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    Rudolf Steiner

    ANDAR, FALAR, PENSAR

    A ATIVIDADE LDICA

    Dois temas de conferncia proferida em Ilkley (Inglaterra), em 10 de agosto de 1923

    Traduo deJacira Cardoso

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    Andar, falar, pensar

    A explanao efetuada at agora

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    no pretende meramente formular uma teoria sobrea necessidade de uma nova estrutura na educao, mas provocar o surgimento de algocomo um tipo de mentalidade educacional. Nas palestras anteriores eu quis falar menos aointelecto e muito mais ao corao humano. E justamente isto , para o educador, para omestre, o mais importante e o mais essencial pois, como j vimos, a arte da educaodeve ter por base um conhecimento mais penetrante do homem.

    H muito tempo se ouve, quando o assunto educao, sobre este ou aqueleprocedimento para com a criana. O preparo pedaggico consiste freqentemente emmandamentos e regras, de certa forma tericas, a respeito de como tratar o aluno.

    Desta maneira, porm, nunca cultivada a plena dedicao do docente e educador aseu ofcio; tal s ocorre quando ele tem a possibilidade de realmente penetrar na entidadehumana inteira, constituda de corpo, alma e esprito.

    Para quem, neste sentido, tem idias vvidas acerca do homem, diante da realidade

    profissional essas idias se convertem em vontade imediata. Aprende-se, a cada momento,a responder de forma prtica a uma pergunta de peso.Quem faz essa pergunta? A prpria criana. Assim, o mais importante aprender a ler

    na criana. E um verdadeiro e prtico conhecimento humano orientado segundo osprincpios corpo, alma e esprito conduz realmente a tal aprendizado.

    Por esta razo to difcil falar sobre a chamada Pedagogia Waldorf pois aPedagogia Waldorf no exatamente algo que se possa aprender, sobre o qual se possadiscutir: pura prtica, e pode-se realmente apenas relatar, atravs de exemplos, como aprtica utilizada em cada caso ou necessidade. A prpria prtica surge a partir daexperincia imediata, pois imprescindvel haver o conhecimento humano adequadoquando se parte dessa convico. Ora, pedagogia e didtica j constituem, em certosentido, uma questo social marcadamente ampla pois a educao da criana deve

    realmente comear logo aps o nascimento. Isto nada mais significa seno que a educao atribuio de toda a Humanidade, de cada famlia, de cada comunidade humana. Masjustamente isto nos ensina, no mais intenso grau, o conhecimento da prpria naturezainfantil antes do incio da troca dos dentes, ao redor dos sete anos. Um escritor alemo,Jean Paul Friedrich Richter , fez uma esplndida afirmao ao dizer: Nos trsprimeiros anos o homem aprende muito mais para a vida do que nos trs anos acadmicos(em sua poca havia apenas trs).

    De fato, antes de mais nada os trs primeiros anos de vida e conseqentemente osdemais at o stimo so de suma importncia para o desenvolvimento integral dohomem, pois a condio humana da criana totalmente diversa de uma condio poste-rior. A criana de fato, nos primeiros anos, um organismo totalmente sensorial. Enecessrio recorrer a expresses drsticas quando se quer realmente desvendar toda averdade.

    Na vida posterior o homem experimenta o sabor do alimento com a boca, com opalato, com a lngua. Na criana isto no ocorre, especialmente nos trs primeiros anos,quando o sabor atua atravs de todo o organismo. A criana saboreia at com os membroso leite materno e a primeira alimentao. O que em idade posterior ocorre na lngua, nacriana se processa em todo o organismo. A criana vive, por assim dizer, saboreando tudoo que ingere. Neste aspecto h algo de fortemente animalesco. Nunca devemos, porm,igualar o elemento animalesco da criana ao do animal. O animalesco na criana sempre,por assim dizer, elevado a um nvel superior. O homem nunca animal, nem mesmo comoembrio a muito menos. Mas pode-se tornar as idias mais claras fazendo umacomparaao.

    Algum que, com verdadeira considerao pelos processos da Natureza, tenha vistoalguma vez um rebanho em repouso aps a pastagem digamos, um rebanho de vacas no

    prado, estando cada uma das vacas maravilhosamente entregue ao Cosmo, ocupada no1Nas conferncias dos dias precedentes. (N.T.)

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    processo digestivo , recebe uma impresso do que realmente acontece no animal. Todoum universo, todo um extrato do suceder csmico se processa no animal, e enquantodigere este experimenta as mais maravilhosas vises. O processo digestivo o mais im-portante processo cognitivo no animal. E ao digerir este est entregue, de uma formaonrico-imaginativa, a todo o Cosmo.

    Isto parece extravagante, mas por estranho que parea corresponde exatamente verdade. E se o elevarmos um grau acima, captaremos a vivncia da criana em suasfunes fsicas. O sabor acompanha todas essas funes, e da mesma forma se estende atodo o organismo da criana algo que normalmente se localiza apenas nos olhos e nosouvidos.

    Imagine-se o que de maravilhoso h num olho: como este capta o colorido do mundoexterior, formando interiormente uma imagem que nos permite ver. Isto localizado,estando parte de nossa vivncia global. E ento compreendemos com o intelecto aquiloque o olho cria de forma admirvel e do qual elaborada uma silhueta mental.

    Igualmente maravilhosos so os processos localizados no ouvido do homem adulto.Porm, tudo o que no adulto est localizado nos sentidos distribui-se, na criana, por todoo organismo. Conseqentemente inexiste, na criana, qualquer separao entre esprito,

    alma, corpo; tudo o que atua do exterior reproduzido interiormente. A criana reproduz,pela imitao, tudo o que a circunda.Tendo isto em mente, observemos como so adquiridas pela criana, nos primeiros

    anos, trs atividades trs faculdades que condicionaro toda a sua vida: andar, falar,pensar.

    O andar poderamos dizer uma abreviatura, uma curta expresso de algo muitomais abrangente. Dizemos que a criana aprende a andar pelo fato de este aspecto ser omais evidente. Mas este aprender a andar implica colocar-se em posio de equilbriodiante do mundo espacial. Enquanto crianas procuramos a postura ereta, procuramoscolocar as pernas em tal relao com a fora da gravidade que com isto possamos obter oequilbrio. Tentamos o mesmo com os braos e as mos. Todo o organismo se orienta.Aprender a andar significa encontrar as direes espaciais do mundo e nelas engajar oprprio organismo.

    Trata-se aqui de observarmos da maneira correta como a criana um ser sensorialimitativo pois nos primeiros anos de vida tudo tem de ser aprendido atravs da imitao,captado pela imitao do meio ambiente.

    Ora, evidente a maneira como o organismo faz brotar de si prprio as forasorientadoras, como o organismo do homem est apto a colocar-se em posio vertical, nopermanecendo, como ao engatinhar, em posio horizontal, e a utilizar os braos de formaadequada, em equilbrio diante do mundo espacial. Tudo isto inerente criana,originando-se, por assim dizer, dos prprios impulsos do organismo.

    Quando comeamos, como educadores, a introduzir coao, por mnima que seja,naquilo que a natureza humana individual quer, quando no compreendemos sernecessrio deix-la livre e sermos apenas os guias auxiliares, prejudicamos ento aorganizao humana para toda a vida terrena.

    Quando, portanto, obrigamos erroneamente a criana a andar atravs de mtodosexternos, no nos limitando a ajud-la querendo, ao contrrio, pression-la a andar, aficar de p, prejudicamos sua vida at morte especialmente na idade maisavanada. Pois numa verdadeira educao no se trata de simplesmente olhar para omomento presente da criana, mas de considerar toda a vida humana at morte.Precisamos saber que na idade infantil se encontra o germe de toda a vida humanaterrena.

    Ora, a criana, por ser um organismo sensorial extraordinariamente delicado, sensvel no somente s influncias fsicas de seu meio ambiente, mas principalmente sinfluncias mentais. Por mais paradoxal que possa parecer a mentalidade materialista, acriana sente o que pensamos sua volta. E importante no somente que, como pais oueducadores, evitemos atitudes imprprias visveis, mas que sejamos interiormenteverdadeiros e permeados de moral em nossos pensamentos e sentimentos os quais a

    criana sente e capta. que ela estrutura seu ser no somente de acordo com nossaspalavras ou aes, mas segundo nossa atitude moral, nosso desempenho mental e afetivo.

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    E para a primeira poca da educao infantil at o stimo ano, sumamente importante oambiente sua volta.

    Surge ento a pergunta: o que podemos mesclar nossa ajuda no aprendizado doandar e da auto-orientao? Trata-se, aqui, de observar as conexes da vida por meio deuma cincia espiritual, e no mediante uma cincia morta e desespiritualizada.

    Tomemos uma criana que, por quaisquer meios coercitivos considerados corretos,tenha sido obrigada a andar, a orientar-se no espao; e observemo-la ento depois, aoscinqenta anos entre os cinqenta e os sessenta. Se nada diferente houver interferidodurante a vida, ns a veremos, a essa altura, padecendo de todas as possveisenfermidades metablicas, incontrolveis por ela: reumatismo, gota, etc.

    Tudo o que de anmico-espiritual exercemos sobre a criana sim, algo anmico-espiritual querermos induzi-la foradamente posio vertical e ao andar, mesmo que ofaamos de modo inadvertido chega a atuar nela em mbito fsico. As foras queproduzimos atravs de medidas altamente questionveis perduram por toda a vidahumana, e, no tendo sido corretas, manifestam-se em enfermidades fsicas.

    Toda educao , no caso da criana, educao fsica. No se pode educar o aspectofsico em separado, pois toda educao anmico-espiritual na criana fisicamente atuante

    educao fsica. Quando se v, numa criana, o organismo orientar-se para ficar ereto,para andar; quando se atenta com ntimo sentimento de amor para esse maravilhososegredo do organismo humano, que capaz de progredir da posio horizontal para avertical; quando se tem o sentimento religioso de postar-se com tmida venerao diantedas foras criadoras divinas que orientam a criana no espao; quando, em outraspalavras, l se est como guia auxiliar no andar, no aprender a orientar-se, como quemama intimamente a natureza humana no ser infantil medida que acompanha com amorcada manifestao dessa natureza humana, produzem-se na criana foras sadias, aindavisveis justamente num metabolismo sadio entre os cinqenta e os sessenta anos, quando necessrio controlar esse metabolismo.

    Este , pois, o segredo da evoluo humana: aquilo que em certa etapa da vida anmico-espiritual torna-se posteriormente fsico, manifesta-se fisicamente depois demuitos anos.

    Isto basta sobre aprender a andar. Uma criana amorosamente conduzida a andartorna-se uma pessoa sadia. E empregar o amor no aprendizado do andar contribuiconsideravelmente para a educao corporalmente sadia da criana.

    O falar desenvolve-se a partir da orientao no espao. A fisiologia moderna no sabemuito a respeito; porm, j sabe alguma coisa. Sabe que, ao realizarmos nossos afazerescom a mo direita, uma circunvoluo no lado esquerdo do crebro provoca o movimentoda fala. Tal fisiologia j estabelece uma correspondncia entre o movimento da modireita e o denominado rgo de Broca, localizado na metade esquerda do crebro. Amaneira como a mo se move, como faz gestos, como a energia se derrama nela tudo setransmite ao crebro e plasma o aspecto motor da fala. O que se sabe cientificamente apenas um fragmento,pois a verdade a seguinte: a fala no provm unicamente domovimento da mo direita, correspondente circunvoluo do lado cerebral esquerdo,

    mas de todo o organismo motor do homem. A maneira como a criana aprende a andar, aorientar-se no espao, como aprende a converter os primeiros e indeterminadosmovimentos dos braos em gestos conseqentes, relacionados com o mundo exterior, tudoisso se transporta atravs da misteriosa organizao interna do homem para a organizaoda cabea, manifestando-se na fala.

    Quem capaz de discernir estas coisas sabe que cada som, especialmente cada sompalatal, soa diferentemente numa criana que tropea ao andar e numa criana quecaminha firme. Todo o matizado da fala devido organizao motora. A vida semanifesta primeiramente em gestos, e os gestos transformam-se interiormente noelemento motor da fala. Assim, o falar um resultado do andar, isto , do orientar-se noespao. E do fato de levarmos amorosamente a criana a andar que muito depender suamaneira de dominar a fala.

    Estas so as sutis correlaes fornecidas por um real conhecimento do homem. No foi

    sem razo que nos dias anteriores eu descrevi detalhadamente esse processo de trazer oesprito organizao humana. Assim se traz o esprito ao corpo pois o corpo segue o

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    esprito a cada passo quando este trazido da maneira correta.Ora, a criana aprende tambm a falar primeiramente atravs de todo o seu

    organismo. Considerando o assunto desta forma, temos em primeiro lugar o movimentoexterior, o movimento das pernas, que provoca o contorno forte; o articular dos braos edas mos, que produz a flexo, a plasticidade das palavras. Vemos como transformado

    interiormente, na criana, o movimento exterior em movimento da fala.E se no aprendizado do andar a ajuda que prestamos como guias auxiliares deve ser

    impregnada de amor, em nossa ajuda no aprendizado da fala necessrio sermosinteriormente verdadeiros. A maior falsidade da vida se engendra enquanto a crianaaprende a falar, pois a a veracidade da fala captada pelo organismo fsico.

    Uma criana diante da qual, como educadores e mestres, nos expressamos sempresinceramente como seres humanos, ao imitar o meio ambiente assimilar a linguagem detal forma que nela se intensificar a atividade realizada no organismo enquanto inspiramose expiramos.

    Naturalmente, estas coisas no devem ser compreendidas grosso modo, mas em suassutilezas pois em sutilezas se constituem e se manifestam por toda a vida. Nsinspiramos oxignio e expiramos gs carbnico. Em nosso organismo, pelo processo da

    respirao, o oxignio tem de ser transformado em gs carbnico. O mundo nos fornece ooxignio, tomando-nos o gs carbnico. O fato de transformarmos de maneira correta, emsutis e ntimos processos vitais, o oxignio em gs carbnico, depende de termos sido tra-tados sincera ou falsamente por nosso meio ambiente, durante o aprendizado da fala. Oelemento espiritual transforma-se, a, totalmente em processo fsico.

    E uma das falsidades consiste no fato de acreditarmos fazer bem criana reduzindo-nos, pela fala, ao nvel infantil. Em seu inconsciente, porm, a criana no quer serinterpelada em linguagem infantil quer ouvir, isto sim, algo que corresponda autnticalinguagem do adulto. Falemos, portanto, criana como estamos habituados, e evitemosuma linguagem infantil especialmene dirigida.

    Por causa de suas limitaes, a criana inicialmente apenas imita balbuciando aquiloque se lhe diz; mas no devemos, ns prprios, imit-la pois este o mximo deslize. Equando acreditamos dever empregar o balbucio da criana, sua linguagem imperfeita,

    prejudicamo-lhe os rgos da digesto. E que todo elemento espiritual se toma fsico,penetra formativamente na organizao fsica. E tudo o que fazemos espiritualmente criana porque a criana em si absolutamente nada tambm um treinamentofsico. Muitos rgos digestivos defeituosos na vida posterior devem-no a um errneoaprendizado do falar.

    Exatamente como o falar surge do andar, do apalpar, do movimento humano, surgedepois o pensar a partir da fala. E necessrio que, durante a orientao auxiliar para oandar, embebamos tudo em amor; que nos dediquemos porque a criana imita interior-mente o que se realiza ao seu redor , durante o aprendizado da fala, mais slidaveracidade; e que, assim, faamos predominar a clareza em nosso pensar ao redor dacriana, para que esta, sendo toda ela um rgo sensorial, reproduza interiormente, no or-ganismo fsico, tambm o elemento espiritual, com o qual possa extrair da fala um pensar

    correto.O maior prejuzo que podemos causar criana ocorre quando, sua volta, damosqualquer ordem que depois revogamos dizendo algo diverso, confundindo ento as coisas.Provocar confuso pelo pensar em presena da criana a verdadeira raiz daquilo que, naatual civilizao, chamamos de nervosismo.

    Por que tantas pessoas de nossa poca so nervosas? Simplesmente pelo fato de osadultos no haverem pensado de forma clara e precisa ao seu redor, quando elas, apshaverem aprendido a falar, aprenderam tambm a pensar.

    Cada gerao, ao evidenciar seus mais graves defeitos, fisicamente uma cpia fielda gerao precedente. E quando se observam certas falhas dos prprios filhos numapoca posterior da vida, essa observao deve constituir um pouquinho de razo para umautoconhecimento pois por um processo muito ntimo que tudo o que ocorre ao redorda criana se expressa na organizao fsica. Amor no aprendizado do andar, veracidade no

    aprendizado da fala, clareza e determinao durante o aprendizado do pensartransformam-se, nessa fase da infncia, em organizao fsica. Os vasos e rgos se

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    estruturam da mesma forma como se desenvolvem o amor, a veracidade e a clareza nomeio ambiente.

    As enfermidades metablicas so a conseqncia da ausncia de amor no aprendizadodo andar. Os distrbios digestivos podem ser o resultado de um tratamento insinceroquando a criana comea a falar. O nervosismo resulta, na vida, do pensar confuso ao re-

    dor da criana.Quando se observa como predomina o nervosismo nesta terceira dcada do sculo XX,

    s se pode deduzir que deve ter reinado uma forte confuso nos educadores por volta doincio do sculo. Pois tudo o que ento era comportamento confuso atravs do pensarconstitui o nervosismo atual. E, por sua vez, o nervosismo que as pessoas tiveram na viradado sculo nada mais era seno a imagem da confuso por volta de 1870. Estas coisaspodem ser observadas de tal forma que nem a fisiologia, a higiene ou a psicopedagogiaestejam isoladas, e que o professor no necessite chamar o mdico a cada ocasiorelacionada com sade; tais coisas podem ser tratadas de forma que a pedagogiafisiolgica e a higiene escolar, a fisiologia escolar sejam um todo, assumindo o professorem sua misso, em sua tarefa, tambm aquilo que a atuao espiritual representa para oorganismo sensorial fsico.

    Porm, visto que todas as pessoas so educadores para a idade entre o nascimento e ostimo ano de vida, situamo-nos tambm diante da tarefa social decorrente do fato de serabsolutamente necessrio um verdadeiro conhecimento do homem para que a Humanidadeempreenda um caminho ascendente, e no uma descida.

    A atividade ldica

    Nossa civilizao preteriu obviamente com razo uma medida educativa muitoempregada nos tempos antigos: bater, espancar. Mas nossa poca ningum me acusarde defender o castigo corporal nesta palestra teve justamente o grande talento de

    distanciar o castigo corporal de nosso ensino, porque est bem engajada emexterioridades, podendo compreender muito bem os prejuzos do castigo corporal para oorganismo fsico e as conseqncias morais que dele derivam.

    Porm, nesta poca to orientada para o fsico, sensorial, e pouco orientada para oespiritual e anmico, introduziu-se na educao infantil um terrvel flagelo, totalmentedesapercebido pelo fato de atualmente se atentar to pouco ao esprito. Nossas mes, eat mesmo nossos pais, acham extraordinariamente necessrio presentear a menina emidade ldica com uma linda boneca, com a qual ela possa brincar. Esta linda boneca,no obstante, sempre horrvel, por ser anti-artstica; mas , como s vezes se conceitua,uma linda boneca, com cabelos legtimos, corretamente pintada e com olhos mveis quando abaixada fecha os olhos, e quando erguida nos olha.

    Assim como tais bonecas mveis, amide so introduzidos nas brincadeiras das

    crianas brinquedos que, de forma horrvel e anti-artstica, mas supostamente imitando avida, so-lhes oferecidos. A boneca meramente um exemplo caracterstico; temos mol-dado todos os nossos brinquedos da mesma forma, em nossa civilizao. Tais brinquedosso a mais terrvel tortura para as crianas. E assim como se mostram comportadas no seioda famlia e da comunidade mesmo sendo castigadas, segundo exigido pelas convenes,as crianas tampouco expressam, por gentileza, aquilo que se enraza verdadeiramente nomais profundo de sua alma: a antipatia por essa linda boneca. Por mais que insistamosjunto criana que ela lhe deva ser simptica, suas foras inconscientes e subconscientestm forte desempenho, sendo-lhe profundamente antiptico tudo o que se apresenta naaparncia da linda boneca pois esta constitui, como mostrarei a seguir, um flagelointerior para a criana.

    Suponha-se, porm, que seja levado em considerao aquilo que a crianaexperimentou em sua simples atividade pensante at o quarto, quinto ano, e ainda at o

    sexto, stimo ano, no processo de ficar de p, de colocar-se verticalmente, de procurarandar; confecciona-se ento uma boneca com um pedao de pano, tendo uma cabea na

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    parte de cima e, quando muito, duas manchas de tinta como olhos. Tem-se ento nessaboneca tudo o que a criana pode compreender, e tambm amar. A existem, de formaprimitiva, as caractersticas da figura humana na extenso em que a criana pode observ-las em sua idade.

    Nada mais sabe a criana acerca do homem, a no ser que est de p, que tem uma

    parte em cima e outra embaixo, que l em cima h uma cabea com um par de olhos; aboca encontraremos isto nos desenhos infantis , elas a desenham muitas vezes na tes-ta, pois seu lugar no lhes definidamente claro. Tudo o que a criana realmente vivenciaest contido na boneca feita de pano, com um par de manchas de tinta. Na crianatrabalha uma fora plstica interna. Tudo o que lhe vem do meio ambiente se transportapara um processo formativo interior, e tambm para a formao dos rgos.

    Quando a criana, digamos, tem ao seu lado um pai que a todo momento se mostracolrico, vivendo portanto num ambiente onde a toda hora acontecem vivncias exterioresdiretas, ela participa dessas vivncias e com tal intensidade que isto se manifesta emsua respirao e em sua circulao. A medida que tal ocorre, plasmam-se os pulmes, ocorao e todo o sistema vascular; e a criana leva consigo, por toda a vida, interiormentemoldado, aquilo que formou plasticamente em si por presenciar os atos de um pai

    colrico.Com isto eu quis apenas indicar como a criana tem a seu dispor uma fora plsticainterior maravilhosa, e como trabalha continuamente em seu ntimo como um escultor. Ese lhe dermos a boneca de pano, penetraro suavemente no crebro as foras plasmadorasdo organismo principalmente aquelas que, a partir do sistema rtmico, da respirao eda circulao sangnea, moldam o rgo cerebral. Elas plasmam o crebro infantil damesma maneira como trabalha um escultor que elabora a escultura com mo firme,flexvel, compenetrada de espfrito e alma: tudo ocorre em carter formativo, em evoluoorgnica. A criana observa esse pedao de pano transformado em boneca, e isto se tornafora plasmadora humana, fora verdadeira que, a partir do sistema rtmico, intervm nosistema cerebral.

    Quando damos criana uma das chamadas lindas bonecas a boneca articulada, quepode mover os olhos, de faces tingidas e belos cabelos entregando-lhe esse horrvel

    fantasma do ponto de vista artstico, foras plsticas que modelam o sistema cerebralatuam do sistema rtmico, partindo da respirao e do sistema sangneo como chicotadas:tudo o que a criana ainda no pode compreender aoita o crebro. Este terrivelmentegolpeado e flagelado.

    este o segredo da linda boneca. Mas tambm o segredo da vida ldica infantil emmuitos aspectos.

    preciso ter bem claro, quando se deseja conduzir amorosamente a criana aobrinquedo, o quanto de foras internamente construtivas entram em cena. A este respeitotoda a nossa civilizao tem uma viso errnea. Ela inventou, por exemplo, o chamadoanimismo. A criana que se choca contra a mesa golpeia o canto da mesma. Nossa pocadiz que a criana d vida mesa, imagina-a viva, um ser vital, concebe a vida dentro dela,golpeia-a.

    Isto no verdade. A criana no visualiza nada dentro da mesa; imagina vidasomente a partir dos seres vivos, dos seres que realmente vivem. No trata de imaginarvida dentro da mesa, e sim de extrair vida dos seres realmente vivos. E, tendo-semachucado, golpeia a mesa por uma espcie de movimento reflexo; tudo ali permanecesem vida para a criana esta no imagina vida dentro da mesa e ela se comporta damesma forma diante do vivo e do no-vivo.

    Destas idias totalmente distorcidas se conclui como nossa civilizao no est emcondies de abordar a criana. Assim, trata-se de podermos comportar-nos amorosamentediante dela, de apenas orientarmos carinhosamente aquilo que ela mesma quer. No de-vemos, pois, flagel-la interiormente atravs de lindas bonecas, mas poder conviver comela e moldar a boneca que ela prpria vivencia interiormente.

    E assim ocorre com relao a toda a atividade ldica. A brincadeira requer, de fato,que realmente se perscrute a natureza infantil. Quando balbuciamos como o pequenino,

    quando reduzimos nossa linguagem da criana, quando no falamos to sinceramentequanto a criana o deve ouvir, como algo verdadeiro advindo de nosso ser, comportamo-

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    nos falsamente diante dela. Por outro lado, podemos colocar-nos no nvel infantil quandose trata do elemento volitivo que entra na brincadeira. Ento se nos tornar claro que acriana no possui, em seu ser orgnico, aquilo que muito apreciado em nossacivilizao: a intelectualidade. No devemos, portanto, introduzir na brincadeira infantilnada que seja predominantemente intelectual.

    Ora, a criana imitar naturalmente, ao brincar, o que ocorre a seu redor; mas poucasvezes se ter experimentado o fato de uma criana querer tornar-se digamos umfillogo. Raramente se ouvir tal coisa de uma criana de quatro anos; mas um chofer, porexemplo, ela talvez queira ser. Por qu? Porque se pode ver tudo o que um choferaparenta. visvel, produz uma impresso pictrica imediata. O que o fillogo faz noproduz impresso alguma. No pictrico, passando desapercebido criana. Passainadvertidamente em sua vida. Na brincadeira, entretanto, s devemos introduzir o queno desapercebido para ela. Todo elemento intelectual, porm, passa assim por suavida. O que, portanto, necessitamos para poder orientar corretamente, como adultos, abrincadeira infantil? Ns aramos, fazemos chapus, costuramos roupas etc., etc. Em tudoisto h uma orientao para o objetivo, no qual est implcito o elemento intelectual.Tudo o que na vida implique meta est permeado de intelectualismo.

    Ora, tudo o que faz parte da vida, seja arar ou qualquer outra coisa, como fabricarcarros, atrelar cavalos, alm do fato de estar orientado para uma meta, possui algo quevive em sua forma exterior em sua mera forma exterior. Observando-se um camponsconduzindo o arado no campo abstraindo-se totalmente a meta de tal atividade , pode-se sentir, se assim posso exprimir-me, o elemento plstico daquilo que vive no quadro, eque vem a ser o prprio quadro. Se algum se prope, como pessoa levado pelo sensoesttico , captar o elemento plstico parte de um objetivo, ser ento capaz de virrealmente de encontro criana em matria de brinquedos. Preterindo o conceito debeleza cada vez mais intelectualista, aspirado nas atuais lindas bonecas, por aquilo quese exprime na atitude e em todo o sentimento humano, somos justamente conduzidos boneca primitiva, realmente encantadora, muito mais real2 do que a tal linda boneca.Mas isto j para crianas mais velhas!

    Trata-se, portanto, de podermos observar, para tornar-nos educadores, esse elemento

    esttico do trabalho no trabalho, aplicando-o na confeco de brinquedos. Desta formanos aproximaremos daquilo que a criana deseja em seu ntimo. Em nossa civilizaotornamo-nos pessoas quase que exclusivamente utilitaristas, isto , intelectualistas,levando portanto criana tudo o mais possivelmente elucubrado. Porm a questo nolevarmos criana aquilo que est pensado por uma vida madura, mas o que puder sersentido e vivenciado numa vida madura. Isto dever estar implcito no brinquedo. Podemosdar um arado a um menino, mas o importante que possamos imbu-lo do carter plsticoe esttico do ato de arar. isto que pode conduzir a plenitude do ser humano a desa-brochar.

    A este respeito, alguns jardins-de-infncia, extraordinariamente dignos dereconhecimento sob outros aspectos, tm cometido grandes falhas. Os jardins-de-infnciafundados por Frbel e outras pessoas com um verdadeiro e ntimo amor pela criana

    devem ter bem claro que esta um ser imitativo, mas s quem ainda no estintelectualizado pode exercer a imitao. Assim, no devemos introduzir no jardim-de-infncia toda sorte de trabalhos infantis j mentalmente elaborados. Atividades comocombinar palitos, tranar papel e outras similares, freqentemente de grande importncianos jardins-de-infncia, no passam de invenes. S devemos ter, no jardim-de-infncia,a imagem daquilo que os adultos tambm fazem, e no o que especialmente engendrado.Freqentemente aquele que possui um conhecimento do homem invadido por umsentimento trgico ao entrar num desses jardins-de-infncia modelares, onde h trabalhostao lindamente engendrados pois, de um lado, esses jardins-de-infncia surgem de umainfinita boa vontade, de muito amor pela criana, e de outro lado no se considera quetodo contedo intelectual, toda elucubrao nos trabalhos infantis deve ser excluda dojardim-de-infncia, e que apenas a imitao exterior da imagem externa da atividadeadulta deve ser a cultivada.

    2N. da edio original: Neste ponto o Dr. Steiner mostrou uma boneca confeccionada por alunos da Escola Waldorf.

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    Uma criana treinada intelectualmente antes do quarto, quinto ano de idade levapara a vida algo de terrvel, que poder torn-la materialista. Quanto maisintelectualmente ensinamos uma criana at essa idade, um maior materialista estamosproduzindo para a vida. Pois o crebro , por um lado, to estimulado que o espfrito jvive em suas formas, e o ser humano recebe interiormente a intuio de que tudo ape-

    nas material por seu rgo cerebral ter sido to prematuramente impregnado deintelectualismo.

    Se quisermos educar o homem para a compreenso do espiritual, devemos propiciar-lhe o mais tardiamente possvel o chamado elemento espiritual externo em sua formaintelectualista. Embora justamente em nossa civilizao seja sumamente necessrio que ohomem se torne plenamente lcido na vida madura, devemos deixar que a crianapermanea o mais longamente possvel naquela agradvel e sonhadora vivncia na qual elacresce em direo vida o mais demoradamente na imaginao, na atividade pictrica,na ausncia de intelectualidade. Se fortalecermos seu organismo no aspecto no-intelectual, ela crescer de maneira correta para o intelectualismo necessrio na atualcivilizao.

    Se aoitarmos seu crebro da forma j aludida, prejudicaremos sua alma para toda a

    vida. Assim como prejudicamos a digesto atravs do balbucio, tal como prejudicamos ometabolismo para a vida posterior atravs de um errneo aprendizado desamoroso doandar, prejudicamos tambm a alma flagelando interiormente a criana. Assim sendo,deveria ser um ideal de nossa educao eliminar antes de tudo os castigos anmicos, mas,pelo fato de a criana ser um ente totalmente fsico-anmico-espiritual, tambm oscastigos fsicos internos isto , a linda boneca , para, antes de mais nada, levar obrinquedo ao nvel correto.

    Quero encerrar estas consideraes de hoje dizendo que indiquei aqui como se deveevitar o falso aspecto espiritual, para que o espiritual autntico, ou seja, o homemintegral, possa manifestar-se em idade posterior.

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