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Sonetos de Shakespeare

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Page 2: Sonetos de Shakespeare

William ShakespeareStartford- on- Avon, Inglaterra,

23 de abril de 1564.

Pouco ou quase nada sabemos de sua infância. Não chegou a fazer estudos sistemáticos, mas sempre foi dedicado a leitura. Tinha um conhecimento profundo de latim, grego e do inglês, o

que para alguns estudiosos comprova a teoria de que Shakespeare não seria o verdadeiro responsável por suas obras imortais ("onde teria adquirido tal conhecimento?" é a dúvida de alguns ). É evidenciado em sua obra um profundo conhecimento da Bíblia, Sêneca, Homero,

Plutarco dos grandes renascentistas italianos e das crônicas históricas de Hohinshed. Casou-se com Anna Hathaway, filha de agricultor abastado (tinha 18 anos ), com quem teve três filhos. Em

1587,a soituação começou a apertar, gastava sua economia em tavernas, estalagens e teatros, sendo assim obrigado a trabalhar como guardador de cavalos.

Este emprego ficava diante do teatro de James Burbage - o Globe Theater.Nesta época ele era

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Page 3: Sonetos de Shakespeare

refundidor de texto ( revisor)e ator.

-Períodos-O primeiro se inicia em data imprecisa, no fim da última década do século, até 1600. A Trilogia Henrique VI (escrita em 1591) foi seu incursão no drama histórico. Vieram em seguida Ricardo III, A Megera Domada, Tito Andrônico, A comédia de Erros, Ricardo II, Sonhos de Uma Noite

de Verão, Romeu e Julieta, Vida e Morte do Rei João, O Mercador de Veneza, Henrique V, Henrique VI, Júlio César, Como Gostais, Muito Barulho por Nada, A noite dos Reis. Foi seu

ápice. Prestígio na corte, popularidade e dinheiro não lhe faltaram. Em 1593/94 os teatros foram fechados por causa da peste, Shakespeare dedicou duas obras líricas - Vênus e Adônis e A

Violação de Lucrécia - a seu amigo e protetor, o conde de Southampton, que sempre dispensou auxílio financeiro. Nessa época, a Inglaterra vivia o apogeu dos Sonetos - e como não poderia

deixar de ser Shakespeare publicou sua coletânea de Sonetos, que figuram entre os mais belos da língua inglesa (e também uns dos mais complexos para análise). Com o advento do novo século

nos encontramos na Segunda fase. O pensamento do poeta revela profunda modificação. É a fase do pessimismo.Atribui-se a desgostos particulares, morte do pai (1601), desilusões nos amores -

que se reflete nos Sonetos - e os próprios acontecimentos políticos que culminam com a execução de Essex e a prisão do protetor do poeta, o Conde de Southampton. As obras primas se sucedem

essa é a fase das grandes tragédias, Otelo, Rei Liar, Macbeth e Trólio e Créssida. Por fim temos o último período que vai de 1608 até a sua morte em 1616, em Stratford-on-Avon, para onde

retornara em 1613 após encerrar sua carreira teatral. É avaliada em 300 libras sua renda nos últimos anos de vida (como consegui saber até quanto ele ganhava? Está nos livros ora bolas :) É a fase dos romances: Péricles, Cimbelino, Contos de Inverno e por último, A Tempestade, que é

considerada o testamento poético do autor.Próspero, o sábio duque banido que se desfez de seu livro e de sua varinha mágica, jogando-os no

abismo, antes de voltar as atividades mundanas, no ducado de Milão é a metáfora perfeita de Shakespeare.

Como todo mito, teorias estapafúrdias são mais comuns do que podemos supor (aliás alguns acham que não existe metáfora alguma em Próspero, por exemplo). Uma delas diz que a possível causa mortis tenha sido uma febre (culpa de uma noite de bebedeira) em companhia de Drayton

e Bem Jonson.Outro dizem que era homossexual ou que sequer existiu.

Não se sabe o motivo que fez Shakespeare abandonar sua carreira literária.

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Page 4: Sonetos de Shakespeare

PoemaXXXVNão chores mais o erro cometido;

na fonte, há lama;a rosa tem espinho;

o sol no eclipse é sol obscurecido;na flor também o verme faz seu ninho;

erram todos,eu mesmo errei já tanto,

que te sobram razões de compensarcom essas faltas minhas, tudo quanto

não terás tu somente a resgatar;os sentidos traíram-te,

e meu sensode parte adversa é mais teu defensor,

se contra mim te escuso,e me convenço

na batalha do ódio com o amor:vítima e cúmplice do criminoso,

dou-me ao ladrão amado e amoroso.

 

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Agradecido,sei o lugar onde há belo canteiro

que o ar embalsama de agradável cheiro do tomilho selvagem,da sincera violeta e da graciosa primavera,

onde há latadas de fragrantes rosas e madressilvas de excessiva doçura...Titânia aí parte da noite dorme

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Page 5: Sonetos de Shakespeare

sob gracioso dossel formado de pétalas, por danças e canções acalentada.A serpente aí deixa a pele coloridapara de vestido a uma fada servir,

fino e comprido.Como dorme o luar suavemente neste canteiro...

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Depois de algum tempo você percebe a diferença, a sutil diferença entre dar a mão e acorrentar uma alma.

E você aprende que amar não significa apoiar-se, e que companhia nem sempre significa segurança.

E começa a aprender que beijos não são contratos e presentes não são promessas.Começa a aceitar suas derrotas com a cabeça erguida e olhos adiante, com a graça de um adulto

e não com a tristeza de uma criança.E aprende a construir todas as suas estradas no hoje, porque o terreno do amanhã é incerto

demais para os planos, e o futuro tem o costume de cair em meio ao vão.Depois de um tempo, você aprende que o sol queima se ficar exposto por muito tempo.

E aprende que não importa o quanto você se importe, algumas pessoas simplesmente não se importam...

E aceita que não importa o quão boa seja uma pessoa, ela vai feri-lo de vez em quando e você precisa perdoá-la por isso.

Aprende que falar pode aliviar dores emocionais.Descobre que se leva anos para se construir confiança e apenas segundos para destruí-la, e que

você pode fazer coisas em um instante, das quais se arrependerá pelo resto da vida.Aprende que verdadeiras amizades continuam a crescer mesmo a longas distâncias.

E o que importa não é o que você tem na vida, mas quem você tem na vida.E que bons amigos são a família que nos permitiram escolher.

Aprende que não temos que mudar de amigos se compreendemos que os amigos mudam, percebe que seu amigo e você podem fazer qualquer coisa, ou nada, e terem bons momentos juntos.

Descobre que as pessoas com quem você mais se importa na vida são tomadas de você muito depressa, por isso, sempre devemos deixar as pessoas que amamos com palavras amorosas, pode

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Page 6: Sonetos de Shakespeare

ser a última vez que as vejamos.Aprende que as circunstâncias e os ambientes têm influência sobre nós, mas nós somos

responsáveis por nós mesmos.Começa a aprender que não se deve comparar com os outros, mas com o melhor que pode ser.Descobre que se leva muito tempo para se tornar a pessoa que quer ser, e que o tempo é curto.Aprende que não importa onde já chegou, mas onde está indo, mas se você não sabe para onde

está indo, qualquer lugar serve.Aprende que, ou você controla seus atos, ou eles o controlarão, e que ser flexível não significa ser

fraco ou não ter personalidade, pois não importa quão delicada e frágil seja uma situação, sempre existem dois lados.

Aprende que heróis são pessoas que fizeram o que era necessário fazer, enfrentando as conseqüências.

Aprende que paciência requer muita prática.Descobre que algumas vezes a pessoa que você espera que o chute quando você cai é uma das

poucas que o ajudam a levantar-se.Aprende que maturidade tem mais a ver com os tipos de experiência que se teve e o que você

aprendeu com elas do que com quantos aniversários você celebrou.Aprende que há mais dos seus pais em você do que você supunha.

Aprende que nunca se deve dizer a uma criança que sonhos são bobagens, poucas coisas são tão humilhantes e seria uma tragédia se ela acreditasse nisso.

Aprende que quando está com raiva tem o direito de estar com raiva, mas isso não te dá o direito de ser cruel.

Descobre que só porque alguém não te ama do jeito que você quer que ame, não significa que esse alguém não o ama com tudo o que pode, pois existem pessoas que nos amam, mas simplesmente

não sabem como demonstrar ou viver isso.Aprende que nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém, algumas vezes você tem que

aprender a perdoar a si mesmo.Aprende que com a mesma severidade com que julga, você será em algum momento condenado.Aprende que não importa em quantos pedaços seu coração foi partido, o mundo não pára para

que você o conserte.Aprende que o tempo não é algo que possa voltar para trás.

Portanto, plante seu jardim e decore sua alma, ao invés de esperar que alguém lhe traga flores.E você aprende que realmente pode suportar... que realmente é forte, e que pode ir muito mais

longe depois de pensar que não se pode mais.

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Page 7: Sonetos de Shakespeare

Mas o amor,primeiro aprendido em uns olhos de mulher,

Não vive sozinho fechado na cabeça,Mas, com a agilidade de todos os elementos, Corre com a rapidez de nossos pensamentos

E dá a cada faculdade dupla potência, Acima de suas funções e seus ofícios. Acrescenta preciosa visão aos olhos;

Os olhos de um amante vêem mais longe que uma águia; Os ouvidos de um amante ouvem o mais tênue som

Que passa despercebido ao ladrão cauteloso: O tato do amor é mais fino e sensível Que as sensitivas antenas do caracol;

Ao paladar do amor desagradam os petiscos vulgares de Baco.Pela coragem, não é o amor um Hércules·...Ainda galgando as árvores nas Hespérides?

Sutil como a Esfinge; doce e musical,Como o alaúde do brilhante Apolo,

Encordoado com seus cabelos;E quando o Amor fala, a voz de todos os deuses,

Deixa os céus estonteados com a harmonia. Nunca deve o poeta tocar um pena para escrever Amor.

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Um dia nos meus versos quem há de crer?Se eu nele derramar meus dons mais puros?

No entanto sabe o céu que eles são muros

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Page 8: Sonetos de Shakespeare

Que a tua vida ocultam por metade.Dissera o que de teu olhar emana,

Teus dons em nova métrica medira,Que acharia o porvir então: "Mentira!Tais tratos não retratam face humana".

Que mofem pois deste papel fanadoQual dos velhos loquazes, e a teu enteChamem de pura exaltação da menteE a meu verso exageros do passado.Mas se chegar tua estirpe a tanto,

Em dobro hás de viver: nela e em meu canto.

Dos seres ímpares ansiamos prolePara que a flor do belo não extinga, E se a rosa madura o Tempo colhe,Fresco botão sua memória vinga.

Mas tu, que só com os olhos contrais,Nutres o ardor com as próprias energiasCausando fome onde a abundância jaz,

Cruel rival, que o próprio crucias.Tu, que do mundo és hoje galardão,

Arauto da festiva Natureza,Matas o teu prazer inda em botãoE, sovina, esperdiças na avareza.Piedade, senão ides, tu e o fundo

Do chão, comer o que é devido ao mundo.

Quando no assédio de quarenta invernosSe cavarem as linhas de teu rosto,

Da juventude os teus galões supernosPobres adrajos se tiverem posto,

Se então te perguntarem pelo faustoDe teus dias de glória e de beleza,

Dizer que tudo jaz no olhar exausto,Opróbio fora, encômio sem grandeza.

Mais mérito terias nessa usançaSe puderes dizer: "Meu filho há de

saldar-me a dívida, exculpar-me a idade" ,Provando que a beleza é tua herança.Fora tornar em novo as coisas velhas

E ver o sangue quente enquanto engelhas.

Quando a hora dobra em triste e tardo toqueE em noite horrenda vejo escoar-se o dia,Quando vejo esvair-se a violeta, ou que

A prata a preta têmpora assedia;Quando vejo sem folha o tronco antigo

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Page 9: Sonetos de Shakespeare

Que ao rebanho estendia a sombra francaE em feixe atado agora o verde trigo

Seguir o carro, a barba hirsuta e branca;Sobre tua beleza então questiono

Que há de sofrer do Tempo a dura prova,Pois as graças do mundo em abandonoMorrem ao ver nascendo a graça nova.

Contra a foice do Tempo é vão combate,Salvo a prole, que o enfrenta se te abate.

Dos astros não retiro entendimentoEmbora eu tenha cá de astronomia,

Mas não para prever a sorte, o intentoDas estações, ou fome, epidemia;

Nem sei dizer o que será do instante;Prever a alguém quer chuva, ou vento, ou raio;

se tudo há de sorrir ao governantesegundo as prediçoes que aos céus extraio.

De teus olhos provêm meus atributosE, astros constantes, leio ali tal arte:

'Que a verdade e a beleza darão frutos se tem ti deixas de tanto reservar-te'.

Ou um vaticínio sobre ti revelo:Teu fim põe termo ao verdadeiro e ao belo.

Quando observo que tudo quanto cresceDesfruta a perfeição de um só momento,

Que neste palco imenso se obedece A secreta influição do firmamento;

quando percebo que ao homem, como à planta,Esmaga o mesmo céu que lhe deu glória,

Que se ergue em seiva e, no ápice, aquebrantaE um dia enfim se apaga da memória:

Esse conceito dea inconstante sinamais jovem faz-te ao meu olhar agora, Quando o tempo se alia com a Ruína

Para tornar em noite tua aurora.E crua guerra contra o Tempo enfrento,Pois tudo que te toma eu te acrescento.

Devo igualar-te a um dia de verão?Mais afável e belo é o teu semblante:O vento esfolha Maio inda em botão,

Dura o termo estival em breve instante.muitas vezes a luz do céu calcina,

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Page 10: Sonetos de Shakespeare

Mas o áureo tom também perde clareza:De seu belo a beleza enfim declina,Ao léu ou pelas leis da Natureza,Só teu verão eterno não se acabanem a posse de tua formosura;

de impor-te a sombra a Morte não se gabaPois que esta estrofe eterna o Tempo dura.

Enquanto houver viventes nesta lida,Há de viver meu verso e te dar vida.

Como ator imperfeito que em meio à cenaO seu papel recita,

Ou como o ser violento em fúria plenaA que o excesso de forças debilita;

Também eu, sem confiança em mim, me esqueçoNo amor de os ritos próprios recitar,

E na força com que amo me enfraqueçoRendido ao peso do poder de amar.

Oh! sejam pois meus livros a eloquência,Áugures mudos do expressivo peito,

Que amor implorem, peçam recompensa,Mais do que a voz que muito mais tem feito.

Saibas ler o que o mudo amor escreve,Que o fino amor ouvir com os olhos deve.

Lanço-me ao leito, exausto da fadiga,Repousa o corpo ao fim da caminhada;

Mais eis que a outra jornada a mente obrigaQuando é do corpo a obrigação passada.

A ti meu pensamento - na distância -em santa romaria então me leva,

E fico, as frouxas pálpebras em ânsia,Olhando, como os cegos vêem na treva.E a vista de minha alma ali desvenda

Aos olhos sem visão tua figura,Que igual a jóia erguida em noite horrenda,

Renova a velha face à noite escura.Ai! que o dia o corpo, à noite a alma,

Por tua e minha culpa têm calma.

Se, órfão do olhar humano e da fortuna,Choro na solidão meu pobres estadoE o céu meu pranto inútil importuna,

Eu entro em mim a maldizer meu fado;Sonho-me alguém mais rico de esperança.

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Quero feições e amigos mais amenos,Deste o pendor, a meta que outro alcança,

Do que mais amo contentado o menos.Mas, se nesse pensar, que me magoa,

De ti me lembro acaso - o meu destino,Qual cotovia na alvorada entoa

da negra terra aos longes céus um hino.E na riqueza desse amor que evoco,

Já minha sorte com a dos reis não troco.

Nem mármore, nem áureos monumentosDe reis hão de durar mais que esta rima,E sempre hão de brilhar nestes acentosDo que na pedra, pois o tempo a lima.Pode a estátua na guerra ser tombada

E a cantaria o vil motim destrua;Nem fogo ou Marte apagará com a espada

Vivo registro da memória tua.Há de seguir teu passo sobranceiro

Vencendo a Morte e as legiões do olvido,E os pósteros, no juízo derradeiro,

Hão de a este louvor prestar ouvido.Pois até a sentença que levantes,

Vives aqui e no lábio dos amantes.

Não lamentes por mim quando eu morrerSenão enquanto o surdo sino diz

Ao mundo vil que o deixo e vou viverEm meio aos vermes que inda são mais vis.

Nem te recorde o verso comovidoA mão que o escreveu, pois te amo tanto

Que antes achar em tua mente olvidoQuer ser lembrado e te causar o pranto.

Ah! peço-te que ao leres esta queixaQuando for minha carne consumida,Não te refiras ao meu nome e deixa

Que morra o teu amor com minha vida.Não veja o mundo e zombe desta dor

Por minha causa, quando morto eu for.

Que eu não veja empecilho na sinceraUnião de duas almas. Não amor

É o que encontrando alterações se alteraOu diminui se o atinge o desamor.

Oh, não! amor é ponto assaz constante

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Page 12: Sonetos de Shakespeare

Que ileso os bravos temporais defronta.É a estrela guia do baixel errante,

De brilho certo, mas valor sem conta.O Amor não é jogral do Tempo, embora

Em seu declínio os lábios nos entorte.O Amor não muda com o dia e a hora,

Mas persevera ao limiar da Morte.E, se prova que num erro estou,

Nunca fiz versos nem jamais se amou.

Dos amores - de paz e desespero -Eu tenho que me inspiram noite e dia:

Meu anjo bom é um homem puro e vero;O mau, uma mulher de tez sombria.

Para levar a tentação a cabo,O feminino atrai meu anjo e viveA querer tranformá-lo em diabo,

Tentando-lhe a pureza com a lascívia.Se há de meu anjo corromper-se em demo

Suspeito apenas, sem dizer que seja;Mas sendo ambos tão meus, e amigos, temo

Que o anjo no fogo já do outro esteja.Nunca sabê-lo, embora desconfie,

Até que o meu anjo contagie.

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Soneto 90Odeia-me, portanto; agora, se é preciso:

Agora, em tudo, o mundo insiste em contrariar-me; Não me causes mais tarde um súbito prejuízo,

Une-te logo à sorte cruel, vem humihar-me. Quando minh'alma houver fugido ao meu tormento,

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Page 13: Sonetos de Shakespeare

Não surjas no último escalão de dor vencida: Não dês manhã de chuva à noite com seu vento,

A fim de prolongar derrota decidida. Se me deixares, não me deixes só no fim,

Quando se houver cumprido tanta dor menor; Vem no primeiro ataque: eu sofrerei assim, De plano, o que a fortuna oferecer de pior.

E outras formas de dor, que ora parecem dor, Junto de tua perda não terão tal cor.

Voltar ao início Trabalho de Amor Perdido

Mas o amor, primeiro aprendido em uns olhos de mulher, Não vive sozinho fechado na cabeça,

Mas, com a agilidade de todos os elementos, Corre com a rapidez de nossos pensamentos

E dá a cada faculdade dupla potência, Acima de suas funções e seus ofícios. Acrescenta preciosa visão aos olhos;

Os olhos de um amante vêem mais longe que uma águia; Os ouvidos de um amante ouvem o mais tênue som,

Que passa despercebido ao ladrão cauteloso: O tato do amor é mais fino e sensível Que as sensitivas antenas do caracol;

Ao paladar do amor desagradam os petiscos vulgares de Baco. Pela coragem, não é o amor um Hércules

Ainda galgando as árvores nas Hespérides? Sutil como a Esfinge; doce e musical Como o alaúde do brilhante Apolo,

Encordoado com seus cabelos; E quando o Amor fala, a voz de todos os deuses

Deixa os céus estonteados com a harmonia. Nunca deve o poeta tocar um pena para escrever

Até que sua tinta seja temperada pelos suspiros do Amor.

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Page 14: Sonetos de Shakespeare

Frases e pensamentos"Nada me deixa tão feliz quanto ter um coração que não se esquece de seus amigos".

-A tragédia do Rei Ricardo II (1595-1596)

"A amizade é constante em tudo, menos nos assuntos do amor".-Muito Barulho por Nada (1598-1599)

"Os amigos que tiveres e cuja adoção puseres à prova, sujeita-os à tua alma com arcos de aço, mas não caleje a palma de tua mão com apertos a todo sujeito mal saído ainda implume da casca

do ovo". -Hamlet (1600-1601)

"Por acaso tem a amizade um coração tão fraco, que numa noite ou pouco mais se muda?."-Timão de Atenas (1607-1608)

"Ninguém sabe onde têm um amigo".-A tempestade (1611-1612)

"Menos ama que só fala de amor."-Os dois cavalheiros de Verona (1594-1595)

"O sincero amor quase não fala; melhor se adorna com fatos e ações a verdadeira fé não com palavras".

-Os dois cavalheiros de Verona (1594-4595)

"Em tempo algum teve um tranqüilo curso o verdadeiro amor".-Sonhos de uma noite de Verão (1595-1596)

"Se não te lembram as menores tolices que o amor te levou a fazer, é que jamais amaste."-Como gostais (1599-1600)

"Pobre é o amor que pode ser contato.'-Antônio e Cleópatra (1606-1607)

"Antes amar quem só a mal deseja a quem, fingindo o bem, só o mal enseja".-Timão de Atenas (1607-1608)

"Aos homens sobrevive o mal que fazem, mas o bem quase sempre com seus ossos fica enterrado."

-Júlio César (1599-1600)

" As coisas em si mesmas não são nem boas nem más, é o pensamento que as torna desse ou daquele jeito."

-Hamlet (1600-1601)

" Neste mundo terreno onde é louvável fazer o mal, o bem fazer é insânia perigosa".

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Page 15: Sonetos de Shakespeare

-Macbeth (1605-1606)

"Um cavalo! Um cavalo! Meu reino por um cavalo!".-A tragédia do Rei Ricardo III (1592-1593)

"O céu é testemunha".-Otelo (1604-1605)

"O ciúme é um monstro de olhos verdes, que zomba do alimento de que vive".-Otelo (1604-1605)

"A sabedoria e a ignorância se transmitem como as doenças; daí a necessidade de se saber escolher as companhias".

-Henrique IV - 2ª Parte (1697-1598)

"Não me aconselhes. Minhas desgraças gritam mais alto do que o teu fraseado".-Muito barulho por nada (1598-1599)

"Corajoso é quem suporta sabiamente o que de pior a boca humana exala".-Timão de Atenas (1607-1608)

"Felizes dos que ouvem enumerar seus defeitos e assim podem corrigir-se".-Muito barulho por nada (1598-1599)

"Demora não é recusa".-Antônio e Cleópatra (1606-1607)

"Uma desgraça nunca vem sozinha".-Péricles (1608-1609)

"As coisas devem ser o que podem ser".-Péricles (1608-1609)

"Há algo de podre no reino da Dinamarca".-Hamlet (1600-1601)

"Todo mundo é capaz de dominar uma dor, exceto quem a sente".-Muito barulho por nada (1598-1599)

"Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o quer poderia ser nosso pelo simples medo de tentar".

-Medida por Medida (1604-1605)

"Quem quer que se elogie, a não ser pelos seus próprios atos, destrói os atos com o elogio".-Trólio e Cressida (1601-1602)

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Page 16: Sonetos de Shakespeare

"É mais fácil ensinar vinte pessoas como devem comportar-se de que ser uma das vinte e seguir minha própria doutrina".

-O mercador de Veneza (1596-1597)

"Queres pegar estrelas cintilantes porque no alto as enxergas?".-Os dois cavalheiros de Verona (1594-1595)

"Ninguém poderá jamais aperfeiçoar-se, se não tiver o mundo como mestre. A experiência se adquire na prática".

-Os dois cavalheiros de Verona (1594-1595)

"Antes ser censurado por calado do que por falador".-Bem está o quem acaba (1602-1603)

"Nossas vidas não contém um minuto, um só, que deva passar sem nos deixar qualquer ventura".-Antônio e Cleópatra (1606-1607)

"Sê fiel a ti próprio: segue-se disso, como o dia à noite, que a ninguém serás falso jamais".-Hamlet (1600-1601)

"Sendo o fim doce, que importa que o começo amargo fosse"?-Bem está o que acaba (1602-1603)

"Ficar enfurecido é revelar-se assombrado de medo".-Antônio e Cleópatra (1606-1607)

"Que é o homem, se sua máxima ocupação e o bem maior não passam de comer e dormir?".-Hamlet (166-1601)

"Que é honra? uma palavra. Que há nessa palavra, honra? Vento, apenas".-Henrique IV - 1ª Parte (1597-1598)

"Não sou tão jovem (...) para amar uma mulher por causa de seu canto, nem tão velho para me apaixonar por ela sem motivo".

-Rel Lear (1605-1605)

"Não diga impossível o que apenas aparenta ser improvável".-Medida por Medida (1604-1605)

"Os defeitos dos homens são gravados no bronze, as boas qualidades escrevemo-las na água". -A famosa história da vida do Rei Henrique VIII (1612-1613)

"Se fosseis tratar as pessoas de acordo com o merecimento de cada uma, quem escaparia da chibatada"?

-Hamlet (1600-1601)

"O hábito não faz o monge".

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Page 17: Sonetos de Shakespeare

-A famosa história da vida do Rei Henrique VIII (1612-1613)

"O que há num simples nome?O que chamamos rosa, com outro nome não teria igual perfume"?-Romeu e Julieta (1594-1595)

"Nem tudo que reluz é ouro".-O mercador de Veneza (1596-1597)

"Quando poucas as palavras, raramente são desperdiçadas".A tragédia do Rei Ricardo II (1595-1596)

Ato II - cena I: Gaunt

"Os que sabem jogar com as palavras facilmente as corrompem".Noite de Reis (1599-1600)

Ato III - Cena I: Viola

"Nunca sofremos o pior enquanto podemos dizer: "Isto é o pior de tudo".Rei Liar (1605-1606)

Ato IV - Cena I: Edgar

"Nenhum poeta deveria escrever sem que, primeiro, a tinta temperasse nos suspiros do amor".Trabalhos de amor perdidos (1594-1595)

Ato IV - Cena III: Biron

"Não existe arte que ensine a ler no rosto as feições da alma".-Macbeth (1605-1606)

"Ser ou não ser... eis a questão".-Hamlet (1600-1601)

"Adeus, valor. Enferruja-te, espada. Cala-te, tambor".-Trabalhos de amor perdido (1594-1595)

"O verdadeiro valor não se revela em causa ruim".-Muito barulho por nada (1598-1599)

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Page 18: Sonetos de Shakespeare

 

 

Poema XXIII

Trêmulo ator sem arte, que no palcoanula o desempenho malogrado,

ou força de paixão em que desfalcoa força do meu peito arrebatado,

não atino com jeito de dizertal perfeição de amor enaltecido, que amor menor te pode parecer, cortando a voz o fardo desmedido;

diga-te dele então o escrito mudo, por fala d'alma a amor que te reclametão bem assim, que assim já disse tudo

quanto com voz a mais, por mais, o que eu não disse.

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Poema XXVIISe da jornada chego fatigado

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Page 19: Sonetos de Shakespeare

e deito os membros lassos neste pouso,à viagem da mente sou lançado,

o corpo entregue à paz do bom repouso;longe, o meu pensamento te procura,

numa zelosa peregrinaçãoe olhar cansado, posto em noite escura,mostra o que o cego vê, noutra visão;

pois este olhar do espírito imaginadesocultar sem olhos o teu vulto,

que a velha noite adorna e repristina,gema engastada, quando o desoculto:

em alma e carne lavras inquietudeque noite e dia gera faina rude.

HOME POESIAS ESPECIAIS I

 

 

 

Poema XXXA relembrança de todo o passadosilente e manso meditar me traz

e me alanceia o que não foi logradoe mais reclamo o que não vem mais;

no pranto inusitado me desfaço,por afeições que oculta a noite infinda,

esvanecidos vultos que retraçoe dor de amar, há muito sobrevinda;assim me surge a renascida endecha

e meus pesados males redesperto,com repetir a mesma, antiga queixa,

qual se não n'a chorara ao tempo certo:entanto amado amigo, se em ti penso,

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Page 20: Sonetos de Shakespeare

de quanto falta ou punge me compenso.

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Soneto-LIIIDe que substância foste modelado,

Se com mil vultos o teu vulto medes? Tantas sombras difundes, enfeixado

Num ser que as prende, e a todas sobre escedes;

Adônis mesmo segue o teu modelo Em vã, esmaecida imitação;

A face helênica onde pousa o belo Ganhou em ti maior coloração;

A primavera é cópia desta forma, A plenitude és tu, em que consiste

O ver que toda graça se transforma No teu reflexo em tudo quanto existe:

Qualquer beleza externa te revela Que a alma fiel em ti acha mais bela.

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William ShakespeareStartford- on- Avon, Inglaterra,

23 de abril de 1564.

Pouco ou quase nada sabemos de sua infância. Não chegou a fazer estudos sistemáticos, mas sempre foi dedicado a leitura. Tinha um conhecimento profundo de latim, grego e do inglês, o

que para alguns estudiosos comprova a teoria de que Shakespeare não seria o verdadeiro responsável por suas obras imortais ("onde teria adquirido tal conhecimento?" é a dúvida de alguns ). É evidenciado em sua obra um profundo conhecimento da Bíblia, Sêneca, Homero,

Plutarco dos grandes renascentistas italianos e das crônicas históricas de Hohinshed. Casou-se com Anna Hathaway, filha de agricultor abastado (tinha 18 anos ), com quem teve três filhos. Em

1587,a soituação começou a apertar, gastava sua economia em tavernas, estalagens e teatros, sendo assim obrigado a trabalhar como guardador de cavalos.

Este emprego ficava diante do teatro de James Burbage - o Globe Theater.Nesta época ele era refundidor de texto ( revisor)e ator.

-Períodos-O primeiro se inicia em data imprecisa, no fim da última década do século, até 1600. A Trilogia Henrique VI (escrita em 1591) foi seu incursão no drama histórico. Vieram em seguida Ricardo III, A Megera Domada, Tito Andrônico, A comédia de Erros, Ricardo II, Sonhos de Uma Noite

de Verão, Romeu e Julieta, Vida e Morte do Rei João, O Mercador de Veneza, Henrique V, Henrique VI, Júlio César, Como Gostais, Muito Barulho por Nada, A noite dos Reis. Foi seu

ápice. Prestígio na corte, popularidade e dinheiro não lhe faltaram. Em 1593/94 os teatros foram fechados por causa da peste, Shakespeare dedicou duas obras líricas - Vênus e Adônis e A

Violação de Lucrécia - a seu amigo e protetor, o conde de Southampton, que sempre dispensou auxílio financeiro. Nessa época, a Inglaterra vivia o apogeu dos Sonetos - e como não poderia

deixar de ser Shakespeare publicou sua coletânea de Sonetos, que figuram entre os mais belos da língua inglesa (e também uns dos mais complexos para análise). Com o advento do novo século

nos encontramos na Segunda fase. O pensamento do poeta revela profunda modificação. É a fase do pessimismo.Atribui-se a desgostos particulares, morte do pai (1601), desilusões nos amores -

que se reflete nos Sonetos - e os próprios acontecimentos políticos que culminam com a execução de Essex e a prisão do protetor do poeta, o Conde de Southampton. As obras primas se sucedem

essa é a fase das grandes tragédias, Otelo, Rei Liar, Macbeth e Trólio e Créssida. Por fim temos o último período que vai de 1608 até a sua morte em 1616, em Stratford-on-Avon, para onde

retornara em 1613 após encerrar sua carreira teatral. É avaliada em 300 libras sua renda nos últimos anos de vida (como consegui saber até quanto ele ganhava? Está nos livros ora bolas :) É

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a fase dos romances: Péricles, Cimbelino, Contos de Inverno e por último, A Tempestade, que é considerada o testamento poético do autor.

Próspero, o sábio duque banido que se desfez de seu livro e de sua varinha mágica, jogando-os no abismo, antes de voltar as atividades mundanas, no ducado de Milão é a metáfora perfeita de

Shakespeare. Como todo mito, teorias estapafúrdias são mais comuns do que podemos supor (aliás alguns

acham que não existe metáfora alguma em Próspero, por exemplo). Uma delas diz que a possível causa mortis tenha sido uma febre (culpa de uma noite de bebedeira) em companhia de Drayton

e Bem Jonson.Outro dizem que era homossexual ou que sequer existiu.

Não se sabe o motivo que fez Shakespeare abandonar sua carreira literária.

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PoemaXXXVNão chores mais o erro cometido;

na fonte, há lama;a rosa tem espinho;

o sol no eclipse é sol obscurecido;na flor também o verme faz seu ninho;

erram todos,eu mesmo errei já tanto,

que te sobram razões de compensarcom essas faltas minhas, tudo quanto

não terás tu somente a resgatar;os sentidos traíram-te,

e meu sensode parte adversa é mais teu defensor,

se contra mim te escuso,e me convenço

na batalha do ódio com o amor:vítima e cúmplice do criminoso,

dou-me ao ladrão amado e amoroso.

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Page 25: Sonetos de Shakespeare

 

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Agradecido,sei o lugar onde há belo canteiro

que o ar embalsama de agradável cheiro do tomilho selvagem,da sincera violeta e da graciosa primavera,

onde há latadas de fragrantes rosas e madressilvas de excessiva doçura...Titânia aí parte da noite dorme

sob gracioso dossel formado de pétalas, por danças e canções acalentada.A serpente aí deixa a pele coloridapara de vestido a uma fada servir,

fino e comprido.Como dorme o luar suavemente neste canteiro...

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Page 26: Sonetos de Shakespeare

Depois de algum tempo você percebe a diferença, a sutil diferença entre dar a mão e acorrentar uma alma.

E você aprende que amar não significa apoiar-se, e que companhia nem sempre significa segurança.

E começa a aprender que beijos não são contratos e presentes não são promessas.Começa a aceitar suas derrotas com a cabeça erguida e olhos adiante, com a graça de um adulto

e não com a tristeza de uma criança.E aprende a construir todas as suas estradas no hoje, porque o terreno do amanhã é incerto

demais para os planos, e o futuro tem o costume de cair em meio ao vão.Depois de um tempo, você aprende que o sol queima se ficar exposto por muito tempo.

E aprende que não importa o quanto você se importe, algumas pessoas simplesmente não se importam...

E aceita que não importa o quão boa seja uma pessoa, ela vai feri-lo de vez em quando e você precisa perdoá-la por isso.

Aprende que falar pode aliviar dores emocionais.Descobre que se leva anos para se construir confiança e apenas segundos para destruí-la, e que

você pode fazer coisas em um instante, das quais se arrependerá pelo resto da vida.Aprende que verdadeiras amizades continuam a crescer mesmo a longas distâncias.

E o que importa não é o que você tem na vida, mas quem você tem na vida.E que bons amigos são a família que nos permitiram escolher.

Aprende que não temos que mudar de amigos se compreendemos que os amigos mudam, percebe que seu amigo e você podem fazer qualquer coisa, ou nada, e terem bons momentos juntos.

Descobre que as pessoas com quem você mais se importa na vida são tomadas de você muito depressa, por isso, sempre devemos deixar as pessoas que amamos com palavras amorosas, pode

ser a última vez que as vejamos.Aprende que as circunstâncias e os ambientes têm influência sobre nós, mas nós somos

responsáveis por nós mesmos.Começa a aprender que não se deve comparar com os outros, mas com o melhor que pode ser.Descobre que se leva muito tempo para se tornar a pessoa que quer ser, e que o tempo é curto.Aprende que não importa onde já chegou, mas onde está indo, mas se você não sabe para onde

está indo, qualquer lugar serve.Aprende que, ou você controla seus atos, ou eles o controlarão, e que ser flexível não significa ser

fraco ou não ter personalidade, pois não importa quão delicada e frágil seja uma situação, sempre existem dois lados.

Aprende que heróis são pessoas que fizeram o que era necessário fazer, enfrentando as conseqüências.

Aprende que paciência requer muita prática.Descobre que algumas vezes a pessoa que você espera que o chute quando você cai é uma das

poucas que o ajudam a levantar-se.Aprende que maturidade tem mais a ver com os tipos de experiência que se teve e o que você

aprendeu com elas do que com quantos aniversários você celebrou.Aprende que há mais dos seus pais em você do que você supunha.

Aprende que nunca se deve dizer a uma criança que sonhos são bobagens, poucas coisas são tão humilhantes e seria uma tragédia se ela acreditasse nisso.

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Aprende que quando está com raiva tem o direito de estar com raiva, mas isso não te dá o direito de ser cruel.

Descobre que só porque alguém não te ama do jeito que você quer que ame, não significa que esse alguém não o ama com tudo o que pode, pois existem pessoas que nos amam, mas simplesmente

não sabem como demonstrar ou viver isso.Aprende que nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém, algumas vezes você tem que

aprender a perdoar a si mesmo.Aprende que com a mesma severidade com que julga, você será em algum momento condenado.Aprende que não importa em quantos pedaços seu coração foi partido, o mundo não pára para

que você o conserte.Aprende que o tempo não é algo que possa voltar para trás.

Portanto, plante seu jardim e decore sua alma, ao invés de esperar que alguém lhe traga flores.E você aprende que realmente pode suportar... que realmente é forte, e que pode ir muito mais

longe depois de pensar que não se pode mais.

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Mas o amor,primeiro aprendido em uns olhos de mulher,

Não vive sozinho fechado na cabeça,Mas, com a agilidade de todos os elementos, Corre com a rapidez de nossos pensamentos

E dá a cada faculdade dupla potência, Acima de suas funções e seus ofícios. Acrescenta preciosa visão aos olhos;

Os olhos de um amante vêem mais longe que uma águia; Os ouvidos de um amante ouvem o mais tênue som

Que passa despercebido ao ladrão cauteloso: O tato do amor é mais fino e sensível Que as sensitivas antenas do caracol;

Ao paladar do amor desagradam os petiscos vulgares de Baco.Pela coragem, não é o amor um Hércules·...

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Ainda galgando as árvores nas Hespérides? Sutil como a Esfinge; doce e musical,Como o alaúde do brilhante Apolo,

Encordoado com seus cabelos;E quando o Amor fala, a voz de todos os deuses,

Deixa os céus estonteados com a harmonia. Nunca deve o poeta tocar um pena para escrever Amor.

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Um dia nos meus versos quem há de crer?Se eu nele derramar meus dons mais puros?

No entanto sabe o céu que eles são murosQue a tua vida ocultam por metade.Dissera o que de teu olhar emana,

Teus dons em nova métrica medira,Que acharia o porvir então: "Mentira!Tais tratos não retratam face humana".

Que mofem pois deste papel fanadoQual dos velhos loquazes, e a teu enteChamem de pura exaltação da menteE a meu verso exageros do passado.Mas se chegar tua estirpe a tanto,

Em dobro hás de viver: nela e em meu canto.

Dos seres ímpares ansiamos prolePara que a flor do belo não extinga, E se a rosa madura o Tempo colhe,Fresco botão sua memória vinga.

Mas tu, que só com os olhos contrais,Nutres o ardor com as próprias energiasCausando fome onde a abundância jaz,

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Cruel rival, que o próprio crucias.Tu, que do mundo és hoje galardão,

Arauto da festiva Natureza,Matas o teu prazer inda em botãoE, sovina, esperdiças na avareza.Piedade, senão ides, tu e o fundo

Do chão, comer o que é devido ao mundo.

Quando no assédio de quarenta invernosSe cavarem as linhas de teu rosto,

Da juventude os teus galões supernosPobres adrajos se tiverem posto,

Se então te perguntarem pelo faustoDe teus dias de glória e de beleza,

Dizer que tudo jaz no olhar exausto,Opróbio fora, encômio sem grandeza.

Mais mérito terias nessa usançaSe puderes dizer: "Meu filho há de

saldar-me a dívida, exculpar-me a idade" ,Provando que a beleza é tua herança.Fora tornar em novo as coisas velhas

E ver o sangue quente enquanto engelhas.

Quando a hora dobra em triste e tardo toqueE em noite horrenda vejo escoar-se o dia,Quando vejo esvair-se a violeta, ou que

A prata a preta têmpora assedia;Quando vejo sem folha o tronco antigo

Que ao rebanho estendia a sombra francaE em feixe atado agora o verde trigo

Seguir o carro, a barba hirsuta e branca;Sobre tua beleza então questiono

Que há de sofrer do Tempo a dura prova,Pois as graças do mundo em abandonoMorrem ao ver nascendo a graça nova.

Contra a foice do Tempo é vão combate,Salvo a prole, que o enfrenta se te abate.

Dos astros não retiro entendimentoEmbora eu tenha cá de astronomia,

Mas não para prever a sorte, o intentoDas estações, ou fome, epidemia;

Nem sei dizer o que será do instante;Prever a alguém quer chuva, ou vento, ou raio;

se tudo há de sorrir ao governantesegundo as prediçoes que aos céus extraio.

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De teus olhos provêm meus atributosE, astros constantes, leio ali tal arte:

'Que a verdade e a beleza darão frutos se tem ti deixas de tanto reservar-te'.

Ou um vaticínio sobre ti revelo:Teu fim põe termo ao verdadeiro e ao belo.

Quando observo que tudo quanto cresceDesfruta a perfeição de um só momento,

Que neste palco imenso se obedece A secreta influição do firmamento;

quando percebo que ao homem, como à planta,Esmaga o mesmo céu que lhe deu glória,

Que se ergue em seiva e, no ápice, aquebrantaE um dia enfim se apaga da memória:

Esse conceito dea inconstante sinamais jovem faz-te ao meu olhar agora, Quando o tempo se alia com a Ruína

Para tornar em noite tua aurora.E crua guerra contra o Tempo enfrento,Pois tudo que te toma eu te acrescento.

Devo igualar-te a um dia de verão?Mais afável e belo é o teu semblante:O vento esfolha Maio inda em botão,

Dura o termo estival em breve instante.muitas vezes a luz do céu calcina,

Mas o áureo tom também perde clareza:De seu belo a beleza enfim declina,Ao léu ou pelas leis da Natureza,Só teu verão eterno não se acabanem a posse de tua formosura;

de impor-te a sombra a Morte não se gabaPois que esta estrofe eterna o Tempo dura.

Enquanto houver viventes nesta lida,Há de viver meu verso e te dar vida.

Como ator imperfeito que em meio à cenaO seu papel recita,

Ou como o ser violento em fúria plenaA que o excesso de forças debilita;

Também eu, sem confiança em mim, me esqueçoNo amor de os ritos próprios recitar,

E na força com que amo me enfraqueçoRendido ao peso do poder de amar.

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Oh! sejam pois meus livros a eloquência,Áugures mudos do expressivo peito,

Que amor implorem, peçam recompensa,Mais do que a voz que muito mais tem feito.

Saibas ler o que o mudo amor escreve,Que o fino amor ouvir com os olhos deve.

Lanço-me ao leito, exausto da fadiga,Repousa o corpo ao fim da caminhada;

Mais eis que a outra jornada a mente obrigaQuando é do corpo a obrigação passada.

A ti meu pensamento - na distância -em santa romaria então me leva,

E fico, as frouxas pálpebras em ânsia,Olhando, como os cegos vêem na treva.E a vista de minha alma ali desvenda

Aos olhos sem visão tua figura,Que igual a jóia erguida em noite horrenda,

Renova a velha face à noite escura.Ai! que o dia o corpo, à noite a alma,

Por tua e minha culpa têm calma.

Se, órfão do olhar humano e da fortuna,Choro na solidão meu pobres estadoE o céu meu pranto inútil importuna,

Eu entro em mim a maldizer meu fado;Sonho-me alguém mais rico de esperança.

Quero feições e amigos mais amenos,Deste o pendor, a meta que outro alcança,

Do que mais amo contentado o menos.Mas, se nesse pensar, que me magoa,

De ti me lembro acaso - o meu destino,Qual cotovia na alvorada entoa

da negra terra aos longes céus um hino.E na riqueza desse amor que evoco,

Já minha sorte com a dos reis não troco.

Nem mármore, nem áureos monumentosDe reis hão de durar mais que esta rima,E sempre hão de brilhar nestes acentosDo que na pedra, pois o tempo a lima.Pode a estátua na guerra ser tombada

E a cantaria o vil motim destrua;Nem fogo ou Marte apagará com a espada

Vivo registro da memória tua.

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Page 32: Sonetos de Shakespeare

Há de seguir teu passo sobranceiroVencendo a Morte e as legiões do olvido,

E os pósteros, no juízo derradeiro,Hão de a este louvor prestar ouvido.

Pois até a sentença que levantes,Vives aqui e no lábio dos amantes.

Não lamentes por mim quando eu morrerSenão enquanto o surdo sino diz

Ao mundo vil que o deixo e vou viverEm meio aos vermes que inda são mais vis.

Nem te recorde o verso comovidoA mão que o escreveu, pois te amo tanto

Que antes achar em tua mente olvidoQuer ser lembrado e te causar o pranto.

Ah! peço-te que ao leres esta queixaQuando for minha carne consumida,Não te refiras ao meu nome e deixa

Que morra o teu amor com minha vida.Não veja o mundo e zombe desta dor

Por minha causa, quando morto eu for.

Que eu não veja empecilho na sinceraUnião de duas almas. Não amor

É o que encontrando alterações se alteraOu diminui se o atinge o desamor.

Oh, não! amor é ponto assaz constanteQue ileso os bravos temporais defronta.

É a estrela guia do baixel errante,De brilho certo, mas valor sem conta.

O Amor não é jogral do Tempo, emboraEm seu declínio os lábios nos entorte.O Amor não muda com o dia e a hora,

Mas persevera ao limiar da Morte.E, se prova que num erro estou,

Nunca fiz versos nem jamais se amou.

Dos amores - de paz e desespero -Eu tenho que me inspiram noite e dia:

Meu anjo bom é um homem puro e vero;O mau, uma mulher de tez sombria.

Para levar a tentação a cabo,O feminino atrai meu anjo e viveA querer tranformá-lo em diabo,

Tentando-lhe a pureza com a lascívia.

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Page 33: Sonetos de Shakespeare

Se há de meu anjo corromper-se em demoSuspeito apenas, sem dizer que seja;

Mas sendo ambos tão meus, e amigos, temoQue o anjo no fogo já do outro esteja.

Nunca sabê-lo, embora desconfie,Até que o meu anjo contagie.

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Soneto 90Odeia-me, portanto; agora, se é preciso:

Agora, em tudo, o mundo insiste em contrariar-me; Não me causes mais tarde um súbito prejuízo,

Une-te logo à sorte cruel, vem humihar-me. Quando minh'alma houver fugido ao meu tormento,

Não surjas no último escalão de dor vencida: Não dês manhã de chuva à noite com seu vento,

A fim de prolongar derrota decidida. Se me deixares, não me deixes só no fim,

Quando se houver cumprido tanta dor menor; Vem no primeiro ataque: eu sofrerei assim, De plano, o que a fortuna oferecer de pior.

E outras formas de dor, que ora parecem dor, Junto de tua perda não terão tal cor.

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Mas o amor, primeiro aprendido em uns olhos de mulher, Não vive sozinho fechado na cabeça,

Mas, com a agilidade de todos os elementos, Corre com a rapidez de nossos pensamentos

E dá a cada faculdade dupla potência, Acima de suas funções e seus ofícios. Acrescenta preciosa visão aos olhos;

Os olhos de um amante vêem mais longe que uma águia;

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Page 34: Sonetos de Shakespeare

Os ouvidos de um amante ouvem o mais tênue som, Que passa despercebido ao ladrão cauteloso:

O tato do amor é mais fino e sensível Que as sensitivas antenas do caracol;

Ao paladar do amor desagradam os petiscos vulgares de Baco. Pela coragem, não é o amor um Hércules

Ainda galgando as árvores nas Hespérides? Sutil como a Esfinge; doce e musical Como o alaúde do brilhante Apolo,

Encordoado com seus cabelos; E quando o Amor fala, a voz de todos os deuses

Deixa os céus estonteados com a harmonia. Nunca deve o poeta tocar um pena para escrever

Até que sua tinta seja temperada pelos suspiros do Amor.

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Frases e pensamentos"Nada me deixa tão feliz quanto ter um coração que não se esquece de seus amigos".

-A tragédia do Rei Ricardo II (1595-1596)

"A amizade é constante em tudo, menos nos assuntos do amor".-Muito Barulho por Nada (1598-1599)

"Os amigos que tiveres e cuja adoção puseres à prova, sujeita-os à tua alma com arcos de aço, mas não caleje a palma de tua mão com apertos a todo sujeito mal saído ainda implume da casca

do ovo". -Hamlet (1600-1601)

"Por acaso tem a amizade um coração tão fraco, que numa noite ou pouco mais se muda?."-Timão de Atenas (1607-1608)

"Ninguém sabe onde têm um amigo".

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-A tempestade (1611-1612)

"Menos ama que só fala de amor."-Os dois cavalheiros de Verona (1594-1595)

"O sincero amor quase não fala; melhor se adorna com fatos e ações a verdadeira fé não com palavras".

-Os dois cavalheiros de Verona (1594-4595)

"Em tempo algum teve um tranqüilo curso o verdadeiro amor".-Sonhos de uma noite de Verão (1595-1596)

"Se não te lembram as menores tolices que o amor te levou a fazer, é que jamais amaste."-Como gostais (1599-1600)

"Pobre é o amor que pode ser contato.'-Antônio e Cleópatra (1606-1607)

"Antes amar quem só a mal deseja a quem, fingindo o bem, só o mal enseja".-Timão de Atenas (1607-1608)

"Aos homens sobrevive o mal que fazem, mas o bem quase sempre com seus ossos fica enterrado."

-Júlio César (1599-1600)

" As coisas em si mesmas não são nem boas nem más, é o pensamento que as torna desse ou daquele jeito."

-Hamlet (1600-1601)

" Neste mundo terreno onde é louvável fazer o mal, o bem fazer é insânia perigosa".-Macbeth (1605-1606)

"Um cavalo! Um cavalo! Meu reino por um cavalo!".-A tragédia do Rei Ricardo III (1592-1593)

"O céu é testemunha".-Otelo (1604-1605)

"O ciúme é um monstro de olhos verdes, que zomba do alimento de que vive".-Otelo (1604-1605)

"A sabedoria e a ignorância se transmitem como as doenças; daí a necessidade de se saber escolher as companhias".

-Henrique IV - 2ª Parte (1697-1598)

"Não me aconselhes. Minhas desgraças gritam mais alto do que o teu fraseado".-Muito barulho por nada (1598-1599)

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"Corajoso é quem suporta sabiamente o que de pior a boca humana exala".-Timão de Atenas (1607-1608)

"Felizes dos que ouvem enumerar seus defeitos e assim podem corrigir-se".-Muito barulho por nada (1598-1599)

"Demora não é recusa".-Antônio e Cleópatra (1606-1607)

"Uma desgraça nunca vem sozinha".-Péricles (1608-1609)

"As coisas devem ser o que podem ser".-Péricles (1608-1609)

"Há algo de podre no reino da Dinamarca".-Hamlet (1600-1601)

"Todo mundo é capaz de dominar uma dor, exceto quem a sente".-Muito barulho por nada (1598-1599)

"Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o quer poderia ser nosso pelo simples medo de tentar".

-Medida por Medida (1604-1605)

"Quem quer que se elogie, a não ser pelos seus próprios atos, destrói os atos com o elogio".-Trólio e Cressida (1601-1602)

"É mais fácil ensinar vinte pessoas como devem comportar-se de que ser uma das vinte e seguir minha própria doutrina".

-O mercador de Veneza (1596-1597)

"Queres pegar estrelas cintilantes porque no alto as enxergas?".-Os dois cavalheiros de Verona (1594-1595)

"Ninguém poderá jamais aperfeiçoar-se, se não tiver o mundo como mestre. A experiência se adquire na prática".

-Os dois cavalheiros de Verona (1594-1595)

"Antes ser censurado por calado do que por falador".-Bem está o quem acaba (1602-1603)

"Nossas vidas não contém um minuto, um só, que deva passar sem nos deixar qualquer ventura".-Antônio e Cleópatra (1606-1607)

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Page 37: Sonetos de Shakespeare

"Sê fiel a ti próprio: segue-se disso, como o dia à noite, que a ninguém serás falso jamais".-Hamlet (1600-1601)

"Sendo o fim doce, que importa que o começo amargo fosse"?-Bem está o que acaba (1602-1603)

"Ficar enfurecido é revelar-se assombrado de medo".-Antônio e Cleópatra (1606-1607)

"Que é o homem, se sua máxima ocupação e o bem maior não passam de comer e dormir?".-Hamlet (166-1601)

"Que é honra? uma palavra. Que há nessa palavra, honra? Vento, apenas".-Henrique IV - 1ª Parte (1597-1598)

"Não sou tão jovem (...) para amar uma mulher por causa de seu canto, nem tão velho para me apaixonar por ela sem motivo".

-Rel Lear (1605-1605)

"Não diga impossível o que apenas aparenta ser improvável".-Medida por Medida (1604-1605)

"Os defeitos dos homens são gravados no bronze, as boas qualidades escrevemo-las na água". -A famosa história da vida do Rei Henrique VIII (1612-1613)

"Se fosseis tratar as pessoas de acordo com o merecimento de cada uma, quem escaparia da chibatada"?

-Hamlet (1600-1601)

"O hábito não faz o monge".-A famosa história da vida do Rei Henrique VIII (1612-1613)

"O que há num simples nome?O que chamamos rosa, com outro nome não teria igual perfume"?-Romeu e Julieta (1594-1595)

"Nem tudo que reluz é ouro".-O mercador de Veneza (1596-1597)

"Quando poucas as palavras, raramente são desperdiçadas".A tragédia do Rei Ricardo II (1595-1596)

Ato II - cena I: Gaunt

"Os que sabem jogar com as palavras facilmente as corrompem".Noite de Reis (1599-1600)

Ato III - Cena I: Viola

"Nunca sofremos o pior enquanto podemos dizer: "Isto é o pior de tudo".

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Page 38: Sonetos de Shakespeare

Rei Liar (1605-1606)Ato IV - Cena I: Edgar

"Nenhum poeta deveria escrever sem que, primeiro, a tinta temperasse nos suspiros do amor".Trabalhos de amor perdidos (1594-1595)

Ato IV - Cena III: Biron

"Não existe arte que ensine a ler no rosto as feições da alma".-Macbeth (1605-1606)

"Ser ou não ser... eis a questão".-Hamlet (1600-1601)

"Adeus, valor. Enferruja-te, espada. Cala-te, tambor".-Trabalhos de amor perdido (1594-1595)

"O verdadeiro valor não se revela em causa ruim".-Muito barulho por nada (1598-1599)

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Poema XXIII

Trêmulo ator sem arte, que no palcoanula o desempenho malogrado,

ou força de paixão em que desfalcoa força do meu peito arrebatado,

não atino com jeito de dizertal perfeição de amor enaltecido,

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Page 39: Sonetos de Shakespeare

que amor menor te pode parecer, cortando a voz o fardo desmedido;

diga-te dele então o escrito mudo, por fala d'alma a amor que te reclametão bem assim, que assim já disse tudo

quanto com voz a mais, por mais, o que eu não disse.

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Poema XXVIISe da jornada chego fatigado

e deito os membros lassos neste pouso,à viagem da mente sou lançado,

o corpo entregue à paz do bom repouso;longe, o meu pensamento te procura,

numa zelosa peregrinaçãoe olhar cansado, posto em noite escura,mostra o que o cego vê, noutra visão;

pois este olhar do espírito imaginadesocultar sem olhos o teu vulto,

que a velha noite adorna e repristina,gema engastada, quando o desoculto:

em alma e carne lavras inquietudeque noite e dia gera faina rude.

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Page 40: Sonetos de Shakespeare

 

 

 

Poema XXXA relembrança de todo o passadosilente e manso meditar me traz

e me alanceia o que não foi logradoe mais reclamo o que não vem mais;

no pranto inusitado me desfaço,por afeições que oculta a noite infinda,

esvanecidos vultos que retraçoe dor de amar, há muito sobrevinda;assim me surge a renascida endecha

e meus pesados males redesperto,com repetir a mesma, antiga queixa,

qual se não n'a chorara ao tempo certo:entanto amado amigo, se em ti penso,

de quanto falta ou punge me compenso.

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Page 41: Sonetos de Shakespeare

Soneto-LIIIDe que substância foste modelado,

Se com mil vultos o teu vulto medes? Tantas sombras difundes, enfeixado

Num ser que as prende, e a todas sobre escedes;

Adônis mesmo segue o teu modelo Em vã, esmaecida imitação;

A face helênica onde pousa o belo Ganhou em ti maior coloração;

A primavera é cópia desta forma, A plenitude és tu, em que consiste

O ver que toda graça se transforma No teu reflexo em tudo quanto existe:

Qualquer beleza externa te revela Que a alma fiel em ti acha mais bela.

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SONETOS DE SHAKESPEARE 

Fabrício Souza  

O objetivo deste trabalho é fazer um exercício de tradução de alguns sonetos de Shakespeare e cotejar a tradução proposta com algumas já existentes, destacando os prós e contras de cada tradução. As traduções que serviram de base para a análise são a de Ivo Barroso e a de Jorge Wanderley.

O texto original dos sonetos sobre discussão, bem como a tradução proposta e as traduções de Ivo Barroso e de Jorge Wanderley encontram-se no final deste trabalho. Na discussão a seguir supõe-se a leitura do original e de todas estas traduções.

No estudo das traduções procuramos avaliar aspectos tais como:    a fidelidade às idéias do soneto original e de cada um de seus versos   a manutenção das esquema rítmico   a qualidade das rimas   a naturalidade/adequação da tradução do Inglês para o Português   a manutenção de alguns efeitos específicos do original inglês   avaliação do soneto como um todo: valor estético e sua sonoridade O esquema rítmico adotado nos sonetos de Shakespeare é bem uniforme, sendo da

forma “ababcdcdefefgg”, mantida ao longo de seus mais de 150 sonetos (A única exceção é o Soneto CXXVI). Assim parece-nos uma característica importante procurarmos manter nas traduções o mesmo esquema rítmico.

Uma outra característica do soneto é o destaque dado aos dois últimos versos. Até visualmente eles se destacam, devido à diferença de tabulação. Outros pontos de interesses:

são os únicos em que a rima acontece em dois versos consecutivosé comum o uso dos dois pontos para destacar/isolar os dois versos finais ou mesmo

apenas o último em geral a rima nestes versos acontece em monossílabos ou com a última sílaba tônica

 Assim nos parece interessante procurar manter também esta característica na

tradução proposta. Um outro ponto de interesse seria qual métrica utilizar. Parece-nos que pela

característica da métrica original e pela relativa coloquialidade do original inglês, a métrica em dodecassílabos seria a mais adequada, permitindo-se mais facilmente a manutenção das características do original. Já a métrica em decassílabos obriga a um certo “enxugamento” do conteúdo dos versos originais: é difícil para cada verso traduzir todo o conteúdo do original, que se aproveita da métrica menos restrita, do uso de contrações (mais comuns no inglês), de um certo poder expressivo do inglês que parece permitir que mais coisas seja ditas com menos fonemas, e é claro do talento de Shakespeare. Apesar destes fatores, preferimos na tradução proposta adotar a forma do decassílabo, já que esta forma é a consagrada na língua portuguesa para sonetos pela sua sonoridade, é a adotada na maioria das traduções e desta maneira (o que é lúdico) o desafio da tradução fica maior e mais interessante. Um outro aspecto de interesse é que deste modo as traduções cotejadas são todas em decassílabos, o que nos parece mais adequado para os objetivos deste exercício.

 Passemos agora para a análise das traduções segundo cada um dos aspectos

destacados acima. Soneto I: A fidelidade às idéias do soneto original e de cada um de seus versos Analisando o soneto original, vemos que o primeiro verso não é tão claro em expressar

qual o desejo do poeta (que Southampton tenha filhos para preservar sua beleza). O 1o. verso tem uma certa ambigüidade que só no 4o. verso se explicita: só o herdeiro permite que a beleza do mais velho sobreviva. Deste modo preferimos na tradução proposta manter esta

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estrutura do original (o primeiro verso ficando: “ao mais raro desejamos que cresça”, ao invés de explicitar o significado deste verso como nas duas outras traduções: “Dos raros, desejamos descendência”, “Dos seres ímpares ansiamos prole”.

Analisemos em especial a tradução dos dois últimos versos, de difícil realização em decassílabos. Wanderley consegue capturar todo o sentido do original: “Doa-te ao mundo ou come com fartura O que lhe deves, tu e a sepultura”. Perde-se apenas a pontuação e na sonoridade do original (rima em monossílabos/sílaba tônica).

Já a tradução de Ivo Barroso para estes dois versos é menos fiel, perde em sonoridade e entendimento, precisa mudar a pontuação e continuar o primeiro verso no verso seguinte: “Piedade, senão ides, tu e o fundo Do chão, comer o que é devido ao mundo.”.

Na nossa tradução preferimos buscar a sonoridade do original (rima em monossílabos) e manter a estrutura de pontuação que destaca os versos finais, mantendo-se apenas as idéias principais do verso original: “Apiede-se do mundo, ou se é sem fé: Come o que do mundo por direito é”.

Numa análise geral, verso a verso, a tradução de Jorge Wanderley parece ser a mais fiel.

 A manutenção das esquema rítmico Todas as traduções mantém o esquema rítmico em “ababcdcdefefgg”. A tradução de Wanderley muda o ritmo do original, na passagem do 3o. para o 4o.

verso: inicia uma idéia no 3o verso (“sua essência”) que continua no 4o verso (“fique no herdeiro”). Em geral em Shakespeare não ocorre este tipo de passagem de um verso para o outro. As traduções para decassílabos usam este recurso para conseguir exprimir uma idéia que não “cabe” em um único verso. Contudo esta quebra é muito bem feita por Wanderley, não comprometendo o efeito rítmico do soneto. Já na tradução de Barroso temos esta quebra nos 2 últimos versos: “eu e o fundo do chão”. Mas neste caso a quebra parece prejudicar o efeito sonoro que temos no original. Procuramos na tradução proposta não fazer este tipo de “passagem” de um verso para outro.

A questão sobre a manutenção da estrutura de rimas dos dois versos finais (rima na última sílaba tônica) já foi discutida no item anterior.

 A qualidade das rimas Em todas as traduções, as rimas são bem feitas. Quase todas as rimas são em 3 ou

mais fonemas, o que preserva a sonoridade do original inglês. Assim temos com 3 ou mais fonemas

em Wanderley: desendência/essência, beleza/acesa, alias/havia, consomes/nome, ornamento/suprimento, fartura/sepultura

Em Barroso: extinga/vinga, contrais/jaz, energias/crucias, natureza/avareza, fundo/mundo

Na tradução proposta: cresça/apodresça, morra/ocorra, atenta/assenta, ornamento/contentamento, mensageiro/dinheiro

 O fonema “s” no final é ignorado para efeito de rimas nas traduções de Wanderley

(alias/havia, consomes,/nome, ornamento/suprimentos), o que é aceitável em Português, especialmente nas sílabas átonas finais. De qualquer modo evitamos este recurso na tradução proposta. Ivo Barroso rima fonemas próximos: prole/colhe. Parece também razoável já que Shakespeare também faz isto no original (não nos aprofundaremos sobre esta questão neste trabalho). Também procuramos evitar a utilização deste recurso na tradução proposta.

Um problema da tradução proposta é que a maior parte das rimas é feita com verbos, merecendo talvez por isto um retrabalho.

 A naturalidade/adequação da tradução do Inglês para o Português Um ponto a se discutir é a tradução de “contracted” por “contrais” em Barroso: “mas tu,

que só com os olhos teus contrais”. O verso parece ficar estranho em Português. Talvez o uso de “contais” seria mais natura, mantendo a idéia do original de referência à Narciso,

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como nas outras traduções: “Mas tu, que só ao teu olhar te alias”, “Mas tu, que só aos teus olhos atenta”.

Um outro ponto é a tradução de “content” por “suprimento” em Wanderley. No contexto o verso original parece ressaltar o desperdício de Southampton, que ao desperdiçar seu tempo e seu sêmen (“botão” parece fazer uma certa referência à sêmen), perde a chance de ter seu herdeiro, o que seria sua real chance de felicidade, de contentamento. Assim parece-nos mais adequada a tradução de content por algo como “satisfação”, ao invés de “suprimento”, idéia mantida nas outra traduções: “Matas o teu prazer inda em botão”, “Enterra em botão teu contentamento”.

 A manutenção de alguns efeitos específicos do original inglês A tradução de Wanderley se preocupa em manter alguns efeitos sonoros internos aos

versos. Assim temos a rima interna no 4o. verso (heir/bear) mantida em herdeiro/inteiro. A Aliteração em “f” no verso 6 (feed/flame/fuel) é também mantida na tradução (flama/fogo/fartura). Barroso não tem esta preocupação. Na tradução proposta a aliteração para este verso é feita em “t” (alimenta/ti/teu). A forte aliteração em “t” do verso 5 do original (but/thou/contracted/thine/bright) é mais reproduzida na tradução proposta (“tu/teus/atenta”). Barroso talvez tenha também tentado manter este efeito (tu/teus/contrais).

Em relação às imagens invocadas temos alguns efeitos interessantes. Barroso introduz nos versos 4 e 5 as idéias de rosa e botão para representar noções

como “beleza”/“herdeiro”/”fugacidade da vida”, recuperando palavras (rosa e botão) que em verdade estão presentes em outros versos. A “morte do maduro”(“riper decease”) no original é apresentada como “a rosa madura que o tempo colhe”. É menos fiel ao original, mas introduz interessantes efeitos.

Wanderley apresenta uma interessante imagem no verso 5: “mas tu, que só ao teu olhar te alias”. Engenhosamente destaca o egoísmo de Southampton, aproximando-o de Narciso. Na tradução proposta temos um efeito interessante no verso 3: “maduro/apodresça”.

 Uma avaliação geral do soneto como um todo: valor estético e sua sonoridade No geral a tradução de Wanderley parece conseguir o melhor balanço: é muito fiel,

recupera alguns efeitos sonoros do original. Alguns versos de destaque: “Dos raros, desejamos descendência”, “E morto o mais maduro, sua essência”.

A tradução de Ivo tem algumas belas imagens. Mas parece pecar em alguns pontos, principalmente nos dois últimos versos. O verso 7 também parece fraco “Tu, que do mundo é hoje o galardão”.

A tradução proposta parece perder nas imagens poéticas evocadas, no uso de algumas palavras prosaicas. O melhor verso parece ser: “Enterra em botão teu contentamento”. O mais fraco: “Desperdiça em acumular dinheiro”.

 

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Soneto XVII A fidelidade às idéias do soneto original e de cada um de seus versos Novamente a tradução de Wanderley é a mais fiel no conjunto dos versos. Novamente Barroso introduz imagens interessantes que não estão presentes no

original. No verso 3 temos “No entanto sabe o céu que eles são muros”. Um muro que tampa uma metade e mostra outra, uma imagem interessante que não estava no original.

 A manutenção das esquema rítmico  Sobre o esquema rítmico vemos que Barroso opta por mudar o seguido no original.

Em sua tradução temos a seguinte forma: “abbacddceffegg”. Parece-nos uma mudança substancial já que Shakespeare, mesmo na única variação em relação ao padrão “ababcdcdefefgg”, o faz preferindo a forma “aabbccddeeff”, aparentemente mais como uma brincadeira lúdica.

Novamente em Barroso temos o recurso de continuar um verso no verso seguinte (versos 10 e 11: “... e a teu ente ... chamem de pura exaltação da mente”) , o que quebra o ritmo natural de leitura do original.

Wanderley também faz esta quebra na tradução dos dois versos finais, mas novamente de forma engenhosa: (“Mas terás, se um teu filho viver tanto, Dupla vida: no filho e no meu canto.”).

Nos dois versos finais da tradução procuramos manter a rima na última sílaba tônica (então/canção), ao contrário das duas outras traduções (tanto/canto).

Este recurso de continuidade de um verso no verso seguinte é repetido nos versos 4 e 5, desta vez provocando uma certa quebra no ritmo natural (“... e só a metade ... dizem de ti”).

 A qualidade das rimas Novamente a qualidade das rimas se destaca,. Assim temos com 3 ou mais fonemasem Wanderley: qualidades/metade, somente/mente, cantasse/face,

desbotados/deixados, falastrões/refrões, tanto/cantoEm Barroso: há-de/metade, puros/muros, emana/humana, medira/mentira,

fanado/passado, ente/mente, tanto/cantoNa tradução proposta: futura/impura, verdade/metade, brilhante/mente,

enumerasce/face, amarelecidos/perdidos, caduco/maluco A naturalidade/adequação da tradução do Inglês para o Português Em Barroso temos algumas inversões menos naturais: verso 1 (no final, “quem há-de”) A manutenção de alguns efeitos específicos do original inglês A se destacar no original, verso 6, o jogo de palavras: “numbers number”. A tradução

de Wanderley não procura reproduzir este efeito, o que já acontece na tradução de Barroso (“Teus dons em nova métrica medira”) e na tradução proposta (“E em números sua graça enumerasce”). Novamente no verso 8 do original temos o mesmo efeito (“touches ne’er touched”) e a oposição “heavenly/earthly”. A tradução de Wanderley mantém a oposição mas não o jogo de palavras (“Que o céu não toca assim humana face”). A tradução de Barroso opta por manter o jogo de palavras (“Tais tratos não retratam face humana”), o que é interessante já que assim mantém-se jogo de palavra nos dois versos (6 e 8). A tradução proposta recuperar parcialmente o jogo de palavras (“Tais tons nunca tingiriam face humana”).

Um outro ponto de interesse é o uso do tratamento em 2a pessoa de todas as traduções. No soneto original, ao contrário dos demais, Southampton é tratado em terceira pessoa. É um fato integrante, já que nos outros sonetos isto não ocorre. As traduções optaram por manter o tratamento em segunda pessoa, o que deixa mais claro a tradução. Seguimos também este princípio na tradução proposta.

 

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Avaliação do soneto como um todo: valor estético e sua sonoridade Numa avaliação geral vemos que Wanderley mantém a tradução correta, mas com

menos versos de destaque. Uma boa solução encontramos nos 2 versos finais, como já discutido acima.

Em Barroso o primeiro verso parece fraco, em função da inversão feita para manter a rima (“Um dia crer nos versos meus quem há-de”). A imagem do muro, presente no 3o. Verso, se destaca. O melhor verso: “Tais tratos não retratam face humana”.

Na tradução proposta uma interessante nuance é introduzida em relação ao original, na invocação de imagens relacionados à pintura e cores: “Se eu pudesse pintar teu olhar brilhante”, “Tais tons nunca tingiriam humana face”. O melhor verso: “e em número tuas graças enumerasce”, “tais tons nunca tingiriam humana face”. Mas o verso 12 é fraco e precisaria ser retrabalhado “Exageros em verso de um maluco”.

No geral a tradução proposta para este soneto parece melhor que a proposta para o Soneto I, ainda que necessite de retrabalho.

  Discussão sobre algumas rimas: Soneto I, versos 2o. e 4o: die, memory (ver tb Soneto CXXII)Soneto XVII, versos 1o. e 3o: come, tomb (ver tb Soneto CVII come, doom)Soneto XCIII, versos 1o. e 3o: true, new (ver tb. Soneto LXXXVI, you, grew)Soneto CV: versos 1o. e 3o: idolatry, be Soneto CXIV, versos 2o. e 4o: flattery, alchemySoneto CXXV, versos 1o. e 3o: canopy, eternitySoneto CXXXVI, versos 1o. e 3o: near, there Soneto IFrom fairest creatures we desire increaseThat thereby beauty’s rose might never die,But as the riper should by time deceaseHis tender heir might bear his memory:But thou, contracted to thine own bright eyes,Feed’st thy light’s flame with self-substancial fuel,Making a famine where abundance lies,Thyself thy foe, to thy sweet self too cruel.Thou that art now the world’s fresh ornamentAnd only herald to the gaudy spring,Within thine own bud buriest thy contentAnd, tender churl, mak’st waste in niggarding. Pity the wold, or else this glutton be: To eat the world’s due, by the grave and thee. Tradução: Jorge Wanderley Dos raros, desejamos descendência,Que assim não finde a rosa da beleza,E morto o mais maduro, sua essênciaFique no herdeiro, por inteiro acesa.Mas tu, que só ao teu olhar te alias,Em flama própria ao fogo te consomesCriando a fome onde fartura havia,Rival perverso de teu próprio nome.Tu que és do mundo o mais fino ornamentoE a primavera vens anunciar,Enterras em botão teus suprimentos:- Doce avareza, estróina em se poupar.Doa-te ao mundo ou come com farturaO que lhe deves, tu e a sepultura 

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Tradução: Ivo Barroso Dos seres ímpares ansiamos prolePara que a flor do belo não extinga,E se a rosa madura o Tempo colhe,Fresco botão sua memória vinga.Mas tu, que só com os olhos teus contrais,Nutres o ardor com as próprias energiasCausando fome onde a abundância jaz,Cruel rival, que o próprio ser crucias.Tu, que do mundo és hoje o galardão,Arauto da festiva Natureza,Matas o teu prazer inda em botãoE, sovina, esperdiças na avareza. Piedade, senão ides, tu e o fundo Do chão, comer o que é devido ao mundo. Tradução proposta: Ao mais raro desejamos que cresçaQue a rosa da beleza nunca morraMas o fim do maduro é que apodresçaSó o doce herdeiro evita que isto ocorraMas tu, que só aos teus olhares atentaAlimenta a ti com teu próprio serPassando fome onde abundância assentaA ti mesmo hostil sendo sem saber.Tu que já do mundo é fresco ornamentoDa primavera único mensageiroEnterra em botão teu contentamentoDesperdiça em acumular dinheiro. Apiede-se do mundo, ou se é sem fé: Come o que do mundo por direito é.  Soneto XVII Who will believe my verse in time to comeIf it were filled with your most high deserts?Though yet heaven knows it is but as a tombWhich hides your life and shows not half your parts.If I could write the beauty of your eyesAnd in fresh numbers number all your graces,The age to come would say, `This poet lies: Such heavenly touches ne’er touched earthly faces.’So should my papers, yellowed with their age,Be scorned like old men of less truth than tongue,And your true rights be termed a poet’s rageAnd stretched metre of na antigue song: But were some child of yours alive that time, You should live twice, in it and in my rhyme. Tradução: Jorge Wanderley Quem crerá nos meus versos algum dia,Se tanto louvam tuas qualidades?Mas sabe o céu que são a tumba friaA te esconder a vida e só a metadeDizem de ti. Se teus olhos, somente,Ou tuas graças todas eu cantasse,

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O futuro diria: “O poeta mente,Que o céu não toca assim humana face.”E então os meus papéis já desbotadosSeriam - como velhos falastrões - Encarnecidos e os teus dons deixadosNo esquecimento de banais refrões: Mas terás, se um teu filho viver tanto, Dupla vida: no filho e no meu canto.  Tradução: Ivo Barroso Um dia crer nos versos meus quem há-deSe eu neles derramar teus dons mais puros?No entanto sabe o céu que eles são murosQue a tua vida ocultam por metade.Dissera o que de teu olhar emana,Teus dons em nova métrica medira,Que acharia o porvir então: “Mentira!Tais tratos não retratam face humana.”Que mofem pois deste papel fanadoQual de velhos loquazes, e a teu enteChamem de pura exaltação da menteE a meu verso exageros do passado. Mas se chegar a tua estirpe a tanto, Em dobro hás-de viver: nela e em meu canto. Tradução proposta: Quem crerá em meu verso na era futuraSe ele é cheio de tua mais alta verdadeMas ainda assim é amostra impuraQue de tua vida mostra só a metade.Se eu pudesse pintar teu olhar brilhanteE em números tuas graças enumerasseA era futura diria: o poeta menteTais tons nunca tingiriam humana faceEntão, meus papéis amarelecidosSeriam tratados como de um caducoTributos vão de furores perdidosExageros em versos de um maluco Mas se ainda algum dos teus vivesse então Viveria duas vezes, nele e em canção   

Bibliografia SHAKESPEARE, William. “30 Notetos”. Tradução: Ivo Barroso. 1991. Editora Nova Fronteira._______________. “Sonetos”. Tradução: Jorge Wanderley. 2a. Edição. 1991. Civilização Brasileira.   

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SHAKESPEAREDaquelas belas criaturas

retorno ansiamos,

A que suas belezas nunca morram

E quando cair do tempo o Outono

Guardemos sua herança na memória.

E Tu, que só teus belos olhos amas,

Te alimentas apenas de tua própria chama

E produzes fome onde abundância existe

Por que  teu suave ser é  tão adverso?

Pois és do mundo agora o ornamento

És o único cantor da primavera

E recusas em ti o teu contentamento

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Egoísta da natureza que há contigo

Do mundo não tens piedade, nem lamentas

Se colher no chão do túmulo o que te foi servido

(trad. Rogel Samuel)

TRADUZIR SHAKESPEARE

Rogel Samuel

Canta o texto original de Shakespeare:

From fairest creatures we desire increase, That thereby beauty’s rose might never die,

But as the riper should by time decease, His tender heir might bear his memory:

But thou, contracted to thine own bright eyes, Feed’st thy light’s flame with self-substantial fuel,

Making a famine where abundance lies, Thyself thy foe, to thy sweet self too cruel

Thou that art now the world’s fresh ornament And only herald to the gaudy spring,

Within thine own bud buriest thy content And, tender churl, mak’st waste in niggarding.

Pity the world, or else this glutton be, To eat the world’s due, by the grave and thee.

Foi traduzido por Ivo Barroso assim:

Dos seres ímpares ansiamos prole Para que a flor do belo não se extinga,

E se a rosa madura o Tempo colhe, Fresco botão sua memória vinga.

Mas tu, que só com os olhos teus contrais, Nutres o ardor com as próprias energias Causando fome onde a abundância jaz, Cruel rival, que o próprio ser crucias. Tu, que do mundo és hoje o galardão,

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Arauto da festiva Natureza, Matas o teu prazer inda em botão E, sovina, esperdiças na avareza. Piedade, senão ides, tu e o fundo

Do chão, comer o que é devido ao mundo.

A tradução de Manuel Mújica Láinez é:

De los hermosos el retoño ansiamos para que su rosal no muera nunca,

pues cuando el tiempo su esplendor marchite guardará su memoria su heredero. Pero tú, que tus propios ojos amas,

para nutrir la luz, tu esencia quemas y hambre produces en donde hay hartura,

demasiado cruel y hostil contigo. Tú que eres hoy del mundo fresco adorno,

pregón de la radiante primavera, sepultas tu poder en el capullo,

dulce egoísta que malgasta ahorrando. Del mundo ten piedad: que tú y la tumba,

ávidos, lo que es suyo no devoren.

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FOTOGRAFIA Rogel Samuel

Foi num sebo novo, aonde nunca tinha ido. No Catete. Em frente aqueles prédios da Primeira República. Em frente ao Palácio. Aquele palácio tinha sido a casa do Barão de Nova Friburgo, que tinha fazendas de café. Em Nova Friburgo visitei, também, sua casa. Num parque belíssimo. No sebo encontrei uma pilha de revistas "Fotoarte". Era uma revista dirigida por Francisco Aszmann, um dos maiores fotógrafos do mundo de sua época. Um dos mais premiados no mundo inteiro. Ele foi meu professor de fotografia, e muito do que eu (pouco) sei de como ver um quadro se deve a ele. Eu comecei a buscar o que procurava: a fotografia "Bois", que eu já conhecia, e que sabia que estava num daqueles números. Eu conhecia detalhes da foto, e de como Aszmann a tirara. Ele contara numa das aulas que tinha ficado horas à espera da manada que entrava numa estreita ponte. Tirou a foto e pulou da ponte pela ribanceira de dez metros, na Hungria. A foto ficou anos esquecida, porque o boi da direita estava ligeiramente desfocado: um crime para os padrões estéticos daquela época. Mas em 194....., o conceito mudou e Aszmann pode ganhar todos o títulos com uma única foto. Um dia eu ganhei um prêmio de fotografia. Era uma competição coletiva, na ABAF, no Rio. Eu lecionava no subúrbio carioca e tomava o trem, pela manhã. Ia com a câmera. Eu só andava com ela. A tiracolo. Em plena Central do Brasil comecei a fotografar uns garotos de rua, com tele-objetiva. Um deles tinha um tampão branco, no olho, de esparadrapo. Quando revelei a foto, a criança aparecia angustiada, atrás de uma monstruosa coluna (que na realidade era um vão do prédio da Central), e por trás estava, desfocado, o grande edifício do Quartel Geral das Forças Armadas. Ameaçador. Não deu outra: tirei o primeiro prêmio - estávamos em plena ditadura militar, e aquele menino sujo esmagado num canto virou o maior símbolo. Minha foto fez sucesso. Mas eu a perdi, pois era um diapositivo colorido. Aprendi com Aszmann, o menino estava no "ponto ouro" do quadro (o canto inferior esquerdo). O Brasil, que hoje tem Sebastião Salgado, já teve Francisco Aszmann, o professor. Abandonei quase completamente a fotografia, hoje. Talvez porque se tornou uma arte cara. Mas principalmente porque já não tenho tempo nem laboratório em casa. Fazíamos em casa as fotos em preto-e-branco. Um dia, talvez, vou partir para a foto digital. Veja a foto: http://www.geocities.com/rogelsamuel/aszmann.html

O piano Rogel Samuel

Sim, Guiomar Novaes foi uma das melhores pianistas do Século XX e da minha infância. Quando a Philips estava elaborando a coleção "Grandes Pianistas", tentou inclui-la, mas esbarrou no problema da baixa qualidade das gravações da Vox dos anos 20. Nelson Freire possui o Steinway que pertenceu à grande dama. Segundo Freire, que está na

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coleção - o único brasileiro na coleção - além de Guiomar, outros brasileiros/as poderiam estar incluídos. Como Magdalena Tagliaferro e Jacques Klein. Sou vizinho de um, Arthur Moreira Lima. Quando eu era menino acordava com a vizinha tocando Chopin. Não tocava mal. Meu pai foi meu primeiro e último professor de piano, que não toco. Desde cedo não toco, ouço. Gosto de ouvir e sonhar. Sonhar é voar na imaginação das paisagens sonoras. Não posso imaginar como seria um mundo sem música. Não seria meu mundo. Não seria silencioso, pois o silêncio também é música. Meu pai viajava pelos grandes rios da Amazônia e me levava com ele. Às vezes, entrava num lago, ancorava, e ali passava a noite, ao abrigo de alguma tempestade. No Amazonas se chamava aquilo de lago, que se entrava por um "furo", ligado ao grande Rio. Havia pássaros monstruosamente belos como deuses coloridos, bailando entre as grandes árvores sagradas. Antes da noite cair completamente, meu pai subia no teto da lancha e tocava violino. O silêncio era tão que o violino soava nas estrelas. Certa vez, ele viajou muito tempo com um adolescente meio índio, que fazia de marinheiro. Durante aquele tempo ele estudava, diariamente, e durante várias horas por dia, certa música de Bach. Muitos anos depois, um dia ele chegou num vilarejo onde havia uma festa com alguns músicos tocando. Um dos músicos se aproximou dele e perguntou: "Sr. Samuel, o senhor não se lembra de mim?" Era o jovem marinheiro. "O Sr. ainda toca aquela musiquinha?" e o homem tocou maravilhosamente Bach ao violão... Tenho tudo que posso de Guiomar Novaes. Os melhores discos são com Kemplerer. Ela fez sucesso naquela época de ouro da música mundial. Estavam todos vivos, os grandes: Rubinstein, Schnabel etc. Minha amiga U.A. diz que minhas crônicas são "crônicas de saudade de Manaus". Ela me mandou um poema sobre seus 70 anos. Tomei um susto: não podia acreditar. Sim, havia muitos discos de Guiomar Novaes na minha infância. Assim como Bidu Sayão, cantando o terceiro poema de "La bonne chanson", de Verlaine, que um dia traduzi livremente assim: A lua branca luzir no bosque de cada ramo parte uma voz sob a folhagem...

Ó bem amada.

Lago reflete profundo espelho a silhueta do colmo negro o vento chora...

delírio, é a hora.

vasta e macia tranqüilidade sente descer

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do firmamento o astro irisa...

estranha é a hora.

------------------------------------- Pela cidade Rogel Samuel Caminho pela calçada. Atravesso a rua. Desço no Metrô. Todo Metrô se parece. O do Rio não é triste. Nem lúgubre, como o de Paris. Parece o de Frankfurt. No percurso encontro meu amigo H. Não o via há anos. Físico e filósofo, ex-companheiro da FNFi. Estudamos juntos, depois trabalhamos no Colégio Estadual Amaro Cavalcante. "Tenho traduzido a Metafísica de Aristóteles do grego", ele diz. É verdade. Professor aposentado. Mal vestido. Mal-tratado. Vive da aposentadoria. Sempre foi assim. Nunca conseguiu uma conexão prática com a vida. Por isso penso como eram bons os antigos mecenas. Há gênios que não podem viver sem mecenas. Meu amigo foi um deles. Conversamos sobre Carneiro Leão, sobre Kant. Ele lê Kant em alemão, Gorki em russo, etc. Nunca soube ganhar dinheiro. Anda feito mendigo. Conheci muita gente assim, na minha geração. Um dia, encontrei Anísio Teixeira e me dirigi a ele, pensando que fosse o porteiro da Faculdade. Foi a primeira pessoa que encontrei, no Rio. Anísio foi meu professor de Filosofia da Educação. O único professor que, após as aulas, recebia palmas da classe. Nunca vi isso nem antes. Nem depois. A última aula, já cassado, foi sobre o conceito de liberdade na educação. Naquela faculdade assisti a Álvaro Vieira Pinto. Havia efervescência cultural para a vida, na minha geração. Mas o mundo em que vivíamos desapareceu em 64. No Metrô, conversamos sobre Carneiro Leão e sobre Heidegger. A conversa seria interminável, se tivéssemos tempo. Adoro conversar. Continuo minha caminhada para Botafogo. Caminho pela Voluntários da Pátria. Há muito barulho. Entro numa velha loja de disco. Compro, usado, o CD da Sinfonia 9 de Schubert, a "grande", na magnífica interpretação de Solti, que já conheço. Georg Solti fez melhor do que Bernstein. Solti é um dos grandes maestros, como Hermann Scherchen, como Mravinsky. Mais adiante, na calçada, um sebo. Encontro um livro de Barthes, que me custa CR$ 2,00. Continuo pela Marquês de Caravelas. Entro no Aurora. Está vazio. A noite vai cair. Peço uma caipirinha e me ponho a ler Barthes. Ninguém me importuna. Estou, como num café parisiense, onde é bom para ler. Onde é bom estar só, consigo mesmo. Parece que nós, brasileiros, não agüentamos a solidão. Uma pessoa só, num bar, é olhada com desconfiança. Ou pior: com pena. Uma vez fui encontrado por uma amiguinha num bar que foi logo disparando: "coitado, sozinho". Tive de engolir, mas desde então jurei para mim mesmo (e para minha amiga Annie Girault) que ainda vou morar em Paris. Nem que seja numa mansarda no norte da cidade, onde tão barato é viver. Mas o Aurora é um velho bar. Tem cem anos. O livro, que já li, se torna maravilhoso, ali. Outro dia fui à Adega Flor de Coimbra, na Rua Teotônio Regadas, na Lapa. No mesmo lugar morou Portinari. Ao lado, a Sala Guiomar Novaes,

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atrás da Sala Cecília Meireles. Era freqüentada por Villa Lobos, Manuel Bandeira. Na Sala Guiomar Novaes estão as "mãos", em bronze, da pianista. Constato que eram bem pequenas. Quem toca é uma pianista que, famosa, não sei dizer. Às vezes é boa. Às vezes é "dura". Na minha frente estava um agradável senhor, com quem converso antes do concerto, sobre a iluminação, o apagão etc. No programa havia uma certa "Terceira balada", de J. A. Almeida Prado, primeira audição mundial. Foi o melhor do programa. A balada era uma improvisação livre sobre o tema da música banal: "Parabéns para você". Depois vi que o autor era aquele agradável senhor com quem conversei sobre banalidades. Na volta não pude ir pela calçada e entrar no Metrô, como gostaria. A noite tinha caído.

------------------ Carta recebida: Prezado Rogel, Há algum tempo, C, grande amigo, falou-me de seu site e chegou a enviar-me algumas crônicas. Outros amigos e colegas de trabalho também o fizeram. Por razões de mudança de cidade e de provedor, deixei de receber notícias e crônicas de seu site. Em julho, recebi uma crônica, através de um amigo, e fiquei imensamente tocada. Nasci em S. João del-Rei, sob os cheiros dos romaninhos, incensos e toques de sinos. Fiquei a pensar sobre o olhar de luto, os mistérios, as paixões e a dor que, desde criança, tomavam conta dos meus sentidos. Gostaria que você soubesse que suas palavras me tocaram visceralmente...

Onças Rogel Samuel Alencar é cinematográfico. Estou relendo "O guarani". O livro começa por um "fio d'água". Alencar seduz pela leveza. Logo aparece uma cena "impossível": Peri caça uma onça preta com as próprias mãos. Perto de Manaus vivia um caboclo, caseiro meio índio, forte como touro selvagem. Certo dia uma jaguatirica, também chamada "gato do mato", do tamanho de um cão, caiu na armadilha para paca. O animal ficou entrelaçado de cordas pelo corpo, mal podia mover-se, mas arrancou-se dali. Ele ouviu aquilo, foi lá com a filha pequena. A onça conseguiu pular sobre a menina. Mas o animal estava de costas, entrançado de cordas. Ele o pegou para estrangular. Quando chegaram outros homens a onça estava ainda viva e, com as unhas da única pata livre, cortava o inimigo que quase morreu. Em Alencar, Peri enfrenta a onça preta. As onças pretas estão em extinção. Famosas. Na minha época só existiam no Norte. Meu amigo A., que viajou 40 anos pelo Amazonas, só encontrou uma, ele descendo um igarapé estreito, motor quase em silêncio, sobre um tronco de árvore caída, ao sol, ela. Deu marcha a ré. O animal voltou-se, soberano. Olhou com desprezo, voou como um pássaro, atravessou a margem. Conheci um "matador" de onças, velhote magro, vivia daquilo, no Careiro, perto de Manaus. Amarrava um porco, subia na árvore, ficava na espera. Nesta época digital estou relendo Alencar e falando de onça. Alencar é a Mata Atlântica. Alencar organiza a estória como a história do Brasil, que sai

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de sua obra inteira. Sente a floresta, que ele conheceu bem. Sem não me engano, ele veio, por terra, do Ceará ao Rio de Janeiro. Naquela época, uma epopéia, uma caminhada digna da coluna Prestes. Lula também fez a caminhada da cidadania assim. Meu amigo NL viajou com Lula pelo interior do Amazonas. Marta estava lá, também. Mulher bonita, a Marta. O guarani, ópera, filme, medieval, com direito a castelo, cavaleiro (Peri), donzela, rei. Alencar escrevia para o jornal, os romances saíam em seriados. Ele amava esse país de índios, negros e portugueses. É um escritor brasileiro. Veio, por terra, do Ceará ao Rio de Janeiro. Como Prestes. Minha amiga NG ficou furiosa com Lula porque em Manaus preparou-lhe um almoço com as próprias mãos e depois de comer Lula foi agradecer à cozinheira: "Companheira..." E deu-lhe um abraço. Ela é escritora, mas gosta mesmo é de ser elogiada na cozinha. Se você for almoçar lá e não elogiar a comida ela entra em depressão. Ou fúria. Seu livro x. está sendo traduzido na França. Prestes eu conheci, já muito idoso, em conferência no Fundão. Brizola também. Logo que voltou do exílio, em Nova Iguaçu. Brilhante orador, abriu e fechou o congresso do PDT. Voz metálica, imagem exata e exaltada. Conheci Juscelino, na Faculdade de Filosofia. E Lacerda. Só me faltou D. Antonio de Mariz, pai de Cecília.

--------------- NY Rogel Samuel

Não. Nunca fui a New York. Nem quero falar de terrorismo, aqui. Só o Aeroporto conheço. A última vez que passei foi no ano passado. Vinha de Portland. Sobrevoamos NY. À minha direita, a bela paisagem, estátua da liberdade e torres do World Trade Center. Sobrevoávamos. É bom não confundir terrorismo, com islamismo, como se tem feito. Mas não quero falar disso. No "day after", TV ligada. Ontem vendo a TV. Naquela noite, junto que meu amigo CL, que deve estar lendo em São João del Rey, o fim do governo militar, num bar do Catete. Comemorávamos. Não cantávamos, mas bebíamos e comíamos, que beber e comer é comemorar, prazeres humanos antes da morte. Cheguei em casa, feliz e bêbado de felicidade, ligo TV e rádio ao mesmo tempo, atrás de notícias. Tancredo no hospital. Passei a noite vendo aquele repórter da globo que depois virou governador. O dia nasceu, transcorreu. Tenho paixão pela reportagem. Fui repórter bem jovem, em Manaus, aos dezessete anos. Jornalista de coração. Tenho na carteira registro, ainda. Não sei para que serve, hoje. Jornal se fazia de madrugada. Podia ter feito carreira, trabalhei na TV Rio, no Posto Seis. A vida é um caminho ao inesperado. Ao desconhecido. Que buscamos? "Que é viver? Permanecer, ou passar?" Não quero falar de New York, cidade que não conheço, prédios que nunca vi. Fazia frio de madrugada. Espero que, neste sábado, não esteja passando o filme: "O império contra-ataca". Prefiro voltar à leitura de Alencar, que leio a conta-gotas. Melhor voltar a falar de Manaus, de Bach, Beethoven. Chega de tragédia! Meu medo não é do terror, mas da reação americana, sempre exagerada. Está todo mundo falando em ódio, em vingança. "O ódio não

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cura o ódio", diz um provérbio budista. "Cura-se o ódio com amor". Buscam-se culpados fora. Às vezes estão dentro de nós. No nosso coração. Mas é melhor hoje relaxar, que a crônica, bem ou mal, está escrita. Ufa! Arafat doando sangue significa "nós temos dado o nosso sangue na guerra para defender a existência do Estado Palestino". O sangue dos inocentes não justifica o sangue dos inocentes. Se os Estados Unidos forem à guerra, terão caído na armadilha preparada pelos terroristas. É isso exatamente o que eles querem: a guerra. Esses aviões-bombas atingiram a todos nós, de quaisquer nacionalidades, que sonhamos com a paz. Diante de toda essa desgraça tenho voltado a um longo poema, escrito em 1963, que nunca publiquei, porque nunca julguei acabado, mas alguns versos transcrevo: sensação de que tudo estava excluído para quando entrou experimentou logo a solidão daquele espaço vazio atravessando a área descobriu no outro o lado o disfarce a saída que apontava uma estrada que partia sempre ninguém passa por aquela estrada só os inúteis demônios descortinava o vale as grandes montanhas além morcegos de vento passavam por ali idos musguentos estrídulos chiados estilhaços quebravam o ar seus gritos suas negras asas cobrem o sol a lua estrelas ouço o trinar grave e reto de certas aves ocultas travo rouco baixo e grave um monstro, seu arquejar forte seu resfolegar abre um túnel de torpor e medo as abas da morte se abrem par em par e rolando aquela parte se postou para frente, oh estrada! quando vinha soturno a triste impressão que navegava a luz da morte seus faróis naquela parte obscura e perdida onde ocorria tudo chamado vento sangue não sei o quê.

QUE MAIS?

ROGEL SAMUEL

Quem é? É Bernstein regendo a Eroica de Beethoven. Ele tem momentos de suprema glória, de ânimo, de certeza, fazendo tudo girar à sua volta como num balé de invisível e arrebatadora revolução. Todo Beethoven revolucionário está ali, dança e avança, a Eroica, a primeira obra romântica da história de todas as artes. Comecei a ouvi-la cedo, numa gravação que hoje começo a pensar em procurar. Sei de um sebo que a tem. Volto do teatro. No Rio faz 15 graus. No dia anterior, tivemos a orquestra do Mozarteun de Salzburgo. Na quarta, a cravista suíça

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Christine Daxelhofer tocou para uma sala quase vazia. Ingressos a dez reais. O "Tokyo Ballet"foi impressionante. A " Kabuki Suite", de Toshiro Mayuzumi foi extraordinária. A estória está entre a tradição e a influência ocidental. A música, bela, muito influenciada por Stravinky. Hoje saio de um show de D. Ivone de Lara, no Teatro Rival, que faz 67 anos, o teatro. Ela é uma excelente sambista. Pena que o som estivesse errado: não ouvi uma palavra do que ela cantava. O som, alto e desgastante. Karajan dizia que, numa ópera, todos tinham de entender as palavras. Não apenas as notas. A vice-governadora Benedita estava lá. Vejo o vídeo: Bernstein, possuído do ritmo. Seu biógrafo diz que, durante quase dez anos em que regeu a Filarmônica de NY, só recebeu críticas. Dali saiu para a de Viena, onde fez suas melhores gravações. Por que a crítica é sempre burra? Bernstein foi colega do nosso Eleazar de Carvalho, que de certo modo o superou na sucessão de Serge Koussevitzky. Mas dizem que Bernstein foi preterido devido à peculiaridades de sua vida privada que não importa aqui. De Carvalho fez brilhante carreira nos Estados Unidos e no Brasil. Eu o ouvi diversas vezes. Eleazar e Bernstein herdaram do professor Koussevitzky o tipo de regência dramática, dançante. E a mania de falar ao público. De dar aula, antes do concerto. O anel de ouro, que Bernstein usava, pertencera a Serge Koussevitzky. Eleazar dançava xerém no pódio. Ele veio do sertão. Foi marinheiro. É pena que as nossas orquestras fossem tão ruins, naquela época, e que ele estivesse sempre apoiado pela direita. Como Villa Lobos, apoiado por Getúlio. Naquela época podia-se ouvir Jacques Klein, que morreu aos 48 anos. Klein fazia algumas caretas ao tocar certos trechos, como se não tivesse satisfeito consigo mesmo. Bernstein gritava ao reger. Como se estivesse morrendo. A época dos grandes maestros acabou. E Bernstein foi um extraordinário músico, claro e intenso. Como Toscanini: fale-se o que quiser, mas a sua regência era precisa, clara, e ele era um homem desprovido de vaidade, pura música. Recebeu críticas mordazes de Furtwängler: "faltam as pequenas nuances", diz, a propósito da "Leonora" de Beethoven. Chega a chamar o mestre Toscanini de "ignorante naïve". Diz que a música de Toscanini não é "orgânica" - e ele estava tratando da "Eroica". Diz Furtwängler que Toscanini só conhece duas coisas: "tutti e aria" - e o pior é ele tem razão. "É uma maneira de agir verdadeiramente primitiva". Argumenta que ele é "exagerado, sentimental e homófono" e que "faz de seus defeitos uma virtude". "Ao inverso de Nikisch, ele não tem talento manual inato, mas sabe fazer uma consumação gigantesca do espaço, do que resulta que seus tutti são todos parecidos". Diz que ele é "um grosseiro mal-entendido", é só "um culto da personalidade", e seu sucesso deriva da sua personalidade. Mas "seu sucesso é funesto, pois atinge até os alemães" etc. [L'órchestre: des rites et des dieux, Mutations. Paris, Mai 1988]. Enfim... e a guerra? Sobrevoei a cidade e fiquei no Aeroporto de Karachi, vindo de New Delhi, e quis muito conhecer um lugar como aquele. Era uma cidade de outro mundo. Nosso avião foi invadido por jovens rapazes que limparam o avião andando de quatro por entre as cadeiras com escovas nas mãos como se fossem quadrúpedes. Não olhavam para cima, para nós, passageiros, como se fôssemos de uma classe social tão suprema que só lhes era permitido rastejar entre nossas pernas. E

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estávamos num avião da KLM. As casas eram baixas e brancas, quadradas como caixas. Havia um deserto cinzento ao redor. Depois entrou um casal idoso, ela, uma senhora ricamente vestida, exageradamente cheia de jóias. Ele, num terno aprumado, anelão no dedo. O contraste entrara no avião. Fico imaginando um bombardeio ali. Por quê? Ou, como diria Hamlet: Que mais?

-------------- AS FLORES VESTIDAS DE BRANCO

ROGEL SAMUEL    

Na rua sou abordado. A mulher que me pede dinheiro. Geralmente nunca paro, nessas ocasiões. Eu vinha de um concerto. A Filarmônica do Rio de Janeiro, de Florentino Dias, que melhorou muito. Concerto pela paz, com distribuição de muitas flores brancas por moças vestidas de branco, como castas noivas e com a presença do cônsul americano e de sua família. Encontrei meu amigo C. no foyer. Conversamos sobre política e música. Falamos sobre Menininha Lobo, uma grande pianista brasileira. Digo: Cassar sempre me lembra os anos sessenta. O Congresso é o contrário das ditaduras. Ele não me compreende e se irrita, acha que defendo Jader. Vejo que nossa conversa se torna cada vez mais ácida e rapidamente me despeço, pois o concerto vai começar. O começo foi fraco, a Abertura "Salvador Rosa", de Carlos Gomes. Depois a orquestra foi ficando maior, foi "esquentando", e no fim apresentou uma Quinta Sinfonia de Tchaikovsky que emocionou. Conheço a orquestra desde o tempo do falecido amigo Nathanael Caixeiro. "Nata", violinista da orquestra, professor de filosofia e história, e tradutor. Traduzia de várias línguas. Tinha coleção de violinos. Mas era pobre, morava mal. O apartamento dava para um viaduto horrível, o Paulo de Frontin. Eu o conheci em Campo Grande, quando professor do Estado. Logo encontramos um ponto de apoio nas nossas conversas: a música. Nata também pintava, e muito bem. Assinava ironicamente "Petit-grand", porque era baixinho. Teve morte antológica. Um domingo cedo foi levar o cão para passear. Depois, como sempre fazia, ia praticar o violino, sentado na cama. Sua mulher foi fazer um café. Quando voltou, ele estava morto, segurava o violino e o arco, braços abertos na cama. Sou abordado na rua por mulher diferente, não exatamente mendiga, vestida de classe média baixa, uma viúva, ou abandonada pelo marido. Noto que suas mão tremem, pálidas. A rua deserta, me pede dinheiro, envergonhada de pedir. "Tenho de comprar comida pra minha casa", ela diz, e abre dois sacos plásticos de supermercado, onde posso ver bananas. "Não tenho mais dinheiro", diz ela, e começa a chorar. Parece doente. Suas lágrimas eram reais. Ela sofria. Via-se a pedir dinheiro e sofria. Soluçava para dentro, por sua desgraça. Os sinos, à distância, tocam. A desgraça, a fome. Lembrei-me de que, na Sala Cecília Meireles, tocou-se a "Valsa das Flores". Das

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flores brancas, alvas, puras, castas. Meu pensamento fugia, voava pelo espaço. Uma menina passou, sorrindo. Era como se estivesse vestida de branco. Sorriu. Sento-me no bar e me ponho a ler Alfonsina Storni:

               Tu me queres alva,                me queres de espuma,                me queres de nácar,                que seja açucena                mais casta que todas.                De perfume suave;                corola fechada.                Nem raio de lua                filtrado me toque.                Nem a margarida                seja minha irmã.                Tu me queres nívea,                Tu me queres branca,                tu me queres casta.

               Tu, que as taças todas                já tiveste à mão.                Os lábios corados                de frutos e mel.                Tu, que no banquete                coberto de pâmpanos,                as carnes gastaste                festejando a Baco.                Tu, que nos jardins                escuros do engano,                lascivo e vermelho                correste no abismo.

               Ó tu, que o esqueleto,                não sei por que graça                ou por que milagre                conservas intacto,                só me queres branca,                (que Deus te perdoe!)                só me queres casta,                (que Deus te perdoe!)                só me queres alva.

               Foge para o bosque,                vai para a montanha,                purifica a boca,                vive na humildade.                Segura com as mãos                a terra orvalhada.                Alimenta o corpo                de raiz amarga.

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               Bebe a água das rochas,                dorme sobre a geada,                renova os tecidos                com salitre e água.                Conversa com os pássaros,                lava-te na aurora.                E já quando as carnes                ao corpo te voltem,                e quando hajas posto                nas carnes a alma                que, pelas alcovas                ficou enredada.                Então, homem puro,                pretende-me nívea,                pretende-me branca,                pretende-me casta. (Trad. de Oswaldo Orico)

                 BILAC

ROGEL SAMUEL      

No primeiro verso do soneto "Aos sinos" diz Bilac: "Plangei, sinos! A terra ao nosso amor não basta..." Lembro-me de ter lido em Hannah Arendt que, em 1957, foi lançado o primeiro satélite, foi saudado com alegria, diz ela, como"o primeiro passo para libertar o homem de sua prisão na terra". Por que não gostamos da Terra? Por que a destruímos? "A Terra, diz, é a própria quintessência da condição humana" [A condição humana].                Cansados de ânsias vis e de ambições ferozes,           Ardemos numa louca aspiração mais vasta, Para trasmigrações, para metempsicoses! Entro em casa. Ouço a fita de Christopher Schindler. É a gravação do concerto de 15 de junho de 2000, Portland, a que assisti. Bilac atual, poderoso.                Cantai, sinos! Daqui, por onde o horror se arrasta,         Campas de rebeliões, bronzes de apoteoses,         Badalai, bimbalhai, tocai à esfera vasta!         Levai os nossos ais rolando em vossas vozes! Releio sempre Bilac. Os modernistas o odiavam. Tem momentos supremos. "Politicamente, diz Arendt, o mundo moderno em que vivemos surgiu com as primeiras explosões atômicas". Chris toca o "Tango", de Castro, um argentino. Depois arremete a "Sonata Dante", de Liszt, que busco no soneto "Dante no Paraíso":                      Enfim, transpondo o Inferno e o Purgatório, Dante                Chegara à extrema luz, pela mão de Beatriz:

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               Triste no sumo bem, triste no excelso instante,                O poeta compreendera o mal de ser feliz. As notícias do mundo vêm devagar, entram pela TV, de muito longe, como se de outro universo, lugar muito distante, cheio de guerras, miséria. Qual o "mal de ser feliz"? Elas penetram a sala de trabalho como penetra o fio de fumaça de um incenso. A terra ao nosso amor não basta... Fio de fumo da "fragilidade dos negócios humanos". A Sonata de Liszt conta, como Carpeaux: "Meu Dante" - "Dante pode ter sido, diz ele, em vida, um homem intratável, irrascível e orgulhoso, convencido do seu direito de ser lembrado e venerado por todos os séculos. Mas essa pretensão enorme se reduz, afinal, à exigência de ser lido." Otto Maria Carpeaux foi nosso paraninfo, na Faculdade (a FNFi). Como era gago, seu discurso foi lido por um colega nosso. Atravessei a vida daquele tempo lendo seus artigos diários, no "Correio da Manhã". De tanto lê-lo, apreendi a técnica: Geralmente com quatro parágrafos. O primeiro era uma espécie de introdução. O segundo, uma tese, uma proposta, uma opinião. O Terceiro o inverso, o contrário. O quarto e último parágrafo, que era a conclusão, significava a superação da contradição. Assim, o ensaio, geralmente pequeno, era a dialética de um tema. “Todos os anos costumo reler a Divina Comédia inteira”, diz ele. Lembro-me bem, dele. Como me recordo da Universidade do Brasil. E do Reitor Pedro Calmon. Um dia, estudando na Biblioteca, senti que alguém estava atrás de mim. Era Pedro Calmon. Interessado no que eu estava lendo. Conversamos, ou melhor, ele falou. Calmon era homem extraordinário. Como eu tinha uns 19 anos e cara de menino, perguntou de onde eu era, como morava e vivia. Indagou se a comida do bandejão era boa (dizem que às vezes comia lá, nunca vi). Disse-me que se eu precisasse de qualquer coisa teria nele um pai. Deu-me seu cartão. Era homem imprevisível. (A terra ao nosso amor não basta...) Certa vez, vindo pela Cinelândia de carro, viu um policial espancando um "pivete". "Pare o carro!" e partiu contra o guarda, aos gritos: "Pare com isso! Pare com isso! Ele é apenas uma criança!" Vi-o numa das primeiras passeatas de estudantes. Ele apareceu sob estrondosa vaia. Queria fazer parar a massa, que rumava pela Rio Branco. Chorava. Tentava falar. "Não façam isso!" vociferava. "Não provoquem a reação! Vocês vão radicalizar!" Tinha razão, se viu depois. ("Campas de rebeliões, bronzes de apoteoses"). Anos depois fui seu vizinho, na Rua Santa Clara, Copacabana. Ele morava numa grande casa estilo (creio) normando. A esquerda sempre o desprezou, porque os presidentes da ditadura freqüentavam aquela casa. Quando ele morreu, os jornais não deram uma linha, exceto o que saiu no obituário. Mas ele vinha de longe, como se diz. Foi Ministro da Educação (1950-51). Sua "História do Brasil" em 7 volumes era citada por gente como Roberto Simonsen, que diz na "História Econômica do Brasil" se baseou em Euclides, Afrânio Peixoto, Gilberto Freire e Pedro Calmon para "fixar o valor do nosso homem, como fator de produção". Força de trabalho morena. Calmon foi um dos poucos convidados à cerimônia da coroação, na Inglaterra. Quando a rainha esteve aqui, meu amigo Don Kulatunga Jayanetti, monge budista do Sri Lanka, foi convidado por um embaixador asiático. Havia uma fila, para cumprimentá-la. Don parou a fila, Sua Majestade conversou com ele, revelou conhecimento e interesse budista. O Príncipe, seu

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esposo, continuou o diálogo, lhe disse ter feito um retiro de meditação Vipássana, no Ceylão. Mas...

Ma la notte risurge e oramai é da partir, ché tutto avem veduto.

ALÉM DO AFEGANISTÃO

ROGEL SAMUEL

A ameaça nos ronda. É falta de poesia. Eu vinha pela Tiradentes, passo pela Rua Luiz de Camões, esquecida. Depois, a Travessa das Belas Artes. Lá, só poucas mulheres ("da vida"), decadentes. Esperam fregueses, à luz do dia. A seguir, o Beco do Tesouro. Nada mais pobre. "Proibidos beijos ousados", está escrito no cardápio da Adega Flor de Coimbra. Em sonhos, no meio do conflito. Estresse de notícias. Estamos assistindo ao fim da Internet, como espaço livre de opinião, sem limites. A censura vai acabar com a webcultura. Marca o fim da vida e arte virtual. Nasce a desconfiança, a incerteza. Vamos nos entocar nos redutos, voltar à civilização do papel, um estágio anterior ao micro: Fim do digital público (melhor para mim, pois só assim paro de escrever essas crônicas e me dedico a terminar, antes de morrer, os livros que tenho na gaveta). Restritos são "os beijos ardentes". Lembro-me de um soneto de Olegário Mariano, que não está nas suas "Obras Completas" e que começa: "As coisas boas da vida, tu podes ter sem comprar". Há os versos do poeta indiano antigo Shantideva, que dizem:

Quaisquer flores e frutos que haja, Quaisquer tipos de ungüentos, Tudo o que é precioso neste mundo, E todas suas puras águas refrescantes.

Montanhas de pedras preciosas, e assim, As solitárias florestas, a alegria calma, Árvores brilhantemente adornadas com flores, Os ramos pesados de excelentes frutos.

Lagos e lagoas adornadas de lótus, Gansos selvagens que enchem o céu Com gritos tão bonitos— Tudo o que não tem posse neste vasto universo.

Tendo tudo isso em mente, eu ofereço Para você e seus descendentes; Por pura e grande compaixão Amavelmente aceite este presente.

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Eu sou pobre e não tenho nenhuma riqueza, Eu nada tenho mais para oferecer, Assim por esta intenção amável pelos outros, Aceite também isto por mim.

Depois de velho, recolho-me ao sofá, acompanhado da novela da Globo "O Clone". A paisagem árabe pergunta: a emissora previu o 11 de setembro? A qualquer momento, no vídeo, vai aparecer Osama ao lado de Stenio Garcia. A música árabe diz "Allá al-wa ka-bá", que não sei como se escreve, ou Deus seja louvado. E Deus Salve a América. O meu amigo Kaled, hoje em Belo Horizonte, iniciou-me no Islã. Começou pela coalhada, com sal e azeite. A cordialidade árabe lembra o banquete que, em 1952, o filho do rei da Arábia Saudita Ibn Sa'ud ofereceu a Onassis: No Palácio de Riad havia dançarinos comedores de fogo, cantoras e músicos. E foi servido um camelo, que era "recheado" com um cervo, que era recheado com um carneiro e assim sucessivamente até que o recheio era uma pomba. 15 horas no forno, regado com óleos perfumados e ervas finas. Exige dezenas de robustos cozinheiros para poder virar o monstruoso assado, sempre no mesmo ritmo. Depois do repasto, Onassis deixou o palácio levando bons contratos comerciais assinados e duas maravilhosas espadas de ouro maciço, presente do rei (Cafarakis, "O fabuloso Onassis", p. 93). É certo que, para agradar ao rei, Onassis desembarcou com uma bagagem de presentes "capaz de encher dois andares das Galerias Lafayette", que distribuiu para o povo. Para o rei, jóias, ouro e pedras preciosas. Do rei também ganhou um casal de canários, que Onassis chamava de Caruso, e que viajava com ele pelo mundo, presente do Rei Ibn Saud. Onassis venceu os árabes com o charme, não deu um tiro. E transportaria todo o petróleo da Arábia através do mundo devido unicamente à elegância de seu trato social. Os dirigentes e generais do mundo moderno deviam aprender a ler como eu biografia e arte culinária, e não tratados de guerra. Seriam mais eficazes. "Deus criou apenas a água. Mas o homem fez o vinho", disse Victor Hugo, numa tabuleta da Adega Flor de Coimbra. O vinho faz esquecer, desarma os espíritos, as guerras. Diz o filósofo indiano moderno Krishnamurti: "Sem dúvida a crise atual é diferente. E diferente porque não se trata de coisas tangíveis, mas de idéias. Estamos disputando armados de idéias".

A MORTE NO ENVELOPE

ROGEL SAMUEL

A vida é breve. O Brasil não tem tradição de literatura policial. Outros gêneros literários sumiram, também. A nova poesia, os novos contistas, o novo romance. Falta mídia? Não acredito. Faltam editoras. Não faltam leitores. Coelho Neto escreveu 112 livros e 50 peças de teatro. Vida breve. Raquel de Queiroz ainda escreve (e muito bem) no "Estado de São Paulo". Pode ser lida pela Internet. "Por que os pássaros cantam?" Recebo um e-mail: "Caro R., o que é diferente em sua crônica é que ela

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se vai encadeando a partir de referências, sem fixar-se no tema inicialmente proposto. Você segue o fluxo labiríntico..." No tempo de Humberto de Campos, não havia e-mail. Ele recebia inúmeras cartas. Escreveu obra gigantesca, hoje desconhecida. "A morte no envelope" de Luiz Lopes Coelho vem à lembrança nos dias de antraz. Toda semana decido parar de escrever esta crônica. Mas recebo e-mail de gente importante que diz que leu e gostou. Ler já é muito. A literatura não morre no envelope, mas na estante. Coelho Neto e Humberto de Campos escreveram muito, como Camilo, um gênio, que ainda se lê com prazer. Estilo rápido, nervoso e elétrico. A grande massa da literatura morre, morreu, ou morrerá. Balzac escrevia por compulsão. Um dos mais bem sucedidos escritores do Brasil, Jorge Amado, produzia um bom livro a cada dois anos. Mas há autores de um livro só, como Manuel Antonio de Almeida. Assis Brasil escreveu (e continua escrevendo) mais de cem livros. Vive de literatura, produz romances, ensaios, antologias. É um mestre. A "Tragédia burguesa", de Otavio de Faria, tem quinze grossos volumes. Elogiada por Mestre Alceu, hoje desapareceu. Ele era excelente crítico de cinema. Tobias Barreto, dono de respeitável obra, não se encontra. Escreveu obras filosóficas importantes. Onde estão seus livros? Vida breve. Bach resumiu a "poética" de sua música na "A Arte da Fuga" (que contém o seu nome: si bemol, lá, dó, si). Conhecida um século depois. Mas A Arte da Fuga ficou incompleta. A última fuga não acaba; continua a rolar, sem fim. Vida breve. Infinita.

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DE LOS HERMOSOS EL RETOÑO ANSIAMOS Rogel Samuel

Daqueles belos seres a volta ansiamos, Pra que suas belas rosas nunca morram. Pois quando cair do tempo o Outono Guardemos sua beleza de memória.  

Manuel Bandeira parecia cansado, quando o vi. Festejo solitariamente 42 anos de poesia.  O primeiro poema foi publicado no dia 8 de fevereiro de l959, em O jornal, de Manaus. Não um poema que envergonhe muito, mas com os lugares-comuns da poética,  poetizando e repetindo o já lido. Mas poesia é o que [ainda] não existe...

Mas Tu, que só a teus tão belos olhos amas, Apenas te alimenta o próprio engano. E onde abundância existe colhes fome. Pois Tu, do mundo agora o ornamento,  

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Por isso, festejo silenciosamente 42 anos de poesia. Não triste, porém. Afinal, escrevi.  Publiquei. Andei em antologias. A Poesia, como a riqueza, não tem quem a quer? Há poetas que morrem sem a ver. Outros escrevem obras-primas.

Em ti sepultas teu contentamento. E da natureza egoísta que há contigo Piedade não tens do mundo e nem lamentas, Nem colhes do chão do canto o que te é devido. Que faz o poeta menor? "Relê as folhas que já foram lidas". Variação do já feito e lido. A musicalidade de Casimiro lembra Manuel Bandeira. "Hoje, amanhã e sempre...". Conheci-o bem velho. Morava em frente à FNFi. Fomos visitá-lo. Batemos à porta. Ele abriu. "Que vocês querem?", pergunta, com a voz nasal. Contamos quem somos etc. "Estou doente, não dá" - pede licença, fecha a porta. Creio que estava só. Havia um tapete oriental na parede, um vento gelado saía, vento de coisa velha, mofo. O vento gelado da morte. Vestia pijama de listas. Parecia cansado. "Hoje, amanhã e sempre / teu nome será para nós, Manuel / Bandeira". Manuel era próximo da morte. Diz Shakespeare,

From fairest creatures we desire increase, That thereby beauty’s rose might never die, But as the riper should by time decease, His tender heir might bear his memory: But thou, contracted to thine own bright eyes, Feed’st thy light’s flame with self-substantial fuel, Making a famine where abundance lies, Thyself thy foe, to thy sweet self too cruel Thou that art now the world’s fresh ornament And only herald to the gaudy spring, Within thine own bud buriest thy content And, tender churl, mak’st waste in niggarding. Pity the world, or else this glutton be, To eat the world’s due, by the grave and thee.

Traduzido por Ivo Barroso assim:

Dos seres ímpares ansiamos prole Para que a flor do belo não se extinga, E se a rosa madura o Tempo colhe, Fresco botão sua memória vinga. Mas tu, que só com os olhos teus contrais, Nutres o ardor com as próprias energias Causando fome onde a abundância jaz, Cruel rival, que o próprio ser crucias. Tu, que do mundo és hoje o galardão, Arauto da festiva Natureza, Matas o teu prazer inda em botão E, sovina, esperdiças na avareza. Piedade, senão ides, tu e o fundo Do chão, comer o que é devido ao mundo.

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Page 67: Sonetos de Shakespeare

A tradução de Manuel Mújica Láinez é:

De los hermosos el retoño ansiamos para que su rosal no muera nunca, pues cuando el tiempo su esplendor marchite guardará su memoria su heredero. Pero tú, que tus propios ojos amas, para nutrir la luz, tu esencia quemas y hambre produces en donde hay hartura, demasiado cruel y hostil contigo. Tú que eres hoy del mundo fresco adorno, pregón de la radiante primavera, sepultas tu poder en el capullo, dulce egoísta que malgasta ahorrando. Del mundo ten piedad: que tú y la tumba, ávidos, lo que es suyo no devoren.

                                  E a nossa tradução livre: Daqueles belos seres a volta ansiamos, Pra que suas belas rosas nunca morram. Pois quando cair do tempo o Outono Guardemos sua beleza de memória. Mas Tu, que só a teus tão belos olhos amas, Apenas te alimenta o próprio engano. E onde abundância existe colhes fome. Pois Tu, do mundo agora o ornamento, Solitário cantor da primavera, Em ti sepultas teu contentamento. E da natureza egoísta que há contigo Piedade não tens do mundo e nem lamentas, Nem colhes do chão do canto o que te é devido.

(Festejo, em grande estilo, com Shakespeare nesta crônica, escrita no dia 8 de fevereiro de 2001, esquecida na gaveta do micro da memória. Pela leitura, obrigado).

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Page 68: Sonetos de Shakespeare

Dos seres ímpares ansiamos prole

Para que a flor do belo não extinga,

E se a rosa madura o Tempo colhe,

Fresco botão sua memória vinga.

Mas tu, que só com os olhos teus contrais,

Nutres o ardor com as próprias energias

Causando fome onde a abundância jaz,

Cruel rival, que o próprio ser crucias.

Tu, que do mundo és hoje o galardão,

Arauto da festiva Natureza,

Matas o teu prazer inda em botão

E, sovina, esperdiças na avareza.

Piedade, senão ides, tu e o fundo

Do chão, comer o que é devido ao mundo.

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Page 69: Sonetos de Shakespeare

Shakepeare - Sonetos

Tradução: Ivo BarrosoDos seres ímpares ansiamos prole

Para que a flor do belo não extinga,

E se a rosa madura o Tempo colhe,

Fresco botão sua memória vinga.

Mas tu, que só com os olhos teus contrais,

Nutres o ardor com as próprias energias

Causando fome onde a abundância jaz,

Cruel rival, que o próprio ser crucias.

Tu, que do mundo és hoje o galardão,

Arauto da festiva Natureza,

Matas o teu prazer inda em botão

E, sovina, esperdiças na avareza.

Piedade, senão ides, tu e o fundo

Do chão, comer o que é devido ao mundo.

Shakepeare - Sonetos

Tradução: Ivo Barroso

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