szwako movimentos sociais

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    DICIONRIO BSICO DE SOCIOLOGIA

    Global Editora

    Francisco M. P. Teixeira, coord.

    MOVIMENTOS SOCIAIS (2 v., maro 2011)

    (Trabalho em andamentofavor no citar!!)

    O debate ao redor dos movimentos sociais vem percorrendo umcaminho terico bastante rico, em particular no que diz respeitoao acmulo de conhecimento emprico e ao refinamentoconceitual. Embora tenham sido objeto de interesse e deinspirao em fins do sculo XIX para autores como GabrielTarde e Gustav Le Bon, as formas de contestao e de agitaosocial ganharam estatuto e espao prprios nos domnios daSociologia apenas em meados dos anos 1970. diferena deantecessores imediatos, as vertentes explicativas ps-60 deram osprimeiros contornos dessa subrea sociolgica ao deixar dedefinir os movimentos sociais a partir daquilo que elessupostamente no eram (racionais) ou daquilo que seus sujeitosseriam em negativo (desmobilizados ou frustrados). Contra essapostura, as formas de protesto e ativismo social passaram a ser

    interpretadas em funo daquilo que seus promotores traziam apblico: os indivduos que protestam so racionais e tminteresses; suas bandeiras encerram concepes do que deve sera vida em sociedade; alguns indivduos se organizam emmovimentos sociais e estes agem pblica e coletivamente.Enfatizar uma ou outra parte dessas proposies, assim comoatribuir um significado especfico a esses termos aparentementesimples, tarefa incontornvel para qualquer investigao das

    formas e prticas de mobilizao social.

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    O rompimento com uma viso negativa dos movimentos sociaisfoi induzido pelos temas e lemas levantados por uma constelaode discursos e aes contraculturais. O ambientalismo, a lutapelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, o feminismo

    em vrios pases do mundo, os discursos pacifistas contra aGuerra Fria e mesmo a descolonizao africanatodos essesprocessos e protestos transformavam o quadro poltico-culturaldas dcadas de 1960 e 70, ao mesmo tempo em que apresentavamum desafio aos esquemas de interpretao que, ao invs de lhesdefinir negativamente, passaram a inquirir seus pressupostos ebases sociais, seus vnculos e estratgias, suas ideologias e meios,suas conquistas e efeitos. Frente a questes como essas, trs

    matrizes delimitaram as interpretaes consagradas dos estudosde movimentos sociais: a teoria da mobilizao de recursos(TMR) e a teoria do processo poltico (TPP) nos Estados Unidos,e a chamada teoria dos novos movimentos sociais (TNMS) deorigem europeia.

    Nos Estados Unidos, os nomes de John McCarthy e Mayer Zaldso centrais no estabelecimento da chamada teoria da mobilizao

    de recursos (TMR). Segundo essa matriz, a lgica dosmovimentos sociais seria igual ou muito semelhante de qualquergrupo de interesse: uma lgica utilitria orientada para amaximizao e conquista de benefcios. A base para aperseguio de tais benefcios organizacional e, nela, importa oacmulo de recursos de vrios tipos que possibilitam e promovema ao coletiva. Uma vez dotados de recursos materiais infra-estruturais, tcnicos e humanos suficientes, os movimentos

    sociais operariam meramente segundo uma razo econmica,como em um mercado no qual entram em concorrncia empresasburocratizadas chamadas de organizaes de movimento social.

    Estas, por sua vez, so lideradas no por militantes, mas porprofissionais que disputam clientes, espao, legitimidade ebenefcios.

    Outra matriz fundamental nos estudos de movimentos sociais,tambm nos Estados Unidos, a chamada teoria do processopoltico (TPP). Seus principais expoentes so Charles Tilly,

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    Sidney Tarrow e Doug McAdam, cuja orientao comum depesquisa se distingue pela sua forte sensibilidade histrica e pelorecurso a explicaes de cunho macrossociolgico.Diferentemente da TRM, a ao coletiva no explicada a partir

    do interesse individual e dos possveis lucros alcanados atravsdas organizaes. A ao coletiva entendida atravs dosconflitos desenrolados entre os desafiadores (challengers) e osmembros da politeia (polity), atores polticos, partidrios eadministrativos, que detm acesso a e controle sobre recursos queso os alvos de determinada reivindicao. Na vertente da TPP,estruturas de oportunidade, repertrios de ao e confrontopoltico so noes centrais para a explicao da ao coletiva.

    As matrizes da TMR e da TPP permaneceram por longo tempoausentes da agenda latinoamericana de pesquisa, notadamenteinspirada na matriz europia de pensamento mais conhecida comoteoria dos novos movimentos sociais (TNMS). Os principaistericos dessa matriz so o francs Alain Touraine, o alemoJrgen Habermas e o italiano Alberto Melucci, mas seria possvelsituar ao lado deles sobrenomes como Claus Offe e Klaus Eder.

    Apesar de no formarem um consenso forte, as teses centrais daTNMS atravessam as obras de Touraine, Habermas e Melucci,partindo da constatao de uma mudana histrica: desde asegunda metade do sculo XX, as transformaes macrossociaisalavancadas pelo capitalismo tardio deram forma a uma

    sociedade na qual o mundo do trabalho deixa de ser o terrenoprivilegiado da expresso dos conflitos, que passam a eclodir nomundo da cultura. Se nas sociedades industriais, o movimento

    operrio encarnava as reivindicaes de classe, nas sociedadesps-industriais contemporneas, os novos movimentos sociaisencarnam identidades, estilos de vida e concepes de mundo. Aofalar dos novos movimentos, a TNMS est tratando basicamentedo pacifismo, do feminismo, do ambientalismo e do movimentoestudantil na Europa ocidental das dcadas de 1960 e 70. Anovidade neles deve ser entendida em duplo sentido: eles so

    novos em relao a antigos movimentos com acentuado carter de

    classe e tambm nova sua funo defensiva, empenhada emdefender os laos sociais e ntimos frente s formas de controle e

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    de administrao burocrtica da vida. diferena da TMR e daTPP, esses discursos no partiriam de interesses egostas etampouco a politeiaa arena poltico-institucional - seria suazona de interao. Antes, no campo da cultura que se realiza o

    potencial emancipatrio dos novos movimentos, atravs dosconflitos e tenses sociais eclodidos por suas lutas, ideologias eidentidades.

    No contexto brasileiro, a segunda metade da dcada de 1970 viunascerem as interpretaes dos chamados movimentos urbanos,fortemente marcadas pelo debate com o marxismo acadmico.Junto da multiplicao de novos atores e formatos associativos

    que entramem cena no Brasil de fins dos 1970 e da dcadaseguinte, a bibliografia tambm se multiplicou e passou a incluir,especialmente ao lado do nome de Touraine, pensadores comoClaude Lefort, Agnes Heller, Cornelius Castoriadis e HannahArendt, dentre vrios outros. Paulatinamente a nfase nascontradies socioespaciais perdeu espao para uma interpretaomais voltada para a capacidade dos atores populares e tambmdos movimentos de negros e de mulheres. Nesse registro,

    cidadania, identidade, e, sobretudo, autonomia passaram ocuparposio central no discurso dos movimentos e tambm na pautadas Cincias Sociais brasileiras. Utilizando-se das mesmascategorias, mas atribuindo-lhes sinais distintos, poca seopuseram dois plos interpretativos: de um lado, tal comoadvogava parte da TNMS, a novidade vista na autonomia dos

    movimentos era celebrada e congelada, como se sua relao comatores estatais e partidrios implicasse necessariamente em modos

    de clientelismo e cooptao; de outro lado, o alcance e o carterpoltico dos movimentos eram questionados, alegando que seupotencial era pouco inovador porque os movimentos sociaisseriam supostamente fragmentrios ou, no mximo, de alcancelocal.

    A essa polarizao terica seguiu-se, nos anos 1990, um perodode relativo desencanto com respeito aos movimentos que, nocontexto de normalidade democrtica, teriam sado de cena, ou

    seja, estariam desmobilizados, em refluxo ou mesmo mortos.

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    Nessa mesma dcada, Habermas e Melucci passam a inspirarfortemente a Sociologia brasileira, ento menos dedicadapropriamente aos movimentos sociais, e mais preocupada com achamada nova sociedade civil e, nela, com a construo de

    identidades e de arenas pblicas de deliberao, a exemplo dosconselhos e espaos participativos.

    Herdeira do debate transcorrido durante os anos 1980, outra parteimportante das pesquisas brasileiras refinou a compreenso dopapel dos movimentos sociais nos cenrios de redemocratizao:segundo essa viso, os movimentos no so grupos internamentehomogneos e sequer essencialmente democrticos, mas, muito

    antes, atravs de suas teias de aes e de relaes com o tecidoinstitucional e com a sociedade como um todo, eles encerrampotencial poltico e cultural transformador. Ao dar ateno aosprojetos polticos e s estratgias dos movimentos, a perspectivada chamada construo democrtica conseguiu deslindar nveis dedemocratizao negligenciados, ou simplesmente ignorados, porchaves interpretativas baseadas em concepes restritas dedemocracia e de poltica.

    As tendncias mais recentes nos estudos de movimentos sociaisapontam para uma tentativa de explorar a tenso advinda daaproximao entre algumas ideias da TNMS e os nomes de Tillye de Tarrow, e ainda para a boa recepo desses dois ltimos nasCincias Sociais brasileiras. Atualmente, os usos da emoo, oacesso a novas tecnologias, a atuao de militantes em redestransnacionais e a possibilidade de uma esfera pblica

    internacional tm tambm chamado a ateno dos pesquisadores.Do ponto de vista metodolgico, a interface entre CinciaPoltica, Sociologia e Antropologia tem enriquecido os mtodosde investigao que vo desde as formas consagradas de protesto,passam por redes virtuais de mobilizao e por inovaesinstitucionais participativas, chegando intimidade dos gabinetesparlamentares. Alm disso, a literatura especializada demonstrauma atitude de cautela que abre mo de uma teoria geral dos

    movimentos e se assenta no uso conjugado de categorias e

    mtodos parciais, mais adequados s nuances internas dos

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    movimentos e aos ambientes nos quais eles agem e interagem.Menos que designar um tipo modesto de explicao, esse usoconjugado responde a vontade de iluminar, dentro de uma vastagama de processos e eventos, as mediaes e os mecanismos

    operantes entre atores, discursos, estratgias, reivindicaes,resultados e contextos polticos muito distintos. Essa posturapretende contornar as polarizaes de debates e pressupostosanteriores que, no nvel da discusso entre as vertentes europeia eestadunidense, levavam a uma oposio infrutfera entre o carterestratgico dos movimentos sociais e o seu potencialemancipatrio, e que, no Brasil, levavam a uma forosa escolhaentre a celebrao terica dos movimentos e a sua diminuio

    poltica.

    (Jos Szwako)

    RemissesSociedade, Poltica, Clientelismo.

    Referncias

    ALVAREZ, S.; DAGNINO, E.; ESCOBAR, A. (orgs.). Cultura epoltica nos movimentos sociais latino-americanos: novas leituras.Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2000.

    GOHN, M. G. Teorias dos movimentos sociais. Paradigmasclssicos e contemporneos. So Paulo, Edies Loyola, 2edio, 2000.

    MCADAM, D.; McCARTHY, J. D.; ZALD, M. (eds).Movimientos sociales: perspectivas comparadas. Madri, Istmo,1999.

    SADER, E. Quando novos personagens entram em cena. Rio deJaneiro, Paz e Terra, 1988.

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    TARROW, S. El Poder en Movimiento. Los movimientossociales, la accin colectiva y la poltica. Madri, Alianza, 1997.

    Fmpt, sbs, 03/03/2011