - Preliminar de ilegitimidade passiva afastada - Não-acolhimento de prescrição - Incidência das normas do Código de Defesa do Consumidor - Erro Médico - Responsabilidade objetiva do estabelecimento hospitalar em face de ato de preposto - Valor da indenização razoável - Ausência de sucumbência recíproca. O estabelecimento hospitalar é prestador de serviços que se
97 VIANA, Thiago Henrique Fedri. Op. Cit., p. 29. 98 Idem, p. 29.
45
compromete a prestar auxílio médico por meio de profissionais que indica, incidindo sobre a relação às normas do consumidor [...] (TJMS — A C-O 2005.005608-8/0000-00 — Dourados — 4 T Cív. — Rei. Des. Atapoã da Costa Feliz —j. 10.04.2007 — DOEMS 23.04.2007). 99
Até mesmo as operadoras de plano de saúde estão sendo
condenadas com base na teoria do risco, por consequência de erro médico,
tendo-se em vista a relação jurídica de credenciamento de seu médico ou
hospital (prepostos) e a obrigação de zelar pela qualidade dos serviços de seus
credenciados, seja hospital ou médico:
Ação de indenização - Responsabilidade Civil - Erro Médico - Morte do Paciente - Nexo Causal Constatado - Conduta Culposa - Indenização Devida - Responsabilidade Solidária Do Hospital E Da Operadora De Plano De Saúde - Danos Materiais - Ausência De Comprovação - Pensão Mensal - Filho Maior - Inocorrência de Demonstração de Dependência Econômica – Improcedência - Honorários Advocatícios - Critério de fixação. Somente enseja indenização se comprovada a conduta culposa do médico na prestação de seus serviços ao paciente. Embora o médico não contrate a cura, nem assuma em geral, uma obrigação de resultado, impõe-se o dever de agir com zelo, cuidado e atenta vigilância na execução dos serviços profissionais. Verificada a ocorrência de imprudência, negligência ou imperícia, ocasionando a morte do paciente, tal fato importa no dever de indenizar. A indenização por dano morai deve proporcionar à vítima satisfação na justa medida do abalo sofrido, sem enriquecimento sem causa, produzindo, no causador do mal, impacto suficiente para dissuadi-lo de igual e semelhante atentado. Incumbindo ao hospital zelar pela eficiência dos serviços prestados, principalmente, considerando-se a confiança que lhe foi depositada pelo paciente, tem o mesmo responsabilidade em face do erro de médico integrante do seu corpo clínico. A fornecedora de plano de saúde deve responder pelos erros atribuídos aos médicos vinculados a ela, mormente em ocorrendo a suposta conduta antijurídica no hospital por ela credenciado, tendo em vista a sua obrigação de zelar pela qualidade e eficiência dos serviços médicos contratados e colocados à disposição do paciente. Ao contrário dos danos morais, os
99 VIANA, Thiago Henrique Fedri. Op. Cit., p. 30.
46
danos materiais devem ser devidamente comprovados. A possibilidade de pensionamento em razão da morte de filho maior de idade está condicionada à prova da efetiva dependência econômica dos pais. Para fixação dos honorários deve-se levar sempre em consideração o grau de zelo profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço (TJMG - Processo - Apela ção Cível 1.0145.01.006349-6/001 63496-85.2001.8.13.145 - Relator(a) Des.(a) Alvimar de Ávila - Órgão Julgador/ Câmara - Câmaras Cíveis Isoladas / 128 Câmara Cível - Comarca de Origem Juiz de Fora - Data de Julgamento 1 3/02/2008 - Data da publicação da súmula 08/03/2008). 100
Contudo, os responsáveis pelo erro médico podem excluir a ilicitude
da conduta quando ocorrem as hipóteses do Artigo 188 do Código Civil ou em
caso de culpa exclusiva do paciente, caso fortuito ou força maior.
“Há culpa exclusiva da vítima (paciente), por exemplo, quanto este
não cumpre a prescrição médica ou emite uma informação equivocada ao
médico, causando-se o erro de diagnóstico”. 101
A força maior advém de fatos naturais, ao passo que caso fortuito é
um fato imprevisível e seu causador é indeterminável. Exemplificando, no meio
de uma cirurgia cai um raio, queima o aparelho e paciente vem a falecer. E, no
caso fortuito, a medicação gera alergia, sendo imprevisível e indeterminável a
causa. Por fim, a parte mais árdua de responsabilizar o infrator está
relacionada à prova das condutas ilícitas causadoras do erro médico.
O médico deve cumprir e fazer cumprir o Código de Ética Médica, de
modo que não pode acobertar ou dissimular ato médico ilícito praticado por um
colega.
“V - Compete ao médico aprimorar continuamente seus
conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do
paciente”. 102
100 VIANA, Thiago Henrique Fedri. Op. Cit., p. 30 – 31. 101 Idem, p. 31. 102 VIANA, Thiago Henrique Fedri. Op. Cit., p. 4.
47
Um dos principais deveres do médico consiste em estudar para
obter diagnóstico preciso, pois, muitas vezes, o erro médico decorre de
diagnóstico equivocado.
VI - O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade. 103
Esse preceito é milenar, pois advém do juramento de Hipócrates e,
além disso, consta entre os princípios da Resolução n° 37/194, de 18 de
Dezembro de 1982 da ONU.
O médico não pode se curvar à administração de hospital ou às
diretrizes de plano de saúde que o obriguem a praticar atos médicos em favor
de interesses econômicos, contudo, contrários ao tratamento eficaz e ao
restabelecimento da saúde de seu paciente, por exemplo, “no caso de existir a
cirurgia endovascular, mas o plano de saúde, apenas, autorizar a cirurgia
aberta, por ter valor inferior”. 104
Atualmente, as doenças ocupacionais advindas do acidente do
trabalho atípico, saturam os institutos de previdência, haja vista as
consequências terríveis da incapacidade laboral geradas por tais enfermidades.
3.1 Da responsabilidade civil no dano estético
103 Idem, p. 4. 104 Ibidem, p. 5.
48
O dano estético consiste numa espécie autônoma de dano
extrapatrimonial, que lesa a integridade física da pessoa natural, ao passo que
o dano moral agride a incolumidade da mente.
Como já mencionado, o médico cirurgião plástico, quando se
compromete a prestar o serviço relacionado à cirurgia estética, assume a
obrigação de resultado. Logo, para alguns autores, tem responsabilidade
objetiva. Também a jurisprudência minoritária compartilha o mesmo
entendimento:
APELAÇÃO CIVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CIRURGIA PLÁSTICA. RESPONSABILIDADE DE RESULTADO. PROVA PERICIAL. TÉCNICA UTILIZADA INDICADA. Não se conhece do agravo retido interposto quando ausente pedido de apreciação expresso em relação aos fundamentos que pretende ver modificado. Em se tratando de cirurgia estética, a responsabilidade do médico é objetiva. A tarefa médica do cirurgião, portanto, não se caracteriza como obrigação de meio, mas verte obrigação de resultado. Em se tratando de procedimento puramente estético, como na hipótese dos autos, objetivando apenas o embelezamento, o contrato médico-paciente é de resultado, não de meio. A perícia produzida deixou inconteste que o procedimento adotado pelo médico foi o correto. Verifica-se que os réus agiram dentro da conduta coerente e prudente que era esperada, não havendo motivo para ser imputada à responsabilidade que está sendo postulada pela parte autora. AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70036962694, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Romeu Marques Ribeiro Filho, Julgado em 23/02/2011)”.105
No entanto, há vasta jurisprudência no sentido de que, ainda que a
obrigação seja de resultado a responsabilidade é subjetiva com “culpa
presumida”.
Responsabilidade Civil. Erro médico. Cirurgia plástica. Obrigação de resultado. Presunção de
105 RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Apelação Cível n. 70036962694. Rel. Des. Romeu Marques Ribeiro Filho. Disponível em: http://www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/download /exibe_documento.php?ano=2011&codigo=224561. Acessado em: 22 de nov. de 2014.
49
culpa em caso de lesão ao paciente que implica dever do cirurgião de comprovar as razões da lesão. Dever do médico de informar ao paciente o risco específico da cirurgia. Dano moral. Indenização mantida, considerados o dano e a natureza da lesão. Recurso improvido. (TJSP - 9220493-80.2008.8.26.0000 — Apelação - Relator(a): Hamid Bdine - Comarca: Santo André - Órgão julgador: 8R Cãmara de Direito Privado – Data do julgamento: 29/02/2012 - Data de registro: 30/03/2012 – Outros números: 994080429543). 106
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. BLEFAROPLASTIA E RITIDOPLASTIA. AUSÊNCIA DE ERRO MÉDICO. A obrigação assumida pelo cirurgião plástico na cirurgia estética embelezadora é de resultado e sua responsabilidade é subjetiva, com culpa presumida, sendo do profissional o ônus de comprovar que não agiu com culpa em qualquer das modalidades: negligência, imprudência ou imperícia. Aplicação do art. 14, § 4º, do CDC. Hipótese em que a prova pericial e testemunhal demonstra que o demandado se valeu da técnica correta ao efetuar a blefaroplastia e a ritidoplastia na autora, não havendo qualquer elemento nos autos no sentido de que os alegados danos (desalinhamento das orelhas e ptose no olho direito) da paciente tenham sido decorrentes de qualquer conduta do demandado, não havendo falar em responsabilização civil do médico cirurgião e, por conseguinte, na obrigação de indenizar. Prova pericial que confirma a inexistência de seqüelas. Sentença de improcedência mantida. APELAÇÃO DESPROVIDA. (TJ-RS - AC: 70059646836 RS , Relator: Paulo Roberto Lessa Franz, Data de Julgamento: 29/05/2014, Décima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 16/06/2014)107
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. MAMOPLASTIA. CICATRIZES INDESEJADAS. RESPONSABILIDADE CIVIL DO NOSOCÔMIO. É cediço que os hospitais, na qualidade de prestadores de serviços, respondem independente de culpa pelo serviço defeituoso prestado ou posto à disposição do consumidor, responsabilidade que é afastada
106 VIANA, Thiago Henrique Fedri. Op. Cit., p. 33. 107 RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Apelação Cível n. 70059646836. Rel. Des. Paulo
Roberto Lessa Franz. Disponível em: http://www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/download /exibe_documento_att.php?ano=2014&codigo=791086. Acessado em: 22 de nov. de 2014.
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sempre que comprovada a inexistência de defeito ou a culpa exclusiva do consumidor, ou de terceiro, ex vi do art. 14 , § 3º do CDC . AUSÊNCIA DE ERRO MÉDICO. A obrigação assumida pelo cirurgião plástico na cirurgia estética embelezadora é de resultado e sua responsabilidade é subjetiva, com culpa presumida, sendo do profissional o ônus de comprovar que não agiu com culpa em qualquer das modalidades: negligência, imprudência ou imperícia. Aplicação do art. 14 , § 4º , do CDC . DEVER DE INDENIZAR INEXISTENTE. Hipótese em que a prova pericial e testemunhal demonstra que o médico demandado se valeu da técnica correta ao efetuar a mamoplastia na autora, não havendo qualquer elemento nos autos no sentido de que a cicatriz hipertrófica da paciente tenha sido decorrente de qualquer conduta do demandado, não havendo falar em responsabilização civil do médico cirurgião e, por conseguinte, na obrigação de indenizar. Sentença de improcedência mantida. APELAÇÃO DESPROVIDA. (TJ-RS – AC 70061104394, Relator: Paulo Roberto Lessa Franz, Data de Julgamento: 25/09/2014, Décima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 03/10/2014)108
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ABDOMINOPLASTIA. CICATRIZES INDESEJADAS. AUSÊNCIA DE ERRO MÉDICO. A obrigação assumida pelo cirurgião plástico na cirurgia estética embelezadora é de resultado e sua responsabilidade é subjetiva, com culpa presumida, sendo do profissional o ônus de comprovar que não agiu com culpa em qualquer das modalidades: negligência, imprudência ou imperícia. Aplicação do art. 14 , § 4º , do CDC . Hipótese em que a prova pericial e testemunhal demonstra que o demandado se valeu da técnica correta ao efetuar a abdominoplastia na autora, não havendo qualquer elemento nos autos no sentido de que a cicatriz hipertrófica da paciente tenha sido decorrente de qualquer conduta do demandado, não havendo falar em responsabilização civil do médico cirurgião e, por conseguinte, na obrigação de indenizar. Sentença de improcedência mantida. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. DEFERIMENTO DO BENEFÍCIO. É cediço que a AJG pode ser requerida a qualquer tempo e que a concessão do benefício não supõe
108 RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Apelação Cível n. 70061104394. Rel. Des. Paulo Roberto Lessa Franz. Disponível em: http://www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/download /exibe_documento_att.php?ano=2014&codigo=1537806. Acessado em: 22 de nov. de 2014.
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estado de miserabilidade da parte. Hipótese em que os elementos dos autos demonstram a impossibilidade de a parte arcar com as despesas processuais sem prejuízo do seu sustento. Deferimento do benefício. APELAÇÃO DESPROVIDA. PEDIDO DE AJG DEFERIDO. (TJ-RS - AC: 70055398358 RS , Relator: Paulo Roberto Lessa Franz, Data de Julgamento: 01/08/2013, Décima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 13/08/2013)109
Observa-se, portanto, que há divergências por parte da doutrina e
jurisprudência sobre obrigação de meio e resultado, e responsabilidade civil
subjetiva ou objetiva.
É importante ressaltar que, conforme preceitua o já citado art. 927
do Código Civil, os casos de responsabilidade civil objetiva decorrem de
previsão legal expressa ou quando a atividade exercida pelo autor implicar, por
sua própria natureza, riscos para o direito de outrem. Nesse sentido, os
hospitais ou clínicas são objetivamente responsáveis, porque o artigo 14 do
CDC salienta que “O fornecedor de serviços responde, independentemente da
existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por
defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações
insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.110
Quanto à responsabilidade dos profissionais liberais, o §4º do
mesmo artigo supracitado estabelece como regra que “a responsabilidade
pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de
culpa”.111 O entendimento majoritário, portanto, é no sentido de que os casos
em que há obrigação de resultado, como o da cirurgia estética, são exceções à
regra do §4º do art. 14 do CDC, nos quais deverá haver a inversão do ônus da
prova, ocorrendo a presunção de culpa do profissional médico, a quem caberá
demonstrar que o evento danoso ocorreu por fato externo e alheio a sua
vontade.
109 RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Apelação Cível n. 70055398358. Rel. Des. Paulo Roberto Lessa Franz. Disponível em: http://www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/download /exibe_documento_att.php?ano=2013&codigo=1302338. Acessado em: 29 de nov. de 2014.
110 BRASIL, República Federativa do. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078 compilado.htm. Acesso em: 29 nov. 2014.
111 Idem.
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Já na hipótese de cirurgia plástica “reparadora”, nos casos de
deformação por acidente, queimadura ou outras alterações que necessitem
operação, o cirurgião plástico tem obrigação de meio, pois não está vinculado
ao resultado de embelezamento. Neste caso, sua responsabilidade civil é
subjetiva:
Responsabilidade Civil. Erro médico. Cirurgia plástica reparadora. Obrigação de meio. Dano estético. Incorrência. Contra-indicações. Sequelas. Danos morais. I - Não havendo indícios de que a parte esteja incapacitada para o trabalho, improcede o pedido de pensionamento vitalício. II – Não se concebe a transferência dos gastos de cirurgia que pode ser feita gratuitamente através do SUS, pois o desejo de ser operada em clínica particular revela, na verdade, mero capricho da parte, o que, à evidência, não merece tutela. III – Ficou demonstrado que o procedimento cirúrgico não provocou nenhuma deformidade ou assimetria no corpo da paciente. IV – Além disso, a permanência do abdômen em avental não guarda relação com a falta de zelo dos médicos, que, salvo melhor juízo, despenderam todos os esforços possíveis para minimizar o problema. É o que basta para eximir a responsabilidade das rés, nesse particular, pois a cirurgia plástica reparadora encerra obrigação de meio. Portanto, não há dano estético a ser indenizado. V – Por outro lado, vislumbra-se nexo de causalidade entre os danos sofridos pela apelante e a conduta dos prepostos do INPS (nesse caso, sucedido pela União) e da FESO, que, respectivamente, autorizaram e realizaram, em circunstâncias inadequadas, o procedimento cirúrgico que deu causa às sequelas descritas no laudo pericial. 112
Pode-se verificar então que o cirurgião plástico, dependendo do
serviço médico prestado, terá obrigação de meio ou de resultado, logo a
responsabilidade do profissional ora é subjetiva ou subjetiva com presunção de
culpa.
3.2 Informação causadora do dano
112 VIANA, Thiago Henrique Fedri. Op. Cit., p. 34.
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A informação é um elemento fundamental dentro da sistemática do
código, sendo ela um dos elementos possíveis de causar acidentes de
consumo, ou defeito. O caput do artigo 14 do CDC apresenta isso de forma
clara. De acordo, o consumidor pode sofrer danos decorrentes da falta de
informações claras, precisas e ostensivas, e ainda pela falta de informações
em língua portuguesa, ou seja, informações insuficientes. “Com isso, se a
informa insuficiente pode causar dano, é evidente que a total falta dela também
pode ocasionar danos”. 113
Alguns serviços são impossíveis de serem prestados com o mínimo
de informação possível, tendo como exemplo os serviços prestados por planos
de saúde regulamentados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar.
Nesses serviços existem importantes informações quanto ao prazo de
carência, cobertura do plano, reajuste de mensalidade, possibilidade de
rescisão contratual em caso de inadimplência, etc. Desta forma, se todas essas
informações não foram prestadas anteriormente à contratação do serviço, é
evidente que o consumidor poderá sofrer algum prejuízo, em vista de que não
saberá como utilizá-lo e certamente poderá ser surpreendido com alguma
restrição.
3.3 Negativa de autorização para internação ou tratamento
A recusa injustificada de autorização para internação, realização de
tratamento ou para cirurgia por empresa de planos de saúde constitui-se em
ilícito, sendo motivo ensejador de reparação por danos morais, mormente se a
prescrição emana de médico atestando aquela necessidade.
A negativa de cobertura de internação de emergência gera a obrigação de indenizar o dano moral daí resultante, considerando a severa repercussão na esfera íntima do paciente, já frágil pela patologia aguda que o acomete, vindo a ser surpreendido com a
113 NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Op. Cit., p. 232.
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informação de negativa por parte do plano de saúde. 114
Nesse sentido:
Não se pode exigir um comportamento que fuja dos parâmetros da razoabilidade, sacrificando a consumidora, que, apesar de cumprir religiosamente com as suas obrigações, se vê coarctada de efetivar procedimento cirúrgico indicado por profissional médico, em virtude da não autorização da administradora do plano de saúde. Diante desse contexto a reparação do dano moral deve ser impositiva, toda vez que a prática de qualquer ato ilícito viole a esfera íntima da pessoa, causando-lhe humilhações, vexames, constrangimentos e dores. 115
De ressaltar que segundo alguns doutrinadores e, mesmo na
jurisprudência de alguns tribunais, no que diz respeito ao tema em comento,
existem posicionamentos divergentes sob a alegação de tratar-se de mero
inadimplemento contratual que poderia gerar, quando muito, reflexo no campo
obrigacional, e se assim for, deve ser perseguida a indenização por dano
material, se ocorrente a internação em hospital particular, não se podendo falar
em dano moral decorrente de descumprimento de contrato.
3.4 Reparação e indenização
Se o dano for reparável, por meio de outro ato médico, como no
caso da cirurgia, a reparação deve ser específica no sentido de restabelecer o
estado anterior do paciente.
Embora ocorra essa reparação, o paciente deve ser indenizado nas
hipóteses e circunstâncias legais e, assim, o Artigo 944 do Código Civil
estabelece que o valor da indenização mede-se com base na extensão do
dano.
114 MELO, Nehemias Domingos de. Op. Cit., p. 172.115 MELO, Nehemias Domingos de. Op. Cit., p. 172.
55
“O quantum debeatur, a título de dano material, deve ser
comprovado pelos meios de provas admitidos pelo Código de Processo Civil, a
fim de demonstrar todos os prejuízos e lucros cessantes oriundos do erro
médico”.116
Os danos morais e estéticos são arbitrados pelos Magistrados,
considerando a extensão do dano em cada caso, valendo-se de laudo de
psicólogo forense, quando for necessário e pertinente.
116 VIANA, Thiago Henrique Fedri. Op. Cit., p. 60.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O exercício da medicina trata-se de um serviço público, portanto a
pessoa ao tornar-se profissional da área médica deve se preocupar
diuturnamente com a saúde pública, tendo-se em vista que a qualquer
momento deve agir, seja no consultório, hospital, na rua ou até mesmo dentro
de um avião, enfim em qualquer circunstância.
O médico não pode dissimular o erro médico de outro colega, sob
pena de responder solidariamente, segundo o Artigo 942, parágrafo único, do
Código Civil.
A responsabilidade civil do médico é subjetiva, assim deve ser
comprovado o dolo ou a culpa, conforme jurisprudência, excetuando-se na
hipótese de atuar com resultado, no caso de cirurgia plástica estética.
Na relação de consumo a responsabilidade do fornecedor de serviço
é objetiva, ou seja, independe de culpa em sentido amplo. No entanto, em
relação aos profissionais liberais, dentre os quais o médico, responderão pelos
seus atos com base na teoria da responsabilidade civil subjetiva, prevista no §
40 do Artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Logo, o paciente não
está afastado das normas protetivas do CDC, consoante a jurisprudência.
As normas éticas nacionais são a Constituição Federal e a Lei n°
1.105/05, que dispõe sobre biossegurança; assim, o médico pesquisador deve
se curvar aos direitos e garantias fundamentais, sendo o primordial o direito à
vida.
O médico tem que considerar os reflexos do tratamento na saúde do
paciente, frente à literatura médica, por isso deve estar em constante estudo e
pesquisa. Ante o exposto, esses postulados devem ser seguidos pelo médico
como um sacerdócio, considerando a sua missão sagrada que consiste em
proteger a vida, isentando-se, consequentemente, de eventual
responsabilidade civil.
Na atualidade, pode-se verificar a existência de diversos contratos
de prestação de serviços com as mesmas características, em vista de que já
estão enraizados na sociedade de produção massificada e padronizada. Esses
serviços são prestados de forma complexa, mas também existem serviços que
são prestados de forma simples e direta, tendo como exemplo o serviço de
atendimento médico.
O médico não age vinculado ao resultado de cura do paciente, haja
vista que a sua obrigação é de meio e não de resultado, exceto no caso de
cirurgia plástica. Assim o profissional de saúde deve usar todos os meios para
curar o doente, estudar a literatura médica e sua evolução constante, mas não
se vincula ao resultado.
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