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CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE COMÉRCIO E DESENVOLVIMENTO SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO 3.9 Medidas Sanitárias e Fitossanitárias NAÇÕES UNIDAS Nova York e Genebra, 2003

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CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE COMÉRCIO E DESENVOLVIMENTO

SSOOLLUUÇÇÃÃOO DDEE

CCOONNTTRROOVVÉÉRRSSIIAASS

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO

3.9 Medidas Sanitárias e Fitossanitárias

NAÇÕES UNIDAS Nova York e Genebra, 2003

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NOTA

O Curso de Solução de Disputas em Comércio Internacional, Investimento e Propriedade Intelectual compreende quarenta módulos. Este Módulo foi elaborado por Denise Prevóst, a pedido da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD). As visões e opiniões aqui expressas são da autora, e não necessariamente das Nações Unidas, da Organização Mundial do Comércio, da Organização Mundial da Propriedade Intelectual, do Centro Internacional para a Resolução de Disputas sobre Investimentos (ICSID), da Comissão das Nações Unidas sobre Direito do Comércio Internacional (UNCITRAL) ou do Centro de Consultoria em Direito da OMC. Os termos usados e a forma de apresentação do documento não implicam a expressão de nenhuma opinião por parte das Nações Unidas sobre o status jurídico de qualquer país, território, cidade ou área, nem de suas autoridades, ou sobre a delimitação de suas fronteiras ou limites. Nas citações de documentos oficiais e da jurisprudência de organizações e tribunais internacionais, o nome dos países é mantido em sua forma original. As Nações Unidas são titulares dos direitos autorais deste documento. O curso também está disponível, em formato eletrônico, no website da UNCTAD (www.unctad.org). Cópias poderão ser obtidas gratuitamente, por download, no entendimento de que serão usadas para ensino ou pesquisa, e não para fins comerciais. Solicita-se o devido reconhecimento desta fonte. A versão deste módulo em língua portuguesa foi feita por Leonardo Peres da Rocha e Silva, participante do Programa de Capacitação de Advogados da Missão Permanente do Brasil junto às Nações Unidas e outros Organismos Internacionais em Genebra.

Direitos autorais © UN, 2003 Todos os direitos reservados

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ÍNDICE Nota O que Você Aprenderá 1. Âmbito de Aplicação do Acordo SPS 1.1 Âmbito Substantivo de Aplicação 1.1.1 Definição de uma Medida Sanitária ou Fitossanitária 1.1.2 Medidas Discriminatórias e Não Discriminatórias 1.1.3 Efeito no Comércio Internacional 1.2 Âmbito de Aplicação Temporal 1.3 Aplicação a outros Órgãos que não o Governo Central 1.4 Relação com outros Acordos da OMC 1.4.1 O Acordo sobre Barreiras Técnicas 1.4.2 GATT 1994 1.5 Teste Sua Compreensão 2. Princípios Básicos do Acordo SPS 2.1 Direitos e Obrigações Básicos 2.2 Direito a Adotar Medidas Sanitárias ou Fitossanitárias 2.3 Limites ao Direito de Adotar Medidas Sanitárias ou Fitossanitárias 2.3.1 Teste de Necessidade 2.3.2 Base Científica/Prova 2.3.3 Prevenção contra a Discriminação Arbitrária ou Injustificada ou contra Restrição Disfarçada ao Comércio 2.4 O Objetivo da Harmonização 2.4.1 Medidas Baseadas em Padrões Internacionais 2.4.2 Medidas em Conformidade com Padrões Internacionais 2.4.3 Medidas que Resultam em um Elevado Nível de Proteção 2.4.4 Participação de País em Desenvolvimento na Definição de Padrões Internacionais 2.5 Teste Sua Compreensão 3. Obrigações em Relação à Análise de Risco 3.1 Aspectos do Processo Regulatório 3.2 Avaliação de Risco 3.2.1 Conceito de Avaliação de Risco 3.2.2 Fatores a Serem Levados em Consideração 3.2.3 Exigência de que as Medidas sejam “baseadas em” uma Avaliação de Risco 3.3 Gerenciamento de Risco 3.3.1 O Direito de Determinação do Nível Apropriado de Proteção 3.3.2 Minimizando os Efeitos Negativos ao Comércio 3.3.3 Prevenção contra Distinções Arbitrárias ou Injustificáveis que levam à Discriminação/Restrição Disfarçada ao Comércio 3.3.4 Medida Menos Restritiva ao Comércio 3.4 Medidas Cautelares e o Princípio da Precaução 3.4.1 Prova Científica Relevante Insuficiente 3.4.2 Baseada na Informação Pertinente Disponível 3.4.3 Obrigação de Obter Informação Adicional Necessária

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3.4.4 Revisão Dentro de um Período Razoável de Tempo 3.5 Teste Sua Compreensão 4. Outros Dispositivos Substantivos 4.1 Equivalência 4.1.1 Aceitação da Equivalência 4.1.2 Acordos Sobre o Reconhecimento da Equivalência 4.1.3 Importância do Reconhecimento da Equivalência para os Países em Desenvolvimento 4.1.4 Problemas de Implementação Enfrentados pelos Países em Desenvolvimento 4.1.5 Decisão sobre Equivalência 4.2 Adaptação a Condições Regionais 4.2.1 Fatores a Serem Levados em Consideração 4.2.2 Áreas Livres de Pragas ou Doenças ou Áreas de Baixa Predominância de Pragas ou Doenças 4.2.3 Obrigações para os Membros Exportadores 4.3 Teste Sua Compreensão 5. Dispositivos sobre Aspectos Institucionais e Procedimentais 5.1 Transparência e Notificação 5.1.1 Obrigações de Publicação e Notificação 5.1.2 Autoridade para Notificação 5.1.3 Centros de Informação 5.1.4 Explicação das Razões 5.1.5 Importância da Notificação para Países em Desenvolvimento 5.2 Procedimentos de Controle, Inspeção e Aprovação 5.3 Comitê sobre SPS 5.3.1 Fórum para Consultas 5.3.2 Papel Relacionado ao Processo Internacional de Harmonização 5.3.3 Revisão Periódica da Aplicação e Implementação do Acordo SPS 5.4 Solução de Controvérsias 5.4.1 Ônus da Prova 5.4.2 Padrão de Revisão 5.4.3 Peritos Cientistas e Grupos de Peritos para Revisão 5.5 Teste Sua Compreensão 6. Dispositivos Especiais para Países em Desenvolvimento 6.1 Reconhecimento das Limitações de Países em Desenvolvimento 6.2 Assistência Técnica 6.3 Tratamento Especial e Diferenciado 6.3.1 Preparação e Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias 6.3.2 Introdução Gradual de Medidas 6.3.3 Período Razoável de Adaptação 6.3.4 Exceções Limitadas no Tempo 6.3.5 Facilitação de Participação em Organizações Internacionais 6.3.6 Dispositivos Especiais sobre Notificação 6.3.7 Períodos de Transição 6.4 Teste Sua Compreensão 7. Estudos de Casos

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8. Leitura Complementar 8.1 Artigos 8.2 Relatórios do Órgão de Apelação 8.3 Relatórios de Painéis 8.4 Documentos e Informações

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O QUE VOCÊ APRENDERÁ O Acordo sobre a Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (Agreement on the Application of Sanitary and Phytosanitary Measures – SPS Agreement), comumente chamado de Acordo SPS, é um dos acordos da OMC que resultou da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais, que ocorreram de 1986 a 1993, sob os auspícios do GATT. O Acordo SPS está no Anexo 1A do Acordo de Marraqueche de Constituição da Organização Mundial do Comércio de 1994 (1994 Marrakesh Agreement Establishing the World Trade Organization) e entrou em vigor em 1º de janeiro de 1995. Este acordo foi negociado em conjunto com o Acordo sobre Agricultura (Agreement on Agriculture), já que os negociadores queriam assegurar que a liberalização alcançada a duras penas na negociação sobre agricultura no Acordo sobre Agricultura não fosse prejudicada pelo mau uso de regulamentos na área de saúde com objetivos protecionistas. Nesse sentido, o Acordo SPS cria disciplinas aplicáveis a medidas para a proteção da saúde e vida humanas e dos animais (medidas sanitárias) e da saúde e vida das plantas (medidas fitossanitárias) contra riscos certos e definidos. Ele objetiva equilibrar o direito dos Membros de tomar medidas para proteger, em seus territórios, a saúde de riscos contidos nos alimentos comercializados e nos produtos agrícolas, com o escopo de liberalização do comércio no setor de alimentos e produtos agrícolas. De maneira geral, o Acordo SPS objetiva reconciliar o livre comércio com preocupações legítimas com a vida e saúde dos homens, animais e plantas. O Acordo SPS dá especial importância para os países em desenvolvimento, muitos dos quais são exportadores de produtos agrícolas e dependem do acesso a mercados estrangeiros para a obtenção de muito de sua receita externa. Este Módulo fornece uma visão geral das disciplinas substantivas e procedimentais contidas no Acordo SPS e trata da jurisprudência dos painéis e do Órgão de Apelação da OMC em relação a este Acordo. Ele também dá atenção especial à posição dos países em desenvolvimento no Acordo SPS. O primeiro Capítulo deste Módulo trata do âmbito de aplicação do Acordo SPS e descreve a relação deste com outros acordos relevantes da OMC. Isto permitirá ao leitor identificar quando o Acordo SPS é aplicável a uma situação fática particular. O segundo Capítulo apresenta os princípios básicos do Acordo SPS, notadamente o direito dos Membros de adotarem medidas sanitárias e/ou fitossanitárias e as disciplinas básicas relacionadas ao exercício desse direito, bem como o objetivo de harmonização de tais medidas. O terceiro Capítulo examina as obrigações relativas à avaliação de risco que os Membros têm que cumprir quando resolvem impor medidas sanitárias e/ou fitossanitárias. Este Capítulo contém as obrigações na avaliação de risco e as disciplinas de gerenciamento de risco no caso de incertezas científicas. O quarto Capítulo trata dos dispositivos substantivos remanescentes do Acordo SPS, notadamente as regras para reconhecimento da equivalência e adaptação a condições regionais. O quinto Capítulo é dedicado às regras institucionais e procedimentais contidas no Acordo SPS, incluindo aquelas relativas ao papel do Comitê sobre SPS e aquelas que regem a solução de controvérsias no Acordo SPS, naquilo que elas diferem das normas gerais do mecanismo de solução de controvérsias tratadas nos Módulos 3.1 e 3.4. O sexto Capítulo aborda especificamente os dispositivos especiais para os países em desenvolvimento no Acordo SPS. Este Módulo é concluído com uma série de casos hipotéticos, destinados a testar o conhecimento do leitor e ilustrar a aplicação da teoria aprendida. Finalmente, algumas recomendações são feitas para leituras complementares.

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1. ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO ACORDO SPS Ao completar o estudo deste capítulo o leitor estará apto a: • identificar as circunstâncias nas quais o Acordo sobre a Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias, ou o Acordo SPS, é aplicável a uma situação fática. • explicar o que significa “medida sanitária ou fitossanitária” nos termos deste Acordo e ser capaz de determinar se o Acordo aplica-se a uma disputa particular. • entender a relação entre o Acordo SPS e outros Acordos da OMC relevantes nesta área. 1.1 Âmbito Substantivo de Aplicação Artigo 1.1 do SPS O Artigo 1.1 do Acordo SPS define o âmbito de aplicação do Acordo, quando prevê: Este Acordo aplica-se a todas as medidas sanitárias e fitossanitárias que possam direta ou indiretamente afetar o comércio internacional. Tais medidas serão elaboradas e aplicadas em conformidade com os dispositivos do presente Acordo. Nesse sentido, como mencionado pelo Painel em EC – Hormones, existem dois requisitos para a aplicação do Acordo SPS: que a medida questionada seja uma medida sanitária ou fitossanitária e que a medida, direta ou indiretamente, afete o comércio internacional.1 1.1.1 Definição de uma Medida Sanitária ou Fitossanitária Artigo 1.1 do SPS Nem todas as medidas destinadas a proteger a saúde pública são medidas sanitárias ou fitossanitárias para os efeitos do Acordo SPS. O artigo 1.2 indica o Anexo A do Acordo SPS para a definição dos termos usados no Acordo. O Parágrafo 1 do Anexo A define medidas sanitárias e fitossanitárias da seguinte forma: Qualquer medida aplicada: a) para proteger, no território do Membro, a vida ou a saúde dos animais ou das plantas contra os riscos decorrentes da entrada, estabelecimento ou disseminação de pragas, doenças, organismos portadores de doenças ou organismos patogênicos;

1 Relatório do Painel, EC - Measures Concerning Meat and Meat Products (Hormones) (“EC – Hormones”), reclamação dos Estados Unidos, WT/DS26/R/US, DSR 1998:III, 699, parágrafo 8.38; e Relatório do Painel, EC - Measures Concerning Meat and Meat Products (Hormones) (“EC – Hormones (Canada)”), do Canadá, WT/DS48/R/CAN, DSR 1998:II, 235, parágrafo 8.39.

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b) para proteger, no território do Membro, a vida ou a saúde das pessoas ou dos animais contra os riscos decorrentes dos aditivos, contaminantes, toxinas ou organismos patogênicos presentes nos alimentos, bebidas ou ração animal; c) para proteger, no território do Membro, a vida ou a saúde das pessoas contra os riscos decorrentes de doenças transmitidas por animais, vegetais ou por produtos deles derivados, ou da entrada, estabelecimento ou disseminação de pragas; ou d) para impedir ou limitar, no território do Membro, outros danos decorrentes da entrada, estabelecimento ou disseminação de pragas. As medidas sanitárias ou fitossanitárias incluem toda a legislação pertinente, decretos, regulamentos, exigências e procedimentos, incluindo, inter alia, os critérios relativos ao produto final; os processos e métodos de produção; os procedimentos para testes, inspeção, certificação e homologação; os regimes de quarentena, incluindo exigências pertinentes associadas com o transporte de animais ou vegetais ou os materiais necessários à sua sobrevivência durante o transporte; aos dispositivos relativos aos métodos estatísticos pertinentes, procedimentos de amostragem e métodos de avaliação de risco; e requisitos para embalagem e rotulagem diretamente relacionados com a segurança dos alimentos. Está claro a partir de tal definição que a questão se a medida está enquadrada ou não depende do seu propósito ou objetivo. De forma ampla, a definição cobre medidas destinadas a proteger homens e animais contra riscos à saúde encontrados em alimentos e a proteger homens, animais e plantas contra riscos de pragas ou doenças. Medidas relacionadas a outros riscos à saúde relevantes para o comércio internacional (como o banimento de produtos que contêm amianto) e medidas não diretamente destinadas à proteção da saúde, mas a informações ao consumidor (como o requisito de etiquetagem para vegetais crescidos biologicamente), não se enquadram na definição. Tais medidas não seriam, portanto, sujeitas às disciplinas do Acordo SPS, mas seriam tratadas segundo outras regras da OMC. Muito embora isso ainda não tenha sido objeto de solução de controvérsia, parece que o propósito de uma medida seria determinado de forma objetiva (por exemplo, examinando a formulação da medida, sua estrutura e desenho, e seu efeito), em vez de se tentar determinar o aspecto subjetivo da ação do Membro que impõe a medida. A determinação do aspecto subjetivo da ação do Membro teria como resultado não desejado a permissão de que um Membro deixasse de cumprir as disciplinas do Acordo SPS sob a alegação de que a intenção de sua medida não é uma daquelas que se enquadram na definição do Anexo A.1. Se a medida em questão tem um dos objetivos mencionados nos itens (a) a (d) da definição do Anexo A.1, é considerada uma medida sanitária ou fitossanitária para os efeitos do Acordo SPS, não importando a forma específica que ela tome. Isso consta da segunda parte da definição, que contém lista ampla, ilustrativa e não exaustiva de vários tipos de medidas governamentais que podem ser classificadas como medidas sanitárias ou fitossanitárias, desde critérios para produtos finais e requisitos de quarentena para procedimentos de certificação; a procedimentos para testes.

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É importante observar que a definição do Anexo A.1 refere-se expressamente à proteção da vida e da saúde dos homens, das plantas e dos animais dentro do território do Membro. Assim, medidas destinadas à aplicação extraterritorial de padrões domésticos de saúde são excluídas da aplicação do Acordo SPS. 1.1.2 Medidas Discriminatórias e Não Discriminatórias O âmbito de aplicação do Acordo SPS não é limitado a medidas sanitárias e fitossanitárias discriminatórias. Quando estavam negociando o Acordo SPS, os Membros perceberam que um teste baseado na discriminação não é suficiente para separar medidas sanitárias e fitossanitárias legítimas daquelas que têm objetivos protecionistas. É possível que uma medida que não discrimina, nem em princípio nem na prática, entre produtos domésticos e importados, tenha um impacto no comércio internacional; e, assim, sirva para proteger produtores domésticos da competição estrangeira. Por essa razão, as disciplinas do Acordo SPS alcançam tanto medidas sanitárias e fitossanitárias discriminatórias quanto não discriminatórias, que afetam o comércio internacional. É, portanto, possível que uma medida não discriminatória e, assim, em conformidade com o GATT 1994, viole o Acordo SPS. 1.1.3 Efeito no Comércio Internacional Artigo 1.1 do SPS O segundo requisito estabelecido no Artigo 1.1 para a aplicação do Acordo SPS é que a medida em questão afete direta ou indiretamente o comércio internacional. Prova empírica da redução no fluxo de comércio não é requerida. Basta demonstrar que a medida é aplicada a importações e pode ser presumido que há um impacto no comércio internacional. O requisito de efeito no comércio internacional deve, portanto, ser de fácil cumprimento e, de fato, não foi questionado em nenhum caso que tratou de medidas sanitárias e fitossanitárias até agora. 1.2 Âmbito de Aplicação Temporal O Acordo SPS entrou em vigor em 1° de janeiro de 1995. Nesse sentido, a questão que surge é se as medidas sanitárias e fitossanitárias existentes antes dessa data estão sujeitas aos seus dispositivos. Em EC - Hormones, as Comunidades Européias argumentaram que como o banimento à importação de carne bovina tratada com hormônios era anterior à entrada em vigor do Acordo SPS, o banimento não estava sujeito às disciplinas do Acordo SPS. Confirmando a decisão do painel de rejeitar esse argumento, o Órgão de Apelação decidiu que: Se os negociadores quisessem isentar o grande número de medidas sanitárias e fitossanitárias existentes em 1° de janeiro de 1995 das disciplinas de dispositivos tão importantes quanto às contidas nos Artigos 5.1 e 5.5, parece razoável a nós que eles teriam dito isso de forma explícita. Os Artigos 5.1 e 5.5 não distinguem entre as medidas sanitárias e fitossanitárias adotadas antes de 1° de janeiro de 1995 e as

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medidas adotadas desde então; o que significa que eles são aplicáveis aos dois tipos de medidas.2 Além disso, o Órgão de Apelação fez referência ao Artigo XVI:4 do Acordo da OMC que obriga os Membros a assegurar a conformidade das leis, regulamentos e processos com as suas obrigações contidas nos anexos dos Acordos3. Parece, portanto, que os Membros têm que rever as suas medidas sanitárias e fitossanitárias existentes à luz das novas disciplinas do Acordo SPS. 1.3 Aplicação a outros Órgãos que não o Governo Central Artigo 13 do SPS As disciplinas contidas no Acordo SPS não são apenas aplicáveis a medidas dos governos centrais. Nos termos do Artigo 13 do Acordo SPS, os Membros são totalmente responsáveis pela observância do Acordo SPS e são obrigados a tomar medidas eficazes para assegurar o cumprimento dos seus dispositivos por governos que não sejam os governos centrais. Além disso, os Membros têm que tomar medidas razoáveis para assegurar que entidades não governamentais em seus territórios e órgãos regionais, dos quais entidades relevantes em seus territórios sejam Membros, cumpram as regras do Acordo SPS. Os Membros só podem confiar nos serviços de entidades não governamentais para a adoção de medidas sanitárias e fitossanitárias se tais órgãos cumprem os dispositivos do Acordo SPS. Os Membros também não podem requerer nem encorajar os órgãos regionais, as entidades não governamentais ou os órgãos governamentais locais a agir de forma contrária ao Acordo.4 1.4 Relação com outros Acordos da OMC 1.4.1 O Acordo sobre Barreiras Técnicas Artigo 1.5 do TBT Durante a Rodada Tóquio de negociações comerciais foram dados os primeiros passos em relação ao tratamento do problema de barreiras não tarifárias ao comércio, na forma de regulamentos técnicos, com a conclusão do Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio (Agreement on Tecnhical Barriers to Trade), comumente conhecido como Código de Padrões (Standards Code). Este acordo não foi muito eficaz e foi, como resultado da Rodada Uruguai de negociações, substituído pelo novo Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio da OMC (WTO Agreement on Tecnhical Barriers to Trade – o Acordo TBT), que torna mais rígidas as disciplinas do Código de Padrões. O Acordo TBT é aplicado de forma ampla a regulamentos técnicos e padrões, inclusive aqueles que têm por objetivo a proteção à saúde. Contudo, na Rodada Uruguai de negociações, os negociadores viram que as medidas sanitárias e fitossanitárias mereciam regras especiais, separadas daquelas aplicáveis à categoria ampla dos

2 Relatório do Órgão de Apelação, EC - Measures Concerning Meat and Meat Products (Hormones) (“EC-Hormones”), WT/DS26/AB/R, WT/DS48/AB/R, DSR 1998:I, 135, parágrafo 128. 3 Ibid. 4 Este dispositivo foi aplicado no Relatório de Implementação, Australia – Measures Affecting Importation of Salmon – Recourse to Article 21.5 do DSU by Canada (“Australia – Salmon”), WT/DS18/RW parágrafo 7.13, com relação a uma medida do governo da Província da Tasmânia.

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regulamentos técnicos e padrões. Assim, um acordo separado, o Acordo SPS, foi concluído para tratar especificamente das medidas sanitárias e fitossanitárias. A importância em se determinar qual desses dois acordos é aplicável a uma medida particular está no fato de que as suas regras respectivas diferem, sendo que as regras do Acordo TBT são menos restritas que aquelas do Acordo SPS. Para que se defina qual dos dois Acordos é aplicável a uma medida particular, recorre-se ao artigo 1.5 do Acordo TBT, que diz: Os dispositivos deste Acordo não se aplicam a medidas sanitárias e fitossanitárias tais como definidas no Anexo A do Acordo sobre a Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias. Além disso, o Artigo 1.4 do Acordo SPS estabelece que nada neste Acordo irá afetar os direitos dos Membros nos termos do Acordo TBT com relação às medidas que não se enquadram no âmbito de aplicação do Acordo SPS. Assim, o Acordo SPS e o Acordo TBT são excludentes entre si. Se a medida enquadra-se na definição de medida sanitária ou fitossanitária do Acordo SPS, ela está sujeita às regras deste acordo com a exclusão do Acordo TBT, mesmo se a medida for também um regulamento técnico ou padrão conforme definido no Acordo TBT. Por outro lado, se a medida qualifica-se como um regulamento técnico ou um padrão e não é uma medida sanitária ou fitossanitária, aplica-se o Acordo TBT. O primeiro passo na determinação de qual é o acordo aplicável será definir se a medida em questão é ou não uma medida sanitária ou fitossanitária. Se for, não será necessário verificar se tal medida é também um regulamento técnico ou padrão para efeitos do Acordo TBT, tendo em vista que a medida não se enquadra no seu âmbito de aplicação. 1.4.2 GATT 1994 Artigo XX(b) do GATT Diferentemente do Acordo SPS e do Acordo TBT, o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (General Agreement on Tariffs and Trade - GATT) não é aplicável apenas a uma categoria de medidas determinadas, mas cobre todas as medidas relacionadas ao comércio de bens. Nesse sentido, ele é mais amplo na sua aplicação do que o Acordo SPS, que é aplicável somente às medidas sanitárias e fitossanitárias. Por outro lado, apenas medidas de saúde que são discriminatórias são incompatíveis com o GATT e se enquadram para serem examinadas sob a ótica do Artigo XX (b) do GATT, enquanto que o Acordo SPS alcança todas as medidas sanitárias e fitossanitárias, sejam elas discriminatórias ou não. Nesse sentido, o GATT tem um âmbito de aplicação mais restrito do que o Acordo SPS. Antes da entrada em vigor do Acordo SPS, os Membros poderiam impor e manter medidas incompatíveis com o GATT necessárias à proteção da vida ou saúde das pessoas, animais e vegetais, em função da exceção prevista no Artigo XX (b) do GATT 1947. A inadequação desse dispositivo no tratamento das complexas medidas sanitárias e fitossanitárias levou os Membros a negociar o Acordo SPS na Rodada Uruguai, na tentativa de melhorar a definição do Artigo XX (b) e estabelecer limites claros para a

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adoção de medidas sanitárias e fitossanitárias que possam afetar adversamente o comércio internacional. Contudo, o Acordo SPS vai além do mero desenvolvimento do Artigo XX (b) do GATT e estabelece um novo e abrangente conjunto de normas para a adoção e manutenção das medidas sanitárias e fitossanitárias. A questão que surge é se, assim como ocorre no caso do Artigo XX (b), uma violação ao GATT precisa ser demonstrada para que o Acordo SPS seja aplicável. Essa questão surgiu no caso EC – Hormones, onde o Painel entendeu que os dois únicos requisitos para a aplicação do Acordo SPS são aqueles contidos no Artigo 1.1, notadamente a existência de uma medida sanitária ou fitossanitária e um efeito direto ou indireto no comércio internacional, não existindo outra exigência expressa com relação a uma violação ao GATT5. Além disso, o Painel ainda afirmou: Além disso, nós consideramos que o argumento da CE de que o Acordo SPS não impõe uma obrigação “substantiva” adicional àquelas já existentes no Artigo XX (b) do GATT não é convincente. Está claro que alguns dos dispositivos do Acordo SPS foram desenvolvidos com base nos dispositivos já contidos no GATT, particularmente o Artigo XX (b). O último parágrafo do preâmbulo do Acordo SPS estabelece que os Membros desejaram ‘elaborar regras para a aplicação dos dispositivos do GATT 1994 que se referem ao uso de medidas sanitárias ou fitossanitárias, em especial ao disposto no Artigo XX (b).’ Exemplos de tais regras são, alegadamente, algumas das obrigações contidas no Artigo 2 do Acordo SPS. Contudo, apenas com esse fundamento, nós não podemos concluir que o Acordo SPS apenas é aplicável, assim como o Artigo XX (b) do GATT, se e somente se, uma violação anterior de um dispositivo do GATT for demonstrada. Muitos dispositivos do Acordo SPS impõem obrigações “substantivas” que vão além e são adicionais às exigências para invocação do Artigo XX (b). Essas obrigações são, inter alia, impostas para ‘aumentar o uso de medidas sanitárias ou fitossanitárias harmonizadas entre os Membros’ e para ‘melhorar a saúde humana, a saúde animal e a situação fitossanitária em todos os Membros’. Elas não são impostas, como é o caso das obrigações do Artigo XX (b) do GATT, para justificar a violação de outra obrigação do GATT (como a violação da obrigação de não-discriminação dos Artigos I e III).6 Nota Interpretativa do Anexo 1A e Artigo 2.4 do SPS Contudo, o Acordo SPS não substituiu os dispositivos do GATT 1947 (atualmente incorporados por referência ao GATT 1994) relevantes para medidas de proteção à saúde. O Acordo SPS também não é subordinado ao GATT. Em vez disso, esses dois Acordos aplicam-se como complemento um do outro, e do Acordo TBT. Se uma medida para a proteção à saúde está em questão, ela pode ser alcançada por qualquer um dos três Acordos, dependendo de sua natureza e seu conteúdo. A posição das medidas de proteção à saúde é consequentemente determinada pelas disciplinas desses três Acordos dentro das suas respectivas esferas de aplicação. Diferentemente da situação do Acordo TBT, não existe dispositivo que faz com que o Acordo SPS e o GATT 1994 sejam excludentes entre si. Assim, uma medida que se

5 Relatório do Painel, EC-Hormones (EUA), parágrafo 8.36 e Relatório do Painel, EC-Hormones (Canadá), parágrafo 8.39. 6 Relatório do Painel, EC-Hormones (EUA), parágrafos 8.38 e 8.40.

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enquadra na definição de uma medida sanitária ou fitossanitária pode também estar sujeita às regras do GATT. A relação do GATT 1994 com os outros Acordos do Anexo 1A (isto é, aqueles acordos que tratam do comércio de bens), como o Acordo SPS, é regida pela Nota Interpretativa do Anexo 1A (Interpretative Note to Annex 1A). A Nota Interpretativa estabelece que em caso de conflito entre um dispositivo do GATT 1994 e um dispositivo de um outro Acordo do Anexo 1A, este prevalece em relação àquele no conflito. Dessa forma, os dispositivos do Acordo SPS teriam prevalência sobre qualquer regra conflitante do GATT. Contudo, a probabilidade de que exista um conflito entre as regras relevantes do GATT e as disciplinas do Acordo SPS é remota, já que o Acordo SPS incorpora as disciplinas do GATT relevantes às medidas de proteção à saúde e desenvolve tais disciplinas. Esse fato é reconhecido no Artigo 2.4 do Acordo SPS, pela presunção da compatibilidade com os dispositivos relevantes do GATT 1994 (e em particular o Artigo XX (b)) das medidas sanitárias e fitossanitárias que estão em conformidade com os dispositivos do Acordo SPS. Isso significa que se uma medida cumpre o Acordo SPS, é presumido o cumprimento do GATT 1994. Quando uma medida sanitária ou fitossanitária está em questão, é lógico que se deve examinar a sua compatibilidade com o Acordo SPS primeiramente, antes de se voltar para a conformidade com as regras do GATT. Esse argumento baseia-se na conclusão do Painel em EC – Hormones, quando tratou da questão de qual dos dois Acordos ele deveria examinar primeiro. O Painel decidiu: Tendo chegado à conclusão de que nós não estamos obrigados a tratar de alegações relativas ao GATT anteriores àquelas levantadas sob a égide do Acordo SPS, nós precisamos decidir quais dos dois acordos nós iremos examinar primeiramente, nesse caso particular. O Acordo SPS trata especificamente do tipo da medida objeto da controvérsia. Se nós fossemos examinar o GATT primeiramente, nós teríamos que nos voltar para o Acordo SPS, de qualquer forma: se uma violação ao GATT fosse constatada, nós teríamos que considerar se o Artigo XX (b) poderia ser invocado e teríamos então que examinar necessariamente o Acordo SPS; se, por outro lado, nenhuma violação ao GATT fosse encontrada, nós ainda teríamos que examinar a compatibilidade da medida com o Acordo SPS, tendo em vista que nenhuma incompatibilidade com o GATT é presumidamente uma incompatibilidade com o Acordo SPS. Por essas razões, e de forma a conduzir as nossas considerações sobre essa controvérsia da maneira mais eficiente possível, nós examinaremos primeiramente os argumentos apresentados em relação ao Acordo SPS.7 1.5 Teste Sua Compreensão 1. Quais exigências precisam ser satisfeitas para que o Acordo SPS seja aplicável a uma medida particular?

7 Relatório do Painel, EC-Hormones (EUA), parágrafo 8.42.

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2. Padrões sanitários e fitossanitários adotados por entidades não-governamentais podem ser questionados sob a égide do Acordo SPS? Se sim, contra quem a disputa seria iniciada? 3. Uma medida banindo o uso de plásticos tóxicos em brinquedos para crianças pode ser considerada uma medida sanitária? Por que? 4. Por que se pode dizer que o Acordo SPS é ao mesmo tempo mais abrangente e mais restrito do que o GATT 1994 no âmbito de sua aplicação? 5. Se uma medida sanitária ou fitossanitária é considerada em conformidade com o Acordo SPS, é preciso que a sua compatibilidade seja verificada também em relação ao Acordo TBT e/ou o GATT? Se uma medida sanitária ou fitossanitária fosse considerada em conformidade com o GATT, seria necessário verificar a sua compatibilidade com o Acordo SPS?

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2. PRINCÍPIOS BÁSICOS DO ACORDO SPS Ao completar o estudo deste capítulo o leitor estará apto a: • discutir os princípios básicos do Acordo SPS e a sua aplicação na solução de controvérsias. • explicar a forma pela qual o Acordo SPS procura equilibrar o direito dos governos de promulgar medidas de proteção à saúde com o livre comércio, em particular, quais são os limites ao exercício de tal direito. • identificar as disciplinas científicas básicas introduzidas pelo Acordo SPS, bem como as disciplinas existentes no GATT que foram assimiladas pelo Acordo SPS. • descrever como essas regras básicas são aplicadas na jurisprudência e quais são os seus efeitos no que tange ao ônus da prova. • demonstrar como o Acordo SPS favorece, mas não obriga, os Membros a harmonizar as suas medidas sanitárias e fitossanitárias aos padrões internacionais e examinar quais são as implicações decorrentes de tal harmonização para os países em desenvolvimento. 2.1 Direitos e Obrigações Básicos Artigo 2 do SPS O Artigo 2 do Acordo SPS estabelece os direitos e obrigações básicos dentro do Acordo, que são desenvolvidos nos artigos subseqüentes. O Artigo 2 reflete o principal objetivo do Acordo SPS de equilibrar o reconhecido direito à soberania dos governos de adotarem medidas para a proteção da saúde, com a necessidade de promover o livre comércio e impedir o protecionismo. 2.2 Direito a Adotar Medidas Sanitárias ou Fitossanitárias Artigo 2.1 do SPS O Artigo 2.1 expressamente reconhece o direito dos Membros de tomarem medidas sanitárias ou fitossanitárias para a proteção da vida ou a saúde das pessoas, animais e vegetais, desde que as mesmas estejam em conformidade com as disciplinas do Acordo SPS. Este é um dispositivo importante porque representa um movimento contrário à posição contida no GATT, segundo o qual, em princípio, as medidas discriminatórias para proteção à saúde são proibidas, a não ser que elas possam ser justificadas de acordo com a exceção contida no Artigo XX(b). Assim, de acordo com as regras do GATT, o ônus da prova é do Membro que impõe a medida de proteção à saúde, que tem que justificá-la. Ao contrário, o Artigo 2.1 do Acordo SPS deixa claro que as medidas sanitárias ou fitossanitárias são, em princípio, autorizadas, e cabe ao Membro reclamante provar que a medida não está em conformidade com as disciplinas do Acordo SPS.

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2.3 Limites ao Direito de Adotar Medidas Sanitárias ou Fitossanitárias Artigo 2.2 do SPS O direito indiscutível dos Membros de adotar medidas sanitárias e fitossanitárias não é ilimitado, pois o seu exercício está sujeito às disciplinas estabelecidas no restante do Acordo SPS. Algumas dessas disciplinas contêm exigências de justificativas científicas novas para medidas sanitárias e fitossanitárias, enquanto que outras compreendem regras familiares ao GATT. Essas disciplinas podem ser encontradas nos Artigos 2.2 e 2.3 do Acordo SPS e são também indicadas em outros dispositivos. O Artigo 2.2 diz que: Os Membros assegurarão que qualquer medida sanitária ou fitossanitária seja aplicada apenas na medida do necessário para proteger a vida ou a saúde humana, animal ou vegetal, que essa medida seja baseada em princípios científicos e não seja mantida sem provas científicas suficientes, com exceção do previsto no parágrafo 7 do Artigo 5. O Artigo 2.2 estabelece duas exigências básicas para as medidas sanitárias ou fitossanitárias, quais sejam: (1) que elas sejam aplicadas somente na medida do necessário para proteger a vida ou a saúde humana, animal ou vegetal; e (2) que elas tenham base em prova científica, à exceção do disposto no Artigo 5.7. 2.3.1 Teste de Necessidade A obrigação dos Membros, contida no Artigo 2.2 do Acordo SPS, de garantir que as suas medidas sanitárias ou fitossanitárias sejam aplicadas somente na medida do necessário para proteger a vida ou a saúde humana, animal ou vegetal reflete o já familiar teste de necessidade previsto no Artigo XX (b) do GATT. Como mencionado anteriormente, o Artigo XX (b) do GATT representa uma exceção às disciplinas normais do GATT e, dessa forma, o ônus da prova para a demonstração de que suas exigências são satisfeitas é do Membro que impõe a medida de proteção à saúde. Em sentido oposto, essa regra de exceção está ausente do Artigo 2.2 do Acordo SPS e por isso cabe ao Membro reclamante provar que o teste da necessidade de imposição da medida não foi cumprido. O teste de necessidade do Artigo 2.2 ainda não foi submetido ao mecanismo de solução de controvérsias considerando que as partes reclamantes que apresentam disputas com base no Acordo SPS parecem aceitar prontamente que as medidas em questão cumprem com essa exigência, ou enquadram os seus questionamentos em dispositivos mais específicos do Acordo SPS, que podem ser considerados como um detalhamento maior do teste de necessidade. 2.3.2 Base Científica/Prova O Artigo 2.2 introduz a primeira menção a disciplinas científicas sobre medidas sanitárias e fitossanitárias no Acordo SPS e estabelece a ciência como a pedra de toque em relação à qual as medidas sanitárias e fitossanitárias serão julgadas. Ele requer que as medidas sanitárias e fitossanitárias sejam baseadas em princípios científicos e não sejam mantidas sem prova científica suficiente, com exceção do disposto no Artigo 5.7

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(que trata dos casos em que há prova científica insuficiente).8 A exigência científica é mais desenvolvida no Artigo 5.1, que requer que todas as medidas sanitárias e fitossanitárias sejam baseadas na avaliação do risco. A importância das disciplinas científicas na mediação entre os objetivos concorrentes da liberalização do comércio e da proteção à saúde foi tornada pública pelo Órgão de Apelação no caso EC – Hormones, quando ele afirmou: ...As exigências de uma avaliação de risco sob a égide do Artigo 5.1 bem como da ‘prova científica suficiente’, do Artigo 2.2, são essenciais para a manutenção do delicado e cuidadosamente negociado equilíbrio do Acordo SPS entre os interesses compartilhados, mas às vezes conflitantes, de promoção do comércio internacional e de proteção da vida e da saúde humanas....9 O ponto crucial para a disciplina científica do Artigo 2.2 é a exigência de “prova científica suficiente” para medidas sanitárias ou fitossanitárias. A questão sobre o significado dessa exigência foi levantada no caso EC – Hormones, mas não foi decidida, por economia processual. Ela foi levantada novamente no caso Japan – Agricultural Products, onde o Órgão de Apelação salientou que “suficiência” é um conceito relacional, que requer a existência de uma relação adequada entre os dois elementos, nesse caso das medidas sanitárias ou fitossanitárias e a prova científica.10 Ele concluiu que: ...nós concordamos com o Painel que a obrigação do Artigo 2.2 de que uma medida sanitária ou fitossanitária não seja mantida sem a prova científica suficiente requer que exista uma relação racional ou objetiva entre a medida sanitária ou fitossanitária e a prova científica. A determinação quanto à existência de uma relação racional entre uma medida sanitária ou fitossanitária e a prova científica será realizada caso a caso e dependerá das circunstâncias específicas do caso, inclusive das características da medida objeto da controvérsia e a qualidade e quantidade das provas científicas.11 Assim, está claro que os painéis têm algum poder discricionário na determinação da existência da “relação racional” entre as medidas sanitárias ou fitossanitárias e a prova científica, de acordo com as circunstâncias de um caso particular. Os painéis podem examinar a quantidade e a qualidade da prova científica, assim como a natureza das medidas sanitárias ou fitossanitárias para proferir uma decisão. Quando existe um apoio científico de reputação elevada para uma medida, parece restar satisfeita a exigência da relação racional entre a medida e a prova científica; e, assim, há “prova científica suficiente” para a medida. O ônus da prova é da parte reclamante, a quem cabe apresentar um caso prima facie de que não existe “prova científica suficiente” para a medida. No caso Japan – Agricultural Products, os Estados Unidos alegaram que o Painel impôs um ônus da prova impossível com relação ao Artigo 2.2, ao requerer que eles fizessem prova negativa, notadamente a prova de que não existia nenhum estudo ou relatório relevante 8 O Artigo 5.7 é tratado em detalhes no Capítulo 3 abaixo. 9 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 177. 10 Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Measures Affecting Agricultural Products (“Japan – Agricultural Products”), WT/DS76/AB/R, adotado em 19 de março de 1999, parágrafo 73. 11 Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Agricultural Products II, parágrafo 84.

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que desse suporte às medidas sanitárias adotadas pelo Japão (em relação a quatro dos oito produtos objetos da controvérsia).12 O Órgão de Apelação rejeitou o argumento dos Estados Unidos e decidiu que: Em nosso modo de ver, seria suficiente que os Estados Unidos levantassem a presunção de que não existem estudos ou relatórios relevantes. Levantar a presunção de que não existem estudos ou relatórios relevantes não é um ônus impossível. Os Estados Unidos poderiam ter pedido ao Japão que, com base no Artigo 5.8 do Acordo SPS, apresentasse ‘uma explicação das razões’ para a exigência de teste relativo à variedade, especialmente tendo em vista que ele se aplica a damascos, peras, ameixas e marmelos. Nesse caso, o Japão seria obrigado a apresentar tal explicação. O fracasso do Japão de submeter estudos e relatórios científicos em apoio às exigências de testes relativos a variedades que são aplicados a damascos, peras, ameixas e marmelos teria sido uma indicação forte de que não existem tais estudos e relatórios. Os Estados Unidos poderiam também ter apresentado aos peritos do Painel questões específicas a respeito da existência de estudos ou relatórios relevantes; ou eles poderiam ter submetido ao Painel a opinião dos peritos consultados por eles a respeito do assunto.13 Relação entre os Artigos 2.2 e 5.7 do SPS Deve-se lembrar que o Artigo 2.2 leva em consideração o fato de que os governos às vezes precisam agir frente a situações de incerteza científica, fazendo referência expressa ao Artigo 5.7 como uma exceção à exigência de “prova científica suficiente”. O Órgão de Apelação já reconheceu que o Artigo 5.714 reflete o princípio da precaução.15 No caso Japan-Agricultural Products, o Órgão de Apelação discutiu a relação entre o Artigo 2.2 e o Artigo 5.7 e decidiu que: ...está claro que o Artigo 5.7 do Acordo SPS, ao qual o Artigo 2.2 refere-se explicitamente, é parte do contexto deste dispositivo e deve ser considerado na interpretação das obrigações de não se manter uma medida sanitária e/ou fitossanitária sem prova científica suficiente. O Artigo 5.7 permite que os Membros adotem medidas sanitárias e/ou fitossanitárias cautelares ‘nos casos em que a prova científica relevante é insuficiente e certas outras exigências são satisfeitas. O Artigo 5.7 opera como uma exceção qualificada da obrigação contida no Artigo 2.2 de não se adotar medidas sanitárias ou fitossanitárias sem prova científica suficiente. Uma interpretação demasiadamente ampla e flexível de tal obrigação tornaria o Artigo 5.7 sem significado.16 2.3.3 Prevenção contra a Discriminação Arbitrária ou Injustificada ou contra Restrição Disfarçada ao Comércio Artigo 2.3 do SPS A terceira limitação básica ao exercício do direito de impor medidas sanitárias ou fitossanitárias está no Artigo 2.3 do Acordo SPS. Este artigo contém algumas disciplinas 12 Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Agricultural Products II, parágrafo 38. 13 Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Agricultural Products II, parágrafo 113. 14 As exigências do Artigo 5.7 serão discutidas no Capítulo 3 abaixo. 15 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 124. 16 Relatório do Órgão de Apelação, Japan-Agricultural Products II, parágrafo 80.

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comerciais familiares ao GATT, que são os dispositivos que tratam de não discriminação nos Artigos I:1 e III:4 do GATT, bem como o caput do Artigo XX17, que impede a aplicação de medidas que se enquadram nas exceções do Artigo XX, de forma que as mesmas “constituam um meio de discriminação arbitrária e injustificável entre países onde os mesmos dispositivos prevalecem, ou uma restrição disfarçada ao comércio internacional.” O Artigo 2.3 estabelece: Os Membros garantirão que suas medidas sanitárias e fitossanitárias não farão discriminação arbitrária ou injustificada entre os Membros nos casos em que prevalecerem condições idênticas ou similares, incluindo entre seu próprio território e o de outros Membros. As medidas sanitárias e fitossanitárias não serão aplicadas de forma a constituir restrição disfarçada ao comércio internacional. O Artigo 2.3 foi questionado no Painel de Implementação no caso Australia – Salmon, já que o Canadá argumentou que a Austrália havia imposto exigências para salmonídeos em relação ao Canadá, mas não tinha controle interno a respeito do transporte de peixe morto da Austrália. De acordo com o Canadá, tal medida era arbitrária ou injustificadamente discriminatória nos termos do Artigo 2.3. O Painel de Implementação identificou três exigências cumulativas para a prova da violação ao Artigo 2.3, quais sejam: (1) que a medida discrimina entre os territórios dos Membros que não aquele impondo a medida, ou entre o território do Membro impondo a medida e outro Membro; (2) a discriminação é arbitrária ou injustificada; e (3) condições idênticas ou similares prevalecem em territórios dos Membros comparados.18 O primeiro elemento que precisa ser provado é, portanto, a existência de discriminação. No caso Australia – Salmon, o Painel de Implementação decidiu que a discriminação nos termos do Artigo 2.3 inclui não apenas a discriminação entre os produtos similares, mas também a discriminação entre produtos diferentes (nesse caso, entre salmonídeos do Canadá e outros peixes mortos da Austrália).19 Tal regra é significativamente diferente das regras de não discriminação do GATT 1994, que somente proíbe a discriminação entre produtos “similares”20 ou “diretamente concorrentes ou substitutos”.21 A proibição mais ampla do Artigo 2.3 leva em consideração o fato de que produtos diferentes podem possuir riscos à saúde idênticos ou similares e precisam, assim, ser tratados da mesma forma. Existe a possibilidade, por exemplo, de diferentes frutas serem vetores da mesma praga e de vários animais serem portadores de febre aftosa. A abrangência dessa proibição ao tratamento discriminatório é equilibrada com os outros dois requisitos que precisam ser preenchidos para que uma violação ao Artigo 2.3 seja provada. Tais requisitos são: as diferenças no tratamento precisam ser arbitrárias e

17 Este fato foi expressamente mencionado no Relatório do Órgão de Apelação, Australia – Measures Affecting Importation of Salmon (“Australia – Salmon”), WT/DS18/AB/R, parágrafo 251. 18 Relatório do Painel de Implementação, Australia – Salmon, parágrafo 7.111. 19 Relatório do Painel de Implementação, Australia – Salmon, parágrafo 7.112. 20 Artigo I:1 (Obrigação da Cláusula da Nação Mais Favorecida) e Artigo III:4 (Obrigação da Cláusula do Tratamento Nacional) do GATT 1994. 21 Artigo III:2 do GATT 1994 (em relação aos impostos internos) como explicado na Ad Note.

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injustificáveis e condições similares ou idênticas precisam prevalecer nos territórios dos Membros sujeitos ao tratamento diferenciado. Se a diferença no tratamento pode ser justificada (por exemplo, porque dois produtos comparativamente não apresentam os mesmos riscos de disseminação da mesma praga ou doença) ou as condições nos territórios dos Membros envolvidos diferem, o Artigo 2.3 não foi violado. Relação entre os Artigos 2.3 e 5.5 SPS Como dito acima, as disciplinas básicas do Artigo 2 foram desenvolvidas em artigos posteriores. Dessa forma, a regra contida no Artigo 2.3 é refletida no Artigo 5.5, que proíbe distinções arbitrárias e injustificáveis nos níveis de proteção considerados apropriados por um Membro em situações diferentes, mas comparáveis. No caso EC – Hormones, o Órgão de Apelação observou que o Artigo 5.5 precisa ser lido juntamente com o Artigo 2.3, que forma parte do seu contexto.22 Contudo, isso não significa que a disciplina do Artigo 2.3 é subsumida ao Artigo 5.5. Enquanto a violação ao Artigo 5.5 necessariamente implica violação ao Artigo 2.3, o contrário não é verdadeiro. O Artigo 2.3 contém obrigações independentes, adicionais àquelas do Artigo 5.5. Nesse sentido, uma violação ao Artigo 2.3 pode ser identificada sem que haja nenhum exame do Artigo 5.5.23 2.4 O Objetivo da Harmonização As medidas sanitárias e fitossanitárias variam bastante entre os países tendo em vista os fatores que as autoridades regulatórias nacionais levam em consideração, durante sua criação, tais como os interesses das indústrias domésticas, a tolerância dos consumidores aos riscos, as condições climáticas e geográficas, o nível de desenvolvimento tecnológico e os recursos econômicos disponíveis. Contudo, a diversidade de medidas sanitárias ou fitossanitárias resultantes tem um impacto negativo no comércio, já que os exportadores precisam atender um conjunto grande de padrões para ganhar acesso aos mercados externos. Isso é particularmente importante para os países em desenvolvimento, que comumente não dispõem de recursos e capacidade técnica para a implementação desses padrões diversos. O Acordo SPS tem por objetivo tratar desse problema. Em seu preâmbulo, um dos principais objetivos mencionados é a promoção do uso, pelos Membros, de medidas sanitárias ou fitossanitárias harmonizadas, baseadas nos padrões internacionais desenvolvidos pelas organizações internacionais relevantes, sem que se solicite aos Membros que mudem o que eles consideram ser o nível adequado de proteção.24 O Artigo 3 do Acordo SPS procura equilibrar o objetivo de aumento do livre comércio pela harmonização de medidas sanitárias ou fitossanitárias e a conseqüente redução das barreiras ao comércio causadas pelos diferentes padrões, com o devido respeito ao direito dos Membros de escolherem os seus próprios níveis de proteção. Esse objetivo foi expressamente citado pelo Órgão de Apelação no caso EC – Hormones, onde foi decidido o seguinte: 22 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 212. 23 Relatório do Painel de Implementação, Australia – Salmon, parágrafo 8.160 e Relatório do Órgão de Apelação, Australia – Salmon, parágrafo 252. 24 Este objetivo é externado no sexto parágrafo do Preâmbulo do Acordo SPS.

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Em termos gerais, o objeto e o propósito do Artigo 3 é promover a harmonização de medidas sanitárias e fitossanitárias dos Membros da forma mais abrangente possível, ao mesmo tempo em que se reconhece e se salvaguarda o direito e o dever do Membro de proteger a vida e a saúde de sua população. O fim último da harmonização das medidas sanitárias e fitossanitárias é impedir o uso de tais medidas para discriminação arbitrária e injustificada entre os Membros ou como uma restrição disfarçada ao comércio internacional, sem impedir que os Membros adotem ou façam cumprir medidas que são ao mesmo tempo ‘necessárias para proteger’ a saúde e a vida e ‘baseadas em princípios científicos’, e também sem requerer que eles alterem seus próprios níveis adequados de proteção.25 A harmonização em torno de padrões internacionais é encorajada no Acordo SPS pela presunção de compatibilidade de medidas que obedecem a padrões internacionais com o GATT 1994 e o Acordo SPS. Contudo, a adoção de padrões harmonizados não é obrigatória, muito embora a adoção de padrões globais seja eficaz comercialmente. Isso está em linha com o fato de que a escolha do nível de proteção é vista como uma decisão soberana e é tratada com bastante deferência no Acordo SPS. Nesse sentido, um governo não está obrigado a adotar um padrão internacional que leva a um nível de proteção à saúde menor do que ele acredita ser apropriado. Essa estratégia está contida no Artigo 3 do Acordo SPS. Nos termos do Artigo 3, três opções autônomas são dadas aos Membros com relação aos padrões internacionais harmonizados, cada qual com suas próprias conseqüências. De maneira ampla, os Membros podem (1) basear suas medidas sanitárias ou fitossanitárias em padrões internacionais nos termos do Artigo 3.1; (2) adequar suas medidas sanitárias ou fitossanitárias aos padrões internacionais nos termos do Artigo 3.2; ou (3) desviar-se dos padrões internacionais nos termos do Artigo 3.3. É importante observar que essas são opções igualmente disponíveis e que não existe uma relação de regra de exceção entre elas.26 Como resultado, o ônus da prova permanece com o Membro reclamante, a quem cabe demonstrar que as exigências dessas três opções não foram cumpridas. Essas três opções são examinadas em maior detalhe abaixo. 2.4.1 Medidas Baseadas em Padrões Internacionais Artigo 3.1 do SPS O Artigo 3.1 expressa o objetivo de harmonização das medidas sanitárias e fitossanitárias da forma mais abrangente possível, e menciona a obrigação dos Membros de basear as suas medidas sanitárias e fitossanitárias em padrões, orientações e recomendações internacionais, quando existentes, à exceção do previsto no Artigo 3.3.27

25 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 177. 26 No caso EC – Hormones, o Órgão de Apelação rejeitou a abordagem do Painel, que viu nos Artigos 3.1 e 3.2 uma regra geral e o Artigo 3.3 como a exceção (Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 104). 27 Novamente, é preciso lembrar que essa última frase não significa que o Artigo 3.3 é uma exceção à obrigação estabelecida no Artigo 3.1, mas que ela só serve para excluir do seu âmbito de aplicação as

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Anexo A.3 do SPS É necessário que se identifique o que se quer dizer com “padrões, orientações ou recomendações internacionais”. A OMC não é um órgão regulatório com capacidade de estabelecer normas. Como não pode fixar padrões harmonizados, ela confia naqueles padrões definidos por organizações que têm essa competência na área da saúde humana, animal e vegetal. Essas organizações estão identificadas no Anexo A.3 do Acordo SPS, que define “padrões, orientações e recomendações internacionais” como aqueles fixados: (1) pela Comissão do Codex Alimentarius (Codex Alimentarius Commission – CAC) na área de segurança alimentar; (2) pelo Escritório Internacional de Epizootias (International Office of Epizootics – OIE), na área de saúde animal; (3) pelo Secretariado da Convenção Internacional para Proteção Vegetal (International Plant Protection Convention – IPPC) , na área de saúde vegetal; e (4) por outras organizações internacionais abertas para a participação de todos os Membros da OMC, que são identificadas pelo Comitê sobre SPS, para assuntos não cobertos pelas três organizações mencionadas anteriormente. Cada uma dessas organizações tem estruturas e processos de estabelecimento de padrões próprios, que são definidos em seus estatutos e não pela OMC. Em geral, as atividades desses órgãos podem ser caracterizadas como processos de tomada de decisão de gerenciamento de riscos (tal como baixar determinadas orientações ou fixar padrões, que incorporam um certo nível de proteção), com base em informação científica para avaliações de risco28. Contudo, a forma como tais órgãos fazem isso varia consideravelmente. Devido à crescente importância dos padrões definidos por essas organizações desde a entrada em vigor do Acordo SPS, tem havido um interesse crescente no trabalho de definição de padrões dessas organizações. “Baseado em” Se existe um padrão, orientação ou recomendação internacional relevante, o Artigo 3.1 exige que o Membro baseie a sua medida sanitária ou fitossanitária naquele padrão. No caso EC - Hormones, o significado da expressão “baseado em” não foi tratado pelo Órgão de Apelação, que disse: Ler o Artigo 3.1 como se ele obrigasse o Membro a harmonizar as suas medidas sanitárias e fitossanitárias adequando tais medidas com os padrões, orientações e recomendações, aqui e agora, é, na verdade, revestir tais padrões (que são, pelos termos do Codex, recomendações na forma e natureza) de força e efeitos obrigatórios. A interpretação do Painel em relação ao Artigo 3.1 iria transformar esses padrões, orientações e recomendações em normas vinculantes. Contudo, como já mencionado, o Acordo SPS não indica nenhum interesse por parte dos Membros de fazer com que isso ocorresse. Nós não podemos assumir facilmente que estados soberanos procuraram impor sobre eles mesmos as mais onerosas e mais custosas obrigações ao imporem a compatibilidade com ou cumprimento de tais padrões, orientações e recomendações. Para se sustentar tal premissa e tal interpretação extensiva, seria necessário uma

medidas que se enquadram no Artigo 3.3 (Relatório do Órgão de Apelação, EC – Hormones, parágrafo 104). 28 A distinção entre avaliação de riscos e gerenciamento de riscos será discutida no Capitulo 3.

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redação mais específica e impositiva do que aquela encontrada no Artigo 3, do Acordo SPS.29 O Órgão de Apelação deixou claro que padrões de aceitação voluntária definidos por organizações internacionais relevantes não se tornam obrigatórios pela aplicação do Acordo SPS. Com relação ao significado da expressão “baseado em”, o Órgão de Apelação afirmou que uma coisa é comumente definida como baseada na outra se se ergue, ou se funda, ou é construída sobre, ou ainda se apóia naquela. Além disso, ele afirmou que uma medida baseada em um padrão não necessariamente está em conformidade com aquele padrão, o que ocorre quando alguns mas não todos os elementos daquele padrão são incorporados na medida.30 Para os países em desenvolvimento, a vantagem de basear as suas medidas sanitárias e fitossanitárias nos padrões internacionais está no fato de que tais países são normalmente incapazes de fazer os estudos científicos necessários para apoiar suas próprias medidas sanitárias e fitossanitárias, devido às restrições orçamentárias. Padrões internacionais são necessariamente baseados em avaliações científicas de risco. Nesse sentido, as medidas dos países em desenvolvimento que são baseadas em tais padrões, mesmo se não estão em completa conformidade com tais padrões e não adotam a mesma medida do padrão internacional, são baseadas em uma avaliação de risco. Se questionados nos termos do Artigo 5.1, que requer que a medida sanitária ou fitossanitária seja baseada em uma avaliação de risco, os países em desenvolvimento podem se reportar à avaliação de riscos que compõe a base do padrão internacional, e devem, assim, apenas demonstrar que suas próprias medidas são baseadas nessa mesma avaliação de risco.31 Por essa razão, é vantajoso para os países em desenvolvimento que mais padrões internacionais sejam desenvolvidos nas áreas de seus interesses. 2.4.2 Medidas em Conformidade com Padrões Internacionais Artigo 3.2 do SPS A segunda opção disponível aos Membros, estabelecida no Artigo 3.2, é escolher adotar uma medida sanitária ou fitossanitária que esteja em conformidade com o padrão, orientação ou recomendação internacional relevante. No caso EC-Hormones, o Órgão de Apelação explicou o que é necessário para que a medida esteja em conformidade com um padrão internacional, ao afirmar: “Em conformidade com” Tal medida incorpora o padrão internacional completamente e, por razões práticas, o transforma em um padrão municipal.32

29 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 165. 30 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 163. 31 A exigência de que uma medida sanitária ou fitossanitária seja ‘baseada em’ uma avaliação de risco será discutida no Capítulo 3 abaixo. 32 Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 170.

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Dessa forma, parece que a medida nacional deve ser idêntica ao padrão internacional, tanto em relação à estrutura quanto ao nível de proteção que ela compreende. Presunção de Compatibilidade O Artigo 3.2 incentiva a harmonização ao criar a presunção de compatibilidade com o GATT 1994 e o Acordo SPS para as medidas em conformidade com os padrões internacionais. Essa presunção foi considerada contestável.33 No caso EC-Hormones, o Órgão de Apelação tratou da implicação da presunção de compatibilidade. Na oportunidade, ele afirmou que a presunção é um incentivo para os Membros compatibilizarem suas medidas sanitárias e fitossanitárias com os padrões internacionais, mas disse também que os Membros que decidem não compatibilizar as suas medidas com os padrões internacionais não podem ser penalizados com a imposição de um ônus da prova especial e generalizado.34 É, portanto, claro que o ônus da prova permanece com a parte reclamante, a quem cabe provar a violação ao Acordo SPS nos dois casos; mas o ônus é mais pesado com relação à medida sanitária ou fitossanitária que está em conformidade com os padrões internacionais, já que a parte reclamante tem que ultrapassar a presunção de compatibilidade contida no Artigo 3.2. A presunção de compatibilidade do Artigo 3.2 apresenta benefícios importantes para os países em desenvolvimento. Muitas vezes os países em desenvolvimento não dispõem dos recursos para cumprir todas as disciplinas do Acordo SPS, quando impõem uma medida sanitária ou fitossanitária. Eles, portanto, são vulneráveis a questionamentos no âmbito do Acordo SPS. Quando as suas medidas sanitárias e fitossanitárias estão em conformidade com os padrões internacionais, a probabilidade de questionamento é reduzida de forma considerável, devido às dificuldades envolvidas para que se ultrapasse a presunção de compatibilidade contida no Artigo 3.2. Deve ser observado que a presunção de compatibilidade se estende não só para as disciplinas científicas do Acordo SPS, tendo em vista que a medida em conformidade com padrões internacionais será presumidamente compatível com o Acordo SPS todo e com o GATT 1994. 2.4.3 Medidas que Resultam em um Elevado Nível de Proteção Artigo 3.3 do SPS A terceira opção à escolha dos Membros está contida no Artigo 3.3, que reconhece o direito dos Membros de usar medidas sanitárias ou fitossanitárias que resultam em um nível de proteção mais elevado do que poderia ser alcançado se as medidas fossem “baseadas” nos padrões internacionais relevantes; e define os requisitos para tanto. Essa opção é importante porque ela reconhece os direitos dos Membros de escolher os seus próprios níveis de proteção sanitária e fitossanitária, um princípio importante dentro do Acordo SPS. No caso EC-Hormones, o Órgão de Apelação decidiu que: O direito de um Membro de estabelecer seu próprio nível de proteção sanitária nos termos do Artigo 3.3 do Acordo SPS é um direito autônomo e não uma exceção à “obrigação geral” do Artigo 3.1.35 33 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 170. 34 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 102. 35 Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 172.

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O direito de escolher medidas que fornecem um nível de proteção maior do que o dos padrões internacionais não é um direito “absoluto e não qualificado”, como reconhecido pelo Órgão de Apelação no caso EC – Hormones.36 Ao contrário, tal direito está sujeito aos requisitos estabelecidos pelo Artigo 3.3, notadamente que exista uma justificativa científica para a medida ou que a medida seja o resultado de um nível de proteção mais elevado escolhido pelo Membro em conformidade com os Artigos 5.1-5.8. Em ambos os casos, a medida precisa ser compatível com todos os outros dispositivos do Acordo SPS. Muito embora o uso da palavra “ou” parece indicar que duas situações diferentes são vislumbradas no Artigo 3.3 quando é possível o afastamento dos padrões internacionais, o Órgão de Apelação já reconheceu que esse artigo “não é um modelo de clareza na redação”.37 De acordo com o Órgão de Apelação, a distinção feita no Artigo 3.3 entre duas situações “pode ter efeitos muito limitados e pode, nessa medida, ser mais aparente do que real”.38 Isso porque, em uma adequada interpretação desse dispositivo, um Membro que se afasta de um padrão internacional existente, está sempre obrigado a justificar suas medidas por meio de uma avaliação de risco.39 Em outras palavras, um Membro que alega justificativa científica para o seu afastamento de um padrão internacional precisa basear a sua alegação em uma avaliação de risco adequada, da mesma forma que o Membro que justifica o seu afastamento na escolha de um nível de proteção diferente daquele alcançado pelo padrão internacional. De acordo com o Órgão de Apelação, o requisito da avaliação de risco “destina-se a ser um fator compensador do direito dos Membros de definirem seus próprios níveis de proteção.”40 2.4.4 Participação de País em Desenvolvimento na Definição de Padrões Internacionais Artigos 3.4 e 10.4 do SPS Nos termos do Artigo 3.4, os Membros são obrigados a participar do trabalho das organizações internacionais padronizadoras, na medida em que seus recursos permitem, e a promover o desenvolvimento e a revisão periódica de padrões sanitários e fitossanitários definidos por essas organizações. Contudo, esse dispositivo reconhece que os recursos são um fator limitador no que tange à participação dos Membros em organizações internacionais padronizadoras. Na verdade, muita atenção tem sido dada ao processo de definição de padrões nessas organizações e aos problemas que os países em desenvolvimento enfrentam no que diz respeito à participação efetiva.41 O reconhecimento dessa situação está refletido no Artigo 10.4, que estabelece que os Membros devem incentivar e facilitar a participação

36 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 172. 37 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 175. 38 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 176. 39 Em uma nota de rodapé ao Artigo 3.3, “justificativa científica” é definida de uma forma que indica que a avaliação de risco é requerida (Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 175). 40 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 177. 41 A questão da participação efetiva deve ser separada da questão da filiação a organizações internacionais padronizadoras. De fato, a grande maioria dos membros da OMC, incluindo a maior parte dos países em desenvolvimento, são membros do Codex, do OIE e do IPPC. O Secretariado da OMC elaborou uma lista com uma compilação a esse respeito (vide G/SPS/GEN/49/Rev. 4, de 30 de abril de 2002).

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ativa de países em desenvolvimento - Membros da OMC - nas organizações internacionais padronizadoras relevantes. Existiram iniciativas nesse sentido, mas ainda há preocupações relacionadas ao compromisso dos países desenvolvidos com o cumprimento do Artigo 10.4, que não impõe nenhuma real obrigação aos Membros, mas afirma apenas que eles “devem” fornecer assistência aos países em desenvolvimento a esse respeito. Recentemente, devido ao conhecimento da crescente importância dos padrões internacionais no âmbito do Acordo SPS, a participação dos países em desenvolvimento em organizações internacionais padronizadoras tem sido mais ativa. O nível de comparecimento dos representantes dos países em desenvolvimento melhorou e eles têm se tornado mais propensos a assegurar que os seus pontos de vista sejam levados em consideração durante as sessões plenárias quando os padrões são decididos. Contudo, a participação deles em comitês técnicos em que provas científicas são discutidas e os padrões são preparados muitas vezes deixa a desejar. Isso acontece em grande parte pela ausência de recursos humanos e financeiros necessários para garantir o comparecimento a um conjunto de reuniões de comitês com especialistas bem preparados nas áreas em que os padrões estão sendo definidos. Além disso, a ausência de infra-estrutura nacional eficaz para a avaliação das minutas dos padrões e a formulação de posições tem sido identificada como um problema.42 São crescentes os esforços concertados para a solução dos problemas que os países em desenvolvimento enfrentam no que tange à efetiva participação nas organizações internacionais padronizadoras.43 Os Diretores Gerais da FAO, da OMS, da OIE, da OMC e o Presidente do Banco Mundial fizeram uma declaração na Conferência Ministerial de Doha, na qual afirmaram o compromisso deles com o fortalecimento da capacidade dos países em desenvolvimento de participar totalmente na definição dos padrões internacionais.44 Contudo, está claro que muito ainda precisa ser feito a esse respeito.45 2.5 Teste Sua Compreensão 1. Explique o efeito do Artigo 2.1 do Acordo SPS na definição do ônus da prova no mecanismo de solução de controvérsias relacionado a uma medida sanitária e fitossanitária e compare com a situação de medidas de proteção à saúde no âmbito do GATT 1994. 2. O que significa o requisito da “prova científica suficiente”?

42 G/SPS/GEN/236, de 9 de março de 2001. 43 Veja, por exemplo, as iniciativas descritas no documento G/SPS/GEN/250, de 14 de maio de 2001. 44 WT/MN(01)/ST/97, de 11 de novembro de 2001. 45 A esse respeito, vale observar que uma revisão do Codex (e de outros trabalhos da FAO e da OMS sobre os padrões de alimentos), foi lançada para fornecer insumos para a tomada de decisões sobre políticas futuras e gerenciamento. Essa revisão vai incluir uma avaliação de particular interesse para os países em desenvolvimento, no que tange à participação deles nos processos de definição de padrões. (veja World Health Organization and Food and Agriculture Organization, Joint FAO/WHO Evaluation of the Codex Alimentarius and other FAO and WHO Work on Food Standards, de 16 de abril de 2002, WHO/FAO: Roma/Genebra, parágrafo 8(iv)). Veja também Steve Suppan e Rod Leonard, Comments Submitted to the Independent Evaluation of the Codex Alimentarius and Other FAO-WHO Work on Food Standards, WTO Watch (2002), disponível na página: www.wtowatch.org/library/admin/uploadedfiles/showfile.cfm FileName=Comments Submitted_to_the_Independent_Evaluation.htm.

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3. Os Membros da OMC não são obrigados a adotar padrões, orientações ou recomendações sanitários e fitossanitários internacionalmente aceitos. Eles têm três opções. Descreva as três opções e as suas conseqüências. Quais dessas opções são normalmente mais benéficas para os países em desenvolvimento? 4. Descreva a situação atual da participação dos países em desenvolvimento nas organizações internacionais padronizadoras.

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3. OBRIGAÇÕES EM RELAÇÃO À ANÁLISE DE RISCO Ao completar o estudo deste capítulo o leitor estará apto a: • identificar e discutir as obrigações do Acordo SPS que são relacionadas à análise de risco e o processo regulatório. • distinguir entre avaliação de risco e gerenciamento de risco e explicar como as disciplinas relevantes são aplicadas na prática. • avaliar o papel do princípio da precaução no Acordo SPS como refletido no Artigo 5.7. 3.1 Aspectos do Processo Regulatório Existe uma distinção entre dois aspectos do processo regulatório que trata da análise de risco: avaliação de risco e gerenciamento de risco. Avaliação de risco pode ser definida como o processo de base científica para determinar a existência de um risco e a probabilidade dele ocorrer. Gerenciamento de risco, por outro lado, significa uma escolha de base política do nível de proteção à saúde que um estado deseja assegurar no seu território, e a escolha da medida sanitária ou fitossanitária necessária para alcançar tal nível de proteção. As decisões no âmbito do gerenciamento de risco são baseadas não apenas nos resultados científicos da avaliação de risco, mas também em vários julgamentos de valor social, tal como a tolerância dos cidadãos ao risco. A distinção entre os dois aspectos do processo regulatório não é absoluta e elementos não científicos de fato têm um papel relevante na avaliação de risco. A distinção só é útil para melhorar o entendimento do processo regulatório. Artigo 5 do SPS As regras do Acordo SPS relacionadas ao processo regulatório, contidas no Artigo 5, foram elaboradas de uma forma que, implicitamente, levam em consideração essa distinção no julgamento da validade das medidas sanitárias ou fitossanitárias nacionais. Disciplinas restritas são aplicadas ao processo de avaliação de risco, considerando que a escolha de um Membro por um nível apropriado de proteção é, em grande medida, respeitada. Contudo, como observado pelo Órgão de Apelação no caso EC – Hormones, não existe menção expressa ao termo “gerenciamento de risco” no Acordo SPS e essa distinção conceitual não deve ser usada de forma que ela não seja apoiada pelo texto do Acordo SPS.46 3.2 Avaliação de Risco O Acordo SPS contém certas disciplinas aplicáveis à fase de avaliação de risco do processo regulatório, que tem por objetivo assegurar que as medidas sanitárias ou fitossanitárias sejam justificáveis cientificamente e que levem em consideração os fatores relevantes. É fundamental para essas disciplinas a exigência de que os Membros garantam que suas medidas sanitárias ou fitossanitárias são baseadas em uma avaliação de risco.

46 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 181.

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3.2.1 Conceito de Avaliação de Risco Anexo A.4 do SPS De forma a identificar se uma medida sanitária ou fitossanitária está baseada em uma avaliação de risco como requerido pelo Artigo 5.1, é necessário inicialmente determinar o que significa avaliação de risco. O Anexo A.4 do Acordo SPS define dois tipos de avaliação de risco, que correspondem aos dois grandes e amplos objetivos das medidas sanitárias e fitossanitárias, como definidos no Anexo A.1, quais sejam, a proteção contra os riscos de pragas ou doenças e a proteção contra riscos contidos dos alimentos.47 É importante identificar que tipo de avaliação é requerido em um caso particular, já que os requisitos para cada tipo diferem. O primeiro tipo de avaliação de risco requer o “exame da likelihood” [probabilidade] da entrada, fixação ou disseminação de uma praga ou doença dentro do território de um Membro importador, de acordo com a medida sanitária ou fitossanitária que pode ser aplicada, e das conseqüências biológicas e econômicas potencialmente associadas.” O segundo requer o “exame dos possíveis efeitos adversos para a vida ou para a saúde humana ou animal resultantes da presença de aditivos, contaminantes, toxinas, ou organismos patogênicos em alimentos, bebidas ou ração animal.” A definição de avaliação de risco que será aplicada em um dado caso dependerá do tipo de medida sanitária ou fitossanitária em questão. Avaliação de Risco para Riscos Contidos nos Alimentos No caso EC- Hormones, a medida sanitária (o banimento pelas CE da carne bovina tratada com hormônio) foi direcionada aos riscos contidos nos alimentos. Nesse sentido, estava em questão a segunda definição de avaliação de risco. O Painel entendeu que existiam dois requisitos para esse tipo de avaliação de risco (nesse caso), ou seja, dever-se-ia: (i) identificar os efeitos adversos à saúde humana (se existentes) gerados pela presença dos hormônios em questão quando usados como incentivadores/promotores do crescimento em carnes e produtos derivados de carnes; e (ii) se algum desses efeitos adversos existir, avaliar a possibilidade ou a ‘likelihood’ [probabilidade] da ocorrência desses efeitos.48 O Órgão de Apelação não questionou o teste dos dois requisitos, mas não concordou com o Painel no tocante ao uso da “likelihood” [probabilidade] como uma alternativa para a “possibilidade”, já que aquela palavra parece introduzir um elemento quantitativo à noção de risco.49 O Órgão de Apelação concordou com o Painel50 que é preciso haver um “risco identificável”, não apenas uma incerteza teórica (que sempre permanece na medida em que a ciência nunca pode fornecer certeza absoluta de que uma substância não vai nunca ter efeitos adversos à saúde). Contudo, na medida em que o Painel

47 A definição de medidas sanitárias e fitossanitárias no Anexo A.1 foi discutida no Capítulo 1 acima. 48 Relatório do Painel, EC-Hormones (Canadá), parágrafo 8.101 e Relatório do Painel, EC-Hormones (EUA), parágrafo 8.98. 49 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafos 184-186. 50 Relatório do Painel, EC-Hormones (Canadá), parágrafos 8.155-156 e Relatório do Painel, EC-Hormones (EUA), parágrafos 8.152-153.

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pareceu exigir uma avaliação de risco para estabelecer uma magnitude mínima para o risco, o Órgão de Apelação observou que não existe fundamento legal no Acordo SPS para tal requisito quantitativo51. Assim, muito embora uma avaliação de risco deva identificar um risco real, esse risco não precisa ser quantificado, mas pode ser indicado qualitativamente. Avaliação de Risco para Riscos de Pragas e Doenças No caso Australia – Salmon, a medida sanitária em questão (o banimento pela Austrália da importação de salmão fresco, gelado ou congelado do Canadá) foi destinada a impedir a entrada, estabelecimento, ou disseminação de doenças em peixes. Assim, a primeira definição de avaliação de risco foi aplicável. O Painel entendeu que esse tipo de avaliação de risco precisa: (1) examinar o risco de entrada, estabelecimento e disseminação de uma doença; e (2) examinar o risco das “conseqüências biológicas e econômicas potenciais associadas”.52 Isso difere da segunda definição de avaliação de risco para riscos inerentes a alimentos, já que essa não envolve o exame de conseqüências biológicas e econômicas. Isso é porque nos casos onde a saúde humana está em risco, os Membros não podem ser solicitados a sopesar considerações econômicas. Para avaliar esses dois elementos de risco nos termos da primeira definição, um teste de três etapas deve ser feito.53 Notadamente, a avaliação de risco precisa: (1) identificar as pragas ou as doenças cuja entrada, estabelecimento ou disseminação um Membro quer impedir em seu território, bem como as conseqüências biológicas e econômicas possíveis associadas com a entrada, estabelecimento ou disseminação dessas doenças; (2) examinar a ‘likelihood’/probabilidade da entrada, estabelecimento e disseminação dessas pragas e doenças, bem como das conseqüências biológicas e econômicas potenciais associadas; e (3) examinar a ‘likelihood’/probabilidade da entrada, estabelecimento e disseminação dessas doenças de acordo com as medidas sanitárias e fitossanitárias que podem ser aplicadas.54 O Órgão de Apelação ressaltou, no caso Australia – Salmon55, a diferença dos termos usados para a primeira e a segunda definição de avaliação de risco no Anexo A. Enquanto a segunda definição pede um exame do “potencial” para gerar efeitos adversos, a primeira requer o exame da “likelihood” da entrada, estabelecimento e 51 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 186. 52 Relatório do Painel, Australia – Measures Affecting Importation of Salmon (“Australia-Salmon”), WT/DS18/R e Corrigendum 1, parágrafo 8.72. 53 Relatório do Órgão de Apelação, Australia – Salmon, parágrafo 121. 54 Relatório do Órgão de Apelação, Australia – Salmon, parágrafo 121. Esse teste foi endossado pelo Órgão de Apelação no caso Japan – Agricultural Products, bem como pelo Painel de Implementação no caso Australia – Salmon (Relatório do Órgão de Apelação, Japan Agricultural Products, parágrafo 112; Relatório do Painel de Implementação, Australia – Salmon, parágrafo 7.41). 55 Relatório do Órgão de Apelação, Australia – Salmon, parágrafo 123.

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disseminação de pragas e doenças. O Órgão de Apelação decidiu que “likelihood” significa “probability” [probabilidade]. Nesse sentido, nos termos dessa definição de avaliação de risco, não é suficiente demonstrar a possibilidade de entrada, estabelecimento ou disseminação de doenças e as conseqüências biológicas e econômicas potenciais associadas. Em vez disso, a avaliação de risco tem que examinar a “likelihood”, ou seja, a probabilidade, da entrada, estabelecimento ou disseminação de doenças de acordo com as medidas sanitárias ou fitossanitárias que podem ser aplicadas.56 O Órgão de Apelação discordou do Painel de que algum exame da “likelihood” ou probabilidade é suficiente, mas concordou que a probabilidade pode ser expressa tanto quantitativamente quanto qualitativamente e que não existe a exigência de que a avaliação de risco contenha a determinação de uma certa magnitude ou nível específico de grau de risco.57 Parece que a diferente terminologia nas duas definições de avaliação de risco foi destinada a definir requisitos menos rigorosos nos casos onde a saúde humana parece mais vulnerável ao risco, notadamente quando a segurança dos alimentos está em questão; do que nos casos em que o risco aplica-se a pragas e doenças, que mais facilmente afetam plantas e animais. Contudo, em nenhum dos casos é necessária uma avaliação de risco quantificado nem é preciso que um nível mínimo de risco seja provado. Especificidade Além das considerações sobre os requisitos específicos para cada uma das duas definições de avaliação de risco, as decisões nesses casos também tratam de questões comuns relacionadas à avaliação de risco em geral. Um desses assuntos é o requisito da especificidade na análise do risco. Não é suficiente, para uma avaliação de risco, demonstrar um risco geral de dano. O tipo específico de risco em questão na disputa deve ser demonstrado.58 Abrangência Ademais, uma avaliação de risco deve ser abrangente, ou seja, deve cobrir cada uma das substâncias em questão.59

56 A primeira definição também esteve em discussão no caso Japan – Agricultural Products (Relatório do Órgão de Apelação, Japan Agricultural Products, parágrafo 113-114). 57 Relatório do Órgão de Apelação, Australia – Salmon, parágrafo 123-124. 58 No caso EC – Hormones, o Órgão de Apelação decidiu que as avaliações de risco das CE não trataram do tipo particular de risco em questão naquele caso, notadamente o potencial carcinogênico e genotóxico dos resíduos dos hormônios encontrados na carne do gado ao qual os hormônios haviam sido administrados com vistas ao crescimento. Nesse sentido, os estudos não foram suficientemente específicos para o caso e não preencheram os requisitos da avaliação de risco (Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 200). 59 No caso EC – Hormones, houve uma completa falta de provas com relação a um dos hormônios em questão, o MGA. O Painel observou que um dos princípios básicos de uma avaliação de risco é que ela precisa ser feita para cada uma das substâncias individuais em questão (Relatório do Painel, EC – Hormones (Canadá), parágrafo 8.258 e Relatório do Painel, EC – Hormones (EUA), parágrafo 8.255)). De forma análoga, no caso Australia – Salmon, o Painel enfatizou que uma avaliação de risco deve identificar e examinar o risco para cada doença separadamente, não simplesmente tratar do risco

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Relevância da avaliação de risco para as outras categorias de produtos É possível que existam estudos ou avaliações de risco em outras categorias de produtos, que possam ter relevância para o caso em questão. Por exemplo, duas categorias de produtos podem enfrentar riscos do mesmo agente da doença. Contudo, muito embora uma avaliação de risco completamente nova poderia não ser necessária para cada categoria de produto, uma avaliação de risco por categorias de produtos relacionados não pode ser considerada uma avaliação de risco para um produto.60 Como Apropriado para as Circunstâncias O requisito de que as medidas sanitárias e fitossanitárias sejam baseadas em uma avaliação de risco é qualificado pela frase “como apropriado para as circunstâncias”. Já foi decidido que essa qualificação não anula nem suspende a obrigação do Membro de basear as medidas sanitárias ou fitossanitárias em uma avaliação de risco. Em vez disso, essa expressão foi considerada relacionada à maneira pela qual tal avaliação de risco precisa ser feita.61 Ela pode ser distinta, dependendo da fonte do risco (por exemplo, químico ou patogênico), do sujeito ao risco (pessoas, animais ou plantas), do produto envolvido, e de situações específicas dos países em relação ao país de origem ou destino do produto. A maneira apropriada de condução de uma avaliação de risco em um caso específico é uma questão determinada com referência aos pareceres científicos de especialistas e por técnicas estabelecidas por organizações internacionais padronizadoras na área em questão.62 Essa flexibilidade na maneira de condução de uma avaliação de risco pode ser particularmente útil para países em desenvolvimento. 3.2.2 Fatores a Serem Levados em Consideração Artigo 5.2 do SPS Embora o Acordo SPS não especifique a metodologia a ser usada na condução da avaliação de risco, além de requerer que os Membros levem em consideração as técnicas desenvolvidas por organizações internacionais63, o Artigo 5 lista alguns fatores que os Membros precisam levar em conta quando forem fazer avaliação de risco. O Artigo 5.2 lista as considerações científicas e técnicas, quais sejam: “prova científica disponível; processos e métodos de produção relevantes, inspeção, métodos para testes e amostragem; prevalência de doenças e pragas específicas; existência de áreas livres de pragas ou doenças; condições ecológicas e ambientais relevantes; e quarentena ou outro tratamento”. Desta lista está claro que uma avaliação de risco, para os propósitos do Acordo SPS, não é puramente científica (no sentido de ciência laboratorial), mas

relacionado à combinação de todas as doenças como um todo (Relatório do Painel, Australia – Salmon, parágrafo 8.74.) 60 Relatório do Painel, Australia – Salmon, parágrafo 8.58. 61 Relatório do Painel, Australia – Salmon, parágrafo 8.57. 62 Relatório do Painel, Australia – Salmon, parágrafo 8.71. 63 As organizações internacionais padronizadoras relevantes criaram guias sobre técnicas de avaliação de risco. Veja, por exemplo, o Codex Principles and Guidelines for the Conduct of Microbiological Risk Assessment CAC/GL30, (1999); o IPPC Guidelines for Pest Risk Analysis. Capítulo 2: Pest Risk Assessment, ISPM 2 (1996); e o OIE International Animal Health Code, Guidelines for Risk Analysis, Capítulo 1.3.2.(2001) e o International Aquatic Animal Health Code, Guidelines for Risk Assessment, Capítulo 1.4.2 (2002).

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envolve considerações de fatores do mundo real que afetam o risco, tais como fatores climáticos que podem contribuir para a disseminação da praga; a vulnerabilidade de um ecossistema, como aquele de um estado insular, a efetividade de mecanismos de controle, etc. No caso EC – Hormones, o Órgão de Apelação esclareceu que o Artigo 5.2 não é uma lista fechada e, por isso, os riscos relacionados à detecção e o controle de falhas na observação de boas práticas veterinárias podem também ser levadas em consideração na avaliação de risco. Assim, o Órgão de Apelação reformou a decisão do Painel de que tais considerações não eram científicas e, portanto, faziam parte do gerenciamento de risco e não da avaliação de risco. A esse respeito, o Órgão de Apelação observou: É essencial ter em mente que o risco a ser examinado em uma avaliação de risco nos termos do Artigo 5.1 não é só o risco que se pode afirmar em um laboratório científico que opera dentro de condições estritas de controle, mas também os riscos em uma sociedade como eles existem realmente, em outras palavras, as verdadeiras possibilidade de ocorrência de efeitos adversos à saúde humana no mundo real, onde as pessoas vivem, trabalham e morrem. 64 Artigo 5.3 do SPS O Artigo 5.3 lista certos fatores econômicos que os Membros precisam levar em consideração quando avaliam os riscos à vida ou à saúde de animais ou plantas (e não das pessoas), ou quando escolhem as medidas sanitárias ou fitossanitárias a serem aplicadas para que o alcance do nível de proteção escolhido. Esses fatores econômicos são: “o dano potencial em termos de perda da produção ou de vendas no caso de entrada, estabelecimento ou disseminação de uma praga ou doença; os custos de controle ou erradicação no território do Membro importador; e o relativo custo-efetividade de abordagens alternativas para a limitação dos riscos.” É importante observar que os Membros não são obrigados a levar esses fatores em conta quando regulam riscos à vida ou à saúde das pessoas, já que é reconhecido que a saúde humana tem prioridade sobre as considerações econômicas indicadas acima. 3.2.3 Exigência de que as Medidas sejam “baseadas em” uma Avaliação de Risco Artigo 5.1 do SPS O Artigo 5.1 estabelece o requisito de que as medidas sanitárias e fitossanitárias sejam “baseadas em” uma avaliação dos riscos à vida ou saúde humana, animal e vegetal, de forma apropriada às circunstâncias e levando em consideração as técnicas de avaliação de risco desenvolvidas pelas organizações internacionais relevantes. O significado da expressão “baseada em” foi discutida no caso EC – Hormones. O Órgão de Apelação decidiu que “baseada em” refere-se a uma certa relação objetiva entre dois elementos, notadamente, entre as medidas sanitárias e fitossanitárias e a avaliação de risco.65

64 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 187. 65 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 189.

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O Órgão de Apelação também decidiu que a exigência de que a medida sanitária ou fitossanitária seja “baseada em” uma avaliação de risco é uma exigência substantiva. O Artigo 5.1, lido em conjunto com o Artigo 2.2, estabelece que os resultados da avaliação de risco precisam “garantir suficientemente” ou “razoavelmente apoiar” a medida sanitária ou fitossanitária, e, assim, existe uma relação racional entre a medida e a avaliação de risco.66 Conclusões Científicas Conflitantes Na prática, às vezes surge uma situação em que avaliações de risco chegam a conclusões conflitantes. No caso EC – Hormones, o Órgão de Apelação tratou dessa situação e decidiu que uma avaliação de risco não precisa chegar a uma decisão monolítica, mas podem apresentar tanto opiniões dominantes quanto divergentes.67 O Órgão de Apelação também decidiu: ...Na maioria dos casos, governos responsáveis e representativos tendem a basear suas medidas administrativas e legislativas em opiniões científicas dominantes. Em outros casos, governos igualmente responsáveis e representativos podem agir de boa fé com base no que, em um dado momento, pode ser uma opinião divergente de fontes qualificadas e respeitadas. Por si mesmo, este fato não necessariamente aponta para a ausência de uma relação razoável entre a medida sanitária ou fitossanitária e a avaliação de risco, especialmente quando o risco envolvido implica ameaça à vida e é considerado uma ameaça clara e iminente à saúde e segurança públicas. A determinação da presença ou da ausência dessa relação só pode ser feita caso a caso, depois que se leva em conta todas as considerações racionalmente colocadas sobre a questão dos efeitos potenciais adversos à saúde.68 Avaliações de Risco Emprestadas O Órgão de Apelação também observou que o 5.1 não requer que um Membro conduza a sua própria avaliação de risco. Os Membros podem basear as suas medidas em outras avaliações relevantes, tais como aquelas feitas por um outro Membro ou uma organização internacional, “como apropriado para as circunstâncias”.69 Essa conclusão significa que os países em desenvolvimento, muitos dos quais enfrentam problemas na condução das suas próprias avaliações de risco devido a restrições de recursos, podem basear suas medidas em avaliações de risco feitas por outros Membros ou organizações internacionais. Contudo, é preciso observar que essas avaliações de risco emprestadas devem tratar a situação de risco de fato enfrentada pelo Membro que impõe a medida (ou seja, condições ambientais relevantes, métodos de inspeção, danos potenciais, etc.) de maneira a cumprir as exigências dos Artigos 5.2 e 5.3.

66 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 193. 67 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 193. 68 Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 194. 69 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 194. Contudo, o Órgão de Apelação requereu que a prova da existência de uma avaliação de risco que apoiou a medida fosse produzida no processo de solução de controvérsia.

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Medidas que antecedem as avaliações de risco Também é importante determinar quando a avaliação de risco precisa ter sido feita para que a medida seja baseada em tal avaliação. Obviamente há uma grande quantidade de medidas sanitárias e fitossanitárias que existiam antes da entrada em vigor do Acordo SPS. É possível que muitas dessas medidas não tenham sido baseadas em avaliações de risco, especialmente naqueles Membros cujos recursos são escassos para permitir a condução de avaliações de risco completas antes da adoção de medidas sanitárias ou fitossanitárias. No caso EC – Hormones, o Painel observou que é possível que uma medida sanitária ou fitossanitária adotada antes da entrada em vigor do Acordo SPS seja baseada em uma avaliação de risco levada a cabo após essa data. Contudo, isso não isenta o Membro da obrigação de basear a sua medida em uma avaliação de risco.70 Naquele caso, o Órgão de Apelação confirmou essa decisão.71 3.3 Gerenciamento de Risco Como discutido acima, o Acordo SPS dá às autoridades regulatórias nacionais espaço amplo para a tomada de decisões de gerenciamento de risco, tal como a determinação do nível de proteção que eles irão procurar obter e como a escolha da medida sanitária ou fitossanitária que eles irão impor para atingir esse nível de proteção. Contudo, existem certas disciplinas não-científicas que se aplicam no exercício dessas escolhas. 3.3.1 O Direito de Determinação do Nível Apropriado de Proteção Anexo A.5 do SPS O conceito de “nível apropriado de proteção” está definido no Anexo A, parágrafo 5, como o nível de proteção considerado apropriado pelo Membro impondo a medida. Está claro, portanto, que é prerrogativa do Membro decidir que nível de proteção da vida ou saúde humana, animal e vegetal ele buscará alcançar em seu território. Essa escolha é normalmente feita com base em informação científica, bem como outras considerações como as preferências dos produtores e dos consumidores. O Acordo SPS não obriga um Membro a aceitar um nível de proteção mais baixo do que ele escolheu, mesmo que isso seja mais eficiente comercialmente. É importante distinguir de forma cuidadosa entre o risco avaliado em um processo de avaliação de risco e o nível apropriado de proteção objetivado. Esse fato foi observado pelo Órgão de Apelação no caso Australia – Salmon, onde ele rejeitou a consideração do Painel de que os Membros não poderiam objetivar o “risco zero”.72 O Órgão de Apelação distinguiu o “risco” examinado na avaliação de risco, que precisa ser um risco identificável e não apenas uma incerteza teórica (como discutido acima), e o “nível apropriado de proteção” escolhido, que pode ser um nível de risco-zero.73 Claramente, uma vez demonstrado que há prova científica do risco, os Membros estão livres para escolher seus próprios níveis de proteção.

70 Relatório do Painel, EC-Hormones (Canadá), parágrafo 8.102 e Relatório do Painel, EC-Hormones (EUA), parágrafo 8.99. 71 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 129. 72 Relatório do Painel, Australia – Salmon, parágrafo 8.81. 73 Relatório do Órgão de Apelação, Australia – Salmon, parágrafo 125.

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3.3.2 Minimizando os Efeitos Negativos ao Comércio Artigo 5.4 do SPS O Artigo 5.4 estabelece que os Membros devem levar em conta o objetivo de minimizar os efeitos negativos ao comércio, quando escolhem o seu nível apropriado de proteção. O uso da palavra “devem” (no inglês “should”) em vez de “irão” (“shall”) indica que esse é um dispositivo puramente enunciativo, que não contém uma obrigação vinculante aos Membros, mas apenas serve para encorajá-los a considerar os efeitos comerciais em suas escolhas relativas ao nível de proteção.74 Certamente, obrigar um Membro a escolher o nível de proteção menos restritivo possível ao comércio seria ir contra o princípio basilar do Acordo SPS, que reconhece o direito dos Membros de determinar o nível de proteção que eles querem garantir dentro dos seus territórios. 3.3.3 Prevenção contra Distinções Arbitrárias ou Injustificáveis que levam à Discriminação/Restrição Disfarçada ao Comércio Artigo 5.5 do SPS Diferentemente do Artigo 5.4, o Artigo 5.5 do Acordo SPS contém uma obrigação vinculante, que disciplina a escolha dos Membros do nível de proteção apropriado. O Artigo 5.5 estabelece: Com o objetivo de assegurar a coerência na aplicação do conceito de nível adequado de proteção sanitária ou fitossanitária contra os riscos à vida ou saúde humana ou à vida ou saúde animal ou vegetal, cada Membro evitará estabelecer distinções arbitrárias ou injustificáveis nos níveis que considere adequados em situações diferentes, caso essas distinções resultem em uma discriminação ou restrição disfarçada ao comércio internacional. Os Membros cooperarão no Comitê, em conformidade com os parágrafos 1, 2 e 3 do Artigo 12 do presente Acordo para elaborar diretrizes destinadas a favorecer a aplicação prática do presente dispositivo. Ao elaborar essas diretrizes, o Comitê levará em consideração todos os fatores pertinentes, incluindo o caráter excepcional dos riscos à saúde aos quais as pessoas se expõem voluntariamente. É necessário determinar o que precisamente gera a disciplina incorporada no Artigo 5.5. Dois elementos do Artigo 5.5 podem ser diferenciados, quais sejam: (1) o objetivo de alcançar coerência na aplicação do conceito de nível apropriado de proteção sanitária e fitossanitária; e (2) a obrigação legal de evitar distinções arbitrárias e injustificáveis nos níveis de proteção considerados apropriados em situações diferentes, se essas distinções resultam em discriminação ou restrições comerciais disfarçadas. Com relação ao primeiro elemento, o Órgão de Apelação observou, no caso EC – Hormones, que o Artigo 5.5 determina um objetivo a ser alcançado no futuro e não estabelece uma obrigação legal de coerência em relação aos níveis apropriados de

74 Isso foi reconhecido pelo Painel no caso EC – Hormones (Relatório do Painel, EC-Hormones (Canadá), parágrafo 8.169 e Relatório do Painel, EC-Hormones (EUA), parágrafo 8.166).

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proteção. Além disso, ele reconhece que os governos muitas vezes estabelecem os seus níveis apropriados de proteção caso a caso, na medida em que os riscos surgem, o que significa que o objetivo não é alcançar coerência absoluta nem perfeita, mas apenas evitar incoerências arbitrárias e injustificáveis.75 A respeito do segundo elemento, que de fato cria uma obrigação imediata aos Membros, o Órgão de Apelação definiu, no caso EC – Hormones,76 as exigências requeridas para a demonstração da violação, que são: (1) o Membro definiu seu próprio nível de proteção em situações diferentes; (2) os níveis de proteção demonstram diferenças arbitrárias ou injustificáveis no tratamento de situações diferentes, por parte dos Membros; e (3) essas diferenças arbitrárias e injustificáveis levam a uma discriminação ou a uma restrição disfarçada ao comércio (relacionada ao efeito da medida usada para refletir o nível particular de proteção).77 Essas exigências foram consideradas cumulativas, o que significa que prova de tratamentos diferentes de situações diferentes não é suficiente, apesar de poder servir como um sinal de alerta de que a medida pode ser discriminatória ou uma restrição disfarçada ao comércio. Situações diferentes É óbvio que nem todos os riscos à saúde podem ou devem ser tratados da mesma maneira. Assim, com relação ao primeiro requisito para a prova de violação do Artigo 5.5, o Órgão de Apelação decidiu, no caso EC – Hormones, que para comparar os diferentes níveis de proteção considerados apropriados por um Membro, as situações diferentes precisam ser comparáveis, ou seja, precisam ter algum elemento comum ou elementos comuns.78 No caso Australia - Salmon, o Órgão de Apelação observou que situações envolvendo um risco de entrada, estabelecimento ou disseminação da mesma doença ou de doença similar ou um risco de uma mesma conseqüência ou conseqüências biológicas ou econômicas associadas similares são comparáveis nos termos do Artigo 5.5.79 Para definir se o primeiro requisito foi cumprido, é necessário também determinar se o Membro impôs diferentes níveis de proteção em situações diferentes (mas comparáveis). No caso Australia – Salmon, o Painel decidiu que o nível de proteção é normalmente refletido na medida sanitária ou fitossanitária imposta e assumiu que se existe uma diferença entre as medidas sanitárias impostas para situações diferentes comparadas nos termos do Artigo 5.5, essa diferença reflete um nível de distinção nos

75 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 213. 76 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafos 214-215. 77 Esses elementos foram reiterados no Relatório do Órgão de Apelação, Australia – Salmon, parágrafo 140. 78 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 217. 79 No caso EC-Hormones, o Painel tratou da possibilidade de comparação de situações diferentes. (Relatório do Painel, EC-Hormones (Canadá), parágrafo 8.190, 8.215 e 8.224 e Relatório do Painel, EC-Hormones (EUA), parágrafo 8.186, 8.212 e 8.221). O Órgão de Apelação não decidiu sobre a possibilidade de comparação das situações identificadas pelo Painel. No caso Australia – Salmon, o Órgão de Apelação considerou comparáveis duas situações em que diferentes níveis de proteção foram adotados (Relatório do Órgão de Apelação, Australia – Salmon, parágrafo 153).

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níveis de proteção.80 Contudo, quando tratou da determinação do nível apropriado de proteção nos termos do Artigo 5.6, no caso Australia – Salmon, o Órgão de Apelação observou que nada no Acordo SPS ou no DSU permite que um painel ou o Órgão de Apelação sugira ao Membro qual é o nível de proteção apropriada para a medida que ele aplica para atingir aquele nível de proteção.81 Somente se o Membro não externa seu nível de proteção escolhido ou faz isso de maneira insuficiente, claramente para permitir a aplicação de dispositivos relevantes do Acordo SPS, pode o seu nível de proteção ser sugerido a partir da medida que ele impõe. Diferenças Arbitrárias ou Injustificáveis Com relação ao segundo requisito, notadamente aquele relacionado às diferenças arbitrárias e injustificáveis nos níveis de proteção, os painéis e o Órgão de Apelação examinam se existem razões para justificar as diferenças de níveis de proteção. Por exemplo, eles podem examinar se as duas situações comparadas envolvem diferentes níveis de risco,82 se a dificuldade de controle do risco difere em cada caso83 ou se é diferente o grau de intervenção governamental necessária para atingir o mesmo nível de proteção em cada caso.84 Discriminação ou Restrições Disfarçadas ao Comércio A terceira e “mais importante”85 exigência para a demonstração de violação ao Artigo 5.5 é a de que as distinções arbitrárias ou injustificáveis nos níveis de proteção resultem em discriminação ou em restrição disfarçada ao comércio. Pela jurisprudência, é possível identificar certos “sinais de advertência” que não são conclusivos em seu próprio direito, mas que, se examinados cumulativamente e com outros fatores, podem apoiar a conclusão de que a terceira exigência foi cumprida.86 Contudo, isso depende da circunstância de cada caso. Os três sinais de advertência identificados pelo Painel no caso Australia – Salmon, com os quais o Órgão de Apelação concordou,87 foram: (1) o caráter arbitrário das diferenças nos níveis de proteção (ou seja, que a segunda exigência do Artigo 5.5 seja cumprida);88 (2) as diferenças substanciais nos níveis de proteção;89 e

80 Relatório do Painel, Australia – Salmon, parágrafos 8.123-8.124. 81 Relatório do Órgão de Apelação, Australia – Salmon, parágrafos 199-200. Esse assunto é tratado mais à frente nesse Capítulo. 82 No caso Australia – Salmon, as diferenças do risco envolvido foram examinadas (Relatório do Painel, Australia – Salmon, parágrafo 8.137-8.141 e Relatório do Órgão de Apelação, Australia – Salmon, parágrafo 158.) 83 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafos 221-225. 84 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 221. 85 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 240. 86 No caso Australia – Salmon, o Painel tinha decidido pela violação da terceira exigência do Artigo 5.5, com base nesses três “sinais de advertência” e três “outros fatores mais substanciais in natura” tomados de forma cumulativa (Relatório do Painel, Australia – Salmon, parágrafo 8.149-8.159). Os outros dois primeiros sinais de advertência foram também usados como base no caso EC-Hormones (Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafos 215-240). 87 Relatório do Órgão de Apelação, Australia – Salmon, parágrafo 162-166. 88 Relatório do Painel, Australia – Salmon, parágrafo 8.149; também mencionado no Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 215.

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(3) a ausência de justificativa científica (baseada em constatações anteriores de incompatibilidade com o Artigo 5.1 e 2.2), que indica que a medida em questão constitui uma restrição ao comércio internacional disfarçada de medida sanitária.90 No caso EC – Hormones, os objetivos da medida foram também examinados pelo Painel e pelo Órgão de Apelação, para determinar se houve discriminação ou uma restrição disfarçada ao comércio; e eles chegaram a diferentes conclusões sobre esse ponto.91 Relação com o Artigo 2.3 do SPS No caso EC-Hormones, o Painel e o Órgão de Apelação decidiram que o Artigo 5.5 precisa ser lido conjuntamente com as obrigações básicas dos Membros de evitar discriminação e restrições disfarçadas ao comércio, contidas no Artigo 2.3.92 Orientações para Implementação do Artigo 5.5 do SPS Após cinco anos de deliberação, o Comitê sobre SPS adotou, em sua reunião dos dias 21 e 22 de Junho de 2000, orientações para a implementação do Artigo 5.5.93 As classificações resultantes da jurisprudência sobre esse ponto estão refletidas nas orientações. Em especial, a presença cumulativa dos três “sinais de advertência” mencionados anteriormente é considerada como uma indicação de que há violação ao Artigo 5.5. As orientações não são legalmente vinculantes, mas são destinadas a assistir os funcionários governamentais na aplicação do Artigo 5.5, no processo de decisão sobre os níveis apropriados de proteção ou na adoção e implementação de medidas sanitárias e fitossanitárias. 3.3.4 Medida Menos Restritiva ao Comércio Artigo 5.6 do SPS As decisões relativas ao gerenciamento de risco tomadas pelos governos envolvem não apenas a escolha por um nível apropriado de proteção, como também a escolha de uma medida sanitária ou fitossanitária para alcançar esse nível de proteção. O Artigo 5.6 disciplina a escolha da medida sanitária ou fitossanitária. Ele obriga os Membros a assegurarem que suas medidas sanitárias e fitossanitárias não são mais restritivas ao comércio do que o necessário para o alcance dos níveis apropriados de proteção, levando em consideração a viabilidade técnica e econômica. Isso resulta em uma

89 Relatório do Painel, Australia – Salmon, parágrafo 8.150; também mencionado no Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 240. 90 Relatório do Painel, Australia – Salmon, parágrafo 8.151; também mencionado no Relatório do Painel, EC-Hormones (Canadá), parágrafo 8.244 e Relatório do Painel, EC-Hormones (EUA), parágrafo 8.241. 91 Relatório do Painel, EC-Hormones (Canadá), parágrafo 8.245 e Relatório do Painel, EC-Hormones (EUA), parágrafo 8.242. Contra, Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 245. 92 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 212. Esse ponto foi discutido em maiores detalhes no Capítulo 2 acima. 93 G/SPS/15, de 18 de julho de 2000.

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disciplina sobre a escolha da medida em vez de uma disciplina sobre a seleção de um nível apropriado de proteção. Em uma nota de rodapé a este artigo, é fornecido o conceito de “medida menos restritiva ao comércio do que o necessário”. No caso Australia – Salmon, o Órgão de Apelação concordou com o Painel94 que essa nota de rodapé contém um teste com três etapas.95 Notadamente, uma medida é mais restritiva do que o necessário se existe uma outra medida sanitária ou fitossanitária que: (a) está razoavelmente disponível, levando em consideração a viabilidade técnica e econômica; (b) alcança o nível apropriado de proteção sanitária do Membro; e (c) é significativamente menos restritiva ao comércio do que a medida contestada. O Órgão de Apelação observou que os três elementos são cumulativos no sentido de que, para demonstrar uma incompatibilidade com o Artigo 5.6, todos os três precisam estar presentes.96 Razoavelmente disponível Para demonstrar uma violação ao Artigo 5.6, a parte reclamante deve provar que existe uma medida alternativa que está “razoavelmente disponível, levando em consideração a viabilidade técnica e econômica”. Esse reconhecimento de que uma medida menos restritiva poderia ter custos regulatórios e de cumprimento elevados ou poderia ser de implementação impraticável é especialmente significativo para países em desenvolvimento. Eles, portanto, não serão solicitados a adotar medidas menos restritivas ao comércio nos casos em que eles não tiverem os recursos ou capacidade técnica para fazer isso. Alcançar nível apropriado de proteção Para demonstrar uma violação ao Artigo 5.6, um Membro precisa provar que as medidas alternativas alcançam o nível apropriado de proteção do Membro importador. Isso é importante porque o Acordo SPS reconhece que os Membros tem a prerrogativa de definir seus próprios níveis de proteção e não podem ser solicitados a diminuí-los mesmo se alternativas menos restritivas existirem. Portanto, é preciso determinar qual é o nível apropriado de proteção para que seja possível a aplicação desse dispositivo. A escolha do nível de proteção é prerrogativa exclusiva dos tomadores de decisão nacionais. Assim, medidas alternativas precisam ser sempre julgadas em relação aos níveis de proteção escolhidos pelos Membros, e não simplesmente comparado com a medida atualmente em vigor. Existem, contudo, casos em que os Membros ou não afirmam expressamente qual foi o nível de proteção que eles escolheram, ou fazem isso de forma tão vaga que é impossível aplicar o Artigo 5.6.

94 Relatório do Painel, Australia – Salmon, parágrafo 95. [NOTA DO TRADUTOR: Não há parágrafo 95 nesse Relatório do Painel. A Autora deve ter se referido ao Relatório do Órgão de Apelação] 95 Relatório do Órgão de Apelação, Australia – Salmon, parágrafo 194. 96 Relatório do Órgão de Apelação, Australia – Salmon, parágrafo 194. Essa consideração foi reiterada no Relatório do Órgão de Apelação, Japan - Agricultural Products, parágrafo 95.

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O Órgão de Apelação já decidiu que existe uma obrigação inserida no Acordo SPS de que os Membros determinem o nível de proteção deles. Somente em casos onde um governo não define de forma adequada o seu nível de proteção, pode o painel inferir tal nível pela medida aplicada de forma a impedir que se evite o cumprimento das disciplinas do Acordo SPS.97 Significativamente Menos Restritiva ao Comércio A terceira exigência para uma violação ao Artigo 5.6 é que a medida alternativa disponível seja “significativamente menos restritiva ao comércio” do que a medida aplicada de fato. Vale observar que a medida alternativa precisa ser significativamente menos restritiva ao comércio para que uma medida de um Membro seja considerada “mais restritiva do que o necessário”. Assim, uma diferença pequena no impacto contra o comércio das duas medidas não é suficiente para obrigar um Membro a adotar a medida alternativa.98 3.4 Medidas Cautelares e o Princípio da Precaução Princípio da Precaução É geralmente aceito que existem situações em que os governos precisam tomar medidas para prevenir riscos à saúde mesmo quando inexiste prova científica suficiente com relação ao risco. Nesse sentido, os governos podem agir com precaução de maneira a proteger contra os riscos sem esperar os resultados conclusivos das análises científicas. Isso é comumente chamado de agir em conformidade com o principio da precaução ou abordagem cautelar. A extensão do uso princípio da precaução no Acordo SPS é demonstrado abaixo. O Artigo 5.7 do Acordo SPS permite medidas cautelares quando existe prova científica suficiente, sob certas circunstâncias; e, dessa forma, pode-se dizer que ele reflete o princípio da precaução. No caso EC – Hormones, as CE caracterizaram a sua medida como final, em vez de cautelar, razão pela qual não pôde se apoiar no Artigo 5.7. Assim, as CE tiveram que se apoiar no princípio da precaução fora da estrutura do Artigo 5.7, como uma regra costumeira de direito internacional ou pelo menos como um princípio geral de direito, aplicável à interpretação das disciplinas científicas do Acordo SPS. O Órgão de Apelação externou a sua dúvida se o princípio da precaução de fato se transformou em um princípio geral de direito costumeiro internacional, fora do campo do direito ambiental internacional, mas entendeu que era desnecessário decidir essa questão.99 O Órgão de Apelação decidiu, então, que o princípio da precaução não poderia solapar os requisitos explícitos dos Artigos 5.1 e 5.2, nos casos de incerteza

97 Relatório do Órgão de Apelação, Australia – Salmon, parágrafos 205-207. 98 Essa exigência foi examinada tanto pelo Painel e pelo Painel de Implementação no caso Australia – Salmon, quanto pelo Painel no caso Japan – Agricultural Products (veja Relatório do Painel, Australia – Salmon, parágrafo 8.182; Relatório do Painel de Implementação, Australia – Salmon, parágrafos 7.150 – 7.153; e Relatório do Painel, Japan – Measures Affecting Agricultural Products, WT/DS76/R, parágrafos 8.79,8.89,8.95-8.96 e 8.103-8.104). 99 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 123.

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científica.100 Sobre a relação entre o “princípio da precaução” e o Acordo SPS, o Órgão de Apelação observou os seguintes quatro elementos: Primeiramente, o princípio não foi incluído no Acordo SPS como fundamento para a justificativa de medidas sanitárias ou fitossanitárias que são incompatíveis com outras obrigações dos Membros definidas em dispositivos específicos do Acordo. Em segundo lugar, o princípio da precaução de fato está refletido no Artigo 5.7 do Acordo SPS. Ao mesmo tempo, nós concordamos com as Comunidades Européias, que não existe necessidade de assumir que o Artigo 5.7 exaure a relevância do princípio da precaução. Ele está também refletido no sexto parágrafo do preâmbulo e no Artigo 3.3. Tais dispositivos reconhecem explicitamente o direito dos Membros de estabelecer seus próprios níveis adequados de proteção sanitária, que podem ser mais altos (ou seja, mais cauteloso) do que aqueles contidos nos padrões, orientações e recomendações internacionais existentes. Em terceiro lugar, um painel encarregado de examinar, por exemplo, se ‘prova científica suficiente’ existe para garantir a manutenção, por um Membro, de uma medida sanitária ou fitossanitária em particular pode, por certo, e deve ter em mente que governos responsáveis e representativos comumente agem sob a perspectiva da prudência e da precaução onde riscos de dano irreversível, ou seja, fatal, à saúde estão em questão. Finalmente, contudo, o princípio da precaução, por ele mesmo e sem uma direção clara do texto nesse sentido, não isenta o painel da obrigação de aplicar os princípios normais (ou seja, direito consuetudinário internacional) de interpretação de tratados no exame de dispositivos do Acordo SPS.101 Artigo 5.7 do SPS Assim, está claro que os Membros que querem impor medidas sanitárias ou fitossanitárias na ausência de prova científica suficiente precisam fazer isso em conformidade com o Artigo 5.7 e não podem se apoiar no “princípio da precaução” para suavizar as disciplinas científicas do Acordo SPS. No caso Japan – Agricultural Products, o Órgão de Apelação decidiu que o Artigo 5.7 representa uma “exceção qualificada da obrigação do Artigo 2.2 de que não se mantém medidas sanitárias ou fitossanitárias sem prova científica suficiente.”102 É, portanto, necessário examinar quais são os requisitos do Artigo 5.7, que dispõe: Nos casos em que a prova científica relevante é insuficiente, um Membro pode adotar cautelarmente medidas sanitárias e fitossanitárias com base na informação pertinente disponível, incluindo aquela da organização internacional relevante, assim como aquelas das medidas sanitárias e fitossanitárias aplicadas por outros Membros. Nessas circunstâncias, os Membros irão procurar obter a informação adicional necessária para uma avaliação mais objetiva do risco e irão rever a medida sanitária e fitossanitária em um período razoável de tempo. No caso Japan – Agricultural Products, o Órgão de Apelação identificou quatro requisitos para as medidas cautelares nos termos do Artigo 5.7. Notadamente, a medida precisa: 100 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 125, onde ele decidiu que, “dessa forma, nós concordamos com a constatação do Painel que o princípio da precaução não se sobrepõe aos dispositivos do Acordo SPS.” 101 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 124. 102 Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Agricultural Products, parágrafo 80.

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(1) ser imposta com relação a uma situação em que “informação científica relevante é insuficiente”; (2) ser adotada “com base na informação pertinente disponível”; (3) não ser mantida a não ser que o Membro procure “obter a informação adicional necessária para uma avaliação mais objetiva do risco; e (4) ser revista de forma adequada “dentro de um período razoável de tempo”. Esses requisitos foram considerados cumulativos. Nesse sentido, todas as quatro condições do Artigo 5.7 precisam ser satisfeitas para evitar as disciplinas científicas dos Artigo 2.2 e 5.1 do Acordo SPS. 3.4.1 Prova Científica Relevante Insuficiente O primeiro requisito, qual seja “prova científica relevante insuficiente”, precisa ser preenchido para que o Artigo 5.7 seja aplicado.103 Assim, é fundamental decidir em que circunstâncias este critério vai ser alcançado. No caso Japan – Agricultural Products, o único caso até aqui em que o Artigo 5.7 foi usado, o Painel decidiu que era desnecessário decidir sobre esse assunto por razão de economia processual, com o que o Órgão de Apelação concordou. Não existe orientação na jurisprudência com relação à interpretação dessa exigência. 3.4.2 Baseada na Informação Pertinente Disponível O segundo critério contido no Artigo 5.7 requer que a medida cautelar seja adotada “com base na informação pertinente disponível”. Economia processual também impediu o exame dessa questão no caso Japan – Agricultural Products. 3.4.3 Obrigação de Obter Informação Adicional Necessária O Artigo 5.7 também proíbe a manutenção de medidas cautelares a não ser que o Membro “procure obter a informação necessária para uma avaliação mais objetiva do risco”. No caso Japan – Agricultural Products, o Órgão de Apelação decidiu em relação a esse assunto que: Nem o Artigo 5.7 nem outro dispositivo do Acordo SPS estabelece explicitamente os pré-requisitos relacionados às informações adicionais a serem obtidas ou um processo específico de obtenção de informações. Além disso, o Artigo 5.7 não especifica quais resultados de fato precisam ser alcançados; a obrigação é “procurar obter” informação adicional. Contudo, o Artigo 5.7 diz que a informação adicional deve ser buscada para permitir que o Membro conduza “uma avaliação de risco” mais objetiva. Assim, a informação buscada deve ser adequada para a condução de tal avaliação de risco, ou seja, a avaliação da ‘likelihood’/probabilidade da entrada, estabelecimento ou disseminação, in casu, de uma praga, de acordo com medidas sanitárias e fitossanitárias que podem ser aplicadas. Nós observamos que a informação obtida pelo 103 Deve ser observado que, no caso Japan – Agricultural Products, nem o Painel nem o Órgão de Apelação começaram decidindo se esse requisito foi satisfeito e, então, se o Artigo 5.7 era aplicável a esse caso.

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Japão ‘não examina a adequação’ da medida sanitária em questão; e não trata do assunto principal, qual seja, se as características relativas à variedade causam uma divergência na eficácia da quarentena”. Tendo em vista essa conclusão, nós concordamos com o Painel que o Japão não procurou obter a informação adicional necessária para uma avaliação de risco mais objetiva.104 3.4.4 Revisão Dentro de um Período Razoável de Tempo O último requisito contido no Artigo 5.7 refere-se à obrigação de rever a medida dentro de um “período razoável de tempo”. Assim, o Artigo 5.7 cria apenas uma exceção, limitada no tempo, às disciplinas sanitárias e fitossanitárias normais, condicionada à revisão da medida sob a luz de prova nova. No caso Japan – Agricultural Products, o Órgão de Apelação teve que decidir sobre o que constitui um “período razoável de tempo”, dentro do qual se deve rever a medida. O Órgão de Apelação decidiu que isso deve ser definido caso a caso, com referência às circunstâncias específicas de cada caso, incluindo a dificuldade na obtenção de informação adicional necessária para a revisão e as características da medida sanitária ou fitossanitária cautelar. É significativa a constatação do Órgão de Apelação de que um dos fatores a serem considerados em um dado caso é a dificuldade em se obter a informação adicional necessária para a revisão. Certamente, o estágio do conhecimento científico tem um impacto direto na dificuldade em se obter a informação requerida e, portanto, impactaria na decisão a respeito do término do “período razoável”. Isso é importante tendo em vista que dilui a natureza temporária das medidas permitidas nos termos do Artigo 5.7 e cria regra para as circunstâncias nas quais a incerteza científica persiste por períodos de tempo estendidos ou se espera que os riscos envolvidos sejam materializados somente no longo prazo. Assim, evita-se relacionar artificialmente a exigência da revisão dentro de um “período razoável de tempo” a prazos específicos. Nesse sentido, os Membros não precisam temer que o fundamento no Artigo 5.7 para justificar suas medidas vai comprometer suas habilidades de manter a medida, desde que seja necessário para a prova científica o alcance de respostas claras. Por outro lado, é importante observar que a dificuldade na obtenção de informação não é o critério único. As circunstâncias específicas dos casos serão avaliadas a seguir, inclusive as características da medida sanitária ou fitossanitária em questão, entre outras, para determinar se este critério foi preenchido. 3.5 Teste Sua Compreensão 1. Faça a distinção de quando seria aplicada cada uma das definições de avaliação de risco e indique as exigências para cada uma delas. 2. Descreva os limites ao exercício do direito de um Membro de definir seu próprio nível de proteção adequado e explique se eles podem resultar em um Membro sendo forçado a diminuir seu nível de proteção apropriado. 3. Se um Membro quer impor medidas sanitárias e fitossanitárias em uma situação de incerteza científica, quais são os requisitos que ele precisa preencher? Esses requisitos podem ser suavizados com base no princípio da precaução?

104 Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Agricultural Products, parágrafo 92.

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4. OUTROS DISPOSITIVOS SUBSTANTIVOS Após completar o estudo deste capítulo o leitor estará apto a: • identificar as obrigações relacionadas ao reconhecimento da equivalência de diferentes medidas sanitárias e fitossanitárias, bem como aquelas obrigações relativas à adaptação das medidas sanitárias e fitossanitárias às condições regionais. • avaliar os benefícios potenciais desses dispositivos para os países em desenvolvimento e identificar problemas com sua implementação. 4.1 Equivalência Artigo 4 do SPS A harmonização das medidas sanitárias e fitossanitárias com os padrões internacionais nem sempre é possível ou desejável, considerando que condições locais, preferências dos consumidores e capacidade técnica são diferentes entre os países. Além disso, existem muitas áreas nas quais ainda não existem padrões internacionais. Em todos esses casos, os exportadores deparam-se com uma variedade de padrões sanitários e fitossanitários diferentes que eles precisam cumprir para conseguir acesso a mercados. Essa variedade de padrões sanitários e fitossanitários tem um impacto negativo no comércio. Esse impacto negativo no comércio gerado por medidas sanitárias ou fitossanitárias divergentes pode ser reduzido pelo reconhecimento de que diferentes medidas sanitárias e fitossanitárias podem ser igualmente efetivas na redução do risco, e, portanto, alcançar o mesmo nível de proteção. O Artigo 4 do Acordo SPS define obrigações dos Membros em relação ao reconhecimento da equivalência. 4.1.1 Aceitação da Equivalência Artigo 4.1 do SPS O reconhecimento da equivalência muitas vezes ocorre de forma ad hoc e não é refletida nos acordos formais sobre equivalência. O Artigo 4.1 trata do reconhecimento da equivalência, obrigando os Membros a aceitar medidas sanitárias ou fitossanitárias equivalentes, se o Membro exportador demonstrar objetivamente ao Membro importador que sua medida alcança o nível apropriado de proteção do Membro importador. Por esse motivo, o Membro importador precisa receber, se pedir, acesso razoável para inspeção, testes e outros procedimentos relevantes. 4.1.2 Acordos Sobre o Reconhecimento da Equivalência Artigo 4.2 do SPS Na prática, é possível que o reconhecimento da equivalência seja negociado e incorporado em acordos bilaterais, regionais ou multilaterais, nos quais os critérios são definidos por aceitação de diferentes medidas sanitárias ou fitossanitárias como

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equivalentes, seja com base em sistemas ou seja caso a caso. O Artigo 4.2 encoraja a conclusão de acordos de equivalência obrigando os Membros a fazer consultas entre si, a requerimento, com o objetivo de alcançar acordos bilaterais e multilaterais a respeito do reconhecimento da equivalência de medidas sanitárias ou fitossanitárias especificadas. Contudo, não existe nenhuma obrigação de se concluir tais acordos. 4.1.3 Importância do Reconhecimento da Equivalência para os Países em Desenvolvimento Se os Membros importadores reconhecem que as várias medidas podem atingir o mesmo nível de proteção e são, portanto, equivalentes, o fato de que os países em desenvolvimento têm diferentes capacidades em relação à imposição e ao controle de medidas sanitárias e fitossanitárias não precisa resultar na rejeição de seus produtos agrícolas em seus mercados de exportação. Por essa razão, o Artigo 4 pode significar a melhoria do acesso a mercados para os produtos agrícolas e alimentícios dos países em desenvolvimento. 4.1.4 Problemas de Implementação Enfrentados pelos Países em Desenvolvimento Preocupações têm sido levantadas por países em desenvolvimento em relação à implementação do Artigo 4 do Acordo SPS. Eles argumentam que os países desenvolvidos exigem “identidade” em vez de “equivalência” dos padrões sanitários ou fitossanitários e dos sistemas de controle e inspeção. Isso retira dos países em desenvolvimento a flexibilidade na escolha de medidas que o Artigo 4 procura alcançar. No momento, o reconhecimento da equivalência por meio de acordos acontece em poucos casos, e na maioria das vezes entre países desenvolvidos. Os países em desenvolvimento também criticaram a falta, no Acordo SPS, de uma obrigação, de notificação de acordos bilaterais ou multilaterais sobre equivalência.105 Tal obrigação permitiria que países Membros em desenvolvimento que podem cumprir as condições definidas em tal acordo se tornassem uma parte do acordo existente ou que tais países concluíssem um acordo bilateral similar com o país importador. Contudo, já foi observado que os Pontos Focais dos Membros são obrigados a fornecer respostas às questões relacionadas a acordos sobre equivalência.106 O Secretariado da OMC propôs um formato para a notificação de acordos de equivalência.107 Alguns Membros, especialmente países desenvolvidos, são de opinião de que a negociação de acordos sobre equivalência é muito cara para os limitados efeitos comerciais que elas geram. Nesse sentido, eles advogam o recurso a outros dispositivos do Acordo SPS que geram mais ganhos imediatos em acesso a mercados, tais como as regras sobre avaliação de risco, transparência, assistência técnica e processos de controle e inspeção.108 Países em desenvolvimento contra argumentam que o ônus de negociar acordos de equivalência está justificado na medida em que o maior acesso a

105 G/SPS/W/111, de 4 de julho de 2001. 106 Essa obrigação está contida no Anexo B.3(d) e foi confirmada pelo Comitê SPS em sua reunião de Março de 2001 (Ibid. parágrafo 8). 107 G/SPS/W/114/Rev.1. 108 G/SPS/W/111, de 4 de julho de 2001.

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mercado alcançado por tais acordos pode ser muito importante para eles, especialmente porque suas exportações são muitas vezes concentradas em alguns pontos e empresas.109 4.1.5 Decisão sobre Equivalência O problema com a implementação do Artigo 4 foi levado ao conhecimento do Comitê sobre SPS pelo Conselho Geral.110 Em outubro de 2001, o Comitê sobre SPS adotou a “Decisão sobre a Implementação do Artigo 4 do Acordo sobre a Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias”,111 conhecida como a Decisão sobre Equivalência. Essa decisão estabelece algumas orientações para qualquer Membro que requer o reconhecimento da equivalência de sua medida sanitárias ou fitossanitária; e para o Membro importador que é o destinatário de tal solicitação. Em especial, o Membro importador deve, se solicitado, fornecer informação relativa ao objeto de sua medida sanitária ou fitossanitária, aos riscos a ela relacionados, ao nível apropriado de proteção escolhido pelo Membro e à fundamental avaliação de risco para a medida. Ele precisa responder de forma tempestiva à solicitação para o reconhecimento da equivalência. O Membro exportador precisa fornecer informação de base científica e técnica para demonstrar que sua medida atinge o nível de proteção escolhido pelo Membro importador e fornecer acesso razoável para testes e inspeção. O Membro importador deve avaliar a informação científica e técnica com o objetivo de determinar se a medida sanitária ou fitossanitária do Membro exportador alcança o seu nível de proteção, bem como deve dar atenção aos pedidos de assistência técnica para a implementação do Artigo 4.112 4.2 Adaptação a Condições Regionais A prevalência de pragas e doenças não é determinada por fronteiras nacionais e pode ser diferente entre várias regiões dentro de um mesmo país. Este pode ser o caso por conta das variações nas condições climáticas, ambientais ou geográficas dentro de um país, ou devido aos esforços das autoridades regulatórias para erradicar uma praga ou doença de áreas específicas. Na prática, contudo, é comum que haja o banimento de produtos em um país inteiro onde foi identificado que uma praga ou doença relevante para um país importador ocorre, mesmo se essa prevalência é limitada a certas regiões. Se os países importadores adaptam suas medidas sanitárias ou fitossanitárias para as condições que prevalecem na região de origem do produto, isso pode melhorar as possibilidades de acesso a mercados. Essa possibilidade é importante para os países em desenvolvimento, especialmente grandes países onde as condições variam enormemente de uma região para a outra, já que os custos de erradicação de uma praga ou doença ou de manter uma região livre da praga ou doença podem ser limitados pelo foco em uma área limitada. Artigo 6.1 do SPS

109 Ibid., parágrafo 6. 110 WT/GC/M/59, de 18 de outubro de 2000. 111 G/SPS/19, de 24 de outubro de 2001. 112 Essa assistência técnica pode ser na forma de ajuda na identificação e implementação de medidas equivalentes, ou, de outra forma, visando à melhoria de oportunidades de acesso a mercados ou o desenvolvimento e o fornecimento de informação baseada na ciência para dar suporte ao reconhecimento do teste de equivalência.

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Para assegurar que uma área está livre de pragas e doenças e para provar tal fato, os países têm muitas vezes que investir grandes somas de dinheiro e recursos técnicos e cumprir processos demorados. Nesse sentido, para fazer com que o investimento valha a pena, os países precisam garantir que os seus esforços irão resultar em acesso a mercados. O Artigo 6.1 pretende fornecer essa segurança ao obrigar os Membros a garantir que as medidas sanitárias ou fitossanitárias sejam adaptadas às características sanitárias ou fitossanitárias da região de origem do produto ou da região para a qual o produto é destinado. 4.2.1 Fatores a Serem Levados em Consideração Na determinação de quais são as características sanitárias ou fitossanitárias de uma região, o Artigo 6.1 obriga os Membros a levar em consideração o nível de pragas e doenças específicas, a existência de programas de erradicação ou controle e orientações desenvolvidas por organizações internacionais. Contudo, a lista de fatores do Artigo 6.1 não é exaustiva. 4.2.2 Áreas Livres de Pragas ou Doenças ou Áreas de Baixa Predominância de Pragas ou Doenças Artigo 6.2 do SPS O Artigo 6.2 cria a obrigação específica para os Membros de reconhecer os conceitos de áreas livres de pragas ou doenças ou áreas de baixo nível de pragas ou doenças. Essas áreas devem ser estabelecidas levando-se em consideração fatores como geografia, ecossistemas, vigilância epidemiológica e a eficácia de controles sanitários ou fitossanitários. 4.2.3 Obrigações para os Membros Exportadores Artigo 6.3 do SPS Um Membro exportador que alega que regiões dentro de seu território estão livres de pragas ou doenças ou têm baixa predominância de pragas ou doenças precisa fornecer a prova necessária disso para o Membro importador. Para esse fim, ele precisa dar ao país importador acesso razoável para inspeção, testes e outros processos relevantes. 4.3 Teste Sua Compreensão 1. Discuta porque as regras sobre o reconhecimento da equivalência podem ser benéficas aos países em desenvolvimento e mencione como problemas com a aplicação desse dispositivo estão sendo tratados. 2. Explique o que implica a obrigação de adaptação a condições regionais e quais são as obrigações dos países exportadores que alegam que são livres de pragas e doenças.

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5. DISPOSITIVOS SOBRE ASPECTOS INSTITUCIONAIS E PROCEDIMENTAIS Ao completar o estudo deste capítulo o leitor estará apto a: • discutir a aplicação dos dispositivos sobre aspectos institucionais e procedimentais do Acordo SPS e, especificamente, as obrigações de transparência e notificação dos Membros, bem como as disciplinas relativas aos procedimentos de controle, inspeção e aprovação dos Membros. • avaliar o papel do Comitê sobre SPS e identificar os aspectos do mecanismo de solução de controvérsias da OMC específicos do Acordo SPS. 5.1 Transparência e Notificação Um barreira significativa enfrentada pelos exportadores é a falta de transparência relacionada às medidas sanitárias ou fitossanitárias em seus mercados de exportação. As medidas sanitárias ou fitossanitárias são muitas vezes complexas e objeto de mudança, o que leva a uma falta de segurança para os exportadores. Descobrir as medidas sanitárias e fitossanitárias que precisam ser cumpridas é muitas vezes um processo oneroso para os exportadores. Além disso, para se identificar quais medidas sanitárias e fitossanitárias são injustificáveis e sujeitas a mudança nos termos do Acordo SPS, são necessários detalhes a respeito dessas medidas. Por essa razão, transparência e obrigações de notificação são cruciais para a garantia de acesso a mercados. 5.1. Obrigações de Publicação e Notificação Artigo 7 do SPS Pelo que dispõe o Artigo 7 do Acordo SPS, os Membros são obrigados a notificar as mudanças em suas medidas sanitárias e fitossanitárias, bem como precisam fornecer informação sobre as suas medidas sanitárias e fitossanitárias de acordo com o Anexo B. Anexo B.1 e 5-11 do SPS Nos termos do Anexo B.1, os Membros precisam publicar todos os regulamentos sanitários e fitossanitários adotados, de forma a permitir que todos os Membros interessados fiquem cientes. Uma nota de rodapé a este parágrafo define regulamentos sanitários e fitossanitários como sendo as medidas sanitárias e fitossanitárias tais como leis, decretos ou portarias de aplicação geral. No caso Japan – Agricultural Products, o Órgão de Apelação observou o seguinte em relação a essa nota de rodapé:113 Nós consideramos que a lista de instrumentos contidas na nota de rodapé ao parágrafo 1 do Anexo B não é de natureza exaustiva, como indicado pelo uso da expressão “tais como”. O âmbito de aplicação do requisito da publicação não está limitado a “leis, decretos e portarias”, mas também inclui, em nossa opinião, outros instrumentos não explicitamente mencionados na lista ilustrativa da nota de roda pé ao parágrafo 1 do Anexo B. O objeto e o propósito do parágrafo 1 do Anexo B é de “propiciar que

113 Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Agricultural Products II, parágrafos 105-108.

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Membros interessados em ficar cientes dos regulamentos sanitários e fitossanitários adotados ou mantidos por outros Membros e, assim, melhorar a transparência de tais medidas. Em nossa opinião, o âmbito de aplicação do requisito da publicação do parágrafo 1 do Anexo B deve ser interpretado à luz do objeto e do propósito desse artigo.114 Para os casos em que não existem padrões internacionais ou em que uma medida sanitária ou fitossanitária proposta não é substancialmente igual ao padrão internacional, e a medida pode ter um efeito significativo no comércio, o Anexo B.5 define o processo de notificação a ser seguido para novas medidas sanitárias ou fitossanitárias.115 Nesse processo, é concedido um período razoável de tempo para os outros Membros apresentarem seus comentários em um estágio inicial do processo de adoção, para que emendas às medidas propostas possam ser feitas.116 Os Membros não são obrigados a revelar informação confidencial que poderia atrapalhar a execução de suas medidas sanitárias ou fitossanitárias ou prejudicar os interesses legítimos das empresas. O Secretariado definiu orientações a respeito de transparência que estão no livro Como Aplicar os Dispositivos sobre Transparência do Acordo SPS (How to Apply the Transparency Provisions of the SPS Agreement). 117 Tais orientações são particularmente destinadas a ajudar os países em desenvolvimento no cumprimento de suas obrigações de transparência. 5.1.2 Autoridade para Notificação Anexo B.10 do SPS Os Membros também são solicitados a criar a infra-estrutura necessária para a implementação de suas obrigações de notificação. Nos termos do Anexo B.10, os Membros devem designar uma única autoridade do governo central para ser a responsável pela implementação dos procedimentos de notificação no Anexo B.5-8 no âmbito nacional. O Secretariado da OMC atualiza regularmente e circula as listas das Autoridades para Notificação dos Membros.118 5.1.3 Centros de Informação Anexo B.3 do SPS Como parte da infra-estrutura necessária para a transparência, o Acordo SPS obriga cada Membro a estabelecer um Centro de Informação nacional, que precisa fornecer respostas a todas as perguntas razoáveis de outros Membros, bem como fornecer

114 Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Agricultural Products II, parágrafos 105-106. 115 As notificações recebidas pelo Secretariado são circuladas para os Membros como parte da série oficial de documentos G/SPS/N/*. 116 Em casos urgentes, os Membros podem seguir um procedimento mais curto nos termos do Anexo B.6. 117 Publicado em novembro de 2000, disponível no endereço: http://www.wto.org/english/tratop_e/sps_e/spshand_e.pdf. As orientações não são vinculantes e não são destinadas a fornecer interpretação legal dos dispositivos relevantes do Acordo SPS. Além disso, o Secretariado preparou e revisou os procedimentos recomendados para a implementação das obrigações de transparência (G/SPS.7/Rev. 2, de 2 de abril de 2002). 118 Isso pode ser encontrado na série de documentos oficiais da OMC G/SPS/NNA/*. Até 11 de março de 2002, 115 dos então 144 Membros da OMC haviam estabelecido Autoridades Nacionais de Notificação (G/SPS/GEN/27/Rev. 9, de 14 de março de 2002).

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documentos relevantes relacionados, inter alia, a qualquer medida sanitária ou fitossanitária adotada ou planejada em seu território; a base da avaliação de risco para a aplicação da medida; procedimentos de controle e inspeção; tratamento de produção e quarentena, tolerância a pesticidas e procedimentos para aprovação de produtos alimentícios. As cópias requeridas precisam ser fornecidas aos outros Membros ao mesmo preço que aos nacionais. O Secretariado da OMC mantém e atualiza uma lista de Centros de Informação, que é circulada para os Membros.119 5.1.4 Explicação das Razões Artigo 5.8 do SPS Um Membro pode pedir que um outro forneça as razões para a adoção de medidas sanitárias ou fitossanitárias, quando elas não são baseadas nos padrões internacionais e tais medidas prejudicam ou podem prejudicar as exportações daquele Membro. O Membro importador é então obrigado a fornecer tais razões. Essa obrigação é relevante porque ela pode ajudar um Membro a configurar um caso prima facie de que a medida sanitária ou fitossanitária do outro Membro não foi baseada em uma avaliação de risco. 5.1.5 Importância da Notificação para Países em Desenvolvimento Os países em desenvolvimento são particularmente beneficiados com a melhoria na transparência alcançada pelo Acordo SPS, já que o custo e a dificuldade na obtenção das informações sobre as medidas sanitárias ou fitossanitárias dos parceiros comerciais são bastantes reduzidos com esse procedimento. 5.2 Procedimentos de Controle, Inspeção e Aprovação Para assegurar que as medidas sanitárias ou fitossanitárias sejam cumpridas, os países normalmente adotam procedimentos de controle, inspeção e aprovação. Se tais procedimentos são demorados, caros ou complexos, eles podem restringir efetivamente o acesso a mercados. O Acordo SPS trata desse problema no Artigo 8 do Anexo C. Artigo 8 do SPS De acordo com o Artigo 8, os Membros precisam cumprir o Anexo C, bem como outros dispositivos do Acordo SPS na aplicação de seus procedimentos de controle, inspeção e aprovação. Isso inclui os seus sistemas nacionais para a aprovação de aditivos e o estabelecimento de tolerâncias para contaminantes. Anexo C do SPS O Anexo C contém regras mais detalhadas dos procedimentos de controle, inspeção e aprovação. Tais regras são destinadas a garantir que os procedimentos não sejam mais longos nem onerosos do que o razoável ou necessário. Além disso, os Membros exportadores são obrigados a facilitar o trabalho das autoridades de controle dos outros Membros em seus territórios, quando a medida sanitária ou fitossanitária é relativa ao controle no nível da produção. 119 Isso pode ser encontrado na série de documentos oficiais da OMC G/SPS/ENQ/*. Até 11 de março de 2002, 122 dos então 144 Membros da OMC haviam estabelecido Centros de Informação (Ibid.).

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5.3 Comitê sobre SPS Artigo 12.1 do SPS Um Comitê sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (Comitê sobre SPS) foi estabelecido nos termos do Artigo 12.1. O Comitê sobre SPS congrega representantes120 de todos os Membros da OMC121 e toma decisões por consenso. O Comitê sobre SPS conta com os serviços prestados pela Divisão de Agricultura e Commodities do Secretariado da OMC. O Comitê sobre SPS normalmente conduz três reuniões por ano, e pode se reunir em reuniões informais, se necessário. O objetivo do Comitê sobre SPS é fornecer um fórum legal para discussões e avanços na implementação do Acordo SPS e o alcance dos seus objetivos, particularmente a harmonização de padrões.122 5.3.1 Fórum para Consultas Artigo 12.2 do SPS O Artigo 12.2 obriga o Comitê sobre SPS a encorajar e facilitar as consultas entre os Membros sobre questões sanitárias e fitossanitárias. Juntamente com a obrigação de transparência, o escopo desse dispositivo pode ser ampliado para permitir que os países em desenvolvimento resolvam seus conflitos relacionados a medidas sanitárias e fitossanitárias a baixos custos. As discussões sobre alterações notificadas na legislação sobre medidas sanitárias e fitossanitárias acontecem, com as preocupações dos países em desenvolvimento sendo levantadas e os esclarecimentos sendo dados pelo Membro que impõe a medida.123 Isso poderia levar à revisão da medida notificada ou mais consultas bilaterais entre os Membros envolvidos. Nesse sentido, as disputas podem ser resolvidas sem o recurso a processos formais de solução de controvérsias caros e demorados. Em um estudo recente,124 foi demonstrado que durante as reuniões do Comitê sobre SPS, cerca de 120 questões sanitárias ou fitossanitárias foram levantadas, quase a metade envolvendo reclamações apresentadas por países em desenvolvimento ou economias em transição. 5.3.2 Papel Relacionado ao Processo Internacional de Harmonização Artigo 12.2-6 do SPS O Comitê sobre SPS tem várias tarefas relacionadas ao processo de harmonização internacional de padrões sanitários e fitossanitários. Ele precisa encorajar o uso de

120 Os Membros podem enviar representantes de sua própria escolha e normalmente enviam funcionários de suas autoridades de segurança alimentar ou de segurança veterinária ou vegetal. 121 O status de observador é concedido a governos que têm status de observador nos mais altos órgãos da OMC, bem como a representantes de certas organizações internacionais intergovernamentais com mandato nessa área (G/SPS/GEN/229, de 23 de fevereiro de 2001). 122 Nos termos desse poder, o Comitê sobre SPS adotou a Decisão sobre Equivalência em 2001, para facilitar a implementação do Artigo 4 do Acordo SPS. Essa decisão é discutida no Capítulo 4 abaixo. 123 O Secretariado fornece um resumo de todas as preocupações relacionadas ao comércio levantadas no Comitê sobre SPS, juntamente com a indicação da solução dada à questão, se notificada (G/SPS/GEN/204/Rev. 1, de 5 de março de 2001.) 124 Micheal Friis Jensen, Reviewing the SPS Agreement: A Developing Country Perspective Working Paper 02.3, Centre for Development Research: Copenhagen, na página 18, tabela 1 (2002).

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padrões internacionais, orientações e recomendações por todos os Membros, e manter contato próximo com as três principais organizações internacionais padronizadoras. Além disso, o Comitê sobre SPS precisa desenvolver um procedimento para monitorar o processo de harmonização internacional e o uso de padrões internacionais. Um procedimento provisório foi adotado,125 e é usado pelo Comitê sobre SPS para a elaboração do relatório anual baseado nas informações e comentários dos Membros e das organizações internacionais padronizadoras a respeito do uso dos padrões internacionais existentes, a necessidade de novos padrões e o trabalho sobre a adoção de tais padrões. Além disso, o Comitê pode, nos termos do Artigo 12.6, convidar as organizações internacionais a examinar assuntos específicos a respeito de um padrão, orientação ou recomendação particular, incluindo a base para explicações para a não utilização do padrão. 5.3.3 Revisão Periódica da Aplicação e Implementação do Acordo SPS Artigo 12.7 do SPS O Comitê sobre SPS está obrigado a examinar a aplicação e a implementação do Acordo SPS, pelo Artigo 12.7, três anos após a sua entrada em vigor e a partir daí quando a necessidade surgir. Quando apropriado, o Comitê sobre SPS pode fazer propostas ao Conselho para o Comércio de Bens a respeito de alterações ao Acordo SPS. O Comitê sobre SPS estabeleceu um procedimento para essa revisão e a primeira revisão126 ocorreu em 1998, resultando em um relatório.127 Contudo, nenhuma alteração foi proposta. O Comitê sobre SPS observou que a revisão não foi abrangente e reconheceu que os Membros poderiam levantar qualquer assunto para a consideração do Comitê a qualquer momento. Decisão de Doha sobre Implementação Na Decisão Ministerial sobre Implementação (Ministerial Decision on Implementation) adotada em Doha, o Comitê foi instruído a rever a operação e implementação do Acordo SPS pelo menos uma vez a cada quatro anos. 5.4 Solução de Controvérsias Para executar os direitos contidos no Acordo SPS, os Membros podem recorrer ao sistema de solução de controvérsias da OMC, conforme estabelecido no Entendimento sobre Solução de Controvérsias (Dispute Settlement Understanding - DSU -).128 As regras e procedimentos definidos no DSU se aplicam total e incondicionalmente a disputas que surgem nos termos do Acordo SPS. Até o momento, foram apresentadas 21 reclamações nos termos do Acordo SPS relacionadas a 18 questões separadas. Três disputas resultaram em relatórios do painel e

125 G/SPS/11, de 22 de outubro de 1997. Esse procedimento foi estendido duas vezes. 126 G/SPS/10, de 21 de outubro de 1997. 127 G/SPS/12, de 11 de março de 1999. 128 O mecanismo de solução de controvérsias é discutido em detalhes nos Módulos 3.1 e 3.4. Assim, neste trabalho dar-se-á atenção apenas aos aspectos específicos, aplicáveis às disputas envolvendo medidas sanitárias e fitossanitárias.

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do Órgão de Apelação129 e uma questão ainda está sendo examinada.130 Os países em desenvolvimento131 já se envolveram em sete disputas, em quatro casos como reclamantes,132 e em seis como reclamados.133 Três questões relacionadas ao mecanismo de solução de controvérsias que surgem no âmbito do Acordo SPS merecem atenção particular: o ônus da prova; o padrão de revisão, o uso de peritos cientistas e a revisão por grupos de especialistas. 5.4.1 Ônus da Prova A questão de qual parte tem o ônus da prova é particularmente relevante no caso de controvérsias sobre medidas de proteção à saúde, devido ao nível de incerteza científica que existe nessa área. No caso EC – Hormones, o Órgão de Apelação enfatizou a importância desse assunto, à luz das “múltiplas e complexas questões de fato” que podem surgir nos termos do Acordo SPS.134 Ele decidiu que se aplica a regra normal do ônus da prova, qual seja, a de que a parte que faz uma alegação de fato deve estabelecer um caso prima facie que é verdadeiro e o ônus da prova é transferido para a outra parte, que precisa contestar a presunção ou irá perder o caso.135 No caso Japan – Agricultural Products, os Estados Unidos alegaram que requerer que o reclamante prove que não existe prova científica suficiente para a adoção de medida sanitária e fitossanitária significa requerer que ele faça prova negativa, colocando um ônus impossível sobre o reclamante.136 O Órgão de Apelação rejeitou esse argumento, ao decidir que os Estados Unidos não estavam sendo solicitados a fazer prova negativa, mas estavam sendo solicitados apenas a levantar uma presunção de que não havia estudos ou relatórios relevantes. De acordo com o Órgão de Apelação, os Estados Unidos poderiam ter solicitado que o Japão, nos termos do Artigo 5.8, fornecessem uma “explicação das razões” para as suas medidas na medida em que ela se relaciona com os produtos em questão. O fracasso do Japão em fazer isso significaria uma indicação forte de que tais estudos e relatórios não existiam. Além disso, os Estados Unidos poderiam ter questionado os peritos do Painel ou submetido um parecer dos seus próprios peritos a respeito da existência de tal relatório. Afora a questão genérica do ônus da prova, nos termos do Acordo SPS, a harmonização de dispositivos contida no Artigo 3 desse Acordo apresenta questões específicas interessantes a respeito de ônus da prova. No caso EC-Hormones, o Órgão de Apelação rejeitou a decisão de que o Artigo 3.3 incorpora uma exceção à regra geral contida no Artigo 3.1 e, assim, o ônus da prova é transferido para o Membro Demandado a quem cabe demonstrar que uma medida cumpre os termos do Artigo 3.3. Ao contrário, o

129 Esses casos são: EC-Hormones, Australia-Salmon e Japan-Agricultural Products. As conclusões desses casos foram discutidas acima quando pertinente. 130 Foi estabelecido um painel em 3 de junho de 2002 para tratar da reclamação dos Estados Unidos contra as restrições do Japão na importação de maçãs devido a “fire blight” (“fogo bacteriano”). (WT/DS245). 131 A expressão países em desenvolvimento aqui é interpretada em seu sentido amplo, que inclui as economias em transição. 132 WT/DS134, WT/DS205, WT/DS237 e WT/DS256. 133 WT/DS96, WT/DS133, WT/DS203, WT/DS205, WT/DS237 e WT/DS256. 134 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 97. 135 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafos 102-105. 136 Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Agricultural Products, parágrafo 38.

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Órgão de Apelação decidiu que o Artigo 3.1 do Acordo SPS apenas excluiu de seu escopo as situações que se enquadram no Artigo 3.3. Tal artigo contém uma opção autônoma disponível aos Membros, cabendo ao Membro Demandante provar que as condições estabelecidas neste artigo para as medidas sanitárias e fitossanitárias, não baseadas em padrões internacionais, não são alcançadas.137 5.4.2 Padrão de Revisão Artigo 11 do DSU A questão do padrão de revisão apropriado é importante, já que levanta o problema da extensão à qual os painéis podem interferir nas decisões regulatórias dos Membros. Foi no caso EC-Hormones138 que a questão do padrão de revisão adequado foi tratada pela primeira vez. O Órgão de Apelação rejeitou a extensão do padrão de revisão complacente definido no Acordo Anti-Dumping para o Acordo SPS, ao decidir que esse padrão de revisão é textualmente específico àquele Acordo e que não existe prova de que houve uma intenção de sua adoção nesse Acordo [SPS]. O Órgão de Apelação decidiu que muito embora o Acordo SPS seja silente a respeito do padrão de revisão, o DSU articula esse padrão tanto para a determinação dos fatos quanto para a caracterização legal desses fatos, no Artigo 11.139 O padrão de revisão estabelecido por esse Artigo não é nem complacente nem original, mas uma avaliação objetiva dos fatos (relacionados à verificação dos fatos) e uma avaliação objetiva do assunto, incluindo a aplicabilidade dos e conformidade com os acordos compreendidos relevantes (com respeito aos assuntos legais).140 O Órgão de Apelação decidiu que uma alegação de que o painel deixou de conduzir uma avaliação objetiva dos fatos requer prova de que houve desconsideração deliberada ou recusa de levar em conta a prova apresentada ou distorção intencional ou valoração incorreta da prova. Isso não indica um mero erro no julgamento, mas sugere um erro crasso, que coloca em questão a boa fé do painel.141 5.4.3 Peritos Cientistas e Grupos de Peritos para Revisão Artigo 11.2 do SPS Uma tentativa de tratar os problemas inerentes à avaliação da prova científica é refletida, de forma genérica, no Artigo 13 do DSU, e, de forma, mais especifica no Artigo 11.2 do Acordo SPS. O Artigo 13.1 do DSU autoriza o painel a buscar informação e aconselhamento técnico de qualquer indivíduo ou órgão. O Artigo 13.2 permite que os painéis busquem informações de qualquer fonte e a consultar peritos ou requerer pareceres de grupos de peritos para revisão. O Artigo 11.2 do Acordo SPS diz que em controvérsia relacionada a esse acordo, envolvendo assuntos técnicos e científicos, um painel deve consultar peritos escolhidos por ele em consultas com as

137 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 104. 138 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 133. 139 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 116. 140 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 117. 141 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 133.

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partes. Para esse objetivo, um painel pode estabelecer grupos de peritos técnicos para revisão ou consultar organizações internacionais relevantes. O painel tem poder discricionário142 para decidir pela consulta a peritos ou estabelecer um grupo de peritos para revisão.143 Todos os painéis que tratam de assuntos relacionados ao Acordo SPS até agora fizeram consultas a peritos individualmente. 5.5 Teste Sua Compreensão 1.Indique as principais obrigações de transparência nos termos do Acordo SPS e discuta a sua importância para os países em desenvolvimento. 2.Quais são as principais funções do Comitê sobre SPS? Quais dessas funções você considera mais importantes para os países em desenvolvimento e por que? 3.Discuta o padrão de revisão que os painéis precisam aplicar quando examinam as alegações no âmbito do Acordo SPS.

142 Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 147. 143 As regras e procedimentos aplicáveis aos grupos de peritos para revisão estão definidas no Apenso 4 do DSU.

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6. DISPOSITIVOS ESPECIAIS PARA PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO Ao completar o estudo deste capítulo o leitor estará apto a: • identificar as regras no Acordo SPS que levam em consideração a posição especial dos países em desenvolvimento. • avaliar em que extensão o Acordo SPS fornece flexibilidade para os países em desenvolvimento na implementação dos seus compromissos e encoraja os países desenvolvidos a levar em consideração as limitações dos países em desenvolvimento. 6.1 Reconhecimento das Limitações de Países em Desenvolvimento As disciplinas gerais do Acordo SPS são aplicáveis igualmente a países em desenvolvimento e desenvolvidos. Contudo, o Acordo SPS reflete o reconhecimento das limitações de recursos financeiros e técnicos que os países em desenvolvimento enfrentam.144 Por essa razão, existem dispositivos especiais que levam em consideração a posição especial dos países em desenvolvimento. Esses dispositivos são relacionados ao fornecimento de assistência técnica a países em desenvolvimento, bem como ao tratamento especial e diferenciado em favor dos países em desenvolvimento. Além disso, não pode ser esquecido que algumas das disciplinas no Acordo SPS discutidas acima contém elementos de flexibilidade que podem ser usados para o benefício dos países em desenvolvimento.145 6.2 Assistência Técnica As necessidades de assistência técnica dos países em desenvolvimento referem-se não só à melhoria do entendimento deles sobre as regras aplicáveis no âmbito do Acordo SPS, mas também à aquisição de capacidade técnica e científica para cumprir as suas obrigações e fazer valer seus direitos no âmbito do Acordo SPS. Assim, assistência técnica é um termo amplo, que compreende: • o fornecimento de informação para melhorar o entendimento do Membro dos seus direitos e obrigações no âmbito do Acordo SPS; • o fornecimento de treinamento prático e detalhado sobre a aplicação do Acordo SPS, o fornecimento de infra-estrutura “leve”/“soft” (treinamento e formação de pessoal técnico e científico e o desenvolvimento de estrutura regulatória nacional); e • infra-estrutura “pesada” (laboratórios, equipamentos, serviços veterinários, estabelecimento de áreas livres de doenças).146

144 Este reconhecimento é feito pela primeira vez no sétimo parágrafo preambular do Acordo SPS. 145 Por exemplo, o Artigo 5.1 requer uma avaliação de risco “adequada para as circunstâncias”; o Artigo 5.6 permite que seja levada em consideração a possibilidade técnica e econômica na escolha de uma medida sanitária ou fitossanitária; o Anexo B, parágrafo 8 isenta os países em desenvolvimento do cumprimento da exigência de fornecimento de cópias dos resumos dos documentos relacionados a uma notificação. 146 Essa tipologia foi preparada pelo Secretariado (G/SPS/GEN/206, de 18 de outubro de 2000).

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O fornecimento de assistência técnica para os países em desenvolvimento envolve muitos atores, como os outros Membros da OMC, o Secretariado da OMC, bem como outras organizações internacionais, tais como a FAO (incluindo Codex e o IPPC), a OMS, o OIE e o Banco Mundial. Deve ser observado que a participação ativa e a contribuição de países em desenvolvimento nesse processo é essencial para garantir que o fornecimento de assistência técnica seja dirigido pela demanda. Artigo 9 do SPS Nos termos do Artigo 9.1, os Membros concordam em facilitar o fornecimento de assistência técnica a outros Membros, especialmente países em desenvolvimento, seja bilateralmente, seja através de organizações internacionais. Essa assistência pode tomar várias formas, como aconselhamento, créditos, concessões e doações e pode ser nas áreas de tecnologias de processamento, ou pesquisa e infra-estrutura, como a criação de organismos regulatórios nacionais. Essa forma de assistência pode também ter por objetivo ajudar os países em desenvolvimento a se ajustar e a cumprir as medidas sanitárias e fitossanitárias nos seus mercados de exportação. O Artigo 9.2 refere-se especificamente ao caso em que as exigências sanitárias e fitossanitárias de um Membro importador demandam investimentos substanciais do país-Membro exportador em desenvolvimento, para o cumprimento das exigências. Nesse caso, o Membro importador precisa pensar em fornecer assistência técnica que irá permitir o País-Membro em desenvolvimento a manter e expandir as suas oportunidades de acesso a mercados para aquele produto. Contudo, não existe obrigação de fato para o fornecimento da assistência técnica. A assistência técnica é um tema recorrente na agenda das reuniões do Comitê sobre SPS, nas quais os Membros são incentivados a identificar necessidades específicas de assistência técnica e relatar atividades relacionadas a assistência técnica. O Comitê sobre SPS147 fez uma pesquisa sobre as atividades e necessidades de assistência técnica, mediante o uso de questionários,148 e elaborou um documento com a tipologia149 da assistência técnica. Além disso, discussões informais a respeito de assistência técnica e cooperação aconteceram no Comitê sobre SPS.150 Reuniões com altos funcionários e reuniões técnicas têm ocorrido entre a OMC e outras organizações internacionais para a coordenação do fornecimento de assistência técnica.151 Decisão de Doha sobre Implementação

147 Uma compilação de todos os documentos sobre esse assunto submetidos ao e preparado pelo Comitê sobre SPS foi circulado a todos os Membros (G/SPS/GEN/332, de 24 de junho de 2002). 148 Em julho de 1999, um questionário foi circulado aos Membros para obter informações sobre a assistência técnica solicitada, recebida ou fornecida no âmbito do Acordo SPS (G/SPS/W/101, de 23 de julho de 1999), mas poucos países em desenvolvimento responderam. Em outubro de 2001, foi circulado um segundo questionário a respeito de necessidades de assistência técnica (G/SPS/W/113, de 15 de outubro de 2001), ao qual 24 Membros responderam até o momento (vide os addenda ao documento G/SPS/GEN/295, de 6 fevereiro de 2002). 149 G/SPS/GEN/206, de 18 de outubro de 2000. 150 A primeira reunião aconteceu em julho de 2002 (G/SPS/GEN/267, de 16 de julho de 2001) e a segunda em março de 2002 (nenhum documento público foi liberado ainda). 151 Vide os relatórios: WT/GC/42, de 11 de dezembro de 2000; WT/GC/46/Rev. 1, de 16 de julho de 2001; WT/GC/54, de 7 de novembro de 2001; WT/GC/45, de 7 de março de 2001.

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A Decisão sobre Implementação, tomada durante a Conferência Ministerial de Doha, urge que o Diretor-Geral da OMC continue a envidar esforços de cooperação com as organizações internacionais padronizadoras, para facilitar o fornecimento de assistência técnica e financeira para permitir a participação efetiva de países de menor desenvolvimento relativo. Além disso, os Membros são chamados a fornecer assistência técnica e financeira aos países de menor desenvolvimento relativo, para permitir que eles atendam às medidas sanitárias e fitossanitárias que possam afetar negativamente o seu comércio, bem como para permitir que a assistência técnica seja fornecida a esses países em resposta aos problemas especiais que eles enfrentam na aplicação do Acordo SPS.152 Facilitação de Desenvolvimento de Padrões e Comércio O Banco Mundial e a OMC estabeleceram um novo fundo, em 27 de setembro de 2002, para fornecer recursos aos países em desenvolvimento para assisti-los no cumprimento de padrões sanitários e fitossanitários. O Banco Mundial disponibilizou US$ 300,000 e a OMC vai contribuir para o Doha Development Trust Fund. Tal fundo será administrado pela OMC. Espera-se que a FAO, a OMS e a OIE, integrem essa iniciativa.153 6.3 Tratamento Especial e Diferenciado Nos termos do Acordo SPS, o tratamento especial e diferenciado é destinado a garantir que as limitações especiais enfrentadas pelos Países Membros em desenvolvimento sejam levadas em consideração na aplicação de certos dispositivos do Acordo SPS. Tal tratamento pode estar relacionado à aplicação de um dispositivo de uma forma favorável aos países em desenvolvimento por outros Membros, à flexibilidade na obrigação em favor dos países em desenvolvimento, ou às ações do Comitê sobre SPS ou do Secretariado para assistir aos países em desenvolvimento. 6.3.1 Preparação e Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias Artigo 10.1 do SPS O Artigo 10.1 obriga os Membros a levar em consideração as necessidades especiais dos países Membros em desenvolvimento e, em particular, dos países Membros de menor desenvolvimento relativo, na preparação e aplicação de medidas sanitárias e fitossanitárias. Contudo, além de requerer que essas necessidades sejam consideradas no processo regulatório, não existe uma obrigação de se adaptar ou adotar medidas sanitárias e fitossanitárias em conformidade com as necessidades dos países em desenvolvimento. 6.3.2 Introdução Gradual de Medidas Artigo 10.2 do SPS

152 WT/MIN(01)/17, de 14 de novembro de 2001. 153 Veja a nota à imprensa da OMC 314 “World Bank grant kicks off Bank-WTO assistance on standards”, de 27 de setembro de 2002.

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O Artigo 10.2 incentiva os Membros, sem estabelecer uma obrigação, a permitir prazos mais longos para o cumprimento de novas medidas sanitárias e fitossanitárias por parte de países em desenvolvimento, quando o nível apropriado de proteção do Membro importador permite. Tal prazo diferenciado é destinado a deixar que os países em desenvolvimento mantenham as suas exportações enquanto estão se ajustando às novas medidas. Decisão de Doha sobre Implementação A Decisão sobre Implementação, adotada durante a Conferência Ministerial de Doha, estabelece um prazo mais longo, “normalmente um período de não menos do que seis meses”, para o cumprimento de novas medidas, nos termos do Artigo 10.2, quando é possível a introdução gradual dessas novas medidas. Se tal introdução gradual não é possível e se um Membro identifica problemas específicos que ele enfrenta com relação à nova medida, o Membro importador deve iniciar consultas com o objetivo de alcançar soluções mutuamente satisfatórias, enquanto continua tentando alcançar o nível apropriado de proteção do Membro importador.154 6.3.3 Período Razoável de Adaptação Anexo B.2 do SPS Nos termos do Parágrafo 2 do Anexo B, os Membros são obrigados155 a dar um prazo razoável entre a publicação da medida sanitária ou fitossanitária e a sua entrada em vigor, para que os Membros exportadores (especialmente os países em desenvolvimento) se adaptem à nova medida. Decisão de Doha sobre Implementação A Decisão sobre Implementação, adotada durante a Conferência Ministerial de Doha, estabelece o período de adaptação como sendo “normalmente um período de não menos do que seis meses”, mas observa que circunstâncias particulares da medida e das ações necessárias para a implementação precisam ser consideradas. Além disso, ela esclarece que a entrada em vigor de medidas sanitárias e fitossanitárias que liberalizam o comércio não devem ser necessariamente atrasadas. Isso leva em consideração o fato de que algumas das medidas sanitárias e fitossanitárias podem estabelecer exigências menos rigorosas do que as existentes.156 6.3.4 Exceções Limitadas no Tempo Artigo 10.3 O Artigo 10.3 permite que o Comitê sobre SPS conceda aos países em desenvolvimento, a pedido, exceções específicas e limitadas no tempo a todas ou algumas de suas obrigações, no âmbito do Acordo SPS. Isso é feito com o objetivo de permitir os países em desenvolvimento a cumprir suas obrigações e leva em

154 Ibid. parágrafo 3.1. 155 Exceto em casos de urgência. 156 WT/MIN(01)/17, de 14 de novembro de 2001.

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consideração as necessidades financeiras, comerciais e de desenvolvimento. Nenhum país em desenvolvimento já requereu essa exceção até o momento. 6.3.5 Facilitação de Participação em Organizações Internacionais Artigo 10.4 do SPS O Artigo 10.4 estabelece que os Membros devem encorajar e facilitar a participação ativa dos países em desenvolvimento nas organizações internacionais relevantes. Isso é claramente uma referência às organizações internacionais padronizadoras, notadamente CAC, IPPC, e OIE. O Artigo 10.4 é puramente enunciativo e não contém obrigação vinculante. 6.3.6 Dispositivos Especiais sobre Notificação Anexo B.8 e 9 do SPS Nos termos dos dispositivos sobre transparência do Anexo B, os países em desenvolvimento são isentos da obrigação de fornecer cópias dos documentos nos quais uma notificação é baseada em uma das línguas oficiais da OMC. Além disso, o Secretariado é obrigado a chamar a atenção dos países em desenvolvimento para qualquer notificação relacionada a produtos de interesses de tais países. Isso é feito com a circulação mensal de uma lista das notificações para todos os Membros. 6.3.7 Períodos de Transição Artigo 14 do SPS O Artigo 14 do Acordo SPS contém uma regra para a implementação atrasada das obrigações contidas no Acordo por parte dos Países-Membros em desenvolvimento e de menor desenvolvimento relativo. Aos Países-Membros de menor desenvolvimento relativo foi concedido um período de cinco anos, da entrada em vigor do Acordo da OMC, para a aplicação atrasada de todas as suas obrigações. Os outros Membros em desenvolvimento receberam um período suplementar de dois anos, nos casos em que a falta de conhecimento técnico, infra-estrutura e recursos impediu o imediato cumprimento de suas obrigações. Contudo, essa possibilidade não foi estendida para as obrigações relacionadas à transparência e informação. O período de aplicação atrasada expirou em 2000 para os Países-Membros de menor desenvolvimento relativo e em 1997 para os outros países em desenvolvimento. 6.4 Teste Sua Compreensão 1. Os países em desenvolvimento têm direito a receber assistência técnica para cumprir as medidas sanitárias e fitossanitárias dos seus parceiros comerciais? 2. Quais iniciativas foram tomadas pelo Comitê sobre SPS para facilitar a implementação dos dispositivos sobre assistência técnica? 3. Liste as formas pelas quais é dado tratamento especial e diferenciado para os países em desenvolvimento no Acordo SPS e mencione as melhorias que foram acordadas na Conferência Ministerial de Doha.

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7. ESTUDOS DE CASOS 1. A República de Agrícola, um País-Membro da OMC em desenvolvimento, depende fundamentalmente de suas exportações de mangas e tomates para o recebimento de receitas externas. Seu principal mercado exportador é Indústria, um País-Membro da OMC desenvolvido. Recentemente, exportadores de Agrícola enfrentaram obstáculos para a entrada de seus produtos no mercado de Indústria, tendo em vista as preocupações de que tais produtos não atendem os padrões considerados apropriados pelo governo de Indústria. Em particular, Indústria fez publicar uma lei requerendo o tratamento por fumigação para todas as mangas originárias de Agrícola, devido à detecção da presença de broca negra (uma peste de significativa quarentena para Indústria) em um carregamento de mangas de Agrícola há cinco anos. Além disso, em razão da sua política de risco zero relacionada a elementos carcinogênicos, Indústria estabeleceu cautelarmente um nível de ausência de resíduos de Xenogen, um herbicida que é suspeito de ser carcinogênico, na importação de vegetais. Xenogen é um herbicida barato e eficiente e de uso comum entre plantadores de tomates de Agrícola. Em uma reunião com o Departamento de Agricultura de Agrícola, a associação de fazendeiros da República de Agrícola levantou uma série de preocupações relacionadas a tais medidas, por entender que elas constituem uma forma disfarçada de proteção da indústria agrícola de Industria e não medidas fitossanitárias legítimas. Em primeiro lugar, a associação dos fazendeiros ressalta que brocas negras são encontradas apenas na úmida província oriental de Agrícola, já que essa espécie de praga não sobrevive em províncias ocidentais mais secas. Em segundo lugar, ela observa que a nova legislação sanitária de Agrícola requer que as mangas sejam submetidas a um tratamento de refrigeração para matar as pragas. Ela argumenta que esse tratamento é tão eficaz quanto a fumigação para o extermínio de broca negra e é menos prejudicial para o tempo de validade da fruta na prateleira. Contudo, apesar dos pedidos de Agrícola, Indústria não tem tido vontade de reconhecer o seu tratamento de refrigeração como equivalente à fumigação. Em terceiro lugar, a associação dos fazendeiros ressalta que o potencial cancerígeno do Xenogen nunca foi provado conclusivamente. Por último, os fazendeiros observam que nenhum período razoável de tempo foi concedido para eles se adaptarem à nova exigência de Indústria com relação ao Xenogen. Como resultado, eles perderão participação no mercado com a mudança para um novo herbicida. Além disso, os custos adicionais do novo herbicida fazem com que seja impossível para muitos pequenos fazendeiros fazer essa mudança e permanecer competitivos. Você é o representante da República de Agrícola no Comitê sobre SPS da OMC. Seu governo te aborda para pedir conselho sobre como ele deve proceder com relação a esse assunto. Ele pede que você escreva um parecer sobre o tema. Em especial, ele pede que você trate dos seguintes pontos: (a) Existem mecanismos disponíveis ao governo de Agrícola para resolver essa disputa sem que se tenha que recorrer ao mecanismo de solução de controvérsias? (b) No caso de Agrícola decidir recorrer ao mecanismo de solução de controvérsias, ela deve questionar as medidas de Indústria no âmbito do GATT 1994, do Acordo SPS ou do Acordo TBT, ou de uma combinação deles?

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(c) No caso de questionamento no âmbito do Acordo SPS, qual parte terá o ônus da prova? Se Agrícola tem o ônus da prova, existe algum mecanismo para assisti-la na obtenção de informação de Indústria a respeito de sua medida? (d) Existem dispositivos no Acordo SPS nos quais Agrícola, como país em desenvolvimento, poderia se basear para reclamar que Indústria não levou as suas necessidades especiais em consideração na promulgação e implementação dessas medidas? Se sim, quais são as chances de sucesso no questionamento das medidas nos termos de tais dispositivos? (e) Agrícola pode questionar a recusa de Indústria em reconhecer a existência de áreas livres de praga em Agrícola e de adaptar suas exigências, ou de reconhecer as medidas fitossanitárias de Agrícola como equivalentes às suas próprias? Se sim, o que Agrícola teria que provar? (f) Agrícola pode questionar o nível de risco zero de proteção adotado por Indústria com relação aos elementos cancerígenos ou o seu nível sem resíduos com relação ao Xenogen? (g) O Acordo SPS permite que Agrícola questione a medida de Indústria com relação ao Xenogen com fundamento no fato de que existe prova científica insuficiente de um risco? Existem regras especiais aplicáveis a medidas “cautelares”? 2. Como um país pequeno e insular, Agrícola é um importador líquido de alimentos, que são comprados com a receita advinda das exportações de manga e tomate. Tradicionalmente, a população de Agrícola come grandes quantidades de feijão, que Agrícola importa de países vizinhos, especialmente Budistão (que também é um País-Membro em desenvolvimento). Como resultado da importância do feijão na dieta nacional, uma legislação de segurança alimentar existe em Agrícola há 15 anos, definindo um nível máximo de resíduo de Fitolene, um produto químico comumente usado como fertilizante na produção de feijão, inclusive em Budistão. Essa legislação foi editada em resposta a um aumento repentino de casos de epilepsia em uma região onde os fertilizantes com Fitolene foram introduzidos. Existe uma suspeita de que há uma ligação entre o Fitolene e a epilepsia. O governo de Agrícola está tentando determinar se essa ligação pode ser demonstrada cientificamente, mas devido à complexidade da epilepsia e à limitação dos recursos, isso está tomando muito tempo. Recentemente, Fitolene atraiu a atenção da Comissão do Codex Alimentarius. Em 2001, a Comissão do Codex Alimentarius decidiu não adotar um nível máximo de resíduo de Fitolene, baseado na conclusão da Reunião Conjunta da FAO/OMS sobre Resíduos de Pesticidas de que estudos científicos demonstram que o Fitolene é seguro, se usado de acordo com boas práticas rurais. Devido a limitações financeiras e de recursos técnicos, Agrícola não pode participar das discussões que levaram à adoção dessa decisão do Codex. É do conhecimento de Agrícola que o mesmo aconteceu com vários países em desenvolvimento pequenos. Além disso, um grupo pequeno de cientistas nórdicos recentemente publicou um estudo que eles acreditam demonstram que o Fitolene, quando ingerido em grandes quantidades, pode ter efeitos adversos à saúde. Para equilibrar a dieta de seus cidadãos, Agrícola também importa arroz e mandioca. Recentemente, ocorreu uma epidemia de fungo azul nas plantações de mandioca no vizinho Budistão, que é uma doença que pode ser espalhada para mangas e causar grande prejuízo econômico às culturas de exportação de Agrícola. Por essa razão, Agrícola baniu as importações de mandioca de Budistão. Um estudo recente pela Organização das Nações Unidas para Alimentos e Agricultura (United Nations Food and Agriculture Organization – FAO) demonstrou que o parasita amarelo, muitas vezes

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encontrado no arroz, é uma praga que pode também ser espalhada facilmente para as árvores de manga, mas Agrícola não adotou nenhuma medida para restringir a importação de arroz com o parasita amarelo. Na última reunião do Comitê sobre SPS, Budistão levantou suas preocupações relacionadas às medidas de Agrícola com respeito às suas exportações de feijão e mandioca. Ele também apresentou um documento detalhado no qual definiu de forma mais específica suas reclamações sobre as medidas de Agrícola. Você é o representante de Agrícola no Comitê sobre SPS. Você toma nota das preocupações de Budistão e se compromete a responder na próxima reunião do Comitê sobre SPS, tanto oralmente quanto por meio de um documento escrito, na esperança de evitar um processo de solução de controvérsias. Você está agora preparando essa resposta. Você deve tratar os argumentos específicos levantados por Budistão, que são os seguintes: (a) o nível máximo de resíduo para Fitolene de Agrícola não está baseado em um padrão internacional definido pelo Codex, que é “nenhum nível máximo de resíduo” para Fitolene. Assim os requisitos do Artigo 3.1, do Acordo SPS, não foram cumpridos e Agrícola precisa provar que a sua medida está enquadrada na exceção do Artigo 3.3. (b) o nível máximo de resíduo para Fitolene não cumpre o Artigo 3.3, já que ele não está baseado em avaliação de risco nos termos do Artigo 5.1. (c) o nível máximo de resíduo para Fitolene não é uma medida cautelar nos termos do Artigo 5.7, já que ele está em vigor há 15 anos. (d) Agrícola não é consistente na aplicação de seus níveis adequados de proteção e faz distinções arbitrárias no nível de proteção que ela considera apropriada em situações diferentes, violando o Artigo 5.5, quando bane mandioca de Budistão devido a riscos do fungo azul; enquanto permite a importação livre de arroz que carrega igualmente riscos significativos pelo parasita amarelo. O seu governo gostaria que você incluísse os seguintes argumentos em sua resposta, se apropriados, além dos seus próprios argumentos. Você deve identificar quais desses argumentos são válidos nos termos do Acordo SPS e somente se referir a eles. (a) Como o nível máximo de resíduo de Agrícola já existia quando da entrada em vigor do Acordo SPS, ela não precisa cumprir essas exigências. (b) Considerando que Agrícola e outros países em desenvolvimento não participaram das reuniões do Codex quando foi definido o padrão para o Fitolene, este não é um padrão internacional para os fins do Acordo SPS (ou Agrícola e esses outros países em desenvolvimento não estão vinculados a esse padrão internacional). (c) O padrão do Codex não é apropriado para Agrícola tendo em vista a grande quantidade de feijão consumida por seus cidadãos. Nesse sentido, o padrão internacional não atende o nível de proteção definido por Agrícola. (d) O status de Agrícola de país em desenvolvimento deve ser levado em consideração na determinação se existe uma avaliação de risco “tão apropriada quanto possível para as circunstâncias”. (e) O nível máximo de resíduo para Fitolene está baseado na avaliação de risco feita pelos cientistas nórdicos. (f) A distinção nos níveis de proteção considerados apropriados para os riscos do fungo azul e do parasita amarelo não é arbitrário, mas baseado no fato de que o parasita amarelo é facilmente erradicado simplesmente jogando água salgada nas árvores de manga, enquanto que a erradicação de fungo azul é difícil e cara.

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8. LEITURA COMPLEMENTAR 8.1 Artigos • Charnovitz, S. 2000, “Improving the Agreement on Sanitary and Phytosanitary Standards.” Trade, Environment, and the Millennium, edited by G.P. Sampson and W.B. Chambers, 172-193. New York: United Nations University Press. • Jensen, M.F. 2002, “Reviewing the SPS Agreement: A Developing Country Perspective” Working Paper 02.3 Centre for Development Research: Copenhagen. • Otsuki, T., Wilson, J.S, and Sewadeh, M., 2001, “Measuring the Effect of Food Safety Standards on African Exports to Europe.” The Economics of Quarantine and the SPS Agreement, edited by K. Anderson, C. McRae and D. Wilson. Adelaide: Centre for International Economic Studies. • Pauwelyn, J. 1999, “The WTO Agreement on Sanitary and Phytosanitary (SPS) Measures as Applied in the First Three SPS Disputes: EC - Hormones, Australia - Salmon and Japan - Varietals.” Journal of International Economic Law: 641-664. • Quick, R., and Blüthner, A. 1999, “Has the Appellate Body Erred? An Appraisal and Criticism of the Ruling in the WTO Hormones Case.” Journal of International Economic Law 2, no. 4: 603-639. • Roberts, D., Orden, D., and Josling, T. 1999, “WTO Disciplines on Sanitary and Phytosanitary Barriers to Agricultural Trade: Progress, Prospects and, Implications for Developing Countries.” Paper presented at the Conference on Agriculture and the New Trade Agenda in the WTO Negotiations, Geneva, 1-2 October. • Victor, D.G. 2000, “The Sanitary and Phytosanitary Agreement of the World Trade Organization: An Assessment after Five Years.” Journal of International Law and Politics 32, no. 4: 865-938. • Walker, V.R. 1998, “Keeping the WTO from Becoming the ‘World Trans-Science Organization’: Scientific Uncertainty, Science Policy, and Factfinding in the Growth Hormones Dispute.” Cornell International Law Journal 31: 251-320. • Zarrilli, S., 2001, “United Nations Conference on Trade and Development: International Trade in Genetically Modified Organisms and Multilateral Negotiations - a New Dilemma for Developing Countries.” Business Law International, no. 3: 330-369. 8.2 Relatórios do Órgão de Apelação • Relatório do Órgão de Apelação, Australia – Measures Affecting the Importation of Salmon (“Australia - Salmon”), WT/DS18/AB/R, adotado em 6 de novembro de 1998. • Relatório do Órgão de Apelação, EC Measures Concerning Meat and Meat Products (Hormones) (“EC - Hormones”), WT/DS26/AB/R; WT/DS48/AB/R, adotado em 13 de fevereiro de 1998, DSR 1998:I, 135. • Relatório do Órgão de Apelação, Japan - Measures Affecting Agricultural Products (“Japan - Agricultural Products II”), WT/DS76/AB/R, adotado em 19 de março de 1999.

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8.3 Relatórios de Painéis • Relatório do Painel, Australia – Measures Affecting Importation of Salmon, Reclamação do Canadá (“Australia - Salmon”), WT/DS18/R, adotado em 6 de novembro de 1998, como modificado pelo Relatório do Órgão de Apelação, WT/DS18/AB/R. • Relatório do Painel de Implementação, Australia – Measures Affecting Importation of Salmon - Recourse to Article 21.5 of the DSU by Canada (“Australia – Salmon”), WT/DS18/RW, adotado em 20 de março de 2000. • Relatório do Painel, EC - Measures Concerning Meat and Meat Products (Hormones), Reclamação dos Estados Unidos (“EC - Hormones (US)”),WT/DS26/R/USA, adotado em 13 de fevereiro de 1998, como modificado pelo Relatório do Órgão de Apelação, WT/DS26/AB/R; WT/DS48/AB/R, DSR 1998:III, 699. • Relatório do Painel, EC - Measures Concerning Meat and Meat Products (Hormones), reclamação do Canadá (“EC - Hormones (Canada)”), WT/DS48/R/CAN, adotado em 13 de fevereiro de 1998, como modificado pelo Relatório do Órgão de Apelação, WT/DS26/AB/R; WT/DS48/AB/R, DSR 1998:II, 235. • Relatório do Painel, Japan - Measures Affecting Agricultural Products, Reclamação dos Estados Unidos, (“Japan - Agricultural Products II”), WT/DS76/R, adotado em 19 de março de 1999, como modificado pelo Relatório do Órgão de Apelação, WT/DS76/AB/R. 8.4 Documentos e Informações • Documentos oficiais da OMC podem ser obtidos mediante pesquisa na base de dados da OMC, disponível no endereço: http://docsonline.wto.org/ • Documentos oficiais da Comissão do Codex Alimentarius podem ser obtidos mediante a pesquisa no site oficial da Comissão, disponível no endereço: http://www.codexalimentarius.net/ • Documentos oficiais da Convenção Internacional sobre Proteção de Vegetais (International Plant Protection Convention) podem ser obtidos mediante pesquisa no site oficial da Convenção, disponível no endereço: http://www.fao.org/WAICENT/FAOINFO/AGRICULT/AGP/AGPP/PQ/Default.htm • Documentos oficiais da Escritório Internacional de Epizootias (International Office of Epizootics) podem ser obtidos mediante pesquisa no site oficial do Escritório, disponível no endereço: http://www.oie.int/