sumÁrio summary · nara medianeira stefano, leoni pentiado godoy evaluation of financial and...
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Políticas sociais no Brasil pós Plano Real 1
Rafael Moraes, Róber Iturriet Avila, Stefano José Caetano da Silveira
Ecossocioeconomia das organizações: gestão que privilegia uma outra economia 17
Carlos Alberto Cioce Sampaio, Ivan Sidney Dallabrida
Comunidade, ética e economia ecológica: reflexões sobre o modo de vida da morada da paz 35
Rogério Ferreira Teixeira
Estratégia de Produção: foco, aprendizagem e sua relação com a execução da estratégia de negócios 47
José Vicente Bandeira de Mello Cordeiro
Descrição do processo produtivo da carne orgânica: pontos fortes e pontos fracos 61
Diego Gilberto Ferber Pineyrua, Anaglis Lucati
Automação bancária x atendimento pessoal: a preferência dos clientes em Curitiba 73Leide Albergoni, Cristiane Pereira
Análise da qualidade percebida em uma organização de serviço 89Nara Medianeira Stefano, Leoni Pentiado Godoy
Avaliação de resultado financeiro e não financeiro na perspectiva do consumidor: aplicação no varejo de serviço 99
Eliane Cristine Francisco Maffezzolli, Paulo Henrique M. Prado
Saúde e segurança no meio ambiente do trabalho como garantia constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado 117
Rafaela Luiza Pontalti Giongo, Renata Cristina Pontalti Giongo
Estatuto da criança e do adolescente: 19 anos de subjetivações 133Mário Luiz Ramidoff
Indicadores para avaliar a responsabilidade social nas instituições de ensino superior 145
Gilmar José Hellmann
Amicus Curiae: instituto processual de legitimação e participação democrática no judiciário politizado 157
Luana Paixão Dantas do Rosário
SUMÁR IO SUMMaRy
Social Policies in Brazil post-Real period 1
Rafael Moraes, Róber Iturriet Avila, Stefano José Caetano da Silveira
Eco-social economics of organizations: management that privileges another economy 17
Carlos Alberto Cioce Sampaio, Ivan Sidney Dallabrida
Community, ethics and ecological economy: reflections about morada da paz’s way of life 35
Rogério Ferreira Teixeira
Operations strategy: focus, learning and their relation to business strategy execution 47
José Vicente Bandeira de Mello Cordeiro
Description of the production process of organic meat: strong points and weak points 61
Diego Gilberto Ferber Pineyrua, Anaglis Lucati
Banking automation x personal services: Curitiba’s clients preference 73Leide Albergoni, Cristiane Pereira
Analysis of perceived quality in a service organization 89Nara Medianeira Stefano, Leoni Pentiado Godoy
Evaluation of financial and non-financial result in the perspective of the consumer: applied to service retail 99
Eliane Cristine Francisco Maffezzolli, Paulo Henrique M. Prado
Health and security in the work environment as constitutional guarantee to the ecologically balanced environment 117
Rafaela Luiza Pontalti Giongo, Renata Cristina Pontalti Giongo
Statute of the child and adolescent: 19 years of subjectivations 133Mário Luiz Ramidoff
Indicators to assess social responsibilities in colleges 145Gilmar José Hellmann
Amicus Curiae: institute procedural legitimacy the democratic participation in politicizad judiciary 157
Luana Paixão Dantas do Rosário
FAE Centro UniversitárioCuritiba, v.12, n.2, jul./dez. 2009 - ISSN 1516-1234
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Revista da FAE. n.1/2, jan.dez. 1998 – Curitiba, 1998 –v. 28cm. Regular
SemestralSubstitui ADECON: revista da Faculdade Católica de
Administração e Economia.ISSN 1516-1234
1. Abordagem interdisciplinar do conhecimento. I. Centro Universitário Franciscano do Paraná.
CDD - 001
Circulação: Janeiro de 2010
Revista da FAE
Apresentação
Prezados leitores,
A FAE Centro Universitário tem o imenso prazer de colocar à comunidade acadêmica mais um
volume da Revista da FAE.
A Revista da FAE, existente desde 1998, é um espaço para divulgação da produção científica e
acadêmica de temas multidisciplinares, que enfoca, principalmente, as áreas de administração,
contabilidade, economia, direito, engenharia, educação, sistemas de informação, psicologia e filo-
sofia, com o intuito de discutir o posicionamento das organizações e o desenvolvimento local.
Nesta edição, o leitor terá a oportunidade de desfrutar de temas que abordam diferentes
aspectos da economia: uma retrospectiva e análise de políticas sociais no Brasil pós Plano
Real, uma reflexão sobre a contribuição de uma alternativa (ecos) socioeconômica que dê
conta das insuficiências observadas nos modelos do utilitarismo econômico e do darwinismo
social, e um ensaio de investigação sobre as dinâmicas socioeconômicas ambientais e o modo
de vida da Comunidade Morada da Paz (CMP).
Contemplando o enfoque da administração, a revista nos saúda com um estudo de caso em
uma empresa do setor de autopeças na Região Metropolitana de Curitiba sobre estratégia de
produção com foco no processo de aprendizagem e sua relação com a educação de estratégia
de negócios. Paralelamente a esta linha, uma outra abordagem descritiva acerca do processo
produtivo da pecuária orgânica, destacando os pontos fortes e fracos.
Corroborando com a importância e participação do setor de serviços na composição da nova
economia, temos a oportunidade de conhecer o resultado de uma pesquisa de campo realizada
nas cinco maiores instituições bancárias de Curitiba, na qual elabora-se uma comparação
entre a preferência e a satisfação dos clientes, em relação ao atendimento automático. Ainda,
o resultado de um estudo realizado em uma empresa localizada no Rio Grande do Sul sobre
análise da qualidade percebida em uma organização de serviço; o tema é complementando
por um artigo que enfatiza a importância do desenvolvimento de uma avaliação de resultado
financeiro e não financeiro na perspectiva do consumidor em varejo de serviço.
Voltando-se para área de humanas, os artigos discorrem sobre a temática do direito do traba-
lhador de exercer sua atividade laborativa em um meio ambiente de trabalho saudável e seguro;
uma retrospectiva sobre os avanços práticos e significativos nos 19 (dezenove) anos de instala ção
do Estatuto da Criança e do Adolescente; uma síntese do conceito de responsabilidade social,
passando do entendimento empresarial ao âmbito universitário, assim como, a necessidade
de se utilizar indicadores para avaliar a Responsabilidade Social nas insti tuições de ensino
superior. Finalmente, uma demonstração por meio de uma abordagem dialética, de que o
Amicus Curiae é um instrumento processual de participação e legitimação democrática.
Mais uma vez, esperamos e desejamos que os assuntos aqui tratados e desenvolvidos
pelos autores tenham apresentado uma contribuição no conhecimento individual de cada
um de nós, e com isso, promovido reflexões e mudanças no ambiente interdisciplinar em
que atuamos e vivemos.
PAZ E BEM!
Frei Nelson José Hillesheim, ofm
Editor
Revista da FAE
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.1-15, jul./dez. 2009 | 1
Políticas sociais no Brasil pós Plano Real1
Social Policies in Brazil post-Real period
Resumo
A intenção deste artigo é analisar os fundamentos das principais políticas públicas sociais no Brasil no período pós-Plano Real, bem como seus resultados apurados através da dinâmica da distribuição de renda. Dado que a manutenção da política macroeconômica conservadora durante todo o período inviabilizou aumentos consideráveis nos repasses para as referidas políticas sociais, a análise centralizou-se mais no perfil dos gastos que em seu montante. Com base neste fundamento, o artigo se divide em dois sub-períodos: um de políticas sociais universais (1994-2000) e outro de políticas sociais focalizadas (2001-2008). É debatida, adicionalmente, a capacidade de tais políticas aprofundarem a redução da desigualdade de renda no que toca o conflito capital/trabalho.
Palavras-chave: políticas públicas; distribuição de renda; programas sociais.
Abstract
This paper aims at analyzing the fundamentals of the main social public policies carried out in Brazil during the post-Real period. We also explore the results of such policies in terms of income distribution. Since the maintenance of orthodox macroeconomic policies during the period barred significant increases in social policy funding, the analysis focuses more on the profile than on the absolute amounts of expenditures. Towards this objective, the analysis is divided in two sub-periods: one of universal social policies (1994-2000) and another of focused social policies (2001-2008). It is discussed, in addition, the ability of these policies to further reduce the income inequality regarding the conflict capital / labor.
Keywords: public policies; income distribution; social programs.
1 O presente artigo foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq – e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes. Agradecemos ao Prof. Dr. Fernando Ferrari Filho pelas críticas e sugestões, assumindo a versão final como de nossa exclusiva responsabilidade.
* Mestrando em Economia do Desen volvimento (UFRGS). E-mail: [email protected]
** Mestrando em Economia do Desenvolvimento (UFRGS). Professor substituto na Universidade Federal do Rio Grande – FURG. E-mail: [email protected]
*** Mestrando em Economia do Desenvolvimento (UFRGS). Técnico em computação da Companhia de Processamento de Dados do Estado do Rio Grande do Sul (PROCERGS). E-mail: [email protected]
Rafael Moraes* Róber Iturriet Avila**Stefano José Caetano da Silveira***
2 |
Introdução
Com a estabilização dos preços conquistada com o
Plano Real, a distribuição de renda no Brasil viveu uma
fase de maior equalização. Todavia, após a superação
do efeito da queda da inflação, a referida repartição
da renda manteve-se estável até o ano 2000, quando
iniciou uma nova fase no caminho da diminuição de sua
concentração. Tal situação pode ser referendada pelo
gráfico do Índice de Gini2, que reflete basicamente a
distribuição do rendimento domiciliar per capita.
Subdividindo o período entre a fase de estabilidade
e a fase de melhora na distribuição da renda, respec-
tivamente 1995-2000 e 2001-2008, notamos que houve
uma relevante alteração no perfil das políticas sociais
implementadas de um período para outro.
GRÁFICO 01 - ÍNDICE DE GINI NO BRASIL - 1995-2007
1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Ano
0,61
0,6
0,59
0,58
0,57
0,56
0,55
0,54
0,53
0,52
FONTE: IBGE (2009c)
NOTA: Não existem dados para os anos de 1994 e 2000.
Entre 1994 e 2000, durante os seis primeiros
anos do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC),
a prioridade apresentada para a política social foi
a universalização do acesso à saúde e à educação
fundamental (DRAIBE, 2003). O governo considerava
estes setores como imperiosos para a melhoria da
qualidade de vida, bem como para o acesso à renda
das camadas mais pobres da população. Entretanto,
2 O Índice de Gini mede o grau de desigualdade existente na distribuição de indivíduos segundo a renda domiciliar per capita. Seu valor varia de zero, quando não há desigualdade, a um, quando a desigualdade é máxima – apenas um indivíduo detém toda a renda da sociedade (MDA, 2004).
este período ficou marcado pela contradição entre a
política macroeconômica estabelecida – principalmente
por seu caráter conservador, com controle dos níveis
inflacionários – e a viabilidade dos programas sociais
propostos.
Na busca da universalização dos serviços sociais,
como saúde e educação, a união optou pela descen-
tralização de responsabilidades. A péssima condição
financeira de estados e municípios, no entanto, repre-
sentava importante entrave na melhoria destes serviços.
Por seu turno, o Governo Federal vinculava os repasses de
programas sociais ao equilíbrio financeiro de seus entes
federativos, o que, dadas as condições acima expostas,
fazia com que poucos conseguissem acessar tais recursos
e desenvolver seus projetos (FAGNANI, 1999).
A partir de 2001, o governo alterou sua política
de enfrentamento aos problemas sociais, através da
criação de programas focalizados na transferência direta
de renda às famílias carentes. Embora nos exercícios
de 2001 e 2002 os mesmos tenham sido residuais e
setorizados, entre 2003 e 2005 estes programas sociais
foram ampliados e unificados no Bolsa Família (ARBIX,
2007). Neste período, a despeito da manutenção da
política econômica conservadora, o governo logrou
obter melhoria na distribuição da renda, conforme se
observa no gráfico 1.
Posto isto, a intenção do presente artigo consiste em
analisar as políticas públicas sociais no período pós-Plano
Real, seus resultados imediatos, bem como seus limites
e problemas. Para tanto, são utilizados dados extraídos
da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios até o
ano de 2007 (IBGE, 2009c), além de séries históricas de
índices de distribuição de renda publicadas pelo Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada. A partir destes dados,
o trabalho propõe duas avaliações paralelas. A primeira
parte do comportamento do Índice de Gini ao longo
do período estudado. Visando entender a aceleração da
melhora na distribuição de renda a partir de 2000, a
segmentação se centra no formato das políticas sociais
e não em seus montantes de recursos empenhados.
Tal opção foi feita considerando a segunda análise que
Revista da FAE
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.1-15, jul./dez. 2009 | 3
norteia este estudo, qual seja, o posicionamento das
políticas sociais no interior da política macroeconômica
global durante o período pós-Plano Real. Desta forma,
objetiva-se explicar como as políticas sociais passaram
a apresentar melhores resultados no que tange à
desigualdade da distribuição de renda, a despeito de
poucas alterações no modelo de condução das políticas
macroeconômicas.
No intuito de atender aos objetivos acima elen cados,
o presente artigo está estruturado da seguinte maneira:
inicialmente é realizada a apresentação dos programas
sociais brasileiros estabelecidos após a implantação do
Real como moeda – em 01 de julho de 1994 – dividindo-os
em dois períodos distintos: de 1994 até 2000 e de
2001 até 2008, enfocando seus objetivos iniciais e
procurando responder se os mesmos foram atingidos.
Segue analisando o Programa Bolsa Família (PBF), por
ser o programa de distribuição de renda do período
pós-Real de maior destaque, principalmente no que toca
ao número de famílias atingidas. No final, contrapõe
o comemorado sucesso da redução da desigualdade
de renda através de uma singela apresentação de sua
distribuição funcional. Em outras palavras, o artigo
instiga um debate que visa entender até que ponto
as políticas sociais estão realmente reduzindo a
disparidade entre os detentores de rendas do capital e
do trabalho no país.
1 Queda da desigualdade de renda
no período pós-Plano Real
Ao longo dos anos em análise, o dado de desi-
gualdade de renda do Brasil obteve considerável
melhora. O gráfico 1 retrata esta evolução através do
Índice de Gini. Entre 1994 e 2007, o índice caiu 7,85%.
Há que destacar, no entanto, que entre 2001 e 2007 o
mesmo caiu 6,91%. Desta forma, é possível concluir que
praticamente toda a queda da desigualdade entre os
indivíduos se deu neste intervalo.
GRÁFICO 02 - PROPORÇÃO DOS DOMICÍLIOS COM RENDA DOMICILIAR PER CAPITA INFERIOR A LINHA DE POBREZA E NA INDIGÊNCIA
1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Ano
40
35
30
25
20
15
10
5
0
%
Indigentes
Pobres
FONTE: IPEA (2009)
NOTA: Este corte analítico considera o consumo que satisfaça os requisitos nutricionais mínimos. Também referido como aquele com renda familiar per capita igual ou inferior a 50% do salário mínimo, sendo indigente menor igual a 25% do salário mínimo. A metodologia completa encontra-se no Ipedata. Não existem dados para os anos de 1994 e 2000.
Para esmiuçar tal evolução, pode-se analisar o com-
portamento da participação da renda de acordo com os
cortes por decis. Neste interregno, a fatia destinada aos
10% mais ricos apresenta queda de 8,4%; também com
destaque para o período pós 2001 (IPEA, 2009a).
No mesmo sentido, houve incremento na parti-
cipação na renda dos 10% mais pobres (primeiro decil),
que obteve elevação de 24,61% de participação na
renda. Comportamento semelhante foi observado nos
segundo, terceiro e quarto decis.
Outra análise que revela esta alteração social vigente
no país se dá pela proporção de domicílios considerados
pobres. Nota-se que, desta vez, a queda se destacou a
partir de 2003, quando a faixa dos domicílios abaixo da
linha da pobreza passou dos 34% vigentes desde 1995
para menos de 25% (IPEA, 2009a).
Impõe-se, portanto, a averiguação dos fatores
responsáveis por tais alterações ocorridas a partir de
2001 e de 2003. Dentre eles, destacam-se o programa
Bolsa Família3 e a variação real do salário mínimo. De
acordo com levantamento da Pesquisa Nacional por
3 Um terço da melhoria na distribuição de renda advém de transferências governamentais, sendo que 19% do total pode ser atribuído ao Bolsa Família, de acordo com IPEA (2009).
4 |
Amostra de Domicílios de 2005 (IBGE, 2009c), 8,9%
do PIB é representado por aposentadorias e pensões,
as quais possuem aderência com a variação do salário
mínimo, o que ocasiona uma forte relação entre o
aumento do salário mínimo e a redução da desigualdade
de renda.
GRÁFICO 03 - SALÁRIO MÍNIMO REAL JUL./1994 – FEV./2009
1994
.07
1995
.05
1996
.03
1997
.01
1997
.11
1998
.09
1999
.07
2000
.05
2001
.03
2002
.01
2002
.11
2003
.09
2004
.07
2005
.05
2006
.03
2007
.01
2007
.11
2008
.09
500
450
400
350
300
250
200
150
100
50
0
FONTE: IPEA (2009)
NOTA: Série em reais (R$) constantes do último mês, deflacionando-se o salário mínimo nominal pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do IBGE.
Como é possível perceber, a partir de 2000 a
variação do salário real passou a ser mais significativa
e persistente, porém, ao longo de 2001 e 2002 ela
foi corroída. A alteração de 2003 deve ser acentuada,
merecendo destaque, ainda, os anos de 2005 e 2006.
De acordo com Dedecca, Jungbluth e Trovão (2008), a
variação do salário mínimo tem impacto forte no terceiro
e quarto decis. Já o Bolsa Família exerce influência nos
dois primeiros intervalos decílicos. Estes dois fatores
explicam grande parte desta queda de 64,52% no
número de domicílios com renda per capita inferior à
linha da pobreza entre 2003 e 2007, observados no
gráfico 2.
Seguindo o quadro de alterações recentes no
perfil de distribuição de renda, o estudo realizado pelo
IPEA (2008) mostra que, entre 2001 e 2007, a renda
dos 20% mais pobres cresceu quase quatro pontos
percentuais a mais que a renda nacional de cada ano.
Tal acontecimento provocou uma significativa trans-
formação social capaz de deixar o Brasil à frente de
99% dos países em termos de variação de renda entre
a população mais pobre. Esta transformação permitiu
que 13,8 milhões de pessoas ascendessem de faixa
social. Quadro que representa uma alteração profunda
na sociedade brasileira, atingindo, deste modo, o menor
nível de desigualdade em 30 anos, superando o baixo
dinamismo social que persistiu por um longo tempo.
GRÁFICO 04 - VARIAÇÃO DA RENDA FAMILIAR PER CAPITA POR DECIL 2001-2007
1o 2o 3o 4o 5o 6o 7o 8o 9o 10o
Decil
8
7
6
5
4
3
2
1
0
Varia
ção
%
FONTE: IPEA (2009)
Nas seções que seguem serão debatidas as polí-
ticas sociais implementadas pelos governos Fernando
Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva, visando
encontrar as respostas para este comportamento da
distribuição da renda, bem como averiguar se as mes-
mas, especialmente o Bolsa Família, podem ser tidas
como responsáveis por estes resultados.
2 Políticas sociais de 1994 a 2000:
universalização da saúde e educação
Durante os primeiros seis anos do governo FHC,
a preocupação com a questão social esteve centrada
na universalização do acesso à saúde e à educação.
Assim, os programas diretos de transferência de renda
nos moldes dos hoje vistos eram secundários na política
oficial do governo e, se existiam, eram tão reduzidos
que não surtiam efeito algum na renda da população
(DRAIBE, 2003).
De acordo com o pensamento que norteava a
citada gestão, as melhorias na qualidade de vida da
Revista da FAE
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.1-15, jul./dez. 2009 | 5
população de mais baixa renda passavam pela amplia-
ção do acesso aos serviços prestados em educação, saúde,
previdência4 e saneamento básico. No que tange par-
ticularmente à área da educação, a meta do governo
era universalizar o acesso ao ensino fundamental. Tal
proposta coincidia com o receituário liberal, sintetizado
no chamado “Consenso de Washington5”, que entende
que a expansão do acesso à educação gera a ampliação
do capital humano. O resultado imediato seria o au-
mento da renda e sua melhor distribuição, em vista da
maior capacitação do trabalhador.
Visando esta melhora no acesso ao serviço edu-
ca cional, foi criado, em 1996, o Fundo de Manu-
tenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
e de Valorização do Magistério – Fundef (FRIGOTTO;
CIAVATTA, 2003). O Fundef tinha como meta tornar mais
transparentes os repasses federais para a educação,
isolando-os em contas específicas. Na teoria, o Fundo
também previa aumentos nos repasses.
Neste período, foi incentivada a municipalização
do ensino fundamental. O governo acreditava que as
prefeituras, mais próximas das escolas, teriam melhores
condições de gerir os recursos. Por trás deste incentivo,
encontrava-se a noção de que com a descentralização
das responsabilidades, ampliar-se-ia eficiência dos gas-
tos públicos. Para o governo, os gastos com educação –
algo em torno de 4 a 4,5%6 do PIB – não eram escassos.
Os problemas, neste caso, advinham da má gestão dos
recursos (PINTO, 2002).
4 No que tange à previdência, fazia parte das metas do governo a consecução de uma reforma que reduzisse a participação do Estado e incentivasse a previdência privada. Segundo seus idealizadores, este mecanismo, além de mais eficiente – pois cada setor ou até mesmo cada empresa poderia ter seu fundo de previdência –, era também uma forma de aliviar as contas públicas.
5 Para maiores informações sobre o Consenso de Washington, consulte: WILLIAMSON, John. The Washington Consensus as policy prescription for development. IIE – Institute for International Economics, Washington. Disponível em: http://www.iie.com/publications/papers/williamson0204.pdf.
6 Referente a todas as esferas de governo.
De acordo com Pinto (2002), entretanto, a munici-
palização não redundou em melhorias na educação.
Segundo o autor, em algumas cidades, escolas chegaram
a ser improvisadas, funcionando sem condições ade-
quadas, e alunos que deveriam cursar a pré-escola foram
matriculados automaticamente no ensino fundamental
para garantir o repasse dos recursos.
Para Frigotto e Ciavatta (2003), as políticas do
governo FHC estavam alicerçadas em três pilares:
a) desre gulamentação, b) descentralização e autonomia
e c) privatização. Para os autores, a municipalização,
bem como o incentivo à iniciativa privada, notadamente
na educação superior, estão de acordo com estes pilares
e, por sua vez, com a proposta de alinhamento ao
pensamento neoliberal do referido governo.
De forma diversa, Semeghini (2001) afirma que o
Fundef foi um avanço há muito aguardado por alunos
e professores no Brasil. Para ele, a vinculação de 25%
das receitas estaduais7 e 18% da receita federal para a
educação, garantidos pela Constituição de 1988, não
haviam sido suficientes para garantir o financiamento
adequado do setor. Somente com o Fundef foi possível
aos estados, municípios e à União ampliarem a eficácia
destes gastos e torná-los definitivamente capazes de
ampliar o acesso à educação.
O estudo apresenta, adicionalmente, que o
número de matriculados do ensino fundamental na
rede municipal ampliou-se de 12,4 milhões de alunos
em 1997, para 16,7 milhões em 20008. Por sua vez,
as matrículas na rede estadual caíram de 18 milhões
para 15,8 milhões. Entre 1998 e 2000, o montante dos
recursos repassados pelo Fundef aumentou em 33%.
Nos resultados apresentados, destacam-se o grande
aumento dos repasses do Fundo para as regiões Norte
e Nordeste e para os municípios das regiões metro-
7 Apesar de a constituição federal determinar a destinação de 25% das receitas estaduais à educação, alguns estados ampliaram este percentual através de lei estadual.
8 A taxa de escolarização das pessoas entre sete e 14 anos de idade passou de 90,2% em 1995 para 95,7% em 1999. Atualmente (2007) está em 97,7% (IBGE, 2009c).
6 |
politanas, sabidamente aqueles que concentram os
maiores bolsões de pobreza. Fato este, que de acordo
com o autor, demonstra a melhor distribuição dos gas-
tos (SEMEGHINI, 2001).
No que tange à área da saúde, a política gover-
namental não fugiu à regra acima exposta. Programas
específicos para esta área, como o Programa Saúde da
Família (PSF) e o Programa do Agente Comunitário da
Saúde (PACS) também estavam imbuídos do espírito de
descentralização das responsabilidades, posto que suas
gestões ficavam a cargo das prefeituras. Ambos os pro-
gramas apresentavam um caráter mais focalizado, dado
que as ações concentravam-se em regiões mais caren-
tes. Além da descentralização e da ênfase em políticas
focalizadas e preventivas, o governo também buscou
ampliar as fontes de financiamento do Sistema Único
de Saúde (SUS). Com este objetivo, foi criada a Con-
tribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras
(CPMF)9. Além desta fonte financeira, foram determina-
das a fixação e a preservação de receitas mínimas para
a saúde (DRAIBE, 2003).
Outros programas de cunho social foram criados
no período, cabe dizer, todos submissos à política mo-
netária do governo. Dentre estes programas, convém
destacar: o Programa Nacional de Agricultura Familiar
(Pronaf), de 1995, a Lei de Diretrizes e Bases da Edu-
cação Nacional (LDB), de 1996, o Programa Nacional
de Alimentação Escolar (PNAE), de 1999, o Programa
Comunidade Solidária, de 1995, de autoria da então pri-
meira-dama Ruth Cardoso, o Programa de Ação Social
de Saneamento (PASS), de 1995, o Programa Habitar
Brasil, de 1996, e o Programa de Erradicação do Traba-
lho Infantil (Peti), também de 1996 (FAGNANI, 1999).
Ainda de acordo com Fagnani (1999), todos estes
programas sofreram do mesmo mal. Eles tinham seu
9 Criada pelo então ministro da saúde Adib Jatene, em julho de 1993, durante o governo Itamar Franco, com o nome de Imposto Provisório de Movimentações Financeiras (IPMF), incidia sobre todas as transações de débito efetuadas nas contas mantidas pelas instituições financeiras. Em 1997, tornou-se CPMF, sendo extinta em 2007 (SILVEIRA, 2007).
orçamento enquadrado à política macroeconômica
res tritiva adotada pelo governo. Projetos, como o Comu -
nidade Solidária, que tinham como meta repassar recur-
sos para o desenvolvimento de comunidades carentes,
exigiam como contrapartida saneamento das contas
públicas municipais. Muitos destes municípios se encon-
travam em péssimas condições financeiras, deste modo,
o projeto não atingia seus objetivos. Para terem acesso
aos repasses federais desses e de outros programas,
vários estados e municípios acabaram renegociando
suas dívidas, o que acabou comprometendo grande
parte de seus orçamentos, com pagamento de juros e
amortizações10.
Assim, pode-se concluir que houve, por parte do
governo, iniciativa no sentido de ampliar a eficiência
no trato com os recursos, seja por meio da criação de
novos programas, seja através da descentralização das
responsabilidades sobre os serviços sociais. A despei-
to disto, os compromissos assumidos com organismos
multilaterais como o Banco Mundial (BIRD) e o Fundo
Monetário Internacional (FMI) destinavam grande parte
das receitas públicas ao pagamento de juros da dívida,
inviabilizando a disponibilidade de receitas necessárias
para uma sustentável e duradoura melhora nestes ser-
viços. Em suma, os gastos com os altos juros praticados
não só restringiram as políticas sociais, como também
quaisquer outras políticas púbicas visando o desenvol-
vimento do país.
Por fim, o período analisado foi caracterizado por
seu baixo crescimento econômico, e, consequentemen-
te, pouco incremento nas receitas da União, dos estados
e dos municípios. Diante deste quadro, houve ampliação
10 A partir de 1996 o governo central possibilitou às unidades federadas renegociarem suas dívidas com a União. Para que isto ocorresse, os governos estaduais deveriam se enquadrar em algumas diretrizes. Dentre elas, não permitir que o valor da dívida ultrapassasse o da receita líquida real anual, obter superávit primário, controlar a despesa com o funcionalismo, alcançar as metas de arrecadação estabelecidas no acordo, reformar o Estado e não ultrapassar o valor fixado como teto para os investimentos. Com exceção do Amapá e de Tocantins, todos os estados brasileiros renegociaram suas dívidas (SILVEIRA, 2007a).
Revista da FAE
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.1-15, jul./dez. 2009 | 7
da demanda por ações públicas, enquanto o quadro de
prioridades do governo mantinha minguados os recur-
sos voltados para atendê-las. A conclusão a que se pode
chegar sobre este momento da história brasileira é de
que a escassez de recursos disponibilizados para as po-
líticas sociais, aliada ao baixo crescimento do produto,
não permitiu que a desigualdade da renda se reduzisse
fortemente. Desta maneira, mesmo após forte queda
dos índices inflacionários, o Índice de Gini manteve-se
praticamente estável durante o período 1994 a 2000.
3 Políticas sociais de 2001 a 2008:
transferência de renda
A partir do ano de 2001, é possível notar uma varia-
ção clara quanto às políticas sociais. Com a criação do
Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Educação
(o Bolsa Escola), e do Programa Auxílio-Gás, o governo
iniciou uma política de transferência direta de renda. Esta
política objetivava atender as demandas sociais focalizando
os gastos. Em outras palavras, o intuito passou a ser
“atender a quem realmente precisa”, sem “desperdiçar”
recursos. Estes programas podem ser avaliados como uma
maneira de equacionar as cres centes demandas sociais
da população, frente à baixa dis ponibilidade de recursos
públicos voltados a este seg mento, ocasionada pela
política macroeconômica em voga.
Com a vitória de Luís Inácio Lula da Silva nas eleições
realizadas em 2002, a opção pela focalização dos gastos
sociais iniciada na reta final do governo FHC foi mantida
e ampliada. Após a fracassada tentativa de instalação
do Programa Fome Zero – liderada pelo Ministério
Extraordinário da Segurança Alimentar e Combate à
Fome, sob o comando de José Graziano – o governo
unificou todos os programas de transferência de renda,
criando assim o Bolsa Família. Como após a criação deste
Programa, em 2004, os índices que medem o perfil da
desigualdade da renda acentuaram sua melhoria, seu
sucesso foi logo apresentado pelo governo. Frente a
estes resultados, a União tem expandido sucessivamente
não só o número de benefícios, mas também o repasse
para o Bolsa Família.
Na tabela 1 fica clara a opção pelos programas de
transferência de renda após 2001. Os mesmos estão
incluídos na rubrica Assistência Social e tiveram seus
recursos majorados de menos de 0,29% do PIB em 1999,
para 0,99% em 2008. Por sua vez, a rubrica Educação
que respondia por 0,95% do PIB em 1995 caiu a 0,76%
em 2008, enquanto as despesas com Saúde reduziram
de 1,79% para 1,51% do PIB, no mesmo período.
Como constatado através dos dados expostos a
seguir, a opção pelos programas focalizados parece
ter reduzido os já tímidos gastos sociais universais.
Conforme será tratado à frente, programas de
transferência de renda só podem ter algum sucesso em
reduzir as disparidades de renda nas camadas sociais
mais baixas. Em outras palavras, programas como
o Bolsa Família reduzem a desigualdade e ampliam
minimamente os recursos dos mais pobres, tornando-
os menos pobres.
Entretanto, para que se alcance um padrão de
sociedade mais próximo do que se possa chamar de
socialmente justa, é necessário mais que isso, já que as
políticas sociais de cunho universal são imprescindíveis.
Devido ao destaque dado pelo governo ao Bolsa Família,
a seção seguinte detalhará este programa, enfatizando
seus êxitos e limites.
TABELA 01 - GASTOS SOCIAIS DO GOVERNO BRASILEIRO (% DO PIB)
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001
Assist. Social 0,08 0,09 0,17 0,24 0,29 0,40 0,49
Educação 0,95 0,80 0,74 0,79 0,78 0,87 0,83
Emprego 0,53 0,56 0,53 0,59 0,53 0,52 0,56
Saúde 1,79 1,53 1,67 1,58 1,69 1,70 1,71
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Assist. Social 0,60 0,66 0,75 0,83 0,91 0,95 0,99
Educação 0,76 0,71 0,73 0,77 0,73 0,73 0,76
Emprego 0,56 0,55 0,55 0,59 0,69 0,75 0,75
Saúde 1,68 1,58 1,62 1,59 1,68 1,52 1,51
FONTE: IPEA (2009c), 2009 até o ano de 2005. BRASIL, 2009 de 2006 a 2008
8 |
3.2 O Programa Bolsa Família
Através da Lei nº 10.836, de 09 de janeiro de
2004, foi criado o Programa Bolsa Família, destinado
à transferência de renda para camada da população
menos favorecida. Para obtenção e manutenção do
benefício, a família deve passar por periódicas avalia-
ções, compostas por exame pré-natal para gestantes,
acompanhamento nutricional e de saúde – inclusive a
atualização das vacinações – além de frequência escolar
mínima de 85% em estabelecimentos de ensino regular,
para as crianças e jovens em idade escolar. O Programa
foi originado da união de diversos procedimentos
de gestão e execução das ações de transferência de
renda do governo federal, especialmente do Programa
Nacional de Renda Mínima vinculado à Educação
(o Bolsa Escola), do Programa Nacional de Acesso à
Alimentação (PNAA), do Programa Nacional de Renda
Mínima vinculado à Saúde (o Bolsa Alimentação) e do
Programa Auxílio-Gás, bem como de elementos do
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti).
Suas finalidades de acordo com o quadro 1, são:
QUADRO 01 - FINALIDADES E DESTINAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA
FAMÍLIA
Finalidade Destinação
Benefício básico
Unidades familiares que se encontram em situação de extrema pobreza, ou seja, a chamada pobreza crônica, quando o principal gestor da família encontra-se desempregado há mais de dois anos.
Benefício variável
Unidades familiares que se encontram em situação de pobreza transitória (quando a família sofre por um problema de renda temporário) ou de extrema pobreza que tenham em sua composição gestantes, nutrizes, crianças entre zero e doze anos ou adoles-centes de até 17 anos de idade.
FONTE: BRASIL (2004)
Além disso, o Programa tem como objetivos:
a) permitir o acesso à rede de serviços públicos, em
especial, de saúde, educação e assistência social; b)
combater a fome e promover a segurança alimentar
e nutricional; c) estimular a emancipação sustentada
das famílias que vivem em situação de pobreza ou de
extrema pobreza; d) combater a pobreza; e) estimular
a inter-setorialidade, a complementaridade e a sinergia
das ações sociais do poder público (BRASIL, 2004).
Quando de seu lançamento, o valor mensal do
benefício era de R$ 50,00 para famílias com renda per
capita de até R$ 50,00, assim como de R$ 15,00 por
beneficiário até o limite de R$ 45,00, para famílias com
renda per capita de até R$ 100,00. Atualmente, o valor
mensal do benefício é de R$ 68,00 para famílias com
renda per capita de até R$ 70,00 (mesmo que estas
famílias não tenham crianças, adolescentes ou jovens);
assim como de R$ 22,00 por beneficiário até o limite
de R$ 66,00 para famílias com renda per capita de
até R$ 140,00. Dessa forma, presentemente, o menor
valor pago é de R$ 22,00 e o maior é de R$ 200,00,
sendo o benefício variável pago a famílias com filhos
de até 15 anos, limitado ao número máximo de três
crianças – e o Benefício Variável Jovem (BVJ)11 no valor
de R$ 33,00, pago para adolescentes de 16 e 17 anos
que estejam frequentando a escola, até o limite de dois
benefícios por família. Os recursos são concedidos por
meio de depósito em uma conta corrente previamente
cadastrada junto ao sistema bancário público. Em 2009,
durante a votação do Orçamento da União, o Congresso
Nacional aprovou o montante de R$ 11,9 bilhões para
o Programa, posteriormente ampliado para R$ 12,3
bilhões, cuja abrangência deve saltar das atuais 10,8
milhões de famílias e chegar a 12,3 milhões de lares no
Brasil – a inclusão das novas famílias será feita de forma
escalonada, com 300 mil incluídas em maio, 500 mil em
agosto e mais 500 mil em outubro (MDS, 2009).
O resumo demonstrativo do Bolsa Família por
unidade da Federação, para o exercício de 2008,
mostra que 100% dos municípios brasileiros recebe-
ram o benefício. O número de famílias atendidas, no
referido período, foi de 10,8 milhões, perfazendo, em
média, um montante de mais de R$ 900 milhões ao
mês, sendo o valor médio por benefício de R$ 85,00
(MDS, 2009).
11 Em 2008, passou a vigorar esta extensão do atendimento do Programa Bolsa Família.
Revista da FAE
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.1-15, jul./dez. 2009 | 9
Assim, ao se avaliarem os valores acima de
forma agregada para o ano de 2008, pode-se chegar
às seguintes conclusões: a) o gasto realizado com
o programa Bolsa Família neste ano foi de R$ 10,8
bilhões, o que representou cerca de 0,37% em relação
ao PIB total deste mesmo ano (MDS, 2009); b) este total
equivale a cerca de 6% do total do gasto público com o
pagamento dos juros da dívida pública em 2008, cerca
de R$ 180 bilhões (IPEA, 2008); c) o programa Bolsa
Família atingiu, no transcorrer do exercício em análise,
cerca de 21% da população total do Brasil, o que
representou em torno de 40 milhões de seus cidadãos
recebendo o auxílio (MDS, 2009).
A análise desses números mostra, em um pri-
meiro momento, que o gasto realizado por meio da
concessão do benefício do Bolsa Família frente ao PIB
foi relativamente baixo em relação ao indicador do ano
de 2008. Mostra ainda a “timidez” dos gastos com o
Programa quando comparado com outros desembolsos
da União no mesmo período. Observando-se o total dos
pagamentos realizados com juros da dívida pública em
2008, nota-se que o gasto social – não apenas o Bolsa
Família – ainda é muito pequeno perante o montante
dos gastos do governo. Tal fato parece estar associado
às altas taxas de juros praticadas entre 1994 e 2008, o
que levou o somatório dos juros pagos da dívida interna
pelo poder público a aumentar cada vez mais.
Apesar dos escassos recursos destinados ao
Bolsa Família, o seu “sucesso” é justificado pela forte
concentração dos benefícios nas camadas mais carentes
da população (BARROS; CARVALHO; FRANCO, 2007).
Estudo realizado por Soares et al. (2007) aponta o alto
grau de concentração do Programa. De acordo com os
dados apresentados pelos autores, extraídos do PNAD
de 2004, 80% dos recursos repassados pelo Bolsa
Família ficam com pessoas que estão abaixo da linha
da pobreza, o que corresponderia a 32% da população
brasileira caso não existisse o Programa. Adicionalmente,
48% dos repasses atingem os 14% da população que
viveria na indigência sem ele. Soares, Ribas e Soares
(2008) mostram, além disso, que o Bolsa Família
apresenta um nível de concentração12 semelhante ao
do Chile Solidário e ao do Oportunidade do México,
considerados referência mundial em programas de
transferência de renda.
Soares, Ribas e Soares (2008) e Rocha (2007), ou-
trossim, defendem que o maior problema a ser equa-
cionado pelo Bolsa Família é o número ainda grande de
pessoas que deveriam recebê-lo e ainda não recebem.
Para atender a todas as famílias que se enquadram no
perfil do beneficiário do Programa, a meta deveria ser
atingir 15 milhões de famílias (SOARES; RIBAS; SOARES,
2008). Para tanto, os gastos com o Bolsa Família
deveriam ser ampliados, o que pode esbarrar na política
econômica do governo.
Por outro lado, Barros, Carvalho e Franco (2007)
apresentam dados relativizando a importância do Bolsa
Família na recente redução da desigualdade de renda.
Com dados de 2005, os autores apontam que o total
de pessoas abaixo da linha de indigência passa de 14%
para 13% após repasse dos recursos. Isto ocorreu de-
vido à pequena magnitude do valor dos benefícios. A
título de exemplo, se este valor fosse dividido em uma
família com seis pessoas, a renda per capita chegaria
a R$ 30,00. O que equivale a dizer que se esta mesma
família possuísse uma renda familiar per capita inferior
a R$ 35,00, mesmo com o recebimento do Bolsa
Família, ela permaneceria abaixo da linha da indigên-
cia13. A despeito dos dados utilizados na pesquisa serem
de 2005, é possível estimar que os resultados encontra-
dos ainda sejam válidos, já que os valores dos benefícios
continuam baixos. Ou seja, o papel do Bolsa Família em
reduzir a pobreza absoluta não seria, segundo o estudo,
tão relevante.
Com este quadro, pode-se concluir que a maior
responsabilidade do Programa está em reduzir as desi-
12 O nível de concentração corresponde a um índice que mede o quanto dos recursos atingem as famílias de renda mais baixa.
13 Em consonância com Barros, Carvalho e Franco (2007), a linha de indigência considerada neste estudo é de R$ 65,00 mês e a de pobreza é de R$ 100,00 mês.
10 |
gualdades entre os menos favorecidos. Ou seja, o Bolsa
Família permitiu uma pequena melhora no padrão de
vida de pobres e miseráveis. Ainda assim, os resultados
dos estudos já realizados mostram que os valores dos
benefícios deveriam ser reajustados ao menos acom-
panhando os índices da inflação. Por seu turno, uma
ampliação sem limites do benefício não parece ser a
solução para os problemas do país. O Bolsa Família se
justifica apenas enquanto programa de renda mínima
que visa garantir, ao menos, uma parcela de cidadania
àqueles marginalizados da sociedade. Sua sustentação,
no entanto, faz-se na medida em que os cidadãos, ao
adquirirem as condições mínimas de sobrevivência, pos-
sam ter seu direito garantido à saúde, à educação, ao
saneamento básico e a todos os demais serviços públi-
cos de qualidade. Somente assim este grupo de pessoas
poderá lograr se livrar definitivamente de uma condição
de vida subumana e passar a constituir uma sociedade
mais justa. Para tanto, o Programa deveria atuar com-
plementarmente a estas outras políticas sociais univer-
sais e não como “substituto” das mesmas.
4 Outros fatores para a redução
recente da desigualdade
Em contraponto ao sucesso do Programa Bolsa
Família, Hoffmann (2007), Barros, Carvalho e Franco
(2007) e Rocha (2007) apresentam outros fatores como
sendo os principais responsáveis pela recente melhora
na distribuição de renda no Brasil. Desta redução,
algo em torno de 50%14 deve-se a transformações no
mercado de trabalho. Este dado indica que entre os
trabalhadores vem ocorrendo uma queda da disparida-
de salarial.
14 Segundo Barros, Carvalho e Franco (2007) há algumas divergências sobre este número. Em outros estudos esta parcela aparece com valores muito diferentes, chegando até a 80%. De acordo com Hoffmann (2007), no período de 2001 a 2005, 80% do desempenho do Índice de Gini deveu-se a melhorias na distribuição da renda originária do trabalho.
Sobre este aspecto é preciso destacar a importância
do recente aumento das taxas de crescimento eco-
nômico15, com forte impacto sobre os índices de
desemprego. Por seu turno, não se pode menosprezar
o papel das políticas educacionais pós-Constituição de
1988, que, mesmo tímidas, estariam apresentando seus
resultados após um período de maturação. Dentre estes
fatores, destaca-se a redução da taxa de analfabetismo,
do acesso ao ensino básico e também ao ensino
superior, e, consequentemente, do aumento do nível de
escolaridade, que contribui positivamente na redução
das desigualdades salariais.
Estes estudos revelam que parcela16 importante
desta melhora na distribuição da renda tem como
responsáveis fontes de renda não derivadas do trabalho,
especialmente as transferências públicas. Dentre estas
políticas, é dado destaque ao Benefício de Prestação
Continuada (BPC), com cobertura concentrada, porém,
pouco ampla. Como seu valor base consiste em um
salário mínimo nacional17, o Benefício cumpriu relevante
papel na melhoria da distribuição de renda e na redução
da pobreza. De acordo com Barros, Carvalho e Franco
(2007), o impacto do BPC na queda da desigualdade
de renda foi similar ao do Bolsa Família, pois mesmo o
primeiro tendo atingido um número bem mais reduzido
de domicílios – 2,3 milhões – ele lhes proporciona uma
renda maior, sendo, portanto, capaz de alçar a família
do beneficiado a uma faixa superior de renda.
É importante destacar ainda que programas
como Luz para Todos, o Pronaf – cujo repasse chegou a
R$ 7,2 bilhões na safra 2008/2009 –, a criação do Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica
e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb)
substituindo o Fundef, a política de cotas raciais nas
universidades federais, a criação do Programa Univer si-
15 O PIB apresentou os seguintes incrementos desde 2001: 1,3% (2001), 2,7% (2002), 1,1% (2003), 5,7% (2004), 2,9% (2005), 4,0% (2006) e 5,4% (2007) (IBGE, 2009c).
16 Resultados variam entre 20% e 50% da fatia da contribuição da renda não derivada do trabalho na redução da desi-gualdade.
17 Sobre variação do salário mínimo, vide gráfico 3.
Revista da FAE
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.1-15, jul./dez. 2009 | 11
dade para Todos (ProUni)18 e do Programa de Apoio a
Planos de Reestruturação e Expansão das Universidade
Federais (Reuni)19 e o Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) não podem ser desconsiderados como
fatores responsáveis por essa melhora na distribuição
da renda. Somente com a continuidade, não apenas
dos programas de transferência de renda, mas do
crescimento econômico e, principalmente, das políticas
públicas universais é possível dar sustentabilidade a esta
melhora. Neste sentido, torna-se imperiosa uma alteração
no quadro de prioridades que, de forma mais ou menos
inflexível, persiste no Brasil desde a implementação do
Plano Real, com suave percepção de melhora nos últimos
anos, conforme o gráfico 520.
Neste gráfico é possível perceber como os gastos
sociais perderam espaço para as despesas financeiras
durante o período analisado. As despesas financeiras
que, em 1995, correspondiam a pouco mais de 30%
dos gastos sociais, passaram para quase 70% destes em
2003. Mesmo com a ligeira recuperação, nos últimos
anos, os gastos sociais ainda são muito tímidos frente
aos problemas vividos no país.
GRÁFICO 05 - RELAÇÃO DO GSF E DAS DESPESAS FINANCEIRAS NA DESPESA EFETIVA DO GOVERNO FEDERAL 1995-2005
70
60
50
40
30
20
10
0
Gasto Social Federal
DespesaFinanceira
1995
1996
199
7
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
FONTE: IPEA (2009c)
18 O ProUni tem como finalidade a concessão de bolsas de estudo integrais e parciais em instituições privadas de educação superior para pessoas com renda per capita familiar máxima de até três salários mínimos. Criado pelo Governo Federal em 2004 e institucionalizado pela Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005 (BRASIL, 2009).
19 O Reuni foi instituído em 2007. Busca o aumento de vagas, implantação de cursos noturnos, criação de novos cursos, integração com educação básica, combate à evasão, in-gresso extravestibular, aumento da relação aluno/professor (BRASIL, 2009a).
20 GSF: Gasto Social Federal.
Na próxima seção, será apresentada outra ver-
tente da distribuição de renda que desvenda parte do
que os dados do Índice de Gini encobrem. Assim, fica-
rá explícito o quanto ainda deve ser aprimorado o rol
das políticas públicas sociais no Brasil, se sua meta for
efetivamente reduzir as disparidades na renda de seus
cidadãos.
5 Distribuição funcional da renda
Embora tenham sido verificados diversos avanços
nos dados sociais brasileiros nos anos em análise, há
que pesar certas questões controversas, assim como os
limites dos dados apresentados. Um ponto nevrálgico
desta discussão está correlacionado à principal fonte
de informações sobre a renda disponível: a PNAD.
Este levantamento é muito criticado, já que ele
apenas considera a renda corrente das pessoas, não
remetendo a valorizações de ativos21, rendimentos
financeiros e subsídios. Contudo, o ponto de concor-
dância mais intenso é o da sub-declaração de renda
entre as faixas mais elevadas, haja vista que a res-
posta é espontânea.
Dedecca, Jungbluth e Trovão (2008) expõem
que a massa de renda aludida pela PNAD representa
tão somente 45% do PIB. Neste sentido, vale lembrar
a relevância da distribuição funcional da renda, que
revela o padrão de desigualdade entre as diferentes
classes sociais (FILGUEIRAS; GONÇALVES, 2007). Esta
análise mostra que a distribuição de renda observada
nos últimos anos ocorreu majoritariamente entre os
trabalhadores. O fato da massa dos salários apresentar
tendência declinante como vemos no gráfico 6, indica
que a redução da desigualdade, vista no Índice de Gini,
nada mais é que um “nivelamento por baixo” da renda
dos trabalhadores.
21 10% da desigualdade advêm da remuneração dos ativos (IPEA, 2008).
12 |
GRÁFICO 06 - PARTICIPAÇÃO DOS SALÁRIOS E DO EXCEDENTE
OPERACIONAL BRUTO NO PIB 1995-2006
36
35
34
33
32
31
30
29
28
Salários
Excedente operacional bruto
1995
1996
199
7
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Ano
%
FONTE: IBGE (2009a)
NOTA: Para os “salários”, não foram consideradas as contribuições sociais efetivas e imputadas. Como os dados de 2007 e 2008 sobre a distribuição funcional da renda não estão disponíveis, não é possível avaliar o impacto da persistência da elevação no rendimento real.
Entre 2004 e 2006, no entanto, a participação dos
salários no PIB aumentou, conforme o gráfico 6. Já o grá-
fico 7 apresenta, em maior detalhe, o comportamento
do rendimento real do trabalhador a partir de 2003. É
de rápida percepção que a recuperação do rendimento
real dos trabalhadores teve impacto positivo sobre o
aumento da parcela da massa salarial no produto.
GRÁFICO 07 - RENDIMENTO MÉDIO MENSAL DO TRABALHO JAN/2003-
DEZ/2008
jan/
03
mai
/03
set/0
3
jan/
04
mai
/04
set/0
4
jan/
05
mai
/05
set/0
5
jan/
06
mai
/06
set/0
6
jan/
07
mai
/07
set/0
7
jan/
08
mai
/08
set/0
8
1300
1250
1200
1150
1100
1050
1000
FONTE: IBGE (2009b)
Este resultado se explica: a) pela maior demanda
por mão-de-obra, oriunda do crescimento econômico;
b) pela variação real positiva do salário mínimo; e
c) pelas políticas de transferência de renda (DEDECCA;
JUNGBLUTH; TROVÃO, 2008). Desta forma, observa-se
o movimento positivo na estrutura da renda que, de
uma maneira mais abrangente, passou a ser verificada
a partir de 2004.
Convém ressaltar que somente analisando o com-
portamento da distribuição da renda entre os dois
principais fatores de produção – capital e trabalho, é
possível obter maiores conclusões sobre sua efetiva
equalização no país. Embora sua repartição entre os
trabalhadores melhore os dados sociais e reduza a
pobreza, ela não altera a posição de quem detém boa
parte do produto nacional. Assim sendo, o quadro
observado até 2003 equaliza parte da riqueza, mas
mantém a distância entre os dois fragmentos sociais.
Apenas a recuperação da renda real do trabalhador
viabiliza efeitos mais profundos no bem-estar da
sociedade, rompendo com as limitações da queda da
desigualdade anterior. O aquecimento do mercado de
trabalho, as políticas públicas de proteção social e a
valorização do piso salarial legal oportunizaram o início
de uma longa retomada. Deste modo, é indispensável
que o Estado aprofunde suas políticas sociais universais
e que a reversão do mercado de trabalho se sustente
a partir do aquecimento econômico. É mister, nesta
seção, o diagnóstico de que apenas as políticas
focalizadas não são capazes de redistribuir a renda
entre o capital e o trabalho.
Considerações finais
Conforme apresentado neste artigo, as políticas
sociais durante todo o período avaliado estiveram
subor dinadas a estratégias macroeconômicas conser-
vadoras e anti-inflacionárias, o que equivale a dizer
que tais políticas tiveram um papel reduzido em uma
consistente análise do período. Desta feita, as mesmas,
a despeito de não terem alcançado o que deveria ser
seu objetivo maior – viabilizar uma sociedade mais justa
e menos desigual – foram e continuam sendo cruciais
para legitimar as políticas menos populares (ortodoxas)
dos governos de então. Seu papel vem sendo o de
reduzir os efeitos deletérios das políticas recessivas,
sem, contudo, sobrepô-las ou comprometê-las.
Revista da FAE
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.1-15, jul./dez. 2009 | 13
Neste sentido, mesmo após a posse do novo
governo em 2003, a opção por um novo formato de
políticas sociais apenas altera a percepção de sucesso
das referidas políticas, sem alterar seu pano de fundo.
Em outras palavras, diante da ineficácia das tentativas
de universalizá-las sem ampliar seu orçamento, o
governo decidiu focalizar os escassos recursos sob o
pretexto de que estariam sendo revertidos para quem
realmente necessita.
O comemorado êxito desta guinada nas políticas
sociais pode ser creditado à considerável melhoria nos
índices que medem a desigualdade de renda. Por sua
vez, o ponto fraco, neste propalado sucesso, reside,
sem sombra de dúvidas, na manutenção da estratégia
macroeconômica, que continua mantendo os recursos
destinados às prementes necessidades sociais abaixo do
necessário. Sob este aspecto, ressalta-se que os juros da
dívida interna são pagos sem restrições orçamentárias.
O mesmo não vale para os gastos sociais que estão
submissos a política fiscal.
Reflexo da ineficiência das políticas sociais foi visto
quando se apresentaram os dados relativos à distribui-
ção funcional da renda. A massa de salários, em termos
de percentual do PIB, perdeu espaço ao longo da maior
parte dos 15 anos estudados, tendo observado ligeira
recuperação apenas recentemente. No entanto, mesmo
esta melhora se deve majoritariamente ao reaqueci-
mento do mercado de trabalho e às fortes valorizações
do salário mínimo vistas no período.
Por sua vez, o êxito das políticas sociais focaliza-
das esteve em reduzir as disparidades internas entre os
assalariados – grupo majoritário nos dados da PNAD –
produzindo os efeitos vistos na dinâmica do Índice
de Gini, sem, contudo, conter efeitos diretos sobre a
redistribuição desta renda entre os salários e os frutos
do capital.
Desta forma, a conclusão atingida neste artigo foi
a de que as políticas sociais focalizadas foram as que
apresentaram maior eficiência enquanto legitimadoras
do conservadorismo fiscal e monetário. Tendo as mes-
mas alcançando não apenas os melhores resultados
vistos na redução da pobreza e na melhora da distri-
buição da renda, como também avalizando o governo
frente à manutenção de outras políticas ortodoxas.
Por outro lado, se o objetivo final das políticas
sociais estiver, como se esperaria, ligado à verdadeira
melhora do padrão de vida das massas excluídas,
apenas as políticas focalizadas não são suficientes. A
despeito da pequena evolução em suas condições de
vida, milhares de pessoas ainda habitam nosso país em
situação subumana de existência, mostrando que muito
mais tem que ser feito. Apenas com uma mudança do
papel do Estado e com uma alteração estrutural do
modelo econômico vigente as políticas sociais podem
deixar de ser coadjuvantes e protagonizarem este enre-
do, passando assim de fato a cumprir seu papel. Somente
desta forma a estabilidade de preços alcançada há 15
anos pelo Plano Real poderá ser acompanhada da tão
necessária estabilidade social do país.
•Recebido em: 18/06/2009 •Aprovado em: 26/10/2009
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Revista da FAE
Ecossocioeconomia das organizações: gestão que privilegia uma outra economia
Eco-social economics of organizations: management that privileges another economy
Resumo
Apesar da hegemonia do utilitarismo econômico e do darwinismo social, emergem alternativas ecossocioeconômicas que tentam dar conta das insuficiências da combinação desses modelos. Tem-se como objetivo pensar na construção de uma alternativa (ecos)socioeconômica que dê conta das insuficiências da combinação destas dinâmicas a partir do estado atual do conhecimento sobre experiências em curso que convergem para uma “outra economia”, ou seja, a ecossocioeconomia das organizações. Este artigo baseia-se em pesquisa empírica exploratória de perfil qualitativo acerca de experiências brasileiras e chilenas que ilustram cada desdobramento identificado pela ecossocioeconomia das organizações. Os trabalhos teóricos ou ideológicos são bem elaborados, entretanto sem prática convincente. Os trabalhos empíricos vêm apresentando resultados promissores, contudo, sem uma proposta clara de modelo de gestão que dê conta de tais desafios. Essas experiências quando não sistematizadas em uma rede bem articulada, geralmente são cooptadas pelo sistema que estavam tentando superar, caracterizado principalmente pela sobreposição da eficiência produtiva econômica à efetividade socioambiental.
Palavras-chave: ecossocioeconomia das organizações; agenda 21 local; turismo comunitário; responsabilidade socioambiental empresarial; economia solidária.
Abstract
Since both utilitarian economy and the social darwinism have taken control over the organizational field, there has been a need for the construction of an alternative economics. The aim is to construct an alternative eco-social economics from the experiences in course that converge with another economy, that is, the Ecossocioeconomics of the Organizations. The study was made based in Chileans’ and Brazilians’ experiences. The theoretical works and ideologies that have been dealt with within the subject have all been well worked at, however without convincing practices. The empirical works have also been presenting promising results, however they have not had a clear proposal of a management model that would deal effectively with such challenges. When these experiences are not well systematized within a well-articulated network, most of the time they are co-opted by the system they were trying to overcome, which is mainly characterized by the higher importance given to production efficiency over socio environmental efficiency.
Keywords: eco-social economics; local 21 agenda; communitarian tourism; entrepreneurships’ socio environmental responsibilities; solidarity economy.
Carlos Alberto Cioce Sampaio*Ivan Sidney Dallabrida**
* Doutor em Ciências Contábeis e Administração (FURB); Professor do Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Meio Ambiente e Desenvolvimento (MADE) da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Sócio-Fundador do Instituto LaGOE: Laboratório de Gestão que promove o Ecodesenvolvimento (ONG situada em Curitiba). Pesquisador CNPq. Email: [email protected]
** Mestre em Desenvolvimento Regional pela FURB. Pesquisador do Instituto LaGOE. E-mail: [email protected]
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Introdução
Diante da atual conjuntura econômica, apontada
por críticos da dinâmica capitalista e da economia de
mercado por não mais responder aos novos desafios colo-
cados pelo aquecimento global e ser a causa de tantas
“patologias” sociais, faz se necessário apontar algumas
alternativas viáveis nos mais variados aspectos1.
Tais “patologias” podem assim ser classificadas:
a) socioambientais: processos produtivos que priva-
tizam lucros e socializam prejuízos socioam-
bientais, evidenciado pelo descaso com o
manejo de recursos naturais não-renováveis;
b) socioespaciais: planejamento e gestão setoria-
li zados e padrões de uso e de acesso à terra
privados prevalecendo sobre os comunitários;
c) sociopolíticas: instâncias democráticas mani pu-
la das por interesses oligopolistas e burocracia
dominada por interesses corporativistas;
d) dsocioeconômicas: subtrabalho, não-trabalho,
exclu são social e apelação desenfreada pelo
consumo (mesmo entre aquelas pessoas que
não teriam condições para isso); e
e) socioculturais: substituição de modos de vida
tradicionais por padrões homogeneizados e
ressignificação do trabalho humano como
traba lho repetitivo alienado (DOWBOR, 1983;
MAX-NEEF, 1986, 1993; BERKES, 1996;
DOUROJEANNI, 1996; RAZETO, 1997; SEN, 2000;
SANTOS; SOUZA; SILVEIRA, 2002; SINGER, 2002;
SACHS, 2003, 2004).
Estas “patologias” são encontradas no seu extre-
mo, sobretudo nos países menos desenvolvidos, que
em sua maioria possuem baixo ou médio Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH), e, em menor grau
1 Nesse sentido, ao analisar experiências mundiais de produção não-capitalista, como alternativas ao modelo excludente, Santos e Rodríguez (2002), concluem que as condições econômicas, políticas e sociais contemporâneas favorecem experiências associativas e práticas cooperativas.
também nos países chamados desenvolvidos (com IDH
elevado). Sob estas evidências apontadas, o que se
acostumou chamar de desenvolvimento2 é qualificado
pelos mesmos críticos como “mau desenvolvimento”, ou
seja, um processo civilizatório que privilegia a minoria
da população mundial. Outro conjunto de indica-
dores agregados – denominado Pegada Ecológica –,
leva em conta a incapacidade de carga do planeta para
suportar tal estilo de desenvolvimento. Neste indicador,
para que o planeta pudesse suportar tal carga, sugere-
se que este deveria ter uma área biofísica maior
(WACKERNAGEL; REES, 2001). Some-se a isto os efeitos
do aquecimento global que vem sendo divulgados pelo
Intergovernmental Panel on Climate Change e aponta
como causa do desequilíbrio a emissão de gases de
efeito estufa pela ação antrópica (WMO-UNEP, 2007).
Em síntese, estabeleceu-se um modo de desenvol-
vimento humano baseado na combinação entre utilita-
rismo econômico – fruto da dinâmica capitalista –, e
o chamado darwinismo social – resultado da dinâmica
de um mercado autorregulado –, ocasionando uma
racionalidade social egocêntrica, centrada no cálculo
de conseqüências de ganho econômico individual.
Não é de hoje que a dinâmica capitalista vem sendo
apontada como a principal causadora das “patologias”
socioambientais, socioespaciais e socioeconômicas,
que privilegia o cálculo de conseqüências econômicas
individuais de curto prazo sobre coletivas de médio e de
longo prazo. Por conseguinte, a economia de mercado
pode ser indicada como causadora principal das
“patologias” sociopolíticas e socioculturais, argumen-
tando que a má distribuição de renda é justificada pelo
esforço de alguns e a falta de vontade de outros.
Diante deste contexto, tem-se como objetivo
pensar na construção de uma alternativa (ecos)socioeco-
nômica que dê conta das insuficiências da combinação
destas dinâmicas. Isso a partir da busca do estado
atual do conhecimento sobre experiências em curso
que convergem com uma outra economia, ou seja, a
ecossocioeconomia das organizações.
2 Tido muitas vezes como sinônimo de crescimento econômico.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.17-33, jul./dez. 2009 | 19
Revista da FAE
A ecossocieconomia das organizações analisa
as complexidades do cotidiano, repensa a economia
através do ecodesenvolvimento e quebra paradigmas
ao contrapor-se ao utilitarismo economicista. Não se
tem, contudo, a pretensão de transformá-la em outro
modelo hegemônico, mas criar metodologias de gestão
que enfatizem ações participativas, descentralizadas e,
ainda, social e ambientalmente responsáveis. Os estudos
pretendem viabilizar ações em nível macroeconômico
(interorganizacional) e microeconômico (organizacional)
possibilitando a ampliação de oportunidades de traba-
lho e renda, principalmente em comunidades afasta das
das sedes de seus municípios (SAMPAIO, 2009).
O artigo inicia-se pela metodologia, que é basea-
da em pesquisas empíricas exploratórias acerca de
experiências consideradas de ecossocioeconomia das
organizações, cuja base conceitual é delineada no
capítulo 3. Neste capítulo, explicita-se também os desdo-
bramentos daquele conceito, quais sejam: Agenda 21
Local, Turismo Comunitário, Responsabilidade Socioam -
biental Empresarial, Economia de Comunhã e Economia
Solidária. No capítulo seguinte, são relatadas, de
forma sintética, as experiências que representam cada
desdobramento e, abordadas limitadamente, suas contri-
buições para o conceito-base desse estudo. As conside-
rações finais provindas da análise da base conceitual e das
experiências constituem o quinto capítulo.
1 Metodologia
Este estudo vale-se de pesquisa exploratória sobre
experiências brasileiras e chilenas em curso que podem
ser qualificadas como de ecossocioeconomia das orga-
nizações. Essas experiências foram catalogadas
processualmente e analisadas de forma definitiva, a
partir de um projeto de pós-doutoramento no qual
se visitou presencialmente todas as experiências.
Apresenta-se aqui um extrato resumido dos resultados
encontrados, ilustrando-se com uma experiência para
cada agrupamento: a) Agenda 21 Local: Fórum da
Agenda 21 da Lagoa de Ibiraquera (municípios de
Garopaba e Imbituba, Santa Catarina, Brasil), iniciada
em 2001; b) Turismo Comunitário: Prainha do Canto
Verde (Beberibe, Ceará, Brasil), iniciada em 1997; c)
Responsabilidade Socioambiental Empresarial (RSE):
Florestal Río Cruces (sede Lanco, Región Los Lagos,
Chile), fundada em 1993; d) Economia de Comunhão
(EdC): Sociedad de Inversiones Foco - Ahorro y Credito
(sede em Santiago, Chile), criada em 1982; e e) Economia
Solidária: Plataforma Komyuniti de Comércio Justo
(sediada em Santiago, Chile), criada desde 1996.
2 Ecossocioeconomia das
organizações: por uma “outra”
economia
O termo ecossocioeconomia3 surge a partir da
obra do economista ecológico Karl William Kapp
(1963). O primeiro prefixo “Eco” (Oikos = Casa) refere-
se à ecologia e reforça o que o segundo prefixo “eco”
já deveria fazê-lo. Todavia, este foi vulgarizado ao longo
da história ao remeter seu significado ao que Aristóteles
já denunciava como crematística.
A ecossocioeconomia está imbricada na dis-
cussão sobre o ecodesenvolvimento (entendido como
antecedente do desenvolvimento sustentável). E
este, foi apontado como um paradigma sistêmico,
compreendendo princípios da ecologia profunda
(repensa os atuais estilos de vida), economia social (pon-
dera as consequências sociais na ação econômica),
economia ecológica (pondera custos ambientais
na ação econômica), ecologia humana (tem como
premissa a inseparabilidade dos sistemas sociais e
ecológicos) e planejamento participativo (SAMPAIO
et al., 2008).
3 Ver recente trabalho de Sachs (2007) organizado por Paulo F. Vieira, intitulado Rumo à Ecossocioeconomia.
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Enquanto o ecodesenvolvimento privilegia o enfo-
que epistemológico-teórico, a ecossocioeconomia enfa-
tiza o enfoque metodológico-empírico. A ecossocio-
economia ocorre no mundo da vida, nas comunidades,
nos povoados, nas organizações, onde os problemas e
as soluções acontecem e raramente são devidamente
qualificados (SAMPAIO et al., 2008). Trata-se de uma
teoria pensada, partindo das experimentações e da
complexidade do cotidiano (SACHS, 1986a, 1986b).
Como desdobramento para pensar as organiza-
ções, surge o termo ecossocioeconomia das organizações
que possibilita pensar a viabilidade interorganizacional
para tal proposta e a efetividade extra-organizacional
para o território, além de relevar a chamada extra-
racionalidade nos processos de tomada de decisão
aos grupos organizados ou quase organizados que
promovem o ecodesenvolvimento.
A ecossocioeconomia das organizações privilegia
os estudos que possibilitam a viabilidade macro (in-
teror ganizacional) e microeconômica (organizacio nal)
de grupos organizados ou quase organizados arti-
culados, chamados de empreendimentos com parti-
lhados (SAMPAIO, 2009, p. 13).
A ecossocioeconomia das organizações sugere a
eminência de uma ação extra-organizacional, isto é,
o agente organizacional relevando os impactos de sua
ação sobre o entorno territorial (SAMPAIO, 2009). No
sentido de acordos institucionais, pensados como acordos
sociopolíticos e socioprodutivos de base comunitária,
de modo que gerem capital social, sugere-se identificar
os representantes das organizações que irão compor os
acordos, a reunir e estimular as bases para pensar três dife-
rentes ações: interorganizacionais, extra-organizacionais e
extra-racionais (SAMPAIO et al., 2008).
2.1 Interorganizacional, extra-organizacional
e extra-racionalidade
A natureza no homem permite a este superar a
contradição inerente ao estado social; ou seja, entre as
suas inclinações individuais e os seus deveres coletivos;
mesmo porque se percebe que estes elementos
necessitam um do outro para se manifestarem, tal
como se apregoa na interorganização (ROUSSEAU;
ROUSSEAU, 2001). Quando esta possui ênfase sociopo-
lítica, chama-se de arranjo institucional, e na ocasião
que possui ênfase socioeconômica, denomina-a de
arranjo produtivo local. A interorganização não pode ser
legí tima senão quando se origina de um consentimento
necessariamente consensuado. Este entendimento
mútuo sobrepõe-se às ações voltadas ao sucesso, às
vezes chamadas equivocadamente de estratégicas,
materializadas em sujeitos oportunistas para influenciar
outros (HABERMAS, 1989).
A participação interorganizacional deve, então,
girar em torno do espaço mediado entre o interesse
público e o privado, que é uma ação coletiva, operando
sobre as bases da intersubjetividade e do entendimento
genérico pela linguagem trivial do cotidiano, em distin-
ção dos símbolos específicos vigentes nas diferentes
instituições (entendidas como organizações). O espaço
público representa o nível onde se dá esse confronto de
opiniões que disputam o recurso escasso da tematização
e da consequente atenção dos tomadores de decisão.
As esferas do Estado, mercado e sociedade civil, mesmo
que ainda possuam ambiguidades quanto ao caráter
público do problema, ora se complementando, ora se
interpondo, devem ser vistas como potenciais criadores
que enriquecem o processo de negociação. Pois são elas
(as esferas) que legitimam os processos participativos -
como são os arranjos institucionais e produtivos -, e que,
consequentemente, possibilitam, no bojo da discussão,
o surgimento de questões estratégicas negociadas, o
que, neste caso, é necessariamente diferente da soma
destas esferas (COHEN; ARATO, 1992; COSTA, 1994).
O conceito extra-organizacional está atrelado
ao de interorganizacional. Quando se governa uma
interorganização presume-se que além do critério de
eficiência (é medida através dos processos de pro-
dução que, no seu conjunto, determinam o grau de
produtividade) e eficácia (é verificada através dos resul-
tados desses processos de produção, que determinam,
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Revista da FAE
por sua vez, o grau de competitividade), atrelados a
gestão organizacional, deve-se privilegiar o critério efeti-
vidade, isto é, relevar a gestão de risco socioambiental
quanto ao território. O conceito de território deve estar
distanciado da sua subversão ou sua subordinação
aos fluxos meramente econômicos, recompondo-se e
reconceituando-se como um movimento de elemen tos,
entre eles, sociais, geográficos e naturais; e a preocu-
pação não está na definição de seus limites, mas nos
entrelaçamentos que o compõem. Não há, então,
como estudar o território sem fazê-lo correlativamente,
em duplo sentido, com os demais contextos: local,
microrregional, regional, nacional e internacional.
Entretanto, o território possui especificidades que não
devem ser tomadas como mero reflexo destes demais
contextos. Sugere-se, então, que num cenário de gestão
interorganizacional ou arranjo institucional, o conjunto
de organizações que o compõem deverá refletir não
apenas a micro complexidade do território, mas também
a macro complexidade dos demais espaços (FISCHER,
1993; SANTOS, 1994; LEVY, 1998).
Operacionalizando estes dois princípios da
ecossocio eco nomia nas organizações, sugere-se que
a governança interorganizacional deve ser conduzida
pautada por critérios extra-organizacionais, no sentido
de incorporar demandas socioambientais oriundas do
território ao qual a interorganização está instalada;
onde a racionalidade seja conduzida pelo cálculo de
consequências societárias, privilegiando as dimensões
sócio-econômico-ambientais (sustentáveis) para poder
corrigir os equívocos provocados por um modelo de
gestão que privilegia apenas critérios intraorganizacionais
(para dentro da organização), baseado numa racio-
nalidade econômica de cálculo de consequências
apenas organizacional (SAMPAIO, 2004; 2000). Diante
da impregnação do termo racionalidade com critérios
econômicos, resgata-se o termo extra-racionalidade
que pode ser considerado como uma pré-racionalidade,
baseado em uma dimensão tácita, ou seja, ainda pouco
visível, do conhecimento contido nas organizações, nos
territórios, aonde os problemas realmente acontecem e
sua soluções também (FERNANDES; SAMPAIO, 2006).
2.2 A ecossocioeconomia das organizações
e seus desdobramentos
A partir de uma análise qualificada das experiências
pesquisadas, definiu-se cinco desdobramentos da
ecossocioeconomia das organizações, que caracterizam
bem seu enfoque metodológico-empírico: Agenda 21
Local, Turismo Comunitário, Responsabilidade Social
Empresarial (RSE), Economia de Comunhão (EdC) e
Economia Solidária (ES); neste último, enfocou-se uma
vertente da ES, denominada Comércio Justo.
a) O primeiro desdobramento remete à Agenda
21, um compromisso internacional de alta cúpula go-
vernamental e não-governamental que assumiu o de-
safio de incorporar às políticas públicas dos países sig-
natários princípios que os colocavam a caminho de um
outro desenvolvimento, chamado ecodesenvolvimento
ou desenvolvimento sustentável (AGENDA, 2000). Esse
compromisso constitui-se na mais abrangente iniciati-
va para promover justiça social, eficiência econômica e
prudência ecológica, incluindo ações para os países de-
senvolvidos e em desenvolvimento e apoiada em valores
como democracia e participação – igualdade de direitos,
combate à pobreza e à miséria e respeito à diversidade
cultural; sustentabilidade social e ambiental como ética;
e globalização positiva – reorientação do processo de
desenvolvimento.
No âmbito local, a Agenda 21 pressupõe a toma-
da de consciência por todos os indivíduos sobre os
papéis ambiental, econômico, social e político que
desempenham em sua comunidade e exigem, portanto,
a integração de toda a comunidade no processo de
construção do futuro. A comunidade compartilhando
com o governo as responsabilidades pelas decisões
possibilita uma maior sinergia em torno do projeto de
desenvolvimento sustentável, aumentando as chances
de sua implementação (CONSTRUINDO, 2000).
Após a Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), 1.652 municípios
brasileiros declararam, através da pesquisa Municipal
22 |
de Meio Ambiente realizada em 2002, contar com a
Agenda 21. Contudo, a pesquisa não relevou o estágio
atual de sua implantação nestes municípios e tampouco
sua formalização legal. Cerca de 53% destes municípios
não declararam ter Fórum da Agenda 21 instalado, o
que evidencia a falta de representação comunitária,
desvirtuando assim o propósito principal do espírito da
Agenda (IBGE, 2005).
A instalação de espaços públicos democráticos
como o Fórum, além de fomentar a participação dos
atores envolvidos, possibilita o estabelecimento de
ações planejadas. Nesse sentido, como bem ressalta
Sachs (1993, p.66), ao discorrer sobre a Agenda 21 no
enfrentamento dos complexos desafios para se chegar a
um novo modelo de desenvolvimento, aqueles desafios
“não serão resolvidos em uma economia do laissez-
faire por meio de uma sucessão de decisões locais
descoordenadas e de curto prazo [...]”.
b) O turismo comunitário representa o segundo
desdobramento da ecossocioeconomia. Embora te-
nha como eixo norteador integrar vivências, serviços
de hospedagem e de alimentação, o que a priori não
o diferencia das três modalidades de turismo com as
quais poderia ser confun dido – turismo cultural ou et-
noturismo (incluindo o turismo indígena), ecoturismo e
agroturismo –, possui uma característica peculiar que é
a de entender a atividade turística como um subsistema
interconectado a outros subsistemas, como por exem-
plo educação, saúde e meio ambiente.
Ou seja, o turismo comunitário é pensado como
um projeto de desenvolvimento territorial sistêmico
(sustentável) a partir da própria comunidade (o que
poderia ser destacado como segunda característica),
na qual é promovida, entre outras coisas (e o que
seria uma terceira característica), a convivencialidade
entre população originária, visitantes e residentes (sem
descartar os domiciliados não-residentes e migrantes).
Essa convivencialidade é incrustada em um arranjo
produtivo e político de base comunitária, de forma a
fomentar a relação social entre modos de vida distintos,
que congregam conhecimento formal e tradicional e
que na sua essência supera a mera relação de negócio,
resgatando e reconstruindo o interesse pelo outro, pelo
diferente, pela alteridade, pelo autêntico, enfim, pela
interconectividade entre os sistemas sociais e ecológicos
(IRVING; AZEVEDO, 2002; CORIOLANO; LIMA, 2003;
SAMPAIO, 2004).
As experiências de turismo comunitário vêm ga -
nhan do notoriedade, sobretudo pela capacidade po-
ten cial de municípios sulamericanos implementarem
uma atividade econômica de baixo investimento (de
pequena escala), geradora de postos de trabalhos
não-especializados e de baixo impacto ambiental
(SAMPAIO, 2005).
c) O terceiro desdobramento é representado pela
Responsabilidade Socioambiental Empresarial (RSE).
Em 1998, o Conselho Empresarial Mundial para
o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD) lançou a
base do conceito moderno de responsabilidade social
corporativa, que constitui o
comprometimento permanente dos empresários de adotar um comportamento ético e contribuir para o desenvolvimento econômico, melhorando simultanea-mente a qualidade de vida de seus empregados e de suas famílias, da comunidade local e da sociedade como um todo (ALMEIDA, 2002, p.137).
Portanto, sua prática significa mudança de
atitude no processo de gestão, que deve estar pautado
na qualidade das relações pessoais intra (dentro da
organização), inter (entre as organizações da cadeia
produtiva) e extraorganizacional (relações com a
comunidade, mercado e governo), agregando valor
para todos (MODENESI, 2003).
Assim, embora haja esforços de consolidação de
uma rede de instituições, sobretudo no Brasil – dentre
as quais o Instituto Ethos -, que fomenta a adoção da
RSE, grande parte das iniciativas restringe-se ainda
a medidas paliativas e cosméticas que, muitas vezes,
confundem-se com mero marketing institucional.
Apesar das boas intenções dessas instituições, não há
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Revista da FAE
como negar ou coibir possíveis interesses empresariais
disfarçados, motivados sob o apelo de tornarem suas
empresas mais competitivas, de forma a prospectar
uma imagem conveniente de responsabilidade socio-
am biental, em virtude das exigências do mercado,
para que não se corra riscos de rejeição de marcas
ou produtos. Por outro lado, existem empresas que
assumem uma visão de longo prazo e que, focadas
na competitividade sistêmica, acabam por superar a
mera racionalidade econômica utilitarista, aprisionada
na missão organizacional descolada de um ideário
institucional (DALLABRIDA; SAMPAIO, 2006; SAMPAIO;
SOUZA, 2006).
d) O projeto da Economia de Comunhão (EdC)
constitui o quarto desdobramento. Ao emprestar do
movimento dos Focolares4 os valores, os princípios, a
visão de mundo para aplicar ao espaço da produção e
do trabalho, a EdC prega fazer da atividade econômica,
sobretudo a empresa, um lugar de encontro no sentido
mais profundo do termo; um lugar de comunhão entre
quem tem bens e oportunidades econômicas e quem
não os tem (SAMPAIO et al., 2003).
As empresas da EdC devem canalizar capacidades
e recursos para produzir riqueza em prol dos que se
encontram em dificuldades. Dentre esses recursos está
o lucro, que é objeto de uma divisão tripartite:
• �������������������������������������������parte utilizada no reinvestimento na própria ati-
vidade produtiva de modo que ela se mantenha
economicamente viável;
• ����� �� ��xí��� � ������� ��c��������� (��g�-
das ao movimento dos Focolares), dando-lhes
a possi bilidade de viver de modo mais digno,
à espera de um trabalho, ou oferecendo-lhes
emprego nessas empresas;
4 O Movimento dos Focolares, que possui cinco milhões de integrantes leigos, religiosos, não religiosos, e sem credo religioso em todo o mundo, tem viés espiritual, caritativo, social, econômico, político, ecumênico, inter-religioso, cultural, etc. Sua essência consiste na chamada “cultura do dar”, que preconiza a comunhão de bens entre todos os membros e em consistentes obras sociais. (LUBICH, 2002).
• �ú����������������������������������������-
do à formação de homens e mulheres que moti-
vam a vida pela cultura do dar (LUBICH, 2002).
Dallabrida e Sampaio (2006) aponta que a EdC, com
pouco mais de uma década, começou recentemente a
produzir resultados teórico-empíricos, mas as empresas
vinculadas ao projeto, por serem movidas por um
“ideal” ético, caminham no sentido da possibilidade da
construção de sociedades sustentáveis, incorporando
em seu agir algumas dimensões da sustentabilidade.
As experiências vêm sendo analisadas, sobretudo
por participantes do movimento dos Focolares, ao
qual a EdC está vinculada, o que pode revelar certa
tendenciosidade nas análises e interpretações, mesmo
sem intencionalidade.
e) Por fim, o último desdobramento deste estudo:
a Economia Solidária (ES). Trata-se de uma categoria da
economia que se funda na crise do capital e do Estado
e representa a expressão de uma das respostas dos
trabalhadores que incorporam suas críticas históricas
ao capital e constituem uma forma de organização não
capitalista (SINGER, 2002).
A ES prega princípios democráticos, ou seja, autoge-
stionários. Apregoa que pode existir solidariedade na
economia, sobretudo quando se garante direitos iguais
entre aqueles que se associam para financiar, produzir,
comerciar ou consumir mercadorias. No entanto,
existem dificuldades de se inserir à lógica associativista
na economia de mercado e, quando se consegue,
corre-se ainda o risco de se desvirtuar dos princípios
associativistas (SINGER, 2002).
Nesse estudo, aborda-se o Comércio Justo ou
Fair Trade, uma das variantes insculpidas na Economia
Solidária. O Comércio Justo surge para assegurar uma
nova relação, livre, direta e honesta entre três novos
sujeitos econômicos:
• �������������������������c�������g�����produtores em vias de empobrecimento, geral-
mente excluídos ou com desvantagens no co-
mércio praticado no âmbito da economia de
mercado;
24 |
• consumidores solidários que estão dispostos a
pagar um sobrepreço; e
• os intermediários sem ânimo de lucro.
Sinteticamente, caracteriza-se por uma relação
comercial em que consumidores aceitam pagar um
sobrepreço sobre os produtos numa forma de remune-
ração mais justa aos produtores, como “premiação”
a uma produção resultante da incorporação de
boas práticas socioambientais, ou seja, em nome da
preservação dos valores histórico-culturais locais, da
proteção e conservação do meio ambiente, do fomento
ao desenvolvimento local e da inclusão social pelo
trabalho e renda (PLATAFORMA KOMYUNITI, 2005;
ESPANICA, 2005).
3 O estado atual de conhecimento
sobre experiências latinoamericanas
em curso
A seguir, serão relatadas as experiências brasilei-
ras e chilenas que ilustram cada desdobramento iden-
tificado pela ecossocioeconomia das organizações.
3.1 Agenda 21 local: uma experiência
no sul catarinense
Desde 2000 vem sendo desenvolvido na área do
entorno da Lagoa de Ibiraquera, situada nos municípios
litorâneos de Imbituba e Garopaba (SC), um diagnóstico
socioambiental participativo orientado para a definição
de um plano experimental de desenvolvimento local
integrado e sustentável – ou ecodesenvolvimento.
Este trabalho vem sendo conduzido pelo Núcleo
do Meio Ambiente e Desenvolvimento (NMD) da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), dando
continuidade a um projeto de doutorado que estava
em curso em meados de 20005. Após algumas reuniões
5 SEIXAS (2005).
entre lideranças comunitárias e o NMD/UFSC com sua
equipe interdisciplinar, chegou-se a um consenso de
que as aspirações da comunidade convergiam com
as intenções do NMD/UFSC de pesquisar e dar apoio
técnico-científico à área. Firmou-se então um acordo
que resultaria mais tarde da criação do Fórum de
Agenda 21 da Lagoa de Ibiraquera6.
Para realizar o diagnóstico socioambiental partici-
pativo instituiu-se um fórum comunitário, valendo-se
de grupos de trabalho (pesca, turismo, saúde e sanea-
mento, educação e cultura), atualmente em fase de
consolida ção institucional – o Fórum da Agenda 21 local.
Envolveu-se lideranças comunitárias, representantes de
ONGs, equipe de pesquisadores e, esporadicamente,
agentes governamentais.
Entre as debilidades apontadas, salienta-se a ne-
cessi dade de maior intercâmbio entre as inter-relações
múltiplas dos Grupos de Trabalho (GTs) componentes
do Fórum da Agenda 21 da Lagoa de Ibiraquera, de
modo que se pudesse visualizar melhor a complexidade
sistêmica da dinâmica. Atualmente, nem sequer existem
mais os GTs.
Quanto à conscientização da comunidade, embora
os atores sociais sejam capazes de perceber e apontar
os problemas socioambientais causados pelas atividade
turística (mesmo porque, por meio de fotos aéreas,
comprova-se aumento da área de vegetação na
região!), eles não enxergam a si próprios como agentes
de degradação, isto é, problemas “são e estão sempre
no outro”. Para exemplificar, proprietários de pousadas
que construíram seus equipamentos no morro da Praia
do Rosa – ocupando quase a área total do terreno com
a derrubada da mata nativa –, não consideram seus
empreendimentos como sendo impactantes, mesmo
6 No ano de 2003, a UFSC conseguiu apoio financeiro do Fundo Nacional de Meio Ambiente (FNMA) do Ministério do Meio Ambiente (MMA), com o projeto intitulado Manejo Integrado da Pesca na Lagoa de Ibiraquera, que teve como objetivo trabalhar com as comunidades que vivem da pesca na Lagoa de Ibiraquera, respeitando os princípios do Fórum da Agenda 21 Local (MUNDIM, 2005).
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Revista da FAE
porque, como justificam, “tudo está de acordo com a
legislação municipal”7.
O Fórum ainda não conseguiu contar sistema-
ticamente com o apoio do governo de ambos os muni-
cípios e superar a obstrução de membros comunitários,
muitas vezes, provocada por questões relacionadas
a diferentes visões de mundo, entre os partidários da
Via da Economia de Mercado, do Ecodesenvolvimento
e do Preservacionismo. Ou então, entre as populações
tradicionais e as que migraram de outros lugares para
viver em Ibiraquera, o que, há que se ressaltar, é uma
característica comum entre arranjos institucionais e
socioprodutivos de gênese comunitária.
Não se espera que tais contradições sejam supe-
radas (mesmo porque a diversidade cultural é desejada),
mas que ao menos se consiga dialogar sobre temas de
interesse comum. Contudo, em meio às divergências,
conseguiu-se avançar: freou-se os impactos de uma
fazenda de camarão e de grupos empresariais hoteleiros
que ameaçam tanto o equilíbrio quanto o acesso e uso
da biodiversidade costeira, e ainda relevar na etapa
do diagnóstico participativo o conhecimento dos
mora dores tradicionais, pescadores ou ex-pescadores
artesanais que desenvolvem ou desenvolviam agricul-
tura de subsistência8.
O Fórum quer consolidar a criação de um sistema de
educação para o ecodesenvolvimento na área, de modo
que se possa refletir permanentemente sobre os direitos
e deveres de cada usuário dos recursos ambientais
existentes na área (lagoa, dunas, praia e mar).
Cogita-se também a concepção de uma reserva
extrativista de espelho de água, que é experiência
pioneira pela suas características, onde se descentraliza
cada vez mais as decisões.
Media-se a negociação de conflitos gerados pela
presença de interesses diferenciados pelos usos do
patrimônio comum, com base na difusão de normas
jurídicas oficiais e científicas qualificadas, na qual se
7 MUNDIM (2005); ARAÚJO e SAMPAIO (2004).8 SAMPAIO (2005).
formula participativamente estratégias coordenadas de
ecodesenvolvimento. Estas implicam, entre outras coisas,
na luta pela revitalização da pesca e da aqüicultura,
na criação de alternativas nos setores de agroecologia
e do turismo de baixo impacto socioambiental, na
instituição de unidades de conservação co-geridas pelas
comunidades locais, na revitalização do tecido cultural
e na construção de uma representação ecossistêmica
das opções de modo de vida comunitário9.
3.2 Turismo comunitário: um projeto
no litoral do Ceará
A Prainha do Canto Verde é um lugarejo de pes-
cadores e rendeiras, com cerca de 1.200 habitantes,
localizado no município de Beberibe, próximo da capital
do Estado do Ceará, Fortaleza, na Região do Nordeste
brasileiro. Diante de uma luta comunitária contra a
grilagem de suas terras, criou-se em 1989 a Associação
Comunitária do Canto Verde. Desde, então, vem se
combatendo outros problemas que afetam a área:
pesca predatória, especulação imobiliária, turismo de
massa e falta de apoio do governo estadual. O apoio
de organizações não-governamentais (ONGs), inclusive,
muitas delas criadas a partir das demandas reclamadas
pela comunidade10 é um ânimo para a experiência.
O que chama a atenção na área é a implantação do
turismo socialmente responsável para melhorar a renda
e o bem-estar dos moradores e, simultaneamente,
pre servar os valores culturais e as belezas naturais da
região.
Este projeto de turismo foi organizado pelo
Conselho de Turismo, criado em 1997, que, por sua
vez, está vinculado a Associação Comunitária do Canto
Verde. Além deste, existem outros conselhos, os de
9 Exemplificado pelo depoimento de um pescador artesanal: “de que só sabia pescar e que tinha aprendido com seu pai e que passaria para seu filho, e que não trocaria a pesca por nada” (VIEIRA, 2004).
10 MUNDIM (2005).
26 |
Educação, Saúde, Terra, Pesca e Artesanato, todos
vincu lados a Associação Comunitária.
O Conselho de Turismo se dinamiza através da
Cooperativa de Turismo e Artesanato da Prainha do
Canto Verde, que coordena as atividades turísticas e as
organizam em pequenos empreendimentos coletivos
e individuais, tais como pousadas, casas e quartos de
aluguel, barracas de praia, passeios de bugue e lojas de
artesanato – forma-se um Arranjo Produtivo e Político
de Base Comunitária. Uma das pousadas, inclusive, é
de propriedade da própria associação. A cooperativa,
até então informal, surgiu com o intuito de possibilitar
um complemento na renda familiar dos moradores, em
consequência pelas dificuldades da pesca artesanal11.
Todos os empreendedores são originários da
pró pria comunidade, portanto, não há investidores
externos e os recursos permanecem na própria loca-
lidade. Diferentemente, de outras localidades próximas,
como a Praia das Fontes e da Tabuba, em que pre-
domina o chamado turismo de massa, baseadas
respec tivamente na rede hoteleira e no conjunto de
residências secundárias (habitações de uso eventual dos
proprietários).
A Prainha recebe basicamente turistas como
pesquisadores, inclusive estrangeiros, algumas famílias
e parentes dos moradores. Considera-se como atrativos
locais o luar, casas típicas de pescadores, a pesca
co mercia lizada na própria praia, ou seja, o próprio modo
de vida12 – vantagens comparativas pouco percebidas
na maioria dos planejamentos turísticos elaborados de
maneira tecnicista.
A atividade turística iniciou com famílias que
puderam, com recursos próprios ou tomando emprés-
timo de um fundo rotativo de recursos da associação
comunitária, construir quartos e pousadas. As pessoas
11 A Prainha do Canto Verde já coleciona duas premiações: (1) Prêmio To Do, versão 1999, por ter sido considerado projeto de turismo socialmente responsável; e (2) TOURA D’OR 2000, por melhor filme documentário sobre turismo comunitário (CORIOLANO; LIMA, 2003).
12 CORIOLANO e LIMA (2003).
que não se beneficiam diretamente da atividade turística
acabam sendo auxiliadas, por um Fundo Social e de
Educação, mantido parcialmente por repasse de recursos
da Cooperativa de Turismo e Artesanato. É uma maneira
de atuar contra a desigualdade de oportunidades13.
A atividade turística não é planejada de maneira
setorial, como geralmente são os planos turísticos.
Além de possuir função subsidiária, assumidamente
de pequena escala, e complementar à economia da
comunidade, o turismo tem papel na conservação do
ambiente cultural e natural, isto é, sua gestão ancora-se
na autorregulação comunitária.
Os desafios, porém, não são pequenos, como em
qualquer outra experiência. Ressalta-se, nesse sentido,
o desrespeito de alguns cooperados, que tentam
obter vantagens individuais; necessidade freqüente de
sensibilizar a comunidade para que ela se identifique
como parte de todo o processo, quer na identificação
de problemas quer nas suas soluções; e a falta de
reconhecimento e apoio por parte dos órgãos de
turismo e governamentais14.
3.3 Responsabilidade socioambiental
empresarial no Chile: florestal Río Cruces
A história da Florestal Río Cruces inicia com a
visita de um casal de aristocratas alemães que, im-
pressionados com a paisagem do local, comprou uma
propriedade rural para então instalar uma empresa de
manejo e plantio florestal no qual se respeita princípios
sustentabilistas.
Posteriormente, foram compradas outras proprie-
dades rurais (municípios de Lanco, Panguipulli e Los
Lagos), totalizando aproximadamente 8.000 ha (sendo
60% de bosques nativos), além da sede da Florestal
que possui 2600 ha. Na administração da empresa
há 19 pessoas, entre eles um gerente geral, e mais
13 IVT (2004)14 MUNDIM (2005).
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Revista da FAE
31 trabalhadores diretos, além dos 50 trabalhadores
indiretos oriundos de empresas associadas.
A madeira certificada, sobretudo de manejo de
bosques nativos, é um mercado incipiente, de certo
modo desconhecido, no qual vigora o mito de baixa
produtividade quando comparado com reflorestamentos
de árvores exóticas como pinus e eucalipto. Entretanto,
a Florestal Río Cruces vem demonstrando que é possível
conciliar responsabilidade social empresarial15) e retorno
econômico quando se planta e maneja sustentavelmente
florestas nativas, e se planeja a longo prazo, distanciado
do imediatismo típico da lógica de mercado na qual
prevalece o utilitarismo economicista.
A empresa está certificada pela FSC (Forest
Stewardship Council16), primando por produtos de
alta qualidade (tais como molduras, madeiras semi-
acabadas e acabadas, pisos, componentes de móveis
e artesanato fino) ao contrário de outras empresas
florestais que utilizam apenas madeiras de bosques
de espécies introduzidas (não nativas). A capacitação
do pessoal quanto ao uso de motosserras e artefatos
florestais no manejo de bosques nativos é um dos
pontos que merece atenção constante, especialmente
quando se está numa região em que o desmatamento
é prática comum.
A zona de atuação da Florestal apresenta um clima
temperado chuvoso, cujas características são de alta
umidade relativa, baixas temperaturas e grande registro
pluviométrico anual. A área apresenta altos índices de
15 O Ministério da Agricultura chileno criou, em 1999, o Prêmio Nacional à Inovação Agrária, como reconhecimento à criatividade e esforço de iniciativas inovadoras no setor agrário. Por sua atuação, em 2003, a Florestal recebeu o Prêmio.
16 Certificação florestal de credibilidade internacional que atesta que a madeira (ou outro insumo florestal) utilizada num produto provém de manejo sustentável, ou seja, que é oriunda de floresta, nativa ou reflorestada, explorada de forma adequada do ponto de vista socioambiental, cumprindo todas as leis vigentes. Produtos finais ou intermediários que utilizam matéria-prima florestal com o selo Cadeia de custódia FSC têm a rastreabilidade da matéria-prima da floresta até o consumidor final (http://www.fsc.org).
pobreza rural e elevado analfabetismo, o que dificulta a
promoção de trabalhadores para postos de chefias, que
requerem competências diferenciadas.
A Florestal possui uma política de boa vizinhança
com as comunidades e as municipalidades aonde
opera, preocupando-se com a conservação de estradas
vicinais, contratando membros comunitários ora como
empregados diretos e indiretos, além de doar parte dos
resíduos de sua operação para utilização como lenha (vale
lembrar que a lenha no Sul do Chile, além de servir como
combustível para cozinhar, serve para o aquecimento das
casas em virtude das baixas temperaturas durante todo o
ano, com exceção do verão).
Quanto à questão social, a empresa faz doações
periódicas a jardins de infância, escolas e clubes des-
portivos nas áreas aonde opera, além de ministrar
palestras sobre a importância do manejo sustentável
dos bosques nativos.
Entre os desafios de atuação, cita-se a ausência
de marco legal em relação ao manejo sustentável de
bosques nativos, quer pela falta de consciência das
entidades governamentais, quer pelo descaso do mercado
comprador em relação à origem da madeira nativa.
3.4 Economia de Comunhão (EdC): gestão
e solidariedade em empresa chilena
A experiência de Economia de Comuhão refere-se
à Sociedade de Investimentos Foco S.A. (Poupança e
Crédito), sediada em Santiago (Chile).
A Foco surge a partir da falta de acesso a crédito às
pessoas vinculadas ao Movimento Focolar, com o projeto
de criar uma cooperativa de investimentos para aqueles
membros. A cooperativa nasce em 1985, antes mesmo
do florescimento do projeto global da EdC, lançado
no Brasil em 1990. Na ocasião fez-se uma consulta à
Federação de Cooperativas Chilenas que sugeriu ao
grupo de interessados que dessem continuidade a uma
cooperativa já constituída, entretanto inoperante, em
vez de de se criar uma nova cooperativa. Em 2004, a
28 |
cooperativa transforma-se em Sociedade Anônima
(para não transgredir a legislação chilena de bancos),
reduzindo de 400 para 100 associados, utilizando-se
como princípio: um sócio por família.
A Foco S.A. é constituída por pessoas físicas
vinculadas ao Movimento Focolar ou então por pessoas
com vínculos com membros do movimento. A sociedade
é dirigida por meio de uma assembléia de sócios, eleitos
sob critérios de competência e formação universitária,
além de uma administradora. Nunca recebeu financia-
mento a fundo perdido de de outras fontes. Os
financiamentos que a Sociedade contrata, de um modo
geral, são destinados à aquisição de maquinários,
emergências de saúde, férias, reformas residenciais,
estudos universitários e compras de automóveis,
cujos juros variam de 1,2% a 2%17, dependendo do
capital financiado. Historicamente, os financiamentos
contratados giram entre US$ 1.000 a 23.000, limitados
pela exigência de que o contratado deva possuir ao
menos 1/3 do valor financiado em cotas do capital da
Sociedade. Curiosamente não há registro de nenhum
processo de cobrança oficial.18
Balizada nos princípios da divisão tripartite do
lucro, os dividendos da Foco seguem aqueles princípios:
a primeira parte é destinada ao Movimento Interna-
cional de Economia de Comunhão, sediado em Roma
(Itália), que posteriormente distribui às pessoas carentes
que participam do Movimento no Chile; a segunda
parte é destinada a investimentos na própria empresa;
e a terceira parte destinada a projetos de formação
humanista dos associados do movimento.
Do ponto-de-vista de evolução, a Foco encontra-se
numa etapa madura e pronta para os novos desafios
futuros, pois, aponta-se como debilidade empresarial
atualmente não ambicionar o crescimento econômico.
17 Bem abaixo das taxas de juros praticadas pelos bancos comerciais chilenos que giram em torno de 3,3% a.m.
18 Atualmente, há um único caso de financiamento inadim-plente. Prevalece a negociação em torno do respeito aos princípios da sociedade, que deve ser preservado: o interesse coletivo predominando sobre o individual.
Pensa-se na possibilidade de criação de um sócio cole-
tivo que poderia congregar associados interessados
em correr riscos maiores como o financiamento de
novas empresas. Atribui-se como marco no projeto o
compartilhamento de valores solidários pelos sócios.
3.5 Economia solidária: Fair Trade
made in Chile
As discussões acerca do Comércio Justo inicia-
ram no Chile em 1996 com a união de diversas
organizações não-governamentais (ONGs), voltadas
às questões socioeco nômicas e ambientais. Essa
união, denominada Plataforma Komyuniti, após
alguns anos de articulações, conseguiu formar uma
rede de cooperação e de apoio mútuo a pequenos
produtores para garantir a sustentabilidade de seus
socioempreendimentos.
Em outubro de 2002, inaugurou-se a primeira
Loja de Comércio Justo do Chile. Após um ano de fun-
cionamento constatou-se a importância de disseminar
o conceito de comércio justo e o significado de con-
sumo consciente: a Plataforma Komyuniti concebeu a
Cooperativa de Comércio Justo Chile, alicerçada numa
Carta de Princípios e numa Carta de Compromissos que
formalizam as diretrizes a serem seguidas por pessoas e
organizações que queriam ingressar na esfera comercial
da Plataforma.
Além de abarcar os interesses dos pequenos
produtores, organizações da sociedade civil e consu-
midores, e de fomentar a formação de microrredes
de Comércio Justo no Chile, a Cooperativa promove
estratégias educativas para pensar e consolidar uma
economia mais solidária.
A rede interorganizacional formada pela Plata-
forma Komyuniti se estende do norte ao sul do
Chile, incluindo regiões metropolitanas de centros
urbanos como Santiago e centros menores como
Valparaíso, além de comunidades e povoados, como os
descendentes dos mapuches-huilliches (grupo indígena
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.17-33, jul./dez. 2009 | 29
Revista da FAE
predominante entre os primeiros habitantes do Sul do
Chile) e produtores da Bolívia e do Peru.
O grupo de produtores são, em sua maioria,
indivíduos de baixa renda, povos autóctones e origi-
nários que ainda preservam muitos de seus costumes
e tradições, vivendo em comunidades (muitas vezes
isoladas) e desenvolvendo atividades relativas à agri-
cultura familiar, à pesca de subsistência e trabalhos
manuais. Os artesãos, produtores e pescadores envol-
vidos estão agrupados em torno de 40 organizações e
o volume de vendas estimado para o ano de 2005 era
de US$ 45.000.
A grande maioria dos produtos comercializados
pela Loja de Comercio Justo personifica a cultura
socioprodutiva e a identidade dos territórios onde são
produzidos, como:
a) artesanato: produtos utilitários e de decoração
feitos de cerâmica, fibras, madeira, couro, lã,
pedras e jóias;
b) alimentos primários: café, chá, açúcar, frutas,
verduras, cereais andinos, ovos, carnes, mel,
condimentos, ervas medicinais, etc.; e
c) produtos semi-industrializados: comidas na-
tivas, pães, vinhos, licores, biscoitos, queijos, geléias, brinquedos, sabões.
Não se verificou o envolvimento de governos
locais na experiência, ou qual foi o papel do poder
público local na identificação das potencialidades
locais e na criação do ambiente propício para o
desenvolvimento destas potencialidades. Apesar de
ser uma experiência relativamente nova, verifica-se
que acaba trazendo benefícios sociais, econômicos e
ambientais importantes (guardadas suas proporções)
às comunidades de produtores.
Por sua vez, não quer dizer que os grupos de
produtores respondam totalmente aos critérios deter-
minados pela cooperativa, o que também não invalida
a experiência e nem a enfraquece. As principais debili-
dades da Plataforma Komyuniti são:
• desarticulação com governos locais;
• rigor nos critérios de integração dos cooperados
à rede;
• limitação da área de comercialização da Loja de
Comércio Justo, restringindo-se à região metro-
politana de Santiago;
• loja com espaço físico restrito, embora esteja
bem localizada;
• dificuldade de replicar tal experiência diante do
ambiente competitivo da economia de mercado
chilena; e
• inexperiência dos dirigentes quanto à gestão da
cooperativa.
Considerações finais
Acredita-se que nas experiências relatadas enten-
didas como de Ecossocioeconomia das Organi zações,
o agir organizacional que resulta de ações individuais
compromissadas emergem de um vácuo institucional
instalado na dinâmica societária. Novas tecnologias
sociais surgem ponderando o agir econômico dentro de
limites que promovem igualdades de oportunidades.
Nesta perspectiva, crê-se na possibilidade de um
mercado mais solidário, no sentido de trocas mais
justas entre vendedor e comprador, incorporando trocas
compensatórias, isto é, quando a classe econômica mais
privilegiada, ao menos em um primeiro momento, reduz
voluntariamente sua expectativa de ganhos a favor
de classes econômicas menos abastadas, valorizando
conhecimento e bens de origem comunitária.
As experiências agrupadas podem ser divididas
entre trabalhos teóricos ou, até mesmo, ideológicos bem
elaborados, entretanto com pouca prática convincente,
como os Fórum de Agenda 21 Local e as Empresas de
Responsabilidade Social; e trabalhos empíricos que vêm
apresentando resultados promissores, como o Turismo
Comunitário, a Economia de Comunhão e a Economia
30 |
Solidária (Comércio Justo e Clube de Trocas Solidárias),
entretanto, sem uma proposta clara sobre um modelo
de gestão que possa ser replicado.
O que não se pode deixar de notar nas experiências
analisadas é, que, todas elas apresentam em seu cerne
algumas das dimensões da sustentabilidade. Exem-
plificando, pode-se citar a dimensão social, presen te em
todas as experiências; a dimensão ecológico-ambiental,
notável nas experiências da Agenda 21, Turismo Comu-
nitário e RSE; a dimensão cultural, explícita nas expe-
riências da Agenda 21, Turismo Comunitário e Comércio
Justo; e a dimensão demográfica ou espacial, destacada
no Turismo Comunitário e no Comércio Justo.
Um dos desafios das experiências latinoamericanas
que podem ser apontadas como indo na direção da
ecossocioeconomia das organizações é o de equacionar
a solução de dois problemas:
a) indivíduos que ocupam funções de liderança,
administração e fomento comunitário, que vêm
conseguindo com dificuldade transformar boa
vontade em gestão compartilhada (arranjo),
em gestão extraorganizacional (do entorno
para a organização) e ainda relevar a potencia-
lidade tanto do conhecimento tradicional nos
pro cessos de produção quanto dos produtos
comunitários na distribuição e na comercializa-
ção acabam por abandonar suas atividades por
questão de sobrevivência, pois em sua maioria
são militantes não-remunerados ou pesquisado-
res com bolsas temporárias;
b) a dependência das experiências de associativismo
legítimo e empreendimentos compartilhados de
recursos de subsídios – financiados pelo Estado
ou por ONGs internacionais –, e de incubação e
assessoria de movimentos sociais ou centros de
pesquisa universitários, restringindo a autono-
mia político-financeira dessas experiências. Não
se questiona a relevância de políticas compensa-
tórias em sociedades caracterizadas pela má dis-
tribuição de renda – independentemente do seu
estágio político-democrático –, como acontece
na maioria dos países da América Latina.
Todavia, crê-se que estas medidas compensatórias
devam ser pensadas como propostas articuladas a um
projeto de sustentabilidade administrativo-econômica
que possibilitem, em um primeiro momento, ao menos,
sobreviver diante da dinâmica capitalista e da economia
de mercado para então, em um segundo momento,
possibilitarem a criação de uma dinâmica própria.
A ecossocioeconomia das organizações não tem
a pretensão de ser uma nova base conceitual para se
pensar um outro modo de vida, como já faz o desen-
volvimento sustentável. Ela deseja reorganizar conceitos
já encontrados na multiplicidade de estudos existentes
na literatura sobre o tema, entretanto, que carecem
de sistematização pragmática na ciências sociais
aplica das – especialmente na chamada ciência da
administração –, para que possa ser disseminada.
Deseja-se, entretanto, ser ambicioso com a ecosso-
cioeconomia das organizações quanto ao pensar,
analisar e experimentar metodologias de tomada de
decisão que consideram a extrarracionalidade e o vetor
extraorganizacional como princípios de gestão organi-
za cional de ênfase interorganizacional (tal como o
arranjo socioprodutivo de base comunitária, susten tável
e solidária) e que ponderem os vetores de eficiência
processual, eficácia produtiva e efetividade econômica.
Em outras palavras, deve-se criar alternativas que
complementem as limitações da ação baseada pura-
mente na racionalidade econômica, ampliando suas
perspectivas de análise quantitativa (de curto para
médio e longo prazos) e qualitativa (da economia para
ecossocioeconomia), inseridas nos modelos de gestão
empresarial que acabam replicadas (muitas vezes devidas
adaptações) no setor público e no chamado terceiro
setor, como se fossem organizações com características
de propriedade e finalidade seme lhantes.
É necessário instigar a dimensão tácita do conhe-
cimento de ênfase cultural-social territorial e a sabedoria
tradicional de ênfase cultural-produtiva territorial na
chamada ciência administrativa.
Concorda-se que tais conhecimentos são rele-
ga dos sob a justificativa de não possuirem cogni-
ção, especialmente quando observados a partir da
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Revista da FAE
pers pectiva da racionalidade individual ou organi-
zacional, pois não se sabe mensurá-los. Portanto,
de um lado é necessário permitir a flexibilização na
busca do entendimento do saber científico, consi-
de rando os saberes tradicionais nos subsídios para
a formulação de decisões coladas à realidade e que,
conseqüentemente, solucionam os problemas mais
importantes, ditos estratégicos, do mundo da vida. De
outro lado, se quer evitar o risco de cair na ideologia,
no romantismo utópico e na generalização; e, muito
menos, no ceticismo, na imobilidade e na especificação.
Assim, a ecossocioeconomia das organizações tem
como desafio encontrar mecanismos que possibilitem
extrair, sistematizar e potencializar, primeiramente, o
saber tradicional no âmbito da objetividade coletiva e,
em segundo lugar, a dimensão tácita do conhecimento
no âmbito da intersubjetividade.
Enfim, espera-se que as metodologias de
Agenda 21, Turismo Comunitário, Responsabilidade
Social Empresarial, Economia de Comunhão e Eco-
nomia Solidária – que podem ser entendidas como
indo na direção da ecossocioeconomia das organiza-
ções –, impregnadas também de certo pragmatismo,
possam se multiplicar da mesma maneira que seu
par gerencial-economicista, tornando-se cases ou
modismos globa lizados.
Todavia, espera-se que sejam mais benéficos à
maioria dos indivíduos e que, ainda, privilegiem horiz-
ontes temporais mais longos. O que não se pode
relegar é o fato de que estas metodologias, indepen-
dentemente de sua magnitude (podendo até mesmo
ser consideradas pouco ambiciosas em termos de
resultados), desempenham papel importante para
as comunidades locais, em especial, aquelas menos
desenvolvidas, de menor poder aquisitivo e, muitas
vezes, à margem da economia formal. O trabalho de
forma articulada e sinérgica, inclusive com o apoio de
organizações (públicas, privadas e ONGs) por exemplo,
acaba por proporcionar a pequenos produtores rurais,
artesãos, pescadores, comerciantes, cooperados, ren-
deiras, etc., maiores chances de sobrevivência.
•Recebido em: 20/06/2009 •Aprovado em: 23/10/2009
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Revista da FAE
Resumo
Este artigo baseia-se em pesquisas, observações cotidianas e entrevistas rea-lizadas com os membros da Comunidade Morada da Paz (CMP), localizada no município de Triunfo, estado do Rio Grande do Sul, Brasil, desde sua fundação em janeiro de 2003 até abril de 2009. O objetivo geral deste artigo é investigar as dinâmicas sócioeconômicoambientais dentro da CMP, analisando a partir do seu modus vivendis as inter-relações entre ética e economia ecológica. Os objetivos específicos serão investigar como se construiu e se mantém sustentável o modo de vida da CMP ao longo da sua trajetória de existência, examinando-se as suas relações internas, as suas relações com o meio ambiente e as relações que mantêm com o seu entorno local e colaboradores, e analisar as possíveis contribuições que o seu modo de vida pode oferecer ao desenvolvimento de práticas sustentáveis junto a outras comunidades, ao seu entorno local e regional e à sociedade em geral.
Palavras-chave: sustentabilidade; solidariedade; redes.
Abstract
This paper is based on researches, daily observations and interviews made with Comunidade Morada da Paz’s (CMP) members localized in Triunfo, Rio Grande do Sul, Brasil, since its fundation in January 2003 until April 2009. The general objective of this paper is to investigate the social-economical-environmental dynamics in CMP, analising, from its modus vivendis, the interrelationship between ethics and ecological economics. The specific objectives will be to investigate how CMP way of life was builted and how it is sustained in its journey of existence, observing the internal relationships, the relationships with the ecosystem and the relationships with its neighbourhoods and partners, as well as to analyse the possible contributions that CMP’s way of life can offer to the development of sustainable practices of other communities, neighbourhoods, local region and society.
Keywords: sustainability; solidarity; networks.
* Economista. Pós-graduando em Gestão de Pessoas (UFT). Membro do Núcleo de Economia Solidária (NESol/UFT). E-mail: [email protected]
Rogério Ferreira Teixeira*
Comunidade, ética e economia ecológica: reflexões sobre o modo de vida da morada da paz
Community, ethics and ecological economy: reflections about morada da paz’s way of life
36 |
Introdução
O que motivou a realização deste artigo foi a ne-
cessidade de pesquisar alternativas para um modo de
vida sustentável, que possibilite uma integração entre
o ser humano e a natureza, apontando caminhos nesta
direção. Neste sentido, uma abordagem sobre comuni-
dade, ética e economia ecológica tornou-se apropriada
para relatar a experiência da Comunidade Morada da
Paz (CPM) de Triunfo/RS.
Primeiramente, será feito um breve histórico so-
bre o movimento das comunidades e o surgimento da
economia ecológica enfocando seus principais pres-
supostos. Em seguida, realizar-se-á uma retrospectiva
sobre a constituição da CMP, analisando as suas dinâ-
micas internas, o uso de tecnologias sustentáveis nas
relações com o meio ambiente e as ações que estabe-
lece em rede com parceiros e colaboradores.
Finalmente, serão tecidas algumas considerações
a respeito das abordagens realizadas, visualizando a
partir destas a Morada da Paz como uma comunidade
onde economia ecológica e ética encontram-se e com-
plementam-se fomentando um modo de vida sustentá-
vel e solidário.
1 Um Breve Histórico sobre
Comunidades e o Surgimento
da Economia Ecológica
O modelo capitalista neoliberal gerou profundos
desequilíbrios no planeta em vários aspectos, como o
social, econômico, cultural e por consequência o am-
biental. Torna-se primordial a busca por uma forma de
vida que possibilite o reencontro do ser humano consi-
go mesmo e com uma relação mais sustentável com a
natureza e com seu semelhante.
A propósito, Capra (2002, p.267-268) comenta que
No decorrer deste novo século dois fenômenos espe-cíficos terão um efeito decisivo sobre o futuro da humanidade. Ambos se desenvolvem em rede e ambos estão ligados a uma tecnologia radicalmente nova. O primeiro é a ascensão do capitalismo global, composto de redes eletrônicas de fluxos de finanças e de informação; o outro é a criação de comunidades sustentáveis baseadas na alfabetização ecológica e na prática do projeto ecológico, compostas de redes ecológicas de fluxos de energia e matéria. A meta da economia global é a de elevar ao máximo a riqueza e o poder de suas elites; a do projeto ecológico a de elevar ao máximo a sustentabilidade da teia da vida.
Duran (2001, p.25), a este respeito complementa
com algumas considerações:
Todas las experiências de transformación alternativa de la sociedade al margem de mercado y de la lógica patriarcal dominante, tienen un gran valor como semillas y polos de referencia de lo que puede llegar a ser una transformación a mayor escala. La reconstrucción de las estructuras comunitarias, de los nuevos ámbitos de comunidad, se debe producir principalmente a partir de lo local. Lo local, que ha sido sometido y desarticulado por el capitalismo global, es necesario en gran medida restaurarlo ex novo.
A vida em comunidades, conforme Santos Junior
(2006), é prática antiga e remonta aos primeiros está-
gios da civilização humana. Encontramos relatos de
experiências de comunidades na Palestina, com os
essênios antes de Cristo, na Índia, com os seguidores
de Buda, e na América, com os índios, que também
compartilham princípios e práticas comunitárias.
Claval (1999, p.113) tece algumas considerações
importantes para compreendermos melhor o significa-
do de comunidade:
A vida social baseia-se em organizações hierárquicas institucionalizadas. Ela implica igualmente que os parceiros sintam-se pertencentes a um mesmo conjunto pelo qual cada um se sinta responsável e solidário. Isto toma em alguns casos uma forma afetiva, aquela da comunidade. Noutros casos, a construção social
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Revista da FAE
tem fundamentos racionais, o interesse, a eficácia, a preocupação de assegurar a defesa e a segurança coletivas, por exemplo. É o sentido da distinção proposto pelo sociólogo Ferdinand Tönnies, há mais de um século, entre a comunidade e a sociedade. A comunidade serve de modelo a toda uma série de unidades sociais e culturais: um pequeno grupo coeso, onde os membros estão ligados por relações de confiança mútua, pode se multiplicar por emigração ou se estender para englobar um grande número de pessoas ligado por certos traços fundamentais de cultura.
Claval (1999, p.114) considera ainda que existam
quatro formas de construir uma comunidade:
• elos de sangue e de aliança que unem os membros de uma família;
• membros unidos por um mesmo ideal e um projeto comum1;
• irmãos que partilham de uma mesma fé religiosa;
• co-habitação de pequenos grupos num mesmo lugar.
O movimento da contracultura na década de 60,
no século passado, reunindo principalmente jovens
descontentes com a violência, o extermínio da fauna
e da flora, e a vida competitiva nos grandes centros
urbanos fez proliferar principalmente nas Américas
várias comunidades embaladas por um projeto comum.
Conforme comentado por Capra (1988), o movi-
mento ecológico e o movimento feminista impul-
sio naram uma nova visão de mundo, mais atenta à
questão da sustentabilidade e da preservação da vida e
do planeta para o futuro.
O movimento das comunidades estruturadas a
partir de um projeto de vida comum se encontra hoje
1 De acordo com Claval (1999, p.115), a comunidade de projeto resulta de uma adesão consciente de seus membros. Pode ser analisada em dois níveis:
a) parcial: se se trata de uma associação desportiva, lúdica ou caritativa, à qual os membros conseguem uma parte de seu tempo livre;
b) global: se se trata verdadeiramente de um projeto de vida comum, segundo um modelo mais ou menos utópico, diferente daquele que a sociedade oferece em geral (MANUEL; MANUEL, 1979).
num processo crescente de desenvolvimento, sendo que
muitas delas contam com a organização e o trabalho
em rede. Objetivam em seus movimentos transcender
uma realidade que privilegia o individualismo, a
degradação ambiental e acarreta sérios desequilíbrios
econômicos, políticos e sociais. Há comunidades
espalhadas pelo mundo todo, como Findhorn (Escócia),
Cristal Waters (Austrália) e Lebensgarten (Alemanha),
que podem ser reconhecidas como referências em
práticas ecológicas.
Há uma entidade internacional, a Global Ecovillage
Network (GEN), que promove a veiculação de notícias,
o intercâmbio e a realização de cursos e atividades
de interesse comum. Santos Junior (2006) relata que
a GEN-Global, no ano de 2000 conseguiu obter o
reconhecimento de “organização oficial” da ONU, com
status consultivo no Conselho Econômico e Social do
Comitê das ONGs.
Neste início de século XXI, o movimento de vida
em comunidades ganha força e adeptos por oferecer
alternativas frente ao sistema hegemônico vigente,
construindo através de suas experiências possibilidades
para um modo de vida2 sustentável3.
As comunidades baseadas em projetos se desen-
volveram num momento simultâneo à efer vescência
do debate sobre meio ambiente no mundo. Houve
a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente em
Estocolmo no ano de 1972, tratando sobre o panorama
ambiental mundial, foi publicado o Relatório Brundtland
em 1987, trazendo o conceito de desenvolvimento
sus tentável, ocorreu ainda a RIO 92, que aprofundou
estas discussões, houve a assinatura do Protocolo de
Kyoto em 1997, que previa a redução da emissão de
2 Segundo Derruau (1982), podemos definir modo de vida como o conjunto de hábitos pelos quais o grupo que os pratica assegura a sua existência.
3 Sobre sustentabilidade, Ruscheinsky (2004, p.20) contribui para um melhor entendimento, afirmando que a princípio a sustentabilidade refere-se à capacidade de um modelo ou sistema sustentar-se na dinâmica evolutiva sem permitir que algum setor aprofunde-se em crises de tal forma que venha a atingir a totalidade.
38 |
gás carbônico na atmosfera, entre outros movimentos,
como a RIO + 10, na África do Sul em 2002.
No mesmo momento histórico, desenvolviam-se no-
vos postulados para a Ciência Econômica, incorporando
as principais preocupações trazidas à tona com relação ao
meio ambiente, nascendo, pois a Economia Ecológica.
Para Alíer (1998, p.268), um dos precursores da
Economia Ecológica, ela pode ser definida como:
Uma economia que usa os recursos renováveis (água, pesca, lenha e madeira, produção agrícola) com um ritmo que não exceda sua taxa de renovação, e que usa os recursos esgotáveis (petróleo, por exemplo) com um ritmo não superior ao de sua substituição por recursos renováveis (energia fotovoltaica, por exemplo). Uma economia ecológica conserva assim a diversidade biológica, tanto silvestre quanto agrícola.
Conforme apontado por Melo (2006, p.111),
Georgescu-Roegen (outro precursor da economia eco-
lógica) postula que:
As transformações decorrentes das atividades econômico-industriais resultam em uma entropia crescente, sendo possível se quantificar o aumento da desordem no sistema (entropia). Além disso, indica medidas para diminuir o processo entrópico:
• �������çã������c���������c�c��g��;
• ��������çã������������g��������������;
• c��������çã���c���������������c������������� o processo de extração, produção e consumo;
• ��������çã��������çã�����j������������çã�.
Várias destas contribuições trazidas pelos eco-
nomistas ecológicos passaram a ser adotadas pelas
comunidades projetadas para a busca de uma relação
mais equilibrada com a natureza.
Ainda sobre a economia ecológica, Melo (2006,
p.111) afirma que sua abordagem está centrada em
duas ideias, a saber:
1 limite ao crescimento econômico, visto que os recursos naturais são limitados e escassos;
2 a capacidade suporte não é algo fictício ou hipoté-tico, pois a experiência mostra que o “progresso” da
ciência e da tecnologia não tem garantido a susten-tação da vida no decorrer do tempo.
Outro pressuposto importante da economia ecoló-
gica, segundo Melo (2006, p.115), é a análise dos fluxos
físicos de energia e de materiais, além de considerarem
os preços de mercado (com o devido rigor, uma vez
que estes podem esconder relações ecologicamente
desiguais), em suas próprias análises. Defendem ainda
a participação política, especialmente dos movimentos
ambientalistas, para que o mercado (através do sistema
geral de preços) assuma os custos ambientais, uma vez
que o mercado por si só não o faz.
A Comunidade Morada da Paz (CMP), conforme
será visto adiante, incorporou em seu planejamento o
uso do instrumental econômico-ecológico, previamente
elaborando com auxílio de consultoria de arquitetos um
plano diretor para o terreno escolhido como sua sede e
implantando no dia-a-dia um fluxo sistêmico para mini-
mizar impactos ambientais.
2 O Processo de Constituição da
Comunidade Morada da Paz
A CMP é uma organização da sociedade civil de
direito privado, sem fins lucrativos, sem identificação
político partidária, fundada em 2003 na área rural do
Distrito de Vendinha, no município de Triunfo/RS, com o
objetivo de promover a sustentabilidade ambiental como
caminho para a busca de uma melhor qualidade de vida.
Os objetivos4 da Comunidade Morada da Paz são:
• promoção e qualificação educacional;
• desenvolvimento e valorização ambiental;
• promoção da saúde holística;
• investigação da dinâmica social.
A CMP começou a ser constituída quando um
grupo de pessoas oriundas de Porto Alegre/RS/Brasil
4 Extraídos do seu estatuto social.
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Revista da FAE
optou por vivenciar no dia-a-dia uma filosofia que
estava sendo construída ao longo de uma trajetória
coletiva de 4 anos (de 1998 a 2002). O modus vivendis
da CMP inclui a observância de princípios tais como
a fraternidade, a ética, o respeito, a prática de uma
alimentação vegetariana, a vontade de viver uma vida
plena e integrada à natureza, com simplicidade e de
uma forma sustentável.
Para tanto, alguns se desfizeram de terrenos e
veículos, outros de suas economias, juntaram o que
conseguiram arrecadar e realizaram ainda um em prés-
timo para adquirir uma área de 4,2 hectares numa
zona rural distante 52 quilômetros de Porto Alegre, no
município de Triunfo/RS, para constituir o que viria a ser
a CMP. O local foi escolhido através da pesquisa em um
anúncio de classificados e foi aprovada a sua compra
pelos membros do grupo após a visita, tendo sido
desconsiderada a necessidade de outras pesquisas, pois
o sentimento comum era de que o espaço congregava
todos os requisitos almejados.
Uma moradora da CMP (S.J., 37 anos) assim explana
sobre a trajetória de constituição do movimento:
A Comunidade Morada da Paz é a resultante do sonho de um grupo de pessoas que no decorrer da sua trajetória compreendeu que era necessário retomar a sua própria força e autoria na construção do mundo desejado. Os integrantes são pessoas que antes de constituí-la conviveram juntos pelo menos quatro anos. Alguns de nós éramos familiares, colegas de trabalho e amigos. Esse período de convivência, que precedeu a CMP, teve como característica a busca por uma compreensão profunda e comprometida do sentido das nossas existências. Assim estabelecemos como rotina estudos e vivências em grupo, que nos conduziram à expansão dessa com-preensão. Logo nos determinamos à elaboração de um projeto de ação coletiva, que colocasse o nosso saber a serviço de outras pessoas e comunidades. Os componentes tinham idades diversas (18 a 40 anos), formação educacional distinta (1º grau a mestrado) e ocupação profissional também diversificada. Cada experiência e saber individual são reconhecidos como um universo fundamental de possibilidades para cons-tituição desse projeto (trecho retirado de entrevista realizada em junho de 2007).
A área adquirida não foi repartida de acordo com o
que cada um ofertou para a sua aquisição, e a proposta
de vida desde o início sempre observou o uso comum
dos recursos materiais e naturais para a construção da
comunidade. Neste sentido, S.J. complementa:
O princípio que nos levou a construir o projeto CMP foi o sentido de unidade e coletividade comum a todos. A percepção da necessidade de estarmos juntos para resistir às pressões sociais, econômicas, espirituais,... e para garantir que pudéssemos nos colocar a serviço do outro potencializando nossas capacidades. Compreen-demos que os processos de transformação acontecem, invariavelmente, em micro espaços, movidos pela força e crença de quem os constitui (trecho retirado de entrevista realizada em junho de 2007).
No início, a CMP foi constituída por 5 famílias,
sendo 2 casais com 1 filho cada, de 2 anos na época, 1
casal sem filhos e 2 solteiros, totalizando 10 pessoas. O
grupo era formado por jovens, com a média de 31 anos
de idade entre os adultos, sendo predominantemente
negros. Quanto às profissões, na época, havia duas
assistentes sociais, um engenheiro eletricista, um
professor, um economista, uma pedagoga, uma técnica
em administração e um padeiro/confeiteiro.
De lá para cá, aconteceram muitas mudanças
quanto ao número de pessoas, tendo ocorrido entradas
e saídas, e inclusive a constituição de um núcleo da
comunidade em Salvador/BA, na área urbana. Hoje,
constituem a CMP, somando os dois núcleos, em Triunfo
e em Salvador, 6 famílias, totalizando 14 pessoas.
A CMP se mantém através de recursos próprios
dos seus moradores que trabalham em serviços
externos, doações regulares e eventuais. Não há o
apoio do governo ou de empresas através de projetos
até este momento. Há um caixa único comunitário
constituído pelas entradas através das fontes cita-
das. A área de planejamento e gestão de recursos
delibera com os representantes das demais áreas a
aplicação dos recursos para custear as despesas com
alimentação, transporte, educação, vestuário, entre
outras necessidades.
40 |
Embora existissem alguns membros nascidos no
interior do estado, nenhum havia experimentado ainda
uma vida rural, sendo eminentemente urbanos, até
então. Esta mudança da cidade para o campo, na
tentativa de fazer do campo não um lugar de produção,
mas uma opção de residência, preservação ambiental
ou mesmo um espaço de lazer, são experiências há
algumas décadas já conhecidas na Europa, como
destaca Carneiro (1998, p.3):
Novos valores sustentam a proximidade com a natureza e com a vida no campo. A sociedade fundada na ace le ração do ritmo da industrialização passa a ser ques tionada pela degradação das condições de vida dos grandes centros. O contato com a natureza é, então, realçado por um sistema de valores alternativos, neo-ruralista e antiprodutivista. O ar puro, a simplicidade da vida e a natureza são vistos como elementos “puri ficadores” do corpo e do espírito poluídos pela sociedade industrial.
A CMP vislumbra a perspectiva de uma vida
humana integrada com a natureza, de um constante
compartilhar, da troca de experiências entre as pessoas,
do diálogo sincero e aberto para a construção e da
articulação de redes solidárias.
Sobre estas questões, Norgaard (1997, p.124)
sabia mente complementa:
Sendo conscientes de como a lógica econômica tem sido distorcida pelas crenças modernas, podemos pelo menos começar de novo e construir a partir da importância crescente da convicção de que sustentabilidade eco-lógica, justiça ambiental, estrutura econômica e cultural global são cruciais para o bem-estar de nossa progênie.
3 Os Sete Princípios para a
Sustentabilidade da CMP
A vida em comunidade é construída por pessoas.
Onde existem pessoas há um fluxo de relações que
se estabelece. Para se manter estes movimentos em
harmonia é preciso observar alguns princípios5, como
5 Tais princípios estão presentes no estatuto social da Comu-nidade Morada da Paz.
determinação, respeito, receptividade, compreensão,
humildade, solidariedade, amorosidade.
Os princípios são observados tanto nas relações
humanas, quanto na relação com o meio ambiente
e também na relação com a sociedade (projetos com
parceiros da rede e com o entorno local). Tais práticas
demonstram que a economia dentro da CMP está
intrinsecamente conectada a aspectos éticos.
Sobre isto, Sen (1999, p.19) contribui afirmando que:
Em última análise a economia relaciona-se ao estudo da ética e da política, afirmando que o problema da moti-vação humana, “Como devemos viver?”, revela uma ques tão amplamente ética, ressaltando que essa ligação não equivale a afirmar que as pessoas sempre agirão de maneira que elas próprias defendem moralmente, mas apenas a reconhecer que as deliberações éticas não podem ser totalmente irrelevantes para o comporta-mento humano real.
No dia-a-dia, há o envolvimento de cada um dos
membros da CMP com o todo, compreendendo as
dimensões sociais, culturais, políticas e econômicas
da vida coletiva. Os processos decisórios para encami-
nhamentos operacionais das metas e objetivos são
realizados através de um conselho gestor. O sentido
é integrar cada membro no contexto da comunidade,
criando uma identidade e fortalecendo a unidade na
diversidade, o propósito do movimento.
O sistema de relações na CMP não é cada um ter a
sua casa e reproduzir os modus vivendis da civilização
moderna, ou seja, cada família fazer as suas próprias
compras, preparar apenas para si os alimentos e ter os
seus projetos de vida individuais6.
6 Estas observações acabam por revelar aspectos do ethos da vida comunitária na CMP. Geertz (1978, p.143) explica que os aspectos morais (e estéticos) de uma dada cultura, os elementos valorativos, foram resumidos sob o termo ethos, enquanto os aspectos cognitivos, existenciais foram designados pelo termo visão de mundo. O ethos de um povo é o tom, o caráter e a qualidade de sua vida, seu estilo moral e estético e sua disposição, é a atitude subjacente em relação a ele mesmo e ao seu mundo que a vida reflete. A visão de mundo que esse povo tem é o quadro que elabora das coisas como elas são na simples realidade, seu conceito da natureza, de si mesmo, da sociedade.
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Revista da FAE
A proposta da CMP vai além, constrói a perspecti-
va de um projeto coletivo de existência, onde a vivência
de cada membro compõe uma peça importante na exe-
cução das linhas de ação da comunidade.
Bravo (1982, p.23) salienta sobre este aspecto que:
A comunidade com seus problemas, suas histórias, deve estar bastante relacionada à vida de cada um e à de todos, como uma coletividade una. E, evidentemente, que a vida comunitária, com seus problemas, sua gente, sua história, suas coisas, enfim, não deve ser apenas admirada ou mesmo “curtida”. Há necessidade de cada comunitário viver a sua comunidade, participando, construindo-a. A identificação, a equação e a solução das dificuldades comuns da comunidade, portanto, devem ser objetivos dos comunitários. E esta atitude somente será conseguida se houver uma participação ativa de cada um e de todos.
A gestão da CMP estabelece um equilíbrio de pode-
res havendo dois conselhos, o curador para zelar pelos
seus princípios filosóficos, e o gestor para operacionali-
zar as demandas administrativas divididas em oito áreas
operacionais7. Na estrutura da CMP, há a presença de
gestores, responsáveis pelas áreas organizacionais com
igual poder de representação legal da CMP frente a ter-
ceiros. Ressalta-se considerando estas características o
caráter autogestionário8 da CMP.
Sobre a autogestão, Singer9 (2002 apud PEREIRA;
GUERRA, 2008, p.249) considera que:
Torna-se importante, portanto, destacar que a autogestão é, antes de tudo, uma relação sócio-econômica entre os homens, baseada no princípio da distribuição segundo o trabalho e não sobre a base do capital, dos meios de produção. Assim, todas as decisões precisam ser tomadas pelo coletivo. Mesmo quando exista um
7 Conforme o estatuto social da CMP, suas áreas organi-zacionais são as seguintes: organicidade, nutrição, animais, agroecologia, gestão de recursos, projetos, documentação e relações exteriores.
8 Segundo Carvalho (1995 apud PEREIRA; GUERRA, 2008, p.249), autogestão pode ser definida como um modelo de organização em que o relacionamento e as atividades econômicas combinam propriedade e (ou) controle efetivo dos meios de produção com participação democrática de gestão.
9 SINGER, P. Introdução à economia solidária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002.
sistema de representações com delegados eleitos, essas representações somente serão efetivas se os repre-sentantes forem diretamente ligados e submetidos ao poder dos seus representados.
4 O Desenvolvimento de Tecnologias
Sustentáveis
As tecnologias sustentáveis utilizam princípios
e técnicas da permacultura. Na CMP, a permacultura
auxilia na busca de uma relação mais equilibrada
com a natureza, estando presente em várias áreas de
atividades.
Sobre o conceito de permacultura, Legan afirma o
seguinte: (2004, p.13):
Permacultura significa cultura permanente. É um sis te-ma de design para a criação de ambientes produtivos, sustentáveis e ecológicos para que possamos habitar na Terra sem destruir a vida. Este sistema de planejamento holístico trabalha com a natureza pela imitação dos processos naturais, utilizando a sabedoria dos sistemas tradicionais de produção e o conhecimento científico moderno para estabelecer comunidades sustentáveis.
O conceito foi desenvolvido nos anos 1970 por dois
australianos, David Holmgren e Bill Mollison. Consiste
no desenho e manutenção de pequenos ecossistemas
produtivos, junto com a integração harmônica do
entorno, das pessoas e suas vidas, proporcionando res-
pos tas a suas necessidades de uma maneira sustentável.
De acordo com Legan (2004), o princípio básico da
Perma cultura é o de trabalhar “com”, ou “a favor de”, e
não “contra” a natureza. Os sistemas permaculturais são
construídos para durar tanto quanto seja possível, com
um mínimo de cuidado. Os sistemas são tipicamente
energizados pelo sol, vento e a água, produzindo o
suficiente tanto para sua própria necessidade, como
para a dos humanos que o criam e controlam. Desta
maneira, o sistema é sustentável.
A CMP conta com captação de água da chuva em cis-
ternas, reciclagem de matéria orgânica em composteiras,
42 |
práticas agroecológicas, sanitários compostáveis, reapro-
veitamento da água cinza do banheiro e biocons truções,
procurando articular de uma forma sinérgica o uso
destas tecnologias de forma a minimizar o nível de entro-
pia provocado pela ocupação humana no terreno.
Pelo seu próprio caráter de buscar a utilização
de materiais recicláveis em suas construções e equi-
pamentos, muitos dos empreendimentos em comu-
nidades têm um processo artesanal na sua elaboração,
assim como na agricultura ecológica que é praticada,
o que demanda mais mão de obra. O resultado da
produção e do conhecimento construído pode ser tro-
cado e com o tempo a comunidade pode ministrar cursos
a pessoas interessadas, aproveitando o know-how
adquirido para gerar recursos. A CMP tem adotado
estas práticas com êxito.
Os projetos sócioeducativoambientais visam
disse minar os princípios e o propósito da CMP através
de oficinas de educação ambiental, oficinas de bio-
construção, jornadas solidárias temáticas, seminários,
saraus poéticos, atividades lúdico-pedagógicas, entre
outros movimentos.
O público alvo abrange crianças, jovens, adultos
e idosos. Os objetivos destes projetos são estimular a
percepção ambiental, despertar a consciência ecológica,
resgatar a autoestima, potencializar a criatividade e a
alegria de viver junto a este público, pois um ser humano
em harmonia contribui para um mundo mais sustentável.
5 Rede de Envolvimento Solidário
As redes de contatos e parcerias são fenômenos
característicos deste novo século, potencializados pelo
desenvolvimento dos meios de comunicação, mais
especificamente a Internet.
Segundo Capra (2002, p.267):
A análise dos sistemas vivos em função de 4 perspectivas interligadas – forma, matéria, processo e significado –
faz com que nos seja possível aplicar uma compreensão unificada da vida não só aos fenômenos materiais, mas também aos que decorrem do campo dos significados. A idéia central dessa concepção sistêmica e unificada da vida é a de que o seu padrão básico de organização é a rede. Em todos os níveis de vida – desde as redes metabólicas dentro das células até as teias alimentares dos ecossistemas e as redes de comunicação da socie-dade humana – os componentes dos sistemas vivos se interligam sob a forma de rede. Em particular, na era da informação, as funções processos sociais organizam-se cada vez mais em torno de redes. Quer se trate de grandes empresas no mercado financeiro, dos meios de comunicação ou das novas ONG’s globais, constatamos que a organização em rede tornou-se um fenômeno social importante e uma fonte crítica de poder.
As redes são movimentos chaves para a susten-
tabilidade, e a união de forças com certeza contribuirá
para uma relação mais harmoniosa do homem com a
natureza e do homem com o próprio homem, na medida
em que poderão ser reciclados vários materiais, ideias
e ações ao se promover intercâmbios, economizando
energias. A organização em rede reduz a dependência
do sistema hegemônico, através da troca e do com-
partilhamento de produtos, saberes e serviços.
Neste sentido, Mance (2008, p.1) complementa:
As Redes de Colaboração Solidária são fundamentadas em um sistema de produção onde não pode haver exploração nem dominação dos trabalhadores, com equi líbrio nos processos, com uso de insumos produzi-dos de forma ecologicamente correta, e com partilha dos excedentes, havendo reinvestimento e formação de novas redes. “A ideia é remontar cadeias produtivas, fazendo com que saiamos do labirinto capitalista, criando outra economia”.
Ressalte-se ainda o caráter empreendedor das
comunidades construídas a partir de projetos coletivos,
agregando pessoas e organizações voltadas a práticas
sustentáveis, estruturadas a partir da gestão social dos
seus objetivos, constituindo-se em peças importantes
na criação e manutenção de redes. Sobre esse aspecto,
Pereira e Guerra (2008, p.247) consideram que:
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.35-46, jul./dez. 2009 | 43
Revista da FAE
O campo da gestão social reflete as práticas e o co-nhe cimento construído interdisciplinarmente. Como as ações mobilizadoras partem de múltiplas origens e têm muitas direções, as dimensões praxiológica e epistemoló-gica estão entrelaçadas. Aprende-se com as práticas e o conhecimento se organiza para amparar a prática.
Ainda sobre gestão social, Fischer10 (2002 apud
PEREIRA; GUERRA, 2008, p.249) complementa afirman-
do que:
O campo da gestão social é um campo de gestão conceituado como interorganizações, ou seja, orga ni-zações dentro de organizações que mantêm relações articuladas entre si. As interorganizações são constituídas por possuírem propósitos comuns.
A CMP começou a estruturar uma rede, denominada
Rede de Envolvimento Solidário (RES) a partir de sua fun-
dação, em 2003, através de seminários temáticos, oficinas
e atividades artísticas dentro e fora da sua sede, e continua
a agregar pessoas que desejem compartilhar dos mesmos
princípios e ações que por ela são desenvolvidos.
As observações realizadas sobre estas atividades
permitem apontar que ao mesmo tempo em que se
empreendem ações através de movimentos solidários,
novos conhecimentos são construídos coletivamente,
revelando uma face criativa e inovadora dos projetos
baseados em gestão social.
A este respeito, Martinho (2004, p.86) refere que:
A rede é portanto, um espaço de relacionamento e, como tal, promove a interação entre os participantes. Tal interação representa, como é lógico afirmar, comunicação intensa. Mas, mais do que isso, implica a ocorrência de uma série vasta de influências recíprocas. No rela-cionamento, assim como na prática da comunicação, o que há é uma profunda troca de fluxos formadores e reguladores, na qual uns vão construindo, moldando alterando impressões, ideias, visões de mundo, valores e projetos dos outros e vice-versa. Esse ambiente de troca e auto-regulação coletiva, baseado na comunicação, faz de uma coleção de elementos díspares um grupo, um todo orgânico, uma comunidade.
10 FISCHER, T. Elaboração de trabalho acadêmico. Salvador: Universidade Corporativa Banco do Brasil, 2006.
Considerações Finais
A sustentabilidade em suas múltiplas dimensões
pressupõe a ação consciente dos indivíduos para que
as conexões necessárias ao seu processo efetivamente
ocorram, garantindo desta forma um “equilíbrio”,
dentro de um contexto dinâmico.
Desde a prática de ações simples até projetos mais
complexos passam necessariamente pela mudança de
consciência, tanto em nível micro (indivíduos) quanto
em nível macro (empresas, países, ongs), o que por sua
vez implica na incorporação de princípios éticos e ações
altruístas no dia a dia, nas formas de pensar, sentir e agir.
A questão da sustentabilidade está intrinsecamente
ligada a estes aspectos.
A crise ambiental é antes de tudo uma crise de
valores, que com o passar do tempo foram sendo
esquecidos, relegados a um plano secundário na vida, à
medida que ganhava força no mundo o desenvolvimento
de um padrão de dominação e a desvalorização de
práticas solidárias. A visão de mundo que daí emergiu
centrava-se na ordem técnica-racional, rompendo-se a
reverência ao sagrado e às tradições e crenças baseadas
no equilíbrio das relações com a natureza e o cosmos.
Um mundo sustentável necessariamente precisa
de indivíduos com mais clareza e consciência da sua im-
portância e do seu papel neste tempo planetário, para
que haja uma unidade de forças capazes de provocar
uma mudança de consciência objetivando melhorar as
condições de vida ao redor do mundo.
Para se transcender padrões e comportamentos
viciados no sistema hegemônico dominante e promover
uma mudança na sua mentalidade e na forma de se
relacionar com a natureza, consigo mesmo e com
seus semelhantes é necessário antes de tudo muita
determinação, sobretudo para se reconhecer como uma
possibilidade de transformação.
Respeitar as diferentes verdades que existem em
diferentes mundos também é um fator fundamental
nesta mudança de consciência.
44 |
Estar receptivo para perceber-se e perceber os
diversos seres que nos cercam, sem dúvida é uma
prerrogativa valiosa.
Compreender é igualmente estratégico para evi-
tar julgamentos apressados e perceber que o seu
movimento não é único.
Humildade, uma das virtudes mais desafiantes a
serem alcançadas, a qual remete a aprender com quem
sabe mais que você, compartilhar com quem sabe tanto
como você e ensinar pelo exemplo a quem ainda não
caminhou tanto como você é indispensável para a
transformação se refletir em ações.
Solidariedade, a síntese de todas as virtudes citadas
anteriormente, pois para ser solidário (e sustentável) é
preciso determinação, respeito, receptividade, com-
preensão e amor.
Amar, pois para zelar e cuidar da natureza, dos
nossos semelhantes e de nós mesmos é fundamental
mais do que entender racionalmente a importância
disso. É condição sine qua non amar incondicional-
mente a vida.
A CMP norteia-se segundo estes princípios, ten do
alcançado êxito em seus projetos e ações pela busca
de soluções simples e criativas para responder às
questões mais essenciais da vida no planeta como os
relacionamentos, a alimentação, a educação, a habi-
tação, o uso de fontes de energia, fazendo o uso
de saberes e técnicas ancestrais conjugados com
tecnologias desenvolvidas recentemente.
Tais experiências requerem acima de tudo, segundo
seus membros, a crença nos princípios e no propósito
da comunidade para buscar a sustentabilidade nas
relações que desenvolve internamente, com o meio
ambiente e com a sociedade, as quais são expressas no
seu modo de vida.
A unidade dos princípios sustenta o modo de
vida da CMP, possibilitando que tanto as ações mais
simples quanto os projetos mais elaborados se tornem
e operacionais em suas diferentes etapas. A unidade
(compreendendo a diversidade) sintetiza o propósito
do movimento da CMP e integra todas as forças e
princípios que a compõe.
O modo de vida da CMP expressa esta essência que
guia os objetivos e os projetos de vida de seus membros,
comprometidos não com sua autorrealização, mas
transcendendo a isso, com a preocupação em servir à
vida, ao planeta, ao universo, honrando os princípios do
movimento. A unidade expressa, pois, esta conexão com
o todo (cosmos), remetendo a uma visão holística da
existência e a um sentido de pertencimento ao universo.
A unidade potencializa a noção de comprometi-
mento e a responsabilidade com o zelo do próximo e de
todos os seres, favorecendo a sustentabilidade de uma
forma multidimensional, ou seja, nas relações humanas,
nas relações com a natureza, na construção de projetos,
entre outros movimentos.
Por isso é tão importante compreender a unidade
e a CMP, uma comunidade que têm como propósito a
unidade, pode contribuir com a sociedade neste aspecto
ao tornar mais clara nas suas atividades a verdadeira
face desta virtude que deve ser compreendida em seu
significado mais profundo pelo ser humano para que
ele viva mais consciente de zelar e proteger o que aqui
habita junto consigo, guiado por princípios altruístas e
ações éticas e sustentáveis.
A CMP, muito mais que um espaço geográfico, é
uma filosofia de vida, podendo ser comparada a uma
árvore, onde as raízes são representadas pelos princípios,
o tronco pela unidade (propósito), e as ramificações são
as ações e os projetos construídos pelo movimento.
As observações realizadas sobre o modo de vida
da CMP remetem a acreditar na sua possibilidade
de intensificar a geração e difusão de tecnologias
sustentáveis, para o seu entorno local e regional, poten-
cializando a articulação com o poder público e outros
atores sociais (empresas e ongs) para a disseminação de
projetos, visando à sustentabilidade nas suas áreas de
ações, além de fomentar o desenvolvimento de redes
de solidariedade, congregando escolas, universidades e
voluntários interessados.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.35-46, jul./dez. 2009 | 45
Revista da FAE
As suas práticas e ações podem ser replicáveis,
adaptando-se a outros assentamentos humanos, mes-
mo em áreas urbanas, podendo trazer contribuições
importantes, que se não resolverem todas as desarmo-
nias da vida moderna (nem são essas as suas pretensões),
podem dar pistas para a melhoria da qualidade de vida
e o bem-estar no planeta.
Esta pesquisa desenvolvida na CMP aponta a
possibilidade do desenvolvimento de investigações
seme lhantes em outras comunidades sustentáveis, a
fim de que sejam buscadas novas experiências, tracem-
se paralelos entre elas e desta forma potencializem-se
as alternativas para um viver ético e sustentável no
século XXI.
Por último, mas não menos importante, foi cons-
tatado a partir do estudo realizado, que o modo de
vida da CMP mostrou-se sustentável na medida em que
seus princípios nortearam as suas ações, nas relações
entre seus componentes, na realização dos projetos
só cioeducativoambientais, no desenvolvimento de tecno-
lo gias sustentáveis e inclusive nas ações com a Rede de
Envolvimento Solidário, demonstrando que é possível o
resgate de uma integração entre ética, economia e meio
ambiente a partir de uma comunidade.
•Recebido em: 17/08/2009 •Aprovado em: 26/10/2009
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Revista da FAE
Resumo
O conceito de estratégia de produção ainda encontra grandes dificuldades de aceitação no meio empresarial. Grande parte desta dificuldade parece dever-se ao conflito potencial existente entre a priorização de objetivos de desempenho na produção e as abordagens voltadas à melhoria do desempenho operacional, como as técnicas de manufatura enxuta. Este artigo busca mostrar, por meio de um estudo de caso em uma empresa do setor de autopeças na Região Metropolitana de Curitiba, que o foco e as abordagens de melhoria contínua baseadas na aprendizagem não são conflitantes e sim complementares. Para que tal complementaridade ocorra, é necessário considerar a estratégia de produção como englobando estes dois componentes, o primeiro sendo fundamental para a entrega do valor proposto atual aos clientes (e a consequente execução da estratégia de negócios), e o segundo como crucial para o desenvolvimento de novas propostas de valor que garantam a sobrevivência da organização no longo prazo, tendo em vista as mudanças contextuais.
Palavras-chave: estratégia de produção; posicionamento estratégico; inovação estratégica; foco; aprendizagem.
Abstract
The concept of operations strategy still finds great difficulties of acceptance among corporations. This difficulty seems to have its cause in the potential conflict between the need for focusing on the objective of performance in operations and the managerial approaches emphasizing operational efficiency, like Lean Manufacturing techniques. This article seeks to show that the need for focusing in operations management and continuous improvement approaches based on operational learning are not conflicting but complementary. To accomplish this goal a case study was conducted in an auto parts manufacturing company, located in the metropolitan area of Curitiba. The study showed that these two organizational issues can only be complementary if considered as components of an unique Operations Strategy, the first one being crucial for delivering current customer value (and the consequent business-oriented execution of the strategy) and the latter absolutely necessary to develop new value proposals for the clients (creating strategic innovations) that guarantee the survival of the organization in the long term, in view of the contextual changes.
Keywords: operations strategy; strategic positioning; strategic innovation; focus; learning.
José Vicente Bandeira de Mello Cordeiro*
Estratégia de Produção: foco, aprendizagem e sua relação com a execução da estratégia de negócios
Operations strategy: focus, learning and their relation to business strategy execution
* Doutor em Engenharia de Produção (UFSC). Coordenador do Curso de Graduação em Engenharia de Produção e dos Cursos de Pós-Graduação em Gestão da Produção, Gestão de Projetos e Logística Empresarial da FAE Centro Universitário, onde leciona disciplinas nas áreas de Gestão Estratégica e Gestão de Operações. Sócio-diretor da área de Gestão Estratégica de Operações da BRAIN Assessoria Empresarial. E-mail: [email protected] / [email protected]
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Introdução
As décadas de 1990 e 2000 marcaram a ascensão
de duas novas abordagens no que se refere à gestão das
organizações. Por um lado, muitas organizações vêm
assu mindo que seus problemas estratégicos devem-se à
dificuldade de implementação das estratégias. Este fato
tem contribuído para popularizar sobremaneira técnicas
focadas no alinhamento da organização com a estratégia
de negócios, como o Balanced Scorecard (BSC). Por outro
lado, o sucesso da Toyota na área de operações e suas
consequências relacionadas à hegemonia da companhia
no setor automobilístico mundial têm motivado a difu são
dos conceitos de manufatura enxuta por todo o mundo
ocidental. Em virtude da popularidade alcançada por estas
abordagens, são comuns os casos de empresas que adotam
ambas simultaneamente, com o intuito de melhorar seu
desempenho de operações, de mercado e financeiro.
Entretanto, alguns trabalhos recentes, como os
de Hayes et al. (2008), Corrêa e Corrêa (2004), Slack
(2005) e Cordeiro (2007) vêm tratando de enfatizar a
existência de conflitos potenciais entre estas abordagens
quando os fundamentos de cada uma delas não são
compreendidos em sua plenitude pelas organizações
que as adotam. As causas prováveis para estes conflitos,
segundo estes autores, poderiam ser resumidas em:
i) adoção da abordagem da produção enxuta com
base no Sistema Toyota de Produção (STP), enfatizando
téc nicas desenvolvidas no âmbito de estratégias de
excelência operacional na produção de bens duráveis,
mesmo quando o contexto da empresa em questão é
bastante diferente e o desdobramento dos objetivos
de mercado deveria implicar em focos distintos para
a área de operações e ii) crença de que a adoção das
técnicas do STP ou similares é suficiente para melhorar
o desempenho das operações em várias dimensões
simultaneamente em um prazo reduzido, evitando me-
didas estratégicas que impliquem em trade-offs.
Este artigo pretende mostrar que o papel estra-
tégico da produção deve incluir o foco em objetivos de
desempenho que contribuam para a consecução das
metas de mercado de curto e médio prazo (1-2 anos)
e também uma abordagem de melhoria com base no
aprendizado que viabilize o desenvolvimento de novas
estratégias de negócios no futuro.
Para atingir tal objetivo, o tópico dois apresenta
o conceito de estratégia de negócios, sob uma pers-
pectiva de proposta de valor, enfatizando a impor-
tância do posi cionamento e da renovação do negócio.
Em seguida, o tópico três apresenta o conceito de
Estratégia de Produção, destacando as questões do
foco e da aprendizagem. O tópico quatro, por sua
vez, apresenta um estudo de caso da aplicação prá tica
dos conceitos em uma empresa fabricante de compo-
nentes automotivos na Região Metropolitana de
Curitiba (RMC). Por fim, o tópico cinco conclui e faz
recomendações para trabalhos futuros.
1 Estratégia de negócios
Este tópico apresenta inicialmente conceitos amplos
de estratégia, bem como a questão da hierarquia
estratégica, para em seguida aprofundar o conceito de
estratégia de negócios, subdividindo-o em proposta de
valor e inovação estratégica.
1.1 Conceitos de estratégia e hierarquia
estratégica
O conceito de estratégia vem sofrendo muitas alte-
rações desde que passou a ser amplamente utilizado na
gestão das organizações, a partir da década de 1960.
Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000) apresentam uma
definição que abrange os conceitos mais populares ao
longo das últimas décadas, incluindo cinco diferentes
conceitos, iniciados pela letra “p” em inglês, a saber:
pattern, plan, position, perspective e ploy (padrão,
plano, posição, perspectiva e truque, respectivamente).
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A estratégia pode ser definida como um plano
quando trata do caminho que a empresa pretende
seguir para atingir seus objetivos organizacionais no
futuro. Por outro lado, quando se observa os caminhos
de ação efetivamente trilhados pelas organizações em
um determinado período de tempo, pode-se definir
a estratégia como sendo um conjunto de padrões de
ação passados. De forma análoga, a estratégia é vista
como uma posição quando o foco de sua definição é
externo, ou seja, enfatizam-se as características dos
produtos oferecidos pela empresa aos clientes de um
determinado segmento de mercado, bem como a
característica dos clientes deste segmento. Por outro
lado, a estratégia é vista como uma perspectiva quando
sua definição enfatiza aspectos internos da organização,
como o seu portfólio de competências e sua cultura
organizacional, constituindo algo como o seu “jeito de
fazer as coisas”.
Mintzberg e Quinn (2001) argumentam que as
posições podem, de forma geral, ser alteradas por
meio de planos, desde que se mantenha a perspectiva;
mas as perspectivas são extremamente difíceis de
serem alteradas, consistindo num padrão de ação
da empresa que costuma permanecer estável com o
passar do tempo.
Os conceitos de “posição e perspectiva” também
possuem relação com a hierarquia estratégica. Slack
et al. (2002) definem três níveis nos quais ocorrem
decisões estratégicas, a saber: i) corporativo; ii) do
negócio e iii) funcional. O nível corporativo é aquele
que abrange todos os negócios nos quais a organização
atua, sendo caracterizado pelas decisões de alocação de
recursos aos diferentes negócios e a gestão da inter-
relação entre estes, o que faz com que o conceito de
“perspectiva” esteja mais fortemente presente neste
nível. Por outro lado, a estratégia no nível de negócios
pode ser caracterizada principalmente pelas decisões
relacionadas à definição de qual o perfil dos clientes que
a empresa pretende atender e que produtos (pacotes de
bens e serviços) a mesma irá oferecer-lhes, ficando mais
evidente o conceito de “posição”. Ambos os conceitos
parecem estar presentes no nível das estratégias
funcionais, que dizem respeito à forma pela qual cada
uma das áreas funcionais da empresa deverá contribuir
para a execução da estratégia do negócio.
1.2 Posicionamento estratégico e propostas
de valor
Para Markides (2002), as organizações devem
possuir um posicionamento estratégico para cada seg-
mento de mercado atendido. Cada posicionamento
estratégico deve conter a resposta a três questões: a)
“quem são os clientes alvo?”; b) “quais produtos e
serviços serão oferecidos para atender a necessidade
destes clientes?” e c) “como fornecer os produtos e
serviços aos clientes?”. De acordo com Kotler (1999),
o posicionamento estratégico deve representar a
forma pela qual a empresa pretende maximizar o valor
líquido entregue aos clientes do segmento de mercado
em questão, diferenciando-se dos seus concorrentes.
De acordo com o autor, esta proposta de valor pode
ser dividida em posicionamento amplo (que vincula
o posicionamento à perspectiva) e posicionamento
específico.
Entre as diversas abordagens para o posiciona-
mento amplo, destaca-se a de Treacy e Wiersema
(1995), que definem três diferentes propostas
amplas de valor, a saber: a) Excelência Operacional,
enfatizando operações de alto desempenho de
entrega e alta conformidade; b) Liderança de Produto,
focada na introdução frequente de produtos de alto
desempenho; e c) Intimidade com o Cliente, enfa-
tizando as necessidades específicas dos clientes e
propondo soluções completas para atendê-las.
Uma forma de representar o posicionamento espe-
cífico é por meio do conceito de “fatores com petitivos”.
De acordo com Hill (1993), os fatores competitivos
devem refletir a importância atribuída pelos clientes
de um determinado segmento de mercado a diferentes
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dimensões de desempenho, como preço, qualidade,
prazo de entrega e grau de customização. Cordeiro
(2007) destaca que o posicionamento específico deve
ser representado pela combinação da importância dos
diferentes fatores competitivos e a descrição do pacote
de produtos e serviços oferecidos pela empresa no
segmento de mercado em questão.
A definição do grau de importância dos diferentes
fatores competitivos para os clientes de um determinado
segmento exige sua classificação prévia em três grupos,
a saber: a) fatores “ganhadores de pedidos”, ou seja,
aqueles nos quais quanto melhor o desempenho da
organização, mais os clientes irão escolher seus pro-
dutos, e consequentemente nos quais ela deve buscar
melhorar seu desempenho de forma contínua; b) fatores
“qualificadores”, ou seja, aqueles nos quais a empresa
deve manter seu desempenho acima de determinado
nível, sob pena de seus clientes a deixarem de fora do
rol de opções de escolha e c) fatores pouco importantes,
ou seja, aqueles que não exercem influência significativa
na escolha do fornecedor (HILL, 1993).
1.3 Inovação estratégica
De forma geral, a inovação estratégica consiste
na capacidade de uma empresa em desenvolver novos
posicionamentos estratégicos. Assim, inovar de forma
estratégica diz respeito não apenas ao desenvolvimento
de novos produtos e processos, mas principalmente ao
desenvolvimento de novas propostas de valor (HAMEL,
2002; MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, 2000).
Moreira e Queiroz (2007) apontam inicialmente três
tipos de inovação, a saber: a) inovações no produto, que
pode ser um bem, um serviço ou um pacote de bens e
serviços; b) inovações no processo produtivo e c) inovações
organizacionais, que envolvem mudanças nas interações
formais entre as pessoas no âmbito da organização.
Com relação às inovações de produto e processo, é
importante diferenciar inovação de invenção. Enquanto
a invenção traz à existência uma novidade, a inovação
coloca esta novidade a serviço do atendimento de
necessidades dos clientes nos mais diversos mercados
(BROWN et al., 2005).
Já Tidd, Bessant e Pavitt (2008) definem quatro
diferentes categorias de inovação, relacionadas ao
objeto da mudança, a saber: a) inovação de produto;
b) inovação de processo; c) inovação de posição e
d) inovação de paradigma.
Uma inovação exclusivamente de posição seria
aquela na qual um único produto passa a ser utilizado
por clientes diferentes e em mercados diferentes, cons-
tituindo um posicionamento inteiramente novo sem
mudanças na especificação do produto ou do processo.
Este seria o caso das sandálias Havaianas, que de
calçado de baixo preço e alta durabilidade, oferecido
para pessoas de baixa renda no Brasil, ganhou uma
conotação fashion e passou a ser oferecido por um
preço bastante elevado para públicos de alta renda em
mercados tão exigentes como o norte-americano.
Por outro lado, uma inovação de paradigma seria
uma mudança nos modelos mentais subjacentes que
norteiam o que a empresa faz, sendo as linhas aéreas
de baixo custo um exemplo da mesma. É importante
ressaltar que uma inovação de produto ou de processo,
dependendo de sua profundidade, pode provocar mu-
danças no posicionamento, bem como no nível de
paradigma da organização e mesmo de um setor como
um todo.
Tidd, Bessant e Pavitt (2008) também definem
um continuum de diferentes graus de mudança das
inovações. Em um dos extremos do continuum, a
inovação incremental ocorreria quando a organização
passa a fazer melhor as mesmas coisas que já fazia
(um produto, um processo produtivo, um processo
gerencial ou administrativo). Ampliando o grau de
mudança envolvido, uma empresa pode desenvolver
um produto ou um processo inteiramente novo, sem
que este represente uma inovação para o seu mercado.
Neste caso, tem-se uma inovação do tipo “novo para
a empresa”, no qual os conceitos envolvidos já são
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conhecidos do setor ou mercado de atuação. No outro
extremo da escala, encontram-se as inovações radicais,
nas quais o novo produto ou processo pode ser uma
novidade para o setor de atuação da empresa no país
ou até mesmo em diversos setores em escala global.
Os autores ainda pontuam que estas inovações
podem ocorrer no nível de componentes ou no nível
de sistemas. Assim, um exemplo de inovação incre-
mental no nível de componente seria as melhorias
de desempenho do sistema de refrigeração de um
motor ou em uma etapa específica do processo de
pintura, melhorando a qualidade e reduzindo o custo
da mesma. No nível de sistema, isso poderia significar
uma nova versão de um motor ou de um automóvel
(TIDD; BESSANT; PAVITT, 2008).
Um ponto enfatizado por Bessant (2003) e Tidd,
Bessant e Pavitt (2008) diz respeito à dinâmica das
inovações radicais. Segundo estes autores, as inovações
radicais (breakthroughs) emergem normalmente de
longos períodos de desenvolvimentos incrementais.
Assim, na grande maioria das vezes, fazer inovações
incrementais ou radicais não diz respeito a uma opção
da organização, e sim à profundidade do envolvimento
dos atores no processo e ao desenvolvimento cumulativo
do conhecimento.
Para Hamel (2002), qualquer dos tipos de ino-
vação apresentados (de produto, processo, posição,
paradigma, tecnológicas ou organizacionais) pode se
con verter em uma inovação estratégica, desde que sejam
capazes de reinventar o modelo do seu setor de atuação,
criando novo valor para seus clientes. Correlacionando
esta definição com as anteriores, tratar-se-ia de uma
novidade no nível do setor no modelo de Tidd, Bessant
e Pavitt (2008) e Bessant (2003), constituindo uma
inovação radical.
Segundo Govindarajan e Trimble (2006), as inova-
ções estratégicas abrangem inovações de produtos ou
processos, mas somente seriam caracterizadas como
tal quando envolverem modelos de negócios novos e
totalmente não comprovados. Para isso, teriam de se
encaixar em pelo menos uma das seguintes alternativas:
a) redefinir clientes potenciais, como no caso da Canon
na década de 1970, ao lançar uma copiadora de menor
parte para escritórios; b) reformular os conceitos de
valor para o cliente, como no caso da IBM na década de
1990, passando da venda de hardware e software para
o fornecimento de soluções completas em infraestrutura
de TI; e c) redesenho total da cadeia de valor, como no
caso da Dell na década de 1980.
Kim e Mauborgne (2004) caracterizam as inovações
estratégicas como “estratégias de oceano azul”, quando
a lógica de geração de valor do setor no qual atua a
empresa é revertida em favor da mesma. O oposto destas
seria as “estratégias de oceano vermelho”, quando
o posicionamento é definido tendo como premissa a
lógica atual de forças do setor, sendo o vermelho uma
alusão ao sangue proveniente da intensa competição por
market share. Os autores pontuam que muitas inovações
incrementais de produtos, processos e de negócios (que
só se constituem em novidades para a própria empresa)
simultâneas podem, quando integradas, produzir
inovações estratégicas radicais (novidades para todo um
setor), alterando a lógica de agregação de valor de um
setor, como foi o caso da Southwest ao criar o conceito
de companhia área de baixo custo.
2 Estratégia de produção
Para Corrêa e Corrêa (2004), a estratégia de
produção pode ser definida como um padrão global
de decisões estratégicas da área de operações, visando
aumentar a competitividade sustentada da empresa
por meio da organização de seus recursos e da
criação e manutenção de competências relacionadas
a um determinado composto de características de
desempenho ao longo do futuro.
Historicamente, o conceito de estratégia de pro-
dução esteve muito fortemente relacionado à questão
do foco da área de operações, em virtude da existência
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de trade-offs de desempenho. No entanto, o sucesso
internacional de muitas empresas japonesas a partir
do final da década de 1970, exibindo desempenho
superior à concorrência em custo, qualidade, rapidez
e flexibilidade, fez com que muitos começassem a
questionar a necessidade dos trade-offs. Este questio-
namento ganhou força com a popularização das
ferramentas da Gestão da Qualidade Total, a partir da
década de 1980, e dos conceitos de Lean Manufacturing,
na década de 1990 (CORRÊA; CORRÊA, 2004).
Entretanto, para Hayes et al. (2008) e Corrêa e
Corrêa (2004), estas abordagens não contradizem os
conceitos de trade-off e de estratégia de produção, e
sim os complementa. Para estes autores, a estratégia
de produção teria dois componentes: a) a definição de
prioridades de desempenho e suas consequências para
as decisões estruturais e infraestruturais (comparadas à
elevação de um dos lados de uma gangorra, quando a
melhoria de desempenho em uma ou mais dimensões
está associada a uma deterioração do desempenho em
outras); e b) a definição de uma abordagem de melhoria
focada no aprendizado operacional (comparada à
elevação do pivô da gangorra, viabilizando melhorias
de desempenho simultâneas em várias dimensões).
2.1 Prioridades de desempenho para a área
de operações – entregando o valor
proposto atual
Slack et al. (2002) apresentam cinco objetivos de
desempenho básicos para a área de produção, a saber:
a) qualidade; b) rapidez; c) confiabilidade; d) flexibili-
dade e e) custo. Para estes autores, as prioridades de
desempenho da área de operações devem estar ligadas
ao posicionamento estratégico pretendido pelo negócio
no seu mercado de atuação e à capacidade atual que
este tem de executá-lo. Este posicionamento seria re-
presentado pelos fatores competitivos “ganhadores de
pedido” e “qualificadores” para os clientes-alvo da em-
presa. Assim, negócios que ganham pedido com base
em preços competitivos e entregas confiáveis devem
priorizar o desempenho em custo e confiabilidade em
suas operações, ao passo em que os negócios que ga-
nham pedido com base na oferta de produtos inovado-
res de alto desempenho devem ter áreas de operações
focadas na melhoria do desempenho em flexibilidade
de produto, por exemplo.
Cordeiro (2007) propõe um critério para a hierar-
quização de prioridades de desempenho da produção
no qual seriam definidos como prioritários, em ordem
de importância: a) os objetivos ligados aos fatores com-
petitivos “ganhadores de pedido” que possuam lacunas
de desempenho, ou seja, cuja importância atribuída pe-
los clientes é proporcionalmente maior que o desem-
penho corrente da empresa avaliado com relação aos
concorrentes (quanto maior a lacuna, maior a priorida-
de); b) os objetivos de desempenho ligados a fatores
competitivos “qualificadores” que também apresentem
lacunas de desempenho e c) os objetivos de desempe-
nho ligados aos fatores competitivos “ganhadores de
pedido” que não apresentem lacunas.
Hayes et al. (2008), Slack (2002) e Corrêa e Corrêa
(2004) explicam que a prioridade de objetivos de desem-
penho se manifesta por meio de decisões estruturais e
infraestruturais e também nas metas dos indicadores de
desempenho da área de produção. Segundo Cordeiro
(2007), a existência de metas ousadas com prazo de até
um ano em indicadores relacionados a vários objetivos
de desempenho distintos praticamente condena a área
de produção à não consecução de seus objetivos.
2.2 Aprendizagem Operacional e
Inovações de Alto Envolvimento –
High Involvement Innovation (HII) –
capacitando-se para implementar
novas propostas de valor
Durante muito tempo, foram comuns as afirma-
ções relacionadas ao fraco desempenho das empresas
japonesas no que se refere à estratégia. Porter (1996)
chegou a afirmar que as empresas japonesas não possuíam
estratégia, e sim um forte desempenho em termos de
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“eficácia operacional”, que não permitiria as mesmas
obter uma posição distintiva no mercado. Como contra-
ponto, Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000) afirmaram
que, se a estratégia é o meio pelo qual as organizações
buscam atingir seus objetivos, o sucesso das empresas
japonesas deveriam fazê-las serem vistas como exem-
plos para a gestão estratégica e não o contrário. En-
tretanto, se as estratégias das mesmas não possuíam o
foco explícito em posicionamento defendido por Porter,
o que estaria por trás do seu sucesso?
A resposta para esta questão possui raízes histó-
ricas e culturais. Enquanto o planejamento estra té gico
começava a ser desenvolvido na década de 1960 nas
empresas ocidentais, fazendo com que os ideais taylo-
ristas de separação entre “pensar” e “fazer” se expandis-
sem do chão da fábrica até às decisões estra tégicas, os
japoneses “importavam” os métodos da administração
científica e os adaptavam à sua realidade contextual. Na
prática, estes métodos eram aplicados pelos próprios
operadores, em atividades de pequenos grupos, pro-
duzindo melhoria do desempenho de seus processos.
Essa aparente “contramão” fez com que os conceitos
de estratégia nas empresas japonesas se consolidassem
de forma muito distinta do ocidente.
Enquanto no ocidente o foco da gestão estraté-
gica era a formulação minuciosa da estratégia por
analis tas junto à diretoria e seu posterior desdo-
bramento top-down detalhado para que as diversas
gerências pudessem executá-la, no Japão a ênfase se
dava no delineamento das linhas gerais da estra tégia
pela diretoria, deixando que os detalhes de implemen-
tação emergissem nas diversas gerências, a partir do
apren dizado operacional. É importante notar que esta
abor dagem parece ser a mais indicada para os am-
bientes nos quais a complexidade e a velocidade das
mudanças são elevadas; justamente o tipo de contexto
que passou a predominar nas últi mas duas décadas
(MINTZBERG et al., 2000; NONAKA; TAKEUSHI, 1997).
Mais tarde, as técnicas japonesas foram trazidas
para o ocidente como algo novo, constituindo verda-
dei ros modismos de gestão. Inicialmente foi a Gestão
da Qualidade Total (TQM), em seguida a Lean
Manufacturing e, mais recentemente, o Sistema Toyota
de Produção (STP). Entretanto, para Nonaka e Takeushi
(1997) e Fleury e Fleury (1997), o que diferencia a
abordagem japonesa da ocidental é justamente o
envolvimento do nível operacional na resolução de
problemas em uma escala progressiva, resultando em
inovações de processo, produto e organizacionais, e
não as técnicas utilizadas, que em última análise são
semelhantes às utilizadas à época de Ford.
Bessant (2003) define as Inovações de Alto
Envolvimento – High Involvement Innovation (HII)
como toda inovação de produto, processo ou orga-
nizacional que tem sua origem na contribuição do
pessoal operacional na resolução de problemas. Ele
as distingue das inovações realizadas por “inovadores
especialistas”, normalmente funcionários de alta qua-
lificação que atuam em equipes na área de P&D.
Assim, muitas empresas gastam vultosos recursos na
contratação, capacitação e desenvolvimento de equipes
de especialistas e esquecem que “com cada par de
mãos contratado para área operacional se ganha um
cérebro de graça” (Bessant, 2003, p.33). Para o autor,
abordagens como a TQM, a Lean Manufacturing,
o STP e até mesmo as “Learning Organizations”,
caracterizar-se-iam como variações da HII.
De acordo com Corrêa e Corrêa (2004), as HII
estariam relacionadas às melhorias de desempenho nas
quais os trade-offs podem ser superados. Este tipo de
melhoria é caracterizado como sendo do tipo “atuar
sobre o pivô da gangorra” ao invés de atuar sobre um
de seus lados (o que produziria os trade-offs).
Fleury e Fleury (1997) pontuam que quanto mais
profunda e fundamental for a causa identificada para
um determinado problema, maiores as chances de que
o seu bloqueio produza uma verdadeira inovação. São
as soluções mais inovadoras que têm a capacidade de,
contrariando os pressupostos vigentes sobre como as
coisas são e como melhorá-las, permitir que a necessi-
dade de trade-offs seja transcendida. É importante
frisar que as competências desenvolvidas pela área
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de operações em virtude do aprendizado operacional
permitem frequentemente o desenvolvimento de novos
posicionamentos específicos para o negócio, mas não
necessariamente um novo posicionamento amplo ou
uma nova perspectiva, o que exigiria que estas fossem
aplicadas em uma nova unidade de negócios, separada
da original, ainda em seu estágio de desenvolvimento
(GOVINDARAJAN; TRIMBLE, 2006).
Segundo Corrêa e Corrêa (2004), Nonaka e Takeushi
(1997) e Bessant (2003), a capacidade de identificação
das causas fundamentais para os problemas encontrados
na área de operações depende da incorporação de
conhecimentos tácitos, que não podem ser explicitados
por meio da linguagem e, por este motivo, exigem a
presença de operadores nas equipes de melhoria.
Para viabilizar a participação do nível operacional
na geração de ideias, contribuindo para o sucesso
de um programa de HII, algumas características são
necessárias, em maior ou menor grau: i) existência de
uma equipe de projeto da HII, formada por facilitadores,
cujo papel evolui desde o treinamento inicial no uso de
ferramentas de melhoria de equipes piloto até o suporte
à expansão do programa HII para toda a organização e
a manutenção da qualificação e motivação das equipes;
ii) uma abordagem para identificação e resolução de
problemas, utilizada no âmbito de equipes de melhoria;
iii) treinamento intensivo nas ferramentas que constam
da abordagem para resolução de problemas, bem como
nos aspectos tecnológicos dos processos produtivos
com os quais a equipe está envolvida; iv) um sistema
de gestão de ideias, que garanta que as boas sugestões
dos grupos sejam implementadas; v) um sistema de
recompensa que forneça feedback e alguma forma de
premiação para as equipes que gerem inovações; vi) um
sistema de comunicação que compartilhe as melhores
práticas das equipes e permita que o conhecimento
produzido em uma das equipes seja utilizado pelas
demais e vii) uma estrutura organizacional que permita
que a informações e decisões fluam entre as equipes
de melhoria, destas para o restante da empresa e
vice-versa (BESSANT, 2003; FLEURY; FLEURY, 1997).
Bessant (2003) define cinco diferentes níveis de HII,
a saber: i) “precursora”, caracterizada pela existência de
melhorias “naturais”; ii) “estruturada”, fundamentada
em tentativas formais de criação e sustentação das
inovações; iii) “orientada para resultados”, caracterizada
pelo alinhamento das iniciativas de melhoria com as
metas e objetivos da empresa; iv) “proativa”, ou seja,
dirigida pelos próprios indivíduos e equipes de trabalho
do nível operacional e v) “alta capacidade de inovação”,
quando a HII é a cultura dominante na organização e
representa o ‘jeito de fazer as coisas’ da mesma.
Ainda de acordo com Bessant (2003), o nível 1
caracteriza-se pela percepção da existência de me lhorias
ocasionais feitas pelo pessoal operacional nas diversas
áreas e pela decisão de patrocinar iniciativas piloto de
resolução de problemas de forma estruturada. O nível 2
pode ser caracterizado pela existência de uma estrutura
formal, constituída por grupos de facilitadores, uma
abordagem de resolução de problemas, programas
de treinamentos, organização do pessoal em equipes
e sistemas de tratamento de sugestões das equipes,
reconhecimento e recompensa e comunicação. O nível 3
é caracterizado pela existência de alinhamento entre as
iniciativas de melhoria conduzidas pelas equipes (ainda
funcionais, em sua maioria) e as metas estratégicas
da organização (o equivalente ao desdobramento das
diretrizes no TQM ou a vinculação de iniciativas de
melhoria ao BSC).
No nível 4, as equipes de melhoria são predo-
minantemente inter-funcionais, e são frequentes as
mudanças estratégicas no nível de negócios, com o
desenvolvimento de novas propostas de valor a partir
das HII. A mudança do nível 3 para o 4 marca o início
da capacidade de fazer inovações do tipo “fazer
diferente” ao invés de apenas “fazer melhor”, dando
origem a fluxos de mudança bottom-up que resultam
em mudanças estratégicas do tipo “de dentro para
fora”. Por fim, o nível 5 se caracteriza pela expansão das
equipes HII para além das fronteiras organizacionais,
envolvendo os demais elos da cadeia produtiva, como
fornecedores e clientes (BESSANT, 2003).
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.47-59, jul./dez. 2009 | 55
Revista da FAE
3 Estudo de caso: empresa alfa
Este tópico está divido em duas partes, sendo
que a primeira contém a metodologia do trabalho e a
apresentação da empresa Alfa e a segunda os resultados
obtidos no estudo de caso.
3.1 Metodologia e apresentação da empresa
O presente trabalho delineia-se como um estudo
de caso, e trata da aplicação do conceito de estratégia
de produção proposto neste artigo na Empresa Alfa,
localizada na Região Metropolitana de Curitiba (RMC).
A Alfa possui três unidades de negócio distintas:
i) produção de “Manuais do Usuário” e outros im-
pressos para empresas montadoras de veículos e de
eletrodomésticos; ii) produção de impressos diversos
e prestação de serviços gráficos sob demanda e iii)
montagem e distribuição de componentes automotivos.
Este trabalho tem como unidade de análise a produção
de manuais para montadoras de veículos e fabricantes
de eletrodomésticos.
O estudo, realizado ao longo do 1º semestre
de 2007, compreendeu duas fases distintas, sendo
a primeira focada na definição das prioridades de
desempenho para a área de produção (foco) e a se gun-
da enfatizando a questão da aprendizagem e das HII.
Inicialmente, foram identificados os fatores com petitivos
mais relevantes para os clientes da unidade de análise,
sendo em seguida definidos seu grau de importância e
seu desempenho relativo. Os dados foram levantados
por meio da realização de um grupo de foco, constituído
pelos três principais executivos da empresa (dois diretores
e o gerente geral), os gerentes de operações e de vendas
e mais três supervisores das áreas de produção, logística
e relacionamento com clientes.
Para o grau de importância, as pontuações foram
atribuídas com base em Slack (2002), de acordo com a
seguinte classificação: a) para os fatores ganhadores de
pedido, foi atribuído grau igual a 1 quando o mesmo
proporcionar vantagem crucial junto aos clientes,
grau 2 quando o mesmo gerar vantagem importante,
sendo sempre considerado pelos clientes e 3 quando o
mesmo proporcionar vantagem útil para a maioria dos
clientes; b) para os fatores qualificadores, foi atribuído
grau 4 quando o desempenho do mesmo precisasse
estar ligeiramente acima da média do setor, grau 5
quando pudesse estar em torno da média do setor e 6
quando pudesse ser ligeiramente inferior à média dos
concorrentes; e c) para os fatores pouco importantes,
foram definidos os graus 7, 8 e 9, mas os mesmos não
foram atribuídos a nenhum dos fatores identificados
pelos executivos.
Para o desempenho da empresa com relação à
con corrência nos fatores competitivos levantados foram
atribuídas as seguintes pontuações, ainda com base em
Slack (2002): a) para os fatores nos quais o desempenho
da empresa era melhor que o da concorrência foi
atribuído grau 1 quando este fosse sempre muito
melhor que o do melhor concorrente, grau 2 quando
este fosse sempre claramente melhor que o do melhor
concorrente e 3 quando este fosse sempre ligeiramente
melhor que o do melhor concorrente; b) para os fatores
nos quais a empresa desempenhava de forma similar
à concorrência, foi atribuído 4 quando o mesmo fosse
ligeiramente melhor que o melhor concorrente em
algumas ocasiões, 5 quando este estivesse no mesmo
nível da maioria dos concorrentes e 6 quando estivesse
frequentemente a uma curta distância da concorrência;
e c) para os fatores nos quais a empresa fosse sempre
pior que a concorrência foram definidos os graus 7, 8
e 9, que também acabaram não sendo utilizados, uma
vez que preferiu-se trabalhar apenas com os fatores
importantes para os clientes.
A partir deste ponto, foi montada uma matriz
importância-desempenho para a estratégia de negócios
da unidade de análise, sendo definidas as prioridades
competitivas para a área de produção em termos de
objetivos de desempenho, comparando as mesmas
com os indicadores e metas existentes na empresa e
propondo medidas de alinhamento.
56 |
A segunda fase envolveu um diagnóstico do
programa de melhoria de desempenho com base na
aprendizagem operacional, que na Alfa ocorre sob
o rótulo de “Gestão da Qualidade” (TQM), seguido
de sugestões para o aprimoramento do mesmo. A
mesma teve como procedimentos para coleta de
dados: a) entrevistas com a diretora responsável pelo
programa e com alguns dos principais colaboradores
envolvidos nos trabalhos de melhoria e b) análise
de documentos, como “relatórios de tratamento de
não-conformidades”, “relatório de implantação de
melhorias”, entre outros.
3.2 Resultados
A figura 1 apresenta a matriz importância-
desem penho da Alfa. O grupo de foco identificou nove
fatores competitivos de elevada importância, sendo três
“ganhadores de pedido” (conveniência, atendimento e
confiabilidade da entrega) e seis “qualificadores” (preço,
customização, qualidade, habilidade de mudar prazo
de entrega, flexibilidade de negociação e capacidade
de desenvolvimento de novos produtos), caracterizando
uma proposta ampla de valor intermediária entre a
excelência operacional e a intimidade com o cliente.
Os fatores posicionados abaixo da diagonal amarela
apresentam desempenho inferior à importância atri-
buída pelos clientes. Quanto maior a distância do fator
à diagonal, maior sua lacuna de desempenho. Por outro
lado, fatores que se encontram acima da diagonal apre-
sentam sobra de desempenho. Observando a figura 1,
percebe-se que as maiores lacunas de desem penho se
encontram nos fatores “preço”, “confiabilidade da entrega”
e “conveniência para os clientes”, sendo todas críticas em
função de tratar-se de fatores “ganha dores de pedido”
ou “qualificadores” com alta exigên cia de desempenho.
Além destas, verificam-se pequenas lacunas no desem-
penho de alguns “quali ficadores”, como “qualidade” e
“desenvol vimento de novos produtos”.
Com base nos resultados da matriz, foram defi-
nidas ações estratégicas “de fora para dentro” visando
o preenchimento das lacunas. Desta forma, o custo
(em função do preço), a rapidez e a confiabilidade
(em função da conveniência e da confiabilidade da
entrega) foram definidos como objetivos de desem-
penho prioritários.
FIGURA 01 - MATRIZ IMPORTÂNCIA-DESEMPENHO PARA A EMPRESA
ALFA
Des
empe
nho
em re
laçã
o a
conc
orrê
ncia
Melhor que
1
2
3 Flexibil. Negocia.
Atendi-mento
Conve-niência
Igual a
4Habil. Mudar prazo
Custa-mização
5 Quali-dade
Confia-bilidade Entrega
6
Pior que
7Desenv. Novos
ProdutosPreço
8
9
9 8 7 6 5 4 3 2 1
Menos importante
QualificadorGanhador de pedido
Importância para os clientes
FONTE: Adaptado de Slack (2002)
Uma análise nos indicadores de desempenho da
empresa mostrou que as metas dos mesmos estavam
adequadas às prioridades definidas, com os indicadores
de custo, rapidez e confiabilidade sendo os que possuíam
metas mais ousadas. Entretanto, ficou clara a dificuldade
da empresa em alcançá-las, uma vez que os resultados
estavam bem abaixo do pretendido. Avaliando as
possíveis causas para este fato junto ao grupo de
foco, constatou-se que a empresa buscava melhorias
somente com base nas ações de melhoria contínua do
programa TQM, sendo inexistentes medidas estruturais
e infraestruturais voltadas à melhoria do desempenho
nestas dimensões. Como sugestão, propôs-se a adoção
de medidas nas áreas de sistemas de planejamento e
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Revista da FAE
controle da produção (implementação de planilha MRP,
entre outras), potencialmente capazes de reduzir custos
com estoques e lead-times, bem como aumentar a
confia bilidade da entrega. Estas medidas implicariam
em trade-offs e deveriam provocar uma redução do
desempenho na habilidade para mudar o prazo de
entrega e na flexibilidade de negociação, fatores que
apresentavam sobra de desempenho, fato que não
prejudicaria a satisfação dos clientes.
O diagnóstico relacionado à aprendizagem organi-
zacional e às HII evidenciou que o programa de TQM da
Alfa havia dado origem a algumas inovações importantes
ao longo dos seus seis anos de existência. A principal
delas foi a criação de um sistema de gestão de estoques
de material em processo semelhante ao kanban, em
resposta aos seguidos problemas de perda de tempo na
montagem dos manuais. A grande diferença do sistema
desenvolvido para o kanban era sua lógica “empurrada”,
ao invés da abordagem “puxada”.
De acordo com a abordagem desenvolvida, a partir
da saída do programa mestre de produção (PMP) para
a semana seguinte, eram emitidas e sequenciadas as
ordens de produção apenas para a impressora. Após a
impressão de um lote, o mesmo era colocado em um
contêiner e todos os processos subsequentes eram
“empurrados” utilizando a sinalização de um cartão
colocado em um painel, que tinha em anexo a ordem de
serviço que detalhava a sequência posterior de operações
com seus respectivos lead-times padrão, procedimentos
operacionais, datas prometidas e quantidades.
Este sistema permitia aos operadores dos postos
subsequentes sequenciar o restante do processo de
acordo com as datas devidas e os lead-times, aumen-
tando a rapidez e a confiabilidade do processo, dimi-
nuindo os problemas de qualidade e os custos com
retrabalho e estocagem, bem como a complexidade
da atividade de programação. A inovação em questão,
assim como a grande maioria das HII identificadas na
Alfa, foram inovações de processo do tipo “novo para
a empresa”. Desta forma, pode-se concluir que as HII
permitiram à Alfa executar melhor sua proposta de valor
(inovações do tipo “fazer melhor”), ou até mesmo fazer
pequenas mudanças no seu posicionamento estratégico
(inovações do tipo “fazer diferente”), mas não foram
suficientes para mudar a lógica de agregação de valor
do setor. Este fato, entre outros, permitiu classificar o
programa de HII da Alfa como estando entre os níveis 2
e 3 da classificação de Bessant (2003).
Com base nestas constatações, foram feitas as se-
guintes sugestões para que o programa de TQM da Alfa
possa se consolidar como uma iniciativa de HII de nível
3 e preparar o caminho em direção ao nível 4:
a) constituição de uma equipe de projeto de HII
(no momento da realização deste trabalho a
mesma era formada apenas por um dos dire-
tores), incluindo mais duas pessoas na coor-
denação do programa, uma para ser respon-
sável pelo registro operacional das atividades
e outra para treinar os membros das equipes
na abordagem de identificação e resolução de
problemas;
b) definição de um mapa de competências
necessárias para o pessoal operacional, com
a posterior inclusão de treinamento técnico
na matriz do programa de TQM (foi percebido
que faltava conhecimento técnico aos opera-
dores e supervisores);
c) definição de um padrão de sistema para a ges-
tão das ideias de melhoria provenientes das
equipes, incluindo um sistema de comunica-
ção (as ideias geradas eram tratadas de forma
pontual, sendo que muitas vezes não era dado
feedback às equipes com relação às razões para
à implementação ou não das mesmas); e
d) extensão da remuneração variável a todo o
pessoal do nível operacional, vinculando os
bônus financeiros aos resultados dos trabalhos
de identificação e resolução de problemas.
58 |
Considerações finais
A compreensão do papel estratégico da área de
operações está diretamente relacionada à capacidade
de sobrevivência das organizações no longo prazo. Este
artigo mostrou que a adoção isolada de ferramentas
de melhoria de desempenho, vendidas como panaceias
gerenciais, não deve substituir a necessidade de alinhar
as operações com a estratégia de negócios. Tal alinha-
mento relaciona-se diretamente à busca de foco sobre
as dimensões de desempenho que contribuem mais di-
retamente para a entrega do valor proposto ao cliente,
e reconhecendo a existência de trade-offs.
Entretanto, somente o foco nos objetivos de de-
sempenho prioritários não é suficiente para garantir a
competitividade futura, uma vez que as taxas de mu-
danças verificadas hoje em dia na maioria dos mer-
cados fazem com que propostas de valor e posicio-
namentos vencedores tendam a deixar de sê-los em
um breve espaço de tempo. Assim, torna-se necessário
complementar o papel estratégico da produção com
o desenvolvimento de novas competências por meio
da aprendizagem no nível operacional. Esta aprendi-
zagem, quando conduzida de forma adequada, dá
origem a inovações de alto envolvimento (HII), que ha-
bilitam a área de produção a implementar novas pro-
postas de valor que garantirão a competitividade da
organização no longo prazo.
No caso da Empresa Alfa, foi possível perceber
que as ações de melhoria desenvolvidas pelo pessoal
de nível operacional no âmbito de seu programa de
HII não eram suficientes para atender às exigências dos
seus clientes, apesar de estarem ao menos parcialmente
alinhadas com a estratégia de negócios pretendida. As-
sim, foram sugeridas medidas estruturais para que as
lacunas de desempenho percebidas pelos clientes fos-
sem preenchidas, sendo que os efeitos de trade-offs
previstos não afetariam a percepção de satisfação dos
clientes, em virtude de estarem relacionados a fatores
competitivos com “sobra” de desempenho.
Ainda no caso da Empresa Alfa, ficou claro que a
continuidade e o aprimoramento das ações do progra-
ma de HII, embora não devessem ser suficientes para
preencher as diversas lacunas de desempenho atuais
(fato que exigiria as medidas estruturais propostas), são
fundamentais para que a área de operações da empresa
possa contribuir com o desenvolvimento de novas pro-
postas de valor no futuro, garantindo sua competitivi-
dade no longo prazo.
Como sugestão de trabalhos futuros, recomenda-se
a realização de estudos quantitativos, buscando rela-
cionar a adoção de diferentes programas de HII com os
resultados obtidos em termos de inovação e melhoria
de desempenho, buscando identificar os fatores críticos
de sucesso da aprendizagem operacional em diferentes
contextos organizacionais.
•Recebido em: 14/08/2009 •Aprovado em: 29/10/2009
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.47-59, jul./dez. 2009 | 59
Revista da FAE
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Revista da FAE
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.61-72, jul./dez. 2009 | 61
Resumo
Este artigo foi realizado com o intuito de contribuir com a divulgação do processo produtivo da pecuária orgânica. O problema estudado está relacionado com a falta de conhecimento por parte dos consumidores e criadores da produção da carne orgânica, o que a torna pouco comercializada. Foi utilizado o método exploratório em fontes bibliográficas. O processo produtivo da pecuária orgânica apresenta como vantagem a sua forma de manejo ambientalmente justo e socialmente correto, proporcionando um alimento de alta qualidade, livre de agentes químicos para o consumidor. Um dos pontos fortes da pecuária orgânica é a sua certificação, um selo de qualidade que oferece procedimentos e padrões básicos aos criadores, que devem ser rigorosamente respeitados e seguidos. Como fator negativo é a falta de informações claras que enfraquece os conceitos de produtos orgânicos junto aos consumidores, e muitos deles ainda não sabem o que é a carne orgânica e como é a sua produção.
Palavras-chave: pecuária orgânica; alimento orgânico; sistema produtivo orgânico.
Abstract
This article aims at contributing to the production process of organic cattle raising disclose. The analyzed problem is related to the lack of knowledge by a significant number of consumers and organic meat producers, therefore this kind of meat less marketable than expected. An exploratory method of bibliographic sources was used. The production process of organic cattle raising has an advantage in its way of handling the environment in a fair and socially correct manner, providing a chemical-free, high quality food for the consumer. One of the main points of organic cattle rising is its seal of approval, which acknowledges the quality and offers to cattle ranchers the basic procedures, which must be rigorously observed and followed. The lack of clear information is a negative factor that diminishes organic products’ reputation with consumers, and a great deal of them still doesn’t know what organic meat is or how it is produced.
Keywords: organic cattle raising; organic food; organic production system.
Descrição do processo produtivo da carne orgânica: pontos fortes e pontos fracos
Description of the production process of organic meat: strong points and weak points
Diego Gilberto Ferber Pineyrua*Anaglis Lucati**
* Doutorando em Administração (Universidad de la Empresa – UDE/Uruguay). Professor de Marketing de Varejo e Teoria Organizacional da Fundação Educacional e Cultural de Santa Fé do Sul – FUNEC. E-mail: [email protected]
** Bacharel em Administração de Empresas pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Secretária. E-mail: [email protected]
62 |
Introdução
A pecuária bovina de corte vem sofrendo trans-
formações do reflexo da globalização da economia e
das modificações do comportamento da sociedade,
que passando por vários níveis de transformação e
absorção de conhecimento, vem ditando novas regras
de comportamento.
Demandas por mais e melhores serviços, além da
consciência das pessoas quanto à ecologia e à impor-
tância atribuída à saúde física e ao bem estar, aumentam
o interesse pelos fatores relacionados com a qualidade
e a segurança dos alimentos consumidos.
A crescente importância por parte da segurança dos
alimentos e a conservação ambiental em todo o mundo
fazem com que a produção da carne orgânica ocupe uma
posição de destaque no mercado internacional, surgindo
como uma forma alternativa de um sistema de produção
que oferece um produto livre de resíduos químicos,
capaz de proporcionar ao consumidor final a garantia de
proteção ambiental. Diante destas novas tendências, é
possivel destacar que a pecuária de corte passa por uma
nova fase, a qual deixa o sistema comum dividido em
dois sistemas diferentes: o sistema produtivo da pecuária
bovina de corte convencional e o sistema produtivo da
pecuária bovina de corte orgânica.
Nesse contexto, de acordo com Camargo (2004), a
produção de alimentos saudáveis, que utilizam tecnologia
limpa, como a agricultura orgânica, conquis tou intenso
impulso em todas as partes do mundo, movimentando
o mercado internacional. A Federação Internacional de
Movimentos da Agricultura Orgânica (Ifoam) é a entidade
responsável pela elaboração das normas básicas de
certificação de todas as correntes de agricultura orgânica
no mundo. Segundo os mes mos, tal atividade de
regulamentação começou com a intenção de afastar os
agentes econômicos oportunistas, que viram a agricultura
orgânica como uma nova oportunidade de lucro.
Segundo Aligleri, Aligleri e Kruglianskas (2009) para
as práticas agrícolas serem focadas no desenvolvimento
sustentável, precisam, além de abranger a eficiência
ecológica, reduzir o uso de agroquímicos, energia,
água e promover a conservação de recursos naturais e
da biodiversidade.
Aparentemente, ambos os sistemas parecem seme-
lhantes à primeira vista. Muitas pessoas não sabem da
existência da pecuária bovina de corte orgânica como
uma opção de consumo para a mesa do consumidor
brasileiro. A oferta pode ser, por enquanto, escassa,
mas ela existe.
A importância atribuída a este artigo deve-se
ao fato de que, em tempos atuais, e cada vez mais,
os consumidores estão tornando-se gradativamente
mais exigentes, principalmente quando o produto
adqui rido para seu consumo trata-se de um item de
sua alimentação, como a carne bovina, neste caso,
item de grande valor para o consumidor brasileiro e
internacional, o que permite que haja questionamentos
sobre sua qualidade, discussões sobre sua procedência
e ainda, a observação dos reflexos que seu consumo
poderá trazer à saúde do ser humano.
A produção de carne bovina alimenta a economia
de várias regiões do país, o que desperta o interesse
pelo estudo da pecuária bovina de corte orgânica e
do seu processo produtivo e, consequentemente, sua
comercialização, o que torna o estudo oportuno, devido à
possibilidade de este produto vir a tornar-se uma grande
van tagem competitiva no mercado interno e externo, pois,
o sistema produtivo da pecuária orgânica destaca-se por
possuir características de uma atividade economicamente
viável, socialmente justa e ambientalmente correta,
características estas que podem fazer a diferença em um
mercado rigorosamente competitivo.
A agropecuária orgânica faz parte de um amplo e
variado conjunto de técnicas e práticas rurais, que são
adaptáveis conforme a realidade local e de acordo com
os princípios sociais, biológicos e ecológicos, buscando
sempre respeitar o bem estar de seus elementos de
origem vegetal, animal, do homem e da reciclagem de
seus recursos naturais (CARRIJO; ROCHA, 2002).
Revista da FAE
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.61-72, jul./dez. 2009 | 63
Este artigo tem como objetivo geral descrever o
sistema produtivo da pecuária bovina de corte orgânica
identificando suas características e seus pontos fortes
e fracos.
Segundo Santos (2005), o sistema de produção
da pecuária de corte orgânico baseia-se numa visão
holística, dentro de princípios de agroecossistemas sus-
tentáveis, cujo enfoque principal engloba dois com po-
nentes essenciais: o ambiental e o social, objetivando
uma produção que mantenha o equilíbrio ecológico dos
agroecossistemas e com a satisfação, direta ou indireta,
das necessidades humanas.
Diante do exposto, o problema de pesquisa que
este artigo visa investigar está relacionado com o
processo produtivo da pecuária orgânica, ou seja, o
conhecimento do processo produtivo por parte dos
consumidores e dos pecuaristas potenciais poderá
aumentar o consumo e a produção da carne orgânica?
1 Metodologia
A metodologia aplicada neste artigo esteve volta-
da através da pesquisa exploratória, a qual visa prover
o pesquisador de maior conhecimento sobre o tema
ou problema de pesquisa em perspectiva. A pesquisa
exploratória pode ser utilizada para familiarizar e elevar
o conhecimento e compreensão de um problema de
pesquisa em perspectiva, além de auxiliar e desenvolver
a formulação mais precisa do problema em questão e
auxiliar na determinação de variáveis relevantes a serem
consideradas na pesquisa. Um dos métodos da pesquisa
exploratória é o levantamento de dados em fontes se-
cundárias, que compreendem os levantamentos biblio-
gráficos e documentais (MATTAR, 1996).
Conforme Gil (1991), a pesquisa exploratória
possui um planejamento bastante flexível, de modo que
possibilita a consideração dos mais variados aspectos
relativos ao fato estudado, envolvendo inclusive o
levantamento bibliográfico. A pesquisa referente ao
tema foi realizada conforme informações levantadas
sobre a pecuária bovina orgânica.
A pesquisa via Internet foi utilizada, pois, con-
forme afirma Mattar Neto (2005), a pesquisa na
Internet é uma fonte de levantamento de dados
e informações – desde que se avaliem as formas de
acesso e as fontes das informações obtidas, e oferece
alguns recursos de busca sobre tópicos atuais que seria
difícil ou impossível encontrar em bibliotecas, como é
no caso da pecuária orgânica.
De posse do material bibliográfico tido como
suficiente, de acordo com Gil (1991), passa-se à sua
leitura. O método de leitura exploratória foi aplicado
neste artigo, para o qual foi realizada uma leitura rápida
do material levantado, com o objetivo de verificar em
que medida a obra consultada interessa à pesquisa. Após
a leitura exploratória, foi realizada a leitura seletiva, que
se procede à sua seleção. É a fase em que se determina
o material que de fato interessa à pesquisa, sendo esta
leitura mais profunda em comparação com a leitura
anterior.
Após a leitura seletiva, foi realizada a leitura
ana lítica do material selecionado, na qual foram
ordenadas as informações contidas nas fontes,
passando por quatro fases distintas, conforme indi-
cado por Gil (1991):
a) leitura integral da obra ou do texto selecionado,
para se ter uma visão do todo;
b) identificação das ideias chaves ao longo do texto,
selecionando os parágrafos mais significativos, de
forma a identificar as ideias mais importantes;
c) hierarquização das ideias após a identificação
das mais importantes, organizando-as por
ordem de importância, distinguindo as ideias
principais das secundárias;
d) sintetização das ideias, última etapa do pro-
cesso da leitura analítica, quando foi recom-
posto o todo pela análise, eliminando os
assuntos secundários e fixando-se nos assuntos
essenciais.
64 |
2 Revisão bibliográfica
2.1 Origem da pecuária orgânica
Os casos de crise sanitária e de “vaca louca” na
Europa, nos anos 2000 e 2001, ajudaram o Brasil a
triplicar as exportações de carne. Todavia, a pressão
externa induz os pecuaristas a criarem gado de forma
mais “ecológica”: o boi verde e orgânico.
Carrijo e Rocha (2002) afirmam que os alimentos
orgânicos têm sido mundialmente procurados, por
agregarem qualidade aos produtos e oferecerem
segurança à saúde dos consumidores, reduzindo-lhes a
elevada incerteza sobre contaminações por substâncias
tóxicas, cancerígenas ou que possam prejudicar a
saúde humana ou animal. O sistema de certificação
desempenha um papel fundamental na formação
dessa importante imagem mercadológica, com base na
rastreabilidade e regras internacionais. Um grupo ainda
pequeno de produtores dedica-se a estas atividades, por
isso a produção de produtos orgânicos não consegue
ainda suprir todo o mercado consumidor.
Para a produção orgânica, deve-se limitar o máximo
possível o uso de insumos artificiais, e racionalizar
ao máximo a utilização dos insumos naturais como:
sol, chuva, vento, marés, luas, nitrogênio, oxigênio
e outros elementos que a natureza fornece com
dispêndios energéticos muito menores. Para produzir
organicamente é necessário observar a natureza,
respeitá-la de forma a receber o que ela pode oferecer e
retornar a ela o que necessitar, tornando uma constante
busca de modos mais naturais e inteligentes de produzir
(CARRIJO; ROCHA, 2002).
Um fator importante que determinou a criação da
pecuária orgânica foi a busca da redução do metano
emitido na atmosfera pelos rebanhos. Pesquisadores da
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)
constataram uma redução no volume de gases emitidos
na atmosfera e uma diminuição do consumo de água
pelos animais, substituindo parte da proteína consumida
pelo gado por suplementos nas rações.
No Brasil, a produção orgânica iniciou-se na década
de 1970, porém o seu aumento se deu a partir do início
dos anos 1980, e a partir daí, em 1999, a Instrução
Normativa (IN) nº 7 (Anexo A), do Ministério da Agricul-
tura estabeleceu normas de produção, certificação e
orientação ao órgão colegiado. O Brasil cultiva cerca
de 275.576 hectares em 14.866 propriedades, tendo
em média 19 hectares por propriedade, sendo o 3º
na América Latina, atrás da Argentina que vem em 1º
com 3.192.000 hectares, e do Uruguai que vem em 2º,
com 678.481 hectares de áreas orgânicas cultivadas
(CAMARGO, 2004).
Camargo (2004) estima que da área cultivada
sob manejo orgânico no Brasil, de acordo com estudo
de Ormond et al. (2002), cerca de 158.000 hectares
são voltados para a agricultura e 119.000 hectares
para pastagens, na criação de animais. A maior parte
da produção orgânica brasileira, 80%, encontra-se
nos estados do Sul e Sudeste, em torno de 85% da
produção orgânica brasileira é exportada, sobretudo
para a Europa, Estados Unidos e Japão, e o restante,
15%, é distribuído no mercado interno.
Segundo Carrijo e Rocha (2002), a produção de
alimentos orgânicos, tanto vegetais como animal,
no Brasil, segue diretrizes definidas pela Ifoam e pelo
regulamento da Comunidade Européia (CE). Estas
diretrizes são atacadas e executadas por certificadoras
de produtos orgânicos e biodinâmicos mundialmente
aceitos, com capacidade de acompanhar seus pro-
cessos de produção e certificá-los, submetendo-os a
sistemáticas auditorias propostas pela Ifoam e outras
entidades acreditadoras de atuação internacional.
O diagnóstico do ambiente institucional na pro-
dução, processamento e distribuição de alimentos
orgânicos, no Brasil, caracteriza-se pelas ações de orga-
nizações governamentais e não-governamentais no que
diz respeito à difusão do conhecimento, fornecimento
de recursos financeiros, regulamentação do mercado,
reconhecimento dos atributos convencionais e o papel
dos consumidores (CAMARGO, 2004).
Revista da FAE
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.61-72, jul./dez. 2009 | 65
Está começando a despontar a pecuária orgânica
em áreas extensivas, com destaque para os estados de
Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul. Camargo (2004)
enfatiza as informações do Instituto Biodinâmico (IBD),
o qual é considerado uma das grandes certificadores
nacionais, a que, em todo o país, o total de bovinos em
conversão ao manejo orgânico chega a 600.000 animais.
Se esses dados se confirmarem, a área em manejo
orgânico no Brasil poderá aumentar em proporções
semelhantes a de países como Argentina, Austrália e
vários países da Europa.
O número crescente de produtores orgânicos no
Brasil está dividido em dois grupos: pequenos pro-
dutores familiares que fazem parte de associações e
grupos de movimentos sociais, representando 90% do
total de agricultores, responsáveis por cerca de 70% da
produção orgânica brasileira; e os grandes produtores
empresariais, que totalizam cerca de 10%, e estão
ligados a empresas privadas. A produção de origem
animal ainda está sendo pouco explorada, devido ao
problema de falta de matéria-prima orgânica e por ainda
possuir legislação inadequada (CAMARGO, 2004).
Segundo Mamede (2000), a produção de produtos
orgânicos, tanto os grãos, quanto as carnes, ainda é
considerada pequena, se comparada aos produtos não
orgânicos. Porém, considera-se um mercado em pleno
crescimento, pois o volume de negócios, em 2000, foi de
aproximadamente US$ 23,5 bilhões no mundo, sendo
US$ 10 bilhões somente nos EUA, US$10,5 bilhões na
Europa, US$ 2 bilhões no Japão e cerca de US$ 1 bilhão
no resto do mundo.
2.2 Processo produtivo da pecuária
orgânica
Os consumidores estão se tornando cada vez
mais esclarecidos e exigentes com produtos de maior
qualidade. No caso das carnes, a exigência dos consu-
midores está nos seus atributos intrínsecos de qualidade
como maciez, sabor, quantidade de gordura, como
também, pelas características de ordem ou natureza
voltadas para as formas de produção, processamento
e comercialização.
De acordo com Luchiari Filho (2006), quando se
trata de carnes, o termo qualidade é definido com os
seguintes componentes:
a) rendimento e composição: proporção de carne
magra e gordura e o tamanho e a forma dos
músculos;
b) aparência e características tecnológicas: cor e
textura da gordura, quantidade de marmorização
do tecido magro, cor e capacidade de retenção
de água e composição química do músculo;
c) palatabilidade: textura, maciez, sabor, suculência
e aroma;
d) integridade do produto: qualidade nutricional,
segurança química e biológica;
e) qualidade ética: questões relacionadas ao bem
estar animal.
Segundo Carrijo e Rocha (2002), no desenvolvi-
mento da pecuária orgânica, para a produção do boi
orgânico, devem existir primeiramente o respeito ao
animal, ou seja, devem existir respeito à sua natureza,
seus hábitos, costumes e fisiologia.
A filosofia da produção orgânica destaca a ne-
cessidade de se produzir alimentos em sistemas de
produção integrados, sustentáveis para os seres humanos,
para o meio ambiente e para a economia. Alguns princípios
podem ser observados, segundo Figueiredo (2002):
a) os sistemas de manejo devem seguir os mais
altos padrões de bem estar;
b) os animais devem ser alimentados com alimentos
adequados às suas fisiologias;
c) os alimentos devem ser produzidos princi pal-
mente na propriedade;
d) a saúde animal deve ser mantida por meio de
práticas de manejo saudáveis e preventivas;
e) o uso de medicamentos químicos e de vaci-
na ções deve ser evitado, mas aceitável sob
circunstâncias especiais;
66 |
f) homeopatia e outros regimes terapêuticos al-
ter nativos são encorajados nas situações de
doenças, no entanto, o uso de quimioterápicos
convencionais é aceitável apenas para evitar
sofrimento do animal.
Na pecuária orgânica não é possível aceitar produção
pecuária que danifique o meio ambiente em qualquer dos
seus aspectos, e que imponha sofrimento desnecessário
aos animais, tais como passar fome, sede, calor, frio,
ataques por endoparasitas, bacterioses, viroses etc., pois
serão animais com o bem estar prejudicado, mesmo que
estejam sendo criados soltos, ao ar livre.
Segundo Carrijo e Rocha (2002), o processo de
produção da pecuária orgânica é transformador e
busca ser socialmente justo, inclusive pela transparência
que deve transmitir à sociedade, da produção até a
comercialização. O sistema pecuário orgânico brasileiro
orienta-se pelos sistemas da Ifoam e do Mercado
Comum Europeu (MCE).
Santos (2005) afirma que na implantação de
qualquer sistema de produção, especialmente o
orgânico, há necessidade de medir o impacto sobre
atributos ambientais, como a erosão do solo, o estado de
conservação das pastagens, a diversidade de plantas, as
aves e a fauna, a qualidade da água, entre outros. Desta
forma, seria necessário conhecer processos ecológicos
ambientais para tomadas de decisões que possam servir
como base para desenvolver e interpretar sistemas de
monitoramento.
De acordo com Fonseca (2002), a conversão para
o manejo orgânico leva dois anos, aproximadamente,
começando-se a contar o tempo a partir da interrupção
de qualquer prática ou uso de produto proibido
pelas normas. De acordo com o mesmo, após 12
meses, entra-se no período de conversão, que pode
ser encurtado dependendo do manejo do solo e da
vegetação anterior, não podendo a pastagem estar
degradada. A certificação da propriedade pode ser
parcial, devendo novas áreas serem incorporadas num
prazo máximo de cinco anos de conversão total da
unidade produtiva.
Toda a propriedade em que se instala um projeto
orgânico terá cinco anos para a conversão total de
sua área ao sistema orgânico. Este tempo é muito
importante, pois poderão se formar módulos orgânicos
dentro de uma propriedade, possibilitando desta forma
o contato gradativo com o sistema, facilitando assim
o entendimento das normativas, técnicas e manejo da
nova atividade, de tal modo que ao final de cinco anos,
se o criador realmente optar pela conversão de toda a
propriedade, ele estará fazendo uma opção consciente,
inclusive com a avaliação de seus resultados financeiros
(CARRIJO; ROCHA, 2002).
A escolha do gado para a propriedade é de
fundamental importância, pois neste momento esta rá
sendo determinando o sucesso ou insucesso do em-
pre en dimento. A relação genética do rebanho, manejo
adotado e ambiente do local de criação, deve ser a mais
harmônica possível.
Durante a escolha das raças ou linhagens deve-
se levar em consideração a capacidade dos animais se
adaptarem às condições do local, suas vitalidades, e suas
respectivas resistências a doenças. As raças ou linhagens
devem ser selecionadas de forma a evitar doenças
específicas ou problemas de saúde, como exemplos: a
síndrome do estresse, morte súbita, aborto espontâneo
e a dificuldade de parto (FIGUEIREDO, 2002).
É muito importante a escolha da raça adequada à
região de produção quanto à sua adaptação e resistência
às condições de manejo que se pretende adotar. Nem
por isso a variabilidade genética dos rebanhos tem sido
desprezada, com possibilidade de inclusão de cerca de
20% de animais convencionais introduzidos no rebanho
orgânico, com o objetivo de propiciar um melhoramento
genético deste plantel (CARRIJO; ROCHA, 2002).
A alimentação do gado orgânico deve atender às
necessidades nutricionais dos animais em suas várias
fases de desenvolvimento, ao invés de maximizar a
produção. Sua alimentação forçada é proibida.
A pastagem, nativa ou cultivada, é a base alimentar
utilizada em sistemas de produção de carne orgânica. Os
países tradicionalmente produtores de bovinos de corte
Revista da FAE
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.61-72, jul./dez. 2009 | 67
orgânico, como Argentina, Nova Zelândia e Austrália,
fazem de suas pastagens o marketing básico de
divulgação de seus produtos (HADDAD; ALVES, 2002).
Todos os animais na unidade de produção devem
ser alimentados com alimentos produzidos organi-
camente, preferencialmente na própria unidade de
pro dução, e quando houver a necessidade de adquirir
mais alimentos, os mesmos devem vir de unidades
de produção orgânica. A alimentação dos mamíferos
jovens deverá ser baseada em leite natural, de pre-
ferência o leite materno, por um período mínimo.
Os sistemas de criação para os herbívoros devem ser
baseados no máximo uso de pastagem, de acordo com
a disponibilidade de pastagem nos diferentes períodos
do ano (FIGUEIREDO, 2002).
2.3 Rastreabilidade e certificação
Fonseca (2002) sugere que uma das vantagens do
sistema orgânico de produção é o uso da rastreabilidade
dos animais. Segundo o mesmo, o acompanhamento
do rebanho dá-se desde o nascimento ou da entrada
do animal na unidade certificada, e existe também
o acompanhamento do rebanho por quilo vivo por
hectare ao ano.
Segundo Carrijo e Rocha (2002), o sistema de
produção de carne orgânica brasileira é mundialmente
aceito porque tem boa origem, pois confere trans-
parência e credibilidade ao processo de produção
alimentar, do campo, ao processamento e distribuição,
seja para o mercado interno ou externo. O sistema de
rastreabilidade utilizado há alguns anos no Brasil, antes
do sistema oficial atual estar em vigor, já permitia ao
consumidor identificar:
a) país de produção;
b) estabelecimento que industrializa a carne;
c) fazenda onde foi produzido o boi;
d) lote a que pertencia o animal;
e) alimentação recebida pelo lote;
f) tratamento sanitário dos animais;
g) origem do indivíduo.
Através deste sistema de rastreabilidade é possível
caracterizar as informações de tal forma que é possível
encontrar registros sobre procedimentos realizados com
cada animal em particular. É possível ainda identificar
também cada sistema de alimentação que o animal
nutriu ao longo de sua vida, onde nasceu, quem era sua
mãe e seu pai. Todo esse processo de rastreabilidade visa
garantir saúde ao consumidor (CARRIJO; ROCHA, 2002).
Um elemento chave na produção e no mercado
orgânico é a regulamentação. Segundo Fonseca (2002),
o Plano Nacional de Controle de Resíduos Biológicos
(PNCRB), do Ministério da Agricultura, tem confirmado
nos últimos anos que a presença de resíduos de
antibióticos, inseticidas e hormônios ainda apresentam
índices alarmantes nos produtos provenientes de esta-
belecimentos fiscalizados pelo Serviço de Inspeção
Federal (SIF), considerando ainda que nem todos os
abates no Brasil são inspecionados. Por este motivo, há
o interesse em um selo de qualidade em boas práticas
de manejo na agricultura e na indústria.
Segundo Zylbersztajn e Scare (2003), a certificação
de qualidade alimentar tornou-se uma ferramenta
de mercado fundamental, incorporada ao segmento
agroalimentar, principalmente em países desenvolvidos,
cuja demanda aponta crescimento.
A certificação da produção orgânica nacional é
realizada por 21 agências certificadoras, das quais
12 são nacionais e 9 internacionais, que atestam se
a produção do alimento obedeceu às normas de
qualidade orgânica. A maioria das certificadoras
nacio nais encontra-se no estado de São Paulo, e as
internacionais são oriundas, sobretudo, de países da
União Européia (CAMARGO, 2004).
Uma das grandes finalidades da certificação
é a capacidade de rastrear a origem do produto
orgânico. Normalmente, as certificadoras nacionais
fornecem um certificado com um ano de validade
e se paga uma taxa para utilizar seus respectivos
68 |
selos. Os custos de emissão do certificado orgânico,
quando forem pelas certificadoras nacionais, variam
de 0,5% a 2% do valor faturado para a mercadoria
e cobram-se tantas vezes quantas sejam as remessas
de produto que necessitem de certificação, no caso
de exportação. Caso seja para o mercado interno,
o valor é cobrado pelo total de produto certificado
vendido pela empresa, não sendo necessário emitir
certificados específicos para cada carga. Quando
as certificadoras são internacionais, os custos de
certificação são um pouco maiores, variando entre
2% e 5% do faturamento (CAMARGO, 2004).
2.4 O mercado consumidor da carne
orgânica
Carrijo e Rocha (2002) afirmam que existe uma
grande demanda e uma pequena oferta de produtos
orgânicos, tornando o mercado excelente para o
produtor, caracterizando-se como um mercado em
crescimento, proporcionando remunerações satisfa-
tó rias e por vezes generosas aos produtores desta
modalidade. Estes prêmios por qualidade fazem parte
do modelo e de sua técnica produtiva, ao agregar valor
a seus produtos antes da porteira, isto é, o produtor
é considerado como o responsável e possuidor da
qualidade dos alimentos e tem seu trabalho valorizado
financeiramente por isso.
No mercado interno, de acordo com Camargo
(2004), a maioria dos agricultores vende seus produtos
orgânicos para grandes e pequenos varejistas, forma-
dos por lojas de produtos naturais, restaurantes e
supermercados, associações ou unidades processadoras
e distribuidoras, e venda direta, realizadas em feiras
orgânicas, que movimentam entre R$3 e R$4 milhões de
reais por ano, em cidades como Porto Alegre, Curitiba,
Florianópolis, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.
Os agricultores que organizam as feiras são, em sua
maioria, pequenos e filiados a associações, e, além
disso, as grandes cadeias de supermercados começam
a abrir gôndolas exclusivas para produtos orgânicos,
principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba,
Florianópolis e Porto Alegre. Um dos entraves para uma
expansão mais rápida das vendas nos supermercados
são os preços, que ficam, em média, 30% acima dos
similares convencionais.
A presença dos supermercados exerce uma fun-
ção importante no segmento de produtos orgâ nicos,
justamente por fazerem parte do processo de transfor-
mação na esfera do consumo alimentar, ao fornecer novas
opções, com iniciativas cada vez mais importantes no que
diz respeito às inovações e à qualidade dos alimentos. A
tendência internacional coloca os supermercados como
canal central e dominante na expansão do consumo
de produtos orgânicos, sem levar em consideração
os conflitos que podem existir entre fornecedores e
produtores e a restrição atual do consumo às classes de
maior poder aquisitivo (GUIVANT, 2003).
O selo de certificação é o que diferencia a carne
orgânica das tradicionais nas gôndolas de super-
mercados, garantindo o processo extremamente natural
de produção da carne orgânica, predominando uma
qualidade elevada. Estudo realizado por Haddad e Alves
(2005), em relação ao comportamento de compra de
consumidores das classes A e B, em uma grande rede
varejista, relata que o principal fator que faz com os
clientes adquiram carne orgânica é a preocupação com
a preservação ambiental em sintonia com o sistema de
produção. Com isso, revela-se que os consumidores
estariam dispostos a comprar a carne orgânica e que
podem pagar cerca de 20% a mais sobre o preço das
carnes tradicionais.
De acordo com Guivant (2003), à medida que cresce
a oferta, e estimula-se o consumo, juntamente com as
transformações nos padrões de estilo de vida, pode
estar sendo gerada uma dinâmica de fortalecimento da
produção orgânica, o que fugiria das previsões negativas
de parte do movimento da agricultura orgânica.
Revista da FAE
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.61-72, jul./dez. 2009 | 69
3 Discussão dos resultados
É crescente a importância que os consumidores
vêm atribuindo à origem dos alimentos e à segurança
alimentar, e ainda há aqueles que estão preocupados
com a questão ambiental, e que têm interesse em
deixar para seus descendentes um local ambientalmente
preservado como herança, no futuro.
Em busca de atender às necessidades dos referidos
consumidores, e ao mesmo tempo reforçar correntes
de preservação do meio ambiente, surgiu o conceito
da alimentação ambientalmente correta, para a qual a
carne bovina não surgiu como alvo de ataque, mas sim
como agente transformador desta corrente.
A falta de comprometimento com os recursos
naturais, que sempre foi parte inseparável da atividade
da pecuária, contribuiu e ainda contribui para o dese-
quilíbrio da planta, do solo e do animal, trazendo
consequências desastrosas para o meio ambiente e
para a própria atividade; tal aspecto é uma importante
barreira não-tarifária a ser imposta por países ricos, nos
próximos anos (EUCLIDES FILHO, 2000).
Em decorrência da degradação do meio ambiente,
com intuito da formação de pastagens, em áreas com
forrageiras nativas, assim como de sua formação e
manutenção com a ajuda de fertilizantes químicos, e suas
formas de exploração, surgiu o conceito de boi orgânico,
que não diz respeito tão somente ao animal, mas engloba
também todo o sistema do qual o mesmo faz parte,
inclusive os insumos e pessoas que a esse sistema estão
diretamente, ou indiretamente, relacionados.
Este novo conceito de produção de carne bovina
orgânica permite oferecer ao consumidor um alimento
livre de compostos químicos, que podem futuramente
prejudicar a saúde de quem o consome, com garantias
(concedidas pelas empresas certificadoras) de o mesmo
ter sido produzido sem prejudicar o meio ambiente, e
com o mínimo de mau trato em relação aos animais
do rebanho.
Estas condições atingem sensivelmente os consu-
midores da carne do boi convencional que realmente se
importam com a forma como foi produzido o alimento
que levou para sua casa, embora ainda sejam poucos,
se comparados com os que não se importam, mas que
acabam se revelando como formadores de um grande
mercado potencial.
Da mesma forma que a pecuária orgânica surge
como interessante diferencial na mesa do consumidor,
a pecuária convencional vem cada vez mais se firmando
no mercado, em termos de tecnologia de produção, o
que proporciona a redução dos custos e o aumento da
produção, e, consequentemente, aumenta o consumo
de carne bovina, à medida que aumenta a renda da
população, mesmo que este aumento de produção
venha às custas da degradação do meio ambiente.
De acordo com pesquisas realizadas (FONSECA,
2002), muitas pessoas não sabem o que é o boi orgânico,
e nem os benefícios que o mesmo traz à saúde humana
e à saúde do meio ambiente. No entanto, para que se
faça justiça à formação de opiniões, é indiscutível que
se conheça as peculiaridades que fazem o boi orgânico
diferir do boi convencional, para que se possa, então,
discutir e avaliar a real importância de conhecer suas
semelhanças e suas diferenças, o que pode pesar na
escolha e na decisão de compra final.
3.1 Características do sistema produtivo da
pecuária orgânica
A pecuária de corte orgânica oferece como van-
tagem a sua forma de manejo ambientalmente justo e
socialmente correto, proporcionando um ali mento de alta
qualidade, livre de agentes químicos para o consumidor.
No entanto, sua produção é baixa, se comparada com a
pecuária convencional, que utiliza insumos tecnológicos
que permitem o aumento da produtividade em menor
período de tempo, o que acarreta o aumento do
valor da carne orgânica, considerando os custos da
70 |
certificação, quando chega até o consumidor final.
Consequentemente, faz com que a carne orgânica seja,
ao menos inicialmente, um produto voltado para um
nicho de mercado, e não para as massas.
O quadro 1 mostra em detalhes o processo produ-
tivo da pecuária orgânica, conforme as suas caracterís-
ticas peculiares.
QUADRO 01 - PROCESSO PRODUTIVO DA PECUÁRIA ORGÂNICA
CARACTERÍSTICAS PECUÁRIA ORGÂNICA
Manejo
O bem estar do animal e a preservação do meio ambiente são prioridade.
Atenção especial às pessoas envolvidas no processo.
Reprodução
Monta natural.
Inseminação artificial.
Transferência de embriões é proibida
Pastagem
Pastagens naturais.
Lotação de animais é planejada.
Proibido o uso de produtos químicos.
Utilização de recursos naturais renováveis.
Pastejo diferido.
Suplementa-ção Alimentar
Ensilagem, fenação, obedecendo às normas orgâ-nicas de produção.
Permitidos 10% de forragem convencional, desde que livre de agentes químicos.
Ureia é proibida.
Alimentação forçada é proibida.
Hormônios Proibida a utilização de hormônios.
Aspectos Sanitários
Preocupação com a prevenção.
Medicamentos homeopáticos.
Medicamentos químicos em último caso.
Antibióticos são proibidos.
Vacinas de calendário.
RastreabilidadeO acompanhamento do rebanho tem início desde seu nascimento, ou entrada do animal na unidade certificada, até o consumidor final.
Certificação
O produto orgânico só recebe esta classificação se possuir o selo de certificação.
Já existem certificadoras conceituadas.
Garante confiança e segurança ao consumidor.
Instalações
Devem atender às necessidades dos bovinos, visando seu bem estar e minimizando ao máximo seu estresse.
Devem fazer parte de propriedades certificadas.
Transporte e Abate
A distância até o local de abate deve ser a mais próxima possível.
O abate deve ser realizado em frigorífico creden-ciado, seguindo normas específicas.
FONTE: Os autores (2006)
3.2 Identificação dos pontos fortes e pontos
fracos da pecuária orgânica
Ao ser analisado o sistema de produção da pe-
cuária orgânica, foram identificados pontos fortes, e
pontos fracos, que constituem os principais fatores do
referido sistema produtivo.
QUADRO 02 - PONTOS FORTES E FRACOS DO PROCESSO PRODUTIVO
DA PECUÁRIA ORGÂNICA
PONTOS FORTES PONTOS FRACOS
A pastagem orgânica é a base da alimentação dos bovinos. É utilizado o pastejo diferido e não é permitida a lotação e nem a degradação do meio ambiente para a formação das pastagens. A alimentação dos animais é livre de produtos químicos.
As propriedades devem dispor de infraestrutura mínima para ser convertida ao manejo orgânico. Análises devem ser realizadas, e muitas delas impossibilitam a implantação do projeto orgânico, o que restringe o número de pro-priedades que poderiam atender o mercado consumidor.
O tratamento de doenças e pa-rasitas é realizado de forma pre-ventiva. Medicamentos alopáticos e antibióticos sintetizados são utilizados em último caso, sob a responsabilidade dos veteriná-rios. As vacinas de calendário são realizadas regularmente, como a da febre aftosa.
A falta de excedente agrícola orgânico no país, que serve de suplementação alimentar no período da seca, é um problema sério para os bovinos em ma-nejo orgânico, pois os referidos animais não podem consumir suplementos alimentares vindos de lavouras convencionais.
A rastreabilidade dos animais é um acompanhamento que tem seu início desde o nascimento do animal, ou de sua entrada na unidade certificada, até o consu-midor final.
A falta de informações claras enfraquece os conceitos de produtos orgânicos junto aos consumidores, e muitos deles ainda não sabem o que é a carne orgânica.
A certificação é um selo de quali-dade que oferece procedimentos e padrões básicos aos criadores, que devem ser rigorosamente respeitados e seguidos e que permitem ao consumidor a segurança de estar consumindo uma carne certificada por uma empresa séria e conceituada.
O mercado para o boi orgânico é muito restrito. Seu preço é mais caro em função da menor produtividade; devido à proibi-ção de insumos modernos (que agridem o meio ambiente) e o custo da certificação, que onera ainda mais a produção.
FONTE: Os autores (2006)
Conforme ressalta Medeiros (2002), pesquisador
da Embrapa/CPAP, é pouco provável que a pecuária or-
gânica possa substituir a pecuária convencional, mas
não é porque sua oferta atende aos mercados de alta
renda que sua produção deverá ser desestimulada,
muito pelo contrário, enquanto houver demanda, e mer-
cado potencial, haverá estímulo para sua produção.
Revista da FAE
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.61-72, jul./dez. 2009 | 71
As pessoas devem ter as informações à sua dispo si-
ção para terem acesso ao conhecimento sobre o sistema
produtivo da pecuária orgânica. Os consumidores
precisam saber que há mais uma opção de carne
disponível no mercado e que eles podem escolher qual
delas irá levar para sua mesa.
Conclusão
A carne bovina, consumida mundialmente, já
passou, e ainda corre riscos de passar, por vários pro-
blemas de ordem sanitária como o mal da vaca louca e
a febre aftosa, que abalam a confiança do consumidor,
tornando-o inseguro na hora de comprar este produto
ou mesmo promovendo um estímulo a optar por outros
tipos de carne como a de frango, ou até substituir a
carne bovina por outros tipos de alimentos, alimentos
esses que não irão oferecer riscos à sua saúde.
A preocupação com o meio ambiente e com as
reservas naturais que ainda existem, e a muito custo
preservadas, também fazem parte do interesse de
muitos consumidores.
Entretanto, embora tais preocupações possuam
relevante importância, não podem ser um motivo
para desestimular o consumo da carne bovina. Nesse
sentido, a carne orgânica surge como uma alternativa
capaz de atender este mercado cada vez mais exigente
e preocupado com a segurança alimentar.
Justamente por possuir características socialmente
justas (qual seja todas as pessoas envolvidas – direta e
indiretamente, no sistema produtivo da pecuária bovina
orgânica), e ambientalmente correta, conforme analisado
neste artigo, o sistema produtivo da pecuária orgânica
destaca-se em termos de qualidade, se compa rado com o
sistema produtivo da pecuária bovina de corte tradicional.
Prova disto são as certificadoras que garantem ao
consumidor um produto livre de resíduos químicos, sem
falhas na produção e que não agridam o meio ambiente.
Segundo Ribeiro (2001), um dos fatores mais
rele vantes na decisão de compra da carne orgânica é
a segurança do alimento; os consumidores associam
produtos orgânicos a uma alimentação mais saudável,
e os problemas que a carne bovina produzida dentro
dos padrões normais vêm sofrendo, contribuem ainda
mais para esta associação.
De acordo com Fonseca (2002), os produtores e
exportadores de produtos orgânicos em países de baixa
renda encontram problemas específicos rela cionados à
produção, às políticas governamentais e à infraestrutura,
ao transporte e carregamento, às informações de mercado
e à certificação. Com relação à produção, a falta de
conhecimento tecnológico sobre a prática de agricultura
orgânica, a necessidade do resgate do conhecimento
tradicional para combiná-lo com as tecnologias conhecidas,
bem como a escassez de insumos disponíveis para uso se
destacam como os principais problemas.
Os fatores do manejo orgânico que agregam valor à
carne orgânica fazem com que sua oferta ainda seja baixa,
aumentando seu preço ao consumidor final. Infelizmen-
te, diante desse quadro, por enquanto, a carne orgânica
abastece apenas um pequeno nicho de mercado, ou seja,
as pessoas que possuem maior poder aquisitivo.
A carne bovina orgânica não surgiu para substituir
a carne bovina convencional, mas sim como forma de
atender determinadas necessidades de consumidores,
um segmento que cresce significativamente, princi pal-
mente no mercado externo.
No Brasil, poucas pessoas têm conhecimento da
carne bovina orgânica, a grande maioria não possui
informações a respeito, portanto, a divulgação constitui
fator essencial para a abertura do mercado interno para
esse tipo de carne. E a partir desta abertura, quando os
consumidores tiverem a oportunidade de escolher qual
tipo de carne irão levar para sua família, ao tomarem
co nhecimento de seu processo produtivo e realizarem a
com paração entre um e outro, provavelmente sentir-se-ão
muito mais seguros ao realizarem sua escolha.
•Recebido em: 22/07/2009 •Aprovado em: 06/10/2009
72 |
Referência
ALIGLERI, L.; ALIGLERI, L. A.; KRUGLIANSKAS, I. Gestão socioambiental. São Paulo: Atlas, 2009.
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Revista da FAE
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.73-87, jul./dez. 2009 | 73
Resumo
A busca por vantagens competitivas no setor bancário tem se traduzido
em investimentos crescentes em automação bancária, em um esforço para
desenvolver inovações tecnológicas e canais mais ágeis de atendimento ao
cliente. O resultado de tais ações é a crescente transferência do atendimento
pessoal para o atendimento eletrônico, reduzindo a estrutura física das
agências bancárias. O presente artigo tem como principal objetivo comparar
a preferência e satisfação dos clientes bancários na cidade de Curitiba em
relação ao atendimento automático e o atendimento pessoal. Para tanto,
realiza uma pesquisa de campo nas cinco maiores instituições de Curitiba
com 99 entrevistados.
Palavras-chave: inovação bancária; atendimento bancário; satisfação de clientes.
Abstract
The search for competitive advantages on banking has led to increasing
investments in banking automation, in an effort to develop technological
innovations and faster ways of customer services. The result of those actions is
the rising transference from the personal to the electronic services, thus reducing
the physical structure of banking agencies. This article aims at comparing
Curitiba’s banking clients’ preference and satisfaction regarding personal and
electronic services. Therefore, it brought to effect a field research in the five
major institutions of Curitiba with a total of 99 interviewees.
Keywords: banking innovation; bank service; client satisfaction.
Automação bancária x atendimento pessoal: a preferência dos clientes em Curitiba
Banking automation x personal services: Curitiba’s clients preference
Leide Albergoni*Cristiane Pereira**
* Mestre em Política Científica e Tecnológica (Unicamp). Professora da FAE Centro Universitário. E-mail: [email protected]
** Administradora (FAE Centro Universitário). E-mail: [email protected]
74 |
Introdução
No setor bancário brasileiro, a busca por diferen-
ciação de produtos e serviços como uma forma de
obtenção de vantagens competitivas exige das institui-
ções investimentos constantes em inovações tecnoló-
gicas e desenvolvimento de ferramentas que agilizem o
aten dimento ao cliente. Para acompanhar tais exigências
do setor, observa-se uma crescente transferência do
atendimento pessoal para o autoatendimento, o que
pode ser percebido nas mudanças ocorridas no ambiente
das agências bancárias, que têm ampliado o espaço
do autoatendimento e reduzido aquele destinado ao
atendimento pessoal.
Quando se fala em automação bancária, não se
pode pensar apenas em terminais nos quais o usuário
acessa determinados serviços sem apoio humano, mas
sim na capacidade geral de uma empresa apresentar
soluções imediatas e alinhadas com as necessidades
do cliente por meio dos canais responsáveis por seu
atendimento. A automação nos canais de atendimento
é capaz de disponibilizar um serviço altamente eficiente
e com baixo custo para as instituições, mas pode não
apresentar nenhum diferencial perceptível ou não trazer
satisfação ao cliente.
Sendo assim, o presente artigo tem por objetivo
abordar a inovação no atendimento bancário, desde a
identificação do estágio atual da tecnologia oferecida
pela rede bancária, até os resultados finais na satisfação
dos clientes, levando em conta fatores como preferência,
benefícios e restrições. A hipótese inicial é a de que os
clientes preferem o atendimento pessoal ao automático
e, ainda, que a automatização dos processos bancários
traz insatisfação aos clientes. Para isso faz-se uma revi-
são bibliográfica sobre a inovação bancária, seguida
de uma pesquisa documental sobre os resultados da
automação nos canais de atendimento bancário e,
por fim, uma pes quisa de campo buscando identificar
a preferência e satisfação dos clientes em relação aos
canais de atendimento.
Sabe-se que atualmente inovar é um princípio
básico de sobrevivência das empresas no mercado, mas
que o processo de satisfação do cliente é uma questão
que vai muito além de apresentar uma solução. Até
que ponto um computador ou uma máquina consegue
analisar a real situação do cliente e interagir conforme
suas necessidades apresentando soluções? Portanto, o
que se deseja saber não é a questão de viabilidade de
implantação desses canais, mas sim se a intensificação de
tais canais pelas instituições acompanha a preferência dos
consumidores em relação aos canais de atendimento.
1 A inovação como estratégia no
atendimento bancário
Atualmente, a inovação tecnológica é vista como
uma necessidade para a sobrevivência das empresas
no mercado. As empresas que investem em inovação
podem contar com a possibilidade de diferenciação,
novos processos, aumento contínuo da produtividade,
queda dos custos e avanços na qualidade de seus
produtos e serviços.
A seção apresenta uma breve perspectiva teórica
dos motivos para inovar, além dos motivos para inovação
no setor bancário.
1.1 A motivação para inovar
Na perspectiva schumpeteriana, o processo con-
correncial ocorre não apenas em função da maximização
de lucros, mas da própria sobrevivência e permanência
da firma no mercado. Para tanto, a firma deve procurar
adquirir vantagens competitivas através de novas mer-
cadorias, novas tecnologias, novas fontes de oferta e
novos tipos de organização. Nessa busca por vantagens
competitivas, a firma é uma organização que influencia
o ambiente em que atua por meio de inovações – sejam
elas tecnológicas, mercadológicas, organizacionais ou
institucionais. Esse processo concorrencial através de
inovações traduz-se em mudanças estruturais que
são verificadas no surgimento de novas demandas,
Revista da FAE
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.73-87, jul./dez. 2009 | 75
novos hábitos dos consumidores e novas formas de
se organizar a produção, configurando uma mudança
tecnológica (FERRARI; PAULA, 1999).
As inovações introduzidas por uma firma podem
ser incrementais ou radicais. Inovações incrementais
são aquelas que derivam de melhorias em produtos
e processos já existentes. Este tipo de inovação está
presente em todas as atividades econômicas, depen den-
do da pressão da demanda, de fatores sócio-culturais,
de oportunidades e trajetórias tecnológicas. Essas
inova ções são mais ou menos contínuas e ocorrem
não como resultado de uma pesquisa deliberada, mas
como consequência de invenções e aperfeiçoamentos
sugeridos pelos engenheiros e/ou usuários ocupados
no processo produtivo (learning by doing e learning
by using) (FREEMAN; PEREZ, 1988).
Inovações radicais, por sua vez, são inovações de
produtos ou processos que não têm como antecedente
melhorias de produtos e processos existentes. Seria o
caso do nylon, que não poderia ter surgido a partir de
melhoramentos na indústria de lã, ou ainda da energia
nuclear que não poderia ter emergido de melhoramentos
incrementais nas estações de carvão ou de petróleo.
Essas inovações radicais são frutos de atividade deli be-
rada de P&D das empresas, universidades ou centros
de pesquisa governamentais. Elas aumentam a produti-
vidade e trazem novos produtos e materiais, porém seu
impacto econômico pode ser localizado ou restrito a
alguns setores, não implicando em mudanças funda-
mentais no conjunto das organizações industriais
(FREEMAN; PEREZ, 1988).
Segundo Drucker (1986, p.40), “a inovação é o ato
de atribuir novas capacidades aos recursos existentes na
empresa para gerar riqueza”. Porter (1995) acredita que
atualmente a única maneira de uma empresa se tornar
competitiva é por meio da incorporação da inovação
tanto tecnológica quanto organizacional.
Possas (2006) salienta que a motivação para inovar
depende basicamente de três fatores: apropria bili-
dade, cumulatividade e oportunidade. Enquanto que a
apro priabilidade diz respeito aos ganhos de uma situação
de monopólio temporário resultante da inovação
pio neira, a cumulatividade refere-se à capacidade da
empresa em continuar inovando. A cumulatividade e
a apropriabilidade são complementares, pois a conti-
nuidade do processo inovativo depende de estímulos
relacionados à expectativa de vantagens futuras e, além
disso, a apropriabilidade proporciona recursos para
futuras pesquisas e desenvolvimento. A oportunidade,
por sua vez, é “a amplitude do conjunto de possibilidades
que uma inovação abre de incorporar avanços a um
ritmo intenso, inclusive a geração de novos produtos e
processos produtivos” (POSSAS, 2006, p.34).
A inovação, de acordo com Possas (2006), é o
elemento fundamental de sobrevivência no mercado e
transforma continuamente o ambiente de concorrência.
Ao introduzir uma inovação a firma modifica o ambiente,
o que condiciona outras firmas a também realizar suas
inovações e novamente alterar o ambiente.
Pessali e Fernández (2006) salientam que nas abor-
dagens modernas da inovação tecnológica da firma,
as inovações podem ser organizacionais (dentro da
firma) ou institucionais (entre firmas e no mercado).
No entanto, tais inovações não ocorrem separadas,
pois a inovação de uma firma isolada estimula que
outras organizações busquem atualização ou inovações
diferentes, afetando assim todo o mercado.
Pessali e Fernández (2006) também salientam que
para que se possa atuar em uma base regular, as firmas
buscam as inovações em ações coletivas estáveis, ou
seja, um padrão de produção baseado em um mesmo
conjunto de inovações adotados por todas as firmas no
mercado. “Para produzir e comercializar algo, a firma
coordena a interação entre as pessoas e entre pessoas e
equipamentos, e também negocia sua relação com outras
firmas e clientes” (PESSALI; FERNÁNDEZ, 2006, p.329).
Diante do exposto, a motivação para inovar é a
busca de ganhos extraordinários no mercado, embora
a adoção generalizada das inovações seja vantajosa
para as empresas, uma vez que possibilita a atuação em
76 |
um ambiente mais estável e quase padronizado. Ainda
assim, ao introduzir uma inovação no mercado, seja
ela incremental ou radical, a firma busca a mudança de
hábitos de seus consumidores, de forma a criar novas
demandas.
1.2 A inovação no setor bancário
O setor bancário é um exemplo prático do que
Porter (1995) preconiza: o processo de inovação
bancária vem ocorrendo fortemente em canais de
atendimento que possibilitam ao cliente a realização de
um número maior de operações em terminais externos
de autoatendimento, em sua residência ou escritório,
tornando desnecessário o deslocamento do cliente até
uma agência bancária.
De acordo com Silva e Cardoso (2002), a auto-
mação bancária atualmente funciona como um apelo
de mercado na conquista de um número maior de
clientes potencialmente ativos a ter serviços rápidos
e, ao mesmo tempo, os bancos passam a contar com
um quadro de funcionários voltados à expansão de
produtos e serviços que fujam a situações triviais da
rotina bancária, ou seja, que realmente precisam da
intervenção humana para sua comercialização.
O sistema bancário brasileiro apresenta conside rá-
veis mudanças tecnológicas desde o início da utilização
de computadores em bancos, que ocorreu na década
de 1950, segundo Costa Filho (1997). O presente artigo
apresenta somente as inovações ocorridas a partir da
década de 1980, quando se iniciou um novo paradigma
tecnoeconômico baseado nas tecnologias da informação
e comunicação (LA ROVÉRE, 2006).
O Manual de Oslo apresenta exemplos de inovações
de produtos e processos que resultaram em maiores
ganhos para o setor bancário.
- Introdução de cartões inteligentes e cartões de múltiplos propósitos em plástico.
- Nova agência bancária sem qualquer pessoal onde os clientes “fazem normalmente seus negócios” através de
terminais de computadores à sua disposição.- Banco via telefone, que permite aos clientes realizar
muitas de suas transações bancárias por telefone, no conforto de seus lares.
- Mudança de escaneamento de imagem para OCRs (Optical Character Readers – Leitoras Óticas de Caracteres) no manuseio de formulários/documentos.
- Escritório de apoio “paperless” (sem papéis – todos os documentos são escaneados para registro em compu-tadores) (OCDE, 2004, p.57)
Grisci e Bessi (2004) consideram que, a partir da
segunda metade da década de 1980, os bancos bra-
sileiros passaram por um processo de reestruturação
para dentro (reorganização interna), caracterizado pela
diminuição de custos operacionais, ampliação e incentivo
ao autoatendimento, intensificação da automatização,
redução de postos de trabalho, terceirização e mudanças
nas técnicas de gestão.
De acordo com Molina (2004), neste mesmo
perío do houve a instalação dos primeiros “caixas ele-
trônicos”, o que proporcionou uma queda drástica no
número de funcionários das agências, principalmente
na função de caixa.
Scheuer (2001) relata que a partir de 1980 os
bancos instalaram terminais para a entrada de dados
nas agências, alimentando direta e indiretamente o
CPD (Centro de Processamento de Dados). Foram dispo-
nibilizados aos usuários terminais que apresentavam
informações atualizadas para consulta e manipulação
contábeis e o processamento batch (processamento em
lote a partir dos dados digitados) foi substituído pelo
processamento online.
Costa Filho (1997) acredita que nos anos 1980 houve
uma grande arrancada da automação de aten dimento ao
cliente no Brasil, representada por meio do surgimento
do autoatendimento, da interligação online em rede
por todo o país, dos primeiros caixas-automáticos e da
inauguração do banco 24 horas, em 1983.
De acordo com o mesmo autor, a década de
1990 foi marcada pelo surgimento do banco virtual
(homebanking) e pela transferência de fundos via
Revista da FAE
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.73-87, jul./dez. 2009 | 77
pontos de venda – POS. Nessa mesma fase, as transações
por meios eletrônicos ultrapassam as transações das
agências, com o surgimento dos bancos virtuais e o
internet banking, por volta de 1995.
Conforme Schwingel (2001), na década de 1990,
os bancos, principalmente os de varejo, continuaram
investindo intensamente em tecnologia, tanto para
competir com as grandes instituições estrangeiras que
estavam entrando no mercado bancário brasileiro,
quanto para atender seus clientes.
Segundo Grisci e Bessi (2004), a partir de meados
da década de 1990, as mudanças no setor bancário
direcionam-se ao desenvolvimento de novos serviços e
produtos, bem como tratamento diferenciado a partir
da segmentação de clientes conforme o valor da renda
e potencial de consumo de serviços financeiros.
Para Neves, Pereira e Mota (2006), a década de
2000 consolida o banco via Internet, com o aumento
crescente de usuários. Assim, os bancos investem para
oferecer serviços seguros pela Internet e alguns deles
investem em novas tecnologias portáteis em palm tops
e handbanking para dominar o setor de homebanking
e internet banking.
Para alcançar tal estágio tecnológico, o setor ban-
cário é o que mais investe em tecnologia da infor mação
no país, e os investimentos crescem anualmente. Em
2007, o setor bancário brasileiro investiu cerca de R$ 15
bilhões em tecnologia da informação, um aumento de
4% em relação a 2006. Deste montante foram investidos
R$ 6,2 bilhões para aquisição de novas tecnologias
(aumento de 16% em relação a 2006) enquanto que
para manutenção das tecnologias existentes foram
gastos R$ 8,7 bilhões (queda de 3,1% em relação a
2006), conforme dados da Federação Brasileira de
Bancos – Febraban (2008). Os maiores investimentos
foram destinados à aquisição de hardware (Mainframes,
PC’s, ATM’s, storages, robôs etc.) e compra de software
de terceiros (software básico e aplicativos, fábricas de
software, terceirizações etc.), o que representa 30%
do total dos investimentos em Tecnologia da Informa-
ção – TI, de acordo com os dados da Febraban (2008).
A natureza dos investimentos sinaliza os objetivos
do setor em transferir o atendimento pessoal para o
automático.
É necessário investigar, no entanto, os motivos que
levam os bancos a inovar.
1.3 A motivação para inovar no setor
bancário
Scheuer (2001) cita a economia de custos como um
dos motivos que leva as instituições financeiras a gastar
grandes somas em inovação bancária, uma vez que o
direcionamento dos clientes ao autoatendimento sem
a intervenção de um funcionário resulta em economias
não só de custos de pessoal como também com as
instalações físicas das agências.
Porter1 (1999 apud PIRES; COSTA FILHO, 1997)
de clara que a automação bancária está expandindo os
limites das possibilidades das empresas, substituindo
intensivamente o esforço humano por máquinas. De acor-
do com o mesmo autor, o resultado desta mudança é o
aumento da lucratividade e da produtividade dos bancos,
pois a mudança permite que as instituições atendam um
maior número de clientes e não clientes (usuários) com a
mesma estrutura no quadro de funcionários.
Segundo Duarte (2003), os administradores leva-
dos a pensar em redução de custos descobriram ganhos
reais com o uso da tecnologia para efetuar operações
que anteriormente poderiam ser consideradas caras e
arriscadas.
Ao buscar inovar em seus produtos e serviços, além
da economia de custos, as empresas também podem ser
motivadas pelo aumento da qualidade, prolongamento
do ciclo de vida dos produtos, previsão de aumento
nas vendas, adaptação às necessidades dos clientes e
posicionamento no mercado competitivo. Nesse caso, a
inovação contemplaria também a satisfação do cliente.
Segundo Kotler (2000), a satisfação é resultado da
1 PORTER, M. E. Competição: estratégias competitivas essenciais. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
78 |
comparação do desempenho percebido em relação às
expectativas do comprador, ou seja, consiste na sensação
de prazer ou desapontamento com o produto ou serviço.
De acordo com Scheuer (2001), muitas empresas
buscam clientes altamente satisfeitos, porque estes são
muito menos propensos a mudar de fornecedor com
facilidade. Um alto nível de satisfação ou encantamento
cria não apenas uma preferência racional, mas sim um
vínculo emocional com a marca, resultando em um alto
grau de fidelidade do cliente.
Outro aspecto importante a ser considerado na
inovação bancária é a estratégia de marketing adotada
pelo setor com o acirramento da concorrência. De
acordo com Mota, Freitas e Silva (2006), o ingresso dos
bancos estrangeiros no Brasil exigiu adequações dos
bancos nacionais nos aspectos tecnológico, gerencial
e, principalmente, nas atividades de marketing. As ade-
quações realizadas na área de marketing passaram a
significar a sobrevivência ou extinção de muitos bancos,
em um espaço curto de tempo.
A ampliação dos investimentos realizados em
inovação impulsionou o setor em busca da implan-
tação de processos tecnológicos que permitam a
comercialização de produtos de serviços diferenciados
da concorrência. Porém, “com os avanços da tecnologia,
as corporações sofrem com o excesso de informações,
sendo imprescindível a gestão eficiente em TI para o
sucesso empresarial” (BUENO et al., 2004, p.96).
Conforme Neves, Pereira e Mota (2006), inicial-
mente, o marketing bancário não previa atingir o cliente
no seu próprio local de trabalho ou na residência, e sim
atrair o cliente para o ambiente físico do banco por meio
de um ambiente agradável nas agênc ias, instalações
confortáveis e distribuição de brindes. Ainda de acordo
com Neves, Pereira e Mota (2006, p.5), “o marketing
bancário evolui da arte de vender produtos para a
filosofia de conquistar clientes, mantê-los e aprofundar
os relacionamentos”.
Verifica-se que houve uma mudança na aplica bi-
lidade do marketing bancário, antes mais direcionado
para o ambiente físico do banco e agora para a busca do
desenvolvimento de um relacionamento com o cliente
por meio de soluções tecnológicas.
De acordo com Neves, Pereira e Mota (2006), o
resultado positivo das estratégias de marketing no
setor bancário, na atualidade, é inquestionável para
que os bancos mantenham sua posição no mercado.
Neste contexto, verifica-se que a tecnologia é uma das
principais forças macroambientais, por impulsionar os
bancos a melhorar seus serviços e por aprimorar sua
imagem projetada para o mercado.
As estratégias de inovação bancária, portanto,
possibilitam a lucratividade, diferenciação, competi ti-
vidade, o aumento da qualidade dos produtos e serviços
e a redução de custos.
2 O mercado bancário no Brasil:
as transformações recentes
De acordo com a Febraban (2008), o setor ban-
cário do Brasil é composto por 156 bancos privados
nacionais com e sem participação estrangeira, privados
estrangeiros e com controle estrangeiro, além de
públicos federais e estaduais.
A tabela 1 apresenta o número de bancos no Brasil
por origem do capital.
TABELA 01 - BANCOS POR ORIGEM DE CAPITAL NO BRASIL - 2000-2007
PERÍODO 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Privados nacionais com e sem partici-pação estrangeira
105 95 87 88 88 84 85 87
Privados estrangei-ros e com controle estrangeiro
70 72 65 62 62 63 61 56
Públicos federais e estaduais
17 15 15 15 14 14 13 13
TOTAL DE BANCOS 192 182 167 165 164 161 159 156
FONTE: Febraban (2008)
Analisando o cenário de 2000 a 2007, verifica-se
que a principal alteração na estrutura bancária brasilei-
ra foi a redução de 18,7% no número total de bancos,
Revista da FAE
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.73-87, jul./dez. 2009 | 79
o que evidencia um período de concentração no setor
bancário. O pequeno crescimento na participação dos
bancos estrangeiros e a redução dos bancos públicos,
federais e estaduais demonstram os efeitos das privati-
zações ocorridas no período, mas não houve mudanças
estruturais significativas no período analisado.
A mudança estrutural ocorreu na rede de atendi-
mento do país, bem como na utilização de tais canais
de atendimento. A tabela 2 apresenta a evolução da
estrutura da rede de atendimento de 2000 a 2007.
TABELA 02 - REDE ATENDIMENTO NO BRASIL - 2000-2007
PERÍODO 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Número de agências
16.396 16.841 17.049 16.829 17.260 17.515 18.067 18.308
Postos tradicionais¹
9.495 10.241 10.140 10.045 9.837 9.527 10.220 10.427
Postos eletrônicos
14.453 16.748 22.428 24.367 25.595 27.405 32.776 34.790
Correspon-dentes ²
13.731 18.653 32.511 36.474 46.035 69.546 73.031 84.332³
TOTAL GERAL 54.075 62.483 82.128 87.715 98.727 123.993 134.094 147.857
FONTE: Febraban (2008)
NOTAS: (1) Inclui Postos de Atendimento Bancário (PAB), Postos de Arrecadação e Pagamentos (PAP), Postos Avançados de Atendimento (PAA), Postos de Atendimento Cooperativo (PAC), Postos de Atendimento ao Microcrédito, Postos Avançados de Crédito Rural (PACRE), Postos de Compra de Ouro (PCO) e Unidades Administrativas Desmembradas (UAD).
Observa-se que no período de 2000 a 2007 o
crescimento do número de postos eletrônicos foi de
140,7%. Porém o canal com maior crescimento é o de
correspondentes bancários, o qual apresenta um cres-
cimento no período de 514,2% passando de 25,4% dos
canais de atendimento em 2000 para 57% no ano de
2007. Esse crescimento demonstra uma transferência
das vendas e serviços bancários para estabelecimentos
comerciais variados em um processo de terceirização
para auxiliar na prestação de serviços dos bancos
(FEBRABAN, 2008).
Embora o número de agências tenha crescido 11,7%
no período, sua representatividade entre os canais de
atendimento caiu de 17,6% em 2000 para 7,1% em
2007, ilustrando a mudança física que vem ocorrendo
no atendimento tradicional.
Embora tenha havido uma expansão em todos os
canais, percebe-se que os que mais cresceram foram
os postos eletrônicos e correspondentes. Dessa forma,
houve uma alteração na participação dos canais no
total da rede no período, conforme se pode melhor
visualizar no gráfico 1.
GRÁFICO 01 - REDE DE ATENDIMENTO NO BRASIL - 2000 E 2007
2000
25% 30%
57%
12%
7%
24%
27%
2007
Número de agências
Postos tradicionais
Postos eletrônicos
Correspondentes
FONTE: Adaptado de Febraban (2008).
NOTAS: Postos tradicionais incluem Postos de Atendimento Bancário (PAB), Postos de Arrecadação e Pagamentos (PAP), Postos Avançados de Atendimento (PAA), Postos de Atendimento Cooperativo (PAC), Postos de Atendimento ao Microcrédito, Postos Avançados de Crédito Rural (PACRE), Postos de Compra de Ouro (PCO) e Unidades Administrativas Desmembradas (UAD);
Além da alteração da estrutura de atendimento
por meio da transferência dos serviços para outros esta-
belecimentos, houve também aumento da automatiza-
ção, ou seja, do atendimento eletrônico.
As ferramentas tecnológicas disponíveis para o
desenvolvimento do atendimento automatizado estão
presentes principalmente nos caixas-automáticos, inter-
net banking e correspondentes não bancários.
Uma das tendências do mercado é a utilização da
tecnologia dos celulares para realização de consultas e
movimentações financeiras. Um exemplo desta nova for-
ma de prestação de serviços seria o atendimento que o
Banco do Brasil oferece aos seus clientes via celular. Con-
forme informações do próprio Banco do Brasil (2008),
atualmente a instituição disponibiliza aos seus clientes
diretamente pelo celular a opção de consultas de saldo e
80 |
extrato, pagamento de títulos bancários e contas, trans-
ferências entre contas, DOC (Documento de Ordem de
Crédito), TED (Transação Eletrônica de Documento), apli-
cações e resgate em investimentos, recargas de celulares
pré-pagos, empréstimos pessoais e ainda conta com a
opção de envio de mensagens de texto informando so-
bre movimentações realizadas na conta corrente e no
cartão de crédito.
A ferramenta mais utilizada e já consolidada é o
caixa-automático. Para Kotler2 (1998 apud PIRES; COSTA
FILHO, 2001), os caixas-automáticos oferecem aos con-
su midores as vantagens da utilização por 24 horas, do
autosserviço e da ausência da manipulação por tercei-
ros. Considerados uma máquina de venda altamente
es pe cializada, os caixas-automáticos propiciam aos
usuários uma série de vantagens, sendo uma delas de
fundamental importância: a conveniência de tempo,
lugar e acesso.
A Internet banking é a tecnologia que mais cresce,
por oferecer serviços de consulta de extratos e saldos e
a possibilidade de realização de transações como: paga-
mentos de contas, transferência de saldos, empréstimos,
investimentos e outras operações, dependendo de cada
instituição financeira. É um canal de atendimento que
apresenta um crescimento expressivo em sua utilização,
devido principalmente à comodidade e possibilidade
de acesso 24 horas por dia. Além disso, de acordo com
Scheurer (2001), o home banking significa economia de
tempo para o cliente e redução de custos para a institui-
ção, uma vez que a transação eletrônica tem um custo de
três a seis vezes menor do que a efetuada nas agências.
Outro canal em ascensão é o correspondente não
bancário, ou seja, convênios que permitem disponibi-
lizar serviços bancários em empresas como correios,
lotéricas, farmácias, supermercados, postos de gasolina
e outros estabelecimentos comerciais. A rede de atendi-
mento não atende somente correntistas, mas também
a usuários não clientes. De acordo com Ferry (2008),
2 KOTLER, P. Administração de marketing: análise, plane-ja mento, implementação e controle. 5.ed. São Paulo: Atlas, 1998.
a existência de correspondentes bancários auxilia na
diminuição de filas no ambiente interno das agências e
oferece comodidade aos usuários, que poderão realizar
suas transações sem a necessidade de deslocar até uma
agência bancária.
A utilização dos canais eletrônicos é apresentada
no gráfico 2, que compara as transações bancárias por
origem em 2000 e 2007:
GRÁFICO 02 - TRANSAÇÕES POR ORIGEM NO BRASIL EM 2000 E 2007
FONTE: Adaptado de Febraban (2008).
NOTAS: (1) Débitos automáticos, crédito de salários, proventos de aposentadoria, DOC’s, TED’s, cobranças;
(2) Tarifas, taxas, IOF, CPMF etc;
(3) Saques, depósitos, transferências, pagamento de contas e boletos bancários, resgates, investimentos, consultas de saldo, extrato, bloqueio e desbloqueio de cheque etc;
(4) Transferências, pagamentos, investimentos, financiamentos, consultas em geral, solicitações, remessas de arquivos, instruções de cobrança, transferências, pagamentos, investimentos, empréstimos, agendamentos de transações, desbloqueios, senhas etc;
(5) Pagamentos no comércio em lojas, supermercados, postos de gasolina etc;
(6) Estabelecimentos comerciais, correios, casas lotéricas etc.
O gráfico 2 permite comparar a evolução da utiliza-
ção dos canais de atendimento pelos clientes. O principal
canal utilizado para realização de transações é o autoaten-
dimento, que manteve sua participação no período devi-
do ao aumento de 107% no número de transações.
Revista da FAE
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.73-87, jul./dez. 2009 | 81
Percebe-se que os canais tradicionais de transação
tiveram queda no período. A utilização dos caixas das
agências caiu de 20% em 2000 para 10% em 2007 no
total de transações realizadas, embora isoladamente o
número de transações tenha crescido 6,3%. No caso da
compensação de cheques houve uma queda de 41,9%
das transações realizadas e o canal que em 2000 repre-
sentava 13% das transações passou para 4% em 2007. A
utilização de Call Center não teve variação absoluta signi-
ficativa, mas a participação desse canal de atendimento
reduziu-se de 7% para 3% no período.
Por outro lado, os canais com maior crescimento
foram internet banking, POS e correspondentes não ban-
cários. A utilização de internet banking cresceu 851,6% no
período: em 2000 o canal representava 4% e passou para
17% em 2007. O canal POS, por sua vez, embora tenha
passado de 2% em 2000 para 4% em 2007 no total de
canais utilizados, obteve um crescimento de 441,4% em
termos absolutos. O crescimento do POS explica a redução
da utilização dos cheques, pois os clientes passaram a
utilizar mais os cartões de débito e crédito. A utilização
de correspondentes bancários, por sua vez, apresentou
aumento de 1.376% no período, embora represente
apenas 5% do total de transações realizadas. A evolução
deste canal de atendimento vem propor cionando maior
comodidade ao cidadão para paga mento de suas contas
em qualquer região do país e uma maior conveniência
para a realização de transa ções bancárias para o público
de menor renda ou que não possui conta em banco.
No entanto, demonstra o crescente direcionamento dos
serviços bancários para terceiros.
3 A preferência dos clientes
A evolução da utilização dos canais de atendi-
mento expressa o aumento do atendimento eletrônico
entre os clientes, em contraponto à redução da utili-
zação de atendimento pessoal. Ambas as formas de
atendimento apresentam vantagens e desvantagens e
sua escolha dependerá do perfil e necessidade de cada
cliente bancário.
De acordo com Guntzel (2003), há clientes que
preferem o atendimento pessoal por vários motivos,
entre eles pela confiança no funcionário que já virou
amigo, pelo contato frequente com os funcionários das
agências e devido à falta de confiança no equipamento
eletrônico. Porém há clientes que não querem se deslocar
até uma agência, mas desejam o atendimento humano
e resistem ao autoatendimento eletrônico. Isto explica
o sucesso e a sofisticação das centrais de atendimento,
que se transformaram quase em bancos virtuais.
O autoatendimento, por sua vez, está cada vez
mais presente no cotidiano de uma nova geração de
clientes: sua praticidade e rapidez têm conquistado
um número crescente de usuários. No entanto, o au-
toatendimento é caracterizado pela impessoalidade e a
redução do contato humano, o que traz resistências e
bloqueios a alguns clientes. A principal vantagem do
autoatendimento em relação ao atendimento pessoal
é seu custo, tanto para as instituições quanto para
os clientes, que reduzem o tempo de espera, além de
dispensar os deslocamentos constantes a uma agência.
Para Pires e Costa Filho (2001), a continuidade e
expansão da automação e informatização dos produtos
e serviços, dependerão, em muito, da forma como os
clientes assimilarão e incorporarão essas inovações no
seu dia-a-dia.
Para analisar as preferências dos clientes e a satis-
fação quanto aos canais de atendimento disponíveis, o
presente artigo realizou uma pesquisa de campo, cuja
metodologia e resultados são descritos a seguir.
4 Metodologia da pesquisa
A pesquisa realizada classifica-se como descritiva
de caráter exploratório, por meio de questionários
estruturados com perguntas de múltiplas escolhas.
Para realização da delimitação da pesquisa, optou-se
por cinco instituições financeiras: Itaú, Bradesco, Banco
do Brasil, Caixa Econômica Federal e HSBC, que detém
70% das 323 agências bancárias em Curitiba (BANCO
CENTRAL DO BRASIL, 2008).
82 |
Por seu escopo, o perfil do presente artigo poderia
abranger todos os canais de atendimento eletrônico
utilizados atualmente pelas instituições financeiras.
Contudo, considerando a dificuldade em atingir os
usuários de outros canais de atendimento, o campo de
pesquisa ficou restrito ao autoatendimento oferecido
pelos caixas-automáticos, onde a pesquisa foi realizada
diretamente com os usuários.
A delimitação da amostra foi realizada a partir do
seguinte critério: baseando-se no número de contas por
banco e quantidade de agências do Brasil, encontrou-
se uma média de clientes por agência. Multiplicando-
se este número pela quantidade de agências da cidade
de Curitiba, calculou-se uma média do total de clientes
por banco instalado na cidade, conforme a tabela 3. A
opção pela realização da média faz-se necessária devido
à falta de informações mais precisas.
Devido ao grande número de clientes e ao tempo
necessário para realização do trabalho, foi considerada
uma amostragem não-probabilística de 0,01% da
média de clientes das cinco instituições selecionadas.
Esse critério foi estabelecido pelas autoras a partir
da viabilidade de execução da pesquisa. A tabela 3
demonstra os dados e a amostra necessária para cada
instituição bancária.
TABELA 03 - DEFINIÇÃO DA AMOSTRA POR BANCO EM CURITIBA -
JULHO 2008
BANCO
NÚ
MER
O
CO
NTA
S
NO
BRA
SIL
NÚ
MER
O D
E
AG
ÊNC
IAS
N
O B
RASI
L
NÚ
MER
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E A
GÊN
CIA
S EM
C
URI
TIBA
MÉD
IA D
E
CLI
ENTE
S EM
C
URI
TIBA
AM
OST
RA (0
,01%
)
Banco Itaú SA. 9.564.933 2.640 58 210.139 21
Banco Bradesco 18.008.797 3.200 55 309.526 31
Banco do Brasil 21.240.204 4.127 45 231.599 23
Caixa Econ. Federal 4.872.893 2.061 37 87.480 9
HSBC Bank Brasil 4.590.296 924 30 149.036 15
TOTAL 58.277.123 12.952 225 987.780 99
FONTE: Adaptado de Banco Central do Brasil (2008)
Portanto, o questionário foi aplicado em 21 clien-
tes do banco Itaú, 31 clientes do Banco Bradesco, 23
respondentes do Banco do Brasil, 9 da Caixa Econômica
Federal e 15 do HSBC Bank Brasil.
O questionário aplicado foi dividido em cinco
blocos de perguntas. O primeiro contém questões
sobre o autoatendimento, as quais buscam identificar
o grau de utilização dos caixas-automáticos pelos
clientes e os motivos, caso existam, da não utilização
do canal para realização de todas as operações ban-
cárias. O segundo bloco tem por objetivo identificar a
frequência de utilização do atendimento pessoal por
semana. O terceiro bloco possui questões que visam
descobrir a preferência dos clientes em relação ao tipo
de atendimento, os produtos que preferem realizar
em cada canal de atendimento e os motivos das suas
preferências. O quarto bloco tem por objetivo conhecer
a satisfação dos clientes em relação ao autoatendimento
e o que pode ser melhorado para utilização do serviço.
O quinto e último bloco contém questões sobre o perfil
dos usuários do autoatendimento bancário, como
sexo, idade, renda média familiar e escolaridade dos
entrevistados.
Os questionários foram entregues aleatoriamente
aos clientes dos bancos selecionados e respondidos por
escrito pelo entrevistado na presença do entrevistador.
A pesquisa foi realizada durante os meses de julho e
agosto de 2008. Após coletados, os dados foram
tabulados por meio das ferramentas do Microsoft Office
Excel 2003.
5 Apresentação e interpretação dos
resultados
Dos 99 clientes entrevistados 65% são do sexo
femi nino e 35% do sexo masculino. A maioria dos entre-
vistados possui idade entre 20 e 30 anos (60%), seguido
da faixa etária entre 31 e 40 anos (33%). A renda
Revista da FAE
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.73-87, jul./dez. 2009 | 83
familiar3 predominante é de R$727 a R$2.012,67 (65%
dos entrevistados) e 35% dos entrevistados possuem
renda entre R$3.480 e R$6.563. Nenhum dos entrevis-
tados possuía renda inferior a R$727. Em relação à es-
colaridade, 69% dos entrevistados possuem graduação,
23% ensino médio e 5% são pós-graduados.
No tocante à frequência de utilização dos termi-
nais de autoatendimento e do atendimento pessoal, foi
possível obter-se os seguintes resultados:
GRÁFICO 03 - FREQUÊNCIA DE UTILIZAÇÃO DO AUTOATENDIMENTO E DO ATENDIMENTO PESSOAL
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%0% 4%
40%
85%
30% 27%
9%2% 2% 0%
Não utiliza Esporadicamente
Autoatendimento
1 vez 2 a 4 vezes 5 a 7 vezes
Atendimento pessoal
FONTE: As autoras (2008)
Percebe-se pelo gráfico 3 que a maior frequência
de utilização é do caixa automático, pois enquanto que
85% dos entrevistados utilizam o atendimento pessoal
esporadicamente, apenas 40% utilizam esporadica-
mente o autoatendimento. Em todas as opções de uti-
lização é maior o percentual de pessoas que utilizam o
autoatendimento em relação ao atendimento pessoal e
pode-se observar que 4% afirmaram que não utilizam o
atendimento pessoal. Os usuários que mais utilizam o
3 A classificação da renda foi realizada de acordo com o novo critério de classificação econômica do Brasil realizado pela ABEP (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa, 2007), por ser mais conveniente do ponto de vista de segmentação. De acordo com esse critério a renda familiar média pode ser classificada em: Classe A1: acima de 9.733,47; Classe A2: Acima de 6.563.73; Classe B1: 3.479,36; Classe B2: 2.012,67; Classe C1: 1.194,53; Classe C2: 726,26; Classe D: 484,97; Classe E: 276,70. (ABEP, 2008). Na pesquisa a renda familiar foi distribuída em 5 classes: a primeira agrega as classes E e D, a segunda considera as classes C, a terceira somente as classes B e a quinta somente as classes A.
autoatendimento são os entrevistados com faixa etária
entre 20 e 30 anos.
Concernente ao uso do autoatendimento, 40%
dos entrevistados afirmou que realizam todas as suas
transações pelo autoatendimento. Por instituição, a
Caixa Econômica apresentou menor índice de utiliza-
ção, o que pode ser explicado pela existência de serviços
sociais (FGTS, PIS e Habitação Popular) que são realiza-
dos apenas no atendimento pessoal.
Perguntados sobre os motivos que levam os clientes
a não utilizarem somente o autoatendimento, a maior
parte (43%) afirmou falta de funcionalidade, enquanto
que 26% utilizam a Internet. Apenas 9% afirmaram que
não sabem operar o caixa e 8% disseram não usar os
caixas automáticos por desconforto, conforme se pode
observar no gráfico 4.
GRÁFICO 04 - MOTIVOS PARA NÃO REALIZAR TODAS AS TRANSAÇÕES
NO AUTOATENDIMENTO
43%
26%
9% 8% 8%3% 2% 2%
Falt
a de
func
iona
lidad
e
Uti
liza
a In
tern
et
Não
sab
e op
erar
o c
aixa
Falt
a de
se
gura
nça
Des
conf
orto
Lim
ites
bai
xos
para
tra
nsaç
ões
Gos
ta d
o at
endi
-m
ento
pes
soal
Uti
liza
Cal
l Cen
ter
FONTE: As autoras (2008)
Conforme se pode verificar no gráfico 4, apenas
2% não utilizam os caixas automáticos por preferir o
atendimento pessoal. Os clientes que alegaram falta de
funcionalidade provavelmente realizam suas transações
no atendimento pessoal ou em canais com mais opções,
como a Internet, tendo em vista que são principalmente
os usuários com a faixa etária mais jovem e com maior
poder aquisitivo.
A preferência dos clientes pesquisados em relação
ao tipo de atendimento, os produtos que prefere realizar
em cada canal de atendimento e os motivos das suas
preferências também foram abordados com o objetivo
de conhecer a aceitação do autoatendimento pelos
84 |
clientes bancários. Nesse aspecto, 44% dos clientes
afirmaram preferir o autoatendimento, enquanto que
apenas 13% disseram que o atendimento pessoal é o
preferido. Os demais (42%) disseram ser indiferentes ao
tipo de atendimento prestado.
O gráfico 5 compara os serviços que os clientes
pesquisados preferem realizar no autoatendimento e
no atendimento pessoal.
GRÁFICO 05 - SERVIÇOS PREFERIDOS NO AUTOATENDIMENTO E NO ATENDIMENTO PESSOAL
Saqu
es
Extr
atos
Dep
ósit
os
Paga
men
to
de c
onta
s
Tran
sfer
ênci
as
e sa
ldos
Empr
ésti
mos
Inve
stim
ento
s
Out
ros
Nen
hum
Com
pra
de
prod
utos
29%
24%
1% 2% 1%1% 1%
7%
21%24% 23%
2% 1%0,3% 0%
8%
20%15%
13%10%
Autoatendimento Atendimento pessoal
FONTE: As autoras (2008)
Os percentuais apresentados se referem aos ser vi-
ços preferidos em cada um dos canais: autoatendimento
e atendimento pessoal. Percebe-se no gráfico 5 que a
preferência dos clientes pelo autoatendimento é nos
serviços mais simples como saques (29%), extratos
(24%), depósitos (20%), pagamento de contas (15%) e
transferência e saldos (10%). No atendimento pessoal,
os serviços preferidos são investimentos (24%), compra
de produtos (23%) e empréstimos (21%). Analisando-
se os dados, é possível presumir que o atendimento
pessoal é preferido para serviços mais complexos e que
requerem a assessoria dos funcionários do banco para
se efetuar a transação.
Em relação à preferência entre os canais, os princi-
pais motivos para a preferência pelo autoatendimento
foram a rapidez (38%), a conveniência (24%), a dispo-
nibilidade de horários (19%) e a tecnologia (14%).
Para o atendimento pessoal os principais motivos
da preferência por esse tipo de atendimento foram a
segurança (47%), a qualidade no atendimento (17%),
a possibilidade de realização de um número maior de
serviços (16%) e o conforto (15%). Apenas 3% dos en-
trevistados afirmaram que preferem o atendimento
pessoal por não saber utilizar o caixa automático. Os
resultados dessa questão estão em consonância com
as respostas para não realizar todas as transações no
caixa-automático.
Também foi perguntada a satisfação dos entre-
vistados em relação ao autoatendimento bancário: 81%
dos entrevistados consideram o atendimento auto-
má tico ótimo ou bom e 19% avaliaram como regular.
Nenhum dos respondentes que preferem o atendimento
automático avaliou o serviço como ruim.
Por fim, perguntou-se aos entrevistados o que se
deve melhorar no autoatendimento, cujos dados são
apresentados no gráfico 6.
GRÁFICO 06 - OPINIÃO SOBRE O QUE DEVE MELHORAR NO
AUTOATENDIMENTO
32%
20%18%
Mai
or q
uant
i-da
de d
e ca
ixas
au
tom
átic
os
Dis
poni
bilid
ade
de o
utra
s op
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ões
Pres
ença
de
func
ioná
rios
Mai
or
segu
ranç
a
Man
uten
ção
cont
ínua
dos
eq
uipa
men
tos
18%
12%
FONTE: As autoras (2008)
Analisando o gráfico 6, constata-se que a maior
parte dos entrevistados (32%) considera fundamental a
manutenção contínua nos caixas-automáticos, enquanto
que 20% desejam maior segurança no local e 18%
gos tariam de ter a presença de funcionários. Embora
não seja o item mais importante a ser melhorado no
autoatendimento, o anseio de mais serviços disponíveis
no autoatendimento (18%) demonstra que os clientes
estão preparados para utilizar mais o autoatendimento,
caso esse canal ofereça mais operações, tendo em vista
que o perfil de usuários que marcaram essa questão é de
faixa etária mais jovem e com maior poder aquisitivo.
Revista da FAE
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.73-87, jul./dez. 2009 | 85
Conclusões
Os resultados da pesquisa na cidade de Curitiba
revelaram que a maior parte dos entrevistados prefere
o atendimento automatizado oferecido pelos caixas-
automáticos, em detrimento do atendimento tradicional
e consideram o serviço como bom ou ótimo. Os serviços
preferidos no autoatendimento são os mais simples
como extratos, depósitos e saques.
Dentre as dificuldades que os clientes pesquisados
possuem em relação à utilização do autoatendimento
e que os levam a preferir o atendimento pessoal,
destacam-se a segurança no ambiente de autoatendi-
mento, a qualidade a desejar dos equipamentos e a falta
de funcionalidade ou falta de operações.
Segundo a pesquisa, a maior parte dos clientes
prefere realizar no atendimento pessoal serviços como:
empréstimos, investimentos e compra de produtos. As
dificuldades citadas acima são os maiores causadores
desta preferência, além de que são serviços que geral-
mente precisam de assessoria de funcionários.
Nas sugestões para melhoria do autoatendimen-
to bancário a principal solicitação está relacionada
à manutenção contínua dos equipamentos, além da
dispo nibilidade de um número maior de operações.
Percebe-se que os clientes bancários pesquisados
preferem o autoatendimento pela conveniência e
rapidez, características obtidas da automação no aten-
dimento bancário. Ou seja, a automação traz vantagens
para os clientes, contribuindo positivamente em sua
satisfação. Porém, o que pode impactar negativamente
na satisfação dos clientes são a falta de segurança, além
da baixa qualidade e funcionalidade apresentadas nos
caixas-automáticos.
Considerando-se que 18% dos entrevistados dese-
jam mais operações disponíveis em caixas automáticos,
pode-se deduzir que o uso do autoatendimento aumen-
taria entre os usuários se os bancos oferecessem mais
funcionalidades e operações.
A pesquisa não é conclusiva, sobretudo porque o
perfil dos entrevistados (escolaridade, idade e renda)
aponta para usuários acostumados com tecnologias,
especialmente caixa automático. No entanto, dado
o crescente aumento do acesso das classes de menor
renda e escolaridade a computador e Internet, é
possível estender tais resultados para outros perfis de
usuários. Outra questão a ser observada é o grau de
maturidade da tecnologia do autoatendimento: desde
que surgiram, os caixas automáticos passaram por
me lhorias contínuas, resultando em mais opções de
operações e segurança no processamento dos dados.
Além disso, a geração que recebeu os primeiros caixas
automáticos e tinha mais barreiras a sua utilização não
está representada na amostra pesquisada, devido à
ausência de respondentes. Sendo assim, o atual estágio
de utilização dos caixas automáticos compreende uma
geração de usuários acostumados ao paradigma das
tecnologias da informação e comunicação, ou seja,
as barreiras da mudança de paradigma já teriam sido
superadas.
Diante disso, percebe-se que o setor bancário foi
eficiente em criar e estimular a demanda de seus cli-
entes as suas inovações e que a difusão da inova ção
foi ampla e bem sucedida. Tendo em vista os resul ta-
dos, refuta-se a hipótese inicial de que os clientes pre-
ferem o atendimento pessoal ao automático e que a
automação resultaria em insatisfação para os clientes
bancários.
•Recebido em: 04/06/2009 •Aprovado em: 21/07/2009
86 |
Referências
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Revista da FAE
Resumo
O setor serviços destaca-se cada vez mais na economia mundial. Seu grande desafio é oferecer serviços de qualidade aos clientes, que se tornam mais exigentes e críticos em relação aos serviços recebidos. Este artigo tem por objetivo avaliar a qualidade dos serviços prestados em uma empresa localizada na região central do Rio Grande do Sul (RS), bem como identificar quais as variáveis das dimensões da qualidade que superam as expectativas dos clientes. Para a coleta dos dados foi elaborado um questionário adaptado do modelo SERVQUAL, para mensurar o serviço percebido, no qual os clientes avaliaram a qualidade dos serviços nas suas diversas dimensões de qualidade, através de uma escala pré-estabelecida. Para análise dos dados, utilizou-se a ferramenta Análise Fatorial e Modelo Gap (falhas). Os dados foram tratados através do software Statística 7.0 e Excel. Os resultados mostraram que, no geral, a empresa apresenta resultados satisfatórios na percepção dos clientes, porém apresentando algumas oportunidades de melhoria.
Palavras-chave: serviços; análise fatorial; gap; qualidade.
Abstract
The services sector stands out more and more in global economy. Its biggest challenge is to offer service of quality to customers, who have become more demanding and critical in relation to the delivered service. This study has the aim of evaluating the quality of the service provided in a company located in the central region of Rio Grande do Sul (RS), as well as identifying which are the variables of the quality dimensions that overcome customer expectations. For data collection was gathered by a questionnaire adapted from SERVQUAL model for measuring the perceived service, in which customers evaluated the quality of the service in its several quality dimensions, throughout a pre established scale. The Factorial Analysis tool and the Gap Model (failures) were used to analysis the data and the Statitica 7.0 and the Excel softwares were used for processing it. The results showed that, in general, the company presents satisfactory results in the customer perception; however, it presents some opportunities for improvement.
Keywords: services; factorial analysis; gap; quality.
Análise da qualidade percebida em uma organização de serviço
Analysis of perceived quality in a service organization
Nara Medianeira Stefano*Leoni Pentiado Godoy**
* Mestre em Engenharia de Produção (UFSM). Pesquisadora do grupo de Sistemas de Gestão Empresarial da Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: [email protected]
** Doutora em Engenharia de Produção (UFSM). Professora do Programa de Pós-Graduação de Engenharia de Produção da Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: [email protected]
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Introdução
O crescimento econômico está desencadeando
uma busca na melhoria de gestão do setor de serviços.
A preocupação voltada unicamente para o aumento
da produtividade já não atende aos novos requisitos
do panorama competitivo. Paralelamente, as empresas
procuram racionalizar o investimento em atividades de
controle e melhoria da qualidade, de modo a garantir
uma relação custo/benefício favorável, uma vez que a
análise dos fatores que contribuem para a manutenção e
conquista do mercado se torna imprescindível. Os serviços
apresentam grande participação na economia brasileira,
os dados do Anuário Estatístico, publicado pelo Ministério
do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – MDIC
(2007) mostram que a participação do setor serviços tem
ultrapassado 50% nos últimos quinze anos.
Na prestação de serviços encontram-se oportuni-
dades para a obtenção de vantagens competitivas.
Estas operações são divididas em duas partes: a que
tem contato com o cliente e outra que não tem, esta
vantagem competitiva pode estar relacionada à qualidade
do serviço prestado e ao seu processo de fornecimento
(RASILA; GERSBERG, 2007). Ter competitividade significa
ser capaz de minimizar as ameaças de novas empresas,
vencer a rivalidade imposta por concorrentes, ganhar e
manter fatias de mercado, reduzir o poder de barganha
de fornecedores e consumidores.
Os desejos e exigências dos clientes sofrem cons-
tantes modificações. Por essa razão os serviços devem
ser constantemente avaliados (SCHMENNER, 2004).
Assim, considera-se a qualidade dos serviços um fator
fundamental para a manutenção e aumento da compe-
titividade. Este artigo tem como objetivo avaliar a
qualidade dos serviços prestados, através da análise
fato rial, em uma empresa localizada na região central do
RS, bem como identificar quais variáveis das dimensões
da qualidade superam as expectativas na ótica dos
clientes externos.
Justificativa-se a importância e a relevância deste
estudo, no âmbito empresarial, pelo fato de que as
empresas de serviços possam monitorar a qualidade no
atendimento, e conhecer as necessidades e expectativas
dos seus clientes, fazendo com que, as mesmas sobre-
vivam e prosperem no mercado.
1 Qualidade em serviços
Em serviços, a avaliação da qualidade surge ao longo
do processo de prestação. Cada contato com o cliente
é referido como sendo um momento da verdade, uma
oportunidade de satisfazer ou não o cliente. A satisfação
do cliente com a qualidade do serviço pode ser mensurada
pela comparação da percepção do serviço prestado com
as expectativas do serviço desejado (PARASURAMAN,
2004; PARASURAMAN; BERRY; ZEITHAML, 1985, 1988).
As definições de qualidade em serviço, normalmente,
focam o encontro das necessidades e requisitos dos
clientes e, também, como o serviço prestado alcança as
expectativas dos clientes.
Zeithaml e Bitner (2003) atribuem a qualidade de
serviços, a discrepância que existe entre as expectativas
(importância) e as percepções (qualidade percebida)
do cliente com relação a um serviço experimentado.
Desta forma, a percepção da satisfação dos clientes
com a qualidade dos serviços recebidos é diretamente
proporcional com a possibilidade da falha de suas
expectativas. Logo, quando o prestador de serviços
compreender como estes serão avaliados pelos clientes
será, então, possível saber como gerenciar essas
avaliações e como influenciá-las na direção desejada.
Nesse sentido, o resultado pode alcançar três
situa ções: o serviço prestado excede a expectativa
do cliente, sendo que, este percebe uma qualidade
excepcional; e, quando o serviço prestado fica aquém
das expectativas, a qualidade do serviço é inaceitável;
e, se as expectativas são plenamente correspondidas
pela prestação de serviço, a qualidade é considerada
satisfatória. Entender as expectativas do consumidor
é o ponto central (VINAGRE; NEVES, 2008) para o
entendimento da satisfação. O cliente satisfeito retor-
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Revista da FAE
na e divulga a empresa aos amigos e familiares. O
cliente insatisfeito divulga o fato a tantas pessoas que
encontrar, pois ele deseja expor a situação desagradável
que vivenciou. Assim, a propagação desta experiência
negativa alcança maior número de pessoas, gerando
resultados negativos para a empresa.
A qualidade dos serviços prestados proporciona
um fator positivo (TSAI; LU, 2005) na continuidade
do consumo, principalmente, quando se estreitam as
relações de intangibilidade entre qualidade e serviços.
A garantia e a confiança originadas pelas experiências
anteriores são itens fundamentais para determinar a
qualidade percebida pelos clientes. Ainda, conforme os
autores, a excelente qualidade dos serviços pode criar
uma vantagem competitiva, importante para a empresa
em sua relação com os clientes. A vantagem competitiva
(PORTER, 1999) surge fundamentalmente do valor que
uma empresa consegue criar para seus compradores e
que ultrapassa o custo de fabricação.
Na atualidade, os consumidores de serviço bus-
cam menores preços, serviços personalizados e com
qualidade. Futuramente, essas exigências tenderão a
serem maiores e mais específicas, devido às exigências
do mundo globalizado, onde a concorrência torna-se
cada vez mais acirrada e ao mesmo tempo real e virtual,
exigindo a criação de serviços que fidelizem os clientes
(STEFANO et al., 2007).
Portanto, a mensuração da qualidade em serviços
está diretamente relacionada ao grau de satisfação do
cliente. Assim, os conceitos de satisfação e qualidade
percebida são distintos. A qualidade percebida é uma
avaliação global do serviço relacionada à superioridade
do serviço, enquanto, a satisfação está relacionada a
uma transação especifica, isto é, a qualidade num
determinado momento ou etapa do serviço.
2 Análise fatorial
A análise fatorial tenta identificar um conjunto
menor de variáveis hipotéticas (fatores), com o objetivo
de reduzir a dimensão dos dados e possibilitar seu
agrupamento em fatores, de acordo com seu compor-
tamento, sem perda de informação (HAIR et al., 2005).
A análise fatorial parte da estrutura de dependência
existente entre as variáveis de inte resse (em geral repre-
sentada pelas correlações ou covariâncias entre elas),
permitindo a criação de um conjunto menor (variáveis
latentes, ou fatores) obtidas como função das originais.
É possível, também, saber o quanto cada fator está
associado a cada variável e o quanto o conjunto de fatores
explica da variabilidade geral dos dados originais.
Aplica-se este tipo de análise (LASH; JANKER, 2005),
frequentemente, quando estamos interessados no com-
por tamento de uma variável ou grupos de variáveis em
co-variação com outras. A análise fatorial é uma técnica
de análise multivariada que tem como objetivo examinar
a interdependência entre variáveis e a sua principal
característica é a capacidade de redução de dados.
A extração dos fatores pode ser realizada por
meio do modelo de Análise de Componentes Prin ci-
pais (ACP). É um método estatístico multivariado que
permite transformar um conjunto de variáveis iniciais
correlacionadas entre si, num outro conjunto de variá-
veis não-correlacionadas (ortogonais), as chamadas
com ponentes principais, que resultam de combinações
lineares do conjunto inicial (HAIR et al., 2005). Realiza da
a solução fatorial devem ser examinadas todas as
variáveis destacadas em cada fator e nomear um
“rótulo” que melhor o represente. Variáveis com maior
carga fatorial são consideradas de maior importância e
devem influenciar mais sobre o “rótulo” do fator.
3 Metodologia
O presente artigo é de natureza descritiva e tem
como base a pesquisa quantitativa. A coleta de dados
foi realizada através da aplicação de questionário.
Foi adaptada da Escala SERVQUAL e então passou a
basear-se nas seguintes dimensões da qualidade: tangi-
bilidade, fiabilidade, receptividade, garantia e empatia,
conforme o quadro 1.
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QUADRO 01 - DIMENSÕES DA QUALIDADE UTILIZADAS NA PESQUISA
DIMENSÕES DESCRIÇÃO
TangibilidadeAparência das instalações físicas, equipamentos, pessoas e materiais de comunicação
FiabilidadeHabilidade de realizar o serviço prometido de forma confiável e segura
ReceptividadeDisposição para ajudar o usuário e fornecer um servi-ço com rapidez de resposta e presteza
GarantiaConhecimento e cortesia do funcionário e sua habili-dade em transmitir segurança
EmpatiaFornecimento de atenção individualizada aos clientes, facilidade de contato e comunicação
FONTE: Adaptado de Parasuraman, Berry e Zeithaml (1985)
No questionário foram utilizadas vinte (20) ques-
tões aplicadas aos clientes externos, como pode ser
visualizado no quadro 2.
QUADRO 02 - ITENS QUE COMPUSERAM O QUESTIONÁRIO DA PESQUISA
ABREVIATURAAVALIAçãO DA EMPRESA EM RELAçãO A:
DIMENSÃO TANGIBILIDADE
INSCONF A empresa possui instalações confortáveis e atraentes
EQPMODER Possui equipamentos modernos
BOAAPRES Os funcionários apresentam boa apresentação
MATPROMOs materiais promocionais (cartazes, folders etc.) são agradáveis e de fácil visualização
DIMENSÃO FIABILIDADE
CUMPRAZQuando a empresa promete fazer algo num determinando prazo cumpre as suas promessas
PROBLRESOLQuando você tem um problema os funcionários mostram sincero interesse em resolvê-lo
AULTEORAs aulas teóricas e práticas são ministradas e preparadas cuidadosamente
PROCECORRA empresa realiza corretamente os procedimentos desde a primeira vez
DIMENSãO RECEPTIVIDADE
RESPRAP Você é prontamente atendido
BOMATENDOs funcionários demonstram boa vontade em atender os clientes
DISPONOs funcionários estão sempre disponíveis para prestar informações
SOLUCIMEDOs funcionários buscam soluções imediatas para os proble-mas dos clientes
DIMENSãO GARANTIA
COMPCONFO comportamento dos funcionários da empresa gera confiança nos clientes
SEGUR Como cliente, sinto-me seguro ao chegar à empresa
EDUCCORT Os funcionários são educados e corteses com os clientes
COMPEm sua opinião os funcionários têm competência para responder as suas dúvidas
DIMENSãO EMPATIA
ATENDPERS Você recebe um atendimento personalizado
ATENÇNESSA empresa tem funcionários que proporcionam atenção adequada às suas necessidades
HORFUNCEm sua opinião, a empresa possui um horário de funciona-mento conveniente
SERQUALIPara você, a empresa está atenta para oferecer o melhor serviço para o cliente
FONTE: Adaptado de Parasuraman, Berry e Zeithaml (1988)
As questões utilizadas para a análise fatorial foram
estruturadas com base no modelo de escala de Likert,
onde havia cinco opções, as quais variavam de 1 a 5,
sendo 1 o ponto de menor e 5 o de maior importância.
Primeiramente, os clientes responderam a respeito
do Serviço Ideal: (1) sem importância; (2) pouco
importante; (3) indiferente; (4) muito importante;
(5) extremamente importante; e, posteriormente, o
Serviço Percebido: (1) ruim; (2) regular; (3) indiferente;
(4) muito bom; (5) excelente.
Foi definido o tamanho da amostra (equação 1) a
ser utilizada na pesquisa. A fórmula é mostrada a seguir
(LOPES, 2008), com distribuição normal: Z2 α/2 = 1,96;
p = 0,9; q = 0,1; e N= 4950 ao nível de significância de
5%, a amostra mínima é de 35 entrevistados, de acordo
como a tabela 1. Portanto, foram aplicados cem (100)
questionários aos clientes.
n = Z2 α/2 • p • q • N
e2 (N – 1) + Z2 α/2 • p • q (1)
Onde: Z: valor tabelado (distribuição normal padrão)
p: percentual estimado
q= (1-p): Complemento de p
e: erro amostral
N: população amostral
α: nível de significância
TABELA 01 - AMOSTRA MÍNIMA (N) EM FUNÇÃO DO ERRO (E)
e n e n e n
1%
3%
6%
2037
358
95
2%
4%
7%
737
208
71
2,5%
5%
10%
499
136
35
FONTE: Lopes (2008)
Na análise dos resultados, foi utilizada a técnica de
análise fatorial (MALHOTRA, 2001), para tanto, deve ser
utilizada a aplicação da rotação nos fatores, para facilitar
o entendimento dos mesmos. Na presente pesquisa
utilizou-se a Rotação Varimax (HAIR et al., 2005), com
o intuito de maximar o peso de cada variável dentro
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Revista da FAE
de cada fator e como critério de extração foi definido
autovalor maior que 1.
A mensuração da adequação da aplicação da aná-
lise fatorial para um determinado conjunto de dados
foi realizada através de dois testes: Kaiser-Meyer-Olkin
(KMO) e de Esfericidade de Bartlett. O KMO apresenta
valores normalizados (entre 0 e 1,0) e mostra qual é
a proporção da variância que as variáveis (questões
do instrumento utilizado) apresentam em comum
ou a proporção que são devidas a fatores comuns;
em outras palavras, significa se a análise fatorial é
apropriada ou não.
O teste de Esfericidade de Bartlett é baseado na
distribuição estatística de chi-quadrado e testa a hipótese
(nula H0), onde a matriz de correlação é uma matriz
identidade (cuja diagonal é 1,0, as demais são iguais
a zero), ou seja, não há correlação entre as variáveis
(PEREIRA, 2001). Valores de significância maiores de
0,100 indicam que os dados não são adequados para
o tratamento de análise fatorial e a hipótese dever ser
aceita. Porém, valores menores que o indicado permitem
rejeitar a hipótese nula.
Quanto ao teste de Esfericidade de Bartlett, este
visa identificar se a correlação entre as variáveis é
significativa, a ponto de apenas alguns fatores poderem
representar grande parte da variabilidade dos dados.
Caso esse nível de significância seja próximo de zero,
então, a aplicação da análise fatorial é adequada.
4 Análise dos Resultados
4.1 Análise das variáveis demográficas
A maioria dos clientes participantes da pesquisa,
ou seja, 64%, são do sexo masculino, e 36% feminino.
Dos 100 clientes entrevistados, 57% possuem o ensino
médio (2° grau), 24% o ensino fundamental (1° grau) e
19% superior (3° grau).
TABELA 02 - GRAU DE ESCOLARIDADE: CLIENTES E GERENTES
GRAU DE ESCOLARIDADE
CLIENTESFrequência Percentagem
1°
2°
3°
24
57
19
24%
57%
19%Total 100 100%
FONTE: Os autores (2008)
4.2 Análise fatorial para o serviço percebido
Fez-se necessário testar a consistência interna entre
as vinte variáveis. Este procedimento foi feito por meio
do Alpha de Cronbach, o qual apresentou um valor geral
igual a 0,9367. Um valor de pelo menos 0,70 (variam
entre 0 a 1) reflete uma fidedignidade aceitável (HAIR
et al., 2005), embora este valor não seja um padrão
absoluto. Os autores esclarecem, ainda, que valores
Alpha de Cronbach inferiores a 0,70 são aceitos se a
pesquisa for de natureza exploratória. Enquanto para
Malhotra (2001), o valor de corte a ser considerado é
0,60, isto é, abaixo desse valor o autor considera que a
fidedignidade é insatisfatória.
Na tabela 3, agruparam-se as variáveis pesquisadas
em grupos, denominados fatores, os quais descrevem
a percepção dos clientes externos acerca de itens rela-
cionados aos serviços prestados pela empresa. A partir
da geração da fatorial, quatro fatores foram obtidos
com autovalor superior a 1 (critério da raiz latente).
Os quatro fatores equivalem a uma explicação de
65,67% (variância acumulada), aproximadamente, da
variabilidade total dos dados. Na análise por meio do
teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), foi encontrado um
valor de 0,863, indicando adequação dos dados para
análise, pois de acordo com Hair et al. (2005), valores
mais próximos de 1 indicam adequação da mostra
para análise.
No teste de esfericidade de Bartlett, obteve-se com
a aproximação chi-quadrado um valor de 1103,06, com
190 graus de liberdade e nível de significância 0,01,
assim rejeitando-se a hipótese nula de que a matriz
de correlação é uma matriz identidade. A tabela 3,
94 |
também, mostra o valor da comunalidade para cada
variável. Comunalidade é a quantia total de variância
que uma variável original compartilha com todas as
outras análises (HAIR et al., 2005). As comunalidades
variam entre 0 e 1, sendo 0 quando os fatores comuns
não explicam nenhuma variância da variável e 1 quando
explicam toda a sua variância.
TABELA 03 - CARGAS FATORIAIS, AUTOVALORES E VARIÂNCIA ACUMU -
LADA APÓS A ROTAÇÃO VARIMAX NORMALIZADA
Abreviatura Fator 1 Fator 2 Fator 3 Fator 4 Comunalidade
INSCONF 0,7531 0,0900 0,3185 0,1157 0,65747
EQPMODER 0,7871 0,1244 0,1580 -0,1313 0,66174
BOAAPRES 0,8643 0,1119 0,0994 0,0657 0,63509
MATPROM 0,7309 0,1750 0,2180 0,1950 0,58717
CUMPRAZ 0,5433 0,1317 0,5166 0,1508 0,69619
PROBLRESOL 0,3741 -0,0118 0,5678 0,3698 0,66774
AULTEOR 0,5680 -0,0012 0,5525 0,3034 0,73545
PROCECORR 0,5322 0,0350 0,3182 0,5466 0,74526
RESPRAP 0,0540 0,2201 0,7616 0,0201 0,71883
BOMATEND 0,3767 0,3017 0,6024 -0,2945 0,69168
DISPON 0,2628 0,1669 0,7780 0,0644 0,73547
SOLUCIMED 0,3850 0,0950 0,6367 0,2910 0,80892
COMPCONF 0,0384 0,6653 0,2112 0,5056 0,77456
SEGUR 0,0352 0,5860 0,2482 0,4136 0,62176
EDUCCORT 0,1598 0,5842 0,0874 0,4782 0,67821
COMP 0,0847 0,6040 -0,0071 0,5875 0,85890
ATENDPERS 0,1436 0,7058 0,1722 0,0259 0,57482
ATENÇNESS 0,2169 0,7884 -0,0284 -0,0729 0,68929
HORFUNC 0,1224 0,7209 0,0595 0,0527 0,67065
SERQUALI -0,0643 0,7798 0,2243 0,0022 0,79603
Autovalores (eigenvalues) 7,6780 3,0450 1,2640 1,1470
(%) de variância 38,390% 15,227% 6,321% 5,734%
Autovalores acumulados 7,6780 10,723% 12,988% 13,135%
Variância Acumulada 38,390% 53,617% 59,939% 65,673%
FONTE: Os autores (2008)
Levando em conta o critério da significância esta-
tística, onde a significância da carga fatorial de pen de
do tamanho da amostra em estudo, admitiu-se um valor
mínimo de 0,5652 para cargas fatoriais significativas,
em uma amostra de 100 elementos.
As figuras 1 e 2 mostram os planos fatoriais entre
os fatores. A representação gráfica das dimensões
laten tes (LOPES; ZANELLA, 2007) possibilita uma melhor
com preensão do comportamento das variáveis e a
avaliação da relevância de cada variável na formação de cada fator. Somente o fator 1, como mostra a figura 1, contribui com 38,39% da variabilidade total dos dados, sendo assim, o de maior importância na análise, e encontra-se representado no eixo das abscissas. O fator 1 mostra com maior representatividade a variá vel BOAAPRES com carga fatorial de 0,8643. Essa variá vel questiona a respeito da boa apresentação dos funcionários. Destacam-se, ainda, as variáveis EQPMODER (se a em presa possui equipamentos modernos) com carga fatorial igual a 0,7871, INSCONF (esta variável questionou se a empresa possui instalações confortáveis e atraentes) com carga fatorial 0,7531 e MATPROM (relacionada aos materiais promocionais da empresa) com carga fatorial igual a 0,7309. Portanto, o fator 1 foi rotulado (HAIR et al., 2005) como “muito bom” na percepção dos clientes. Sendo que estas variáveis que compõem o fator referem-se à dimensão tangibilidade.
FIGURA 01 - REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DO FATOR 1 VERSUS FATOR 2
FONTE: Os autores (2008)
Quanto ao fator 2, este explica 15,22% da varia-bilidade total dos dados, apresentando com maior destaque a variável ATENÇNESS (a empresa tem fun-cionários que proporcionam atenção adequada às suas necessidades), com carga fatorial igual a 0,7884. Neste fator é importante destacar que todas as variáveis com cargas significativas fazem parte das dimensões garantia e empatia. Para Gianesi e Corrêa (2006), contribui para boa avaliação nesta dimensão a atenção personalizada dispensada ao cliente, principalmente quando o cliente percebe que os funcionários do for necedor do serviço o reconhecem. A cortesia dos
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.89-98, jul./dez. 2009 | 95
Revista da FAE
funcionários também é um elemento importante para
criar uma boa percepção.
Gianese e Corrêa (2006), fazendo menção à dimen-
são da garantia, salientam que o cliente percebe certo
grau de risco ao comprar um serviço por não poder
avaliá-lo antes da compra. Esta percepção de risco varia
com a complexidade das necessidades do cliente e com
o conhecimento que este tem do processo de prestação
de serviço. Este critério se refere, à formação de uma
baixa percepção de risco no cliente e à habilidade de
transmitir confiança. Reduzir a percepção do risco do
cliente é condição fundamental para que ele se disponha
a comprar o serviço. Este critério será mais importante
quanto maior for o risco percebido pelo cliente e quanto
maior for o valor do serviço em jogo na prestação do
serviço, ou seja, se é a vida do cliente que está em jogo,
ele dará mais credibilidade à segurança
No plano fatorial mostrado na figura 2, observa-se
a representação do fator 3 versus o fator 4. No fator 3
encontra-se no eixo das abscissas e representa 6,32%
da variabilidade total dos dados. Onde a variável de
maior significância é DISP (os funcionários estão sempre
disponíveis para prestar informações) com carga fatorial
igual 0,7780, seguida pela variável RESPRAP (carga
fatorial 0,76 16) que questiona a respeito da prontidão
no atendimento. Ambas as variáveis da dimensão recep-
tividade. A variável PROBLRESOL, relacionada ao sincero
interesse do funcionário em resolver algum problema
que surge, apresentou significância de 0,5678.
FIGURA 02 - REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DO FATOR 2 VERSUS FATOR 3
FONTE: Os autores (2008)
Quanto ao fator 4, que representa 5,73% da va-
ria bilidade total dos dados, está representado no
eixo das coordenadas. Observa-se que apenas uma
variável COMP apresenta significância e possui carga
fatorial de 0,5875. Esta variável questiona a respeito da
competência dos funcionários para responder as dúvidas
dos clientes. As demais variáveis estão próximas à ori-
gem das coordenadas, desta forma não influenciando
significamente na explicação do fator 4. A variável COMP
está relacionada à dimensão garantia da qualidade.
4.3 O modelo gap (falhas) para a análise do
serviço ideal
A próxima etapa deste estudo constituiu-se na
avaliação do nível de qualidade ideal dos serviços no
ponto de vista dos usuários. Foi utilizado o modelo gap
(falhas) para confrontar o Serviço Ideal e o Percebido. O
modelo de análise de gaps da qualidade desenvolvido
por Parasuraman, Zeithaml e Berry (1985) é um dos
trabalhos mais consistentes produzidos para o setor de
serviços e é destinado à análise das fontes dos problemas
da qualidade para auxiliar as empresas prestadoras
de serviço a compreender como a qualidade pode ser
melhorada. Um gap positivo significa que os usuários
estão muito satisfeitos com os serviços entregues.
O modelo dos gaps (Falhas) possibilita identificar as
“falhas” entre o Serviço Ideal e o Percebido pelos usuários:
gap 1 = discrepância entre expectativas dos usuários
e percepções dos gerentes sobre essas expec tativas;
gap 2 = discrepância entre percepção dos gerentes das
expectativas dos usuários e especificação de qualidade
nos serviços; gap 3 = discrepância entre especificação de
qualidade nos serviços e serviços realmente oferecidos;
gap 4 = discrepância entre serviços oferecidos e aquilo
que é comunicado ao usuário; gap 5 = discrepância
entre o que o usuário espera receber e a percepção que
ele tem dos serviços oferecidos. Os primeiros quatro gaps
contribuem para o quinto, que é exatamente onde reside
o problema: expectativa do usuário versus percepção dos
serviços oferecidos. Assim, a quinta lacuna foi estabelecida
como uma função das quatro lacunas anteriores, isto é,
96 |
gap 5 = f (gap 1, gap 2, gap 3, gap 4); o gap 5 ocorre
quando as expectativas não são superadas, quanto maior
esse valor mais insatisfeito estará o consumidor com
relação ao serviço prestado. Para este artigo será analisado
o gap 5. A tabela 4 mostra a análise descritiva dos gaps
(falhas), média, desvio-padrão, coeficiente de variação.
TABELA 04 - MÉDIAS, DESVIO PADRÃO, COEFICIENTES DE VARIAÇÃO E GAP DAS ESCALAS DE EXPECTATIVA E DE PERCEPÇÃO (CLIENTE EXTERNO)
QuestõesPercebido
(P)DP (P)
CV %* (P)
Ideal (I)
DP (I)
CV % (I)
GAP 5 (P-I)
INSCONF
EQPMODER
BOAAPRES
MATPROM
4,05
4,17
4,24
4,48
0,9031
0,7792
0,8776
0,7175
0,2230
0,1869
0,2070
0,16015
3,90
3,71
4,13
4,40
1,1591
1,1128
0,9504
0,9211
0,2972
0,3000
0,2301
0,2093
0,15
0,46
0,11
0,08
Tangibilidade 4,23 0,8193 0,1937 4,03 1,0358 0,2570 0,20
CUMPRAZ
PROBLRESOL
AULTEOR
PROCECORR
4,28
4,32
4,24
4,31
0,8175
0,8514
0,9224
0,8250
0,1910
0,1971
0,2175
0,1914
4,41
4,37
4,40
4,35
0,9857
0,9063
0,9320
0,9468
0,2235
0,2073
0,2118
0,2176
-0,13
-0,05
-0,16
-0,04
Fiabilidade 4,29 0,8541 0,1990 4,38 0,9427 0,2152 -0,09
RESPRAP
BOMATEND
DISPON
SOLUCIMED
4,27
4,21
4,21
4,21
0,7895
0,7006
0,8563
0,9022
0,1849
0,1664
0,2034
0,2143
4,36
4,54
4,47
4,42
0,8589
0,8810
0,7714
0,8549
0,1970
0,1940
0,1725
0,1934
-0,09
-0,33
-0,26
-0,21
Receptividade 4,22 0,8121 0,1924 4,45 0,8415 0,1891 -0,23
COMPCONF
SEGUR
EDUCCORT
COMP
4,37
4,36
4,52
4,40
0,8722
0,8229
0,6739
0,8288
0,1996
0,1987
0,1490
0,1883
4,39
4,41
4,41
4,51
0,9309
0,8420
0,8299
0,8348
0,2120
0,1909
0,1882
0,1851
-0,02
-0,05
0,11
-0,11
Garantia 4,41 0,8000 0,1814 4,43 0,8594 0,1940 -0,02
ATENDPERS
ATENÇNESS
HORFUNC
SERQUALI
4,23
4,15
4,25
4,38
0,7635
0,9143
0,8087
0,8138
0,1804
0,2203
0,1903
0,1858
4,24
4,32
4,32
4,45
0,8542
0,8632
0,8748
0,9303
0,2014
0,1998
0,2020
0,2090
-0,01
-0,17
-0,07
-0,7
Empatia 4,25 0,8251 0,1941 4,33 0,8806 0,2033 -0,08
FONTE: Os autores (2008)
Nota: E – Expectativa; P – Percepção; DP – Desvio Padrão; CV – Coeficiente de Variação.
O CV é a razão entre o desvio-padrão e a média e está apre-sentado como porcentagem (%). Se: Se CV: menor ou igual a 15% – Baixa dispersão (homogênea, estável). Entre 15 e 30% – Média dispersão. Maior que 30% – Alta dispersão – heterogênea.
Quanto aos coeficientes de variação encontrados
para os clientes, observar-se que, nas vinte questões,
tanto em termos do Serviço Ideal como para Percebido,
obteve-se um percentual inferior a 30%, o que representa
que as médias são representativas para o conjunto de
dados analisados, isto é, os valores são considerados
satisfatórios. Comparando as médias do serviço Ideal (I)
e as médias do Percebido (P), fica evidente que, 75%
das afirmações, as médias encontradas para o Ideal
são superiores as do Percebido. Indicando a existência
de espaço para melhorias nas operações realizadas
para o atendimento dos clientes na empresa. Pois, um
cliente satisfeito (BENNET; BARKENSJO, 2005) é capaz
de retornar ao local de compra em vários momentos e
de expor positivamente a imagem da empresa em sua
cadeia de relacionamentos.
Estes gaps observados podem ser indicativos de
insatisfação dos clientes referentes às diferentes dimen-
sões de avaliação do serviço prestado. Os maiores
gaps foram encontrados na dimensão receptividade
na variável, (os funcionários estão sempre disponíveis
para prestar informações – DISPON) e fiabilidade na
variável (as aulas teóricas e práticas são ministradas e
preparadas cuidadosamente – AULTEOR).
Na visão de Zeithaml e Bitner (2003), algumas razões
contribuem para a existência do gap 5, são elas: falta de
pesquisa sobre as percepções e expectativas dos clientes,
uso inadequado dos resultados da pesquisa, deficiência
na interação entre o gerenciamento e os clientes, comu-
nicação inadequada, falta de comprometimento com
a qualidade de serviço, padronização inadequada das
tarefas, carência de ferramentas e tecnologia apropriadas,
deficiência no trabalho em equipe, comu nicação inade-
quada entre os diversos prestadores de serviço.
No geral, o desempenho dos serviços percebidos
se apresentou próximo ao nível ideal, embora havendo
espaços para a implantação de melhorias. Porém, cabe
destacar que o mercado no setor serviços está cada
vez mais competitivo, e as dimensões da qualidade
representadas pelos cinco gaps podem ser estratégias
competitivas para a empresa.
5 Propostas de melhoria para a
organização
Através dessa investigação possibilitou-se iden-
tificar a existência de fatores que podem ser melhorados,
com relação aos serviços prestados pela organização, no
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.89-98, jul./dez. 2009 | 97
Revista da FAE
sentido de oferecer serviços de maior qualidade, estando
pronta para atender às demandas dos clientes.
5.1 Proposta 1: Tangibilidade
As sugestões são baseadas nos itens que foram con-
siderados essenciais pelos entrevistados, sugerindo-se:
rever as instalações físicas, tais como edifício, móveis,
equipamentos, veículos e outros, adequando ou substi-
tuindo por outro, moderno, confortável e funcional.
5.2 Proposta 2: Receptividade
Sugere-se: desenvolver aspectos organizacionais
para o cumprimento de prazos e compromisso com
o cliente e providenciar treinamento contínuo aos
instrutores para que possam estar sempre atualizados e
preparados para melhor compreender as necessidades
dos clientes.
5.3 Proposta 3: Garantia
Utilizar técnicas de treinamento e relacionamento
interpessoal, criar mecanismos de feedback direcionados
à solução dos problemas relatados pelos clientes e rever
a forma de comunicação entre os departamentos, pois,
em algumas situações, a baixa qualidade percebida dos
serviços prestados se dá pela comunicação inadequada
entre departamentos, e não propriamente por uma
falha no serviço.
5.4 Proposta 4: Empatia
Definir os objetivos para a qualidade de serviços
baseados em padrões orientados para os usuários,
implantar treinamento comportamental com todos os
envolvidos na prestação dos serviços: de forma que
adquiram habilidades e capacitação para transmitir
atenção e empatia aos clientes –, rever o horário de
funcionamento.
Considerações finais
O presente artigo buscou mostrar a importância
da qualidade em serviços, em uma empresa prestadora
de serviços, considerando as expectativas versus percep-
ções, por meio da análise e o Modelo Gap (falhas).
O Modelo Gap possibilitou mensurar a diferença
entre o Serviço Percebido e o Ideal. Os resultados
deixam claro que, em alguns pontos, as expectativas
não são excedidas, existindo necessidades de mudanças,
principalmente, no que tange à dimensão receptividade,
sendo um fator importante para o sucesso em ambientes
de serviços.
Como forma de analisar os dados, utilizou-se a
análise fatorial. As variáveis foram agrupadas em quatro
fatores, possibilitando, assim, identificar as variáveis
de maior importância na percepção dos clientes: fator
1 = instalações confortáveis e atraentes, equipamentos
modernos, boa apresentação dos funcionários, mate-
riais promocionais e aulas teóricas ministradas e pre-
paradas cuidadosamente; fator 2 = comportamento
dos funcionários gera confiança, sinto-me seguro ao
chegar à empresa, educação e cortesia dos funcionários,
competência dos funcionários em responder às dúvidas,
atendimento personalizado, atenção às necessidades
dos clientes, horário de funcionamento e, a empresa
está atenta para oferecer o melhor serviço para o cliente;
fator 3 = unicamente a variável os funcionários estão
sempre disponíveis (prontidão na resposta) para prestar
informações; fator 4 = somente a variável competência
dos funcionários em responder às dúvidas.
Os resultados deixam claro que, em alguns
pontos, as expectativas não são excedidas, existindo
necessidades de mudanças, principalmente, no que
tange ao atendimento da empresa, sendo um fator
importante para o sucesso em ambientes de ser viços.
Em vista disso, no setor de serviço, os clientes são peças-
chave para a vantagem compe titiva; a organização não
deverá medir esforços para possibilitar aos funcionários
treinamentos para supe rar as expectativas e necessi-
dades dos clientes. A partir dessas considerações, a
empresa poderá investir na manutenção dos aspectos
98 |
considerados positivos e reavaliação dos procedimentos
para com os de aspectos conflitantes.
Por fim, evidencia-se neste artigo que é importante
para as organizações, principalmente para as empresas
de serviços, monitorarem a qualidade no atendimento
das necessidades e expectativas dos seus clientes, fa-
zendo com que as mesmas possam sobreviver e pros-
perar no mercado.
•Recebido em: 15/09/2009 •Aprovado em: 05/10/2009
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Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.99-115, jul./dez. 2009 | 99
Revista da FAE
Resumo
O presente artigo se propõe a avaliar a relação de receitas financeiras e resultados não financeiros da ótica do consumidor, considerando o contexto brasileiro de telefonia celular. O estudo está apoiado nas teorias de relacionamento com o consumidor, com foco na qualidade do relacionamento, tendo em vista a dinamicidade e o crescimento do respectivo mercado. De acordo com os pressupostos teóricos, espera-se maior rentabilidade de clientes satisfeitos e que tenham perspectiva de longo prazo com o uso dos serviços da empresa. Para isto, avaliações não financeiras como satisfação, comprometimento, confiança e lealdade, foram relacionadas com o resultado financeiro de acordo com informações declaradas pelos respondentes sobre o investimento mensal com o serviço de telefonia celular. Foram pesquisados 493 casos em caráter não-probabilístico entre clientes de 4 operadoras de telefonia celular. Para a análise dos dados foi utilizada modelagem estrutural. O modelo de avaliação de qualidade do relacionamento foi corroborado, embora a relação esperada entre satisfação e lealdade com o retorno financeiro não tenha sido observada. Os resultados encontrados sugerem avaliações específicas do setor, onde o comportamento do usuário de telefonia celular não se mostra de forma linear. Os achados sugerem novas perspectivas de análise de qualidade do relacionamento para clientes de mercados em expansão que contam com vasta oferta entre concorrentes.
Palavras-chave: marketing; qualidade do relacionamento; resultado financeiro.
Abstract
The present study intends to evaluate the relationship between financial and non-financial results in the perspective of the consumers in the Brazilian industry of cellular phone. This study is based on the theories of consumer relationship, focused on quality relationship, considered in the dynamics and growth of that market. Regarding theoretical inferences a higher profitability of satisfied consumers who have long term perspective by the use of the company service is expected. According to information stated by the surveyed non-financial evaluations as satisfaction, commitment, trustiness and loyalty were directly to financial results as key factors to their monthly expenditure with cellular phone service. 493 cases were investigated applying non-probabilistic character among clients from four different cell phone companies. The structural equation was used for the data analyses. The model of the evaluation of the quality relationship was confirmed, although the expected relation between satisfaction and loyalty with financial result was not observed. The results founded suggest specific evaluations about the cell phone industry where the consumer’s behavior is not linear. The results suggest new perspectives to analyze the quality relationship for clients of growing markets that present a large competitor offer.
Keywords: marketing; quality relationship; financial result.
Eliane Cristine Francisco Maffezzolli*Paulo Henrique M. Prado**
Avaliação de resultado financeiro e não financeiro na perspectiva do consumidor: aplicação no varejo de serviço
Evaluation of financial and non-financial result in the perspective of the consumer: applied to service retail
* Doutoranda em Administração de Empresas com ênfase em Comportamento do Consumidor e Estratégias de Marketing (UFPR). Professora no Centro Europeu e na FAE Centro Universitário, onde também é Coordenadora dos cursos de Publicidade e Propaganda e Desenho Industrial. E-mail: [email protected]
** Doutor em Administração de Empresas (FGV-SP). Professor de Marketing da UFPR. E-mail: [email protected]
100 |
Introdução
A gestão da base de clientes e a relação desta com
os resultados financeiros da empresa é um ponto crítico
a ser estudado em empresas caracterizadas como varejo
de serviços. Afinal, tendo em vista que os consumidores
tendem a comportamentos diferenciados, por exemplo,
em razão dos serviços utilizados e da intensidade de
uso, também diferentes receitas são geradas deste
consumidor, além de distintas percepções como a ava-
liações sobre a satisfação e a lealdade do consumidor.
Comumente é aceito que um cliente satisfeito tende a ser
leal, e que tal situação acerca-se a um melhor rendimento
deste para a empresa. Como tais resultados podem ser
tratados de forma conjunta e gerar informações úteis
para a formulação estratégica de marketing?
Além desta necessidade prática, a relevância de
estudos e contribuições na área de produtividade de
marketing, e mais especificamente, em relações de
impacto de resultados não financeiros e financeiros é
ressaltada por autores como Guo e Jiraporn (2005),
Yeung e Ennew (2000), Calciu e Salermo (2002), Reinartz
e Kumar (2003) entre outros.
Para operacionalizar um estudo que ilustrasse tal
relação, optou-se por verificar na ótica do marketing
de rela cio namento, como a avaliação dos conceitos
de Qualidade do Relacionamento e de Lealdade (aqui
tratados como resultados não financeiros) estaria rela-
cionada com a receita gerada pelo cliente (LTR – Lifetime
Revenue), aqui tratado como resultado financeiro. A
literatura referente ao conceito de Lealdade indica uma
possibilidade de impacto positivo e significativo destas
variáveis (REICHHELD; SASSER 1990; FORNELL, 1992).
Desta forma, o presente artigo propôs uma adapta-
ção entre o modelo estrutural sugerido por Prado (2004)
sobre a Qualidade no Relacionamento, e agregou uma
variável de resultado financeiro representada pela receita
gerada pelo cliente. O contexto empírico utilizado foi o
de varejo de serviços de telefonia celular. Dois principais
motivos orientaram a escolha deste setor: (1) este
serviço é enquadrado sob a ótica de relacionamento,
considerando que o consumidor adquire uma linha e
tende a utilizá-la num período de médio e longo prazo,
e (2) devido às características do setor, o qual revela
números de crescimento otimistas (150,6 milhões de
linhas ativas em dezembro de 2008) apesar da ins-
tabilidade entre os consumidores devido às taxas de
troca entre prestadoras deste serviço.
O contexto observado nas operadoras de telefonia
celular traz algumas questões relevantes a serem
refletidas como: qual resposta esperar do cliente em
razão dos serviços oferecidos? E desta avaliação, qual
resultado pode ser esperado sobre o mesmo, ou seja,
quais indicadores podem ser orientadores para uma
gestão eficiente da base de clientes?
Por fim, os objetivos que nortearam este artigo
foram: (1) verificar a relação entre os componentes da
Qua lidade do Relacionamento (Satisfação, Confiança
e Comprometimento) sobre a Lealdade, (2) determinar
o modelo de cálculo para o resultado financeiro e (3)
examinar a influência dos componentes da Qualidade
do Relacionamento (Satisfação, Confiança e Compro-
metimento) e da Lealdade sobre o indicador de resultado
financeiro em um caso aplicado no varejo de serviços.
1 Justificativa
O mercado de telefonia celular tem apresentado
mudanças significativas nos últimos anos, seja pelo
desenvolvimento tecnológico, aumento da concorrência
ou pela mudança de comportamento de consumo. Em
face destas alterações de mercado, o desenvolvimento
de uma ferramenta gerencial que permita monitorar a
performance não-financeira e seu impacto no valor da
carteira de clientes se torna relevante.
Mais especificamente no Brasil, segundo estatís-
ticas da Teleco1 (2009), até dezembro, foram registrados
1 A Teleco é um serviço virtual de informação em teleco mu-nicações que disponibiliza um panorama mundial da área, seja por crescimento, perfil de concorrência no mercado, entre outros.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.99-115, jul./dez. 2009 | 101
Revista da FAE
150,6 milhões de linhas ativas. Este número demonstra
que no país houve uma variação de 24,5% superior
ao ano de 2007. Além disto, o crescimento continua.
De acordo com dados do primeiro trimestre de 2009, já
eram 153.7 milhões de linhas ativas.
Este cenário, de crescimento e expansão de merc ado,
justifica ações de monitoramento entre o relacionamento
do cliente com a empresa e ações de manutenção com os
mais rentáveis. Ainda segundo informações divulgadas
na Teleco, visto que a ARPU2 dos usuários de pré-pago
chega, em algumas operadoras, a ser 7 vezes menor
que os de pós-pago, passou-se a dar maior ênfase à
aquisição e fidelização de usuários com maior consumo,
promovendo planos de controle intermediários entre o
pós e pré-pago. Neste sentido, o artigo proposto prevê
uma sistematização deste controle.
Sendo assim, o modelo proposto tem por objetivo
auxiliar na formulação das estratégias competitivas da
empresa, visto sua característica de reconhecer pontos
fortes e os de maior fragilidade na avaliação do serviço
pelo consumidor, além de mostrar a relação entre as
variáveis que compõem a Qualidade do Relacionamento
e a Lealdade no impacto das avaliações de percepção
sob a rentabilidade do cliente. Em especial, esta ava-
liação sobre a Qualidade do Relacionamento se torna
relevante na medida em que se compreende que as
pesquisas de satisfação amplamente utilizadas por
empresas como as de telefonia celular podem estar
sendo subutilizadas, já que este construto não é o único
indicador que pode afetar o desenvolvimento de uma
relação de lealdade, e, por consequência, o crescimento
das próprias empresas, na ótica do consumidor.
2 Revisão da literatura
A lógica desenvolvida para apresentar o tema
proposto no estudo contempla a uma breve contextua-
lização do setor de varejo de serviços escolhido para
2 Receita média mensal por cliente (e por operadora).
o estudo empírico. Em seguida, é feita uma revisão
dos conceitos apresentados no modelo estrutural
desenvolvido na operacionalização do estudo, bem
como a dedução das hipóteses a serem testadas.
2.1 Varejo de serviços
O varejo de serviços é definido como uma atividade
de prestação de serviços, onde o consumidor não adquire
a posse dos bens comprados, mas seus benefícios
(PARENTE, 2000). Segundo o mesmo autor, esta é uma
das atividades que tem demonstrado crescimento cada
vez maior na economia e na vida dos consumidores.
Kotler (2000, p.448) conceitua o serviço em si como
“qualquer ato ou desempenho, essencialmente intangível, que uma parte pode oferecer a outra e que não resulta na propriedade de nada. A execução de um serviço pode estar ou não ligada a um produto concreto.”
Somadas a esta definição, o autor ressalta quatro
características, sendo elas, a intangibilidade, a insepa-
rabilidade, a varia bilidade e a perecibilidade.
Desta forma, o serviço ofertado pelas operadoras
de telefonia celular é caracterizado como um tipo
de varejo de serviço. Apesar do contato com alguma
lógica física para a aquisição de um aparelho e um
número, após esta compra o consumidor passa a ter
um relacionamento direto com a operadora. É neste
momento, por exemplo, que a conta do celular passa
a ser debitada direto na conta do cliente, e este passa
a contar com os serviços do site ou da central de
atendimento da operadora. Neste sentido, o estudo está
focado neste relacionamento do cliente diretamente
com a sua operadora de serviço.
2.2 Contexto do varejo de serviços de
telefonia celular no Brasil
Face às mudanças do mercado de telefonia celular
brevemente já apresentadas, somam-se outros índices
102 |
de crescimento como a taxa de penetração domiciliar
demonstra a inclusão que a telefonia celular está pro-
movendo sobre o uso deste tipo de serviço. São 24,5% a
mais de 2007 para 2008. Dos 150,6 milhões de celulares
(dez/2008), 81,47% são pré-pagos.
Entretanto, das operadoras ativas no Brasil3, o
market share das empresas foi, até o primeiro trimestre
de 2009, respectivamente: Telefônica/Vivo (29,7%),
Oi/BrT (20,7%), Claro/Embratel/Net (25,8%), Tim (23,5%),
outros (0,3%). Destas, Vivo, TIM e Claro respondem por
maior share desde 2008 e a Oi demonstra crescimento
acumulado desde 2007.
Apesar do crescimento e atratividade do setor,
tais resultados podem ser compreendidos ao observar
detalhadamente o ARPU, onde a média de todas as
empresas ativas demonstrou, até o 1º trimestre de 2009,
o valor mensal de R$ 24,80 (vinte quatro reais e oitenta
centavos). No 1º trimestre de 2009, a Vivo apresentou o
maior ARPU, sendo R$ 27 (vinte e sete reais). Já o nível
mais baixo (R$ 21,9) foi da Oi, neste mesmo período. Esta
situação pode ser compreendida por uma estabilização
da Vivo no mercado, recuperando a liderança perdida
em 2006, e da entrada da Oi em novos mercados. A
Teleco ainda abre estes valores por empresa, conforme
mostra a tabela 1:
TABELA 01 - ARPU POR EMPRESA*
EMPRESA 1T08 2T08 3T08 4T08 1T09
VIVO 29,5 28,8 29,4 29,1 27,0
CLARO 26,0 26,0 25,0 25,0 23,0
TIM 29,5 29,8 29,7 29,9 26,0
OI 21,7 22,0 21,4 22,7 21,9
BRT 29,8 29,2 28,8 28,6 24,0
ARPU BRASIL 27,5 27,3 27,1 27,2 24,8
FONTE: Adaptado de Teleco (2009)
* Não foram divulgados das outras empresas
É possível observar que a Vivo está em um processo
de recuperação saudável de mercado. No primeiro
3 A Teleco relaciona os grupos de operadoras, sendo elas: Telefônica/Vivo, Oi/BrT, Claro/Embratel/Net, Tim.
trimestre deste ano, foi umas das duas empresas que
registraram ARPU maior que a média do Brasil. A TIM,
embora tenha perdido espaço para Claro e Vivo nos
dois últimos anos, demonstra um resultado acima da
média do Brasil no começo deste ano. A Brasil Telecom,
embora tenha se beneficiado às mudanças nas regras
de interconexão promovida pela Anatel em 2005, o que
promoveu a volta da cobrança integral dos minutos de
uso da rede, demonstra uma redução da rentabilidade
da base de clientes nos dois últimos anos.
Com tais informações é possível perceber o potencial
de crescimento e a atratividade de investimento do
setor de telefonia celular. Este é apenas um dos serviços
prestados na área de telecomunicações e é tratado
como foco deste artigo.
2.3 Qualidade do relacionamento
A Qualidade do Relacionamento é sugerida por
Henning-Thurau e Klee (1997) como o nível de adequa-
ção de um relacionamento em atender às necessidades
do indivíduo/cliente, integrando para isto os construtos
de confiança, comprometimento e qualidade enquanto
mediadores da satisfação e retenção do consumidor.
Prado (2004), seguindo a lógica de relação antecedente-
consequente entre satisfação e qualidade percebida,
propôs uma adaptação na composição deste conceito,
ficando este formado por três variáveis: a satisfação, a
confiança e o comprometimento. Esta segunda com-
posição foi adotada neste estudo.
Sendo assim, o construto Qualidade do Relacio-
namento é tratado como uma variável de segunda
ordem e a mensuração deste ocorre de forma individual
em cada variável latente que contempla o mesmo. Por
este motivo, são definidos os conceitos utilizados no
presente construto, sendo eles: Satisfação, Confiança e
Comprometimento.
A satisfação do consumidor é um construto am-
plamente estudado em marketing, desde a década de
1960 (OLIVER, 1981). O conceito comumente trabalhado
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.99-115, jul./dez. 2009 | 103
Revista da FAE
entre autores da área trata da comparação (ou avaliação)
subjetiva dos níveis esperados e recebidos da experiência
com o produto ou serviço (OLIVER, 1981; SOLOMON,
2002; ENGEL; BLACKWELL; MINARD, 2000), o qual está
relacionado ao paradigma da desconformidade.
Este paradigma compreende que a resposta de sa-
tis fação ou insatisfação do indivíduo ocorre por meio de
comparação entre a expectativa e o desempenho. Caso a
primeira seja melhor avaliada, uma situação desfavorável
é desencadeada. Já se o segundo for predominante,
uma situação favorável será obtida. Ainda num terceiro
momento, se expectativa e performance estiverem equi-
librados, o resultado será nulo (OLIVER, 1981).
Estas considerações implicam na forma como a
satisfação é utilizada no contexto a ser analisado. Para
fins deste estudo, esta dimensão deve ser compreendida
segundo a ideia de acumulação ou processo, de maneira
semelhante à concepção utilizada por Anderson, Fornell
e Lehmann (1994, p.54), na qual os autores afirmam que
“a satisfação cumulativa do consumidor é uma ampla
avaliação baseada em toda a experiência de consumo,
durante o tempo de relacionamento”.
Sendo assim, ao conceito cumulativo atribuído
à satisfação na ótica de relacionamento, soma-se o
fato da composição previamente comentada sobre a
Qualidade do Relacionamento, e de forma similar ao
proposto no estudo de Prado (2004), são testadas as
relações deste construto com os outros dois, Confiança
e Comprometimento, da seguinte forma:
H1: Quanto maior a Satisfação, maior será a
confiança no fornecedor de Serviço.
H2: Quanto maior a Satisfação, maior será o
comprometimento com o fornecedor de Serviço.
Outro componente da Qualidade do Relacio na-
mento, a Confiança, é tratada com grande importância
no marketing de relacionamento, visto que em sua
essência está implícita a noção de confidência e confia-
bilidade entre parceiros numa relação (GARBARINO;
JOHNSON, 1999; GRÖNROOS, 1990). Complementando
esta concepção, Morgan e Hunt (1994) argumentam
que esta dimensão existe num relacionamento quando
uma parte acredita na integridade e responsabilidade do
respectivo parceiro de troca, e afirmam que a dinâmica
global em que o mercado está imerso traz algumas
premissas como: para ser um competidor eficaz, requer
que a empresa seja um cooperador confiável na rede de
relacionamento.
Esta variável é então vista como um ingrediente
fundamental para o sucesso no relacionamento
(GARBARINO; JOHNSON, 1999; DWYER; SCHURR; OH,
1987; MORGAN; HUNT, 1994), e conforme proposto
em outros estudos (SIDERSMUKH; SINGH; SABOL, 2002;
PRADO, 2004) é um antecedente da lealdade. Uma
das considerações feitas por esta relação é a redução
do risco percebido no relacionamento, seja o risco da
indústria ou do relacionamento em si, conforme já previa
o estudo de Morgan e Hunt (1994) ao comentar sobre
a redução de incerteza e comportamento oportunístico.
Neste contexto, é apresentada a hipótese 3, onde:
H3: Quanto maior a Confiança, maior será a
Lealdade.
O comprometimento tem sido conceituado na lite-
ratura como o desejo de continuar um relacionamento
e manter sua continuidade (WILSON, 1995), e tem sido
usado como um bom indicador de relações duradouras
(noção de longo prazo) entre cliente e empresa
(DWYER; SCHURR; OH, 1987). Esta variável é estudada
comumente em ambientes interorganizacionais e in-
traor ganizacionais (MAVONDO; RODRIGO, 2001).
Outra definição atribuída a este construto se
refere ao comprometimento como uma crença de
que a troca entre parceiros num relacionamento é tão
importante como garantir o máximo de esforço para
mantê-lo, ou seja, a parte comprometida acredita no
relacionamento com tempo de duração indefinida
(MORGAN; HUNT, 1994).
104 |
A relação entre confiança e comprometimento foi
delineada como relevante e positiva no estudo de Morgan
e Hunt (1994). Segundo os autores, acredita-se que a
confiança é o maior determinante do comprometimento
do relacionamento. Como o estudo em questão trata de
um contexto altamente competitivo (desenvolvimento
tecnológico, concorrentes próximos em nível de con-
corrência, entre outros), espera-se que esta relação
além de ser positiva seja indício de fortalecimento na
lealdade para com o relacionamento. Desta forma, são
apresentadas as hipóteses 4 e 5:
H4: Quanto maior a Confiança no fornecedor de
serviços, maior será o Comprometimento.
H5: Quanto maior o Comprometimento no forne-
cedor de serviços, maior será a Lealdade.
2.4 Lealdade
Apesar de primeiramente ter sido analisada numa
ótica mais operacional, onde seu conceito estava
associado a questão de re-compra de um determinado
produto ou serviço (YI; JEON, 2003), Oliver (1999,
p.35) atribui um significado mais profundo no que
tange o julgamento de melhor opção do consumidor
pela empresa: “[...] para um consumidor se tornar
leal, ele deve acreditar que uma empresa ou seu
serviço continua a oferecer a melhor alternativa a ser
consumida”. Neste trecho, o autor também já deixa
um indício da necessidade antecedente de confiança e
comprometimento com o relacionamento.
Ainda pode ser agregado ao conceito de lealdade
um sentimento de adesão e afeição de uma pessoa
por uma empresa, produto ou serviço (JONES; SASSER,
2005). Goodstein e Butz (1998) ressaltam ainda o
caráter comportamental desta variável, de forma dis-
tinta à qualidade e à satisfação, que são conceitos
atitudinais.
Outra definição e classificação desta variável pode
ser encontrada nos estudos de Oliver (1999), onde
são contempladas seis possibilidades de relação entre
a satisfação e a lealdade. Conforme proposto neste
estudo empírico, a satisfação é compreendida como um
elemento antecedente da lealdade, portanto, espera-se
uma relação positiva e significativa na hipótese 6:
H6: Quanto maior o índice de Satisfação, maior
será a Lealdade.
2.5 Resultado financeiro
A premissa utilizada inicialmente como resultado
financeiro partiu da perspectiva de atração e retenção
do consumidor trazida nos estudos de tempo de vida
rentável do consumidor. Sendo assim, um consumidor
lucrativo é um consumidor cuja receita gerada du-
rante o relacionamento comercial excede os custos
destinados à atração e manutenção deste (CALCIU;
SALERMO, 2002).
A tentativa de associar investimentos da empresa
(com ênfase nas práticas de marketing) e retornos
obtidos é tratada de várias maneiras entre os autores.
Berger e Nasr (1998) acreditam que o tempo de vida
rentável do cliente é uma forma de quantificar o
rela cionamento: “para saber se um relacionamento
é lucrativo ou não, a empresa deve ser capaz de
quantificá-lo” (BERGER; NASR, 1998, p.27). O foco dos
modelos desenvolvidos pelos autores é determinar a
margem de contribuição líquida.
Já o modelo proposto por Ryals (2005), pode ser
compreendido como a forma genérica de Receita menos
Custos, sendo estes tanto históricos quanto projetados.
O índice resultante é considerado o valor do cliente.
Desta forma, o estudo proposto buscou uma forma de
quantificar o tempo de relacionamento apoiado na receita
gerada pelo cliente, ou seja o LTR – Lifetime Revenue.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.99-115, jul./dez. 2009 | 105
Revista da FAE
2.6 Qualidade do relacionamento, lealdade
e resultado financeiro
Segundo Bolton (1998), nos anos 1990 houve uma
intensificação tanto na academia quanto nas empresas
em buscar formas de monitorar o desempenho finan-
ceiro com o não-financeiro. Na revisão de literatura
de Yeung e Ennew (2000), a relação entre satisfação e
lucratividade é tida como “aceita” e são citados diversos
autores que comprovam esta relação: Reichheld e Sasser
(1990), Fornell (1992), Anderson e Sullivan (1993),
Taylor e Baker (1994) e Gurau e Ranchhod (2002).
Entretanto, os autores também concordam que são
necessários mais estudos que demonstrem a relação de
forma mais direta.
Desta forma, na sequência satisfação → lealdade
→ retenção está implícito que o argumento de maior
reflexo no impacto financeiro é a retenção, visto que
a relação entre Satisfação e Resultado finan ceiro seria
provada através da redução de custo da empresa
(em investir em novos clientes). Sendo assim, na
relação positiva esperada entre a lealdade e o retorno
financeiro pode ser observada a última hipótese em
estudo:
H7: Quanto maior o nível de Lealdade, maior será o
índice Resultado Financeiro do consumidor.
Segundo Guo e Jiraporn (2005), a lealdade
pode ser compreendida como mediadora entre a
satisfação e a lucratividade. Outras relações ainda
são esperadas entre os clientes satisfeitos, como
a redução da elasticidade de preço (ANDERSON,
1996). No entanto, Zeithaml, Berry e Parasuraman
(1996) argumentam que esta “não sensibilidade
a preço” pode estar presente apenas em alguns
contextos. Outro fator considerado como efeito
positivo da satisfação dos clientes é a percepção
favorável da empresa/produto na mídia, tornando
seus investimentos em propaganda mais efetivos.
Este fato também desencadeia o efeito “boca a
boca” em que o cliente satisfeito ou não, mostrará
sua opinião em seu círculo de relacionamento.
Todavia, a dificuldade de medida e relação destas
variáveis financeiras e não-financeiras é presente na
literatura: “[...] claramente, um ponto para debate é
a escolha de medidas de performance financeira dada
as diferentes interpretações e significados destas
medidas” (YEUNG; ENNEW, 2000, p.315).
2.7 Modelo proposto
Considerando os conceitos e as relações apre-
sentadas entre as variáveis utilizadas neste estudo,
é apresentado o modelo proposto na figura 1, o
qual procurou identificar o impacto da Qualidade do
Rela cionamento e da Lealdade sobre o indicador de
Resultado Financeiro.
FIGURA 01 - MODELO DE ESTUDO PROPOSTO
Satisfação Lealdade
Confiança
Comprometimento
Qualidade do Relacionamento
Resultado
Financeiro
H1
H6
H4 H3
H7
H5H2
FONTE: Os autores (1999)
Para operacionalizar a mensuração das variá veis
propostas no modelo, foram adaptadas do estudo
de Prado (2004) as escalas de Satisfação (4 itens),
Confiança (7 itens), Comprometimento (9 itens) e
Lealdade (6 itens). Para a mensuração do indicador
de resultado financeiro, foi sugerida uma adequação
ao modelo proposto por Ryals (2005), considerando
as informações disponíveis para a realização do
cálculo.
106 |
3 Metodologia
Este artigo se refere a um survey de caráter cross
sectional (MALHOTRA, 2001). A dimensão da pesquisa
é traçada como quantitativo-descritiva e o método
apli cado trata-se de um hipotético-dedutivo (GILL;
JOHNSON, 1997). O consumidor representa a unidade
de análise do estudo.
A população corresponde a todos os elementos
capazes de responder à investigação, por apresentarem
características semelhantes (MALHOTRA, 2001). Sendo
assim, homens e mulheres brasileiros, usuários de tele-
fonia celular pré e pós paga foram contemplados neste
estudo. A conhecer, no Brasil, são 97,3 milhões de
telefones ativos, dentre os oito grupos de operadoras
existentes. Destes, aproximadamente 81% são caracte-
rizados como pré-pagos. Como este estudo não teve a
pretensão de analisar uma operadora, banda, tecnologia
utilizada ou área geográfica isoladamente, qualquer
usuário, independente do possível perfil mencionado
acima poderia ser contemplado como integrante da
população do referido estudo.
Para a viabilização do estudo, o procedimento
amos tral utilizado foi caracterizado por não probabi-
lístico, tendo ainda sido utilizada a técnica amostral
por conveniência, conforme definido por Malhotra
(2001). Para definir a quantidade de observações a
serem realizadas no estudo, foi considerado o mínimo
necessário para o uso de equação estrutural (SEM),
ou seja, a técnica de análise a ser utilizada no estudo.
Numa situação de maior adequação, Hair et al. (2005)
menciona 10 observações por item. Este número seria,
no mínimo, 260.
A realização da pesquisa ocorreu em duas etapas:
a primeira buscou verificar a validade de conteúdo das
dimensões das variáveis propostas no modelo; a segunda
contemplou o teste do modelo e hipóteses de estudo.
A validação de conteúdo foi realizada por meio
do julgamento de 10 avaliadores, sendo 4 executivos
da área de telefonia celular, 3 pesquisadores e 3
usuários. Após as considerações de cada avaliador
foram realizados os ajustes necessários para a fase
seguinte.
O processo de análise de resultados foi submetido
a quatro principais etapas: (1) preparação da base, onde
foram verificadas a estatística descritiva univariada e
multivariada, como a conferência de médias, limites,
desvios padrão, curtose e assimetria, normalidade,
linea ridade e colinearidade; (2) verificação do modelo
de mensuração para a análise estrutural proposta, onde
foi verificado por meio de análise fatorial exploratória
a consistência interna de cada dimensão, definida pelo
Alfa de Cronbach, e a análise fatorial confirmatória para
estabelecer a validade convergente e discriminante de
cada construto do modelo; (3) determinação do cálculo
do indicador de resultado financeiro; e (4) verificação
do modelo estrutural proposto por meio de equações
estruturais.
Desta forma, os resultados são apresentados na
se guin te ordem: caracterização da amostra, breve
descrição da preparação dos dados e verificação do
modelo para a mensuração proposta, sendo, por fim,
apresentados com maior ênfase os resultados obtidos
com o modelo.
4 Resultados
4.1 Caracterização da amostra
Do total das 493 respostas válidas obtidas, 58%
(288) foram referentes a usuários de celular pré-pago e
42% (205) de usuários de celular pós-pago. A distribui-
ção de gênero entre os tipos de celular ocorreu de for-
ma predominante significativa de mulheres entre os
pré-pagos (T=48,808, p<0,001) e de homens entre os
pós-pago (T=44,012, p<0,001). A tabela 2 resume esta
etapa de caracterização:
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.99-115, jul./dez. 2009 | 107
Revista da FAE
TABELA 02 - CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA
TOTAL PRÉ PÓS
Casos válidos 493 (100%) 288 (58%) 205 (42%)
GêneroHomens 47% 42% 54%
Mulheres 53% 58% 46%
Critério Brasil
A e B 73% 73% 89%
C e D 27% 27% 11%
Operadora
Brasil Telecom 11% (54) 65% 35%
Claro 16% (78) 66% 33%
Tim 51% (253) 55% 45%
Vivo 22% (108) 56% 44%
Tempo de Relacionamento
49,2 meses (dp=34,944)
41,8 meses (dp=27,598)
59,6 meses (dp=41,091)
Valor de Recarga (mensal)
R$ 76,50 R$ 25,00
(dp= 11,150)R$ 128,00
(dp= 91,348)
FONTE: Os autores (2009)
Entre o total de respondentes, 53% foram mulheres
e 47% homens. A caracterização de poder de compra,
segundo o critério Brasil, indicou 38% B2, 27% B1,
26%C, 7% A2 e 1% D e 1% A1. Em relação à proporção
de operadoras existentes na base, 51% dos casos foram
Tim, 22% Vivo, 16% Claro e 11% Brasil Telecom. Entre
as operadoras houve maior concentração de pós-pagos
na Tim e de pré-pagos na Claro. Esta informação
ocorreu de forma proporcional à presença total de cada
operadora na base.
Apesar de o desvio padrão demonstrar uma
grande variabilidade (e heterogeneidade) encontrada
na amostra pesquisada, o tempo de duração médio de
relacionamento com cada operadora foi de 49,2 meses
(dp=34,944). Sendo 41,8 (dp=27,598) entre pré-pagos
e 59,6 (dp=41,091) pós-pagos. Esta informação foi
perguntada diretamente ao cliente. Da mesma forma,
foi perguntado sobre o valor e tempo de recarga com o
objetivo de obter um valor médio de consumo. Sendo
assim, entre usuários de pré-pagos, na média o valor
mensal de contribuição foi de R$ 25,00 (dp=11,150).
Já entre os usuários de pós-pago foi de R$ 128,00
(dp=91,348).
Sobre o histórico de uso, 56% dos 493 avaliadores
já tiveram mais de uma operadora. Sendo assim, os
dados foram obtidos considerando o relacionamento
com a última, ou seja, a atual. A intenção de troca
mencionada revelou que 69% do total já pensaram em
trocar de operadora. Destes 308 respondentes, 55%
trocaria possivelmente em menos de 6 meses e 37%
possivelmente em 1 ano.
4.2 Preparação dos dados e verificação do
modelo
Não foram observadas diferenças significativas na
inspeção descritiva das avaliações dos construtos do
modelo entre usuários de pós e pré-pagos. Tal resultado
contribuiu para a verificação do modelo com o total da
base, visto que o objetivo inicial não foi o de examinar
separadamente características como tipo do celular ou
operadora.
O resultado da análise fatorial confirmatória afir-
mou o caráter unidimensional da Satisfação (Alfa de
0,912) e da Lealdade (Alfa de 0,896). Já Confiança e
Comprometimento rejeitaram o caráter multidimensio-
nal proposto e carregaram apenas uma única dimensão
com respectivos Alfas de 0,896 e 0,912. Os valores de
confiabilidade desta mensuração estão na tabela 3.
TABELA 03 - INDICADORES DE CONFIABILIDADE E VALIDADE CONVER GENTE
RESULTANTES DA ANÁLISE FATORIAL CONFIRMATÓRIA
Indicadores / Construtos
SatisfaçãoCompro-
metimentoConfiança Lealdade
Alfa de Cronbach 0,912 0,896 0,912 0,896
Confiabilidade Composta
0,932 0,841 0,891 0,909
Variância Média Extraída
0,775 0,629 0,672 0,770
FONTE: Os autores (2009)
Posterior a esta análise, dos 26 indicadores propos-
tos inicialmente, 14 foram mantidos com o melhor valor
de ajustamento do modelo. Foram também observados
os valores de confiabilidade composta (CONF), os
quais deveriam estar acima de 0,7 e de variância média
extraída (AVE), os quais deveriam estar acima de 0,5 (HAIR
et al., 2005), como indicadores de validade convergente.
108 |
Os resultados obtidos foram considerados plausíveis
para a análise efetuada. A validade discriminante foi
observada por meio da correlação das variáveis duas a
duas, sendo então observada a diferença entre o qui-
quadrado livre e o fixo (1). Os valores aceitáveis deveriam
ser inferiores a 3,5. Os resultados demonstraram que
não houve sobreposição de construtos. O mesmo
procedimento foi observado em Moura (2005). Os
índices de ajustamento do modelo estrutural, consi-
derando ainda apenas as variáveis latentes, foi aceitável
e satisfatório segundo Hair et al. (2005): X2 = 444,760,
GL = 84, p<0,001, X2/GL = 5,295, NFI = 0,928, CFI =
0,941 e RMSEA = 0,09.
4.3 Determinação do indicador de resultado
financeiro
Para a determinação do indicador de resultado
finan ceiro, frente às limitações encontradas em campo
(a impossibilidade de acesso aos históricos do cliente
diretamente na operadora), foi considerada apenas a
receita declarada pelo usuário nas condições apresen-
tadas na sequência.
A determinação do valor de receita correspondeu
à soma do valor médio mensal histórico com a soma
do valor médio projetado (com base nas informações
de intenção de continuidade). Para o cálculo foram
utilizadas as fórmulas financeiras de valor futuro e valor
presente, respectivamente. A taxa de desconto utilizada
foi a taxa de juros Selic (valor de dezembro de 2008
= 1,12%) em ambos os casos (histórico e projeção).
É reconhecida a limitação que tais simplificações trazem
ao indicador proposto, no entanto, de acordo com
Gupta (2006), as operações com alto teor de comple-
xidade, muitas vezes, inviabilizam o uso na prática.
Para determinar o tempo projetado de continui-
dade foi investigada a intenção declarada dos consumi-
dores em escala intervalar com 4 opções de resposta,
da seguinte forma: (1) possivelmente menos de
6 meses, (2) possivelmente 1 ano, (3) possivelmente
2 anos, (4) possivelmente mais de 2 anos. Os valores
em meses considerados para fins do cálculo foram
respectivamente: 6, 12, 24 e 36. Desta forma, o tempo
foi tratado apenas como expectativa de permanência.
Com tais informações, o cálculo abaixo foi utili-
zado para gerar o indicador de resultado financeiro
utilizado neste estudo:
Resultado Financeiro
RH
(1+d)
RF
(1+d)
Onde,
RH = Receita histórica gerada
RF = Receita futura gerada
(1+d) = Taxa de desconto
tf = tempo histórico
ti = tempo futuro projetado
4.4 Teste do modelo e hipóteses
O modelo estrutural foi testado com o uso de
4 variáveis latentes e uma diretamente observável,
conforme já apresentado. O resultado das hipóteses
testadas pode ser observado na tabela 4:
TABELA 04 - COEFICIENTES PADRONIZADOS (PATHS) ESTIMADOS PARA
AS RELAÇÕES TEÓRICAS PROPOSTAS NO MODELO
Relação Estrutural
Coeficiente Padronizado
Status da verificação da hipótese
Total Pré-Pago Pós-Pago Hipótese
Satisfação → Confiança 0,694* 0,669* 0,724* H1 Confirmada
Satisfação → Compro-metimento
0,334* 0,244* 0,518* H2 Confirmada
Confiança → Lealdade -0,020 -0,170 0,084 H3Não-Confir-mada
Confiança → Compro-metimento
0,676* 0,761* 0,507* H4 Confirmada
Comprometimento → Lealdade
0,986* 0,990* 0,995* H5 Confirmada
Satisfação → Lealdade -0,086 -0,075 -0,188 H6Não-Confir-mada
Lealdade → Resultado Financeiro
-0,008 0,027 -0,078 H7Não-Confir-mada
FONTE: Pesquisa de campo
* Resultados significativos a 0,001
O resultado do modelo apresentado trata da
avaliação dos 493 casos observados. Embora não corres-
pondesse diretamente ao objetivo do estudo, foram
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.99-115, jul./dez. 2009 | 109
Revista da FAE
Observando o peso das relações antecedentes do
Comprometimento, construto com maior R², percebe-
se que a Confiança (ß = 0,676; p<0,001) exerce maior
influência que a Satisfação (ß = 0,334; p<0,001). Este
resultado demonstra que para fortalecer o compro-
metimento dos usuários a Confiança é um antecedente
a ser considerado.
b) Relação entre Satisfação e Lealdade
A hipótese 6, a qual relacionava a Satisfação com
a Lealdade, diferente de muitos estudos que relacionam
tais variáveis, também não foi confirmada (ß=-0,086,
p=não significativo). Apesar de estudos como de
McDougall e Levesque (2000) e Hurley e Estelami
(1998), os quais comprovaram empiricamente a relação
positiva e significativa da satisfação em relação à
intenção de compra e continuidade do relacionamento,
sendo estes, indicadores da lealdade do individuo, é
relevante mencionar que esta relação é encontrada na
literatura de forma controversa. Alguns autores, como
Jones e Sasser (2005), comentam sobre uma relação
não necessariamente linear deste relacionamento
(satisfação→lealdade). Aliás, os autores comentam
que características ambientais como alto custo de troca,
vantagens promocionais e regulamentações gover na-
mentais, são alguns fatores que estimulam a falsa lealdade
e uma relação ‘fraca’ com a satisfação, visto que neste
contexto o tempo de relacionamento não é definido
unicamente pela escolha do usuário, mas por outras
variáveis que oferecem conveniência ou certa limitação.
O coeficiente de determinação deste construto
demonstra que o mesmo foi explicado em 80%. Este valor
se refere basicamente ao impacto do comprometimento,
o qual é desencadeado pelo julgamento de confiança e
satisfação. Incentivos em relação ao estímulo do desejo
de continuidade do relacionamento (Instrumental), à
demonstração para o cliente que a empresa está dis-
posta a auxiliá-lo – e quem sabe personalizar soluções –
(Comportamental) e o apoio ao sentimento de parceria
entre empresa e cliente (Normativo), são possibilidades
de desenvolver o comprometimento, e em consequência,
incitar o comportamento de lealdade no consumidor.
separados e testados os tipos de celular. Os resultados
obtidos confirmaram a mesma situação de confirmação
e não-confirmação das hipóteses em estudo.
a) Análise da Qualidade do Relacionamento
Sendo assim, as hipóteses 1, 2 e 4, as quais repli-
cam a proposta de Prado (2004) sobre a Quali dade
do Relacionamento, foram comprovadas. Garba rino e
Johnson (1999) evidenciam a possível complementaridade
entre tais variáveis, tornando plausível a relação posi tiva
e significativa entre Satisfação, Confiança e Compro-
metimento.
A hipótese 3, que previa uma relação positiva e
significativa entre a Confiança e a Lealdade, não foi
confirmada (ß=-0,020, p=-0,135). Para Oliver (1999),
a continuidade da relação entre empresa e consumidor
ocorre em partes pela crença de que a escolha é a mais
adequada. Neste momento, a confiança na marca, na
empresa ou na imagem (por exemplo), seriam fortes
indicadores para a lealdade à mesma. Esta relação, no
entanto, rejeitada no ambiente de telefonia celular,
pode ser compreendida pelo próprio contexto brasileiro,
se considerado alguns elementos como as altas taxas de
reclamação entre todas as operadoras operantes no país.
A relação do Comprometimento com a Lealdade
(H5) foi confirmada (ß=0,986, p<0,001). Este resul-
tado concorda com Gröonros (1990), ao afirmar a
importância deste construto na continuidade de um
relacionamento, e também com Oliver (1999) ao propor
a compreensão da lealdade por fases, onde, quanto
maior o comprometimento, maior a probabilidade
de desencadear uma situação de lealdade afetiva ou
conativa em lealdade de ação.
Além do teste de hipóteses, também foram obser-
vados os coeficientes de determinação dos cons trutos
(R²), para verificar a performance de explicação de
cada variável utilizada. Para o construto de segunda
ordem, Qualidade do Relacionamento, as variáveis
latentes: Comprometimento (83%), Satisfação (77%)
e Confiança (52%), demonstraram bom desempenho,
respectivamente. Estes valores foram superiores aos
encontrados em Zancan (2005).
110 |
c) Relação entre Lealdade e Retorno Financeiro
Já a hipótese 7, na qual era esperada uma relação
positiva entre a Lealdade e o índice de resultado finan-
ceiro, apesar da relação positiva apontada para esta
hipótese (YEUNG; ENNEW, 2000; JOHNSON et al., 2001;
GUO; JIRAPORN, 2005), alguns autores já questionaram
sobre a linearidade e a significância da afinidade dos
construtos. Gurau e Ranchhod (2002) comentam sobre a
dificuldade de obter uma relação positiva considerando
a subjetividade da mensuração das variáveis latentes e o
viés que o cruzamento de dados pode ter devido algum
outro fator. Nas limitações levantadas pelos autores, foi
mencionado o tipo de coleta (cross sectional). É possível
que acompanhamentos longitudinais possam oferecer
informações mais concretas.
Também foram separados os grupos de usuários
de celular pós-pago (ß= -0,078; p = -1,091) e de
pré-pago (ß= 0,027; p= 0,443). Entretanto, os índices
da H7 observados no modelo estrutural rejeitaram
igualmente a associação esperada.
Para visualizar este resultado, os gráficos 1 e 2
demonstram a dispersão das respostas ao cruzar o índice
de resultado financeiro (LTR) com o escore ponderado
da variável latente Lealdade entre os tipos de celular:
pré e pós-pagos. Estas informações oferecem suporte
ao resultado obtido na H7 testada.
GRÁFICO 01 - RESULTADO FINANCEIRO E LEALDADE: PRÉ-PAGO
0 2000 4000 6000 8000 10000 12000
Resultado_Financeiro
0,00
2,00
4,00
6,00
8,00
Leal
dade
_Pon
dera
da
FONTE: Pesquisa de campo
GRÁFICO 02 - RESULTADO FINANCEIRO E LEALDADE: PÓS-PAGO
0 2000 4000 6000 8000 10000 12000
Resultado_Financeiro
0,00
2,00
4,00
6,00
8,00
Leal
dade
_Pon
dera
daFONTE: Pesquisa de campo
Para complementar a informação visual gerada
nos gráficos, a tabela 5 apresenta o valor das correla-
ções entre as variáveis. Também foram incluídas as
correlações entre os índices de Retorno Financeiro
obtidos e os escores ponderados entre as variáveis
latentes que compõem o construto de Qualidade do
Relacionamento. Os resultados foram demonstrados
por tipo de celular para verificar se esta característica
poderia ter influenciado o resultado geral obtido.
TABELA 05 - CORRELAÇÃO ENTRE O RETORNO FINANCEIRO E AS
VARIÁVEIS LATENTES
Correlações Estabelecidas
Resultados
PRÉ-PAGO
Resultados
PÓS-PAGO
Retorno Financeiro e Lealdade
r = -0,004, p = 0,941 r = -0,013, p = 0,855
Retorno Financeiro e Satisfação
r = -0,086, p = 0,144 r = 0,022, p = 0,759
Retorno Financeiro e Confiança
r = 0,051, p = 0,393 r = -0,089, p = 0,202
Retorno Financeiro e Comprometimento
r = 0,042, p = 0,144 r = 0,031, p = 0,655
FONTE: Pesquisa de campo
Estes valores demonstram que, independente do
tipo de celular, não foi registrada correlação entre as
variáveis. Entretanto, esta afirmação poderia ainda
levantar suspeitas de que os valores são distintos entre
as operadoras, e que algum resultado específico pode
ter influenciado o geral, já que no modelo total todas as
empresas foram agrupadas. Desta forma, além de não
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Revista da FAE
ter sido observado distinção entre os tipos de celular,
a tabela 6 demonstra que tampouco houve entre as
operadoras presentes na base.
TABELA 06 - CORRELAÇÃO ENTRE O RESULTADO FINANCEIRO E AS
VARIÁVEIS LATENTES – POR OPERADORA
Correlações Estabelecidas
BRASIL TELECOM
CLARO TIM VIVO
RF* e Lealdader = 0,082, p = 0,554
r = 0,062, p = 0,590
r = -0,024, p = 0,708
r = 0,051, p = 0,600
RF* e Satisfaçãor = 0,035, p = 0,802
r = 0,107, p = 0,350
r = -0,013, p = 0,834
r = 0,053, p = 0,584
RF* e Confiançar = 0,225, p = 0,102
r = 0,068, p = 0,557
r = -0,073, p = 0,249
r = -0,097, p = 0,320
RF* e Comprome-timento
r = 0,113, p = 0,417
r = 0,099, p = 0,389
r = -0,010, p = 0,877
r = 0,102, p = 0,291
FONTE: Pesquisa de campo
*Resultado Financeiro
Por fim, de forma complementar aos objetivos
deste artigo, também foram observados os efeitos
indiretos observados no modelo estrutural. Os valores
da tabela 7 demonstram os resultados obtidos:
TABELA 07 - EFEITOS INDIRETOS ENTRE OS CONSTRUTOS DO MODELO
ESTRUTURAL
Efeitos Indiretos entre os construtos do modelo
Coeficientes padronizados*
Satisfação → Lealdade 0,791*
Satisfação → Comprometimento 0,466*
Confiança → Lealdade 0,630*
FONTE: Pesquisa de campo
* valores significativos a 0,001
Observando especificamente o resultado entre a
Satisfação em relação à Lealdade (ß= 0,791, p<0,001) e
a Confiança em relação à Lealdade (ß= 0,630, p<0,001),
caminhos estes não comprovados de forma linear e
direta, sugere-se que estudos posteriores poderiam
ser realizados sobre as relações indiretas obtidas neste
estudo, o que parcialmente corroboraria, no primeiro
caso, com Jones e Sasser (2005), e no segundo, com
Henning-Thurau e Klee (1997).
5 Discussão dos resultados
Em relação ao primeiro objetivo deste artigo,
o contexto de telefonia celular demonstrou que a
satisfação não é determinante (ao menos para o
grupo analisado) da lealdade. Apenas por estarem
satisfeitos, não foi constatada uma expectativa positiva
de continuidade do relacionamento. Situação oposta
foi observada em Moura (2005), ao testar o índice ACSI
(American Consumer Satisfaction Index) no setor de
telefonia celular, especificamente no estado de Minas
Gerais. No estudo, a autora comprova a relação positiva
e relevante entre as variáveis.
Esta situação demonstra que ainda são necessários
outros estudos que investiguem e aprofundem o
assunto. Pode ser que a territorialidade tenha afetado a
conclusão da análise. Ainda, segundo consta no trabalho
de Moura (2005), as médias obtidas para mensurar a
satisfação foram superiores às registradas neste estudo.
Além da especificidade do estado, outras variantes,
como o uso de escala likert de 5 pontos podem ter
sido alguns fatores determinantes para o contraste dos
resultados obtidos.
Somado a estas considerações, pode-se ainda trazer
à reflexão o estudo de Oliver (1999), em comentar sobre
as seis possíveis representações entre a satisfação e a
lealdade. A ótica previamente utilizada neste artigo foi
a compreensão do processo (cumulativo) que há entre
a satisfação e a lealdade. Entretanto, esta definição
pode ter sido afetada pela coleta cross sectional, que
prejudica a percepção do “processo” comentado.
Já a relação da confiança, considerada um ingre-
diente fundamental para o desempenho satisfatório
do relacionamento (GARBARINO; JOHNSON, 1999;
DWYER; SCHURR; OH, 1987; MORGAN; HUNT, 1994), foi
comprovada como construto antecedente da lealdade
em Prado (2004) e Sidersmukh, Singh e Sabol (2002).
Esta variável é tida como um fator de redução do risco e
da incerteza do relacionamento, como o comportamento
oportunístico das partes (MORGAN; HUNT, 1994).
Apesar de a relação direta ter sido rejeitada, o im-
pacto da confiança no comprometimento foi relevante.
Desta forma, é possível considerar que a confiança
exerce certa influência na lealdade por intermédio do
comprometimento do usuário. No ambiente prático, é
plausível imaginar que o usuário do serviço em questão
112 |
receba certos estímulos para confiar na operadora (como
a imagem, o atendimento, os serviços prestados, entre
outros), ao desenvolver o sentimento de confiança pela
empresa (em caso positivo), tende a ser desencadeado
o desejo de continuidade e da crença de que a empresa
é a melhor opção para resolver seus problemas e
necessidades. Este fato, se confirmado, tende a manter
o cliente leal à companhia.
O comprometimento, especificamente, explicita o
anseio pela continuidade do relacionamento (DWYER;
SCHURR; OH, 1987) e a disposição em mantê-lo, mesmo
que isto implique em certo esforço (MORGAN; HUNT,
1994). A continuidade proposta aponta para uma
tendência de o cliente ser leal à empresa. Esta premissa
foi constatada neste estudo, conforme apresentado.
Apesar do caráter unidimensional, diferente do
proposto na literatura consultada, os indicadores que
demonstraram maior impacto neste construto foram
de origem instrumental, comportamental e normativa,
ou seja, foi explicitado pelas situações de desejo de
continuidade, de esperança de auxílio nos momentos
necessários e de parceira no relacionamento. Para a
empresa intensificar os resultados do comportamento
de seus clientes, um direcionamento plausível seria o
estímulo da aspiração por estes sentimentos.
Desta forma, a qualidade do relacionamento,
cons ti tuída pelos construtos satisfação, confiança e
comprometimento demonstrou impacto positivo sobre
a lealdade. Diretamente por meio do comprometimento,
e indiretamente pela confiança e satisfação, respec-
tivamente.
Em relação ao segundo objetivo do artigo, Reichheld
e Sasser (1990), Fornell (1992), Anderson e Sullivan
(1993), Taylor e Baker (1994) e Gurau e Ranchhod
(2002) comprovam a relação positiva entre indicadores
não-financeiros e financeiros. Entretanto, a maioria dos
casos considera índices de satisfação como retorno não-
financeiro e o market share ou a receita líquida, ou ainda
o índice de vendas da empresa, como financeiro.
No entanto, a limitação de acesso a informações
que permitissem o cálculo adequado do LTR fez
com que a simplificação utilizada descaracterizasse
con ceitualmente o princípio deste (receita menos
custo). Desta forma, acredita-se que a melhor nomen-
clatura para esta variável, seja LTR (lifetime revenue), ou
seja, a receita gerada durante a permanência do cliente
na carteira.
No terceiro e último objetivo, apesar de haver na
literatura uma expectativa de que clientes mais satisfeitos
estariam menos sensíveis a preço (ANDERSON, 1996),
Zeithaml, Berry e Parasuraman (1996) afirmam que esta
“não sensibilidade a preço” pode ter comportamentos
distintos em contextos específicos. Este fato é comentado
porque a tentativa do teste entre os grupos de usuários
pré e pós pagos poderia esclarecer algumas relações
específicas, por exemplo: grupos de maior consumo
poderiam ter maior tendência a serem leais (resultado
não-financeiro). No entanto, estas especulações não
foram comprovadas em nenhum caso.
A não comprovação direta da lealdade com o
resultado financeiro não é exaustiva, mas até certo
ponto, exploratória. Afinal, outros índices financeiros
diretamente da operadora em relação ao cliente não
foram possíveis de serem obtidos. Por este motivo,
mesmo com os resultados alcançados, é possível
imaginar que exista, por exemplo, alguma relação entre
a probabilidade de permanência com o relacionamento
com o desempenho financeiro da empresa.
Por fim, a preocupação em determinar o rendi-
mento do cliente para a empresa parece fator rele-
van te para este setor, basta observar os esforços
realizados para aumentar as margens de ARPU. A Vivo,
por exemplo, como obteve um crescimento ínfimo em
2006 reciclou sua base de clientes para manter apenas
os clientes ativos. Apenas no terceiro trimestre de
2006 a empresa deu baixa em 1.823 clientes inativos,
entre pré e pós-pagos. Este procedimento, segundo
especialistas da área, apesar de ter aumentado a taxa
de churn no período, evitou maior queda no ARPU (já
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.99-115, jul./dez. 2009 | 113
Revista da FAE
que o cálculo deste valor considera a receita gerada
pela quantidade de clientes na base).
Conclusões
Considerando as discussões apresentadas para
cada objetivo proposto e os resultados encontrados, é
possível considerar que o setor de telefonia celular, no
contexto brasileiro, realmente apresente certas parti-
cul aridades na avaliação das variáveis propostas. Um
dos indicadores que demonstram esta possibilidade
é a homogeneidade de avaliação em cada operadora,
mesmo sendo percebida a heterogeneidade na amostra,
o que poderia ser consi derado como possibilidade
para desenvolvimento de estratégias de diferenciação
de serviço.
Neste contexto, as principais premissas que levan-
tam (no mínimo) curiosidade sobre a “não-com provação”
foram a relação entre satisfação e lealdade, e desta,
com o resultado financeiro. Tal situação, em bora sejam
relevadas as restrições de ordem meto dológica utili-
zadas, ressalta que esta relação precisa ser melhor
aprofundada e que, possivelmente, não se comporte de
forma linear. No entanto, pode ainda ser considerada
como uma fonte de informação sobre a avaliação do
setor e as respostas de mercado, afinal, as taxas de
troca são expressivas (se considerado o valor extra-
polado ao ano).
Por fim, a confirmação da relação positiva e sig-
ni fi cativa entre os construtos da Qualidade do Relacio-
namento, de acordo com a proposta de Prado (2004),
comprovou que o modelo sugerido pelo autor é robusto e
pode ser aplicado em diferentes contextos.
Limitações
Em especial, sobre a definição do resultado finan ceiro,
a simplificação da estrutura algébrica em razão das infor-
mações disponíveis para o cálculo também são limitações
deste estudo, a considerar: (1) o tempo de relacionamento
e o valor gasto mensalmente foram apenas declarados pe-
los clientes, não houve possibilidade de confirmação dos
dados; (2) o valor gasto mensal foi extrapolado para todos
os meses de relacionamento, em forma de contribuição
constante; (3) o tempo projetado para a permanência do
cliente com a operadora foi considerado em termos de
possibilidade, sem precisar datas, de forma simples e di-
reta; (4) por não ter acesso aos custos, foi calculada uma
margem de contribuição em relação ao resultado líquido
de cada operadora (no modelo 1); (5) foi realizado um
cálculo apenas com a margem bruta (no modelo 2), o que
pode superestimar os resultados obtidos.
Acrescenta-se ainda o caráter não probabilístico
e a coleta por conveniência utilizada com caráter não
longitudinal. Estas definições apesar de terem sido fun-
damentais à realização do estudo, prejudicam a capa-
cidade de generalização e de abrangência do modelo.
Também é considerado como fator restritivo o uso de
uma única base com empresas diferentes. É possível
que haja alguma particularidade entre a oferta deste
tipo de serviço, que neste artigo não foi constatada.
•Recebido em: 05/08/2009 •Aprovado em: 02/09/2009
114 |
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Revista da FAE
Resumo
No presente artigo analisa-se a temática do direito do trabalhador de exercer sua atividade laborativa em um meio ambiente de trabalho saudável e seguro. Desse modo, este estudo apresenta como objetivo geral investigar os direitos e as garantias do trabalhador a um meio ambiente de trabalho sadio e seguro, como forma de prevenção de infortúnios. E, como objetivo específico, conceituar o meio ambiente do trabalho, identificando sua importância na saúde e na segurança do trabalhador. Os métodos utilizados neste estudo foram o descritivo, tendo como referencial o aporte da observação de fatos e teorias, e o qualitativo, por interpretação da realidade, através de citações diretas de doutrina e legislação. Como resultado, evidenciou-se que o meio ambiente do trabalho engloba tudo que envolve e condiciona, direta e indiretamente, o local onde o homem obtém os meios necessários para prover a sua subsistência, devendo ser protegido em função da sua capacidade de causar danos à saúde do trabalhador. Com este pensamento, o legislador da Constituição Federal de 1988, através de seu art. 7º, inciso XXII, incluiu entre os direitos sociais do trabalhador a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
Palavras-chave: meio ambiente do trabalho; trabalhadores; saúde; segurança.
Abstract
This work analyzes the worker’s rights of working in a healthy and safe environment. Therefore the main purpose of this study is to investigate the rights and guarantees of the worker in a healthy and safe work environment, as a way of avoiding accidents and injuries. The methods used in this work were the descriptive, by using the observation of facts and theories, and the qualitative through the observation of the reality, associated to quotations of doctrine and legislation. As a result, it was proven that the work environment involves directly and indirectly everything within once workplace where he strives for his earnings. Considering this, the Federal Constitution 1988, by its article 7th (XXII), included in the workers social rights, the reduction of the inherent risks, setting norms of health, hygiene and safety.
Keywords: work environment; workers; health; safety.
Saúde e segurança no meio ambiente do trabalho como garantia constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
Health and security in the work environment as constitutional guarantee to the ecologically balanced environment
Rafaela Luiza Pontalti Giongo*Renata Cristina Pontalti Giongo**
* Mestranda em Direito Público (Unisinos). Advogada. E-mail: [email protected]
** Mestranda em Ciências Criminais (PUC-RS). Advogada e docente da disciplina Direito Comercial e Legislação Ambiental na Universidade de Caxias do Sul – UCS. E-mail: [email protected]
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Introdução
A necessária integração do homem com o ambiente
é fator imprescindível à saúde e à segurança de todos.
Viver e trabalhar em ambiente saudável são condições
essenciais para uma melhor qualidade de vida. A impor-
tância do meio ambiente traz a inquietante questão
sobre sua proteção e sua preservação, enfatizando o
atual posicionamento de empregadores, trabalhadores
e do próprio Estado.
A Constituição Federal de 1988, refletindo as
preocupações da sociedade internacional com a viabi-
lidade de vida no planeta, alçou através do artigo 225,
caput, a direito fundamental, o meio ambiente
enquanto bem essencial à sadia qualidade de vida,
tanto para a geração atual, como para as futuras. Diante
da amplitude da assertiva constitucional contida no
mencionado artigo, evidencia-se que o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado alcança todos
os aspectos que o compõem, nele incluindo-se o meio
ambiente do trabalho.
O meio ambiente do trabalho engloba tudo o
que envolve e condiciona, direta ou indiretamente, o
local onde o homem obtém os meios necessários para
prover a sua subsistência, devendo ser protegido em
função da sua capacidade de causar danos à saúde do
trabalhador. No Brasil, a partir da Constituição Federal
de 1988, o meio ambiente do trabalho passou a receber
tutela constitucional imediata (art. 200, VIII) e mediata
(art. 225, caput, § 1.º, IV, VI e § 3.º). A saúde do traba-
lhador deixou de ser matéria apenas de legislação ordi-
nária, elevando-se à categoria de direito fundamental
(art. 7.º, XXII, XXIII CF/88).
Embora a perspectiva tradicional de proteção
à saúde e à segurança dos trabalhadores tenha sido
mantida na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT,
por meio de medidas de segurança, equipamentos de
proteção individual e adicional de periculosidade e
insalubridade, as novas legislações infraconstitucionais
incorporaram a temática ambiental do trabalho,
fundamentando-se em uma filosofia preventiva. Com
efeito, foram concebidas segundo essa concepção
preventiva as Normas Regulamentadoras do Ministério
do Trabalho e Emprego, aprovadas pela Portaria
n. 3.214/78, assim como o dever do empregador na
emissão da Comunicação de Acidente do Trabalho –
CAT (art. 22, caput, da Lei n. 8.213/91).
Dessa forma, o presente artigo apresenta como
temática o direito do trabalhador de exercer sua atividade
laborativa em um meio ambiente de trabalho saudável
e seguro, objetivando a prevenção de infortúnios, de
modo que é impossível alcançar-se qualidade de vida
sem ter qualidade de trabalho, nem se pode atingir um
meio ambiente equilibrado e sustentável, ignorando-se
o meio ambiente do trabalho.
Assim, no intuito de se contribuir para a necessária
reflexão e atenção que este tema merece, pretende-
se abordar o conceito de meio ambiente do trabalho,
identificando sua importância, uma vez que ele está
inserido no meio ambiente geral (artigo 200, VII,
CF/88), como também sua conceituação frente à atual
globalização da economia e a análise do surgimento
da disciplina Direito Ambiental do Trabalho, a qual tem
como característica investigar e descrever o sistema
normativo que tutela o meio ambiente do trabalho e a
saúde do trabalhador.
1 Do meio ambiente do trabalho:
delimitação conceitual
A integração do homem com o ambiente é
fator de extrema relevância à saúde e à segurança de
todos. Pode-se dizer que a evolução e o crescimento
da produção em grande escala, o uso contínuo de
máquinas, o emprego de novas e modernas técnicas,
elementos químicos e a presença de agentes nocivos à
saúde, são, atualmente, apenas alguns dos fatores que
influenciam e alteram o habitat no mundo moderno.
Dessa forma, este estudo inicia pela conceituação de
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meio ambiente, pois, como será visualizado, a partir
da Constituição Federal de 1988, o meio ambiente do
trabalho está contido naquele, sendo sua compreensão
fundamental para análise e reflexão desta abordagem.
Rocha (1997, p.23) ensina que “o termo meio
ambiente deriva do latim ambiens e entis, podendo
ser entendido como aquilo que rodeia”. Em verdade,
a expressão “meio ambiente” constitui um pleonasmo,
pois meio e ambiente possuem um mesmo significado:
lugar, recinto, espaço onde se desenvolvem as atividades
humanas e a vida dos animais e vegetais. Porém, trata-se
de expressão consagrada, inclusive constitucional-
mente, razão pela qual se permanecerá com ela neste
artigo. Sobre o mesmo tema, Rocha (1997) sustenta
que o meio ambiente, academicamente, tem sido
compreendido como o
conjunto, em um dado momento, dos agentes físicos, químicos, biológicos, e dos fatores sociais susceptíveis de terem efeito direto ou indireto, imediato ou a termo, sobre os seres vivos e as atividades humanas (POUTREL; WASSERMAN, 1977); A soma das condições externas e influências que afetam a vida, o desenvolvimento e, em última análise, a sobrevivência de um organismo (THE WORLD BANK, 1978); O ambiente físico-natural e suas sucessivas transformações artificiais, assim como seu desdobramento espacial; (SUNKEL apud CARRIZOSA, 1981); [...] todos os fatores [...] que atuam sobre um indivíduo, uma população ou uma comunidade (ÍNTERIM MEKONG COMMITTEE, 1982) (ROCHA, 1997, p.24).
Em sede legal, o conceito de meio ambiente é dado
pelo inciso I do art. 3º da Lei n. 6.938/81, que instituiu
a Política Nacional do Meio Ambiente, como “um
conjunto de condições, leis, influências e interações de
ordem física, química e biológica, que permite, abriga e
rege a vida em todas as suas formas”.
A atual Constituição Federal de 1988, refletindo
as preocupações da sociedade internacional com a
viabilidade de vida no planeta, alçou o meio ambiente,
enquanto bem essencial à sadia qualidade de vida, a
direito fundamental, tanto para a presente como para
as futuras gerações, nos termos do art. 225, caput, que
assim dispõe: “todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se
ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo
e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Padilha (2002), após firmar seu entendimento sobre
a natureza abrangente e interdisciplinar do conceito de
meio ambiente, cita os eminentes juristas Celso Antonio
Pacheco Fiorillo, Marcelo Abelha Rodrigues e Rosa
Maria Andrade Nery, que também denotam a amplitude
aludida, afirmando que:
[...] o conceito de meio ambiente é amplíssimo, na exata medida em que se associa à expressão “sadia qualidade de vida”. Trata-se, pois, de um conceito jurídico inde-terminado, que, propositadamente colocado pelo legislador, visa criar um espaço positivo de incidência da norma, ou seja, ao revés, se houvesse uma definição precisa do que seja meio ambiente, numerosas situações, que normalmente seriam inseridas na órbita do conceito atual de meio ambiente, poderiam deixar de sê-lo, pela eventual criação de um espaço negativo inerente a qualquer definição (PADILHA, 2002, p.21).
A mesma autora ainda sustenta:
[...] claro que quando a Constituição Federal, em seu art. 225, fala em meio ambiente ecologicamente equilibrado, está mencionando todos os aspectos do meio ambiente. E, ao dispor, ainda, que o homem para encontrar uma sadia qualidade de vida necessita viver nesse ambiente ecologicamente equilibrado, tornou obrigatória também a proteção do ambiente no qual o homem, normalmente, passa a maior parte de sua vida produtiva, qual seja, o trabalho (PADILHA, 2002, p.21).
Nesta mesma linha de raciocínio, Rocha (1997,
p.25), em sua obra Direito Ambiental e Meio Ambiente
do Trabalho, defende que
Quando a Constituição Federal, em seu art. 225, fala em “meio ambiente ecologicamente equilibrado”, está mencionando todos os aspectos do meio ambiente. Podemos, portanto, compreendê-lo como meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho.
Neste sentido, adota-se no presente artigo, a
intenção de Rocha de propor uma classificação do meio
ambiente que atenda a fins didáticos. Dessa forma,
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baseando-se em seus ensinamentos, secciona-se o meio
ambiente artificial, propondo-se que seja entendido
como ambiente urbano, periférico e rural, separando
por suas peculiaridades o meio ambiente cultural e por
último o meio ambiente de trabalho, que será analisado
de forma mais aprofundada por ser um dos principais
objetos deste estudo.
O meio ambiente natural pode ser entendido
como aquele constituído pelo solo, pela água, pelo ar
atmosférico, pela fauna e pela flora, ou seja, recursos
naturais, bens ambientais naturais ou ecológicos, assim
como o sistema de elementos bióticos e abióticos.
Conceitualmente, segundo Rocha (1997), compreende-
se o meio ambiente artificial como o espaço físico
transformado pela ação continuada e persistente do
homem com o objetivo de estabelecer relações sociais
e viver em sociedade, sendo composto pelo meio
ambiente urbano, periférico e rural. Já o meio ambiente
cultural, é constituído por bens, valores e tradições aos
quais as comunidades emprestam relevância, porque
atuam diretamente na sua identidade e formação.
E o meio ambiente do trabalho, o que vem a
ser? Visualizar-se-á a seguir o entendimento de alguns
autores acerca deste aspecto do meio ambiente, como
forma de melhor fixar sua compreensão jurídica.
Na concepção de Fiorillo (2004, p.22), meio
ambiente do trabalho pode ser definido como
O local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independentemente da con dição que ostentem (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos etc.).
Para Moraes (2002, p.25) meio ambiente do
trabalho é
O local onde o homem realiza a prestação objeto da relação jurídico-trabalhista, desenvolvendo atividades de profissional em favor de uma atividade econômica.
O trabalhador participa da atividade econômica em interação com os meios de produção e toda a infra-estrutura necessária ao desenvolvimento da prestação laboral. Ao conjunto do espaço físico (local da pres-tação de trabalho ou onde quer que se encontre o empregado, em função da atividade e à disposição do empregador) e às condições existentes no local de trabalho (ferramentas de trabalho, máquinas, equipamentos de proteção individual, temperatura, elementos químicos etc. – meios de produção) nas quais se desenvolve a prestação laboral, denominamos meio ambiente do trabalho.
Conforme a lição de Mancuso (2002, p.129), meio
ambiente de trabalho é o
Habitat laboral, isto é, tudo que envolve e condiciona, direta e indiretamente, o local onde o homem obtém os meios para prover o quanto necessário para a sua sobrevivência e desenvolvimento, em equilíbrio com o ecossistema. A contrario sensu, portanto, quando aquele “habitat” se revela inidôneo a assegurar as condições mínimas para uma razoável qualidade de vida do trabalhador, aí se terá uma lesão ao meio ambiente do trabalho.
De acordo com o ensinamento de Fernandes
(2006, p.04)
O meio ambiente de trabalho é, na verdade, o local de trabalho do trabalhador, podendo ocorrer em um meio ambiente artificial ou construído, ou mesmo em um ambiente natural, embora sua ocorrência seja menos frequente, haja vista a existência de alguma intervenção humana que possibilite a sua fruição.
Süssekind (2003, p.919), ao tratar sobre o tema da
Ação Prática e Normativa da Organização Internacional
do Trabalho pontifica o seguinte:
[...] dos estudos realizados pelo PIACT1 resultou a Convenção n. 155, complementada pela Recomendação n. 164, ambas de 1981, que ampliou o conceito de ambiente de trabalho para fins de segurança e saúde dos trabalhadores. Hoje é necessário considerar tanto
1 PIACT é a abreviatura para Programa Internacional para Melhorar as Condições de Trabalho e Meio Ambiente de Trabalho.
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a agressão que o local de trabalho pode sofrer, oriunda do meio ambiente circunvizinho, quanto a poluição, por vezes imensurável, que pode ser gerada no esta-belecimento industrial.
Cabe ressaltar que identificar o meio ambiente
do trabalho atualmente, requer maior atenção dos
operadores do direito, pois as mudanças nas relações
jurídicas de trabalho e, mais acentuadamente, as
flexibilizações no Direito do Trabalho, têm resultado em
transformações nas atividades e prestações laborais.
Com a globalização da economia e o consequente e
iminente desenvolvimento industrial brasileiro, mui-
tas empresas já utilizam novas metodologias sem o
uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs),
indispensáveis à segurança dos trabalhadores, uma
vez que as buscas do aumento da produtividade e da
redução dos custos, não são, necessariamente, seguidas
pela melhoria das condições de trabalho.
Considerando-se que a globalização tem propor-
cionado acentuadas modificações no mundo do
trabalho e, em específico, ao meio ambiente do trabalho,
a seguir, analisar-se-á o meio ambiente do trabalho
partindo-se de sua conceituação como tudo aquilo que
envolve e condiciona, direta e indiretamente, o local
onde o homem obtém os meios para prover o quanto
necessário para a sua sobrevivência e desenvolvimento,
em equilíbrio com o ecossistema, frente às mudanças
nas atividades e relações de trabalho.
2 Meio ambiente do trabalho
e globalização
O atual processo de globalização da economia
está em curso desde o início dos anos 1980, com a
formação de grandes conglomerados continentais,
marginalizando cada vez mais os países periféricos no
cenário internacional. Rocha (1997, p.44) aborda este
tema ponderando que
Como pano de fundo deste momento econômico verifica-se uma mudança de padrões de produção, união de mercados financeiros, aumento da importância das empresas multinacionais, ajuste estrutural e privatização. [...] Esse processo globalizado traz ainda consequências bastante pessimistas no campo das relações de trabalho. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima cerca de um bilhão de pessoas sem ocupação. Surgem como fatores preocupantes a “flexibilização” dos direitos sociais, a terceirização e o desemprego estrutural2.
As novas formas de exclusão geradas pela econo-
mia capitalista, como desemprego aberto, ocupações
atípicas e precarização das condições e das relações
de trabalho, inserem a temática da flexibilização da
legislação trabalhista, sob o fundamento de que os
elevados encargos sociais são os responsáveis pela
crise do emprego formal. Por outro lado, diante da
desordem ecológica mundial produzida pelo capitalismo
contemporâneo, ninguém questiona a necessidade de
proteção legal para evitar o colapso do meio ambiente.
As duas perspectivas, tanto de redução dos
direitos trabalhistas quanto de ampliação dos direitos
de proteção ao meio ambiente, apesar de muito
divergentes, convergem, porém, no seu atendimento
à dinâmica das forças do mercado globalizado. Em
âmbito mundial, observa-se que a reformulação das
políticas trabalhistas tem sido utilizada para rebaixar o
padrão de uso e remuneração do trabalho, enquanto a
questão ambiental tem servido de argumento para os
países centrais tolherem o desenvolvimento dos países
pobres e em desenvolvimento.
Outrossim, segundo Rocha (2002), as temáticas
sobre o meio ambiente e sobre as relações de trabalho
aproximam-se em sua origem. Através de uma rápida
observação, tanto dos impactos em escala massiva contra
os trabalhadores, quanto da degradação da natureza em
2 Para Silva (1995) o desemprego estrutural, em geral, resulta da desproporção qualitativa entre demanda e oferta de força de trabalho, devido, sobretudo, à falta de força de trabalho qualificado ou mesmo à inadequação do tipo de qualificação às necessidades do empregador.
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âmbito global, conclui-se que ambos são decorrentes
do processo de industrialização. Tanto as legislações tra-
balhista quanto a ambiental surgiram da necessidade de
proteção estatal contra os efeitos e perigos resultantes
da atividade produtiva. O Estado, em épocas diferentes,
viu-se forçado a atuar no sentido de subordinar a
atividade econômica a uma existência digna e a limitar
a exploração dos recursos naturais, por meio da adoção
de instrumentos legais apropriados. Em virtude de uma
série de mudanças no cenário internacional, como, o
aumento de empresas multinacionais, a mundialização
da economia, a desconcentração do aparelho estatal,
a desterritorialização e a reorganização do espaço de
produção, a fragmentação das atividades produtivas
e a expansão de um direito paralelo ao dos Estados,
de natureza mercatória, evidencia-se uma redução do
poder de intervenção do Estado, diante das forças do
mercado e de outros atores não-estatais, que atinge
um de seus mais significativos instrumentos: a norma
estatal (ROCHA, 2002).
Atualmente, além de riscos mais graves no meio
ambiente do trabalho (acidentes, doenças ocupacionais
etc.) e no meio ambiente em geral (vazamentos, con-
taminações, desastres ecológicos etc.), observa-se
que há uma normatividade nos mais diversos níveis
(nacional, regional e global) e em países como
Estados Unidos, Holanda e Brasil surgem experiências
alternativas ao processo tradicional de controle legal,
por meio de práticas autorregulatórias para indústrias
e demais setores produtivos, que estipulam normas de
conduta do que seja ecologicamente equilibrado, às
quais estes devem adequar-se – série de Standards ISO
(ROCHA, 2002).
No entanto, o cenário econômico e o contexto
social não indicam perspectivas animadoras para a
garantia dos próprios trabalhadores a ambientes de
trabalho saudáveis. Ao contrário, pois, conforme Rocha
(2002, p.295)
A crise do emprego formal, o enfraquecimento esta-tal (ou erosão do poder de intervenção do Estado), o aumento desmedido do poder do mercado e a
ausência de controle da sociedade sobre esse processo, enfraquecem a participação coletiva dos trabalhadores em defesa de melhores condições de trabalho.
De fato, há uma redução dos custos de mão-de-obra
com a eliminação de patamares básicos de condições
do trabalho, agravando-se mais do que nunca os pro-
blemas da esfera circundante do trabalho. E, se gun do
disposição de Rocha (2002, p.295),
em meio a uma onda de demissões generalizadas e à ausência de postos de trabalho, trabalhadores têm sido submetidos a empregos precários atingindo dire-tamente a saúde físico-psíquica do indivíduo.
A preocupação aumenta quando se constata que a
transformação no meio ambiente do trabalho, provocada
pela flexibilização daquilo denominado organização do
trabalho, não repercutiu na diminuição de infortúnios.
Ao inverso, pois conforme Dejours (2003, p.19),
O modo flexível de produção trouxe um aumento das patologias ditas de sobrecarga. Junto com a robotização e a automatização, que se pensava que pudessem livrar os seres humanos da parte mais danosa do trabalho, apareceram novas patologias, novos sofrimentos foram revelados e algumas doenças conhecidas outrora se desenvolveram muito.
Portanto, Rocha (2002, p.134) ensina que
as rela ções no mundo do trabalho continuam a sofrer altera ções e, por conseguinte, a noção do meio ambiente do trabalho não pode ser imutável, pelo contrário, necessita refletir as evoluções sociais e técnicas que constante mente se aprimoram.
Conceituar meio ambiente do trabalho levando
em consideração as flexibilizações no direito, a glo-
balização da economia, as mudanças nas relações
laborais e nos modos de produção, tem gerado dúvidas
aos operadores do direito e evidenciado a lacuna da lei
frente às mudanças.
Dessa forma, é tarefa do intérprete conciliar caso
a caso, aplicando o conceito de meio ambiente do
trabalho que esteja adaptado a tudo aquilo que
envolve e condiciona, direta ou indiretamente, o local
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onde o homem obtém os meios para prover o quanto
necessário para a sua sobrevivência e desenvolvimento,
em equilíbrio com o ecossistema.
3 Direito ambiental do trabalho:
natureza e tutela jurídica do meio
ambiente do trabalho
Por tudo o que aqui já foi exposto, constata-se que
o meio ambiente do trabalho sofre incursões tanto do
Direito do Trabalho como do Direito Ambiental e embora
o tema meio ambiente do trabalho receba tratamento
doutrinário no campo de ambas as matérias, conforme
Rocha (2002, p.275), as duas disciplinas possuem
racionalidades e princípios bastante específicos:
en quanto o Direito Ambiental busca proteger o meio ambiente e o ser humano tomado na sua generalidade, o Direito do Trabalho objetiva a regulação das relações laborais e a proteção do ser humano trabalhador.
Padilha (2002, p.46) tem a seguinte opinião sobre
o assunto:
[...] o meio ambiente do trabalho embora se encontre numa seara comum ao Direito do Trabalho e ao Direito Ambiental, distintos serão os bens juridicamente tute-lados por ambos, uma vez que, enquanto o primeiro se ocupa preponderantemente das relações jurídicas havidas entre empregado e empregador, nos limites de uma relação contratual privatística, o Direito Ambiental, por sua vez, irá buscar a proteção do ser humano trabalhador contra qualquer forma de degradação do ambiente onde exerce sua atividade laborativa.
Por conta disso, surgiu a disciplina Direito
Ambiental do Trabalho, caracterizada por analisar e
descrever o sistema normativo que tutela o meio am-
biente do trabalho e a saúde do trabalhador, por meio
de elementos colhidos principalmente do Direito do
Trabalho (proteção à incolumidade do trabalhador)
e do Direito Ambiental (proteção ao meio ambiente).
Diante das discussões a respeito do Direito Ambiental
do Trabalho, torna-se oportuna a análise da localização
dessa disciplina, ou seja, sua natureza jurídica, nos
ra mos do Direito. Tal abordagem, in statu nascendi,
baseando-se no direito ao meio ambiente ecologica-
mente equili brado, consagrado inquestionavelmente
pela Carta Constitucional de 19883, constitui direito
eminentemente difuso, ou seja, aquele conceituado
legalmente como “interesse transindividual, de natureza
indivisível, cujos titulares sejam pessoas indeterminadas,
ligadas por circunstâncias de fato” (art. 81, I, do Código
de Defesa do Consumidor).
Conforme ensina Mancuso (1991, p.275),
Os direitos difusos são transindividuais porque despassam a esfera de atuação dos indivíduos isoladamente consi-derados, para surpreendê-los em sua dimensão coletiva; são de natureza indivisível, pelo fato de que a satisfação de um só constitui lesão da inteira coletividade; são titulares dos direitos, pessoas indeterminadas ligadas por circunstâncias de fato. Quanto à natureza da lesão, decorre “de afronta aos interesses difusos, lesão esta que poderia ser disseminada por um número indefinido de pessoas, tanto podendo ser uma comunidade, uma etnia ou mesmo toda a humanidade”.
A proteção ao meio ambiente do trabalho associa-
se à tutela da saúde do trabalhador. Sob fundamento
constitucional da tutela da vida com dignidade, Fiorillo
(1995, p.98) menciona com bastante ponderação que
[..] tendo como objetivo primordial a redução do risco de doença e de outros agravos, as normas constitucionais sobre a saúde dão ao Sistema Único de Saúde com-petência, dentre outras atribuições, para colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o Meio Ambiente do Trabalho (art. 200, VIII). Destarte, para a Constituição Federal, a proteção do Meio Ambiente do Trabalho tem natureza vinculada à proteção da saúde, que, sendo direito de todos, está tutelada pelas normas instrumentais destinadas à proteção de aludidos interesses difusos.
3 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologi-camente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
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Normalmente, o meio ambiente do trabalho é
compreendido diante de um grupo determinado de
pessoas, como por exemplo, uma categoria de traba-
lhadores. Esta proteção tem uma natureza eminente-
mente coletiva. O Código de Defesa do Consumidor,
em seu artigo 81, inciso II, estabelece o conceito norma-
tivo do que sejam interesses ou direitos coletivos, sendo
aqueles “transindividuais de natureza indivisível de que
seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas liga-
das entre si ou com a parte contrária por uma relação
jurídica base”. Dessa forma, através dos seguimentos
grupo, cate goria ou classe, possibilita-se que os coleti-
vos orga nizados possam defender interesses corpora-
tivos em suas diferentes matizes. Assim, cabe trazer à
lume o entendimento de Rocha (2002, p.280):
[...] o liame entre os direitos difusos e os direitos coletivos reside no seu caráter metaindividual, podendo ser agrupados, na maioria das vezes, na denominação de direitos coletivos lato sensu; de outra maneira, os interesses difusos podem ter uma amplitude maior do que a órbita de uma coletividade organizada e definida, ressaltada pelo caráter corporativo; além disso, nos direitos difusos, considera-se o ser humano em sua dimensão genérica, agregado ocasionalmente pela ocorrência fática que determina sua tutela.
Portanto, torna-se prudente questionar sobre as
questões de saúde do trabalhador e meio ambiente do
trabalho que envolvem o interesse coletivo stricto sensu,
cogitando-se sobre o contingente de operários de uma
indústria específica ou, ainda, com relação à categoria
que trabalha em determinado setor industrial. Nesse
ponto, acorre Rocha (2002, p.281), explicando que
Apesar de muitas vezes os efeitos decorrentes de danos ao meio ambiente do trabalho atingirem um contingente específico de trabalhadores (coletivo), também existe a possibilidade desses efeitos incidirem numa coletividade incalculável (massa indefinida), como por exemplo, no caso de contaminação orgânica pelo trabalho em ambiente que utiliza telhas de amianto (fabricada com substância cancerígena).
Segundo o autor anteriormente citado, a proteção
que se busca por meio da tutela ao meio ambiente
do trabalho não se fundamenta na realização de um
interesse específico (coletivo stricto sensu), ao con-
trário, surge do reconhecimento da necessidade de
uma proteção metaindividual (difusa), devendo o meio
ambiente do trabalho saudável e equilibrado ser sempre
tutelado como um interesse difuso. Da mesma forma,
entende que ainda é prematuro afirmar a autonomia
do Direito Ambiental do Trabalho, sobretudo porque
a tutela ao meio ambiente do trabalho continua a ser
estabelecida em face da relação de trabalho, mantendo-
se a legislação sobre a matéria fragmentada.
Entretanto, Rocha (2002) reconhece que a ela-
boração dessa proteção tem sofrido a influência de
um paradigma preventivo, muitas vezes superando a
forma tradicional de tutela à higiene e à segurança dos
trabalhadores. Além disso, os princípios inspiradores da
tutela ao meio ambiente do trabalho, apesar de não serem
exclusivos, tomam, conforme esse autor, uma dimensão
específica e peculiar, dos quais podem ser destacados:
o princípio da precaução-prevenção, o princípio do
desenvolvimento sustentável, o princípio do poluidor-
pagador, o princípio da proteção plena do trabalhador,
o princípio da equidade e o princípio do in dubio pro
ambiente-operário. Tais princípios surgiram da inter-
relação entre o Direito Ambiental e o Direito do Trabalho,
na tutela de um objeto comum: o meio ambiente do
trabalho. Seguindo a lição de Rocha (2002), o princípio da
precaução-prevenção surge na medida em que há que se
atuar preventivamente e com a necessária precaução para
romper com o paradigma da compensação pecuniária
pelo trabalho em condições insalubres. Já o princípio do
desenvolvimento sustentável tem como objetivo conciliar
atividade econômica e produtiva com salubridade dos
ambientes do trabalho.
Quanto ao princípio do poluidor-pagador, aplica-se
na obrigação do empregador-poluidor reparar os danos
causados ao ambiente e aos trabalhadores, assumindo
a responsabilidades civil, administrativa e criminal pelo
ato. Trata-se de responsabilidade objetiva, inclusive com
relação aos infortúnios, devendo ser apurada apenas a
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relação de causalidade (nexo causal) entre dano e ação
ou omissão do empregador-poluidor.
Por conta do princípio da proteção plena ao
trabalhador, qualquer que seja a forma contratual, o
empregador torna-se responsável pela saúde de seus
empregados, exerçam ou não atividade na unidade
produtiva. O princípio da equidade fundamenta-se na
igualdade de proteção e, portanto, não admite que
determinados contingentes de trabalhadores sejam
mais protegidos que outros, na aplicação da política de
salubridade dos ambientes do trabalho. Por fim, o prin-
cípio in dubio pro ambiente-operário consubstancia-se
na máxima de que, havendo dúvida, deve-se proteger o
meio ambiente do trabalho. Isso significa que, mesmo
não havendo certeza quanto ao grau de periculosidade
e ou salubridade, o empregador e o Poder Público
devem atuar de modo a impedir que ocorram danos ao
meio ambiente e à saúde dos trabalhadores.
Quanto à sua tutela jurídica, o meio ambiente do
trabalho engloba tudo que envolve e condiciona, direta
e indiretamente, o local onde o homem obtém os meios
necessários para prover a sua subsistência, devendo ser
protegido em função da sua capacidade de causar danos
à saúde do trabalhador. Não é necessário que exista
subordinação para garantir a tutela jurídica ao ambiente
no qual os trabalhadores prestam seus serviços. Conforme
Fiorillo (2004), o próprio legislador constitucional fez
referência à relação de trabalho em diversas passagens
e, quando quis destacar a relação de emprego, fez isso
expressamente, como no art. 7.º, inciso I, da CF/884.
A partir da Constituição Federal de 1988, a saúde
do trabalhador deixou de ser matéria apenas de
legislação ordinária, elevando-se à categoria de direito
fundamental (art. 7.º, XXII, XXIII)5 e, portanto, cláusula
4 Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos.
5 Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei.
pétrea. Além disso, nas atribuições do Sistema Único
de Saúde, consta a de “executar as ações de vigilância
sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do
trabalhador” (art. 200, II)6. O meio ambiente do trabalho
passou a receber tutela mediata (art. 225, caput, § 1.º,
IV, VI e § 3.º)7 e imediata (art. 200, VIII)8.
No plano infraconstitucional, a tutela ao meio
ambiente do trabalho continua a ser regulada pela
Consolidação das Leis do Trabalho. No capítulo V do
Título II denominado Da Segurança e da Medicina
do Trabalho (arts. 154 a 201), além de serem apre-
sentadas disposições gerais sobre o tema, a CLT define
as atribuições da administração pública, as respon-
sabilidades dos empregadores e dos empregados, assim
como os procedimentos de inspeção prévia, embargo
ou interdição.
Esse capítulo ainda dispõe sobre os órgãos de
segurança e de medicina do trabalho e disciplina a
constituição da Comissão Interna de Prevenção de
Acidentes (Cipa), a utilização dos equipamentos de pro-
teção individual, a normatização das medidas preven-
tivas de medicina do trabalho, além de estabelecer os
requisitos de segurança com relação às edificações, à
6 Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: [...] II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador.
7 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologi-camente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: [...] IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; [...] VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; [...] § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
8 Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: [...] VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.
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iluminação, ao conforto térmico, às instalações elétricas,
à movimentação, à armazenagem e ao manuseio de ma-
teriais, às máquinas e aos equipamentos, às caldeiras, aos
fornos e aos recipientes sob pressão. Também trata das
atividades insalubres e perigosas, da prevenção da fadiga,
de outras medidas especiais de proteção, bem como das
penalidades aplicáveis às infrações dos seus dispositivos.
De acordo com Rocha (2002, p.227), embora deno -
minadas preventivas, as medidas descritas acima,
constituem-se, de fato, em disposições protetivas à saúde
dos trabalhadores. Tal dimensão preventiva, segundo
esse autor, somente pode ser observada nas Normas
Regulamentadoras (NR) do Ministério do Trabalho e
Emprego. Para exemplificar, podem ser destacadas as
normas que tratam do embargo ou interdição em caso
de grave e iminente risco ao meio ambiente do trabalho
(NR-3); dos serviços especializados em engenharia de
segurança e medicina do trabalho – SESMT, com a fina-
lidade de promover a saúde e proteger a integridade do
trabalhador no local de trabalho (NR-4); da norma que
regulamenta o funcionamento da Comissão Interna de
Prevenção de Acidentes, vedando a dispensa arbitrária
do empregado eleito membro da Cipa, desde o registro
de sua candidatura até um ano após o final de seu
mandato (NR-5); do programa de controle médico de
saúde ocupacional – PCMSO (NR-7); do programa de
prevenção dos riscos ambientais – PPRA (NR-9); das
condições do trabalho na indústria da construção civil
(NR-18); das condições sanitárias e de conforto nos
locais de trabalho (NR-24).
A Lei n. 8.080/909 (Lei Orgânica da Saúde) tam-
bém se reporta várias vezes ao meio ambiente do traba-
lho e à saúde dos trabalhadores, tomando como base
um paradigma preventivo. Sob a mesma perspectiva,
a Lei n. 9.795/9910 (Lei da Educação Ambiental) atri-
bui às empresas, entidades de classe, instituições pú-
blicas e privadas, a promoção de programas destinados
à capacitação dos trabalhadores, visando à melhoria
e ao controle efetivo sobre o ambiente do trabalho.
9 Art. 6º, II, III, V, VIII; art. 16, V; art. 17, VII.10 Art. 3º, V.
De acordo com a Portaria n. 1.127, de 02.10.2003, do
Minis tério do Trabalho e Emprego, os procedimentos
para a elaboração de normas regulamentadoras relacio-
nadas à saúde, segurança e condições gerais de trabalho
adotam como princípio o Sistema Tripartite Paritário,
garantindo a participação do governo, dos trabalhado-
res e dos empregadores, com a previsão de realização
de audiências públicas, seminários, debates, conferên-
cias ou outros eventos, quando necessário, como forma
de promover a ampla participação da sociedade.
Por outro lado, embora a necessidade de medidas
de restrição aos riscos do trabalho pareça algo inques-
tionável, qualquer tentativa nesse sentido pode afetar
a produção e, diante da ausência de uma atuação
prioritária e sistemática das empresas, a fiscalização dos
órgãos públicos torna-se imprescindível para garantir a
segurança e a saúde do trabalhador.
4 A importância do meio ambiente
do trabalho à saúde e à segurança
do trabalhador rural e urbano
Em razão de fatores variados, a relação homem e
meio ambiente do trabalho reflete na relação homem e
meio ambiente de vida, daí a relevância na análise do
papel do meio ambiente do trabalho nos três níveis de
mão-de-obra: setores primário, secundário e terciário.
Segundo Araújo (2008), fazem parte do setor pri-
mário da economia
As entidades econômicas voltadas para a silvicultura (extração de recursos naturais de florestas), extra-tivismo (mineração) agricultura e pecuária. Parte da produção do setor primário destina-se a servir como matérias-primas para outros setores ou ao consumo direto da população (nor malmente os produtos hortifrutigranjeiros) (ARAÚJO, 2008, p.4).
E continua o mesmo autor ensinando que
[...] o setor secundário é constituído pela atividade indus-trial (de transformação). Dentro da produção industrial
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Revista da FAE
destacam-se a indústria de bens de capital (máquinas, equipamentos e instalações industriais), que tem como finalidade aumentar a capacidade produtiva da economia e a indústria de bens de consumo. Os bens de consumo podem ser classificados como de consumo imediato e de consumo durável. Já no setor terciário estão classificadas as empresas comerciais e de prestação de serviços. As empresas comerciais funcionam como intermediários de marketing: não agregam transformação da natureza dos produtos, mas agregam os serviços de promoção, distribuição e comercialização (ARAÚJO, 2008, p.4).
Portanto, pode-se dizer que cada espécie de meio
ambiente possui características próprias e pecu liari-
dades relativas à atividade desenvolvida pelo traba-
lhador (ao ocupar determinada função na produção
industrial, agrícola, prestação de serviço etc.). Conhecer
as condições do meio ambiente do trabalho pode ser
interpretado como o mesmo que conhecer as pers-
pectivas de vida e saúde no meio ambiente geral.
Assim, iniciar-se-á uma análise da importância do meio
ambiente do trabalho à saúde e à segurança para os
trabalhadores do meio rural e em seguida para os
trabalhadores do meio urbano e industrial.
O meio ambiente do trabalho rural está entre os
mais prejudicados e desprezados, desempenhando os
trabalhadores suas atividades habituais em condições
delicadas à sua saúde e segurança. Acerca deste fato, a
autora Moraes (2002, p.34) comenta que
O maior fator do descaso empresarial se sustenta na própria fragilidade do trabalhador rural que, na grande maioria, carece de conhecimento sobre seus direitos e, até mesmo, acerca de sua dignidade como pessoa humana. A necessidade de subsistência encontra na pessoa do trabalhador rural a vantagem de que precisam os empregadores para a exploração e intensificação do descaso com a saúde e segurança no meio ambiente do trabalho rural.
A Lei n. 5.889/73 traz em seu artigo 2º o conceito
de trabalhador rural nos seguintes termos:
empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário.
Através do art. 3º, §1º da mesma Lei, entende-se
por meio ambiente de trabalho rural,
o lugar onde o trabalhador está a serviço ou à dispo si-ção daquele que desenvolve atividade agroeconômica, incluídas as de natureza industrial em estabeleci mento agrário.
No meio ambiente do trabalho rural está o obreiro
que desenvolve atividades em contato direto e maior
com os fatores naturais. Estão nas chamadas regiões
rurais, em tarefas agrícolas ou artesanais, bem como em
ocupações similares ou conexas, tratando-se tanto de
assalariados, como daqueles que trabalham por conta
própria, como os arrendatários e pequenos proprietários
(GENEBRA, 1975).
A vida do trabalhador rural tem sofrido profundas
transformações, baseada, originalmente, no emprego da
energia humana, tem sido modificada pela mecanização,
pelo crescimento da industrialização, bem como pelo
emprego de produtos químicos e a utilização de abonos
artificiais no lugar dos naturais. Moraes (2002, p.36),
acerca do presente tema, ensina:
[...] por meio de técnicas inoperantes para a proteção da saúde e segurança, o meio ambiente do trabalho rural passa por transformações que avançam em proporção inversa à industrialização, provocando desequilíbrio consi derável no meio ambiente em geral. Por exemplo, no campo ou na plantação, o trabalhador, ao utilizar inseticida, lança ao ar partículas que se depositam sobre troncos, solo, frutos etc. Deve-se proporcionar orientações e instruções sobre como utilizar tais produtos, bem como promover a proteção dos trabalhadores contra os possíveis danos que o contato com essas substâncias podem ocasionar.
E continua a mesma autora enunciando que
Sendo a natureza o principal recurso do trabalhador rural na execução de seu labor, é indispensável sua correta utilização, por meio do respeito e da observação das normas de proteção ao meio ambiente em geral e, em conseqüência, das normas de proteção ao meio ambiente do trabalho. Pois que, a contaminação ou a deterioração dos elementos naturais (solo, água, plantas, ar, animais etc.) resulta em prejuízos graves
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e irreversíveis, quer para a vida do trabalhador rural, quer para a vida de toda uma coletividade, sendo o meio ambiente do trabalho saudável resultado do meio ambiente de vida equilibrado, numa interação conjunta à proteção da saúde e da segurança do trabalhador.
Já a importância do ambiente do trabalho para
a saúde e a segurança no meio urbano e industrial
caracteriza-se pelo avanço da industrialização, uma
vez que o homem passou do campo para a cidade, em
busca de melhores condições de vida e de trabalho.
O crescimento industrial mostrou-se adverso ao
obreiro urbano, traduzido hodiernamente por meio
da crescente deterioração da qualidade de vida, com
sérias repercussões no futuro, facilmente constatadas
no surgimento das doenças ocupacionais.
O trabalhador urbano é aquele que exerce suas
atividades dentro de área considerada desenvolvida,
com infraestrutura (água, esgoto, gás, eletricidade
etc.) e/ou com serviços urbanos (transporte, educa-
ção, saúde etc.). A evolução dos métodos de produção
e dos meios de transporte e de comércio tem possibi-
li tado a instalação de indústrias em distintos locais,
o que em alguns aspectos, descaracteriza o conceito
de traba lhador urbano, em virtude de o mesmo
exercer suas funções em área escassa de urbaniza-
ção. Portanto, trabalhador urbano na concepção de
Moraes (2002, p.39)
Também é aquele que presta serviços nas periferias das cidades, em áreas onde não se observa infraestrutura suficiente para prover as necessidades da população. No entanto, assim como no trabalho rural é a natureza da atividade econômica desenvolvida pelo empregador que identifica a espécie de ambiente de trabalho e seus sujeitos.
O trabalhador urbano está para a máquina como
o trabalhador rural está para a terra. A máquina é sua
ferramenta de trabalho e a energia mecânica substitui
a força física. O campo e a terra são trocados pelo meio
industrial e alimentação e moradia são necessidades
que não mais se suprem com a terra, mas, com o salário
que o trabalhador recebe como contraprestação pelos
serviços realizados.
É preciso observar e respeitar as condições laborais
e os fatores que possam influenciar e agredir o direito
ao meio ambiente do trabalho saudável. Esses fatores
são variados, podendo ser físicos, como temperatura,
umidade, pressão, gases, vapores, radiações ionizantes,
ruídos e vibrações etc.; ser referentes à organização do
trabalho, como o trabalho repetitivo ou monótono, o
trabalho extraordinário e noturno etc.; ou ainda, ser
relacionados ao clima psicológico inerente na empresa,
envolvendo a saúde mental do empregado.
A luta pelo meio ambiente do trabalho saudável
deve começar pela sua própria proteção, por meio da
prevenção das atividades laborais contra as condições
agressivas à saúde e segurança. As medidas de prevenção
correspondem, essencialmente, às de caráter técnico e
médico. A respeito deste tema, Moraes (2002) ensina
que no campo técnico, entre as possíveis atuações
têm-se a substituição de substâncias perigosas e a
utilização de sistemas de aspiração, de umedecimento
e de filtração, para captar ou neutralizar substâncias
nocivas nos lugares onde se formam ou de onde se
desprendem, como forma de encontrar soluções para
as novas doenças resultantes do efeito industrialização.
No âmbito médico, as medidas de proteção objetivam
revelar os efeitos do meio ambiente laboral à saúde e
prevenir o aparecimento de enfermidades profissionais
(doenças ocupacionais), através do controle e de exames
periódicos.
Sendo assim, quer no meio urbano e industrial,
quer no meio rural, devem ser promovidas medidas que
viabilizem atividades e condições de trabalho dignas da
pessoa humana, priorizando-se o respeito e a aplicação
das normas de segurança do trabalho, para que os
trabalhadores possam adquirir os subsídios de sua
existência, sem ter de pôr em risco a própria saúde ou
integridade física.
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Revista da FAE
Considerações finais
O presente artigo objetivou demonstrar os direitos
e as garantias do trabalhador a um meio ambiente de
trabalho sadio e seguro, como forma de prevenção de
infortúnios no exercício de sua atividade laboral. Nesse
campo de incidência, conceituou-se o meio ambiente
de trabalho, identificando sua importância para a saúde
e a segurança do trabalhador.
Evidenciou-se que a atual Constituição Federal de
1988, refletindo as preocupações da sociedade inter-
nacional com a viabilidade de vida no planeta, alçou
o meio ambiente, enquanto bem essencial à sadia
qualidade de vida, a direito fundamental, tanto para as
presentes como para as futuras gerações, nos termos do
caput de seu art. 225. Observou-se que quando a Norma
Fundamental menciona “meio ambiente ecologicamente
equilibrado”, ela se refere a todos os aspectos do meio
ambiente. E, ao dispor que o homem, para encontrar uma
sadia qualidade de vida, necessita viver nesse ambiente
ecologicamente equilibrado, tornou obrigatória, tam-
bém, a proteção do ambiente em que passa a maior
parte de sua vida produtiva, qual seja, o do trabalho.
Assim, caracterizou-se o habitat laboral como sendo
tudo o que envolve e condiciona, direta e indiretamente,
o local onde o homem obtém os meios para prover o
necessário à sua sobrevivência e desenvolvimento, em
equilíbrio com o ecossistema. Portanto, a contrario
sensu, quando este “habitat” revela-se inidôneo para
assegurar as condições mínimas a uma razoável quali-
dade de vida do trabalhador, ter-se-á uma lesão ao meio
ambiente do trabalho.
Outrossim, as relações no mundo do trabalho
continuam a sofrer alterações e, por conseguinte, a
noção do meio ambiente do trabalho não pode ser
imutável, pelo contrário, necessita refletir as evoluções
sociais e técnicas que constantemente se aprimoram.
Conceituar meio ambiente do trabalho levando em
consideração as flexibilizações no direito, a globalização
da economia, as mudanças nas relações laborais e
nos modos de produção, tem gerado dúvidas aos
operadores do direito e evidenciado a lacuna da lei
frente às mudanças.
Nesse sentido, embora o meio ambiente do tra-
balho esteja condicionado ao local onde o homem
obtém os meios para prover o quanto necessário para
a sua sobrevivência e desenvolvimento, em equilíbrio
com o ecossistema, é tarefa do intérprete conciliar caso
a caso e aplicar o melhor conceito, sempre em prol da
proteção jurídica do trabalhador.
Além disso, também pôde ser visualizado que,
a partir da Constituição Federal de 1988, a saúde
do trabalhador deixou de ser matéria apenas de
legislação ordinária, elevando-se à categoria de direito
fundamental (art. 7.º, XXII, XXIII) e, portanto, cláusula
pétrea. O meio ambiente do trabalho passou a receber
tutela mediata (art. 225, caput, § 1.º, IV, VI e § 3.º) e
imediata (art. 200, VIII). Porém, apesar da existência
de todos os aparatos da tutela da ambiência laboral, a
verdadeira prevenção das questões do meio ambiente
do trabalho somente será efetiva e definitiva, quando
a sociedade e o empresariado tomarem consciência
de que o custo da prevenção é muito menor e mais
significativo que o custo da reparação dos danos
causados aos trabalhadores.
Sendo assim, quer no meio urbano, industrial ou
rural, devem ser promovidas medidas que viabilizem
atividades e condições de trabalho, dignas da pessoa
humana, priorizando-se o respeito e a aplicação
das normas de segurança do trabalho, para que os
traba lhadores possam adquirir os subsídios de sua
existência, sem pôr em risco a própria saúde ou
integridade física.
Busca-se, dessa forma, uma nova visão de proteção
aos trabalhadores, não mais na esfera individualista
do Direito do Trabalho, da monetarização dos riscos
e do pagamento dos adicionais, sejam eles os de
periculosidade, insalubridade ou penosidade, mas na
perspectiva de uma inovadora temática de prevenção,
informação e precaução.
130 |
Porém, percebe-se que, apesar da legislação
existente, infortúnios decorrentes das atividades labo-
rais costumeiramente acontecem, em que pese a
acentuada evolução do direito do trabalhador à saúde
e às condições dignas de trabalho. Infelizmente, apesar
de constar em nosso ordenamento jurídico a segurança,
a higiene e a medicina do trabalho como direito pú-
blico dos trabalhadores de exercerem suas funções
em ambiente de trabalho seguro e sadio, a realidade
das estatísticas das doenças e acidentes do trabalho
evidencia que os interesses econômicos ainda superam
os interesses humanos.
Conquanto, ainda que paradoxalmente, sobreleve-se
a mundial preocupação com a preservação e recupe-
ração do meio ambiente, numa visão equivocada, a
busca pelo lucro material parece mais intensa nesta
era de globalização econômica, em que se integram os
mercados e libera-se o comércio internacional. De fato,
essa nova ordem mundial vem impondo profundas
mudanças na organização dos processos de trabalho,
visando ao aumento da produtividade e à redução dos
custos, em um contexto no qual ganha nova dimensão
a relação entre trabalho e as condições de vida dos
trabalhadores. E isso, efetivamente, tem implicado a
degradação do ambiente em que se desenvolvem as
atividades laborativas.
Não se pode propor direito a um ambiente ecolo-
gicamente equilibrado, como reiteradamente referido
neste artigo, sem que se tenha por objetivo a garantia
da preservação da própria vida humana com dignidade
e salubridade. Portanto, não há como se falar em
democracia e Estado Democrático de Direito no tocante
à saúde, à segurança e à prevenção de acidentes do
trabalho, se não houver verdadeira, pronta e eficaz
atuação integrada de toda a sociedade na proteção ao
meio ambiente do trabalho. Assim, espera-se que estas
reflexões despertem interesse para outras de maior
alcance e conteúdo, com o objetivo de sensibilizar
a todos da necessidade de fazer valer os princípios
normativos da ambiência laboral, que garantam ao
trabalhador a sua saúde e a sua segurança.
•Recebido em: 23/06/2009 •Aprovado em: 02/09/2009
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Revista da FAE
Resumo
Nesses 19 (dezenove) anos de vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente foi possível constatar avanços práticos significativos para a expansão da cidadania infanto-juvenil através da efetivação dos direitos individuais e do asseguramento das garantias fundamentais destinados à proteção integral da infância e da juventude.
Palavras-chave: adolescente; cidadania; constituição; criança; direitos; emancipação; estatuto; garantias; infância; juventude; subjetivação; subjetividade.
Abstract
In these 19 (nineteen) years of the Statute of the Child and Adolescent practical developments could see significant expansion of citizenship to the children and youth through the realization of individual rights and the securing of fundamental guarantees for the full protection of children and youth.
Keywords: adolescent; citizenship; constitution; chil; rights; emancipation; statute; status-guarantees; children; youth; subjectivations; subjectivity.
* Promotor de Justiça no Ministério Público do Estado do Paraná; Doutor em Direito (PPGD-UFPR); Professor Titular no UniCuritiba; [email protected]
Mário Luiz Ramidoff*
Estatuto da criança e do adolescente: 19 anos de subjetivações
Statute of the child and adolescent: 19 years of subjectivations
Crianças que “brincam” no pátio da escola ou nas ruas estão construindo e reconstruindo o mundo das normas dos adultos. Quanto mais autonomia tiverem, mais inventivas e democráticas serão para reconstruir a sociedade brasileira em normas mais justas e aceitáveis para todos.
(FREITAG, 1993)
134 |
Introdução
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990) para além
de regulamentar a proteção integral que se destina a
proteger a infância e a juventude (art. 1º), bem como a
designar criança e adolescente como sujeitos de direito
(art. 3º), e, assim, conceituá-los (art. 2º), também lhes
reconhece a titularidade de garantias fundamentais
(art. 4º). A titularidade desses direitos e garantias advém
da qualidade jurídico-legal (constitucional e estatutária)
de poder ser sujeito de direito. A capacitação de crianças
e adolescentes para a titularidade e o exercício de
direitos individuais e das garantias fundamentais requer
criação e manutenção das estruturas sociais (familiar e
comunitária) e estatais (equipamentos, instituições e
órgãos públicos) que lhes assegurem o pleno desen-
volvimento de suas potencialidades humanas.
Essas instâncias estruturais devem articular não só
suas ações de atendimento, mas, também informações,
experiências, e contribuições multidisciplinares que
possam oferecer soluções, cada vez mais, adequadas à
capacitação que potencializa a humanidade, o respeito
e a responsabilidade daqueles novos sujeitos de direito.
Na área internacional, por exemplo, toda pessoa com
idade inferior a 18 (dezoito) anos é considerada criança,
e esta é uma das diretrizes, ideologicamente, orientada
pela centralidade da pessoa humana como núcleo
irredutível de preocupação de toda norma jurídico-legal.
A criança e o adolescente se constituem na
matéria-prima da presente e das futuras sociedades
(comunidades humanas), as quais deverão ser construí-
das e reconstruídas através da participação ativa desses
novos sujeitos de direito na formulação de normas mais
justas e democráticas. A mencionada participação é
deco rrência direta do processo de redemocratização
que se deu, no Brasil, e, que, culminou com a instalação
da Constituinte de 1987/1988, através da qual foram
adotadas democraticamente as diretrizes internacio nais
relativas aos direitos humanos da criança.
Em virtude disto, observa-se que a comunicação
entre os segmentos sociais e os Poderes Públicos é a pedra
angular para a articulação das ações governamentais
e não-governamentais, isto é, para a construção das
“redes de proteção”. As “redes de proteção” se cons-
tituem, assim, através das ações governamentais e não-
governamentais de atendimento direto à criança e ao
adolescente.
A atuação dos atores e protagonistas sociais não
deve ser limitada somente ao cumprimento das funções
originárias, mas, diversamente, exige imersão na con-
flituosa realidade que se apresenta no quotidiano do
mundo da vida vivida. A mobilização da opinião pública
que se constitui numa das diretrizes da política de
atendimento, pois numa democracia é indispensável
a participação dos diversos segmentos da sociedade,
consoante dispõe o inc. VI, do art. 88 da Estatuto,
também se caracteriza como meio de comunicação
entre a sociedade e o Estado.
As instituições públicas, de seu turno, devem ser
estruturadas material – equipamentos adequados – e
pessoalmente – por exemplo, com a criação e manu-
tenção de equipes interprofissionais, consoante arts.
150 e 151, do Estatuto. Os operadores que atuam no
“sistema de garantia dos direitos” – então, constituído
pelas instâncias legislativa e judiciária (Magistratura,
Ministério Público e Advocacia, dentre outros atores
jurídico-sociais) – não devem se limitar às suas funções
originárias, pois, mais do que nunca, tornou-se
imperativa a articulação comunicacional com a “rede
de proteção”.
Eis, pois, a possibilidade de superação da buro-
cratização funcional das instâncias públicas e sociais,
as quais invariavelmente têm reduzido as suas ações
ao oferecimento de respostas setoriais dissociadas da
confluência transdisciplinar indispensável para a prote-
ção integral da criança e do adolescente. E a superação
dos obstáculos jurídicos, políticos e sociais assegura
a expansão dos direitos individuais e das garantias
fundamentais desse segmento social, senão, que é sinal
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da emancipação humanitária desses novos sujeitos de
direito não só para a titularidade, mas, principalmente,
para o exercício pleno da cidadania infanto-juvenil.
1 Subjetivação
A subjetivação, em perspectiva emancipatória, é o
processo pelo qual se capacita a pessoa humana para ser
titular de direitos e garantias. A emancipação subjetiva da
criança e do adolescente, isto é, a melhoria da qualidade
de suas vidas individuais e coletivas, é decorrência direta
do asseguramento e efetivação desses direitos e garantias
cuja implementação perpassa pela concretização jurídica,
política e social do ideário democrático.
O ideário democrático, por sua vez, que orienta
a efetivação dos direitos individuais e da garantias
fundamentais especificamente destinados à proteção
integral da infância e da juventude, encontra suas
orientações político-ideológicas nas “Leis de Regência”
(RAMIDOFF, 2008a), quais sejam: a Constituição da
República de 1988 e o Estatuto da Criança e do
Adoles cente. A partir dessas bases político-ideológicas
pode ser afirmado que a criança e o adolescente são
sujeitos de direito – senão, na feliz conceituação de
Tercio Sampaio Ferraz Júnior (2007), sujeitos jurídicos –,
pois são titulares de direitos individuais e garantias
fundamentais que cabe ao direito objetivo reconhecer
e assegurar.
A subjetivação pode ser identificada então como
sinal de respeito e responsabilidade pela infância e
juventude, pois se constitui em expressão da condição
humana peculiar às pessoas que se encontram numa
daquelas fases da vida. Em razão disto, o exercício
dos direitos individuais e das garantias fundamentais
destinados à proteção da infância e da juventude
dependerá do que dispuser cada uma das legislações
especiais, as quais, contudo, deverão guardar confor-
midade com as bases político-ideológicas das “Leis de
Regência” do direito da criança e do adolescente.
O direito da criança e do adolescente se constitui
num subsistema jurídico-legal, que, também depende
de seu “estatuto” próprio, conforme o qual o exercício
dos direitos e garantias atribuídos aos novos sujeitos
de direito, possibilita o reconhecimento de novos
valores (humanitários), bem como assegura proteção
integral da infância e da juventude. Pois, como adverte
Ferraz Júnior (2007), o reconhecimento legal – aqui,
constitucional e estatutário – de tais direitos e garantias
à criança e ao adolescente, constitui-se num processo
específico de subjetivação, a qual a “própria ordem
jurídica encarrega-se, então, de isolá-los e integrá-los
num sistema dentro do qual adquirem sentido”.
Esses processos de subjetivação que permitem a
emancipação humanitária da infância e da juventude,
também promovem o asseguramento de garantias,
em perspectiva absolutamente prioritária, enquanto
instrumental adequado para superação dos obstáculos
jurídicos, políticos e sociais, potencializando, assim, a
efetivação dos direitos individuais, de cunho fundamental,
que são afetos aos novos sujeitos de direito.
Essas “vias de obstrução” são identificadas por
Freitag (1993) e, assim, exemplificadas pela
exclusão da criança da escola e a imposição feita às crian ças fora da escola de se submeterem aos ditames dos mais velhos e das classes dominantes, integrando-as prematuramente no processo de trabalho para asse-gurarem sua sobrevivência.
Nessa passagem doutrinária, é possível constatar
que os obstáculos jurídicos, políticos e sociais ao
pleno exercício da cidadania infanto-juvenil, quando
não impedem a efetivação dos direitos individuais e
o asseguramento das garantias fundamentais, cons-
tituem-se, na verdade, em ameaças e violências ao
pleno exercício da cidadania infanto-juvenil.
Em virtude disto, a legislação especial (estatutária)
foi estabelecida no ordenamento jurídico brasileiro,
com o intuito de que fossem objetivadas as normas que
conferem capacidade a essas novas titularidades para
o exercício pleno da cidadania infanto-juvenil. Esses
136 |
avanços práticos são decorrentes da política jurídica –
nos moldes do que sempre pontuou Melo (1994)1 – que
teve compromisso com o agir protetivo, como ainda
deve ter “toda ação político-jurídica”, a qual se define
“como uma operação do fazer ou seja o conjunto de
procedimentos que levem o agente à realização de uma
idéia, de um querer”, aqui, protetivo.
Por exemplo, cabe a todo aquele que atua no
“sistema de garantia dos direitos”, participar sempre que
possível das reuniões dos Conselhos dos Direitos; ouvir,
orientar e reunir-se para trocas de informações com os
Conselheiros Tutelares; visitar equipamentos públicos e
comunitários para prevenção de ameaças e violências aos
direitos da criança e do adolescente; atender diariamente
crianças, adolescentes, pais ou responsável, bem como
membros de seus respectivos núcleos familiares; manter
conversação com as equipes técnicas que atuam nos
equipamentos e progra mas de atendimento, bem como
com as equipes interpro fissionais do Juizado da Infância
e da Juventude; acompanhar, orientar e fiscalizar a
execução dos programas sociais de proteção à infância
e à juventude – ainda, que, incompletos, mas que na
prática são os que efetivamente atendem crianças e
adolescentes –, pois somente assim será possível o seu
aperfeiçoamento e adequação.
Essas são dentre tantas outras atividades extraju-
diciais que diariamente se desenvolvem de forma
imperceptível nas estatísticas oficiais; quando não,
sequer são contabilizadas na atuação profissional origi-
nária daqueles que atuam no “sistema de garantia
dos direitos”, mas, que, indiscutivelmente, previ nem
demandas judiciais desnecessárias através de contri-
bui ções transdisciplinares que são decisivas para a
1 Segundo o autor, os “elementos básicos de uma ação dotada de eficácia se configuram na existência de um agente (ente capaz de determinar-se); de meios hábeis (estratégias sob orientação normativa); e de um fim desejado (o desenho do devir ou da utopia). Esses três elementos pois terão que estar presentes em toda ação política-jurídica”.
resolu ção adequada, senão, mesmo para efetibilidade
social (PERELMAN, 1999) das decisões judiciais.
Enfim, é preciso reconstruir a dimensão política
que seja voltada para o direito da criança e do
adolescente. E isto é possível através da elaboração
de políticas institucionais que incentivem mudanças
significativas na atuação profissional para a proteção
da infância e da juventude. Porém, a elaboração dessas
políticas institucionais devem ser permanentes, e, acima
de tudo, observar a participação paritária daqueles que
desenvolvem as atribuições e compe tências funcionais.
A elaboração participativa (democrática) dessas
políticas institucionais deve observar as orientações
huma nitárias consagradas normativamente tanto
na Constituição da República de 1988, quanto no
Estatuto da Criança e do Adolescente. Essas políticas
institucionais que se destinam a reordenar a atuação
profissional na área da infância e da juventude, por
certo, não podem mais circunscrevê-las tão somente
às atribuições e competências originárias que são
desenvolvidas no interior do Sistema de Justiça
Infanto-Juvenil, isto é, no âmbito estritamente pro-
cessual (procedimental).
A atuação político-social (extrajudicial) que não
se reduza apenas ao desenvolvimento das atribuições
e competências judiciais pelos operadores do “sistema
de garantia dos direitos”, talvez, mais do que tudo isso,
assegure, sim, a plenitude e a expansão dos direitos
individuais e da garantias fundamentais que constituem
a cidadania infanto-juvenil.
Por isso, a atuação político-social dos operadores
do direito também se configura numa significativa
contribuição nos processos de subjetivação que permitem
a emancipação humanitária da criança e do adolescente,
isto é, a melhoria da qualidade de vida individual e
coletiva da criança e do adolescente, precisamente,
por assegurar a efetivação de direitos e garantias que
constituem a cidadania infanto-juvenil.
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2 Subjetividade
A subjetividade jurídica (DIMOULIS, 2007), é
“uma qualidade conferida única e exclusivamente
pelo ordenamento jurídico, que pode reconhecer ou
não a determinadas pessoas a qualidade de sujeito
de direito”. A subjetividade jurídica (constitucional e
estatutária) reconhecida à criança e ao adolescente tem
o intuito precípuo de lhes assegurar o protagonismo
não só jurídico-legal, mas principalmente político-social
através da titularização de direitos individuais e garan-
tias fundamentais, em perspectiva emancipatória.
A criança e o adolescente são sujeitos de direito
que se encontram na condição humana peculiar
de desenvolvimento (art. 6º do Estatuto), e, assim,
enquanto cidadãos se constituem nos elementos de
preo cupação central do ordenamento jurídico brasileiro,
motivo pelo qual lhes são reconhecidas específicas
garantias absolutamente prioritárias. É o que se encontra
expressa mente consignado tanto na Constituição da
República de 1988, quanto no Estatuto da Criança e do
Adolescente, quando, então, distinguiu-se esses novos
cidadãos pela garantia da absoluta prioridade para o
asseguramento (art. 227 da Constituição) e a efetivação
(art. 4º do Estatuto) de seus direitos individuais, de
cunho fundamental.
A subjetividade jurídica (NOLETO, 1998), é
iden tificada pela titularidade de direitos em pers-
pectiva emancipatória, vale dizer, “o da titularidade
emancipatória de direitos, em razão dos quais as
identidades individuais e coletivas se constituem
em luta pela ampliação dos espaços de liberdade,
na coexistência social”. A criança e o adolescente
reconhecidos constitucional e estatutariamente como
sujeitos de direito – vale dizer, como titulares de
subjetividade jurídica, política e social, em pers pec-
tiva emancipatória –, constituem o núcleo irredutível
de preocupação do novo subsistema jurídico-legal.
Esse novo subsistema jurídico-legal denominado de
direito da criança e do adolescente, por seu turno,
possui orientação teórico-pragmática que lhe permite
legitimar e justificar (argumentativa e discursivamente)
a intervenção estatal e social que se destina à proteção
integral da infância da juventude.
Essas orientações teórico-pragmáticas devem
ser desenvolvidas em torno do que se convencionou
denominar de “doutrina da proteção integral”, a qual
sintetiza os direitos humanos que são especificamente
destinados à criança e ao adolescente, conforme pode
se constatado pela própria elaboração legislativa do
art. 227, da Constituição da República de 1988.
A doutrina da proteção integral se compõe de
um sistema que possui “duas vertentes: uma positiva
e outra negativa” (SOUZA, 2001). A dimensão posi-
tiva da doutrina da proteção integral ensejaria o
reconhecimento de uma sistemática de concessões à
criança e ao adolescente, isto é, enquanto sujeitos de
direitos originários e fundamentais são merecedores
das medidas legais, políticas, sociais, econômicas dentre
outras para a “fruição de tais direitos (informação,
saúde, desenvolvimento, etc.)”.
A dimensão negativa daquela doutrina determinaria
“um sistema de restrições às ações e condutas” que
pudessem se constituir em ameaça ou violação dos
direitos individuais (humanos) e às garantias funda-
mentais afetos à infância e à juventude, inclusive,
utilizando-se de medidas legislativas necessárias para
tal desiderato (RAMIDOFF, 2008a).
A criança e o adolescente deixam de ser objetos de
tutela (objeto de algo) para se transformarem em sujeitos
de direito, isto é, em novas subjetividades jurídicas,
políticas e sociais. É precisamente esta qualidade de
sujeitos de direitos que lhes conferem a possibilidade
de referenciar seus próprios direitos e garantias espe-
ciais. A criança e o adolescente (subjetividades) passam
a constituir, a fazer de algo um objeto apreensível
138 |
(titularidade), através da referenciabilidade protetiva da
existência humana transcendental infanto-juvenil.
Daí ser possível afirmar com Luiz Bicca (1997),
que, “objetivar, ou seja constituir, fazer de algo um
objeto, é uma prerrogativa da subjetividade”. Mas, tal
subjetividade certamente não se confunde com eventuais
individualismos e, sim, com a transcendentalidade da
proteção integral à infância e à juventude, enquanto
fases da existência humana que configuram a cidadania
infanto-juvenil.
A objetivação jurídico-legal de direitos individuais e de
garantias fundamentais configura-se numa prerrogativa
da titularidade de direitos, isto é, numa expressão da
própria subjetividade infanto-juvenil. Com efeito, observa-
se que a “principal finalidade dos direitos fundamentais
é conferir aos indivíduos uma posição jurídica de direito
subjetivo”, de acordo com Dimoulis e Martins (2007),
e, “consequentemente, limitar a liberdade de atuação
dos órgãos do Estado”. Já as garantias fundamentais
corresponderiam “às disposi ções constitucionais que não
enunciam direitos, mas objetivam prevenir e/ou corrigir
uma violação de direitos”, conforme entendimento
daqueles dou trinadores.
3 Cidadania infanto-juvenil
A ideia do que se possa entender, hoje, por “cida-
dania infanto-juvenil”, vincula-se indissociavelmente à
noção de emancipação da pessoa humana. Neste sentido,
Schimdt (1993) tem observado que “falar, portanto, em
cidadania é reafirmar o direito pela plena realização
do indivíduo, do cidadão, e de sua emancipação nos
espaços definidos no interior da sociedade”. A noção de
emancipação, assim, vincula-se ao princípio fundamental
da dignidade da pessoa humana, então, enunciado
no inc. III, do art. 1º da Constituição da República de
1988, enquanto signo maior da redemocratização
das ações e relações sociais, senão, principalmente,
dentre aquelas estabelecidas com as instâncias estatais
(Poderes Públicos).
Paulo Sérgio Pinheiro (1993) já havia destacado
que a maioria da população brasileira é constituída por
pobres, indigentes e miseráveis que não tem os direitos
individuais assegurados efetivamente na prática; senão,
que, “os direitos individuais somente podem prevalecer
na medida direta em que forem reconhecidos como
direitos sociais para todos os grupos marginalizados,
mortificados e anulados na sociedade brasileira”.
A emancipação da pessoa deve representar,
então, a superação dos obstáculos jurídicos, políticos
e sociais, pois somente assim será possível assegurar
a efetivação dos direitos individuais e das garantias
fundamentais afetos à criança e ao adolescente. A
titularidade e o exercício da subjetividade jurídica,
política e social infanto-juvenil – assim como os pro-
cessos de subjetivação – deverão ser desenvolvidos
à luz das orientações humanitárias ideologicamente
consa gradas, na doutrina da proteção integral, senão,
através de ações emancipatórias que assegurem a
melhoria da qualidade de vida individual e coletiva
para a criança e o adolescente.
Não basta, pois, tão somente plasmar na Consti-
tuição da República de 1998 e ou mesmo no Estatuto da
Criança e do Adolescente direitos indivi duais e garantias
fundamentais, como, por exemplo, o relativo à não
responsabilização penal de crianças e adolescentes. É
preciso, pois, diversamente, adotar impeditivos jurídicos,
políticos e sociais para o enfren tamento de ameaças
e violências à cidadania infanto-juvenil, como, por
exemplo, representadas por aprova ções parlamentares
de propostas legislativas que se destinem a suprimir,
quando não, restringir o exercício de direitos e garantias
afetos à criança e ao adolescente.
O “grande aprendizado talvez tenha sido a cons-
tatação de que a vigência de um regime tenden-
cialmente democratizante não é condição automática
para o alastramento e consolidação desses direitos
sociais” (PINHEIRO, 1993)2.
2 Pois, para o autor uma coisa “é fazer a defesa de direitos individuais e sociais de pequeno grupo de oprimidos (politicamente) na ditadura; outra é promover a defesa desses direitos para a esmagadora maioria da população”.
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A superação dos obstáculos que se verificam no
quotidiano brasileiro, é a superação emancipatória
que se opera em relação às mais diversas formas
de ameaças e violências contra direitos, garantias,
senão, diretamente, sobre a própria transcendência da
cidadania infanto-juvenil.
A efetivação da cidadania infanto-juvenil corres-
ponde à expansão permanente do atendimento das
necessidades pessoais e sociais da criança e do adoles-
cente, com vistas à capacitação para a titularidade e o
exercício de direitos individuais e garantias funda-
mentais que lhes são pertinentes.
A capacidade humana para a superação do conjun-
to de necessidades que circunstanciam a existência das
pessoas, aqui, na área destinada à proteção da criança
e do adolescente, pode ser potencializada através
do apoio institucional a ser oferecido por programas
soci ais de atendimento desenvolvidos por ação governa-
men tais e não-governamentais.
A superação dessas necessidades passa a ser, na
sociedade moderna, uma demanda permanente pela
melhoria da qualidade de vida individual e coletiva;
e, nas áreas relacionadas à proteção da infância e da
juventude, apenas verificada com a efetivação dos
direitos individuais, senão, pelo asseguramento das
garantias fundamentais de que são titulares a criança
e o adolescente.
Cada uma das superações se constitui expressão
dos processos de emancipação subjetiva que são inter-
mi náveis, senão, aqui, cotidianamente, verificados
durante a infância e a juventude, enquanto fases da
exis tência humana.
É o que entende Miracy Barbosa de Sousa
Gustin (1999) por processo de emancipação humana
identificado, pois, por ser um “processo de construção
normativa que, através da expansão das relações
democráticas, realiza-se no constante desvendamento
de novas alienações e das variadas formas de exclusões
do mundo contemporâneo”.
Com isto, demonstra-se que as necessidades so-
ciais que as pessoas experimentam são estruturantes
para a qualquer ação humana, seja ela jurídica, política
ou social. A mutação que tais necessidades sofreram
comprova que o progresso humano não é linear, preci-
samente, quando “é entendido como o aumento da
capacidade humana de superar suas privações no
sentido de recuperação e ampliação de sua qualidade
de vida e de bem-estar e de emancipação individual e
coletiva” (GUSTIN, 1999).
A efetivação dos direitos individuais e das garan-
tias fundamentais afetos à infância e à juventude
asseguram o atendimento das necessidades através
da implementação das políticas públicas (programas
sociais), senão, pela intervenção jurídico-legal do Poder
Judiciário.
Portanto, tais direitos e garantias afetos à criança
e ao adolescente são indispensáveis para o “desenvol-
vimento pleno da autonomia” infanto-juvenil, conforme
relata Gustin (1999), ao demonstrar que “o princípio da
satisfação de necessidades (das políticas sociais ou da
esfera jurídica) deveria orientar-se não somente num
sentido restrito de satisfação de carências materiais,
mas de atribuírem aos cidadãos capacidades de se
auto-regerem e de participarem com autonomia crítica
da sociedade, tanto no que se refere à ação quanto à
capacidade argumentativa”.
Assim como a Constituição da República de 1988
continua constituindo (RAMIDOFF, 2003)3, o Estatuto
da Criança e do Adolescente permanece subjetivando
crianças e adolescentes como sujeitos de direito, através
do reconhecimento, o asseguramento e a efetivação dos
direitos e garantias fundamentais que lhes são afetos.
3 Isto é, “enquanto possibilidade de constitucionalidade, ou seja, de vínculos mais fortes de substancialidade, entendidos como tais à interpretação do texto constitucional segundo os valores da dignidade e do respeito pela pessoa humana, tornando, desta forma, coerente e compatível toda atividade estatal, precisamente quando assegura a correspondência entre a comunidade e a constituição”.
140 |
4 Emancipações subjetivas:
avanços e retrocessos
Em perspectiva, permanecem as proposições afir-
mativas que têm por objetivo a superação de toda sorte
de obstáculos, ameaças e violências aos direitos e garan-
tias destinadas à criança e ao adolescente, enquanto
sujeitos de direito que se encontram na condição huma-
na peculiar de desenvolvimento.
As orientações políticas e jurídicas oriundas dos
fundamentos e princípios derivados da doutrina da
proteção integral deverão constituir, por assim dizer, o
conteúdo significativo de uma “lógica político-jurídica”
protetiva que se destine a preservar os valores humanos
optados democraticamente como fundamentais para
crianças e adolescente – art. 227 da Constituição da
República de 1988.
Em que pese entendimentos contrários ao reco-
nhecimento do ordenamento jurídico como um “corpo
lógico de ideias (norma jurídicas, súmulas juris pru-
denciais, interpretações doutrinárias), porque a relação
existente entre elas é incompatível com os princípios
do pensamento lógico (identidade, não-contradição e
terceiro excluído)” (COELHO, 1992)4. Eis, pois, impor-
tante limitador dos determinismos e dos fatalismos
sociais. Esses determinismos e fatalismos são, por vezes,
expressos através de “juízos de realidade” dissociados
da “aplicação criteriosa de juízos de valor” (MELO,
1998), em prol dos direitos e da proteção da criança e
do adolescente.
A emancipação jurídica, política e social dessas
novas subjetividades deve ser permanente, pois somente
assim a proteção integral poderá proporcionar à criança
e ao adolescente titularidade e exercício de novos direitos
4 Mas, “o sistema jurídico não é um agrupamento totalmente desordenado de ideias estranhas entre si; ele possui certa unidade. Essa unidade é retórica. Ou seja, se as pessoas certas da comunidade jurídica [...] se convencerem da pertinência de certa idéia relativa ao direito, então essa idéia passa a integrar o sistema jurídico”.
que são relativos, por exemplo, ao planejamento familiar;
à inclu são digital; à sustentabilidade econômico-ambiental;
à responsabilidade empresarial social; à formulação e
à execução programas empresariais de aten dimento; à
destinação orçamentária aos fundos para a infância e
juventude (FIA) conjugada ao Plano Plurianual (PPA).
Com tais avanços práticos é possível reduzir as
desigualdades sociais, de gêneros, econômico-finan-
ceiras, políticas, raciais, dentre outras; e, assim, assegurar
o pleno exercício dos direitos individuais e das garantias
fundamentais que integram a cidadania infanto-juvenil.
Pois, somente assim será possível estabelecer critérios
objetivos para a formulação de recomendações aos
organismos governamentais e não-governamentais, bem
como oferecer contribuições técnicas para resoluções
cada vez mais adequadas e culturalmente aceitas,
através da conversão político-social (ideologicamente)
em prol da infância e da juventude.
O convencimento projetado pelo reconhecimento
e a assunção de novos valores (humanitários), por
certo, requer mutação ideológica, a qual se constrói
estrutural e funcionalmente pela análise reflexiva de
um dado conhecimento que passa, assim, a considerar
criticamente os objetos estudados e as questões funda-
mentais que vão se apresentando ao longo da revisitação
investigativa.
Não se pode desprezar que sazonalmente existem
indícios de retrocessos, como, por exemplo, a recente
aprovação pela Comissão de Constituição, Justiça e
Cidadania do Senado Federal de proposição legislativa
que discute a redução da idade de maioridade penal –
inimputabilidade penal, então, reconhecida como
direito individual, de cunho fundamental, nos termos
do art. 228, combinado com o art. 60, § 4º, inc. IV,
ambos da Constituição da República de 1988.
Não fosse apenas isto, recentemente, deparou-
se com o denominado “toque de recolher” através do
qual administrativamente o órgão julgador estabeleceu
por “portaria judicial”, de forma genérica, um determi-
nado horário limite para a circulação de crianças e
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adolescentes nas vias públicas. As “Leis de Regência”
são firmes em assegurar à criança e ao adolescente o
direito individual, de cunho fundamental, de ir, vir e
permanecer; bem como em determinar a adoção de
medidas legais para a prevenção de ocorrências que
ameacem ou violentem aqueles sujeitos de direito.
Em que pese as mais diversas motivações para
adoção desta “bondade dos bons” (RAMIDOFF, 2008b),
inclusive, sob o argumento de que seriam salvaguardados
os direitos fundamentais afetos à criança e ao ado-
les cente, certamente, não se constitui no meio e, sequer,
na proteção adequada para aqueles sujeitos de direito,
consoante dispõe o art. 149 do Estatuto.
É o que já se experimentou no México através
de decisões judiciais que se constituem em critérios
jurídico-legais para elaboração de recomendações
para o asseguramento dos direitos humanos afetos à
criança e ao adolescente. Tais decisões declararem a
inconstitucionalidade de tais medidas, uma vez que a
aplicação de um horário restringido para a circulação de
crianças e adolescentes viola o direito de liberdade de ir,
vir e permanecer, isto é, de “trânsito” daqueles sujeitos
de direito. Senão, como afirmam Graciela Sandoval
Vargas e Edgar Corzo: “en agravio de los menores de
edad, advirtiéndose un trato discriminatorio a ese sector
de la poblácion” (VARGAS; SOSA, 2006)5.
Os avanços civilizatórios e humanitários devem
servir como orientações ideológicas que impeçam tais
retrocessos, e, isto, pode ser muito bem assegurado
através da formulação de políticas públicas destinadas à
criança e ao adolescente, que, contemplem programas
sociais, em prol da infância e da juventude.
Afigura-se, pois, imprescindível o desenvolvimento
doutrinário e pragmático de uma “teoria jurídica
5 Posto que “no constituye el médio legal e idóneo para disminuir o erradicar el vandalismo o la delincuencia juvenil en la localidad y, al contrario, la propia autoridad municipal actúa de manera arbitraria [...] la aplicación de sanciones que no se encuentran contempladas en ningún ordenamiento que emane de una autoridad competente para tal efecto, violando con ello los derechos a la legalidad y a la seguridad jurídica”.
da proteção integral” (RAMIDOFF, 2008a), quando
não, o estabelecimento do direito da criança e do
adolescente, como disciplina obrigatória nos cursos de
graduação e de pós-graduação relativas às áreas do
conhecimento que se destinam ao estudo, pesquisa e
extensão protetiva da infância e da juventude; como,
por exemplo, direito, medicina, psicologia, pedagogia,
serviço social, dentre outros.
Assim será possível distinguir a ideia de direito
como ordenamento jurídico, senão, como um dos seus
subsistemas ou mesmo como disciplina jurídica curricular
(conhecimento/saber) que deve conter dimensões
semânticas acerca do objeto (infância e juventude,
enquanto condição peculiar de desenvolvimento da
personalidade humana); dos objetivos (proteção inte-
gral enquanto cuidado especial dos direitos indi viduais,
difusos e coletivos afetos à criança e ao adolescente
para emancipação da personalidade hu mana); dos fun-
damentos (direitos humanos e direitos fundamentais); da
metodologia (estratégias de viés inter e transdiscipli nar);
dos princípios (dignidade da pessoa humana e doutrina
da proteção integral); e dos sujeitos de direito (criança e
adolescente – subjetividades) (RAMIDOFF, 2008a).
Considerações finais
O Estatuto da Criança e do Adolescente nesses
19 (dezenove) anos de vigência, e, assim, de eficácia
e validade formal e material tem proporcionado
às pessoas que se encontram na condição humana
peculiar de desenvolvimento, isto é, na infância ou
na juventude, à subjetivação necessária para o reco-
nhecimento (titu laridade) e o exercício de direitos e
garantias (subje tividade jurídica).
A subjetivação é o processo pelo qual são reco-
nhecidos direitos individuais e garantias funda mentais
às pessoas.
E, aqui, na área jurídico-legal destinada à proteção
da infância e da juventude, tal reconhecimento atribui
142 |
titularidade daqueles direitos e garantias, às pessoas
que se encontram na condição humana peculiar de
desenvolvimento, ou seja, às crianças e adolescentes.
Assim, crianças e adolescentes passam a ter reconhecida
a qualidade de sujeitos de direito, pelo ordenamento
jurídico brasileiro, o qual “atribui a faculdade de
adquirir e exercer direitos” (DIMOULIS, 2007).
A criança e o adolescente são sujeitos de direito
porque não só são tidos como titulares de direitos,
mas, também, porque são reconhecidos como tais
(protagonistas) por todo ordenamento jurídico brasileiro
através de garantias diferenciadas e especiais, como, por
exemplo, a proteção integral e a absoluta prioridade,
dentre outros asseguramentos distintivos.
A criança e o adolescente são novas subjetividades
reconhecidas pelos avanços e conquistas jurídico-legais
e sociopolíticos, o que, por certo, possibilitou não só o
exercício de seus direitos individuais, mas, também, o
asseguramento de suas garantias fundamentais.
A cidadania infanto-juvenil, assim, deve ser proje-
tada através da compatibilidade entre os processos
de subjetivação – reconhecimento, asseguramento
e efetivação – e do exercício pleno da subjetividade
jurídica, política e social pertinente à criança e ao ado-
lescente. Por isso mesmo, um dos mais significativos
conteúdos que se possa atribuir à ideia dessa nova
“cidadania infanto-juvenil” é precisamente a noção de
emancipação da pessoa humana.
Porém, nesses 19 (dezenove) anos da vigência do
Estatuto da Criança e do Adolescente apesar de se veri-
fi car significativos avanços práticos para a conso lidação
da cidadania infanto-juvenil, também foi possí vel cons-
tatar retrocessos contundentes à subje tividade jurídica,
política e social inerente à infância e à juventude.
Mas, é possível dizer que a criança e o adolescente
desde o advento da Constituição da República de 1988,
quando não, pelas proposições afirmativas do Estatuto
da Criança e do Adolescente, nos últimos 19 (dezenove)
anos, tiveram ampliado o âmbito jurídico, político e
social da cidadania infanto-juvenil.
Por tudo isso, continua ser plausível tanto jurídico,
quanto político e socialmente afirmar que as “Leis
de Regência” constituem e subjetivam a infância e a
juventude, no Brasil, através da destinação de proteção
integral, aquelas pessoas que se encontram na condição
humana peculiar de desenvolvimento, quais sejam:
crianças e adolescentes.
Isto é, tanto a Constituição da República de
1988, quanto o Estatuto da Criança e do Adolescente,
permanecem respectivamente a constituir através do
reconhecimento e a titularização de direitos e garantias
afetos à infância e à juventude, bem como através
dos processos de subjetivação desses novos sujeitos
de direito que os capacita em potencialidades para o
exercício responsável da cidadania infanto-juvenil.
•Recebido em: 22/07/2009 •Aprovado em: 20/10/2009
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.133-143, jul./dez. 2009 | 143
Revista da FAE
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Revista da FAE
Indicadores para avaliar a responsabilidade social nas instituições de ensino superior
Indicators to assess social responsibilities in colleges
Resumo
O artigo apresenta uma síntese do conceito de Responsabilidade Social
(RS) passando do entendimento empresarial ao âmbito universitário.
Também sugere a necessidade de se utilizar indicadores para avaliar a
RS nas Instituições de Ensino Superior (IES), dentre os quais se destaca a
nova ISO 26000.
Palavras-chave: responsabilidade social; gestão; sustentabilidade; indicadores.
Abstract
This article aims at presenting a synthesis of the Social Responsibility
(RS, Portuguese acronym) concept, from the business to the college perspective.
It also suggests the necessity of utilizing indicators to assess the RS in Colleges
(IES, Portuguese acronym), among which the new ISO 26000 is highlighted.
Keywords: social responsibility; management; sunstainability; indicators.
Gilmar José Hellmann*
* Graduado em Filosofia e Administração. Professor no Ensino Fundamental e Superior. E-mail: [email protected]
146 |
Introdução
O Brasil tem apresentado mudanças significativas
na vida política e econômica do cidadão. Percebe-se
isto na formação da consciência cidadã que movimenta
o meio acadêmico e empresarial entorno do tema:
Responsabilidade Social (RS). Com a expansão do setor
educacional, ampliou-se o interesse por pesquisas e
estudos referentes à RS no meio acadêmico. Além
de estudar o tema, a Instituição de Ensino Superior
(IES) tornou-se um espaço social privilegiado para
aplicação, manutenção e avaliação das ações de RS
no campo educacional. Várias organizações sugerem
indicadores e metodologias para avaliar um processo
de ações socialmente responsáveis. Neste artigo,
apresento alguns conceitos de RS e se propõem
alguns indicadores sociais que contemplem diversas
facetas da RS e diferentes grupos de interesse da
IES: gestores, colaboradores, alunos, stakeholders,
comunidade e governo.
Neste artigo, privilegiou-se a metodologia ex plo ra-
tória, obtendo informações consistentes sobre o tema
proposto, respeitando um planejamento flexível na
for mulação de problemas e hipóteses. O processo de
construção do trabalho envolveu a identificação
da biblio grafia, delimitação do assunto, definição
de objetivos, formulação do problema de pesquisa
e sugestão de possíveis pistas de resolução. Consi-
deran do a diversidade de fontes, priorizou-se a busca
de refe rências no meio acadêmico e nos bancos de
dados das IES.
1 Fundamentos da responsabilidade
social
A RS está fundamentada na conquista dos direi-
tos humanos: direitos básicos à vida, à segurança, à
liberdade e à igualdade. Esta conquista foi concebida
como um ideal comum a ser atingido por muitos povos
e nações. Formulou-se um padrão para mensurar o grau
de respeito e cumprimento de normas internacionais de
direitos humanos. Neste sentido, a RS é uma conquista
coletiva, que segundo Melo Neto e Froes (2001, p.97)
“busca estimular o desenvolvimento do cidadão e
fomentar a cidadania individual e coletiva”. Por isso se
diz que a RS é um movimento de interesse global, mas
de atuação local. Tais são as aspirações e preocupações
humanas nas agendas internacionais, como o Pacto
Global e a Declaração e Metas do Milênio. Antes do
fortalecimento do Terceiro Setor e dos movimentos
sociais em diferentes culturas, instituições tradicionais
como a Igreja Católica já orientavam os seus seguidores
para a compreensão do pensamento com ênfase
social; como ocorreu com a Doutrina Social da Igreja
Católica1. Desta forma a instituição oferecia indicativos
para dirigentes e fiéis avaliarem a ética pessoal e o
comportamento social.
Num processo de globalização, temas como des-
truição do meio ambiente, explosão populacional,
narcotráfico, proliferação de doenças, instabilidade
dos mercados financeiros e aumento da pobreza
e desemprego, tornaram-se pauta de discussão de
governos e da sociedade civil. As Organizações Não
Gover namentais (ONGs), Organização da Sociedade Civil
de Interesse Público (OSCIPs) e entidades filantrópicas
e sem fins lucrativos, abriram espaço ao cidadão, que
passou a desempenhar um papel decisivo na definição
de comportamentos e parcerias entre empresas e
governo, sociedade civil e estado.
Segundo Pacheco e Mendonça (2006) Emile Durkheim
considera a sociedade como um sistema coercitivo e a
educação numa visão funcionalista, podemos dizer que
a interligação entre diversos sistemas de comunicação,
pesquisa, gestão e administração financeira torna as
1 Citam-se as Encíclicas Rerum Novarum (1981) do papa Leão XIII; a Laborem Exercens (1981), Sollicitudo Rei Socialis (1987), Centesimus Annus (1991) e o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, do papa João Paulo II.
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.145-156, jul./dez. 2009 | 147
Revista da FAE
instituições sociais co-responsáveis pelos benefícios
e malefícios das ações públicas e privadas. No setor
público, cita-se o caso da Lei de Responsabilidade Fiscal
que exigiu mais rigorosidade da administração nas
finanças públicas. Na iniciativa privada, o marketing
social vem se tornando um meio de socialização que
dá maior visibilidade às ações sociais. Segundo Araújo
(2001), o marketing social pode ser entendido como
estratégia de mudança comportamental e atitudinal, a
ser utilizado em qualquer tipo de organização (pública,
privada, lucrativa ou sem fins lucrativos), desde que
esta tenha uma meta final de produção e de trans-
formação dos impactos sociais. Contudo, este meio
pode ser restritivo se enfatizar mais os resultados mer-
cadológicos que a contribuição social. A necessidade
de se avaliar um processo de RS nas empresas e nas
instituições educacionais tornou mais transparente e
compreensível o tema, seja para o público interno da
empresa, como para a comunidade onde as instituições
estão inseridas.
Para Tarapanoff (2006), a Carta de Princípios do
Dirigente Cristão de Empresas, de 1965, marca o início
da utilização da expressão “RS” no meio empresarial
brasileiro. Contudo, as primeiras manifestações sobre
este tema, envolvendo empresários, comunidade, polí-
ticos e meios de comunicações, somente ganharam
ênfase a partir da década de 1990. Iniciativas como
a campanha do Ibase (Instituto Brasileiro de Análises
Sociais e Econômicas), com o apoio da Gazeta Mer-
cantil, convocou os empresários a um engajamento
social, incentivando a elaboração e publicação do
Balanço Social no Brasil. Outra iniciativa foi a da fun-
dação do Instituto ETHOS, que vem elaborando
material para ajudar as empresas a compreenderem
e incorporarem o conceito da RS no cotidiano de sua
gestão (PASSADOR, 2002). A Conferência Eco 92, no
Rio de Janeiro, foi um marco social que contribuiu na
reflexão sobre a responsabilidade de ações sociais em
relação à comunidade, ao meio ambiente e ao corpo
de funcionários de diferentes instituições sociais. Para
o Instituto Nacional de Normalizacíon do Chile, este
evento colaborou com a elaboração da ISO 26000 de
Responsabilidade Social.
2 Contexto conceitual da
responsabilidade social
Segundo Roman (2004), a RS tem seus funda-
mentos no pensamento econômico de que o governo
não necessita interferir na economia; princípio este,
defendido por Adam Smith, na obra A Riqueza das
Nações, e por Hayek, na obra O Caminho da Servidão.
Contudo, com o crescimento da economia após a
Segunda Guerra Mundial, as teorias econômicas
de Keynes suplantaram aqueles fundamentos, pro-
pondo a intervenção estatal na vida econômica,
bem ao con trário do que pregava a ideologia liberal.
Neste contexto, a RS foi assumida pelo Estado. No
prosseguimento históri co, houve mudanças no
cená rio político e econômico internacional, como
ocorreu simbolicamente na “Queda do Muro de
Berlim” (MESQUITA, 2003). Em 1989, o “Consenso de
Washington” propôs um programa de reformas que
incluía desregulamentação dos mercados, abertura
comercial, flexibilização das leis trabalhistas, rigoroso
ajuste fiscal e privatizações, reduzindo a atuação
do Estado e sua interferência na economia. Vários
governos nacionais e instâncias representativas da
sociedade desobrigaram-se da RS por falta de condi-
ções políticas, financeiras e técnicas, reafirmando a
pregação neoliberal e a incompetência estatal.
Para Ferés (2006), a RS deve ser compreendida
na ótica do neoliberalismo; num processo de inter-
nacionalização da economia e numa política que trouxe
transformações complexas, favorecendo a exclusão
social. Os avanços científicos e tecnológicos do mundo
globalizado favoreceram a acumulação do capital, a
maior desde o século XVIII, contudo não acabaram com
as desigualdades e misérias humanas. Compreende-se,
148 |
desta forma, que a RS faz parte da articulação das
forças econômicas que buscam amenizar os flagelos
que o neoliberalismo criou, oferecendo certo alívio para
a consciência empresarial. De acordo com Frey (2005),
a RS das empresas é a resposta aos questionamentos e
crí ticas no campo social, ético e econômico, por adotarem
uma política baseada na economia de mercado.
Com o esvaziamento da capacidade do Estado
para cumprir funções sociais, que lhe cabiam histo-
ricamente, surgiu um vácuo social que deveria ser
preenchido por alguém. Presencia-se uma nova
racionalidade social. Segundo Busatto (2001, p.101),
“há uma onda histórica que traz em seu bojo uma
profunda crítica à atual configuração da nossa
sociedade”. A nova concepção social reafirma a
cons ciência cidadã, que não admite mais conviver
numa sociedade desigual, injusta e desumana.
Para Guaragna (2005 apud FREY, 2005), a RS é
um movimento interno, que nasce do interior do
ser humano, e não apenas como uma jogada de
marketing ou modismo. Neste entendimento, muitas
instituições sociais superam o foco da eficácia e
buscam o desenvolvimento social sustentável de
longo prazo.
3 A responsabilidade social
sustentável
O movimento de RS trouxe novos termos e
conceitos para o ambiente empresarial e institucional,
dentre os quais destacamos: empresa cidadã e sus-
tentabilidade. A RS significa interagir com diversos
públicos, respeitando o meio ambiente, o ambiente
de trabalho, o ambiente social, a qualidade de vida,
o ambiente urbano, a qualidade dos bens e serviços,
enfim, é o que também pode ser denominado de
cidadania empresarial.
O conceito de “empresa-cidadã”, segundo Melo
Neto e Froes (2001), surgiu em decorrência do movi mento
de consciência social internalizado por diversas empresas.
Este movimento se compromete com a pro moção da
cidadania e o desenvolvimento da comu nidade, investindo
em experiências e projetos nas áreas sociais, voltados à
melhoria da dignidade humana. Segundo Frey (2005), é
um exercício de ações sociais de longo prazo, envolvendo
os públicos interno e externo da empresa, resultando
em uma nova postura empresarial e um processo de
conscientização sobre a sustentabilidade dos negócios.
Compreende-se a “sustentabilidade como o desen-
vol vimento que satisfaz as necessidades presentes,
sem comprometer a capacidade das gerações futuras
de suprir suas próprias necessidades” (KINLAW, 1997,
p.82). Este conceito nos remete a RS das pessoas e
das instituições em favor da sociedade, objetivando o
bem estar social da comunidade. De acordo com Kotler
e Armstrong (1998), é cada vez maior a exigência de
que as empresas se responsabilizem pelo impacto social
e ambiental. Esta visão exige uma nova postura das
instituições, na qual “o comportamento socialmente
res ponsável termina por ser mais sustentável em longo
prazo do que o comportamento meramente opor-
tunista” (ALVES, 2001, p.81). O desempenho sus ten tável
é um processo que exige a adoção de um conjunto de
princípios e envolve todos os que se relacionam com
a sus tentabilidade. Relacionamos alguns princípios
cita dos por Kinlaw (1997, p.11), que sugere a susten-
tabili dade como um processo de:
• ��á���������g��çã�������������������;
• �����������ê�c���c���g�c���x�gê�c��q���������processos, bens e serviços sejam compatíveis com os ecossistemas;
• �������çã������c���������������������������cíficos e mensuráveis;
• c������çã����������c������á���;
• �������� ���� � c�����c�çã� c������� �� �����os aspectos de seu desempenho ambiental real e planejado a todas as partes nelas interessadas;
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.145-156, jul./dez. 2009 | 149
Revista da FAE
• ���h����c���í�������������h�������������pleno envolvimento de cada um dos membros de sua força de trabalho;
• f���������çã�������������f����çõ��c��c�����obtidas das auditorias, medições e relatórios do desempenho ambiental da empresa;
• ��c����g����x�gê�c��q�����������������������parcerias com governos, outras empresa, entidades educacionais, grupos de pesquisa e desenvolvimento, fornecedores e clientes, de modo a descobrir e im-ple mentar formas de melhorar o desempenho sus-tentável;
• ������������ �� ������� ������� � �x�gê�c�� q��todos os seus sistemas de planejamento, de processo decisório e de recursos humanos estejam em plena harmonia para com o desempenho sustentável.
Em síntese, a sustentabilidade numa institui ção
socialmente responsável possui quatro caracterís-
ticas: é plural (colaboradores, stakeholders, governo,
meio-ambiente e comunidade), é distributiva (negó-
cios, cadeia produtiva, fornecedores e consu midores),
é sus tentável (recursos e impactos socioam bientais),
e é transparente (divulgação de relatórios). Para
Ashley e Queiroz (2005), a RS é um compromisso
da organização com a sociedade, expresso por
meio de atos e atitudes que afetem positivamente a
comunidade e age pró-ativamente e coerentemente
no seu papel social e na prestação de contas com a
sociedade.
4 A IES num contexto social
de mercado
De acordo com Rodrigues, Ribeiro e Silva (2006),
a Conferência Mundial Sobre a Educação Superior no
Século XXI, realizada em 1998, sob o ponto de vista do
gerenciamento, compreendeu a IES como um sistema
global, composto internamente por subsistemas envol-
vendo interações complexas com o mundo exterior,
conforme pode ser visualizado na figura 1.
FIGURA 01 - IES NO AMBIENTE SOCIAL
MACRO AMBIENTE
MESO AMBIENTE
MICRO AMBIENTE
EDUCAÇÃO BÁSICA
MERCADO DE TRABALHO
Fluxo em uma Instituição de Ensino Superior
Admissão - Estrutura - Cultura - Validação
GESTÃO
RECURSOS
FONTE: Adaptado de Rodrigues, Ribeiro e Silva (2006)
No microambiente, a IES exerce influência
sobre todo o fluxo. Em seguida, ela interage com o
meso-ambiente (local e nacional), o qual impõe
certas exigências sobre a instituição de ensino (como
regulamentos) e provê a ela certos recursos (proporções
de seus fundos). Inserida no macroambiente, a IES
age como um veículo para determinados fenômenos
geopolíticos que exercem pressão sobre a mesma. A
IES não é algo neutro. Percebe-se que dois sistemas
governam os processos de transformação na IES: o de
admissão de alunos, que constitue a matéria-prima
das IES, e o de validação, que especifica as caracterís-
ticas que esta matéria-prima deve possuir quando deixar
a instituição.
Neste sistema social, Calderón (2005) ressalta
que a IES brasileira vem passando por profundas
mudanças a partir da institucionalização do mercado
universitário. Desde a década de 1990, as IES foram se
identificando com o mercado capitalista: aprenderam
a conviver com a competição mercadológica, incorpo-
raram, perderam a filantropia e estruturaram seu
sustento através da cobrança de mensalidades para
financiamento das atividades; surgiram grandes
empresas educacionais tirando as máscaras sociais e
deixando evidente a finalidade mercantil, entre outras
características. A homogeneização das IES privadas
150 |
na categoria de empresas educacionais, indepen-
dentemente da finalidade ou não de lucros, exigiu
mais respostas do ensino superior quanto a sua
participação na Responsabilidade Social. Neste con-
texto, a IES necessitou profissionalizar o sistema de
gestão, expressando de alguma forma a missão, o
processo e o resultado que espera ao cumprir com seu
papel social.
5 A gestão da responsabilidade
social da IES
A RS, segundo Borger (2001), deve ser vista
como parte da cultura, da visão e dos valores da
empresa, requerendo a filosofia e a missão como
compromissos articulados. Neste sentido, Schmidt
e Silva (2005) ressalta a importância da missão nas
organizações e principalmente nas IES, uma vez que
é por meio dela que se pode identificar o conjunto
de atividades utilizadas por uma organização como
balizadoras e orientadoras de seu progresso dentro da
comunidade em que se insere. Para Calderón (2005),
a busca de soluções para os problemas sociais não é
um compromisso que a universidade pode cumprir ou
deixar de cumprir. Trata-se de uma obrigação social
que, se ela não cumprir, torna-se uma instituição
socialmente irresponsável. Para Sordi (2005), mesmo
que a educação superior no Brasil esteja concentrada
nas mãos da iniciativa privada, não se deve confundi-
la com uma mercadoria e tratá-la apenas sob a ótica
e a ética da empresa. O objetivo de maximização de
lucros não deveria ser o primordial, mas a eficácia em
que a missão e o plano estratégico são executados.
Por isso, Rösler e Ortigara (2005) reflete que no ensino
superior os fins pedagógicos hão de prevalecer sobre
o interesse no lucro do empreendimento. Noutras
palavras, o projeto pedagógico de um curso não pode
ser concebido em função das vantagens econômicas
do empreendimento, mas ter em vista a qualidade do
ensino que se vai oferecer.
O Estado procura cumprir seu papel com a RS por
meio de seu poder legislativo. A Constituição Federal
de 1988, no artigo 205, diz que educação é direito de
todos e dever do Estado e da família; é promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando
ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação para
o trabalho. Para Durham (2005), se a função básica
da IES, pública ou privada, é promover educação
como função social, todas elas trazem em seu
cerne, em sua razão de existir, o compromisso com
uma determinada RS. Também para Macedo (2005),
a RS da IES de qualquer natureza não pode ser
entendida como instrumento que permita ao Estado
omitir-se no desempenho de funções que lhe são
inerentes, ou ser interpretada como pretexto para
dela fazer um substituto do Estado ou uma agência
de implementação de políticas governamentais.
Como ponderou o Ministro Eros Grau, “o ensino
universitário, qual o básico, não se o pode tomar
como objeto de mercancia. O Estado é responsável
pela sua prestação à sociedade. Ele, não o mercado,
deve orientar essa provisão”.
Em 1994, a RS no ensino superior do Brasil ganha
novos contornos e grande relevância com a opera-
cionalização do Sistema Nacional de Avalia ção da
Educação Superior (Sinaes). Segundo Rösler e Ortigara
(2005), o objetivo central é promover a realização
autônoma do projeto institucional, de modo a garantir
a qualidade no ensino, na pesquisa, na extensão, de
acordo com as defini ções normativas de cada insti-
tuição e as ações de cada estabelecimento de ensino.
No processo de avaliação, o Sinaes solicita três docu-
men tos: Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI),
Projeto Pedagógico Institucional (PPI) e o Projeto
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.145-156, jul./dez. 2009 | 151
Revista da FAE
Pedagógico dos Cursos (PDC). Conforme o site do
Inepe, para o Governo Federal o PDI consiste num
documento em que se definem a missão da institui-
ção de ensino superior e as estratégias para atingir
suas metas e objetivos. Abrangendo um período de
cinco anos, deverá contemplar o cronograma e a
metodologia de implementação dos objetivos, metas
e ações do Plano da IES, observando a coerên cia e
a articulação entre as diversas ações, a manutenção
de padrões de qualidade e, quando pertinente,
o orçamento. Deverá apresentar, ainda, um quadro-
resumo contendo a relação dos principais indica-
dores de desempenho, que possibilite comparar,
para cada um, a situação atual e futura (após a
vigência do PDI).
O PDI também é o documento que identifica
a filosofia de trabalho, a missão, as diretrizes pe-
da gógicas que orientam as ações, a estrutura orga-
nizacional e as atividades acadêmicas que a IES pre-
tende desenvolver. Este documento tem validade de
cinco anos, sendo necessária sua revisão e atualiza-
ção. O PDI não é apenas um documento burocrático a
ser apresentado ao MEC, mas uma ação que da ên fase
especial à autoavaliação das IES.
O Sinaes é também um importante passo na
direção de formar para a RS, porque possui um
forte potencial formativo e reflexivo, induzindo a IES
ao aprendizado de outra cultura de avaliação e de
currículo. Segundo Rösler e Ortigara (2005), o Sinaes
prevê a avaliação interna e externa da instituição,
em nível de declaração, normas, organização e de
resultados. As dimensões desta avaliação abrangem a
missão, a política e a responsabilidade social da IES. O
Sinaes avalia a RS no que se refere à inclusão social,
ao desen volvimento econômico e social, à defesa do
meio-ambiente, da memória cultural, da produção
artística e do patrimônio cultural. Para Rodrigues,
Ribeiro e Silva (2006, p.113), o Sinaes tem sido o
“norteador de todos os instrumentos de avaliação
pública e privada; é considerado o principal regulador
em ter mos de verificação da qualidade em suas
múltiplas dimensões”. Também é um instrumento de
prestação de contas à sociedade, para cada um dos
usuários e para as próprias IES.
6 Indicadores para avaliação
de RS na IES
Para Ferés (2006), a avaliação é, sem nenhuma
dúvida, um processo vital para a universidade brasi-
leira. Faz parte de sua essência e é, ao mesmo tempo,
uma demonstração efetiva de responsabilidade social
Rodrigues, Ribeiro e Silva (2006) reflete que é necessá-
rio que existam indicadores que auxiliem no processo
de avaliação, considerando aspectos qualitativos e
quantitativos. Os indicadores devem ser simples e
com pactos, de modo a permitir rápida análise, desdo-
bramento, detalhamento e acompanhamento de todas
as perspectivas.
O indicador é um índice de monitoramento de
algo que pode ser mensurável, normalmente ligado
com a gestão da empresa. No caso da RS na IES, há
necessidade de um sistema amplo de indicadores que
gerencie de forma estratégica a avaliação de suas ações
sociais. No setor privado, a certificação social tem se
constituído a prática mais usual de se avaliar a RS.
Contudo, além da certificação existem organizações de
vários tipos, envolvidas com implementação, orientação,
mensuração, avaliação, auditoria e com relatórios que
podem corroborar para a visão mais ampla da RS. No
quadro a seguir, apresentam-se algumas organizações
de nível internacional, nacional e regional que dispõem
de indicadores e de ferramentas para avaliar aspectos
distintos da RS.
152 |
QUADRO 01 - INDICADORES DE RESPONSABILIDADE SOCIAL (continua)
ENTIDADE REFERENCIAL INÍCIO PERTINÊNCIA ALVO LOCALIZAÇÃO LOGO MARCA
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase)
Balanço Social
1981
Projetos alternativos de RS
ética nas organizações.
Reflete sobre democra-cia, igualdade, liberdade, participação cidadã, diversidade e solidariedade.
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Balanced Scorecard Institute
Balanced Scorecard (BSC)
1990
Planejamento estratégico e sistema de gestão: ali-nhar atividades empresa-riais à visão e à estratégia da organização, melhorar comunicações internas e externas, monitorar o desempenho.
Público
Privado
Ongs
Internacional
BSC - Corporate Headquarters 975 Walnut. St., Suite 360 Cary, NC 27511 (919) 460-8180 Fax (919) 460-0867
Institute of Social and Ethical Accountability
Padronização AA1000
1996
Criadores da padroniza-ção contábil.
Visa à qualidade social e ética da contabilidade das empresas.
Público
Privado
Internacional
Accountability
Regional offices - Sao Paulo Tel: +55 11 8267 3637
http://www.accountabili-ty21.net/
Council on Eco-nomic Priorities Accreditation Agency
Padronização
SA 80001997
Norma internacional so-bre relações trabalhistas: verificar ações antisso-ciais ao longo da cadeia produtiva, trabalho infantil, trabalho escravo ou discriminação.
Privado
Internacional
Council on economicPRIORITIES 30 Irving Place New York, NY 10003 [email protected] Phone: (212) 420-1133
International Organization for Standarti-zation (ISO)
Padronização
ISO 14000
1993 a
2006
Certificação de respon-sabilidade ambiental: legislação, diagnóstico, padronização, planos e qualificação de pessoal.
Público
Privado
Nacional
Internacional
InternationalOrganizationFor Standardization (ISO) 1, ch. de la Voie-Creuse, Case postale 56 CH-1211 Geneva 20, Switzerland
41 22 749 01 11 - 41 22 733 34 30
http://www.iso.org/iso/home.htm
Padronização
ISO 9000
1994 a
2005
Certificação para padrões de Qualidade para projeto, desen-volvimento, produção, montagem e prestadores de serviço.
Público
Privado
Nacional
Internacional
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.145-156, jul./dez. 2009 | 153
Revista da FAE
QUADRO 01 - INDICADORES DE RESPONSABILIDADE SOCIAL (conclusão)
ENTIDADE REFERENCIAL INÍCIO PERTINÊNCIA ALVO LOCALIZAÇÃO LOGO MARCA
Ceres
Diretrizes para Relatório de Sustentabili-dade (GRI)
1997
Relatórios de susten-tabilidade aplicáveis a leis, normas, códigos, padrões de desempenho e voluntariado.
Público
Privado
ONGs
OCIPs
Internacional
Global Reporting Initiative Metropool Building, 5th Floor Weesperstraat 95, 1018 VN Amsterdam The Netherlands - 31 (0)20 531 00 00http://www.globalreporting.org
Instituto Ethos de Empresas e de Responsa-bilidade Social
Indicadores de Respon-sabilidade Social para Médias e Grandes Empresas
1998
Diagnóstico de autoa-valiação: transparência e governança; público interno; meio ambiente; fornecedores; consu-midores; comunidade; governo e sociedade.
Médias e Grandes
Empresas
ONGs
Setor Público
Nacional
Instituto Ethos
Rua Dr. Fernandes Coelho, 85, 10º andar, Pinheiros, 05423-040,
São Paulo, SP, Brasil
(11) 3514-9910
Organização das Nações Unidas (ONU)
United Nations Global Compact
2000
Pacto Global das Nações Unidas para alinhar estratégias que tratem sobre direitos humanos, trabalho, meio ambiente e anti-corrupção.
Público
Privado
Voluntariado
Internacional
Secretary-General of the United Nations
New York, NY 1001
Fax: 1(212) 963-1207)
http://www.unglobalcompact.org
Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro)
ABNT/NBR16001
2001 a
2004
Gestão da RS:
aplicabilidade, entendi-mento, comprometimen-to e política de RS.
Público
Privado
Nacional
Inmetro Rua Santa Alexandrina, 416
Rio Comprido - Rio de Janeiro - RJ CEP: 20261-232 - 0800 285-1818
http://www.inmetro.gov.br
Federação das Indústrias do Paraná
(Fiep/PR)
Orbis Observatório Regional Base de Indicadores de Sustenta-bilidade
2004
Organiza e monitora indicadores de sustenta-bilidade, produz estudos, análises e reflete o de-senvolvimento regional.
Público
Privado
Nacional
Regional
Orbis
Rua Dr. Correa Coelho, 741 Jardim Botânico 80210-350 Curitiba-PR Fone/Fax: (41) 3362.0200
Ministério da Educação
(Inep – Insti-tuto Nacional de Estudos e Pesquisas Nacional Anísio Teixeira)
Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Supe-rior (Sinaes)
Lei n° 10.861, de 14 de abril de 2004
2004
Avalia instituições, cursos e estudantes. Eixos: ensi-no, pesquisa, e extensão. Temas: RS desempe-nho de alunos, gestão institucional, docente, instalações e outros.
Público
Privado
Nacional
Inepe
SRTVS, Quadra 701, Bloco M, Edifício Sede do Inep - CEP: 70340-909 Brasília - DF
http://www.inep.gov.br/institucional/
Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)
ISO 26000 2009
Certificação de produtos,
sistemas e pessoas.
Norma internacional de Responsabilidade Social aplicável a qualquer instituição.
Público
Privado
Nacional
ABNT Rua Minas Gerais, 190 - Higienópolis 01244-010 - São Paulo - SP - Brasil Telefone (11) 3017-3600 e-mail: [email protected]://www.abnt.org.br
FONTE: O autor (2009)
154 |
Além das organizações citadas, outras 50 insti-
tuições fazem parte das comissões de avaliação para a
elaboração da ISO 26000. No Brasil, as normas ISO 14000
e 9000 são mais difundidas. Contudo, muitos trabalhos
de pesquisa em nível de pós-graduação sugerem uma
variedade de modelos de indicadores, conforme a área
de atuação da empresa ou organização, e em diferentes
áreas: gestão administrativa, gestão ambiental, gestão
social etc. A ISO, com sede em Genebra, difunde nor-
mas internacionais no âmbito intelectual, científico,
tecnológico e econômico; é aceita em mais de 150 países,
facilitando o intercâmbio de produtos e serviços.
7 ISO 26000: norma internacional
de responsabilidade social
Prevista para ser lançada oficialmente no ano de
2009, a ISO 2600 de RS tende a ser uma referência
para as IES avaliarem a compreensão, o processo e
os resultados das ações sociais. Comenta Credidio
(2008) que nunca uma ISO foi tão esperada quanto
à futura ISO 26000. Segundo o Instituto Nacional
de Normalizacion (INN) do Chile, as premissas desta
norma são: relevância dos aspectos qualitativos sobre
os qualitativos, e pretende ter aplicabilidade em todo
tipo de organização, independente do tamanho,
objetivo, valores, cultura, meio social e ambiental.
A ISO não substitui as responsabilidades e obrigações
próprias dos governos e organismos de controle. Esta
ISO deverá ganhar muita repercussão nacional, pois
o Brasil foi eleito como participante do comitê de
organização desta norma. Através da ABNT/NBR16001,
o Brasil foi pioneiro no mundo ao desenvolver um pro-
grama de avaliação de conformidade para a área de
responsabilidade social.
Considerações finais
Para a II Conferência Mundial sobre o Ensino Su-
p e rior, em Paris, em julho de 2009, as mudanças da
economia pós-industrial conduziram o mundo a uma
demanda massiva pelo ensino superior, chegando a
152,2 milhões de estudantes em 2007; um aumento
de 50% nos últimos oito anos. Neste encontro mun-
dial, refletiu-se sobre a mobilidade estudantil, a
internacionalização da educação, a necessidade de um
currículo mundial, a necessidade de políticas abertas
anti-discriminatórias, a dificuldade do financiamento
público e privado, a influência das tecnologias da
informação, a necessidade de um currículo que con-
temple os problemas mundiais como aquecimento
e poluição, entre outros assuntos. Em síntese, o
qua dro geral reforçou a necessidade de o Ensino
Superior fortalecer sua “função social” de promover
a paz, a liberdade de expressão e o desenvolvimento
sustentável. Por isso, há contundente necessidade de se
avaliar a responsabilidade social da IES, estabelecendo
parâmetros e indutores de qualidade, atualizados e de
âmbito regional e mundial. O tema é amplo e exige
mais pesquisas. Não basta cumprir com a legalidade, é
necessário audácia, persistência, e sobretudo iniciativa
no âmbito acadêmico para que a IES cumpra com seu
papel social.
•Recebido em: 10/08/2009 •Aprovado em: 05/10/2009
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.145-156, jul./dez. 2009 | 155
Revista da FAE
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Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.157-171, jul./dez. 2009 | 157
Revista da FAE
Amicus Curiae: instituto processual de legitimação e participação democrática no judiciário politizado
Amicus Curiae: institute procedural legitimacy the democratic participation in politicizad judiciary
Resumo
O objetivo deste trabalho é demonstrar, por uma abordagem dialética, que o Amicus Curiae é instrumento processual de participação e legitimação democrática. Analisará também, obliquamente, a legitimação democrática-hermenêutico-discursiva da Jurisdição pelo viés do processo. Versará sobre o fenômeno da abertura do processo à “comunidade de intérpretes”, expressão cunhada por Peter Häberle. Ressaltará que o Judiciário realiza os valores e princípios democráticos constitucionais, pela participação dos cidadãos e atores estatais, na concretização dos valores fundamentais. Analisará a doutrina acerca da politização do Poder Judiciário. Conclui que o Amicus Curiae, instituto de participação política na Jurisdição, fortalece a legitimidade democrática desta, na concretização dos Direitos Fundamentais.
Palavras-chave: Amicus Curiae; democracia; legitimidade; politização; judiciário.
Abstract
The objective of this papper is to demonstrate, through literature review, the Amicus Curiae is a procedural instrument of participation and democratic legitimacy. It will also analyze, obliquely, the democratic legitimacy of the discursive-hermeneutic of jurisdiction, the bias of the process. Will address the phenomenon of the opening of the “community of interpreters,” a term coined by Peter Häberle. Highlight that the judiciary carries out the democr-atic values and constitutional principles, the participation of citizens and state actors, in achieving the core values. Examine the doctrine about the politicization of the judiciary. Concludes that the Amicus Curiae, Institute of political participation in the Jurisdiction, strengthen the democratic legitimacy of this, the achievement of fundamental rights.
Keywords: Amicus Curiae; democracy; legitimacy; politicization; the judiciary.
* Mestranda em Direito Público (UFBA). Professora de Direito Constitucional e Econômico na Universidade Federal da Bahia e Universidade Católica de Salvador. E-mail: [email protected]
Luana Paixão Dantas do Rosário*
158 |
Introdução
O Judiciário, como poder do Estado, possui fun-
ção política inerente à sua natureza. Não obstante a
propalada neutralidade positivista que alguns queiram
a ele imprimir, como poder intrinsecamente político, se
constitui consoante princípios axiológicos que emanam
do espaço político, do espaço público.
O exercício da função política pelo Judiciário –
sua intervenção em aspectos políticos do Estado – é
típica. Meio adequado para a garantia dos princípios
democráticos, tão importantes na construção de uma
Democracia que adquiriu o elemento teleológico de
preservação e respeito aos Direitos Fundamentais. Ao
exercer esta função, o Judiciário assegura o funcio na-
mento harmônico dos poderes do Estado no tocante às
suas obrigações Constitucionais.
O ponto merecedor de destaque no exame do
exercício da função política do Judiciário é a análise de
legitimidade deste poder na Democracia Constitucional,
tendo em vista que sua composição, distintamente da
dos outros poderes do Estado, não é representativa.
Embora, se reconheça a legitimidade democrática e a
legitimidade discursiva da função política de Judiciário,
não podemos negar que a evolução dos institutos
processuais, de modo a servirem de ensejadores da
participação democrática direta na realização da Juris-
dição, densificam a legitimidade do Judiciário e prestam
um serviço à Democracia Constitucional, que se torna
participativa. Neste desiderato, insere-se o instituto do
Amicus Curiae, em sua feição cunhada pela lei 9.868/99
e doutrina pátria, evoluída da doutrina estrangeira.
O objetivo principal deste trabalho será analisar
a contribuição do Amicus Curiae para a realização da
Democracia Constitucional e de seus fins, num novo
cenário de participação política, a seara do Judiciário.
Frise-se que esta proposta de participação política dos
cidadãos na condução do Estado, por meio do Poder
Judiciário, assume destaque diante da reconhecida crise
da representatividade política instaurada.
A abertura do processo à “comunidade de intér-
pretes”, reforça a legitimidade da Jurisdição e consolida
a Democracia contemporânea, além de extrair da
sociedade a concretude dos valores Constitucionais.
1 Premissas teóricas no estudo da
função política do poder judiciário
Convém esclarecer que o termo política, do grego
politiké, advém da polis grega, e por isso, em essência,
o poder político é aquele que se volta à coletividade, e
que, para além do governo, abrange as escolhas do que
é conveniente para o homem da polis.
Nesse ínterim, o conceito de Aristóteles para
o termo política é o de ciência que visa à felicidade
humana. A felicidade consistiria numa certa maneira
de viver no meio que circunda o homem, nos costumes
e nas instituições adotadas pela comunidade à qual
pertence. O objetivo da política seria primeiro, descobrir
a maneira de viver que leva à felicidade humana, e
depois, a forma de governo, e as instituições sociais
capazes de a assegurarem (SCHILLING, 2006).
Em todas as artes e ciências o fim é um bem, e o maior
dos bens e bem em mais alto grau se acha principalmente
na ciência todo-poderosa; esta ciência é a política, e o
bem em política é a justiça, ou seja, o interesse comum;
todos os homens pensam, por isso, que a justiça é uma
espécie de igualdade, e até certo ponto eles concordam
de um modo geral com as distinções de ordem filosófica
estabelecidas por nós a propósito dos princípios éticos
(ARISTÓTELES apud SCHILLING, 2006).
A política, na concepção habermasiana, deve ser en-ten dida como lócus onde se desenvolvem as relações vitais do senso ético, uma forma de reflexão sobre os nexos deontológicos da sociedade, impondo aos cidadãos a consciência de sua dependência recíproca (AGRA, 2005, p.112).
Não obstante a Política vise à felicidade dos homens
em comunidade, a titularidade do poder político fora,
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.157-171, jul./dez. 2009 | 159
Revista da FAE
nos primórdios, atribuída ao divino; concepção que teve
seu apogeu derradeiro na “teoria do direito divino dos
reis” de Jean Bodin, teórico da monarquia francesa. Para
Montesquieu, que explicitou pela primeira vez de forma
sistemática1 a “teoria da tripartição dos poderes”, o povo
é de todo incapaz de discernir sobre os reais problemas
políticos da nação e, portanto, não deve e nem pode ser
o titular da soberania política (MONTESQUIEU, 2000,
p.56). Em contribuição precursora, o abade de Siéyes,
em sua obra “O que é o Terceiro Estado?”, publicado às
vésperas da Revolução Francesa, e com base na doutrina
do contrato social de Locke e Rousseau, atribuiu a
titularidade do poder Constituinte à nação e legitimou
ideologicamente a ascensão do terceiro Estado ao poder
político (SIEYÉS, 2001, p.5).
É a organização do poder político, que para Siéyes,
se encontrava difuso na nação2, que forma o Estado.
Destarte, o Estado é verdadeira emanação do poder
político, único e soberano, não obstante a sua tripartição
nas funções executiva, legislativa e judiciária. Portanto,
todas essas três funções, ou poderes como classicamente
denominados, são intrinsecamente políticas, inclusive a
Judiciária. Motivo pelo qual a doutrina3 tem falado em
teoria da tripartição de poderes, e não mais separação,
visto que o poder é uno.
A teoria “montesquiana” da separação de poderes,
já previa que “somente o poder freia o poder”, essa
noção, quando levada aos Estados Unidos da América
à época da Revolução Americana, evoluiu para a teoria
do sistema de “pesos e contrapesos” políticos mútuos,
1 Aristóteles já havia delineado as três funções essenciais do Estado, executiva, legislativa e judiciária, porém, à divisão funcional não fez corresponder a divisão orgânica. Também John Locke, filósofo liberal inglês, cerca de um século antes de Montesquieu já tinha formulado, ainda que implicitamente, a teoria da tripartição de Poderes.
2 O conceito de nação antecedeu ao de povo, entendido como nação o conjunto formado pelas pessoas nascidas no mesmo lugar, ligadas por vínculos de sangue e de origem, que assim compartilhavam os mesmos valores, costumes e a mesma língua. Ver na Teoria do Estado a distinção conceitual entre nação e povo.
3 Por todos, Dirley da Cunha Júnior, em seu Curso de Direito Constitucional. Salvador: JusPodivm, 2007.
a fim de garantir a autolimitação do poder político. Se a
própria teoria clássica de Montesquieu – que não visava
à realização de um regime democrático politicamente
pluralista, mas garantia uma dinâmica governamental cuja
principal finalidade é à manutenção do funcionamento
racionalmente ordenado, mediante normas jurídicas, do
próprio Estado – já não defendia uma separação estanque
entre os poderes, imagine falar-se nisso hodiernamente,
depois de ter se atribuído ao Estado uma finalidade
social e um rol extenso de obrigações (ALVES, 2004).
Essas digressões fazem-se necessárias na averi-
guação da natureza política do Poder Judiciário, e na
destruição do mito de uma suposta necessidade de
“apolitização” das decisões judiciais a fim de não se
violar o princípio da “separação” de poderes. Por óbvio,
sendo o Poder Judiciário político, as decisões judiciais
não podem ser apolíticas e não violam a separação de
poderes, visto que esta não existe.
Oportuna a colocação do jurista italiano Mauro Cappelletti, ao se referir às possíveis posições assumidas pela Justiça constitucional nos países de tradição romano-germânica, como o Brasil, quando aponta o dilema da justiça constitucional de nosso tempo: permanecer restrita aos limites tradicionais da função judicial do século XIX ou elevar-se ao nível dos outros poderes, convertendo-se no “terceiro gigante” para controlar o legislador mastodonte e o administrador leviatã (LEITE, 2006).
Antes, um Judiciário moldado por uma carta consti-
tucional que segue um modelo de opção política
de Estado, tem o comprometimento com tal opção
política Constitucional e seus fins, ou como preconizou
Aristóteles, o compromisso com o bem comum e a
felicidade dos homens.
Assim, decisões jurisdicionais têm natureza política
porque implicam na análise de elementos políticos e
resultam em escolhas do que seja conveniente para o
homem da polis Estatal, consoante as diretrizes da Carta
Política Maior. A esse respeito: “As decisões judiciais
fazem parte do exercício da soberania do Estado, que
embora disciplinada pelo direito, é expressão do poder
político” (DALLARI, 2002, p. 90).
160 |
O juiz sempre terá de fazer escolhas, entre normas, argumentos, interpretações e até mesmo entre inte-resses, quando estes estiverem em conflito e parecer ao juiz que ambos são igualmente protegidos pelo direito. A solução dos conflitos será política nesse caso, mas também terá conotação política sua decisão de aplicar uma norma ou de lhe negar aplicação, pois em qualquer caso sempre haverá efeitos sociais e alguém será beneficiado ou prejudicado (DALLARI, 2005, p.96).
As decisões do Judiciário serão políticas também
por versarem sobre normas jurídicas. Sucintamente, os
dispositivos normativos têm natureza política porque
compõem o regramento da vida em socie dade, e porque
oriundos de um processo político de formulação – na dou-
trina clássica, emanando da von tade geral, como preco-
nizado por Jean Jacques Rousseau. Às normas jurídicas,
por sua vez, resultantes da interpretação e aplicação
dos dispositivos normativos em determinado contexto,
inexoravelmente deve se atribuir natureza política.
Deve recuperar-se o critério de que de que o direito é uma ordenação imposta pela razão prática, não pela razão pura. A neutralidade jurídica é uma quimera. Todo Direito, por sua própria condição está inspirado numa ideologia política, à qual serve como ferramenta jurídica do sistema (DROMI apud DALLARI, 2002, p.96).
Hodiernamente, ultrapassado o dogma positivista
de neutralidade, têm-se observado que a doutrina
cunhou a expressão “politização” do Poder Judiciário.
Nesse contexto, Glauco Salomão Leite destaca que
há possibilidade do sistema jurídico registrar decisões
políticas em forma jurídica e de a política utilizar o
direito para implantar seus objetivos, ou, “a relação
entre Política e Direito deixa de ser vertical-hierárquica e
passa a ser horizontal-funcional” (LEITE, 2006).
2 Politização do judiciário:
afirmação da democracia
Há necessidade de desfazer a concepção de déficit
democrático do Poder Judiciário. A legitimidade deste
emerge, em primeiro lugar, da realização jurisdicional
dos Direitos Fundamentais; valores axiológicos e
normativos das Democracias Constitucionais emanados
do poder Constituinte, numa legitimação teleológica sob
o aspecto pragmático. Depois, pela demonstração de
participação democrática do jurisdicionado no âmbito
deste Poder. Seja por meio das máximas garantias
Constitucionais da ampla defesa e do contraditório,
sendo a Jurisdição dialética na sua formulação; ou pela
participação direta do cidadão da polis na confecção
da Jurisdição, pela intervenção do Amicus Curiae, pelo
debate, diálogo e abertura do processo.
A expansão do âmbito de atuação do Judiciário e
sua politização não são contrárias à Democracia, mas
estão em consonância com ela, com o seu conteúdo e
os seus princípios. As relações entre direito e política
na dimensão Constitucional hodierna criam um novo
espaço aberto ao ativismo positivo de agentes sociais
e judiciais na produção da cidadania, diversamente
do constitucionalismo liberal de outrora (MACIEL;
KOERNER, 2002).
O constitucionalismo liberal preza pela defesa do indivi dualismo racional, a garantia limitada dos direi-tos civis e políticos e clara separação dos poderes; o cons ti tucionalismo democrático prioriza os valores da dignidade humana e da solidariedade social, a ampliação do âmbito de proteção dos direitos e a redefinição das relações entre os poderes do Estado (MACIEL; KOERNER, 2002).
Para o Estado Constitucional Democrático abre-se
no Judiciário um novo espaço público, no qual participam
novos agentes “a comunidade aberta de intérpretes”,
os quais, através do processo, devem dedicar-se à
interpretação aberta dos valores Constitucionais com
vistas à sua efetivação (HÄBERLE, 1997).
Inclusive, em nosso entender, a efetivação dos
mandamentos e valores Constitucionais por meio da
prestação jurisdicional deve superar a limitação à atuação
do Judiciário como legislador-negativo e autorizar o uso
de sentenças interpretativas e criativas, utilizadas pela
Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.157-171, jul./dez. 2009 | 161
Revista da FAE
Jurisprudência italiana4. Tendo como ponto de início e
contornos limitatórios – até certa medida – o texto. Pois,
na esteira da lição de Friedrich Müller, a interpretação
que constrói a norma, sendo o texto, mero dado de
entrada (MÜLLER apud ADEODATO, 2007, p.239).
Gisele Cittadino, em seu trabalho Poder Judiciário,
ativismo Judiciário e Democracia, frisa que “é preciso
não esquecer que a crescente busca, no âmbito dos
tribunais, pela concretização de direitos individuais e/ou
coletivos também representa uma forma de participação
no processo político” (CITTADINO, 2007, p.2).
Destarte, é imperativo, inclusive, fazer menção
à crise da representatividade clássica mencionada em
elucidativa passagem em que Américo Bedê Freire
Junior, para desconstruir a certeza de que participação
democrática se efetiva pela representação, traz à colação,
lição de José Eduardo Faria: “[...] a tradicional política
representativa tende a ser muito mais rito do que um
efetivo processo democrático de afirmação da vontade
coletiva” (FREIRE JÚNIOR, 2005, p.32) a qual, Walber de
Mora Agra, atribui a expansão da Jurisdição política.
Uma das causas que mais influenciam a expansão da jurisdição constitucional no campo das decisões políticas é a paulatina perda de legitimidade do processo político. A complexidade do debate político, o poder econômico, a falta de locais para o debate público, bem como os meios de informação são algumas das razões para a perda de legitimidade dos representantes populares (AGRA, 2005, p.116).
A politização do Judiciário – para utilizar corrente
expressão doutrinária, embora esta expressão possa dar
a entender que signifique conferir a natureza de político
a algo que não tivesse esta natureza originariamente, o
que seria um grave equívoco – possibilita a construção
da Democracia, porque torna este um importante nível
de acesso do cidadão às instâncias do poder. Desta
forma, possibilita-se na sociedade plural, que grupos
não possuidores de representatividade influam nas
4 Sobre sentenças interpretativas e aditivas discorre Dirley da Cunha Júnior em seu Curso de Direito Constitucional. Salvador: JusPodivm, 2007.
decisões políticas. Isto não enfraquece a Democracia
representativa, mas a complementa, ao contemplar os
princípios democráticos (VERBICARO, 2006, p.7).
[...] Neste mundo governado por uma plutocracia cosmopolita suficientemente flexível e móvel pra mar-ginalizar ao mesmo tempo os Estados, os cidadãos e os juízes, a Democracia precisa ser reinventada tanto sob a sua forma tradicional de Democracia representativa quanto sob a forma mais recente de Democracia participativa (MIREILLE DELMAS-MARTY apud FREIRE JÚNIOR, 2005, p.32).
A partir da observação de que a Democracia tem
sido formal e excludente, extrai-se a necessidade da
reinvenção democrática. Primeiro pelo critério subs-
tancialista da efetivação dos Direitos Fundamentais, que
perpassa, necessariamente pela atuação do Judiciário
– não tão somente dos direitos individuais, a despeito
do preconizado por Dworkin5, mas também sociais e
coletivos, como preleciona a doutrina contemporânea.
Depois pelo reconhecimento de que o Judiciário deve
constituir espaço legítimo de participação político
democrática, que possibilite a participação do cidadão
na criação do direito, enquanto norma que emana da
aplicação – participação da própria condução do Estado,
para além da representação no processo legislativo.
Formas de ação estão à disposição do homem comum para participar da criação do direito estatal tanto através da Democracia representativa como pela via judicial. Essa participação não é fragmentadora dos princípios da vontade geral representativa, mas representa as possibilidades de adensamento do Direito pela intervenção, na esfera estatal, da eticidade da sociedade civil (MACIEL; KOERNER, 2002).
A politização do Judiciário está em consonância
com a Democracia que nossos tempos exigem, e não em
5 Para este autor, os direitos sociais e coletivos dependiam de implementação de diretrizes políticas dos atores políticos do Estado pelos critérios da representatividade e da maioria, fundada em política e não em princípios; o que as distinguia da efetivação dos Direitos Fundamentais individuais que poderiam, em seu entendimento, serem fixados pelo Judiciário, porque fundados em princípios. (VERBICARO, 2006, p. 18)
162 |
antagonismo, pois possibilita a realização dos direitos
de todos, sobretudo os da minoria, a edificação de um
verdadeiro Estado Democrático de Direito que zele pela
dignidade da pessoa humana e surja da concretização
da Constituição, num processo do qual participe o ser
da polis.
2.1 Democracia majoritária, democracia
constitucional, soberania complexa
e acesso das minorias
Para consolidar a Jurisdição política, ou “politi-
zação do Judiciário”, e a participação política no
âmbito deste poder, é basilar a distinção que Dworkin
estabelece entre a Democracia majoritária, fundada no
princípio da maioria, e o que designou de Democracia
Constitucional.
Para este autor, o princípio majoritário não asse-
gura o governo pelo povo, senão quando todos os
membros da comunidade são concebidos, e igualmente
respeitados, como agentes morais; a Democracia por
ele conceituada respeita os Direitos Fundamentais e
neles preenche o seu conteúdo.
[...] Dworkin confere supremacia aos Direitos Fun da-mentais frente à soberania popular. Com essa relação de prioridade, protege-se certos núcleos de direitos ante eventuais interferências advindas de processos majoritários de deliberação. Para Dworkin, portanto, os Direitos Fundamentais devem restringir a soberania do povo a fim de se resguardar os direitos e as liberdades individuais. Isso porque nem sempre uma lei pautada na vontade de uma suposta maioria será uma lei justa; nem sempre essa lei contemplará os direitos individuais e o direito a igual respeito e consideração – crítica à Democracia majoritária e à autodeterminação do povo que podem conduzir à própria degradação de seus direitos. Democracia não é, para Dworkin, a simples obediência à regra de maioria. Numa Democracia constitucional concebida em paradigmas liberais, deve-se, sobretudo, assegurar a garantia aos Direitos Fundamentais dos cidadãos, atribuindo-se respeitabilidade à Constituição e à dinâmica de direitos nela materializada (VERBICARO, 2006, p.8).
Para além da discussão realizada por Dworkin
de que os Direitos Fundamentais6 prevalecem sobre a
soberania popular externada pela maioria represen-
tada – observe-se que um grande contingente não se
faz representar – é preciso, portanto, um avanço teórico,
de modo a reconhecer que o próprio Poder Judiciário é
um espaço de exercício da soberania política. Inclusive,
proporcionando incorporação política das minorias à
agenda do Estado, não obstante a violação de direitos
praticada pela maioria.
[...] Esses Direitos Fundamentais constitucionalmente garantidos – direitos individuais – preenchem o próprio conteúdo da Democracia, bem como traçam os limites e contornos de atuação dos poderes estatais. Isso significa que o paradigma liberal de Democracia concebido por Dworkin – Democracia Constitucional – consagra que os direitos individuais são trunfos frente à maioria e, por isso, sobrepõem-se frente ao governo e a eventuais grupos representativos de maiorias que participem de procedimentos de formação da vontade pública e tentem restringir as liberdades e direitos individuais (VERBICARO, 2006, p.8).
Neste diapasão, é interessante ressaltar conceito
de soberania complexa de Werneck Vianna, que consiste
na combinação de duas formas de representação
e duas dimensões de cidadania. A representação
política, atrelada à cidadania política, é exercida pelos
representantes eleitos segundo os procedimentos demo-
cráticos. A representação funcional, por sua vez, atrelada
à cidadania social, é exercida pela comunidade de
intérpretes, composta inclusive pelos agentes judiciais.
Logo, numa leitura fundada neste autor, a poli-
tização do Judiciário, manifestação da cidadania social,
é forma de participação na vida pública, alter nativa à
6 É certo que para Dworkin a atuação do Judiciário para efetivar os Direitos Fundamentais se limita aos direitos individuais e não se estende aos direitos sociais. Porém, a construção de sua teoria representa um ponto de partida – ao qual devem acrescentar-se os direitos coletivos – quando diz que o Judiciário cumpre com o papel da Democracia ao afirmar os Direitos Fundamentais do cidadão, que tem o direito de exigi-los do Judiciário não obstante a inércia dos demais poderes.
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Revista da FAE
representação, e adequada à Democracia, nos termos
desta soberania complexa.
[...] se a cidadania política dá as condições ao homem comum de participar dos procedimentos democráticos que levam à produção da lei, a cidadania social lhe dá acesso à procedimentalização na aplicação da lei por meio de múltiplas formas, individuais ou coletivas, de um simples requerimento a uma ação pública, pro-porcionando uma outra forma de participação na vida pública (VIANNA, 1999, p.372).
A politização do Judiciário possibilita o acesso do
cidadão comum, que por vezes não é representado
politicamente; sobretudo em nossa Democracia ainda
infante, advinda de um sistema político autoritário e de
exceção do qual ainda existem vestígios, principalmente
na educação para a participação política; à efetivação
do direito. Cria, assim, “um direito responsivo”, aberto
aos interesses e concepções éticas do homem comum.
(MACIEL; KOERNER, 2002)
A Democracia brasileira, não obstante seu processo de consolidação institucional, experimenta um déficit no modo do seu funcionamento, resultante da pre-dominância do Executivo sobre o Legislativo e do insulamento da esfera parlamentar em relação à sociedade civil. Conquanto, observa-se reações da cida-dania ao fechamento desses poderes às suas demandas e expectativas, através da busca crescente do Poder Judiciário contra leis, práticas da Administração ou omissões tanto do Executivo quanto do Legislativo (VIANNA apud MACIEL; KROENER, 2002).
Gisele Cittadino adverte que esta participação
política no âmbito do Judiciário não deve presumir uma
ausência de correspondência entre os textos normati-
vos7 e os cidadãos, pois “uma cidadania ativa não pode
supor a ausência de uma vinculação normativa entre
7 Com a devida vênia à expressão utilizada pela autora, pre-ferimos utilizar a expressão ausência de correspondência entre o texto normativo e os cidadãos, porque entendemos que foi neste sentido que empregou a palavra Direito, como texto normativo advindo do processo legislativo. Necessária esta observação porque consoante a concepção por nós compartilhada, o texto normativo não encerra o Direito, pois a norma se perfaz com a interpretação.
Estado de Direito e Democracia. [...] Quando os cidadãos
vêem a si próprios não apenas como os destinatários,
mas também como os autores do seu direito, eles se
reconhecem como membros livres e iguais de uma
comunidade jurídica” (CITTADINO, 2007, p.04-06).
Todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma e que vive com este contexto é, indireta ou, até mesmo diretamente, intérprete dessa norma. O destinatário da norma é participante ativo, muito mais ativo do que se pode supor tradicionalmente, do processo hermenêutico. Como não são apenas os intérpretes jurídicos da Constituição que vivem a norma, não detêm eles o monopólio da interpretação da constituição (HÄBERLE, 1997, p.15).
Porém, reconhece que em países em que os cida-
dãos não compartilham os valores, devido a rupturas
no processo histórico de sedimentação da Democracia
Constitucional, em que não há uma nação de cultura,
se faz necessário o comprometimento do Judiciário com
a concretização da Constituição, dos valores oriundos
do consenso formal da qual emanou, com a ressalva
de que não é imprescindível o domínio dos tribunais,
mas de uma cidadania participativa que sobre eles atue
(CITTADINO, 2007, p.06).
Paulo Bonavides elabora outra advertência rela-
cionada a certo grau de dificuldade da abertura do
processo quanto ao estágio de amadurecimento dos
sistemas políticos democráticos de nações subde sen-
volvidas:
Demais, o método concretista da “Constituição aberta” demanda para uma eficaz aplicação a presença de um sólido consenso democrático, base social estável, pressupostos institucionais firmes, cultura política bas-tante ampliada e desenvolvida, fatores em dúvida difíceis de achar nos sistemas políticos e sociais de nações subdesenvolvidas ou em desenvolvimento, cir-cunstância essa importantíssima, porquanto logo inva-lida como terapêutica das crises aquela metodologia cuja flexibilidade engana à primeira vista (BONAVIDES, 2003, p.516).
Feitas estas observações, sobremaneira perti nen-
tes, de que o estágio de amadurecimento do sistema
164 |
político democrático pode não culminar no auto-reco-
nhecimento da “comunidade aberta de interprétes”,
na expressão de Häberle, como comunidade político-
jurídica autora de seu direito, há que ser feitas duas
observações.
A primeira de que o Judiciário deve estar imbuído
do compromisso com a efetivação da Constituição e
dos valores democráticos, funcionando como dito pelo
próprio Härbele, como um intérprete qualificado. A
segunda é no sentido de resgatar a noção da antiguidade
clássica romana, de que Direito é, sobretudo, prudência,
e que, portanto, “a comunidade de interpretes” é
qua lificada neste quesito e sob este aspecto. Nesta
esteira é crucial a abertura do processo à participação
democrática, à “comunidade aberta de intérpretes”, ao
cidadão da polis.
3 A tutela dos interesses coletivos:
marco para a abertura democrática
do processo
A abertura do Processo teve início com a criação
de institutos processuais aptos a salvaguardar os dis-
positivos constitucionais que fixaram direitos subje-
tivos transindividuais. O direito coletivo à efetivação da
Constituição fez com que o Judiciário passasse a atuar
no espaço público e que os institutos processuais, que se
destinavam às demandas individuais, evoluíssem para a
tutela de interesses coletivos. O novo Direito Processual
remodelou sua legitimidade, surgindo a tutela coletiva
e as ações correspondentes.
Capelletti, já em 1976, apontava que “eram quatro os pontos nos quais seria necessária uma profunda reforma do processo civil tradicional, a fim de garantir um novo canal de acesso ao Judiciário: legitimidade ativa, garantias processuais (contraditório e ampla defesa) dos ausentes; efeitos da decisão (secundum eventus litis); e tipo de provimento e de sanção que se pode obter do juiz” (FREIRE JÚNIOR, 2005, p.97).
O processo Judicial que se instaura mediante a propositura
de determinadas ações, especialmente aquelas de natu-reza coletiva e/ou de dimensão constitucional – ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, etc., torna-se um instrumento privilegiado de participação política e exercício permanente da cidadania (GUERRA FILHO apud DEL PRÁ, 2008, p.73).
O advento da Ação civil pública, a legitimidade do
Ministério Público para a propositura de ações, o poder
geral de cautela do magistrado, a mitigação ao princípio
da demanda, o desenvolvimento de microssistemas,
a responsabilização de pessoas jurídicas, as tutelas
de urgência e todo o desenvolvimento recente dos
institutos de Processo Civil buscaram a superação do
modelo individualista de demanda e instrumentaliza-
ram crescente politização do Poder Judiciário.
A tutela coletiva tem condições de instrumentalizar o controle de políticas públicas de modo a fornecer à Constituição densidade suficiente para a tutela de Direitos transinidividuais (FREIRE JÚNIOR, 2005, p.97).
A implantação de políticas públicas é dever do admi-nistrador, que se não as realizar conforme manda a Cons-tituição e a legislação respectiva, poderá ser acionado, jurisdicionalmente, por qualquer legitimado coletivo, inte ressado arrolado nos art.s 5° da LACP e 82 do CDC (ALMEIDA apud FREIRE JÚNIOR, 2005, p.98).
Dentre estes institutos, o Amicus Curiae se reveste
de destaque sob a perspectiva da participação política.
Inclusive, o projeto de lei que culminou na Lei 9.868/99,
de autoria de Gilmar Ferreira Mendes, foi apresentado
no mesmo ano (1997) em que o douto doutrinador
traduziu a “sociedade aberta dos intérpretes da Cons-
tituição”, de Peter Härbele.
4 Análise do Amicus Curiae
4.1 A origem do Amicus Curiae
Del Prá, em dissertação de mestrado pela PUC/SP
publicada em 2008 informa que, a respeito da origem
do Amicus Curiae, no Year Books, no direito inglês
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Revista da FAE
medieval, este sujeito tinha papel meramente informa-
tivo no processo, levando à Corte matérias de fatos
desconhecidas desta. Tratava-se um sujeito imparcial
e desinteressado, e a discricionariedade do juiz em
aceitá-lo, assemelhava-se, de certa forma, ao atual
poder instrutório do juiz (DEL PRÁ, 2008).
Segundo este autor, com a absorção do instituto
pelo direito norte-americano, ele foi se afastando
desta função neutra. Sobretudo no momento global
pós II Guerra, quando organismos internacionais de
proteção dos direitos humanos utilizaram-se deste
instituto para pleitear sua participação em processos
que tinham por objeto a violações destes direitos, nos
mais diversos países. O autor traça acuradamente a
evolução jurisprudencial e positivação deste instituto
em diversos países, a quem remetemos à leitura para
que não fujamos do escopo de nosso trabalho.
Assim, o instituto evoluiu, em linhas gerais, para
a configuração que tem hoje em nossa legislação, a
participação de um terceiro desprovido de interesse
direto em causas de repercussão social. Embora nos
Estados Unidos, admita-se a participação do Amicus
Curiae mesmo sem a transcendência social da matéria
debatida, isto porque os ordenamentos da common
law não possuem disciplina semelhante à intervenção
de terceiros dos sistemas de civil law, servindo o Amicus
Curiae a sanar essa lacuna.
O autor aponta a origem do instituto, em nosso
ordenamento, nas previsões legais de manifestação,
nos processos com que tenham pertinência temática,
da CVM – Comissão de Valores Mobiliários, do CADE –
Conselho Administrativo da Defesa Econômica e do
INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial
(DEL PRÁ, 2008).
4.2 A natureza jurídica do Amicus Curiae
No que tange a este ponto, a celeuma está em saber
se o Amicus Curiae, ora sujeito neutro que informa à
Corte questões de fato, ora sujeito parcial, embora não
comprometido diretamente com a vitória de uma das
partes, é terceiro interveniente ou auxiliar do juízo.
Fredie Didier, em análise da natureza jurídica do
Amicus Curiae, o enquadra como “um auxiliar do juízo”
que integra “ao lado do juiz, das partes, do Ministério
Público e dos auxiliares da Justiça – o quadro dos sujeitos
processuais” (DIDIER, 2002, p.79), Já Milton Luiz Pereira
identifica o Amicus Curiae como interven ção de terceiros,
caracterizando para o autor, uma forma qualificada de
assistência (PEREIRA, 2002, p.39-44).
Para Del Prá, nos casos em que a manifestação se
dá por iniciativa do juiz, este exerce função de auxiliar
do juízo. Já nas hipóteses de intervenção voluntária
assumiria a natureza de terceiro interveniente – inclu-
sive, sendo-lhe atribuídos os poderes de recorrer da
decisão que indefere sua manifestação; sustentar
oralmente suas razões e juntar documentos, por
exemplo – distinta daquelas do Código de Processo
civil. O autor sustenta que a atuação distinta do
Amicus Curiae nas duas hipóteses revela sua natureza
dúplice e que, a depender da modalidade de ingresso,
será determinada sua modalidade de participação
(DEL PRÁ, 2008).
Para o citado autor, a resistência em admitir o
instituto como uma hipótese da intervenção de tercei-
ros está na tendência de interpretação restritiva das
hipóteses cabíveis de intervenção de terceiros em
processo alheio, cara ao nosso sistema processual, de
tradição romano-germânica, que teve Liebman por
expoente e influenciador de nossas codificações.
No entanto, o próprio autor alude à dificuldade
de enquadramento do instituto nas categorias legais
existentes, visto que os terceiros arrolados no CPC, só são
terceiros, até o momento de sua entrada no processo,
quando, então, adquirem a qualidade de parte, somente
permanecendo como terceiro o assistente.
Assim, a intervenção do Amicus Curiae não seria
a intervenção do clássico terceiro interessado, visto
que o interesse que o legitima não é próprio, mas um
interesse que decorre da transcendência do objeto
da causa, um interesse, por falta de termo melhor,
166 |
público, respaldado, imediatamente, na lei auto riza-
dora, mediatamente no princípio democrático e na
legitimação da Jurisdição.
Sob o aspecto procedimental, os terceiros clássi-
cos, como dito, à exceção do assistente, depois de seu
ingresso no processo, transformar-se-iam em partes,
o que não ocorre com o Amicus Curiae, dada a sin-
gularidade de seu interesse, em qualquer dos casos em
que é previsto, ou especialmente em sede de controle
concentrado, pois nesta seara nem mesmo há partes
(DEL PRÁ, 2008).
4.3 As hipóteses legais de participação
do Amicus Curiae
As ações de controle concentrado, abstratas e obje-
tivas, não servem à defesa de interesses subjetivos de
particulares ou terceiros. O interesse a ser resguardado
no palco do judicial review é a guarda da Constituição.
Desta forma, poderia parecer inadequada a intervenção
do Amicus Curiae em processo objetivo, o que se trata
de engano, haja vista a intervenção do Amicus Curiae
não atender, dada a feição da lei 9.868/99, ao clássico
arcabouço da intervenção de terceiros.
Desta forma, a participação do Amicus Curiae em
processo objetivo de controle de constitucionalidade,
reveste-se da elogiável função de trazer a sociedade
ao debate, ao diálogo constitucional. Considerando a
preconizada legitimidade discursiva do Judiciário, a figura
deste instituto reforça esta legitimidade, posto que trará
“outras vozes” à confecção do discurso cons titucional.
A previsão de possibilidade de participação do
Amicus Curiae na ADIN está no artigo 7º, parágrafo 2º,
da Lei 9.868/99, havendo “relevância da matéria e
a representatividade dos postulantes” admite-se a
“manifestação de outros órgãos e entidades”. Há
possibilidade de participação do Amicus Curiae também
na ADC, por analogia.
Del Prá acentua a possibilidade dos co-legitimados
à propositura das Ações Constitucionais ingressarem no
processo como assistentes litisconsorciais ou Amicus
Curiae (DEL PRÁ, 2008).
Na ADPF, a possibilidade legal de participação do
Amicus Curiae está no artigo 6º, parágrafo 1º, como
possibilidade de manifestação, para o fim de fornecer
elementos técnicos, fáticos ou jurídicos para a melhor
construção da decisão. Uma especificidade digna de nota
é que na ADPF a participação voluntária é autorizada a
“quaisquer interessados”, não somente aos “órgãos e
entidades”.
Também é possível a participação do Amicus Curiae
em sede de Controle Difuso. Neste caso se dará sempre
voluntariamente. Poderão assumir a sua função, nos
termos da Lei 9.868/99 “as pessoas jurídicas de direito
público responsáveis pelo ato impugnado, os co-
legitimados do artigo 103 da Constituição e quaisquer
outros órgãos e entidades”. Neste ponto, há que se
salientar a inovação operada pela Emenda Constitucional
nº 45 que instituiu a “Repercussão Geral da matéria” como
condição de admissibilidade do Recurso Extraordinário, ao
adicionar o parágrafo 3º ao artigo 102 da Constituição
Federal, nos seguintes termos:
Art. 102 [...] § 3º No recurso extraordinário, o recorrente deverá demonstrar a Repercussão Geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros (BRASIL, 2008, p.35).
Por Repercussão Geral, conforme expõe André
Ramos Tavares em seu Curso Direito Constitucional,
deve-se compreender as temáticas que afetem um
grande número de populares, que aborde de assuntos
relevantes e significativos socialmente, transcendendo
aos interesses processuais das partes (TAVARES, 2007).
Destarte, observe-se que a “Repercussão Geral da
matéria” – requisito para a análise do Recurso Extraor-
dinário, e, portanto, da Jurisdição Constitucional na
modalidade concreta em grau recursal – coaduna-se
com a repercussão social da causa ou relevância da
matéria, requisito para a admissão do Amicus Curiae.
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Revista da FAE
O que evidencia não só o cabimento da participação de
Amicus Curiae em sede de Recurso Extraordinário, mas
também, a consonância de propósitos destes requisitos
de admissibilidade.
A previsão legal infraconstitucional da Repercussão
Geral está assentada no Código de Processo Civil, nos
artigos 343-A e 543-B acrescidos pelo advento da Lei
nº 11.418/06. Bem como no Regimento Interno do
STF que disciplina a matéria nos artigos 322 a 328.
A Repercussão Geral delimita a competência recur-
sal do STF às questões com relevância social, política,
econômica ou jurídica. Por este motivo, o parágrafo 6º
do artigo 543-A do Código de Processo Civil favorece a
intervenção de terceiros em sua análise, in verbis: “O
Relator poderá admitir, na análise da Repercussão Geral,
a manifestação de terceiros, subscrita por procurador
habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal.” Embora o Amicus Curiae, não seja
um dos clássicos casos de intervenção de terceiros, sua
admissibilidade é necessidade teleológica estabelecida
pelo liame estabelecido entre a Repercussão Geral e a
transcendência da matéria.
A admissibilidade de terceiro na análise da Reper-
cussão Geral consagra a proposta de Peter Häberle
no tocante a “sociedade aberta dos interpretes da
Constituição”
A interpretação constitucional é, em realidade, mais um elemento da sociedade aberta. Todas as potências públicas, participantes materiais do processo social, estão nela envolvidas, sendo ela, a um só tempo, elemento resultante da sociedade aberta e um ele-mento formador ou constituinte dessa sociedade. [...] Os critérios de interpretação constitucional hão de ser tanto mais abertos quanto mais pluralista for a socie-dade (HÄBERLE, 1997, p.13).
Há também previsão de manifestação do Amicus
Curiae no pedido de uniformização de interpretação de
lei federal, figura do art. 14 da Lei 10.259/01, fundada na
divergência de decisões das Turmas Recursais da mesma
região, no âmbito dos Juizados Especiais Federais. Tal
previsão assenta-se na parte final do parágrafo 7º, pelo
qual, “eventuais interessados, ainda que não sejam
partes no processo, poderão se manifestar, no prazo de
trinta dias”.
Ainda no âmbito da uniformização de jurisprudência,
o mesmo dispositivo aplica-se também, por previsão
expressa, ao processamento do Recurso Extraordinário,
hipótese inclusive reconhecida pela Emenda Regimental
12 de 12/12/2003, do STF.
5 Amicus Curiae: instituto de
legitimação e participação
democrática no judiciário politizado
O instituto em análise corrobora com a abertura
do processo, de modo a ampliar a participação da
sociedade na realização da tutela Jurisdicional, uma
abertura democrática do processo hermenêutico,
nos moldes da doutrina de Peter Härbele. Este autor
aborda a legitimidade da pluralidade de intérpretes
pelo viés da Teoria da Democracia. Para ele, embora
estes intérpretes não tenham legitimação represen-
tativa, isto não lhes retira a legitimidade. Porque
Democracia não se exerce somente por representação,
mas numa sociedade aberta, principalmente, pela
realização dos Direitos Fundamentais e pela inter-
pretação pluralista da Constituição. Por isto, defende
a substituição do conceito de “democracia do povo”,
fundada na soberania popular, pelo de “democracia
do cidadão”, fundada nos Direitos Funda mentais.
Destarte, o pluralismo dos Direitos Funda mentais
converte-se no cerne da Constituição Demo crática
(HÄRBELE, 2002, p.39).
O Poder Judiciário constitui-se espaço de exercício
da soberania política, espaço público de participação
democrática, aberto ao ativismo de agentes sociais e
judiciais na produção plural da cidadania, através do
processo. Espaço de representação funcional atrelada à
cidadania social, no conceito de Werneck Vianna, para a
consolidação da Democracia Constitucional de Dworkin.
168 |
A participação popular passa a não mais restringir-se à esfera política, no sentido, v.g, de representação direta pelo voto, mas, ao contrário, inunda campos maiores de atuação, possibilitando mais amplo debate nas instâncias jurisdicionais, objetivo de fazer valer os direitos constitucionalmente assegurados, quer de forma individual, quer coletiva (DEL PRÁ, 2008, p.73).
A pluralidade da sociedade reclama a expansão
da previsão de participação do Amicus Curiae sempre
que a transcendência do objeto da ação o justificar, em
processo objetivo de controle de constitucionalidade,
em controle difuso, em ações coletivas, ou outras
hipóteses, que entendemos, devem ser ampliadas.
Chegou-se a um estágio no reconhecimento, em
todas as instâncias, da politização do Judiciário, politização
esta que faz necessária a extensão dos institutos de
abertura democrática do processo para além dos limites
do processo objetivo de controle de constitucionalidade,
ao procedimento das ações coletivas.
[...] é necessária a modificação da lei de ação civil pública para permitir que, durante o processo, haja essa abertura como forma de viabilizar que o juiz, ao decidir, tenha plena consciência de todas as teses efetivamente extraíveis do caso em questão. [...] Essa abertura provoca até mesmo a superação do pseudodéficit democrático, pois, permitindo a participação direta da sociedade na resolução da demanda, não há que se falar em falta de legitimidade para uma importante decisão judicial sobre políticas públicas (FREIRE JÚNIOR, 2005, p.107).
Trazer a sociedade pluralista à participação política,
no âmbito do Poder Judiciário, reforça a legitimidade
democrática deste poder. Democratizar as discussões
travadas no STF, estabelecendo um diálogo com os
setores organizados da sociedade civil, não acarreta
na perda de independência do Tribunal Constitucional,
confere-lhe maior legitimidade social, visto que a
interpretação da norma não interessa apenas aos seus
intérpretes formais, mas a todos aqueles que convivem
na sociedade.
Quanto maior o respaldo que seus membros gozarem na sociedade, maior será a autoridade de suas decisões.
A composição do Supremo Tribunal Federal deve ser plural, porque permitirá a participação das forças políticas imperantes na sociedade, e conseqüentemente menores serão as resistências às suas decisões. [...] Há a formação de uma simbiose intrínseca entre o órgão que exerce a jurisdição constitucional e os demais estabelecidos, impedindo que as decisões de tutela da Constituição sejam tomadas através de um forma-lismo auto-referencial, alienadas das demandas sociais (AGRA, 2005, p.284).
Além disto, a democratização dos debates impede
o arbítrio, a argumentação hermética, a distância das
contingências sociais e enriquece a jurisprudência.
Existem muitas formas de legitimação democrática, desde que se liberte de um modo de pensar linear e eruptivo, a respeito da concepção tradicional de democracia. Alcança-se uma parte considerável da democracia dos cidadãos (Burgerdemokratie) com o desenvolvimento interpretativo das normas consti-tucionais. A possibilidade e a realidade de uma livre discussão do indivíduo e de grupos “sobre” e “sob” as normas constitucionais e os efeitos pluralistas sobre elas emprestam à atividade de interpretação um caráter multifacetado. [...] A sociedade tornou-se aberta e livre, porque todos estão potencial e atualmente aptos a oferecer alternativas para a interpretação constitucio-nal. [...] os instrumentos de informação dos juízes cons-ti tucionais devem ser ampliados e aperfeiçoados, es-pecial mente no que se refere às formas gradativas de participação e à própria possibilidade de participação no processo constitucional (especialmente nas audiências e nas intervenções). Devem ser desenvolvidas novas formas de participação das potências públicas pluralistas enquanto intérpretes em sentido amplo da Constituição (HÄRBELE, 2002, p.39).
Del Prá, fazendo menção à teoria de Niklas
Luhmann, afirma que: “Na verdade, a legitimação do ato
de poder não se dá somente em razão da observância
do procedimento previsto, mas principalmente pela
participação dos destinatários que essa observância
proporciona” (DEL PRÁ, 2008, p.198).
Porém, este trabalho não pode se furtar a men-
cionar, ainda que brevemente, que a legitimidade do
Judiciário é também discursiva. Repousa também
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Revista da FAE
na capacidade de convencimento do argumento, na
capacidade de, diante das inerentes tensões da demo-
cracia, escolher um dos argumentos dentre os que
colidem na “comunidade de valores compartilhados”,
para criar algum nível de consenso, a partir de uma
verificação racional do argumento.
Neste ponto, há que se ressaltar a doutrina de
Habermas, em que a legitimação discursiva se opera
pelo alcance da “verdade consensual”, advinda do
debate, da construção do consenso a partir do dis-
sen so, externada em linguagem “autêntica, justifi-
cável e con sensual”. Para o estudo da legitimidade
discur siva há que se entender o discurso normativo
(HABERMAS, 1997)
Pode-se assim dizer que a administração da justiça é o resultante de um paralelogramo de forças no qual os vetores dominantes são a consciência jurídica formal e a consciência jurídica material, A decisão obtida é determinada pelo efeito combinado da interpretação cognoscitiva da lei e da atitude valorativa da consciência jurídica. Seria errôneo limitar a atividade valorativa àquelas ocasiões, relativamente raras, nas quais ela se manifesta como desvio do resultado a que conduziria uma interpretação meramente cognoscitiva da lei. A consciência jurídica material está presente em todas as decisões. [...] Se os postulados político-jurídico-morais de sua consciência jurídica tivessem levado o juiz a considerar que a decisão era inaceitável, este teria podido também, mediante uma argumentação adequada, descobrir a via para uma melhor solução (ROSS, 2000, p.168-169).
Assim, a participação direta da sociedade na pres-
tação jurisdicional pelo instrumento do Amicus Curiae;
para além dos limites liberais da ampla defesa e do
contraditório, que atendem aos interesses das partes;
em situações em que o debate hermenêutico judicial
tem transcendência social, tende a pacificar as tensões
entre os vários argumentos existentes na “comunidade
de interpretes” – que em uma democracia deve
participar dos atos de poder – criando uma decisão
com força argumentativa potencialmente indutora de
consenso.
Conclusão
Embora a representatividade seja instituto essen-
cial das democracias, estas não são configuradas
apenas por ela. Com o advento do Estado Social de
Direito, e o que se assistiu após ele, as democracias
agregaram ao seu conceito um conteúdo finalístico,
assumindo como sua razão de ser a realização dos
Direitos Fundamentais.
Na Democracia Constitucional, surgem outros
espa ços políticos de atuação da cidadania que não os
clássicos métodos de representação, entre os quais se
destaca o Judiciário, que em crescente atuação política,
reinventa a sua Jurisdição e legitimidade.
Desta forma, são reinventados também os instru-
mentos processuais, de modo a possibilitar a abertura
do processo à participação democrática. A este desi-
derato serve o Amicus Curie, numa demonstração
de que o processo adequa-se à nova roupagem das
Democracias Constitucionais, na qual a necessidade
de inclusão das minorias e a proteção dos Direitos
Fundamentais são imperiosas.
A participação política no Poder Judiciário, legi-
timada pela vontade do poder Constituinte e pela
opinião pública, cerceia o excesso do poder constituído
e contorna uma grave crise de representatividade ins-
taurada que ameaça transformar a Democracia em
teorema formal.
Assim, participação do Amicus Curiae é partici-
pação do cidadão na vida pública na seara do Poder
Judiciário, possibilita o pluralismo e complementa a
Democracia representativa, pelo viés da concretização
os Direitos Fundamentais. De modo a consolidar a
“Democracia Constitucional Participativa” em detrimento
da “Democracia Majoritária”, pelo reconhecimento
de uma representação política, ou funcional, atrelada
à cidadania social, exercida pela comunidade de
intérpretes e agentes judiciais.
Estabelecido o direito “à máxima efetividade da
Constituição”, tendo a função jurisdicional deixado de
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ser reguladora de conflitos intersubjetivos, consagrou-se
o Judiciário como um cenário político apto a realizar
as prestações sociais do Estado Democrático Consti-
tucional, com a participação do cidadão, que não é
mais o Jurisdicionado inerte de outrora.
Assim, considerando a premissa de que a Juris-
prudência cria direito, porque a norma se perfaz no
momento da interpretação, os cidadãos participam da
criação do direito estatal pela interpretação e aplicação
do direito, não somente pela representatividade confe-
rida ao Legislativo, mas pela via judicial.
O Poder Judiciário é poder político, suas instâncias
são espaços democráticos de atuação e produção
política, não representativa, mas participativa, regidos
por regras de processo. Assim, o Judiciário realiza os
valores e princípios democráticos constitucionais, pela
participação dos cidadãos e atores estatais, na concre-
tização dos valores fundamentais.
Por tudo quanto exposto, há que se buscar o
aumento da participação política do jurisdicionado,
de sua consciência e compromisso com a Constituição,
e, por fim, o aumento da participação, da figura do
Amicus Curiae.
•Recebido em: 18/06/2009 •Aprovado em: 19/10/2009
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Histórico e missão
A Revista da FAE, existente desde 1998, é um espaço para divulgação da produção científica e acadêmica de temas multidisciplinares, que enfoca, principalmente, as áreas de administração, contabilidade, economia, direito, engenharia, educação, sistemas de informação, psicologia e filosofia, com o intuito de discutir o posicionamento das organizações e o desenvolvimento local.
Por ter como missão fomentar a produção e a dissemi-nação de conhecimento em áreas correlatas à discussão sobre a gestão de negócios e o posicionamento das organizações no processo de desenvolvimento local, entre nossos leitores, encontram-se professores, alunos de graduação e pós-gradu-ação, consultores, empresários e profissionais de empresas públicas e privadas.
Objetivo
O objetivo da Revista da FAE é promover a publicação de temas relacionados à gestão de negócios e à inserção das organizações no processo de desenvolvimento local.
A Revista da FAE deseja motivar e instigar os seus leitores a compreenderem o papel das organizações no processo de desenvolvimento local, tendo acesso à discussão de temas atuais e relevantes para definição estratégica e operacional das organizações.
Assim, será dada prioridade à publicação de artigos que, além de inéditos, nacional e internacionalmente, versem sobre o papel das organizações no desenvolvimento local e discutam sobre temas contemporâneos da gestão de negócios.
Orientação editorial
Os trabalhos selecionados pela Revista da FAE serão aqueles que abordem temas relacionados ao seu objetivo, ou seja, que se refiram a ferramentas, técnicas e teorias relacio-nadas à gestão de negócios e à função das organizações no processo de desenvolvimento local.
Com o tema gestão de negócios, visa-se contribuir com o debate sobre sistemas de gestão de produção e gestão econômica de sistemas produtivos, com o intuito de discutir
o processo de desenvolvimento da organização. Trata-se de uma visão holística sobre a gestão de negócios, a partir de uma abordagem multidisciplinar das áreas de ciências sociais aplicadas (administração, contábeis e economia), jurídica (direito) e exatas (engenharias).
Já com o tema organizações e desenvolvimento, o objetivo é analisar o papel e a interação da organização, qualquer que seja sua origem ou situação societária, no processo de sustentabilidade econômica, social, ambiental e política.
Além de trabalhos puramente teóricos, serão aceitos para apreciação artigos resultantes de estudos de casos ou pesquisas direcionadas que exemplifiquem ou tragam experiências, fundamentadas teoricamente, e que contribuam com o debate estimulado pelo objetivo da revista.
Enfatiza-se a necessidade de os autores respeitarem as normas estabelecidas nas Notas para Colaboradores, especial-mente as referentes ao limite de tamanho. Os trabalhos serão publicados de acordo com a ordem de aprovação, porém será priorizado o conteúdo multidisciplinar do debate.
Todos os artigos estão disponíveis para download, exceto a última edição.
Focos
O principal requisito para publicação na Revista da FAE consiste em que o artigo represente, de fato, contribuição científica. Tal requisito pode ser desdobrado nos seguintes tópicos:
• O ���� ������� ���� ��� ��������� � ���������� ��contexto e ao momento e, preferencialmente, per-tencer à orientação editorial.
• O��f����c��������c��c��c������������f������������da arte do conhecimento na área.
• O���������������������g��������c����������� com princípios de construção científica do conhe-cimento.
• Ac��c���ã��������c�����c��c����������������-cações do trabalho para a teoria e/ou para a prática administrativa.
Espera-se, também, que os artigos publicados na Revista da FAE desafiem o conhecimento e as práticas estabelecidas com perspectivas provocativas e inovadoras.
Orientações aos colaboradores da Revista da FAE
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Escopo
A Revista da FAE tem interesse na publicação de artigos
de desenvolvimento teórico e trabalhos empíricos.
Os artigos de desenvolvimento teórico devem ser
sustentados por ampla pesquisa bibliográfica e devem propor
novos modelos e interpretações para fenômenos relevantes
com relação à gestão de negócios e à interação das organiza-
ções no desenvolvimento local.
Os trabalhos empíricos devem fazer avançar o
conhecimento na área, por meio de pesquisas metodologi-
camente bem fundamentadas, criteriosamente conduzidas
e adequadamente analisadas.
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