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RETROFUTURISMO E EXPERINCIA URBANA:
O STEAMPUNK NO BRASIL1
GT15: Comunicao e Cidade
verly Pegoraro2
Resumo Esta pesquisa aborda a cultura urbana retrofuturista steampunk no Brasil. Os seus
participantes elaboram criativas produes e performances que misturam
caractersticas da Era Vitoriana, da Era do Vapor do sculo XIX e do
subgnero da fico cientfica, o cyberpunk. O steampunk conquistou adeptos
mundo afora. No Brasil, tem um nmero significativo de entusiastas que se
distribuem em diferentes estados brasileiros. Neste texto, sero apresentadas as
caractersticas do grupo de Curitiba, capital do Paran, no Sul do pas.
Argumenta-se que os jovens participantes formam, atravs dos eventos de
socialidade que promovem e das performances e produtos que criam, uma
peculiar cena steampunk que se apropria da proposta e a ressignifica a partir de
caractersticas regionais. A pesquisa faz parte de um trabalho de campo
desenvolvido ao longo de trs anos de acompanhamento das programaes
promovidas pelos steamers curitibanos. Argumenta-se, ainda, que a experincia
steampunk no simples nostalgia ou reconfigurao da Belle poque. 1 Trabalho apresentado no GT Comunicacin y Ciudad do XII Congreso de la Asociacin Latinoamericana de Investigadores de la Comunicacin (ALAIC), em Lima, Peru, entre 6 e 8 de agosto de 2014. 2 Doutora em Comunicao e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professora do Departamento de Comunicao da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro), em Guarapuava, Paran, Brasil. Lder do Grupo de Pesquisa Comunicao e Interfaces Socioculturais. Contato: [email protected]
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Palavras-chave: Cultura Urbana; Retrofuturismo; Steampunk; Cultura da Mdia.
O ambiente urbano das cidades brasileiras tem sido palco de experincias
retrofuturistas. Geralmente, so fs de fico cientfica que se renem para
discutir, criar e performatizar sua fascinao pelo retrofuturismo em suas
diversificadas vertentes. Esta pesquisa reflete a experincia urbana do steampunk,
cultura juvenil que mistura elementos da Era Vitoriana e futuristas num suposto
mundo a vapor steampunk.
Trata-se de um recorte da pesquisa de campo feita com um grupo de steamers
(como so chamados os adeptos) brasileiros, que se localizam em Curitiba, capital
do Paran, estado da regio Sul do Brasil. A partir da observao
participante nas atividades do grupo curitibano, foi possvel analisar a formao
da cena steampunk, delineada conceitualmente pelas concepes de Straw,
Deleuze e Guattari e Jenkins. Argumenta-se, neste texto, que a experincia
urbana dos steamers com o retrofuturismo no uma simples operao
memorvel nostlgica. Tampouco trata-se de uma apropriao de
estrangeirismos ao estilo da Belle poque.
Das origens do steampunk
O steampunk nasceu na fico cientfica, em seu subgnero cyberpunk. A
proposta comeou a ganhar contornos ntidos na literatura a partir da dcada de
1980. Mas foi com a obra The Difference Engine (1990), de Willian Gibson e Bruce
Sterling, que a primeira gerao de narrativas literrias steampunk se
consolidou. Entretanto, curioso ressaltar que a expresso surgiu anteriormente,
sem a pretenso de se tornar a precursora de um subgnero literrio ou de uma
cultura urbana. Em 1987, K. W. Jeter usou a expresso por achar apropriada
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designao das histrias narradas em seus livros Morlock Night (1979) e
Infernal Devices (1987) e nos de seus colegas escritores Tim Powers (The
Anubis Gates, 1983) e James Blaylock (Lord Kelvins Machine, 1992).
(WILLEFORD, 2012).
A juno das palavras steam (vapor) e punk deve-se ao fato de as histrias se
passarem em um contexto hbrido entre a Era Vitoriana3 e um futuro sob a tica
punk. Nesse hibridismo temporal, imagina-se um mundo em que a Era do Vapor
seria o pice do desenvolvimento. Nele, as tecnologias contemporneas e
futuristas so inseridas, mas estetizadas no contexto do vapor. O punk, por sua
vez, evoca a ideia de rebelio contra a moderna esttica manufaturada
(MARSOCCI & DEBLASIO, 2011, p. 9). Para outros autores, como Falksen
(2011), deve-se influncia da literatura cyberpunk e no propriamente ao
movimento punk. Nas criaes da cultura urbana, so fcilmente
perceptveis as conotaes gtica e punk.
H diferentes nveis de apropriao da proposta. Para alguns, literatura de fico
cientfica. Para outros, o steampunk caracteriza-se como a participao coletiva
em uma cultura urbana, com performatizaes e criaes artsticas. Dessa forma,
nem todos os que gostam de literatura steampunk participam das estratgias de
socialidade do grupo que participa da cultura urbana, bem como nem todos esses
participantes leem narrativas literrias.
No Brasil, h um nmero significativo de steamers, que se dividem em diferentes
grupos pelos estados brasileiros, formando lojas (o termo no tem conotao
comercial, j que no so se vende nada nelas; a influncia vem da
maonaria, no sentido de ajuda mtua). O grupo enfocado neste texto
3 O perodo no qual a Rainha Vitria reinou na Inglaterra do sculo XIX conhecido como Era Vitoriana. Estendeu-se por 63 anos, de junho de 1837 a janeiro de 1901.
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forma a Loja Paran do Conselho Steampunk. Outras 12 lojas espalham-se
pelo pas, cada uma com caractersticas e atividades variadas. A paranaense
uma das mais ativas do pas. Existe h cerca de quatro anos e administrada por
um grupo composto pelos membros fundadores mais ativos. Alm deles, h vrios
participantes, alguns mais regulares e atuantes (cerca de 25 pessoas), outros
apenas eventuais. Confirmando as caractersticas fluidas, efmeras e
diversificadas das neotribos diagnosticadas por Maffesoli (1987), eles formam
um grupo heterogneo, composto por pessoas de ambos os sexos, vrios grupos
tnicos e de diferentes idades (que oscilam entre 14 e 50 anos). Cabe destacar
ainda que os membros so oriundos de diversas classes sociais, estudam e/ou
trabalham em vrias reas, como escritores, msicos, donas-de-casa,
professores, prestadores de servios.
Com o intuito de divulgar suas iniciativas, os steamers frequentemente participam
de eventos de outras culturas juvenis, tais como piqueniques vitorianos (uma
programao que j se tornou referncia em Curitiba). Cada atividade promovida
pela Loja Paran do Conselho Steampunk tem uma temtica especfica, em
homenagem a personagens e acontecimentos histricos, por exemplo. Nestas
atividades, possvel perceber mais nitidamente as reapropriaes
contextualizadas. As programaes no tm uma agenda fixa, variam em
cada evento, mas geralmente giram em torno da msica, da dana, da
literatura e de performances individuais dos steamers, por mais que a
caracterizao no seja obrigatria para participao.
Todas as lojas recebem o apoio do Conselho Steampunk, que composto pelos
precursores da cultura no Brasil. Esse apoio fator importante para cada grupo
iniciar suas atividades. A misso do Conselho Steampunk sintetizada em sua
pgina oficial na internet:
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O Conselho SteamPunk foi idealizado tendo como idia
central a democratizao, flexibilizao e sustentabilidade do
movimento SteamPunk. Trata-se menos de uma organizao
e mais de um conceito, sobre o qual representantes da
comunidade SteamPunk podem criar suas Lojas, como so
denominadas as clulas montadas a partir do conceito do
Conselho.[...] O Conselho SteamPunk tem como misso
oferecer mecanismos para a divulgao da cultura
SteamPunk, disponibilizar material de referncia, promover
toda sorte de eventos correlatos, incentivar a produo
cultural desta sorte de subjetividade, prestar homenagem a
todos aqueles que criam material do gnero e produzir
cultura SteamPunk em todas as formas que nos for possvel.
(CONSELHO STEAMPUNK, on line)
Similarmente aos jogos de RPG, os steamers da Loja Paran do Conselho
Steampunk so incentivados a criar personagens, com indumentria (roupas e
acessrios), histria, contexto social e histrico, cujas performances pblicas se
do nas programaes que a loja paranaense promove ou participa. Trata-se da
prtica do steamplay (uma adaptao do termo cosplay). Uma srie de fatores
interfere na criao do personagem, desde gostos e hobbies de cada um, que
interferem na habilidade de elaborar e customizar o personagem, at as condies
financeiras para investir no visual.
Da extrapolao do imaginrio literrio, a proposta transformou-se numa cultura
urbana. A mobilizao da resultante significativa: expressa e constri um estar
junto (MAFFESOLI, 1987) de fruio, ao mesmo tempo crtico e inovador.
necessrio enfatizar que os membros do grupo paranaense compartilham o gosto
por um conjunto amplo de interesses culturais, estabelecendo relaes diretas
com o contedo dos produtos da cultura da mdia. Em alguns casos, eles
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misturam, apropriam-se, reconstroem personagens e contextos de diversos
produtos miditicos, da literatura e das narrativas histricas tradicionais.
Em cena, o steampunk
Nesta pesquisa, utiliza-se o conceito de cena (STRAW, 2006; 2013) para
compreender as vrias foras presentes em um contexto especfico, relacionando
os agentes e o entorno, isto , as produes culturais e os seus espaos de
circulao e consumo, analisando caractersticas unificadoras e heterogneas do
processo.
Argumenta-se que as prticas e as socialidades do steampunk curitibano formam
uma cena, pois essa cultura urbana em Curitiba no se define pelo espao
geogrfico, mas pelas prticas que configuram o que o grupo entende ser a sua
proposta steampunk. Nas cenas urbanas, muitas prticas culturais ldicas e
experimentais adquirem forma e consistncia. Por isso, a cena engloba a
efervescncia e a exposio das experincias que refletem a teatralidade da
esttica urbana (STRAW, 2013).
Cenas no so simplesmente o nome que damos aos meios
informais de organizao do lazer, porm, como se fosse
possvel entrar numa cena a partir de uma esfera de trabalho
ou de transaes comerciais radicalmente opostas. As cenas
surgem a partir dos excessos de sociabilidade que rodeiam a
busca de interesses, ou que fomenta a inovao e a
experimentao contnuas na vida cultural das cidades.
(STRAW, 2013, p. 13)
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De acordo com Straw (2013), uma cena mobiliza energia em mltiplas direes de
interesses sociveis, at mesmo incentivando formas simples de
empreendedorismo, como muitos steamers curitibanos revelaram nas entrevistas,
ao aprimorar-se em determinadas reas, como moda, artesanato, customizao.
Dessa forma, as experincias do grupo curitibano com o steampunk excedem a
socialidade tpica de uma atividade de entretenimento, propiciando novas
experincias que contribuem na fomentao do espao cultural curitibano.
Ainda possvel enquadrar o steampunk como uma manifestao da cultura
juvenil tpica da sociedade midiatizada em que vivemos, na qual [...] as
tecnointeraes exercem influncia marcante nos padres de sociabilidade e nas
percepes dos indivduos. (MORAES, 2006, p. 36)
Para Braga (2010, p. 75), a mediatizao no diz respeito apenas ao aparato
tecnolgico-econmico, mas tambm aos aspectos centrais de interao social.
Ele argumenta que a mediatizao envolve interaes sociais muito mais diversas
do que aquelas apenas restritas confrontao direta com as mdias tecnolgicas
ou com seus produtos. Dessa forma, ela no marca apenas formas de organizar e
transmitir mensagens, mas envolve, principalmente, os modos pelas quais se
constitui o tecido social. Para o autor, a mediatizao formada por processos
transmissivos e interacionais permeados por lacunas, insuficincias,
incompletudes, bem como por processos de resistncia e subtrao lgica
sistmica.
A sociedade vai fazendo, com as instrues que tem mo
adequadas ou no e com o prprio fazer tentativo vo
sendo geradas as instrues de rearranjo. A incompletude
se evidencia aqui pela indefinio dos subuniversos ou
setores sociais em que a realidade possa ser apreendida e
constituda de modo suficientemente estvel para viabilizar
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comutaes eficientes. (BRAGA, 2007, p. 161, grifo no
original) O conceito de agenciamento de Deleuze e Guattari (1995 a, b) primordial
para empreender anlises nessa sociedade midiatizada, pois trata-se da
confluncia de relaes materiais a um regime de signos correspondente. Os
agenciamentos comportam elementos heterogneos de ordem biolgica, social,
maqunica, gnosiolgica, imaginria (GUATTARI e ROLNIK, 2005) que trabalham,
simultaneamente, sobre fluxos semiticos, materiais e sociais (DELEUZE e
GUATTARI, 1995a).
Os agenciamentos maqunicos dizem respeito mistura e s relaes entre os
corpos em sociedade. Os agenciamentos de enunciao so produtores de
processos de subjetivao esta entendida como modos de produo de si
os quais no so centrados em agentes individuais ou grupais (GUATTARI
e ROLNIK, 2005), mas descentrados.
Dessa forma, importante estabelecer que uma parcela significativa do cotidiano,
das posturas e dos valores de cada um organiza-se imersa nesse processo de
mediatizao, a partir de agenciamentos coletivos e individuais. Os steamers, por
meio de suas experincias visuais e socialidades delas decorrentes, realizam
agenciamentos da cultura miditica, promovendo uma transgresso negociada
entre passado, presente e futuro. possvel, ainda, perceber que os vnculos que
se estabelecem entre o consumo de bens materiais e simblicos alimentados
pela cultura da mdia que envolve o universo steampunk so reapropriados e
ressignificados em um contexto local.
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Apropriaes retrofuturistas do espao urbano
O hibridismo de subjetividades e temporalidades tpico do retrofuturismo configura
apropriaes originais do espao urbano na formao da cena steampunk.
Embora alguns possam achar que se trata de uma releitura nostlgica da Belle
poque, as experincias retrofuturistas de culturas urbanas tais como as do
steampunk apontam um cenrio contemporneo complexo, resultante das fissuras
nas relaes espao- temporais propiciadas, principalmente, pela cultura
tecnolgica.
Needell (1993) descreve como os valores aristocrticos europeus
determinavam o comportamento da elite brasileira e os passatempos de salo da
poca, no perodo da Belle poque, demonstrando a importncia da imagem que
a elite projetava de si mesma. Tais valores estavam entre as caractersticas que
indicavam a continuidade e a legitimao das famlias tradicionais com o poder. A
descrio que o autor d a um dos mais conhecidos personagens do cenrio
carioca naquele perodo, Joaquim Nabuco (1849-1910), ajuda a delinear os
tempos de fascnio pelo paradigma aristocrtico franco-ingls:
Nabuco destacou-se pela facilidade de expresso, pelo gosto
por roupas da moda, pela presena de esprito nas
conversas, pelas escapadas amorosas na juventude e pelo
domnio da cultura literria francesa. [...] recebeu notvel
influncia do modelo aristocrtico ingls em termos de
conduta na sociedade refinada: modos mesa e cortesias
pessoais, por exemplo, eram de inspirao inglesa, na casa
de Nabuco. (NEEDELL, 1993, p. 139)
Para Sevcenko (1998, p. 534-535), o apego e as referncias ao passado na Belle
poque, concretizados atravs da compra de peas de poca e at de ttulos
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honorficos, eram efeitos da insegurana crnica de uma nova sociedade
brasileira que, no tendo histria atrs de si, necessitava imaginar uma, atravs de
smbolos e recursos materiais.
O steampunk e outras culturas juvenis da contemporaneidade4 obviamente
sugerem um cenrio diferente do incio do sculo XX. O steampunk sinaliza
fascinao pelo futuro representado pela alta tecnologia mas, ao mesmo
tempo, pelo passado. Isso agencia muitos jovens a buscar referncias em
costumes, padres estticos e valores contextualizados no sculo XIX.
Maffesoli (1995) acredita que as culturas se interpenetram, contaminadas por
diferentes temporalidades, maneiras de ser e de pensar. Por isso, no se pode
falar de maneira simplria em um retorno aos anseios da Belle poque, mas em
ressignificao de elementos do passado, permeados por inquietaes do
presente e especulaes sobre o futuro. A proposta retrofuturista steampunk
evidencia a concepo maffesoliana de tempo espiralado (MAFFESOLI, 1995). A
mistura aponta para a mescla de culturas diferentes em temporalidades distintas,
tendo na tecnologia um fator que potencializa esta aproximao, principalmente,
por ser um elemento catalisador desse hibridismo, j que ela est presente, de
uma ou outra forma, em praticamente todas as criaes dos steamers.
O que o steampunk reitera que a tecnologia no diz respeito apenas a
mquinas, mas a novos modos de percepo e linguagem. Essa cultura urbana
aponta jovens que tm uma forte sintonia com a cultura tecnolgica, que resulta
em uma cumplicidade expressiva de relatos, imagens, sonoridades e ritmos, que
4 Alm do steampunk, h gneros semelhantes, como clockpunk (as histrias enfatizam relgios) e dieselpunk (o diesel combustvel e o poder nuclear substituem o vapor em histrias alternativas, que geralmente tm uma conotao poltica) (Cf. VANDERMEER & CHAMBERS, 2011, p. 54), e outros que simplesmente adotam os costumes e o vesturio ingleses do sculo XIX, como os vitorianos, numa caracterizao mais nostlgica.
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CarolSticky Noteessa ressignificao no deixa de ser a imagem virtual que o Joo trata no trabalho.
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so, simultaneamente, fragmentados e misturados. (MARTN-BARBERO, 2004,
p. 287-288)
Radicalizando a experincia de des-ancoragem produzida
pela modernidade, a tecnologia des-localiza os saberes,
modificando tanto o estatuto cognitivo como o industrial das
condies do saber e das figuras da razo, o que est
conduzindo a um forte apagar, borrando-se as fronteiras
entre razo e imaginao, saber e informao, natureza e
artifcio, arte e cincia, saber perito e experincia profana.
(MARTN-BARBERO, 2004, p. 35-36)
A constante negociao entre o passado vitoriano e o futuro
tecnolgicomovido a vapor nas mais variadas criaes propicia percepes5 que
variam da ironia perda, da nostalgia romntica crtica. Todo esse conjunto
entendido como resultado de uma visualidade especfica a respeito do sculo XIX,
ressignificada contemporaneamente pelas interferncias miditicas que, por sua
vez, transforma-se em uma nova esttica retrofuturista.
As mesmas experincias visuais podem levar a lgicas de resistncia e
confrontao, dependendo das propostas e da interpretao que o grupo
apresenta. possvel dizer que h uma negociao contnua de percepes e
imaginrios na criao da visualidade steampunk, associada a aes no mundo
concreto vinculadas a valores polticos, econmicos, culturais etc.
5 importante observar que o termo percepo nessa pesquisa, adota um sentido alm do usualmente atribudo: sensao pura ou isolada. De acordo com Valverde (2010, p. 69), a percepo uma atividade de configurao. A percepo no , pois, uma atitude meramente contemplativa e, ainda menos, uma ausncia de atitude, mas um agenciamento corporal, uma performance, um comportamento que, mais que representar o mundo, exprime o movimento pelo qual o habitamos.
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Consideraes Finais
O steampunk uma das muitas culturas contemporneas que se utiliza do espao
urbano para aliar estratgias de entretenimento, hedonismo, consumismo e crtica
social. Os jovens envolvidos nas prticas retrofuturistas no apenas renem-se
em eventos de socialidade para dar vazo s suas fantasias. Numa bricolagem
cultural caracterstica, tal como Certeau (1998) e Jenkins (2010) propem, os
steamers investem na apropriao cultural de diferentes textos, tais como obras de
fico cientfica, filmes, quadrinhos e jogos de RPG, mas conferindo-lhes novos
significados, expandindo as histrias, aprofundando caractersticas de
personagens e reformulando contextos de acordo com suas prprias capacidades
imaginativas.
Similarmente ao que Jenkins (2010) acredita, uma forma de perverso esttica
aos limites tradicionais impostos pelas hierarquias culturais dominantes que
delineiam as culturas desejveis e as no desejveis. Dessa forma, eles
constroem uma identidade cultural e social mediante apropriao e modificao
dos significados dos produtos culturais que circulam pelos meios de
comunicao, como forma de expresar suas prprias vises de mundo.
Alm disso, optar por participar do steampunk saber que a proposta vai alm do
visual, mas envolve reflexes sobre a prpria cultura tecnolgica que pauta
o comportamento desses jovens, bem como as relaes que estabelecemos com
o passado, o que esperamos dele e o que ele trouxe. Pode-se dizer que se trata
de uma experincia diferenciada de operao memorvel, em que os jovens
(re)constroem uma memria intencionalmente fictcia de passado, inserindo
percepes de presente, selecionando fatos, personagens, concepes e crticas
que mais lhe interessam sobre esse passado.
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