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A cultura é dinâmica: ela é produto coletivo da vida humana, uma dimensão do processo
social em permanente mudança. Nesta seção, procuraremos refl etir sobre a cultura do século
XXI, fortemente marcada pela presença crescente das redes e das tecnologias digitais de
informação e comunicação em todas as atividades do nosso cotidiano.
Como sabemos, “entrar” na rede, estar sem rede, pedir a senha da rede, postar na rede, enviar
um arquivo pela rede e baixar da rede são hoje expressões de uso comum, não mais restritas aos
programadores ou especialistas em computação. Falar de rede, hoje, é falar da internet, a rede
mundial dos computadores. E, mais especifi camente, falar das chamadas redes sociais.
Mas é importante ter claro que as redes sociais não nasceram com a internet ou com a era
digital: elas sempre existiram. Elas são a essência da sociabilidade, historicamente envolvendo
interações entre pessoas, troca de mercadorias, bens materiais, informações ou mesmo de
bens simbólicos, em uma perspectiva mais cultural. As redes sobre as quais falamos hoje
seriam mais bem chamadas de redes sociotécnicas: redes sociais intermediadas pelas técnicas
do nosso tempo. A globalização contemporânea, aditivada pelos avanços tecnológicos nas
comunicações e nos transportes, trouxe a possibilidade de se estabelecer sistemas de
interação social em rede nos quais as trocas econômicas e culturais passaram a se dar em
escala planetária, extrapolando os limites espaciais e temporais que até então conhecíamos.
O sociólogo catalão Manuel Castells publicou no fi nal dos anos 1990 a trilogia A era da
informação: economia, sociedade e cultura, cujo primeiro volume – A sociedade em rede – é
dedicado ao estudo da interferência das mudanças tecnológicas nas estruturas sociais e nos
diversos campos das relações humanas. Para Castells, integramos uma “sociedade em rede”:
Uma estrutura social construída em torno (mas não
determinada por) redes digitais de comunicação. Eu entendo
que o processo de formação e exercício das relações de
poder é decisivamente transformado por esse novo contexto
organizacional e tecnológico derivado da emergência das
redes de comunicação digital globais, as quais consistem no
fundamento do sistema simbólico-processual de nossa época.
Sociedade em rede e cibercultura
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Como sabemos, a comunicação seguiu, no século XX, o modelo conhecido como broadcast,
no qual um emissor único transmite suas mensagens para um grande número de receptores,
como acontece no rádio, nos jornais ou na televisão. Um modelo, portanto, em que “um”
fala para “muitos”. Na virada do milênio, no entanto, a popularização da internet, do correio
eletrônico e dos blogs propiciou a descentralização da emissão de mensagens, permitindo
que “muitos” passassem a falar para “muitos”. Isso certamente não é pouco!
Munidos dessas facilidades, seguidas pelos aparelhos celulares, que logo incorporaram
recursos para troca de mensagens, câmeras digitais, ferramentas e softwares digitais, os
leitores passivos da comunicação de massa passaram a poder emitir suas próprias mensagens
e conteúdos, e fazê-los circular, confi gurando um universo de novas versões e pontos de
vista, outras vozes, cores e sotaques. Emergem dessa forma redes horizontais de produção
de informação, um poder de comunicação que até então estava concentrado nas grandes
corporações de mídia.
A essa disputa de narrativas, Castells dá o nome de “autocomunicação de massas”, uma
forma de comunicação que é específi ca da sociedade informacional, centrada na articulação
de redes horizontais. A capacidade de desenvolver formas de autocomunicação de massa
e de construir redes confi gura, para o autor, uma nova “capacidade dos atores sociais de
confrontarem e, eventualmente, mudarem as relações institucionalizadas de poder em uma
sociedade”. Como exemplo recente disso, podemos citar os registros em vídeo feitos em tempo
real durante as manifestações de junho de 2013, realizados pelos próprios manifestantes, os
quais foram capazes de contestar versões ofi ciais até então consideradas acima de qualquer
suspeita.
Outro autor bastante referencial no campo aqui estudado é o fi lósofo francês Pierre Lévy
que, em 1997, lançou o livro Cibercultura, traduzido e publicado no Brasil dois anos depois.
Lévy chama de ciberespaço “o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial
dos computadores”. Além da infraestrutura da comunicação digital, o autor inclui no conceito
de ciberespaço “o universo de informações que ele abriga, assim como os seres humanos que
navegam e alimentam esse universo”.
Na sequência, o autor defi ne também o conceito que dá nome ao livro: “Cibercultura é
o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de
pensamento e de valores que se desenvolvem a partir do crescimento do ciberespaço”. Ele se
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refere, portanto, a algo que transcende em muito a infraestrutura tecnológica e material desse
contexto: ao abranger práticas, valores e atitudes, a cibercultura é, essencialmente, a própria
cultura do século XXI.
Lévy considera que a revolução tecnológica contemporânea é apenas uma das dimensões
de uma mutação antropológica de grande amplitude. E que, “longe de ser uma subcultura dos
fanáticos pela rede, a cibercultura expressa uma mutação fundamental da própria essência
da cultura”. Mutação esta que está apenas começando. Seu ritmo é extremamente acelerado
e seus caminhos serão traçados pela sociedade, já que as técnicas não trazem consigo o uso
que delas será feito.
O pesquisador brasileiro André Lemos, da Universidade Federal da Bahia, vê na cibercultura
“a forma sociocultural que emerge da relação simbiótica entre a sociedade, a cultura e as novas
tecnologias de base microeletrônica que surgiram com a convergência das telecomunicações com
a informática”, processo que tem suas origens nas décadas de 1960 e 1970. Além da já mencionada
liberação do polo de emissão de mensagens, que possibilita a emergência da diversidade de vozes
e discursos, em oposição à edição de mensagens da mídia de massa, Lemos aponta outros dois
princípios que regem o contexto da cibercultura: o da conectividade generalizada (que provê sua
infraestrutura tecnológica e confere ressonância e novos horizontes de circulação a mensagens
não hegemônicas) e o da reconfi guração de práticas, modalidades midiáticas, espaços, sem a
substituição de seus respectivos antecedentes.
A cibercultura não é somente a cultura que decorre do ciberespaço, mas uma dimensão
da cultura contemporânea que teria encontrado no ciberespaço um espaço privilegiado para
sua manifestação, como blogs, chats, troca de mensagens etc. Da mesma forma, este abriga
coletivos mediados por computador, como redes sociais e comunidades virtuais, bem como
ações de militância política e ciberativismo. O ciberespaço fornece, ainda, a infraestrutura para
a prestação de serviços públicos e para o exercício de cidadania, como o governo eletrônico,
o voto on-line, assim como o orçamento participativo e o imposto de renda.