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PAULA POIET SAMPEDRO QUESTIONAMENTOS CONTEMPORÂNEOS POR MEIO DE SÍMBOLOS: A FOTOGRAFIA DE ELISABETH OHLSON E O CATOLICISMO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO E ARTES CURSO DE ARTES VISUAIS BACHARELADO CAMPO GRANDE - MS 2013

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PAULA POIET SAMPEDRO

QUESTIONAMENTOS CONTEMPORÂNEOS POR MEIO DE SÍMBOLOS: A

FOTOGRAFIA DE ELISABETH OHLSON E O CATOLICISMO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO E ARTES CURSO DE ARTES VISUAIS – BACHARELADO

CAMPO GRANDE - MS 2013

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PAULA POIET SAMPEDRO

QUESTIONAMENTOS CONTEMPORÂNEOS POR MEIO DE SÍMBOLOS: A

FOTOGRAFIA DE ELISABETH OHLSON E O CATOLICISMO

Trabalho desenvolvido

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO E ARTES CURSO DE ARTES VISUAIS – BACHARELADO

CAMPO GRANDE

Trabalho de Conclusão de Curso

desenvolvido para obtenção do grau de

bacharel em de Artes Visuais. Sob a

orientação da Prof. Dra. Eluiza

Bortolotto Ghizzi.

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PAULA POIET SAMPEDRO

QUESTIONAMENTOS CONTEMPORÂNEOS POR MEIO DE SÍMBOLOS: A

FOTOGRAFIA DE ELISABETH OHLSON E O CATOLICISMO

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________ Profª Drª. Eluiza Bortolotto Ghizzi

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

_____________________________________ Profª. Drª. Carla Maria Buffo de Cápua

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

_____________________________________ Prof. Me. Rafael Duailibi Maldonado

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

Campo Grande, 06 de março de 2013

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Agradecimentos

Primeiramente agradeço a Deus por me iluminar e guiar meu caminho.

Agradeço a toda minha família, por acreditar em mim, apoiar minhas escolhas

e estar ao meu lado durante toda minha vida; em especial a minha mãe e pai, que

sempre deram os conselhos necessários e me escutaram quando eu precisei,

também a minha irmã, que me animou quando eu estava triste e transformou meus

problemas e desesperos em motivos de risos, me ajudando assim, a supera-los.

Não posso deixar de mencionar meus amigos, aos quais sou eternamente

grata, pelo carinho, momentos de alegrias e ajudas compartilhadas, amigos esses

que hoje considero irmãos, Liege Dreyer, Mariana Medeiros, Rayanna Valeriano,

Eliana Gonçalves e Daniel “Lacraia”.

Agradeço a todos os professores, que além de admiráveis mestres e

exemplos, tenho como amigos; em especial ao Prof. Dr. Hélio A. Godoy de Souza,

Profª. Drª. Eluiza B. Ghizzi e Prof. Esp. Marília da Costa Terra.

Finalmente, agradeço a todos outros amigos e colegas, de dentro e fora da

Universidade, que estiveram comigo e me apoiaram durante essa importante fase da

minha vida.

A todos vocês, muito obrigada!

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Resumo

Quando o homem começou a desenhar nas paredes ele começou a representar por meio de imagens; essas agregavam um conteúdo simbólico, uma vez que tinham um significado comum dentro do grupo ao qual pertenciam; com o passar dos anos e desenvolvimento da sociedade, os símbolos continuaram sendo utilizados e cresceram, por meio da diversificação e complexificação das imagens e de seus significados. Dentre todas as formas de uso, as crenças religiosas sempre se destacaram nessa prática e, paralelamente a isso, foram surgindo as críticas e questionamentos a essas crenças e ao uso dos símbolos a elas associadas. O presente estudo insere-se nesse contexto para tratar da história de alguns símbolos ligados a crenças cristãs, mais especificamente ao catolicismo, representados pela arte da fotografia sob o olhar da artista contemporânea Elisabeth Ohlson. Com o decorrer da pesquisa, dicionários de símbolos e livros sobre imagens se mostram essenciais, além de artigos e publicações sobre as obras referidas. Vale destacar que o objetivo do estudo não é chegar a uma conclusão definitiva sobre o significado das obras analisadas, mas estudar o assunto sob uma perspectiva ancorada na semiótica da imagem, que por sua vez tem as bases na semiótica de Charles Sanders Peirce; trata-se de um estudo dos símbolos do catolicismo, porém, utilizados à sua revelia, dentro de uma obra de arte que choca e questiona seus observadores.

Palavras chave: Fotografia artística contemporânea. Elisabeth Ohlson. Semiótica da imagem. Arte política. Crescimento dos símbolos.

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Lista de imagens

Figura 01- Mural Keith Haring, Berlin ........................................................... 20

Figura 02- Sem título, Banksy ...................................................................... 20

Figura 03- Ultima Ceia, Tintoretto ................................................................ 24

Figura 04- Ultima Ceia, Salvador Dali .......................................................... 24

Figura 05- Anúncio da grife Marithé et François Girbaud. ............................ 24

Figura 06- Ultima Ceia, Elisabeth Ohlson .................................................... 25

Figura 07- Ultima Ceia, Leonardo Da Vinci .................................................. 31

Figura 08- Ultima Ceia, Juan de Joanes ...................................................... 31

Figura 09- Ultima Ceia, Elisabeth Ohlson .................................................... 31

Figura 10- Ultima Ceia, Elisabeth Ohlson (Detalhe da obra) ........................ 33

Figura 11- O baile, Mestre Mz ...................................................................... 34

Figura 12- Ultima Ceia, Tintoretto (Detalhe da obra) .................................... 34

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Sumário

INTRODUÇÃO .................................................................................. 07

1.0- O QUE É SÍMBOLO ............................................................... 08

2.0- O QUE É ICONOGRAFIA E ICONOLOGIA ........................... 12

3.0- SÍMBOLOS NA HISTÓRIA DAS ARTES ............................... 16

3.1- A RETOMADA DO CLÁSSICO NA ARTE

CONTEMPORÂNEA E O CUNHO POLÍTICO ............. 18

4.0- A ARTE DE ELISABTH OHLSON E SUA RELAÇÃO

COM A SIMBOLOGIA ............................................................ 22

4.1- ANÁLISE DA OBRA ..................................................... 25

4.1.1- A imagem (O signo em si) ........................... 26

4.1.2- Relação entre o signo e o objeto. ............... 28

4.1.3- Relação entre signo e interpretante ............ 34

CONCLUSÃO .................................................................................... 39

REFERÊNCIAS ................................................................................. 40

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Introdução

Quando olhamos para as coisas ao nosso redor, automaticamente, nosso

cérebro avalia nossas experiências e conhecimentos, associando a experiência

daquele momento com outras já conhecidas, bem como com conceitos já

internalizados, o que gera uma interpretação sobre o que observamos. Com obras

de arte esse processo não é diferente.

Quando observamos uma obra de arte, nosso cérebro age da maneira

descrita acima e, nesse processo, vai reavaliando nossas aprendizagens para gerar

uma interpretação para a obra. Ao fazer isso, poucas vezes nos damos conta de que

uma obra de arte pode significar coisas diferentes para pessoas diferentes, inclusive

para o artista que a idealizou e realizou. Essas formas diferentes de interpretações

levam ao nosso principal objetivo com esse trabalho: estudar a questão da

interpretação da obra de arte, procurando objetividade no processo interpretativo,

com a ajuda da semiótica. Nesse percurso, é importante compreender que a obra de

arte tem vários modos de se relacionar com o artista e com o observador; serve para

a exposição, o aprendizado e a discussão de ideias e opiniões, para chocar ou

simplesmente para contemplar.

Apoiando-nos em métodos de interpretação, mais especificamente, os

oriundos da semiótica de Charles Sanders Peirce (1839-1914), analisamos neste

texto uma das obras da artista contemporânea Elisabeth Ohlson, Nattverden, obra

pertencente à série Ecce Homo (1998). Esse tipo de estudo fornece ao observador

um caminho para enxergar uma imagem e seus conteúdos, garantindo certa,

objetividade na leitura por meio das relações entre as interpretações e o que é

observado na obra, embora sem coibir possíveis interpretações diferentes a partir do

estudo dos objetos e personagens presentes, suas posições e gestos. A obra de

arte ganha, sob essa perspectiva, um novo olhar; o observador, consequentemente,

poderá usar as ferramentas conceituais com as quais trabalhamos aqui para

estender esse tipo de leitura a situações cotidianas, ampliando seus pontos de vista

sobre as imagens ao seu redor e, consequentemente, sua bagagem cultural.

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1- O que é símbolo

Por toda nossa vida, estamos fadados a receber milhares de mensagens

cotidianamente, mensagens essas que não se limitam às escritas ou faladas, mas

abrangem toda e qualquer linguagem que produza um significado, desde o modelo

novo de um carro, a estampa da blusa de alguém ou uma placa de trânsito.

Todas essas formas de comunicação utilizam linguagens que, muitas vezes,

passam despercebidas por nós; essas são estudadas dentro de uma ciência

denominada semiótica. Segundo Santaella (1983, p.13), “A Semiótica é a ciência

que tem por objeto de investigação todas as linguagens possíveis, ou seja, que tem

por objetivo o exame dos modos de constituição de todo e qualquer fenômeno como

fenômeno de produção de significação e de sentido”.

Charles Sanders Peirce, filósofo, cientista e matemático norte-americano,

realizou seus estudos sobre semiótica fundamentado na inteligência “científica”;

Peirce considera que mente “científica” (ou inteligência “científica”) é aquela capaz

de aprender por meio de experiências. A partir desse conceito, Peirce desenvolve

uma ciência chamada fenomenologia. Ele denomina a fenomenologia como a

“ciência que descreve o universo da experiência” (SILVEIRA, 2007, P. 38). Tal

ciência se constitui na base de todo o seu pensamento filosófico, incluindo a ciência

dos signos ou semiótica, daí a importância de conhecermos, em linhas gerais, suas

categorias fenomenológicas.

Conforme Ghizzi (2010, p.16 - 17), as categorias fenomenológicas de Peirce,

base formal da sua semiótica, são três:

A primeiridade equivale à experiência interna à mente e alheia ao tempo e ao espaço; é meramente qualitativa: nela aprendemos meras formas (cores, texturas, sons, odores, movimentos etc). A secundidade equivale à experiência de ação e reação, aqui e agora, em um espaço e tempo determinados: nela aprendemos o mundo na sua materialidade e concretude, próprias do seu existir. A terceiridade equivale à experiência de generalização em um intervalo de tempo: nela compreendemos as características mais gerais das coisas, as quais nos permitem classifica-las (reunir em classes), atribuindo-lhes denominações (como as palavras listadas em um dicionário).

Dentro da semiótica, destaca-se o conceito de signo, que equivale a

experiência de terceiridade; em outras palavras, de interpretação do mundo:

O signo é uma coisa que representa outra coisa: seu objeto. Ele só pode funcionar como signo se carregar esse poder de representar, substituir uma outra coisa diferente dele. Ora, o signo não é objeto. Ele está apenas no lugar do objeto (SANTAELLA, 1983, p.58).

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Traduzindo a outras palavras, o signo é algo que representa outra coisa, que

significa algo que está além dele próprio; ele transmite uma ideia ao observador; e

não se prende somente a linguagens visuais, mas pode ser constituído de palavras,

sons, cheiros, sensações. O que o signo representa é chamado objeto,

independente de ser palpável (já que uma ideia ou um sonho pode ser objeto de um

signo). A relação signo-objeto se estabelece a partir da noção de que o signo seja

algo que remeta ao objeto, mas não é o próprio objeto.

Ao signo, a semiótica peirciana integra mais dois componentes, o objeto,

como já explicado anteriormente, e o interpretante, um signo equivalente ou mais

desenvolvido gerado na mente científica, nas palavras de Peirce:

Um signo, ou representamen, é aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém. Dirige-se a alguém, isso é, cria, na mente dessa pessoa, um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido. Ao signo assim criado denomino interpretante do primeiro signo (apud

SILVEIRA, 2007, p. 29).

A semiótica peirciana separa os signos em três diferentes tipos, de acordo

com a forma com que esse se relaciona com o objeto (GHIZZI, 2010). Esses são:

1º Ícone - Associado ao objeto pelas similaridades, seja pela cor, textura,

forma entre outros aspectos; como a relação entre um desenho e o que é

desenhado, por exemplo;

2º Índice - Apresenta vestígios físicos do objeto como, por exemplo, em uma

impressão digital ou na fotografia, onde se sabe que a luz agiu sobre o material

sensível da película ou sobre um sensor digital;

3º Símbolo - Associado ao objeto por conceitos pré-estabelecidos dentro de

uma cultura. Diferentemente do ícone ou do índice, não pode ser reconhecido por

similaridade com o objeto ou por meio dos vestígios do objeto nele; deve ser

aprendido, como o caso dos significados da escrita dentro de uma língua ou de uma

bandeira.

A classificação de um signo é feita de acordo com sua característica

dominante; todavia, um signo pode envolver dois ou, até, três desses tipos (GHIZZI,

2010). Os três tipos de relação entre o signo e o objeto dependem, em primeira

instância, de como é o signo em si mesmo, ou seja, de como ele se comporta

independente de sua relação com o objeto. As formas dos signos em si Peirce divide

em:

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1º Quali-signo – Quando uma qualidade é que é um signo (SILVEIRA, 2007,

p. 67); qualidades são meras cores, sons, texturas, brilhos etc.

2º Sin-signo – “Uma coisa existente ou acontecimento real, que for um signo”

(PEIRCE apud SILVEIRA, 2007, p. 68). O caráter de sin-signo envolve as

características únicas do signo, por exemplo, uma parte da pintura “descascada” de

um objeto artístico torna-se uma característica singular que permite separar entre o

original e a cópia.

3°Legi-signo – “É uma lei que é um Signo [...] Não é um objeto singular, mas

um tipo geral que, há concordância a respeito, será significante” (PEIRCE apud

SILVEIRA, 2007, p. 68). O legi-signo apresenta-se sob forma de uma característica

geral que é percebida nas coisas e que permite associa-las com outras do mesmo

gênero, tipo ou classe.

Em um terceiro nível da classificação dos signos, para além de signo em si e

das relações entre signo e objeto, Peirce estabelece que são três os tipos de relação

entre signo e interpretante; ele as descreve como: rema, dicente (ou dicissigno) e

argumento. Ghizzi (2010, p. 20, grifos nossos) explica cada um como:

Rema, o significado de um signo baseado em meras relações de semelhança, não pode ser mais do que uma possibilidade; dicente, o significado que é próprio de um signo de fato é uma afirmação ou negação sobre algo; argumento, o significado que é próprio de um signo de lei é uma conclusão que tome como base algumas premissas consideradas anteriormente, o que caracteriza o pensamento racional.

Não cabe aqui discorrer longamente sobre a perspectiva semiótica em todos

seus aspectos e detalhes, mas fazer uma pequena introdução que direcione ao foco

principal deste trabalho, a leitura da obra de arte supracitada e de seus símbolos.

Seria impossível estudar o termo símbolo em todas as suas possíveis

utilizações, pois ele varia de elementos utilizados em equações matemáticas às

formas presentes em nossos sonhos; cada autor descreve sua teoria sobre esse

assunto, tornando-o cada vez mais amplo (ECO, 2010). Dada essa polissemia do

conceito, os estudos aqui realizados se delimitam no conceito de símbolo proposto

por Peirce, tal como exposto acima.

Segundo Santaella (1983), o símbolo depende totalmente da interpretação do

observador, pois, muitas vezes, não possui quaisquer relações de semelhança com

o objeto, como no ícone, ou traços reais, como o índice (embora possa ter ambos).

Se seguirmos tal linha de pensamento, devemos considerar que as interpretações

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dos símbolos envolvem barreiras culturais, além de questões como o tempo, o

espaço e as tradições locais. Ele não necessita estar relacionado ao objeto de

nenhuma maneira perceptível em sua forma, mas deve trazer um significado comum

para um grupo de pessoas. Um dos melhores exemplos a ser citado é a escrita; as

palavras não têm outra relação com seus significados (a palavra casa não se parece

com uma casa nem tem sinais de uma casa existente, por exemplo), se não aqueles

estabelecidos por meio da convenção na qual ela existe e que deve ser de

conhecimento de quem as usa.

O campo da utilização dos símbolos transita, para além das palavras, entre os

desenhos, desde os mais abstratos, a exemplo do coração desenhado a partir de

duas linhas curvas, até os mais naturalistas, como a representação de anjos a partir

do corpo humano.

Todos os símbolos têm uma história ao longo da qual se estabeleceu a relação entre signo e objeto. Os intérpretes conhecedores da relação convencional nem sempre conhecem a sua história. Conhecer essa história, todavia, tende a enriquecer os processos de leitura, dado que se pode compreender, mais do que a convenção, o contexto histórico em que ela se estabeleceu. Isso deve ajudar a interpretar os casos em que essa mesma convenção é utilizada na contemporaneidade: sua coerência ou não com a história do símbolo. Diferenças que são próprias da contemporaneidade podem emergir desse aprofundamento na história dos símbolos (GHIZZI, 2010, p.34).

Todo conhecimento implica em novas interpretações ao longo da história, o

que tem sido explorado pelas artes e tem aberto novos caminhos para o campo de

significados dos símbolos.

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2- O que é iconografia e iconologia

A semiótica não serve somente para ler o que está ao nosso redor, mas,

também, para buscar interpretações das perspectivas representadas ou expressas

por outras pessoas, entre elas os artistas, cujas ideias podem ter uma origem

subjetiva. Para melhor compreender esse vasto universo, vários autores já

propuseram e estudaram diferentes teorias e conceitos, criaram novos termos e

utilizaram os já existentes de diversas maneiras. Um exemplo ocorre com o conceito

de “ícone”, muito utilizado para tratar de imagens. Seu radical, icon, juntamente com

outros sufixos e prefixos, ganha uma extensa gama de significados e aplicações, o

que gera um vasto campo de estudos. Enquanto os estudos de Peirce sobre o ícone

não são desenvolvidos pensando especificamente em imagens, outros já o são.

Um importante estudo nessa área provém de Erwin Panofsky e pode ser lido

no primeiro capítulo de sua obra “O significado nas artes visuais” (2002), no qual

realiza uma abordagem sobre a interpretação de obras de arte; ele discorre sobre os

termos “iconografia” e “iconologia” como meios de interpretações das obras.

Segundo Panofsky (2002, p. 47), “Iconografia é o ramo da história da arte que

trata do tema ou mensagem das obras de arte em contraposição à sua forma”. De

acordo com tal afirmação, torna-se importante separar o significado da forma. Para

fazer tal separação, deve-se primeiramente entender os tipos de significados:

Significado fatual: identificado por meio de formas visíveis em objetos ou situações

conhecidas. Por exemplo, quando um conhecido faz o gesto de tirar o chapéu para

lhe cumprimentar, identifica-se a mensagem devido à mudança de um detalhe.

Significado expressional: tipo de significado aprendido por empatia, prática,

familiaridade. Por exemplo, saber como está o humor do conhecido que lhe

cumprimentou. Esses dois termos juntos, formam o Tema primário ou natural, nas

palavras do autor:

Tema primário ou natural, subdividido em fatual e expressional. É apreendido pela identificação das formas puras, ou seja: certas configurações de linha e cor, ou determinados pedaços de bronze ou pedra de forma peculiar, como representativos de objetos naturais tais que seres humanos, animais, plantas, casas, ferramentas e assim por diante; pela identificação de suas relações mútuas como acontecimentos; e pela percepção de algumas qualidades expressionais, como o caráter pesaroso de uma pose ou gesto, ou a atmosfera caseira e pacífica de um interior. O mundo das formas puras assim reconhecidas como portadoras de significados primários ou naturais pode ser chamado de mundo dos motivos artísticos. Uma enumeração desses motivos constituiria uma descrição pré-iconográfica de uma obra de arte (PANOFSKY, 2002, p. 50).

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O tema primário ou natural trata dos assuntos ligados à percepção, de

acordo com a nossa natureza e vivência; como tal, apresenta relações com as ideias

peircianas de ícone e índice.

O tema secundário ou convencional abrange os motivos que possuem

significado de acordo com a bagagem cultural, por exemplo, treze figuras em volta

de uma mesa, tendo uma delas como central, entre outras características, definem a

composição do tema da Ultima Ceia. Segundo Panofsky (2002, p.50), “ligamos os

motivos artísticos e as combinações dos motivos artísticos (composições) com

assuntos e conceitos”. São motivos estereotipados e presentes em nossa cultura

com seus respectivos aspectos, qualquer mudança presente pode alterar seu

conteúdo.

Essa delimitação de tema secundário se aproxima do conceito peirciano de

símbolo; os dois autores descrevem situações que exigem conhecimento cultural

para serem interpretadas. Porém, Panofsky limita seu conceito de tema secundário

às obras que são feitas sem alterações na forma convencionada; cita, por exemplo,

que uma figura semelhante à de São Bartolomeu (santo católico sempre

representado com uma faca nas mãos), com um abridor de garrafas nas mãos em

vez de uma faca, não é São Bartolomeu. Já o conceito de símbolo de Peirce parece

ter um caráter mais flexível; é evolutivo, acolhe variações icônicas e indiciais para se

atualizar.

O estudo de interpretações através de um conceito é nomeado por Panofsky

como iconografia. Nas palavras do autor (2002, p. 51): “A identificação de tais

imagens, estórias e alegorias é o domínio daquilo que é normalmente conhecido por

‘iconografia’”. Ao tratar do terceiro tema, descrito abaixo, Panofsky distingue

iconografia de iconologia.

Significado intrínseco ou conteúdo é tratado por Panofsky como algo além

da simples representação ou do significado cultural da imagem, se refere ao período

no qual foi criada, aos motivos de sua criação e organização, ao lugar onde se

encontra. O significado intrínseco vai além das características e formas enquanto

atemporais, ele busca interpretar os acontecimentos da época, o contexto onde a

obra foi criada e inserida, além da personalidade e estilo do autor. Segundo

Panofsky (2002, p. 53), “A descoberta e interpretação desses valores ‘simbólicos’

(que muitas vezes são desconhecidos pelo próprio artista e podem, até, diferir

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enfaticamente do que ele conscientemente tentou expressar) é o objeto do que se

poderia designar por ‘iconologia’”.

A fim de marcar a distinção entre os conceitos o autor explica:

O sufixo “grafia” vem do verbo grego graphein “escrever”; implica um método de proceder puramente descritivo, ou até mesmo estatístico. A iconografia é, portanto, a descrição e classificação das imagens, assim como a etnografia é a descrição e classificação das raças humanas; é um estudo limitado e, como que ancilar, que nos informa quando e onde temas específicos foram visualizados por quais motivos específicos (PANOFSKY, 2002, P. 53).

Abaixo o autor continua distinguindo iconografia de iconologia:

A iconografia considera apenas uma parte de todos esses elementos que constituem o conteúdo intrínseco de uma obra de arte e que precisam tornar-se explícitos se se quiser que a percepção desse conteúdo venha a ser articulada e comunicável. [...] Iconologia, portanto, é um método de interpretação que advém da síntese mais do que da análise (PANOFSKY, 2002, p.53 - 54).

A partir desses conceitos, entende-se que a iconografia estuda a origem e os

possíveis significados de um símbolo ou obra, por meio de associações entre o

mundo físico, mitológico ou outro e certas imagens elaboradas para significá-los; a

iconologia, por sua vez, refere-se a interpretações que relacionam o conceito

iconográfico ao meio em que a obra foi originada.

Para chegarmos a uma interpretação da obra, o mais próxima de seu

significado real, são considerados três aspectos: descrição pré-iconográfica,

análise iconográfica e interpretação iconológica. São considerados também três

princípios corretivos de interpretação: Segundo o autor (2002), uma descrição

pré-iconográfica, baseada somente em nossa experiência prática, pode ser

suficiente, porém, nem sempre sua exatidão é garantida.

Para que essa descrição pré-iconográfica fique mais próxima do seu real

significado, é necessário corrigir nossa experiência prática por meio da

compreensão de diferentes condições históricas, objetos e fatos expressos pela

forma, ou seja a história dos estilos.

Segundo Panofsky (2002, p. 58, grifo nosso):

A análise iconográfica, tratando de imagens, estórias e alegorias em vez de motivos, pressupõe, é claro, muito mais familiaridade com objetos e fatos que adquiridos pela experiência prática. Pressupõe a familiaridade com temas específicos ou conceitos, tal como são transmitidos através de fontes literárias.

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Assim como a história dos estilos pressupõe a correção da nossa experiência

prática investigando as diferentes condições históricas dos objetos e fatos, a

história dos tipos investiga as diferentes condições históricas dos temas

específicos ou conceitos expressados pelos objetos e fatos e eventos, corrigindo

nosso conhecimento das fontes literárias.

Esses dois “equipamentos” de interpretação permitem ao leitor fazer

comparações e entender melhor uma situação ou imagem.

Existe ainda um terceiro aspecto a ser considerado na interpretação

iconológica: a intuição sintética. Essa faculdade da mente é responsável por captar

alguns princípios da obra que não estão descritos em algum livro ou comentados

pelo próprio autor, por exemplo, as possíveis interpretações da obra, o processo

técnico empregado em sua construção, entre outros. Quanto à intuição sintética,

Panofsky (2002) se refere a uma faculdade da mente que utilizamos quando

escolhemos os princípios básicos para iniciar uma pesquisa, ou então, os princípios

para leitura ou produção de uma obra, pois a maioria das vezes não será encontrado

um texto que se ajuste perfeitamente ao que buscamos.

Assim, do mesmo modo que foi preciso corrigir apenas nossa experiência prática por uma compreensão da maneira pela qual, sob diferentes condições históricas, objetos e fatos foram expressos pelas formas (história dos estilos); e que foi preciso corrigir nosso conhecimento das fontes literárias por uma compreensão da maneira pela qual, sob condições históricas diferentes, temas específicos e conceitos foram expressos por objetos e fatos (história dos tipos), também ou ainda mais, nossa intuição sintética deve ser corrigida por uma compreensão da maneira pela qual, sob diferentes condições históricas, as tendências gerais e essenciais da mente humana foram expressas por temas específicos e conceitos. Isso significa o que se pode chamar de história dos sintomas culturais (PANOFSKY, 2002, p. 63).

A partir desses conceitos, entende-se que Iconologia é um método de

análise, assim como a semiótica. Neste texto, apesar de termos desenvolvido uma

síntese das ideias de Panofsky, vamos nos deter, para a análise da obra de

Elizabete Ohlson supracitada, aos conceitos da semiótica de Peirce, cuja aplicação

ao estudo da imagem tem sido desenvolvida. Lembra-se que há diferenças

conceituais, porém, podemos apontar certa similaridade entre o caminho adotado

por Panofsky e o trilhado pela semiótica de Peirce.

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3.0- Símbolos na história das artes.

A utilização de símbolos nas artes visuais é uma prática bem comum e

acompanha a humanidade desde muito cedo, conforme já apontado anteriormente.

O conceito de símbolo como ferramenta conceitual é concebido, ao passo que o

homem o utiliza para explicar alguma coisa que sem ele não é possível, algo que

não seja palpável ou passível de interpretação por meio de qualidades formais ou

provas existenciais.

Não há como dizer exatamente quando e onde surgiram os símbolos, mas,

conforme já anunciado acima, acredita-se que desde a Pré-história as figuras

representadas nas paredes das cavernas continham um significado simbólico.

Segundo Gombrich (2008, p.39 - 40):

Entre esses primitivos, não há diferença entre edificar e fazer imagens, no que se refere à utilidade. Suas cabanas existem para protegê-los da chuva, do sol, do vento, e para os espíritos que geram tais eventos; as imagens são feitas para protegê-los contra os outros poderes, que para eles, são tão reais quanto as forças da natureza. Pinturas e estátuas, em outras palavras, são utilizadas para realizar trabalhos de magia [...] Em todas as partes do mundo, médicos-feiticeiros, pajés ou bruxos tentaram praticar a magia de uma forma ou outra; fizeram pequenas imagens de um inimigo e perfuraram o coração do maltratado boneco, ou queimaram, na esperança de que o inimigo sofresse com isso.

Esse pequeno trecho demonstra que o homem primitivo já utilizava objetos ou

desenhos como símbolos; esses continham um significado que somente pessoas

envolvidas nessa cultura poderiam interpretar de maneira correta; descreve também

que os símbolos são criados desde o início da humanidade, período após o qual

essa prática continuou a ser desenvolvida, de modo que hoje se encontram registros

nas mais diversas culturas.

Não é possível determinar uma data exata, mas, a arte sacra também utilizou

de símbolos desde seus primórdios. Foi por volta de 300 depois de Cristo que a arte

cristã começou a ganhar espaço; antes, porém, já haviam sido representadas cenas

do Antigo Testamento pelos judeus em algumas sinagogas, sem representar Cristo.

No início, a arte Cristã foi influenciada pela tradição grega; sua estatuária, por

exemplo, lembra as antigas estátuas de filósofos gregos, além de deter ainda

característica da arte helenística pagã. No ano de 311 d. C. o imperador Constantino

estabeleceu a igreja Cristã como um poder no Estado; consequentemente, a arte

Cristã passou por um remodelamento, onde se excluiu essas estátuas, com objetivo

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de nenhum recém-convertido venerá-las, porém mantiveram-se as pinturas, para

ajudar nos ensinamentos e para recordar os episódios sagrados. (GOMBRICH,

2008).

Não é possível estabelecer ao certo uma data em que as imagens cristãs,

consideradas símbolos atualmente, ganharam tal predicado, porém, sabemos que a

característica simbólica fortalece sua convenção quando usadas enquanto

instrumento de aprendizado eclesiástico; segundo Houser (1982) essa era a melhor

forma da igreja expandir seus ideais.

A essa altura do estudo, cabe citar que os significados que alcançamos, na

leitura da obra realizada neste estudo, são influenciados diretamente por nossas

experiências e conhecimentos; isso vale tanto para o artista que realiza a obra como

para quem a interpreta (posição em que nos colocamos aqui). No processo de

construção dos significados vivenciamos o conceito de crescimento dos signos, já

que por meio da manipulação conceitual dos significados agimos sobre uma

manipulação anterior, a do artista, ambos contribuindo para o aprofundamento dos

significados desses símbolos na cultura e, também, para sua diversificação.

A ideia de crescimento dos signos postula que cada signo desenvolve-se de

maneira diferente em cada interpretação individual (interpretante dinâmico na

terminologia peirciana), o que possibilita, ao longo do tempo, novos significados

(interpretantes finais) para um símbolo, desde que reconhecidos pela cultura a que

ele pertence. Um indivíduo isoladamente não pode mudar o significado de um

símbolo, mas, um novo significado pode ter o poder de influenciar vários indivíduos,

de modo que ao longo do tempo pode gerar transformações estruturais no

significado.

Um signo esta fadado a crescer, pois, a partir do momento em que não

carrega todas as características do objeto (segundo Santaella, 1983 o signo só

funciona como signo se representa algo - seu objeto - que é diferente dele), permite

que o interpretante crie novos conceitos ao interpretá-lo1.

A arte é um terreno fértil para a geração de novas possibilidades de

interpretação dos signos em geral. Ao longo da história da arte, os símbolos foram

ganhando significados e se popularizando, uns mais do que outros; com o

1 Baseado em: Fundamentos da Semiótica Peircena, de autoria de Claudio Manoel de Carvalho

Correia (PUC-SP), disponível em: <http://www.filologia.org.br/>, acesso em 23 de fevereiro de 2013

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18

surgimento das mídias e a fácil difusão de imagens, a arte ganhou um novo espaço

de produção e de exposição. Além disso, na arte, algumas obras, em vez de

representar símbolos, se tornaram, elas próprias símbolos, situando-se tão

intrinsecamente na história, que hoje é impossível falar de determinados

acontecimentos sem se referir a elas.

Devido à delimitação deste estudo em uma obra produzida por uma artista

contemporânea, não cabe discorrer longamente sobre todos os períodos artísticos e

como foram utilizados os símbolos dentro deles, assim, a seguir, tratamos da arte

contemporânea, fazendo um recorte naquelas obras que retomam características da

arte clássica e que pertencem ao nomeado Novo Classicismo (denominação

encontrada em LUCIE-SMITH, 2006).

3.1- A retomada do clássico na arte contemporânea e o cunho político

A ideia clássica teve como características principais o domínio técnico, a

beleza, o antropocentrismo e o racionalismo humano, sobrepostos à natureza. O

interesse pela linguagem clássica se faz presente em diferentes períodos e artistas

desde a Antiguidade. Annateresa Fabris (1999) refere-se a esses como

pertencentes às “artes clássicas”; são períodos artísticos que buscam referência na

arte clássica. Por exemplo, o neoclássico, sua problemática e contexto histórico não

podem ser estendidos a outros períodos, mas a tentativa de organizar a natureza e

submetê-la a regras de composição tem raízes no período greco-romano.

Ao longo do século XX vários artistas retornaram às ideias classicistas; em

1977 Charles Jencks publicou o livro “The Language of Post-Modern Architecture”,

onde usou o termo “novo classicismo”, referindo-se a artistas que abandonavam as

formas modernistas e se inspiravam nas organizações e formas da linguagem

clássica.

Em primeiro lugar, houve um recuo conservador perante aos supostos excessos do modernismo (o chamado “retorno à ordem” inspirado pelos horrores da Primeira Guerra Mundial). Na primeira metade do século, a arte de formas e alusões clássicas esteve vinculada aos esforços que diversas ditaduras – fascista, nazista e soviética – empreenderam para apossar-se de uma identidade soberana (LUCIE-SMITH, 2006, P. 267).

Os artistas do novo classicismo não estabeleceram padrões em suas técnicas

e nem se organizaram para formar um movimento que sobrepusesse o moderno, na

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19

maioria das vezes, as formas bem delineadas e configurações classicistas eram

empregadas para expressar diferenças e causas sociais.

Um dos artistas que tem sua produção voltada para essa linha de

pensamento é Delmas Howe; assim como Elisabeth Ohlson, ele usa ícones cristãos,

fundamenta suas obras na “via sacra” e as relaciona conceitualmente à

discriminação da homossexualidade.

Talvez, alguns dos artistas do novo classicismo empreguem elementos

clássicos para questionar o “pensamento clássico”, muitas vezes entendido como

um pensamento opressor e preconceituoso; isso seria uma forma de mostrar que até

hoje existem elementos de opressão e preconceito em nosso comportamento social

e que esse tipo de pensamento deve ser revisto pela sociedade, caracterizando

assim sua arte como política.

A arte denominada política é aquela que pretende expor uma mudança ou

manutenção de um poder ou forma de pensamento; é geralmente exposta de forma

conceitual, com significado intrínseco. Seu aparecimento remonta ao início do século

XX, com o movimento Dadaísta e sua constante discussão, por meio das obras

artísticas, sobre o desenvolvimento das artes. Ao longo da história, vários outros

artistas seguiram o mesmo caminho, porém, propuseram diferentes ideias, questões

e causa a serem discutidas. A arte tornou-se então um dos meios mais propícios e

abertos para iniciar discussões, seja sobre o consumismo, causas sociais ou

qualquer outro assunto.

Segundo Lucie Smith (2006), um exemplo de arte política é o grafite, uma arte

transferida dos metrôs de Nova York para as galerias de arte e posteriormente aos

museus. A raiz do traço vem do pop, juntamente com seu caráter crítico; essa arte

ganhou enorme popularidade e nos dias de hoje tem grande repercussão como

forma de arte política. O norte americano Keith Haring foi um dos artistas que

utilizaram o grafite como forma de discussão e questionamento; seu trabalho se

iniciou em 1980, nos metrôs, onde utilizava os painéis pretos (onde seriam

colocadas propagandas) e giz para se expressar (Fig. 1). Suas obras eram

desenhos e sinais gráficos simplificados que, posteriormente, foram reproduzidos

em camisetas e telas; sua carreira também ficou marcada pelas obras em prol de

causas sociais como a AIDS e contra o apartheid. Atualmente, Banksy também usa

dessa arte para fazer críticas à cultura e à sociedade; no caso desse artista, parte do

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20

significado da sua arte depende do seu anonimato; a maioria das obras está nos

espaços urbanos de Londres (Fig. 2).

Figura 1 Figura2

Haring, Keith. Mural em Berlin, 300m. 19862 Banksy. Sem título, 2004, Londres

3

Na década de 1980, a arte feminista ocupou um importante espaço no cenário

artístico e crítico; segundo Lucie Smith (2006), Judy Chicago, com sua obra “The

Dinner Party” (o jantar), impulsionou várias outras artistas a realizar obras de cunho

feminista; “The Dinner Party” é uma instalação composta por uma mesa triangular

com lugares para 39 mulheres que a artista homenageia; em cada lugar está um

prato feito de cerâmica e a sua decoração simboliza a personalidade da

homenageada; a obra vem acompanhada de um livro, onde a artista comenta:

Há na obra um forte aspecto narrativo [...] começando com a sociedade pré-matriarcal, “O jantar” mostra o desenvolvimento do culto à deusa, representando uma época na qual as mulheres tinham poder social e político (claramente refletido nas imagens de deusas comuns aos primeiros estágios de quase toda sociedade do mundo). A obra, então, passa a mostrar a destruição gradativa dessas sociedades feministas e a consequente dominação das mulheres pelos homens, acompanhando a institucionalização dessa repressão e a relação das mulheres a ela (CHICAGO, 2009. Apud LUCIE-SMITH, The Dinner Party, p. 53).

Chicago trabalha a partir da ideia de um sistema social matriarcal original, e

outras grandes artistas seguiram esse mesmo pensamento, como Monica Sojo, que

realizou a obra “Deus dando a luz” e Mary Beth Edelson, com sua série “Grandes

Deusas”.

2 Disponível em: <http://keithharingfoundationarchives.wordpress.com/2009/11/09/794/> acesso em

24 de fevereiro de 2013 3 Disponível em:< http://www.banksy.co.uk/outdoors/index1.html> Acesso em: 24 de fevereiro de

2013

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21

A arte feminista, segundo Lucie Smith (2009), acompanhou a evolução de

outra arte engajada - a liberação homossexual. A arte lésbica se encaixa entre o

desejo de tratar de questões feministas e o de tratar de questões puramente

lésbicas; Nancy Fried, por exemplo, trata em sua escultura “The Hand Mirror” (o

Espelho de Mão), de assuntos como o câncer de mama e a mastectomia; já Sadie

Lee se apropria da Mona lisa para mostrá-la de colarinho e gravata.

Tanto a arte feminista, quanto o grafite e o novo classicismo mantêm o foco

na arte crítica. É nesse contexto que localizamos a obra de Ohlson; seu foco vai

além do belo ou da técnica, ela provoca uma reflexão em quem observa, tem um

propósito de mudança de comportamento.

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22

4.0- A arte de Elisabeth Ohlson e sua relação com a simbologia

Ao se tratar de imagem, sejam desenhos, fotografias, pinturas realistas ou

abstratas ou qualquer imagem bidimensional, tratam-se de cores, linhas, formas e

outros elementos visuais, organizados de modo a produzir algum sentido, que pode

estar relacionado a algum fato ou evento, a um sentimento singular de seu criador,

um conceito que ele tem a intenção de propor, discutir, mas que nem sempre o

espectador consegue captar por completo; ao mesmo tempo, para o observador,

toda obra produz um significado, de acordo com sua bagagem cultural, histórica e

experiências.

O autor produz uma obra acabada em si, desejando que a forma em questão seja compreendida e fruída tal como êle a produziu [...] cada fruidor traz uma situação existencial concreta, uma sensibilidade particularmente condicionada, uma determinada cultura, gostos, tendências, preconceitos pessoais, de modo que a compreensão da forma originária se verifica segundo uma determinada perspectiva individual.[...] Neste sentido, portanto, uma obra de arte forma acabada e fechada em sua perfeição de organismo perfeitamente calibrado, é também aberta, isso é, passível de mil interpretações diferentes, sem que isso redunde em alteração de sua irreproduzível singularidade (ECO, 2001, p. 40).

A ideia mais comum, quando se tenta buscar o significado de uma imagem, é

sua semelhança com outra imagem, acontecimento ou objeto, mesmo que tal

interpretação seja errônea (NEIVA JR, 1986). Embora, provavelmente, Neiva Jr.

esteja certo quanto à interpretação muitas vezes errônea, muitos artistas utilizaram e

ainda utilizam a semelhança para dar sentido à sua obra. A “semelhança” (relação

icônica no sentido de Peirce) é, todavia, muitas vezes enganadora, pois é possível,

por semelhança, remeter o espectador a significados muito variados, especialmente

nas obras com maior grau de abstração. A semelhança, portanto, se torna uma

ferramenta que o artista opta por utilizar ou não. Existem obras cujo significado se

apoia mais na semelhança e outras que enfatizam outras lógicas de significação.

Elisabeth Ohlson Wallin (cujo nome artístico é Elisabeth Ohlson; daqui para

frente usaremos apenas esse) é uma fotógrafa cujas obras reúnem estratégias

variadas para a construção do significado. Alguns de seus trabalhos lembram nomes

de artistas contemporâneos, outros são claramente inspirados em artistas passados,

como é o caso de sua obra, Nattverden (Ultima Ceia), uma fotografia pertencente à

série “Ecce Homo”, expressão em latim traduzida para o português como “Eis o

Homem” e cuja origem está no texto bíblico; mais especificamente, “eis o homem” é

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23

a frase dita por Pilatos quando apresentou Jesus aos judeus que gritaram por sua

crucificação4.

A série é um conjunto de fotografias, no qual a artista coloca modelos

homossexuais e faz alusão a personagens e a passagens bíblicas, construindo uma

espécie de questionamento à Igreja Católica, por meio de símbolos da própria Igreja,

sobre questões morais, como os direitos de expressão de cada um e a liberdade de

escolhas. Trata-se de uma questão social e Elisabeth Ohlson opta por abordá-la em

suas fotografias, usando uma forma contundente e criativa de expor tal questão.

Desde as imagens construídas até os lugares escolhidos para a exposição das

obras contribuem para a construção de seus significados e, consequentemente,

reforçam seus questionamentos.

Sua série Ecce Homo data de 1998; como base para a composição de suas

obras ela utilizou passagens bíblicas sob um novo ponto de vista, uma nova

interpretação. A artista deu continuidade a esse questionamento a partir de outra

série, feita em 2010, intitulada Jerusalém. Ambas são citadas no mesmo contexto:

religião e homossexualidade.

Por tempo demasiado longo os homossexuais têm sido vítimas não apenas de mal-entendidos mas também de silêncio e desprezo por parte dos teólogos e dos encarregados da cura d’almas na igreja [...] A alienação, solidão e discriminação sofridas pelos homossexuais podem ser atribuídas, em grande parte, às atitudes da igreja. As razões para essas atitudes deitam raízes profundas na tradição judeu-cristã (KOSNIK, 1982, p. 226 e 227).

A “Ultima Ceia” de Ohlson, alude à “Ultima Ceia” pintada por Leonardo Da

Vinci e à pintada por Juan de Joanes, pintor valenciano do século XVI, que, segundo

Brown (2001), também se inspirou na obra de da VInci; porém, a referência mais

importante de Ohlson é a da própria cerimônia da Ultima Ceia, descrita no texto

bíblico.

A “Ultima Ceia” de Da Vinci retrata o momento em que Jesus anuncia que

será traído5. É importante ressaltar que existem inúmeras representações da “Ultima

Ceia”, todas feitas de acordo com a interpretação dos respectivos artistas (Figs. 3, 4

e 5), com fins artísticos, promocionais ou satíricos. Destaca-se, entretanto, que a

composição mais famosa é a de Da Vinci, além disso, diante de toda a história da

4 João 19

5 Mateus 26:21-28

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24

igreja católica, vários símbolos se destacaram, mas, a “Ultima Ceia” foi, e é até hoje,

um de seus principais.

Figura 3 Figura 4

Tintoretto, The Last Supper, 1592-1594. Óleo sobre tela, 365x568cm

6

Salvador Dali, The Last Supper, 1955. Óleo sobre tela, 167 × 268 cm.

7

Figura 5

Anúncio feito pela grife Marithé et François Girbaud. 20088

6 Disponível em: < http://www.bachelorandmaster.com/artsandpaintings/The-Last-Supper-by-Jacopo-

Robusti-Tintoretto.html> Acesso em 23 de fevereiro de 2013 7 Disponível em: <http://ncastelacanilho.blogspot.com.br/2011/04/1358-iovis-dies.html> Acesso em 11

de março de 2013 8 Disponível em: <http://thewildmagazine.com/blog/marithe-francois-girbaud-receives-well-deserved-

retrospective/ >Acesso em: 22 de fevereiro de 2013

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25

4.1- Análise da obra

A obra estudada permite, do ponto de vista da semiótica peirciana, variados

tipos de interpretação. Esses podem (1) levar em consideração a imagem em si

mesma, os elementos de sua composição (o signo em si), (2) colocar ênfase nas

relações entre a imagem e o que ela representa (relação entre signo e objeto) ou (3)

na relação entre a imagem e as intepretações que tendem a ser geradas a partir

dela (relação entre signo e interpretante) dentro de um determinado contexto

histórico, espacial e cultural.

Figura 6

Elisabeth Ohlson, Nattverden (Ultima ceia9), 1998. Fotografia, 220x150

10.

Conforme já informado em partes anteriores deste texto, o presente estudo

objetiva uma leitura de imagem artística sob os aspectos da semiótica proposta por

C. S. Peirce. Os três tipos de leitura citados acima são propostos por essa semiótica

e aplicados à imagem em geral, entendida como um signo. Nesta parte do texto

9 A palavra “Nattverden” pode ser traduzida somente como “Ceia”.

10 Disponível em: <http://www.ohlson.se> Acesso em 11 de junho de 2012

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26

encaminhamos nossa leitura da imagem Nattverden (Ultima Ceia), de Elizabeth

Ohlson, 2009 (Fig. 6), passando por cada um dos focos citados acima.

4.1.1- A imagem (o signo em si)

O primeiro passo, portanto, orienta uma leitura da imagem em si mesma, sem

considerações sobre o que ela significa. Segundo Santaella (2002, p. 29) “O primeiro

olhar que devemos dirigir a eles [os fenômenos] é o olhar contemplativo”. Quando

nos deparamos com algum fenômeno, percebemos quase que instantaneamente

suas qualidades, seu aspecto de quali-signo: formas, cores, texturas, brilho, volumes

e outros elementos que, nas imagens, organizados segundo uma determinada

composição, formam o todo. Em seguida, ainda nesse primeiro passo, devemos

tentar detectar suas singularidades (sin-signos), aquelas características que a

tornam única; e, por fim, os legi-signos, as regularidades, ou convenções, que não

são apenas dessa obra, mas, que ela presentifica.

Dirigindo o olhar para as qualidades da imagem, vê-se que há uma grande

proliferação e contraste de cores e de tons; há tons tenros ao lado de tons

chamativos e brilhantes. As texturas se apresentam duras e rígidas no chão e nas

paredes, trazendo a sensação de formalidade e seriedade, ao mesmo tempo em que

apresentam maciez e delicadeza em objetos como as plumas em cima da mesa, os

tecidos e o pelo do cão. A iluminação, configurada de maneira a focar a figura

central, demonstra a importância dessa figura; seu papel na composição é reforçado

pela direção dos olhares dos personagens na obra: a maioria direciona o olhar para

a figura central. Os objetos presentes são reconhecidos por serem objetos do

cotidiano; já a sua disposição (maior concentração de objetos nas laterais da

imagem), juntamente com a disposição das pessoas (também mais concentradas

nas laterais da obra), deixam o centro da imagem mais “limpo” visualmente e, ao

mesmo tempo, fazem com que o olhar do observador seja direcionado para a figura

central que, desse modo, ganha maior destaque.

Consideradas as qualidades acima (quali-signos), o foco volta-se para a

existência singular do fenômeno, suas características enquanto sin-signo. Na

análise dessa obra, considera-se que é uma obra artística de natureza fotográfica e

de autoria de uma artista específica, chamada Elisabeth Ohlson Wallin, pertencente

a uma série em particular, nomeada Ecce Homo. Por se tratar de uma fotografia e

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27

essa técnica permitir várias reproduções (seja por meio do negativo ou arquivo

digital da imagem), cada ampliação ou reprodução é, em si, única, na medida em

que exige escolhas que definem suas singularidades, como por exemplo o tamanho,

qualidade da imagem, edições e modificações. Nessa perspectiva, essa imagem foi

considerada, ou seja, tomou-se como referência a seguinte ampliação: “Elisabeth

Ohlson, Last Supper, from Ecce Homo 1998. Fotografia, 220 x 150 cm. Estocolmo. ©

Photograph Elisabeth Ohlson” (LUCIE-SMITH, 2006, p. 251). Tudo isso – o caráter

singular da fotografia artística em questão, a autoria, o lugar da obra na série e

exposições da qual participou - dotam a imagem de um conjunto de particularidades.

Além disso, ao considerarmos que se trata de uma fotografia, temos que

considerar que a imagem registra um fato em local e tempo específicos. O fato em

questão concentra treze pessoas (homens) que são indivíduos existentes e únicos

em si; sendo parte de suas características individuais (sua aparência) registrada

pela fotografia. Esses indivíduos participam da organização específica da obra,

vestidos com roupas femininas, algumas chamativas, outras mais discretas, ao redor

de três mesas, cobertas por toalhas brancas e unidas pelas suas laterais; sobre as

mesas observa-se garrafas, aparentemente de espumantes, rolhas, batatas fritas,

taças de vidro e de metal, plumas azuis e cor de rosa, além de uma carteira de

cigarros. A figura central ergue, com sua mão direita, uma esponja branca de passar

maquiagem, enquanto as outras têm copos, fazem gestos de acolhimento,

agradecimento ou gratidão; uma das figuras aparece com um cigarro entre os dedos

e algumas demonstram expressão de indiferença. A prateleira de livros que aparece

na lateral esquerda da obra sugere que a obra foi fotografada em uma biblioteca ou

sala de estudos; a cor e os adornos da parede em plano de fundo reforçam essa

ideia. A obra registra, ainda, um cão marrom e branco, em posição de caminhada e

com lenços e adornos no pescoço, se dirigindo para longe da mesa e das pessoas

presentes na cena (como que saindo da cena). Tal configuração é única e presente

apenas nessa obra.

Além do que destacamos acima, que são singularidades dessa obra e de

nenhuma outra, é possível observar na imagem elementos que a vinculam com

outras e que são, por isso mesmo, não específicos, mas, pertencentes a um padrão

mais geral. Esses são os chamados legi-signos e permitem fazer generalizações a

partir da obra em particular, apontando nela aspectos de lei, de classe, que a

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28

colocam em relação de continuidade com outras obras de arte. Classifica-se assim o

fato de que, na obra em questão, podemos perceber uma clara alusão à estrutura

compositiva de outras obras de arte, especialmente da pintura renascentista, que

privilegiam um ponto de vista central e uma disposição dos elementos da cena em

perspectiva, de tal modo que as linhas de fuga convergem para o ponto central,

onde é localizado o elemento de destaque da cena. Mais especificamente, o tipo de

conjunto apresentado (12 homens em torno de uma mesa, voltados para um décimo

terceiro, ao centro), remete às obras cujo tema é A Última Ceia, tema relacionado à

Bíblia cristã, o que vamos desenvolver no item a seguir. Por fim, dentre as obras

desenvolvidas sobre esse tema na história da pintura, essa obra remete, de um lado,

à “Ultima Ceia” de Leonardo Da Vinci, em relação à qual há várias semelhanças

entre elementos da composição e entre as composições em si, como pode ser

observado comparando as figuras 7 e 9. Remete também à obra de Joanes, (fig 8),

especialmente no que se refere às posições adotadas por cada personagem na

obra.

Mas, Ohlson faz algo de distinto de todas essas obras anteriores, na medida

em que os homens que participam dessa narrativa estão vestidos como mulheres.

Tem-se aí uma continuidade (dada pelos elementos gerais) e uma descontinuidade

(dada pelas singularidades da obra). Trata-se de uma brincadeira ou de um

questionamento político sobre a relação entre a homossexualidade (representada na

obra pelo modo particular como estão vestidos os “apóstolos” e “Jesus”) e a forma

de pensamento difundida pela Igreja Católica11 (essa relação é estabelecida pela

iconografia da Última Ceia). Isso nos leva ao segundo passo da leitura, que trata da

relação entre a imagem e aquilo que ela representa.

4.1.2- Relação entre o signo e o objeto.

Como já descrito anteriormente, as relações entre o signo e o objeto são

divididas em três categorias, chamadas de icônicas, indiciais e simbólicas. Na obra

em questão, a característica predominante é a simbólica, ou seja, a obra se

refere a algo de natureza geral, conceitual, por meio de convenções.

Considerando que as qualidades assinaladas acima são relevantes e

sugerem certas associações por similaridade (icônicas) ou, considerando sua

11

Essa forma de pensamento será explicada no item a seguir.

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29

natureza fotográfica, consequentemente, a relação indicial (que a imagem tem com

o ambiente, as pessoas e os objetos específicos fotografados), fica claro que, para

além dessas relações, a obra representa uma imagem que a Igreja Católica

convencionou chamar de “Última Ceia” ou “Santa Ceia” (uma característica de cunho

simbólico), a alusão a esse símbolo cristão e a necessidade de conhecê-lo para

entender a obra, fazem com que a característica simbólica sobressaia à

característica indicial. As pessoas fotografadas, assim como os demais elementos

da imagem e suas qualidades, colaboram na composição desse símbolo. Não

podemos, porém, desconsiderar que trata-se de uma fotografia, consequentemente,

a característica indicial também torna-se relevante para o sentido da obra. Assim,

segundo seu caráter indicial, a Ultima Ceia de Ohlson, demonstra pessoas que não

estão somente imitando personagens, mas que são homossexuais e estão

assumindo essa postura ao interpretarem o papel de Jesus e seus apóstolos. Além

disso, cabe dizer que, cada pessoa está representada com é, segundo suas

características físicas e individuais, assim como cada objeto disposto e o local onde

a obra foi concebida; para além disso, essas pessoas se encontraram no local

fotografado se vestiram e maquiaram, conforme aparece na imagem, ou seja, essa

obra, diferente da de Da Vinci (icônica), realmente ocorreu da maneira com que foi

registrada.

Para se compreender a natureza simbólica da obra é preciso, primeiro,

compreender a natureza simbólica da Santa Ceia dentro da Igreja Católica. O

caráter simbólico da Santa Ceia ultrapassa qualquer discussão sobre ter havido ou

não tal cerimônia de fato. Quando a Igreja Católica utiliza essa figura junto a seus

fiéis não é meramente para relembrar um fato histórico, mas, para desenvolver nos

fiéis os valores cristãos que lhe são associados, os quais são apoiados na fé. A

“Ultima Ceia” de da Vinci e a de Joanes não fornecem qualquer indício de existência

e, também, não se preocupam se houve ou não esse evento, mas, apoiam-se nos

conceitos e valores construídos pela fé cristã em torno dessa cerimônia; são esse

que se sobressaem à obra.

Além da simbologia cristã, há outra associada, igualmente importante, a

simbologia homossexual. Deve-se observar que, embora composta exclusivamente

por homens, a obra tem um aspecto feminino elevado, seja pelas roupas, as plumas,

penteados, sapatos e acessórios. Essa associação com o feminino é permitida pelos

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30

aspectos convencionais culturais relacionados a esses itens. Associado aos

símbolos e, também, com base em valores culturais, cabe observar que essa junção

entre homens, roupas e acessórios femininos insere no discurso da obra uma

questão de gênero, mais especificamente, o conceito da homossexualidade. Tem-se

aí, portanto, uma segunda relação simbólica: Santa Ceia e homossexualidade são

igualmente conceitos que a obra carrega.

Por fim, conforme já reconhecido acima, a obra remete às obras homônimas

de Leonardo da Vinci e Joanes e, para isso, se apoia, principalmente, em relações

de semelhança entre signo e objeto, portanto, icônicas. Tais relações permitem

encontrar paralelos entre as obras, sem deixar de reconhecer suas particularidades.

O plano de fundo e as paredes laterais da pintura realizada por Da Vinci contavam

com colunas verticais sem qualquer detalhe arquitetônico, as quais estruturavam e

modelavam o cômodo idealizado para a “Ultima Ceia” de maneira sóbria; Ohlson,

em sua obra, aludiu a essa estrutura, mas, inseriu detalhes arquitetônicos por meio

de frisos dourados dispostos verticalmente nas paredes. Além disso, as paredes e o

piso da obra de Da Vinci são brancos e opacos; já as paredes da obra de Ohlson

são de uma tonalidade média de verde e o piso é de madeira envernizada; tanto

piso quanto a parede têm brilho. Comparando visualmente as duas imagens (Figs. 7

e 9) é mais fácil perceber as semelhanças em seus planos de fundo. Ao passo que

comparamos a obra de Ohlson com a de Joanes, encontramos outras semelhanças,

como a posição dos personagens nas obras, o que demonstra claramente que

Ohlson baseou os gestos da maioria deles em Joanes; também com relação ao piso,

a obra de Joanes representa um piso em mosaico de pedra branco e preto, de

maneira a destacar um desenho geométrico de linhas ortogonais em preto definindo

áreas retangulares em branco. Isso é traduzido pela fotógrafa sueca na forma de

tacos de madeira; esses não têm cores branco e preto, mas, seu desenho apresenta

uma configuração geométrica similar à da obra de Joanes. Ao fundo, o pintor

espanhol criou colunas, enquanto Ohlson utilizou de frisos dourados; essas relações

podem ser melhor observadas comparando as figuras 8 e 9. Observa-se que Joanes

parafraseou a obra de Da Vinci, assim existem várias relações icônicas que

apresentam possíveis relações entre as três obras.

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31

Figura 7

Leonardo da Vinci, Ultima Ceia, 1497, afresco, 460x88012

.

Figura 8

Juan de Juanes, The Last Supper, 1560. Óleo sobre painel, 116 × 191 cm13

Figura 9

Reprodução da figura 6

12

Disponível em: <http://viajeconescalas.blogspot.com.br/2011/08/el-cenacolo-vinciano-de-milan.html> Acesso em 20 de fevereiro de 2013. 13

Disponível em: < http://www.artbible.info/art/large/301.html> Acesso em: 23 de fevereiro de 2013

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32

A disposição das pessoas dentro das três obras também é bem semelhante,

elas concentram seis pessoas de cada lado e uma no centro (em destaque), todas

em torno de uma mesa (ou mesas) com toalha branca. A toalha da obra de Da Vinci

e a da obra de Joanes estão formalmente arrumadas, enquanto que a da obra de

Ohlson está disforme. Sobre a mesa, Da Vinci pintou vários pães, pratos e copos

com vinho, Joanes, criou uma composição menos complexa, com alguns pães, uma

taça e um jarro de vinho sobre a mesa, além de duas facas, uma bandeja e um

pequeno vasilhame, aparentemente contendo algum condimento. Ohlson, por sua

vez, dispôs taças, garrafas batatas fritas e plumas; apesar do caráter geral (de leg-

signo) que se apresenta no momento em que separamos os pães e batatas fritas

como alimentos, o vinho e o espumante enquanto bebidas (mais especificamente

alcoólicas), as taças, copos e pratos como utensílios para as refeições, verificando

que esses conjuntos estão presentes nas três as obras, as diferenças (sin-signos)

são importantes, pois os alimentos, bebidas e utensílios da obra de da Vinci e de

Joanes, caracterizam uma cerimônia sóbria, diferentemente dos da obra de Ohlson,

que remetem a um ambiente mais descontraído. A pesar dos elementos presentes

nas obras do século XV e XVI manterem entre si muitas semelhanças e de ambas

interpretarem o mesmo texto bíblico, o modo com que Joanes organiza os

personagens presentes em sua obra, os gestos e a forma com que eles estão

representados, caracteriza um ambiente mais descontraído se comparado ao da

obra realizada por da Vinci; Ohlson parece não só aproveitar essa descontração,

mas, ressaltá-la, não somente pelos elementos dispostos na mesa, mas, também

nas expressões dos modelos fotografados que apresentam um ar menos controlado,

ou ainda mais expressivo.

A figura central da obra de Ohlson se assemelha tanto com a imagem de

Jesus proposta por Joanes e da Vinci, quanto com aquela já bastante difundida em

igrejas e objetos sacros. Na obra de Ohlson e Joanes o personagem Jesus segura,

em sua mão direita, um utensílio de passar maquiagem (algo como uma esponja

branca e circular); a forma do objeto e o modo como ele é segurado lembra bastante

a oferta da hóstia a Deus durante as missas católicas. Na fotografia de Ohlson esse

personagem é o único vestido totalmente de branco, cor que pode ser ligado à

morte, ao nascimento, à pureza, entre outros significados; além disso, é a única

figura que tem barba e pelos nas pernas; somente seus sapatos são pretos e de

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salto alto, o que o associa aos demais personagens (fig. 10). Não há como

afirmarmos a razão exata de haver apenas essa ligação discreta entre esse e os

demais personagens, mas, é certo que isso constitui em mais um elemento de

diferenciação e destaque utilizado pela artista.

Figura 10

Detalhe da figura 6

Enquanto que o primeiro plano da obra de Joanes é composto por um jarro e

uma bandeja, a figura de um cachorro compõe o primeiro plano da obra de Ohlson.

Com base em sua simbologia, o cachorro talvez seja o elemento que permite o

maior número de interpretações. Segundo Chevalier (1986), em várias culturas, o

cão está ligado à vida após a morte, como um companheiro ou um guardião, o que

pode ter alguma relação com o tema da crucificação de Jesus. Mas, cabe lembrar

que em algumas obras do Renascimento o cachorro aparece como um personagem,

mesmo em lugares aparentemente impróprios para os nossos valores atuais, como

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em “O Baile”, de Mestre Mz (Fig. 11), e na “Ultima Ceia” de Tintoretto (Fig. 12), o que

permite situar o cachorro como um signo de ligação entre a obra de Olson e obras

da época do Renascimento, não com características formais, mas, com temas do

classicismo.

Figura 11

Figura 12

O Baile, sem data, Mestre Mz, buril. Fonte:

CASA VOGUE14

.

Detalhe da figura 3

Dadas as semelhanças com a obra de da Vinci e Joanes, apontadas acima,

deve-se considerar que essas duas obras são, também, objetos da obra de Ohlson.

E cabe, ainda, perguntar: por que a relação específica com essas obras? Trata-se

de mera relação formal ou há interesse nos conteúdos dessas outras obras? Essas

são questões desenvolvidas no item a seguir, que trata de relação entre signo e

interpretante.

4.1.3- Relação entre signo e interpretante

Peirce estabelece uma relação entre signo e interpretante classificando-os em

três classes, como já descrito anteriormente neste texto. Talvez, essa seja a relação

mais importante para nosso estudo, pois permite explorar os significados da obra por

meio de ângulos distintos e diferentes pontos de vista histórico-culturais.

De acordo com as classes propostas por Peirce e, também, com a natureza

fotográfica da obra, podemos dizer que se trata de um dicissigno (ou dicente), por

exibir o caráter de existência daquilo que foi fotografado (lugar, pessoas, objetos);

14

Disponível em: <http://casavogue.globo.com/MostrasExpos/noticia/2012/10/renascimento-alemao-no-masp.html>. Acesso em 15 de fevereiro de 2013.

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mas, conforme já consideramos acima, além do caráter existencial, a obra possui

diferentes símbolos (especialmente a sua ligação com o tema da “Ultima Ceia”),

consequentemente, sua classificação como símbolo e como argumento

(interpretante argumental) é sobreposta ao seu caráter de dicissigno.

Segundo Peirce (apud SILVEIRA, 2007, p. 89), “O argumento deve, pois, ser

um Símbolo ou Signo cujo objeto é um Tipo ou Lei Geral”, em outras palavras, o

argumento é um signo ou símbolo que necessita de um prévio conhecimento para

ser interpretado. Além disso, um argumento é um signo do pensamento racional; é

por meio dele que estabelecemos relações entre as coisas e elaboramos

conclusões, desde as mais hipotéticas e que precisam ser investigadas, até as que

orientam as nossas ações futuras.

Ressalta-se, mais uma vez, que a interpretação do signo depende, de um

lado, da convenção prévia e, de outro, do observador; e esse o interpretará de

acordo com suas experiências; essa possibilidade determinada pelo argumento

permite certa liberdade de interpretações para o signo.

Adentrando ao pleno domínio da generalidade do pensamento, qualquer experiência do pensar só pode ser interpretada, [...] como um exemplo da classe geral dos argumentos, já que a experiência de pensar se efetiva em um ato particular com começo, meio e fim, e realizado por um sujeito em um determinado momento e circunstancia que nada têm a ver com a necessidade determinante intrinsecamente do pensamento como representação geral determinada por lei (SILVEIRA,2007, p. 87-88).

Dessa maneira, o observador interpretará a imagem baseando-se no

conhecimento geral adquirido e, também, nas experiências sofridas ao longo da vida

ou apenas observadas; e é nesse espaço de contribuição individual que podem ser

geradas inúmeras interpretações possíveis. Inserem-se aí tanto as contribuições do

artista ao criar a obra quanto as nossas ao lê-la, o que fazemos neste texto.

Uma das características mais marcantes da obra de Ohlson é, de um lado, o

tema da “Ultima Ceia” realizada por pintores do século XV e XVI, de outro, sua

linguagem clássica e, de outro, ainda, sua referência ao tema da homossexualidade.

Essa tripla relação propõe uma ligação entre a ideologia da igreja católica, a

racionalidade clássica e as causas da homossexualidade na contemporaneidade.

Segundo Anthony Kosnik, coordenador do livro “A sexualidade humana”

(1982), em algumas culturas primitivas o homossexual era considerado uma espécie

de xamã ou pessoa santa; já na bíblia, a homossexualidade é considerada como

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pecado contra a natureza15. O livro ainda destaca que, ao longo de todo o Antigo

Testamento, a cidade de Sodoma é reconhecida como símbolo de depravação, tão

grande foi o seu pecado que ela foi merecedora de destruição total; segundo ele, os

padres não tiveram dúvidas de que esse pecado se relacionava com a prática

homossexual, porém, o Antigo Testamento não identifica explicitamente Sodoma por

essa prática.

[...] embora não se possa acusar a Igreja de promover uma implacável perseguição aos homossexuais, devemos admitir que ela contribuiu efetivamente, no plano ideológico, para a perseguição dos homossexuais por parte do Estado. A Igreja tem parte da responsabilidade pela longa história de perseguição civil do comportamento homossexual no Ocidente (KOSNIK, 1982, p. 238)

16.

Entendendo a relação da igreja como adversa à homossexualidade, podemos

interpretar a obra como uma forma de questionamento sobre o motivo e a

pertinência dessa aversão. Segundo o livro “Homossexualidade: Ciência e

consciência” (1998), Santo Agostinho fala que a sexualidade humana está lesada e

adulterada pelo pecado original, enquanto os animais mantêm uma relação “natural”.

Diferentemente da Igreja Católica, a ciência apresenta argumentos para uma

aceitação natural da homossexualidade e a relação entre animais é usada na

argumentação. Na mesma bibliografia citam-se estudos que comprovam o

comportamento homossexual por parte de animais: “Referindo-nos concretamente

aos vertebrados, é preciso afirmar que foram citados inúmeros casos de

homossexualidade em peixes, aves, mamíferos e em nossos parentes mais

próximos, os primatas” (VIDAL M., 1998, p.25-26).

A linguagem clássica usada na obra, por sua vez, leva a refletir sobre a razão

de ter sido eleita pela artista em suas obras. De um lado, conforme reconhecemos

acima, essa é uma linguagem que tem sido usada por outros artistas

contemporâneos com causas semelhantes; de outro, deve estar ligada à intenção de

fazer referência formal à obra de da Vinci, partindo do princípio de que Joanes

também se inspirou em da Vinci. Mas, destaca-se que essa linguagem insere na

obra um elemento de racionalidade, que é importante para o modo como o tema

pretende ser tratado; não por meio do drama barroco, mas, da racionalidade

clássica.

15

Levíticos 18-22; 20,13; Romanos 1,26; 1 Coríntios 6,10; Gênesis19,1-29 16

Por Igreja entende-se a Igreja católica.

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No que se refere especificamente à Ultima Ceia de da Vinci e não a outra

qualquer, podemos supor que a artista estaria considerando a polêmica gerada entre

estudiosos da pintura, de um lado, e a Igreja Católica, de outro, embasada na

suspeita de que da Vinci teria representado Maria Madalena ao lado de Cristo. Não

se pode desconsiderar que a suposta presença de uma figura feminina na obra de

da Vinci, especialmente tratando-se de Maria Madalena, suposta discípula de Cristo,

por vezes, considerada uma pecadora, se reconhecida, dotaria à obra de um

significado especial que a colocaria em confronto com orientações ideológicas da

Igreja Católica, tal como o faz a obra de Ohlson hoje.

A maioria dos historiadores da arte profissionais e especialistas em Leonardo rejeita a ideia de uma mensagem didática codificada de Leonardo na Ultima Ceia sobre Maria Madalena ser a mulher de Cristo e um Santo Graal metamórfico. [...] Carlo Pedretti

17 é um dos muito poucos historiadores

da arte que dá algum crédito a como o personagem da Última Ceia parece feminino. Durante a curiosidade mundial inicial com O código Da Vinci em 2003-4, Pedretti concedeu diversas entrevistas em que, mais do que qualquer outro historiador da arte sério, deixou a porta aberta para a possibilidade de que a figura na Última Ceia fosse uma mulher. Ele nunca falou ou insinuou que era Maria Madalena. Mas ao conceder certa dose de ambiguidade em relação ao gênero da pessoa sentada a direita de Jesus, ele disse muito (BURSTEIN & KEIJZER, 2006, p.245).

Lembra-se que o best saller “O Código Da Vinci” foi publicado depois da

realização da obra de Ohlson, porém, esses estudos sobre a figura considerada

como João na obra de da Vinci ser, na realidade, uma mulher, são mais antigos.

Ao olharmos para a obra de Ohlson, fazemos, quase que instantaneamente,

uma relação com a Ultima Ceia idealizada por Leonardo da Vinci, porém, ao estudar

mais a fundo, percebe-se a relação com a obra do pintor valenciano, Juan de

Joanes; essas associações permitem a artista um modo de dizer que o tema,

mesmo polêmico e famoso, como a obra de da Vinci, e conhecido pela grande

maioria das pessoas, faz referência direta à algo que esta encoberto, algo menos

conhecido, como a obra de Joanes.

Independente dessas questões, convém avaliar a perseguição sofrida pelos

homossexuais, causada, não somente, mas também pela igreja católica. Diante

dessa realidade, Ohlson encontra uma forma de questionar sobre a igualdade entre

as pessoas, independente de crença ou opção sexual, submetendo o observador a

17

Os autores desse livro citam que Carlo Pedretti é, provavelmente, o maior especialista vivo em Leonardo da Vinci (p.245).

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perguntar-se: Por que, no lugar de apenas homens, não pode haver, também,

mulheres ou homossexuais? Não são eles, também, dignos de participarem dessa

cerimônia? Levando em consideração que, mesmo a cena descrita na bíblia se

referido apenas a homens, a igreja católica prega a igualdade18. Então, por que não

representá-la de outras maneiras? Por que isso choca?

No primeiro plano da obra de Ohlson, como apontado acima, a figura de um

cachorro se faz presente. Essa figura é lembrada sempre como o “melhor amigo do

homem”; e uma das possibilidades para entendermos a sua presença nessa cena,

além das levantadas acima, é que esteja presente para demonstrar justamente essa

relação afetiva, independente das condições humanas; ele pode se apresentar como

amigo fiel, ou, por estar dando as costas aos personagens, como um abandono à

fidelidade.

Em síntese, uma importante consideração a fazer sobre a obra é que, após

toda a contribuição que houve, por parte da igreja, para com a discriminação dos

homossexuais, a artista propõe uma espécie de “brincadeira”, usando de um dos

maiores símbolos católicos, usado normalmente para controle moral de seus fiéis,

e da liberdade de expressão que temos hoje, para questionar e, ao mesmo tempo,

satirizar a opinião propagada contra a homossexualidade.

Essas são apenas algumas das possíveis interpretações sobre a obra, as

quais procuramos desenvolver por meio de um pensamento racional, ou seja,

sempre relacionando nossas conclusões com elementos que a própria obra

apresenta. Lembramos mais uma vez que elas têm caráter hipotético e que outras

pessoas poderão interpretar de maneira diferente, contribuindo com sua bagagem

de conhecimentos para o diálogo com a obra.

18

Deutoromônios 1:17

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39

5.0- Conclusão

Após toda a análise e discussão, percebemos que muitas vezes uma obra de

arte ganha uma dimensão muito grande por meio dos seus detalhes e alusões a

ideias presas em nossas mentes, um caminho que foi e continua sendo trilhado

pelos artistas como forma de induzir o observador a um questionamento.

Inicialmente foi um tanto complicado analisar essa obra, pois, mesmo estando

claras suas relações, ela escondia e ainda esconde muitos significados; a artista

conseguiu passar variadas possibilidades de interpretação, de acordo com

combinações de elementos e, também, remetendo a outras obras, de outros

períodos, onde a sociedade pensava de maneira bem diferente da atual. Quando

realizamos uma análise mais profunda, como a apresentada, percebemos todos

esses detalhes e notamos que a obra vai além do que nós observamos com olhos

mais ingênuos, que a artista consegue propor diferentes formas de pensar e de

discutir sobre determinado tema apenas pela forma de relacionar os elementos

contidos na obra. Esses detalhes, que muitas vezes passariam despercebidos,

transformam a obra e a resignificam para o observador atento.

Essa ideia reforça a importância da análise de obras de arte por meio de

teorias, como a proposta por Peirce, e reforça também a necessidade do artista

conhecer métodos de interpretação, tendo-os como novas fontes de transmissão de

ideias e ideais intrínsecos a obras de arte, um meio de expressão que pode ser

explorado sutil ou explicitamente em uma obra, uma arma a mais para o artista

demonstrar e propagar seus pensamentos.

De um modo geral, essa pesquisa afirma, ainda mais, a força da arte

enquanto meio de modelagem do pensamento e do caráter humano, seja do artista

ou do observador, e expõe ainda mais a necessidade que o homem tem de fazer

arte para se expressar.

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40

6.0- Referências

BÍBLIA, Portugues. Bíblia Sagrada. 19.ed. Tradução dos originais mediante a

versão dos Monges de Maredsous (Bélgica) pelo Centro Bíblico Católico. São Paulo:

Ave Maria. 1972. Edição Claretiana

BROWN, Jonathan. Pintura da Espanha 1500-1700. São Paulo: Cosac & Naify,

2001

BURSTEIN D.; KEIJZER A. A Verdadeira História de Maria Madalena. Rio de

Janeiro: Ediouro, 2006

CARVALHO CORREIA, Cláudio Manoel de. Fundamentos da Semiótica Peirceana.

disponível em: <http://www.filologia.org.br/>, acesso em 23 de fevereiro de 2013

CHVALIER. Jean. Diccionario do los Símbolos. Barcelona: Editorial Herder, 1989

ECO, Umberto, Como Se Faz Uma Tese. 23 ed. São Paulo: Perspectiva, 2010.

___________. Obra aberta. 9 ed. São Paulo: Perspectiva, 2001. FABRIS, Annateresa. O Claissicismo nas Artes Plásticas In: GUINSBURG, Jacó. (Org.). O Classicismo. São Paulo: Perspectiva, 1999, p. 263-291. GHIZZI, Eluiza Bortolotto. Introdução À Leitura da Imagem: Uma perspectiva embasada na Semiótica Geral de C. S. Peirce. Texto de apoio didático da disciplina leitura da imagem do DAC. Campo Grande - MS. 2010 GOMBRICH, E. H. A História da Arte. 16 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1993 HOUSER, Arnold. Historia social de la literatura y del art. 14 ed. Punto Omega, 1978 KOSNIK, Anthony; WILLIAM, Carroll; CUNNINGHAM, Agnes; MODRAS, Ronald; SCHULTE, James. A Sexualidade Humana: Novos rumos do pensamento católico americano. Petrópolis –RJ: Vozes, 1982. LUCIE-SMITH, Edward. Os movimentos artísticos a partir de 1945. São Paulo: Martins Fontes, 2006 NEIVA JR, Eduardo. A Imagem. São Paulo: Ática, 1986. PANOFSKY, Erwin. Significado nas Artes Visuais. 3 ed. São Paulo: Perspectiva, 2002. SANTAELLA, Lúcia. O Que é Semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983. ____________; NÖTH. W. Imagem: cognição, semiótica, mídia. 4 ed. São Paulo - SP: Iluminuras. 1998.

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SILVEIRA, Lauro Frederico Barbosa da. Curso de Semiótica Geral. São Paulo – SP: Quartier Latin. 2007 VIDAL, Marciano. et al. Homossexualidade: ciência e consciência. 4ed. São Paulo: Loyola. 1998