sumÁrio summary · nara medianeira stefano, leoni pentiado godoy evaluation of financial and...

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Políticas sociais no Brasil pós Plano Real 1 Rafael Moraes, Róber Iturriet Avila, Stefano José Caetano da Silveira Ecossocioeconomia das organizações: gestão que privilegia uma outra economia 17 Carlos Alberto Cioce Sampaio, Ivan Sidney Dallabrida Comunidade, ética e economia ecológica: reflexões sobre o modo de vida da morada da paz 35 Rogério Ferreira Teixeira Estratégia de Produção: foco, aprendizagem e sua relação com a execução da estratégia de negócios 47 José Vicente Bandeira de Mello Cordeiro Descrição do processo produtivo da carne orgânica: pontos fortes e pontos fracos 61 Diego Gilberto Ferber Pineyrua, Anaglis Lucati Automação bancária x atendimento pessoal: a preferência dos clientes em Curitiba 73 Leide Albergoni, Cristiane Pereira Análise da qualidade percebida em uma organização de serviço 89 Nara Medianeira Stefano, Leoni Pentiado Godoy Avaliação de resultado financeiro e não financeiro na perspectiva do consumidor: aplicação no varejo de serviço 99 Eliane Cristine Francisco Maffezzolli, Paulo Henrique M. Prado Saúde e segurança no meio ambiente do trabalho como garantia constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado 117 Rafaela Luiza Pontalti Giongo, Renata Cristina Pontalti Giongo Estatuto da criança e do adolescente: 19 anos de subjetivações 133 Mário Luiz Ramidoff Indicadores para avaliar a responsabilidade social nas instituições de ensino superior 145 Gilmar José Hellmann Amicus Curiae: instituto processual de legitimação e participação democrática no judiciário politizado 157 Luana Paixão Dantas do Rosário SUMÁRIO SUMMARY Social Policies in Brazil post-Real period 1 Rafael Moraes, Róber Iturriet Avila, Stefano José Caetano da Silveira Eco-social economics of organizations: management that privileges another economy 17 Carlos Alberto Cioce Sampaio, Ivan Sidney Dallabrida Community, ethics and ecological economy: reflections about morada da paz’s way of life 35 Rogério Ferreira Teixeira Operations strategy: focus, learning and their relation to business strategy execution 47 José Vicente Bandeira de Mello Cordeiro Description of the production process of organic meat: strong points and weak points 61 Diego Gilberto Ferber Pineyrua, Anaglis Lucati Banking automation x personal services: Curitiba’s clients preference 73 Leide Albergoni, Cristiane Pereira Analysis of perceived quality in a service organization 89 Nara Medianeira Stefano, Leoni Pentiado Godoy Evaluation of financial and non-financial result in the perspective of the consumer: applied to service retail 99 Eliane Cristine Francisco Maffezzolli, Paulo Henrique M. Prado Health and security in the work environment as constitutional guarantee to the ecologically balanced environment 117 Rafaela Luiza Pontalti Giongo, Renata Cristina Pontalti Giongo Statute of the child and adolescent: 19 years of subjectivations 133 Mário Luiz Ramidoff Indicators to assess social responsibilities in colleges 145 Gilmar José Hellmann Amicus Curiae: institute procedural legitimacy the democratic participation in politicizad judiciary 157 Luana Paixão Dantas do Rosário FAE Centro Universitário Curitiba, v.12, n.2, jul./dez. 2009 - ISSN 1516-1234

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Políticas sociais no Brasil pós Plano Real 1

Rafael Moraes, Róber Iturriet Avila, Stefano José Caetano da Silveira

Ecossocioeconomia das organizações: gestão que privilegia uma outra economia 17

Carlos Alberto Cioce Sampaio, Ivan Sidney Dallabrida

Comunidade, ética e economia ecológica: reflexões sobre o modo de vida da morada da paz 35

Rogério Ferreira Teixeira

Estratégia de Produção: foco, aprendizagem e sua relação com a execução da estratégia de negócios 47

José Vicente Bandeira de Mello Cordeiro

Descrição do processo produtivo da carne orgânica: pontos fortes e pontos fracos 61

Diego Gilberto Ferber Pineyrua, Anaglis Lucati

Automação bancária x atendimento pessoal: a preferência dos clientes em Curitiba 73Leide Albergoni, Cristiane Pereira

Análise da qualidade percebida em uma organização de serviço 89Nara Medianeira Stefano, Leoni Pentiado Godoy

Avaliação de resultado financeiro e não financeiro na perspectiva do consumidor: aplicação no varejo de serviço 99

Eliane Cristine Francisco Maffezzolli, Paulo Henrique M. Prado

Saúde e segurança no meio ambiente do trabalho como garantia constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado 117

Rafaela Luiza Pontalti Giongo, Renata Cristina Pontalti Giongo

Estatuto da criança e do adolescente: 19 anos de subjetivações 133Mário Luiz Ramidoff

Indicadores para avaliar a responsabilidade social nas instituições de ensino superior 145

Gilmar José Hellmann

Amicus Curiae: instituto processual de legitimação e participação democrática no judiciário politizado 157

Luana Paixão Dantas do Rosário

SUMÁR IO SUMMaRy

Social Policies in Brazil post-Real period 1

Rafael Moraes, Róber Iturriet Avila, Stefano José Caetano da Silveira

Eco-social economics of organizations: management that privileges another economy 17

Carlos Alberto Cioce Sampaio, Ivan Sidney Dallabrida

Community, ethics and ecological economy: reflections about morada da paz’s way of life 35

Rogério Ferreira Teixeira

Operations strategy: focus, learning and their relation to business strategy execution 47

José Vicente Bandeira de Mello Cordeiro

Description of the production process of organic meat: strong points and weak points 61

Diego Gilberto Ferber Pineyrua, Anaglis Lucati

Banking automation x personal services: Curitiba’s clients preference 73Leide Albergoni, Cristiane Pereira

Analysis of perceived quality in a service organization 89Nara Medianeira Stefano, Leoni Pentiado Godoy

Evaluation of financial and non-financial result in the perspective of the consumer: applied to service retail 99

Eliane Cristine Francisco Maffezzolli, Paulo Henrique M. Prado

Health and security in the work environment as constitutional guarantee to the ecologically balanced environment 117

Rafaela Luiza Pontalti Giongo, Renata Cristina Pontalti Giongo

Statute of the child and adolescent: 19 years of subjectivations 133Mário Luiz Ramidoff

Indicators to assess social responsibilities in colleges 145Gilmar José Hellmann

Amicus Curiae: institute procedural legitimacy the democratic participation in politicizad judiciary 157

Luana Paixão Dantas do Rosário

FAE Centro UniversitárioCuritiba, v.12, n.2, jul./dez. 2009 - ISSN 1516-1234

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Revista da FAE. n.1/2, jan.dez. 1998 – Curitiba, 1998 –v. 28cm. Regular

SemestralSubstitui ADECON: revista da Faculdade Católica de

Administração e Economia.ISSN 1516-1234

1. Abordagem interdisciplinar do conhecimento. I. Centro Universitário Franciscano do Paraná.

CDD - 001

Circulação: Janeiro de 2010

Revista da FAE

Apresentação

Prezados leitores,

A FAE Centro Universitário tem o imenso prazer de colocar à comunidade acadêmica mais um

volume da Revista da FAE.

A Revista da FAE, existente desde 1998, é um espaço para divulgação da produção científica e

acadêmica de temas multidisciplinares, que enfoca, principalmente, as áreas de administração,

contabilidade, economia, direito, engenharia, educação, sistemas de informação, psicologia e filo-

sofia, com o intuito de discutir o posicionamento das organizações e o desenvolvimento local.

Nesta edição, o leitor terá a oportunidade de desfrutar de temas que abordam diferentes

aspectos da economia: uma retrospectiva e análise de políticas sociais no Brasil pós Plano

Real, uma reflexão sobre a contribuição de uma alternativa (ecos) socioeconômica que dê

conta das insuficiências observadas nos modelos do utilitarismo econômico e do darwinismo

social, e um ensaio de investigação sobre as dinâmicas socioeconômicas ambientais e o modo

de vida da Comunidade Morada da Paz (CMP).

Contemplando o enfoque da administração, a revista nos saúda com um estudo de caso em

uma empresa do setor de autopeças na Região Metropolitana de Curitiba sobre estratégia de

produção com foco no processo de aprendizagem e sua relação com a educação de estratégia

de negócios. Paralelamente a esta linha, uma outra abordagem descritiva acerca do processo

produtivo da pecuária orgânica, destacando os pontos fortes e fracos.

Corroborando com a importância e participação do setor de serviços na composição da nova

economia, temos a oportunidade de conhecer o resultado de uma pesquisa de campo realizada

nas cinco maiores instituições bancárias de Curitiba, na qual elabora-se uma comparação

entre a preferência e a satisfação dos clientes, em relação ao atendimento automático. Ainda,

o resultado de um estudo realizado em uma empresa localizada no Rio Grande do Sul sobre

análise da qualidade percebida em uma organização de serviço; o tema é complementando

por um artigo que enfatiza a importância do desenvolvimento de uma avaliação de resultado

financeiro e não financeiro na perspectiva do consumidor em varejo de serviço.

Voltando-se para área de humanas, os artigos discorrem sobre a temática do direito do traba-

lhador de exercer sua atividade laborativa em um meio ambiente de trabalho saudável e seguro;

uma retrospectiva sobre os avanços práticos e significativos nos 19 (dezenove) anos de instala ção

do Estatuto da Criança e do Adolescente; uma síntese do conceito de responsabilidade social,

passando do entendimento empresarial ao âmbito universitário, assim como, a necessidade

de se utilizar indicadores para avaliar a Responsabilidade Social nas insti tuições de ensino

superior. Finalmente, uma demonstração por meio de uma abordagem dialética, de que o

Amicus Curiae é um instrumento processual de participação e legitimação democrática.

Mais uma vez, esperamos e desejamos que os assuntos aqui tratados e desenvolvidos

pelos autores tenham apresentado uma contribuição no conhecimento individual de cada

um de nós, e com isso, promovido reflexões e mudanças no ambiente interdisciplinar em

que atuamos e vivemos.

PAZ E BEM!

Frei Nelson José Hillesheim, ofm

Editor

Revista da FAE

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.1-15, jul./dez. 2009 | 1

Políticas sociais no Brasil pós Plano Real1

Social Policies in Brazil post-Real period

Resumo

A intenção deste artigo é analisar os fundamentos das principais políticas públicas sociais no Brasil no período pós-Plano Real, bem como seus resultados apurados através da dinâmica da distribuição de renda. Dado que a manutenção da política macroeconômica conservadora durante todo o período inviabilizou aumentos consideráveis nos repasses para as referidas políticas sociais, a análise centralizou-se mais no perfil dos gastos que em seu montante. Com base neste fundamento, o artigo se divide em dois sub-períodos: um de políticas sociais universais (1994-2000) e outro de políticas sociais focalizadas (2001-2008). É debatida, adicionalmente, a capacidade de tais políticas aprofundarem a redução da desigualdade de renda no que toca o conflito capital/trabalho.

Palavras-chave: políticas públicas; distribuição de renda; programas sociais.

Abstract

This paper aims at analyzing the fundamentals of the main social public policies carried out in Brazil during the post-Real period. We also explore the results of such policies in terms of income distribution. Since the maintenance of orthodox macroeconomic policies during the period barred significant increases in social policy funding, the analysis focuses more on the profile than on the absolute amounts of expenditures. Towards this objective, the analysis is divided in two sub-periods: one of universal social policies (1994-2000) and another of focused social policies (2001-2008). It is discussed, in addition, the ability of these policies to further reduce the income inequality regarding the conflict capital / labor.

Keywords: public policies; income distribution; social programs.

1 O presente artigo foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq – e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes. Agradecemos ao Prof. Dr. Fernando Ferrari Filho pelas críticas e sugestões, assumindo a versão final como de nossa exclusiva responsabilidade.

* Mestrando em Economia do Desen volvimento (UFRGS). E-mail: [email protected]

** Mestrando em Economia do Desenvolvimento (UFRGS). Professor substituto na Universidade Federal do Rio Grande – FURG. E-mail: [email protected]

*** Mestrando em Economia do Desenvolvimento (UFRGS). Técnico em computação da Companhia de Processamento de Dados do Estado do Rio Grande do Sul (PROCERGS). E-mail: [email protected]

Rafael Moraes* Róber Iturriet Avila**Stefano José Caetano da Silveira***

2 |

Introdução

Com a estabilização dos preços conquistada com o

Plano Real, a distribuição de renda no Brasil viveu uma

fase de maior equalização. Todavia, após a superação

do efeito da queda da inflação, a referida repartição

da renda manteve-se estável até o ano 2000, quando

iniciou uma nova fase no caminho da diminuição de sua

concentração. Tal situação pode ser referendada pelo

gráfico do Índice de Gini2, que reflete basicamente a

distribuição do rendimento domiciliar per capita.

Subdividindo o período entre a fase de estabilidade

e a fase de melhora na distribuição da renda, respec-

tivamente 1995-2000 e 2001-2008, notamos que houve

uma relevante alteração no perfil das políticas sociais

implementadas de um período para outro.

GRÁFICO 01 - ÍNDICE DE GINI NO BRASIL - 1995-2007

1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Ano

0,61

0,6

0,59

0,58

0,57

0,56

0,55

0,54

0,53

0,52

FONTE: IBGE (2009c)

NOTA: Não existem dados para os anos de 1994 e 2000.

Entre 1994 e 2000, durante os seis primeiros

anos do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC),

a prioridade apresentada para a política social foi

a universalização do acesso à saúde e à educação

fundamental (DRAIBE, 2003). O governo considerava

estes setores como imperiosos para a melhoria da

qualidade de vida, bem como para o acesso à renda

das camadas mais pobres da população. Entretanto,

2 O Índice de Gini mede o grau de desigualdade existente na distribuição de indivíduos segundo a renda domiciliar per capita. Seu valor varia de zero, quando não há desigualdade, a um, quando a desigualdade é máxima – apenas um indivíduo detém toda a renda da sociedade (MDA, 2004).

este período ficou marcado pela contradição entre a

política macroeconômica estabelecida – principalmente

por seu caráter conservador, com controle dos níveis

inflacionários – e a viabilidade dos programas sociais

propostos.

Na busca da universalização dos serviços sociais,

como saúde e educação, a união optou pela descen-

tralização de responsabilidades. A péssima condição

financeira de estados e municípios, no entanto, repre-

sentava importante entrave na melhoria destes serviços.

Por seu turno, o Governo Federal vinculava os repasses de

programas sociais ao equilíbrio financeiro de seus entes

federativos, o que, dadas as condições acima expostas,

fazia com que poucos conseguissem acessar tais recursos

e desenvolver seus projetos (FAGNANI, 1999).

A partir de 2001, o governo alterou sua política

de enfrentamento aos problemas sociais, através da

criação de programas focalizados na transferência direta

de renda às famílias carentes. Embora nos exercícios

de 2001 e 2002 os mesmos tenham sido residuais e

setorizados, entre 2003 e 2005 estes programas sociais

foram ampliados e unificados no Bolsa Família (ARBIX,

2007). Neste período, a despeito da manutenção da

política econômica conservadora, o governo logrou

obter melhoria na distribuição da renda, conforme se

observa no gráfico 1.

Posto isto, a intenção do presente artigo consiste em

analisar as políticas públicas sociais no período pós-Plano

Real, seus resultados imediatos, bem como seus limites

e problemas. Para tanto, são utilizados dados extraídos

da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios até o

ano de 2007 (IBGE, 2009c), além de séries históricas de

índices de distribuição de renda publicadas pelo Instituto

de Pesquisa Econômica Aplicada. A partir destes dados,

o trabalho propõe duas avaliações paralelas. A primeira

parte do comportamento do Índice de Gini ao longo

do período estudado. Visando entender a aceleração da

melhora na distribuição de renda a partir de 2000, a

segmentação se centra no formato das políticas sociais

e não em seus montantes de recursos empenhados.

Tal opção foi feita considerando a segunda análise que

Revista da FAE

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.1-15, jul./dez. 2009 | 3

norteia este estudo, qual seja, o posicionamento das

políticas sociais no interior da política macroeconômica

global durante o período pós-Plano Real. Desta forma,

objetiva-se explicar como as políticas sociais passaram

a apresentar melhores resultados no que tange à

desigualdade da distribuição de renda, a despeito de

poucas alterações no modelo de condução das políticas

macroeconômicas.

No intuito de atender aos objetivos acima elen cados,

o presente artigo está estruturado da seguinte maneira:

inicialmente é realizada a apresentação dos programas

sociais brasileiros estabelecidos após a implantação do

Real como moeda – em 01 de julho de 1994 – dividindo-os

em dois períodos distintos: de 1994 até 2000 e de

2001 até 2008, enfocando seus objetivos iniciais e

procurando responder se os mesmos foram atingidos.

Segue analisando o Programa Bolsa Família (PBF), por

ser o programa de distribuição de renda do período

pós-Real de maior destaque, principalmente no que toca

ao número de famílias atingidas. No final, contrapõe

o comemorado sucesso da redução da desigualdade

de renda através de uma singela apresentação de sua

distribuição funcional. Em outras palavras, o artigo

instiga um debate que visa entender até que ponto

as políticas sociais estão realmente reduzindo a

disparidade entre os detentores de rendas do capital e

do trabalho no país.

1 Queda da desigualdade de renda

no período pós-Plano Real

Ao longo dos anos em análise, o dado de desi-

gualdade de renda do Brasil obteve considerável

melhora. O gráfico 1 retrata esta evolução através do

Índice de Gini. Entre 1994 e 2007, o índice caiu 7,85%.

Há que destacar, no entanto, que entre 2001 e 2007 o

mesmo caiu 6,91%. Desta forma, é possível concluir que

praticamente toda a queda da desigualdade entre os

indivíduos se deu neste intervalo.

GRÁFICO 02 - PROPORÇÃO DOS DOMICÍLIOS COM RENDA DOMICILIAR PER CAPITA INFERIOR A LINHA DE POBREZA E NA INDIGÊNCIA

1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Ano

40

35

30

25

20

15

10

5

0

%

Indigentes

Pobres

FONTE: IPEA (2009)

NOTA: Este corte analítico considera o consumo que satisfaça os requisitos nutricionais mínimos. Também referido como aquele com renda familiar per capita igual ou inferior a 50% do salário mínimo, sendo indigente menor igual a 25% do salário mínimo. A metodologia completa encontra-se no Ipedata. Não existem dados para os anos de 1994 e 2000.

Para esmiuçar tal evolução, pode-se analisar o com-

portamento da participação da renda de acordo com os

cortes por decis. Neste interregno, a fatia destinada aos

10% mais ricos apresenta queda de 8,4%; também com

destaque para o período pós 2001 (IPEA, 2009a).

No mesmo sentido, houve incremento na parti-

cipação na renda dos 10% mais pobres (primeiro decil),

que obteve elevação de 24,61% de participação na

renda. Comportamento semelhante foi observado nos

segundo, terceiro e quarto decis.

Outra análise que revela esta alteração social vigente

no país se dá pela proporção de domicílios considerados

pobres. Nota-se que, desta vez, a queda se destacou a

partir de 2003, quando a faixa dos domicílios abaixo da

linha da pobreza passou dos 34% vigentes desde 1995

para menos de 25% (IPEA, 2009a).

Impõe-se, portanto, a averiguação dos fatores

responsáveis por tais alterações ocorridas a partir de

2001 e de 2003. Dentre eles, destacam-se o programa

Bolsa Família3 e a variação real do salário mínimo. De

acordo com levantamento da Pesquisa Nacional por

3 Um terço da melhoria na distribuição de renda advém de transferências governamentais, sendo que 19% do total pode ser atribuído ao Bolsa Família, de acordo com IPEA (2009).

4 |

Amostra de Domicílios de 2005 (IBGE, 2009c), 8,9%

do PIB é representado por aposentadorias e pensões,

as quais possuem aderência com a variação do salário

mínimo, o que ocasiona uma forte relação entre o

aumento do salário mínimo e a redução da desigualdade

de renda.

GRÁFICO 03 - SALÁRIO MÍNIMO REAL JUL./1994 – FEV./2009

1994

.07

1995

.05

1996

.03

1997

.01

1997

.11

1998

.09

1999

.07

2000

.05

2001

.03

2002

.01

2002

.11

2003

.09

2004

.07

2005

.05

2006

.03

2007

.01

2007

.11

2008

.09

500

450

400

350

300

250

200

150

100

50

0

FONTE: IPEA (2009)

NOTA: Série em reais (R$) constantes do último mês, deflacionando-se o salário mínimo nominal pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do IBGE.

Como é possível perceber, a partir de 2000 a

variação do salário real passou a ser mais significativa

e persistente, porém, ao longo de 2001 e 2002 ela

foi corroída. A alteração de 2003 deve ser acentuada,

merecendo destaque, ainda, os anos de 2005 e 2006.

De acordo com Dedecca, Jungbluth e Trovão (2008), a

variação do salário mínimo tem impacto forte no terceiro

e quarto decis. Já o Bolsa Família exerce influência nos

dois primeiros intervalos decílicos. Estes dois fatores

explicam grande parte desta queda de 64,52% no

número de domicílios com renda per capita inferior à

linha da pobreza entre 2003 e 2007, observados no

gráfico 2.

Seguindo o quadro de alterações recentes no

perfil de distribuição de renda, o estudo realizado pelo

IPEA (2008) mostra que, entre 2001 e 2007, a renda

dos 20% mais pobres cresceu quase quatro pontos

percentuais a mais que a renda nacional de cada ano.

Tal acontecimento provocou uma significativa trans-

formação social capaz de deixar o Brasil à frente de

99% dos países em termos de variação de renda entre

a população mais pobre. Esta transformação permitiu

que 13,8 milhões de pessoas ascendessem de faixa

social. Quadro que representa uma alteração profunda

na sociedade brasileira, atingindo, deste modo, o menor

nível de desigualdade em 30 anos, superando o baixo

dinamismo social que persistiu por um longo tempo.

GRÁFICO 04 - VARIAÇÃO DA RENDA FAMILIAR PER CAPITA POR DECIL 2001-2007

1o 2o 3o 4o 5o 6o 7o 8o 9o 10o

Decil

8

7

6

5

4

3

2

1

0

Varia

ção

%

FONTE: IPEA (2009)

Nas seções que seguem serão debatidas as polí-

ticas sociais implementadas pelos governos Fernando

Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva, visando

encontrar as respostas para este comportamento da

distribuição da renda, bem como averiguar se as mes-

mas, especialmente o Bolsa Família, podem ser tidas

como responsáveis por estes resultados.

2 Políticas sociais de 1994 a 2000:

universalização da saúde e educação

Durante os primeiros seis anos do governo FHC,

a preocupação com a questão social esteve centrada

na universalização do acesso à saúde e à educação.

Assim, os programas diretos de transferência de renda

nos moldes dos hoje vistos eram secundários na política

oficial do governo e, se existiam, eram tão reduzidos

que não surtiam efeito algum na renda da população

(DRAIBE, 2003).

De acordo com o pensamento que norteava a

citada gestão, as melhorias na qualidade de vida da

Revista da FAE

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.1-15, jul./dez. 2009 | 5

população de mais baixa renda passavam pela amplia-

ção do acesso aos serviços prestados em educação, saúde,

previdência4 e saneamento básico. No que tange par-

ticularmente à área da educação, a meta do governo

era universalizar o acesso ao ensino fundamental. Tal

proposta coincidia com o receituário liberal, sintetizado

no chamado “Consenso de Washington5”, que entende

que a expansão do acesso à educação gera a ampliação

do capital humano. O resultado imediato seria o au-

mento da renda e sua melhor distribuição, em vista da

maior capacitação do trabalhador.

Visando esta melhora no acesso ao serviço edu-

ca cional, foi criado, em 1996, o Fundo de Manu-

tenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental

e de Valorização do Magistério – Fundef (FRIGOTTO;

CIAVATTA, 2003). O Fundef tinha como meta tornar mais

transparentes os repasses federais para a educação,

isolando-os em contas específicas. Na teoria, o Fundo

também previa aumentos nos repasses.

Neste período, foi incentivada a municipalização

do ensino fundamental. O governo acreditava que as

prefeituras, mais próximas das escolas, teriam melhores

condições de gerir os recursos. Por trás deste incentivo,

encontrava-se a noção de que com a descentralização

das responsabilidades, ampliar-se-ia eficiência dos gas-

tos públicos. Para o governo, os gastos com educação –

algo em torno de 4 a 4,5%6 do PIB – não eram escassos.

Os problemas, neste caso, advinham da má gestão dos

recursos (PINTO, 2002).

4 No que tange à previdência, fazia parte das metas do governo a consecução de uma reforma que reduzisse a participação do Estado e incentivasse a previdência privada. Segundo seus idealizadores, este mecanismo, além de mais eficiente – pois cada setor ou até mesmo cada empresa poderia ter seu fundo de previdência –, era também uma forma de aliviar as contas públicas.

5 Para maiores informações sobre o Consenso de Washington, consulte: WILLIAMSON, John. The Washington Consensus as policy prescription for development. IIE – Institute for International Economics, Washington. Disponível em: http://www.iie.com/publications/papers/williamson0204.pdf.

6 Referente a todas as esferas de governo.

De acordo com Pinto (2002), entretanto, a munici-

palização não redundou em melhorias na educação.

Segundo o autor, em algumas cidades, escolas chegaram

a ser improvisadas, funcionando sem condições ade-

quadas, e alunos que deveriam cursar a pré-escola foram

matriculados automaticamente no ensino fundamental

para garantir o repasse dos recursos.

Para Frigotto e Ciavatta (2003), as políticas do

governo FHC estavam alicerçadas em três pilares:

a) desre gulamentação, b) descentralização e autonomia

e c) privatização. Para os autores, a municipalização,

bem como o incentivo à iniciativa privada, notadamente

na educação superior, estão de acordo com estes pilares

e, por sua vez, com a proposta de alinhamento ao

pensamento neoliberal do referido governo.

De forma diversa, Semeghini (2001) afirma que o

Fundef foi um avanço há muito aguardado por alunos

e professores no Brasil. Para ele, a vinculação de 25%

das receitas estaduais7 e 18% da receita federal para a

educação, garantidos pela Constituição de 1988, não

haviam sido suficientes para garantir o financiamento

adequado do setor. Somente com o Fundef foi possível

aos estados, municípios e à União ampliarem a eficácia

destes gastos e torná-los definitivamente capazes de

ampliar o acesso à educação.

O estudo apresenta, adicionalmente, que o

número de matriculados do ensino fundamental na

rede municipal ampliou-se de 12,4 milhões de alunos

em 1997, para 16,7 milhões em 20008. Por sua vez,

as matrículas na rede estadual caíram de 18 milhões

para 15,8 milhões. Entre 1998 e 2000, o montante dos

recursos repassados pelo Fundef aumentou em 33%.

Nos resultados apresentados, destacam-se o grande

aumento dos repasses do Fundo para as regiões Norte

e Nordeste e para os municípios das regiões metro-

7 Apesar de a constituição federal determinar a destinação de 25% das receitas estaduais à educação, alguns estados ampliaram este percentual através de lei estadual.

8 A taxa de escolarização das pessoas entre sete e 14 anos de idade passou de 90,2% em 1995 para 95,7% em 1999. Atualmente (2007) está em 97,7% (IBGE, 2009c).

6 |

politanas, sabidamente aqueles que concentram os

maiores bolsões de pobreza. Fato este, que de acordo

com o autor, demonstra a melhor distribuição dos gas-

tos (SEMEGHINI, 2001).

No que tange à área da saúde, a política gover-

namental não fugiu à regra acima exposta. Programas

específicos para esta área, como o Programa Saúde da

Família (PSF) e o Programa do Agente Comunitário da

Saúde (PACS) também estavam imbuídos do espírito de

descentralização das responsabilidades, posto que suas

gestões ficavam a cargo das prefeituras. Ambos os pro-

gramas apresentavam um caráter mais focalizado, dado

que as ações concentravam-se em regiões mais caren-

tes. Além da descentralização e da ênfase em políticas

focalizadas e preventivas, o governo também buscou

ampliar as fontes de financiamento do Sistema Único

de Saúde (SUS). Com este objetivo, foi criada a Con-

tribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras

(CPMF)9. Além desta fonte financeira, foram determina-

das a fixação e a preservação de receitas mínimas para

a saúde (DRAIBE, 2003).

Outros programas de cunho social foram criados

no período, cabe dizer, todos submissos à política mo-

netária do governo. Dentre estes programas, convém

destacar: o Programa Nacional de Agricultura Familiar

(Pronaf), de 1995, a Lei de Diretrizes e Bases da Edu-

cação Nacional (LDB), de 1996, o Programa Nacional

de Alimentação Escolar (PNAE), de 1999, o Programa

Comunidade Solidária, de 1995, de autoria da então pri-

meira-dama Ruth Cardoso, o Programa de Ação Social

de Saneamento (PASS), de 1995, o Programa Habitar

Brasil, de 1996, e o Programa de Erradicação do Traba-

lho Infantil (Peti), também de 1996 (FAGNANI, 1999).

Ainda de acordo com Fagnani (1999), todos estes

programas sofreram do mesmo mal. Eles tinham seu

9 Criada pelo então ministro da saúde Adib Jatene, em julho de 1993, durante o governo Itamar Franco, com o nome de Imposto Provisório de Movimentações Financeiras (IPMF), incidia sobre todas as transações de débito efetuadas nas contas mantidas pelas instituições financeiras. Em 1997, tornou-se CPMF, sendo extinta em 2007 (SILVEIRA, 2007).

orçamento enquadrado à política macroeconômica

res tritiva adotada pelo governo. Projetos, como o Comu -

nidade Solidária, que tinham como meta repassar recur-

sos para o desenvolvimento de comunidades carentes,

exigiam como contrapartida saneamento das contas

públicas municipais. Muitos destes municípios se encon-

travam em péssimas condições financeiras, deste modo,

o projeto não atingia seus objetivos. Para terem acesso

aos repasses federais desses e de outros programas,

vários estados e municípios acabaram renegociando

suas dívidas, o que acabou comprometendo grande

parte de seus orçamentos, com pagamento de juros e

amortizações10.

Assim, pode-se concluir que houve, por parte do

governo, iniciativa no sentido de ampliar a eficiência

no trato com os recursos, seja por meio da criação de

novos programas, seja através da descentralização das

responsabilidades sobre os serviços sociais. A despei-

to disto, os compromissos assumidos com organismos

multilaterais como o Banco Mundial (BIRD) e o Fundo

Monetário Internacional (FMI) destinavam grande parte

das receitas públicas ao pagamento de juros da dívida,

inviabilizando a disponibilidade de receitas necessárias

para uma sustentável e duradoura melhora nestes ser-

viços. Em suma, os gastos com os altos juros praticados

não só restringiram as políticas sociais, como também

quaisquer outras políticas púbicas visando o desenvol-

vimento do país.

Por fim, o período analisado foi caracterizado por

seu baixo crescimento econômico, e, consequentemen-

te, pouco incremento nas receitas da União, dos estados

e dos municípios. Diante deste quadro, houve ampliação

10 A partir de 1996 o governo central possibilitou às unidades federadas renegociarem suas dívidas com a União. Para que isto ocorresse, os governos estaduais deveriam se enquadrar em algumas diretrizes. Dentre elas, não permitir que o valor da dívida ultrapassasse o da receita líquida real anual, obter superávit primário, controlar a despesa com o funcionalismo, alcançar as metas de arrecadação estabelecidas no acordo, reformar o Estado e não ultrapassar o valor fixado como teto para os investimentos. Com exceção do Amapá e de Tocantins, todos os estados brasileiros renegociaram suas dívidas (SILVEIRA, 2007a).

Revista da FAE

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.1-15, jul./dez. 2009 | 7

da demanda por ações públicas, enquanto o quadro de

prioridades do governo mantinha minguados os recur-

sos voltados para atendê-las. A conclusão a que se pode

chegar sobre este momento da história brasileira é de

que a escassez de recursos disponibilizados para as po-

líticas sociais, aliada ao baixo crescimento do produto,

não permitiu que a desigualdade da renda se reduzisse

fortemente. Desta maneira, mesmo após forte queda

dos índices inflacionários, o Índice de Gini manteve-se

praticamente estável durante o período 1994 a 2000.

3 Políticas sociais de 2001 a 2008:

transferência de renda

A partir do ano de 2001, é possível notar uma varia-

ção clara quanto às políticas sociais. Com a criação do

Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Educação

(o Bolsa Escola), e do Programa Auxílio-Gás, o governo

iniciou uma política de transferência direta de renda. Esta

política objetivava atender as demandas sociais focalizando

os gastos. Em outras palavras, o intuito passou a ser

“atender a quem realmente precisa”, sem “desperdiçar”

recursos. Estes programas podem ser avaliados como uma

maneira de equacionar as cres centes demandas sociais

da população, frente à baixa dis ponibilidade de recursos

públicos voltados a este seg mento, ocasionada pela

política macroeconômica em voga.

Com a vitória de Luís Inácio Lula da Silva nas eleições

realizadas em 2002, a opção pela focalização dos gastos

sociais iniciada na reta final do governo FHC foi mantida

e ampliada. Após a fracassada tentativa de instalação

do Programa Fome Zero – liderada pelo Ministério

Extraordinário da Segurança Alimentar e Combate à

Fome, sob o comando de José Graziano – o governo

unificou todos os programas de transferência de renda,

criando assim o Bolsa Família. Como após a criação deste

Programa, em 2004, os índices que medem o perfil da

desigualdade da renda acentuaram sua melhoria, seu

sucesso foi logo apresentado pelo governo. Frente a

estes resultados, a União tem expandido sucessivamente

não só o número de benefícios, mas também o repasse

para o Bolsa Família.

Na tabela 1 fica clara a opção pelos programas de

transferência de renda após 2001. Os mesmos estão

incluídos na rubrica Assistência Social e tiveram seus

recursos majorados de menos de 0,29% do PIB em 1999,

para 0,99% em 2008. Por sua vez, a rubrica Educação

que respondia por 0,95% do PIB em 1995 caiu a 0,76%

em 2008, enquanto as despesas com Saúde reduziram

de 1,79% para 1,51% do PIB, no mesmo período.

Como constatado através dos dados expostos a

seguir, a opção pelos programas focalizados parece

ter reduzido os já tímidos gastos sociais universais.

Conforme será tratado à frente, programas de

transferência de renda só podem ter algum sucesso em

reduzir as disparidades de renda nas camadas sociais

mais baixas. Em outras palavras, programas como

o Bolsa Família reduzem a desigualdade e ampliam

minimamente os recursos dos mais pobres, tornando-

os menos pobres.

Entretanto, para que se alcance um padrão de

sociedade mais próximo do que se possa chamar de

socialmente justa, é necessário mais que isso, já que as

políticas sociais de cunho universal são imprescindíveis.

Devido ao destaque dado pelo governo ao Bolsa Família,

a seção seguinte detalhará este programa, enfatizando

seus êxitos e limites.

TABELA 01 - GASTOS SOCIAIS DO GOVERNO BRASILEIRO (% DO PIB)

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001

Assist. Social 0,08 0,09 0,17 0,24 0,29 0,40 0,49

Educação 0,95 0,80 0,74 0,79 0,78 0,87 0,83

Emprego 0,53 0,56 0,53 0,59 0,53 0,52 0,56

Saúde 1,79 1,53 1,67 1,58 1,69 1,70 1,71

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Assist. Social 0,60 0,66 0,75 0,83 0,91 0,95 0,99

Educação 0,76 0,71 0,73 0,77 0,73 0,73 0,76

Emprego 0,56 0,55 0,55 0,59 0,69 0,75 0,75

Saúde 1,68 1,58 1,62 1,59 1,68 1,52 1,51

FONTE: IPEA (2009c), 2009 até o ano de 2005. BRASIL, 2009 de 2006 a 2008

8 |

3.2 O Programa Bolsa Família

Através da Lei nº 10.836, de 09 de janeiro de

2004, foi criado o Programa Bolsa Família, destinado

à transferência de renda para camada da população

menos favorecida. Para obtenção e manutenção do

benefício, a família deve passar por periódicas avalia-

ções, compostas por exame pré-natal para gestantes,

acompanhamento nutricional e de saúde – inclusive a

atualização das vacinações – além de frequência escolar

mínima de 85% em estabelecimentos de ensino regular,

para as crianças e jovens em idade escolar. O Programa

foi originado da união de diversos procedimentos

de gestão e execução das ações de transferência de

renda do governo federal, especialmente do Programa

Nacional de Renda Mínima vinculado à Educação

(o Bolsa Escola), do Programa Nacional de Acesso à

Alimentação (PNAA), do Programa Nacional de Renda

Mínima vinculado à Saúde (o Bolsa Alimentação) e do

Programa Auxílio-Gás, bem como de elementos do

Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti).

Suas finalidades de acordo com o quadro 1, são:

QUADRO 01 - FINALIDADES E DESTINAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA

FAMÍLIA

Finalidade Destinação

Benefício básico

Unidades familiares que se encontram em situação de extrema pobreza, ou seja, a chamada pobreza crônica, quando o principal gestor da família encontra-se desempregado há mais de dois anos.

Benefício variável

Unidades familiares que se encontram em situação de pobreza transitória (quando a família sofre por um problema de renda temporário) ou de extrema pobreza que tenham em sua composição gestantes, nutrizes, crianças entre zero e doze anos ou adoles-centes de até 17 anos de idade.

FONTE: BRASIL (2004)

Além disso, o Programa tem como objetivos:

a) permitir o acesso à rede de serviços públicos, em

especial, de saúde, educação e assistência social; b)

combater a fome e promover a segurança alimentar

e nutricional; c) estimular a emancipação sustentada

das famílias que vivem em situação de pobreza ou de

extrema pobreza; d) combater a pobreza; e) estimular

a inter-setorialidade, a complementaridade e a sinergia

das ações sociais do poder público (BRASIL, 2004).

Quando de seu lançamento, o valor mensal do

benefício era de R$ 50,00 para famílias com renda per

capita de até R$ 50,00, assim como de R$ 15,00 por

beneficiário até o limite de R$ 45,00, para famílias com

renda per capita de até R$ 100,00. Atualmente, o valor

mensal do benefício é de R$ 68,00 para famílias com

renda per capita de até R$ 70,00 (mesmo que estas

famílias não tenham crianças, adolescentes ou jovens);

assim como de R$ 22,00 por beneficiário até o limite

de R$ 66,00 para famílias com renda per capita de

até R$ 140,00. Dessa forma, presentemente, o menor

valor pago é de R$ 22,00 e o maior é de R$ 200,00,

sendo o benefício variável pago a famílias com filhos

de até 15 anos, limitado ao número máximo de três

crianças – e o Benefício Variável Jovem (BVJ)11 no valor

de R$ 33,00, pago para adolescentes de 16 e 17 anos

que estejam frequentando a escola, até o limite de dois

benefícios por família. Os recursos são concedidos por

meio de depósito em uma conta corrente previamente

cadastrada junto ao sistema bancário público. Em 2009,

durante a votação do Orçamento da União, o Congresso

Nacional aprovou o montante de R$ 11,9 bilhões para

o Programa, posteriormente ampliado para R$ 12,3

bilhões, cuja abrangência deve saltar das atuais 10,8

milhões de famílias e chegar a 12,3 milhões de lares no

Brasil – a inclusão das novas famílias será feita de forma

escalonada, com 300 mil incluídas em maio, 500 mil em

agosto e mais 500 mil em outubro (MDS, 2009).

O resumo demonstrativo do Bolsa Família por

unidade da Federação, para o exercício de 2008,

mostra que 100% dos municípios brasileiros recebe-

ram o benefício. O número de famílias atendidas, no

referido período, foi de 10,8 milhões, perfazendo, em

média, um montante de mais de R$ 900 milhões ao

mês, sendo o valor médio por benefício de R$ 85,00

(MDS, 2009).

11 Em 2008, passou a vigorar esta extensão do atendimento do Programa Bolsa Família.

Revista da FAE

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.1-15, jul./dez. 2009 | 9

Assim, ao se avaliarem os valores acima de

forma agregada para o ano de 2008, pode-se chegar

às seguintes conclusões: a) o gasto realizado com

o programa Bolsa Família neste ano foi de R$ 10,8

bilhões, o que representou cerca de 0,37% em relação

ao PIB total deste mesmo ano (MDS, 2009); b) este total

equivale a cerca de 6% do total do gasto público com o

pagamento dos juros da dívida pública em 2008, cerca

de R$ 180 bilhões (IPEA, 2008); c) o programa Bolsa

Família atingiu, no transcorrer do exercício em análise,

cerca de 21% da população total do Brasil, o que

representou em torno de 40 milhões de seus cidadãos

recebendo o auxílio (MDS, 2009).

A análise desses números mostra, em um pri-

meiro momento, que o gasto realizado por meio da

concessão do benefício do Bolsa Família frente ao PIB

foi relativamente baixo em relação ao indicador do ano

de 2008. Mostra ainda a “timidez” dos gastos com o

Programa quando comparado com outros desembolsos

da União no mesmo período. Observando-se o total dos

pagamentos realizados com juros da dívida pública em

2008, nota-se que o gasto social – não apenas o Bolsa

Família – ainda é muito pequeno perante o montante

dos gastos do governo. Tal fato parece estar associado

às altas taxas de juros praticadas entre 1994 e 2008, o

que levou o somatório dos juros pagos da dívida interna

pelo poder público a aumentar cada vez mais.

Apesar dos escassos recursos destinados ao

Bolsa Família, o seu “sucesso” é justificado pela forte

concentração dos benefícios nas camadas mais carentes

da população (BARROS; CARVALHO; FRANCO, 2007).

Estudo realizado por Soares et al. (2007) aponta o alto

grau de concentração do Programa. De acordo com os

dados apresentados pelos autores, extraídos do PNAD

de 2004, 80% dos recursos repassados pelo Bolsa

Família ficam com pessoas que estão abaixo da linha

da pobreza, o que corresponderia a 32% da população

brasileira caso não existisse o Programa. Adicionalmente,

48% dos repasses atingem os 14% da população que

viveria na indigência sem ele. Soares, Ribas e Soares

(2008) mostram, além disso, que o Bolsa Família

apresenta um nível de concentração12 semelhante ao

do Chile Solidário e ao do Oportunidade do México,

considerados referência mundial em programas de

transferência de renda.

Soares, Ribas e Soares (2008) e Rocha (2007), ou-

trossim, defendem que o maior problema a ser equa-

cionado pelo Bolsa Família é o número ainda grande de

pessoas que deveriam recebê-lo e ainda não recebem.

Para atender a todas as famílias que se enquadram no

perfil do beneficiário do Programa, a meta deveria ser

atingir 15 milhões de famílias (SOARES; RIBAS; SOARES,

2008). Para tanto, os gastos com o Bolsa Família

deveriam ser ampliados, o que pode esbarrar na política

econômica do governo.

Por outro lado, Barros, Carvalho e Franco (2007)

apresentam dados relativizando a importância do Bolsa

Família na recente redução da desigualdade de renda.

Com dados de 2005, os autores apontam que o total

de pessoas abaixo da linha de indigência passa de 14%

para 13% após repasse dos recursos. Isto ocorreu de-

vido à pequena magnitude do valor dos benefícios. A

título de exemplo, se este valor fosse dividido em uma

família com seis pessoas, a renda per capita chegaria

a R$ 30,00. O que equivale a dizer que se esta mesma

família possuísse uma renda familiar per capita inferior

a R$ 35,00, mesmo com o recebimento do Bolsa

Família, ela permaneceria abaixo da linha da indigên-

cia13. A despeito dos dados utilizados na pesquisa serem

de 2005, é possível estimar que os resultados encontra-

dos ainda sejam válidos, já que os valores dos benefícios

continuam baixos. Ou seja, o papel do Bolsa Família em

reduzir a pobreza absoluta não seria, segundo o estudo,

tão relevante.

Com este quadro, pode-se concluir que a maior

responsabilidade do Programa está em reduzir as desi-

12 O nível de concentração corresponde a um índice que mede o quanto dos recursos atingem as famílias de renda mais baixa.

13 Em consonância com Barros, Carvalho e Franco (2007), a linha de indigência considerada neste estudo é de R$ 65,00 mês e a de pobreza é de R$ 100,00 mês.

10 |

gualdades entre os menos favorecidos. Ou seja, o Bolsa

Família permitiu uma pequena melhora no padrão de

vida de pobres e miseráveis. Ainda assim, os resultados

dos estudos já realizados mostram que os valores dos

benefícios deveriam ser reajustados ao menos acom-

panhando os índices da inflação. Por seu turno, uma

ampliação sem limites do benefício não parece ser a

solução para os problemas do país. O Bolsa Família se

justifica apenas enquanto programa de renda mínima

que visa garantir, ao menos, uma parcela de cidadania

àqueles marginalizados da sociedade. Sua sustentação,

no entanto, faz-se na medida em que os cidadãos, ao

adquirirem as condições mínimas de sobrevivência, pos-

sam ter seu direito garantido à saúde, à educação, ao

saneamento básico e a todos os demais serviços públi-

cos de qualidade. Somente assim este grupo de pessoas

poderá lograr se livrar definitivamente de uma condição

de vida subumana e passar a constituir uma sociedade

mais justa. Para tanto, o Programa deveria atuar com-

plementarmente a estas outras políticas sociais univer-

sais e não como “substituto” das mesmas.

4 Outros fatores para a redução

recente da desigualdade

Em contraponto ao sucesso do Programa Bolsa

Família, Hoffmann (2007), Barros, Carvalho e Franco

(2007) e Rocha (2007) apresentam outros fatores como

sendo os principais responsáveis pela recente melhora

na distribuição de renda no Brasil. Desta redução,

algo em torno de 50%14 deve-se a transformações no

mercado de trabalho. Este dado indica que entre os

trabalhadores vem ocorrendo uma queda da disparida-

de salarial.

14 Segundo Barros, Carvalho e Franco (2007) há algumas divergências sobre este número. Em outros estudos esta parcela aparece com valores muito diferentes, chegando até a 80%. De acordo com Hoffmann (2007), no período de 2001 a 2005, 80% do desempenho do Índice de Gini deveu-se a melhorias na distribuição da renda originária do trabalho.

Sobre este aspecto é preciso destacar a importância

do recente aumento das taxas de crescimento eco-

nômico15, com forte impacto sobre os índices de

desemprego. Por seu turno, não se pode menosprezar

o papel das políticas educacionais pós-Constituição de

1988, que, mesmo tímidas, estariam apresentando seus

resultados após um período de maturação. Dentre estes

fatores, destaca-se a redução da taxa de analfabetismo,

do acesso ao ensino básico e também ao ensino

superior, e, consequentemente, do aumento do nível de

escolaridade, que contribui positivamente na redução

das desigualdades salariais.

Estes estudos revelam que parcela16 importante

desta melhora na distribuição da renda tem como

responsáveis fontes de renda não derivadas do trabalho,

especialmente as transferências públicas. Dentre estas

políticas, é dado destaque ao Benefício de Prestação

Continuada (BPC), com cobertura concentrada, porém,

pouco ampla. Como seu valor base consiste em um

salário mínimo nacional17, o Benefício cumpriu relevante

papel na melhoria da distribuição de renda e na redução

da pobreza. De acordo com Barros, Carvalho e Franco

(2007), o impacto do BPC na queda da desigualdade

de renda foi similar ao do Bolsa Família, pois mesmo o

primeiro tendo atingido um número bem mais reduzido

de domicílios – 2,3 milhões – ele lhes proporciona uma

renda maior, sendo, portanto, capaz de alçar a família

do beneficiado a uma faixa superior de renda.

É importante destacar ainda que programas

como Luz para Todos, o Pronaf – cujo repasse chegou a

R$ 7,2 bilhões na safra 2008/2009 –, a criação do Fundo

de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica

e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb)

substituindo o Fundef, a política de cotas raciais nas

universidades federais, a criação do Programa Univer si-

15 O PIB apresentou os seguintes incrementos desde 2001: 1,3% (2001), 2,7% (2002), 1,1% (2003), 5,7% (2004), 2,9% (2005), 4,0% (2006) e 5,4% (2007) (IBGE, 2009c).

16 Resultados variam entre 20% e 50% da fatia da contribuição da renda não derivada do trabalho na redução da desi-gualdade.

17 Sobre variação do salário mínimo, vide gráfico 3.

Revista da FAE

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.1-15, jul./dez. 2009 | 11

dade para Todos (ProUni)18 e do Programa de Apoio a

Planos de Reestruturação e Expansão das Universidade

Federais (Reuni)19 e o Programa de Aceleração do

Crescimento (PAC) não podem ser desconsiderados como

fatores responsáveis por essa melhora na distribuição

da renda. Somente com a continuidade, não apenas

dos programas de transferência de renda, mas do

crescimento econômico e, principalmente, das políticas

públicas universais é possível dar sustentabilidade a esta

melhora. Neste sentido, torna-se imperiosa uma alteração

no quadro de prioridades que, de forma mais ou menos

inflexível, persiste no Brasil desde a implementação do

Plano Real, com suave percepção de melhora nos últimos

anos, conforme o gráfico 520.

Neste gráfico é possível perceber como os gastos

sociais perderam espaço para as despesas financeiras

durante o período analisado. As despesas financeiras

que, em 1995, correspondiam a pouco mais de 30%

dos gastos sociais, passaram para quase 70% destes em

2003. Mesmo com a ligeira recuperação, nos últimos

anos, os gastos sociais ainda são muito tímidos frente

aos problemas vividos no país.

GRÁFICO 05 - RELAÇÃO DO GSF E DAS DESPESAS FINANCEIRAS NA DESPESA EFETIVA DO GOVERNO FEDERAL 1995-2005

70

60

50

40

30

20

10

0

Gasto Social Federal

DespesaFinanceira

1995

1996

199

7

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

FONTE: IPEA (2009c)

18 O ProUni tem como finalidade a concessão de bolsas de estudo integrais e parciais em instituições privadas de educação superior para pessoas com renda per capita familiar máxima de até três salários mínimos. Criado pelo Governo Federal em 2004 e institucionalizado pela Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005 (BRASIL, 2009).

19 O Reuni foi instituído em 2007. Busca o aumento de vagas, implantação de cursos noturnos, criação de novos cursos, integração com educação básica, combate à evasão, in-gresso extravestibular, aumento da relação aluno/professor (BRASIL, 2009a).

20 GSF: Gasto Social Federal.

Na próxima seção, será apresentada outra ver-

tente da distribuição de renda que desvenda parte do

que os dados do Índice de Gini encobrem. Assim, fica-

rá explícito o quanto ainda deve ser aprimorado o rol

das políticas públicas sociais no Brasil, se sua meta for

efetivamente reduzir as disparidades na renda de seus

cidadãos.

5 Distribuição funcional da renda

Embora tenham sido verificados diversos avanços

nos dados sociais brasileiros nos anos em análise, há

que pesar certas questões controversas, assim como os

limites dos dados apresentados. Um ponto nevrálgico

desta discussão está correlacionado à principal fonte

de informações sobre a renda disponível: a PNAD.

Este levantamento é muito criticado, já que ele

apenas considera a renda corrente das pessoas, não

remetendo a valorizações de ativos21, rendimentos

financeiros e subsídios. Contudo, o ponto de concor-

dância mais intenso é o da sub-declaração de renda

entre as faixas mais elevadas, haja vista que a res-

posta é espontânea.

Dedecca, Jungbluth e Trovão (2008) expõem

que a massa de renda aludida pela PNAD representa

tão somente 45% do PIB. Neste sentido, vale lembrar

a relevância da distribuição funcional da renda, que

revela o padrão de desigualdade entre as diferentes

classes sociais (FILGUEIRAS; GONÇALVES, 2007). Esta

análise mostra que a distribuição de renda observada

nos últimos anos ocorreu majoritariamente entre os

trabalhadores. O fato da massa dos salários apresentar

tendência declinante como vemos no gráfico 6, indica

que a redução da desigualdade, vista no Índice de Gini,

nada mais é que um “nivelamento por baixo” da renda

dos trabalhadores.

21 10% da desigualdade advêm da remuneração dos ativos (IPEA, 2008).

12 |

GRÁFICO 06 - PARTICIPAÇÃO DOS SALÁRIOS E DO EXCEDENTE

OPERACIONAL BRUTO NO PIB 1995-2006

36

35

34

33

32

31

30

29

28

Salários

Excedente operacional bruto

1995

1996

199

7

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

Ano

%

FONTE: IBGE (2009a)

NOTA: Para os “salários”, não foram consideradas as contribuições sociais efetivas e imputadas. Como os dados de 2007 e 2008 sobre a distribuição funcional da renda não estão disponíveis, não é possível avaliar o impacto da persistência da elevação no rendimento real.

Entre 2004 e 2006, no entanto, a participação dos

salários no PIB aumentou, conforme o gráfico 6. Já o grá-

fico 7 apresenta, em maior detalhe, o comportamento

do rendimento real do trabalhador a partir de 2003. É

de rápida percepção que a recuperação do rendimento

real dos trabalhadores teve impacto positivo sobre o

aumento da parcela da massa salarial no produto.

GRÁFICO 07 - RENDIMENTO MÉDIO MENSAL DO TRABALHO JAN/2003-

DEZ/2008

jan/

03

mai

/03

set/0

3

jan/

04

mai

/04

set/0

4

jan/

05

mai

/05

set/0

5

jan/

06

mai

/06

set/0

6

jan/

07

mai

/07

set/0

7

jan/

08

mai

/08

set/0

8

1300

1250

1200

1150

1100

1050

1000

FONTE: IBGE (2009b)

Este resultado se explica: a) pela maior demanda

por mão-de-obra, oriunda do crescimento econômico;

b) pela variação real positiva do salário mínimo; e

c) pelas políticas de transferência de renda (DEDECCA;

JUNGBLUTH; TROVÃO, 2008). Desta forma, observa-se

o movimento positivo na estrutura da renda que, de

uma maneira mais abrangente, passou a ser verificada

a partir de 2004.

Convém ressaltar que somente analisando o com-

portamento da distribuição da renda entre os dois

principais fatores de produção – capital e trabalho, é

possível obter maiores conclusões sobre sua efetiva

equalização no país. Embora sua repartição entre os

trabalhadores melhore os dados sociais e reduza a

pobreza, ela não altera a posição de quem detém boa

parte do produto nacional. Assim sendo, o quadro

observado até 2003 equaliza parte da riqueza, mas

mantém a distância entre os dois fragmentos sociais.

Apenas a recuperação da renda real do trabalhador

viabiliza efeitos mais profundos no bem-estar da

sociedade, rompendo com as limitações da queda da

desigualdade anterior. O aquecimento do mercado de

trabalho, as políticas públicas de proteção social e a

valorização do piso salarial legal oportunizaram o início

de uma longa retomada. Deste modo, é indispensável

que o Estado aprofunde suas políticas sociais universais

e que a reversão do mercado de trabalho se sustente

a partir do aquecimento econômico. É mister, nesta

seção, o diagnóstico de que apenas as políticas

focalizadas não são capazes de redistribuir a renda

entre o capital e o trabalho.

Considerações finais

Conforme apresentado neste artigo, as políticas

sociais durante todo o período avaliado estiveram

subor dinadas a estratégias macroeconômicas conser-

vadoras e anti-inflacionárias, o que equivale a dizer

que tais políticas tiveram um papel reduzido em uma

consistente análise do período. Desta feita, as mesmas,

a despeito de não terem alcançado o que deveria ser

seu objetivo maior – viabilizar uma sociedade mais justa

e menos desigual – foram e continuam sendo cruciais

para legitimar as políticas menos populares (ortodoxas)

dos governos de então. Seu papel vem sendo o de

reduzir os efeitos deletérios das políticas recessivas,

sem, contudo, sobrepô-las ou comprometê-las.

Revista da FAE

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.1-15, jul./dez. 2009 | 13

Neste sentido, mesmo após a posse do novo

governo em 2003, a opção por um novo formato de

políticas sociais apenas altera a percepção de sucesso

das referidas políticas, sem alterar seu pano de fundo.

Em outras palavras, diante da ineficácia das tentativas

de universalizá-las sem ampliar seu orçamento, o

governo decidiu focalizar os escassos recursos sob o

pretexto de que estariam sendo revertidos para quem

realmente necessita.

O comemorado êxito desta guinada nas políticas

sociais pode ser creditado à considerável melhoria nos

índices que medem a desigualdade de renda. Por sua

vez, o ponto fraco, neste propalado sucesso, reside,

sem sombra de dúvidas, na manutenção da estratégia

macroeconômica, que continua mantendo os recursos

destinados às prementes necessidades sociais abaixo do

necessário. Sob este aspecto, ressalta-se que os juros da

dívida interna são pagos sem restrições orçamentárias.

O mesmo não vale para os gastos sociais que estão

submissos a política fiscal.

Reflexo da ineficiência das políticas sociais foi visto

quando se apresentaram os dados relativos à distribui-

ção funcional da renda. A massa de salários, em termos

de percentual do PIB, perdeu espaço ao longo da maior

parte dos 15 anos estudados, tendo observado ligeira

recuperação apenas recentemente. No entanto, mesmo

esta melhora se deve majoritariamente ao reaqueci-

mento do mercado de trabalho e às fortes valorizações

do salário mínimo vistas no período.

Por sua vez, o êxito das políticas sociais focaliza-

das esteve em reduzir as disparidades internas entre os

assalariados – grupo majoritário nos dados da PNAD –

produzindo os efeitos vistos na dinâmica do Índice

de Gini, sem, contudo, conter efeitos diretos sobre a

redistribuição desta renda entre os salários e os frutos

do capital.

Desta forma, a conclusão atingida neste artigo foi

a de que as políticas sociais focalizadas foram as que

apresentaram maior eficiência enquanto legitimadoras

do conservadorismo fiscal e monetário. Tendo as mes-

mas alcançando não apenas os melhores resultados

vistos na redução da pobreza e na melhora da distri-

buição da renda, como também avalizando o governo

frente à manutenção de outras políticas ortodoxas.

Por outro lado, se o objetivo final das políticas

sociais estiver, como se esperaria, ligado à verdadeira

melhora do padrão de vida das massas excluídas,

apenas as políticas focalizadas não são suficientes. A

despeito da pequena evolução em suas condições de

vida, milhares de pessoas ainda habitam nosso país em

situação subumana de existência, mostrando que muito

mais tem que ser feito. Apenas com uma mudança do

papel do Estado e com uma alteração estrutural do

modelo econômico vigente as políticas sociais podem

deixar de ser coadjuvantes e protagonizarem este enre-

do, passando assim de fato a cumprir seu papel. Somente

desta forma a estabilidade de preços alcançada há 15

anos pelo Plano Real poderá ser acompanhada da tão

necessária estabilidade social do país.

•Recebido em: 18/06/2009 •Aprovado em: 26/10/2009

14 |

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Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.17-33, jul./dez. 2009 | 17

Revista da FAE

Ecossocioeconomia das organizações: gestão que privilegia uma outra economia

Eco-social economics of organizations: management that privileges another economy

Resumo

Apesar da hegemonia do utilitarismo econômico e do darwinismo social, emergem alternativas ecossocioeconômicas que tentam dar conta das insuficiências da combinação desses modelos. Tem-se como objetivo pensar na construção de uma alternativa (ecos)socioeconômica que dê conta das insuficiências da combinação destas dinâmicas a partir do estado atual do conhecimento sobre experiências em curso que convergem para uma “outra economia”, ou seja, a ecossocioeconomia das organizações. Este artigo baseia-se em pesquisa empírica exploratória de perfil qualitativo acerca de experiências brasileiras e chilenas que ilustram cada desdobramento identificado pela ecossocioeconomia das organizações. Os trabalhos teóricos ou ideológicos são bem elaborados, entretanto sem prática convincente. Os trabalhos empíricos vêm apresentando resultados promissores, contudo, sem uma proposta clara de modelo de gestão que dê conta de tais desafios. Essas experiências quando não sistematizadas em uma rede bem articulada, geralmente são cooptadas pelo sistema que estavam tentando superar, caracterizado principalmente pela sobreposição da eficiência produtiva econômica à efetividade socioambiental.

Palavras-chave: ecossocioeconomia das organizações; agenda 21 local; turismo comunitário; responsabilidade socioambiental empresarial; economia solidária.

Abstract

Since both utilitarian economy and the social darwinism have taken control over the organizational field, there has been a need for the construction of an alternative economics. The aim is to construct an alternative eco-social economics from the experiences in course that converge with another economy, that is, the Ecossocioeconomics of the Organizations. The study was made based in Chileans’ and Brazilians’ experiences. The theoretical works and ideologies that have been dealt with within the subject have all been well worked at, however without convincing practices. The empirical works have also been presenting promising results, however they have not had a clear proposal of a management model that would deal effectively with such challenges. When these experiences are not well systematized within a well-articulated network, most of the time they are co-opted by the system they were trying to overcome, which is mainly characterized by the higher importance given to production efficiency over socio environmental efficiency.

Keywords: eco-social economics; local 21 agenda; communitarian tourism; entrepreneurships’ socio environmental responsibilities; solidarity economy.

Carlos Alberto Cioce Sampaio*Ivan Sidney Dallabrida**

* Doutor em Ciências Contábeis e Administração (FURB); Professor do Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Meio Ambiente e Desenvolvimento (MADE) da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Sócio-Fundador do Instituto LaGOE: Laboratório de Gestão que promove o Ecodesenvolvimento (ONG situada em Curitiba). Pesquisador CNPq. Email: [email protected]

** Mestre em Desenvolvimento Regional pela FURB. Pesquisador do Instituto LaGOE. E-mail: [email protected]

18 |

Introdução

Diante da atual conjuntura econômica, apontada

por críticos da dinâmica capitalista e da economia de

mercado por não mais responder aos novos desafios colo-

cados pelo aquecimento global e ser a causa de tantas

“patologias” sociais, faz se necessário apontar algumas

alternativas viáveis nos mais variados aspectos1.

Tais “patologias” podem assim ser classificadas:

a) socioambientais: processos produtivos que priva-

tizam lucros e socializam prejuízos socioam-

bientais, evidenciado pelo descaso com o

manejo de recursos naturais não-renováveis;

b) socioespaciais: planejamento e gestão setoria-

li zados e padrões de uso e de acesso à terra

privados prevalecendo sobre os comunitários;

c) sociopolíticas: instâncias democráticas mani pu-

la das por interesses oligopolistas e burocracia

dominada por interesses corporativistas;

d) dsocioeconômicas: subtrabalho, não-trabalho,

exclu são social e apelação desenfreada pelo

consumo (mesmo entre aquelas pessoas que

não teriam condições para isso); e

e) socioculturais: substituição de modos de vida

tradicionais por padrões homogeneizados e

ressignificação do trabalho humano como

traba lho repetitivo alienado (DOWBOR, 1983;

MAX-NEEF, 1986, 1993; BERKES, 1996;

DOUROJEANNI, 1996; RAZETO, 1997; SEN, 2000;

SANTOS; SOUZA; SILVEIRA, 2002; SINGER, 2002;

SACHS, 2003, 2004).

Estas “patologias” são encontradas no seu extre-

mo, sobretudo nos países menos desenvolvidos, que

em sua maioria possuem baixo ou médio Índice de

Desenvolvimento Humano (IDH), e, em menor grau

1 Nesse sentido, ao analisar experiências mundiais de produção não-capitalista, como alternativas ao modelo excludente, Santos e Rodríguez (2002), concluem que as condições econômicas, políticas e sociais contemporâneas favorecem experiências associativas e práticas cooperativas.

também nos países chamados desenvolvidos (com IDH

elevado). Sob estas evidências apontadas, o que se

acostumou chamar de desenvolvimento2 é qualificado

pelos mesmos críticos como “mau desenvolvimento”, ou

seja, um processo civilizatório que privilegia a minoria

da população mundial. Outro conjunto de indica-

dores agregados – denominado Pegada Ecológica –,

leva em conta a incapacidade de carga do planeta para

suportar tal estilo de desenvolvimento. Neste indicador,

para que o planeta pudesse suportar tal carga, sugere-

se que este deveria ter uma área biofísica maior

(WACKERNAGEL; REES, 2001). Some-se a isto os efeitos

do aquecimento global que vem sendo divulgados pelo

Intergovernmental Panel on Climate Change e aponta

como causa do desequilíbrio a emissão de gases de

efeito estufa pela ação antrópica (WMO-UNEP, 2007).

Em síntese, estabeleceu-se um modo de desenvol-

vimento humano baseado na combinação entre utilita-

rismo econômico – fruto da dinâmica capitalista –, e

o chamado darwinismo social – resultado da dinâmica

de um mercado autorregulado –, ocasionando uma

racionalidade social egocêntrica, centrada no cálculo

de conseqüências de ganho econômico individual.

Não é de hoje que a dinâmica capitalista vem sendo

apontada como a principal causadora das “patologias”

socioambientais, socioespaciais e socioeconômicas,

que privilegia o cálculo de conseqüências econômicas

individuais de curto prazo sobre coletivas de médio e de

longo prazo. Por conseguinte, a economia de mercado

pode ser indicada como causadora principal das

“patologias” sociopolíticas e socioculturais, argumen-

tando que a má distribuição de renda é justificada pelo

esforço de alguns e a falta de vontade de outros.

Diante deste contexto, tem-se como objetivo

pensar na construção de uma alternativa (ecos)socioeco-

nômica que dê conta das insuficiências da combinação

destas dinâmicas. Isso a partir da busca do estado

atual do conhecimento sobre experiências em curso

que convergem com uma outra economia, ou seja, a

ecossocioeconomia das organizações.

2 Tido muitas vezes como sinônimo de crescimento econômico.

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.17-33, jul./dez. 2009 | 19

Revista da FAE

A ecossocieconomia das organizações analisa

as complexidades do cotidiano, repensa a economia

através do ecodesenvolvimento e quebra paradigmas

ao contrapor-se ao utilitarismo economicista. Não se

tem, contudo, a pretensão de transformá-la em outro

modelo hegemônico, mas criar metodologias de gestão

que enfatizem ações participativas, descentralizadas e,

ainda, social e ambientalmente responsáveis. Os estudos

pretendem viabilizar ações em nível macroeconômico

(interorganizacional) e microeconômico (organizacional)

possibilitando a ampliação de oportunidades de traba-

lho e renda, principalmente em comunidades afasta das

das sedes de seus municípios (SAMPAIO, 2009).

O artigo inicia-se pela metodologia, que é basea-

da em pesquisas empíricas exploratórias acerca de

experiências consideradas de ecossocioeconomia das

organizações, cuja base conceitual é delineada no

capítulo 3. Neste capítulo, explicita-se também os desdo-

bramentos daquele conceito, quais sejam: Agenda 21

Local, Turismo Comunitário, Responsabilidade Socioam -

biental Empresarial, Economia de Comunhã e Economia

Solidária. No capítulo seguinte, são relatadas, de

forma sintética, as experiências que representam cada

desdobramento e, abordadas limitadamente, suas contri-

buições para o conceito-base desse estudo. As conside-

rações finais provindas da análise da base conceitual e das

experiências constituem o quinto capítulo.

1 Metodologia

Este estudo vale-se de pesquisa exploratória sobre

experiências brasileiras e chilenas em curso que podem

ser qualificadas como de ecossocioeconomia das orga-

nizações. Essas experiências foram catalogadas

processualmente e analisadas de forma definitiva, a

partir de um projeto de pós-doutoramento no qual

se visitou presencialmente todas as experiências.

Apresenta-se aqui um extrato resumido dos resultados

encontrados, ilustrando-se com uma experiência para

cada agrupamento: a) Agenda 21 Local: Fórum da

Agenda 21 da Lagoa de Ibiraquera (municípios de

Garopaba e Imbituba, Santa Catarina, Brasil), iniciada

em 2001; b) Turismo Comunitário: Prainha do Canto

Verde (Beberibe, Ceará, Brasil), iniciada em 1997; c)

Responsabilidade Socioambiental Empresarial (RSE):

Florestal Río Cruces (sede Lanco, Región Los Lagos,

Chile), fundada em 1993; d) Economia de Comunhão

(EdC): Sociedad de Inversiones Foco - Ahorro y Credito

(sede em Santiago, Chile), criada em 1982; e e) Economia

Solidária: Plataforma Komyuniti de Comércio Justo

(sediada em Santiago, Chile), criada desde 1996.

2 Ecossocioeconomia das

organizações: por uma “outra”

economia

O termo ecossocioeconomia3 surge a partir da

obra do economista ecológico Karl William Kapp

(1963). O primeiro prefixo “Eco” (Oikos = Casa) refere-

se à ecologia e reforça o que o segundo prefixo “eco”

já deveria fazê-lo. Todavia, este foi vulgarizado ao longo

da história ao remeter seu significado ao que Aristóteles

já denunciava como crematística.

A ecossocioeconomia está imbricada na dis-

cussão sobre o ecodesenvolvimento (entendido como

antecedente do desenvolvimento sustentável). E

este, foi apontado como um paradigma sistêmico,

compreendendo princípios da ecologia profunda

(repensa os atuais estilos de vida), economia social (pon-

dera as consequências sociais na ação econômica),

economia ecológica (pondera custos ambientais

na ação econômica), ecologia humana (tem como

premissa a inseparabilidade dos sistemas sociais e

ecológicos) e planejamento participativo (SAMPAIO

et al., 2008).

3 Ver recente trabalho de Sachs (2007) organizado por Paulo F. Vieira, intitulado Rumo à Ecossocioeconomia.

20 |

Enquanto o ecodesenvolvimento privilegia o enfo-

que epistemológico-teórico, a ecossocioeconomia enfa-

tiza o enfoque metodológico-empírico. A ecossocio-

economia ocorre no mundo da vida, nas comunidades,

nos povoados, nas organizações, onde os problemas e

as soluções acontecem e raramente são devidamente

qualificados (SAMPAIO et al., 2008). Trata-se de uma

teoria pensada, partindo das experimentações e da

complexidade do cotidiano (SACHS, 1986a, 1986b).

Como desdobramento para pensar as organiza-

ções, surge o termo ecossocioeconomia das organizações

que possibilita pensar a viabilidade interorganizacional

para tal proposta e a efetividade extra-organizacional

para o território, além de relevar a chamada extra-

racionalidade nos processos de tomada de decisão

aos grupos organizados ou quase organizados que

promovem o ecodesenvolvimento.

A ecossocioeconomia das organizações privilegia

os estudos que possibilitam a viabilidade macro (in-

teror ganizacional) e microeconômica (organizacio nal)

de grupos organizados ou quase organizados arti-

culados, chamados de empreendimentos com parti-

lhados (SAMPAIO, 2009, p. 13).

A ecossocioeconomia das organizações sugere a

eminência de uma ação extra-organizacional, isto é,

o agente organizacional relevando os impactos de sua

ação sobre o entorno territorial (SAMPAIO, 2009). No

sentido de acordos institucionais, pensados como acordos

sociopolíticos e socioprodutivos de base comunitária,

de modo que gerem capital social, sugere-se identificar

os representantes das organizações que irão compor os

acordos, a reunir e estimular as bases para pensar três dife-

rentes ações: interorganizacionais, extra-organizacionais e

extra-racionais (SAMPAIO et al., 2008).

2.1 Interorganizacional, extra-organizacional

e extra-racionalidade

A natureza no homem permite a este superar a

contradição inerente ao estado social; ou seja, entre as

suas inclinações individuais e os seus deveres coletivos;

mesmo porque se percebe que estes elementos

necessitam um do outro para se manifestarem, tal

como se apregoa na interorganização (ROUSSEAU;

ROUSSEAU, 2001). Quando esta possui ênfase sociopo-

lítica, chama-se de arranjo institucional, e na ocasião

que possui ênfase socioeconômica, denomina-a de

arranjo produtivo local. A interorganização não pode ser

legí tima senão quando se origina de um consentimento

necessariamente consensuado. Este entendimento

mútuo sobrepõe-se às ações voltadas ao sucesso, às

vezes chamadas equivocadamente de estratégicas,

materializadas em sujeitos oportunistas para influenciar

outros (HABERMAS, 1989).

A participação interorganizacional deve, então,

girar em torno do espaço mediado entre o interesse

público e o privado, que é uma ação coletiva, operando

sobre as bases da intersubjetividade e do entendimento

genérico pela linguagem trivial do cotidiano, em distin-

ção dos símbolos específicos vigentes nas diferentes

instituições (entendidas como organizações). O espaço

público representa o nível onde se dá esse confronto de

opiniões que disputam o recurso escasso da tematização

e da consequente atenção dos tomadores de decisão.

As esferas do Estado, mercado e sociedade civil, mesmo

que ainda possuam ambiguidades quanto ao caráter

público do problema, ora se complementando, ora se

interpondo, devem ser vistas como potenciais criadores

que enriquecem o processo de negociação. Pois são elas

(as esferas) que legitimam os processos participativos -

como são os arranjos institucionais e produtivos -, e que,

consequentemente, possibilitam, no bojo da discussão,

o surgimento de questões estratégicas negociadas, o

que, neste caso, é necessariamente diferente da soma

destas esferas (COHEN; ARATO, 1992; COSTA, 1994).

O conceito extra-organizacional está atrelado

ao de interorganizacional. Quando se governa uma

interorganização presume-se que além do critério de

eficiência (é medida através dos processos de pro-

dução que, no seu conjunto, determinam o grau de

produtividade) e eficácia (é verificada através dos resul-

tados desses processos de produção, que determinam,

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.17-33, jul./dez. 2009 | 21

Revista da FAE

por sua vez, o grau de competitividade), atrelados a

gestão organizacional, deve-se privilegiar o critério efeti-

vidade, isto é, relevar a gestão de risco socioambiental

quanto ao território. O conceito de território deve estar

distanciado da sua subversão ou sua subordinação

aos fluxos meramente econômicos, recompondo-se e

reconceituando-se como um movimento de elemen tos,

entre eles, sociais, geográficos e naturais; e a preocu-

pação não está na definição de seus limites, mas nos

entrelaçamentos que o compõem. Não há, então,

como estudar o território sem fazê-lo correlativamente,

em duplo sentido, com os demais contextos: local,

microrregional, regional, nacional e internacional.

Entretanto, o território possui especificidades que não

devem ser tomadas como mero reflexo destes demais

contextos. Sugere-se, então, que num cenário de gestão

interorganizacional ou arranjo institucional, o conjunto

de organizações que o compõem deverá refletir não

apenas a micro complexidade do território, mas também

a macro complexidade dos demais espaços (FISCHER,

1993; SANTOS, 1994; LEVY, 1998).

Operacionalizando estes dois princípios da

ecossocio eco nomia nas organizações, sugere-se que

a governança interorganizacional deve ser conduzida

pautada por critérios extra-organizacionais, no sentido

de incorporar demandas socioambientais oriundas do

território ao qual a interorganização está instalada;

onde a racionalidade seja conduzida pelo cálculo de

consequências societárias, privilegiando as dimensões

sócio-econômico-ambientais (sustentáveis) para poder

corrigir os equívocos provocados por um modelo de

gestão que privilegia apenas critérios intraorganizacionais

(para dentro da organização), baseado numa racio-

nalidade econômica de cálculo de consequências

apenas organizacional (SAMPAIO, 2004; 2000). Diante

da impregnação do termo racionalidade com critérios

econômicos, resgata-se o termo extra-racionalidade

que pode ser considerado como uma pré-racionalidade,

baseado em uma dimensão tácita, ou seja, ainda pouco

visível, do conhecimento contido nas organizações, nos

territórios, aonde os problemas realmente acontecem e

sua soluções também (FERNANDES; SAMPAIO, 2006).

2.2 A ecossocioeconomia das organizações

e seus desdobramentos

A partir de uma análise qualificada das experiências

pesquisadas, definiu-se cinco desdobramentos da

ecossocioeconomia das organizações, que caracterizam

bem seu enfoque metodológico-empírico: Agenda 21

Local, Turismo Comunitário, Responsabilidade Social

Empresarial (RSE), Economia de Comunhão (EdC) e

Economia Solidária (ES); neste último, enfocou-se uma

vertente da ES, denominada Comércio Justo.

a) O primeiro desdobramento remete à Agenda

21, um compromisso internacional de alta cúpula go-

vernamental e não-governamental que assumiu o de-

safio de incorporar às políticas públicas dos países sig-

natários princípios que os colocavam a caminho de um

outro desenvolvimento, chamado ecodesenvolvimento

ou desenvolvimento sustentável (AGENDA, 2000). Esse

compromisso constitui-se na mais abrangente iniciati-

va para promover justiça social, eficiência econômica e

prudência ecológica, incluindo ações para os países de-

senvolvidos e em desenvolvimento e apoiada em valores

como democracia e participação – igualdade de direitos,

combate à pobreza e à miséria e respeito à diversidade

cultural; sustentabilidade social e ambiental como ética;

e globalização positiva – reorientação do processo de

desenvolvimento.

No âmbito local, a Agenda 21 pressupõe a toma-

da de consciência por todos os indivíduos sobre os

papéis ambiental, econômico, social e político que

desempenham em sua comunidade e exigem, portanto,

a integração de toda a comunidade no processo de

construção do futuro. A comunidade compartilhando

com o governo as responsabilidades pelas decisões

possibilita uma maior sinergia em torno do projeto de

desenvolvimento sustentável, aumentando as chances

de sua implementação (CONSTRUINDO, 2000).

Após a Conferência das Nações Unidas sobre Meio

Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), 1.652 municípios

brasileiros declararam, através da pesquisa Municipal

22 |

de Meio Ambiente realizada em 2002, contar com a

Agenda 21. Contudo, a pesquisa não relevou o estágio

atual de sua implantação nestes municípios e tampouco

sua formalização legal. Cerca de 53% destes municípios

não declararam ter Fórum da Agenda 21 instalado, o

que evidencia a falta de representação comunitária,

desvirtuando assim o propósito principal do espírito da

Agenda (IBGE, 2005).

A instalação de espaços públicos democráticos

como o Fórum, além de fomentar a participação dos

atores envolvidos, possibilita o estabelecimento de

ações planejadas. Nesse sentido, como bem ressalta

Sachs (1993, p.66), ao discorrer sobre a Agenda 21 no

enfrentamento dos complexos desafios para se chegar a

um novo modelo de desenvolvimento, aqueles desafios

“não serão resolvidos em uma economia do laissez-

faire por meio de uma sucessão de decisões locais

descoordenadas e de curto prazo [...]”.

b) O turismo comunitário representa o segundo

desdobramento da ecossocioeconomia. Embora te-

nha como eixo norteador integrar vivências, serviços

de hospedagem e de alimentação, o que a priori não

o diferencia das três modalidades de turismo com as

quais poderia ser confun dido – turismo cultural ou et-

noturismo (incluindo o turismo indígena), ecoturismo e

agroturismo –, possui uma característica peculiar que é

a de entender a atividade turística como um subsistema

interconectado a outros subsistemas, como por exem-

plo educação, saúde e meio ambiente.

Ou seja, o turismo comunitário é pensado como

um projeto de desenvolvimento territorial sistêmico

(sustentável) a partir da própria comunidade (o que

poderia ser destacado como segunda característica),

na qual é promovida, entre outras coisas (e o que

seria uma terceira característica), a convivencialidade

entre população originária, visitantes e residentes (sem

descartar os domiciliados não-residentes e migrantes).

Essa convivencialidade é incrustada em um arranjo

produtivo e político de base comunitária, de forma a

fomentar a relação social entre modos de vida distintos,

que congregam conhecimento formal e tradicional e

que na sua essência supera a mera relação de negócio,

resgatando e reconstruindo o interesse pelo outro, pelo

diferente, pela alteridade, pelo autêntico, enfim, pela

interconectividade entre os sistemas sociais e ecológicos

(IRVING; AZEVEDO, 2002; CORIOLANO; LIMA, 2003;

SAMPAIO, 2004).

As experiências de turismo comunitário vêm ga -

nhan do notoriedade, sobretudo pela capacidade po-

ten cial de municípios sulamericanos implementarem

uma atividade econômica de baixo investimento (de

pequena escala), geradora de postos de trabalhos

não-especializados e de baixo impacto ambiental

(SAMPAIO, 2005).

c) O terceiro desdobramento é representado pela

Responsabilidade Socioambiental Empresarial (RSE).

Em 1998, o Conselho Empresarial Mundial para

o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD) lançou a

base do conceito moderno de responsabilidade social

corporativa, que constitui o

comprometimento permanente dos empresários de adotar um comportamento ético e contribuir para o desenvolvimento econômico, melhorando simultanea-mente a qualidade de vida de seus empregados e de suas famílias, da comunidade local e da sociedade como um todo (ALMEIDA, 2002, p.137).

Portanto, sua prática significa mudança de

atitude no processo de gestão, que deve estar pautado

na qualidade das relações pessoais intra (dentro da

organização), inter (entre as organizações da cadeia

produtiva) e extraorganizacional (relações com a

comunidade, mercado e governo), agregando valor

para todos (MODENESI, 2003).

Assim, embora haja esforços de consolidação de

uma rede de instituições, sobretudo no Brasil – dentre

as quais o Instituto Ethos -, que fomenta a adoção da

RSE, grande parte das iniciativas restringe-se ainda

a medidas paliativas e cosméticas que, muitas vezes,

confundem-se com mero marketing institucional.

Apesar das boas intenções dessas instituições, não há

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.17-33, jul./dez. 2009 | 23

Revista da FAE

como negar ou coibir possíveis interesses empresariais

disfarçados, motivados sob o apelo de tornarem suas

empresas mais competitivas, de forma a prospectar

uma imagem conveniente de responsabilidade socio-

am biental, em virtude das exigências do mercado,

para que não se corra riscos de rejeição de marcas

ou produtos. Por outro lado, existem empresas que

assumem uma visão de longo prazo e que, focadas

na competitividade sistêmica, acabam por superar a

mera racionalidade econômica utilitarista, aprisionada

na missão organizacional descolada de um ideário

institucional (DALLABRIDA; SAMPAIO, 2006; SAMPAIO;

SOUZA, 2006).

d) O projeto da Economia de Comunhão (EdC)

constitui o quarto desdobramento. Ao emprestar do

movimento dos Focolares4 os valores, os princípios, a

visão de mundo para aplicar ao espaço da produção e

do trabalho, a EdC prega fazer da atividade econômica,

sobretudo a empresa, um lugar de encontro no sentido

mais profundo do termo; um lugar de comunhão entre

quem tem bens e oportunidades econômicas e quem

não os tem (SAMPAIO et al., 2003).

As empresas da EdC devem canalizar capacidades

e recursos para produzir riqueza em prol dos que se

encontram em dificuldades. Dentre esses recursos está

o lucro, que é objeto de uma divisão tripartite:

• �������������������������������������������parte utilizada no reinvestimento na própria ati-

vidade produtiva de modo que ela se mantenha

economicamente viável;

• ����� �� ��xí��� � ������� ��c��������� (��g�-

das ao movimento dos Focolares), dando-lhes

a possi bilidade de viver de modo mais digno,

à espera de um trabalho, ou oferecendo-lhes

emprego nessas empresas;

4 O Movimento dos Focolares, que possui cinco milhões de integrantes leigos, religiosos, não religiosos, e sem credo religioso em todo o mundo, tem viés espiritual, caritativo, social, econômico, político, ecumênico, inter-religioso, cultural, etc. Sua essência consiste na chamada “cultura do dar”, que preconiza a comunhão de bens entre todos os membros e em consistentes obras sociais. (LUBICH, 2002).

• �ú����������������������������������������-

do à formação de homens e mulheres que moti-

vam a vida pela cultura do dar (LUBICH, 2002).

Dallabrida e Sampaio (2006) aponta que a EdC, com

pouco mais de uma década, começou recentemente a

produzir resultados teórico-empíricos, mas as empresas

vinculadas ao projeto, por serem movidas por um

“ideal” ético, caminham no sentido da possibilidade da

construção de sociedades sustentáveis, incorporando

em seu agir algumas dimensões da sustentabilidade.

As experiências vêm sendo analisadas, sobretudo

por participantes do movimento dos Focolares, ao

qual a EdC está vinculada, o que pode revelar certa

tendenciosidade nas análises e interpretações, mesmo

sem intencionalidade.

e) Por fim, o último desdobramento deste estudo:

a Economia Solidária (ES). Trata-se de uma categoria da

economia que se funda na crise do capital e do Estado

e representa a expressão de uma das respostas dos

trabalhadores que incorporam suas críticas históricas

ao capital e constituem uma forma de organização não

capitalista (SINGER, 2002).

A ES prega princípios democráticos, ou seja, autoge-

stionários. Apregoa que pode existir solidariedade na

economia, sobretudo quando se garante direitos iguais

entre aqueles que se associam para financiar, produzir,

comerciar ou consumir mercadorias. No entanto,

existem dificuldades de se inserir à lógica associativista

na economia de mercado e, quando se consegue,

corre-se ainda o risco de se desvirtuar dos princípios

associativistas (SINGER, 2002).

Nesse estudo, aborda-se o Comércio Justo ou

Fair Trade, uma das variantes insculpidas na Economia

Solidária. O Comércio Justo surge para assegurar uma

nova relação, livre, direta e honesta entre três novos

sujeitos econômicos:

• �������������������������c�������g�����produtores em vias de empobrecimento, geral-

mente excluídos ou com desvantagens no co-

mércio praticado no âmbito da economia de

mercado;

24 |

• consumidores solidários que estão dispostos a

pagar um sobrepreço; e

• os intermediários sem ânimo de lucro.

Sinteticamente, caracteriza-se por uma relação

comercial em que consumidores aceitam pagar um

sobrepreço sobre os produtos numa forma de remune-

ração mais justa aos produtores, como “premiação”

a uma produção resultante da incorporação de

boas práticas socioambientais, ou seja, em nome da

preservação dos valores histórico-culturais locais, da

proteção e conservação do meio ambiente, do fomento

ao desenvolvimento local e da inclusão social pelo

trabalho e renda (PLATAFORMA KOMYUNITI, 2005;

ESPANICA, 2005).

3 O estado atual de conhecimento

sobre experiências latinoamericanas

em curso

A seguir, serão relatadas as experiências brasilei-

ras e chilenas que ilustram cada desdobramento iden-

tificado pela ecossocioeconomia das organizações.

3.1 Agenda 21 local: uma experiência

no sul catarinense

Desde 2000 vem sendo desenvolvido na área do

entorno da Lagoa de Ibiraquera, situada nos municípios

litorâneos de Imbituba e Garopaba (SC), um diagnóstico

socioambiental participativo orientado para a definição

de um plano experimental de desenvolvimento local

integrado e sustentável – ou ecodesenvolvimento.

Este trabalho vem sendo conduzido pelo Núcleo

do Meio Ambiente e Desenvolvimento (NMD) da

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), dando

continuidade a um projeto de doutorado que estava

em curso em meados de 20005. Após algumas reuniões

5 SEIXAS (2005).

entre lideranças comunitárias e o NMD/UFSC com sua

equipe interdisciplinar, chegou-se a um consenso de

que as aspirações da comunidade convergiam com

as intenções do NMD/UFSC de pesquisar e dar apoio

técnico-científico à área. Firmou-se então um acordo

que resultaria mais tarde da criação do Fórum de

Agenda 21 da Lagoa de Ibiraquera6.

Para realizar o diagnóstico socioambiental partici-

pativo instituiu-se um fórum comunitário, valendo-se

de grupos de trabalho (pesca, turismo, saúde e sanea-

mento, educação e cultura), atualmente em fase de

consolida ção institucional – o Fórum da Agenda 21 local.

Envolveu-se lideranças comunitárias, representantes de

ONGs, equipe de pesquisadores e, esporadicamente,

agentes governamentais.

Entre as debilidades apontadas, salienta-se a ne-

cessi dade de maior intercâmbio entre as inter-relações

múltiplas dos Grupos de Trabalho (GTs) componentes

do Fórum da Agenda 21 da Lagoa de Ibiraquera, de

modo que se pudesse visualizar melhor a complexidade

sistêmica da dinâmica. Atualmente, nem sequer existem

mais os GTs.

Quanto à conscientização da comunidade, embora

os atores sociais sejam capazes de perceber e apontar

os problemas socioambientais causados pelas atividade

turística (mesmo porque, por meio de fotos aéreas,

comprova-se aumento da área de vegetação na

região!), eles não enxergam a si próprios como agentes

de degradação, isto é, problemas “são e estão sempre

no outro”. Para exemplificar, proprietários de pousadas

que construíram seus equipamentos no morro da Praia

do Rosa – ocupando quase a área total do terreno com

a derrubada da mata nativa –, não consideram seus

empreendimentos como sendo impactantes, mesmo

6 No ano de 2003, a UFSC conseguiu apoio financeiro do Fundo Nacional de Meio Ambiente (FNMA) do Ministério do Meio Ambiente (MMA), com o projeto intitulado Manejo Integrado da Pesca na Lagoa de Ibiraquera, que teve como objetivo trabalhar com as comunidades que vivem da pesca na Lagoa de Ibiraquera, respeitando os princípios do Fórum da Agenda 21 Local (MUNDIM, 2005).

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Revista da FAE

porque, como justificam, “tudo está de acordo com a

legislação municipal”7.

O Fórum ainda não conseguiu contar sistema-

ticamente com o apoio do governo de ambos os muni-

cípios e superar a obstrução de membros comunitários,

muitas vezes, provocada por questões relacionadas

a diferentes visões de mundo, entre os partidários da

Via da Economia de Mercado, do Ecodesenvolvimento

e do Preservacionismo. Ou então, entre as populações

tradicionais e as que migraram de outros lugares para

viver em Ibiraquera, o que, há que se ressaltar, é uma

característica comum entre arranjos institucionais e

socioprodutivos de gênese comunitária.

Não se espera que tais contradições sejam supe-

radas (mesmo porque a diversidade cultural é desejada),

mas que ao menos se consiga dialogar sobre temas de

interesse comum. Contudo, em meio às divergências,

conseguiu-se avançar: freou-se os impactos de uma

fazenda de camarão e de grupos empresariais hoteleiros

que ameaçam tanto o equilíbrio quanto o acesso e uso

da biodiversidade costeira, e ainda relevar na etapa

do diagnóstico participativo o conhecimento dos

mora dores tradicionais, pescadores ou ex-pescadores

artesanais que desenvolvem ou desenvolviam agricul-

tura de subsistência8.

O Fórum quer consolidar a criação de um sistema de

educação para o ecodesenvolvimento na área, de modo

que se possa refletir permanentemente sobre os direitos

e deveres de cada usuário dos recursos ambientais

existentes na área (lagoa, dunas, praia e mar).

Cogita-se também a concepção de uma reserva

extrativista de espelho de água, que é experiência

pioneira pela suas características, onde se descentraliza

cada vez mais as decisões.

Media-se a negociação de conflitos gerados pela

presença de interesses diferenciados pelos usos do

patrimônio comum, com base na difusão de normas

jurídicas oficiais e científicas qualificadas, na qual se

7 MUNDIM (2005); ARAÚJO e SAMPAIO (2004).8 SAMPAIO (2005).

formula participativamente estratégias coordenadas de

ecodesenvolvimento. Estas implicam, entre outras coisas,

na luta pela revitalização da pesca e da aqüicultura,

na criação de alternativas nos setores de agroecologia

e do turismo de baixo impacto socioambiental, na

instituição de unidades de conservação co-geridas pelas

comunidades locais, na revitalização do tecido cultural

e na construção de uma representação ecossistêmica

das opções de modo de vida comunitário9.

3.2 Turismo comunitário: um projeto

no litoral do Ceará

A Prainha do Canto Verde é um lugarejo de pes-

cadores e rendeiras, com cerca de 1.200 habitantes,

localizado no município de Beberibe, próximo da capital

do Estado do Ceará, Fortaleza, na Região do Nordeste

brasileiro. Diante de uma luta comunitária contra a

grilagem de suas terras, criou-se em 1989 a Associação

Comunitária do Canto Verde. Desde, então, vem se

combatendo outros problemas que afetam a área:

pesca predatória, especulação imobiliária, turismo de

massa e falta de apoio do governo estadual. O apoio

de organizações não-governamentais (ONGs), inclusive,

muitas delas criadas a partir das demandas reclamadas

pela comunidade10 é um ânimo para a experiência.

O que chama a atenção na área é a implantação do

turismo socialmente responsável para melhorar a renda

e o bem-estar dos moradores e, simultaneamente,

pre servar os valores culturais e as belezas naturais da

região.

Este projeto de turismo foi organizado pelo

Conselho de Turismo, criado em 1997, que, por sua

vez, está vinculado a Associação Comunitária do Canto

Verde. Além deste, existem outros conselhos, os de

9 Exemplificado pelo depoimento de um pescador artesanal: “de que só sabia pescar e que tinha aprendido com seu pai e que passaria para seu filho, e que não trocaria a pesca por nada” (VIEIRA, 2004).

10 MUNDIM (2005).

26 |

Educação, Saúde, Terra, Pesca e Artesanato, todos

vincu lados a Associação Comunitária.

O Conselho de Turismo se dinamiza através da

Cooperativa de Turismo e Artesanato da Prainha do

Canto Verde, que coordena as atividades turísticas e as

organizam em pequenos empreendimentos coletivos

e individuais, tais como pousadas, casas e quartos de

aluguel, barracas de praia, passeios de bugue e lojas de

artesanato – forma-se um Arranjo Produtivo e Político

de Base Comunitária. Uma das pousadas, inclusive, é

de propriedade da própria associação. A cooperativa,

até então informal, surgiu com o intuito de possibilitar

um complemento na renda familiar dos moradores, em

consequência pelas dificuldades da pesca artesanal11.

Todos os empreendedores são originários da

pró pria comunidade, portanto, não há investidores

externos e os recursos permanecem na própria loca-

lidade. Diferentemente, de outras localidades próximas,

como a Praia das Fontes e da Tabuba, em que pre-

domina o chamado turismo de massa, baseadas

respec tivamente na rede hoteleira e no conjunto de

residências secundárias (habitações de uso eventual dos

proprietários).

A Prainha recebe basicamente turistas como

pesquisadores, inclusive estrangeiros, algumas famílias

e parentes dos moradores. Considera-se como atrativos

locais o luar, casas típicas de pescadores, a pesca

co mercia lizada na própria praia, ou seja, o próprio modo

de vida12 – vantagens comparativas pouco percebidas

na maioria dos planejamentos turísticos elaborados de

maneira tecnicista.

A atividade turística iniciou com famílias que

puderam, com recursos próprios ou tomando emprés-

timo de um fundo rotativo de recursos da associação

comunitária, construir quartos e pousadas. As pessoas

11 A Prainha do Canto Verde já coleciona duas premiações: (1) Prêmio To Do, versão 1999, por ter sido considerado projeto de turismo socialmente responsável; e (2) TOURA D’OR 2000, por melhor filme documentário sobre turismo comunitário (CORIOLANO; LIMA, 2003).

12 CORIOLANO e LIMA (2003).

que não se beneficiam diretamente da atividade turística

acabam sendo auxiliadas, por um Fundo Social e de

Educação, mantido parcialmente por repasse de recursos

da Cooperativa de Turismo e Artesanato. É uma maneira

de atuar contra a desigualdade de oportunidades13.

A atividade turística não é planejada de maneira

setorial, como geralmente são os planos turísticos.

Além de possuir função subsidiária, assumidamente

de pequena escala, e complementar à economia da

comunidade, o turismo tem papel na conservação do

ambiente cultural e natural, isto é, sua gestão ancora-se

na autorregulação comunitária.

Os desafios, porém, não são pequenos, como em

qualquer outra experiência. Ressalta-se, nesse sentido,

o desrespeito de alguns cooperados, que tentam

obter vantagens individuais; necessidade freqüente de

sensibilizar a comunidade para que ela se identifique

como parte de todo o processo, quer na identificação

de problemas quer nas suas soluções; e a falta de

reconhecimento e apoio por parte dos órgãos de

turismo e governamentais14.

3.3 Responsabilidade socioambiental

empresarial no Chile: florestal Río Cruces

A história da Florestal Río Cruces inicia com a

visita de um casal de aristocratas alemães que, im-

pressionados com a paisagem do local, comprou uma

propriedade rural para então instalar uma empresa de

manejo e plantio florestal no qual se respeita princípios

sustentabilistas.

Posteriormente, foram compradas outras proprie-

dades rurais (municípios de Lanco, Panguipulli e Los

Lagos), totalizando aproximadamente 8.000 ha (sendo

60% de bosques nativos), além da sede da Florestal

que possui 2600 ha. Na administração da empresa

há 19 pessoas, entre eles um gerente geral, e mais

13 IVT (2004)14 MUNDIM (2005).

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.17-33, jul./dez. 2009 | 27

Revista da FAE

31 trabalhadores diretos, além dos 50 trabalhadores

indiretos oriundos de empresas associadas.

A madeira certificada, sobretudo de manejo de

bosques nativos, é um mercado incipiente, de certo

modo desconhecido, no qual vigora o mito de baixa

produtividade quando comparado com reflorestamentos

de árvores exóticas como pinus e eucalipto. Entretanto,

a Florestal Río Cruces vem demonstrando que é possível

conciliar responsabilidade social empresarial15) e retorno

econômico quando se planta e maneja sustentavelmente

florestas nativas, e se planeja a longo prazo, distanciado

do imediatismo típico da lógica de mercado na qual

prevalece o utilitarismo economicista.

A empresa está certificada pela FSC (Forest

Stewardship Council16), primando por produtos de

alta qualidade (tais como molduras, madeiras semi-

acabadas e acabadas, pisos, componentes de móveis

e artesanato fino) ao contrário de outras empresas

florestais que utilizam apenas madeiras de bosques

de espécies introduzidas (não nativas). A capacitação

do pessoal quanto ao uso de motosserras e artefatos

florestais no manejo de bosques nativos é um dos

pontos que merece atenção constante, especialmente

quando se está numa região em que o desmatamento

é prática comum.

A zona de atuação da Florestal apresenta um clima

temperado chuvoso, cujas características são de alta

umidade relativa, baixas temperaturas e grande registro

pluviométrico anual. A área apresenta altos índices de

15 O Ministério da Agricultura chileno criou, em 1999, o Prêmio Nacional à Inovação Agrária, como reconhecimento à criatividade e esforço de iniciativas inovadoras no setor agrário. Por sua atuação, em 2003, a Florestal recebeu o Prêmio.

16 Certificação florestal de credibilidade internacional que atesta que a madeira (ou outro insumo florestal) utilizada num produto provém de manejo sustentável, ou seja, que é oriunda de floresta, nativa ou reflorestada, explorada de forma adequada do ponto de vista socioambiental, cumprindo todas as leis vigentes. Produtos finais ou intermediários que utilizam matéria-prima florestal com o selo Cadeia de custódia FSC têm a rastreabilidade da matéria-prima da floresta até o consumidor final (http://www.fsc.org).

pobreza rural e elevado analfabetismo, o que dificulta a

promoção de trabalhadores para postos de chefias, que

requerem competências diferenciadas.

A Florestal possui uma política de boa vizinhança

com as comunidades e as municipalidades aonde

opera, preocupando-se com a conservação de estradas

vicinais, contratando membros comunitários ora como

empregados diretos e indiretos, além de doar parte dos

resíduos de sua operação para utilização como lenha (vale

lembrar que a lenha no Sul do Chile, além de servir como

combustível para cozinhar, serve para o aquecimento das

casas em virtude das baixas temperaturas durante todo o

ano, com exceção do verão).

Quanto à questão social, a empresa faz doações

periódicas a jardins de infância, escolas e clubes des-

portivos nas áreas aonde opera, além de ministrar

palestras sobre a importância do manejo sustentável

dos bosques nativos.

Entre os desafios de atuação, cita-se a ausência

de marco legal em relação ao manejo sustentável de

bosques nativos, quer pela falta de consciência das

entidades governamentais, quer pelo descaso do mercado

comprador em relação à origem da madeira nativa.

3.4 Economia de Comunhão (EdC): gestão

e solidariedade em empresa chilena

A experiência de Economia de Comuhão refere-se

à Sociedade de Investimentos Foco S.A. (Poupança e

Crédito), sediada em Santiago (Chile).

A Foco surge a partir da falta de acesso a crédito às

pessoas vinculadas ao Movimento Focolar, com o projeto

de criar uma cooperativa de investimentos para aqueles

membros. A cooperativa nasce em 1985, antes mesmo

do florescimento do projeto global da EdC, lançado

no Brasil em 1990. Na ocasião fez-se uma consulta à

Federação de Cooperativas Chilenas que sugeriu ao

grupo de interessados que dessem continuidade a uma

cooperativa já constituída, entretanto inoperante, em

vez de de se criar uma nova cooperativa. Em 2004, a

28 |

cooperativa transforma-se em Sociedade Anônima

(para não transgredir a legislação chilena de bancos),

reduzindo de 400 para 100 associados, utilizando-se

como princípio: um sócio por família.

A Foco S.A. é constituída por pessoas físicas

vinculadas ao Movimento Focolar ou então por pessoas

com vínculos com membros do movimento. A sociedade

é dirigida por meio de uma assembléia de sócios, eleitos

sob critérios de competência e formação universitária,

além de uma administradora. Nunca recebeu financia-

mento a fundo perdido de de outras fontes. Os

financiamentos que a Sociedade contrata, de um modo

geral, são destinados à aquisição de maquinários,

emergências de saúde, férias, reformas residenciais,

estudos universitários e compras de automóveis,

cujos juros variam de 1,2% a 2%17, dependendo do

capital financiado. Historicamente, os financiamentos

contratados giram entre US$ 1.000 a 23.000, limitados

pela exigência de que o contratado deva possuir ao

menos 1/3 do valor financiado em cotas do capital da

Sociedade. Curiosamente não há registro de nenhum

processo de cobrança oficial.18

Balizada nos princípios da divisão tripartite do

lucro, os dividendos da Foco seguem aqueles princípios:

a primeira parte é destinada ao Movimento Interna-

cional de Economia de Comunhão, sediado em Roma

(Itália), que posteriormente distribui às pessoas carentes

que participam do Movimento no Chile; a segunda

parte é destinada a investimentos na própria empresa;

e a terceira parte destinada a projetos de formação

humanista dos associados do movimento.

Do ponto-de-vista de evolução, a Foco encontra-se

numa etapa madura e pronta para os novos desafios

futuros, pois, aponta-se como debilidade empresarial

atualmente não ambicionar o crescimento econômico.

17 Bem abaixo das taxas de juros praticadas pelos bancos comerciais chilenos que giram em torno de 3,3% a.m.

18 Atualmente, há um único caso de financiamento inadim-plente. Prevalece a negociação em torno do respeito aos princípios da sociedade, que deve ser preservado: o interesse coletivo predominando sobre o individual.

Pensa-se na possibilidade de criação de um sócio cole-

tivo que poderia congregar associados interessados

em correr riscos maiores como o financiamento de

novas empresas. Atribui-se como marco no projeto o

compartilhamento de valores solidários pelos sócios.

3.5 Economia solidária: Fair Trade

made in Chile

As discussões acerca do Comércio Justo inicia-

ram no Chile em 1996 com a união de diversas

organizações não-governamentais (ONGs), voltadas

às questões socioeco nômicas e ambientais. Essa

união, denominada Plataforma Komyuniti, após

alguns anos de articulações, conseguiu formar uma

rede de cooperação e de apoio mútuo a pequenos

produtores para garantir a sustentabilidade de seus

socioempreendimentos.

Em outubro de 2002, inaugurou-se a primeira

Loja de Comércio Justo do Chile. Após um ano de fun-

cionamento constatou-se a importância de disseminar

o conceito de comércio justo e o significado de con-

sumo consciente: a Plataforma Komyuniti concebeu a

Cooperativa de Comércio Justo Chile, alicerçada numa

Carta de Princípios e numa Carta de Compromissos que

formalizam as diretrizes a serem seguidas por pessoas e

organizações que queriam ingressar na esfera comercial

da Plataforma.

Além de abarcar os interesses dos pequenos

produtores, organizações da sociedade civil e consu-

midores, e de fomentar a formação de microrredes

de Comércio Justo no Chile, a Cooperativa promove

estratégias educativas para pensar e consolidar uma

economia mais solidária.

A rede interorganizacional formada pela Plata-

forma Komyuniti se estende do norte ao sul do

Chile, incluindo regiões metropolitanas de centros

urbanos como Santiago e centros menores como

Valparaíso, além de comunidades e povoados, como os

descendentes dos mapuches-huilliches (grupo indígena

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.17-33, jul./dez. 2009 | 29

Revista da FAE

predominante entre os primeiros habitantes do Sul do

Chile) e produtores da Bolívia e do Peru.

O grupo de produtores são, em sua maioria,

indivíduos de baixa renda, povos autóctones e origi-

nários que ainda preservam muitos de seus costumes

e tradições, vivendo em comunidades (muitas vezes

isoladas) e desenvolvendo atividades relativas à agri-

cultura familiar, à pesca de subsistência e trabalhos

manuais. Os artesãos, produtores e pescadores envol-

vidos estão agrupados em torno de 40 organizações e

o volume de vendas estimado para o ano de 2005 era

de US$ 45.000.

A grande maioria dos produtos comercializados

pela Loja de Comercio Justo personifica a cultura

socioprodutiva e a identidade dos territórios onde são

produzidos, como:

a) artesanato: produtos utilitários e de decoração

feitos de cerâmica, fibras, madeira, couro, lã,

pedras e jóias;

b) alimentos primários: café, chá, açúcar, frutas,

verduras, cereais andinos, ovos, carnes, mel,

condimentos, ervas medicinais, etc.; e

c) produtos semi-industrializados: comidas na-

tivas, pães, vinhos, licores, biscoitos, queijos, geléias, brinquedos, sabões.

Não se verificou o envolvimento de governos

locais na experiência, ou qual foi o papel do poder

público local na identificação das potencialidades

locais e na criação do ambiente propício para o

desenvolvimento destas potencialidades. Apesar de

ser uma experiência relativamente nova, verifica-se

que acaba trazendo benefícios sociais, econômicos e

ambientais importantes (guardadas suas proporções)

às comunidades de produtores.

Por sua vez, não quer dizer que os grupos de

produtores respondam totalmente aos critérios deter-

minados pela cooperativa, o que também não invalida

a experiência e nem a enfraquece. As principais debili-

dades da Plataforma Komyuniti são:

• desarticulação com governos locais;

• rigor nos critérios de integração dos cooperados

à rede;

• limitação da área de comercialização da Loja de

Comércio Justo, restringindo-se à região metro-

politana de Santiago;

• loja com espaço físico restrito, embora esteja

bem localizada;

• dificuldade de replicar tal experiência diante do

ambiente competitivo da economia de mercado

chilena; e

• inexperiência dos dirigentes quanto à gestão da

cooperativa.

Considerações finais

Acredita-se que nas experiências relatadas enten-

didas como de Ecossocioeconomia das Organi zações,

o agir organizacional que resulta de ações individuais

compromissadas emergem de um vácuo institucional

instalado na dinâmica societária. Novas tecnologias

sociais surgem ponderando o agir econômico dentro de

limites que promovem igualdades de oportunidades.

Nesta perspectiva, crê-se na possibilidade de um

mercado mais solidário, no sentido de trocas mais

justas entre vendedor e comprador, incorporando trocas

compensatórias, isto é, quando a classe econômica mais

privilegiada, ao menos em um primeiro momento, reduz

voluntariamente sua expectativa de ganhos a favor

de classes econômicas menos abastadas, valorizando

conhecimento e bens de origem comunitária.

As experiências agrupadas podem ser divididas

entre trabalhos teóricos ou, até mesmo, ideológicos bem

elaborados, entretanto com pouca prática convincente,

como os Fórum de Agenda 21 Local e as Empresas de

Responsabilidade Social; e trabalhos empíricos que vêm

apresentando resultados promissores, como o Turismo

Comunitário, a Economia de Comunhão e a Economia

30 |

Solidária (Comércio Justo e Clube de Trocas Solidárias),

entretanto, sem uma proposta clara sobre um modelo

de gestão que possa ser replicado.

O que não se pode deixar de notar nas experiências

analisadas é, que, todas elas apresentam em seu cerne

algumas das dimensões da sustentabilidade. Exem-

plificando, pode-se citar a dimensão social, presen te em

todas as experiências; a dimensão ecológico-ambiental,

notável nas experiências da Agenda 21, Turismo Comu-

nitário e RSE; a dimensão cultural, explícita nas expe-

riências da Agenda 21, Turismo Comunitário e Comércio

Justo; e a dimensão demográfica ou espacial, destacada

no Turismo Comunitário e no Comércio Justo.

Um dos desafios das experiências latinoamericanas

que podem ser apontadas como indo na direção da

ecossocioeconomia das organizações é o de equacionar

a solução de dois problemas:

a) indivíduos que ocupam funções de liderança,

administração e fomento comunitário, que vêm

conseguindo com dificuldade transformar boa

vontade em gestão compartilhada (arranjo),

em gestão extraorganizacional (do entorno

para a organização) e ainda relevar a potencia-

lidade tanto do conhecimento tradicional nos

pro cessos de produção quanto dos produtos

comunitários na distribuição e na comercializa-

ção acabam por abandonar suas atividades por

questão de sobrevivência, pois em sua maioria

são militantes não-remunerados ou pesquisado-

res com bolsas temporárias;

b) a dependência das experiências de associativismo

legítimo e empreendimentos compartilhados de

recursos de subsídios – financiados pelo Estado

ou por ONGs internacionais –, e de incubação e

assessoria de movimentos sociais ou centros de

pesquisa universitários, restringindo a autono-

mia político-financeira dessas experiências. Não

se questiona a relevância de políticas compensa-

tórias em sociedades caracterizadas pela má dis-

tribuição de renda – independentemente do seu

estágio político-democrático –, como acontece

na maioria dos países da América Latina.

Todavia, crê-se que estas medidas compensatórias

devam ser pensadas como propostas articuladas a um

projeto de sustentabilidade administrativo-econômica

que possibilitem, em um primeiro momento, ao menos,

sobreviver diante da dinâmica capitalista e da economia

de mercado para então, em um segundo momento,

possibilitarem a criação de uma dinâmica própria.

A ecossocioeconomia das organizações não tem

a pretensão de ser uma nova base conceitual para se

pensar um outro modo de vida, como já faz o desen-

volvimento sustentável. Ela deseja reorganizar conceitos

já encontrados na multiplicidade de estudos existentes

na literatura sobre o tema, entretanto, que carecem

de sistematização pragmática na ciências sociais

aplica das – especialmente na chamada ciência da

administração –, para que possa ser disseminada.

Deseja-se, entretanto, ser ambicioso com a ecosso-

cioeconomia das organizações quanto ao pensar,

analisar e experimentar metodologias de tomada de

decisão que consideram a extrarracionalidade e o vetor

extraorganizacional como princípios de gestão organi-

za cional de ênfase interorganizacional (tal como o

arranjo socioprodutivo de base comunitária, susten tável

e solidária) e que ponderem os vetores de eficiência

processual, eficácia produtiva e efetividade econômica.

Em outras palavras, deve-se criar alternativas que

complementem as limitações da ação baseada pura-

mente na racionalidade econômica, ampliando suas

perspectivas de análise quantitativa (de curto para

médio e longo prazos) e qualitativa (da economia para

ecossocioeconomia), inseridas nos modelos de gestão

empresarial que acabam replicadas (muitas vezes devidas

adaptações) no setor público e no chamado terceiro

setor, como se fossem organizações com características

de propriedade e finalidade seme lhantes.

É necessário instigar a dimensão tácita do conhe-

cimento de ênfase cultural-social territorial e a sabedoria

tradicional de ênfase cultural-produtiva territorial na

chamada ciência administrativa.

Concorda-se que tais conhecimentos são rele-

ga dos sob a justificativa de não possuirem cogni-

ção, especialmente quando observados a partir da

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.17-33, jul./dez. 2009 | 31

Revista da FAE

pers pectiva da racionalidade individual ou organi-

zacional, pois não se sabe mensurá-los. Portanto,

de um lado é necessário permitir a flexibilização na

busca do entendimento do saber científico, consi-

de rando os saberes tradicionais nos subsídios para

a formulação de decisões coladas à realidade e que,

conseqüentemente, solucionam os problemas mais

importantes, ditos estratégicos, do mundo da vida. De

outro lado, se quer evitar o risco de cair na ideologia,

no romantismo utópico e na generalização; e, muito

menos, no ceticismo, na imobilidade e na especificação.

Assim, a ecossocioeconomia das organizações tem

como desafio encontrar mecanismos que possibilitem

extrair, sistematizar e potencializar, primeiramente, o

saber tradicional no âmbito da objetividade coletiva e,

em segundo lugar, a dimensão tácita do conhecimento

no âmbito da intersubjetividade.

Enfim, espera-se que as metodologias de

Agenda 21, Turismo Comunitário, Responsabilidade

Social Empresarial, Economia de Comunhão e Eco-

nomia Solidária – que podem ser entendidas como

indo na direção da ecossocioeconomia das organiza-

ções –, impregnadas também de certo pragmatismo,

possam se multiplicar da mesma maneira que seu

par gerencial-economicista, tornando-se cases ou

modismos globa lizados.

Todavia, espera-se que sejam mais benéficos à

maioria dos indivíduos e que, ainda, privilegiem horiz-

ontes temporais mais longos. O que não se pode

relegar é o fato de que estas metodologias, indepen-

dentemente de sua magnitude (podendo até mesmo

ser consideradas pouco ambiciosas em termos de

resultados), desempenham papel importante para

as comunidades locais, em especial, aquelas menos

desenvolvidas, de menor poder aquisitivo e, muitas

vezes, à margem da economia formal. O trabalho de

forma articulada e sinérgica, inclusive com o apoio de

organizações (públicas, privadas e ONGs) por exemplo,

acaba por proporcionar a pequenos produtores rurais,

artesãos, pescadores, comerciantes, cooperados, ren-

deiras, etc., maiores chances de sobrevivência.

•Recebido em: 20/06/2009 •Aprovado em: 23/10/2009

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Revista da FAE

Resumo

Este artigo baseia-se em pesquisas, observações cotidianas e entrevistas rea-lizadas com os membros da Comunidade Morada da Paz (CMP), localizada no município de Triunfo, estado do Rio Grande do Sul, Brasil, desde sua fundação em janeiro de 2003 até abril de 2009. O objetivo geral deste artigo é investigar as dinâmicas sócioeconômicoambientais dentro da CMP, analisando a partir do seu modus vivendis as inter-relações entre ética e economia ecológica. Os objetivos específicos serão investigar como se construiu e se mantém sustentável o modo de vida da CMP ao longo da sua trajetória de existência, examinando-se as suas relações internas, as suas relações com o meio ambiente e as relações que mantêm com o seu entorno local e colaboradores, e analisar as possíveis contribuições que o seu modo de vida pode oferecer ao desenvolvimento de práticas sustentáveis junto a outras comunidades, ao seu entorno local e regional e à sociedade em geral.

Palavras-chave: sustentabilidade; solidariedade; redes.

Abstract

This paper is based on researches, daily observations and interviews made with Comunidade Morada da Paz’s (CMP) members localized in Triunfo, Rio Grande do Sul, Brasil, since its fundation in January 2003 until April 2009. The general objective of this paper is to investigate the social-economical-environmental dynamics in CMP, analising, from its modus vivendis, the interrelationship between ethics and ecological economics. The specific objectives will be to investigate how CMP way of life was builted and how it is sustained in its journey of existence, observing the internal relationships, the relationships with the ecosystem and the relationships with its neighbourhoods and partners, as well as to analyse the possible contributions that CMP’s way of life can offer to the development of sustainable practices of other communities, neighbourhoods, local region and society.

Keywords: sustainability; solidarity; networks.

* Economista. Pós-graduando em Gestão de Pessoas (UFT). Membro do Núcleo de Economia Solidária (NESol/UFT). E-mail: [email protected]

Rogério Ferreira Teixeira*

Comunidade, ética e economia ecológica: reflexões sobre o modo de vida da morada da paz

Community, ethics and ecological economy: reflections about morada da paz’s way of life

36 |

Introdução

O que motivou a realização deste artigo foi a ne-

cessidade de pesquisar alternativas para um modo de

vida sustentável, que possibilite uma integração entre

o ser humano e a natureza, apontando caminhos nesta

direção. Neste sentido, uma abordagem sobre comuni-

dade, ética e economia ecológica tornou-se apropriada

para relatar a experiência da Comunidade Morada da

Paz (CPM) de Triunfo/RS.

Primeiramente, será feito um breve histórico so-

bre o movimento das comunidades e o surgimento da

economia ecológica enfocando seus principais pres-

supostos. Em seguida, realizar-se-á uma retrospectiva

sobre a constituição da CMP, analisando as suas dinâ-

micas internas, o uso de tecnologias sustentáveis nas

relações com o meio ambiente e as ações que estabe-

lece em rede com parceiros e colaboradores.

Finalmente, serão tecidas algumas considerações

a respeito das abordagens realizadas, visualizando a

partir destas a Morada da Paz como uma comunidade

onde economia ecológica e ética encontram-se e com-

plementam-se fomentando um modo de vida sustentá-

vel e solidário.

1 Um Breve Histórico sobre

Comunidades e o Surgimento

da Economia Ecológica

O modelo capitalista neoliberal gerou profundos

desequilíbrios no planeta em vários aspectos, como o

social, econômico, cultural e por consequência o am-

biental. Torna-se primordial a busca por uma forma de

vida que possibilite o reencontro do ser humano consi-

go mesmo e com uma relação mais sustentável com a

natureza e com seu semelhante.

A propósito, Capra (2002, p.267-268) comenta que

No decorrer deste novo século dois fenômenos espe-cíficos terão um efeito decisivo sobre o futuro da humanidade. Ambos se desenvolvem em rede e ambos estão ligados a uma tecnologia radicalmente nova. O primeiro é a ascensão do capitalismo global, composto de redes eletrônicas de fluxos de finanças e de informação; o outro é a criação de comunidades sustentáveis baseadas na alfabetização ecológica e na prática do projeto ecológico, compostas de redes ecológicas de fluxos de energia e matéria. A meta da economia global é a de elevar ao máximo a riqueza e o poder de suas elites; a do projeto ecológico a de elevar ao máximo a sustentabilidade da teia da vida.

Duran (2001, p.25), a este respeito complementa

com algumas considerações:

Todas las experiências de transformación alternativa de la sociedade al margem de mercado y de la lógica patriarcal dominante, tienen un gran valor como semillas y polos de referencia de lo que puede llegar a ser una transformación a mayor escala. La reconstrucción de las estructuras comunitarias, de los nuevos ámbitos de comunidad, se debe producir principalmente a partir de lo local. Lo local, que ha sido sometido y desarticulado por el capitalismo global, es necesario en gran medida restaurarlo ex novo.

A vida em comunidades, conforme Santos Junior

(2006), é prática antiga e remonta aos primeiros está-

gios da civilização humana. Encontramos relatos de

experiências de comunidades na Palestina, com os

essênios antes de Cristo, na Índia, com os seguidores

de Buda, e na América, com os índios, que também

compartilham princípios e práticas comunitárias.

Claval (1999, p.113) tece algumas considerações

importantes para compreendermos melhor o significa-

do de comunidade:

A vida social baseia-se em organizações hierárquicas institucionalizadas. Ela implica igualmente que os parceiros sintam-se pertencentes a um mesmo conjunto pelo qual cada um se sinta responsável e solidário. Isto toma em alguns casos uma forma afetiva, aquela da comunidade. Noutros casos, a construção social

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.35-46, jul./dez. 2009 | 37

Revista da FAE

tem fundamentos racionais, o interesse, a eficácia, a preocupação de assegurar a defesa e a segurança coletivas, por exemplo. É o sentido da distinção proposto pelo sociólogo Ferdinand Tönnies, há mais de um século, entre a comunidade e a sociedade. A comunidade serve de modelo a toda uma série de unidades sociais e culturais: um pequeno grupo coeso, onde os membros estão ligados por relações de confiança mútua, pode se multiplicar por emigração ou se estender para englobar um grande número de pessoas ligado por certos traços fundamentais de cultura.

Claval (1999, p.114) considera ainda que existam

quatro formas de construir uma comunidade:

• elos de sangue e de aliança que unem os membros de uma família;

• membros unidos por um mesmo ideal e um projeto comum1;

• irmãos que partilham de uma mesma fé religiosa;

• co-habitação de pequenos grupos num mesmo lugar.

O movimento da contracultura na década de 60,

no século passado, reunindo principalmente jovens

descontentes com a violência, o extermínio da fauna

e da flora, e a vida competitiva nos grandes centros

urbanos fez proliferar principalmente nas Américas

várias comunidades embaladas por um projeto comum.

Conforme comentado por Capra (1988), o movi-

mento ecológico e o movimento feminista impul-

sio naram uma nova visão de mundo, mais atenta à

questão da sustentabilidade e da preservação da vida e

do planeta para o futuro.

O movimento das comunidades estruturadas a

partir de um projeto de vida comum se encontra hoje

1 De acordo com Claval (1999, p.115), a comunidade de projeto resulta de uma adesão consciente de seus membros. Pode ser analisada em dois níveis:

a) parcial: se se trata de uma associação desportiva, lúdica ou caritativa, à qual os membros conseguem uma parte de seu tempo livre;

b) global: se se trata verdadeiramente de um projeto de vida comum, segundo um modelo mais ou menos utópico, diferente daquele que a sociedade oferece em geral (MANUEL; MANUEL, 1979).

num processo crescente de desenvolvimento, sendo que

muitas delas contam com a organização e o trabalho

em rede. Objetivam em seus movimentos transcender

uma realidade que privilegia o individualismo, a

degradação ambiental e acarreta sérios desequilíbrios

econômicos, políticos e sociais. Há comunidades

espalhadas pelo mundo todo, como Findhorn (Escócia),

Cristal Waters (Austrália) e Lebensgarten (Alemanha),

que podem ser reconhecidas como referências em

práticas ecológicas.

Há uma entidade internacional, a Global Ecovillage

Network (GEN), que promove a veiculação de notícias,

o intercâmbio e a realização de cursos e atividades

de interesse comum. Santos Junior (2006) relata que

a GEN-Global, no ano de 2000 conseguiu obter o

reconhecimento de “organização oficial” da ONU, com

status consultivo no Conselho Econômico e Social do

Comitê das ONGs.

Neste início de século XXI, o movimento de vida

em comunidades ganha força e adeptos por oferecer

alternativas frente ao sistema hegemônico vigente,

construindo através de suas experiências possibilidades

para um modo de vida2 sustentável3.

As comunidades baseadas em projetos se desen-

volveram num momento simultâneo à efer vescência

do debate sobre meio ambiente no mundo. Houve

a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente em

Estocolmo no ano de 1972, tratando sobre o panorama

ambiental mundial, foi publicado o Relatório Brundtland

em 1987, trazendo o conceito de desenvolvimento

sus tentável, ocorreu ainda a RIO 92, que aprofundou

estas discussões, houve a assinatura do Protocolo de

Kyoto em 1997, que previa a redução da emissão de

2 Segundo Derruau (1982), podemos definir modo de vida como o conjunto de hábitos pelos quais o grupo que os pratica assegura a sua existência.

3 Sobre sustentabilidade, Ruscheinsky (2004, p.20) contribui para um melhor entendimento, afirmando que a princípio a sustentabilidade refere-se à capacidade de um modelo ou sistema sustentar-se na dinâmica evolutiva sem permitir que algum setor aprofunde-se em crises de tal forma que venha a atingir a totalidade.

38 |

gás carbônico na atmosfera, entre outros movimentos,

como a RIO + 10, na África do Sul em 2002.

No mesmo momento histórico, desenvolviam-se no-

vos postulados para a Ciência Econômica, incorporando

as principais preocupações trazidas à tona com relação ao

meio ambiente, nascendo, pois a Economia Ecológica.

Para Alíer (1998, p.268), um dos precursores da

Economia Ecológica, ela pode ser definida como:

Uma economia que usa os recursos renováveis (água, pesca, lenha e madeira, produção agrícola) com um ritmo que não exceda sua taxa de renovação, e que usa os recursos esgotáveis (petróleo, por exemplo) com um ritmo não superior ao de sua substituição por recursos renováveis (energia fotovoltaica, por exemplo). Uma economia ecológica conserva assim a diversidade biológica, tanto silvestre quanto agrícola.

Conforme apontado por Melo (2006, p.111),

Georgescu-Roegen (outro precursor da economia eco-

lógica) postula que:

As transformações decorrentes das atividades econômico-industriais resultam em uma entropia crescente, sendo possível se quantificar o aumento da desordem no sistema (entropia). Além disso, indica medidas para diminuir o processo entrópico:

• �������çã������c���������c�c��g��;

• ��������çã������������g��������������;

• c��������çã���c���������������c������������� o processo de extração, produção e consumo;

• ��������çã��������çã�����j������������çã�.

Várias destas contribuições trazidas pelos eco-

nomistas ecológicos passaram a ser adotadas pelas

comunidades projetadas para a busca de uma relação

mais equilibrada com a natureza.

Ainda sobre a economia ecológica, Melo (2006,

p.111) afirma que sua abordagem está centrada em

duas ideias, a saber:

1 limite ao crescimento econômico, visto que os recursos naturais são limitados e escassos;

2 a capacidade suporte não é algo fictício ou hipoté-tico, pois a experiência mostra que o “progresso” da

ciência e da tecnologia não tem garantido a susten-tação da vida no decorrer do tempo.

Outro pressuposto importante da economia ecoló-

gica, segundo Melo (2006, p.115), é a análise dos fluxos

físicos de energia e de materiais, além de considerarem

os preços de mercado (com o devido rigor, uma vez

que estes podem esconder relações ecologicamente

desiguais), em suas próprias análises. Defendem ainda

a participação política, especialmente dos movimentos

ambientalistas, para que o mercado (através do sistema

geral de preços) assuma os custos ambientais, uma vez

que o mercado por si só não o faz.

A Comunidade Morada da Paz (CMP), conforme

será visto adiante, incorporou em seu planejamento o

uso do instrumental econômico-ecológico, previamente

elaborando com auxílio de consultoria de arquitetos um

plano diretor para o terreno escolhido como sua sede e

implantando no dia-a-dia um fluxo sistêmico para mini-

mizar impactos ambientais.

2 O Processo de Constituição da

Comunidade Morada da Paz

A CMP é uma organização da sociedade civil de

direito privado, sem fins lucrativos, sem identificação

político partidária, fundada em 2003 na área rural do

Distrito de Vendinha, no município de Triunfo/RS, com o

objetivo de promover a sustentabilidade ambiental como

caminho para a busca de uma melhor qualidade de vida.

Os objetivos4 da Comunidade Morada da Paz são:

• promoção e qualificação educacional;

• desenvolvimento e valorização ambiental;

• promoção da saúde holística;

• investigação da dinâmica social.

A CMP começou a ser constituída quando um

grupo de pessoas oriundas de Porto Alegre/RS/Brasil

4 Extraídos do seu estatuto social.

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.35-46, jul./dez. 2009 | 39

Revista da FAE

optou por vivenciar no dia-a-dia uma filosofia que

estava sendo construída ao longo de uma trajetória

coletiva de 4 anos (de 1998 a 2002). O modus vivendis

da CMP inclui a observância de princípios tais como

a fraternidade, a ética, o respeito, a prática de uma

alimentação vegetariana, a vontade de viver uma vida

plena e integrada à natureza, com simplicidade e de

uma forma sustentável.

Para tanto, alguns se desfizeram de terrenos e

veículos, outros de suas economias, juntaram o que

conseguiram arrecadar e realizaram ainda um em prés-

timo para adquirir uma área de 4,2 hectares numa

zona rural distante 52 quilômetros de Porto Alegre, no

município de Triunfo/RS, para constituir o que viria a ser

a CMP. O local foi escolhido através da pesquisa em um

anúncio de classificados e foi aprovada a sua compra

pelos membros do grupo após a visita, tendo sido

desconsiderada a necessidade de outras pesquisas, pois

o sentimento comum era de que o espaço congregava

todos os requisitos almejados.

Uma moradora da CMP (S.J., 37 anos) assim explana

sobre a trajetória de constituição do movimento:

A Comunidade Morada da Paz é a resultante do sonho de um grupo de pessoas que no decorrer da sua trajetória compreendeu que era necessário retomar a sua própria força e autoria na construção do mundo desejado. Os integrantes são pessoas que antes de constituí-la conviveram juntos pelo menos quatro anos. Alguns de nós éramos familiares, colegas de trabalho e amigos. Esse período de convivência, que precedeu a CMP, teve como característica a busca por uma compreensão profunda e comprometida do sentido das nossas existências. Assim estabelecemos como rotina estudos e vivências em grupo, que nos conduziram à expansão dessa com-preensão. Logo nos determinamos à elaboração de um projeto de ação coletiva, que colocasse o nosso saber a serviço de outras pessoas e comunidades. Os componentes tinham idades diversas (18 a 40 anos), formação educacional distinta (1º grau a mestrado) e ocupação profissional também diversificada. Cada experiência e saber individual são reconhecidos como um universo fundamental de possibilidades para cons-tituição desse projeto (trecho retirado de entrevista realizada em junho de 2007).

A área adquirida não foi repartida de acordo com o

que cada um ofertou para a sua aquisição, e a proposta

de vida desde o início sempre observou o uso comum

dos recursos materiais e naturais para a construção da

comunidade. Neste sentido, S.J. complementa:

O princípio que nos levou a construir o projeto CMP foi o sentido de unidade e coletividade comum a todos. A percepção da necessidade de estarmos juntos para resistir às pressões sociais, econômicas, espirituais,... e para garantir que pudéssemos nos colocar a serviço do outro potencializando nossas capacidades. Compreen-demos que os processos de transformação acontecem, invariavelmente, em micro espaços, movidos pela força e crença de quem os constitui (trecho retirado de entrevista realizada em junho de 2007).

No início, a CMP foi constituída por 5 famílias,

sendo 2 casais com 1 filho cada, de 2 anos na época, 1

casal sem filhos e 2 solteiros, totalizando 10 pessoas. O

grupo era formado por jovens, com a média de 31 anos

de idade entre os adultos, sendo predominantemente

negros. Quanto às profissões, na época, havia duas

assistentes sociais, um engenheiro eletricista, um

professor, um economista, uma pedagoga, uma técnica

em administração e um padeiro/confeiteiro.

De lá para cá, aconteceram muitas mudanças

quanto ao número de pessoas, tendo ocorrido entradas

e saídas, e inclusive a constituição de um núcleo da

comunidade em Salvador/BA, na área urbana. Hoje,

constituem a CMP, somando os dois núcleos, em Triunfo

e em Salvador, 6 famílias, totalizando 14 pessoas.

A CMP se mantém através de recursos próprios

dos seus moradores que trabalham em serviços

externos, doações regulares e eventuais. Não há o

apoio do governo ou de empresas através de projetos

até este momento. Há um caixa único comunitário

constituído pelas entradas através das fontes cita-

das. A área de planejamento e gestão de recursos

delibera com os representantes das demais áreas a

aplicação dos recursos para custear as despesas com

alimentação, transporte, educação, vestuário, entre

outras necessidades.

40 |

Embora existissem alguns membros nascidos no

interior do estado, nenhum havia experimentado ainda

uma vida rural, sendo eminentemente urbanos, até

então. Esta mudança da cidade para o campo, na

tentativa de fazer do campo não um lugar de produção,

mas uma opção de residência, preservação ambiental

ou mesmo um espaço de lazer, são experiências há

algumas décadas já conhecidas na Europa, como

destaca Carneiro (1998, p.3):

Novos valores sustentam a proximidade com a natureza e com a vida no campo. A sociedade fundada na ace le ração do ritmo da industrialização passa a ser ques tionada pela degradação das condições de vida dos grandes centros. O contato com a natureza é, então, realçado por um sistema de valores alternativos, neo-ruralista e antiprodutivista. O ar puro, a simplicidade da vida e a natureza são vistos como elementos “puri ficadores” do corpo e do espírito poluídos pela sociedade industrial.

A CMP vislumbra a perspectiva de uma vida

humana integrada com a natureza, de um constante

compartilhar, da troca de experiências entre as pessoas,

do diálogo sincero e aberto para a construção e da

articulação de redes solidárias.

Sobre estas questões, Norgaard (1997, p.124)

sabia mente complementa:

Sendo conscientes de como a lógica econômica tem sido distorcida pelas crenças modernas, podemos pelo menos começar de novo e construir a partir da importância crescente da convicção de que sustentabilidade eco-lógica, justiça ambiental, estrutura econômica e cultural global são cruciais para o bem-estar de nossa progênie.

3 Os Sete Princípios para a

Sustentabilidade da CMP

A vida em comunidade é construída por pessoas.

Onde existem pessoas há um fluxo de relações que

se estabelece. Para se manter estes movimentos em

harmonia é preciso observar alguns princípios5, como

5 Tais princípios estão presentes no estatuto social da Comu-nidade Morada da Paz.

determinação, respeito, receptividade, compreensão,

humildade, solidariedade, amorosidade.

Os princípios são observados tanto nas relações

humanas, quanto na relação com o meio ambiente

e também na relação com a sociedade (projetos com

parceiros da rede e com o entorno local). Tais práticas

demonstram que a economia dentro da CMP está

intrinsecamente conectada a aspectos éticos.

Sobre isto, Sen (1999, p.19) contribui afirmando que:

Em última análise a economia relaciona-se ao estudo da ética e da política, afirmando que o problema da moti-vação humana, “Como devemos viver?”, revela uma ques tão amplamente ética, ressaltando que essa ligação não equivale a afirmar que as pessoas sempre agirão de maneira que elas próprias defendem moralmente, mas apenas a reconhecer que as deliberações éticas não podem ser totalmente irrelevantes para o comporta-mento humano real.

No dia-a-dia, há o envolvimento de cada um dos

membros da CMP com o todo, compreendendo as

dimensões sociais, culturais, políticas e econômicas

da vida coletiva. Os processos decisórios para encami-

nhamentos operacionais das metas e objetivos são

realizados através de um conselho gestor. O sentido

é integrar cada membro no contexto da comunidade,

criando uma identidade e fortalecendo a unidade na

diversidade, o propósito do movimento.

O sistema de relações na CMP não é cada um ter a

sua casa e reproduzir os modus vivendis da civilização

moderna, ou seja, cada família fazer as suas próprias

compras, preparar apenas para si os alimentos e ter os

seus projetos de vida individuais6.

6 Estas observações acabam por revelar aspectos do ethos da vida comunitária na CMP. Geertz (1978, p.143) explica que os aspectos morais (e estéticos) de uma dada cultura, os elementos valorativos, foram resumidos sob o termo ethos, enquanto os aspectos cognitivos, existenciais foram designados pelo termo visão de mundo. O ethos de um povo é o tom, o caráter e a qualidade de sua vida, seu estilo moral e estético e sua disposição, é a atitude subjacente em relação a ele mesmo e ao seu mundo que a vida reflete. A visão de mundo que esse povo tem é o quadro que elabora das coisas como elas são na simples realidade, seu conceito da natureza, de si mesmo, da sociedade.

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Revista da FAE

A proposta da CMP vai além, constrói a perspecti-

va de um projeto coletivo de existência, onde a vivência

de cada membro compõe uma peça importante na exe-

cução das linhas de ação da comunidade.

Bravo (1982, p.23) salienta sobre este aspecto que:

A comunidade com seus problemas, suas histórias, deve estar bastante relacionada à vida de cada um e à de todos, como uma coletividade una. E, evidentemente, que a vida comunitária, com seus problemas, sua gente, sua história, suas coisas, enfim, não deve ser apenas admirada ou mesmo “curtida”. Há necessidade de cada comunitário viver a sua comunidade, participando, construindo-a. A identificação, a equação e a solução das dificuldades comuns da comunidade, portanto, devem ser objetivos dos comunitários. E esta atitude somente será conseguida se houver uma participação ativa de cada um e de todos.

A gestão da CMP estabelece um equilíbrio de pode-

res havendo dois conselhos, o curador para zelar pelos

seus princípios filosóficos, e o gestor para operacionali-

zar as demandas administrativas divididas em oito áreas

operacionais7. Na estrutura da CMP, há a presença de

gestores, responsáveis pelas áreas organizacionais com

igual poder de representação legal da CMP frente a ter-

ceiros. Ressalta-se considerando estas características o

caráter autogestionário8 da CMP.

Sobre a autogestão, Singer9 (2002 apud PEREIRA;

GUERRA, 2008, p.249) considera que:

Torna-se importante, portanto, destacar que a autogestão é, antes de tudo, uma relação sócio-econômica entre os homens, baseada no princípio da distribuição segundo o trabalho e não sobre a base do capital, dos meios de produção. Assim, todas as decisões precisam ser tomadas pelo coletivo. Mesmo quando exista um

7 Conforme o estatuto social da CMP, suas áreas organi-zacionais são as seguintes: organicidade, nutrição, animais, agroecologia, gestão de recursos, projetos, documentação e relações exteriores.

8 Segundo Carvalho (1995 apud PEREIRA; GUERRA, 2008, p.249), autogestão pode ser definida como um modelo de organização em que o relacionamento e as atividades econômicas combinam propriedade e (ou) controle efetivo dos meios de produção com participação democrática de gestão.

9 SINGER, P. Introdução à economia solidária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002.

sistema de representações com delegados eleitos, essas representações somente serão efetivas se os repre-sentantes forem diretamente ligados e submetidos ao poder dos seus representados.

4 O Desenvolvimento de Tecnologias

Sustentáveis

As tecnologias sustentáveis utilizam princípios

e técnicas da permacultura. Na CMP, a permacultura

auxilia na busca de uma relação mais equilibrada

com a natureza, estando presente em várias áreas de

atividades.

Sobre o conceito de permacultura, Legan afirma o

seguinte: (2004, p.13):

Permacultura significa cultura permanente. É um sis te-ma de design para a criação de ambientes produtivos, sustentáveis e ecológicos para que possamos habitar na Terra sem destruir a vida. Este sistema de planejamento holístico trabalha com a natureza pela imitação dos processos naturais, utilizando a sabedoria dos sistemas tradicionais de produção e o conhecimento científico moderno para estabelecer comunidades sustentáveis.

O conceito foi desenvolvido nos anos 1970 por dois

australianos, David Holmgren e Bill Mollison. Consiste

no desenho e manutenção de pequenos ecossistemas

produtivos, junto com a integração harmônica do

entorno, das pessoas e suas vidas, proporcionando res-

pos tas a suas necessidades de uma maneira sustentável.

De acordo com Legan (2004), o princípio básico da

Perma cultura é o de trabalhar “com”, ou “a favor de”, e

não “contra” a natureza. Os sistemas permaculturais são

construídos para durar tanto quanto seja possível, com

um mínimo de cuidado. Os sistemas são tipicamente

energizados pelo sol, vento e a água, produzindo o

suficiente tanto para sua própria necessidade, como

para a dos humanos que o criam e controlam. Desta

maneira, o sistema é sustentável.

A CMP conta com captação de água da chuva em cis-

ternas, reciclagem de matéria orgânica em composteiras,

42 |

práticas agroecológicas, sanitários compostáveis, reapro-

veitamento da água cinza do banheiro e biocons truções,

procurando articular de uma forma sinérgica o uso

destas tecnologias de forma a minimizar o nível de entro-

pia provocado pela ocupação humana no terreno.

Pelo seu próprio caráter de buscar a utilização

de materiais recicláveis em suas construções e equi-

pamentos, muitos dos empreendimentos em comu-

nidades têm um processo artesanal na sua elaboração,

assim como na agricultura ecológica que é praticada,

o que demanda mais mão de obra. O resultado da

produção e do conhecimento construído pode ser tro-

cado e com o tempo a comunidade pode ministrar cursos

a pessoas interessadas, aproveitando o know-how

adquirido para gerar recursos. A CMP tem adotado

estas práticas com êxito.

Os projetos sócioeducativoambientais visam

disse minar os princípios e o propósito da CMP através

de oficinas de educação ambiental, oficinas de bio-

construção, jornadas solidárias temáticas, seminários,

saraus poéticos, atividades lúdico-pedagógicas, entre

outros movimentos.

O público alvo abrange crianças, jovens, adultos

e idosos. Os objetivos destes projetos são estimular a

percepção ambiental, despertar a consciência ecológica,

resgatar a autoestima, potencializar a criatividade e a

alegria de viver junto a este público, pois um ser humano

em harmonia contribui para um mundo mais sustentável.

5 Rede de Envolvimento Solidário

As redes de contatos e parcerias são fenômenos

característicos deste novo século, potencializados pelo

desenvolvimento dos meios de comunicação, mais

especificamente a Internet.

Segundo Capra (2002, p.267):

A análise dos sistemas vivos em função de 4 perspectivas interligadas – forma, matéria, processo e significado –

faz com que nos seja possível aplicar uma compreensão unificada da vida não só aos fenômenos materiais, mas também aos que decorrem do campo dos significados. A idéia central dessa concepção sistêmica e unificada da vida é a de que o seu padrão básico de organização é a rede. Em todos os níveis de vida – desde as redes metabólicas dentro das células até as teias alimentares dos ecossistemas e as redes de comunicação da socie-dade humana – os componentes dos sistemas vivos se interligam sob a forma de rede. Em particular, na era da informação, as funções processos sociais organizam-se cada vez mais em torno de redes. Quer se trate de grandes empresas no mercado financeiro, dos meios de comunicação ou das novas ONG’s globais, constatamos que a organização em rede tornou-se um fenômeno social importante e uma fonte crítica de poder.

As redes são movimentos chaves para a susten-

tabilidade, e a união de forças com certeza contribuirá

para uma relação mais harmoniosa do homem com a

natureza e do homem com o próprio homem, na medida

em que poderão ser reciclados vários materiais, ideias

e ações ao se promover intercâmbios, economizando

energias. A organização em rede reduz a dependência

do sistema hegemônico, através da troca e do com-

partilhamento de produtos, saberes e serviços.

Neste sentido, Mance (2008, p.1) complementa:

As Redes de Colaboração Solidária são fundamentadas em um sistema de produção onde não pode haver exploração nem dominação dos trabalhadores, com equi líbrio nos processos, com uso de insumos produzi-dos de forma ecologicamente correta, e com partilha dos excedentes, havendo reinvestimento e formação de novas redes. “A ideia é remontar cadeias produtivas, fazendo com que saiamos do labirinto capitalista, criando outra economia”.

Ressalte-se ainda o caráter empreendedor das

comunidades construídas a partir de projetos coletivos,

agregando pessoas e organizações voltadas a práticas

sustentáveis, estruturadas a partir da gestão social dos

seus objetivos, constituindo-se em peças importantes

na criação e manutenção de redes. Sobre esse aspecto,

Pereira e Guerra (2008, p.247) consideram que:

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.35-46, jul./dez. 2009 | 43

Revista da FAE

O campo da gestão social reflete as práticas e o co-nhe cimento construído interdisciplinarmente. Como as ações mobilizadoras partem de múltiplas origens e têm muitas direções, as dimensões praxiológica e epistemoló-gica estão entrelaçadas. Aprende-se com as práticas e o conhecimento se organiza para amparar a prática.

Ainda sobre gestão social, Fischer10 (2002 apud

PEREIRA; GUERRA, 2008, p.249) complementa afirman-

do que:

O campo da gestão social é um campo de gestão conceituado como interorganizações, ou seja, orga ni-zações dentro de organizações que mantêm relações articuladas entre si. As interorganizações são constituídas por possuírem propósitos comuns.

A CMP começou a estruturar uma rede, denominada

Rede de Envolvimento Solidário (RES) a partir de sua fun-

dação, em 2003, através de seminários temáticos, oficinas

e atividades artísticas dentro e fora da sua sede, e continua

a agregar pessoas que desejem compartilhar dos mesmos

princípios e ações que por ela são desenvolvidos.

As observações realizadas sobre estas atividades

permitem apontar que ao mesmo tempo em que se

empreendem ações através de movimentos solidários,

novos conhecimentos são construídos coletivamente,

revelando uma face criativa e inovadora dos projetos

baseados em gestão social.

A este respeito, Martinho (2004, p.86) refere que:

A rede é portanto, um espaço de relacionamento e, como tal, promove a interação entre os participantes. Tal interação representa, como é lógico afirmar, comunicação intensa. Mas, mais do que isso, implica a ocorrência de uma série vasta de influências recíprocas. No rela-cionamento, assim como na prática da comunicação, o que há é uma profunda troca de fluxos formadores e reguladores, na qual uns vão construindo, moldando alterando impressões, ideias, visões de mundo, valores e projetos dos outros e vice-versa. Esse ambiente de troca e auto-regulação coletiva, baseado na comunicação, faz de uma coleção de elementos díspares um grupo, um todo orgânico, uma comunidade.

10 FISCHER, T. Elaboração de trabalho acadêmico. Salvador: Universidade Corporativa Banco do Brasil, 2006.

Considerações Finais

A sustentabilidade em suas múltiplas dimensões

pressupõe a ação consciente dos indivíduos para que

as conexões necessárias ao seu processo efetivamente

ocorram, garantindo desta forma um “equilíbrio”,

dentro de um contexto dinâmico.

Desde a prática de ações simples até projetos mais

complexos passam necessariamente pela mudança de

consciência, tanto em nível micro (indivíduos) quanto

em nível macro (empresas, países, ongs), o que por sua

vez implica na incorporação de princípios éticos e ações

altruístas no dia a dia, nas formas de pensar, sentir e agir.

A questão da sustentabilidade está intrinsecamente

ligada a estes aspectos.

A crise ambiental é antes de tudo uma crise de

valores, que com o passar do tempo foram sendo

esquecidos, relegados a um plano secundário na vida, à

medida que ganhava força no mundo o desenvolvimento

de um padrão de dominação e a desvalorização de

práticas solidárias. A visão de mundo que daí emergiu

centrava-se na ordem técnica-racional, rompendo-se a

reverência ao sagrado e às tradições e crenças baseadas

no equilíbrio das relações com a natureza e o cosmos.

Um mundo sustentável necessariamente precisa

de indivíduos com mais clareza e consciência da sua im-

portância e do seu papel neste tempo planetário, para

que haja uma unidade de forças capazes de provocar

uma mudança de consciência objetivando melhorar as

condições de vida ao redor do mundo.

Para se transcender padrões e comportamentos

viciados no sistema hegemônico dominante e promover

uma mudança na sua mentalidade e na forma de se

relacionar com a natureza, consigo mesmo e com

seus semelhantes é necessário antes de tudo muita

determinação, sobretudo para se reconhecer como uma

possibilidade de transformação.

Respeitar as diferentes verdades que existem em

diferentes mundos também é um fator fundamental

nesta mudança de consciência.

44 |

Estar receptivo para perceber-se e perceber os

diversos seres que nos cercam, sem dúvida é uma

prerrogativa valiosa.

Compreender é igualmente estratégico para evi-

tar julgamentos apressados e perceber que o seu

movimento não é único.

Humildade, uma das virtudes mais desafiantes a

serem alcançadas, a qual remete a aprender com quem

sabe mais que você, compartilhar com quem sabe tanto

como você e ensinar pelo exemplo a quem ainda não

caminhou tanto como você é indispensável para a

transformação se refletir em ações.

Solidariedade, a síntese de todas as virtudes citadas

anteriormente, pois para ser solidário (e sustentável) é

preciso determinação, respeito, receptividade, com-

preensão e amor.

Amar, pois para zelar e cuidar da natureza, dos

nossos semelhantes e de nós mesmos é fundamental

mais do que entender racionalmente a importância

disso. É condição sine qua non amar incondicional-

mente a vida.

A CMP norteia-se segundo estes princípios, ten do

alcançado êxito em seus projetos e ações pela busca

de soluções simples e criativas para responder às

questões mais essenciais da vida no planeta como os

relacionamentos, a alimentação, a educação, a habi-

tação, o uso de fontes de energia, fazendo o uso

de saberes e técnicas ancestrais conjugados com

tecnologias desenvolvidas recentemente.

Tais experiências requerem acima de tudo, segundo

seus membros, a crença nos princípios e no propósito

da comunidade para buscar a sustentabilidade nas

relações que desenvolve internamente, com o meio

ambiente e com a sociedade, as quais são expressas no

seu modo de vida.

A unidade dos princípios sustenta o modo de

vida da CMP, possibilitando que tanto as ações mais

simples quanto os projetos mais elaborados se tornem

e operacionais em suas diferentes etapas. A unidade

(compreendendo a diversidade) sintetiza o propósito

do movimento da CMP e integra todas as forças e

princípios que a compõe.

O modo de vida da CMP expressa esta essência que

guia os objetivos e os projetos de vida de seus membros,

comprometidos não com sua autorrealização, mas

transcendendo a isso, com a preocupação em servir à

vida, ao planeta, ao universo, honrando os princípios do

movimento. A unidade expressa, pois, esta conexão com

o todo (cosmos), remetendo a uma visão holística da

existência e a um sentido de pertencimento ao universo.

A unidade potencializa a noção de comprometi-

mento e a responsabilidade com o zelo do próximo e de

todos os seres, favorecendo a sustentabilidade de uma

forma multidimensional, ou seja, nas relações humanas,

nas relações com a natureza, na construção de projetos,

entre outros movimentos.

Por isso é tão importante compreender a unidade

e a CMP, uma comunidade que têm como propósito a

unidade, pode contribuir com a sociedade neste aspecto

ao tornar mais clara nas suas atividades a verdadeira

face desta virtude que deve ser compreendida em seu

significado mais profundo pelo ser humano para que

ele viva mais consciente de zelar e proteger o que aqui

habita junto consigo, guiado por princípios altruístas e

ações éticas e sustentáveis.

A CMP, muito mais que um espaço geográfico, é

uma filosofia de vida, podendo ser comparada a uma

árvore, onde as raízes são representadas pelos princípios,

o tronco pela unidade (propósito), e as ramificações são

as ações e os projetos construídos pelo movimento.

As observações realizadas sobre o modo de vida

da CMP remetem a acreditar na sua possibilidade

de intensificar a geração e difusão de tecnologias

sustentáveis, para o seu entorno local e regional, poten-

cializando a articulação com o poder público e outros

atores sociais (empresas e ongs) para a disseminação de

projetos, visando à sustentabilidade nas suas áreas de

ações, além de fomentar o desenvolvimento de redes

de solidariedade, congregando escolas, universidades e

voluntários interessados.

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.35-46, jul./dez. 2009 | 45

Revista da FAE

As suas práticas e ações podem ser replicáveis,

adaptando-se a outros assentamentos humanos, mes-

mo em áreas urbanas, podendo trazer contribuições

importantes, que se não resolverem todas as desarmo-

nias da vida moderna (nem são essas as suas pretensões),

podem dar pistas para a melhoria da qualidade de vida

e o bem-estar no planeta.

Esta pesquisa desenvolvida na CMP aponta a

possibilidade do desenvolvimento de investigações

seme lhantes em outras comunidades sustentáveis, a

fim de que sejam buscadas novas experiências, tracem-

se paralelos entre elas e desta forma potencializem-se

as alternativas para um viver ético e sustentável no

século XXI.

Por último, mas não menos importante, foi cons-

tatado a partir do estudo realizado, que o modo de

vida da CMP mostrou-se sustentável na medida em que

seus princípios nortearam as suas ações, nas relações

entre seus componentes, na realização dos projetos

só cioeducativoambientais, no desenvolvimento de tecno-

lo gias sustentáveis e inclusive nas ações com a Rede de

Envolvimento Solidário, demonstrando que é possível o

resgate de uma integração entre ética, economia e meio

ambiente a partir de uma comunidade.

•Recebido em: 17/08/2009 •Aprovado em: 26/10/2009

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Revista da FAE

Resumo

O conceito de estratégia de produção ainda encontra grandes dificuldades de aceitação no meio empresarial. Grande parte desta dificuldade parece dever-se ao conflito potencial existente entre a priorização de objetivos de desempenho na produção e as abordagens voltadas à melhoria do desempenho operacional, como as técnicas de manufatura enxuta. Este artigo busca mostrar, por meio de um estudo de caso em uma empresa do setor de autopeças na Região Metropolitana de Curitiba, que o foco e as abordagens de melhoria contínua baseadas na aprendizagem não são conflitantes e sim complementares. Para que tal complementaridade ocorra, é necessário considerar a estratégia de produção como englobando estes dois componentes, o primeiro sendo fundamental para a entrega do valor proposto atual aos clientes (e a consequente execução da estratégia de negócios), e o segundo como crucial para o desenvolvimento de novas propostas de valor que garantam a sobrevivência da organização no longo prazo, tendo em vista as mudanças contextuais.

Palavras-chave: estratégia de produção; posicionamento estratégico; inovação estratégica; foco; aprendizagem.

Abstract

The concept of operations strategy still finds great difficulties of acceptance among corporations. This difficulty seems to have its cause in the potential conflict between the need for focusing on the objective of performance in operations and the managerial approaches emphasizing operational efficiency, like Lean Manufacturing techniques. This article seeks to show that the need for focusing in operations management and continuous improvement approaches based on operational learning are not conflicting but complementary. To accomplish this goal a case study was conducted in an auto parts manufacturing company, located in the metropolitan area of Curitiba. The study showed that these two organizational issues can only be complementary if considered as components of an unique Operations Strategy, the first one being crucial for delivering current customer value (and the consequent business-oriented execution of the strategy) and the latter absolutely necessary to develop new value proposals for the clients (creating strategic innovations) that guarantee the survival of the organization in the long term, in view of the contextual changes.

Keywords: operations strategy; strategic positioning; strategic innovation; focus; learning.

José Vicente Bandeira de Mello Cordeiro*

Estratégia de Produção: foco, aprendizagem e sua relação com a execução da estratégia de negócios

Operations strategy: focus, learning and their relation to business strategy execution

* Doutor em Engenharia de Produção (UFSC). Coordenador do Curso de Graduação em Engenharia de Produção e dos Cursos de Pós-Graduação em Gestão da Produção, Gestão de Projetos e Logística Empresarial da FAE Centro Universitário, onde leciona disciplinas nas áreas de Gestão Estratégica e Gestão de Operações. Sócio-diretor da área de Gestão Estratégica de Operações da BRAIN Assessoria Empresarial. E-mail: [email protected] / [email protected]

48 |

Introdução

As décadas de 1990 e 2000 marcaram a ascensão

de duas novas abordagens no que se refere à gestão das

organizações. Por um lado, muitas organizações vêm

assu mindo que seus problemas estratégicos devem-se à

dificuldade de implementação das estratégias. Este fato

tem contribuído para popularizar sobremaneira técnicas

focadas no alinhamento da organização com a estratégia

de negócios, como o Balanced Scorecard (BSC). Por outro

lado, o sucesso da Toyota na área de operações e suas

consequências relacionadas à hegemonia da companhia

no setor automobilístico mundial têm motivado a difu são

dos conceitos de manufatura enxuta por todo o mundo

ocidental. Em virtude da popularidade alcançada por estas

abordagens, são comuns os casos de empresas que adotam

ambas simultaneamente, com o intuito de melhorar seu

desempenho de operações, de mercado e financeiro.

Entretanto, alguns trabalhos recentes, como os

de Hayes et al. (2008), Corrêa e Corrêa (2004), Slack

(2005) e Cordeiro (2007) vêm tratando de enfatizar a

existência de conflitos potenciais entre estas abordagens

quando os fundamentos de cada uma delas não são

compreendidos em sua plenitude pelas organizações

que as adotam. As causas prováveis para estes conflitos,

segundo estes autores, poderiam ser resumidas em:

i) adoção da abordagem da produção enxuta com

base no Sistema Toyota de Produção (STP), enfatizando

téc nicas desenvolvidas no âmbito de estratégias de

excelência operacional na produção de bens duráveis,

mesmo quando o contexto da empresa em questão é

bastante diferente e o desdobramento dos objetivos

de mercado deveria implicar em focos distintos para

a área de operações e ii) crença de que a adoção das

técnicas do STP ou similares é suficiente para melhorar

o desempenho das operações em várias dimensões

simultaneamente em um prazo reduzido, evitando me-

didas estratégicas que impliquem em trade-offs.

Este artigo pretende mostrar que o papel estra-

tégico da produção deve incluir o foco em objetivos de

desempenho que contribuam para a consecução das

metas de mercado de curto e médio prazo (1-2 anos)

e também uma abordagem de melhoria com base no

aprendizado que viabilize o desenvolvimento de novas

estratégias de negócios no futuro.

Para atingir tal objetivo, o tópico dois apresenta

o conceito de estratégia de negócios, sob uma pers-

pectiva de proposta de valor, enfatizando a impor-

tância do posi cionamento e da renovação do negócio.

Em seguida, o tópico três apresenta o conceito de

Estratégia de Produção, destacando as questões do

foco e da aprendizagem. O tópico quatro, por sua

vez, apresenta um estudo de caso da aplicação prá tica

dos conceitos em uma empresa fabricante de compo-

nentes automotivos na Região Metropolitana de

Curitiba (RMC). Por fim, o tópico cinco conclui e faz

recomendações para trabalhos futuros.

1 Estratégia de negócios

Este tópico apresenta inicialmente conceitos amplos

de estratégia, bem como a questão da hierarquia

estratégica, para em seguida aprofundar o conceito de

estratégia de negócios, subdividindo-o em proposta de

valor e inovação estratégica.

1.1 Conceitos de estratégia e hierarquia

estratégica

O conceito de estratégia vem sofrendo muitas alte-

rações desde que passou a ser amplamente utilizado na

gestão das organizações, a partir da década de 1960.

Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000) apresentam uma

definição que abrange os conceitos mais populares ao

longo das últimas décadas, incluindo cinco diferentes

conceitos, iniciados pela letra “p” em inglês, a saber:

pattern, plan, position, perspective e ploy (padrão,

plano, posição, perspectiva e truque, respectivamente).

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.47-59, jul./dez. 2009 | 49

Revista da FAE

A estratégia pode ser definida como um plano

quando trata do caminho que a empresa pretende

seguir para atingir seus objetivos organizacionais no

futuro. Por outro lado, quando se observa os caminhos

de ação efetivamente trilhados pelas organizações em

um determinado período de tempo, pode-se definir

a estratégia como sendo um conjunto de padrões de

ação passados. De forma análoga, a estratégia é vista

como uma posição quando o foco de sua definição é

externo, ou seja, enfatizam-se as características dos

produtos oferecidos pela empresa aos clientes de um

determinado segmento de mercado, bem como a

característica dos clientes deste segmento. Por outro

lado, a estratégia é vista como uma perspectiva quando

sua definição enfatiza aspectos internos da organização,

como o seu portfólio de competências e sua cultura

organizacional, constituindo algo como o seu “jeito de

fazer as coisas”.

Mintzberg e Quinn (2001) argumentam que as

posições podem, de forma geral, ser alteradas por

meio de planos, desde que se mantenha a perspectiva;

mas as perspectivas são extremamente difíceis de

serem alteradas, consistindo num padrão de ação

da empresa que costuma permanecer estável com o

passar do tempo.

Os conceitos de “posição e perspectiva” também

possuem relação com a hierarquia estratégica. Slack

et al. (2002) definem três níveis nos quais ocorrem

decisões estratégicas, a saber: i) corporativo; ii) do

negócio e iii) funcional. O nível corporativo é aquele

que abrange todos os negócios nos quais a organização

atua, sendo caracterizado pelas decisões de alocação de

recursos aos diferentes negócios e a gestão da inter-

relação entre estes, o que faz com que o conceito de

“perspectiva” esteja mais fortemente presente neste

nível. Por outro lado, a estratégia no nível de negócios

pode ser caracterizada principalmente pelas decisões

relacionadas à definição de qual o perfil dos clientes que

a empresa pretende atender e que produtos (pacotes de

bens e serviços) a mesma irá oferecer-lhes, ficando mais

evidente o conceito de “posição”. Ambos os conceitos

parecem estar presentes no nível das estratégias

funcionais, que dizem respeito à forma pela qual cada

uma das áreas funcionais da empresa deverá contribuir

para a execução da estratégia do negócio.

1.2 Posicionamento estratégico e propostas

de valor

Para Markides (2002), as organizações devem

possuir um posicionamento estratégico para cada seg-

mento de mercado atendido. Cada posicionamento

estratégico deve conter a resposta a três questões: a)

“quem são os clientes alvo?”; b) “quais produtos e

serviços serão oferecidos para atender a necessidade

destes clientes?” e c) “como fornecer os produtos e

serviços aos clientes?”. De acordo com Kotler (1999),

o posicionamento estratégico deve representar a

forma pela qual a empresa pretende maximizar o valor

líquido entregue aos clientes do segmento de mercado

em questão, diferenciando-se dos seus concorrentes.

De acordo com o autor, esta proposta de valor pode

ser dividida em posicionamento amplo (que vincula

o posicionamento à perspectiva) e posicionamento

específico.

Entre as diversas abordagens para o posiciona-

mento amplo, destaca-se a de Treacy e Wiersema

(1995), que definem três diferentes propostas

amplas de valor, a saber: a) Excelência Operacional,

enfatizando operações de alto desempenho de

entrega e alta conformidade; b) Liderança de Produto,

focada na introdução frequente de produtos de alto

desempenho; e c) Intimidade com o Cliente, enfa-

tizando as necessidades específicas dos clientes e

propondo soluções completas para atendê-las.

Uma forma de representar o posicionamento espe-

cífico é por meio do conceito de “fatores com petitivos”.

De acordo com Hill (1993), os fatores competitivos

devem refletir a importância atribuída pelos clientes

de um determinado segmento de mercado a diferentes

50 |

dimensões de desempenho, como preço, qualidade,

prazo de entrega e grau de customização. Cordeiro

(2007) destaca que o posicionamento específico deve

ser representado pela combinação da importância dos

diferentes fatores competitivos e a descrição do pacote

de produtos e serviços oferecidos pela empresa no

segmento de mercado em questão.

A definição do grau de importância dos diferentes

fatores competitivos para os clientes de um determinado

segmento exige sua classificação prévia em três grupos,

a saber: a) fatores “ganhadores de pedidos”, ou seja,

aqueles nos quais quanto melhor o desempenho da

organização, mais os clientes irão escolher seus pro-

dutos, e consequentemente nos quais ela deve buscar

melhorar seu desempenho de forma contínua; b) fatores

“qualificadores”, ou seja, aqueles nos quais a empresa

deve manter seu desempenho acima de determinado

nível, sob pena de seus clientes a deixarem de fora do

rol de opções de escolha e c) fatores pouco importantes,

ou seja, aqueles que não exercem influência significativa

na escolha do fornecedor (HILL, 1993).

1.3 Inovação estratégica

De forma geral, a inovação estratégica consiste

na capacidade de uma empresa em desenvolver novos

posicionamentos estratégicos. Assim, inovar de forma

estratégica diz respeito não apenas ao desenvolvimento

de novos produtos e processos, mas principalmente ao

desenvolvimento de novas propostas de valor (HAMEL,

2002; MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, 2000).

Moreira e Queiroz (2007) apontam inicialmente três

tipos de inovação, a saber: a) inovações no produto, que

pode ser um bem, um serviço ou um pacote de bens e

serviços; b) inovações no processo produtivo e c) inovações

organizacionais, que envolvem mudanças nas interações

formais entre as pessoas no âmbito da organização.

Com relação às inovações de produto e processo, é

importante diferenciar inovação de invenção. Enquanto

a invenção traz à existência uma novidade, a inovação

coloca esta novidade a serviço do atendimento de

necessidades dos clientes nos mais diversos mercados

(BROWN et al., 2005).

Já Tidd, Bessant e Pavitt (2008) definem quatro

diferentes categorias de inovação, relacionadas ao

objeto da mudança, a saber: a) inovação de produto;

b) inovação de processo; c) inovação de posição e

d) inovação de paradigma.

Uma inovação exclusivamente de posição seria

aquela na qual um único produto passa a ser utilizado

por clientes diferentes e em mercados diferentes, cons-

tituindo um posicionamento inteiramente novo sem

mudanças na especificação do produto ou do processo.

Este seria o caso das sandálias Havaianas, que de

calçado de baixo preço e alta durabilidade, oferecido

para pessoas de baixa renda no Brasil, ganhou uma

conotação fashion e passou a ser oferecido por um

preço bastante elevado para públicos de alta renda em

mercados tão exigentes como o norte-americano.

Por outro lado, uma inovação de paradigma seria

uma mudança nos modelos mentais subjacentes que

norteiam o que a empresa faz, sendo as linhas aéreas

de baixo custo um exemplo da mesma. É importante

ressaltar que uma inovação de produto ou de processo,

dependendo de sua profundidade, pode provocar mu-

danças no posicionamento, bem como no nível de

paradigma da organização e mesmo de um setor como

um todo.

Tidd, Bessant e Pavitt (2008) também definem

um continuum de diferentes graus de mudança das

inovações. Em um dos extremos do continuum, a

inovação incremental ocorreria quando a organização

passa a fazer melhor as mesmas coisas que já fazia

(um produto, um processo produtivo, um processo

gerencial ou administrativo). Ampliando o grau de

mudança envolvido, uma empresa pode desenvolver

um produto ou um processo inteiramente novo, sem

que este represente uma inovação para o seu mercado.

Neste caso, tem-se uma inovação do tipo “novo para

a empresa”, no qual os conceitos envolvidos já são

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.47-59, jul./dez. 2009 | 51

Revista da FAE

conhecidos do setor ou mercado de atuação. No outro

extremo da escala, encontram-se as inovações radicais,

nas quais o novo produto ou processo pode ser uma

novidade para o setor de atuação da empresa no país

ou até mesmo em diversos setores em escala global.

Os autores ainda pontuam que estas inovações

podem ocorrer no nível de componentes ou no nível

de sistemas. Assim, um exemplo de inovação incre-

mental no nível de componente seria as melhorias

de desempenho do sistema de refrigeração de um

motor ou em uma etapa específica do processo de

pintura, melhorando a qualidade e reduzindo o custo

da mesma. No nível de sistema, isso poderia significar

uma nova versão de um motor ou de um automóvel

(TIDD; BESSANT; PAVITT, 2008).

Um ponto enfatizado por Bessant (2003) e Tidd,

Bessant e Pavitt (2008) diz respeito à dinâmica das

inovações radicais. Segundo estes autores, as inovações

radicais (breakthroughs) emergem normalmente de

longos períodos de desenvolvimentos incrementais.

Assim, na grande maioria das vezes, fazer inovações

incrementais ou radicais não diz respeito a uma opção

da organização, e sim à profundidade do envolvimento

dos atores no processo e ao desenvolvimento cumulativo

do conhecimento.

Para Hamel (2002), qualquer dos tipos de ino-

vação apresentados (de produto, processo, posição,

paradigma, tecnológicas ou organizacionais) pode se

con verter em uma inovação estratégica, desde que sejam

capazes de reinventar o modelo do seu setor de atuação,

criando novo valor para seus clientes. Correlacionando

esta definição com as anteriores, tratar-se-ia de uma

novidade no nível do setor no modelo de Tidd, Bessant

e Pavitt (2008) e Bessant (2003), constituindo uma

inovação radical.

Segundo Govindarajan e Trimble (2006), as inova-

ções estratégicas abrangem inovações de produtos ou

processos, mas somente seriam caracterizadas como

tal quando envolverem modelos de negócios novos e

totalmente não comprovados. Para isso, teriam de se

encaixar em pelo menos uma das seguintes alternativas:

a) redefinir clientes potenciais, como no caso da Canon

na década de 1970, ao lançar uma copiadora de menor

parte para escritórios; b) reformular os conceitos de

valor para o cliente, como no caso da IBM na década de

1990, passando da venda de hardware e software para

o fornecimento de soluções completas em infraestrutura

de TI; e c) redesenho total da cadeia de valor, como no

caso da Dell na década de 1980.

Kim e Mauborgne (2004) caracterizam as inovações

estratégicas como “estratégias de oceano azul”, quando

a lógica de geração de valor do setor no qual atua a

empresa é revertida em favor da mesma. O oposto destas

seria as “estratégias de oceano vermelho”, quando

o posicionamento é definido tendo como premissa a

lógica atual de forças do setor, sendo o vermelho uma

alusão ao sangue proveniente da intensa competição por

market share. Os autores pontuam que muitas inovações

incrementais de produtos, processos e de negócios (que

só se constituem em novidades para a própria empresa)

simultâneas podem, quando integradas, produzir

inovações estratégicas radicais (novidades para todo um

setor), alterando a lógica de agregação de valor de um

setor, como foi o caso da Southwest ao criar o conceito

de companhia área de baixo custo.

2 Estratégia de produção

Para Corrêa e Corrêa (2004), a estratégia de

produção pode ser definida como um padrão global

de decisões estratégicas da área de operações, visando

aumentar a competitividade sustentada da empresa

por meio da organização de seus recursos e da

criação e manutenção de competências relacionadas

a um determinado composto de características de

desempenho ao longo do futuro.

Historicamente, o conceito de estratégia de pro-

dução esteve muito fortemente relacionado à questão

do foco da área de operações, em virtude da existência

52 |

de trade-offs de desempenho. No entanto, o sucesso

internacional de muitas empresas japonesas a partir

do final da década de 1970, exibindo desempenho

superior à concorrência em custo, qualidade, rapidez

e flexibilidade, fez com que muitos começassem a

questionar a necessidade dos trade-offs. Este questio-

namento ganhou força com a popularização das

ferramentas da Gestão da Qualidade Total, a partir da

década de 1980, e dos conceitos de Lean Manufacturing,

na década de 1990 (CORRÊA; CORRÊA, 2004).

Entretanto, para Hayes et al. (2008) e Corrêa e

Corrêa (2004), estas abordagens não contradizem os

conceitos de trade-off e de estratégia de produção, e

sim os complementa. Para estes autores, a estratégia

de produção teria dois componentes: a) a definição de

prioridades de desempenho e suas consequências para

as decisões estruturais e infraestruturais (comparadas à

elevação de um dos lados de uma gangorra, quando a

melhoria de desempenho em uma ou mais dimensões

está associada a uma deterioração do desempenho em

outras); e b) a definição de uma abordagem de melhoria

focada no aprendizado operacional (comparada à

elevação do pivô da gangorra, viabilizando melhorias

de desempenho simultâneas em várias dimensões).

2.1 Prioridades de desempenho para a área

de operações – entregando o valor

proposto atual

Slack et al. (2002) apresentam cinco objetivos de

desempenho básicos para a área de produção, a saber:

a) qualidade; b) rapidez; c) confiabilidade; d) flexibili-

dade e e) custo. Para estes autores, as prioridades de

desempenho da área de operações devem estar ligadas

ao posicionamento estratégico pretendido pelo negócio

no seu mercado de atuação e à capacidade atual que

este tem de executá-lo. Este posicionamento seria re-

presentado pelos fatores competitivos “ganhadores de

pedido” e “qualificadores” para os clientes-alvo da em-

presa. Assim, negócios que ganham pedido com base

em preços competitivos e entregas confiáveis devem

priorizar o desempenho em custo e confiabilidade em

suas operações, ao passo em que os negócios que ga-

nham pedido com base na oferta de produtos inovado-

res de alto desempenho devem ter áreas de operações

focadas na melhoria do desempenho em flexibilidade

de produto, por exemplo.

Cordeiro (2007) propõe um critério para a hierar-

quização de prioridades de desempenho da produção

no qual seriam definidos como prioritários, em ordem

de importância: a) os objetivos ligados aos fatores com-

petitivos “ganhadores de pedido” que possuam lacunas

de desempenho, ou seja, cuja importância atribuída pe-

los clientes é proporcionalmente maior que o desem-

penho corrente da empresa avaliado com relação aos

concorrentes (quanto maior a lacuna, maior a priorida-

de); b) os objetivos de desempenho ligados a fatores

competitivos “qualificadores” que também apresentem

lacunas de desempenho e c) os objetivos de desempe-

nho ligados aos fatores competitivos “ganhadores de

pedido” que não apresentem lacunas.

Hayes et al. (2008), Slack (2002) e Corrêa e Corrêa

(2004) explicam que a prioridade de objetivos de desem-

penho se manifesta por meio de decisões estruturais e

infraestruturais e também nas metas dos indicadores de

desempenho da área de produção. Segundo Cordeiro

(2007), a existência de metas ousadas com prazo de até

um ano em indicadores relacionados a vários objetivos

de desempenho distintos praticamente condena a área

de produção à não consecução de seus objetivos.

2.2 Aprendizagem Operacional e

Inovações de Alto Envolvimento –

High Involvement Innovation (HII) –

capacitando-se para implementar

novas propostas de valor

Durante muito tempo, foram comuns as afirma-

ções relacionadas ao fraco desempenho das empresas

japonesas no que se refere à estratégia. Porter (1996)

chegou a afirmar que as empresas japonesas não possuíam

estratégia, e sim um forte desempenho em termos de

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.47-59, jul./dez. 2009 | 53

Revista da FAE

“eficácia operacional”, que não permitiria as mesmas

obter uma posição distintiva no mercado. Como contra-

ponto, Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000) afirmaram

que, se a estratégia é o meio pelo qual as organizações

buscam atingir seus objetivos, o sucesso das empresas

japonesas deveriam fazê-las serem vistas como exem-

plos para a gestão estratégica e não o contrário. En-

tretanto, se as estratégias das mesmas não possuíam o

foco explícito em posicionamento defendido por Porter,

o que estaria por trás do seu sucesso?

A resposta para esta questão possui raízes histó-

ricas e culturais. Enquanto o planejamento estra té gico

começava a ser desenvolvido na década de 1960 nas

empresas ocidentais, fazendo com que os ideais taylo-

ristas de separação entre “pensar” e “fazer” se expandis-

sem do chão da fábrica até às decisões estra tégicas, os

japoneses “importavam” os métodos da administração

científica e os adaptavam à sua realidade contextual. Na

prática, estes métodos eram aplicados pelos próprios

operadores, em atividades de pequenos grupos, pro-

duzindo melhoria do desempenho de seus processos.

Essa aparente “contramão” fez com que os conceitos

de estratégia nas empresas japonesas se consolidassem

de forma muito distinta do ocidente.

Enquanto no ocidente o foco da gestão estraté-

gica era a formulação minuciosa da estratégia por

analis tas junto à diretoria e seu posterior desdo-

bramento top-down detalhado para que as diversas

gerências pudessem executá-la, no Japão a ênfase se

dava no delineamento das linhas gerais da estra tégia

pela diretoria, deixando que os detalhes de implemen-

tação emergissem nas diversas gerências, a partir do

apren dizado operacional. É importante notar que esta

abor dagem parece ser a mais indicada para os am-

bientes nos quais a complexidade e a velocidade das

mudanças são elevadas; justamente o tipo de contexto

que passou a predominar nas últi mas duas décadas

(MINTZBERG et al., 2000; NONAKA; TAKEUSHI, 1997).

Mais tarde, as técnicas japonesas foram trazidas

para o ocidente como algo novo, constituindo verda-

dei ros modismos de gestão. Inicialmente foi a Gestão

da Qualidade Total (TQM), em seguida a Lean

Manufacturing e, mais recentemente, o Sistema Toyota

de Produção (STP). Entretanto, para Nonaka e Takeushi

(1997) e Fleury e Fleury (1997), o que diferencia a

abordagem japonesa da ocidental é justamente o

envolvimento do nível operacional na resolução de

problemas em uma escala progressiva, resultando em

inovações de processo, produto e organizacionais, e

não as técnicas utilizadas, que em última análise são

semelhantes às utilizadas à época de Ford.

Bessant (2003) define as Inovações de Alto

Envolvimento – High Involvement Innovation (HII)

como toda inovação de produto, processo ou orga-

nizacional que tem sua origem na contribuição do

pessoal operacional na resolução de problemas. Ele

as distingue das inovações realizadas por “inovadores

especialistas”, normalmente funcionários de alta qua-

lificação que atuam em equipes na área de P&D.

Assim, muitas empresas gastam vultosos recursos na

contratação, capacitação e desenvolvimento de equipes

de especialistas e esquecem que “com cada par de

mãos contratado para área operacional se ganha um

cérebro de graça” (Bessant, 2003, p.33). Para o autor,

abordagens como a TQM, a Lean Manufacturing,

o STP e até mesmo as “Learning Organizations”,

caracterizar-se-iam como variações da HII.

De acordo com Corrêa e Corrêa (2004), as HII

estariam relacionadas às melhorias de desempenho nas

quais os trade-offs podem ser superados. Este tipo de

melhoria é caracterizado como sendo do tipo “atuar

sobre o pivô da gangorra” ao invés de atuar sobre um

de seus lados (o que produziria os trade-offs).

Fleury e Fleury (1997) pontuam que quanto mais

profunda e fundamental for a causa identificada para

um determinado problema, maiores as chances de que

o seu bloqueio produza uma verdadeira inovação. São

as soluções mais inovadoras que têm a capacidade de,

contrariando os pressupostos vigentes sobre como as

coisas são e como melhorá-las, permitir que a necessi-

dade de trade-offs seja transcendida. É importante

frisar que as competências desenvolvidas pela área

54 |

de operações em virtude do aprendizado operacional

permitem frequentemente o desenvolvimento de novos

posicionamentos específicos para o negócio, mas não

necessariamente um novo posicionamento amplo ou

uma nova perspectiva, o que exigiria que estas fossem

aplicadas em uma nova unidade de negócios, separada

da original, ainda em seu estágio de desenvolvimento

(GOVINDARAJAN; TRIMBLE, 2006).

Segundo Corrêa e Corrêa (2004), Nonaka e Takeushi

(1997) e Bessant (2003), a capacidade de identificação

das causas fundamentais para os problemas encontrados

na área de operações depende da incorporação de

conhecimentos tácitos, que não podem ser explicitados

por meio da linguagem e, por este motivo, exigem a

presença de operadores nas equipes de melhoria.

Para viabilizar a participação do nível operacional

na geração de ideias, contribuindo para o sucesso

de um programa de HII, algumas características são

necessárias, em maior ou menor grau: i) existência de

uma equipe de projeto da HII, formada por facilitadores,

cujo papel evolui desde o treinamento inicial no uso de

ferramentas de melhoria de equipes piloto até o suporte

à expansão do programa HII para toda a organização e

a manutenção da qualificação e motivação das equipes;

ii) uma abordagem para identificação e resolução de

problemas, utilizada no âmbito de equipes de melhoria;

iii) treinamento intensivo nas ferramentas que constam

da abordagem para resolução de problemas, bem como

nos aspectos tecnológicos dos processos produtivos

com os quais a equipe está envolvida; iv) um sistema

de gestão de ideias, que garanta que as boas sugestões

dos grupos sejam implementadas; v) um sistema de

recompensa que forneça feedback e alguma forma de

premiação para as equipes que gerem inovações; vi) um

sistema de comunicação que compartilhe as melhores

práticas das equipes e permita que o conhecimento

produzido em uma das equipes seja utilizado pelas

demais e vii) uma estrutura organizacional que permita

que a informações e decisões fluam entre as equipes

de melhoria, destas para o restante da empresa e

vice-versa (BESSANT, 2003; FLEURY; FLEURY, 1997).

Bessant (2003) define cinco diferentes níveis de HII,

a saber: i) “precursora”, caracterizada pela existência de

melhorias “naturais”; ii) “estruturada”, fundamentada

em tentativas formais de criação e sustentação das

inovações; iii) “orientada para resultados”, caracterizada

pelo alinhamento das iniciativas de melhoria com as

metas e objetivos da empresa; iv) “proativa”, ou seja,

dirigida pelos próprios indivíduos e equipes de trabalho

do nível operacional e v) “alta capacidade de inovação”,

quando a HII é a cultura dominante na organização e

representa o ‘jeito de fazer as coisas’ da mesma.

Ainda de acordo com Bessant (2003), o nível 1

caracteriza-se pela percepção da existência de me lhorias

ocasionais feitas pelo pessoal operacional nas diversas

áreas e pela decisão de patrocinar iniciativas piloto de

resolução de problemas de forma estruturada. O nível 2

pode ser caracterizado pela existência de uma estrutura

formal, constituída por grupos de facilitadores, uma

abordagem de resolução de problemas, programas

de treinamentos, organização do pessoal em equipes

e sistemas de tratamento de sugestões das equipes,

reconhecimento e recompensa e comunicação. O nível 3

é caracterizado pela existência de alinhamento entre as

iniciativas de melhoria conduzidas pelas equipes (ainda

funcionais, em sua maioria) e as metas estratégicas

da organização (o equivalente ao desdobramento das

diretrizes no TQM ou a vinculação de iniciativas de

melhoria ao BSC).

No nível 4, as equipes de melhoria são predo-

minantemente inter-funcionais, e são frequentes as

mudanças estratégicas no nível de negócios, com o

desenvolvimento de novas propostas de valor a partir

das HII. A mudança do nível 3 para o 4 marca o início

da capacidade de fazer inovações do tipo “fazer

diferente” ao invés de apenas “fazer melhor”, dando

origem a fluxos de mudança bottom-up que resultam

em mudanças estratégicas do tipo “de dentro para

fora”. Por fim, o nível 5 se caracteriza pela expansão das

equipes HII para além das fronteiras organizacionais,

envolvendo os demais elos da cadeia produtiva, como

fornecedores e clientes (BESSANT, 2003).

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.47-59, jul./dez. 2009 | 55

Revista da FAE

3 Estudo de caso: empresa alfa

Este tópico está divido em duas partes, sendo

que a primeira contém a metodologia do trabalho e a

apresentação da empresa Alfa e a segunda os resultados

obtidos no estudo de caso.

3.1 Metodologia e apresentação da empresa

O presente trabalho delineia-se como um estudo

de caso, e trata da aplicação do conceito de estratégia

de produção proposto neste artigo na Empresa Alfa,

localizada na Região Metropolitana de Curitiba (RMC).

A Alfa possui três unidades de negócio distintas:

i) produção de “Manuais do Usuário” e outros im-

pressos para empresas montadoras de veículos e de

eletrodomésticos; ii) produção de impressos diversos

e prestação de serviços gráficos sob demanda e iii)

montagem e distribuição de componentes automotivos.

Este trabalho tem como unidade de análise a produção

de manuais para montadoras de veículos e fabricantes

de eletrodomésticos.

O estudo, realizado ao longo do 1º semestre

de 2007, compreendeu duas fases distintas, sendo

a primeira focada na definição das prioridades de

desempenho para a área de produção (foco) e a se gun-

da enfatizando a questão da aprendizagem e das HII.

Inicialmente, foram identificados os fatores com petitivos

mais relevantes para os clientes da unidade de análise,

sendo em seguida definidos seu grau de importância e

seu desempenho relativo. Os dados foram levantados

por meio da realização de um grupo de foco, constituído

pelos três principais executivos da empresa (dois diretores

e o gerente geral), os gerentes de operações e de vendas

e mais três supervisores das áreas de produção, logística

e relacionamento com clientes.

Para o grau de importância, as pontuações foram

atribuídas com base em Slack (2002), de acordo com a

seguinte classificação: a) para os fatores ganhadores de

pedido, foi atribuído grau igual a 1 quando o mesmo

proporcionar vantagem crucial junto aos clientes,

grau 2 quando o mesmo gerar vantagem importante,

sendo sempre considerado pelos clientes e 3 quando o

mesmo proporcionar vantagem útil para a maioria dos

clientes; b) para os fatores qualificadores, foi atribuído

grau 4 quando o desempenho do mesmo precisasse

estar ligeiramente acima da média do setor, grau 5

quando pudesse estar em torno da média do setor e 6

quando pudesse ser ligeiramente inferior à média dos

concorrentes; e c) para os fatores pouco importantes,

foram definidos os graus 7, 8 e 9, mas os mesmos não

foram atribuídos a nenhum dos fatores identificados

pelos executivos.

Para o desempenho da empresa com relação à

con corrência nos fatores competitivos levantados foram

atribuídas as seguintes pontuações, ainda com base em

Slack (2002): a) para os fatores nos quais o desempenho

da empresa era melhor que o da concorrência foi

atribuído grau 1 quando este fosse sempre muito

melhor que o do melhor concorrente, grau 2 quando

este fosse sempre claramente melhor que o do melhor

concorrente e 3 quando este fosse sempre ligeiramente

melhor que o do melhor concorrente; b) para os fatores

nos quais a empresa desempenhava de forma similar

à concorrência, foi atribuído 4 quando o mesmo fosse

ligeiramente melhor que o melhor concorrente em

algumas ocasiões, 5 quando este estivesse no mesmo

nível da maioria dos concorrentes e 6 quando estivesse

frequentemente a uma curta distância da concorrência;

e c) para os fatores nos quais a empresa fosse sempre

pior que a concorrência foram definidos os graus 7, 8

e 9, que também acabaram não sendo utilizados, uma

vez que preferiu-se trabalhar apenas com os fatores

importantes para os clientes.

A partir deste ponto, foi montada uma matriz

importância-desempenho para a estratégia de negócios

da unidade de análise, sendo definidas as prioridades

competitivas para a área de produção em termos de

objetivos de desempenho, comparando as mesmas

com os indicadores e metas existentes na empresa e

propondo medidas de alinhamento.

56 |

A segunda fase envolveu um diagnóstico do

programa de melhoria de desempenho com base na

aprendizagem operacional, que na Alfa ocorre sob

o rótulo de “Gestão da Qualidade” (TQM), seguido

de sugestões para o aprimoramento do mesmo. A

mesma teve como procedimentos para coleta de

dados: a) entrevistas com a diretora responsável pelo

programa e com alguns dos principais colaboradores

envolvidos nos trabalhos de melhoria e b) análise

de documentos, como “relatórios de tratamento de

não-conformidades”, “relatório de implantação de

melhorias”, entre outros.

3.2 Resultados

A figura 1 apresenta a matriz importância-

desem penho da Alfa. O grupo de foco identificou nove

fatores competitivos de elevada importância, sendo três

“ganhadores de pedido” (conveniência, atendimento e

confiabilidade da entrega) e seis “qualificadores” (preço,

customização, qualidade, habilidade de mudar prazo

de entrega, flexibilidade de negociação e capacidade

de desenvolvimento de novos produtos), caracterizando

uma proposta ampla de valor intermediária entre a

excelência operacional e a intimidade com o cliente.

Os fatores posicionados abaixo da diagonal amarela

apresentam desempenho inferior à importância atri-

buída pelos clientes. Quanto maior a distância do fator

à diagonal, maior sua lacuna de desempenho. Por outro

lado, fatores que se encontram acima da diagonal apre-

sentam sobra de desempenho. Observando a figura 1,

percebe-se que as maiores lacunas de desem penho se

encontram nos fatores “preço”, “confiabilidade da entrega”

e “conveniência para os clientes”, sendo todas críticas em

função de tratar-se de fatores “ganha dores de pedido”

ou “qualificadores” com alta exigên cia de desempenho.

Além destas, verificam-se pequenas lacunas no desem-

penho de alguns “quali ficadores”, como “qualidade” e

“desenvol vimento de novos produtos”.

Com base nos resultados da matriz, foram defi-

nidas ações estratégicas “de fora para dentro” visando

o preenchimento das lacunas. Desta forma, o custo

(em função do preço), a rapidez e a confiabilidade

(em função da conveniência e da confiabilidade da

entrega) foram definidos como objetivos de desem-

penho prioritários.

FIGURA 01 - MATRIZ IMPORTÂNCIA-DESEMPENHO PARA A EMPRESA

ALFA

Des

empe

nho

em re

laçã

o a

conc

orrê

ncia

Melhor que

1

2

3 Flexibil. Negocia.

Atendi-mento

Conve-niência

Igual a

4Habil. Mudar prazo

Custa-mização

5 Quali-dade

Confia-bilidade Entrega

6

Pior que

7Desenv. Novos

ProdutosPreço

8

9

9 8 7 6 5 4 3 2 1

Menos importante

QualificadorGanhador de pedido

Importância para os clientes

FONTE: Adaptado de Slack (2002)

Uma análise nos indicadores de desempenho da

empresa mostrou que as metas dos mesmos estavam

adequadas às prioridades definidas, com os indicadores

de custo, rapidez e confiabilidade sendo os que possuíam

metas mais ousadas. Entretanto, ficou clara a dificuldade

da empresa em alcançá-las, uma vez que os resultados

estavam bem abaixo do pretendido. Avaliando as

possíveis causas para este fato junto ao grupo de

foco, constatou-se que a empresa buscava melhorias

somente com base nas ações de melhoria contínua do

programa TQM, sendo inexistentes medidas estruturais

e infraestruturais voltadas à melhoria do desempenho

nestas dimensões. Como sugestão, propôs-se a adoção

de medidas nas áreas de sistemas de planejamento e

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.47-59, jul./dez. 2009 | 57

Revista da FAE

controle da produção (implementação de planilha MRP,

entre outras), potencialmente capazes de reduzir custos

com estoques e lead-times, bem como aumentar a

confia bilidade da entrega. Estas medidas implicariam

em trade-offs e deveriam provocar uma redução do

desempenho na habilidade para mudar o prazo de

entrega e na flexibilidade de negociação, fatores que

apresentavam sobra de desempenho, fato que não

prejudicaria a satisfação dos clientes.

O diagnóstico relacionado à aprendizagem organi-

zacional e às HII evidenciou que o programa de TQM da

Alfa havia dado origem a algumas inovações importantes

ao longo dos seus seis anos de existência. A principal

delas foi a criação de um sistema de gestão de estoques

de material em processo semelhante ao kanban, em

resposta aos seguidos problemas de perda de tempo na

montagem dos manuais. A grande diferença do sistema

desenvolvido para o kanban era sua lógica “empurrada”,

ao invés da abordagem “puxada”.

De acordo com a abordagem desenvolvida, a partir

da saída do programa mestre de produção (PMP) para

a semana seguinte, eram emitidas e sequenciadas as

ordens de produção apenas para a impressora. Após a

impressão de um lote, o mesmo era colocado em um

contêiner e todos os processos subsequentes eram

“empurrados” utilizando a sinalização de um cartão

colocado em um painel, que tinha em anexo a ordem de

serviço que detalhava a sequência posterior de operações

com seus respectivos lead-times padrão, procedimentos

operacionais, datas prometidas e quantidades.

Este sistema permitia aos operadores dos postos

subsequentes sequenciar o restante do processo de

acordo com as datas devidas e os lead-times, aumen-

tando a rapidez e a confiabilidade do processo, dimi-

nuindo os problemas de qualidade e os custos com

retrabalho e estocagem, bem como a complexidade

da atividade de programação. A inovação em questão,

assim como a grande maioria das HII identificadas na

Alfa, foram inovações de processo do tipo “novo para

a empresa”. Desta forma, pode-se concluir que as HII

permitiram à Alfa executar melhor sua proposta de valor

(inovações do tipo “fazer melhor”), ou até mesmo fazer

pequenas mudanças no seu posicionamento estratégico

(inovações do tipo “fazer diferente”), mas não foram

suficientes para mudar a lógica de agregação de valor

do setor. Este fato, entre outros, permitiu classificar o

programa de HII da Alfa como estando entre os níveis 2

e 3 da classificação de Bessant (2003).

Com base nestas constatações, foram feitas as se-

guintes sugestões para que o programa de TQM da Alfa

possa se consolidar como uma iniciativa de HII de nível

3 e preparar o caminho em direção ao nível 4:

a) constituição de uma equipe de projeto de HII

(no momento da realização deste trabalho a

mesma era formada apenas por um dos dire-

tores), incluindo mais duas pessoas na coor-

denação do programa, uma para ser respon-

sável pelo registro operacional das atividades

e outra para treinar os membros das equipes

na abordagem de identificação e resolução de

problemas;

b) definição de um mapa de competências

necessárias para o pessoal operacional, com

a posterior inclusão de treinamento técnico

na matriz do programa de TQM (foi percebido

que faltava conhecimento técnico aos opera-

dores e supervisores);

c) definição de um padrão de sistema para a ges-

tão das ideias de melhoria provenientes das

equipes, incluindo um sistema de comunica-

ção (as ideias geradas eram tratadas de forma

pontual, sendo que muitas vezes não era dado

feedback às equipes com relação às razões para

à implementação ou não das mesmas); e

d) extensão da remuneração variável a todo o

pessoal do nível operacional, vinculando os

bônus financeiros aos resultados dos trabalhos

de identificação e resolução de problemas.

58 |

Considerações finais

A compreensão do papel estratégico da área de

operações está diretamente relacionada à capacidade

de sobrevivência das organizações no longo prazo. Este

artigo mostrou que a adoção isolada de ferramentas

de melhoria de desempenho, vendidas como panaceias

gerenciais, não deve substituir a necessidade de alinhar

as operações com a estratégia de negócios. Tal alinha-

mento relaciona-se diretamente à busca de foco sobre

as dimensões de desempenho que contribuem mais di-

retamente para a entrega do valor proposto ao cliente,

e reconhecendo a existência de trade-offs.

Entretanto, somente o foco nos objetivos de de-

sempenho prioritários não é suficiente para garantir a

competitividade futura, uma vez que as taxas de mu-

danças verificadas hoje em dia na maioria dos mer-

cados fazem com que propostas de valor e posicio-

namentos vencedores tendam a deixar de sê-los em

um breve espaço de tempo. Assim, torna-se necessário

complementar o papel estratégico da produção com

o desenvolvimento de novas competências por meio

da aprendizagem no nível operacional. Esta aprendi-

zagem, quando conduzida de forma adequada, dá

origem a inovações de alto envolvimento (HII), que ha-

bilitam a área de produção a implementar novas pro-

postas de valor que garantirão a competitividade da

organização no longo prazo.

No caso da Empresa Alfa, foi possível perceber

que as ações de melhoria desenvolvidas pelo pessoal

de nível operacional no âmbito de seu programa de

HII não eram suficientes para atender às exigências dos

seus clientes, apesar de estarem ao menos parcialmente

alinhadas com a estratégia de negócios pretendida. As-

sim, foram sugeridas medidas estruturais para que as

lacunas de desempenho percebidas pelos clientes fos-

sem preenchidas, sendo que os efeitos de trade-offs

previstos não afetariam a percepção de satisfação dos

clientes, em virtude de estarem relacionados a fatores

competitivos com “sobra” de desempenho.

Ainda no caso da Empresa Alfa, ficou claro que a

continuidade e o aprimoramento das ações do progra-

ma de HII, embora não devessem ser suficientes para

preencher as diversas lacunas de desempenho atuais

(fato que exigiria as medidas estruturais propostas), são

fundamentais para que a área de operações da empresa

possa contribuir com o desenvolvimento de novas pro-

postas de valor no futuro, garantindo sua competitivi-

dade no longo prazo.

Como sugestão de trabalhos futuros, recomenda-se

a realização de estudos quantitativos, buscando rela-

cionar a adoção de diferentes programas de HII com os

resultados obtidos em termos de inovação e melhoria

de desempenho, buscando identificar os fatores críticos

de sucesso da aprendizagem operacional em diferentes

contextos organizacionais.

•Recebido em: 14/08/2009 •Aprovado em: 29/10/2009

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.47-59, jul./dez. 2009 | 59

Revista da FAE

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Resumo

Este artigo foi realizado com o intuito de contribuir com a divulgação do processo produtivo da pecuária orgânica. O problema estudado está relacionado com a falta de conhecimento por parte dos consumidores e criadores da produção da carne orgânica, o que a torna pouco comercializada. Foi utilizado o método exploratório em fontes bibliográficas. O processo produtivo da pecuária orgânica apresenta como vantagem a sua forma de manejo ambientalmente justo e socialmente correto, proporcionando um alimento de alta qualidade, livre de agentes químicos para o consumidor. Um dos pontos fortes da pecuária orgânica é a sua certificação, um selo de qualidade que oferece procedimentos e padrões básicos aos criadores, que devem ser rigorosamente respeitados e seguidos. Como fator negativo é a falta de informações claras que enfraquece os conceitos de produtos orgânicos junto aos consumidores, e muitos deles ainda não sabem o que é a carne orgânica e como é a sua produção.

Palavras-chave: pecuária orgânica; alimento orgânico; sistema produtivo orgânico.

Abstract

This article aims at contributing to the production process of organic cattle raising disclose. The analyzed problem is related to the lack of knowledge by a significant number of consumers and organic meat producers, therefore this kind of meat less marketable than expected. An exploratory method of bibliographic sources was used. The production process of organic cattle raising has an advantage in its way of handling the environment in a fair and socially correct manner, providing a chemical-free, high quality food for the consumer. One of the main points of organic cattle rising is its seal of approval, which acknowledges the quality and offers to cattle ranchers the basic procedures, which must be rigorously observed and followed. The lack of clear information is a negative factor that diminishes organic products’ reputation with consumers, and a great deal of them still doesn’t know what organic meat is or how it is produced.

Keywords: organic cattle raising; organic food; organic production system.

Descrição do processo produtivo da carne orgânica: pontos fortes e pontos fracos

Description of the production process of organic meat: strong points and weak points

Diego Gilberto Ferber Pineyrua*Anaglis Lucati**

* Doutorando em Administração (Universidad de la Empresa – UDE/Uruguay). Professor de Marketing de Varejo e Teoria Organizacional da Fundação Educacional e Cultural de Santa Fé do Sul – FUNEC. E-mail: [email protected]

** Bacharel em Administração de Empresas pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Secretária. E-mail: [email protected]

62 |

Introdução

A pecuária bovina de corte vem sofrendo trans-

formações do reflexo da globalização da economia e

das modificações do comportamento da sociedade,

que passando por vários níveis de transformação e

absorção de conhecimento, vem ditando novas regras

de comportamento.

Demandas por mais e melhores serviços, além da

consciência das pessoas quanto à ecologia e à impor-

tância atribuída à saúde física e ao bem estar, aumentam

o interesse pelos fatores relacionados com a qualidade

e a segurança dos alimentos consumidos.

A crescente importância por parte da segurança dos

alimentos e a conservação ambiental em todo o mundo

fazem com que a produção da carne orgânica ocupe uma

posição de destaque no mercado internacional, surgindo

como uma forma alternativa de um sistema de produção

que oferece um produto livre de resíduos químicos,

capaz de proporcionar ao consumidor final a garantia de

proteção ambiental. Diante destas novas tendências, é

possivel destacar que a pecuária de corte passa por uma

nova fase, a qual deixa o sistema comum dividido em

dois sistemas diferentes: o sistema produtivo da pecuária

bovina de corte convencional e o sistema produtivo da

pecuária bovina de corte orgânica.

Nesse contexto, de acordo com Camargo (2004), a

produção de alimentos saudáveis, que utilizam tecnologia

limpa, como a agricultura orgânica, conquis tou intenso

impulso em todas as partes do mundo, movimentando

o mercado internacional. A Federação Internacional de

Movimentos da Agricultura Orgânica (Ifoam) é a entidade

responsável pela elaboração das normas básicas de

certificação de todas as correntes de agricultura orgânica

no mundo. Segundo os mes mos, tal atividade de

regulamentação começou com a intenção de afastar os

agentes econômicos oportunistas, que viram a agricultura

orgânica como uma nova oportunidade de lucro.

Segundo Aligleri, Aligleri e Kruglianskas (2009) para

as práticas agrícolas serem focadas no desenvolvimento

sustentável, precisam, além de abranger a eficiência

ecológica, reduzir o uso de agroquímicos, energia,

água e promover a conservação de recursos naturais e

da biodiversidade.

Aparentemente, ambos os sistemas parecem seme-

lhantes à primeira vista. Muitas pessoas não sabem da

existência da pecuária bovina de corte orgânica como

uma opção de consumo para a mesa do consumidor

brasileiro. A oferta pode ser, por enquanto, escassa,

mas ela existe.

A importância atribuída a este artigo deve-se

ao fato de que, em tempos atuais, e cada vez mais,

os consumidores estão tornando-se gradativamente

mais exigentes, principalmente quando o produto

adqui rido para seu consumo trata-se de um item de

sua alimentação, como a carne bovina, neste caso,

item de grande valor para o consumidor brasileiro e

internacional, o que permite que haja questionamentos

sobre sua qualidade, discussões sobre sua procedência

e ainda, a observação dos reflexos que seu consumo

poderá trazer à saúde do ser humano.

A produção de carne bovina alimenta a economia

de várias regiões do país, o que desperta o interesse

pelo estudo da pecuária bovina de corte orgânica e

do seu processo produtivo e, consequentemente, sua

comercialização, o que torna o estudo oportuno, devido à

possibilidade de este produto vir a tornar-se uma grande

van tagem competitiva no mercado interno e externo, pois,

o sistema produtivo da pecuária orgânica destaca-se por

possuir características de uma atividade economicamente

viável, socialmente justa e ambientalmente correta,

características estas que podem fazer a diferença em um

mercado rigorosamente competitivo.

A agropecuária orgânica faz parte de um amplo e

variado conjunto de técnicas e práticas rurais, que são

adaptáveis conforme a realidade local e de acordo com

os princípios sociais, biológicos e ecológicos, buscando

sempre respeitar o bem estar de seus elementos de

origem vegetal, animal, do homem e da reciclagem de

seus recursos naturais (CARRIJO; ROCHA, 2002).

Revista da FAE

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.61-72, jul./dez. 2009 | 63

Este artigo tem como objetivo geral descrever o

sistema produtivo da pecuária bovina de corte orgânica

identificando suas características e seus pontos fortes

e fracos.

Segundo Santos (2005), o sistema de produção

da pecuária de corte orgânico baseia-se numa visão

holística, dentro de princípios de agroecossistemas sus-

tentáveis, cujo enfoque principal engloba dois com po-

nentes essenciais: o ambiental e o social, objetivando

uma produção que mantenha o equilíbrio ecológico dos

agroecossistemas e com a satisfação, direta ou indireta,

das necessidades humanas.

Diante do exposto, o problema de pesquisa que

este artigo visa investigar está relacionado com o

processo produtivo da pecuária orgânica, ou seja, o

conhecimento do processo produtivo por parte dos

consumidores e dos pecuaristas potenciais poderá

aumentar o consumo e a produção da carne orgânica?

1 Metodologia

A metodologia aplicada neste artigo esteve volta-

da através da pesquisa exploratória, a qual visa prover

o pesquisador de maior conhecimento sobre o tema

ou problema de pesquisa em perspectiva. A pesquisa

exploratória pode ser utilizada para familiarizar e elevar

o conhecimento e compreensão de um problema de

pesquisa em perspectiva, além de auxiliar e desenvolver

a formulação mais precisa do problema em questão e

auxiliar na determinação de variáveis relevantes a serem

consideradas na pesquisa. Um dos métodos da pesquisa

exploratória é o levantamento de dados em fontes se-

cundárias, que compreendem os levantamentos biblio-

gráficos e documentais (MATTAR, 1996).

Conforme Gil (1991), a pesquisa exploratória

possui um planejamento bastante flexível, de modo que

possibilita a consideração dos mais variados aspectos

relativos ao fato estudado, envolvendo inclusive o

levantamento bibliográfico. A pesquisa referente ao

tema foi realizada conforme informações levantadas

sobre a pecuária bovina orgânica.

A pesquisa via Internet foi utilizada, pois, con-

forme afirma Mattar Neto (2005), a pesquisa na

Internet é uma fonte de levantamento de dados

e informações – desde que se avaliem as formas de

acesso e as fontes das informações obtidas, e oferece

alguns recursos de busca sobre tópicos atuais que seria

difícil ou impossível encontrar em bibliotecas, como é

no caso da pecuária orgânica.

De posse do material bibliográfico tido como

suficiente, de acordo com Gil (1991), passa-se à sua

leitura. O método de leitura exploratória foi aplicado

neste artigo, para o qual foi realizada uma leitura rápida

do material levantado, com o objetivo de verificar em

que medida a obra consultada interessa à pesquisa. Após

a leitura exploratória, foi realizada a leitura seletiva, que

se procede à sua seleção. É a fase em que se determina

o material que de fato interessa à pesquisa, sendo esta

leitura mais profunda em comparação com a leitura

anterior.

Após a leitura seletiva, foi realizada a leitura

ana lítica do material selecionado, na qual foram

ordenadas as informações contidas nas fontes,

passando por quatro fases distintas, conforme indi-

cado por Gil (1991):

a) leitura integral da obra ou do texto selecionado,

para se ter uma visão do todo;

b) identificação das ideias chaves ao longo do texto,

selecionando os parágrafos mais significativos, de

forma a identificar as ideias mais importantes;

c) hierarquização das ideias após a identificação

das mais importantes, organizando-as por

ordem de importância, distinguindo as ideias

principais das secundárias;

d) sintetização das ideias, última etapa do pro-

cesso da leitura analítica, quando foi recom-

posto o todo pela análise, eliminando os

assuntos secundários e fixando-se nos assuntos

essenciais.

64 |

2 Revisão bibliográfica

2.1 Origem da pecuária orgânica

Os casos de crise sanitária e de “vaca louca” na

Europa, nos anos 2000 e 2001, ajudaram o Brasil a

triplicar as exportações de carne. Todavia, a pressão

externa induz os pecuaristas a criarem gado de forma

mais “ecológica”: o boi verde e orgânico.

Carrijo e Rocha (2002) afirmam que os alimentos

orgânicos têm sido mundialmente procurados, por

agregarem qualidade aos produtos e oferecerem

segurança à saúde dos consumidores, reduzindo-lhes a

elevada incerteza sobre contaminações por substâncias

tóxicas, cancerígenas ou que possam prejudicar a

saúde humana ou animal. O sistema de certificação

desempenha um papel fundamental na formação

dessa importante imagem mercadológica, com base na

rastreabilidade e regras internacionais. Um grupo ainda

pequeno de produtores dedica-se a estas atividades, por

isso a produção de produtos orgânicos não consegue

ainda suprir todo o mercado consumidor.

Para a produção orgânica, deve-se limitar o máximo

possível o uso de insumos artificiais, e racionalizar

ao máximo a utilização dos insumos naturais como:

sol, chuva, vento, marés, luas, nitrogênio, oxigênio

e outros elementos que a natureza fornece com

dispêndios energéticos muito menores. Para produzir

organicamente é necessário observar a natureza,

respeitá-la de forma a receber o que ela pode oferecer e

retornar a ela o que necessitar, tornando uma constante

busca de modos mais naturais e inteligentes de produzir

(CARRIJO; ROCHA, 2002).

Um fator importante que determinou a criação da

pecuária orgânica foi a busca da redução do metano

emitido na atmosfera pelos rebanhos. Pesquisadores da

Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)

constataram uma redução no volume de gases emitidos

na atmosfera e uma diminuição do consumo de água

pelos animais, substituindo parte da proteína consumida

pelo gado por suplementos nas rações.

No Brasil, a produção orgânica iniciou-se na década

de 1970, porém o seu aumento se deu a partir do início

dos anos 1980, e a partir daí, em 1999, a Instrução

Normativa (IN) nº 7 (Anexo A), do Ministério da Agricul-

tura estabeleceu normas de produção, certificação e

orientação ao órgão colegiado. O Brasil cultiva cerca

de 275.576 hectares em 14.866 propriedades, tendo

em média 19 hectares por propriedade, sendo o 3º

na América Latina, atrás da Argentina que vem em 1º

com 3.192.000 hectares, e do Uruguai que vem em 2º,

com 678.481 hectares de áreas orgânicas cultivadas

(CAMARGO, 2004).

Camargo (2004) estima que da área cultivada

sob manejo orgânico no Brasil, de acordo com estudo

de Ormond et al. (2002), cerca de 158.000 hectares

são voltados para a agricultura e 119.000 hectares

para pastagens, na criação de animais. A maior parte

da produção orgânica brasileira, 80%, encontra-se

nos estados do Sul e Sudeste, em torno de 85% da

produção orgânica brasileira é exportada, sobretudo

para a Europa, Estados Unidos e Japão, e o restante,

15%, é distribuído no mercado interno.

Segundo Carrijo e Rocha (2002), a produção de

alimentos orgânicos, tanto vegetais como animal,

no Brasil, segue diretrizes definidas pela Ifoam e pelo

regulamento da Comunidade Européia (CE). Estas

diretrizes são atacadas e executadas por certificadoras

de produtos orgânicos e biodinâmicos mundialmente

aceitos, com capacidade de acompanhar seus pro-

cessos de produção e certificá-los, submetendo-os a

sistemáticas auditorias propostas pela Ifoam e outras

entidades acreditadoras de atuação internacional.

O diagnóstico do ambiente institucional na pro-

dução, processamento e distribuição de alimentos

orgânicos, no Brasil, caracteriza-se pelas ações de orga-

nizações governamentais e não-governamentais no que

diz respeito à difusão do conhecimento, fornecimento

de recursos financeiros, regulamentação do mercado,

reconhecimento dos atributos convencionais e o papel

dos consumidores (CAMARGO, 2004).

Revista da FAE

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.61-72, jul./dez. 2009 | 65

Está começando a despontar a pecuária orgânica

em áreas extensivas, com destaque para os estados de

Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul. Camargo (2004)

enfatiza as informações do Instituto Biodinâmico (IBD),

o qual é considerado uma das grandes certificadores

nacionais, a que, em todo o país, o total de bovinos em

conversão ao manejo orgânico chega a 600.000 animais.

Se esses dados se confirmarem, a área em manejo

orgânico no Brasil poderá aumentar em proporções

semelhantes a de países como Argentina, Austrália e

vários países da Europa.

O número crescente de produtores orgânicos no

Brasil está dividido em dois grupos: pequenos pro-

dutores familiares que fazem parte de associações e

grupos de movimentos sociais, representando 90% do

total de agricultores, responsáveis por cerca de 70% da

produção orgânica brasileira; e os grandes produtores

empresariais, que totalizam cerca de 10%, e estão

ligados a empresas privadas. A produção de origem

animal ainda está sendo pouco explorada, devido ao

problema de falta de matéria-prima orgânica e por ainda

possuir legislação inadequada (CAMARGO, 2004).

Segundo Mamede (2000), a produção de produtos

orgânicos, tanto os grãos, quanto as carnes, ainda é

considerada pequena, se comparada aos produtos não

orgânicos. Porém, considera-se um mercado em pleno

crescimento, pois o volume de negócios, em 2000, foi de

aproximadamente US$ 23,5 bilhões no mundo, sendo

US$ 10 bilhões somente nos EUA, US$10,5 bilhões na

Europa, US$ 2 bilhões no Japão e cerca de US$ 1 bilhão

no resto do mundo.

2.2 Processo produtivo da pecuária

orgânica

Os consumidores estão se tornando cada vez

mais esclarecidos e exigentes com produtos de maior

qualidade. No caso das carnes, a exigência dos consu-

midores está nos seus atributos intrínsecos de qualidade

como maciez, sabor, quantidade de gordura, como

também, pelas características de ordem ou natureza

voltadas para as formas de produção, processamento

e comercialização.

De acordo com Luchiari Filho (2006), quando se

trata de carnes, o termo qualidade é definido com os

seguintes componentes:

a) rendimento e composição: proporção de carne

magra e gordura e o tamanho e a forma dos

músculos;

b) aparência e características tecnológicas: cor e

textura da gordura, quantidade de marmorização

do tecido magro, cor e capacidade de retenção

de água e composição química do músculo;

c) palatabilidade: textura, maciez, sabor, suculência

e aroma;

d) integridade do produto: qualidade nutricional,

segurança química e biológica;

e) qualidade ética: questões relacionadas ao bem

estar animal.

Segundo Carrijo e Rocha (2002), no desenvolvi-

mento da pecuária orgânica, para a produção do boi

orgânico, devem existir primeiramente o respeito ao

animal, ou seja, devem existir respeito à sua natureza,

seus hábitos, costumes e fisiologia.

A filosofia da produção orgânica destaca a ne-

cessidade de se produzir alimentos em sistemas de

produção integrados, sustentáveis para os seres humanos,

para o meio ambiente e para a economia. Alguns princípios

podem ser observados, segundo Figueiredo (2002):

a) os sistemas de manejo devem seguir os mais

altos padrões de bem estar;

b) os animais devem ser alimentados com alimentos

adequados às suas fisiologias;

c) os alimentos devem ser produzidos princi pal-

mente na propriedade;

d) a saúde animal deve ser mantida por meio de

práticas de manejo saudáveis e preventivas;

e) o uso de medicamentos químicos e de vaci-

na ções deve ser evitado, mas aceitável sob

circunstâncias especiais;

66 |

f) homeopatia e outros regimes terapêuticos al-

ter nativos são encorajados nas situações de

doenças, no entanto, o uso de quimioterápicos

convencionais é aceitável apenas para evitar

sofrimento do animal.

Na pecuária orgânica não é possível aceitar produção

pecuária que danifique o meio ambiente em qualquer dos

seus aspectos, e que imponha sofrimento desnecessário

aos animais, tais como passar fome, sede, calor, frio,

ataques por endoparasitas, bacterioses, viroses etc., pois

serão animais com o bem estar prejudicado, mesmo que

estejam sendo criados soltos, ao ar livre.

Segundo Carrijo e Rocha (2002), o processo de

produção da pecuária orgânica é transformador e

busca ser socialmente justo, inclusive pela transparência

que deve transmitir à sociedade, da produção até a

comercialização. O sistema pecuário orgânico brasileiro

orienta-se pelos sistemas da Ifoam e do Mercado

Comum Europeu (MCE).

Santos (2005) afirma que na implantação de

qualquer sistema de produção, especialmente o

orgânico, há necessidade de medir o impacto sobre

atributos ambientais, como a erosão do solo, o estado de

conservação das pastagens, a diversidade de plantas, as

aves e a fauna, a qualidade da água, entre outros. Desta

forma, seria necessário conhecer processos ecológicos

ambientais para tomadas de decisões que possam servir

como base para desenvolver e interpretar sistemas de

monitoramento.

De acordo com Fonseca (2002), a conversão para

o manejo orgânico leva dois anos, aproximadamente,

começando-se a contar o tempo a partir da interrupção

de qualquer prática ou uso de produto proibido

pelas normas. De acordo com o mesmo, após 12

meses, entra-se no período de conversão, que pode

ser encurtado dependendo do manejo do solo e da

vegetação anterior, não podendo a pastagem estar

degradada. A certificação da propriedade pode ser

parcial, devendo novas áreas serem incorporadas num

prazo máximo de cinco anos de conversão total da

unidade produtiva.

Toda a propriedade em que se instala um projeto

orgânico terá cinco anos para a conversão total de

sua área ao sistema orgânico. Este tempo é muito

importante, pois poderão se formar módulos orgânicos

dentro de uma propriedade, possibilitando desta forma

o contato gradativo com o sistema, facilitando assim

o entendimento das normativas, técnicas e manejo da

nova atividade, de tal modo que ao final de cinco anos,

se o criador realmente optar pela conversão de toda a

propriedade, ele estará fazendo uma opção consciente,

inclusive com a avaliação de seus resultados financeiros

(CARRIJO; ROCHA, 2002).

A escolha do gado para a propriedade é de

fundamental importância, pois neste momento esta rá

sendo determinando o sucesso ou insucesso do em-

pre en dimento. A relação genética do rebanho, manejo

adotado e ambiente do local de criação, deve ser a mais

harmônica possível.

Durante a escolha das raças ou linhagens deve-

se levar em consideração a capacidade dos animais se

adaptarem às condições do local, suas vitalidades, e suas

respectivas resistências a doenças. As raças ou linhagens

devem ser selecionadas de forma a evitar doenças

específicas ou problemas de saúde, como exemplos: a

síndrome do estresse, morte súbita, aborto espontâneo

e a dificuldade de parto (FIGUEIREDO, 2002).

É muito importante a escolha da raça adequada à

região de produção quanto à sua adaptação e resistência

às condições de manejo que se pretende adotar. Nem

por isso a variabilidade genética dos rebanhos tem sido

desprezada, com possibilidade de inclusão de cerca de

20% de animais convencionais introduzidos no rebanho

orgânico, com o objetivo de propiciar um melhoramento

genético deste plantel (CARRIJO; ROCHA, 2002).

A alimentação do gado orgânico deve atender às

necessidades nutricionais dos animais em suas várias

fases de desenvolvimento, ao invés de maximizar a

produção. Sua alimentação forçada é proibida.

A pastagem, nativa ou cultivada, é a base alimentar

utilizada em sistemas de produção de carne orgânica. Os

países tradicionalmente produtores de bovinos de corte

Revista da FAE

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.61-72, jul./dez. 2009 | 67

orgânico, como Argentina, Nova Zelândia e Austrália,

fazem de suas pastagens o marketing básico de

divulgação de seus produtos (HADDAD; ALVES, 2002).

Todos os animais na unidade de produção devem

ser alimentados com alimentos produzidos organi-

camente, preferencialmente na própria unidade de

pro dução, e quando houver a necessidade de adquirir

mais alimentos, os mesmos devem vir de unidades

de produção orgânica. A alimentação dos mamíferos

jovens deverá ser baseada em leite natural, de pre-

ferência o leite materno, por um período mínimo.

Os sistemas de criação para os herbívoros devem ser

baseados no máximo uso de pastagem, de acordo com

a disponibilidade de pastagem nos diferentes períodos

do ano (FIGUEIREDO, 2002).

2.3 Rastreabilidade e certificação

Fonseca (2002) sugere que uma das vantagens do

sistema orgânico de produção é o uso da rastreabilidade

dos animais. Segundo o mesmo, o acompanhamento

do rebanho dá-se desde o nascimento ou da entrada

do animal na unidade certificada, e existe também

o acompanhamento do rebanho por quilo vivo por

hectare ao ano.

Segundo Carrijo e Rocha (2002), o sistema de

produção de carne orgânica brasileira é mundialmente

aceito porque tem boa origem, pois confere trans-

parência e credibilidade ao processo de produção

alimentar, do campo, ao processamento e distribuição,

seja para o mercado interno ou externo. O sistema de

rastreabilidade utilizado há alguns anos no Brasil, antes

do sistema oficial atual estar em vigor, já permitia ao

consumidor identificar:

a) país de produção;

b) estabelecimento que industrializa a carne;

c) fazenda onde foi produzido o boi;

d) lote a que pertencia o animal;

e) alimentação recebida pelo lote;

f) tratamento sanitário dos animais;

g) origem do indivíduo.

Através deste sistema de rastreabilidade é possível

caracterizar as informações de tal forma que é possível

encontrar registros sobre procedimentos realizados com

cada animal em particular. É possível ainda identificar

também cada sistema de alimentação que o animal

nutriu ao longo de sua vida, onde nasceu, quem era sua

mãe e seu pai. Todo esse processo de rastreabilidade visa

garantir saúde ao consumidor (CARRIJO; ROCHA, 2002).

Um elemento chave na produção e no mercado

orgânico é a regulamentação. Segundo Fonseca (2002),

o Plano Nacional de Controle de Resíduos Biológicos

(PNCRB), do Ministério da Agricultura, tem confirmado

nos últimos anos que a presença de resíduos de

antibióticos, inseticidas e hormônios ainda apresentam

índices alarmantes nos produtos provenientes de esta-

belecimentos fiscalizados pelo Serviço de Inspeção

Federal (SIF), considerando ainda que nem todos os

abates no Brasil são inspecionados. Por este motivo, há

o interesse em um selo de qualidade em boas práticas

de manejo na agricultura e na indústria.

Segundo Zylbersztajn e Scare (2003), a certificação

de qualidade alimentar tornou-se uma ferramenta

de mercado fundamental, incorporada ao segmento

agroalimentar, principalmente em países desenvolvidos,

cuja demanda aponta crescimento.

A certificação da produção orgânica nacional é

realizada por 21 agências certificadoras, das quais

12 são nacionais e 9 internacionais, que atestam se

a produção do alimento obedeceu às normas de

qualidade orgânica. A maioria das certificadoras

nacio nais encontra-se no estado de São Paulo, e as

internacionais são oriundas, sobretudo, de países da

União Européia (CAMARGO, 2004).

Uma das grandes finalidades da certificação

é a capacidade de rastrear a origem do produto

orgânico. Normalmente, as certificadoras nacionais

fornecem um certificado com um ano de validade

e se paga uma taxa para utilizar seus respectivos

68 |

selos. Os custos de emissão do certificado orgânico,

quando forem pelas certificadoras nacionais, variam

de 0,5% a 2% do valor faturado para a mercadoria

e cobram-se tantas vezes quantas sejam as remessas

de produto que necessitem de certificação, no caso

de exportação. Caso seja para o mercado interno,

o valor é cobrado pelo total de produto certificado

vendido pela empresa, não sendo necessário emitir

certificados específicos para cada carga. Quando

as certificadoras são internacionais, os custos de

certificação são um pouco maiores, variando entre

2% e 5% do faturamento (CAMARGO, 2004).

2.4 O mercado consumidor da carne

orgânica

Carrijo e Rocha (2002) afirmam que existe uma

grande demanda e uma pequena oferta de produtos

orgânicos, tornando o mercado excelente para o

produtor, caracterizando-se como um mercado em

crescimento, proporcionando remunerações satisfa-

tó rias e por vezes generosas aos produtores desta

modalidade. Estes prêmios por qualidade fazem parte

do modelo e de sua técnica produtiva, ao agregar valor

a seus produtos antes da porteira, isto é, o produtor

é considerado como o responsável e possuidor da

qualidade dos alimentos e tem seu trabalho valorizado

financeiramente por isso.

No mercado interno, de acordo com Camargo

(2004), a maioria dos agricultores vende seus produtos

orgânicos para grandes e pequenos varejistas, forma-

dos por lojas de produtos naturais, restaurantes e

supermercados, associações ou unidades processadoras

e distribuidoras, e venda direta, realizadas em feiras

orgânicas, que movimentam entre R$3 e R$4 milhões de

reais por ano, em cidades como Porto Alegre, Curitiba,

Florianópolis, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.

Os agricultores que organizam as feiras são, em sua

maioria, pequenos e filiados a associações, e, além

disso, as grandes cadeias de supermercados começam

a abrir gôndolas exclusivas para produtos orgânicos,

principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba,

Florianópolis e Porto Alegre. Um dos entraves para uma

expansão mais rápida das vendas nos supermercados

são os preços, que ficam, em média, 30% acima dos

similares convencionais.

A presença dos supermercados exerce uma fun-

ção importante no segmento de produtos orgâ nicos,

justamente por fazerem parte do processo de transfor-

mação na esfera do consumo alimentar, ao fornecer novas

opções, com iniciativas cada vez mais importantes no que

diz respeito às inovações e à qualidade dos alimentos. A

tendência internacional coloca os supermercados como

canal central e dominante na expansão do consumo

de produtos orgânicos, sem levar em consideração

os conflitos que podem existir entre fornecedores e

produtores e a restrição atual do consumo às classes de

maior poder aquisitivo (GUIVANT, 2003).

O selo de certificação é o que diferencia a carne

orgânica das tradicionais nas gôndolas de super-

mercados, garantindo o processo extremamente natural

de produção da carne orgânica, predominando uma

qualidade elevada. Estudo realizado por Haddad e Alves

(2005), em relação ao comportamento de compra de

consumidores das classes A e B, em uma grande rede

varejista, relata que o principal fator que faz com os

clientes adquiram carne orgânica é a preocupação com

a preservação ambiental em sintonia com o sistema de

produção. Com isso, revela-se que os consumidores

estariam dispostos a comprar a carne orgânica e que

podem pagar cerca de 20% a mais sobre o preço das

carnes tradicionais.

De acordo com Guivant (2003), à medida que cresce

a oferta, e estimula-se o consumo, juntamente com as

transformações nos padrões de estilo de vida, pode

estar sendo gerada uma dinâmica de fortalecimento da

produção orgânica, o que fugiria das previsões negativas

de parte do movimento da agricultura orgânica.

Revista da FAE

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.61-72, jul./dez. 2009 | 69

3 Discussão dos resultados

É crescente a importância que os consumidores

vêm atribuindo à origem dos alimentos e à segurança

alimentar, e ainda há aqueles que estão preocupados

com a questão ambiental, e que têm interesse em

deixar para seus descendentes um local ambientalmente

preservado como herança, no futuro.

Em busca de atender às necessidades dos referidos

consumidores, e ao mesmo tempo reforçar correntes

de preservação do meio ambiente, surgiu o conceito

da alimentação ambientalmente correta, para a qual a

carne bovina não surgiu como alvo de ataque, mas sim

como agente transformador desta corrente.

A falta de comprometimento com os recursos

naturais, que sempre foi parte inseparável da atividade

da pecuária, contribuiu e ainda contribui para o dese-

quilíbrio da planta, do solo e do animal, trazendo

consequências desastrosas para o meio ambiente e

para a própria atividade; tal aspecto é uma importante

barreira não-tarifária a ser imposta por países ricos, nos

próximos anos (EUCLIDES FILHO, 2000).

Em decorrência da degradação do meio ambiente,

com intuito da formação de pastagens, em áreas com

forrageiras nativas, assim como de sua formação e

manutenção com a ajuda de fertilizantes químicos, e suas

formas de exploração, surgiu o conceito de boi orgânico,

que não diz respeito tão somente ao animal, mas engloba

também todo o sistema do qual o mesmo faz parte,

inclusive os insumos e pessoas que a esse sistema estão

diretamente, ou indiretamente, relacionados.

Este novo conceito de produção de carne bovina

orgânica permite oferecer ao consumidor um alimento

livre de compostos químicos, que podem futuramente

prejudicar a saúde de quem o consome, com garantias

(concedidas pelas empresas certificadoras) de o mesmo

ter sido produzido sem prejudicar o meio ambiente, e

com o mínimo de mau trato em relação aos animais

do rebanho.

Estas condições atingem sensivelmente os consu-

midores da carne do boi convencional que realmente se

importam com a forma como foi produzido o alimento

que levou para sua casa, embora ainda sejam poucos,

se comparados com os que não se importam, mas que

acabam se revelando como formadores de um grande

mercado potencial.

Da mesma forma que a pecuária orgânica surge

como interessante diferencial na mesa do consumidor,

a pecuária convencional vem cada vez mais se firmando

no mercado, em termos de tecnologia de produção, o

que proporciona a redução dos custos e o aumento da

produção, e, consequentemente, aumenta o consumo

de carne bovina, à medida que aumenta a renda da

população, mesmo que este aumento de produção

venha às custas da degradação do meio ambiente.

De acordo com pesquisas realizadas (FONSECA,

2002), muitas pessoas não sabem o que é o boi orgânico,

e nem os benefícios que o mesmo traz à saúde humana

e à saúde do meio ambiente. No entanto, para que se

faça justiça à formação de opiniões, é indiscutível que

se conheça as peculiaridades que fazem o boi orgânico

diferir do boi convencional, para que se possa, então,

discutir e avaliar a real importância de conhecer suas

semelhanças e suas diferenças, o que pode pesar na

escolha e na decisão de compra final.

3.1 Características do sistema produtivo da

pecuária orgânica

A pecuária de corte orgânica oferece como van-

tagem a sua forma de manejo ambientalmente justo e

socialmente correto, proporcionando um ali mento de alta

qualidade, livre de agentes químicos para o consumidor.

No entanto, sua produção é baixa, se comparada com a

pecuária convencional, que utiliza insumos tecnológicos

que permitem o aumento da produtividade em menor

período de tempo, o que acarreta o aumento do

valor da carne orgânica, considerando os custos da

70 |

certificação, quando chega até o consumidor final.

Consequentemente, faz com que a carne orgânica seja,

ao menos inicialmente, um produto voltado para um

nicho de mercado, e não para as massas.

O quadro 1 mostra em detalhes o processo produ-

tivo da pecuária orgânica, conforme as suas caracterís-

ticas peculiares.

QUADRO 01 - PROCESSO PRODUTIVO DA PECUÁRIA ORGÂNICA

CARACTERÍSTICAS PECUÁRIA ORGÂNICA

Manejo

O bem estar do animal e a preservação do meio ambiente são prioridade.

Atenção especial às pessoas envolvidas no processo.

Reprodução

Monta natural.

Inseminação artificial.

Transferência de embriões é proibida

Pastagem

Pastagens naturais.

Lotação de animais é planejada.

Proibido o uso de produtos químicos.

Utilização de recursos naturais renováveis.

Pastejo diferido.

Suplementa-ção Alimentar

Ensilagem, fenação, obedecendo às normas orgâ-nicas de produção.

Permitidos 10% de forragem convencional, desde que livre de agentes químicos.

Ureia é proibida.

Alimentação forçada é proibida.

Hormônios Proibida a utilização de hormônios.

Aspectos Sanitários

Preocupação com a prevenção.

Medicamentos homeopáticos.

Medicamentos químicos em último caso.

Antibióticos são proibidos.

Vacinas de calendário.

RastreabilidadeO acompanhamento do rebanho tem início desde seu nascimento, ou entrada do animal na unidade certificada, até o consumidor final.

Certificação

O produto orgânico só recebe esta classificação se possuir o selo de certificação.

Já existem certificadoras conceituadas.

Garante confiança e segurança ao consumidor.

Instalações

Devem atender às necessidades dos bovinos, visando seu bem estar e minimizando ao máximo seu estresse.

Devem fazer parte de propriedades certificadas.

Transporte e Abate

A distância até o local de abate deve ser a mais próxima possível.

O abate deve ser realizado em frigorífico creden-ciado, seguindo normas específicas.

FONTE: Os autores (2006)

3.2 Identificação dos pontos fortes e pontos

fracos da pecuária orgânica

Ao ser analisado o sistema de produção da pe-

cuária orgânica, foram identificados pontos fortes, e

pontos fracos, que constituem os principais fatores do

referido sistema produtivo.

QUADRO 02 - PONTOS FORTES E FRACOS DO PROCESSO PRODUTIVO

DA PECUÁRIA ORGÂNICA

PONTOS FORTES PONTOS FRACOS

A pastagem orgânica é a base da alimentação dos bovinos. É utilizado o pastejo diferido e não é permitida a lotação e nem a degradação do meio ambiente para a formação das pastagens. A alimentação dos animais é livre de produtos químicos.

As propriedades devem dispor de infraestrutura mínima para ser convertida ao manejo orgânico. Análises devem ser realizadas, e muitas delas impossibilitam a implantação do projeto orgânico, o que restringe o número de pro-priedades que poderiam atender o mercado consumidor.

O tratamento de doenças e pa-rasitas é realizado de forma pre-ventiva. Medicamentos alopáticos e antibióticos sintetizados são utilizados em último caso, sob a responsabilidade dos veteriná-rios. As vacinas de calendário são realizadas regularmente, como a da febre aftosa.

A falta de excedente agrícola orgânico no país, que serve de suplementação alimentar no período da seca, é um problema sério para os bovinos em ma-nejo orgânico, pois os referidos animais não podem consumir suplementos alimentares vindos de lavouras convencionais.

A rastreabilidade dos animais é um acompanhamento que tem seu início desde o nascimento do animal, ou de sua entrada na unidade certificada, até o consu-midor final.

A falta de informações claras enfraquece os conceitos de produtos orgânicos junto aos consumidores, e muitos deles ainda não sabem o que é a carne orgânica.

A certificação é um selo de quali-dade que oferece procedimentos e padrões básicos aos criadores, que devem ser rigorosamente respeitados e seguidos e que permitem ao consumidor a segurança de estar consumindo uma carne certificada por uma empresa séria e conceituada.

O mercado para o boi orgânico é muito restrito. Seu preço é mais caro em função da menor produtividade; devido à proibi-ção de insumos modernos (que agridem o meio ambiente) e o custo da certificação, que onera ainda mais a produção.

FONTE: Os autores (2006)

Conforme ressalta Medeiros (2002), pesquisador

da Embrapa/CPAP, é pouco provável que a pecuária or-

gânica possa substituir a pecuária convencional, mas

não é porque sua oferta atende aos mercados de alta

renda que sua produção deverá ser desestimulada,

muito pelo contrário, enquanto houver demanda, e mer-

cado potencial, haverá estímulo para sua produção.

Revista da FAE

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.61-72, jul./dez. 2009 | 71

As pessoas devem ter as informações à sua dispo si-

ção para terem acesso ao conhecimento sobre o sistema

produtivo da pecuária orgânica. Os consumidores

precisam saber que há mais uma opção de carne

disponível no mercado e que eles podem escolher qual

delas irá levar para sua mesa.

Conclusão

A carne bovina, consumida mundialmente, já

passou, e ainda corre riscos de passar, por vários pro-

blemas de ordem sanitária como o mal da vaca louca e

a febre aftosa, que abalam a confiança do consumidor,

tornando-o inseguro na hora de comprar este produto

ou mesmo promovendo um estímulo a optar por outros

tipos de carne como a de frango, ou até substituir a

carne bovina por outros tipos de alimentos, alimentos

esses que não irão oferecer riscos à sua saúde.

A preocupação com o meio ambiente e com as

reservas naturais que ainda existem, e a muito custo

preservadas, também fazem parte do interesse de

muitos consumidores.

Entretanto, embora tais preocupações possuam

relevante importância, não podem ser um motivo

para desestimular o consumo da carne bovina. Nesse

sentido, a carne orgânica surge como uma alternativa

capaz de atender este mercado cada vez mais exigente

e preocupado com a segurança alimentar.

Justamente por possuir características socialmente

justas (qual seja todas as pessoas envolvidas – direta e

indiretamente, no sistema produtivo da pecuária bovina

orgânica), e ambientalmente correta, conforme analisado

neste artigo, o sistema produtivo da pecuária orgânica

destaca-se em termos de qualidade, se compa rado com o

sistema produtivo da pecuária bovina de corte tradicional.

Prova disto são as certificadoras que garantem ao

consumidor um produto livre de resíduos químicos, sem

falhas na produção e que não agridam o meio ambiente.

Segundo Ribeiro (2001), um dos fatores mais

rele vantes na decisão de compra da carne orgânica é

a segurança do alimento; os consumidores associam

produtos orgânicos a uma alimentação mais saudável,

e os problemas que a carne bovina produzida dentro

dos padrões normais vêm sofrendo, contribuem ainda

mais para esta associação.

De acordo com Fonseca (2002), os produtores e

exportadores de produtos orgânicos em países de baixa

renda encontram problemas específicos rela cionados à

produção, às políticas governamentais e à infraestrutura,

ao transporte e carregamento, às informações de mercado

e à certificação. Com relação à produção, a falta de

conhecimento tecnológico sobre a prática de agricultura

orgânica, a necessidade do resgate do conhecimento

tradicional para combiná-lo com as tecnologias conhecidas,

bem como a escassez de insumos disponíveis para uso se

destacam como os principais problemas.

Os fatores do manejo orgânico que agregam valor à

carne orgânica fazem com que sua oferta ainda seja baixa,

aumentando seu preço ao consumidor final. Infelizmen-

te, diante desse quadro, por enquanto, a carne orgânica

abastece apenas um pequeno nicho de mercado, ou seja,

as pessoas que possuem maior poder aquisitivo.

A carne bovina orgânica não surgiu para substituir

a carne bovina convencional, mas sim como forma de

atender determinadas necessidades de consumidores,

um segmento que cresce significativamente, princi pal-

mente no mercado externo.

No Brasil, poucas pessoas têm conhecimento da

carne bovina orgânica, a grande maioria não possui

informações a respeito, portanto, a divulgação constitui

fator essencial para a abertura do mercado interno para

esse tipo de carne. E a partir desta abertura, quando os

consumidores tiverem a oportunidade de escolher qual

tipo de carne irão levar para sua família, ao tomarem

co nhecimento de seu processo produtivo e realizarem a

com paração entre um e outro, provavelmente sentir-se-ão

muito mais seguros ao realizarem sua escolha.

•Recebido em: 22/07/2009 •Aprovado em: 06/10/2009

72 |

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Revista da FAE

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.73-87, jul./dez. 2009 | 73

Resumo

A busca por vantagens competitivas no setor bancário tem se traduzido

em investimentos crescentes em automação bancária, em um esforço para

desenvolver inovações tecnológicas e canais mais ágeis de atendimento ao

cliente. O resultado de tais ações é a crescente transferência do atendimento

pessoal para o atendimento eletrônico, reduzindo a estrutura física das

agências bancárias. O presente artigo tem como principal objetivo comparar

a preferência e satisfação dos clientes bancários na cidade de Curitiba em

relação ao atendimento automático e o atendimento pessoal. Para tanto,

realiza uma pesquisa de campo nas cinco maiores instituições de Curitiba

com 99 entrevistados.

Palavras-chave: inovação bancária; atendimento bancário; satisfação de clientes.

Abstract

The search for competitive advantages on banking has led to increasing

investments in banking automation, in an effort to develop technological

innovations and faster ways of customer services. The result of those actions is

the rising transference from the personal to the electronic services, thus reducing

the physical structure of banking agencies. This article aims at comparing

Curitiba’s banking clients’ preference and satisfaction regarding personal and

electronic services. Therefore, it brought to effect a field research in the five

major institutions of Curitiba with a total of 99 interviewees.

Keywords: banking innovation; bank service; client satisfaction.

Automação bancária x atendimento pessoal: a preferência dos clientes em Curitiba

Banking automation x personal services: Curitiba’s clients preference

Leide Albergoni*Cristiane Pereira**

* Mestre em Política Científica e Tecnológica (Unicamp). Professora da FAE Centro Universitário. E-mail: [email protected]

** Administradora (FAE Centro Universitário). E-mail: [email protected]

74 |

Introdução

No setor bancário brasileiro, a busca por diferen-

ciação de produtos e serviços como uma forma de

obtenção de vantagens competitivas exige das institui-

ções investimentos constantes em inovações tecnoló-

gicas e desenvolvimento de ferramentas que agilizem o

aten dimento ao cliente. Para acompanhar tais exigências

do setor, observa-se uma crescente transferência do

atendimento pessoal para o autoatendimento, o que

pode ser percebido nas mudanças ocorridas no ambiente

das agências bancárias, que têm ampliado o espaço

do autoatendimento e reduzido aquele destinado ao

atendimento pessoal.

Quando se fala em automação bancária, não se

pode pensar apenas em terminais nos quais o usuário

acessa determinados serviços sem apoio humano, mas

sim na capacidade geral de uma empresa apresentar

soluções imediatas e alinhadas com as necessidades

do cliente por meio dos canais responsáveis por seu

atendimento. A automação nos canais de atendimento

é capaz de disponibilizar um serviço altamente eficiente

e com baixo custo para as instituições, mas pode não

apresentar nenhum diferencial perceptível ou não trazer

satisfação ao cliente.

Sendo assim, o presente artigo tem por objetivo

abordar a inovação no atendimento bancário, desde a

identificação do estágio atual da tecnologia oferecida

pela rede bancária, até os resultados finais na satisfação

dos clientes, levando em conta fatores como preferência,

benefícios e restrições. A hipótese inicial é a de que os

clientes preferem o atendimento pessoal ao automático

e, ainda, que a automatização dos processos bancários

traz insatisfação aos clientes. Para isso faz-se uma revi-

são bibliográfica sobre a inovação bancária, seguida

de uma pesquisa documental sobre os resultados da

automação nos canais de atendimento bancário e,

por fim, uma pes quisa de campo buscando identificar

a preferência e satisfação dos clientes em relação aos

canais de atendimento.

Sabe-se que atualmente inovar é um princípio

básico de sobrevivência das empresas no mercado, mas

que o processo de satisfação do cliente é uma questão

que vai muito além de apresentar uma solução. Até

que ponto um computador ou uma máquina consegue

analisar a real situação do cliente e interagir conforme

suas necessidades apresentando soluções? Portanto, o

que se deseja saber não é a questão de viabilidade de

implantação desses canais, mas sim se a intensificação de

tais canais pelas instituições acompanha a preferência dos

consumidores em relação aos canais de atendimento.

1 A inovação como estratégia no

atendimento bancário

Atualmente, a inovação tecnológica é vista como

uma necessidade para a sobrevivência das empresas

no mercado. As empresas que investem em inovação

podem contar com a possibilidade de diferenciação,

novos processos, aumento contínuo da produtividade,

queda dos custos e avanços na qualidade de seus

produtos e serviços.

A seção apresenta uma breve perspectiva teórica

dos motivos para inovar, além dos motivos para inovação

no setor bancário.

1.1 A motivação para inovar

Na perspectiva schumpeteriana, o processo con-

correncial ocorre não apenas em função da maximização

de lucros, mas da própria sobrevivência e permanência

da firma no mercado. Para tanto, a firma deve procurar

adquirir vantagens competitivas através de novas mer-

cadorias, novas tecnologias, novas fontes de oferta e

novos tipos de organização. Nessa busca por vantagens

competitivas, a firma é uma organização que influencia

o ambiente em que atua por meio de inovações – sejam

elas tecnológicas, mercadológicas, organizacionais ou

institucionais. Esse processo concorrencial através de

inovações traduz-se em mudanças estruturais que

são verificadas no surgimento de novas demandas,

Revista da FAE

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.73-87, jul./dez. 2009 | 75

novos hábitos dos consumidores e novas formas de

se organizar a produção, configurando uma mudança

tecnológica (FERRARI; PAULA, 1999).

As inovações introduzidas por uma firma podem

ser incrementais ou radicais. Inovações incrementais

são aquelas que derivam de melhorias em produtos

e processos já existentes. Este tipo de inovação está

presente em todas as atividades econômicas, depen den-

do da pressão da demanda, de fatores sócio-culturais,

de oportunidades e trajetórias tecnológicas. Essas

inova ções são mais ou menos contínuas e ocorrem

não como resultado de uma pesquisa deliberada, mas

como consequência de invenções e aperfeiçoamentos

sugeridos pelos engenheiros e/ou usuários ocupados

no processo produtivo (learning by doing e learning

by using) (FREEMAN; PEREZ, 1988).

Inovações radicais, por sua vez, são inovações de

produtos ou processos que não têm como antecedente

melhorias de produtos e processos existentes. Seria o

caso do nylon, que não poderia ter surgido a partir de

melhoramentos na indústria de lã, ou ainda da energia

nuclear que não poderia ter emergido de melhoramentos

incrementais nas estações de carvão ou de petróleo.

Essas inovações radicais são frutos de atividade deli be-

rada de P&D das empresas, universidades ou centros

de pesquisa governamentais. Elas aumentam a produti-

vidade e trazem novos produtos e materiais, porém seu

impacto econômico pode ser localizado ou restrito a

alguns setores, não implicando em mudanças funda-

mentais no conjunto das organizações industriais

(FREEMAN; PEREZ, 1988).

Segundo Drucker (1986, p.40), “a inovação é o ato

de atribuir novas capacidades aos recursos existentes na

empresa para gerar riqueza”. Porter (1995) acredita que

atualmente a única maneira de uma empresa se tornar

competitiva é por meio da incorporação da inovação

tanto tecnológica quanto organizacional.

Possas (2006) salienta que a motivação para inovar

depende basicamente de três fatores: apropria bili-

dade, cumulatividade e oportunidade. Enquanto que a

apro priabilidade diz respeito aos ganhos de uma situação

de monopólio temporário resultante da inovação

pio neira, a cumulatividade refere-se à capacidade da

empresa em continuar inovando. A cumulatividade e

a apropriabilidade são complementares, pois a conti-

nuidade do processo inovativo depende de estímulos

relacionados à expectativa de vantagens futuras e, além

disso, a apropriabilidade proporciona recursos para

futuras pesquisas e desenvolvimento. A oportunidade,

por sua vez, é “a amplitude do conjunto de possibilidades

que uma inovação abre de incorporar avanços a um

ritmo intenso, inclusive a geração de novos produtos e

processos produtivos” (POSSAS, 2006, p.34).

A inovação, de acordo com Possas (2006), é o

elemento fundamental de sobrevivência no mercado e

transforma continuamente o ambiente de concorrência.

Ao introduzir uma inovação a firma modifica o ambiente,

o que condiciona outras firmas a também realizar suas

inovações e novamente alterar o ambiente.

Pessali e Fernández (2006) salientam que nas abor-

dagens modernas da inovação tecnológica da firma,

as inovações podem ser organizacionais (dentro da

firma) ou institucionais (entre firmas e no mercado).

No entanto, tais inovações não ocorrem separadas,

pois a inovação de uma firma isolada estimula que

outras organizações busquem atualização ou inovações

diferentes, afetando assim todo o mercado.

Pessali e Fernández (2006) também salientam que

para que se possa atuar em uma base regular, as firmas

buscam as inovações em ações coletivas estáveis, ou

seja, um padrão de produção baseado em um mesmo

conjunto de inovações adotados por todas as firmas no

mercado. “Para produzir e comercializar algo, a firma

coordena a interação entre as pessoas e entre pessoas e

equipamentos, e também negocia sua relação com outras

firmas e clientes” (PESSALI; FERNÁNDEZ, 2006, p.329).

Diante do exposto, a motivação para inovar é a

busca de ganhos extraordinários no mercado, embora

a adoção generalizada das inovações seja vantajosa

para as empresas, uma vez que possibilita a atuação em

76 |

um ambiente mais estável e quase padronizado. Ainda

assim, ao introduzir uma inovação no mercado, seja

ela incremental ou radical, a firma busca a mudança de

hábitos de seus consumidores, de forma a criar novas

demandas.

1.2 A inovação no setor bancário

O setor bancário é um exemplo prático do que

Porter (1995) preconiza: o processo de inovação

bancária vem ocorrendo fortemente em canais de

atendimento que possibilitam ao cliente a realização de

um número maior de operações em terminais externos

de autoatendimento, em sua residência ou escritório,

tornando desnecessário o deslocamento do cliente até

uma agência bancária.

De acordo com Silva e Cardoso (2002), a auto-

mação bancária atualmente funciona como um apelo

de mercado na conquista de um número maior de

clientes potencialmente ativos a ter serviços rápidos

e, ao mesmo tempo, os bancos passam a contar com

um quadro de funcionários voltados à expansão de

produtos e serviços que fujam a situações triviais da

rotina bancária, ou seja, que realmente precisam da

intervenção humana para sua comercialização.

O sistema bancário brasileiro apresenta conside rá-

veis mudanças tecnológicas desde o início da utilização

de computadores em bancos, que ocorreu na década

de 1950, segundo Costa Filho (1997). O presente artigo

apresenta somente as inovações ocorridas a partir da

década de 1980, quando se iniciou um novo paradigma

tecnoeconômico baseado nas tecnologias da informação

e comunicação (LA ROVÉRE, 2006).

O Manual de Oslo apresenta exemplos de inovações

de produtos e processos que resultaram em maiores

ganhos para o setor bancário.

- Introdução de cartões inteligentes e cartões de múltiplos propósitos em plástico.

- Nova agência bancária sem qualquer pessoal onde os clientes “fazem normalmente seus negócios” através de

terminais de computadores à sua disposição.- Banco via telefone, que permite aos clientes realizar

muitas de suas transações bancárias por telefone, no conforto de seus lares.

- Mudança de escaneamento de imagem para OCRs (Optical Character Readers – Leitoras Óticas de Caracteres) no manuseio de formulários/documentos.

- Escritório de apoio “paperless” (sem papéis – todos os documentos são escaneados para registro em compu-tadores) (OCDE, 2004, p.57)

Grisci e Bessi (2004) consideram que, a partir da

segunda metade da década de 1980, os bancos bra-

sileiros passaram por um processo de reestruturação

para dentro (reorganização interna), caracterizado pela

diminuição de custos operacionais, ampliação e incentivo

ao autoatendimento, intensificação da automatização,

redução de postos de trabalho, terceirização e mudanças

nas técnicas de gestão.

De acordo com Molina (2004), neste mesmo

perío do houve a instalação dos primeiros “caixas ele-

trônicos”, o que proporcionou uma queda drástica no

número de funcionários das agências, principalmente

na função de caixa.

Scheuer (2001) relata que a partir de 1980 os

bancos instalaram terminais para a entrada de dados

nas agências, alimentando direta e indiretamente o

CPD (Centro de Processamento de Dados). Foram dispo-

nibilizados aos usuários terminais que apresentavam

informações atualizadas para consulta e manipulação

contábeis e o processamento batch (processamento em

lote a partir dos dados digitados) foi substituído pelo

processamento online.

Costa Filho (1997) acredita que nos anos 1980 houve

uma grande arrancada da automação de aten dimento ao

cliente no Brasil, representada por meio do surgimento

do autoatendimento, da interligação online em rede

por todo o país, dos primeiros caixas-automáticos e da

inauguração do banco 24 horas, em 1983.

De acordo com o mesmo autor, a década de

1990 foi marcada pelo surgimento do banco virtual

(homebanking) e pela transferência de fundos via

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Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.73-87, jul./dez. 2009 | 77

pontos de venda – POS. Nessa mesma fase, as transações

por meios eletrônicos ultrapassam as transações das

agências, com o surgimento dos bancos virtuais e o

internet banking, por volta de 1995.

Conforme Schwingel (2001), na década de 1990,

os bancos, principalmente os de varejo, continuaram

investindo intensamente em tecnologia, tanto para

competir com as grandes instituições estrangeiras que

estavam entrando no mercado bancário brasileiro,

quanto para atender seus clientes.

Segundo Grisci e Bessi (2004), a partir de meados

da década de 1990, as mudanças no setor bancário

direcionam-se ao desenvolvimento de novos serviços e

produtos, bem como tratamento diferenciado a partir

da segmentação de clientes conforme o valor da renda

e potencial de consumo de serviços financeiros.

Para Neves, Pereira e Mota (2006), a década de

2000 consolida o banco via Internet, com o aumento

crescente de usuários. Assim, os bancos investem para

oferecer serviços seguros pela Internet e alguns deles

investem em novas tecnologias portáteis em palm tops

e handbanking para dominar o setor de homebanking

e internet banking.

Para alcançar tal estágio tecnológico, o setor ban-

cário é o que mais investe em tecnologia da infor mação

no país, e os investimentos crescem anualmente. Em

2007, o setor bancário brasileiro investiu cerca de R$ 15

bilhões em tecnologia da informação, um aumento de

4% em relação a 2006. Deste montante foram investidos

R$ 6,2 bilhões para aquisição de novas tecnologias

(aumento de 16% em relação a 2006) enquanto que

para manutenção das tecnologias existentes foram

gastos R$ 8,7 bilhões (queda de 3,1% em relação a

2006), conforme dados da Federação Brasileira de

Bancos – Febraban (2008). Os maiores investimentos

foram destinados à aquisição de hardware (Mainframes,

PC’s, ATM’s, storages, robôs etc.) e compra de software

de terceiros (software básico e aplicativos, fábricas de

software, terceirizações etc.), o que representa 30%

do total dos investimentos em Tecnologia da Informa-

ção – TI, de acordo com os dados da Febraban (2008).

A natureza dos investimentos sinaliza os objetivos

do setor em transferir o atendimento pessoal para o

automático.

É necessário investigar, no entanto, os motivos que

levam os bancos a inovar.

1.3 A motivação para inovar no setor

bancário

Scheuer (2001) cita a economia de custos como um

dos motivos que leva as instituições financeiras a gastar

grandes somas em inovação bancária, uma vez que o

direcionamento dos clientes ao autoatendimento sem

a intervenção de um funcionário resulta em economias

não só de custos de pessoal como também com as

instalações físicas das agências.

Porter1 (1999 apud PIRES; COSTA FILHO, 1997)

de clara que a automação bancária está expandindo os

limites das possibilidades das empresas, substituindo

intensivamente o esforço humano por máquinas. De acor-

do com o mesmo autor, o resultado desta mudança é o

aumento da lucratividade e da produtividade dos bancos,

pois a mudança permite que as instituições atendam um

maior número de clientes e não clientes (usuários) com a

mesma estrutura no quadro de funcionários.

Segundo Duarte (2003), os administradores leva-

dos a pensar em redução de custos descobriram ganhos

reais com o uso da tecnologia para efetuar operações

que anteriormente poderiam ser consideradas caras e

arriscadas.

Ao buscar inovar em seus produtos e serviços, além

da economia de custos, as empresas também podem ser

motivadas pelo aumento da qualidade, prolongamento

do ciclo de vida dos produtos, previsão de aumento

nas vendas, adaptação às necessidades dos clientes e

posicionamento no mercado competitivo. Nesse caso, a

inovação contemplaria também a satisfação do cliente.

Segundo Kotler (2000), a satisfação é resultado da

1 PORTER, M. E. Competição: estratégias competitivas essenciais. Rio de Janeiro: Campus, 1999.

78 |

comparação do desempenho percebido em relação às

expectativas do comprador, ou seja, consiste na sensação

de prazer ou desapontamento com o produto ou serviço.

De acordo com Scheuer (2001), muitas empresas

buscam clientes altamente satisfeitos, porque estes são

muito menos propensos a mudar de fornecedor com

facilidade. Um alto nível de satisfação ou encantamento

cria não apenas uma preferência racional, mas sim um

vínculo emocional com a marca, resultando em um alto

grau de fidelidade do cliente.

Outro aspecto importante a ser considerado na

inovação bancária é a estratégia de marketing adotada

pelo setor com o acirramento da concorrência. De

acordo com Mota, Freitas e Silva (2006), o ingresso dos

bancos estrangeiros no Brasil exigiu adequações dos

bancos nacionais nos aspectos tecnológico, gerencial

e, principalmente, nas atividades de marketing. As ade-

quações realizadas na área de marketing passaram a

significar a sobrevivência ou extinção de muitos bancos,

em um espaço curto de tempo.

A ampliação dos investimentos realizados em

inovação impulsionou o setor em busca da implan-

tação de processos tecnológicos que permitam a

comercialização de produtos de serviços diferenciados

da concorrência. Porém, “com os avanços da tecnologia,

as corporações sofrem com o excesso de informações,

sendo imprescindível a gestão eficiente em TI para o

sucesso empresarial” (BUENO et al., 2004, p.96).

Conforme Neves, Pereira e Mota (2006), inicial-

mente, o marketing bancário não previa atingir o cliente

no seu próprio local de trabalho ou na residência, e sim

atrair o cliente para o ambiente físico do banco por meio

de um ambiente agradável nas agênc ias, instalações

confortáveis e distribuição de brindes. Ainda de acordo

com Neves, Pereira e Mota (2006, p.5), “o marketing

bancário evolui da arte de vender produtos para a

filosofia de conquistar clientes, mantê-los e aprofundar

os relacionamentos”.

Verifica-se que houve uma mudança na aplica bi-

lidade do marketing bancário, antes mais direcionado

para o ambiente físico do banco e agora para a busca do

desenvolvimento de um relacionamento com o cliente

por meio de soluções tecnológicas.

De acordo com Neves, Pereira e Mota (2006), o

resultado positivo das estratégias de marketing no

setor bancário, na atualidade, é inquestionável para

que os bancos mantenham sua posição no mercado.

Neste contexto, verifica-se que a tecnologia é uma das

principais forças macroambientais, por impulsionar os

bancos a melhorar seus serviços e por aprimorar sua

imagem projetada para o mercado.

As estratégias de inovação bancária, portanto,

possibilitam a lucratividade, diferenciação, competi ti-

vidade, o aumento da qualidade dos produtos e serviços

e a redução de custos.

2 O mercado bancário no Brasil:

as transformações recentes

De acordo com a Febraban (2008), o setor ban-

cário do Brasil é composto por 156 bancos privados

nacionais com e sem participação estrangeira, privados

estrangeiros e com controle estrangeiro, além de

públicos federais e estaduais.

A tabela 1 apresenta o número de bancos no Brasil

por origem do capital.

TABELA 01 - BANCOS POR ORIGEM DE CAPITAL NO BRASIL - 2000-2007

PERÍODO 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Privados nacionais com e sem partici-pação estrangeira

105 95 87 88 88 84 85 87

Privados estrangei-ros e com controle estrangeiro

70 72 65 62 62 63 61 56

Públicos federais e estaduais

17 15 15 15 14 14 13 13

TOTAL DE BANCOS 192 182 167 165 164 161 159 156

FONTE: Febraban (2008)

Analisando o cenário de 2000 a 2007, verifica-se

que a principal alteração na estrutura bancária brasilei-

ra foi a redução de 18,7% no número total de bancos,

Revista da FAE

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.73-87, jul./dez. 2009 | 79

o que evidencia um período de concentração no setor

bancário. O pequeno crescimento na participação dos

bancos estrangeiros e a redução dos bancos públicos,

federais e estaduais demonstram os efeitos das privati-

zações ocorridas no período, mas não houve mudanças

estruturais significativas no período analisado.

A mudança estrutural ocorreu na rede de atendi-

mento do país, bem como na utilização de tais canais

de atendimento. A tabela 2 apresenta a evolução da

estrutura da rede de atendimento de 2000 a 2007.

TABELA 02 - REDE ATENDIMENTO NO BRASIL - 2000-2007

PERÍODO 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Número de agências

16.396 16.841 17.049 16.829 17.260 17.515 18.067 18.308

Postos tradicionais¹

9.495 10.241 10.140 10.045 9.837 9.527 10.220 10.427

Postos eletrônicos

14.453 16.748 22.428 24.367 25.595 27.405 32.776 34.790

Correspon-dentes ²

13.731 18.653 32.511 36.474 46.035 69.546 73.031 84.332³

TOTAL GERAL 54.075 62.483 82.128 87.715 98.727 123.993 134.094 147.857

FONTE: Febraban (2008)

NOTAS: (1) Inclui Postos de Atendimento Bancário (PAB), Postos de Arrecadação e Pagamentos (PAP), Postos Avançados de Atendimento (PAA), Postos de Atendimento Cooperativo (PAC), Postos de Atendimento ao Microcrédito, Postos Avançados de Crédito Rural (PACRE), Postos de Compra de Ouro (PCO) e Unidades Administrativas Desmembradas (UAD).

Observa-se que no período de 2000 a 2007 o

crescimento do número de postos eletrônicos foi de

140,7%. Porém o canal com maior crescimento é o de

correspondentes bancários, o qual apresenta um cres-

cimento no período de 514,2% passando de 25,4% dos

canais de atendimento em 2000 para 57% no ano de

2007. Esse crescimento demonstra uma transferência

das vendas e serviços bancários para estabelecimentos

comerciais variados em um processo de terceirização

para auxiliar na prestação de serviços dos bancos

(FEBRABAN, 2008).

Embora o número de agências tenha crescido 11,7%

no período, sua representatividade entre os canais de

atendimento caiu de 17,6% em 2000 para 7,1% em

2007, ilustrando a mudança física que vem ocorrendo

no atendimento tradicional.

Embora tenha havido uma expansão em todos os

canais, percebe-se que os que mais cresceram foram

os postos eletrônicos e correspondentes. Dessa forma,

houve uma alteração na participação dos canais no

total da rede no período, conforme se pode melhor

visualizar no gráfico 1.

GRÁFICO 01 - REDE DE ATENDIMENTO NO BRASIL - 2000 E 2007

2000

25% 30%

57%

12%

7%

24%

27%

2007

Número de agências

Postos tradicionais

Postos eletrônicos

Correspondentes

FONTE: Adaptado de Febraban (2008).

NOTAS: Postos tradicionais incluem Postos de Atendimento Bancário (PAB), Postos de Arrecadação e Pagamentos (PAP), Postos Avançados de Atendimento (PAA), Postos de Atendimento Cooperativo (PAC), Postos de Atendimento ao Microcrédito, Postos Avançados de Crédito Rural (PACRE), Postos de Compra de Ouro (PCO) e Unidades Administrativas Desmembradas (UAD);

Além da alteração da estrutura de atendimento

por meio da transferência dos serviços para outros esta-

belecimentos, houve também aumento da automatiza-

ção, ou seja, do atendimento eletrônico.

As ferramentas tecnológicas disponíveis para o

desenvolvimento do atendimento automatizado estão

presentes principalmente nos caixas-automáticos, inter-

net banking e correspondentes não bancários.

Uma das tendências do mercado é a utilização da

tecnologia dos celulares para realização de consultas e

movimentações financeiras. Um exemplo desta nova for-

ma de prestação de serviços seria o atendimento que o

Banco do Brasil oferece aos seus clientes via celular. Con-

forme informações do próprio Banco do Brasil (2008),

atualmente a instituição disponibiliza aos seus clientes

diretamente pelo celular a opção de consultas de saldo e

80 |

extrato, pagamento de títulos bancários e contas, trans-

ferências entre contas, DOC (Documento de Ordem de

Crédito), TED (Transação Eletrônica de Documento), apli-

cações e resgate em investimentos, recargas de celulares

pré-pagos, empréstimos pessoais e ainda conta com a

opção de envio de mensagens de texto informando so-

bre movimentações realizadas na conta corrente e no

cartão de crédito.

A ferramenta mais utilizada e já consolidada é o

caixa-automático. Para Kotler2 (1998 apud PIRES; COSTA

FILHO, 2001), os caixas-automáticos oferecem aos con-

su midores as vantagens da utilização por 24 horas, do

autosserviço e da ausência da manipulação por tercei-

ros. Considerados uma máquina de venda altamente

es pe cializada, os caixas-automáticos propiciam aos

usuários uma série de vantagens, sendo uma delas de

fundamental importância: a conveniência de tempo,

lugar e acesso.

A Internet banking é a tecnologia que mais cresce,

por oferecer serviços de consulta de extratos e saldos e

a possibilidade de realização de transações como: paga-

mentos de contas, transferência de saldos, empréstimos,

investimentos e outras operações, dependendo de cada

instituição financeira. É um canal de atendimento que

apresenta um crescimento expressivo em sua utilização,

devido principalmente à comodidade e possibilidade

de acesso 24 horas por dia. Além disso, de acordo com

Scheurer (2001), o home banking significa economia de

tempo para o cliente e redução de custos para a institui-

ção, uma vez que a transação eletrônica tem um custo de

três a seis vezes menor do que a efetuada nas agências.

Outro canal em ascensão é o correspondente não

bancário, ou seja, convênios que permitem disponibi-

lizar serviços bancários em empresas como correios,

lotéricas, farmácias, supermercados, postos de gasolina

e outros estabelecimentos comerciais. A rede de atendi-

mento não atende somente correntistas, mas também

a usuários não clientes. De acordo com Ferry (2008),

2 KOTLER, P. Administração de marketing: análise, plane-ja mento, implementação e controle. 5.ed. São Paulo: Atlas, 1998.

a existência de correspondentes bancários auxilia na

diminuição de filas no ambiente interno das agências e

oferece comodidade aos usuários, que poderão realizar

suas transações sem a necessidade de deslocar até uma

agência bancária.

A utilização dos canais eletrônicos é apresentada

no gráfico 2, que compara as transações bancárias por

origem em 2000 e 2007:

GRÁFICO 02 - TRANSAÇÕES POR ORIGEM NO BRASIL EM 2000 E 2007

FONTE: Adaptado de Febraban (2008).

NOTAS: (1) Débitos automáticos, crédito de salários, proventos de aposentadoria, DOC’s, TED’s, cobranças;

(2) Tarifas, taxas, IOF, CPMF etc;

(3) Saques, depósitos, transferências, pagamento de contas e boletos bancários, resgates, investimentos, consultas de saldo, extrato, bloqueio e desbloqueio de cheque etc;

(4) Transferências, pagamentos, investimentos, financiamentos, consultas em geral, solicitações, remessas de arquivos, instruções de cobrança, transferências, pagamentos, investimentos, empréstimos, agendamentos de transações, desbloqueios, senhas etc;

(5) Pagamentos no comércio em lojas, supermercados, postos de gasolina etc;

(6) Estabelecimentos comerciais, correios, casas lotéricas etc.

O gráfico 2 permite comparar a evolução da utiliza-

ção dos canais de atendimento pelos clientes. O principal

canal utilizado para realização de transações é o autoaten-

dimento, que manteve sua participação no período devi-

do ao aumento de 107% no número de transações.

Revista da FAE

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.73-87, jul./dez. 2009 | 81

Percebe-se que os canais tradicionais de transação

tiveram queda no período. A utilização dos caixas das

agências caiu de 20% em 2000 para 10% em 2007 no

total de transações realizadas, embora isoladamente o

número de transações tenha crescido 6,3%. No caso da

compensação de cheques houve uma queda de 41,9%

das transações realizadas e o canal que em 2000 repre-

sentava 13% das transações passou para 4% em 2007. A

utilização de Call Center não teve variação absoluta signi-

ficativa, mas a participação desse canal de atendimento

reduziu-se de 7% para 3% no período.

Por outro lado, os canais com maior crescimento

foram internet banking, POS e correspondentes não ban-

cários. A utilização de internet banking cresceu 851,6% no

período: em 2000 o canal representava 4% e passou para

17% em 2007. O canal POS, por sua vez, embora tenha

passado de 2% em 2000 para 4% em 2007 no total de

canais utilizados, obteve um crescimento de 441,4% em

termos absolutos. O crescimento do POS explica a redução

da utilização dos cheques, pois os clientes passaram a

utilizar mais os cartões de débito e crédito. A utilização

de correspondentes bancários, por sua vez, apresentou

aumento de 1.376% no período, embora represente

apenas 5% do total de transações realizadas. A evolução

deste canal de atendimento vem propor cionando maior

comodidade ao cidadão para paga mento de suas contas

em qualquer região do país e uma maior conveniência

para a realização de transa ções bancárias para o público

de menor renda ou que não possui conta em banco.

No entanto, demonstra o crescente direcionamento dos

serviços bancários para terceiros.

3 A preferência dos clientes

A evolução da utilização dos canais de atendi-

mento expressa o aumento do atendimento eletrônico

entre os clientes, em contraponto à redução da utili-

zação de atendimento pessoal. Ambas as formas de

atendimento apresentam vantagens e desvantagens e

sua escolha dependerá do perfil e necessidade de cada

cliente bancário.

De acordo com Guntzel (2003), há clientes que

preferem o atendimento pessoal por vários motivos,

entre eles pela confiança no funcionário que já virou

amigo, pelo contato frequente com os funcionários das

agências e devido à falta de confiança no equipamento

eletrônico. Porém há clientes que não querem se deslocar

até uma agência, mas desejam o atendimento humano

e resistem ao autoatendimento eletrônico. Isto explica

o sucesso e a sofisticação das centrais de atendimento,

que se transformaram quase em bancos virtuais.

O autoatendimento, por sua vez, está cada vez

mais presente no cotidiano de uma nova geração de

clientes: sua praticidade e rapidez têm conquistado

um número crescente de usuários. No entanto, o au-

toatendimento é caracterizado pela impessoalidade e a

redução do contato humano, o que traz resistências e

bloqueios a alguns clientes. A principal vantagem do

autoatendimento em relação ao atendimento pessoal

é seu custo, tanto para as instituições quanto para

os clientes, que reduzem o tempo de espera, além de

dispensar os deslocamentos constantes a uma agência.

Para Pires e Costa Filho (2001), a continuidade e

expansão da automação e informatização dos produtos

e serviços, dependerão, em muito, da forma como os

clientes assimilarão e incorporarão essas inovações no

seu dia-a-dia.

Para analisar as preferências dos clientes e a satis-

fação quanto aos canais de atendimento disponíveis, o

presente artigo realizou uma pesquisa de campo, cuja

metodologia e resultados são descritos a seguir.

4 Metodologia da pesquisa

A pesquisa realizada classifica-se como descritiva

de caráter exploratório, por meio de questionários

estruturados com perguntas de múltiplas escolhas.

Para realização da delimitação da pesquisa, optou-se

por cinco instituições financeiras: Itaú, Bradesco, Banco

do Brasil, Caixa Econômica Federal e HSBC, que detém

70% das 323 agências bancárias em Curitiba (BANCO

CENTRAL DO BRASIL, 2008).

82 |

Por seu escopo, o perfil do presente artigo poderia

abranger todos os canais de atendimento eletrônico

utilizados atualmente pelas instituições financeiras.

Contudo, considerando a dificuldade em atingir os

usuários de outros canais de atendimento, o campo de

pesquisa ficou restrito ao autoatendimento oferecido

pelos caixas-automáticos, onde a pesquisa foi realizada

diretamente com os usuários.

A delimitação da amostra foi realizada a partir do

seguinte critério: baseando-se no número de contas por

banco e quantidade de agências do Brasil, encontrou-

se uma média de clientes por agência. Multiplicando-

se este número pela quantidade de agências da cidade

de Curitiba, calculou-se uma média do total de clientes

por banco instalado na cidade, conforme a tabela 3. A

opção pela realização da média faz-se necessária devido

à falta de informações mais precisas.

Devido ao grande número de clientes e ao tempo

necessário para realização do trabalho, foi considerada

uma amostragem não-probabilística de 0,01% da

média de clientes das cinco instituições selecionadas.

Esse critério foi estabelecido pelas autoras a partir

da viabilidade de execução da pesquisa. A tabela 3

demonstra os dados e a amostra necessária para cada

instituição bancária.

TABELA 03 - DEFINIÇÃO DA AMOSTRA POR BANCO EM CURITIBA -

JULHO 2008

BANCO

MER

O

CO

NTA

S

NO

BRA

SIL

MER

O D

E

AG

ÊNC

IAS

N

O B

RASI

L

MER

O D

E A

GÊN

CIA

S EM

C

URI

TIBA

MÉD

IA D

E

CLI

ENTE

S EM

C

URI

TIBA

AM

OST

RA (0

,01%

)

Banco Itaú SA. 9.564.933 2.640 58 210.139 21

Banco Bradesco 18.008.797 3.200 55 309.526 31

Banco do Brasil 21.240.204 4.127 45 231.599 23

Caixa Econ. Federal 4.872.893 2.061 37 87.480 9

HSBC Bank Brasil 4.590.296 924 30 149.036 15

TOTAL 58.277.123 12.952 225 987.780 99

FONTE: Adaptado de Banco Central do Brasil (2008)

Portanto, o questionário foi aplicado em 21 clien-

tes do banco Itaú, 31 clientes do Banco Bradesco, 23

respondentes do Banco do Brasil, 9 da Caixa Econômica

Federal e 15 do HSBC Bank Brasil.

O questionário aplicado foi dividido em cinco

blocos de perguntas. O primeiro contém questões

sobre o autoatendimento, as quais buscam identificar

o grau de utilização dos caixas-automáticos pelos

clientes e os motivos, caso existam, da não utilização

do canal para realização de todas as operações ban-

cárias. O segundo bloco tem por objetivo identificar a

frequência de utilização do atendimento pessoal por

semana. O terceiro bloco possui questões que visam

descobrir a preferência dos clientes em relação ao tipo

de atendimento, os produtos que preferem realizar

em cada canal de atendimento e os motivos das suas

preferências. O quarto bloco tem por objetivo conhecer

a satisfação dos clientes em relação ao autoatendimento

e o que pode ser melhorado para utilização do serviço.

O quinto e último bloco contém questões sobre o perfil

dos usuários do autoatendimento bancário, como

sexo, idade, renda média familiar e escolaridade dos

entrevistados.

Os questionários foram entregues aleatoriamente

aos clientes dos bancos selecionados e respondidos por

escrito pelo entrevistado na presença do entrevistador.

A pesquisa foi realizada durante os meses de julho e

agosto de 2008. Após coletados, os dados foram

tabulados por meio das ferramentas do Microsoft Office

Excel 2003.

5 Apresentação e interpretação dos

resultados

Dos 99 clientes entrevistados 65% são do sexo

femi nino e 35% do sexo masculino. A maioria dos entre-

vistados possui idade entre 20 e 30 anos (60%), seguido

da faixa etária entre 31 e 40 anos (33%). A renda

Revista da FAE

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.73-87, jul./dez. 2009 | 83

familiar3 predominante é de R$727 a R$2.012,67 (65%

dos entrevistados) e 35% dos entrevistados possuem

renda entre R$3.480 e R$6.563. Nenhum dos entrevis-

tados possuía renda inferior a R$727. Em relação à es-

colaridade, 69% dos entrevistados possuem graduação,

23% ensino médio e 5% são pós-graduados.

No tocante à frequência de utilização dos termi-

nais de autoatendimento e do atendimento pessoal, foi

possível obter-se os seguintes resultados:

GRÁFICO 03 - FREQUÊNCIA DE UTILIZAÇÃO DO AUTOATENDIMENTO E DO ATENDIMENTO PESSOAL

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%0% 4%

40%

85%

30% 27%

9%2% 2% 0%

Não utiliza Esporadicamente

Autoatendimento

1 vez 2 a 4 vezes 5 a 7 vezes

Atendimento pessoal

FONTE: As autoras (2008)

Percebe-se pelo gráfico 3 que a maior frequência

de utilização é do caixa automático, pois enquanto que

85% dos entrevistados utilizam o atendimento pessoal

esporadicamente, apenas 40% utilizam esporadica-

mente o autoatendimento. Em todas as opções de uti-

lização é maior o percentual de pessoas que utilizam o

autoatendimento em relação ao atendimento pessoal e

pode-se observar que 4% afirmaram que não utilizam o

atendimento pessoal. Os usuários que mais utilizam o

3 A classificação da renda foi realizada de acordo com o novo critério de classificação econômica do Brasil realizado pela ABEP (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa, 2007), por ser mais conveniente do ponto de vista de segmentação. De acordo com esse critério a renda familiar média pode ser classificada em: Classe A1: acima de 9.733,47; Classe A2: Acima de 6.563.73; Classe B1: 3.479,36; Classe B2: 2.012,67; Classe C1: 1.194,53; Classe C2: 726,26; Classe D: 484,97; Classe E: 276,70. (ABEP, 2008). Na pesquisa a renda familiar foi distribuída em 5 classes: a primeira agrega as classes E e D, a segunda considera as classes C, a terceira somente as classes B e a quinta somente as classes A.

autoatendimento são os entrevistados com faixa etária

entre 20 e 30 anos.

Concernente ao uso do autoatendimento, 40%

dos entrevistados afirmou que realizam todas as suas

transações pelo autoatendimento. Por instituição, a

Caixa Econômica apresentou menor índice de utiliza-

ção, o que pode ser explicado pela existência de serviços

sociais (FGTS, PIS e Habitação Popular) que são realiza-

dos apenas no atendimento pessoal.

Perguntados sobre os motivos que levam os clientes

a não utilizarem somente o autoatendimento, a maior

parte (43%) afirmou falta de funcionalidade, enquanto

que 26% utilizam a Internet. Apenas 9% afirmaram que

não sabem operar o caixa e 8% disseram não usar os

caixas automáticos por desconforto, conforme se pode

observar no gráfico 4.

GRÁFICO 04 - MOTIVOS PARA NÃO REALIZAR TODAS AS TRANSAÇÕES

NO AUTOATENDIMENTO

43%

26%

9% 8% 8%3% 2% 2%

Falt

a de

func

iona

lidad

e

Uti

liza

a In

tern

et

Não

sab

e op

erar

o c

aixa

Falt

a de

se

gura

nça

Des

conf

orto

Lim

ites

bai

xos

para

tra

nsaç

ões

Gos

ta d

o at

endi

-m

ento

pes

soal

Uti

liza

Cal

l Cen

ter

FONTE: As autoras (2008)

Conforme se pode verificar no gráfico 4, apenas

2% não utilizam os caixas automáticos por preferir o

atendimento pessoal. Os clientes que alegaram falta de

funcionalidade provavelmente realizam suas transações

no atendimento pessoal ou em canais com mais opções,

como a Internet, tendo em vista que são principalmente

os usuários com a faixa etária mais jovem e com maior

poder aquisitivo.

A preferência dos clientes pesquisados em relação

ao tipo de atendimento, os produtos que prefere realizar

em cada canal de atendimento e os motivos das suas

preferências também foram abordados com o objetivo

de conhecer a aceitação do autoatendimento pelos

84 |

clientes bancários. Nesse aspecto, 44% dos clientes

afirmaram preferir o autoatendimento, enquanto que

apenas 13% disseram que o atendimento pessoal é o

preferido. Os demais (42%) disseram ser indiferentes ao

tipo de atendimento prestado.

O gráfico 5 compara os serviços que os clientes

pesquisados preferem realizar no autoatendimento e

no atendimento pessoal.

GRÁFICO 05 - SERVIÇOS PREFERIDOS NO AUTOATENDIMENTO E NO ATENDIMENTO PESSOAL

Saqu

es

Extr

atos

Dep

ósit

os

Paga

men

to

de c

onta

s

Tran

sfer

ênci

as

e sa

ldos

Empr

ésti

mos

Inve

stim

ento

s

Out

ros

Nen

hum

Com

pra

de

prod

utos

29%

24%

1% 2% 1%1% 1%

7%

21%24% 23%

2% 1%0,3% 0%

8%

20%15%

13%10%

Autoatendimento Atendimento pessoal

FONTE: As autoras (2008)

Os percentuais apresentados se referem aos ser vi-

ços preferidos em cada um dos canais: autoatendimento

e atendimento pessoal. Percebe-se no gráfico 5 que a

preferência dos clientes pelo autoatendimento é nos

serviços mais simples como saques (29%), extratos

(24%), depósitos (20%), pagamento de contas (15%) e

transferência e saldos (10%). No atendimento pessoal,

os serviços preferidos são investimentos (24%), compra

de produtos (23%) e empréstimos (21%). Analisando-

se os dados, é possível presumir que o atendimento

pessoal é preferido para serviços mais complexos e que

requerem a assessoria dos funcionários do banco para

se efetuar a transação.

Em relação à preferência entre os canais, os princi-

pais motivos para a preferência pelo autoatendimento

foram a rapidez (38%), a conveniência (24%), a dispo-

nibilidade de horários (19%) e a tecnologia (14%).

Para o atendimento pessoal os principais motivos

da preferência por esse tipo de atendimento foram a

segurança (47%), a qualidade no atendimento (17%),

a possibilidade de realização de um número maior de

serviços (16%) e o conforto (15%). Apenas 3% dos en-

trevistados afirmaram que preferem o atendimento

pessoal por não saber utilizar o caixa automático. Os

resultados dessa questão estão em consonância com

as respostas para não realizar todas as transações no

caixa-automático.

Também foi perguntada a satisfação dos entre-

vistados em relação ao autoatendimento bancário: 81%

dos entrevistados consideram o atendimento auto-

má tico ótimo ou bom e 19% avaliaram como regular.

Nenhum dos respondentes que preferem o atendimento

automático avaliou o serviço como ruim.

Por fim, perguntou-se aos entrevistados o que se

deve melhorar no autoatendimento, cujos dados são

apresentados no gráfico 6.

GRÁFICO 06 - OPINIÃO SOBRE O QUE DEVE MELHORAR NO

AUTOATENDIMENTO

32%

20%18%

Mai

or q

uant

i-da

de d

e ca

ixas

au

tom

átic

os

Dis

poni

bilid

ade

de o

utra

s op

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ões

Pres

ença

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func

ioná

rios

Mai

or

segu

ranç

a

Man

uten

ção

cont

ínua

dos

eq

uipa

men

tos

18%

12%

FONTE: As autoras (2008)

Analisando o gráfico 6, constata-se que a maior

parte dos entrevistados (32%) considera fundamental a

manutenção contínua nos caixas-automáticos, enquanto

que 20% desejam maior segurança no local e 18%

gos tariam de ter a presença de funcionários. Embora

não seja o item mais importante a ser melhorado no

autoatendimento, o anseio de mais serviços disponíveis

no autoatendimento (18%) demonstra que os clientes

estão preparados para utilizar mais o autoatendimento,

caso esse canal ofereça mais operações, tendo em vista

que o perfil de usuários que marcaram essa questão é de

faixa etária mais jovem e com maior poder aquisitivo.

Revista da FAE

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.73-87, jul./dez. 2009 | 85

Conclusões

Os resultados da pesquisa na cidade de Curitiba

revelaram que a maior parte dos entrevistados prefere

o atendimento automatizado oferecido pelos caixas-

automáticos, em detrimento do atendimento tradicional

e consideram o serviço como bom ou ótimo. Os serviços

preferidos no autoatendimento são os mais simples

como extratos, depósitos e saques.

Dentre as dificuldades que os clientes pesquisados

possuem em relação à utilização do autoatendimento

e que os levam a preferir o atendimento pessoal,

destacam-se a segurança no ambiente de autoatendi-

mento, a qualidade a desejar dos equipamentos e a falta

de funcionalidade ou falta de operações.

Segundo a pesquisa, a maior parte dos clientes

prefere realizar no atendimento pessoal serviços como:

empréstimos, investimentos e compra de produtos. As

dificuldades citadas acima são os maiores causadores

desta preferência, além de que são serviços que geral-

mente precisam de assessoria de funcionários.

Nas sugestões para melhoria do autoatendimen-

to bancário a principal solicitação está relacionada

à manutenção contínua dos equipamentos, além da

dispo nibilidade de um número maior de operações.

Percebe-se que os clientes bancários pesquisados

preferem o autoatendimento pela conveniência e

rapidez, características obtidas da automação no aten-

dimento bancário. Ou seja, a automação traz vantagens

para os clientes, contribuindo positivamente em sua

satisfação. Porém, o que pode impactar negativamente

na satisfação dos clientes são a falta de segurança, além

da baixa qualidade e funcionalidade apresentadas nos

caixas-automáticos.

Considerando-se que 18% dos entrevistados dese-

jam mais operações disponíveis em caixas automáticos,

pode-se deduzir que o uso do autoatendimento aumen-

taria entre os usuários se os bancos oferecessem mais

funcionalidades e operações.

A pesquisa não é conclusiva, sobretudo porque o

perfil dos entrevistados (escolaridade, idade e renda)

aponta para usuários acostumados com tecnologias,

especialmente caixa automático. No entanto, dado

o crescente aumento do acesso das classes de menor

renda e escolaridade a computador e Internet, é

possível estender tais resultados para outros perfis de

usuários. Outra questão a ser observada é o grau de

maturidade da tecnologia do autoatendimento: desde

que surgiram, os caixas automáticos passaram por

me lhorias contínuas, resultando em mais opções de

operações e segurança no processamento dos dados.

Além disso, a geração que recebeu os primeiros caixas

automáticos e tinha mais barreiras a sua utilização não

está representada na amostra pesquisada, devido à

ausência de respondentes. Sendo assim, o atual estágio

de utilização dos caixas automáticos compreende uma

geração de usuários acostumados ao paradigma das

tecnologias da informação e comunicação, ou seja,

as barreiras da mudança de paradigma já teriam sido

superadas.

Diante disso, percebe-se que o setor bancário foi

eficiente em criar e estimular a demanda de seus cli-

entes as suas inovações e que a difusão da inova ção

foi ampla e bem sucedida. Tendo em vista os resul ta-

dos, refuta-se a hipótese inicial de que os clientes pre-

ferem o atendimento pessoal ao automático e que a

automação resultaria em insatisfação para os clientes

bancários.

•Recebido em: 04/06/2009 •Aprovado em: 21/07/2009

86 |

Referências

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Revista da FAE

Resumo

O setor serviços destaca-se cada vez mais na economia mundial. Seu grande desafio é oferecer serviços de qualidade aos clientes, que se tornam mais exigentes e críticos em relação aos serviços recebidos. Este artigo tem por objetivo avaliar a qualidade dos serviços prestados em uma empresa localizada na região central do Rio Grande do Sul (RS), bem como identificar quais as variáveis das dimensões da qualidade que superam as expectativas dos clientes. Para a coleta dos dados foi elaborado um questionário adaptado do modelo SERVQUAL, para mensurar o serviço percebido, no qual os clientes avaliaram a qualidade dos serviços nas suas diversas dimensões de qualidade, através de uma escala pré-estabelecida. Para análise dos dados, utilizou-se a ferramenta Análise Fatorial e Modelo Gap (falhas). Os dados foram tratados através do software Statística 7.0 e Excel. Os resultados mostraram que, no geral, a empresa apresenta resultados satisfatórios na percepção dos clientes, porém apresentando algumas oportunidades de melhoria.

Palavras-chave: serviços; análise fatorial; gap; qualidade.

Abstract

The services sector stands out more and more in global economy. Its biggest challenge is to offer service of quality to customers, who have become more demanding and critical in relation to the delivered service. This study has the aim of evaluating the quality of the service provided in a company located in the central region of Rio Grande do Sul (RS), as well as identifying which are the variables of the quality dimensions that overcome customer expectations. For data collection was gathered by a questionnaire adapted from SERVQUAL model for measuring the perceived service, in which customers evaluated the quality of the service in its several quality dimensions, throughout a pre established scale. The Factorial Analysis tool and the Gap Model (failures) were used to analysis the data and the Statitica 7.0 and the Excel softwares were used for processing it. The results showed that, in general, the company presents satisfactory results in the customer perception; however, it presents some opportunities for improvement.

Keywords: services; factorial analysis; gap; quality.

Análise da qualidade percebida em uma organização de serviço

Analysis of perceived quality in a service organization

Nara Medianeira Stefano*Leoni Pentiado Godoy**

* Mestre em Engenharia de Produção (UFSM). Pesquisadora do grupo de Sistemas de Gestão Empresarial da Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: [email protected]

** Doutora em Engenharia de Produção (UFSM). Professora do Programa de Pós-Graduação de Engenharia de Produção da Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: [email protected]

90 |

Introdução

O crescimento econômico está desencadeando

uma busca na melhoria de gestão do setor de serviços.

A preocupação voltada unicamente para o aumento

da produtividade já não atende aos novos requisitos

do panorama competitivo. Paralelamente, as empresas

procuram racionalizar o investimento em atividades de

controle e melhoria da qualidade, de modo a garantir

uma relação custo/benefício favorável, uma vez que a

análise dos fatores que contribuem para a manutenção e

conquista do mercado se torna imprescindível. Os serviços

apresentam grande participação na economia brasileira,

os dados do Anuário Estatístico, publicado pelo Ministério

do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – MDIC

(2007) mostram que a participação do setor serviços tem

ultrapassado 50% nos últimos quinze anos.

Na prestação de serviços encontram-se oportuni-

dades para a obtenção de vantagens competitivas.

Estas operações são divididas em duas partes: a que

tem contato com o cliente e outra que não tem, esta

vantagem competitiva pode estar relacionada à qualidade

do serviço prestado e ao seu processo de fornecimento

(RASILA; GERSBERG, 2007). Ter competitividade significa

ser capaz de minimizar as ameaças de novas empresas,

vencer a rivalidade imposta por concorrentes, ganhar e

manter fatias de mercado, reduzir o poder de barganha

de fornecedores e consumidores.

Os desejos e exigências dos clientes sofrem cons-

tantes modificações. Por essa razão os serviços devem

ser constantemente avaliados (SCHMENNER, 2004).

Assim, considera-se a qualidade dos serviços um fator

fundamental para a manutenção e aumento da compe-

titividade. Este artigo tem como objetivo avaliar a

qualidade dos serviços prestados, através da análise

fato rial, em uma empresa localizada na região central do

RS, bem como identificar quais variáveis das dimensões

da qualidade superam as expectativas na ótica dos

clientes externos.

Justificativa-se a importância e a relevância deste

estudo, no âmbito empresarial, pelo fato de que as

empresas de serviços possam monitorar a qualidade no

atendimento, e conhecer as necessidades e expectativas

dos seus clientes, fazendo com que, as mesmas sobre-

vivam e prosperem no mercado.

1 Qualidade em serviços

Em serviços, a avaliação da qualidade surge ao longo

do processo de prestação. Cada contato com o cliente

é referido como sendo um momento da verdade, uma

oportunidade de satisfazer ou não o cliente. A satisfação

do cliente com a qualidade do serviço pode ser mensurada

pela comparação da percepção do serviço prestado com

as expectativas do serviço desejado (PARASURAMAN,

2004; PARASURAMAN; BERRY; ZEITHAML, 1985, 1988).

As definições de qualidade em serviço, normalmente,

focam o encontro das necessidades e requisitos dos

clientes e, também, como o serviço prestado alcança as

expectativas dos clientes.

Zeithaml e Bitner (2003) atribuem a qualidade de

serviços, a discrepância que existe entre as expectativas

(importância) e as percepções (qualidade percebida)

do cliente com relação a um serviço experimentado.

Desta forma, a percepção da satisfação dos clientes

com a qualidade dos serviços recebidos é diretamente

proporcional com a possibilidade da falha de suas

expectativas. Logo, quando o prestador de serviços

compreender como estes serão avaliados pelos clientes

será, então, possível saber como gerenciar essas

avaliações e como influenciá-las na direção desejada.

Nesse sentido, o resultado pode alcançar três

situa ções: o serviço prestado excede a expectativa

do cliente, sendo que, este percebe uma qualidade

excepcional; e, quando o serviço prestado fica aquém

das expectativas, a qualidade do serviço é inaceitável;

e, se as expectativas são plenamente correspondidas

pela prestação de serviço, a qualidade é considerada

satisfatória. Entender as expectativas do consumidor

é o ponto central (VINAGRE; NEVES, 2008) para o

entendimento da satisfação. O cliente satisfeito retor-

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.89-98, jul./dez. 2009 | 91

Revista da FAE

na e divulga a empresa aos amigos e familiares. O

cliente insatisfeito divulga o fato a tantas pessoas que

encontrar, pois ele deseja expor a situação desagradável

que vivenciou. Assim, a propagação desta experiência

negativa alcança maior número de pessoas, gerando

resultados negativos para a empresa.

A qualidade dos serviços prestados proporciona

um fator positivo (TSAI; LU, 2005) na continuidade

do consumo, principalmente, quando se estreitam as

relações de intangibilidade entre qualidade e serviços.

A garantia e a confiança originadas pelas experiências

anteriores são itens fundamentais para determinar a

qualidade percebida pelos clientes. Ainda, conforme os

autores, a excelente qualidade dos serviços pode criar

uma vantagem competitiva, importante para a empresa

em sua relação com os clientes. A vantagem competitiva

(PORTER, 1999) surge fundamentalmente do valor que

uma empresa consegue criar para seus compradores e

que ultrapassa o custo de fabricação.

Na atualidade, os consumidores de serviço bus-

cam menores preços, serviços personalizados e com

qualidade. Futuramente, essas exigências tenderão a

serem maiores e mais específicas, devido às exigências

do mundo globalizado, onde a concorrência torna-se

cada vez mais acirrada e ao mesmo tempo real e virtual,

exigindo a criação de serviços que fidelizem os clientes

(STEFANO et al., 2007).

Portanto, a mensuração da qualidade em serviços

está diretamente relacionada ao grau de satisfação do

cliente. Assim, os conceitos de satisfação e qualidade

percebida são distintos. A qualidade percebida é uma

avaliação global do serviço relacionada à superioridade

do serviço, enquanto, a satisfação está relacionada a

uma transação especifica, isto é, a qualidade num

determinado momento ou etapa do serviço.

2 Análise fatorial

A análise fatorial tenta identificar um conjunto

menor de variáveis hipotéticas (fatores), com o objetivo

de reduzir a dimensão dos dados e possibilitar seu

agrupamento em fatores, de acordo com seu compor-

tamento, sem perda de informação (HAIR et al., 2005).

A análise fatorial parte da estrutura de dependência

existente entre as variáveis de inte resse (em geral repre-

sentada pelas correlações ou covariâncias entre elas),

permitindo a criação de um conjunto menor (variáveis

latentes, ou fatores) obtidas como função das originais.

É possível, também, saber o quanto cada fator está

associado a cada variável e o quanto o conjunto de fatores

explica da variabilidade geral dos dados originais.

Aplica-se este tipo de análise (LASH; JANKER, 2005),

frequentemente, quando estamos interessados no com-

por tamento de uma variável ou grupos de variáveis em

co-variação com outras. A análise fatorial é uma técnica

de análise multivariada que tem como objetivo examinar

a interdependência entre variáveis e a sua principal

característica é a capacidade de redução de dados.

A extração dos fatores pode ser realizada por

meio do modelo de Análise de Componentes Prin ci-

pais (ACP). É um método estatístico multivariado que

permite transformar um conjunto de variáveis iniciais

correlacionadas entre si, num outro conjunto de variá-

veis não-correlacionadas (ortogonais), as chamadas

com ponentes principais, que resultam de combinações

lineares do conjunto inicial (HAIR et al., 2005). Realiza da

a solução fatorial devem ser examinadas todas as

variáveis destacadas em cada fator e nomear um

“rótulo” que melhor o represente. Variáveis com maior

carga fatorial são consideradas de maior importância e

devem influenciar mais sobre o “rótulo” do fator.

3 Metodologia

O presente artigo é de natureza descritiva e tem

como base a pesquisa quantitativa. A coleta de dados

foi realizada através da aplicação de questionário.

Foi adaptada da Escala SERVQUAL e então passou a

basear-se nas seguintes dimensões da qualidade: tangi-

bilidade, fiabilidade, receptividade, garantia e empatia,

conforme o quadro 1.

92 |

QUADRO 01 - DIMENSÕES DA QUALIDADE UTILIZADAS NA PESQUISA

DIMENSÕES DESCRIÇÃO

TangibilidadeAparência das instalações físicas, equipamentos, pessoas e materiais de comunicação

FiabilidadeHabilidade de realizar o serviço prometido de forma confiável e segura

ReceptividadeDisposição para ajudar o usuário e fornecer um servi-ço com rapidez de resposta e presteza

GarantiaConhecimento e cortesia do funcionário e sua habili-dade em transmitir segurança

EmpatiaFornecimento de atenção individualizada aos clientes, facilidade de contato e comunicação

FONTE: Adaptado de Parasuraman, Berry e Zeithaml (1985)

No questionário foram utilizadas vinte (20) ques-

tões aplicadas aos clientes externos, como pode ser

visualizado no quadro 2.

QUADRO 02 - ITENS QUE COMPUSERAM O QUESTIONÁRIO DA PESQUISA

ABREVIATURAAVALIAçãO DA EMPRESA EM RELAçãO A:

DIMENSÃO TANGIBILIDADE

INSCONF A empresa possui instalações confortáveis e atraentes

EQPMODER Possui equipamentos modernos

BOAAPRES Os funcionários apresentam boa apresentação

MATPROMOs materiais promocionais (cartazes, folders etc.) são agradáveis e de fácil visualização

DIMENSÃO FIABILIDADE

CUMPRAZQuando a empresa promete fazer algo num determinando prazo cumpre as suas promessas

PROBLRESOLQuando você tem um problema os funcionários mostram sincero interesse em resolvê-lo

AULTEORAs aulas teóricas e práticas são ministradas e preparadas cuidadosamente

PROCECORRA empresa realiza corretamente os procedimentos desde a primeira vez

DIMENSãO RECEPTIVIDADE

RESPRAP Você é prontamente atendido

BOMATENDOs funcionários demonstram boa vontade em atender os clientes

DISPONOs funcionários estão sempre disponíveis para prestar informações

SOLUCIMEDOs funcionários buscam soluções imediatas para os proble-mas dos clientes

DIMENSãO GARANTIA

COMPCONFO comportamento dos funcionários da empresa gera confiança nos clientes

SEGUR Como cliente, sinto-me seguro ao chegar à empresa

EDUCCORT Os funcionários são educados e corteses com os clientes

COMPEm sua opinião os funcionários têm competência para responder as suas dúvidas

DIMENSãO EMPATIA

ATENDPERS Você recebe um atendimento personalizado

ATENÇNESSA empresa tem funcionários que proporcionam atenção adequada às suas necessidades

HORFUNCEm sua opinião, a empresa possui um horário de funciona-mento conveniente

SERQUALIPara você, a empresa está atenta para oferecer o melhor serviço para o cliente

FONTE: Adaptado de Parasuraman, Berry e Zeithaml (1988)

As questões utilizadas para a análise fatorial foram

estruturadas com base no modelo de escala de Likert,

onde havia cinco opções, as quais variavam de 1 a 5,

sendo 1 o ponto de menor e 5 o de maior importância.

Primeiramente, os clientes responderam a respeito

do Serviço Ideal: (1) sem importância; (2) pouco

importante; (3) indiferente; (4) muito importante;

(5) extremamente importante; e, posteriormente, o

Serviço Percebido: (1) ruim; (2) regular; (3) indiferente;

(4) muito bom; (5) excelente.

Foi definido o tamanho da amostra (equação 1) a

ser utilizada na pesquisa. A fórmula é mostrada a seguir

(LOPES, 2008), com distribuição normal: Z2 α/2 = 1,96;

p = 0,9; q = 0,1; e N= 4950 ao nível de significância de

5%, a amostra mínima é de 35 entrevistados, de acordo

como a tabela 1. Portanto, foram aplicados cem (100)

questionários aos clientes.

n = Z2 α/2 • p • q • N

e2 (N – 1) + Z2 α/2 • p • q (1)

Onde: Z: valor tabelado (distribuição normal padrão)

p: percentual estimado

q= (1-p): Complemento de p

e: erro amostral

N: população amostral

α: nível de significância

TABELA 01 - AMOSTRA MÍNIMA (N) EM FUNÇÃO DO ERRO (E)

e n e n e n

1%

3%

6%

2037

358

95

2%

4%

7%

737

208

71

2,5%

5%

10%

499

136

35

FONTE: Lopes (2008)

Na análise dos resultados, foi utilizada a técnica de

análise fatorial (MALHOTRA, 2001), para tanto, deve ser

utilizada a aplicação da rotação nos fatores, para facilitar

o entendimento dos mesmos. Na presente pesquisa

utilizou-se a Rotação Varimax (HAIR et al., 2005), com

o intuito de maximar o peso de cada variável dentro

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.89-98, jul./dez. 2009 | 93

Revista da FAE

de cada fator e como critério de extração foi definido

autovalor maior que 1.

A mensuração da adequação da aplicação da aná-

lise fatorial para um determinado conjunto de dados

foi realizada através de dois testes: Kaiser-Meyer-Olkin

(KMO) e de Esfericidade de Bartlett. O KMO apresenta

valores normalizados (entre 0 e 1,0) e mostra qual é

a proporção da variância que as variáveis (questões

do instrumento utilizado) apresentam em comum

ou a proporção que são devidas a fatores comuns;

em outras palavras, significa se a análise fatorial é

apropriada ou não.

O teste de Esfericidade de Bartlett é baseado na

distribuição estatística de chi-quadrado e testa a hipótese

(nula H0), onde a matriz de correlação é uma matriz

identidade (cuja diagonal é 1,0, as demais são iguais

a zero), ou seja, não há correlação entre as variáveis

(PEREIRA, 2001). Valores de significância maiores de

0,100 indicam que os dados não são adequados para

o tratamento de análise fatorial e a hipótese dever ser

aceita. Porém, valores menores que o indicado permitem

rejeitar a hipótese nula.

Quanto ao teste de Esfericidade de Bartlett, este

visa identificar se a correlação entre as variáveis é

significativa, a ponto de apenas alguns fatores poderem

representar grande parte da variabilidade dos dados.

Caso esse nível de significância seja próximo de zero,

então, a aplicação da análise fatorial é adequada.

4 Análise dos Resultados

4.1 Análise das variáveis demográficas

A maioria dos clientes participantes da pesquisa,

ou seja, 64%, são do sexo masculino, e 36% feminino.

Dos 100 clientes entrevistados, 57% possuem o ensino

médio (2° grau), 24% o ensino fundamental (1° grau) e

19% superior (3° grau).

TABELA 02 - GRAU DE ESCOLARIDADE: CLIENTES E GERENTES

GRAU DE ESCOLARIDADE

CLIENTESFrequência Percentagem

24

57

19

24%

57%

19%Total 100 100%

FONTE: Os autores (2008)

4.2 Análise fatorial para o serviço percebido

Fez-se necessário testar a consistência interna entre

as vinte variáveis. Este procedimento foi feito por meio

do Alpha de Cronbach, o qual apresentou um valor geral

igual a 0,9367. Um valor de pelo menos 0,70 (variam

entre 0 a 1) reflete uma fidedignidade aceitável (HAIR

et al., 2005), embora este valor não seja um padrão

absoluto. Os autores esclarecem, ainda, que valores

Alpha de Cronbach inferiores a 0,70 são aceitos se a

pesquisa for de natureza exploratória. Enquanto para

Malhotra (2001), o valor de corte a ser considerado é

0,60, isto é, abaixo desse valor o autor considera que a

fidedignidade é insatisfatória.

Na tabela 3, agruparam-se as variáveis pesquisadas

em grupos, denominados fatores, os quais descrevem

a percepção dos clientes externos acerca de itens rela-

cionados aos serviços prestados pela empresa. A partir

da geração da fatorial, quatro fatores foram obtidos

com autovalor superior a 1 (critério da raiz latente).

Os quatro fatores equivalem a uma explicação de

65,67% (variância acumulada), aproximadamente, da

variabilidade total dos dados. Na análise por meio do

teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), foi encontrado um

valor de 0,863, indicando adequação dos dados para

análise, pois de acordo com Hair et al. (2005), valores

mais próximos de 1 indicam adequação da mostra

para análise.

No teste de esfericidade de Bartlett, obteve-se com

a aproximação chi-quadrado um valor de 1103,06, com

190 graus de liberdade e nível de significância 0,01,

assim rejeitando-se a hipótese nula de que a matriz

de correlação é uma matriz identidade. A tabela 3,

94 |

também, mostra o valor da comunalidade para cada

variável. Comunalidade é a quantia total de variância

que uma variável original compartilha com todas as

outras análises (HAIR et al., 2005). As comunalidades

variam entre 0 e 1, sendo 0 quando os fatores comuns

não explicam nenhuma variância da variável e 1 quando

explicam toda a sua variância.

TABELA 03 - CARGAS FATORIAIS, AUTOVALORES E VARIÂNCIA ACUMU -

LADA APÓS A ROTAÇÃO VARIMAX NORMALIZADA

Abreviatura Fator 1 Fator 2 Fator 3 Fator 4 Comunalidade

INSCONF 0,7531 0,0900 0,3185 0,1157 0,65747

EQPMODER 0,7871 0,1244 0,1580 -0,1313 0,66174

BOAAPRES 0,8643 0,1119 0,0994 0,0657 0,63509

MATPROM 0,7309 0,1750 0,2180 0,1950 0,58717

CUMPRAZ 0,5433 0,1317 0,5166 0,1508 0,69619

PROBLRESOL 0,3741 -0,0118 0,5678 0,3698 0,66774

AULTEOR 0,5680 -0,0012 0,5525 0,3034 0,73545

PROCECORR 0,5322 0,0350 0,3182 0,5466 0,74526

RESPRAP 0,0540 0,2201 0,7616 0,0201 0,71883

BOMATEND 0,3767 0,3017 0,6024 -0,2945 0,69168

DISPON 0,2628 0,1669 0,7780 0,0644 0,73547

SOLUCIMED 0,3850 0,0950 0,6367 0,2910 0,80892

COMPCONF 0,0384 0,6653 0,2112 0,5056 0,77456

SEGUR 0,0352 0,5860 0,2482 0,4136 0,62176

EDUCCORT 0,1598 0,5842 0,0874 0,4782 0,67821

COMP 0,0847 0,6040 -0,0071 0,5875 0,85890

ATENDPERS 0,1436 0,7058 0,1722 0,0259 0,57482

ATENÇNESS 0,2169 0,7884 -0,0284 -0,0729 0,68929

HORFUNC 0,1224 0,7209 0,0595 0,0527 0,67065

SERQUALI -0,0643 0,7798 0,2243 0,0022 0,79603

Autovalores (eigenvalues) 7,6780 3,0450 1,2640 1,1470

(%) de variância 38,390% 15,227% 6,321% 5,734%

Autovalores acumulados 7,6780 10,723% 12,988% 13,135%

Variância Acumulada 38,390% 53,617% 59,939% 65,673%

FONTE: Os autores (2008)

Levando em conta o critério da significância esta-

tística, onde a significância da carga fatorial de pen de

do tamanho da amostra em estudo, admitiu-se um valor

mínimo de 0,5652 para cargas fatoriais significativas,

em uma amostra de 100 elementos.

As figuras 1 e 2 mostram os planos fatoriais entre

os fatores. A representação gráfica das dimensões

laten tes (LOPES; ZANELLA, 2007) possibilita uma melhor

com preensão do comportamento das variáveis e a

avaliação da relevância de cada variável na formação de cada fator. Somente o fator 1, como mostra a figura 1, contribui com 38,39% da variabilidade total dos dados, sendo assim, o de maior importância na análise, e encontra-se representado no eixo das abscissas. O fator 1 mostra com maior representatividade a variá vel BOAAPRES com carga fatorial de 0,8643. Essa variá vel questiona a respeito da boa apresentação dos funcionários. Destacam-se, ainda, as variáveis EQPMODER (se a em presa possui equipamentos modernos) com carga fatorial igual a 0,7871, INSCONF (esta variável questionou se a empresa possui instalações confortáveis e atraentes) com carga fatorial 0,7531 e MATPROM (relacionada aos materiais promocionais da empresa) com carga fatorial igual a 0,7309. Portanto, o fator 1 foi rotulado (HAIR et al., 2005) como “muito bom” na percepção dos clientes. Sendo que estas variáveis que compõem o fator referem-se à dimensão tangibilidade.

FIGURA 01 - REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DO FATOR 1 VERSUS FATOR 2

FONTE: Os autores (2008)

Quanto ao fator 2, este explica 15,22% da varia-bilidade total dos dados, apresentando com maior destaque a variável ATENÇNESS (a empresa tem fun-cionários que proporcionam atenção adequada às suas necessidades), com carga fatorial igual a 0,7884. Neste fator é importante destacar que todas as variáveis com cargas significativas fazem parte das dimensões garantia e empatia. Para Gianesi e Corrêa (2006), contribui para boa avaliação nesta dimensão a atenção personalizada dispensada ao cliente, principalmente quando o cliente percebe que os funcionários do for necedor do serviço o reconhecem. A cortesia dos

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Revista da FAE

funcionários também é um elemento importante para

criar uma boa percepção.

Gianese e Corrêa (2006), fazendo menção à dimen-

são da garantia, salientam que o cliente percebe certo

grau de risco ao comprar um serviço por não poder

avaliá-lo antes da compra. Esta percepção de risco varia

com a complexidade das necessidades do cliente e com

o conhecimento que este tem do processo de prestação

de serviço. Este critério se refere, à formação de uma

baixa percepção de risco no cliente e à habilidade de

transmitir confiança. Reduzir a percepção do risco do

cliente é condição fundamental para que ele se disponha

a comprar o serviço. Este critério será mais importante

quanto maior for o risco percebido pelo cliente e quanto

maior for o valor do serviço em jogo na prestação do

serviço, ou seja, se é a vida do cliente que está em jogo,

ele dará mais credibilidade à segurança

No plano fatorial mostrado na figura 2, observa-se

a representação do fator 3 versus o fator 4. No fator 3

encontra-se no eixo das abscissas e representa 6,32%

da variabilidade total dos dados. Onde a variável de

maior significância é DISP (os funcionários estão sempre

disponíveis para prestar informações) com carga fatorial

igual 0,7780, seguida pela variável RESPRAP (carga

fatorial 0,76 16) que questiona a respeito da prontidão

no atendimento. Ambas as variáveis da dimensão recep-

tividade. A variável PROBLRESOL, relacionada ao sincero

interesse do funcionário em resolver algum problema

que surge, apresentou significância de 0,5678.

FIGURA 02 - REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DO FATOR 2 VERSUS FATOR 3

FONTE: Os autores (2008)

Quanto ao fator 4, que representa 5,73% da va-

ria bilidade total dos dados, está representado no

eixo das coordenadas. Observa-se que apenas uma

variável COMP apresenta significância e possui carga

fatorial de 0,5875. Esta variável questiona a respeito da

competência dos funcionários para responder as dúvidas

dos clientes. As demais variáveis estão próximas à ori-

gem das coordenadas, desta forma não influenciando

significamente na explicação do fator 4. A variável COMP

está relacionada à dimensão garantia da qualidade.

4.3 O modelo gap (falhas) para a análise do

serviço ideal

A próxima etapa deste estudo constituiu-se na

avaliação do nível de qualidade ideal dos serviços no

ponto de vista dos usuários. Foi utilizado o modelo gap

(falhas) para confrontar o Serviço Ideal e o Percebido. O

modelo de análise de gaps da qualidade desenvolvido

por Parasuraman, Zeithaml e Berry (1985) é um dos

trabalhos mais consistentes produzidos para o setor de

serviços e é destinado à análise das fontes dos problemas

da qualidade para auxiliar as empresas prestadoras

de serviço a compreender como a qualidade pode ser

melhorada. Um gap positivo significa que os usuários

estão muito satisfeitos com os serviços entregues.

O modelo dos gaps (Falhas) possibilita identificar as

“falhas” entre o Serviço Ideal e o Percebido pelos usuários:

gap 1 = discrepância entre expectativas dos usuários

e percepções dos gerentes sobre essas expec tativas;

gap 2 = discrepância entre percepção dos gerentes das

expectativas dos usuários e especificação de qualidade

nos serviços; gap 3 = discrepância entre especificação de

qualidade nos serviços e serviços realmente oferecidos;

gap 4 = discrepância entre serviços oferecidos e aquilo

que é comunicado ao usuário; gap 5 = discrepância

entre o que o usuário espera receber e a percepção que

ele tem dos serviços oferecidos. Os primeiros quatro gaps

contribuem para o quinto, que é exatamente onde reside

o problema: expectativa do usuário versus percepção dos

serviços oferecidos. Assim, a quinta lacuna foi estabelecida

como uma função das quatro lacunas anteriores, isto é,

96 |

gap 5 = f (gap 1, gap 2, gap 3, gap 4); o gap 5 ocorre

quando as expectativas não são superadas, quanto maior

esse valor mais insatisfeito estará o consumidor com

relação ao serviço prestado. Para este artigo será analisado

o gap 5. A tabela 4 mostra a análise descritiva dos gaps

(falhas), média, desvio-padrão, coeficiente de variação.

TABELA 04 - MÉDIAS, DESVIO PADRÃO, COEFICIENTES DE VARIAÇÃO E GAP DAS ESCALAS DE EXPECTATIVA E DE PERCEPÇÃO (CLIENTE EXTERNO)

QuestõesPercebido

(P)DP (P)

CV %* (P)

Ideal (I)

DP (I)

CV % (I)

GAP 5 (P-I)

INSCONF

EQPMODER

BOAAPRES

MATPROM

4,05

4,17

4,24

4,48

0,9031

0,7792

0,8776

0,7175

0,2230

0,1869

0,2070

0,16015

3,90

3,71

4,13

4,40

1,1591

1,1128

0,9504

0,9211

0,2972

0,3000

0,2301

0,2093

0,15

0,46

0,11

0,08

Tangibilidade 4,23 0,8193 0,1937 4,03 1,0358 0,2570 0,20

CUMPRAZ

PROBLRESOL

AULTEOR

PROCECORR

4,28

4,32

4,24

4,31

0,8175

0,8514

0,9224

0,8250

0,1910

0,1971

0,2175

0,1914

4,41

4,37

4,40

4,35

0,9857

0,9063

0,9320

0,9468

0,2235

0,2073

0,2118

0,2176

-0,13

-0,05

-0,16

-0,04

Fiabilidade 4,29 0,8541 0,1990 4,38 0,9427 0,2152 -0,09

RESPRAP

BOMATEND

DISPON

SOLUCIMED

4,27

4,21

4,21

4,21

0,7895

0,7006

0,8563

0,9022

0,1849

0,1664

0,2034

0,2143

4,36

4,54

4,47

4,42

0,8589

0,8810

0,7714

0,8549

0,1970

0,1940

0,1725

0,1934

-0,09

-0,33

-0,26

-0,21

Receptividade 4,22 0,8121 0,1924 4,45 0,8415 0,1891 -0,23

COMPCONF

SEGUR

EDUCCORT

COMP

4,37

4,36

4,52

4,40

0,8722

0,8229

0,6739

0,8288

0,1996

0,1987

0,1490

0,1883

4,39

4,41

4,41

4,51

0,9309

0,8420

0,8299

0,8348

0,2120

0,1909

0,1882

0,1851

-0,02

-0,05

0,11

-0,11

Garantia 4,41 0,8000 0,1814 4,43 0,8594 0,1940 -0,02

ATENDPERS

ATENÇNESS

HORFUNC

SERQUALI

4,23

4,15

4,25

4,38

0,7635

0,9143

0,8087

0,8138

0,1804

0,2203

0,1903

0,1858

4,24

4,32

4,32

4,45

0,8542

0,8632

0,8748

0,9303

0,2014

0,1998

0,2020

0,2090

-0,01

-0,17

-0,07

-0,7

Empatia 4,25 0,8251 0,1941 4,33 0,8806 0,2033 -0,08

FONTE: Os autores (2008)

Nota: E – Expectativa; P – Percepção; DP – Desvio Padrão; CV – Coeficiente de Variação.

O CV é a razão entre o desvio-padrão e a média e está apre-sentado como porcentagem (%). Se: Se CV: menor ou igual a 15% – Baixa dispersão (homogênea, estável). Entre 15 e 30% – Média dispersão. Maior que 30% – Alta dispersão – heterogênea.

Quanto aos coeficientes de variação encontrados

para os clientes, observar-se que, nas vinte questões,

tanto em termos do Serviço Ideal como para Percebido,

obteve-se um percentual inferior a 30%, o que representa

que as médias são representativas para o conjunto de

dados analisados, isto é, os valores são considerados

satisfatórios. Comparando as médias do serviço Ideal (I)

e as médias do Percebido (P), fica evidente que, 75%

das afirmações, as médias encontradas para o Ideal

são superiores as do Percebido. Indicando a existência

de espaço para melhorias nas operações realizadas

para o atendimento dos clientes na empresa. Pois, um

cliente satisfeito (BENNET; BARKENSJO, 2005) é capaz

de retornar ao local de compra em vários momentos e

de expor positivamente a imagem da empresa em sua

cadeia de relacionamentos.

Estes gaps observados podem ser indicativos de

insatisfação dos clientes referentes às diferentes dimen-

sões de avaliação do serviço prestado. Os maiores

gaps foram encontrados na dimensão receptividade

na variável, (os funcionários estão sempre disponíveis

para prestar informações – DISPON) e fiabilidade na

variável (as aulas teóricas e práticas são ministradas e

preparadas cuidadosamente – AULTEOR).

Na visão de Zeithaml e Bitner (2003), algumas razões

contribuem para a existência do gap 5, são elas: falta de

pesquisa sobre as percepções e expectativas dos clientes,

uso inadequado dos resultados da pesquisa, deficiência

na interação entre o gerenciamento e os clientes, comu-

nicação inadequada, falta de comprometimento com

a qualidade de serviço, padronização inadequada das

tarefas, carência de ferramentas e tecnologia apropriadas,

deficiência no trabalho em equipe, comu nicação inade-

quada entre os diversos prestadores de serviço.

No geral, o desempenho dos serviços percebidos

se apresentou próximo ao nível ideal, embora havendo

espaços para a implantação de melhorias. Porém, cabe

destacar que o mercado no setor serviços está cada

vez mais competitivo, e as dimensões da qualidade

representadas pelos cinco gaps podem ser estratégias

competitivas para a empresa.

5 Propostas de melhoria para a

organização

Através dessa investigação possibilitou-se iden-

tificar a existência de fatores que podem ser melhorados,

com relação aos serviços prestados pela organização, no

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.89-98, jul./dez. 2009 | 97

Revista da FAE

sentido de oferecer serviços de maior qualidade, estando

pronta para atender às demandas dos clientes.

5.1 Proposta 1: Tangibilidade

As sugestões são baseadas nos itens que foram con-

siderados essenciais pelos entrevistados, sugerindo-se:

rever as instalações físicas, tais como edifício, móveis,

equipamentos, veículos e outros, adequando ou substi-

tuindo por outro, moderno, confortável e funcional.

5.2 Proposta 2: Receptividade

Sugere-se: desenvolver aspectos organizacionais

para o cumprimento de prazos e compromisso com

o cliente e providenciar treinamento contínuo aos

instrutores para que possam estar sempre atualizados e

preparados para melhor compreender as necessidades

dos clientes.

5.3 Proposta 3: Garantia

Utilizar técnicas de treinamento e relacionamento

interpessoal, criar mecanismos de feedback direcionados

à solução dos problemas relatados pelos clientes e rever

a forma de comunicação entre os departamentos, pois,

em algumas situações, a baixa qualidade percebida dos

serviços prestados se dá pela comunicação inadequada

entre departamentos, e não propriamente por uma

falha no serviço.

5.4 Proposta 4: Empatia

Definir os objetivos para a qualidade de serviços

baseados em padrões orientados para os usuários,

implantar treinamento comportamental com todos os

envolvidos na prestação dos serviços: de forma que

adquiram habilidades e capacitação para transmitir

atenção e empatia aos clientes –, rever o horário de

funcionamento.

Considerações finais

O presente artigo buscou mostrar a importância

da qualidade em serviços, em uma empresa prestadora

de serviços, considerando as expectativas versus percep-

ções, por meio da análise e o Modelo Gap (falhas).

O Modelo Gap possibilitou mensurar a diferença

entre o Serviço Percebido e o Ideal. Os resultados

deixam claro que, em alguns pontos, as expectativas

não são excedidas, existindo necessidades de mudanças,

principalmente, no que tange à dimensão receptividade,

sendo um fator importante para o sucesso em ambientes

de serviços.

Como forma de analisar os dados, utilizou-se a

análise fatorial. As variáveis foram agrupadas em quatro

fatores, possibilitando, assim, identificar as variáveis

de maior importância na percepção dos clientes: fator

1 = instalações confortáveis e atraentes, equipamentos

modernos, boa apresentação dos funcionários, mate-

riais promocionais e aulas teóricas ministradas e pre-

paradas cuidadosamente; fator 2 = comportamento

dos funcionários gera confiança, sinto-me seguro ao

chegar à empresa, educação e cortesia dos funcionários,

competência dos funcionários em responder às dúvidas,

atendimento personalizado, atenção às necessidades

dos clientes, horário de funcionamento e, a empresa

está atenta para oferecer o melhor serviço para o cliente;

fator 3 = unicamente a variável os funcionários estão

sempre disponíveis (prontidão na resposta) para prestar

informações; fator 4 = somente a variável competência

dos funcionários em responder às dúvidas.

Os resultados deixam claro que, em alguns

pontos, as expectativas não são excedidas, existindo

necessidades de mudanças, principalmente, no que

tange ao atendimento da empresa, sendo um fator

importante para o sucesso em ambientes de ser viços.

Em vista disso, no setor de serviço, os clientes são peças-

chave para a vantagem compe titiva; a organização não

deverá medir esforços para possibilitar aos funcionários

treinamentos para supe rar as expectativas e necessi-

dades dos clientes. A partir dessas considerações, a

empresa poderá investir na manutenção dos aspectos

98 |

considerados positivos e reavaliação dos procedimentos

para com os de aspectos conflitantes.

Por fim, evidencia-se neste artigo que é importante

para as organizações, principalmente para as empresas

de serviços, monitorarem a qualidade no atendimento

das necessidades e expectativas dos seus clientes, fa-

zendo com que as mesmas possam sobreviver e pros-

perar no mercado.

•Recebido em: 15/09/2009 •Aprovado em: 05/10/2009

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Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.99-115, jul./dez. 2009 | 99

Revista da FAE

Resumo

O presente artigo se propõe a avaliar a relação de receitas financeiras e resultados não financeiros da ótica do consumidor, considerando o contexto brasileiro de telefonia celular. O estudo está apoiado nas teorias de relacionamento com o consumidor, com foco na qualidade do relacionamento, tendo em vista a dinamicidade e o crescimento do respectivo mercado. De acordo com os pressupostos teóricos, espera-se maior rentabilidade de clientes satisfeitos e que tenham perspectiva de longo prazo com o uso dos serviços da empresa. Para isto, avaliações não financeiras como satisfação, comprometimento, confiança e lealdade, foram relacionadas com o resultado financeiro de acordo com informações declaradas pelos respondentes sobre o investimento mensal com o serviço de telefonia celular. Foram pesquisados 493 casos em caráter não-probabilístico entre clientes de 4 operadoras de telefonia celular. Para a análise dos dados foi utilizada modelagem estrutural. O modelo de avaliação de qualidade do relacionamento foi corroborado, embora a relação esperada entre satisfação e lealdade com o retorno financeiro não tenha sido observada. Os resultados encontrados sugerem avaliações específicas do setor, onde o comportamento do usuário de telefonia celular não se mostra de forma linear. Os achados sugerem novas perspectivas de análise de qualidade do relacionamento para clientes de mercados em expansão que contam com vasta oferta entre concorrentes.

Palavras-chave: marketing; qualidade do relacionamento; resultado financeiro.

Abstract

The present study intends to evaluate the relationship between financial and non-financial results in the perspective of the consumers in the Brazilian industry of cellular phone. This study is based on the theories of consumer relationship, focused on quality relationship, considered in the dynamics and growth of that market. Regarding theoretical inferences a higher profitability of satisfied consumers who have long term perspective by the use of the company service is expected. According to information stated by the surveyed non-financial evaluations as satisfaction, commitment, trustiness and loyalty were directly to financial results as key factors to their monthly expenditure with cellular phone service. 493 cases were investigated applying non-probabilistic character among clients from four different cell phone companies. The structural equation was used for the data analyses. The model of the evaluation of the quality relationship was confirmed, although the expected relation between satisfaction and loyalty with financial result was not observed. The results founded suggest specific evaluations about the cell phone industry where the consumer’s behavior is not linear. The results suggest new perspectives to analyze the quality relationship for clients of growing markets that present a large competitor offer.

Keywords: marketing; quality relationship; financial result.

Eliane Cristine Francisco Maffezzolli*Paulo Henrique M. Prado**

Avaliação de resultado financeiro e não financeiro na perspectiva do consumidor: aplicação no varejo de serviço

Evaluation of financial and non-financial result in the perspective of the consumer: applied to service retail

* Doutoranda em Administração de Empresas com ênfase em Comportamento do Consumidor e Estratégias de Marketing (UFPR). Professora no Centro Europeu e na FAE Centro Universitário, onde também é Coordenadora dos cursos de Publicidade e Propaganda e Desenho Industrial. E-mail: [email protected]

** Doutor em Administração de Empresas (FGV-SP). Professor de Marketing da UFPR. E-mail: [email protected]

100 |

Introdução

A gestão da base de clientes e a relação desta com

os resultados financeiros da empresa é um ponto crítico

a ser estudado em empresas caracterizadas como varejo

de serviços. Afinal, tendo em vista que os consumidores

tendem a comportamentos diferenciados, por exemplo,

em razão dos serviços utilizados e da intensidade de

uso, também diferentes receitas são geradas deste

consumidor, além de distintas percepções como a ava-

liações sobre a satisfação e a lealdade do consumidor.

Comumente é aceito que um cliente satisfeito tende a ser

leal, e que tal situação acerca-se a um melhor rendimento

deste para a empresa. Como tais resultados podem ser

tratados de forma conjunta e gerar informações úteis

para a formulação estratégica de marketing?

Além desta necessidade prática, a relevância de

estudos e contribuições na área de produtividade de

marketing, e mais especificamente, em relações de

impacto de resultados não financeiros e financeiros é

ressaltada por autores como Guo e Jiraporn (2005),

Yeung e Ennew (2000), Calciu e Salermo (2002), Reinartz

e Kumar (2003) entre outros.

Para operacionalizar um estudo que ilustrasse tal

relação, optou-se por verificar na ótica do marketing

de rela cio namento, como a avaliação dos conceitos

de Qualidade do Relacionamento e de Lealdade (aqui

tratados como resultados não financeiros) estaria rela-

cionada com a receita gerada pelo cliente (LTR – Lifetime

Revenue), aqui tratado como resultado financeiro. A

literatura referente ao conceito de Lealdade indica uma

possibilidade de impacto positivo e significativo destas

variáveis (REICHHELD; SASSER 1990; FORNELL, 1992).

Desta forma, o presente artigo propôs uma adapta-

ção entre o modelo estrutural sugerido por Prado (2004)

sobre a Qualidade no Relacionamento, e agregou uma

variável de resultado financeiro representada pela receita

gerada pelo cliente. O contexto empírico utilizado foi o

de varejo de serviços de telefonia celular. Dois principais

motivos orientaram a escolha deste setor: (1) este

serviço é enquadrado sob a ótica de relacionamento,

considerando que o consumidor adquire uma linha e

tende a utilizá-la num período de médio e longo prazo,

e (2) devido às características do setor, o qual revela

números de crescimento otimistas (150,6 milhões de

linhas ativas em dezembro de 2008) apesar da ins-

tabilidade entre os consumidores devido às taxas de

troca entre prestadoras deste serviço.

O contexto observado nas operadoras de telefonia

celular traz algumas questões relevantes a serem

refletidas como: qual resposta esperar do cliente em

razão dos serviços oferecidos? E desta avaliação, qual

resultado pode ser esperado sobre o mesmo, ou seja,

quais indicadores podem ser orientadores para uma

gestão eficiente da base de clientes?

Por fim, os objetivos que nortearam este artigo

foram: (1) verificar a relação entre os componentes da

Qua lidade do Relacionamento (Satisfação, Confiança

e Comprometimento) sobre a Lealdade, (2) determinar

o modelo de cálculo para o resultado financeiro e (3)

examinar a influência dos componentes da Qualidade

do Relacionamento (Satisfação, Confiança e Compro-

metimento) e da Lealdade sobre o indicador de resultado

financeiro em um caso aplicado no varejo de serviços.

1 Justificativa

O mercado de telefonia celular tem apresentado

mudanças significativas nos últimos anos, seja pelo

desenvolvimento tecnológico, aumento da concorrência

ou pela mudança de comportamento de consumo. Em

face destas alterações de mercado, o desenvolvimento

de uma ferramenta gerencial que permita monitorar a

performance não-financeira e seu impacto no valor da

carteira de clientes se torna relevante.

Mais especificamente no Brasil, segundo estatís-

ticas da Teleco1 (2009), até dezembro, foram registrados

1 A Teleco é um serviço virtual de informação em teleco mu-nicações que disponibiliza um panorama mundial da área, seja por crescimento, perfil de concorrência no mercado, entre outros.

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Revista da FAE

150,6 milhões de linhas ativas. Este número demonstra

que no país houve uma variação de 24,5% superior

ao ano de 2007. Além disto, o crescimento continua.

De acordo com dados do primeiro trimestre de 2009, já

eram 153.7 milhões de linhas ativas.

Este cenário, de crescimento e expansão de merc ado,

justifica ações de monitoramento entre o relacionamento

do cliente com a empresa e ações de manutenção com os

mais rentáveis. Ainda segundo informações divulgadas

na Teleco, visto que a ARPU2 dos usuários de pré-pago

chega, em algumas operadoras, a ser 7 vezes menor

que os de pós-pago, passou-se a dar maior ênfase à

aquisição e fidelização de usuários com maior consumo,

promovendo planos de controle intermediários entre o

pós e pré-pago. Neste sentido, o artigo proposto prevê

uma sistematização deste controle.

Sendo assim, o modelo proposto tem por objetivo

auxiliar na formulação das estratégias competitivas da

empresa, visto sua característica de reconhecer pontos

fortes e os de maior fragilidade na avaliação do serviço

pelo consumidor, além de mostrar a relação entre as

variáveis que compõem a Qualidade do Relacionamento

e a Lealdade no impacto das avaliações de percepção

sob a rentabilidade do cliente. Em especial, esta ava-

liação sobre a Qualidade do Relacionamento se torna

relevante na medida em que se compreende que as

pesquisas de satisfação amplamente utilizadas por

empresas como as de telefonia celular podem estar

sendo subutilizadas, já que este construto não é o único

indicador que pode afetar o desenvolvimento de uma

relação de lealdade, e, por consequência, o crescimento

das próprias empresas, na ótica do consumidor.

2 Revisão da literatura

A lógica desenvolvida para apresentar o tema

proposto no estudo contempla a uma breve contextua-

lização do setor de varejo de serviços escolhido para

2 Receita média mensal por cliente (e por operadora).

o estudo empírico. Em seguida, é feita uma revisão

dos conceitos apresentados no modelo estrutural

desenvolvido na operacionalização do estudo, bem

como a dedução das hipóteses a serem testadas.

2.1 Varejo de serviços

O varejo de serviços é definido como uma atividade

de prestação de serviços, onde o consumidor não adquire

a posse dos bens comprados, mas seus benefícios

(PARENTE, 2000). Segundo o mesmo autor, esta é uma

das atividades que tem demonstrado crescimento cada

vez maior na economia e na vida dos consumidores.

Kotler (2000, p.448) conceitua o serviço em si como

“qualquer ato ou desempenho, essencialmente intangível, que uma parte pode oferecer a outra e que não resulta na propriedade de nada. A execução de um serviço pode estar ou não ligada a um produto concreto.”

Somadas a esta definição, o autor ressalta quatro

características, sendo elas, a intangibilidade, a insepa-

rabilidade, a varia bilidade e a perecibilidade.

Desta forma, o serviço ofertado pelas operadoras

de telefonia celular é caracterizado como um tipo

de varejo de serviço. Apesar do contato com alguma

lógica física para a aquisição de um aparelho e um

número, após esta compra o consumidor passa a ter

um relacionamento direto com a operadora. É neste

momento, por exemplo, que a conta do celular passa

a ser debitada direto na conta do cliente, e este passa

a contar com os serviços do site ou da central de

atendimento da operadora. Neste sentido, o estudo está

focado neste relacionamento do cliente diretamente

com a sua operadora de serviço.

2.2 Contexto do varejo de serviços de

telefonia celular no Brasil

Face às mudanças do mercado de telefonia celular

brevemente já apresentadas, somam-se outros índices

102 |

de crescimento como a taxa de penetração domiciliar

demonstra a inclusão que a telefonia celular está pro-

movendo sobre o uso deste tipo de serviço. São 24,5% a

mais de 2007 para 2008. Dos 150,6 milhões de celulares

(dez/2008), 81,47% são pré-pagos.

Entretanto, das operadoras ativas no Brasil3, o

market share das empresas foi, até o primeiro trimestre

de 2009, respectivamente: Telefônica/Vivo (29,7%),

Oi/BrT (20,7%), Claro/Embratel/Net (25,8%), Tim (23,5%),

outros (0,3%). Destas, Vivo, TIM e Claro respondem por

maior share desde 2008 e a Oi demonstra crescimento

acumulado desde 2007.

Apesar do crescimento e atratividade do setor,

tais resultados podem ser compreendidos ao observar

detalhadamente o ARPU, onde a média de todas as

empresas ativas demonstrou, até o 1º trimestre de 2009,

o valor mensal de R$ 24,80 (vinte quatro reais e oitenta

centavos). No 1º trimestre de 2009, a Vivo apresentou o

maior ARPU, sendo R$ 27 (vinte e sete reais). Já o nível

mais baixo (R$ 21,9) foi da Oi, neste mesmo período. Esta

situação pode ser compreendida por uma estabilização

da Vivo no mercado, recuperando a liderança perdida

em 2006, e da entrada da Oi em novos mercados. A

Teleco ainda abre estes valores por empresa, conforme

mostra a tabela 1:

TABELA 01 - ARPU POR EMPRESA*

EMPRESA 1T08 2T08 3T08 4T08 1T09

VIVO 29,5 28,8 29,4 29,1 27,0

CLARO 26,0 26,0 25,0 25,0 23,0

TIM 29,5 29,8 29,7 29,9 26,0

OI 21,7 22,0 21,4 22,7 21,9

BRT 29,8 29,2 28,8 28,6 24,0

ARPU BRASIL 27,5 27,3 27,1 27,2 24,8

FONTE: Adaptado de Teleco (2009)

* Não foram divulgados das outras empresas

É possível observar que a Vivo está em um processo

de recuperação saudável de mercado. No primeiro

3 A Teleco relaciona os grupos de operadoras, sendo elas: Telefônica/Vivo, Oi/BrT, Claro/Embratel/Net, Tim.

trimestre deste ano, foi umas das duas empresas que

registraram ARPU maior que a média do Brasil. A TIM,

embora tenha perdido espaço para Claro e Vivo nos

dois últimos anos, demonstra um resultado acima da

média do Brasil no começo deste ano. A Brasil Telecom,

embora tenha se beneficiado às mudanças nas regras

de interconexão promovida pela Anatel em 2005, o que

promoveu a volta da cobrança integral dos minutos de

uso da rede, demonstra uma redução da rentabilidade

da base de clientes nos dois últimos anos.

Com tais informações é possível perceber o potencial

de crescimento e a atratividade de investimento do

setor de telefonia celular. Este é apenas um dos serviços

prestados na área de telecomunicações e é tratado

como foco deste artigo.

2.3 Qualidade do relacionamento

A Qualidade do Relacionamento é sugerida por

Henning-Thurau e Klee (1997) como o nível de adequa-

ção de um relacionamento em atender às necessidades

do indivíduo/cliente, integrando para isto os construtos

de confiança, comprometimento e qualidade enquanto

mediadores da satisfação e retenção do consumidor.

Prado (2004), seguindo a lógica de relação antecedente-

consequente entre satisfação e qualidade percebida,

propôs uma adaptação na composição deste conceito,

ficando este formado por três variáveis: a satisfação, a

confiança e o comprometimento. Esta segunda com-

posição foi adotada neste estudo.

Sendo assim, o construto Qualidade do Relacio-

namento é tratado como uma variável de segunda

ordem e a mensuração deste ocorre de forma individual

em cada variável latente que contempla o mesmo. Por

este motivo, são definidos os conceitos utilizados no

presente construto, sendo eles: Satisfação, Confiança e

Comprometimento.

A satisfação do consumidor é um construto am-

plamente estudado em marketing, desde a década de

1960 (OLIVER, 1981). O conceito comumente trabalhado

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.99-115, jul./dez. 2009 | 103

Revista da FAE

entre autores da área trata da comparação (ou avaliação)

subjetiva dos níveis esperados e recebidos da experiência

com o produto ou serviço (OLIVER, 1981; SOLOMON,

2002; ENGEL; BLACKWELL; MINARD, 2000), o qual está

relacionado ao paradigma da desconformidade.

Este paradigma compreende que a resposta de sa-

tis fação ou insatisfação do indivíduo ocorre por meio de

comparação entre a expectativa e o desempenho. Caso a

primeira seja melhor avaliada, uma situação desfavorável

é desencadeada. Já se o segundo for predominante,

uma situação favorável será obtida. Ainda num terceiro

momento, se expectativa e performance estiverem equi-

librados, o resultado será nulo (OLIVER, 1981).

Estas considerações implicam na forma como a

satisfação é utilizada no contexto a ser analisado. Para

fins deste estudo, esta dimensão deve ser compreendida

segundo a ideia de acumulação ou processo, de maneira

semelhante à concepção utilizada por Anderson, Fornell

e Lehmann (1994, p.54), na qual os autores afirmam que

“a satisfação cumulativa do consumidor é uma ampla

avaliação baseada em toda a experiência de consumo,

durante o tempo de relacionamento”.

Sendo assim, ao conceito cumulativo atribuído

à satisfação na ótica de relacionamento, soma-se o

fato da composição previamente comentada sobre a

Qualidade do Relacionamento, e de forma similar ao

proposto no estudo de Prado (2004), são testadas as

relações deste construto com os outros dois, Confiança

e Comprometimento, da seguinte forma:

H1: Quanto maior a Satisfação, maior será a

confiança no fornecedor de Serviço.

H2: Quanto maior a Satisfação, maior será o

comprometimento com o fornecedor de Serviço.

Outro componente da Qualidade do Relacio na-

mento, a Confiança, é tratada com grande importância

no marketing de relacionamento, visto que em sua

essência está implícita a noção de confidência e confia-

bilidade entre parceiros numa relação (GARBARINO;

JOHNSON, 1999; GRÖNROOS, 1990). Complementando

esta concepção, Morgan e Hunt (1994) argumentam

que esta dimensão existe num relacionamento quando

uma parte acredita na integridade e responsabilidade do

respectivo parceiro de troca, e afirmam que a dinâmica

global em que o mercado está imerso traz algumas

premissas como: para ser um competidor eficaz, requer

que a empresa seja um cooperador confiável na rede de

relacionamento.

Esta variável é então vista como um ingrediente

fundamental para o sucesso no relacionamento

(GARBARINO; JOHNSON, 1999; DWYER; SCHURR; OH,

1987; MORGAN; HUNT, 1994), e conforme proposto

em outros estudos (SIDERSMUKH; SINGH; SABOL, 2002;

PRADO, 2004) é um antecedente da lealdade. Uma

das considerações feitas por esta relação é a redução

do risco percebido no relacionamento, seja o risco da

indústria ou do relacionamento em si, conforme já previa

o estudo de Morgan e Hunt (1994) ao comentar sobre

a redução de incerteza e comportamento oportunístico.

Neste contexto, é apresentada a hipótese 3, onde:

H3: Quanto maior a Confiança, maior será a

Lealdade.

O comprometimento tem sido conceituado na lite-

ratura como o desejo de continuar um relacionamento

e manter sua continuidade (WILSON, 1995), e tem sido

usado como um bom indicador de relações duradouras

(noção de longo prazo) entre cliente e empresa

(DWYER; SCHURR; OH, 1987). Esta variável é estudada

comumente em ambientes interorganizacionais e in-

traor ganizacionais (MAVONDO; RODRIGO, 2001).

Outra definição atribuída a este construto se

refere ao comprometimento como uma crença de

que a troca entre parceiros num relacionamento é tão

importante como garantir o máximo de esforço para

mantê-lo, ou seja, a parte comprometida acredita no

relacionamento com tempo de duração indefinida

(MORGAN; HUNT, 1994).

104 |

A relação entre confiança e comprometimento foi

delineada como relevante e positiva no estudo de Morgan

e Hunt (1994). Segundo os autores, acredita-se que a

confiança é o maior determinante do comprometimento

do relacionamento. Como o estudo em questão trata de

um contexto altamente competitivo (desenvolvimento

tecnológico, concorrentes próximos em nível de con-

corrência, entre outros), espera-se que esta relação

além de ser positiva seja indício de fortalecimento na

lealdade para com o relacionamento. Desta forma, são

apresentadas as hipóteses 4 e 5:

H4: Quanto maior a Confiança no fornecedor de

serviços, maior será o Comprometimento.

H5: Quanto maior o Comprometimento no forne-

cedor de serviços, maior será a Lealdade.

2.4 Lealdade

Apesar de primeiramente ter sido analisada numa

ótica mais operacional, onde seu conceito estava

associado a questão de re-compra de um determinado

produto ou serviço (YI; JEON, 2003), Oliver (1999,

p.35) atribui um significado mais profundo no que

tange o julgamento de melhor opção do consumidor

pela empresa: “[...] para um consumidor se tornar

leal, ele deve acreditar que uma empresa ou seu

serviço continua a oferecer a melhor alternativa a ser

consumida”. Neste trecho, o autor também já deixa

um indício da necessidade antecedente de confiança e

comprometimento com o relacionamento.

Ainda pode ser agregado ao conceito de lealdade

um sentimento de adesão e afeição de uma pessoa

por uma empresa, produto ou serviço (JONES; SASSER,

2005). Goodstein e Butz (1998) ressaltam ainda o

caráter comportamental desta variável, de forma dis-

tinta à qualidade e à satisfação, que são conceitos

atitudinais.

Outra definição e classificação desta variável pode

ser encontrada nos estudos de Oliver (1999), onde

são contempladas seis possibilidades de relação entre

a satisfação e a lealdade. Conforme proposto neste

estudo empírico, a satisfação é compreendida como um

elemento antecedente da lealdade, portanto, espera-se

uma relação positiva e significativa na hipótese 6:

H6: Quanto maior o índice de Satisfação, maior

será a Lealdade.

2.5 Resultado financeiro

A premissa utilizada inicialmente como resultado

financeiro partiu da perspectiva de atração e retenção

do consumidor trazida nos estudos de tempo de vida

rentável do consumidor. Sendo assim, um consumidor

lucrativo é um consumidor cuja receita gerada du-

rante o relacionamento comercial excede os custos

destinados à atração e manutenção deste (CALCIU;

SALERMO, 2002).

A tentativa de associar investimentos da empresa

(com ênfase nas práticas de marketing) e retornos

obtidos é tratada de várias maneiras entre os autores.

Berger e Nasr (1998) acreditam que o tempo de vida

rentável do cliente é uma forma de quantificar o

rela cionamento: “para saber se um relacionamento

é lucrativo ou não, a empresa deve ser capaz de

quantificá-lo” (BERGER; NASR, 1998, p.27). O foco dos

modelos desenvolvidos pelos autores é determinar a

margem de contribuição líquida.

Já o modelo proposto por Ryals (2005), pode ser

compreendido como a forma genérica de Receita menos

Custos, sendo estes tanto históricos quanto projetados.

O índice resultante é considerado o valor do cliente.

Desta forma, o estudo proposto buscou uma forma de

quantificar o tempo de relacionamento apoiado na receita

gerada pelo cliente, ou seja o LTR – Lifetime Revenue.

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.99-115, jul./dez. 2009 | 105

Revista da FAE

2.6 Qualidade do relacionamento, lealdade

e resultado financeiro

Segundo Bolton (1998), nos anos 1990 houve uma

intensificação tanto na academia quanto nas empresas

em buscar formas de monitorar o desempenho finan-

ceiro com o não-financeiro. Na revisão de literatura

de Yeung e Ennew (2000), a relação entre satisfação e

lucratividade é tida como “aceita” e são citados diversos

autores que comprovam esta relação: Reichheld e Sasser

(1990), Fornell (1992), Anderson e Sullivan (1993),

Taylor e Baker (1994) e Gurau e Ranchhod (2002).

Entretanto, os autores também concordam que são

necessários mais estudos que demonstrem a relação de

forma mais direta.

Desta forma, na sequência satisfação → lealdade

→ retenção está implícito que o argumento de maior

reflexo no impacto financeiro é a retenção, visto que

a relação entre Satisfação e Resultado finan ceiro seria

provada através da redução de custo da empresa

(em investir em novos clientes). Sendo assim, na

relação positiva esperada entre a lealdade e o retorno

financeiro pode ser observada a última hipótese em

estudo:

H7: Quanto maior o nível de Lealdade, maior será o

índice Resultado Financeiro do consumidor.

Segundo Guo e Jiraporn (2005), a lealdade

pode ser compreendida como mediadora entre a

satisfação e a lucratividade. Outras relações ainda

são esperadas entre os clientes satisfeitos, como

a redução da elasticidade de preço (ANDERSON,

1996). No entanto, Zeithaml, Berry e Parasuraman

(1996) argumentam que esta “não sensibilidade

a preço” pode estar presente apenas em alguns

contextos. Outro fator considerado como efeito

positivo da satisfação dos clientes é a percepção

favorável da empresa/produto na mídia, tornando

seus investimentos em propaganda mais efetivos.

Este fato também desencadeia o efeito “boca a

boca” em que o cliente satisfeito ou não, mostrará

sua opinião em seu círculo de relacionamento.

Todavia, a dificuldade de medida e relação destas

variáveis financeiras e não-financeiras é presente na

literatura: “[...] claramente, um ponto para debate é

a escolha de medidas de performance financeira dada

as diferentes interpretações e significados destas

medidas” (YEUNG; ENNEW, 2000, p.315).

2.7 Modelo proposto

Considerando os conceitos e as relações apre-

sentadas entre as variáveis utilizadas neste estudo,

é apresentado o modelo proposto na figura 1, o

qual procurou identificar o impacto da Qualidade do

Rela cionamento e da Lealdade sobre o indicador de

Resultado Financeiro.

FIGURA 01 - MODELO DE ESTUDO PROPOSTO

Satisfação Lealdade

Confiança

Comprometimento

Qualidade do Relacionamento

Resultado

Financeiro

H1

H6

H4 H3

H7

H5H2

FONTE: Os autores (1999)

Para operacionalizar a mensuração das variá veis

propostas no modelo, foram adaptadas do estudo

de Prado (2004) as escalas de Satisfação (4 itens),

Confiança (7 itens), Comprometimento (9 itens) e

Lealdade (6 itens). Para a mensuração do indicador

de resultado financeiro, foi sugerida uma adequação

ao modelo proposto por Ryals (2005), considerando

as informações disponíveis para a realização do

cálculo.

106 |

3 Metodologia

Este artigo se refere a um survey de caráter cross

sectional (MALHOTRA, 2001). A dimensão da pesquisa

é traçada como quantitativo-descritiva e o método

apli cado trata-se de um hipotético-dedutivo (GILL;

JOHNSON, 1997). O consumidor representa a unidade

de análise do estudo.

A população corresponde a todos os elementos

capazes de responder à investigação, por apresentarem

características semelhantes (MALHOTRA, 2001). Sendo

assim, homens e mulheres brasileiros, usuários de tele-

fonia celular pré e pós paga foram contemplados neste

estudo. A conhecer, no Brasil, são 97,3 milhões de

telefones ativos, dentre os oito grupos de operadoras

existentes. Destes, aproximadamente 81% são caracte-

rizados como pré-pagos. Como este estudo não teve a

pretensão de analisar uma operadora, banda, tecnologia

utilizada ou área geográfica isoladamente, qualquer

usuário, independente do possível perfil mencionado

acima poderia ser contemplado como integrante da

população do referido estudo.

Para a viabilização do estudo, o procedimento

amos tral utilizado foi caracterizado por não probabi-

lístico, tendo ainda sido utilizada a técnica amostral

por conveniência, conforme definido por Malhotra

(2001). Para definir a quantidade de observações a

serem realizadas no estudo, foi considerado o mínimo

necessário para o uso de equação estrutural (SEM),

ou seja, a técnica de análise a ser utilizada no estudo.

Numa situação de maior adequação, Hair et al. (2005)

menciona 10 observações por item. Este número seria,

no mínimo, 260.

A realização da pesquisa ocorreu em duas etapas:

a primeira buscou verificar a validade de conteúdo das

dimensões das variáveis propostas no modelo; a segunda

contemplou o teste do modelo e hipóteses de estudo.

A validação de conteúdo foi realizada por meio

do julgamento de 10 avaliadores, sendo 4 executivos

da área de telefonia celular, 3 pesquisadores e 3

usuários. Após as considerações de cada avaliador

foram realizados os ajustes necessários para a fase

seguinte.

O processo de análise de resultados foi submetido

a quatro principais etapas: (1) preparação da base, onde

foram verificadas a estatística descritiva univariada e

multivariada, como a conferência de médias, limites,

desvios padrão, curtose e assimetria, normalidade,

linea ridade e colinearidade; (2) verificação do modelo

de mensuração para a análise estrutural proposta, onde

foi verificado por meio de análise fatorial exploratória

a consistência interna de cada dimensão, definida pelo

Alfa de Cronbach, e a análise fatorial confirmatória para

estabelecer a validade convergente e discriminante de

cada construto do modelo; (3) determinação do cálculo

do indicador de resultado financeiro; e (4) verificação

do modelo estrutural proposto por meio de equações

estruturais.

Desta forma, os resultados são apresentados na

se guin te ordem: caracterização da amostra, breve

descrição da preparação dos dados e verificação do

modelo para a mensuração proposta, sendo, por fim,

apresentados com maior ênfase os resultados obtidos

com o modelo.

4 Resultados

4.1 Caracterização da amostra

Do total das 493 respostas válidas obtidas, 58%

(288) foram referentes a usuários de celular pré-pago e

42% (205) de usuários de celular pós-pago. A distribui-

ção de gênero entre os tipos de celular ocorreu de for-

ma predominante significativa de mulheres entre os

pré-pagos (T=48,808, p<0,001) e de homens entre os

pós-pago (T=44,012, p<0,001). A tabela 2 resume esta

etapa de caracterização:

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.99-115, jul./dez. 2009 | 107

Revista da FAE

TABELA 02 - CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA

TOTAL PRÉ PÓS

Casos válidos 493 (100%) 288 (58%) 205 (42%)

GêneroHomens 47% 42% 54%

Mulheres 53% 58% 46%

Critério Brasil

A e B 73% 73% 89%

C e D 27% 27% 11%

Operadora

Brasil Telecom 11% (54) 65% 35%

Claro 16% (78) 66% 33%

Tim 51% (253) 55% 45%

Vivo 22% (108) 56% 44%

Tempo de Relacionamento

49,2 meses (dp=34,944)

41,8 meses (dp=27,598)

59,6 meses (dp=41,091)

Valor de Recarga (mensal)

R$ 76,50 R$ 25,00

(dp= 11,150)R$ 128,00

(dp= 91,348)

FONTE: Os autores (2009)

Entre o total de respondentes, 53% foram mulheres

e 47% homens. A caracterização de poder de compra,

segundo o critério Brasil, indicou 38% B2, 27% B1,

26%C, 7% A2 e 1% D e 1% A1. Em relação à proporção

de operadoras existentes na base, 51% dos casos foram

Tim, 22% Vivo, 16% Claro e 11% Brasil Telecom. Entre

as operadoras houve maior concentração de pós-pagos

na Tim e de pré-pagos na Claro. Esta informação

ocorreu de forma proporcional à presença total de cada

operadora na base.

Apesar de o desvio padrão demonstrar uma

grande variabilidade (e heterogeneidade) encontrada

na amostra pesquisada, o tempo de duração médio de

relacionamento com cada operadora foi de 49,2 meses

(dp=34,944). Sendo 41,8 (dp=27,598) entre pré-pagos

e 59,6 (dp=41,091) pós-pagos. Esta informação foi

perguntada diretamente ao cliente. Da mesma forma,

foi perguntado sobre o valor e tempo de recarga com o

objetivo de obter um valor médio de consumo. Sendo

assim, entre usuários de pré-pagos, na média o valor

mensal de contribuição foi de R$ 25,00 (dp=11,150).

Já entre os usuários de pós-pago foi de R$ 128,00

(dp=91,348).

Sobre o histórico de uso, 56% dos 493 avaliadores

já tiveram mais de uma operadora. Sendo assim, os

dados foram obtidos considerando o relacionamento

com a última, ou seja, a atual. A intenção de troca

mencionada revelou que 69% do total já pensaram em

trocar de operadora. Destes 308 respondentes, 55%

trocaria possivelmente em menos de 6 meses e 37%

possivelmente em 1 ano.

4.2 Preparação dos dados e verificação do

modelo

Não foram observadas diferenças significativas na

inspeção descritiva das avaliações dos construtos do

modelo entre usuários de pós e pré-pagos. Tal resultado

contribuiu para a verificação do modelo com o total da

base, visto que o objetivo inicial não foi o de examinar

separadamente características como tipo do celular ou

operadora.

O resultado da análise fatorial confirmatória afir-

mou o caráter unidimensional da Satisfação (Alfa de

0,912) e da Lealdade (Alfa de 0,896). Já Confiança e

Comprometimento rejeitaram o caráter multidimensio-

nal proposto e carregaram apenas uma única dimensão

com respectivos Alfas de 0,896 e 0,912. Os valores de

confiabilidade desta mensuração estão na tabela 3.

TABELA 03 - INDICADORES DE CONFIABILIDADE E VALIDADE CONVER GENTE

RESULTANTES DA ANÁLISE FATORIAL CONFIRMATÓRIA

Indicadores / Construtos

SatisfaçãoCompro-

metimentoConfiança Lealdade

Alfa de Cronbach 0,912 0,896 0,912 0,896

Confiabilidade Composta

0,932 0,841 0,891 0,909

Variância Média Extraída

0,775 0,629 0,672 0,770

FONTE: Os autores (2009)

Posterior a esta análise, dos 26 indicadores propos-

tos inicialmente, 14 foram mantidos com o melhor valor

de ajustamento do modelo. Foram também observados

os valores de confiabilidade composta (CONF), os

quais deveriam estar acima de 0,7 e de variância média

extraída (AVE), os quais deveriam estar acima de 0,5 (HAIR

et al., 2005), como indicadores de validade convergente.

108 |

Os resultados obtidos foram considerados plausíveis

para a análise efetuada. A validade discriminante foi

observada por meio da correlação das variáveis duas a

duas, sendo então observada a diferença entre o qui-

quadrado livre e o fixo (1). Os valores aceitáveis deveriam

ser inferiores a 3,5. Os resultados demonstraram que

não houve sobreposição de construtos. O mesmo

procedimento foi observado em Moura (2005). Os

índices de ajustamento do modelo estrutural, consi-

derando ainda apenas as variáveis latentes, foi aceitável

e satisfatório segundo Hair et al. (2005): X2 = 444,760,

GL = 84, p<0,001, X2/GL = 5,295, NFI = 0,928, CFI =

0,941 e RMSEA = 0,09.

4.3 Determinação do indicador de resultado

financeiro

Para a determinação do indicador de resultado

finan ceiro, frente às limitações encontradas em campo

(a impossibilidade de acesso aos históricos do cliente

diretamente na operadora), foi considerada apenas a

receita declarada pelo usuário nas condições apresen-

tadas na sequência.

A determinação do valor de receita correspondeu

à soma do valor médio mensal histórico com a soma

do valor médio projetado (com base nas informações

de intenção de continuidade). Para o cálculo foram

utilizadas as fórmulas financeiras de valor futuro e valor

presente, respectivamente. A taxa de desconto utilizada

foi a taxa de juros Selic (valor de dezembro de 2008

= 1,12%) em ambos os casos (histórico e projeção).

É reconhecida a limitação que tais simplificações trazem

ao indicador proposto, no entanto, de acordo com

Gupta (2006), as operações com alto teor de comple-

xidade, muitas vezes, inviabilizam o uso na prática.

Para determinar o tempo projetado de continui-

dade foi investigada a intenção declarada dos consumi-

dores em escala intervalar com 4 opções de resposta,

da seguinte forma: (1) possivelmente menos de

6 meses, (2) possivelmente 1 ano, (3) possivelmente

2 anos, (4) possivelmente mais de 2 anos. Os valores

em meses considerados para fins do cálculo foram

respectivamente: 6, 12, 24 e 36. Desta forma, o tempo

foi tratado apenas como expectativa de permanência.

Com tais informações, o cálculo abaixo foi utili-

zado para gerar o indicador de resultado financeiro

utilizado neste estudo:

Resultado Financeiro

RH

(1+d)

RF

(1+d)

Onde,

RH = Receita histórica gerada

RF = Receita futura gerada

(1+d) = Taxa de desconto

tf = tempo histórico

ti = tempo futuro projetado

4.4 Teste do modelo e hipóteses

O modelo estrutural foi testado com o uso de

4 variáveis latentes e uma diretamente observável,

conforme já apresentado. O resultado das hipóteses

testadas pode ser observado na tabela 4:

TABELA 04 - COEFICIENTES PADRONIZADOS (PATHS) ESTIMADOS PARA

AS RELAÇÕES TEÓRICAS PROPOSTAS NO MODELO

Relação Estrutural

Coeficiente Padronizado

Status da verificação da hipótese

Total Pré-Pago Pós-Pago Hipótese

Satisfação → Confiança 0,694* 0,669* 0,724* H1 Confirmada

Satisfação → Compro-metimento

0,334* 0,244* 0,518* H2 Confirmada

Confiança → Lealdade -0,020 -0,170 0,084 H3Não-Confir-mada

Confiança → Compro-metimento

0,676* 0,761* 0,507* H4 Confirmada

Comprometimento → Lealdade

0,986* 0,990* 0,995* H5 Confirmada

Satisfação → Lealdade -0,086 -0,075 -0,188 H6Não-Confir-mada

Lealdade → Resultado Financeiro

-0,008 0,027 -0,078 H7Não-Confir-mada

FONTE: Pesquisa de campo

* Resultados significativos a 0,001

O resultado do modelo apresentado trata da

avaliação dos 493 casos observados. Embora não corres-

pondesse diretamente ao objetivo do estudo, foram

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.99-115, jul./dez. 2009 | 109

Revista da FAE

Observando o peso das relações antecedentes do

Comprometimento, construto com maior R², percebe-

se que a Confiança (ß = 0,676; p<0,001) exerce maior

influência que a Satisfação (ß = 0,334; p<0,001). Este

resultado demonstra que para fortalecer o compro-

metimento dos usuários a Confiança é um antecedente

a ser considerado.

b) Relação entre Satisfação e Lealdade

A hipótese 6, a qual relacionava a Satisfação com

a Lealdade, diferente de muitos estudos que relacionam

tais variáveis, também não foi confirmada (ß=-0,086,

p=não significativo). Apesar de estudos como de

McDougall e Levesque (2000) e Hurley e Estelami

(1998), os quais comprovaram empiricamente a relação

positiva e significativa da satisfação em relação à

intenção de compra e continuidade do relacionamento,

sendo estes, indicadores da lealdade do individuo, é

relevante mencionar que esta relação é encontrada na

literatura de forma controversa. Alguns autores, como

Jones e Sasser (2005), comentam sobre uma relação

não necessariamente linear deste relacionamento

(satisfação→lealdade). Aliás, os autores comentam

que características ambientais como alto custo de troca,

vantagens promocionais e regulamentações gover na-

mentais, são alguns fatores que estimulam a falsa lealdade

e uma relação ‘fraca’ com a satisfação, visto que neste

contexto o tempo de relacionamento não é definido

unicamente pela escolha do usuário, mas por outras

variáveis que oferecem conveniência ou certa limitação.

O coeficiente de determinação deste construto

demonstra que o mesmo foi explicado em 80%. Este valor

se refere basicamente ao impacto do comprometimento,

o qual é desencadeado pelo julgamento de confiança e

satisfação. Incentivos em relação ao estímulo do desejo

de continuidade do relacionamento (Instrumental), à

demonstração para o cliente que a empresa está dis-

posta a auxiliá-lo – e quem sabe personalizar soluções –

(Comportamental) e o apoio ao sentimento de parceria

entre empresa e cliente (Normativo), são possibilidades

de desenvolver o comprometimento, e em consequência,

incitar o comportamento de lealdade no consumidor.

separados e testados os tipos de celular. Os resultados

obtidos confirmaram a mesma situação de confirmação

e não-confirmação das hipóteses em estudo.

a) Análise da Qualidade do Relacionamento

Sendo assim, as hipóteses 1, 2 e 4, as quais repli-

cam a proposta de Prado (2004) sobre a Quali dade

do Relacionamento, foram comprovadas. Garba rino e

Johnson (1999) evidenciam a possível complementaridade

entre tais variáveis, tornando plausível a relação posi tiva

e significativa entre Satisfação, Confiança e Compro-

metimento.

A hipótese 3, que previa uma relação positiva e

significativa entre a Confiança e a Lealdade, não foi

confirmada (ß=-0,020, p=-0,135). Para Oliver (1999),

a continuidade da relação entre empresa e consumidor

ocorre em partes pela crença de que a escolha é a mais

adequada. Neste momento, a confiança na marca, na

empresa ou na imagem (por exemplo), seriam fortes

indicadores para a lealdade à mesma. Esta relação, no

entanto, rejeitada no ambiente de telefonia celular,

pode ser compreendida pelo próprio contexto brasileiro,

se considerado alguns elementos como as altas taxas de

reclamação entre todas as operadoras operantes no país.

A relação do Comprometimento com a Lealdade

(H5) foi confirmada (ß=0,986, p<0,001). Este resul-

tado concorda com Gröonros (1990), ao afirmar a

importância deste construto na continuidade de um

relacionamento, e também com Oliver (1999) ao propor

a compreensão da lealdade por fases, onde, quanto

maior o comprometimento, maior a probabilidade

de desencadear uma situação de lealdade afetiva ou

conativa em lealdade de ação.

Além do teste de hipóteses, também foram obser-

vados os coeficientes de determinação dos cons trutos

(R²), para verificar a performance de explicação de

cada variável utilizada. Para o construto de segunda

ordem, Qualidade do Relacionamento, as variáveis

latentes: Comprometimento (83%), Satisfação (77%)

e Confiança (52%), demonstraram bom desempenho,

respectivamente. Estes valores foram superiores aos

encontrados em Zancan (2005).

110 |

c) Relação entre Lealdade e Retorno Financeiro

Já a hipótese 7, na qual era esperada uma relação

positiva entre a Lealdade e o índice de resultado finan-

ceiro, apesar da relação positiva apontada para esta

hipótese (YEUNG; ENNEW, 2000; JOHNSON et al., 2001;

GUO; JIRAPORN, 2005), alguns autores já questionaram

sobre a linearidade e a significância da afinidade dos

construtos. Gurau e Ranchhod (2002) comentam sobre a

dificuldade de obter uma relação positiva considerando

a subjetividade da mensuração das variáveis latentes e o

viés que o cruzamento de dados pode ter devido algum

outro fator. Nas limitações levantadas pelos autores, foi

mencionado o tipo de coleta (cross sectional). É possível

que acompanhamentos longitudinais possam oferecer

informações mais concretas.

Também foram separados os grupos de usuários

de celular pós-pago (ß= -0,078; p = -1,091) e de

pré-pago (ß= 0,027; p= 0,443). Entretanto, os índices

da H7 observados no modelo estrutural rejeitaram

igualmente a associação esperada.

Para visualizar este resultado, os gráficos 1 e 2

demonstram a dispersão das respostas ao cruzar o índice

de resultado financeiro (LTR) com o escore ponderado

da variável latente Lealdade entre os tipos de celular:

pré e pós-pagos. Estas informações oferecem suporte

ao resultado obtido na H7 testada.

GRÁFICO 01 - RESULTADO FINANCEIRO E LEALDADE: PRÉ-PAGO

0 2000 4000 6000 8000 10000 12000

Resultado_Financeiro

0,00

2,00

4,00

6,00

8,00

Leal

dade

_Pon

dera

da

FONTE: Pesquisa de campo

GRÁFICO 02 - RESULTADO FINANCEIRO E LEALDADE: PÓS-PAGO

0 2000 4000 6000 8000 10000 12000

Resultado_Financeiro

0,00

2,00

4,00

6,00

8,00

Leal

dade

_Pon

dera

daFONTE: Pesquisa de campo

Para complementar a informação visual gerada

nos gráficos, a tabela 5 apresenta o valor das correla-

ções entre as variáveis. Também foram incluídas as

correlações entre os índices de Retorno Financeiro

obtidos e os escores ponderados entre as variáveis

latentes que compõem o construto de Qualidade do

Relacionamento. Os resultados foram demonstrados

por tipo de celular para verificar se esta característica

poderia ter influenciado o resultado geral obtido.

TABELA 05 - CORRELAÇÃO ENTRE O RETORNO FINANCEIRO E AS

VARIÁVEIS LATENTES

Correlações Estabelecidas

Resultados

PRÉ-PAGO

Resultados

PÓS-PAGO

Retorno Financeiro e Lealdade

r = -0,004, p = 0,941 r = -0,013, p = 0,855

Retorno Financeiro e Satisfação

r = -0,086, p = 0,144 r = 0,022, p = 0,759

Retorno Financeiro e Confiança

r = 0,051, p = 0,393 r = -0,089, p = 0,202

Retorno Financeiro e Comprometimento

r = 0,042, p = 0,144 r = 0,031, p = 0,655

FONTE: Pesquisa de campo

Estes valores demonstram que, independente do

tipo de celular, não foi registrada correlação entre as

variáveis. Entretanto, esta afirmação poderia ainda

levantar suspeitas de que os valores são distintos entre

as operadoras, e que algum resultado específico pode

ter influenciado o geral, já que no modelo total todas as

empresas foram agrupadas. Desta forma, além de não

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.99-115, jul./dez. 2009 | 111

Revista da FAE

ter sido observado distinção entre os tipos de celular,

a tabela 6 demonstra que tampouco houve entre as

operadoras presentes na base.

TABELA 06 - CORRELAÇÃO ENTRE O RESULTADO FINANCEIRO E AS

VARIÁVEIS LATENTES – POR OPERADORA

Correlações Estabelecidas

BRASIL TELECOM

CLARO TIM VIVO

RF* e Lealdader = 0,082, p = 0,554

r = 0,062, p = 0,590

r = -0,024, p = 0,708

r = 0,051, p = 0,600

RF* e Satisfaçãor = 0,035, p = 0,802

r = 0,107, p = 0,350

r = -0,013, p = 0,834

r = 0,053, p = 0,584

RF* e Confiançar = 0,225, p = 0,102

r = 0,068, p = 0,557

r = -0,073, p = 0,249

r = -0,097, p = 0,320

RF* e Comprome-timento

r = 0,113, p = 0,417

r = 0,099, p = 0,389

r = -0,010, p = 0,877

r = 0,102, p = 0,291

FONTE: Pesquisa de campo

*Resultado Financeiro

Por fim, de forma complementar aos objetivos

deste artigo, também foram observados os efeitos

indiretos observados no modelo estrutural. Os valores

da tabela 7 demonstram os resultados obtidos:

TABELA 07 - EFEITOS INDIRETOS ENTRE OS CONSTRUTOS DO MODELO

ESTRUTURAL

Efeitos Indiretos entre os construtos do modelo

Coeficientes padronizados*

Satisfação → Lealdade 0,791*

Satisfação → Comprometimento 0,466*

Confiança → Lealdade 0,630*

FONTE: Pesquisa de campo

* valores significativos a 0,001

Observando especificamente o resultado entre a

Satisfação em relação à Lealdade (ß= 0,791, p<0,001) e

a Confiança em relação à Lealdade (ß= 0,630, p<0,001),

caminhos estes não comprovados de forma linear e

direta, sugere-se que estudos posteriores poderiam

ser realizados sobre as relações indiretas obtidas neste

estudo, o que parcialmente corroboraria, no primeiro

caso, com Jones e Sasser (2005), e no segundo, com

Henning-Thurau e Klee (1997).

5 Discussão dos resultados

Em relação ao primeiro objetivo deste artigo,

o contexto de telefonia celular demonstrou que a

satisfação não é determinante (ao menos para o

grupo analisado) da lealdade. Apenas por estarem

satisfeitos, não foi constatada uma expectativa positiva

de continuidade do relacionamento. Situação oposta

foi observada em Moura (2005), ao testar o índice ACSI

(American Consumer Satisfaction Index) no setor de

telefonia celular, especificamente no estado de Minas

Gerais. No estudo, a autora comprova a relação positiva

e relevante entre as variáveis.

Esta situação demonstra que ainda são necessários

outros estudos que investiguem e aprofundem o

assunto. Pode ser que a territorialidade tenha afetado a

conclusão da análise. Ainda, segundo consta no trabalho

de Moura (2005), as médias obtidas para mensurar a

satisfação foram superiores às registradas neste estudo.

Além da especificidade do estado, outras variantes,

como o uso de escala likert de 5 pontos podem ter

sido alguns fatores determinantes para o contraste dos

resultados obtidos.

Somado a estas considerações, pode-se ainda trazer

à reflexão o estudo de Oliver (1999), em comentar sobre

as seis possíveis representações entre a satisfação e a

lealdade. A ótica previamente utilizada neste artigo foi

a compreensão do processo (cumulativo) que há entre

a satisfação e a lealdade. Entretanto, esta definição

pode ter sido afetada pela coleta cross sectional, que

prejudica a percepção do “processo” comentado.

Já a relação da confiança, considerada um ingre-

diente fundamental para o desempenho satisfatório

do relacionamento (GARBARINO; JOHNSON, 1999;

DWYER; SCHURR; OH, 1987; MORGAN; HUNT, 1994), foi

comprovada como construto antecedente da lealdade

em Prado (2004) e Sidersmukh, Singh e Sabol (2002).

Esta variável é tida como um fator de redução do risco e

da incerteza do relacionamento, como o comportamento

oportunístico das partes (MORGAN; HUNT, 1994).

Apesar de a relação direta ter sido rejeitada, o im-

pacto da confiança no comprometimento foi relevante.

Desta forma, é possível considerar que a confiança

exerce certa influência na lealdade por intermédio do

comprometimento do usuário. No ambiente prático, é

plausível imaginar que o usuário do serviço em questão

112 |

receba certos estímulos para confiar na operadora (como

a imagem, o atendimento, os serviços prestados, entre

outros), ao desenvolver o sentimento de confiança pela

empresa (em caso positivo), tende a ser desencadeado

o desejo de continuidade e da crença de que a empresa

é a melhor opção para resolver seus problemas e

necessidades. Este fato, se confirmado, tende a manter

o cliente leal à companhia.

O comprometimento, especificamente, explicita o

anseio pela continuidade do relacionamento (DWYER;

SCHURR; OH, 1987) e a disposição em mantê-lo, mesmo

que isto implique em certo esforço (MORGAN; HUNT,

1994). A continuidade proposta aponta para uma

tendência de o cliente ser leal à empresa. Esta premissa

foi constatada neste estudo, conforme apresentado.

Apesar do caráter unidimensional, diferente do

proposto na literatura consultada, os indicadores que

demonstraram maior impacto neste construto foram

de origem instrumental, comportamental e normativa,

ou seja, foi explicitado pelas situações de desejo de

continuidade, de esperança de auxílio nos momentos

necessários e de parceira no relacionamento. Para a

empresa intensificar os resultados do comportamento

de seus clientes, um direcionamento plausível seria o

estímulo da aspiração por estes sentimentos.

Desta forma, a qualidade do relacionamento,

cons ti tuída pelos construtos satisfação, confiança e

comprometimento demonstrou impacto positivo sobre

a lealdade. Diretamente por meio do comprometimento,

e indiretamente pela confiança e satisfação, respec-

tivamente.

Em relação ao segundo objetivo do artigo, Reichheld

e Sasser (1990), Fornell (1992), Anderson e Sullivan

(1993), Taylor e Baker (1994) e Gurau e Ranchhod

(2002) comprovam a relação positiva entre indicadores

não-financeiros e financeiros. Entretanto, a maioria dos

casos considera índices de satisfação como retorno não-

financeiro e o market share ou a receita líquida, ou ainda

o índice de vendas da empresa, como financeiro.

No entanto, a limitação de acesso a informações

que permitissem o cálculo adequado do LTR fez

com que a simplificação utilizada descaracterizasse

con ceitualmente o princípio deste (receita menos

custo). Desta forma, acredita-se que a melhor nomen-

clatura para esta variável, seja LTR (lifetime revenue), ou

seja, a receita gerada durante a permanência do cliente

na carteira.

No terceiro e último objetivo, apesar de haver na

literatura uma expectativa de que clientes mais satisfeitos

estariam menos sensíveis a preço (ANDERSON, 1996),

Zeithaml, Berry e Parasuraman (1996) afirmam que esta

“não sensibilidade a preço” pode ter comportamentos

distintos em contextos específicos. Este fato é comentado

porque a tentativa do teste entre os grupos de usuários

pré e pós pagos poderia esclarecer algumas relações

específicas, por exemplo: grupos de maior consumo

poderiam ter maior tendência a serem leais (resultado

não-financeiro). No entanto, estas especulações não

foram comprovadas em nenhum caso.

A não comprovação direta da lealdade com o

resultado financeiro não é exaustiva, mas até certo

ponto, exploratória. Afinal, outros índices financeiros

diretamente da operadora em relação ao cliente não

foram possíveis de serem obtidos. Por este motivo,

mesmo com os resultados alcançados, é possível

imaginar que exista, por exemplo, alguma relação entre

a probabilidade de permanência com o relacionamento

com o desempenho financeiro da empresa.

Por fim, a preocupação em determinar o rendi-

mento do cliente para a empresa parece fator rele-

van te para este setor, basta observar os esforços

realizados para aumentar as margens de ARPU. A Vivo,

por exemplo, como obteve um crescimento ínfimo em

2006 reciclou sua base de clientes para manter apenas

os clientes ativos. Apenas no terceiro trimestre de

2006 a empresa deu baixa em 1.823 clientes inativos,

entre pré e pós-pagos. Este procedimento, segundo

especialistas da área, apesar de ter aumentado a taxa

de churn no período, evitou maior queda no ARPU (já

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.99-115, jul./dez. 2009 | 113

Revista da FAE

que o cálculo deste valor considera a receita gerada

pela quantidade de clientes na base).

Conclusões

Considerando as discussões apresentadas para

cada objetivo proposto e os resultados encontrados, é

possível considerar que o setor de telefonia celular, no

contexto brasileiro, realmente apresente certas parti-

cul aridades na avaliação das variáveis propostas. Um

dos indicadores que demonstram esta possibilidade

é a homogeneidade de avaliação em cada operadora,

mesmo sendo percebida a heterogeneidade na amostra,

o que poderia ser consi derado como possibilidade

para desenvolvimento de estratégias de diferenciação

de serviço.

Neste contexto, as principais premissas que levan-

tam (no mínimo) curiosidade sobre a “não-com provação”

foram a relação entre satisfação e lealdade, e desta,

com o resultado financeiro. Tal situação, em bora sejam

relevadas as restrições de ordem meto dológica utili-

zadas, ressalta que esta relação precisa ser melhor

aprofundada e que, possivelmente, não se comporte de

forma linear. No entanto, pode ainda ser considerada

como uma fonte de informação sobre a avaliação do

setor e as respostas de mercado, afinal, as taxas de

troca são expressivas (se considerado o valor extra-

polado ao ano).

Por fim, a confirmação da relação positiva e sig-

ni fi cativa entre os construtos da Qualidade do Relacio-

namento, de acordo com a proposta de Prado (2004),

comprovou que o modelo sugerido pelo autor é robusto e

pode ser aplicado em diferentes contextos.

Limitações

Em especial, sobre a definição do resultado finan ceiro,

a simplificação da estrutura algébrica em razão das infor-

mações disponíveis para o cálculo também são limitações

deste estudo, a considerar: (1) o tempo de relacionamento

e o valor gasto mensalmente foram apenas declarados pe-

los clientes, não houve possibilidade de confirmação dos

dados; (2) o valor gasto mensal foi extrapolado para todos

os meses de relacionamento, em forma de contribuição

constante; (3) o tempo projetado para a permanência do

cliente com a operadora foi considerado em termos de

possibilidade, sem precisar datas, de forma simples e di-

reta; (4) por não ter acesso aos custos, foi calculada uma

margem de contribuição em relação ao resultado líquido

de cada operadora (no modelo 1); (5) foi realizado um

cálculo apenas com a margem bruta (no modelo 2), o que

pode superestimar os resultados obtidos.

Acrescenta-se ainda o caráter não probabilístico

e a coleta por conveniência utilizada com caráter não

longitudinal. Estas definições apesar de terem sido fun-

damentais à realização do estudo, prejudicam a capa-

cidade de generalização e de abrangência do modelo.

Também é considerado como fator restritivo o uso de

uma única base com empresas diferentes. É possível

que haja alguma particularidade entre a oferta deste

tipo de serviço, que neste artigo não foi constatada.

•Recebido em: 05/08/2009 •Aprovado em: 02/09/2009

114 |

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Revista da FAE

Resumo

No presente artigo analisa-se a temática do direito do trabalhador de exercer sua atividade laborativa em um meio ambiente de trabalho saudável e seguro. Desse modo, este estudo apresenta como objetivo geral investigar os direitos e as garantias do trabalhador a um meio ambiente de trabalho sadio e seguro, como forma de prevenção de infortúnios. E, como objetivo específico, conceituar o meio ambiente do trabalho, identificando sua importância na saúde e na segurança do trabalhador. Os métodos utilizados neste estudo foram o descritivo, tendo como referencial o aporte da observação de fatos e teorias, e o qualitativo, por interpretação da realidade, através de citações diretas de doutrina e legislação. Como resultado, evidenciou-se que o meio ambiente do trabalho engloba tudo que envolve e condiciona, direta e indiretamente, o local onde o homem obtém os meios necessários para prover a sua subsistência, devendo ser protegido em função da sua capacidade de causar danos à saúde do trabalhador. Com este pensamento, o legislador da Constituição Federal de 1988, através de seu art. 7º, inciso XXII, incluiu entre os direitos sociais do trabalhador a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.

Palavras-chave: meio ambiente do trabalho; trabalhadores; saúde; segurança.

Abstract

This work analyzes the worker’s rights of working in a healthy and safe environment. Therefore the main purpose of this study is to investigate the rights and guarantees of the worker in a healthy and safe work environment, as a way of avoiding accidents and injuries. The methods used in this work were the descriptive, by using the observation of facts and theories, and the qualitative through the observation of the reality, associated to quotations of doctrine and legislation. As a result, it was proven that the work environment involves directly and indirectly everything within once workplace where he strives for his earnings. Considering this, the Federal Constitution 1988, by its article 7th (XXII), included in the workers social rights, the reduction of the inherent risks, setting norms of health, hygiene and safety.

Keywords: work environment; workers; health; safety.

Saúde e segurança no meio ambiente do trabalho como garantia constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

Health and security in the work environment as constitutional guarantee to the ecologically balanced environment

Rafaela Luiza Pontalti Giongo*Renata Cristina Pontalti Giongo**

* Mestranda em Direito Público (Unisinos). Advogada. E-mail: [email protected]

** Mestranda em Ciências Criminais (PUC-RS). Advogada e docente da disciplina Direito Comercial e Legislação Ambiental na Universidade de Caxias do Sul – UCS. E-mail: [email protected]

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Introdução

A necessária integração do homem com o ambiente

é fator imprescindível à saúde e à segurança de todos.

Viver e trabalhar em ambiente saudável são condições

essenciais para uma melhor qualidade de vida. A impor-

tância do meio ambiente traz a inquietante questão

sobre sua proteção e sua preservação, enfatizando o

atual posicionamento de empregadores, trabalhadores

e do próprio Estado.

A Constituição Federal de 1988, refletindo as

preocupações da sociedade internacional com a viabi-

lidade de vida no planeta, alçou através do artigo 225,

caput, a direito fundamental, o meio ambiente

enquanto bem essencial à sadia qualidade de vida,

tanto para a geração atual, como para as futuras. Diante

da amplitude da assertiva constitucional contida no

mencionado artigo, evidencia-se que o direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado alcança todos

os aspectos que o compõem, nele incluindo-se o meio

ambiente do trabalho.

O meio ambiente do trabalho engloba tudo o

que envolve e condiciona, direta ou indiretamente, o

local onde o homem obtém os meios necessários para

prover a sua subsistência, devendo ser protegido em

função da sua capacidade de causar danos à saúde do

trabalhador. No Brasil, a partir da Constituição Federal

de 1988, o meio ambiente do trabalho passou a receber

tutela constitucional imediata (art. 200, VIII) e mediata

(art. 225, caput, § 1.º, IV, VI e § 3.º). A saúde do traba-

lhador deixou de ser matéria apenas de legislação ordi-

nária, elevando-se à categoria de direito fundamental

(art. 7.º, XXII, XXIII CF/88).

Embora a perspectiva tradicional de proteção

à saúde e à segurança dos trabalhadores tenha sido

mantida na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT,

por meio de medidas de segurança, equipamentos de

proteção individual e adicional de periculosidade e

insalubridade, as novas legislações infraconstitucionais

incorporaram a temática ambiental do trabalho,

fundamentando-se em uma filosofia preventiva. Com

efeito, foram concebidas segundo essa concepção

preventiva as Normas Regulamentadoras do Ministério

do Trabalho e Emprego, aprovadas pela Portaria

n. 3.214/78, assim como o dever do empregador na

emissão da Comunicação de Acidente do Trabalho –

CAT (art. 22, caput, da Lei n. 8.213/91).

Dessa forma, o presente artigo apresenta como

temática o direito do trabalhador de exercer sua atividade

laborativa em um meio ambiente de trabalho saudável

e seguro, objetivando a prevenção de infortúnios, de

modo que é impossível alcançar-se qualidade de vida

sem ter qualidade de trabalho, nem se pode atingir um

meio ambiente equilibrado e sustentável, ignorando-se

o meio ambiente do trabalho.

Assim, no intuito de se contribuir para a necessária

reflexão e atenção que este tema merece, pretende-

se abordar o conceito de meio ambiente do trabalho,

identificando sua importância, uma vez que ele está

inserido no meio ambiente geral (artigo 200, VII,

CF/88), como também sua conceituação frente à atual

globalização da economia e a análise do surgimento

da disciplina Direito Ambiental do Trabalho, a qual tem

como característica investigar e descrever o sistema

normativo que tutela o meio ambiente do trabalho e a

saúde do trabalhador.

1 Do meio ambiente do trabalho:

delimitação conceitual

A integração do homem com o ambiente é

fator de extrema relevância à saúde e à segurança de

todos. Pode-se dizer que a evolução e o crescimento

da produção em grande escala, o uso contínuo de

máquinas, o emprego de novas e modernas técnicas,

elementos químicos e a presença de agentes nocivos à

saúde, são, atualmente, apenas alguns dos fatores que

influenciam e alteram o habitat no mundo moderno.

Dessa forma, este estudo inicia pela conceituação de

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meio ambiente, pois, como será visualizado, a partir

da Constituição Federal de 1988, o meio ambiente do

trabalho está contido naquele, sendo sua compreensão

fundamental para análise e reflexão desta abordagem.

Rocha (1997, p.23) ensina que “o termo meio

ambiente deriva do latim ambiens e entis, podendo

ser entendido como aquilo que rodeia”. Em verdade,

a expressão “meio ambiente” constitui um pleonasmo,

pois meio e ambiente possuem um mesmo significado:

lugar, recinto, espaço onde se desenvolvem as atividades

humanas e a vida dos animais e vegetais. Porém, trata-se

de expressão consagrada, inclusive constitucional-

mente, razão pela qual se permanecerá com ela neste

artigo. Sobre o mesmo tema, Rocha (1997) sustenta

que o meio ambiente, academicamente, tem sido

compreendido como o

conjunto, em um dado momento, dos agentes físicos, químicos, biológicos, e dos fatores sociais susceptíveis de terem efeito direto ou indireto, imediato ou a termo, sobre os seres vivos e as atividades humanas (POUTREL; WASSERMAN, 1977); A soma das condições externas e influências que afetam a vida, o desenvolvimento e, em última análise, a sobrevivência de um organismo (THE WORLD BANK, 1978); O ambiente físico-natural e suas sucessivas transformações artificiais, assim como seu desdobramento espacial; (SUNKEL apud CARRIZOSA, 1981); [...] todos os fatores [...] que atuam sobre um indivíduo, uma população ou uma comunidade (ÍNTERIM MEKONG COMMITTEE, 1982) (ROCHA, 1997, p.24).

Em sede legal, o conceito de meio ambiente é dado

pelo inciso I do art. 3º da Lei n. 6.938/81, que instituiu

a Política Nacional do Meio Ambiente, como “um

conjunto de condições, leis, influências e interações de

ordem física, química e biológica, que permite, abriga e

rege a vida em todas as suas formas”.

A atual Constituição Federal de 1988, refletindo

as preocupações da sociedade internacional com a

viabilidade de vida no planeta, alçou o meio ambiente,

enquanto bem essencial à sadia qualidade de vida, a

direito fundamental, tanto para a presente como para

as futuras gerações, nos termos do art. 225, caput, que

assim dispõe: “todos têm direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do

povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se

ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo

e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Padilha (2002), após firmar seu entendimento sobre

a natureza abrangente e interdisciplinar do conceito de

meio ambiente, cita os eminentes juristas Celso Antonio

Pacheco Fiorillo, Marcelo Abelha Rodrigues e Rosa

Maria Andrade Nery, que também denotam a amplitude

aludida, afirmando que:

[...] o conceito de meio ambiente é amplíssimo, na exata medida em que se associa à expressão “sadia qualidade de vida”. Trata-se, pois, de um conceito jurídico inde-terminado, que, propositadamente colocado pelo legislador, visa criar um espaço positivo de incidência da norma, ou seja, ao revés, se houvesse uma definição precisa do que seja meio ambiente, numerosas situações, que normalmente seriam inseridas na órbita do conceito atual de meio ambiente, poderiam deixar de sê-lo, pela eventual criação de um espaço negativo inerente a qualquer definição (PADILHA, 2002, p.21).

A mesma autora ainda sustenta:

[...] claro que quando a Constituição Federal, em seu art. 225, fala em meio ambiente ecologicamente equilibrado, está mencionando todos os aspectos do meio ambiente. E, ao dispor, ainda, que o homem para encontrar uma sadia qualidade de vida necessita viver nesse ambiente ecologicamente equilibrado, tornou obrigatória também a proteção do ambiente no qual o homem, normalmente, passa a maior parte de sua vida produtiva, qual seja, o trabalho (PADILHA, 2002, p.21).

Nesta mesma linha de raciocínio, Rocha (1997,

p.25), em sua obra Direito Ambiental e Meio Ambiente

do Trabalho, defende que

Quando a Constituição Federal, em seu art. 225, fala em “meio ambiente ecologicamente equilibrado”, está mencionando todos os aspectos do meio ambiente. Podemos, portanto, compreendê-lo como meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho.

Neste sentido, adota-se no presente artigo, a

intenção de Rocha de propor uma classificação do meio

ambiente que atenda a fins didáticos. Dessa forma,

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baseando-se em seus ensinamentos, secciona-se o meio

ambiente artificial, propondo-se que seja entendido

como ambiente urbano, periférico e rural, separando

por suas peculiaridades o meio ambiente cultural e por

último o meio ambiente de trabalho, que será analisado

de forma mais aprofundada por ser um dos principais

objetos deste estudo.

O meio ambiente natural pode ser entendido

como aquele constituído pelo solo, pela água, pelo ar

atmosférico, pela fauna e pela flora, ou seja, recursos

naturais, bens ambientais naturais ou ecológicos, assim

como o sistema de elementos bióticos e abióticos.

Conceitualmente, segundo Rocha (1997), compreende-

se o meio ambiente artificial como o espaço físico

transformado pela ação continuada e persistente do

homem com o objetivo de estabelecer relações sociais

e viver em sociedade, sendo composto pelo meio

ambiente urbano, periférico e rural. Já o meio ambiente

cultural, é constituído por bens, valores e tradições aos

quais as comunidades emprestam relevância, porque

atuam diretamente na sua identidade e formação.

E o meio ambiente do trabalho, o que vem a

ser? Visualizar-se-á a seguir o entendimento de alguns

autores acerca deste aspecto do meio ambiente, como

forma de melhor fixar sua compreensão jurídica.

Na concepção de Fiorillo (2004, p.22), meio

ambiente do trabalho pode ser definido como

O local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independentemente da con dição que ostentem (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos etc.).

Para Moraes (2002, p.25) meio ambiente do

trabalho é

O local onde o homem realiza a prestação objeto da relação jurídico-trabalhista, desenvolvendo atividades de profissional em favor de uma atividade econômica.

O trabalhador participa da atividade econômica em interação com os meios de produção e toda a infra-estrutura necessária ao desenvolvimento da prestação laboral. Ao conjunto do espaço físico (local da pres-tação de trabalho ou onde quer que se encontre o empregado, em função da atividade e à disposição do empregador) e às condições existentes no local de trabalho (ferramentas de trabalho, máquinas, equipamentos de proteção individual, temperatura, elementos químicos etc. – meios de produção) nas quais se desenvolve a prestação laboral, denominamos meio ambiente do trabalho.

Conforme a lição de Mancuso (2002, p.129), meio

ambiente de trabalho é o

Habitat laboral, isto é, tudo que envolve e condiciona, direta e indiretamente, o local onde o homem obtém os meios para prover o quanto necessário para a sua sobrevivência e desenvolvimento, em equilíbrio com o ecossistema. A contrario sensu, portanto, quando aquele “habitat” se revela inidôneo a assegurar as condições mínimas para uma razoável qualidade de vida do trabalhador, aí se terá uma lesão ao meio ambiente do trabalho.

De acordo com o ensinamento de Fernandes

(2006, p.04)

O meio ambiente de trabalho é, na verdade, o local de trabalho do trabalhador, podendo ocorrer em um meio ambiente artificial ou construído, ou mesmo em um ambiente natural, embora sua ocorrência seja menos frequente, haja vista a existência de alguma intervenção humana que possibilite a sua fruição.

Süssekind (2003, p.919), ao tratar sobre o tema da

Ação Prática e Normativa da Organização Internacional

do Trabalho pontifica o seguinte:

[...] dos estudos realizados pelo PIACT1 resultou a Convenção n. 155, complementada pela Recomendação n. 164, ambas de 1981, que ampliou o conceito de ambiente de trabalho para fins de segurança e saúde dos trabalhadores. Hoje é necessário considerar tanto

1 PIACT é a abreviatura para Programa Internacional para Melhorar as Condições de Trabalho e Meio Ambiente de Trabalho.

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a agressão que o local de trabalho pode sofrer, oriunda do meio ambiente circunvizinho, quanto a poluição, por vezes imensurável, que pode ser gerada no esta-belecimento industrial.

Cabe ressaltar que identificar o meio ambiente

do trabalho atualmente, requer maior atenção dos

operadores do direito, pois as mudanças nas relações

jurídicas de trabalho e, mais acentuadamente, as

flexibilizações no Direito do Trabalho, têm resultado em

transformações nas atividades e prestações laborais.

Com a globalização da economia e o consequente e

iminente desenvolvimento industrial brasileiro, mui-

tas empresas já utilizam novas metodologias sem o

uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs),

indispensáveis à segurança dos trabalhadores, uma

vez que as buscas do aumento da produtividade e da

redução dos custos, não são, necessariamente, seguidas

pela melhoria das condições de trabalho.

Considerando-se que a globalização tem propor-

cionado acentuadas modificações no mundo do

trabalho e, em específico, ao meio ambiente do trabalho,

a seguir, analisar-se-á o meio ambiente do trabalho

partindo-se de sua conceituação como tudo aquilo que

envolve e condiciona, direta e indiretamente, o local

onde o homem obtém os meios para prover o quanto

necessário para a sua sobrevivência e desenvolvimento,

em equilíbrio com o ecossistema, frente às mudanças

nas atividades e relações de trabalho.

2 Meio ambiente do trabalho

e globalização

O atual processo de globalização da economia

está em curso desde o início dos anos 1980, com a

formação de grandes conglomerados continentais,

marginalizando cada vez mais os países periféricos no

cenário internacional. Rocha (1997, p.44) aborda este

tema ponderando que

Como pano de fundo deste momento econômico verifica-se uma mudança de padrões de produção, união de mercados financeiros, aumento da importância das empresas multinacionais, ajuste estrutural e privatização. [...] Esse processo globalizado traz ainda consequências bastante pessimistas no campo das relações de trabalho. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima cerca de um bilhão de pessoas sem ocupação. Surgem como fatores preocupantes a “flexibilização” dos direitos sociais, a terceirização e o desemprego estrutural2.

As novas formas de exclusão geradas pela econo-

mia capitalista, como desemprego aberto, ocupações

atípicas e precarização das condições e das relações

de trabalho, inserem a temática da flexibilização da

legislação trabalhista, sob o fundamento de que os

elevados encargos sociais são os responsáveis pela

crise do emprego formal. Por outro lado, diante da

desordem ecológica mundial produzida pelo capitalismo

contemporâneo, ninguém questiona a necessidade de

proteção legal para evitar o colapso do meio ambiente.

As duas perspectivas, tanto de redução dos

direitos trabalhistas quanto de ampliação dos direitos

de proteção ao meio ambiente, apesar de muito

divergentes, convergem, porém, no seu atendimento

à dinâmica das forças do mercado globalizado. Em

âmbito mundial, observa-se que a reformulação das

políticas trabalhistas tem sido utilizada para rebaixar o

padrão de uso e remuneração do trabalho, enquanto a

questão ambiental tem servido de argumento para os

países centrais tolherem o desenvolvimento dos países

pobres e em desenvolvimento.

Outrossim, segundo Rocha (2002), as temáticas

sobre o meio ambiente e sobre as relações de trabalho

aproximam-se em sua origem. Através de uma rápida

observação, tanto dos impactos em escala massiva contra

os trabalhadores, quanto da degradação da natureza em

2 Para Silva (1995) o desemprego estrutural, em geral, resulta da desproporção qualitativa entre demanda e oferta de força de trabalho, devido, sobretudo, à falta de força de trabalho qualificado ou mesmo à inadequação do tipo de qualificação às necessidades do empregador.

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âmbito global, conclui-se que ambos são decorrentes

do processo de industrialização. Tanto as legislações tra-

balhista quanto a ambiental surgiram da necessidade de

proteção estatal contra os efeitos e perigos resultantes

da atividade produtiva. O Estado, em épocas diferentes,

viu-se forçado a atuar no sentido de subordinar a

atividade econômica a uma existência digna e a limitar

a exploração dos recursos naturais, por meio da adoção

de instrumentos legais apropriados. Em virtude de uma

série de mudanças no cenário internacional, como, o

aumento de empresas multinacionais, a mundialização

da economia, a desconcentração do aparelho estatal,

a desterritorialização e a reorganização do espaço de

produção, a fragmentação das atividades produtivas

e a expansão de um direito paralelo ao dos Estados,

de natureza mercatória, evidencia-se uma redução do

poder de intervenção do Estado, diante das forças do

mercado e de outros atores não-estatais, que atinge

um de seus mais significativos instrumentos: a norma

estatal (ROCHA, 2002).

Atualmente, além de riscos mais graves no meio

ambiente do trabalho (acidentes, doenças ocupacionais

etc.) e no meio ambiente em geral (vazamentos, con-

taminações, desastres ecológicos etc.), observa-se

que há uma normatividade nos mais diversos níveis

(nacional, regional e global) e em países como

Estados Unidos, Holanda e Brasil surgem experiências

alternativas ao processo tradicional de controle legal,

por meio de práticas autorregulatórias para indústrias

e demais setores produtivos, que estipulam normas de

conduta do que seja ecologicamente equilibrado, às

quais estes devem adequar-se – série de Standards ISO

(ROCHA, 2002).

No entanto, o cenário econômico e o contexto

social não indicam perspectivas animadoras para a

garantia dos próprios trabalhadores a ambientes de

trabalho saudáveis. Ao contrário, pois, conforme Rocha

(2002, p.295)

A crise do emprego formal, o enfraquecimento esta-tal (ou erosão do poder de intervenção do Estado), o aumento desmedido do poder do mercado e a

ausência de controle da sociedade sobre esse processo, enfraquecem a participação coletiva dos trabalhadores em defesa de melhores condições de trabalho.

De fato, há uma redução dos custos de mão-de-obra

com a eliminação de patamares básicos de condições

do trabalho, agravando-se mais do que nunca os pro-

blemas da esfera circundante do trabalho. E, se gun do

disposição de Rocha (2002, p.295),

em meio a uma onda de demissões generalizadas e à ausência de postos de trabalho, trabalhadores têm sido submetidos a empregos precários atingindo dire-tamente a saúde físico-psíquica do indivíduo.

A preocupação aumenta quando se constata que a

transformação no meio ambiente do trabalho, provocada

pela flexibilização daquilo denominado organização do

trabalho, não repercutiu na diminuição de infortúnios.

Ao inverso, pois conforme Dejours (2003, p.19),

O modo flexível de produção trouxe um aumento das patologias ditas de sobrecarga. Junto com a robotização e a automatização, que se pensava que pudessem livrar os seres humanos da parte mais danosa do trabalho, apareceram novas patologias, novos sofrimentos foram revelados e algumas doenças conhecidas outrora se desenvolveram muito.

Portanto, Rocha (2002, p.134) ensina que

as rela ções no mundo do trabalho continuam a sofrer altera ções e, por conseguinte, a noção do meio ambiente do trabalho não pode ser imutável, pelo contrário, necessita refletir as evoluções sociais e técnicas que constante mente se aprimoram.

Conceituar meio ambiente do trabalho levando

em consideração as flexibilizações no direito, a glo-

balização da economia, as mudanças nas relações

laborais e nos modos de produção, tem gerado dúvidas

aos operadores do direito e evidenciado a lacuna da lei

frente às mudanças.

Dessa forma, é tarefa do intérprete conciliar caso

a caso, aplicando o conceito de meio ambiente do

trabalho que esteja adaptado a tudo aquilo que

envolve e condiciona, direta ou indiretamente, o local

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onde o homem obtém os meios para prover o quanto

necessário para a sua sobrevivência e desenvolvimento,

em equilíbrio com o ecossistema.

3 Direito ambiental do trabalho:

natureza e tutela jurídica do meio

ambiente do trabalho

Por tudo o que aqui já foi exposto, constata-se que

o meio ambiente do trabalho sofre incursões tanto do

Direito do Trabalho como do Direito Ambiental e embora

o tema meio ambiente do trabalho receba tratamento

doutrinário no campo de ambas as matérias, conforme

Rocha (2002, p.275), as duas disciplinas possuem

racionalidades e princípios bastante específicos:

en quanto o Direito Ambiental busca proteger o meio ambiente e o ser humano tomado na sua generalidade, o Direito do Trabalho objetiva a regulação das relações laborais e a proteção do ser humano trabalhador.

Padilha (2002, p.46) tem a seguinte opinião sobre

o assunto:

[...] o meio ambiente do trabalho embora se encontre numa seara comum ao Direito do Trabalho e ao Direito Ambiental, distintos serão os bens juridicamente tute-lados por ambos, uma vez que, enquanto o primeiro se ocupa preponderantemente das relações jurídicas havidas entre empregado e empregador, nos limites de uma relação contratual privatística, o Direito Ambiental, por sua vez, irá buscar a proteção do ser humano trabalhador contra qualquer forma de degradação do ambiente onde exerce sua atividade laborativa.

Por conta disso, surgiu a disciplina Direito

Ambiental do Trabalho, caracterizada por analisar e

descrever o sistema normativo que tutela o meio am-

biente do trabalho e a saúde do trabalhador, por meio

de elementos colhidos principalmente do Direito do

Trabalho (proteção à incolumidade do trabalhador)

e do Direito Ambiental (proteção ao meio ambiente).

Diante das discussões a respeito do Direito Ambiental

do Trabalho, torna-se oportuna a análise da localização

dessa disciplina, ou seja, sua natureza jurídica, nos

ra mos do Direito. Tal abordagem, in statu nascendi,

baseando-se no direito ao meio ambiente ecologica-

mente equili brado, consagrado inquestionavelmente

pela Carta Constitucional de 19883, constitui direito

eminentemente difuso, ou seja, aquele conceituado

legalmente como “interesse transindividual, de natureza

indivisível, cujos titulares sejam pessoas indeterminadas,

ligadas por circunstâncias de fato” (art. 81, I, do Código

de Defesa do Consumidor).

Conforme ensina Mancuso (1991, p.275),

Os direitos difusos são transindividuais porque despassam a esfera de atuação dos indivíduos isoladamente consi-derados, para surpreendê-los em sua dimensão coletiva; são de natureza indivisível, pelo fato de que a satisfação de um só constitui lesão da inteira coletividade; são titulares dos direitos, pessoas indeterminadas ligadas por circunstâncias de fato. Quanto à natureza da lesão, decorre “de afronta aos interesses difusos, lesão esta que poderia ser disseminada por um número indefinido de pessoas, tanto podendo ser uma comunidade, uma etnia ou mesmo toda a humanidade”.

A proteção ao meio ambiente do trabalho associa-

se à tutela da saúde do trabalhador. Sob fundamento

constitucional da tutela da vida com dignidade, Fiorillo

(1995, p.98) menciona com bastante ponderação que

[..] tendo como objetivo primordial a redução do risco de doença e de outros agravos, as normas constitucionais sobre a saúde dão ao Sistema Único de Saúde com-petência, dentre outras atribuições, para colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o Meio Ambiente do Trabalho (art. 200, VIII). Destarte, para a Constituição Federal, a proteção do Meio Ambiente do Trabalho tem natureza vinculada à proteção da saúde, que, sendo direito de todos, está tutelada pelas normas instrumentais destinadas à proteção de aludidos interesses difusos.

3 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologi-camente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

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Normalmente, o meio ambiente do trabalho é

compreendido diante de um grupo determinado de

pessoas, como por exemplo, uma categoria de traba-

lhadores. Esta proteção tem uma natureza eminente-

mente coletiva. O Código de Defesa do Consumidor,

em seu artigo 81, inciso II, estabelece o conceito norma-

tivo do que sejam interesses ou direitos coletivos, sendo

aqueles “transindividuais de natureza indivisível de que

seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas liga-

das entre si ou com a parte contrária por uma relação

jurídica base”. Dessa forma, através dos seguimentos

grupo, cate goria ou classe, possibilita-se que os coleti-

vos orga nizados possam defender interesses corpora-

tivos em suas diferentes matizes. Assim, cabe trazer à

lume o entendimento de Rocha (2002, p.280):

[...] o liame entre os direitos difusos e os direitos coletivos reside no seu caráter metaindividual, podendo ser agrupados, na maioria das vezes, na denominação de direitos coletivos lato sensu; de outra maneira, os interesses difusos podem ter uma amplitude maior do que a órbita de uma coletividade organizada e definida, ressaltada pelo caráter corporativo; além disso, nos direitos difusos, considera-se o ser humano em sua dimensão genérica, agregado ocasionalmente pela ocorrência fática que determina sua tutela.

Portanto, torna-se prudente questionar sobre as

questões de saúde do trabalhador e meio ambiente do

trabalho que envolvem o interesse coletivo stricto sensu,

cogitando-se sobre o contingente de operários de uma

indústria específica ou, ainda, com relação à categoria

que trabalha em determinado setor industrial. Nesse

ponto, acorre Rocha (2002, p.281), explicando que

Apesar de muitas vezes os efeitos decorrentes de danos ao meio ambiente do trabalho atingirem um contingente específico de trabalhadores (coletivo), também existe a possibilidade desses efeitos incidirem numa coletividade incalculável (massa indefinida), como por exemplo, no caso de contaminação orgânica pelo trabalho em ambiente que utiliza telhas de amianto (fabricada com substância cancerígena).

Segundo o autor anteriormente citado, a proteção

que se busca por meio da tutela ao meio ambiente

do trabalho não se fundamenta na realização de um

interesse específico (coletivo stricto sensu), ao con-

trário, surge do reconhecimento da necessidade de

uma proteção metaindividual (difusa), devendo o meio

ambiente do trabalho saudável e equilibrado ser sempre

tutelado como um interesse difuso. Da mesma forma,

entende que ainda é prematuro afirmar a autonomia

do Direito Ambiental do Trabalho, sobretudo porque

a tutela ao meio ambiente do trabalho continua a ser

estabelecida em face da relação de trabalho, mantendo-

se a legislação sobre a matéria fragmentada.

Entretanto, Rocha (2002) reconhece que a ela-

boração dessa proteção tem sofrido a influência de

um paradigma preventivo, muitas vezes superando a

forma tradicional de tutela à higiene e à segurança dos

trabalhadores. Além disso, os princípios inspiradores da

tutela ao meio ambiente do trabalho, apesar de não serem

exclusivos, tomam, conforme esse autor, uma dimensão

específica e peculiar, dos quais podem ser destacados:

o princípio da precaução-prevenção, o princípio do

desenvolvimento sustentável, o princípio do poluidor-

pagador, o princípio da proteção plena do trabalhador,

o princípio da equidade e o princípio do in dubio pro

ambiente-operário. Tais princípios surgiram da inter-

relação entre o Direito Ambiental e o Direito do Trabalho,

na tutela de um objeto comum: o meio ambiente do

trabalho. Seguindo a lição de Rocha (2002), o princípio da

precaução-prevenção surge na medida em que há que se

atuar preventivamente e com a necessária precaução para

romper com o paradigma da compensação pecuniária

pelo trabalho em condições insalubres. Já o princípio do

desenvolvimento sustentável tem como objetivo conciliar

atividade econômica e produtiva com salubridade dos

ambientes do trabalho.

Quanto ao princípio do poluidor-pagador, aplica-se

na obrigação do empregador-poluidor reparar os danos

causados ao ambiente e aos trabalhadores, assumindo

a responsabilidades civil, administrativa e criminal pelo

ato. Trata-se de responsabilidade objetiva, inclusive com

relação aos infortúnios, devendo ser apurada apenas a

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relação de causalidade (nexo causal) entre dano e ação

ou omissão do empregador-poluidor.

Por conta do princípio da proteção plena ao

trabalhador, qualquer que seja a forma contratual, o

empregador torna-se responsável pela saúde de seus

empregados, exerçam ou não atividade na unidade

produtiva. O princípio da equidade fundamenta-se na

igualdade de proteção e, portanto, não admite que

determinados contingentes de trabalhadores sejam

mais protegidos que outros, na aplicação da política de

salubridade dos ambientes do trabalho. Por fim, o prin-

cípio in dubio pro ambiente-operário consubstancia-se

na máxima de que, havendo dúvida, deve-se proteger o

meio ambiente do trabalho. Isso significa que, mesmo

não havendo certeza quanto ao grau de periculosidade

e ou salubridade, o empregador e o Poder Público

devem atuar de modo a impedir que ocorram danos ao

meio ambiente e à saúde dos trabalhadores.

Quanto à sua tutela jurídica, o meio ambiente do

trabalho engloba tudo que envolve e condiciona, direta

e indiretamente, o local onde o homem obtém os meios

necessários para prover a sua subsistência, devendo ser

protegido em função da sua capacidade de causar danos

à saúde do trabalhador. Não é necessário que exista

subordinação para garantir a tutela jurídica ao ambiente

no qual os trabalhadores prestam seus serviços. Conforme

Fiorillo (2004), o próprio legislador constitucional fez

referência à relação de trabalho em diversas passagens

e, quando quis destacar a relação de emprego, fez isso

expressamente, como no art. 7.º, inciso I, da CF/884.

A partir da Constituição Federal de 1988, a saúde

do trabalhador deixou de ser matéria apenas de

legislação ordinária, elevando-se à categoria de direito

fundamental (art. 7.º, XXII, XXIII)5 e, portanto, cláusula

4 Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos.

5 Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei.

pétrea. Além disso, nas atribuições do Sistema Único

de Saúde, consta a de “executar as ações de vigilância

sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do

trabalhador” (art. 200, II)6. O meio ambiente do trabalho

passou a receber tutela mediata (art. 225, caput, § 1.º,

IV, VI e § 3.º)7 e imediata (art. 200, VIII)8.

No plano infraconstitucional, a tutela ao meio

ambiente do trabalho continua a ser regulada pela

Consolidação das Leis do Trabalho. No capítulo V do

Título II denominado Da Segurança e da Medicina

do Trabalho (arts. 154 a 201), além de serem apre-

sentadas disposições gerais sobre o tema, a CLT define

as atribuições da administração pública, as respon-

sabilidades dos empregadores e dos empregados, assim

como os procedimentos de inspeção prévia, embargo

ou interdição.

Esse capítulo ainda dispõe sobre os órgãos de

segurança e de medicina do trabalho e disciplina a

constituição da Comissão Interna de Prevenção de

Acidentes (Cipa), a utilização dos equipamentos de pro-

teção individual, a normatização das medidas preven-

tivas de medicina do trabalho, além de estabelecer os

requisitos de segurança com relação às edificações, à

6 Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: [...] II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador.

7 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologi-camente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: [...] IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; [...] VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; [...] § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

8 Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: [...] VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.

126 |

iluminação, ao conforto térmico, às instalações elétricas,

à movimentação, à armazenagem e ao manuseio de ma-

teriais, às máquinas e aos equipamentos, às caldeiras, aos

fornos e aos recipientes sob pressão. Também trata das

atividades insalubres e perigosas, da prevenção da fadiga,

de outras medidas especiais de proteção, bem como das

penalidades aplicáveis às infrações dos seus dispositivos.

De acordo com Rocha (2002, p.227), embora deno -

minadas preventivas, as medidas descritas acima,

constituem-se, de fato, em disposições protetivas à saúde

dos trabalhadores. Tal dimensão preventiva, segundo

esse autor, somente pode ser observada nas Normas

Regulamentadoras (NR) do Ministério do Trabalho e

Emprego. Para exemplificar, podem ser destacadas as

normas que tratam do embargo ou interdição em caso

de grave e iminente risco ao meio ambiente do trabalho

(NR-3); dos serviços especializados em engenharia de

segurança e medicina do trabalho – SESMT, com a fina-

lidade de promover a saúde e proteger a integridade do

trabalhador no local de trabalho (NR-4); da norma que

regulamenta o funcionamento da Comissão Interna de

Prevenção de Acidentes, vedando a dispensa arbitrária

do empregado eleito membro da Cipa, desde o registro

de sua candidatura até um ano após o final de seu

mandato (NR-5); do programa de controle médico de

saúde ocupacional – PCMSO (NR-7); do programa de

prevenção dos riscos ambientais – PPRA (NR-9); das

condições do trabalho na indústria da construção civil

(NR-18); das condições sanitárias e de conforto nos

locais de trabalho (NR-24).

A Lei n. 8.080/909 (Lei Orgânica da Saúde) tam-

bém se reporta várias vezes ao meio ambiente do traba-

lho e à saúde dos trabalhadores, tomando como base

um paradigma preventivo. Sob a mesma perspectiva,

a Lei n. 9.795/9910 (Lei da Educação Ambiental) atri-

bui às empresas, entidades de classe, instituições pú-

blicas e privadas, a promoção de programas destinados

à capacitação dos trabalhadores, visando à melhoria

e ao controle efetivo sobre o ambiente do trabalho.

9 Art. 6º, II, III, V, VIII; art. 16, V; art. 17, VII.10 Art. 3º, V.

De acordo com a Portaria n. 1.127, de 02.10.2003, do

Minis tério do Trabalho e Emprego, os procedimentos

para a elaboração de normas regulamentadoras relacio-

nadas à saúde, segurança e condições gerais de trabalho

adotam como princípio o Sistema Tripartite Paritário,

garantindo a participação do governo, dos trabalhado-

res e dos empregadores, com a previsão de realização

de audiências públicas, seminários, debates, conferên-

cias ou outros eventos, quando necessário, como forma

de promover a ampla participação da sociedade.

Por outro lado, embora a necessidade de medidas

de restrição aos riscos do trabalho pareça algo inques-

tionável, qualquer tentativa nesse sentido pode afetar

a produção e, diante da ausência de uma atuação

prioritária e sistemática das empresas, a fiscalização dos

órgãos públicos torna-se imprescindível para garantir a

segurança e a saúde do trabalhador.

4 A importância do meio ambiente

do trabalho à saúde e à segurança

do trabalhador rural e urbano

Em razão de fatores variados, a relação homem e

meio ambiente do trabalho reflete na relação homem e

meio ambiente de vida, daí a relevância na análise do

papel do meio ambiente do trabalho nos três níveis de

mão-de-obra: setores primário, secundário e terciário.

Segundo Araújo (2008), fazem parte do setor pri-

mário da economia

As entidades econômicas voltadas para a silvicultura (extração de recursos naturais de florestas), extra-tivismo (mineração) agricultura e pecuária. Parte da produção do setor primário destina-se a servir como matérias-primas para outros setores ou ao consumo direto da população (nor malmente os produtos hortifrutigranjeiros) (ARAÚJO, 2008, p.4).

E continua o mesmo autor ensinando que

[...] o setor secundário é constituído pela atividade indus-trial (de transformação). Dentro da produção industrial

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.117-131, jul./dez. 2009 | 127

Revista da FAE

destacam-se a indústria de bens de capital (máquinas, equipamentos e instalações industriais), que tem como finalidade aumentar a capacidade produtiva da economia e a indústria de bens de consumo. Os bens de consumo podem ser classificados como de consumo imediato e de consumo durável. Já no setor terciário estão classificadas as empresas comerciais e de prestação de serviços. As empresas comerciais funcionam como intermediários de marketing: não agregam transformação da natureza dos produtos, mas agregam os serviços de promoção, distribuição e comercialização (ARAÚJO, 2008, p.4).

Portanto, pode-se dizer que cada espécie de meio

ambiente possui características próprias e pecu liari-

dades relativas à atividade desenvolvida pelo traba-

lhador (ao ocupar determinada função na produção

industrial, agrícola, prestação de serviço etc.). Conhecer

as condições do meio ambiente do trabalho pode ser

interpretado como o mesmo que conhecer as pers-

pectivas de vida e saúde no meio ambiente geral.

Assim, iniciar-se-á uma análise da importância do meio

ambiente do trabalho à saúde e à segurança para os

trabalhadores do meio rural e em seguida para os

trabalhadores do meio urbano e industrial.

O meio ambiente do trabalho rural está entre os

mais prejudicados e desprezados, desempenhando os

trabalhadores suas atividades habituais em condições

delicadas à sua saúde e segurança. Acerca deste fato, a

autora Moraes (2002, p.34) comenta que

O maior fator do descaso empresarial se sustenta na própria fragilidade do trabalhador rural que, na grande maioria, carece de conhecimento sobre seus direitos e, até mesmo, acerca de sua dignidade como pessoa humana. A necessidade de subsistência encontra na pessoa do trabalhador rural a vantagem de que precisam os empregadores para a exploração e intensificação do descaso com a saúde e segurança no meio ambiente do trabalho rural.

A Lei n. 5.889/73 traz em seu artigo 2º o conceito

de trabalhador rural nos seguintes termos:

empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário.

Através do art. 3º, §1º da mesma Lei, entende-se

por meio ambiente de trabalho rural,

o lugar onde o trabalhador está a serviço ou à dispo si-ção daquele que desenvolve atividade agroeconômica, incluídas as de natureza industrial em estabeleci mento agrário.

No meio ambiente do trabalho rural está o obreiro

que desenvolve atividades em contato direto e maior

com os fatores naturais. Estão nas chamadas regiões

rurais, em tarefas agrícolas ou artesanais, bem como em

ocupações similares ou conexas, tratando-se tanto de

assalariados, como daqueles que trabalham por conta

própria, como os arrendatários e pequenos proprietários

(GENEBRA, 1975).

A vida do trabalhador rural tem sofrido profundas

transformações, baseada, originalmente, no emprego da

energia humana, tem sido modificada pela mecanização,

pelo crescimento da industrialização, bem como pelo

emprego de produtos químicos e a utilização de abonos

artificiais no lugar dos naturais. Moraes (2002, p.36),

acerca do presente tema, ensina:

[...] por meio de técnicas inoperantes para a proteção da saúde e segurança, o meio ambiente do trabalho rural passa por transformações que avançam em proporção inversa à industrialização, provocando desequilíbrio consi derável no meio ambiente em geral. Por exemplo, no campo ou na plantação, o trabalhador, ao utilizar inseticida, lança ao ar partículas que se depositam sobre troncos, solo, frutos etc. Deve-se proporcionar orientações e instruções sobre como utilizar tais produtos, bem como promover a proteção dos trabalhadores contra os possíveis danos que o contato com essas substâncias podem ocasionar.

E continua a mesma autora enunciando que

Sendo a natureza o principal recurso do trabalhador rural na execução de seu labor, é indispensável sua correta utilização, por meio do respeito e da observação das normas de proteção ao meio ambiente em geral e, em conseqüência, das normas de proteção ao meio ambiente do trabalho. Pois que, a contaminação ou a deterioração dos elementos naturais (solo, água, plantas, ar, animais etc.) resulta em prejuízos graves

128 |

e irreversíveis, quer para a vida do trabalhador rural, quer para a vida de toda uma coletividade, sendo o meio ambiente do trabalho saudável resultado do meio ambiente de vida equilibrado, numa interação conjunta à proteção da saúde e da segurança do trabalhador.

Já a importância do ambiente do trabalho para

a saúde e a segurança no meio urbano e industrial

caracteriza-se pelo avanço da industrialização, uma

vez que o homem passou do campo para a cidade, em

busca de melhores condições de vida e de trabalho.

O crescimento industrial mostrou-se adverso ao

obreiro urbano, traduzido hodiernamente por meio

da crescente deterioração da qualidade de vida, com

sérias repercussões no futuro, facilmente constatadas

no surgimento das doenças ocupacionais.

O trabalhador urbano é aquele que exerce suas

atividades dentro de área considerada desenvolvida,

com infraestrutura (água, esgoto, gás, eletricidade

etc.) e/ou com serviços urbanos (transporte, educa-

ção, saúde etc.). A evolução dos métodos de produção

e dos meios de transporte e de comércio tem possibi-

li tado a instalação de indústrias em distintos locais,

o que em alguns aspectos, descaracteriza o conceito

de traba lhador urbano, em virtude de o mesmo

exercer suas funções em área escassa de urbaniza-

ção. Portanto, trabalhador urbano na concepção de

Moraes (2002, p.39)

Também é aquele que presta serviços nas periferias das cidades, em áreas onde não se observa infraestrutura suficiente para prover as necessidades da população. No entanto, assim como no trabalho rural é a natureza da atividade econômica desenvolvida pelo empregador que identifica a espécie de ambiente de trabalho e seus sujeitos.

O trabalhador urbano está para a máquina como

o trabalhador rural está para a terra. A máquina é sua

ferramenta de trabalho e a energia mecânica substitui

a força física. O campo e a terra são trocados pelo meio

industrial e alimentação e moradia são necessidades

que não mais se suprem com a terra, mas, com o salário

que o trabalhador recebe como contraprestação pelos

serviços realizados.

É preciso observar e respeitar as condições laborais

e os fatores que possam influenciar e agredir o direito

ao meio ambiente do trabalho saudável. Esses fatores

são variados, podendo ser físicos, como temperatura,

umidade, pressão, gases, vapores, radiações ionizantes,

ruídos e vibrações etc.; ser referentes à organização do

trabalho, como o trabalho repetitivo ou monótono, o

trabalho extraordinário e noturno etc.; ou ainda, ser

relacionados ao clima psicológico inerente na empresa,

envolvendo a saúde mental do empregado.

A luta pelo meio ambiente do trabalho saudável

deve começar pela sua própria proteção, por meio da

prevenção das atividades laborais contra as condições

agressivas à saúde e segurança. As medidas de prevenção

correspondem, essencialmente, às de caráter técnico e

médico. A respeito deste tema, Moraes (2002) ensina

que no campo técnico, entre as possíveis atuações

têm-se a substituição de substâncias perigosas e a

utilização de sistemas de aspiração, de umedecimento

e de filtração, para captar ou neutralizar substâncias

nocivas nos lugares onde se formam ou de onde se

desprendem, como forma de encontrar soluções para

as novas doenças resultantes do efeito industrialização.

No âmbito médico, as medidas de proteção objetivam

revelar os efeitos do meio ambiente laboral à saúde e

prevenir o aparecimento de enfermidades profissionais

(doenças ocupacionais), através do controle e de exames

periódicos.

Sendo assim, quer no meio urbano e industrial,

quer no meio rural, devem ser promovidas medidas que

viabilizem atividades e condições de trabalho dignas da

pessoa humana, priorizando-se o respeito e a aplicação

das normas de segurança do trabalho, para que os

trabalhadores possam adquirir os subsídios de sua

existência, sem ter de pôr em risco a própria saúde ou

integridade física.

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.117-131, jul./dez. 2009 | 129

Revista da FAE

Considerações finais

O presente artigo objetivou demonstrar os direitos

e as garantias do trabalhador a um meio ambiente de

trabalho sadio e seguro, como forma de prevenção de

infortúnios no exercício de sua atividade laboral. Nesse

campo de incidência, conceituou-se o meio ambiente

de trabalho, identificando sua importância para a saúde

e a segurança do trabalhador.

Evidenciou-se que a atual Constituição Federal de

1988, refletindo as preocupações da sociedade inter-

nacional com a viabilidade de vida no planeta, alçou

o meio ambiente, enquanto bem essencial à sadia

qualidade de vida, a direito fundamental, tanto para as

presentes como para as futuras gerações, nos termos do

caput de seu art. 225. Observou-se que quando a Norma

Fundamental menciona “meio ambiente ecologicamente

equilibrado”, ela se refere a todos os aspectos do meio

ambiente. E, ao dispor que o homem, para encontrar uma

sadia qualidade de vida, necessita viver nesse ambiente

ecologicamente equilibrado, tornou obrigatória, tam-

bém, a proteção do ambiente em que passa a maior

parte de sua vida produtiva, qual seja, o do trabalho.

Assim, caracterizou-se o habitat laboral como sendo

tudo o que envolve e condiciona, direta e indiretamente,

o local onde o homem obtém os meios para prover o

necessário à sua sobrevivência e desenvolvimento, em

equilíbrio com o ecossistema. Portanto, a contrario

sensu, quando este “habitat” revela-se inidôneo para

assegurar as condições mínimas a uma razoável quali-

dade de vida do trabalhador, ter-se-á uma lesão ao meio

ambiente do trabalho.

Outrossim, as relações no mundo do trabalho

continuam a sofrer alterações e, por conseguinte, a

noção do meio ambiente do trabalho não pode ser

imutável, pelo contrário, necessita refletir as evoluções

sociais e técnicas que constantemente se aprimoram.

Conceituar meio ambiente do trabalho levando em

consideração as flexibilizações no direito, a globalização

da economia, as mudanças nas relações laborais e

nos modos de produção, tem gerado dúvidas aos

operadores do direito e evidenciado a lacuna da lei

frente às mudanças.

Nesse sentido, embora o meio ambiente do tra-

balho esteja condicionado ao local onde o homem

obtém os meios para prover o quanto necessário para

a sua sobrevivência e desenvolvimento, em equilíbrio

com o ecossistema, é tarefa do intérprete conciliar caso

a caso e aplicar o melhor conceito, sempre em prol da

proteção jurídica do trabalhador.

Além disso, também pôde ser visualizado que,

a partir da Constituição Federal de 1988, a saúde

do trabalhador deixou de ser matéria apenas de

legislação ordinária, elevando-se à categoria de direito

fundamental (art. 7.º, XXII, XXIII) e, portanto, cláusula

pétrea. O meio ambiente do trabalho passou a receber

tutela mediata (art. 225, caput, § 1.º, IV, VI e § 3.º) e

imediata (art. 200, VIII). Porém, apesar da existência

de todos os aparatos da tutela da ambiência laboral, a

verdadeira prevenção das questões do meio ambiente

do trabalho somente será efetiva e definitiva, quando

a sociedade e o empresariado tomarem consciência

de que o custo da prevenção é muito menor e mais

significativo que o custo da reparação dos danos

causados aos trabalhadores.

Sendo assim, quer no meio urbano, industrial ou

rural, devem ser promovidas medidas que viabilizem

atividades e condições de trabalho, dignas da pessoa

humana, priorizando-se o respeito e a aplicação

das normas de segurança do trabalho, para que os

traba lhadores possam adquirir os subsídios de sua

existência, sem pôr em risco a própria saúde ou

integridade física.

Busca-se, dessa forma, uma nova visão de proteção

aos trabalhadores, não mais na esfera individualista

do Direito do Trabalho, da monetarização dos riscos

e do pagamento dos adicionais, sejam eles os de

periculosidade, insalubridade ou penosidade, mas na

perspectiva de uma inovadora temática de prevenção,

informação e precaução.

130 |

Porém, percebe-se que, apesar da legislação

existente, infortúnios decorrentes das atividades labo-

rais costumeiramente acontecem, em que pese a

acentuada evolução do direito do trabalhador à saúde

e às condições dignas de trabalho. Infelizmente, apesar

de constar em nosso ordenamento jurídico a segurança,

a higiene e a medicina do trabalho como direito pú-

blico dos trabalhadores de exercerem suas funções

em ambiente de trabalho seguro e sadio, a realidade

das estatísticas das doenças e acidentes do trabalho

evidencia que os interesses econômicos ainda superam

os interesses humanos.

Conquanto, ainda que paradoxalmente, sobreleve-se

a mundial preocupação com a preservação e recupe-

ração do meio ambiente, numa visão equivocada, a

busca pelo lucro material parece mais intensa nesta

era de globalização econômica, em que se integram os

mercados e libera-se o comércio internacional. De fato,

essa nova ordem mundial vem impondo profundas

mudanças na organização dos processos de trabalho,

visando ao aumento da produtividade e à redução dos

custos, em um contexto no qual ganha nova dimensão

a relação entre trabalho e as condições de vida dos

trabalhadores. E isso, efetivamente, tem implicado a

degradação do ambiente em que se desenvolvem as

atividades laborativas.

Não se pode propor direito a um ambiente ecolo-

gicamente equilibrado, como reiteradamente referido

neste artigo, sem que se tenha por objetivo a garantia

da preservação da própria vida humana com dignidade

e salubridade. Portanto, não há como se falar em

democracia e Estado Democrático de Direito no tocante

à saúde, à segurança e à prevenção de acidentes do

trabalho, se não houver verdadeira, pronta e eficaz

atuação integrada de toda a sociedade na proteção ao

meio ambiente do trabalho. Assim, espera-se que estas

reflexões despertem interesse para outras de maior

alcance e conteúdo, com o objetivo de sensibilizar

a todos da necessidade de fazer valer os princípios

normativos da ambiência laboral, que garantam ao

trabalhador a sua saúde e a sua segurança.

•Recebido em: 23/06/2009 •Aprovado em: 02/09/2009

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Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.133-143, jul./dez. 2009 | 133

Revista da FAE

Resumo

Nesses 19 (dezenove) anos de vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente foi possível constatar avanços práticos significativos para a expansão da cidadania infanto-juvenil através da efetivação dos direitos individuais e do asseguramento das garantias fundamentais destinados à proteção integral da infância e da juventude.

Palavras-chave: adolescente; cidadania; constituição; criança; direitos; emancipação; estatuto; garantias; infância; juventude; subjetivação; subjetividade.

Abstract

In these 19 (nineteen) years of the Statute of the Child and Adolescent practical developments could see significant expansion of citizenship to the children and youth through the realization of individual rights and the securing of fundamental guarantees for the full protection of children and youth.

Keywords: adolescent; citizenship; constitution; chil; rights; emancipation; statute; status-guarantees; children; youth; subjectivations; subjectivity.

* Promotor de Justiça no Ministério Público do Estado do Paraná; Doutor em Direito (PPGD-UFPR); Professor Titular no UniCuritiba; [email protected]

Mário Luiz Ramidoff*

Estatuto da criança e do adolescente: 19 anos de subjetivações

Statute of the child and adolescent: 19 years of subjectivations

Crianças que “brincam” no pátio da escola ou nas ruas estão construindo e reconstruindo o mundo das normas dos adultos. Quanto mais autonomia tiverem, mais inventivas e democráticas serão para reconstruir a sociedade brasileira em normas mais justas e aceitáveis para todos.

(FREITAG, 1993)

134 |

Introdução

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei

Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990) para além

de regulamentar a proteção integral que se destina a

proteger a infância e a juventude (art. 1º), bem como a

designar criança e adolescente como sujeitos de direito

(art. 3º), e, assim, conceituá-los (art. 2º), também lhes

reconhece a titularidade de garantias fundamentais

(art. 4º). A titularidade desses direitos e garantias advém

da qualidade jurídico-legal (constitucional e estatutária)

de poder ser sujeito de direito. A capacitação de crianças

e adolescentes para a titularidade e o exercício de

direitos individuais e das garantias fundamentais requer

criação e manutenção das estruturas sociais (familiar e

comunitária) e estatais (equipamentos, instituições e

órgãos públicos) que lhes assegurem o pleno desen-

volvimento de suas potencialidades humanas.

Essas instâncias estruturais devem articular não só

suas ações de atendimento, mas, também informações,

experiências, e contribuições multidisciplinares que

possam oferecer soluções, cada vez mais, adequadas à

capacitação que potencializa a humanidade, o respeito

e a responsabilidade daqueles novos sujeitos de direito.

Na área internacional, por exemplo, toda pessoa com

idade inferior a 18 (dezoito) anos é considerada criança,

e esta é uma das diretrizes, ideologicamente, orientada

pela centralidade da pessoa humana como núcleo

irredutível de preocupação de toda norma jurídico-legal.

A criança e o adolescente se constituem na

matéria-prima da presente e das futuras sociedades

(comunidades humanas), as quais deverão ser construí-

das e reconstruídas através da participação ativa desses

novos sujeitos de direito na formulação de normas mais

justas e democráticas. A mencionada participação é

deco rrência direta do processo de redemocratização

que se deu, no Brasil, e, que, culminou com a instalação

da Constituinte de 1987/1988, através da qual foram

adotadas democraticamente as diretrizes internacio nais

relativas aos direitos humanos da criança.

Em virtude disto, observa-se que a comunicação

entre os segmentos sociais e os Poderes Públicos é a pedra

angular para a articulação das ações governamentais

e não-governamentais, isto é, para a construção das

“redes de proteção”. As “redes de proteção” se cons-

tituem, assim, através das ações governamentais e não-

governamentais de atendimento direto à criança e ao

adolescente.

A atuação dos atores e protagonistas sociais não

deve ser limitada somente ao cumprimento das funções

originárias, mas, diversamente, exige imersão na con-

flituosa realidade que se apresenta no quotidiano do

mundo da vida vivida. A mobilização da opinião pública

que se constitui numa das diretrizes da política de

atendimento, pois numa democracia é indispensável

a participação dos diversos segmentos da sociedade,

consoante dispõe o inc. VI, do art. 88 da Estatuto,

também se caracteriza como meio de comunicação

entre a sociedade e o Estado.

As instituições públicas, de seu turno, devem ser

estruturadas material – equipamentos adequados – e

pessoalmente – por exemplo, com a criação e manu-

tenção de equipes interprofissionais, consoante arts.

150 e 151, do Estatuto. Os operadores que atuam no

“sistema de garantia dos direitos” – então, constituído

pelas instâncias legislativa e judiciária (Magistratura,

Ministério Público e Advocacia, dentre outros atores

jurídico-sociais) – não devem se limitar às suas funções

originárias, pois, mais do que nunca, tornou-se

imperativa a articulação comunicacional com a “rede

de proteção”.

Eis, pois, a possibilidade de superação da buro-

cratização funcional das instâncias públicas e sociais,

as quais invariavelmente têm reduzido as suas ações

ao oferecimento de respostas setoriais dissociadas da

confluência transdisciplinar indispensável para a prote-

ção integral da criança e do adolescente. E a superação

dos obstáculos jurídicos, políticos e sociais assegura

a expansão dos direitos individuais e das garantias

fundamentais desse segmento social, senão, que é sinal

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.133-143, jul./dez. 2009 | 135

Revista da FAE

da emancipação humanitária desses novos sujeitos de

direito não só para a titularidade, mas, principalmente,

para o exercício pleno da cidadania infanto-juvenil.

1 Subjetivação

A subjetivação, em perspectiva emancipatória, é o

processo pelo qual se capacita a pessoa humana para ser

titular de direitos e garantias. A emancipação subjetiva da

criança e do adolescente, isto é, a melhoria da qualidade

de suas vidas individuais e coletivas, é decorrência direta

do asseguramento e efetivação desses direitos e garantias

cuja implementação perpassa pela concretização jurídica,

política e social do ideário democrático.

O ideário democrático, por sua vez, que orienta

a efetivação dos direitos individuais e da garantias

fundamentais especificamente destinados à proteção

integral da infância e da juventude, encontra suas

orientações político-ideológicas nas “Leis de Regência”

(RAMIDOFF, 2008a), quais sejam: a Constituição da

República de 1988 e o Estatuto da Criança e do

Adoles cente. A partir dessas bases político-ideológicas

pode ser afirmado que a criança e o adolescente são

sujeitos de direito – senão, na feliz conceituação de

Tercio Sampaio Ferraz Júnior (2007), sujeitos jurídicos –,

pois são titulares de direitos individuais e garantias

fundamentais que cabe ao direito objetivo reconhecer

e assegurar.

A subjetivação pode ser identificada então como

sinal de respeito e responsabilidade pela infância e

juventude, pois se constitui em expressão da condição

humana peculiar às pessoas que se encontram numa

daquelas fases da vida. Em razão disto, o exercício

dos direitos individuais e das garantias fundamentais

destinados à proteção da infância e da juventude

dependerá do que dispuser cada uma das legislações

especiais, as quais, contudo, deverão guardar confor-

midade com as bases político-ideológicas das “Leis de

Regência” do direito da criança e do adolescente.

O direito da criança e do adolescente se constitui

num subsistema jurídico-legal, que, também depende

de seu “estatuto” próprio, conforme o qual o exercício

dos direitos e garantias atribuídos aos novos sujeitos

de direito, possibilita o reconhecimento de novos

valores (humanitários), bem como assegura proteção

integral da infância e da juventude. Pois, como adverte

Ferraz Júnior (2007), o reconhecimento legal – aqui,

constitucional e estatutário – de tais direitos e garantias

à criança e ao adolescente, constitui-se num processo

específico de subjetivação, a qual a “própria ordem

jurídica encarrega-se, então, de isolá-los e integrá-los

num sistema dentro do qual adquirem sentido”.

Esses processos de subjetivação que permitem a

emancipação humanitária da infância e da juventude,

também promovem o asseguramento de garantias,

em perspectiva absolutamente prioritária, enquanto

instrumental adequado para superação dos obstáculos

jurídicos, políticos e sociais, potencializando, assim, a

efetivação dos direitos individuais, de cunho fundamental,

que são afetos aos novos sujeitos de direito.

Essas “vias de obstrução” são identificadas por

Freitag (1993) e, assim, exemplificadas pela

exclusão da criança da escola e a imposição feita às crian ças fora da escola de se submeterem aos ditames dos mais velhos e das classes dominantes, integrando-as prematuramente no processo de trabalho para asse-gurarem sua sobrevivência.

Nessa passagem doutrinária, é possível constatar

que os obstáculos jurídicos, políticos e sociais ao

pleno exercício da cidadania infanto-juvenil, quando

não impedem a efetivação dos direitos individuais e

o asseguramento das garantias fundamentais, cons-

tituem-se, na verdade, em ameaças e violências ao

pleno exercício da cidadania infanto-juvenil.

Em virtude disto, a legislação especial (estatutária)

foi estabelecida no ordenamento jurídico brasileiro,

com o intuito de que fossem objetivadas as normas que

conferem capacidade a essas novas titularidades para

o exercício pleno da cidadania infanto-juvenil. Esses

136 |

avanços práticos são decorrentes da política jurídica –

nos moldes do que sempre pontuou Melo (1994)1 – que

teve compromisso com o agir protetivo, como ainda

deve ter “toda ação político-jurídica”, a qual se define

“como uma operação do fazer ou seja o conjunto de

procedimentos que levem o agente à realização de uma

idéia, de um querer”, aqui, protetivo.

Por exemplo, cabe a todo aquele que atua no

“sistema de garantia dos direitos”, participar sempre que

possível das reuniões dos Conselhos dos Direitos; ouvir,

orientar e reunir-se para trocas de informações com os

Conselheiros Tutelares; visitar equipamentos públicos e

comunitários para prevenção de ameaças e violências aos

direitos da criança e do adolescente; atender diariamente

crianças, adolescentes, pais ou responsável, bem como

membros de seus respectivos núcleos familiares; manter

conversação com as equipes técnicas que atuam nos

equipamentos e progra mas de atendimento, bem como

com as equipes interpro fissionais do Juizado da Infância

e da Juventude; acompanhar, orientar e fiscalizar a

execução dos programas sociais de proteção à infância

e à juventude – ainda, que, incompletos, mas que na

prática são os que efetivamente atendem crianças e

adolescentes –, pois somente assim será possível o seu

aperfeiçoamento e adequação.

Essas são dentre tantas outras atividades extraju-

diciais que diariamente se desenvolvem de forma

imperceptível nas estatísticas oficiais; quando não,

sequer são contabilizadas na atuação profissional origi-

nária daqueles que atuam no “sistema de garantia

dos direitos”, mas, que, indiscutivelmente, previ nem

demandas judiciais desnecessárias através de contri-

bui ções transdisciplinares que são decisivas para a

1 Segundo o autor, os “elementos básicos de uma ação dotada de eficácia se configuram na existência de um agente (ente capaz de determinar-se); de meios hábeis (estratégias sob orientação normativa); e de um fim desejado (o desenho do devir ou da utopia). Esses três elementos pois terão que estar presentes em toda ação política-jurídica”.

resolu ção adequada, senão, mesmo para efetibilidade

social (PERELMAN, 1999) das decisões judiciais.

Enfim, é preciso reconstruir a dimensão política

que seja voltada para o direito da criança e do

adolescente. E isto é possível através da elaboração

de políticas institucionais que incentivem mudanças

significativas na atuação profissional para a proteção

da infância e da juventude. Porém, a elaboração dessas

políticas institucionais devem ser permanentes, e, acima

de tudo, observar a participação paritária daqueles que

desenvolvem as atribuições e compe tências funcionais.

A elaboração participativa (democrática) dessas

políticas institucionais deve observar as orientações

huma nitárias consagradas normativamente tanto

na Constituição da República de 1988, quanto no

Estatuto da Criança e do Adolescente. Essas políticas

institucionais que se destinam a reordenar a atuação

profissional na área da infância e da juventude, por

certo, não podem mais circunscrevê-las tão somente

às atribuições e competências originárias que são

desenvolvidas no interior do Sistema de Justiça

Infanto-Juvenil, isto é, no âmbito estritamente pro-

cessual (procedimental).

A atuação político-social (extrajudicial) que não

se reduza apenas ao desenvolvimento das atribuições

e competências judiciais pelos operadores do “sistema

de garantia dos direitos”, talvez, mais do que tudo isso,

assegure, sim, a plenitude e a expansão dos direitos

individuais e da garantias fundamentais que constituem

a cidadania infanto-juvenil.

Por isso, a atuação político-social dos operadores

do direito também se configura numa significativa

contribuição nos processos de subjetivação que permitem

a emancipação humanitária da criança e do adolescente,

isto é, a melhoria da qualidade de vida individual e

coletiva da criança e do adolescente, precisamente,

por assegurar a efetivação de direitos e garantias que

constituem a cidadania infanto-juvenil.

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Revista da FAE

2 Subjetividade

A subjetividade jurídica (DIMOULIS, 2007), é

“uma qualidade conferida única e exclusivamente

pelo ordenamento jurídico, que pode reconhecer ou

não a determinadas pessoas a qualidade de sujeito

de direito”. A subjetividade jurídica (constitucional e

estatutária) reconhecida à criança e ao adolescente tem

o intuito precípuo de lhes assegurar o protagonismo

não só jurídico-legal, mas principalmente político-social

através da titularização de direitos individuais e garan-

tias fundamentais, em perspectiva emancipatória.

A criança e o adolescente são sujeitos de direito

que se encontram na condição humana peculiar

de desenvolvimento (art. 6º do Estatuto), e, assim,

enquanto cidadãos se constituem nos elementos de

preo cupação central do ordenamento jurídico brasileiro,

motivo pelo qual lhes são reconhecidas específicas

garantias absolutamente prioritárias. É o que se encontra

expressa mente consignado tanto na Constituição da

República de 1988, quanto no Estatuto da Criança e do

Adolescente, quando, então, distinguiu-se esses novos

cidadãos pela garantia da absoluta prioridade para o

asseguramento (art. 227 da Constituição) e a efetivação

(art. 4º do Estatuto) de seus direitos individuais, de

cunho fundamental.

A subjetividade jurídica (NOLETO, 1998), é

iden tificada pela titularidade de direitos em pers-

pectiva emancipatória, vale dizer, “o da titularidade

emancipatória de direitos, em razão dos quais as

identidades individuais e coletivas se constituem

em luta pela ampliação dos espaços de liberdade,

na coexistência social”. A criança e o adolescente

reconhecidos constitucional e estatutariamente como

sujeitos de direito – vale dizer, como titulares de

subjetividade jurídica, política e social, em pers pec-

tiva emancipatória –, constituem o núcleo irredutível

de preocupação do novo subsistema jurídico-legal.

Esse novo subsistema jurídico-legal denominado de

direito da criança e do adolescente, por seu turno,

possui orientação teórico-pragmática que lhe permite

legitimar e justificar (argumentativa e discursivamente)

a intervenção estatal e social que se destina à proteção

integral da infância da juventude.

Essas orientações teórico-pragmáticas devem

ser desenvolvidas em torno do que se convencionou

denominar de “doutrina da proteção integral”, a qual

sintetiza os direitos humanos que são especificamente

destinados à criança e ao adolescente, conforme pode

se constatado pela própria elaboração legislativa do

art. 227, da Constituição da República de 1988.

A doutrina da proteção integral se compõe de

um sistema que possui “duas vertentes: uma positiva

e outra negativa” (SOUZA, 2001). A dimensão posi-

tiva da doutrina da proteção integral ensejaria o

reconhecimento de uma sistemática de concessões à

criança e ao adolescente, isto é, enquanto sujeitos de

direitos originários e fundamentais são merecedores

das medidas legais, políticas, sociais, econômicas dentre

outras para a “fruição de tais direitos (informação,

saúde, desenvolvimento, etc.)”.

A dimensão negativa daquela doutrina determinaria

“um sistema de restrições às ações e condutas” que

pudessem se constituir em ameaça ou violação dos

direitos individuais (humanos) e às garantias funda-

mentais afetos à infância e à juventude, inclusive,

utilizando-se de medidas legislativas necessárias para

tal desiderato (RAMIDOFF, 2008a).

A criança e o adolescente deixam de ser objetos de

tutela (objeto de algo) para se transformarem em sujeitos

de direito, isto é, em novas subjetividades jurídicas,

políticas e sociais. É precisamente esta qualidade de

sujeitos de direitos que lhes conferem a possibilidade

de referenciar seus próprios direitos e garantias espe-

ciais. A criança e o adolescente (subjetividades) passam

a constituir, a fazer de algo um objeto apreensível

138 |

(titularidade), através da referenciabilidade protetiva da

existência humana transcendental infanto-juvenil.

Daí ser possível afirmar com Luiz Bicca (1997),

que, “objetivar, ou seja constituir, fazer de algo um

objeto, é uma prerrogativa da subjetividade”. Mas, tal

subjetividade certamente não se confunde com eventuais

individualismos e, sim, com a transcendentalidade da

proteção integral à infância e à juventude, enquanto

fases da existência humana que configuram a cidadania

infanto-juvenil.

A objetivação jurídico-legal de direitos individuais e de

garantias fundamentais configura-se numa prerrogativa

da titularidade de direitos, isto é, numa expressão da

própria subjetividade infanto-juvenil. Com efeito, observa-

se que a “principal finalidade dos direitos fundamentais

é conferir aos indivíduos uma posição jurídica de direito

subjetivo”, de acordo com Dimoulis e Martins (2007),

e, “consequentemente, limitar a liberdade de atuação

dos órgãos do Estado”. Já as garantias fundamentais

corresponderiam “às disposi ções constitucionais que não

enunciam direitos, mas objetivam prevenir e/ou corrigir

uma violação de direitos”, conforme entendimento

daqueles dou trinadores.

3 Cidadania infanto-juvenil

A ideia do que se possa entender, hoje, por “cida-

dania infanto-juvenil”, vincula-se indissociavelmente à

noção de emancipação da pessoa humana. Neste sentido,

Schimdt (1993) tem observado que “falar, portanto, em

cidadania é reafirmar o direito pela plena realização

do indivíduo, do cidadão, e de sua emancipação nos

espaços definidos no interior da sociedade”. A noção de

emancipação, assim, vincula-se ao princípio fundamental

da dignidade da pessoa humana, então, enunciado

no inc. III, do art. 1º da Constituição da República de

1988, enquanto signo maior da redemocratização

das ações e relações sociais, senão, principalmente,

dentre aquelas estabelecidas com as instâncias estatais

(Poderes Públicos).

Paulo Sérgio Pinheiro (1993) já havia destacado

que a maioria da população brasileira é constituída por

pobres, indigentes e miseráveis que não tem os direitos

individuais assegurados efetivamente na prática; senão,

que, “os direitos individuais somente podem prevalecer

na medida direta em que forem reconhecidos como

direitos sociais para todos os grupos marginalizados,

mortificados e anulados na sociedade brasileira”.

A emancipação da pessoa deve representar,

então, a superação dos obstáculos jurídicos, políticos

e sociais, pois somente assim será possível assegurar

a efetivação dos direitos individuais e das garantias

fundamentais afetos à criança e ao adolescente. A

titularidade e o exercício da subjetividade jurídica,

política e social infanto-juvenil – assim como os pro-

cessos de subjetivação – deverão ser desenvolvidos

à luz das orientações humanitárias ideologicamente

consa gradas, na doutrina da proteção integral, senão,

através de ações emancipatórias que assegurem a

melhoria da qualidade de vida individual e coletiva

para a criança e o adolescente.

Não basta, pois, tão somente plasmar na Consti-

tuição da República de 1998 e ou mesmo no Estatuto da

Criança e do Adolescente direitos indivi duais e garantias

fundamentais, como, por exemplo, o relativo à não

responsabilização penal de crianças e adolescentes. É

preciso, pois, diversamente, adotar impeditivos jurídicos,

políticos e sociais para o enfren tamento de ameaças

e violências à cidadania infanto-juvenil, como, por

exemplo, representadas por aprova ções parlamentares

de propostas legislativas que se destinem a suprimir,

quando não, restringir o exercício de direitos e garantias

afetos à criança e ao adolescente.

O “grande aprendizado talvez tenha sido a cons-

tatação de que a vigência de um regime tenden-

cialmente democratizante não é condição automática

para o alastramento e consolidação desses direitos

sociais” (PINHEIRO, 1993)2.

2 Pois, para o autor uma coisa “é fazer a defesa de direitos individuais e sociais de pequeno grupo de oprimidos (politicamente) na ditadura; outra é promover a defesa desses direitos para a esmagadora maioria da população”.

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.133-143, jul./dez. 2009 | 139

Revista da FAE

A superação dos obstáculos que se verificam no

quotidiano brasileiro, é a superação emancipatória

que se opera em relação às mais diversas formas

de ameaças e violências contra direitos, garantias,

senão, diretamente, sobre a própria transcendência da

cidadania infanto-juvenil.

A efetivação da cidadania infanto-juvenil corres-

ponde à expansão permanente do atendimento das

necessidades pessoais e sociais da criança e do adoles-

cente, com vistas à capacitação para a titularidade e o

exercício de direitos individuais e garantias funda-

mentais que lhes são pertinentes.

A capacidade humana para a superação do conjun-

to de necessidades que circunstanciam a existência das

pessoas, aqui, na área destinada à proteção da criança

e do adolescente, pode ser potencializada através

do apoio institucional a ser oferecido por programas

soci ais de atendimento desenvolvidos por ação governa-

men tais e não-governamentais.

A superação dessas necessidades passa a ser, na

sociedade moderna, uma demanda permanente pela

melhoria da qualidade de vida individual e coletiva;

e, nas áreas relacionadas à proteção da infância e da

juventude, apenas verificada com a efetivação dos

direitos individuais, senão, pelo asseguramento das

garantias fundamentais de que são titulares a criança

e o adolescente.

Cada uma das superações se constitui expressão

dos processos de emancipação subjetiva que são inter-

mi náveis, senão, aqui, cotidianamente, verificados

durante a infância e a juventude, enquanto fases da

exis tência humana.

É o que entende Miracy Barbosa de Sousa

Gustin (1999) por processo de emancipação humana

identificado, pois, por ser um “processo de construção

normativa que, através da expansão das relações

democráticas, realiza-se no constante desvendamento

de novas alienações e das variadas formas de exclusões

do mundo contemporâneo”.

Com isto, demonstra-se que as necessidades so-

ciais que as pessoas experimentam são estruturantes

para a qualquer ação humana, seja ela jurídica, política

ou social. A mutação que tais necessidades sofreram

comprova que o progresso humano não é linear, preci-

samente, quando “é entendido como o aumento da

capacidade humana de superar suas privações no

sentido de recuperação e ampliação de sua qualidade

de vida e de bem-estar e de emancipação individual e

coletiva” (GUSTIN, 1999).

A efetivação dos direitos individuais e das garan-

tias fundamentais afetos à infância e à juventude

asseguram o atendimento das necessidades através

da implementação das políticas públicas (programas

sociais), senão, pela intervenção jurídico-legal do Poder

Judiciário.

Portanto, tais direitos e garantias afetos à criança

e ao adolescente são indispensáveis para o “desenvol-

vimento pleno da autonomia” infanto-juvenil, conforme

relata Gustin (1999), ao demonstrar que “o princípio da

satisfação de necessidades (das políticas sociais ou da

esfera jurídica) deveria orientar-se não somente num

sentido restrito de satisfação de carências materiais,

mas de atribuírem aos cidadãos capacidades de se

auto-regerem e de participarem com autonomia crítica

da sociedade, tanto no que se refere à ação quanto à

capacidade argumentativa”.

Assim como a Constituição da República de 1988

continua constituindo (RAMIDOFF, 2003)3, o Estatuto

da Criança e do Adolescente permanece subjetivando

crianças e adolescentes como sujeitos de direito, através

do reconhecimento, o asseguramento e a efetivação dos

direitos e garantias fundamentais que lhes são afetos.

3 Isto é, “enquanto possibilidade de constitucionalidade, ou seja, de vínculos mais fortes de substancialidade, entendidos como tais à interpretação do texto constitucional segundo os valores da dignidade e do respeito pela pessoa humana, tornando, desta forma, coerente e compatível toda atividade estatal, precisamente quando assegura a correspondência entre a comunidade e a constituição”.

140 |

4 Emancipações subjetivas:

avanços e retrocessos

Em perspectiva, permanecem as proposições afir-

mativas que têm por objetivo a superação de toda sorte

de obstáculos, ameaças e violências aos direitos e garan-

tias destinadas à criança e ao adolescente, enquanto

sujeitos de direito que se encontram na condição huma-

na peculiar de desenvolvimento.

As orientações políticas e jurídicas oriundas dos

fundamentos e princípios derivados da doutrina da

proteção integral deverão constituir, por assim dizer, o

conteúdo significativo de uma “lógica político-jurídica”

protetiva que se destine a preservar os valores humanos

optados democraticamente como fundamentais para

crianças e adolescente – art. 227 da Constituição da

República de 1988.

Em que pese entendimentos contrários ao reco-

nhecimento do ordenamento jurídico como um “corpo

lógico de ideias (norma jurídicas, súmulas juris pru-

denciais, interpretações doutrinárias), porque a relação

existente entre elas é incompatível com os princípios

do pensamento lógico (identidade, não-contradição e

terceiro excluído)” (COELHO, 1992)4. Eis, pois, impor-

tante limitador dos determinismos e dos fatalismos

sociais. Esses determinismos e fatalismos são, por vezes,

expressos através de “juízos de realidade” dissociados

da “aplicação criteriosa de juízos de valor” (MELO,

1998), em prol dos direitos e da proteção da criança e

do adolescente.

A emancipação jurídica, política e social dessas

novas subjetividades deve ser permanente, pois somente

assim a proteção integral poderá proporcionar à criança

e ao adolescente titularidade e exercício de novos direitos

4 Mas, “o sistema jurídico não é um agrupamento totalmente desordenado de ideias estranhas entre si; ele possui certa unidade. Essa unidade é retórica. Ou seja, se as pessoas certas da comunidade jurídica [...] se convencerem da pertinência de certa idéia relativa ao direito, então essa idéia passa a integrar o sistema jurídico”.

que são relativos, por exemplo, ao planejamento familiar;

à inclu são digital; à sustentabilidade econômico-ambiental;

à responsabilidade empresarial social; à formulação e

à execução programas empresariais de aten dimento; à

destinação orçamentária aos fundos para a infância e

juventude (FIA) conjugada ao Plano Plurianual (PPA).

Com tais avanços práticos é possível reduzir as

desigualdades sociais, de gêneros, econômico-finan-

ceiras, políticas, raciais, dentre outras; e, assim, assegurar

o pleno exercício dos direitos individuais e das garantias

fundamentais que integram a cidadania infanto-juvenil.

Pois, somente assim será possível estabelecer critérios

objetivos para a formulação de recomendações aos

organismos governamentais e não-governamentais, bem

como oferecer contribuições técnicas para resoluções

cada vez mais adequadas e culturalmente aceitas,

através da conversão político-social (ideologicamente)

em prol da infância e da juventude.

O convencimento projetado pelo reconhecimento

e a assunção de novos valores (humanitários), por

certo, requer mutação ideológica, a qual se constrói

estrutural e funcionalmente pela análise reflexiva de

um dado conhecimento que passa, assim, a considerar

criticamente os objetos estudados e as questões funda-

mentais que vão se apresentando ao longo da revisitação

investigativa.

Não se pode desprezar que sazonalmente existem

indícios de retrocessos, como, por exemplo, a recente

aprovação pela Comissão de Constituição, Justiça e

Cidadania do Senado Federal de proposição legislativa

que discute a redução da idade de maioridade penal –

inimputabilidade penal, então, reconhecida como

direito individual, de cunho fundamental, nos termos

do art. 228, combinado com o art. 60, § 4º, inc. IV,

ambos da Constituição da República de 1988.

Não fosse apenas isto, recentemente, deparou-

se com o denominado “toque de recolher” através do

qual administrativamente o órgão julgador estabeleceu

por “portaria judicial”, de forma genérica, um determi-

nado horário limite para a circulação de crianças e

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.133-143, jul./dez. 2009 | 141

Revista da FAE

adolescentes nas vias públicas. As “Leis de Regência”

são firmes em assegurar à criança e ao adolescente o

direito individual, de cunho fundamental, de ir, vir e

permanecer; bem como em determinar a adoção de

medidas legais para a prevenção de ocorrências que

ameacem ou violentem aqueles sujeitos de direito.

Em que pese as mais diversas motivações para

adoção desta “bondade dos bons” (RAMIDOFF, 2008b),

inclusive, sob o argumento de que seriam salvaguardados

os direitos fundamentais afetos à criança e ao ado-

les cente, certamente, não se constitui no meio e, sequer,

na proteção adequada para aqueles sujeitos de direito,

consoante dispõe o art. 149 do Estatuto.

É o que já se experimentou no México através

de decisões judiciais que se constituem em critérios

jurídico-legais para elaboração de recomendações

para o asseguramento dos direitos humanos afetos à

criança e ao adolescente. Tais decisões declararem a

inconstitucionalidade de tais medidas, uma vez que a

aplicação de um horário restringido para a circulação de

crianças e adolescentes viola o direito de liberdade de ir,

vir e permanecer, isto é, de “trânsito” daqueles sujeitos

de direito. Senão, como afirmam Graciela Sandoval

Vargas e Edgar Corzo: “en agravio de los menores de

edad, advirtiéndose un trato discriminatorio a ese sector

de la poblácion” (VARGAS; SOSA, 2006)5.

Os avanços civilizatórios e humanitários devem

servir como orientações ideológicas que impeçam tais

retrocessos, e, isto, pode ser muito bem assegurado

através da formulação de políticas públicas destinadas à

criança e ao adolescente, que, contemplem programas

sociais, em prol da infância e da juventude.

Afigura-se, pois, imprescindível o desenvolvimento

doutrinário e pragmático de uma “teoria jurídica

5 Posto que “no constituye el médio legal e idóneo para disminuir o erradicar el vandalismo o la delincuencia juvenil en la localidad y, al contrario, la propia autoridad municipal actúa de manera arbitraria [...] la aplicación de sanciones que no se encuentran contempladas en ningún ordenamiento que emane de una autoridad competente para tal efecto, violando con ello los derechos a la legalidad y a la seguridad jurídica”.

da proteção integral” (RAMIDOFF, 2008a), quando

não, o estabelecimento do direito da criança e do

adolescente, como disciplina obrigatória nos cursos de

graduação e de pós-graduação relativas às áreas do

conhecimento que se destinam ao estudo, pesquisa e

extensão protetiva da infância e da juventude; como,

por exemplo, direito, medicina, psicologia, pedagogia,

serviço social, dentre outros.

Assim será possível distinguir a ideia de direito

como ordenamento jurídico, senão, como um dos seus

subsistemas ou mesmo como disciplina jurídica curricular

(conhecimento/saber) que deve conter dimensões

semânticas acerca do objeto (infância e juventude,

enquanto condição peculiar de desenvolvimento da

personalidade humana); dos objetivos (proteção inte-

gral enquanto cuidado especial dos direitos indi viduais,

difusos e coletivos afetos à criança e ao adolescente

para emancipação da personalidade hu mana); dos fun-

damentos (direitos humanos e direitos fundamentais); da

metodologia (estratégias de viés inter e transdiscipli nar);

dos princípios (dignidade da pessoa humana e doutrina

da proteção integral); e dos sujeitos de direito (criança e

adolescente – subjetividades) (RAMIDOFF, 2008a).

Considerações finais

O Estatuto da Criança e do Adolescente nesses

19 (dezenove) anos de vigência, e, assim, de eficácia

e validade formal e material tem proporcionado

às pessoas que se encontram na condição humana

peculiar de desenvolvimento, isto é, na infância ou

na juventude, à subjetivação necessária para o reco-

nhecimento (titu laridade) e o exercício de direitos e

garantias (subje tividade jurídica).

A subjetivação é o processo pelo qual são reco-

nhecidos direitos individuais e garantias funda mentais

às pessoas.

E, aqui, na área jurídico-legal destinada à proteção

da infância e da juventude, tal reconhecimento atribui

142 |

titularidade daqueles direitos e garantias, às pessoas

que se encontram na condição humana peculiar de

desenvolvimento, ou seja, às crianças e adolescentes.

Assim, crianças e adolescentes passam a ter reconhecida

a qualidade de sujeitos de direito, pelo ordenamento

jurídico brasileiro, o qual “atribui a faculdade de

adquirir e exercer direitos” (DIMOULIS, 2007).

A criança e o adolescente são sujeitos de direito

porque não só são tidos como titulares de direitos,

mas, também, porque são reconhecidos como tais

(protagonistas) por todo ordenamento jurídico brasileiro

através de garantias diferenciadas e especiais, como, por

exemplo, a proteção integral e a absoluta prioridade,

dentre outros asseguramentos distintivos.

A criança e o adolescente são novas subjetividades

reconhecidas pelos avanços e conquistas jurídico-legais

e sociopolíticos, o que, por certo, possibilitou não só o

exercício de seus direitos individuais, mas, também, o

asseguramento de suas garantias fundamentais.

A cidadania infanto-juvenil, assim, deve ser proje-

tada através da compatibilidade entre os processos

de subjetivação – reconhecimento, asseguramento

e efetivação – e do exercício pleno da subjetividade

jurídica, política e social pertinente à criança e ao ado-

lescente. Por isso mesmo, um dos mais significativos

conteúdos que se possa atribuir à ideia dessa nova

“cidadania infanto-juvenil” é precisamente a noção de

emancipação da pessoa humana.

Porém, nesses 19 (dezenove) anos da vigência do

Estatuto da Criança e do Adolescente apesar de se veri-

fi car significativos avanços práticos para a conso lidação

da cidadania infanto-juvenil, também foi possí vel cons-

tatar retrocessos contundentes à subje tividade jurídica,

política e social inerente à infância e à juventude.

Mas, é possível dizer que a criança e o adolescente

desde o advento da Constituição da República de 1988,

quando não, pelas proposições afirmativas do Estatuto

da Criança e do Adolescente, nos últimos 19 (dezenove)

anos, tiveram ampliado o âmbito jurídico, político e

social da cidadania infanto-juvenil.

Por tudo isso, continua ser plausível tanto jurídico,

quanto político e socialmente afirmar que as “Leis

de Regência” constituem e subjetivam a infância e a

juventude, no Brasil, através da destinação de proteção

integral, aquelas pessoas que se encontram na condição

humana peculiar de desenvolvimento, quais sejam:

crianças e adolescentes.

Isto é, tanto a Constituição da República de

1988, quanto o Estatuto da Criança e do Adolescente,

permanecem respectivamente a constituir através do

reconhecimento e a titularização de direitos e garantias

afetos à infância e à juventude, bem como através

dos processos de subjetivação desses novos sujeitos

de direito que os capacita em potencialidades para o

exercício responsável da cidadania infanto-juvenil.

•Recebido em: 22/07/2009 •Aprovado em: 20/10/2009

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.133-143, jul./dez. 2009 | 143

Revista da FAE

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Revista da FAE

Indicadores para avaliar a responsabilidade social nas instituições de ensino superior

Indicators to assess social responsibilities in colleges

Resumo

O artigo apresenta uma síntese do conceito de Responsabilidade Social

(RS) passando do entendimento empresarial ao âmbito universitário.

Também sugere a necessidade de se utilizar indicadores para avaliar a

RS nas Instituições de Ensino Superior (IES), dentre os quais se destaca a

nova ISO 26000.

Palavras-chave: responsabilidade social; gestão; sustentabilidade; indicadores.

Abstract

This article aims at presenting a synthesis of the Social Responsibility

(RS, Portuguese acronym) concept, from the business to the college perspective.

It also suggests the necessity of utilizing indicators to assess the RS in Colleges

(IES, Portuguese acronym), among which the new ISO 26000 is highlighted.

Keywords: social responsibility; management; sunstainability; indicators.

Gilmar José Hellmann*

* Graduado em Filosofia e Administração. Professor no Ensino Fundamental e Superior. E-mail: [email protected]

146 |

Introdução

O Brasil tem apresentado mudanças significativas

na vida política e econômica do cidadão. Percebe-se

isto na formação da consciência cidadã que movimenta

o meio acadêmico e empresarial entorno do tema:

Responsabilidade Social (RS). Com a expansão do setor

educacional, ampliou-se o interesse por pesquisas e

estudos referentes à RS no meio acadêmico. Além

de estudar o tema, a Instituição de Ensino Superior

(IES) tornou-se um espaço social privilegiado para

aplicação, manutenção e avaliação das ações de RS

no campo educacional. Várias organizações sugerem

indicadores e metodologias para avaliar um processo

de ações socialmente responsáveis. Neste artigo,

apresento alguns conceitos de RS e se propõem

alguns indicadores sociais que contemplem diversas

facetas da RS e diferentes grupos de interesse da

IES: gestores, colaboradores, alunos, stakeholders,

comunidade e governo.

Neste artigo, privilegiou-se a metodologia ex plo ra-

tória, obtendo informações consistentes sobre o tema

proposto, respeitando um planejamento flexível na

for mulação de problemas e hipóteses. O processo de

construção do trabalho envolveu a identificação

da biblio grafia, delimitação do assunto, definição

de objetivos, formulação do problema de pesquisa

e sugestão de possíveis pistas de resolução. Consi-

deran do a diversidade de fontes, priorizou-se a busca

de refe rências no meio acadêmico e nos bancos de

dados das IES.

1 Fundamentos da responsabilidade

social

A RS está fundamentada na conquista dos direi-

tos humanos: direitos básicos à vida, à segurança, à

liberdade e à igualdade. Esta conquista foi concebida

como um ideal comum a ser atingido por muitos povos

e nações. Formulou-se um padrão para mensurar o grau

de respeito e cumprimento de normas internacionais de

direitos humanos. Neste sentido, a RS é uma conquista

coletiva, que segundo Melo Neto e Froes (2001, p.97)

“busca estimular o desenvolvimento do cidadão e

fomentar a cidadania individual e coletiva”. Por isso se

diz que a RS é um movimento de interesse global, mas

de atuação local. Tais são as aspirações e preocupações

humanas nas agendas internacionais, como o Pacto

Global e a Declaração e Metas do Milênio. Antes do

fortalecimento do Terceiro Setor e dos movimentos

sociais em diferentes culturas, instituições tradicionais

como a Igreja Católica já orientavam os seus seguidores

para a compreensão do pensamento com ênfase

social; como ocorreu com a Doutrina Social da Igreja

Católica1. Desta forma a instituição oferecia indicativos

para dirigentes e fiéis avaliarem a ética pessoal e o

comportamento social.

Num processo de globalização, temas como des-

truição do meio ambiente, explosão populacional,

narcotráfico, proliferação de doenças, instabilidade

dos mercados financeiros e aumento da pobreza

e desemprego, tornaram-se pauta de discussão de

governos e da sociedade civil. As Organizações Não

Gover namentais (ONGs), Organização da Sociedade Civil

de Interesse Público (OSCIPs) e entidades filantrópicas

e sem fins lucrativos, abriram espaço ao cidadão, que

passou a desempenhar um papel decisivo na definição

de comportamentos e parcerias entre empresas e

governo, sociedade civil e estado.

Segundo Pacheco e Mendonça (2006) Emile Durkheim

considera a sociedade como um sistema coercitivo e a

educação numa visão funcionalista, podemos dizer que

a interligação entre diversos sistemas de comunicação,

pesquisa, gestão e administração financeira torna as

1 Citam-se as Encíclicas Rerum Novarum (1981) do papa Leão XIII; a Laborem Exercens (1981), Sollicitudo Rei Socialis (1987), Centesimus Annus (1991) e o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, do papa João Paulo II.

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.145-156, jul./dez. 2009 | 147

Revista da FAE

instituições sociais co-responsáveis pelos benefícios

e malefícios das ações públicas e privadas. No setor

público, cita-se o caso da Lei de Responsabilidade Fiscal

que exigiu mais rigorosidade da administração nas

finanças públicas. Na iniciativa privada, o marketing

social vem se tornando um meio de socialização que

dá maior visibilidade às ações sociais. Segundo Araújo

(2001), o marketing social pode ser entendido como

estratégia de mudança comportamental e atitudinal, a

ser utilizado em qualquer tipo de organização (pública,

privada, lucrativa ou sem fins lucrativos), desde que

esta tenha uma meta final de produção e de trans-

formação dos impactos sociais. Contudo, este meio

pode ser restritivo se enfatizar mais os resultados mer-

cadológicos que a contribuição social. A necessidade

de se avaliar um processo de RS nas empresas e nas

instituições educacionais tornou mais transparente e

compreensível o tema, seja para o público interno da

empresa, como para a comunidade onde as instituições

estão inseridas.

Para Tarapanoff (2006), a Carta de Princípios do

Dirigente Cristão de Empresas, de 1965, marca o início

da utilização da expressão “RS” no meio empresarial

brasileiro. Contudo, as primeiras manifestações sobre

este tema, envolvendo empresários, comunidade, polí-

ticos e meios de comunicações, somente ganharam

ênfase a partir da década de 1990. Iniciativas como

a campanha do Ibase (Instituto Brasileiro de Análises

Sociais e Econômicas), com o apoio da Gazeta Mer-

cantil, convocou os empresários a um engajamento

social, incentivando a elaboração e publicação do

Balanço Social no Brasil. Outra iniciativa foi a da fun-

dação do Instituto ETHOS, que vem elaborando

material para ajudar as empresas a compreenderem

e incorporarem o conceito da RS no cotidiano de sua

gestão (PASSADOR, 2002). A Conferência Eco 92, no

Rio de Janeiro, foi um marco social que contribuiu na

reflexão sobre a responsabilidade de ações sociais em

relação à comunidade, ao meio ambiente e ao corpo

de funcionários de diferentes instituições sociais. Para

o Instituto Nacional de Normalizacíon do Chile, este

evento colaborou com a elaboração da ISO 26000 de

Responsabilidade Social.

2 Contexto conceitual da

responsabilidade social

Segundo Roman (2004), a RS tem seus funda-

mentos no pensamento econômico de que o governo

não necessita interferir na economia; princípio este,

defendido por Adam Smith, na obra A Riqueza das

Nações, e por Hayek, na obra O Caminho da Servidão.

Contudo, com o crescimento da economia após a

Segunda Guerra Mundial, as teorias econômicas

de Keynes suplantaram aqueles fundamentos, pro-

pondo a intervenção estatal na vida econômica,

bem ao con trário do que pregava a ideologia liberal.

Neste contexto, a RS foi assumida pelo Estado. No

prosseguimento históri co, houve mudanças no

cená rio político e econômico internacional, como

ocorreu simbolicamente na “Queda do Muro de

Berlim” (MESQUITA, 2003). Em 1989, o “Consenso de

Washington” propôs um programa de reformas que

incluía desregulamentação dos mercados, abertura

comercial, flexibilização das leis trabalhistas, rigoroso

ajuste fiscal e privatizações, reduzindo a atuação

do Estado e sua interferência na economia. Vários

governos nacionais e instâncias representativas da

sociedade desobrigaram-se da RS por falta de condi-

ções políticas, financeiras e técnicas, reafirmando a

pregação neoliberal e a incompetência estatal.

Para Ferés (2006), a RS deve ser compreendida

na ótica do neoliberalismo; num processo de inter-

nacionalização da economia e numa política que trouxe

transformações complexas, favorecendo a exclusão

social. Os avanços científicos e tecnológicos do mundo

globalizado favoreceram a acumulação do capital, a

maior desde o século XVIII, contudo não acabaram com

as desigualdades e misérias humanas. Compreende-se,

148 |

desta forma, que a RS faz parte da articulação das

forças econômicas que buscam amenizar os flagelos

que o neoliberalismo criou, oferecendo certo alívio para

a consciência empresarial. De acordo com Frey (2005),

a RS das empresas é a resposta aos questionamentos e

crí ticas no campo social, ético e econômico, por adotarem

uma política baseada na economia de mercado.

Com o esvaziamento da capacidade do Estado

para cumprir funções sociais, que lhe cabiam histo-

ricamente, surgiu um vácuo social que deveria ser

preenchido por alguém. Presencia-se uma nova

racionalidade social. Segundo Busatto (2001, p.101),

“há uma onda histórica que traz em seu bojo uma

profunda crítica à atual configuração da nossa

sociedade”. A nova concepção social reafirma a

cons ciência cidadã, que não admite mais conviver

numa sociedade desigual, injusta e desumana.

Para Guaragna (2005 apud FREY, 2005), a RS é

um movimento interno, que nasce do interior do

ser humano, e não apenas como uma jogada de

marketing ou modismo. Neste entendimento, muitas

instituições sociais superam o foco da eficácia e

buscam o desenvolvimento social sustentável de

longo prazo.

3 A responsabilidade social

sustentável

O movimento de RS trouxe novos termos e

conceitos para o ambiente empresarial e institucional,

dentre os quais destacamos: empresa cidadã e sus-

tentabilidade. A RS significa interagir com diversos

públicos, respeitando o meio ambiente, o ambiente

de trabalho, o ambiente social, a qualidade de vida,

o ambiente urbano, a qualidade dos bens e serviços,

enfim, é o que também pode ser denominado de

cidadania empresarial.

O conceito de “empresa-cidadã”, segundo Melo

Neto e Froes (2001), surgiu em decorrência do movi mento

de consciência social internalizado por diversas empresas.

Este movimento se compromete com a pro moção da

cidadania e o desenvolvimento da comu nidade, investindo

em experiências e projetos nas áreas sociais, voltados à

melhoria da dignidade humana. Segundo Frey (2005), é

um exercício de ações sociais de longo prazo, envolvendo

os públicos interno e externo da empresa, resultando

em uma nova postura empresarial e um processo de

conscientização sobre a sustentabilidade dos negócios.

Compreende-se a “sustentabilidade como o desen-

vol vimento que satisfaz as necessidades presentes,

sem comprometer a capacidade das gerações futuras

de suprir suas próprias necessidades” (KINLAW, 1997,

p.82). Este conceito nos remete a RS das pessoas e

das instituições em favor da sociedade, objetivando o

bem estar social da comunidade. De acordo com Kotler

e Armstrong (1998), é cada vez maior a exigência de

que as empresas se responsabilizem pelo impacto social

e ambiental. Esta visão exige uma nova postura das

instituições, na qual “o comportamento socialmente

res ponsável termina por ser mais sustentável em longo

prazo do que o comportamento meramente opor-

tunista” (ALVES, 2001, p.81). O desempenho sus ten tável

é um processo que exige a adoção de um conjunto de

princípios e envolve todos os que se relacionam com

a sus tentabilidade. Relacionamos alguns princípios

cita dos por Kinlaw (1997, p.11), que sugere a susten-

tabili dade como um processo de:

• ��á���������g��çã�������������������;

• �����������ê�c���c���g�c���x�gê�c��q���������processos, bens e serviços sejam compatíveis com os ecossistemas;

• �������çã������c���������������������������cíficos e mensuráveis;

• c������çã����������c������á���;

• �������� ���� � c�����c�çã� c������� �� �����os aspectos de seu desempenho ambiental real e planejado a todas as partes nelas interessadas;

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.145-156, jul./dez. 2009 | 149

Revista da FAE

• ���h����c���í�������������h�������������pleno envolvimento de cada um dos membros de sua força de trabalho;

• f���������çã�������������f����çõ��c��c�����obtidas das auditorias, medições e relatórios do desempenho ambiental da empresa;

• ��c����g����x�gê�c��q�����������������������parcerias com governos, outras empresa, entidades educacionais, grupos de pesquisa e desenvolvimento, fornecedores e clientes, de modo a descobrir e im-ple mentar formas de melhorar o desempenho sus-tentável;

• ������������ �� ������� ������� � �x�gê�c�� q��todos os seus sistemas de planejamento, de processo decisório e de recursos humanos estejam em plena harmonia para com o desempenho sustentável.

Em síntese, a sustentabilidade numa institui ção

socialmente responsável possui quatro caracterís-

ticas: é plural (colaboradores, stakeholders, governo,

meio-ambiente e comunidade), é distributiva (negó-

cios, cadeia produtiva, fornecedores e consu midores),

é sus tentável (recursos e impactos socioam bientais),

e é transparente (divulgação de relatórios). Para

Ashley e Queiroz (2005), a RS é um compromisso

da organização com a sociedade, expresso por

meio de atos e atitudes que afetem positivamente a

comunidade e age pró-ativamente e coerentemente

no seu papel social e na prestação de contas com a

sociedade.

4 A IES num contexto social

de mercado

De acordo com Rodrigues, Ribeiro e Silva (2006),

a Conferência Mundial Sobre a Educação Superior no

Século XXI, realizada em 1998, sob o ponto de vista do

gerenciamento, compreendeu a IES como um sistema

global, composto internamente por subsistemas envol-

vendo interações complexas com o mundo exterior,

conforme pode ser visualizado na figura 1.

FIGURA 01 - IES NO AMBIENTE SOCIAL

MACRO AMBIENTE

MESO AMBIENTE

MICRO AMBIENTE

EDUCAÇÃO BÁSICA

MERCADO DE TRABALHO

Fluxo em uma Instituição de Ensino Superior

Admissão - Estrutura - Cultura - Validação

GESTÃO

RECURSOS

FONTE: Adaptado de Rodrigues, Ribeiro e Silva (2006)

No microambiente, a IES exerce influência

sobre todo o fluxo. Em seguida, ela interage com o

meso-ambiente (local e nacional), o qual impõe

certas exigências sobre a instituição de ensino (como

regulamentos) e provê a ela certos recursos (proporções

de seus fundos). Inserida no macroambiente, a IES

age como um veículo para determinados fenômenos

geopolíticos que exercem pressão sobre a mesma. A

IES não é algo neutro. Percebe-se que dois sistemas

governam os processos de transformação na IES: o de

admissão de alunos, que constitue a matéria-prima

das IES, e o de validação, que especifica as caracterís-

ticas que esta matéria-prima deve possuir quando deixar

a instituição.

Neste sistema social, Calderón (2005) ressalta

que a IES brasileira vem passando por profundas

mudanças a partir da institucionalização do mercado

universitário. Desde a década de 1990, as IES foram se

identificando com o mercado capitalista: aprenderam

a conviver com a competição mercadológica, incorpo-

raram, perderam a filantropia e estruturaram seu

sustento através da cobrança de mensalidades para

financiamento das atividades; surgiram grandes

empresas educacionais tirando as máscaras sociais e

deixando evidente a finalidade mercantil, entre outras

características. A homogeneização das IES privadas

150 |

na categoria de empresas educacionais, indepen-

dentemente da finalidade ou não de lucros, exigiu

mais respostas do ensino superior quanto a sua

participação na Responsabilidade Social. Neste con-

texto, a IES necessitou profissionalizar o sistema de

gestão, expressando de alguma forma a missão, o

processo e o resultado que espera ao cumprir com seu

papel social.

5 A gestão da responsabilidade

social da IES

A RS, segundo Borger (2001), deve ser vista

como parte da cultura, da visão e dos valores da

empresa, requerendo a filosofia e a missão como

compromissos articulados. Neste sentido, Schmidt

e Silva (2005) ressalta a importância da missão nas

organizações e principalmente nas IES, uma vez que

é por meio dela que se pode identificar o conjunto

de atividades utilizadas por uma organização como

balizadoras e orientadoras de seu progresso dentro da

comunidade em que se insere. Para Calderón (2005),

a busca de soluções para os problemas sociais não é

um compromisso que a universidade pode cumprir ou

deixar de cumprir. Trata-se de uma obrigação social

que, se ela não cumprir, torna-se uma instituição

socialmente irresponsável. Para Sordi (2005), mesmo

que a educação superior no Brasil esteja concentrada

nas mãos da iniciativa privada, não se deve confundi-

la com uma mercadoria e tratá-la apenas sob a ótica

e a ética da empresa. O objetivo de maximização de

lucros não deveria ser o primordial, mas a eficácia em

que a missão e o plano estratégico são executados.

Por isso, Rösler e Ortigara (2005) reflete que no ensino

superior os fins pedagógicos hão de prevalecer sobre

o interesse no lucro do empreendimento. Noutras

palavras, o projeto pedagógico de um curso não pode

ser concebido em função das vantagens econômicas

do empreendimento, mas ter em vista a qualidade do

ensino que se vai oferecer.

O Estado procura cumprir seu papel com a RS por

meio de seu poder legislativo. A Constituição Federal

de 1988, no artigo 205, diz que educação é direito de

todos e dever do Estado e da família; é promovida e

incentivada com a colaboração da sociedade, visando

ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo

para o exercício da cidadania e sua qualificação para

o trabalho. Para Durham (2005), se a função básica

da IES, pública ou privada, é promover educação

como função social, todas elas trazem em seu

cerne, em sua razão de existir, o compromisso com

uma determinada RS. Também para Macedo (2005),

a RS da IES de qualquer natureza não pode ser

entendida como instrumento que permita ao Estado

omitir-se no desempenho de funções que lhe são

inerentes, ou ser interpretada como pretexto para

dela fazer um substituto do Estado ou uma agência

de implementação de políticas governamentais.

Como ponderou o Ministro Eros Grau, “o ensino

universitário, qual o básico, não se o pode tomar

como objeto de mercancia. O Estado é responsável

pela sua prestação à sociedade. Ele, não o mercado,

deve orientar essa provisão”.

Em 1994, a RS no ensino superior do Brasil ganha

novos contornos e grande relevância com a opera-

cionalização do Sistema Nacional de Avalia ção da

Educação Superior (Sinaes). Segundo Rösler e Ortigara

(2005), o objetivo central é promover a realização

autônoma do projeto institucional, de modo a garantir

a qualidade no ensino, na pesquisa, na extensão, de

acordo com as defini ções normativas de cada insti-

tuição e as ações de cada estabelecimento de ensino.

No processo de avaliação, o Sinaes solicita três docu-

men tos: Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI),

Projeto Pedagógico Institucional (PPI) e o Projeto

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.145-156, jul./dez. 2009 | 151

Revista da FAE

Pedagógico dos Cursos (PDC). Conforme o site do

Inepe, para o Governo Federal o PDI consiste num

documento em que se definem a missão da institui-

ção de ensino superior e as estratégias para atingir

suas metas e objetivos. Abrangendo um período de

cinco anos, deverá contemplar o cronograma e a

metodologia de implementação dos objetivos, metas

e ações do Plano da IES, observando a coerên cia e

a articulação entre as diversas ações, a manutenção

de padrões de qualidade e, quando pertinente,

o orçamento. Deverá apresentar, ainda, um quadro-

resumo contendo a relação dos principais indica-

dores de desempenho, que possibilite comparar,

para cada um, a situação atual e futura (após a

vigência do PDI).

O PDI também é o documento que identifica

a filosofia de trabalho, a missão, as diretrizes pe-

da gógicas que orientam as ações, a estrutura orga-

nizacional e as atividades acadêmicas que a IES pre-

tende desenvolver. Este documento tem validade de

cinco anos, sendo necessária sua revisão e atualiza-

ção. O PDI não é apenas um documento burocrático a

ser apresentado ao MEC, mas uma ação que da ên fase

especial à autoavaliação das IES.

O Sinaes é também um importante passo na

direção de formar para a RS, porque possui um

forte potencial formativo e reflexivo, induzindo a IES

ao aprendizado de outra cultura de avaliação e de

currículo. Segundo Rösler e Ortigara (2005), o Sinaes

prevê a avaliação interna e externa da instituição,

em nível de declaração, normas, organização e de

resultados. As dimensões desta avaliação abrangem a

missão, a política e a responsabilidade social da IES. O

Sinaes avalia a RS no que se refere à inclusão social,

ao desen volvimento econômico e social, à defesa do

meio-ambiente, da memória cultural, da produção

artística e do patrimônio cultural. Para Rodrigues,

Ribeiro e Silva (2006, p.113), o Sinaes tem sido o

“norteador de todos os instrumentos de avaliação

pública e privada; é considerado o principal regulador

em ter mos de verificação da qualidade em suas

múltiplas dimensões”. Também é um instrumento de

prestação de contas à sociedade, para cada um dos

usuários e para as próprias IES.

6 Indicadores para avaliação

de RS na IES

Para Ferés (2006), a avaliação é, sem nenhuma

dúvida, um processo vital para a universidade brasi-

leira. Faz parte de sua essência e é, ao mesmo tempo,

uma demonstração efetiva de responsabilidade social

Rodrigues, Ribeiro e Silva (2006) reflete que é necessá-

rio que existam indicadores que auxiliem no processo

de avaliação, considerando aspectos qualitativos e

quantitativos. Os indicadores devem ser simples e

com pactos, de modo a permitir rápida análise, desdo-

bramento, detalhamento e acompanhamento de todas

as perspectivas.

O indicador é um índice de monitoramento de

algo que pode ser mensurável, normalmente ligado

com a gestão da empresa. No caso da RS na IES, há

necessidade de um sistema amplo de indicadores que

gerencie de forma estratégica a avaliação de suas ações

sociais. No setor privado, a certificação social tem se

constituído a prática mais usual de se avaliar a RS.

Contudo, além da certificação existem organizações de

vários tipos, envolvidas com implementação, orientação,

mensuração, avaliação, auditoria e com relatórios que

podem corroborar para a visão mais ampla da RS. No

quadro a seguir, apresentam-se algumas organizações

de nível internacional, nacional e regional que dispõem

de indicadores e de ferramentas para avaliar aspectos

distintos da RS.

152 |

QUADRO 01 - INDICADORES DE RESPONSABILIDADE SOCIAL (continua)

ENTIDADE REFERENCIAL INÍCIO PERTINÊNCIA ALVO LOCALIZAÇÃO LOGO MARCA

Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase)

Balanço Social

1981

Projetos alternativos de RS

ética nas organizações.

Reflete sobre democra-cia, igualdade, liberdade, participação cidadã, diversidade e solidariedade.

Público

Privado

Nacional

Ibase Av. Rio Branco, nº 124, 8º andar - Centro - Rio de Janeiro - CEP 20040-916 - Telefone: (21) 2178-9400

http://www.ibase.br

Ceres

Relatórios sobre Sustenta-bilidade Climática

1989

Network nacional de acionistas, organizações ambientais e grupos de interesse público; assessora companhias e acionistas sobre susten-tabilidade e clima global

Privado

ONGs

OCIPs

Internacional

Ceres

99 Chauncy Street - 6th Floor Boston, MA 02111 Phone: 617.247.0700 - Fax: 617.267.5400

http://www.ceres.org

Balanced Scorecard Institute

Balanced Scorecard (BSC)

1990

Planejamento estratégico e sistema de gestão: ali-nhar atividades empresa-riais à visão e à estratégia da organização, melhorar comunicações internas e externas, monitorar o desempenho.

Público

Privado

Ongs

Internacional

BSC - Corporate Headquarters 975 Walnut. St., Suite 360 Cary, NC 27511 (919) 460-8180 Fax (919) 460-0867

Institute of Social and Ethical Accountability

Padronização AA1000

1996

Criadores da padroniza-ção contábil.

Visa à qualidade social e ética da contabilidade das empresas.

Público

Privado

Internacional

Accountability

Regional offices - Sao Paulo Tel: +55 11 8267 3637

[email protected]

http://www.accountabili-ty21.net/

Council on Eco-nomic Priorities Accreditation Agency

Padronização

SA 80001997

Norma internacional so-bre relações trabalhistas: verificar ações antisso-ciais ao longo da cadeia produtiva, trabalho infantil, trabalho escravo ou discriminação.

Privado

Internacional

Council on economicPRIORITIES 30 Irving Place New York, NY 10003 [email protected] Phone: (212) 420-1133

International Organization for Standarti-zation (ISO)

Padronização

ISO 14000

1993 a

2006

Certificação de respon-sabilidade ambiental: legislação, diagnóstico, padronização, planos e qualificação de pessoal.

Público

Privado

Nacional

Internacional

InternationalOrganizationFor Standardization (ISO) 1, ch. de la Voie-Creuse, Case postale 56 CH-1211 Geneva 20, Switzerland

41 22 749 01 11 - 41 22 733 34 30

http://www.iso.org/iso/home.htm

Padronização

ISO 9000

1994 a

2005

Certificação para padrões de Qualidade para projeto, desen-volvimento, produção, montagem e prestadores de serviço.

Público

Privado

Nacional

Internacional

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.145-156, jul./dez. 2009 | 153

Revista da FAE

QUADRO 01 - INDICADORES DE RESPONSABILIDADE SOCIAL (conclusão)

ENTIDADE REFERENCIAL INÍCIO PERTINÊNCIA ALVO LOCALIZAÇÃO LOGO MARCA

Ceres

Diretrizes para Relatório de Sustentabili-dade (GRI)

1997

Relatórios de susten-tabilidade aplicáveis a leis, normas, códigos, padrões de desempenho e voluntariado.

Público

Privado

ONGs

OCIPs

Internacional

Global Reporting Initiative Metropool Building, 5th Floor Weesperstraat 95, 1018 VN Amsterdam The Netherlands - 31 (0)20 531 00 00http://www.globalreporting.org

Instituto Ethos de Empresas e de Responsa-bilidade Social

Indicadores de Respon-sabilidade Social para Médias e Grandes Empresas

1998

Diagnóstico de autoa-valiação: transparência e governança; público interno; meio ambiente; fornecedores; consu-midores; comunidade; governo e sociedade.

Médias e Grandes

Empresas

ONGs

Setor Público

Nacional

Instituto Ethos

Rua Dr. Fernandes Coelho, 85, 10º andar, Pinheiros, 05423-040,

São Paulo, SP, Brasil

(11) 3514-9910

Organização das Nações Unidas (ONU)

United Nations Global Compact

2000

Pacto Global das Nações Unidas para alinhar estratégias que tratem sobre direitos humanos, trabalho, meio ambiente e anti-corrupção.

Público

Privado

Voluntariado

Internacional

Secretary-General of the United Nations

New York, NY 1001

Fax: 1(212) 963-1207)

http://www.unglobalcompact.org

Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro)

ABNT/NBR16001

2001 a

2004

Gestão da RS:

aplicabilidade, entendi-mento, comprometimen-to e política de RS.

Público

Privado

Nacional

Inmetro Rua Santa Alexandrina, 416

Rio Comprido - Rio de Janeiro - RJ CEP: 20261-232 - 0800 285-1818

http://www.inmetro.gov.br

Federação das Indústrias do Paraná

(Fiep/PR)

Orbis Observatório Regional Base de Indicadores de Sustenta-bilidade

2004

Organiza e monitora indicadores de sustenta-bilidade, produz estudos, análises e reflete o de-senvolvimento regional.

Público

Privado

Nacional

Regional

Orbis

Rua Dr. Correa Coelho, 741 Jardim Botânico 80210-350 Curitiba-PR Fone/Fax: (41) 3362.0200

Ministério da Educação

(Inep – Insti-tuto Nacional de Estudos e Pesquisas Nacional Anísio Teixeira)

Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Supe-rior (Sinaes)

Lei n° 10.861, de 14 de abril de 2004

2004

Avalia instituições, cursos e estudantes. Eixos: ensi-no, pesquisa, e extensão. Temas: RS desempe-nho de alunos, gestão institucional, docente, instalações e outros.

Público

Privado

Nacional

Inepe

SRTVS, Quadra 701, Bloco M, Edifício Sede do Inep - CEP: 70340-909 Brasília - DF

http://www.inep.gov.br/institucional/

Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)

ISO 26000 2009

Certificação de produtos,

sistemas e pessoas.

Norma internacional de Responsabilidade Social aplicável a qualquer instituição.

Público

Privado

Nacional

ABNT Rua Minas Gerais, 190 - Higienópolis 01244-010 - São Paulo - SP - Brasil Telefone (11) 3017-3600 e-mail: [email protected]://www.abnt.org.br

FONTE: O autor (2009)

154 |

Além das organizações citadas, outras 50 insti-

tuições fazem parte das comissões de avaliação para a

elaboração da ISO 26000. No Brasil, as normas ISO 14000

e 9000 são mais difundidas. Contudo, muitos trabalhos

de pesquisa em nível de pós-graduação sugerem uma

variedade de modelos de indicadores, conforme a área

de atuação da empresa ou organização, e em diferentes

áreas: gestão administrativa, gestão ambiental, gestão

social etc. A ISO, com sede em Genebra, difunde nor-

mas internacionais no âmbito intelectual, científico,

tecnológico e econômico; é aceita em mais de 150 países,

facilitando o intercâmbio de produtos e serviços.

7 ISO 26000: norma internacional

de responsabilidade social

Prevista para ser lançada oficialmente no ano de

2009, a ISO 2600 de RS tende a ser uma referência

para as IES avaliarem a compreensão, o processo e

os resultados das ações sociais. Comenta Credidio

(2008) que nunca uma ISO foi tão esperada quanto

à futura ISO 26000. Segundo o Instituto Nacional

de Normalizacion (INN) do Chile, as premissas desta

norma são: relevância dos aspectos qualitativos sobre

os qualitativos, e pretende ter aplicabilidade em todo

tipo de organização, independente do tamanho,

objetivo, valores, cultura, meio social e ambiental.

A ISO não substitui as responsabilidades e obrigações

próprias dos governos e organismos de controle. Esta

ISO deverá ganhar muita repercussão nacional, pois

o Brasil foi eleito como participante do comitê de

organização desta norma. Através da ABNT/NBR16001,

o Brasil foi pioneiro no mundo ao desenvolver um pro-

grama de avaliação de conformidade para a área de

responsabilidade social.

Considerações finais

Para a II Conferência Mundial sobre o Ensino Su-

p e rior, em Paris, em julho de 2009, as mudanças da

economia pós-industrial conduziram o mundo a uma

demanda massiva pelo ensino superior, chegando a

152,2 milhões de estudantes em 2007; um aumento

de 50% nos últimos oito anos. Neste encontro mun-

dial, refletiu-se sobre a mobilidade estudantil, a

internacionalização da educação, a necessidade de um

currículo mundial, a necessidade de políticas abertas

anti-discriminatórias, a dificuldade do financiamento

público e privado, a influência das tecnologias da

informação, a necessidade de um currículo que con-

temple os problemas mundiais como aquecimento

e poluição, entre outros assuntos. Em síntese, o

qua dro geral reforçou a necessidade de o Ensino

Superior fortalecer sua “função social” de promover

a paz, a liberdade de expressão e o desenvolvimento

sustentável. Por isso, há contundente necessidade de se

avaliar a responsabilidade social da IES, estabelecendo

parâmetros e indutores de qualidade, atualizados e de

âmbito regional e mundial. O tema é amplo e exige

mais pesquisas. Não basta cumprir com a legalidade, é

necessário audácia, persistência, e sobretudo iniciativa

no âmbito acadêmico para que a IES cumpra com seu

papel social.

•Recebido em: 10/08/2009 •Aprovado em: 05/10/2009

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.145-156, jul./dez. 2009 | 155

Revista da FAE

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Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.157-171, jul./dez. 2009 | 157

Revista da FAE

Amicus Curiae: instituto processual de legitimação e participação democrática no judiciário politizado

Amicus Curiae: institute procedural legitimacy the democratic participation in politicizad judiciary

Resumo

O objetivo deste trabalho é demonstrar, por uma abordagem dialética, que o Amicus Curiae é instrumento processual de participação e legitimação democrática. Analisará também, obliquamente, a legitimação democrática-hermenêutico-discursiva da Jurisdição pelo viés do processo. Versará sobre o fenômeno da abertura do processo à “comunidade de intérpretes”, expressão cunhada por Peter Häberle. Ressaltará que o Judiciário realiza os valores e princípios democráticos constitucionais, pela participação dos cidadãos e atores estatais, na concretização dos valores fundamentais. Analisará a doutrina acerca da politização do Poder Judiciário. Conclui que o Amicus Curiae, instituto de participação política na Jurisdição, fortalece a legitimidade democrática desta, na concretização dos Direitos Fundamentais.

Palavras-chave: Amicus Curiae; democracia; legitimidade; politização; judiciário.

Abstract

The objective of this papper is to demonstrate, through literature review, the Amicus Curiae is a procedural instrument of participation and democratic legitimacy. It will also analyze, obliquely, the democratic legitimacy of the discursive-hermeneutic of jurisdiction, the bias of the process. Will address the phenomenon of the opening of the “community of interpreters,” a term coined by Peter Häberle. Highlight that the judiciary carries out the democr-atic values and constitutional principles, the participation of citizens and state actors, in achieving the core values. Examine the doctrine about the politicization of the judiciary. Concludes that the Amicus Curiae, Institute of political participation in the Jurisdiction, strengthen the democratic legitimacy of this, the achievement of fundamental rights.

Keywords: Amicus Curiae; democracy; legitimacy; politicization; the judiciary.

* Mestranda em Direito Público (UFBA). Professora de Direito Constitucional e Econômico na Universidade Federal da Bahia e Universidade Católica de Salvador. E-mail: [email protected]

Luana Paixão Dantas do Rosário*

158 |

Introdução

O Judiciário, como poder do Estado, possui fun-

ção política inerente à sua natureza. Não obstante a

propalada neutralidade positivista que alguns queiram

a ele imprimir, como poder intrinsecamente político, se

constitui consoante princípios axiológicos que emanam

do espaço político, do espaço público.

O exercício da função política pelo Judiciário –

sua intervenção em aspectos políticos do Estado – é

típica. Meio adequado para a garantia dos princípios

democráticos, tão importantes na construção de uma

Democracia que adquiriu o elemento teleológico de

preservação e respeito aos Direitos Fundamentais. Ao

exercer esta função, o Judiciário assegura o funcio na-

mento harmônico dos poderes do Estado no tocante às

suas obrigações Constitucionais.

O ponto merecedor de destaque no exame do

exercício da função política do Judiciário é a análise de

legitimidade deste poder na Democracia Constitucional,

tendo em vista que sua composição, distintamente da

dos outros poderes do Estado, não é representativa.

Embora, se reconheça a legitimidade democrática e a

legitimidade discursiva da função política de Judiciário,

não podemos negar que a evolução dos institutos

processuais, de modo a servirem de ensejadores da

participação democrática direta na realização da Juris-

dição, densificam a legitimidade do Judiciário e prestam

um serviço à Democracia Constitucional, que se torna

participativa. Neste desiderato, insere-se o instituto do

Amicus Curiae, em sua feição cunhada pela lei 9.868/99

e doutrina pátria, evoluída da doutrina estrangeira.

O objetivo principal deste trabalho será analisar

a contribuição do Amicus Curiae para a realização da

Democracia Constitucional e de seus fins, num novo

cenário de participação política, a seara do Judiciário.

Frise-se que esta proposta de participação política dos

cidadãos na condução do Estado, por meio do Poder

Judiciário, assume destaque diante da reconhecida crise

da representatividade política instaurada.

A abertura do processo à “comunidade de intér-

pretes”, reforça a legitimidade da Jurisdição e consolida

a Democracia contemporânea, além de extrair da

sociedade a concretude dos valores Constitucionais.

1 Premissas teóricas no estudo da

função política do poder judiciário

Convém esclarecer que o termo política, do grego

politiké, advém da polis grega, e por isso, em essência,

o poder político é aquele que se volta à coletividade, e

que, para além do governo, abrange as escolhas do que

é conveniente para o homem da polis.

Nesse ínterim, o conceito de Aristóteles para

o termo política é o de ciência que visa à felicidade

humana. A felicidade consistiria numa certa maneira

de viver no meio que circunda o homem, nos costumes

e nas instituições adotadas pela comunidade à qual

pertence. O objetivo da política seria primeiro, descobrir

a maneira de viver que leva à felicidade humana, e

depois, a forma de governo, e as instituições sociais

capazes de a assegurarem (SCHILLING, 2006).

Em todas as artes e ciências o fim é um bem, e o maior

dos bens e bem em mais alto grau se acha principalmente

na ciência todo-poderosa; esta ciência é a política, e o

bem em política é a justiça, ou seja, o interesse comum;

todos os homens pensam, por isso, que a justiça é uma

espécie de igualdade, e até certo ponto eles concordam

de um modo geral com as distinções de ordem filosófica

estabelecidas por nós a propósito dos princípios éticos

(ARISTÓTELES apud SCHILLING, 2006).

A política, na concepção habermasiana, deve ser en-ten dida como lócus onde se desenvolvem as relações vitais do senso ético, uma forma de reflexão sobre os nexos deontológicos da sociedade, impondo aos cidadãos a consciência de sua dependência recíproca (AGRA, 2005, p.112).

Não obstante a Política vise à felicidade dos homens

em comunidade, a titularidade do poder político fora,

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.157-171, jul./dez. 2009 | 159

Revista da FAE

nos primórdios, atribuída ao divino; concepção que teve

seu apogeu derradeiro na “teoria do direito divino dos

reis” de Jean Bodin, teórico da monarquia francesa. Para

Montesquieu, que explicitou pela primeira vez de forma

sistemática1 a “teoria da tripartição dos poderes”, o povo

é de todo incapaz de discernir sobre os reais problemas

políticos da nação e, portanto, não deve e nem pode ser

o titular da soberania política (MONTESQUIEU, 2000,

p.56). Em contribuição precursora, o abade de Siéyes,

em sua obra “O que é o Terceiro Estado?”, publicado às

vésperas da Revolução Francesa, e com base na doutrina

do contrato social de Locke e Rousseau, atribuiu a

titularidade do poder Constituinte à nação e legitimou

ideologicamente a ascensão do terceiro Estado ao poder

político (SIEYÉS, 2001, p.5).

É a organização do poder político, que para Siéyes,

se encontrava difuso na nação2, que forma o Estado.

Destarte, o Estado é verdadeira emanação do poder

político, único e soberano, não obstante a sua tripartição

nas funções executiva, legislativa e judiciária. Portanto,

todas essas três funções, ou poderes como classicamente

denominados, são intrinsecamente políticas, inclusive a

Judiciária. Motivo pelo qual a doutrina3 tem falado em

teoria da tripartição de poderes, e não mais separação,

visto que o poder é uno.

A teoria “montesquiana” da separação de poderes,

já previa que “somente o poder freia o poder”, essa

noção, quando levada aos Estados Unidos da América

à época da Revolução Americana, evoluiu para a teoria

do sistema de “pesos e contrapesos” políticos mútuos,

1 Aristóteles já havia delineado as três funções essenciais do Estado, executiva, legislativa e judiciária, porém, à divisão funcional não fez corresponder a divisão orgânica. Também John Locke, filósofo liberal inglês, cerca de um século antes de Montesquieu já tinha formulado, ainda que implicitamente, a teoria da tripartição de Poderes.

2 O conceito de nação antecedeu ao de povo, entendido como nação o conjunto formado pelas pessoas nascidas no mesmo lugar, ligadas por vínculos de sangue e de origem, que assim compartilhavam os mesmos valores, costumes e a mesma língua. Ver na Teoria do Estado a distinção conceitual entre nação e povo.

3 Por todos, Dirley da Cunha Júnior, em seu Curso de Direito Constitucional. Salvador: JusPodivm, 2007.

a fim de garantir a autolimitação do poder político. Se a

própria teoria clássica de Montesquieu – que não visava

à realização de um regime democrático politicamente

pluralista, mas garantia uma dinâmica governamental cuja

principal finalidade é à manutenção do funcionamento

racionalmente ordenado, mediante normas jurídicas, do

próprio Estado – já não defendia uma separação estanque

entre os poderes, imagine falar-se nisso hodiernamente,

depois de ter se atribuído ao Estado uma finalidade

social e um rol extenso de obrigações (ALVES, 2004).

Essas digressões fazem-se necessárias na averi-

guação da natureza política do Poder Judiciário, e na

destruição do mito de uma suposta necessidade de

“apolitização” das decisões judiciais a fim de não se

violar o princípio da “separação” de poderes. Por óbvio,

sendo o Poder Judiciário político, as decisões judiciais

não podem ser apolíticas e não violam a separação de

poderes, visto que esta não existe.

Oportuna a colocação do jurista italiano Mauro Cappelletti, ao se referir às possíveis posições assumidas pela Justiça constitucional nos países de tradição romano-germânica, como o Brasil, quando aponta o dilema da justiça constitucional de nosso tempo: permanecer restrita aos limites tradicionais da função judicial do século XIX ou elevar-se ao nível dos outros poderes, convertendo-se no “terceiro gigante” para controlar o legislador mastodonte e o administrador leviatã (LEITE, 2006).

Antes, um Judiciário moldado por uma carta consti-

tucional que segue um modelo de opção política

de Estado, tem o comprometimento com tal opção

política Constitucional e seus fins, ou como preconizou

Aristóteles, o compromisso com o bem comum e a

felicidade dos homens.

Assim, decisões jurisdicionais têm natureza política

porque implicam na análise de elementos políticos e

resultam em escolhas do que seja conveniente para o

homem da polis Estatal, consoante as diretrizes da Carta

Política Maior. A esse respeito: “As decisões judiciais

fazem parte do exercício da soberania do Estado, que

embora disciplinada pelo direito, é expressão do poder

político” (DALLARI, 2002, p. 90).

160 |

O juiz sempre terá de fazer escolhas, entre normas, argumentos, interpretações e até mesmo entre inte-resses, quando estes estiverem em conflito e parecer ao juiz que ambos são igualmente protegidos pelo direito. A solução dos conflitos será política nesse caso, mas também terá conotação política sua decisão de aplicar uma norma ou de lhe negar aplicação, pois em qualquer caso sempre haverá efeitos sociais e alguém será beneficiado ou prejudicado (DALLARI, 2005, p.96).

As decisões do Judiciário serão políticas também

por versarem sobre normas jurídicas. Sucintamente, os

dispositivos normativos têm natureza política porque

compõem o regramento da vida em socie dade, e porque

oriundos de um processo político de formulação – na dou-

trina clássica, emanando da von tade geral, como preco-

nizado por Jean Jacques Rousseau. Às normas jurídicas,

por sua vez, resultantes da interpretação e aplicação

dos dispositivos normativos em determinado contexto,

inexoravelmente deve se atribuir natureza política.

Deve recuperar-se o critério de que de que o direito é uma ordenação imposta pela razão prática, não pela razão pura. A neutralidade jurídica é uma quimera. Todo Direito, por sua própria condição está inspirado numa ideologia política, à qual serve como ferramenta jurídica do sistema (DROMI apud DALLARI, 2002, p.96).

Hodiernamente, ultrapassado o dogma positivista

de neutralidade, têm-se observado que a doutrina

cunhou a expressão “politização” do Poder Judiciário.

Nesse contexto, Glauco Salomão Leite destaca que

há possibilidade do sistema jurídico registrar decisões

políticas em forma jurídica e de a política utilizar o

direito para implantar seus objetivos, ou, “a relação

entre Política e Direito deixa de ser vertical-hierárquica e

passa a ser horizontal-funcional” (LEITE, 2006).

2 Politização do judiciário:

afirmação da democracia

Há necessidade de desfazer a concepção de déficit

democrático do Poder Judiciário. A legitimidade deste

emerge, em primeiro lugar, da realização jurisdicional

dos Direitos Fundamentais; valores axiológicos e

normativos das Democracias Constitucionais emanados

do poder Constituinte, numa legitimação teleológica sob

o aspecto pragmático. Depois, pela demonstração de

participação democrática do jurisdicionado no âmbito

deste Poder. Seja por meio das máximas garantias

Constitucionais da ampla defesa e do contraditório,

sendo a Jurisdição dialética na sua formulação; ou pela

participação direta do cidadão da polis na confecção

da Jurisdição, pela intervenção do Amicus Curiae, pelo

debate, diálogo e abertura do processo.

A expansão do âmbito de atuação do Judiciário e

sua politização não são contrárias à Democracia, mas

estão em consonância com ela, com o seu conteúdo e

os seus princípios. As relações entre direito e política

na dimensão Constitucional hodierna criam um novo

espaço aberto ao ativismo positivo de agentes sociais

e judiciais na produção da cidadania, diversamente

do constitucionalismo liberal de outrora (MACIEL;

KOERNER, 2002).

O constitucionalismo liberal preza pela defesa do indivi dualismo racional, a garantia limitada dos direi-tos civis e políticos e clara separação dos poderes; o cons ti tucionalismo democrático prioriza os valores da dignidade humana e da solidariedade social, a ampliação do âmbito de proteção dos direitos e a redefinição das relações entre os poderes do Estado (MACIEL; KOERNER, 2002).

Para o Estado Constitucional Democrático abre-se

no Judiciário um novo espaço público, no qual participam

novos agentes “a comunidade aberta de intérpretes”,

os quais, através do processo, devem dedicar-se à

interpretação aberta dos valores Constitucionais com

vistas à sua efetivação (HÄBERLE, 1997).

Inclusive, em nosso entender, a efetivação dos

mandamentos e valores Constitucionais por meio da

prestação jurisdicional deve superar a limitação à atuação

do Judiciário como legislador-negativo e autorizar o uso

de sentenças interpretativas e criativas, utilizadas pela

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.157-171, jul./dez. 2009 | 161

Revista da FAE

Jurisprudência italiana4. Tendo como ponto de início e

contornos limitatórios – até certa medida – o texto. Pois,

na esteira da lição de Friedrich Müller, a interpretação

que constrói a norma, sendo o texto, mero dado de

entrada (MÜLLER apud ADEODATO, 2007, p.239).

Gisele Cittadino, em seu trabalho Poder Judiciário,

ativismo Judiciário e Democracia, frisa que “é preciso

não esquecer que a crescente busca, no âmbito dos

tribunais, pela concretização de direitos individuais e/ou

coletivos também representa uma forma de participação

no processo político” (CITTADINO, 2007, p.2).

Destarte, é imperativo, inclusive, fazer menção

à crise da representatividade clássica mencionada em

elucidativa passagem em que Américo Bedê Freire

Junior, para desconstruir a certeza de que participação

democrática se efetiva pela representação, traz à colação,

lição de José Eduardo Faria: “[...] a tradicional política

representativa tende a ser muito mais rito do que um

efetivo processo democrático de afirmação da vontade

coletiva” (FREIRE JÚNIOR, 2005, p.32) a qual, Walber de

Mora Agra, atribui a expansão da Jurisdição política.

Uma das causas que mais influenciam a expansão da jurisdição constitucional no campo das decisões políticas é a paulatina perda de legitimidade do processo político. A complexidade do debate político, o poder econômico, a falta de locais para o debate público, bem como os meios de informação são algumas das razões para a perda de legitimidade dos representantes populares (AGRA, 2005, p.116).

A politização do Judiciário – para utilizar corrente

expressão doutrinária, embora esta expressão possa dar

a entender que signifique conferir a natureza de político

a algo que não tivesse esta natureza originariamente, o

que seria um grave equívoco – possibilita a construção

da Democracia, porque torna este um importante nível

de acesso do cidadão às instâncias do poder. Desta

forma, possibilita-se na sociedade plural, que grupos

não possuidores de representatividade influam nas

4 Sobre sentenças interpretativas e aditivas discorre Dirley da Cunha Júnior em seu Curso de Direito Constitucional. Salvador: JusPodivm, 2007.

decisões políticas. Isto não enfraquece a Democracia

representativa, mas a complementa, ao contemplar os

princípios democráticos (VERBICARO, 2006, p.7).

[...] Neste mundo governado por uma plutocracia cosmopolita suficientemente flexível e móvel pra mar-ginalizar ao mesmo tempo os Estados, os cidadãos e os juízes, a Democracia precisa ser reinventada tanto sob a sua forma tradicional de Democracia representativa quanto sob a forma mais recente de Democracia participativa (MIREILLE DELMAS-MARTY apud FREIRE JÚNIOR, 2005, p.32).

A partir da observação de que a Democracia tem

sido formal e excludente, extrai-se a necessidade da

reinvenção democrática. Primeiro pelo critério subs-

tancialista da efetivação dos Direitos Fundamentais, que

perpassa, necessariamente pela atuação do Judiciário

– não tão somente dos direitos individuais, a despeito

do preconizado por Dworkin5, mas também sociais e

coletivos, como preleciona a doutrina contemporânea.

Depois pelo reconhecimento de que o Judiciário deve

constituir espaço legítimo de participação político

democrática, que possibilite a participação do cidadão

na criação do direito, enquanto norma que emana da

aplicação – participação da própria condução do Estado,

para além da representação no processo legislativo.

Formas de ação estão à disposição do homem comum para participar da criação do direito estatal tanto através da Democracia representativa como pela via judicial. Essa participação não é fragmentadora dos princípios da vontade geral representativa, mas representa as possibilidades de adensamento do Direito pela intervenção, na esfera estatal, da eticidade da sociedade civil (MACIEL; KOERNER, 2002).

A politização do Judiciário está em consonância

com a Democracia que nossos tempos exigem, e não em

5 Para este autor, os direitos sociais e coletivos dependiam de implementação de diretrizes políticas dos atores políticos do Estado pelos critérios da representatividade e da maioria, fundada em política e não em princípios; o que as distinguia da efetivação dos Direitos Fundamentais individuais que poderiam, em seu entendimento, serem fixados pelo Judiciário, porque fundados em princípios. (VERBICARO, 2006, p. 18)

162 |

antagonismo, pois possibilita a realização dos direitos

de todos, sobretudo os da minoria, a edificação de um

verdadeiro Estado Democrático de Direito que zele pela

dignidade da pessoa humana e surja da concretização

da Constituição, num processo do qual participe o ser

da polis.

2.1 Democracia majoritária, democracia

constitucional, soberania complexa

e acesso das minorias

Para consolidar a Jurisdição política, ou “politi-

zação do Judiciário”, e a participação política no

âmbito deste poder, é basilar a distinção que Dworkin

estabelece entre a Democracia majoritária, fundada no

princípio da maioria, e o que designou de Democracia

Constitucional.

Para este autor, o princípio majoritário não asse-

gura o governo pelo povo, senão quando todos os

membros da comunidade são concebidos, e igualmente

respeitados, como agentes morais; a Democracia por

ele conceituada respeita os Direitos Fundamentais e

neles preenche o seu conteúdo.

[...] Dworkin confere supremacia aos Direitos Fun da-mentais frente à soberania popular. Com essa relação de prioridade, protege-se certos núcleos de direitos ante eventuais interferências advindas de processos majoritários de deliberação. Para Dworkin, portanto, os Direitos Fundamentais devem restringir a soberania do povo a fim de se resguardar os direitos e as liberdades individuais. Isso porque nem sempre uma lei pautada na vontade de uma suposta maioria será uma lei justa; nem sempre essa lei contemplará os direitos individuais e o direito a igual respeito e consideração – crítica à Democracia majoritária e à autodeterminação do povo que podem conduzir à própria degradação de seus direitos. Democracia não é, para Dworkin, a simples obediência à regra de maioria. Numa Democracia constitucional concebida em paradigmas liberais, deve-se, sobretudo, assegurar a garantia aos Direitos Fundamentais dos cidadãos, atribuindo-se respeitabilidade à Constituição e à dinâmica de direitos nela materializada (VERBICARO, 2006, p.8).

Para além da discussão realizada por Dworkin

de que os Direitos Fundamentais6 prevalecem sobre a

soberania popular externada pela maioria represen-

tada – observe-se que um grande contingente não se

faz representar – é preciso, portanto, um avanço teórico,

de modo a reconhecer que o próprio Poder Judiciário é

um espaço de exercício da soberania política. Inclusive,

proporcionando incorporação política das minorias à

agenda do Estado, não obstante a violação de direitos

praticada pela maioria.

[...] Esses Direitos Fundamentais constitucionalmente garantidos – direitos individuais – preenchem o próprio conteúdo da Democracia, bem como traçam os limites e contornos de atuação dos poderes estatais. Isso significa que o paradigma liberal de Democracia concebido por Dworkin – Democracia Constitucional – consagra que os direitos individuais são trunfos frente à maioria e, por isso, sobrepõem-se frente ao governo e a eventuais grupos representativos de maiorias que participem de procedimentos de formação da vontade pública e tentem restringir as liberdades e direitos individuais (VERBICARO, 2006, p.8).

Neste diapasão, é interessante ressaltar conceito

de soberania complexa de Werneck Vianna, que consiste

na combinação de duas formas de representação

e duas dimensões de cidadania. A representação

política, atrelada à cidadania política, é exercida pelos

representantes eleitos segundo os procedimentos demo-

cráticos. A representação funcional, por sua vez, atrelada

à cidadania social, é exercida pela comunidade de

intérpretes, composta inclusive pelos agentes judiciais.

Logo, numa leitura fundada neste autor, a poli-

tização do Judiciário, manifestação da cidadania social,

é forma de participação na vida pública, alter nativa à

6 É certo que para Dworkin a atuação do Judiciário para efetivar os Direitos Fundamentais se limita aos direitos individuais e não se estende aos direitos sociais. Porém, a construção de sua teoria representa um ponto de partida – ao qual devem acrescentar-se os direitos coletivos – quando diz que o Judiciário cumpre com o papel da Democracia ao afirmar os Direitos Fundamentais do cidadão, que tem o direito de exigi-los do Judiciário não obstante a inércia dos demais poderes.

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Revista da FAE

representação, e adequada à Democracia, nos termos

desta soberania complexa.

[...] se a cidadania política dá as condições ao homem comum de participar dos procedimentos democráticos que levam à produção da lei, a cidadania social lhe dá acesso à procedimentalização na aplicação da lei por meio de múltiplas formas, individuais ou coletivas, de um simples requerimento a uma ação pública, pro-porcionando uma outra forma de participação na vida pública (VIANNA, 1999, p.372).

A politização do Judiciário possibilita o acesso do

cidadão comum, que por vezes não é representado

politicamente; sobretudo em nossa Democracia ainda

infante, advinda de um sistema político autoritário e de

exceção do qual ainda existem vestígios, principalmente

na educação para a participação política; à efetivação

do direito. Cria, assim, “um direito responsivo”, aberto

aos interesses e concepções éticas do homem comum.

(MACIEL; KOERNER, 2002)

A Democracia brasileira, não obstante seu processo de consolidação institucional, experimenta um déficit no modo do seu funcionamento, resultante da pre-dominância do Executivo sobre o Legislativo e do insulamento da esfera parlamentar em relação à sociedade civil. Conquanto, observa-se reações da cida-dania ao fechamento desses poderes às suas demandas e expectativas, através da busca crescente do Poder Judiciário contra leis, práticas da Administração ou omissões tanto do Executivo quanto do Legislativo (VIANNA apud MACIEL; KROENER, 2002).

Gisele Cittadino adverte que esta participação

política no âmbito do Judiciário não deve presumir uma

ausência de correspondência entre os textos normati-

vos7 e os cidadãos, pois “uma cidadania ativa não pode

supor a ausência de uma vinculação normativa entre

7 Com a devida vênia à expressão utilizada pela autora, pre-ferimos utilizar a expressão ausência de correspondência entre o texto normativo e os cidadãos, porque entendemos que foi neste sentido que empregou a palavra Direito, como texto normativo advindo do processo legislativo. Necessária esta observação porque consoante a concepção por nós compartilhada, o texto normativo não encerra o Direito, pois a norma se perfaz com a interpretação.

Estado de Direito e Democracia. [...] Quando os cidadãos

vêem a si próprios não apenas como os destinatários,

mas também como os autores do seu direito, eles se

reconhecem como membros livres e iguais de uma

comunidade jurídica” (CITTADINO, 2007, p.04-06).

Todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma e que vive com este contexto é, indireta ou, até mesmo diretamente, intérprete dessa norma. O destinatário da norma é participante ativo, muito mais ativo do que se pode supor tradicionalmente, do processo hermenêutico. Como não são apenas os intérpretes jurídicos da Constituição que vivem a norma, não detêm eles o monopólio da interpretação da constituição (HÄBERLE, 1997, p.15).

Porém, reconhece que em países em que os cida-

dãos não compartilham os valores, devido a rupturas

no processo histórico de sedimentação da Democracia

Constitucional, em que não há uma nação de cultura,

se faz necessário o comprometimento do Judiciário com

a concretização da Constituição, dos valores oriundos

do consenso formal da qual emanou, com a ressalva

de que não é imprescindível o domínio dos tribunais,

mas de uma cidadania participativa que sobre eles atue

(CITTADINO, 2007, p.06).

Paulo Bonavides elabora outra advertência rela-

cionada a certo grau de dificuldade da abertura do

processo quanto ao estágio de amadurecimento dos

sistemas políticos democráticos de nações subde sen-

volvidas:

Demais, o método concretista da “Constituição aberta” demanda para uma eficaz aplicação a presença de um sólido consenso democrático, base social estável, pressupostos institucionais firmes, cultura política bas-tante ampliada e desenvolvida, fatores em dúvida difíceis de achar nos sistemas políticos e sociais de nações subdesenvolvidas ou em desenvolvimento, cir-cunstância essa importantíssima, porquanto logo inva-lida como terapêutica das crises aquela metodologia cuja flexibilidade engana à primeira vista (BONAVIDES, 2003, p.516).

Feitas estas observações, sobremaneira perti nen-

tes, de que o estágio de amadurecimento do sistema

164 |

político democrático pode não culminar no auto-reco-

nhecimento da “comunidade aberta de interprétes”,

na expressão de Häberle, como comunidade político-

jurídica autora de seu direito, há que ser feitas duas

observações.

A primeira de que o Judiciário deve estar imbuído

do compromisso com a efetivação da Constituição e

dos valores democráticos, funcionando como dito pelo

próprio Härbele, como um intérprete qualificado. A

segunda é no sentido de resgatar a noção da antiguidade

clássica romana, de que Direito é, sobretudo, prudência,

e que, portanto, “a comunidade de interpretes” é

qua lificada neste quesito e sob este aspecto. Nesta

esteira é crucial a abertura do processo à participação

democrática, à “comunidade aberta de intérpretes”, ao

cidadão da polis.

3 A tutela dos interesses coletivos:

marco para a abertura democrática

do processo

A abertura do Processo teve início com a criação

de institutos processuais aptos a salvaguardar os dis-

positivos constitucionais que fixaram direitos subje-

tivos transindividuais. O direito coletivo à efetivação da

Constituição fez com que o Judiciário passasse a atuar

no espaço público e que os institutos processuais, que se

destinavam às demandas individuais, evoluíssem para a

tutela de interesses coletivos. O novo Direito Processual

remodelou sua legitimidade, surgindo a tutela coletiva

e as ações correspondentes.

Capelletti, já em 1976, apontava que “eram quatro os pontos nos quais seria necessária uma profunda reforma do processo civil tradicional, a fim de garantir um novo canal de acesso ao Judiciário: legitimidade ativa, garantias processuais (contraditório e ampla defesa) dos ausentes; efeitos da decisão (secundum eventus litis); e tipo de provimento e de sanção que se pode obter do juiz” (FREIRE JÚNIOR, 2005, p.97).

O processo Judicial que se instaura mediante a propositura

de determinadas ações, especialmente aquelas de natu-reza coletiva e/ou de dimensão constitucional – ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, etc., torna-se um instrumento privilegiado de participação política e exercício permanente da cidadania (GUERRA FILHO apud DEL PRÁ, 2008, p.73).

O advento da Ação civil pública, a legitimidade do

Ministério Público para a propositura de ações, o poder

geral de cautela do magistrado, a mitigação ao princípio

da demanda, o desenvolvimento de microssistemas,

a responsabilização de pessoas jurídicas, as tutelas

de urgência e todo o desenvolvimento recente dos

institutos de Processo Civil buscaram a superação do

modelo individualista de demanda e instrumentaliza-

ram crescente politização do Poder Judiciário.

A tutela coletiva tem condições de instrumentalizar o controle de políticas públicas de modo a fornecer à Constituição densidade suficiente para a tutela de Direitos transinidividuais (FREIRE JÚNIOR, 2005, p.97).

A implantação de políticas públicas é dever do admi-nistrador, que se não as realizar conforme manda a Cons-tituição e a legislação respectiva, poderá ser acionado, jurisdicionalmente, por qualquer legitimado coletivo, inte ressado arrolado nos art.s 5° da LACP e 82 do CDC (ALMEIDA apud FREIRE JÚNIOR, 2005, p.98).

Dentre estes institutos, o Amicus Curiae se reveste

de destaque sob a perspectiva da participação política.

Inclusive, o projeto de lei que culminou na Lei 9.868/99,

de autoria de Gilmar Ferreira Mendes, foi apresentado

no mesmo ano (1997) em que o douto doutrinador

traduziu a “sociedade aberta dos intérpretes da Cons-

tituição”, de Peter Härbele.

4 Análise do Amicus Curiae

4.1 A origem do Amicus Curiae

Del Prá, em dissertação de mestrado pela PUC/SP

publicada em 2008 informa que, a respeito da origem

do Amicus Curiae, no Year Books, no direito inglês

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.157-171, jul./dez. 2009 | 165

Revista da FAE

medieval, este sujeito tinha papel meramente informa-

tivo no processo, levando à Corte matérias de fatos

desconhecidas desta. Tratava-se um sujeito imparcial

e desinteressado, e a discricionariedade do juiz em

aceitá-lo, assemelhava-se, de certa forma, ao atual

poder instrutório do juiz (DEL PRÁ, 2008).

Segundo este autor, com a absorção do instituto

pelo direito norte-americano, ele foi se afastando

desta função neutra. Sobretudo no momento global

pós II Guerra, quando organismos internacionais de

proteção dos direitos humanos utilizaram-se deste

instituto para pleitear sua participação em processos

que tinham por objeto a violações destes direitos, nos

mais diversos países. O autor traça acuradamente a

evolução jurisprudencial e positivação deste instituto

em diversos países, a quem remetemos à leitura para

que não fujamos do escopo de nosso trabalho.

Assim, o instituto evoluiu, em linhas gerais, para

a configuração que tem hoje em nossa legislação, a

participação de um terceiro desprovido de interesse

direto em causas de repercussão social. Embora nos

Estados Unidos, admita-se a participação do Amicus

Curiae mesmo sem a transcendência social da matéria

debatida, isto porque os ordenamentos da common

law não possuem disciplina semelhante à intervenção

de terceiros dos sistemas de civil law, servindo o Amicus

Curiae a sanar essa lacuna.

O autor aponta a origem do instituto, em nosso

ordenamento, nas previsões legais de manifestação,

nos processos com que tenham pertinência temática,

da CVM – Comissão de Valores Mobiliários, do CADE –

Conselho Administrativo da Defesa Econômica e do

INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial

(DEL PRÁ, 2008).

4.2 A natureza jurídica do Amicus Curiae

No que tange a este ponto, a celeuma está em saber

se o Amicus Curiae, ora sujeito neutro que informa à

Corte questões de fato, ora sujeito parcial, embora não

comprometido diretamente com a vitória de uma das

partes, é terceiro interveniente ou auxiliar do juízo.

Fredie Didier, em análise da natureza jurídica do

Amicus Curiae, o enquadra como “um auxiliar do juízo”

que integra “ao lado do juiz, das partes, do Ministério

Público e dos auxiliares da Justiça – o quadro dos sujeitos

processuais” (DIDIER, 2002, p.79), Já Milton Luiz Pereira

identifica o Amicus Curiae como interven ção de terceiros,

caracterizando para o autor, uma forma qualificada de

assistência (PEREIRA, 2002, p.39-44).

Para Del Prá, nos casos em que a manifestação se

dá por iniciativa do juiz, este exerce função de auxiliar

do juízo. Já nas hipóteses de intervenção voluntária

assumiria a natureza de terceiro interveniente – inclu-

sive, sendo-lhe atribuídos os poderes de recorrer da

decisão que indefere sua manifestação; sustentar

oralmente suas razões e juntar documentos, por

exemplo – distinta daquelas do Código de Processo

civil. O autor sustenta que a atuação distinta do

Amicus Curiae nas duas hipóteses revela sua natureza

dúplice e que, a depender da modalidade de ingresso,

será determinada sua modalidade de participação

(DEL PRÁ, 2008).

Para o citado autor, a resistência em admitir o

instituto como uma hipótese da intervenção de tercei-

ros está na tendência de interpretação restritiva das

hipóteses cabíveis de intervenção de terceiros em

processo alheio, cara ao nosso sistema processual, de

tradição romano-germânica, que teve Liebman por

expoente e influenciador de nossas codificações.

No entanto, o próprio autor alude à dificuldade

de enquadramento do instituto nas categorias legais

existentes, visto que os terceiros arrolados no CPC, só são

terceiros, até o momento de sua entrada no processo,

quando, então, adquirem a qualidade de parte, somente

permanecendo como terceiro o assistente.

Assim, a intervenção do Amicus Curiae não seria

a intervenção do clássico terceiro interessado, visto

que o interesse que o legitima não é próprio, mas um

interesse que decorre da transcendência do objeto

da causa, um interesse, por falta de termo melhor,

166 |

público, respaldado, imediatamente, na lei auto riza-

dora, mediatamente no princípio democrático e na

legitimação da Jurisdição.

Sob o aspecto procedimental, os terceiros clássi-

cos, como dito, à exceção do assistente, depois de seu

ingresso no processo, transformar-se-iam em partes,

o que não ocorre com o Amicus Curiae, dada a sin-

gularidade de seu interesse, em qualquer dos casos em

que é previsto, ou especialmente em sede de controle

concentrado, pois nesta seara nem mesmo há partes

(DEL PRÁ, 2008).

4.3 As hipóteses legais de participação

do Amicus Curiae

As ações de controle concentrado, abstratas e obje-

tivas, não servem à defesa de interesses subjetivos de

particulares ou terceiros. O interesse a ser resguardado

no palco do judicial review é a guarda da Constituição.

Desta forma, poderia parecer inadequada a intervenção

do Amicus Curiae em processo objetivo, o que se trata

de engano, haja vista a intervenção do Amicus Curiae

não atender, dada a feição da lei 9.868/99, ao clássico

arcabouço da intervenção de terceiros.

Desta forma, a participação do Amicus Curiae em

processo objetivo de controle de constitucionalidade,

reveste-se da elogiável função de trazer a sociedade

ao debate, ao diálogo constitucional. Considerando a

preconizada legitimidade discursiva do Judiciário, a figura

deste instituto reforça esta legitimidade, posto que trará

“outras vozes” à confecção do discurso cons titucional.

A previsão de possibilidade de participação do

Amicus Curiae na ADIN está no artigo 7º, parágrafo 2º,

da Lei 9.868/99, havendo “relevância da matéria e

a representatividade dos postulantes” admite-se a

“manifestação de outros órgãos e entidades”. Há

possibilidade de participação do Amicus Curiae também

na ADC, por analogia.

Del Prá acentua a possibilidade dos co-legitimados

à propositura das Ações Constitucionais ingressarem no

processo como assistentes litisconsorciais ou Amicus

Curiae (DEL PRÁ, 2008).

Na ADPF, a possibilidade legal de participação do

Amicus Curiae está no artigo 6º, parágrafo 1º, como

possibilidade de manifestação, para o fim de fornecer

elementos técnicos, fáticos ou jurídicos para a melhor

construção da decisão. Uma especificidade digna de nota

é que na ADPF a participação voluntária é autorizada a

“quaisquer interessados”, não somente aos “órgãos e

entidades”.

Também é possível a participação do Amicus Curiae

em sede de Controle Difuso. Neste caso se dará sempre

voluntariamente. Poderão assumir a sua função, nos

termos da Lei 9.868/99 “as pessoas jurídicas de direito

público responsáveis pelo ato impugnado, os co-

legitimados do artigo 103 da Constituição e quaisquer

outros órgãos e entidades”. Neste ponto, há que se

salientar a inovação operada pela Emenda Constitucional

nº 45 que instituiu a “Repercussão Geral da matéria” como

condição de admissibilidade do Recurso Extraordinário, ao

adicionar o parágrafo 3º ao artigo 102 da Constituição

Federal, nos seguintes termos:

Art. 102 [...] § 3º No recurso extraordinário, o recorrente deverá demonstrar a Repercussão Geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros (BRASIL, 2008, p.35).

Por Repercussão Geral, conforme expõe André

Ramos Tavares em seu Curso Direito Constitucional,

deve-se compreender as temáticas que afetem um

grande número de populares, que aborde de assuntos

relevantes e significativos socialmente, transcendendo

aos interesses processuais das partes (TAVARES, 2007).

Destarte, observe-se que a “Repercussão Geral da

matéria” – requisito para a análise do Recurso Extraor-

dinário, e, portanto, da Jurisdição Constitucional na

modalidade concreta em grau recursal – coaduna-se

com a repercussão social da causa ou relevância da

matéria, requisito para a admissão do Amicus Curiae.

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.157-171, jul./dez. 2009 | 167

Revista da FAE

O que evidencia não só o cabimento da participação de

Amicus Curiae em sede de Recurso Extraordinário, mas

também, a consonância de propósitos destes requisitos

de admissibilidade.

A previsão legal infraconstitucional da Repercussão

Geral está assentada no Código de Processo Civil, nos

artigos 343-A e 543-B acrescidos pelo advento da Lei

nº 11.418/06. Bem como no Regimento Interno do

STF que disciplina a matéria nos artigos 322 a 328.

A Repercussão Geral delimita a competência recur-

sal do STF às questões com relevância social, política,

econômica ou jurídica. Por este motivo, o parágrafo 6º

do artigo 543-A do Código de Processo Civil favorece a

intervenção de terceiros em sua análise, in verbis: “O

Relator poderá admitir, na análise da Repercussão Geral,

a manifestação de terceiros, subscrita por procurador

habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo

Tribunal Federal.” Embora o Amicus Curiae, não seja

um dos clássicos casos de intervenção de terceiros, sua

admissibilidade é necessidade teleológica estabelecida

pelo liame estabelecido entre a Repercussão Geral e a

transcendência da matéria.

A admissibilidade de terceiro na análise da Reper-

cussão Geral consagra a proposta de Peter Häberle

no tocante a “sociedade aberta dos interpretes da

Constituição”

A interpretação constitucional é, em realidade, mais um elemento da sociedade aberta. Todas as potências públicas, participantes materiais do processo social, estão nela envolvidas, sendo ela, a um só tempo, elemento resultante da sociedade aberta e um ele-mento formador ou constituinte dessa sociedade. [...] Os critérios de interpretação constitucional hão de ser tanto mais abertos quanto mais pluralista for a socie-dade (HÄBERLE, 1997, p.13).

Há também previsão de manifestação do Amicus

Curiae no pedido de uniformização de interpretação de

lei federal, figura do art. 14 da Lei 10.259/01, fundada na

divergência de decisões das Turmas Recursais da mesma

região, no âmbito dos Juizados Especiais Federais. Tal

previsão assenta-se na parte final do parágrafo 7º, pelo

qual, “eventuais interessados, ainda que não sejam

partes no processo, poderão se manifestar, no prazo de

trinta dias”.

Ainda no âmbito da uniformização de jurisprudência,

o mesmo dispositivo aplica-se também, por previsão

expressa, ao processamento do Recurso Extraordinário,

hipótese inclusive reconhecida pela Emenda Regimental

12 de 12/12/2003, do STF.

5 Amicus Curiae: instituto de

legitimação e participação

democrática no judiciário politizado

O instituto em análise corrobora com a abertura

do processo, de modo a ampliar a participação da

sociedade na realização da tutela Jurisdicional, uma

abertura democrática do processo hermenêutico,

nos moldes da doutrina de Peter Härbele. Este autor

aborda a legitimidade da pluralidade de intérpretes

pelo viés da Teoria da Democracia. Para ele, embora

estes intérpretes não tenham legitimação represen-

tativa, isto não lhes retira a legitimidade. Porque

Democracia não se exerce somente por representação,

mas numa sociedade aberta, principalmente, pela

realização dos Direitos Fundamentais e pela inter-

pretação pluralista da Constituição. Por isto, defende

a substituição do conceito de “democracia do povo”,

fundada na soberania popular, pelo de “democracia

do cidadão”, fundada nos Direitos Funda mentais.

Destarte, o pluralismo dos Direitos Funda mentais

converte-se no cerne da Constituição Demo crática

(HÄRBELE, 2002, p.39).

O Poder Judiciário constitui-se espaço de exercício

da soberania política, espaço público de participação

democrática, aberto ao ativismo de agentes sociais e

judiciais na produção plural da cidadania, através do

processo. Espaço de representação funcional atrelada à

cidadania social, no conceito de Werneck Vianna, para a

consolidação da Democracia Constitucional de Dworkin.

168 |

A participação popular passa a não mais restringir-se à esfera política, no sentido, v.g, de representação direta pelo voto, mas, ao contrário, inunda campos maiores de atuação, possibilitando mais amplo debate nas instâncias jurisdicionais, objetivo de fazer valer os direitos constitucionalmente assegurados, quer de forma individual, quer coletiva (DEL PRÁ, 2008, p.73).

A pluralidade da sociedade reclama a expansão

da previsão de participação do Amicus Curiae sempre

que a transcendência do objeto da ação o justificar, em

processo objetivo de controle de constitucionalidade,

em controle difuso, em ações coletivas, ou outras

hipóteses, que entendemos, devem ser ampliadas.

Chegou-se a um estágio no reconhecimento, em

todas as instâncias, da politização do Judiciário, politização

esta que faz necessária a extensão dos institutos de

abertura democrática do processo para além dos limites

do processo objetivo de controle de constitucionalidade,

ao procedimento das ações coletivas.

[...] é necessária a modificação da lei de ação civil pública para permitir que, durante o processo, haja essa abertura como forma de viabilizar que o juiz, ao decidir, tenha plena consciência de todas as teses efetivamente extraíveis do caso em questão. [...] Essa abertura provoca até mesmo a superação do pseudodéficit democrático, pois, permitindo a participação direta da sociedade na resolução da demanda, não há que se falar em falta de legitimidade para uma importante decisão judicial sobre políticas públicas (FREIRE JÚNIOR, 2005, p.107).

Trazer a sociedade pluralista à participação política,

no âmbito do Poder Judiciário, reforça a legitimidade

democrática deste poder. Democratizar as discussões

travadas no STF, estabelecendo um diálogo com os

setores organizados da sociedade civil, não acarreta

na perda de independência do Tribunal Constitucional,

confere-lhe maior legitimidade social, visto que a

interpretação da norma não interessa apenas aos seus

intérpretes formais, mas a todos aqueles que convivem

na sociedade.

Quanto maior o respaldo que seus membros gozarem na sociedade, maior será a autoridade de suas decisões.

A composição do Supremo Tribunal Federal deve ser plural, porque permitirá a participação das forças políticas imperantes na sociedade, e conseqüentemente menores serão as resistências às suas decisões. [...] Há a formação de uma simbiose intrínseca entre o órgão que exerce a jurisdição constitucional e os demais estabelecidos, impedindo que as decisões de tutela da Constituição sejam tomadas através de um forma-lismo auto-referencial, alienadas das demandas sociais (AGRA, 2005, p.284).

Além disto, a democratização dos debates impede

o arbítrio, a argumentação hermética, a distância das

contingências sociais e enriquece a jurisprudência.

Existem muitas formas de legitimação democrática, desde que se liberte de um modo de pensar linear e eruptivo, a respeito da concepção tradicional de democracia. Alcança-se uma parte considerável da democracia dos cidadãos (Burgerdemokratie) com o desenvolvimento interpretativo das normas consti-tucionais. A possibilidade e a realidade de uma livre discussão do indivíduo e de grupos “sobre” e “sob” as normas constitucionais e os efeitos pluralistas sobre elas emprestam à atividade de interpretação um caráter multifacetado. [...] A sociedade tornou-se aberta e livre, porque todos estão potencial e atualmente aptos a oferecer alternativas para a interpretação constitucio-nal. [...] os instrumentos de informação dos juízes cons-ti tucionais devem ser ampliados e aperfeiçoados, es-pecial mente no que se refere às formas gradativas de participação e à própria possibilidade de participação no processo constitucional (especialmente nas audiências e nas intervenções). Devem ser desenvolvidas novas formas de participação das potências públicas pluralistas enquanto intérpretes em sentido amplo da Constituição (HÄRBELE, 2002, p.39).

Del Prá, fazendo menção à teoria de Niklas

Luhmann, afirma que: “Na verdade, a legitimação do ato

de poder não se dá somente em razão da observância

do procedimento previsto, mas principalmente pela

participação dos destinatários que essa observância

proporciona” (DEL PRÁ, 2008, p.198).

Porém, este trabalho não pode se furtar a men-

cionar, ainda que brevemente, que a legitimidade do

Judiciário é também discursiva. Repousa também

Rev. FAE, Curitiba, v.12, n.2, p.157-171, jul./dez. 2009 | 169

Revista da FAE

na capacidade de convencimento do argumento, na

capacidade de, diante das inerentes tensões da demo-

cracia, escolher um dos argumentos dentre os que

colidem na “comunidade de valores compartilhados”,

para criar algum nível de consenso, a partir de uma

verificação racional do argumento.

Neste ponto, há que se ressaltar a doutrina de

Habermas, em que a legitimação discursiva se opera

pelo alcance da “verdade consensual”, advinda do

debate, da construção do consenso a partir do dis-

sen so, externada em linguagem “autêntica, justifi-

cável e con sensual”. Para o estudo da legitimidade

discur siva há que se entender o discurso normativo

(HABERMAS, 1997)

Pode-se assim dizer que a administração da justiça é o resultante de um paralelogramo de forças no qual os vetores dominantes são a consciência jurídica formal e a consciência jurídica material, A decisão obtida é determinada pelo efeito combinado da interpretação cognoscitiva da lei e da atitude valorativa da consciência jurídica. Seria errôneo limitar a atividade valorativa àquelas ocasiões, relativamente raras, nas quais ela se manifesta como desvio do resultado a que conduziria uma interpretação meramente cognoscitiva da lei. A consciência jurídica material está presente em todas as decisões. [...] Se os postulados político-jurídico-morais de sua consciência jurídica tivessem levado o juiz a considerar que a decisão era inaceitável, este teria podido também, mediante uma argumentação adequada, descobrir a via para uma melhor solução (ROSS, 2000, p.168-169).

Assim, a participação direta da sociedade na pres-

tação jurisdicional pelo instrumento do Amicus Curiae;

para além dos limites liberais da ampla defesa e do

contraditório, que atendem aos interesses das partes;

em situações em que o debate hermenêutico judicial

tem transcendência social, tende a pacificar as tensões

entre os vários argumentos existentes na “comunidade

de interpretes” – que em uma democracia deve

participar dos atos de poder – criando uma decisão

com força argumentativa potencialmente indutora de

consenso.

Conclusão

Embora a representatividade seja instituto essen-

cial das democracias, estas não são configuradas

apenas por ela. Com o advento do Estado Social de

Direito, e o que se assistiu após ele, as democracias

agregaram ao seu conceito um conteúdo finalístico,

assumindo como sua razão de ser a realização dos

Direitos Fundamentais.

Na Democracia Constitucional, surgem outros

espa ços políticos de atuação da cidadania que não os

clássicos métodos de representação, entre os quais se

destaca o Judiciário, que em crescente atuação política,

reinventa a sua Jurisdição e legitimidade.

Desta forma, são reinventados também os instru-

mentos processuais, de modo a possibilitar a abertura

do processo à participação democrática. A este desi-

derato serve o Amicus Curie, numa demonstração

de que o processo adequa-se à nova roupagem das

Democracias Constitucionais, na qual a necessidade

de inclusão das minorias e a proteção dos Direitos

Fundamentais são imperiosas.

A participação política no Poder Judiciário, legi-

timada pela vontade do poder Constituinte e pela

opinião pública, cerceia o excesso do poder constituído

e contorna uma grave crise de representatividade ins-

taurada que ameaça transformar a Democracia em

teorema formal.

Assim, participação do Amicus Curiae é partici-

pação do cidadão na vida pública na seara do Poder

Judiciário, possibilita o pluralismo e complementa a

Democracia representativa, pelo viés da concretização

os Direitos Fundamentais. De modo a consolidar a

“Democracia Constitucional Participativa” em detrimento

da “Democracia Majoritária”, pelo reconhecimento

de uma representação política, ou funcional, atrelada

à cidadania social, exercida pela comunidade de

intérpretes e agentes judiciais.

Estabelecido o direito “à máxima efetividade da

Constituição”, tendo a função jurisdicional deixado de

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ser reguladora de conflitos intersubjetivos, consagrou-se

o Judiciário como um cenário político apto a realizar

as prestações sociais do Estado Democrático Consti-

tucional, com a participação do cidadão, que não é

mais o Jurisdicionado inerte de outrora.

Assim, considerando a premissa de que a Juris-

prudência cria direito, porque a norma se perfaz no

momento da interpretação, os cidadãos participam da

criação do direito estatal pela interpretação e aplicação

do direito, não somente pela representatividade confe-

rida ao Legislativo, mas pela via judicial.

O Poder Judiciário é poder político, suas instâncias

são espaços democráticos de atuação e produção

política, não representativa, mas participativa, regidos

por regras de processo. Assim, o Judiciário realiza os

valores e princípios democráticos constitucionais, pela

participação dos cidadãos e atores estatais, na concre-

tização dos valores fundamentais.

Por tudo quanto exposto, há que se buscar o

aumento da participação política do jurisdicionado,

de sua consciência e compromisso com a Constituição,

e, por fim, o aumento da participação, da figura do

Amicus Curiae.

•Recebido em: 18/06/2009 •Aprovado em: 19/10/2009

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Histórico e missão

A Revista da FAE, existente desde 1998, é um espaço para divulgação da produção científica e acadêmica de temas multidisciplinares, que enfoca, principalmente, as áreas de administração, contabilidade, economia, direito, engenharia, educação, sistemas de informação, psicologia e filosofia, com o intuito de discutir o posicionamento das organizações e o desenvolvimento local.

Por ter como missão fomentar a produção e a dissemi-nação de conhecimento em áreas correlatas à discussão sobre a gestão de negócios e o posicionamento das organizações no processo de desenvolvimento local, entre nossos leitores, encontram-se professores, alunos de graduação e pós-gradu-ação, consultores, empresários e profissionais de empresas públicas e privadas.

Objetivo

O objetivo da Revista da FAE é promover a publicação de temas relacionados à gestão de negócios e à inserção das organizações no processo de desenvolvimento local.

A Revista da FAE deseja motivar e instigar os seus leitores a compreenderem o papel das organizações no processo de desenvolvimento local, tendo acesso à discussão de temas atuais e relevantes para definição estratégica e operacional das organizações.

Assim, será dada prioridade à publicação de artigos que, além de inéditos, nacional e internacionalmente, versem sobre o papel das organizações no desenvolvimento local e discutam sobre temas contemporâneos da gestão de negócios.

Orientação editorial

Os trabalhos selecionados pela Revista da FAE serão aqueles que abordem temas relacionados ao seu objetivo, ou seja, que se refiram a ferramentas, técnicas e teorias relacio-nadas à gestão de negócios e à função das organizações no processo de desenvolvimento local.

Com o tema gestão de negócios, visa-se contribuir com o debate sobre sistemas de gestão de produção e gestão econômica de sistemas produtivos, com o intuito de discutir

o processo de desenvolvimento da organização. Trata-se de uma visão holística sobre a gestão de negócios, a partir de uma abordagem multidisciplinar das áreas de ciências sociais aplicadas (administração, contábeis e economia), jurídica (direito) e exatas (engenharias).

Já com o tema organizações e desenvolvimento, o objetivo é analisar o papel e a interação da organização, qualquer que seja sua origem ou situação societária, no processo de sustentabilidade econômica, social, ambiental e política.

Além de trabalhos puramente teóricos, serão aceitos para apreciação artigos resultantes de estudos de casos ou pesquisas direcionadas que exemplifiquem ou tragam experiências, fundamentadas teoricamente, e que contribuam com o debate estimulado pelo objetivo da revista.

Enfatiza-se a necessidade de os autores respeitarem as normas estabelecidas nas Notas para Colaboradores, especial-mente as referentes ao limite de tamanho. Os trabalhos serão publicados de acordo com a ordem de aprovação, porém será priorizado o conteúdo multidisciplinar do debate.

Todos os artigos estão disponíveis para download, exceto a última edição.

Focos

O principal requisito para publicação na Revista da FAE consiste em que o artigo represente, de fato, contribuição científica. Tal requisito pode ser desdobrado nos seguintes tópicos:

• O ���� ������� ���� ��� ��������� � ���������� ��contexto e ao momento e, preferencialmente, per-tencer à orientação editorial.

• O��f����c��������c��c��c������������f������������da arte do conhecimento na área.

• O���������������������g��������c����������� com princípios de construção científica do conhe-cimento.

• Ac��c���ã��������c�����c��c����������������-cações do trabalho para a teoria e/ou para a prática administrativa.

Espera-se, também, que os artigos publicados na Revista da FAE desafiem o conhecimento e as práticas estabelecidas com perspectivas provocativas e inovadoras.

Orientações aos colaboradores da Revista da FAE

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Escopo

A Revista da FAE tem interesse na publicação de artigos

de desenvolvimento teórico e trabalhos empíricos.

Os artigos de desenvolvimento teórico devem ser

sustentados por ampla pesquisa bibliográfica e devem propor

novos modelos e interpretações para fenômenos relevantes

com relação à gestão de negócios e à interação das organiza-

ções no desenvolvimento local.

Os trabalhos empíricos devem fazer avançar o

conhecimento na área, por meio de pesquisas metodologi-

camente bem fundamentadas, criteriosamente conduzidas

e adequadamente analisadas.

Notas para colaboradores

A Revista da FAE está aberta a colaborações do Brasil e do

exterior. A pluralidade de abordagens e perspectivas é incentivada.

Podem ser publicados artigos de desenvolvimento

teórico e artigos baseados em pesquisas empíricas (de 5.000

a 8.000 palavras).

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ferência de direitos do autor para a Revista. Não são pagos

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Pesquisa Acadêmica (NPA) com as seguintes características:

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