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SOCIEDADE LIMITADA Luiz Gonzaga Modesto de Paula

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SOCIEDADE LIMITADA

Luiz Gonzaga Modesto de Paula

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Sumário

CAPITULO I ................................................................................................................................. 5

A ORIGEM DO TIPO SOCIETÁRIO ................................................................................................. 5

A SEMENTE .................................................................................................................................................................... 5

NA FRANÇA .................................................................................................................................................................... 7

A CRIACAO DEFINITIVA .................................................................................................................................................. 7

NO BRASIL ..................................................................................................................................................................... 8

CAPÍTULO II ................................................................................................................................ 9

CARACTERÍSTICAS DA SOCIEDADE LIMITADA.............................................................................. 9

A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS ............................................................................................................................... 9

NATUREZA CONTRATUAL ............................................................................................................................................ 11

O “NOMEM JURIS”: SOCIEDADE LIMITADA ................................................................................................................. 15

CAPITULO III ............................................................................................................................. 15

OS SÓCIOS QUOTISTAS ............................................................................................................. 15

OS MENORES E OS INCAPAZES .................................................................................................................................... 16

A MULHER CASADA ..................................................................................................................................................... 19

OS IMPEDIDOS ............................................................................................................................................................. 22

CAPITULO IV ............................................................................................................................. 25

O CAPITAL SOCIAL E AS QUOTAS .............................................................................................. 25

A COMPOSIÇÃO DO CAPITAL SOCIAL ........................................................................................................................... 29

SUBSCRIÇÃO E INTEGRALIZAÇÃO ................................................................................................................................ 30

A CONTRIBUIÇÃO EM SERVIÇOS .................................................................................................................................. 30

DA MORA NA INTEGRALIZACAO .................................................................................................................................. 31

DA RESPONSABILIDADE NA SUBSCRIÇÃO .................................................................................................................... 31

A INDIVISIBILIDADE DA QUOTA SOCIAL ....................................................................................................................... 31

DO AUMENTO E DA REDUCAO DO CAPITAL SOCIAL .................................................................................................... 32

DA REDUCAO DO CAPITAL SOCIAL POR RESOLUCAO DA SOCIEDADE EM RELACAO A UM DOS SOCIOS ...................... 35

DA INTANGIBILIDADE DO CAPITAL SOCIAL .................................................................................................................. 37

A RESPONSABILIDADE DO SUBSCRITOR ...................................................................................................................... 38

A PENHORA DAS QUOTAS SOCIAIS .............................................................................................................................. 39

CAPÍTULO V .............................................................................................................................. 47

A ADMINISTRAÇÃO DA SOCIEDADE .......................................................................................... 47

A ADMINISTRACAO POR PESSOA JURÍDICA ................................................................................................................. 48

O ADMINISTRADOR ..................................................................................................................................................... 50

OS IMPEDIDOS ............................................................................................................................................................. 53

PREPOSTOS E GERENTES ............................................................................................................................................. 55

O CONSELHO FISCAL .................................................................................................................................................... 58

A RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES ......................................................................................................... 62

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A TEORIA DO “ULTRA VIRES” ....................................................................................................................................... 65

DA REMUNERACAO DO ADMINISTRADOR .................................................................................................................. 67

CAPÍTULO VI ............................................................................................................................. 69

A DELIBERAÇÃO DOS SÓCIOS .................................................................................................... 69

AS FORMALIDADES PARA A REALIZAÇÃO DE ASSEMBLEIA .......................................................................................... 71

AS MATÉRIAS SUJEITAS Á REUNIÃO OU ASSEMBLEIA .................................................................................................. 72

ASSEMBLEIA OU REUNIÃO ANUAL OBRIGATÓRIA ....................................................................................................... 74

CONVOCAÇÃO DA ASSEMBLEIA .................................................................................................................................. 74

DO QUÓRUM DE INSTALAÇÃO .................................................................................................................................... 75

REGRAS DE FUNCIONAMENTO DA ASSEMBLEIA ......................................................................................................... 76

QUÓRUM DE DELIBERAÇÃO ........................................................................................................................................ 76

DAS PUBLICAÇÕES ....................................................................................................................................................... 78

CAPÍTULO VII ............................................................................................................................ 80

DA DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE............................................................................................... 80

UMA QUESTÃO SEMÂNTICA ........................................................................................................................................ 80

A DISSOLUÇÃO TOTAL ................................................................................................................................................. 80

A DISSOLUÇÃO PARCIAL .............................................................................................................................................. 81

MODOS DE SE FAZER A DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE .................................................................................................. 81

A DISSOLUÇÃO DE PLENO DIREITO .............................................................................................................................. 81

1. O VENCIMENTO DO PRAZO DE DURAÇÃO: ........................................................................................................ 81

2. FALTA DE PLURALIDADE DE SÓCIOS: ................................................................................................................. 82

3. EXTINÇÃO DA AUTORIZAÇÃO DE FUNCIONAMENTO ........................................................................................ 83

A DISSOLUÇÃO EXTRAJUDICIAL ................................................................................................................................... 83

1. POR DECISÃO UNÂNIME DOS SÓCIOS................................................................................................................ 83

2. DECISÃO DE MAIORIA ABSOLUTA EM SOCIEDADE POR PRAZO INDETERMINADO. .......................................... 84

3. FALECIMENTO DE SÓCIO .................................................................................................................................... 85

4. DIREITO DE CESSÃO DAS QUOTAS .................................................................................................................... 85

5. EXERCÍCIO DO DIREITO DE RETIRADA ................................................................................................................ 86

6. INCAPACIDADE SUPERVENIENTE ....................................................................................................................... 87

7. EXCLUSÃO DE SÓCIO MINORITÁRIO (CC. arts. 1.030 e 1.085). .......................................................................... 87

DISSOLUÇÃO POR DECISÃO JUDICIAL .......................................................................................................................... 89

1. POR PEDIDO DE ANULAÇÃO DO ATO CONSTITUTIVO ........................................................................................ 90

2. POR SENTENÇA DE DECRETAÇÃO DE FALÊNCIA (art. 1.044).............................................................................. 90

3. EM CASO DE EXAURIMENTO DO OBJETO SOCIAL OU VERIFICADA A SUA INEXEQUIBILIDADE (CC. art. 1.034, II);

............................................................................................................................................................................... 91

CAPÍTULO VIII ........................................................................................................................... 92

A RESOLUÇÃO PARCIAL DO CONTRATO SOCIAL ........................................................................ 92

CAPÍTULO IX ............................................................................................................................. 93

A AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DA SOCIEDADE .................................................................... 93

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1. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL ........................................................................................................................................... 93

2. JUÍZO COMPETENTE ................................................................................................................................................ 94

3. LEGITIMIDADE ATIVA ............................................................................................................................................... 94

4. LEGITIMIDADE PASSIVA ........................................................................................................................................... 94

5. VALOR DA CAUSA .................................................................................................................................................... 94

6. PRAZO DE CONTESTAÇÃO ........................................................................................................................................ 95

7. DO PEDIDO INICIAL .................................................................................................................................................. 95

8. DA CONSTESTAÇÃO ................................................................................................................................................. 95

9. A APURAÇÃO DOS HAVERES .................................................................................................................................... 96

CAPÍTULO X .............................................................................................................................. 97

CONCLUSÕES ............................................................................................................................ 97

BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................... 99

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CAPITULO I

A ORIGEM DO TIPO SOCIETÁRIO

Sociedade limitada é a denominação atual da sociedade por quotas de responsabilidade limitada

criada no Brasil em 1919, pelo Decreto n˚. 3.708 de 10 de janeiro daquele ano, fruto do trabalho de

Inglez de Souza apresentado em forma legislativa ao Congresso Nacional, em 1918, pelo deputado

federal Joaquim Luiz Osório.

Esse tipo societário nasceu por força de pressões de ordem social e econômica, uma vez que a

atividade empresarial estava estrangulada pelos tipos societários então existentes. De um lado, a so-

ciedade anônima, apesar de libertada da autorização real, para a sua criação privada ainda exigia

vultoso capital ou um número grande de sócios; e de outro, as sociedades de responsabilidade ilimi-

tada, também denominadas de solidárias, como a sociedade em nome coletivo, a sociedade em co-

mandita simples e a de capital e indústria, que faziam arriscados os negócios mercantis para o patri-

mônio pessoal dos empresários.

Nelson Abrão entendia que a sociedade por quotas de responsabilidade limitada fora fruto de longa

elaboração legislativa e não das pressões sociais e econômicas1

Mas, diante do quadro de alternativas para o exercício da atividade empresarial não podemos

negar que urgia a criação de um novo tipo societário que fosse de elaboração mais facilitada e possi-

bilitasse ao empresário a realização da atividade econômica com garantias para o seu patrimônio

pessoal e com a limitação de sua responsabilidade ao capital investido, tal qual ocorria nas sociedades

anônimas de então.

A SEMENTE

As tentativas inglesas de facilitarem a criação de sociedades anônimas menos complexas já

eram, nesse tempo, respostas para as pressões sociais e econômicas do mundo empresarial. Como o

próprio Nelson Abrão afirma, com apoio nos estudos de Egberto Lacerda Teixeira2 e Cunha Peixoto3:

A private company nasceu da sociedade anônima. Dela teria surgido a sociedade de

responsabilidade limitada.4

1 A sociedade por quotas de responsabilidade limitada, (omissis) diferentemente de outros tipos societários que

apareceram por força de contingências sociais, políticas ou econômicas, foi fruto de elaboração legislativa,

antecedida de longas lucubrações jurídicas. Abrão, Nelson, Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limi-

tada - 6a. ed. São Paulo Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 21 2 Lacerda Teixeira, Egberto, Sociedade por quotas, São Paulo, 1956, p. 8, apud Nelson Abrão. 3 Cunha Peixoto, Carlos Fulgêncio da, A Sociedade por quotas de responsabilidade limitada, Rio, 1958, vol. 1

p. 8, apud Nelson Abrão. 4 Abrão, Nelson, Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada - 6a. ed. Editora Revista dos Tribunais,

1998, p. 23.

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Ao simplificarem as regras das sociedades anônimas, atenderam aos reclamos dos comerci-

antes que precisavam de uma roupagem jurídica mais simples e menos arriscada, quanto aos seus

patrimônios pessoais, do que as então existentes.

A necessidade da época era encontrar uma solução jurídica que possibilitasse a criação de

sociedades empresariais nas quais, tal como sucedia nas complexas e dificultosas sociedades anôni-

mas, o patrimônio pessoal dos sócios ficasse a salvo da responsabilidade pelo pagamento das dívidas

da sociedade.

Urgia criar um modelo que fizesse com que o patrimônio pessoal dos sócios ficasse livre da

cobrança dos credores da sociedade. Era necessário que a sociedade e os seus sócios tivessem patri-

mônios independentes, e somente a sociedade fosse responsável pelo pagamento de suas dívidas.5

Mas, em verdade, havia um reclamo mundial, numa época pouco anterior a essa, para a sim-

plificação das regras sobre sociedades anônimas, possibilitando que os empresários de então pudes-

sem se reunir em sociedades menos complexas do que a sociedade por ações e sem os riscos dos

empreendimentos individuais ou das sociedades em nome coletivo.

Como reconhece, adiante Nelson Abrão, citando Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto:

Impunha-se a criação de um tipo societário que representasse uma solução concili-

atória, isto é, que aliasse a vantagem da responsabilidade limitada à facilidade de

criação e funcionamento.6

Nesse passo, houve a criação de sociedades anônimas menos complexas, na Inglaterra, em

1857, denominadas de private company (limited by shares, e limited by guarantee), e no Companies

Act de 1862, para distinguir as pequenas empresas das grandes empresas que eram conhecidas por

public company.7

Rubens Requião8, nos informa que: “A lei de 14 de julho de 1856, no artigo 61, permitia na

Inglaterra, formarem-se sociedades em que nenhum sócio é responsável além de sua entrada para o

capital da sociedade”.

5 José Waldecy Lucena, nos remete às obras de Fran Martins (Das sociedades por quotas de responsabilidade

limitada no direito estrangeiro, Imprensa Universitária do Ceará, 1956 e Das sociedades por quotas no direito

estrangeiro e brasileiro, Editora Forense, 1960) para uma resenha completa do surgimento das sociedades por

quotas de responsabilidade limitada nos diversos ordenamentos jurídicos. 6 Abrão, Nelson, Sociedade por quotas de responsabilidade limitada - 6a. ed. Editora Revista dos Tribunais,

1998, p. 22, e Cunha Peixoto, Carlos Fulgêncio da , A sociedade por quotas de responsabilidade limitada, Rio,

1958, vol. 1, p. 8. 7 Marcondes Machado, Sylvio, Ensaio sobre a Sociedade de Responsabilidade Limitada, 1940, p. 29. 8 Requião, Rubens, Curso de direito comercial, 26ª. Ed. São Paulo, Ed. Saraiva, 2005, p. 477

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Alguns autores, entre os quais Waldemar Ferreira, entendem que a sociedade por quotas de

responsabilidade limitada nasceu na Inglaterra9, no que é secundado, ainda hoje, por modernos auto-

res, como Pereira Calças.10

NA FRANÇA

Não podemos esquecer que, em França, em 1863, surgiu a “société à responsabilité limitée”,11

de duração efêmera, mas que foi muito importante para o desenvolvimento posterior do tipo societá-

rio, inspirando aqueles que propugnavam pela criação legislativa do novo tipo societário.

Como se vê, por este breve relato histórico, a criação das sociedades por quotas de responsa-

bilidade limitada foi fruto de uma longa evolução legislativa de aperfeiçoamento das sociedades então

existentes decorrente da evolução do mercado e das necessidades humanas empresariais.

O desenvolvimento completo dessa história não cabe nos estreitos limites deste trabalho, mas

aconselhamos a busca na nossa literatura jurídica do completo desenvolvimento desse tipo societário.

A CRIACAO DEFINITIVA

A criação definitiva da sociedade limitada se deu na Alemanha, sob o imperador Guilherme

II, em 20 de abril de 1892, pela aprovação no Congresso Nacional da proposta do deputado OECHE-

LHAEUSER, com o nome de Gesellschaft mit beschraenkter Haftung - GmbH.12 O deputado alemão

justificou a sua iniciativa, como nos afirma JACQUES HATT, dizendo:

As formas de sociedade de comércio atualmente em vigor no Império Alemão não

bastam mais às necessidades econômicas; importa fazer penetrar o princípio da res-

ponsabilidade limitada, que se implanta com vigor irresistível na vida econômica,

nas sociedades de base individualista, nas quais o capital e a inteligência entram em

contato direto; a capital igual e a força humana igual, as sociedades individualistas

produzem, sem contradita, valores superiores aquela das sociedades coletivas.13

A grande maioria dos autores reconhece que esse tipo societário, a sociedade por quotas de

responsabilidade limitada, atualmente denominada pelo nosso Código Civil de sociedade limitada,

9 Ferreira, Waldemar, Sociedade por quotas, 1925, 5ª. Ed. p. 4. 10 Pereira Calças, Manoel de Queiroz, Sociedade limitada no novo código civil, São Paulo, 2003, Editora Atlas,

p. 16. 11 vide em Coelho, Fabio Ulhôa, Curso de direito comercial, 10ª. Ed. São Paulo, Editora Saraiva, 2007, p. 366. 12 confira em Villemor Amaral, Hermano, Das sociedades limitadas - 2ª. Ed. Rio de Janeiro, Briguet & Cia.,

1938, que traz o texto traduzido da lei alemã de 1892, com as modificações feitas em 10/05/1897 pelo artigo

11 da Lei de Introdução ao Código Comercial Alemão. O estudo dessas modificações pode ser encontrado na

Revista de Direito Mercantil, vol. 71, p.88 de autoria de Vera Helena de Mello Franco. 13 JACQUES HATT, La société à responsabilitée limitée em droit allemand, Paris, 1908, p. 6, apud Nelson

Abrão, Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada, 6a., São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1998,

p. 24

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teve a sua gestação no direito consuetudinário inglês pela evolução das sociedades anônimas, já co-

nhecidas desde o século XV, em decorrência dos esforços de sua simplificação e possibilidade de

utilização pelos empresários de então, sem as exigências de autorização ou concessão governamental

e limites mínimos de investimento.14

Portugal adotou esse tipo societário em 11/04/1901 e foi, depois da Alemanha, o primeiro país

a fazê-lo.

NO BRASIL

No Brasil, em 1865, JOSÉ THOMAZ NABUCO DE ARAÚJO15, então ministro da Justiça,

apresentou projeto de criação de uma sociedade anônima simplificada, que denominou de sociedade

de responsabilidade limitada, mas foi rejeitado pelo imperador Pedro II, em 1867.

Em 1912, HERCULANO MARCOS INGLEZ DE SOUZA foi incumbido pelo Governo Fe-

deral para elaborar um novo Código Comercial, em substituição ao Código Comercial do Império, de

1850, e ao fazê-lo dedicou um capítulo, por ele denominado de “Das Sociedades Limitadas”, no qual

preconizava um novo tipo de sociedade:

Como a aprovação de um novo Código Comercial pelo Congresso Nacional, já à época, era

uma tarefa de dezenas de anos, o deputado JOAQUIM LUIZ OSÓRIO, com base no trabalho de

INGLEZ DE SOUZA e no modelo alemão de 1892, apresentou um projeto de lei criando a, por ele

denominada, sociedade por quotas de responsabilidade limitada, que deu origem ao Decreto n˚. 3.708,

aprovado em 10 de janeiro de 1919, que vigorou até 2002, quando foi substituído pelas novas regras

dos artigos 1052 a 1087 do Código Civil.

14 Diniz, Maria Helena, Curso de Direito Civil, 2ª. Ed. reformulada, São Paulo, 2009, Editora Saraiva, p.313 15 Lucena, José Waldecy, Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada, 2ª. Ed., Rio de Janeiro,

1997, Editora Renovar, traz o texto integral da proposta do Conselheiro Nabuco de Araújo – pags. 12/18. 16 Inglez de Souza, Projeto de Código Comercial, vol. 1, p. 24, apud Sylvio Marcondes, Problemas de Direito

Mercantil, 1970.

“... de modo a animar a concorrência das atividades e dos capitais do comércio, sem ser pre-

ciso recorrer à sociedade anônima, que melhor se reservará para as grandes empresas indus-

triais, que necessitam de capitais muito avultados e prazo superior ao ordinário da vida hu-

mana.”16

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CAPÍTULO II

CARACTERÍSTICAS DA SOCIEDADE LIMITADA

As sociedades empresariais, no Brasil, têm alguns pontos de semelhança e outros de diferen-

ças, razão pela qual importa, no estudo da sociedade limitada, apontar as características desse tipo

societário para, em primeiro lugar, fazer um reconhecimento de suas particularidades e em segundo

lugar para a identificar em confronto com as características das outras sociedades empresariais. Para

isso, devemos adotar alguns critérios como norteadores das semelhanças e diferenças que devemos

apontar. O mais importante deles, principalmente porque foi o motivo da sua criação, é a questão da

responsabilidade dos sócios pelos atos praticados pela pessoa jurídica, tanto dos sócios administra-

dores, como dos sócios não administradores. Outro aspecto relevante é a sua natureza jurídica como

sociedade contratual e as suas consequências práticas.

Dentre outras características possíveis, escolhemos a questão do nome empresarial porque é

pela simples visão do nome societário que reconhecemos a natureza jurídica da sociedade. A socie-

dade em nome coletivo se identifica pela falta de nome discriminador, a sociedade em comandita

agrega ao nome a expressão “em comandita”, a sociedade anônima agrega a expressão “Sociedade

Anônima” ou sua abreviatura “S.A.”, no começo, no meio ou no fim do nome, ou “Companhia” ou

sua abreviatura “Cia.” e a sociedade limitada pela obrigatória inserção da expressão “Ltda.”, ou “Li-

mitada” no final do nome.

A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS

A principal característica da sociedade limitada é, sem dúvida, a determinação contida no

caput do art. 1052 do Código Civil de limitar a responsabilidade dos sócios ao valor de suas quotas.17

É a concretização da grande conquista dos empresários do final do século XIX, como vimos antes.

O patrimônio pessoal dos sócios está resguardado das vicissitudes da vida empresarial e dos

riscos inerentes a todo negócio. De fato, ao contrário das sociedades solidárias existentes até então

(sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita e a sociedade de capital e indústria) a respon-

sabilidade dos sócios pelas dívidas sociais, nesta nova sociedade tem (exceto em casos especiais como

veremos adiante) por limite o seu capital investido na atividade empresarial.

Na sociedade limitada, os sócios só respondem com o seu patrimônio pessoal pelas dívidas da

sociedade quando:

a) não integralizarem o capital social (artigo 1.052 do Código Civil)18;

17 Art. 1052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio e restrita ao valor de suas quotas... 18 Artigo 1052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas

todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.

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b) agirem contra a lei, com excesso de poder ou contra dispositivo do contrato social (artigo 1.080 do

Código Civil)19;

c) quando a sociedade vier a ser constituída entre marido e mulher sem observar as restrições contidas

no artigo 977 do Código Civil20, que proíbe a constituição de sociedade limitada entre cônjuges ca-

sados pelo regime de comunhão universal ou de separação total de bens;

d) por força da possibilidade de decisão judicial de desconsideração da personalidade jurídica, pre-

vista no artigo 50 do Código Civil21, no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor - Lei Federal n.

8.078/9022; no art. 18 da Lei Federal nº. 8.884/94, que cuida das infrações a ordem econômica; e no

art. 4º. da Lei Federal nº. 9.605/98, que cuida da defesa do meio ambiente;

f) pela falta de pagamento de tributos em virtude de fraude ou ação contrária à lei, ao contrato social

e ao estatuto (inciso III do artigo 135 do Código Tributário Nacional - Lei Federal n. 5.172/66)23;

g) pela falta de pagamento das contribuições previdenciárias, como determina o art. 13 da Lei Federal

nº. 8.602/93;

h) inadimplemento das obrigações trabalhistas, uma vez que a doutrina e a jurisprudência da justiça

especializada entendem que o empregado não deve suportar os riscos do empreendimento dirigido

pelo empregador.24

Mesmo nesses casos, há de se observar o benefício de ordem previsto nos artigos 596 do

Código de Processo Civil e artigo 1.024 do Código Civil, que determinam a necessidade de, primeiro,

19 Artigo 1080. As deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que

expressamente as aprovaram.

Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF - Centro de Estudos Jurídicos do

Conselho da Justiça Federal :

Enunciado nº 229: - A responsabilidade ilimitada dos sócios pelas deliberações infringentes da lei ou do

contrato torna desnecessária a desconsideração da personalidade jurídica, por não constituir a autonomia pa-

trimonial da pessoa jurídica escudo para a responsabilização pessoal e direta. 20 Artigo 977. Faculta-se aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham

casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória. 21 Artigo 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela

confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber

intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens

particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. 22 Artigo 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do

consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos

estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de in-

solvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. 23 Artigo 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias re-

sultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

.................................................................................................................

III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado. 24 Pereira Calças, ob. cit. pag. 102/103

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serem excutidos os bens da sociedade e só na falta destes a responsabilidade transborda para o patri-

mônio pessoal dos sócios25.

NATUREZA CONTRATUAL

Outra característica das sociedades limitadas, (não exclusiva como a limitação de responsabi-

lidade, mas tão importante como) é a sua natureza contratual. Difere das sociedades anônimas de

natureza institucional. A sociedade limitada, com efeito, nasce da celebração de um contrato (acordo

de vontades) entre duas ou mais pessoas, em torno de um objetivo comum, mediante a colaboração

de todos para a constituição de um fundo comum (o capital social) e o compromisso de colaboração

mútua na perseguição do objetivo.

VIVANTE afirma que o contrato de sociedade transforma os interesses individuais dos sócios

em um interesse coletivo, razão pela qual esse contrato tem característica diversa dos demais contratos

de direito civil.26

No mesmo diapasão, ASCARELLI27 classifica o contrato das sociedades como uma subes-

pécie de contrato, por ele denominado de plurilateral, dadas as suas características formais. “Todas

as partes de um contrato plurilateral são titulares de direitos e obrigações. Cada parte tem, pois, obri-

gações, não para com uma ou outra, mas para com todas as outras.”

A natureza contratual da sociedade limitada é uma das suas principais características, e para

o seu exame cumpre começar por seguir as determinações contidas nos artigos 997 e seguintes do

Código Civil28, que estabelecem os requisitos necessários e indispensáveis para a elaboração de um

contrato de constituição de sociedade29.

Como se verá, o artigo 997 do Código Civil trata das regras para a constituição de sociedade

personificada, empresarial ou não (a sociedade simples), estabelecendo o denominado tipo padrão de

sociedade, as quais todas as sociedades, exceto as sociedades por ações, poderão aderir.

25 CPC Artigo 596 - Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos

casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro

excutidos os bens da sociedade.

e CC Artigo 1.024. Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade,

senão depois de executados os bens sociais. 26 citado por Cunha Peixoto, A Sociedade por Cotas de Responsabilidade Limitada, 2ª. Ed., Rio de Janeiro,

Editora Forense, 1958, vol. I, pag. 63. 27 Ascarelli Tulio, Problema das sociedades anônimas e Direito Comparado, São Paulo, Saraiva, 1945, pag.

275, nº. I, citado por Cunha Peixoto. 28 Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF

Enunciado nº 214: - As indicações contidas no artigo 997 não são exaustivas, aplicando-se outras exigências

contidas na legislação pertinente para fins de registro. 29 Enunciado aprovado na IV Jornada de Direito Civil

Enunciado CJF nº 383: A falta de registro do contrato social (irregularidade originária - artigo 998) ou de

alteração contratual versando sobre matéria referida no artigo 997 (irregularidade superveniente - artigo 999,

parágrafo único) conduzem à aplicação das regras da sociedade em comum (artigo 986).

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Artigo 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou pú-

blico, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará:

I - nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas

naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas;

II - denominação30, objeto, sede e prazo da sociedade31;

III - capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qual-

quer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária;

IV - a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la;

V - as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços32;

VI - as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes

e atribuições;

VII - a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas;

VIII - se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais.33

Parágrafo único. É ineficaz em relação a terceiros qualquer pacto separado, contrá-

rio ao disposto no instrumento do contrato.

e

Artigo 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas nor-

mas da sociedade simples.

Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade

limitada pelas normas da sociedade anônima.34

30 30 Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF

Enunciado nº 213: - O artigo 997, inc. II, não exclui a possibilidade de sociedade simples utilizar firma ou

razão social. 31 Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF

Enunciado nº 213: - O artigo 997, inc. II, não exclui a possibilidade de sociedade simples utilizar firma ou

razão social.

Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF

Enunciado nº 215: - A sede a que se refere o caput do artigo 998 poderá ser a da administração ou a do esta-

belecimento onde se realizam as atividades sociais . 32 Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF

Enunciado nº 222: - O artigo 997, V, não se aplica a sociedade limitada na hipótese de regência supletiva pelas

regras das sociedades simples.

Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF

Enunciado nº 206 - A contribuição do sócio exclusivamente em prestação de serviços é permitida nas socieda-

des cooperativas (artigo 1.094, I) e nas sociedades simples propriamente ditas (artigo 983, 2ª parte). 33Enunciado Aprovado na Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF (11 a 15.09.2002)

Enunciado nº 61: - o termo "subsidiariamente", constante do inc. 8º do artigo 997 do Código Civil, deverá ser

substituído por "solidariamente" a fim de compatibilizar esse dispositivo com o artigo 1.023 do mesmo Código.

Enunciado aprovado na IV Jornada de Direito Civil

Enunciado CJF nº 384: Nas sociedades personificadas previstas no Código Civil, exceto a cooperativa, é ad-

missível o acordo de sócios, por aplicação analógica das normas relativas às sociedades por ações pertinentes

ao acordo de acionistas. 34 Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF

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Artigo 1.054. O contrato mencionará, no que couber, as indicações do artigo 997,

e, se for o caso, a firma social.35

O contrato social ou contrato de sociedade é no dizer de Maria Helena Diniz36:

“ convenção por via da qual duas ou mais pessoas (naturais ou jurídicas) se obrigam

a conjugar seus esforços ou recursos ou a contribuir com bens ou serviços, para a

consecução de fim comum, ou seja, para o exercício de atividade econômica e a

partilha, entre si, dos resultados.”

Dispõe o artigo 981 do Código Civil que:

Artigo 981 - Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obri-

gam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e

a partilha, entre si, dos resultados.

Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios

determinados.

Essa definição genérica de contrato social sofre restrição importante quando se trata de con-

trato de sociedade limitada porque, como determina o § 2˚. do artigo 1.055 do Código Civil, na soci-

edade limitada não é possível a contribuição de sócio que consista em prestação de serviços.37

O contrato de sociedade é um contrato bilateral, oneroso, consensual e comutativo.

A bilateralidade surge quando duas ou mais pessoas se obrigam reciprocamente à contribui-

ção para o empreendimento e à partilha entre si dos resultados. Como adverte Maria Helena Diniz38,

Enunciado nº 217: - Com a regência supletiva da sociedade limitada, pela lei das sociedades por ações, ao

sócio que participar de deliberação na qual tenha interesse contrário ao da sociedade aplicar-se-á o disposto no

artigo 115, § 3º, da Lei n. 6.404/76. Nos demais casos aplicam-se o disposto no artigo 1.010, § 3º, se o voto

proferido foi decisivo para a aprovação da deliberação, ou o artigo 187 (abuso do direito), se o voto não tiver

prevalecido.

Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF

Enunciado nº 222: - O artigo 997, V, não se aplica a sociedade limitada na hipótese de regência supletiva pelas

regras das sociedades simples.

Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF

Enunciado nº 223: - O parágrafo único do artigo 1.053 não significa a aplicação em bloco da Lei n. 6.404/76

ou das disposições sobre a sociedade simples. O contrato social pode adotar, nas omissões do Código sobre as

sociedades limitadas, tanto as regras das sociedades simples quanto as das sociedades anônimas. 35 Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF

Enunciado nº 214: - As indicações contidas no artigo 997 não são exaustivas, aplicando-se outras exigências

contidas na legislação pertinente para fins de registro. 36 Diniz, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, Vol. 8, São Paulo, Editora Saraiva, 2008, p. 111 37 Artigo 1.055. O capital social divide-se em quotas, iguais ou desiguais, cabendo uma ou diversas a cada

sócio.

................................................................................................

§ 2º É vedada contribuição que consista em prestação de serviços. 38 Diniz, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, Vol. 8, São Paulo, Editora Saraiva, 2008, p. 113

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em consentâneo com Waldo Fazzio Junior e Rubens Requião, (mencionados por ela), essa bilaterali-

dade seria mais bem entendida como uma plurilateralidade, não no sentido de existência de mais de

dois sócios, mas no sentido de que, diferentemente do que ocorre nos contratos bilaterais, quando a

falta de cumprimento de uma obrigação por um dos sócios leva à possibilidade de rescisão contratual,

aqui os sócios “caminham lado a lado para a obtenção de um bem comum”.

O referido contrato é oneroso porque os sócios assumem, pela subscrição, a obrigação de

integralizar suas quotas, e em decorrência da participação societária o direito de participar da distri-

buição dos lucros.

É, como regra geral, consensual, dada a possibilidade da existência da denominada sociedade

comum39, na qual basta o consentimento das partes para a sua formação (sociedades irregulares ou

de fato40), exigindo-se, todavia, contrato escrito para a sociedade limitada, cuja existência depende,

ainda, de arquivamento do ato constitutivo na Junta Comercial.

Esse contrato também é comutativo, porque na subscrição das suas respectivas quotas os só-

cios já sabem, de antemão, o montante de sua participação. A possibilidade de terem de arcar com

eventuais prejuízos (álea) não desnatura a comutatividade do contrato social.

Durante muito tempo a doutrina debateu sobre a natureza jurídica do ato constitutivo das

sociedades, com fundamento nos estudos de TULIO ASCARELLI41, que afirmava que a sociedade

resulta de um ato complexo, no qual se fundem as vontades dos participantes, resultando na manifes-

tação de uma só vontade. As teorias anticontratualistas que se seguiram, entretanto, não encontraram

eco no direito brasileiro porque, tanto o artigo 1.363 do Código Civil de 191642, como o atual artigo

981 do novo Código Civil de 200243, consagra a natureza contratual do ato criador das sociedades.

Como nos ensina PEREIRA CALÇAS44:

Por isso, pode-se afirmar que o principal efeito do contrato de sociedade é a cons-

tituição de um sujeito de direito, uma pessoa jurídica, totalmente distinta dos sócios

que a criaram, com personalidade jurídica, autonomia patrimonial, nome empresa-

rial e domicílio próprio.

39. artigos 986 a 990 do Código Civil. 40. artigos 304 e 305 do Código Comercial revogado. 41 ASCARELLI, Tulio, Problemas das sociedades anônimas e direito comparado, São Paulo, Editora Sa-

raiva,1945, p. 274, 42 "Celebram contrato de sociedade as pessoas que mutuamente se obrigam a combinar os seus esforços ou

recursos para lograr fins comuns." 43 "Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou ser-

viços, para o exercício de atividade econômica e a partilhar, entre si, os resultados." 44 PEREIRA CALÇAS, Manoel de Queiroz, Sociedade limitada no novo código civil, São Paulo, Ed. Atlas,

2003, p. 43 :

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O “NOMEM JURIS”: SOCIEDADE LIMITADA

A denominação SOCIEDADE LIMITADA, encontrada nos artigos 1.052 a 1087 do Código

Civil (Lei Federal n˚. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Capítulo IV do Título II do Livro II), não

pode ser entendida na sua expressão literal.

A sociedade empresarial, assim denominada, não apresenta nenhuma limitação, sob qualquer

ponto de vista. A “limitação” contida em seu nomen juris se refere à limitação da responsabilidade

dos sócios quanto aos efeitos decorrentes da ação da pessoa jurídica.

Na sociedade em nome coletivo, e nas sociedades onde existem sócios solidários45, estes res-

pondem, com o seu patrimônio pessoal, pelas dívidas contraídas e não pagas pela pessoa jurídica.

Por enquanto, queremos apenas enfatizar que o nome da sociedade poderia ter sido adotado

como SOCIEDADE POR QUOTAS para manter uma coerência lógica com as determinações da Lei

Federal n˚. 6.404/76, que cuida das SOCIEDADES POR AÇÕES.

O Enunciado n˚. 65 do Conselho da Justiça Federal46 já orientou no sentido de que:

A expressão ‘sociedade limitada’ tratada no artigo 1.052 e seguintes do Código Ci-

vil, deve ser interpretada stricto sensu como sociedade por quotas de responsabili-

dade limitada.

A alteração do nomen juris de “sociedade limitada” para “sociedade por quotas”, para

se manter a coerência com a denominação das “sociedades por ações”, contudo, esbarra em três in-

transponíveis argumentos:

a) o histórico, que se apegam às denominações adotadas pelos outros países para identificar esse tipo

societário, desde a sua criação até os nossos dias;

b) o prático, que impede a alteração do nome até então utilizado porque a mudança acarretaria a

necessidade da alteração contratual em todas as sociedades limitadas existentes, o que seria inimagi-

nável; e,

c) o fato de que a expressão limitada, por extenso ou abreviadamente constitui parte inseparável do

próprio nome desse tipo societário.

CAPITULO III

OS SÓCIOS QUOTISTAS

Todos sabemos que a higidez do negócio jurídico depende de três pressupostos:

a) ter sido celebrado entre pessoas capazes;

45 O sócio ostensivo na sociedade em conta de participação e os contratantes de um consórcio (artigo. 278 da

Lei das S/As.) 46 Enunciado n˚. 65 da Jornada de Direito Civil da CJF de 11 a 15/09/2002

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b) ser lícito o seu objeto; e,

c) observar a forma prescrita em lei (CC. artigo 104).47

O contrato social é um negócio jurídico, e, como tal, exige, para a sua eficácia, a observância

dessas três condições essenciais, sob pena de ser considerado nulo, e, portanto, sem qualquer efeito,

passado ou futuro.

Entretanto, no caso de constituição de sociedade empresária limitada, a lei impõe outras con-

dições acerca da capacidade das partes contratantes, sendo certo, também, e não podemos nos esque-

cer disto, que a incapacidade, tida como restrição legal ao exercício de negócios jurídicos, deve ser

encarada restritivamente, considerando-se o princípio de que “a capacidade é a regra e a incapacidade,

a exceção”. (RTJ. 95/1349).48

As pessoas naturais, capazes e não impedidas, podem fazer parte do contrato social, assim

como, nada obsta que as pessoas jurídicas, regulares, devidamente representadas, possam constituir

uma sociedade limitada. Também podem celebrar contrato de sociedade pessoas naturais com pessoas

jurídicas. As pessoas jurídicas, para comporem uma sociedade limitada com pessoas naturais ou com

outras pessoas jurídicas devem ser brasileiras. As estrangeiras dependem de autorização do Poder

Executivo (artigo 1.134 do Código Civil):

Artigo 1.134. A sociedade estrangeira, qualquer que seja o seu objeto, não pode,

sem autorização do Poder Executivo, funcionar no País, ainda que por estabeleci-

mentos subordinados, podendo, todavia, ressalvados os casos expressos em lei, ser

acionista de sociedade anônima brasileira.

OS MENORES E OS INCAPAZES

A possibilidade de menores, incapazes ou relativamente capazes, de participarem, como só-

cios, da sociedade limitada é o objeto da nossa primeira preocupação, pois a literalidade do disposto

no artigo 104 do Código Civil que exige, para a validade do ato jurídico, a capacidade do contratante,

aponta para a proibição legal de menores comporem o quadro social das limitadas.

Se obedecido o princípio estabelecido pelo artigo 104 do Código Civil, os menores não pode-

riam participar de qualquer negócio jurídico, e, portanto, não poderiam ser sócios da sociedade limi-

tada, por falta de capacidade jurídica para tanto.

Todavia, em 1976, em virtude da morte de um sócio de uma sociedade por quotas de respon-

sabilidade limitada (como era chamada, então, a sociedade limitada pelo DL. 3708/1919), a Junta

47 Artigo 104. A validade do negócio jurídico requer:

I - agente capaz;

II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

III - forma prescrita ou não defesa em lei. 48 Diniz, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, Vol. 8, São Paulo, Editora Saraiva, 2008, p. 67.

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Comercial do Estado de São Paulo se recusou a arquivar alteração contratual que incluía no lugar do

sócio falecido o seu herdeiro, menor de idade.

A questão foi ao Judiciário, através de Mandado de Segurança, e após ter sido concedida em

todas as instâncias, o Supremo Tribunal Federal, que em memorável Acórdão, proferido no Recurso

Extraordinário n˚. 82.433-SP, de 1982, de lavra do então ministro Xavier de Albuquerque estabeleceu

a possibilidade de ingresso de menor, por sucessão, na sociedade limitada, desde que devidamente

representado ou assistido.49

A jurisprudência que se seguiu, no Supremo Tribunal Federal, sobre a possibilidade da parti-

cipação de incapazes nas sociedades limitadas, fez com que o DNRC (Departamento Nacional de

Registro do Comércio) orientasse as Juntas Comerciais para aceitar o arquivamento de contratos so-

ciais de constituição dessas sociedades, e mesmo alterações contratuais, desde que se observassem

três requisitos:

a) a gerência ou qualquer tipo de administração não poderia ser exercida pelo menor;

b) o capital social deveria estar totalmente integralizado; e

c) o incapaz deveria estar representado ou assistido, conforme o caso.

Sobre a participação de menor, ver Fabio Ulhôa Coelho50

É importante consignar que o DNRC tinha, por força do disposto no artigo 4°. da Lei Federal

n°. 4.726/65 poderes para expedir normas com a finalidade de resolver dúvidas na interpretação e

aplicação das leis comerciais, e usando dessa prerrogativa editou a Instrução Normativa n°. 12, em

26 de outubro de 1986, pela qual as Juntas Comerciais deveriam permitir o arquivamento dos atos

constitutivos de sociedades limitadas, desde que observadas as três condições anteriormente referidas:

proibição de exercício de gerência, integralização total do capital social e observância das regras do

direito civil para a manifestação da vontade do menor (representação ou assistência). Entretanto em

1994, a Lei Federal n°. 8.934 revogou a lei anterior, e até hoje, com exceção do disposto no artigo

974 do Código Civil, não há nenhuma regra legal sobre a participação de menores nas sociedades

limitadas.

Por isso, a matéria, hoje, ainda se presta a algumas discussões tanto que o Enunciado n°. 203,

aprovado na III Jornada de Direito Civil do CEJ do Conselho da Justiça Federal preconiza:

O exercício da empresa por empresário incapaz, representado ou assistido somente

é possível nos casos de incapacidade superveniente ou incapacidade do sucessor na

sucessão por morte.

49 confira-se RT. 478/96 e RTJ. 70/608 : “EMENTA : Sociedade por quotas de responsabilidade limitada.

Participação de menores, com capital integralizado e sem poderes de gerência e administração, como cotistas.

Admissibilidade reconhecida, sem ofensa ao artigo 1˚. do Código Comercial.” 50 Coelho, Fabio Ulhôa, Curso de direito comercial, 18a. edição, São Paulo, Editora Saraiva, 2014, p. 418

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Assim, ao teor do que determina o artigo 974 do Código Civil:

Artigo 974. Poderá o incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido,

continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo

autor de herança.

§ 1º Nos casos deste artigo, precederá autorização judicial, após exame das cir-

cunstâncias e dos riscos da empresa, bem como da conveniência em continuá-la,

podendo a autorização ser revogada pelo juiz, ouvidos os pais, tutores ou represen-

tantes legais do menor ou do interdito, sem prejuízo dos direitos adquiridos por

terceiros.

poderíamos concluir que os incapazes (os menores de dezesseis anos; os que, por enfermidade ou

deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; os que, mesmo

por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade (incisos I, II e III do artigo 3˚. do Código

Civil), e os relativamente capazes (os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; os ébrios

habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;

os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; os pródigos; e os índios cuja capacidade é

regulada pela Lei (incisos I a IV e § único do artigo 4˚. do Código Civil), só poderiam fazer parte de

uma sociedade limitada desde que devidamente representados ou assistidos, e apenas por continui-

dade antes da perda da capacidade ou por sucessão, mas, sempre, dependente de autorização judicial,

obtida mediante pedido de alvará. Autorização esta que poderá ser posteriormente revogada pelo juiz.

Assim, ao contrário da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e da orientação do DNRC

para as Juntas Comerciais, a literalidade do artigo 974 do Código Civil dispõe que não poderão ser

sócios os menores, mesmo se representados ou assistidos, de forma original. Ou seja, só podem ser

sócios, como permite o artigo, por sucessão.

Entretanto, não é esta a posição do DNRC que, como vimos no modelo de contrato social por

ele divulgado, os incapazes podem ser sócios da sociedade limitada, que de forma original, quer por

sucessão, desde que observadas as condições que haviam sido estabelecidas pela jurisprudência e

promulgadas pela, hoje revogada, Instrução Normativa n°. 12 de 1986.

Não podemos nos esquecer, ainda, dos casos previstos no parágrafo único do artigo 5˚. do

Código Civil que trata da possibilidade de cessação do estado de incapacidade pelo advento dos fatos

ali arrolados.

Assim estabelece o parágrafo único do artigo 5˚. do Código Civil:

Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:

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I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento

público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ou-

vido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;

II - pelo casamento;

III - pelo exercício de emprego público efetivo;

IV - pela colação de grau em curso de ensino superior;

V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de em-

prego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha

economia própria.

A MULHER CASADA

A menção à possibilidade jurídica de a mulher casada compor o quadro societário, neste tra-

balho, tem a finalidade de fazer notar a evolução do direito brasileiro com relação à condição inferior

da mulher estabelecida pelo revogado Código Civil de 1916, e do avanço conquistado pela legislação,

estabelecendo a igualdade jurídica entre os sexos.

A mulher casada, ao tempo da vigência do Código Civil de 1916, pela redação do seu artigo

6˚. era “incapaz relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer”.

Somente em 1962, a Lei Federal n˚. 4.121, de 27 de agosto de 1962, revogou tal dispositivo,

e colocou fim ao longo período de tempo que a mulher casada era considerada relativamente capaz,

submetida aos caprichos e a vontade de seu marido.

Artigo 1.642. Qualquer que seja o regime de bens, tanto o marido quanto a mulher

podem livremente:

I - praticar todos os atos de disposição e de administração necessários ao desempe-

nho de sua profissão, com as limitações estabelecida no inciso I do artigo 1.647;

II - administrar os bens próprios;

III - desobrigar ou reivindicar os imóveis que tenham sido gravados ou alienados

sem o seu consentimento ou sem suprimento judicial;

IV - demandar a rescisão dos contratos de fiança e doação, ou a invalidação do aval,

realizados pelo outro cônjuge com infração do disposto nos incisos III e IV do artigo

1.647;

V - reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, doados ou transferidos pelo

outro cônjuge ao concubino, desde que provado que os bens não foram adquiridos

pelo esforço comum destes, se o casal estiver separado de fato por mais de cinco

anos;

VI - praticar todos os atos que não lhes forem vedados expressamente.

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A Lei Federal n˚. 4.121/62, denominada de Estatuto da Mulher Casada, restaurou a dignidade

da mulher, constituindo-se em notável avanço normativo, que hoje, com o advento do novo Código

Civil, chega a sua plenitude com as disposições constante do artigos 1.642:

A mulher casada, portanto, livrou-se definitivamente das amarras oriundas da cultura medie-

val, e, hoje, tem plena capacidade jurídica para celebrar contrato de sociedade, sem necessidade de

outorga uxória.

Era comum, durante a vigência do Decreto Lei n˚. 3.708/19, a constituição de sociedades por

quotas de responsabilidade limitada entre marido e mulher, em que o marido constituía a sociedade

mantendo para si 99%, ou mais, do capital social e atribuindo a mulher os restantes 1%, ou menos,

apenas para compor e quadro societário e evitar a possibilidade de responder, como empresário indi-

vidual, com o seu patrimônio particular pelas dívidas da sociedade. Eram as denominadas “sociedades

de palha”.51

A atividade empresarial do marido era protegida pela personalidade jurídica da sociedade as-

sim constituída, e seu patrimônio pessoal só estaria comprometido se e quando agisse contra a lei ou

contra as normas de seu contrato social, como determinava o artigo 596 do Código de Processo Civil:

Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão

nos casos previstos em lei

Todavia, a jurisprudência, ao analisar as hipóteses segundo as quais isso ocorria, insistia em

considerar comum o patrimônio societário e o patrimônio conjugal, fazendo o ônus incidir sobre os

bens particulares do casal. Tais decisões tinham por fundamento a confusão patrimonial entre os bens

societários e os bens conjugais, uma vez que marido e mulher eram os únicos sócios da sociedade.

O novo Código Civil, em seu artigo 977, para resolver essa questão, determinou:

Faculta-se aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que

não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação

obrigatória.

Fabio Ulhôa Coelho52 defende a tese da inconstitucionalidade do artigo 977 do novo Código

Civil, sob o argumento de que tal dispositivo infringe a norma constitucional inserta no inciso XVII

do artigo 5˚. da Constituição Federal de 1988, que assegura a livre associação para fins lícitos.53

51 Ver Salomão Filho, Calixto, A sociedade unipessoal, São Paulo, Malheiros Editores, 1995 52 Coelho, Fabio Ulhôa, apud Diniz, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, Vol. 8, São Paulo, Editora

Saraiva, 2008, p. 102 53 XVII - Artigo 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos bra-

sileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

.................................................................................................................

XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;

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Não compactuamos com o emérito professor por entendermos que vale para o caso, na solução

da pseudo-antinomia54, a aplicação da regra da especialidade, pois, muito embora a regra constituci-

onal do inciso XVII do artigo 5˚. preveja a liberdade de associação lícita, o artigo 977 do Código

Civil específica essa possibilidade, dada a possibilidade de confusão patrimonial.

O mesmo ocorre, guardadas as devidas proporções, nas limitações legais às associações entre

brasileiros e estrangeiros para o exercício de determinadas atividades empresariais (por exemplo:

participação em empresas de navegação aérea – Lei Federal n˚. 7.565/86 e Decreto n˚. 92.319/86; ou

de médicos nas sociedades empresariais cujo objeto seja farmácia – Lei Federal n˚. 5.991/73).

O fundamento de tal proibição é na opinião de Paulo Salvador Frontini55 a confusão, no regime

de comunhão universal, entre o patrimônio social e o patrimônio conjugal, e a evidente alteração de

regime conjugal, no caso de separação obrigatória, uma vez que sociedade significa comunhão de

interesses e patrimônio.

Quanto à proibição contida no artigo 977 do Código Civil de 2002 de constituição de socie-

dade empresária limitada entre cônjuges que adotaram o regime de comunhão universal ou de sepa-

ração obrigatória, cumpre esclarecer que a proibição se refere à participação dos cônjuges numa única

sociedade. Não haverá obstáculo legal se os cônjuges participarem, cada um, de sociedades limitadas

diferentes.

Importante ressaltar, também, que a proibição se estende aos casos de ingresso de um dos

cônjuges em sociedade preexistente da qual participe o outro cônjuge.56

O Código Civil, de 2002, prevê no seu artigo 2.031, que:

“As associações, sociedades e fundações, constituídas na forma das leis anteriores,

bem como os empresários, deverão se adaptar às disposições deste Código até 11

de janeiro de 2007.

(Redação dada ao caput pela Lei nº. 11.127, de 28.06.2005)”.

Grande celeuma se estabeleceu na doutrina, em face do que dispõe o artigo 6˚. da Lei de Intro-

dução ao Código Civil, que prescreve:

Artigo 6º. - A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico

perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

(Redação dada pela Lei nº 3.238, de 01.08.1957)

54 vide MODESTO DE PAULA, Luiz Gonzaga, Lacunas e antinomias em direito tributário, São Paulo, Revista

dos Tribunais n˚. 539, p. 24 e sgts. 55 in “Sociedade comercial ou civil entre cônjuges, inexistência, validade, nulidade, anulabilidade ou descon-

sideração desse negócio jurídico?” na Revista de Jurisprudência do Tribunal de Alçada Civil do Estado de

São Paulo – JTACSP, vol 78, p. 6. 56 cf. Enunciado 206 do Conselho da Justiça Federal na III Jornada de Direito Civil.

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A questão era de se saber se as sociedades constituídas, antes da entrada em vigor do novo

Código Civil, entre marido e mulher casados sob o regime de comunhão universal de bens ou de

separação obrigatória, estariam obrigadas a obedecer ao mandamento contido no artigo 2.031 do novo

Código Civil ou prevaleceria o princípio da irretroatividade, inscrito no artigo 6˚. da Lei de Introdu-

ção. Na III Jornada de Direito Civil, patrocinada pelo Conselho da Justiça Federal, foi aprovado o

Enunciado n˚. 204, que assim dispõe:

A proibição de sociedade entre pessoas casadas sob o regime de comunhão univer-

sal ou de separação obrigatória só atinge as sociedades constituída após a vigência

do Código Civil de 2002.

Como tal Enunciado não tinha força vinculatória, mas servia apenas de orientação, a dúvida

sobre a sua aplicabilidade foi espancada pelo PARECER JURÍDICO DNRC/COJUR n˚. 125/2003,

que entendeu:

“...em respeito ao ato jurídico perfeito essa proibição não atinge as sociedades entre

cônjuges já constituídas quando da entrada em vigor do Código”.

Portanto, as sociedades limitadas constituídas antes de 11 de janeiro de 2003, data em que

entrou em vigor no novo Código Civil, não se submetem à necessidade de qualquer alteração contra-

tual.

Todavia, isto não quer dizer que em caso de causarem prejuízos a terceiros, não estejam a

salvo da possibilidade de terem decretada judicialmente a desconsideração da personalidade jurídica

da sociedade em face da evidente confusão patrimonial no caso de regime conjugal de comunhão

universal de bens, ou fraude no caso de regime de separação obrigatória.

OS IMPEDIDOS

A legislação cuidou de estabelecer uma série de impedimentos para o exercício da empresa,

seja para um empresário individual, seja para um partícipe de sociedade empresária (com exceção da

participação em sociedades anônimas, desde que não exerça, direta ou indiretamente, cargos em ór-

gãos de administração da mesma), sob o fundamento de resguardo da ordem pública.57

Assim, muito embora capazes para praticar todos os atos da sua vida civil, os impedidos estão

proibidos, por lei, de exercer a empresa, na forma individual, especialmente, e na forma societária,

exceto a anônima.

Se qualquer dos impedidos vier a ser sócio de sociedade empresária ou for administrador de

sociedade anônima, além das penalidades administrativas e penais (Decreto Lei n˚. 3.688/41 – Lei

das Contravenções Penais, artigo 47 - exercício ilegal de profissão) que poderão sofrer em razão de

57 Diniz, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, Vol. 8, São Paulo, Editora Saraiva, 2008, p. 90.

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disposições contidas na legislação especial de regência da sua atividade58, deverão responder com o

seu patrimônio particular pelos prejuízos causados.

Muito embora o agente sofra essas restrições, os atos praticados serão válidos perante tercei-

ros e onerarão a sociedade (artigo 973 do Código Civil)59.

São impedidos de celebrar contrato de sociedade:

os Chefes do Poder Executivo, nacional, estadual ou municipal (Lei Federal n˚. 8.112/90 –

inciso X do artigo 117);

os membros do Poder Legislativo, como senadores, deputados federais e estaduais e vereado-

res, se a empresa “goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público,

ou nela exercer função remunerada” (CF. artigos 54, inciso II, letras “a” e “b” e artigo 55,

inciso I);

os Magistrados (Constituição Federal de 1988, artigo 95 § único, Lei Complementar n˚. 35/79,

artigos 36, incisos I e II);

os membros do Ministério Público Federal (Constituição Federal de 1988 artigo 128 § 5˚., II

“c” e Lei Federal n˚. 8.625;93, artigo 44, inciso II);

os empresários falidos, enquanto não forem reabilitados (Lei de Falências e Recuperação Ju-

dicial – Lei Federal n˚. 11.101/2005, artigo 102);

as pessoas condenadas à pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públi-

cos; ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato; ou con-

tra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da

concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto perdu-

rarem os efeitos da condenação (Código Penal artigo 47, inciso I, e Código Civil artigo 1.011

§ 1˚.);

os leiloeiros (Decreto n˚. 21.981/32, artigo 36);

os cônsules, nos seus distritos, salvo os não remunerados (Decretos n˚s. 24.113/34, artigos 48

e 49, 4.868/82, artigo 11 e 3.529/89, artigo 42);

os médicos, para o exercício simultâneo da farmácia; os farmacêuticos, para o exercício si-

multâneo da medicina (Decretos n˚s. 19.606/31, 20.877/31, Lei Federal n˚. 5.991/73 e Decreto

Lei n˚. 3.988/89, artigo 42);

os servidores públicos civis da ativa, federais (inclusive Ministros de Estado e ocupantes de

cargos públicos comissionados em geral) – (Lei Federal n˚. 1.711/52)60. Em relação aos ser-

vidores estaduais e municipais, cada estado federado e cada município tem legislação própria,

no mesmo sentido.

os servidores militares da ativa das Forças Armadas e das Polícias Militares (Constituição

Federal de 1988, artigo 42 § 1˚., Código Penal Militar artigos 180 e 204, Decreto Lei n˚.

1.029/69, artigo 35, Lei Federal n˚. 6.880/80, artigos 29 e 35);

estrangeiros (sem visto permanente) (Lei Federal n˚. 6.815/80, artigos 13, 98 e 99);

58 Artigo 47. Exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições

a que por lei está subordinado o seu exercício:

Pena - prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, ou multa. 59 Artigo 973. A pessoa legalmente impedida de exercer atividade própria de empresário, se a exercer, respon-

derá pelas obrigações contraídas. 60 Os servidores públicos não poderão ser empresários individuais e nem exercer a gerência ou qualquer cargo

administrativo de sociedades empresárias, mas poderão ser sócios ou acionistas não administradores (Lei Fe-

deral n˚. 8.112/90, artigo 117, inciso X). Só é vedada a administração de sociedade empresarias. Em sociedades

de economia mista poderão participar do Conselho de Administração (Medida Provisória n˚. 1.794/98). O

presidente e os conselheiros do CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica não poderão partici-

par de sociedade empresária. (Lei Federal n˚. 8.884/94, artigo 6˚. inciso III)

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estrangeiros naturais de países limítrofes, domiciliados em cidade contígua ao território naci-

onal;

estrangeiro (com visto permanente), para o exercício das seguintes atividades (CF. artigo 176

§ 1˚., artigo 222):

os devedores do INSS (Lei Federal n˚. 8.212/91, artigo 95, § 2˚.)

portugueses, no gozo dos direitos e obrigações previstos no Estatuto da Igualdade, compro-

vado mediante Portaria do Ministério da Justiça, podem requerer inscrição como Empresários,

exceto na hipótese de atividade jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens;

brasileiros naturalizados há menos de dez anos, para o exercício de atividade jornalística e de

radiodifusão de sons e de sons e imagens.

A capacidade dos índios para o exercício de atividade empresarial deverá ser regulada por lei

especial.” 61

a) pesquisa ou lavra de recursos minerais ou de aproveitamento dos potenciais de

energia hidráulica;

b) atividade jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens;

c) serem proprietários ou armadores de embarcação nacional, inclusive nos serviços

de navegação fluvial e lacustre, exceto embarcação de pesca;

d) serem proprietários ou exploradores de aeronave brasileira, ressalvado o disposto

na legislação específica;

61 Redação da Instrução Normativa n˚. 97, de 2003 do DNRC, acrescida da indicação da legislação de regên-

cia.

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CAPITULO IV

O CAPITAL SOCIAL E AS QUOTAS

Como já vimos anteriormente, qualquer atividade empresarial exige a reunião de recursos para

a produção ou a circulação de bens e serviços. Dentre esses recursos, o mais importante deles é o

dinheiro necessário para que a atividade empresarial possa ser desenvolvida, e ele é obtido pela con-

tribuição dos sócios na formação do patrimônio inicial da pessoa jurídica que irão criar. Esse mon-

tante de dinheiro, bem como os bens móveis ou imóveis, concretos ou abstratos, que foram a contri-

buição dos sócios na formação da pessoa jurídica, denomina-se capital social.

Como veremos adiante, a formação do capital social pode ser feita em dinheiro ou em bens,

proibida taxativamente a contribuição em serviço ou trabalho:

Art. 1.055. O capital social divide-se em quotas, iguais ou desiguais, cabendo uma

ou diversas a cada sócio.

§ 1º Pela exata estimação de bens conferidos ao capital social respondem solidari-

amente todos os sócios, até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade.

§ 2º É vedada contribuição que consista em prestação de serviços.

Diferentemente do que ocorre nas sociedades anônimas nas quais o capital social é dividido

em ações de mesmo valor, nas sociedades limitadas as quotas sociais podem ter valores diferentes,

ou como diz o artigo 1.055 do Código Civil, podem ser iguais ou desiguais. Veremos adiante estudos

e propostas no sentido de não mais se dividir o capital em quotas, mas em porcentagem, o que tradu-

zirá melhor a participação de cada sócio no montante do capital social. E a iniciativa se justifica

porque uma das principais características da quota social é a sua imaterialidade e a impossibilidade

de cartularização.

Quando a integralização do capital social se fizer posteriormente, ou quando for feita por

bens, materiais ou imateriais, móveis ou imóveis, essa circunstância deverá estar explicitada no con-

trato social e em se tratando de contribuição em bens imóveis deverá constar a assinatura da mulher

(se o sócio for casado) no próprio contrato social, como se vê no item 6 das Instruções do Departa-

mento Nacional do Registro do Comércio:

Quando a integralização se der em bens, a responsabilidade dos sócios, além de solidária até o

montante a ser integralizado é de cinco anos a contar do registro da constituição da sociedade.62

62 Anotação: Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF

Enunciado nº 224: - A solidariedade entre os sócios da sociedade limitada pela exata estimação dos bens con-

feridos ao capital social abrange os casos de constituição e aumento do capital e cessa após cinco anos da data

do respectivo registro.

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O capital social é definido como a soma das contribuições dos sócios para a constituição do

patrimônio inicial de uma sociedade. Carvalho de Mendonça63 mostra a diferença de conceitos de

“capital social” e “patrimônio da sociedade” quando nos ensina que:

“É, porém, sensível a diferença entre um e outro. - O capital social é o fundo

originário e essencial da sociedade, fixado pela vontade dos sócios; é o monte cons-

tituído para a base das operações. O fundo social é o patrimônio da sociedade no

sentido econômico, a dizer, a soma de todos os bens que podem ser objeto de troca,

possuídos pela sociedade; compreende não somente o capital social, como tudo que

a sociedade adquirir e possuir durante a sua existência.”

Por isso que enfatizamos que o capital é a soma das contribuições dos sócios para a formação

do patrimônio inicial da sociedade.

A identificação entre capital social e patrimônio dura um átimo de tempo, existente apenas

antes da primeira escrituração contábil, onde a soma da contribuição dos sócios é escriturada como

capital social e a sua contrapartida é lançada em conta de ativo. Nesse momento, ocorre a dissociação

completa entre o conceito de capital social e de patrimônio. Este tido como a soma de todos os bens

da sociedade, inclusive o capital social.

A partir desse fato, o valor escriturado como capital social para a ser fixo, imutável e intangí-

vel enquanto que o patrimônio “entra em constante mutação”, como afirma José Waldecy Lucena.64

Nas sociedades limitadas, o capital social tem indiscutível importância porque o artigo 1.052

do Código Civil determina que, na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao

valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social. É,

pois, da essência da sociedade limitada a vinculação entre o montante do capital social e a responsa-

bilidade dos sócios pelas dívidas da sociedade.

O valor da contribuição do sócio para a formação do capital social da sociedade que está sendo

criada sai do seu patrimônio pessoal para compor o patrimônio da pessoa jurídica. E, a partir desse

momento, são distintos e incomunicáveis os patrimônios dos sócios com o patrimônio da sociedade.

Integralizado o capital social, os sócios nada mais devem, nem para a sociedade, e muito menos para

terceiros.

A exceção colocada pelo artigo 1052 do Código Civil, acima reproduzido, diz respeito à res-

ponsabilidade solidária dos sócios pela integralização do capital social. Depois de integralizado o

63 Carvalho de Mendonça, José Xavier, Tratado de direito comercial, vol. 3, n˚. 536, p. 28/29.

64 Lucena, José Waldecy, Das Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada, 2a. ed. Rio de Janeiro,

Editora Renovar, 1997, pag.115, José Waldecy, Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada, 2ª.

Ed. Rio de Janeiro, Editora Renovar, 1997, p. 207.

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capital nada devem para ninguém, e não respondem, com o seu próprio patrimônio, pelas dívidas da

sociedade, exceto quando presentes as estritas hipóteses legais de desconsideração da personalidade

jurídica da sociedade.

Como baliza desse entendimento, temos as previsões dos artigos 596 do Código de Processo

Civil, e do artigo 1.024 do Código Civil, que prescrevem, respectivamente:

CPC - Artigo 596 - Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da

sociedade senão nos casos previstos em lei;.

CC - Artigo 1.024. Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por

dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.

Parodiando José Waldecy Lucena65, que fazia as mesmas observações sobre as antigas regras

do Decreto n˚. 3.708/1919, que então regia a sociedade por quotas de responsabilidade limitada, o

capital social da sociedade limitada é estipulado no contrato social, dividido em quotas, expresso em

moeda nacional, podendo ser formado em dinheiro ou por qualquer espécie de bens, desde que sus-

cetíveis de avaliação.

Desde a edição do novo Código Civil foi proibida a contribuição em prestação de serviços.

Diferentemente, entretanto, do que ocorre nas sociedades por ações, cujo artigo 11 da Lei

Federal n˚. 6.404/76 afirma:

Artigo 11. O estatuto fixará o número das ações em que se divide o capital social e

estabelecerá se as ações terão, ou não, valor nominal.

.........................................................................

§ 2º O valor nominal será o mesmo para todas as ações da companhia.

Já na sociedade limitada as quotas sociais podem ter valores diferentes:

Essa inovação do Código Civil de 2002 resultou das discussões doutrinárias que se travaram

sobre o que determinava o artigo 5˚. do Decreto n˚. 3.708, de 1919 (extinto regramento das sociedades

por quotas de responsabilidade limitada), que previa:

Artigo 5˚. Para todos os efeitos, serão havidas como quotas distintas a quota primi-

tiva de um sócio e as que posteriormente adquirir.

65 Lucena, José Waldecy, Das Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada, 2a. ed. Rio de Janeiro,

Editora Renovar, 1997, pag.115, José Waldecy, Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada, 2ª.

Ed. Rio de Janeiro, Editora Renovar, 1997, p. 210.

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A questão das quotas primitivas, muito embora com ferrenhos e notáveis defensores (Walde-

mar Ferreira66, Villemor Amaral67, Sylvio Marcondes68, Cunha Peixoto69), não vingou. João Eunápio

Borges70 afirmou que a norma do artigo 5˚ do Decreto n˚. 3.708/19 era “destituída de sanção e utili-

dade” e que tinha sido fruto de um infeliz transplante da lei portuguesa sobre as sociedades limitadas,

de 11 de abril de 1901, da qual se copiou a divisão das quotas em primitivas e posteriores que estava

ligada, naquela lei, ao sistema de prestações suplementares, que não foi acolhido pela legislação bra-

sileira. Assim, a divisão das quotas existente na antiga e revogada lei sobre as sociedades limitadas

foi um exemplo de ab-rogação da norma pelo costume de multiplicidade das quotas.

O atual desenho legislativo das quotas em iguais e desiguais representa, a nosso ver, um passo

na direção de se considerar sem importância prática o valor monetário atribuído às quotas sociais,

privilegiando o seu valor percentual sobre o montante do capital social, representativo direto da par-

ticipação societária dos componentes da sociedade. Maria Helena Diniz71 defende a possibilidade da

adoção de quotas sem valor nominal, trazendo a seu favor decisão da Junta Comercial do Estado de

São Paulo, pelo voto de seu Vogal Presidente da 3ª. Turma de Vogais, Alberto Murray Neto, que

defendeu no seu voto “que o valor nominal atribuído às quotas das sociedades limitadas tem um papel

meramente ilustrativo”, e que “esse mecanismo foi apenas uma ficção jurídica, criada pelos operado-

res do direito, para facilitar a visualização do contrato social e identificar quanto cada sócio tem no

capital social”.

Partindo do princípio de que o artigo 997 do Código Civil não cria a obrigação da quota ex-

primir o seu valor nominal, e de que é possível se utilizar de maneira supletiva da legislação aplicável

às sociedades anônimas (CC. artigo 1.053, parágrafo único), podemos concluir que (já que a JUCESP

também o fez) podem existir quotas sem valor nominal, tal como existem ações sem valor nominal

nas sociedades anônimas.

Pelo mesmo raciocínio, como faz Maria Helena Diniz72, (citando em seu apoio Fran Martins,

Egberto Lacerda Teixeira, Amador Paes de Almeida e Mauro Rodrigues Penteado), admite ela a pos-

sibilidade da existência de quotas preferenciais nas sociedades limitadas, das quais seria retirado o

direito de voto nas decisões assembleares para, em troca, serem deferidos benefícios na antecipação

da distribuição de dividendos, percentual maior do que atribuído às quotas ordinárias, ou mesmo de

66 Ferreira, Waldemar, “Sociedade por Quotas”, 1925, n˚. 93, p. 90.

67 Villemor Amaral, Hermano de, Das Sociedades Limitadas, 2ª. Ed. Rio, 1938, nota n˚. 233, p. 128.

68 Marcondes, Sylvio, Ensaio sobre a Sociedade de Responsabilidade Limitada, 1940, n˚. 73, p. 135.

69 Cunha Peixoto, Carlos Fulgêncio, A Sociedade por Cotas de Responsabilidade Limitada, 2ª. Ed., Rio de

Janeiro, Editora Forense, 1958, vol. I, n˚. 105, p. 92, Carlos Fulgêncio, A Sociedade por Quotas de Respon-

sabilidade Limitada, 2ª. Ed., Rio de Janeiro, Editora Forense, 1956, vol. I, n˚. 192, p. 165.

70 Eunápio Borges, João, Curso de Direito Comercial Terrestre, 5ª. Ed., São Paulo, Saraiva, 1971, n˚. 322, p.

347.

71 Diniz, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, Vol. 8, São Paulo, Editora Saraiva, 2008, p. 329/330

72 Diniz, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, Vol. 8, São Paulo, Editora Saraiva, 2008, p. 333

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eleição de administradores ou conselheiros em voto separado, tal qual ocorre nas sociedades anôni-

mas. Como ela mesma afirma, a questão é polêmica, mas o raciocínio é válido.

A COMPOSIÇÃO DO CAPITAL SOCIAL

O capital social poderá ser composto por dinheiro ou por bens materiais ou imateriais (corpó-

reos ou incorpóreos), móveis ou imóveis, desde que susceptíveis de avaliação econômica.

Uma questão interessante surge quando o bem entregue pelo subscritor para a integralização

de sua parcela no capital social não é susceptível de avaliação. Isso ocorre quando, por exemplo, a

subscrição do futuro sócio é feita por uma patente de invenção ainda não lançada no mercado, e,

portanto, sem qualquer parâmetro mercadológico que possibilite que se lhe atribua um valor econô-

mico. Muito embora o tratamento dado pela lei para as sociedades limitadas de responsabilizar os

sócios, pelo prazo de cinco anos, pela atribuição de valor na subscrição do capital em bens (§ 1˚ do

artigo 1.055 do Código Civil), costuma-se, por aplicação subsidiária, atender ao disposto nos artigos

7˚ e 8˚. da Lei das Sociedades Anônimas (Lei Federal n˚. 6.404/76), que dizem:

Artigo 7º. O capital social poderá ser formado com contribuições em dinheiro ou

em qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro.

Artigo 8º A avaliação dos bens será feita por três peritos ou por empresa especiali-

zada, nomeados em assembleia geral dos subscritores, convocada pela imprensa e

presidida por um dos fundadores, instalando se em primeira convocação com a pre-

sença de subscritores que representem metade, pelo menos, do capital social, e em

segunda convocação com qualquer número.

§ 1º Os peritos ou a empresa avaliadora deverão apresentar laudo fundamentado,

com a indicação dos critérios de avaliação e dos elementos de comparação adotados

e instruído com os documentos relativos aos bens avaliados, e estarão presentes à

assembleia que conhecer do laudo, a fim de prestarem as informações que lhes fo-

rem solicitadas.

§ 2º Se o subscritor aceitar o valor aprovado pela assembleia, os bens incorporar-

se-ão ao patrimônio da companhia, competindo aos primeiros diretores cumprir as

formalidades necessárias à respectiva transmissão.

§ 3º Se a assembleia não aprovar a avaliação, ou o subscritor não aceitar a avaliação

aprovada, ficará sem efeito o projeto de constituição da companhia.

§ 4º Os bens não poderão ser incorporados ao patrimônio da companhia por valor

acima do que lhes tiver dado o subscritor.

§ 5º Aplica-se à assembleia referida neste artigo o disposto nos parágrafos 1º e 2º

do artigo 115.

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§ 6º Os avaliadores e o subscritor responderão perante a companhia, os acionistas e

terceiros, pelos danos que lhes causarem por culpa ou dolo na avaliação dos bens,

sem prejuízo da responsabilidade penal em que tenham incorrido. No caso de bens

em condomínio, a responsabilidade dos subscritores é solidária.

Assim, no caso de impossibilidade de avaliação do bem a ser dado na integralização das quotas

subscritas, e também no caso das sociedades anônimas, em virtude das cláusulas de responsabilização

solidária dos avaliadores, do subscritor e dos sócios que aprovaram o valor conferido, a integralização

só poderá ocorrer quando, em assembleia, o valor conferido for aprovado pela unanimidade dos pre-

sentes.

A aprovação unânime da integralização do capital em bens pelo valor atribuído pelo subscritor

substitui a necessidade de avaliação e acarreta a responsabilidade solidária dos sócios pelo valor con-

ferido, nos exatos termos do disposto no parágrafo primeiro do artigo 1.055 do Código Civil.

Artigo 1.055. (omissis)

§ 1º. Pela exata estimação de bens conferidos ao capital social respondem solidari-

amente todos os sócios, ate o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade.

SUBSCRIÇÃO E INTEGRALIZAÇÃO

Existem dois momentos distintos na formação do capital social, que não são suficientemente

claros na criação da sociedade por quotas, mas são perfeitamente identificáveis na formação de uma

sociedade anônima: é a subscrição e a integralização. Subscrição é a promessa feita pelo candidato a

sócio e a integralização é o pagamento dessa promessa.

Nas sociedades limitadas, a distinção entre subscrição e integralização somente é bastante

nítida quando a subscrição é feita em bens ou a integralização postergada para momento futuro.

No primeiro caso, entre a subscrição, ou seja, a oferta de compra de quotas através da dação

de um bem, imóvel ou móvel, em pagamento, medeia a necessidade de avaliação do bem ofertado e

a realização de assembleia ou reunião para que os demais sócios decidam pela oportunidade ou não

de aceitação da subscrição em bens. No segundo caso, a distinção é mais nítida, ainda, pois, a subs-

crição é feita no momento da assinatura do contrato social e a integralização se dará nos prazos e

condições estabelecidas no instrumento.

A CONTRIBUIÇÃO EM SERVIÇOS

Para as sociedades limitadas, foi proibida pela lei a contribuição em prestação de serviços

pelos sócios para a integralização da sua parcela de capital social ( § 2˚. do artigo 1055 do Código

Civil), o que é permitido nas sociedades simples, nas quais o sócio pode ingressar na sociedade sem

qualquer contribuição em bens ou dinheiro, mas com a prestação de determinados serviços para a

sociedade pelo prazo e condições estabelecidas no contrato social.

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DA MORA NA INTEGRALIZACAO

Se o sócio não cumprir com as condições estabelecidas no contrato social, a lei exige que ele

seja notificado pela sociedade, com o prazo de 30 (trinta) dias para cumprir com o prometido, findo

os quais, sem pagamento, será ele considerado em mora. Verificada a mora, a sociedade tem três

alternativas:

a) promover ação de execução contra devedor solvente contra o sócio inadimplente, uma vez que o

contrato social tem força executiva, cobrando a importância devida mais os encargos da mora e de-

mais verbas da sucumbência processual (confira inciso II do artigo 585 do Código de Processo Civil):

b) promover a sua exclusão da sociedade, devolvendo-lhe as importâncias já pagas com a dedução

das despesas necessárias e, em seguida, encontrar outro sócio que o substitua nas mesmas condições,

observado o direito de preferência dos demais sócios, ou distribuir as suas quotas entre os sócios

remanescentes ou, ainda, reduzir o capital social no montante não integralizado;

c) reduzir as suas quotas ao montante já integralizado por ele, reduzindo-se o capital social ou man-

tendo o capital social se os demais sócios suprirem o valor da quota.

DA RESPONSABILIDADE NA SUBSCRIÇÃO

O sócio que subscrever o capital com imóveis responde pela evicção, e o que subscrever com

créditos responde pela solvência do devedor.

É omissa a lei quanto à responsabilidade pelos vícios redibitórios, se a subscrição e integra-

lização do capital vier a ser feita com bens móveis, mas, por analogia, em face do que determina a

regra geral contida no artigo 441 do Código Civil73, podemos afirmar que o sócio que subscrever o

capital social com bens móveis responde pelos vícios redibitórios.

A INDIVISIBILIDADE DA QUOTA SOCIAL

A quota é considerada bem móvel indivisível.

Artigo 1.056. A quota é indivisível em relação à sociedade, salvo para efeito de

transferência, caso em que se observará o disposto no artigo seguinte.

73 Artigo 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos

ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor.

Parágrafo único. É aplicável a disposição deste artigo às doações onerosas.

Artigo 442. Em vez de rejeitar a coisa, redibindo o contrato (artigo 441), pode o adquirente reclamar abati-

mento no preço.

Artigo 443. Se o alienante conhecia o vício ou defeito da coisa, restituirá o que recebeu com perdas e danos;

se o não conhecia, tão somente restituirá o valor recebido, mais as despesas do contrato.

Artigo 444. A responsabilidade do alienante subsiste ainda que a coisa pereça em poder do alienatário, se

perecer por vício oculto, já existente ao tempo da tradição.

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§ 1º No caso de condomínio de quota, os direitos a ela inerentes somente podem ser

exercidos pelo condômino representante, ou pelo inventariante do espólio de sócio

falecido.

§ 2º Sem prejuízo do disposto no artigo 1.052, os condôminos de quota indivisa

respondem solidariamente pelas prestações necessárias à sua integralização.

É indivisível, entretanto, em relação à sociedade, mas nada impede a existência de condomí-

nio da quota, quer por cessão feita pelo sócio, quer por sucessão do sócio falecido. Em qualquer caso,

o condomínio só se estabelece em razão da indivisibilidade da quota. E, nesse caso, o condomínio

deve nomear um representante perante a sociedade ou será, no caso de falecimento de sócio, exercida

a representação pelo inventariante do espólio, sem necessidade de alvará judicial específico para

tanto. Basta que o inventariante exiba para a sociedade a certidão de sua nomeação para o cargo, a

qual deverá ser levada a registro juntamente com a ata da assembleia (§ 1˚. do artigo 1.074 do Código

Civil):

Art. 1074. A assembleia dos sócios instala-se com a presença, em primeira convo-

cação, de titulares de no mínimo três quartos do capital social, e, em segunda, com

qualquer número.

§ 1º O sócio pode ser representado na assembleia por outro sócio, ou por advogado,

mediante outorga de mandato com especificação dos atos autorizados, devendo o

instrumento ser levado a registro, juntamente com a ata.

A indivisibilidade das quotas decorre de sua natureza jurídica dúplice: um direito patrimonial

e um direito pessoal, como faces da mesma moeda, como nos ensinou Carvalho de Mendonça74 e

Rubens Requião75. Como é óbvio esses direitos não podem ser divididos em relação à sociedade, mas

nada impede que possam ser objeto de divisão mediante doação, cessão, alienação ou sucessão entre

sócios e terceiros. O exercício dos direitos relativos à quota, porém, não podem ser divididos e devem

ser exercidos por um só representante do condomínio.

DO AUMENTO E DA REDUCAO DO CAPITAL SOCIAL

Artigo 1081. Ressalvado o disposto em lei especial, integralizadas as quotas, pode

ser o capital aumentado, com a correspondente modificação do contrato.

§ 1º Até trinta dias após a deliberação, terão os sócios preferência para participar

do aumento, na proporção das quotas de que sejam titulares.

74 Carvalho de Mendonça, José Xavier. Tratado de direito comercial brasileiro. Atualizado por Ricardo Negrão.

Campinas, Editora Bookseller, 2000, v. 3˚, n˚ 591, p. 71 75 Requião, Rubens, Curso de Direito Comercial, 26ª. ed., São Paulo, Editora Saraiva, 1˚. vol., 2005, p. 274

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§ 2º À cessão do direito de preferência, aplica-se o disposto no caput do artigo

1.057.

§ 3º Decorrido o prazo da preferência, e assumida pelos sócios, ou por terceiros, a

totalidade do aumento, haverá reunião ou assembleia dos sócios, para que seja apro-

vada a modificação do contrato.

O capital social poderá ser aumentado, por deliberação dos sócios, em reunião ou assembleia geral,

por motivo de:

a) capitalização de lucros ou reservas;

b) aumento de capital pelos quotistas;

c) ingresso de novos sócios.

Antes do denominado Plano Real, e diante da inflação galopante que afligia o País há vários

anos, era obrigatório o aumento de capital pela correção da expressão monetária de seu valor, e, con-

sequentemente, pela incorporação da reserva de capital resultante da correção monetária do capital

realizado76.

Assim determina o artigo 166 da lei das Sociedades Anônimas:

Artigo 166. O capital social pode ser aumentado:

I - por deliberação da assembleia geral ordinária, para correção da expressão mo-

netária do seu valor (artigo 167);

Artigo 167. A reserva de capital constituída por ocasião do balanço de encerramento

do exercício social e resultante da correção monetária do capital realizado (artigo

182, § 2º) será capitalizada por deliberação da assembleia geral ordinária que apro-

var o balanço.

No primeiro caso, o aumento de capital por incorporação de reservas, e que se dá por ocasião

da reunião ou assembleia que irá deliberar sobre as demonstrações contábeis do exercício, e em ha-

vendo lucros acumulados dos exercícios anteriores, os sócios podem decidir pela sua capitalização, o

que vai resultar no aumento do valor nominal das quotas sem modificação do seu número. Ou, alter-

nativamente, a sociedade pode criar novas quotas com o mesmo valor das quotas já existentes e dis-

tribuí-las para os quotistas na mesma proporção das quotas já possuídas por ele. São chamadas (no

caso das ações das sociedades anônimas) de “filhotes”.

76 Observe-se que a correção monetária das demonstrações financeiras foi revogada pelo artigo 4º da Lei nº

9.249/1995.

Artigo 4º Fica revogada a correção monetária das demonstrações financeiras de que tratam a Lei nº 7.799, de

10 de julho de 1989, e o artigo 1º da Lei nº 8.200, de 28 de junho de 1991.

Parágrafo único. Fica vedada a utilização de qualquer sistema de correção monetária de demonstrações finan-

ceiras, inclusive para fins societários.

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Em algumas ocasiões, como, por exemplo: a necessidade de expansão dos negócios, os sócios

podem integralizar novas quotas, também na mesma proporção das já possuídas, de tal forma que

obtenham novos recursos para os novos empreendimentos. Nesse caso há aumento de capital com

aumento de número de quotas.

No terceiro caso, com o ingresso de novos sócios, desde que deliberado e aprovado, por una-

nimidade em reunião ou assembleia, a sociedade poderá promover aumento de capital que será intei-

ramente integralizado por novos sócios.

Em qualquer dos casos de aumento de capital, como a operação acarreta a mudança do con-

trato social, há a necessidade de alteração do contrato social para constar a nova distribuição do ca-

pital.

A redução do capital social pode se dar em duas hipóteses: se houver perdas irreparáveis ou

se for considerado excessivo para a realização do objetivo social.

Artigo 1082. Pode a sociedade reduzir o capital, mediante a correspondente modi-

ficação do contrato:

I - depois de integralizado, se houver perdas irreparáveis;

II - se excessivo em relação ao objeto da sociedade.

Artigo 1083. No caso do inciso I do artigo antecedente, a redução do capital será

realizada com a diminuição proporcional do valor nominal das quotas, tornando-se

efetiva a partir da averbação, no Registro Público de Empresas Mercantis, da ata da

assembleia que a tenha aprovado.

Artigo 1084. No caso do inciso II do artigo 1.082, a redução do capital será feita

restituindo-se parte do valor das quotas aos sócios, ou dispensando-se as prestações

ainda devidas, com diminuição proporcional, em ambos os casos, do valor nominal

das quotas.

§ 1º No prazo de noventa dias, contado da data da publicação da ata da assembleia

que aprovar a redução, o credor quirografário, por título líquido anterior a essa data,

poderá opor-se ao deliberado.

§ 2º A redução somente se tornará eficaz se, no prazo estabelecido no parágrafo

antecedente, não for impugnada, ou se provado o pagamento da dívida ou o depósito

judicial do respectivo valor.

§ 3º Satisfeitas as condições estabelecidas no parágrafo antecedente, proceder-se-á

à averbação, no Registro Público de Empresas Mercantis, da ata que tenha aprovado

a redução.

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Um exemplo do primeiro caso é a hipótese de o capital social ser empregado, em grande parte,

na aquisição de máquinas e ferramentas para a execução do objeto social e, num segundo momento,

um incêndio, por exemplo, causar o perecimento de todas as máquinas e ferramentas ainda não co-

bertas por seguro. O desequilíbrio patrimonial é de tal monta que a única saída será a redução do

capital social em montante compatível com o patrimônio líquido apurado após o incêndio. O segundo

caso, de difícil ocorrência se dá quando a sociedade tem por costume a capitalização dos resultados

dos exercícios, e após um determinado período o valor nominal do capital se torna exagerado em

função das atividades da empresa.

No caso de redução do capital por perdas irreparáveis, o valor das quotas dos sócios será

reduzido proporcionalmente às perdas suportadas.

No caso do capital se tornar excessivo para a realização do objetivo social, o valor excessivo

será devolvido aos quotistas na mesma proporção das quotas possuídas.

Em ambos os casos, qualquer credor quirografário poderá no prazo de 90 (noventa) dias con-

tados da publicação da ata da assembleia ou da reunião que deliberou a redução do capital social se

opor à decisão. Nesse caso, para prevalecer a decisão de redução do capital esse credor deverá ser

pago ou deverá a sociedade efetuar o depósito judicial da quantia devida ao credor impugnante.

Decidida a redução, decorridos os 90 (noventa) dias sem impugnações, deverá ser feita a

alteração contratual correspondente e providenciado o seu arquivamento na Junta Comercial do Es-

tado.

O princípio da intangibilidade do capital social, estabelecido pelo artigo 1.059 do Código

Civil77, pode ser traduzido como a proibição de sua redução, exceto nos casos em que a lei, expres-

samente, o permita.

A redução do capital social, portanto, só se fará nos casos onde a lei a prevê e permite. Essas

hipóteses estão contempladas nos artigos 1.031 e 1.082 do Código Civil.

DA REDUCAO DO CAPITAL SOCIAL POR RESOLUCAO DA SOCIEDADE EM RELA-

CAO A UM DOS SOCIOS

O artigo 1.031 trata da hipótese da resolução da sociedade em relação a um sócio, por faleci-

mento, cessão de quotas ou exclusão pela maioria:

Art. 1031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor

da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á,

77 Artigo 1059. Os sócios serão obrigados à reposição dos lucros e das quantias retiradas, a qualquer título,

ainda que autorizados pelo contrato, quando tais lucros ou quantia se distribuírem com prejuízo do capital.

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salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da so-

ciedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente

A sociedade se resolve em relação a um dos sócios quando se verificar:

a) mora na integralização:

Art. 1.004. Os sócios são obrigados, na forma e prazo previstos, às contribuições

estabelecidas no contrato social, e aquele que deixar de fazê-lo, nos trinta dias se-

guintes ao da notificação pela sociedade, responderá perante esta pelo dano emer-

gente da mora.

Parágrafo único. Verificada a mora, poderá a maioria dos demais sócios preferir, à

indenização, a exclusão do sócio remisso, ou reduzir-lhe a quota ao montante já

realizado, aplicando-se, em ambos os casos, o disposto no § 1º do art. 1.031.

b) por decisão judicial em ação de dissolução parcial por falta grave ou incapacidade super-

veniente78:

Art. 1.030. Ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio

ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por

falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade super-

veniente.

c) de pleno direito, por decretação da falência do sócio ou que tenha a sua quota liquidada:

Art. 1.030 - Parágrafo único. Será de pleno direito excluído da sociedade o sócio

declarado falido, ou aquele cuja quota tenha sido liquidada nos termos do parágrafo

único do art. 1.026 79.

d) por deliberação da maioria quando o sócio praticar atos graves que coloquem em risco a

continuidade da empresa:

Art. 1085. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, repre-

sentativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão

pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravi-

dade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde

que prevista neste a exclusão por justa causa.

78 Anotação: Enunciado Aprovado na Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF (11 a 15.09.2002)

Enunciado 67: - em razão da exigência de justo motivo, a quebra de affectio societatis não é causa suficiente

para a exclusão do sócio. 79 Art. 1026. O credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a

execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade, ou na parte que lhe tocar em liquidação.

Parágrafo único. Se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a liquidação da quota do deve-

dor, cujo valor, apurado na forma do art. 1.031, será depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa

dias após aquela liquidação.

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Art. 1082. Pode a sociedade reduzir o capital, mediante a correspondente modifica-

ção do contrato:

I - depois de integralizado, se houver perdas irreparáveis;

II - se excessivo em relação ao objeto da sociedade..

E, ainda se permite a redução do capital social quando houver perdas irreparáveis ou o capital

for considerado excessivo:

Assim, nesses casos excepcionais, e somente por causa deles, o capital social pode ser legal-

mente reduzido.

DA INTANGIBILIDADE DO CAPITAL SOCIAL

Afirma, com muita propriedade, Maria Helena Diniz80 que:

“Para a sociedade limitada possa funcionar, seu capital, decorrente do aporte de

bens do patrimônio particular dos sócios, é imprescindível, não podendo ser esva-

ziado ilícita ou indevidamente, dificultando o cumprimento das obrigações sociais

assumidas. Distribuição de lucros inexistentes, operada mediante artifícios contá-

beis, e retiradas excessivas poderão dar, como diz ARNALDO RIZZARDO, azo à

liquidação indireta da sociedade, descapitalizando-a.”

Em outras palavras, nenhum pagamento a sócio pode ser feito com recursos do capital social.

O artigo 1.009 do Código Civil, diz expressamente que:

“A distribuição de lucros ilícitos ou fictícios acarreta responsabilidade solidária dos

administradores que a realizarem e dos sócios que os receberem, conhecendo ou

devendo conhecer-lhes a ilegitimidade.”

Além da responsabilidade societária prevista no artigo 1.009 do Código Civil, a legislação

tributária contempla a hipótese como “distribuição disfarçada de lucros”81 (artigo 464 do Decreto n˚.

3.000/99 – RIR/99), punida como forma de evasão fiscal.

80 Diniz, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, Vol. 8, São Paulo, Editora Saraiva, 2008, p. 348/349. 81 Artigo 464. Presume-se distribuição disfarçada de lucros no negócio pelo qual a pessoa jurídica (Decreto-

Lei nº 1.598, de 1977, artigo 60, e Decreto-Lei nº 2.065, de 1983, artigo 20, inciso II):

I - aliena, por valor notoriamente inferior ao de mercado, bem do seu ativo a pessoa ligada;

II - adquire, por valor notoriamente superior ao de mercado, bem de pessoa ligada;

III - perde, em decorrência do não exercício de direito à aquisição de bem e em benefício de pessoa ligada,

sinal, depósito em garantia ou importância paga para obter opção de aquisição;

IV - transfere a pessoa ligada, sem pagamento ou por valor inferior ao de mercado, direito de preferência à

subscrição de valores mobiliários de emissão de companhia;

V - paga a pessoa ligada aluguéis, royalties ou assistência técnica em montante que excede notoriamente ao

valor de mercado;

VI - realiza com pessoa ligada qualquer outro negócio em condições de favorecimento, assim entendidas con-

dições mais vantajosas para a pessoa ligada do que as que prevaleçam no mercado ou em que a pessoa jurídica

contrataria com terceiros.

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O inciso VI do § 1˚ do artigo 177 do Código Penal dispõe que constitui crime a distribuição

disfarçada de lucros.82

Entretanto, quanto a este aspecto convém lembrar que Modesto Carvalhosa83 afirma, com ra-

zão, que o § 1˚ do artigo 177 do Código Penal não se aplica às sociedades limitadas, pois se refere

unicamente às sociedades por ações, e o direito penal não admite, em face do princípio da estrita

legalidade, a extensão analógica da previsão para as sociedades limitadas.

A RESPONSABILIDADE DO SUBSCRITOR

A principal característica da sociedade limitada e razão principal de sua criação, ao final do

século XIX, é a superação da teoria tradicional, então vigente, da responsabilidade ilimitada dos só-

cios pelas dívidas contraídas pela sociedade.

Era assim na sociedade em nome coletivo para todos os seus sócios; era assim para o sócio

comanditado, na sociedade em comandita simples; era assim na hoje extinta sociedade de capital e

indústria para o sócio de indústria.

A inovação trazida ao mundo do comércio, e responsável pela enorme evolução que provocou

no mundo econômico, se traduziu, no Brasil, na dicção dos artigos 10 e 16 do Decreto n. 3.708/1919:

Artigo 10. Os sócios-gerentes ou que derem o nome à firma não respondem pesso-

almente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para

com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato

e pelos atos praticados com violação do contrato ou da lei.

e

Artigo 16. As deliberações dos sócios, quando infringentes do contrato social ou da

lei, dão responsabilidade ilimitada àqueles que expressamente hajam ajustado tais

deliberações contra os preceitos contratuais ou legais.

§ 1º O disposto nos incisos I e IV não se aplica nos casos de devolução de participação no capital social de

titular, sócio ou acionista de pessoa jurídica em bens ou direitos, avaliados a valor contábil ou de mercado (Lei

nº 9.249, de 1995, artigo 22).

§ 2º A hipótese prevista no inciso II não se aplica quando a pessoa física transferir à pessoa jurídica, a título

de integralização de capital, bens e direitos pelo valor constante na respectiva declaração de bens (artigo 23,

§ 1º da Lei nº 9.249, de 1995). 82 Artigo 177. Promover a fundação de sociedade por ações, fazendo, em prospecto ou em comunicação ao

público ou à assembleia, afirmação falsa sobre a constituição da sociedade, ou ocultando fraudulentamente

fato a ela relativo:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, se o fato não constitui crime contra a economia popular.

§ 1º Incorrem na mesma pena, se o fato não constitui crime contra a economia popular:

VI - o diretor ou o gerente que, na falta de balanço, em desacordo com este, ou mediante balanço falso, distribui

lucros ou dividendos fictícios; 83 Carvalhosa, Modesto, Comentários ao código civil, São Paulo, Editora Saraiva, coordenado por Antônio

Junqueira de Azevedo, 2005, vol. 13, p. 98.

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O novo Código Civil em seu artigo 1.052, resumiu o mesmo entendimento ao dizer que “a

responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas”, mas que são solidários com o sócio

inadimplente na integralização do capital social.

Artigo 1052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao

valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do

capital social.

Isto quer dizer que, por exemplo, numa sociedade com 5 (cinco) sócios na qual cada um deles

tenha subscrito 20% (vinte por cento) do capital social, e que todos, menos um, tenham integralizado

o capital subscrito, todos serão solidariamente responsáveis, perante terceiros, pela importância de-

vida pelo sócio inadimplente. Entretanto, a efetividade dessa responsabilidade solidaria tem por pres-

suposto a decretação da falência da sociedade.84 Isto porque o principio da subsidiariedade que se

aplica nesse caso faz necessário o decreto de falência da sociedade, que não tiver o seu capital intei-

ramente integralizado, para que o credor possa exercer o seu direito em face do par conditio credito-

rum, como nos ensina Pereira Calças.

A PENHORA DAS QUOTAS SOCIAIS

A disposição legal contida no inciso VI do artigo 655 do Código de Processo Civil (com a

redação dada pela Lei Federal n˚. 11.382, de 07/12/2006), combinada com as disposições do artigo

1.026 do Código Civil, especialmente em seu parágrafo único, resolveu o tormentoso problema da

possibilidade ou impossibilidade de penhora das quotas de sociedades limitadas, e sobre o qual nem

a doutrina e nem a jurisprudência dos nossos tribunais chegaram a um consenso:

Artigo 655 - A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:

.........................................................................

VI - ações e quotas de sociedades empresárias;

e

Artigo 1.026. O credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do

devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade,

ou na parte que lhe tocar em liquidação.

Parágrafo único. Se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a

liquidação da quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do artigo 1.031, será

depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após aquela liqui-

dação.

84 Pereira Calças, o. cit. pg. 32/33.

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Após a edição do Código Civil de 2002, e a alteração introduzida pela Lei Federal n˚.

11.382/2006 no artigo 655 do Código de Processo Civil, a questão da penhorabilidade ou não das

quotas sociais foi resolvida pela definição legal de serem as ações e quotas de sociedades empresarias

penhoráveis, e a criação da possibilidade de o credor requerer a liquidação da quota do devedor e o

consequente depósito do dinheiro apurado no juízo da execução, tornando-se despicienda, como era

até então, a discussão sobre o cabimento ou não de penhora de quotas sociais.

Em verdade, existiam na doutrina e eram acompanhadas pela jurisprudência, quatro correntes

diferentes de pensamento:

1. Uma delas sustentava a impenhorabilidade das quotas, sob um prisma personalístico, afirmando

que a penhora acarretaria a quebra da affectio societatis por ter como consequência a liquidação das

quotas para satisfazer a obrigação executada e, assim permitiria a entrada de um estranho na socie-

dade;

2. Outra corrente, sob um prisma capitalista, afirmava que a penhora era possível, porque naquela

sociedade específica não se notava a affectio societatis e na sociedade limitada, por se assemelhar a

uma sociedade de capitais, a entrada de um terceiro não a prejudicaria;

3. Outra corrente, defendendo a ideia de que a sociedade limitada é o espelho de seu contrato social,

dizia que a penhora era possível quando o contrato não previa a proibição da cessão de quotas para

terceiros. Se o contrato social previsse a proibição da cessão de quotas para terceiros, estabelecendo

a preferência dos sócios na aquisição das quotas do sócio retirante, a penhora não seria possível;

4. A quarta corrente, que se pode denominar de “positivista”, defendia a ideia de que as quotas são

sempre penhoráveis, quaisquer que sejam as disposições contratuais, pois além de se constituírem em

bens móveis, não existe nenhuma regra jurídica afirmando a sua impenhorabilidade, como a lei faz

com os bens relacionados no artigo 649 do Código de Processo Civil.85

85 Artigo 649 - São absolutamente impenhoráveis:

I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;

II - os móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado

valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;(Redação dada

ao inciso pela Lei nº 11.382, de 06.12.2006, DOU 07.12.2006, efeitos a partir de 20.01.2007)

III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;(Redação

dada ao inciso pela Lei nº 11.382, de 06.12.2006, DOU 07.12.2006, efeitos a partir de 20.01.2007)

IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios

e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua famí-

lia, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3º

deste artigo;(Redação dada ao inciso pela Lei nº 11.382, de 06.12.2006, DOU 07.12.2006, efeitos a partir de

20.01.2007)

V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou

úteis ao exercício de qualquer profissão;(Redação dada ao inciso pela Lei nº 11.382, de 06.12.2006, DOU

07.12.2006, efeitos a partir de 20.01.2007)

VI - o seguro de vida;(Redação dada ao inciso pela Lei nº 11.382, de 06.12.2006, DOU 07.12.2006, efeitos a

partir de 20.01.2007)

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A jurisprudência, antes de 2002, inclinou-se a adotar essa posição, acrescentando que se os

sócios não desejassem a entrada de um terceiro na sociedade, deveriam adquirir as quotas a serem

penhoradas.86

Elucidativo a respeito da antiga e já ultrapassada discussão doutrinária sobre a possibilidade

de penhora das quotas sociais na execução promovida por terceiros contra um dos sócios por conta

de dívida particular deste foi o Acórdão proferido pela 3ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça, no

Recurso Especial n˚. 21.223-0-PR, em que foi relator o ministro Dias Trindade, sob a presidência do

ministro Nilson Naves, em 15/12/92, publicado no DJU de 01/03/1993, que transcrevemos, na ínte-

gra, abaixo, porque os votos proferidos nesse julgamento analisam, a fundo, a dissidência doutrinária

então existente sobre o tema.

Esse julgado foi tão importante que Nelson Abrão87, também o transcreve, como segue:

SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA - PENHORA DE COTAS -

DÍVIDAS DE SÓCIO - ADMISSIBILIDADE - INEXISTÊNCIA DE LEI QUE AS EXCLUAM DA

CONSTRIÇÃO - DECLARAÇÃO DE VOTO.

Ementa oficial: Responde o devedor com todos os seus bens, presentes ou futuros, para o cumpri-

mento de suas obrigações, não havendo lei que exclua da execução as quotas do sócio em sociedade

de responsabilidade limitada.

REsp. 21.223-0 - PR - 3.a T. -- 1. 15.12.1992 - rel. Min. Dias Trindade, - DJU 01.03.1993.

ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos estes autos: Acordam os Ministros da 3: Turma do Supe-

rior Tribunal de Justiça na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, retomando o

julgamento, após o voto vista do Sr. Min. EDUARDO RIBEIRO, a Turma, por unanimidade, conhe-

cer do recurso especial, pela alínea c, mas lhe negar provimento. Participaram do julgamento os Srs.

Mins. WALDEMAR ZVEITER, CLÁUDIO SANTOS, NÍLSON NAVES e EDUARDO RIBEIRO.

Brasília-DF, 15 de dezembro de 1992 - NÍLSON NAVES, Pres. - DIAS TRINDADE, Relator.

RELATÓRIO - O Exmo. Sr. Min. DIAS TRINDADE (relator): Recorrem José Riedi e outros, com

fundamento no artigo 105, III, c, da CF, de acórdão proferido pela 4ª. Câmara Cível do Tribunal de

VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;(Redação dada ao

inciso pela Lei nº 11.382, de 06.12.2006, DOU 07.12.2006, efeitos a partir de 20.01.2007)

VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;(Redação dada ao

inciso pela Lei nº 11.382, de 06.12.2006, DOU 07.12.2006, efeitos a partir de 20.01.2007)

IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde

ou assistência social;(Redação dada ao inciso pela Lei nº 11.382, de 06.12.2006, DOU 07.12.2006, efeitos a

partir de 20.01.2007)

X - até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança.(Redação

dada ao inciso pela Lei nº 11.382, de 06.12.2006, DOU 07.12.2006, efeitos a partir de 20.01.2007) 86 STJ. RE 172.612 – SP e RE 234.391 – MG. 87 Abrão, Nelson, Sociedade por quotas de responsabilidade limitada, 6ª. Ed., São Paulo, Editora Revista dos

Tribunais, 1998, p. 183/187.

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Alçada do Paraná, que deu provimento a apelação do Banco Bradesco S/A e negou provimento à dos

ora recorrentes, interpostas nos embargos do devedor, oferecidos contra o Bradesco S/A.

Sustentam os recorrentes ter o acórdão divergido de julgados com relação à penhorabilidade de cotas

de sociedade de responsabilidade limitada.

Recebido e processado o recurso, vieram os autos a este Tribunal. É como relato.

VOTO - O Exmo. Sr. Min. Dias Trindade (relator): A divergência se acha comprovada, porquanto

acórdãos de outros tribunais se põem em dissídio com o recorrido, no que tange à possibilidade de

penhora de quotas de sociedade de responsabilidade limitada, daí por que o recurso.

Estou, no entanto, que não merece provimento, portanto melhor se orienta o acórdão recorrido sobre

o tema, tendo por penhoráveis as quotas em caso de execução de dívida de sócio, não encontrados

outros bens que garantam o credor.

Não se encontram no enunciado do artigo 649 do CPC, como bens impenhoráveis, as quotas de sócio

em sociedade limitada e nem há lei específica apontando-as como impenhoráveis, não aplicável a

regra do artigo 292 do CCom., que, por seu turno, diz da possibilidade de execução sobre os fundos

líquidos do devedor na empresa, posto que as sociedades limitadas têm regência legal própria, no

Dec. 3.708, de 10.01.1919, que nada dispõe a respeito.

Não impressiona o argumento de que a eventual alienação de quotas de devedor importa em descons-

tituir a sociedade, pela impossibilidade de forçar-se aos demais sócios a admitir o arrematante no

lugar do sócio que tem suas quotas expropriadas, por isso que têm os sócios preferência na arremata-

ção, além de que possível não se apresenta permitir que o direito do credor seja, por esse meio, des-

protegido, quando é certo que a lei determina que os bens do devedor, presentes e futuros, asseguram

o cumprimento das obrigações contraídas por seu titular, como expresso no artigo 591 do CPC.

Isto posto, voto no sentido de conhecer do recurso e lhe negar provimento.

CERTIDÃO - Certifico que a E. 3." Turma, ao apreciar o processo em epígrafe em sessão realizada

nesta data, proferiu a seguinte decisão: "Após os votos dos Srs. Mins. Relator e WALDEMAR ZVEI-

TER, conhecendo do recurso especial pela alínea c, mas lhe negando provimento, pediu vista o Sr.

Min. CLÁUDIO SANTOS. Aguardam os Srs. Mins. NÍLSON NAVES e EDUARDO RIBEIRO".

Participaram do julgamento os Srs. Mins. WALDEMAR ZVEITER, CLÁUDIO SANTOS, NÍLSON

NAVES e EDUARDO RIBEIRO.

O referido é verdade. Dou fé.

VOTO (vista) - O Sr. Min. CLÁUDIO SANTOS: Pedi vista dos autos porque, pela primeira vez,

nesta Corte, tenho oportunidade de pronunciar-me sobre a questão, ou seja, acerca da penhora de

cotas de sociedades limitadas.

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A doutrina, desde a opinião autorizada de WALDEMAR FERREIRA, a declarar "o fundo social

imune da execução particular contra qualquer dos sócios" (Instituições de Direito Comercial - Esta-

tuto da Sociedade Mercantil, p. 437), não é harmônica, refletindo-se os pontos de vista dominantes,

em diversos períodos, sobre a jurisprudência dos tribunais.

Oscilante também foi a jurisprudência do C. Supremo Tribunal Federal, predominando até 1980, se-

gundo levantamento feito pelo douto Ministro XAVIER DE ALBUQUERQUE, acórdãos pela impe-

nhorabilidade (RE 6.639, RF 122/382; RE 7.580, apud SERGIO SAHIONE FADEI, Comentários ao

Código de Processo Civil, Konfino, IV/ 10; RE 47.275, DJ 04.07.1963; ERE 47.375, j. a 9.3.65; RE

34.680, j. a 27.01.1958; RE 75.680, RTJ 65/866, RTJ 95/836). Em sentido oposto, lembra o citado

Ministro: " ... encontrei apenas o acórdão proferido no RE 24.118, julgado a 08.10.1953 - e reprodu-

zido por CUNHA PEIXOTO, ob. cit. II/185, ao qual o saudoso Min. NELSON HUNGRIA após esta

ementa: "São penhoráveis as cotas de sociedade limitada, substituindo-se afinal o credor-exequente

nas vantagens e ônus do quotista-executado, independentemente do assentimento dos demais. Dife-

rença entre o direito brasileiro e o francês (RTJ, cit.).

As observações de XAVIER DE ALBUQUERQUE estão consignadas no voto condutor proferido no

julgamento do RE 90.910-PR, de 21.10.1980, assim ementado:

"SOCIEDADE DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. DÍVIDA PARTICULAR DO SÓCIO:

PENHORABILIDADE DAS RESPECTIVAS COTAS DE CAPITAL. RECURSO EXTRAORDI-

NÁRIO CONHECIDO E PROVIDO"

(RTJ 95/ 834-843).

Neste julgado ficou vencido o eminente comercialista CUNHA PEIXOTO, a reafirmar sua posição

intermediária no sentido de admitir a penhora se o contrato permitir a alienação das cotas. A acom-

panhar o relatar votou o Sr. Min. RAFAEL MAYER, para quem, se o estatuto processual anterior

teria dado margem à controvérsia suscitando uma interpretação extensiva do inciso XII do seu artigo

942, a lei processual vigente oferece uma preocupação isenta de equívocos, no particular (o inciso

XII do dispositivo citado é o que dispunha sobre a impenhorabilidade dos fundos sociais pelas dívidas

particulares dos sócios).

Entretanto, mesmo depois daquele acórdão, há notícia de outro em vertente contrária. É o Acórdão

no RE 95.381-7, da 3a. Turma, em 19.04.1985, a portar esta ementa:

"COMERCIAL. SOCIEDADE DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. A QUOTA SOCIAL NÃO

PODE SER PENHORADA POR DÍVIDA DO SÓCIO. NA AUSÊNCIA DE DISPOSIÇÃO ESPE-

CÍFICA NO DEC. 3.708/19, APLICÁVEL ÀS SOCIEDADES LIMITADAS O ARTIGO 292 DO

CCOM."

(v. AJURIS 36, p. 23, cit. em artigo do Dr. CLARINDO FAVRETTO).

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Esta instabilidade na jurisprudência da C. Corte refletiu-se na jurisprudência dos Tribunais estaduais.

Realmente, os repertórios registram, ainda hoje, dezenas de julgados divergentes entre si (v. Socie-

dade por Quotas de Responsabilidade Limitada - Jurisprudência,. Ed. Fundação Casa de Rui Barbosa,

1982, O Processo Civil à Luz da Jurisprudência, nova série, de Alexandre de Paula, v. VI, artigos 647

e 649 e artigo publicado na RF. 293/509-517, de diversos autores).

A verdade é que há quem defenda a impenhorabilidade das cotas sociais da sociedade limitada por

serem estas integrantes do patrimônio da sociedade, somente sendo possível a penhora dos fundos

líquidos na conformidade do disposto no artigo 292 do vetusto CCom.; há quem se fixe na qualidade

intuitu personae da sociedade limitada, diversa da finalidade intuitu pecuniae da sociedade anônima;

há quem considere penhoráveis as cotas desde que o contrato não proíba sua cessão a terceiros; e,

finalmente, há quem admita a penhora, sub-rogando-se o arrematante os direitos do cotista para re-

querer a apuração de haveres e o pagamento dos valores correspondentes ou a dissolução da socie-

dade.

Tudo resulta da natureza híbrida da sociedade por colas. É sociedade contratual, sempre, e é sociedade

de pessoas e de capitais, a um só tempo, tanto que aplicáveis à espécie, subsidiariamente, as normas

das sociedades anônimas, como costumeiramente salientam os autores.

É princípio geral, entretanto, que, na conformidade do disposto no CPC, artigo 591, o devedor res-

ponde com todos seus bens, presentes e futuros, para o cumprimento de suas obrigações, com as

ressalvas legais, nas quais não se inclui a responsabilidade das cotas de sociedade de responsabilidade

limitada.

As cotas, por outro lado, ainda que não corporificadas ou transmissíveis, com liberdade, são bens de

conteúdo econômico. O clássico CARVALHO DE MENDONÇA já, a seu tempo, no Tratado, vis-

lumbrava na cota dois direitos, um de natureza patrimonial, outro de natureza pessoal.

O problema da quebra da affectio societatis não é de tal monta que acarrete uma impenhorabilidade

não prescrita em lei. Por outro lado não pode a questão acobertar para sempre devedores relapsos que

viessem a carrear para uma sociedade por cotas todos seus bens, livrando-se de suas dívidas.

A questão do rompimento da affectio societatis pode ser resolvida com a aquisição pelos demais

sócios da cota penhorada, com a apuração de haveres e pagamento do valor correspondente à cota ou,

com a dissolução da sociedade, na falta de alternativa.

Este aspecto final da questão não está normatizado, mas não é a falta de regras que vai tolher ó direito

do credor. A empresa, como unidade produtiva, geradora de empregos e pagadora de tributos, deve

ser preservada, se possível, e para tanto todo esforço e imaginação devem ser empregados.

Com essas considerações, acompanho o Sr, Min. Relator, conhecendo do recurso pelo dissídio, mas

para negar-lhe provimento.

É o voto.

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CERTIDÃO - Certifico que a E. 3a. Turma, ao apreciar o processo em epígrafe em sessão realizada

nesta data, proferiu a seguinte decisão: "Retomando o julgamento após os votos dos Srs. Mins.

CLÁUDIO SANTOS e NÍLSON NAVES, conhecendo do recurso especial pela alínea c, mas lhe

negando provimento, pediu vista o Sr. Min. EDUARDO RIBEIRO".

Participaram do julgamento os Srs. Mins. WALDEMAR ZVEITER, CLÁUDIO SANTOS, NÍLSON

NAVES e EDUARDO RIBEIRO.

O referido é verdade. Dou fé.

VOTO (vista) - O Exmo. Sr. Min. EDUARDO RIBEIRO: A questão relativa à penhorabilidade das

cotas de sócio de sociedade de responsabilidade limitada é das mais controvertidas em nosso direito.

Salientou-o o Min. CLÁUDIO SANTOS, colocando em relevância multiplicidade de opiniões a res-

peito do tema, seja na doutrina, seja na jurisprudência.

Ultimamente, vem-se notando certa tendência, embora longe de consolidada, no sentido de admitir-

se a penhora. Valorizam-se, para isso, argumentos de natureza processual, sem se levar em conta os

que derivem de normas de direito material. Certo que a penhora é instituto processual e os dispositivos

que a regulam aí encontram sua sede, ocorre, entretanto, que a possibilidade de o bem ser penhorado

vincula-se à de ser alienado a esta deve ser examinada em face do direito material.

Não empresto, com a devida vênia, importância decisiva ao argumento tirado do artigo 591 do CPC,

conjugado com a afirmação de que não há lei excluindo as cotas sociais. Cumpre ter-se em conta que

o artigo 649, I, do mesmo Código estatui que absolutamente impenhoráveis os bens inalienáveis. A

questão está em saber se as cotas são alienáveis. Se o forem, incidirá a vedação legal, malgrado a

inexistência de norma que expressamente as excepcione de responderem pelas dívidas de quem delas

seja titular.

Observa, a propósito, AMÍLCAR DE CASTRO: "A alienação judicial está para a alienação extraju-

dicial como a espécie para o gênero, e por isso mesmo o que é inalienável é naturalmente impenho-

rável, seja qual for a força por que se imponha a inalienabilidade", Comentários ao Código de Pro-

cesso Civil, VIII/196, Ed. RT. 1974.

A primeira indagação está, pois, em verificar se as cotas sociais podem ser alienadas. A respeito do

tema dissentiam os comercialistas. Negar de modo absoluto não parece adequado e nunca soube de

quem o fizesse. Muitos, entretanto, consideram que, incidindo o disposto no artigo 334 do CCom.

será mister o consentimento de todos os sócios. Como essa norma é de defesa de seus interesses,

poderiam a isso renunciar e estabelecer, no contrato, que bastaria a maioria do capital para autorizar

a cessão. Ou mesmo fazê-la inteiramente livre.

Outra corrente afirma que, em princípio, a cessão é livre, podendo o contrato dispor de modo dife-

rente. Nesse sentido JOÃO EUNÁPIO BORGES, a meu ver com razão. Menciona que do contexto

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da lei isso resulta, especificamente dos artigos 5°., 6°. e 7°., sendo certo que apenas na hipótese de

aquisição de cotas pela própria sociedade (artigo 8°.) exige-se o consentimento dos demais sócios.

A proibição da cessão poderá resultar de disposição expressa do contrato ou advir de seu contexto,

quando se possa concluir que a sociedade foi constituída intuitu personae.

Se decorre do contrato a proibição, não será possível forçar os demais sócios a agir em desconformi-

dade com o pactuado e acolher um estranho. A cessão, pois, não será viável. Isso se verificando,

defesa igualmente a penhora, pois se estará diante de caso de inalienabilidade.

A principal razão que tem levado a que se admita sempre a medida em exame está no receio de que

o devedor, dispondo de vasto patrimônio, representado por cota de sociedade próspera, ficasse imune

à execução. Outra, entretanto, poderá ser a solução. REQUIÃO, que chegou a classificar de imprópria

e lastimável decisão do Supremo Tribunal Federal tendo como possível a penhora, salienta que aquele

receio não se justifica. Indica a possibilidade de a constrição incidir sobre os créditos que o sócio

devedor tiver, relativamente à sociedade. E salienta que, havendo mau uso da pessoa jurídica, abrir-

se-á ensejo à aplicação da disregard doctrin (Curso de Direito Comercial, 1.°/349 e 351, 1989). A isso

se acrescente outra possibilidade, cogitada pelo Código de Processo Civil. Trata-se do usufruto que

pode recair sobre o quinhão de sócio na empresa (artigo 720).

Assinale-se que a solução contrária também apresenta notáveis inconvenientes.

Assim é que autores que admitem a penhora com amplitude afirmam que não poderá a arrematação

levar a que o arrematante se torne sócio, mas propiciará a dissolução e liquidação da sociedade

(HUMBERTO THEODORO JR., Processo de Execução, 3ª. ed., Ed. Universo de Direito. Pag. 264).

Está o problema no fato de envolver-se terceiro. LIEBMAN salientou a propósito: "Observou-se com

razão que fogem à execução os direitos do executado cuja transferência não é possível sem o consen-

timento de terceiro: por exemplo, o direito do executado sobre imóvel que lhe foi alugado não pode

ser transferido a outrem sem o consentimento do locador e não pode, portanto, formar objeto da exe-

cução", Processo de Execução, Saraiva, 1968, pp.78-79.

No caso em exame, o contrato não proibiu a alienação, embora aparentemente o fizesse.

Estabeleceu-se o direito de preferência. Não exercido, as cotas poderão ser transferidas. Em tais cir-

cunstâncias, considero não haver empecilho à penhora. O direito à aquisição os sócios poderão prati-

camente exercer, licitando, embora pagando valor algo superior.

Releva que não se teve como indispensável o consentimento, fazendo possível a cessão.

Pelos motivos expostos, acompanho o relatar, em sua conclusão.

CERTIDÃO - Certifico que a E. 3: Turma, ao apreciar o processo em epígrafe em sessão realizada

nesta sala, proferiu a seguinte decisão: "Retomando o julgamento, após o voto vista do Sr. Min. Edu-

ardo Ribeiro, a Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial, pela alínea c, mas lhe negou

provimento".

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Participaram do julgamento os Srs. Mins. WALDEMAR ZVEITER, CLÁUDIO SANTOS, NÍLSON

NAVES e EDUARDO RIBEIRO.

O referido é verdade. Dou fé.”

Como se vê, a questão da penhorabilidade das quotas sociais, em processo de execução pro-

movido pelo credor de sócio, que tanto alvoroço causou no passado, hoje é matéria pacificada pela

legislação e pela doutrina.

CAPÍTULO V

A ADMINISTRAÇÃO DA SOCIEDADE

Veremos, agora, como a sociedade vai ser governada, atentos ao que dispõem, preliminar-

mente, os artigos 1.013, 1.014 e 1.015 do Código Civil:

Artigo 1.013. A administração da sociedade, nada dispondo o contrato social, com-

pete separadamente a cada um dos sócios.

§ 1º Se a administração competir separadamente a vários administradores, cada um

pode impugnar operação pretendida por outro, cabendo a decisão aos sócios, por

maioria de votos.

§ 2º Responde por perdas e danos perante a sociedade o administrador que realizar

operações, sabendo ou devendo saber que estava agindo em desacordo com a mai-

oria.

Artigo 1014. Nos atos de competência conjunta de vários administradores, torna-se

necessário o concurso de todos, salvo nos casos urgentes, em que a omissão ou

retardo das providências possa ocasionar dano irreparável ou grave.

Artigo 1015. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os

atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração

ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir.88

Como se vê, o artigo 1.013 do Código Civil prevê uma série de regras sobre o exercício da

administração, desde que o contrato social não trate da matéria e não regule, de forma precisa, o modo

de gerir a pessoa jurídica. O que não nos parece possível. De fato, a atribuição de poderes gerenciais

88 Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF

Enunciado nº 219: - Está positivada a teoria ultra vires no Direito brasileiro, com as seguintes ressalvas: (a) o

ato ultra vires não produz efeito apenas em relação à sociedade; (b) sem embargo, a sociedade poderá, por

meio de seu órgão deliberativo, ratificá-lo; (c) o Código Civil amenizou o rigor da teoria ultra vires , admitindo

os poderes implícitos dos administradores para realizar negócios acessórios ou conexos ao objeto social, os

quais não constituem operações evidentemente estranhas aos negócios da sociedade; (d) não se aplica o artigo

1.015 às sociedades por ações, em virtude da existência de regra especial de responsabilidade dos administra-

dores (inciso II do artigo 158 da Lei n˚. 6.404/76).

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aos sócios ou a pessoas estranhas ao quadro social para o exercício da administração sempre vem

muito bem explicado no contrato social.

O que transparece da leitura do disposto no artigo 1.013 do Código Civil é que a lei procurou

determinar que nas sociedades simples e nas sociedades limitadas a regra geral é a administração

pessoal e não a forma orgânica de administração prevista para as sociedades anônimas. Se naquelas

sociedades a administração, e, portanto a responsabilidade dos administradores é orgânica, nestas a

administração e a responsabilidade é individual.

Não podemos esquecer que o artigo 1.013 do Código Civil só é aplicável em duas hipóteses:

quando o contrato social for omisso e quando os sócios fundadores não optarem pela regência suple-

tiva das sociedades por ações.

As regras principais sobre a administração da sociedade limitada estão inscritas nos artigos

1.060 a 1.065 do Código Civil, que tratam especificamente sobre a forma de administração desse tipo

societário. Os artigos 1.013 e seguintes, antes mencionados, dizem respeito às sociedades simples e

se constituem em regras gerais sobre o exercício da administração.

Na cláusula contratual que trata dessas disposições costuma-se colocar a declaração de desim-

pedimento dos administradores, para que não seja feita em documento separado, já que se constitui

em exigência legal para o arquivamento dos atos constitutivos.

Administrar significa gerir, governar, dirigir.89 A administração da sociedade limitada, por-

tanto, é o exercício dos atos de gestão e de direção no sentido da realização do seu objetivo social.

Como diz o artigo 1.022 do Código Civil, a sociedade manifesta a sua vontade e exercita as suas

capacidades jurídicas (celebrar contratos, possuir bens e litigar em juízo) através de seu administra-

dor.

Art. 1.022. A sociedade adquire direitos, assume obrigações e procede judicial-

mente, por meio de administradores com poderes especiais, ou, não os havendo, por

intermédio de qualquer administrador.

A ADMINISTRACAO POR PESSOA JURÍDICA

A doutrina em geral condena, a nosso ver sem razão, a redação do artigo 1.060 do Código

Civil:

A sociedade limitada é administrada por uma ou mais pessoas naturais designadas

no contrato social ou em ato separado.

porque entendem que, como a disposição legal não excepcionou, a sociedade limitada poderia ser

administrada por uma pessoa jurídica. Tanto assim é, que deu entrada na Câmara dos Deputados o

89 Houaiss, Antônio, Dicionário da Língua Portuguesa, Rio de Janeiro, Editora Objetiva, 2001.

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Projeto de Lei n˚. 276/2007, que propõe a alteração do artigo 1.060 do Código Civil, para ter a se-

guinte redação:

Art. 1.022. A sociedade adquire direitos, assume obrigações e procede judicial-

mente, por meio de administradores com poderes especiais, ou, não os havendo, por

intermédio de qualquer administrador.

A justificação da proposta é que ela “pretende espancar qualquer dúvida de interpretação na apli-

cação do artigo 1.060, deixando expresso que apenas as pessoas naturais podem ser administradoras

da sociedade, tal qual subentendido pela redação do artigo 1.062. Dizem, ainda, que a designação da

pessoa jurídica como administrador contraria toda a tradição do direito societário brasileiro, onde a

pessoa jurídica sempre delegou seus poderes de administração a pessoas naturais.

A discussão nos parece acadêmica, pois o inciso VI do artigo 997 do Código Civil define

claramente que:

Artigo 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou pú-

blico, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará:

.................................................................

VI - as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes

e atribuições;

e o artigo 1.062 do mesmo Código Civil:

Art. 1062. O administrador designado em ato separado investir-se-á no cargo me-

diante termo de posse no livro de atas da administração.

deixando claro que a administração só poderá ser exercida por pessoa natural.

Outra não é a orientação dada pelo Enunciado n˚. 66 do CEJ do CJF (Jornada de Direito Civil

de 2002).90 E esta é, também, a posição de Maria Helena Diniz.91

Embora a administração só possa ser exercida por pessoa natural, nada impede que a pessoa

jurídica seja nomeada, no contrato social, como administradora e indique uma pessoa natural para

representá-la, e “exteriorizar os atos de gestão.”92

Essa interpretação de que a sociedade limitada só pode ser administrada por pessoas naturais

ou por uma pessoa natural expressamente designada pela sócia pessoa jurídica se apoia no fato de

90 Enunciado Aprovado na Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF (11 a 15/09/2002

Enunciado nº 66: - a teor do § 2º do artigo 1.062 do Código Civil, o administrador só pode ser pessoa

natural. 91 Diniz, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, Vol. 8, São Paulo, Editora Saraiva, 2008, p.351. 92 Diniz, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, Vol. 8, São Paulo, Editora Saraiva, 2008, p. 351.

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que, quando o legislador quer impor restrições, o faz expressamente. Os artigos 1.039 e 1.042 do

Código Civil, prescrevem que os administradores de sociedade em nome coletivo só poderão ser

pessoas naturais. Os artigos 1.045 e 1.047 do Código Civil, determinam que nas sociedades em co-

mandita simples a administração compete, exclusivamente, aos sócios comanditados, que só podem

ser pessoas naturais.

Assim, não vemos nenhuma necessidade de ser fazer qualquer alteração no artigo 1.060 do Có-

digo Civil, que deve ser interpretado, de forma sistemática, como autorizador de ser a administração

da sociedade limitada confiada à pessoa jurídica, mas exercida, de fato, por uma pessoa natural por

ela indicada, como, aliás, é na sociedade anônima onde o acionista pode ser pessoa jurídica, mas seu

representante nos órgãos de administração deve ser pessoa natural:

Art. 146. Poderão ser eleitos para membros dos órgãos de administração pessoas

naturais, devendo os membros do conselho de administração ser acionistas e os di-

retores residentes no País, acionistas ou não.

(Caput do artigo com redação atual dada pela Medida Provisória 1.894-19 de

29.06.99, (DOU 30.06.99). convertida na Lei 10.194, de 16.02.01.

A mesma conclusão se chega, se nos atentarmos para o fato de que, mesmo nas sociedades anô-

nimas, cuja administração é feita por órgãos (Conselho de Administração e Diretoria), o artigo 153

da Lei Federal n˚. 6.404/76 recomenda que: o administrador deve agir “com o cuidado e diligência

que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios.”

É, também, a dicção do artigo 1.011 do Código Civil:

Artigo 1011. O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções,

o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na admi-

nistração de seus próprios negócios.93

O ADMINISTRADOR

A denominação de “administrador” é novidade para as sociedades limitadas, uma vez que, na

legislação anterior, ele era denominado de “gerente” e a administração denominada de “gerência”.94

A expressão “gerente” ou “gerência” utilizada na legislação revogada dava azo a confusões,

pois tanto o sócio-gerente como o empregado gerente tinham a mesma denominação. Uma coisa era

o sócio responsável pela gestão da sociedade e outra era o empregado que exercia a direção de uma

unidade (loja, filial, agência, sucursal, depósito fechado, etc.).

93 Anotação: Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF

Enunciado nº 218: - Não são necessárias certidões de nenhuma espécie para comprovar os requisitos do artigo

1.011 no ato de registro da sociedade, bastando declaração de desimpedimento. 94 Decreto n. 3708/1919 - Artigo 14. As sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, responderão

pelos compromissos assumidos pelos gerentes, ainda que sem o uso da firma social, se forem tais compromis-

sos contraídos em seu nome ou proveito, nos limites dos poderes da gerência.

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A atual expressão “administrador” vai distinguir com maior eficiência as duas figuras. Tanto

assim que o novo Código Civil trata nos artigos 1.169 a 1.176 dos prepostos e dos gerentes, como

veremos adiante, dando-lhes desenho legislativo característico.

Não se trata de pura digressão semântica, mas da necessária e indispensável identificação dos

fenômenos jurídicos em prol da pureza da linguagem jurídica.

Administrador é o órgão que presenta a sociedade. Pontes de Miranda dizia : “Os sócios ge-

rentes são órgãos, e não mandatários : não representam, presentam a sociedade.”95

Afirma o mestre que a representação jurídica tem contornos individuais próprios que não se

confundem com o papel exercido pelo gestor da sociedade limitada e, assim, dizia que o gestor era o

“presentante” da sociedade. Em seu dizer, o administrador (então chamado de gerente) era para a

pessoa jurídica como os olhos, a boca, os braços e as pernas são para a pessoa natural. A pessoa

natural, no exercício da gestão, tornava presente a vontade da pessoa jurídica.

Distingue o mestre entre o administrador sócio e o administrador não sócio. Para ele, este

representa a sociedade, porque o ato de nomeação do administrador é um ato de delegação.

Alberto Xavier96 distingue o sentido material da administração, como o conjunto de atos ten-

dentes à realização do objetivo social (gestão) e o sentido formal da administração como o exercício

de atos que produzam efeito perante terceiros (representação).

De fato, como Maria Helena Diniz distingue com propriedade97 o que ela denomina de “efei-

tos jurídicos da investidura do administrador”, os direitos e os deveres do administrador na sociedade

no exercício da manifestação da vontade da mesma. Afirma ela: “Sua vontade é a da sociedade, desde

que exarada dentro dos limites fixados no contrato social ou na reunião assemblear de quotistas.” Há

no exercício da função de administrador a realização de um poder-dever (denominado por Maria

Helena Diniz de poder-função), pois investido no poder de gestão e representação da sociedade, o

administrador não pode se furtar à realização dos objetivos da sociedade sob pena de responsabiliza-

ção. Ele tem o poder de manifestar a vontade da sociedade e o dever de manifestá-la, podendo ser

responsabilizado por omissão ou por desvio da função (ultra vires).

Sobre a responsabilização das pessoas naturais, exercentes do cargo de administrador da so-

ciedade, enfatizou o artigo 1.080 do novo Código Civil que:

Artigo 1.080. As deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a

responsabilidade dos que expressamente as aprovaram.

95 Miranda, Pontes, Tratado de Direito Privado, 3ª. Ed. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, vol. 49, p.

405. 96 Xavier, Alberto, Administradores de Sociedades, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1979, pags, 20/21. 97 Diniz, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, Vol. 8, São Paulo, Editora Saraiva, 2008, p. 357 a 363.

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A administração da sociedade limitada deve ser exercida por todos os quotistas, separada-

mente ou em conjunto, como dispuser o contrato social (será sempre separadamente se o contrato for

omisso).

Artigo 1.010. Quando, por lei ou pelo contrato social, competir aos sócios decidir

sobre os negócios da sociedade, as deliberações serão tomadas por maioria de votos,

contados segundo o valor das quotas de cada um.

.........................................................................

§ 3º Responde por perdas e danos o sócio que, tendo em alguma operação interesse

contrário ao da sociedade, participar da deliberação que a aprove graças a seu

voto.98

Assim, nas sociedades limitadas, a administração pode ser exercida de forma individual ou de

forma coletiva, de acordo com a decisão dos sócios na elaboração de seu contrato social:

Artigo 1.013. A administração da sociedade, nada dispondo o contrato social, com-

pete separadamente a cada um dos sócios.

Como já vimos antes:

Nada impede, porém, que a sociedade tenha um único administrador, sócio ou não. É o que

deflui dos mandamentos dos artigos 1.060 e 1.061 do Código Civil:

Artigo 1.060. A sociedade limitada é administrada por uma ou mais pessoas desig-

nadas no contrato social ou em ato separado.

Artigo 1.061. Se o contrato permitir administradores não sócios, a designação deles

dependerá de aprovação da unanimidade dos sócios, enquanto o capital não estiver

integralizado, e de dois terços, no mínimo, após a integralização.

O contrato social deverá conter a decisão dos sócios quanto à administração da sociedade e o

nome do administrador sócio ou dos administradores sócios deverá constar do instrumento, ou em

ato separado que deverá ser arquivado na Junta Comercial juntamente com o contrato social.

Os administradores, como vimos acima, no dizer de Maria Helena Diniz, têm o poder-dever

de exercer a gestão da sociedade.

Além disso, têm o dever de:

a) diligência (artigo 1011 do Código Civil e artigo 153 da LSA), no sentido de que deverão agir com

o mesmo espírito que devem empregar na administração de seus próprios negócios;

98 Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF

Enunciado nº 217: - Com a regência supletiva da sociedade limitada, pela lei das sociedades por ações, ao

sócio que participar de deliberação na qual tenha interesse contrário ao da sociedade aplicar-se-á o disposto no

artigo 115, § 3º, da Lei n. 6.404/76. Nos demais casos, aplica-se o disposto no artigo 1.010, § 3º, se o voto

proferido foi decisivo para a aprovação da deliberação, ou o artigo 187 (abuso do direito), se o voto não tiver

prevalecido.

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b) lealdade, no sentido de ser obediente à lei e às regras do contrato social e com os demais quotistas,

não podendo usar em benefício próprio das oportunidades surgidas no mundo negocial ou deixar de

aproveitar oportunidade em negócios de interesse da sociedade. (O dever de lealdade é melhor disci-

plinado nos artigos 155 e 156 da lei das sociedades por ações);

Artigo 1.011. O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas fun-

ções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na

administração de seus próprios negócios.99

c) dever de informação ou de transparência (full disclosure), pelo qual o administrador deve levar,

sempre, ao conhecimento dos demais quotistas todos os fatos que julgar relevantes para a tomada de

decisões sobre os negócios da sociedade:

A lei exige (parágrafo primeiro do artigo 1.011) que o administrador seja um homem (ou

mulher, claro) probo e de reputação ilibada, de modo que inspire confiança e responsabilidade na

sociedade onde atue.

OS IMPEDIDOS

Determina esse parágrafo primeiro do artigo 1.011 do Código Civil, que, não podem exercer

a administração da sociedade os sócios ou terceiros impedidos por legislação especial ou condenados

à pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou por crime falimentar, de

prevaricação, corrupção ativa ou passiva (peita ou suborna na redação original do Código), concus-

são, peculato; ou contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas

de defesa da concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto

perdurarem os efeitos da condenação.

A forma encontrada pelo DNRC para a comprovação das condições estabelecidas pela lei para

o exercício da administração das sociedades foi a da verificação à posteriori dessa situação e não a

prévia comprovação, mediante fornecimento de certidões, determinando que os administradores das

sociedades limitadas assinem uma “declaração de desimpedimento”, em ato separado ou constante

do corpo do contrato social.

Assim, por ocasião da constituição da sociedade, os sócios devem assinar a denominada de-

claração de desimpedimento, em ato separado ou no corpo do documento, no qual deverão se declarar

aptos e desimpedidos de exercer o cargo de administrador, em cumprimento às regras do DNRC e

tendo em vista que a lei, o parágrafo primeiro do artigo 1.011, relaciona uma série de hipóteses que

impedem o exercício da administração das sociedades limitadas:

99 Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF

Enunciado nº 218: - Não são necessárias certidões de nenhuma espécie para comprovar os requisitos do artigo

1.011 no ato de registro da sociedade, bastando declaração de desimpedimento.

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§ 1º. Não podem ser administradores, além das pessoas impedidas por lei especial,

os condenados à pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos pú-

blicos; ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno100, concussão,

peculato; ou contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra

as normas de defesa da concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública

ou a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da condenação.

Três situações devem ser consideradas aqui:

a) o sócio que ingressa originalmente na sociedade deverá preencher e assinar a declaração de de-

simpedimento, se essa declaração não estiver escrita no próprio contrato social;

b) o sócio que ingressa posteriormente na sociedade, como não pode automaticamente exercer a ad-

ministração por força do que dispõe o parágrafo único do artigo 1.060 do Código Civil101, deve pre-

encher declaração de desimpedimento, se esta não estiver contida no instrumento de alteração con-

tratual; e

c) quando o sócio administrador, no exercício de suas funções vier a ser condenado por um dos crimes

relacionados no § 1˚ do artigo 1.011.

Nos dois primeiros casos, haverá a prática do crime de falsidade ideológica por parte do sócio

condenado que assina a declaração de desimpedimento (vide o artigo 299102 do Código Penal), e a

descoberta da declaração falsa acarreta o imediato desligamento do sócio do cargo de administrador.

No terceiro caso, com o trânsito em julgado da sentença condenatória, o administrador deve ser

imediatamente destituído. Em qualquer dos casos, o cumprimento da pena habilita o retorno do ad-

ministrador face ao perecimento do impedimento.

Interessante o entendimento da Junta Comercial do Estado de São Paulo sobre a necessidade da

Declaração de Desimpedimento para o exercício de cargos de administração em sociedades anônimas,

como se lê da Ata de Reunião n˚. 03/2008, realizada em 08/01/2008:

Após o Sr. Presidente relembrou ao Colégio de Vogais que o assunto da “Declara-

ção de Desimpedimento” para sociedades por ações deveria ser deliberado nesta

Sessão Plenária, lembrando que existem 3 (três) manifestações diferentes sobre este

100 Enunciado Aprovado na Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF (11 a 15.09.2002)

Enunciado nº 60: - as expressões de peita ou suborno do § 1º do artigo 1.011 do novo Código Civil devem ser

entendidas como corrupção, ativa ou passiva. 101 CC. artigo 1.060 - Parágrafo único. A administração atribuída no contrato a todos os sócios não se estende

de pleno direito aos que posteriormente adquiram essa qualidade. 102 CPenal - Artigo 299. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou

nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito,

criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de 1 (um) a 3 (três)

anos, e multa, se o documento é particular.

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assunto: a primeira, do Vogal Rubens Damiani Amato, que entende não ser neces-

sária, em nenhuma hipótese, a apresentação da Declaração de Desimpedimento; a

segunda, da Procuradoria, lavrado pelo Procurador Dr. Nelson Lopes de Oliveira

Ferreira Junior, que entende ser necessária a apresentação da Declaração de Desim-

pedimento; e a terceira do Vogal Celso de Souza Azzi que entende que se houver

menção na ata de que a Declaração de Desimpedimento está arquivada na sede da

sociedade e a ata certificar este arquivamento, não será necessária sua apresentação

perante a JUCESP. O Sr. Presidente colocou o assunto em votação ficando delibe-

rado pelo e. Plenário somente exigir a apresentação da Declaração de Desimpedi-

mento se a mesma não constar da ata ou não estiver mencionada na ata como arqui-

vada na sede da sociedade. O Sr. Presidente solicitou a Sra. Secretária Geral que

elaborasse o enunciado referente a este assunto. O Vogal Hélio Ramos Domingues

argumentou se deverão ser exigidos os documentos pessoais dos Diretores e dos

Administradores. A Procuradora se manifestou dizendo que não era possível res-

ponder a este assunto sem um prévio estudo. O Sr. Presidente informou que este

assunto será retomado na Sessão Plenária do dia 15/01/2008.

PREPOSTOS E GERENTES

Além do administrador (sócio ou não sócio, designado no contrato social ou em ato apartado),

a lei prevê a ação de prepostos e gerentes, tidos como auxiliares da empresa, e que poderiam causar

alguma confusão entre os estudantes das faculdades de direito porque essas expressões, especialmente

a de gerente, eram utilizadas na vigência do Decreto 3.708, de 1919, para designar o exercício da

administração por um terceiro, sócio ou estranho aos quadros sociais, denominado de sócio-gerente

ou de gerente-designado.

J. X. Carvalho de Mendonça103 afirma:

A preposição comercial ou contrato de emprego no comércio participa tanto do mandato

como de locação de serviços; não reúne, porém, os caracteres exclusivos de nenhum destes

contratos. A preposição comercial constitui figura típica de contrato. A subordina-

ção ou dependência do preposto em relação ao preponente arreda-lhe a qualidade

de mandatário, para lhe imprimir a de locador de serviços; a representação, que,

muitas vezes, o preposto exerce relativamente a terceiros, afasta-o da posição de

locador de serviços para o elevar a mandatário. Conciliando as regras desses dois

103 Carvalho de Mendonça, José Xavier. Tratado de direito comercial brasileiro, Atualizado por Ricardo Ne-

grão. Campinas, Editora Bookseller, 2000, v. 2, tomo 1, n. 453, p. 450.

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contratos obteve-se nova figura: o contrato de preposição comercial, ou de emprego

no comércio.

Portanto, devemos distinguir a figura do administrador, pessoa física ou jurídica, que “presenta”

a sociedade, dos auxiliares prepostos ou gerentes, que são meros mandatários do administrador.

Assim determina a lei:

Artigo 1.169. O preposto não pode, sem autorização escrita, fazer-se substituir no

desempenho da preposição, sob pena de responder pessoalmente pelos atos do subs-

tituto e pelas obrigações por ele contraídas.

Artigo 1.170. O preposto, salvo autorização expressa, não pode negociar por conta

própria ou de terceiro, nem participar, embora indiretamente, de operação do

mesmo gênero da que lhe foi cometida, sob pena de responder por perdas e danos

e de serem retidos pelo preponente os lucros da operação.

Artigo 1.171. Considera-se perfeita a entrega de papéis, bens ou valores ao pre-

posto, encarregado pelo preponente, se os recebeu sem protesto, salvo nos casos em

que haja prazo para reclamação.

Artigo 1.172. Considera-se gerente o preposto permanente no exercício da empresa,

na sede desta, ou em sucursal, filial ou agência.

Artigo 1.173. Quando a lei não exigir poderes especiais, considera-se o gerente au-

torizado a praticar todos os atos necessários ao exercício dos poderes que lhe foram

outorgados.

Parágrafo único. Na falta de estipulação diversa, consideram-se solidários os pode-

res conferidos a dois ou mais gerentes.

Artigo 1.175. O preponente responde com o gerente pelos atos que este pratique em

seu próprio nome, mas à conta daquele.

Artigo 1.176. O gerente pode estar em juízo em nome do preponente, pelas obriga-

ções resultantes do exercício da sua função.

Artigo 1.174. As limitações contidas na outorga de poderes, para serem opostas a

terceiros, dependem do arquivamento e averbação do instrumento no Registro Pú-

blico de Empresas Mercantis, salvo se provado serem conhecidas da pessoa que

tratou com o gerente.

Parágrafo único. Para o mesmo efeito e com idêntica ressalva, deve a modificação

ou revogação do mandato ser arquivada e averbada no Registro Público de Empre-

sas Mercantis.

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Como dito acima, a denominação de administrador, na nova legislação, ficou reservada ao

quotista ou mesmo a estranho aos quadros sociais, designados no instrumento de contrato social ou

em ato separado, para o exercício do poder-dever da administração da sociedade.

Contudo, existem funções auxiliares, dentro da sociedade, que podem e devem ser exercidas

por outras pessoas, empregados ou não, e que são denominados de “prepostos” ou “gerentes”.

Do ponto de vista jurídico, podemos dizer que o administrador sócio exerce a presentação da

sociedade, ao passo que os administradores não sócios são os representantes da sociedade e os pre-

postos e gerentes são mandatários da sociedade para um ou mais negócios específicos.

Convém não esquecer a teoria de Vivante, que identifica o administrador como mandatário da

sociedade. O próprio Código Civil, em seu artigo 1.011 § 2˚, determina que se apliquem no que cou-

ber, às atividades do administrador as disposições relativas ao contrato de mandato:

Artigo 1011. (omissis)

.................................................................................................................

§ 2º Aplicam-se à atividade dos administradores, no que couber, as disposições

concernentes ao mandato.

Essa teoria é contestada por Ascarelli e Pontes de Miranda, pois dizem que os administradores

podem exprimir a sua vontade pessoal e o mandatário, no exercício do mandato só manifesta a von-

tade do mandante; por sua vez, o mandatário tem direito de retenção sobre a coisa administrada, o

que não se admite em direito societário.

Valverde defende a teoria da representação, também contestada sob a alegação de que quando os

administradores dirigem os serviços internos da sociedade (por exemplo, a contabilidade) não exer-

cem a função de representantes.

Dos alemães vem a teoria da locação de serviços, que não foi recepcionada por nosso sistema

jurídico, uma vez que no contrato de trabalho há o elemento essencial da subordinação104, e o admi-

nistrador é o ápice da hierarquia empresarial.

Por isso, no esteio de Pontes de Miranda, Rubens Requião105 defende a teoria do “órgão”,

afirmando que o administrador é órgão da sociedade empresarial.

Diante disso, podemos afirmar que o administrador é o órgão que manifesta a vontade da

pessoa jurídica, enquanto o preposto e o gerente manifestam a vontade do administrador. O adminis-

trador é eleito pela sociedade e o preposto e o gerente são nomeados pelo administrador. A

sociedade é responsável pelos atos de seus administradores (artigo 47 do Código Civil), e o adminis-

104 CLT. Artigo 3º Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a

empregador, sob a dependência deste e mediante salário. 105 Requião, Rubens, Curso de Direito Comercial, 26ª. Ed., São Paulo, Editora Saraiva, 2005, p. 461

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trador é responsável pelos atos de seus prepostos ou gerentes (artigo 1.175 do Código Civil. O pre-

ponente responde com o gerente pelos atos que este pratique em seu próprio nome, mas à conta da-

quele).

O preposto (lembrando que o artigo 1.172 dispõe que o gerente é o preposto permanente) pode

ser empregado da sociedade ou não. Se for empregado da sociedade, o exercício de sua função não

necessita de outorga de poderes específicos mediante um contrato de mandato, pois esses estão pre-

vistos e autorizados nos regulamentos internos da sociedade ou em um plano de cargos e salários

(artigo 1.173 do Código Civil). Se, entretanto, não houver contrato de trabalho com a sociedade, o

exercício de sua função exigirá a outorga de mandato, e este deverá ser arquivado na Junta Comercial

(artigo 1.174 do Código Civil) para conhecimento de terceiros.

O exercício do cargo de preposto ou de gerente é indelegável, se não houver autorização por

escrito para a delegação, como diz o artigo 1.169 do Código Civil:

Artigo 1.169. O preposto não pode, sem autorização escrita, fazer-se substituir no

desempenho da preposição, sob pena de responder pessoalmente pelos atos do subs-

tituto e pelas obrigações por ele contraídas.

O CONSELHO FISCAL

O novo Código Civil criou para as sociedades limitadas a possibilidade de elas instituírem um

órgão, representativo dos quotistas minoritários, fiscalizador das atividades dos administradores, tra-

zendo para as sociedades menores (do ponto de vista econômico) um importante órgão existente nas

sociedades anônimas.

Dispõe o artigo 1066 do Código Civil, que:

Artigo 1.066. Sem prejuízo dos poderes da assembleia dos sócios, pode o contrato

instituir conselho fiscal composto de três ou mais membros e respectivos suplentes,

sócios ou não, residentes no País, eleitos na assembleia anual prevista no artigo

1.078.

§ 1º. Não podem fazer parte do conselho fiscal, além dos inelegíveis enumerados

no § 1º do artigo 1.011, os membros dos demais órgãos da sociedade ou de outra

por ela controlada, os empregados de quaisquer delas ou dos respectivos adminis-

tradores, o cônjuge ou parente destes até o terceiro grau.

§ 2º. É assegurado aos sócios minoritários, que representarem pelo menos um

quinto do capital social, o direito de eleger, separadamente, um dos membros do

conselho fiscal e o respectivo suplente.106

106 Vide artigo 161, § 5º. da Lei das Sociedades Anônimas.

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Como se vê a criação do Conselho Fiscal, pela sociedade, é facultativa e só se justifica nas soci-

edades limitadas com grande número de sócios ou de grande expressão econômica, uma vez que a

manutenção de um órgão desse tipo exige a realização de grandes despesas, incompatíveis com as

possibilidades das pequenas sociedades.

A instituição de um Conselho Fiscal, nas sociedades limitadas, não é obrigatória. Mas, se os sócios

quiserem adotá-lo, para a fiscalização das atividades dos administradores, devem obedecer aos requi-

sitos do artigo 1.066 e seus parágrafos do Código Civil, ou seja: mínimo de três membros e respecti-

vos suplentes; sócios ou não; residentes no país; permanentes ou temporários; assegurando-se aos

sócios minoritários que detenham pelo menos 20% do capital social a eleição de um membro e seu

suplente em separado.

A eleição deverá ser feita na assembleia anual obrigatória para o exame e aprovação das contas

dos administradores, denominada de Assembleia Geral Ordinária ou simplesmente AGO, para dife-

renciá-la das demais assembleias convocadas fora dessa época e que são denominadas de Assembleia

Geral Extraordinária ou AGE.

Artigo 1.067. O membro ou suplente eleito, assinando termo de posse lavrado no

livro de atas e pareceres do conselho fiscal, em que se mencione o seu nome, naci-

onalidade, estado civil, residência e a data da escolha, ficará investido nas suas fun-

ções, que exercerá, salvo cessação anterior, até a subsequente assembleia anual.

Parágrafo único. Se o termo não for assinado nos trinta dias seguintes ao da eleição,

esta se tornará sem efeito.

O conselheiro nomeado e o seu suplente devem tomar posse do cargo através da assinatura do

Livro de Atas e Pareceres do Conselho Fiscal, com as exigências do artigo 1.067 do Código Civil:

O Conselho Fiscal pode ser permanente, se tiver gestão até a realização de nova Assembleia

Geral Ordinária, ou poderá ser temporário se tal gestão for eleita na mesma assembleia que irá deli-

berar sobre as contas dos administradores, e, apresentado o seu parecer sobre as contas, se dissolve.

Não há impedimento legal para a reeleição de seus membros e suplentes.

O artigo 1.069 do Código Civil define as competências do Conselho Fiscal:

Artigo 1.069. Além de outras atribuições determinadas na lei ou no contrato social,

aos membros do conselho fiscal incumbem, individual ou conjuntamente, os deve-

res seguintes:

I - examinar, pelo menos trimestralmente, os livros e papéis da sociedade e o estado

da caixa e da carteira, devendo os administradores ou liquidantes prestar-lhes as

informações solicitadas;

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II - lavrar no livro de atas e pareceres do conselho fiscal o resultado dos exames

referidos no inciso I deste artigo;

III - exarar no mesmo livro e apresentar à assembleia anual dos sócios parecer sobre

os negócios e as operações sociais do exercício em que servirem, tomando por base

o balanço patrimonial e o de resultado econômico;

IV - denunciar os erros, fraudes ou crimes que descobrirem, sugerindo providências

úteis à sociedade;

V - convocar a assembleia dos sócios se a diretoria retardar por mais de trinta dias

a sua convocação anual, ou sempre que ocorram motivos graves e urgentes;

VI - praticar, durante o período da liquidação da sociedade, os atos a que se refere

este artigo, tendo em vista as disposições especiais reguladoras da liquidação.

A melhor interpretação a ser dada ao artigo 1.069 do Código Civil é de que não se trata de

uma relação taxativa, mas exemplificativa. Isto quer dizer, contudo, que a esse rol de atribuições, o

contrato social pode adicionar outras que entender necessárias ou interessantes, ao espelho do que

afirma o artigo 163 da Lei das Sociedades por Ações107, mas não poderá reduzi-las. O rol de compe-

tências do artigo 1.069, embora não taxativo, porque não esgota as possibilidades de atuação do con-

selho fiscal, não pode ser reduzido em sua atuação, uma vez que representa os poderes que devem ser

exercidos na defesa dos interesses dos quotistas minoritários contra os eventuais desmandos dos con-

troladores. Por isso é que a adoção de um conselho fiscal não retira dos sócios o poder de fiscalização

dos atos dos administradores, que lhe foi conferido pelo artigo 1.020 do Código Civil108, e artigo 109

da Lei das Sociedades Anônimas, por aplicação subsidiária.109

107 “Artigo 163. Compete ao Conselho Fiscal:

I - fiscalizar, por qualquer de seus membros, os atos dos administradores e verificar o cumprimento dos seus

deveres legais e estatutários;

II - opinar sobre o relatório anual da administração, fazendo constar do seu parecer as informações comple-

mentares que julgar necessárias ou úteis à deliberação da assembleia geral;

III - opinar sobre as propostas dos órgãos da administração, a serem submetidas à assembleia geral, relativas

a modificação do capital social, emissão de debêntures ou bônus de subscrição, planos de investimento ou

orçamentos de capital, distribuição de dividendos, transformação, incorporação, fusão ou cisão;

IV - denunciar, por qualquer de seus membros, aos órgãos de administração e, se estes não tomarem as provi-

dências necessárias para a proteção dos interesses da companhia, à assembleia-geral, os erros, fraudes ou cri-

mes que descobrirem, e sugerir providências úteis à companhia;

V - convocar a assembleia geral ordinária, se os órgãos da administração retardarem por mais de um mês essa

convocação, e a extraordinária, sempre que ocorrerem motivos graves ou urgentes, incluindo na agenda das

assembleias as matérias que considerarem necessárias;

VI - analisar, ao menos trimestralmente, o balancete e demais demonstrações financeiras elaboradas periodi-

camente pela companhia;

VII - examinar as demonstrações financeiras do exercício social e sobre elas opinar;

VIII - exercer essas atribuições, durante a liquidação, tendo em vista as disposições especiais que a regulam.”

108 Artigo 1020. Os administradores são obrigados a prestar aos sócios contas justificadas de sua administra-

ção, e apresentar-lhes o inventário anualmente, bem como o balanço patrimonial e o de resultado econômico.

109 “Artigo 109. Nem o estatuto social nem a assembleia geral poderão privar o acionista dos direitos de:

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A principal função do conselho fiscal é o exame das demonstrações contábeis anuais que são

preparadas pelos administradores, para a sua apreciação pela assembleia geral dos quotistas, para a

aprovação ou rejeição das propostas ali efetuadas, como por exemplo: a constituição de reservas de

lucros, a distribuição de dividendos, a capitalização das reservas existentes, etc. Para tanto devem

gozar seus membros de liberdade absoluta de opinião e nenhuma dependência dos administradores.

Essa opinião do conselho fiscal é transmitida através de um parecer que será divulgado antes da rea-

lização da assembleia geral e poderá ser acolhido ou rejeitado pelo plenário.

A competência do conselho fiscal não poderá ser delegada a nenhum outro órgão interno ou

externo às sociedade, mas para o exame dos documentos contábeis os membros do conselho fiscal

poderão ser auxiliados por profissionais capacitados, que deverão, por indicação do conselho ser con-

tratados pela sociedade, como permite o disposto no artigo 1.070 do Código Civil e seu parágrafo

único:

Artigo 1.070. As atribuições e poderes conferidos pela lei ao conselho fiscal não

podem ser outorgados a outro órgão da sociedade, e a responsabilidade de seus

membros obedece à regra que define a dos administradores (artigo 1.016).

Parágrafo único. O conselho fiscal poderá escolher para assisti-lo no exame dos

livros, dos balanços e das contas, contabilista legalmente habilitado, mediante re-

muneração aprovada pela assembleia dos sócios.

Não podem participar do conselho fiscal, além dos inelegíveis enumerados no § 1º. do artigo

1.011 (impedidos por legislação especial ou condenados a pena que vede, ainda que temporariamente,

o acesso a cargos públicos; ou por crime falimentar, de prevaricação, corrupção ativa ou passiva,

concussão, peculato; ou contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as

normas de defesa da concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade,

enquanto perdurarem os efeitos da condenação) os membros dos demais órgãos da sociedade ou de

outra por ela controlada, os empregados de quaisquer delas ou dos respectivos administradores, o

cônjuge ou parente destes até o terceiro grau.

Modesto Carvalhosa defende que, nem mesmo as pessoas que, sem vínculo de emprego, pres-

tam serviços habituais à sociedade, podem fazer parte do conselho fiscal (por exemplo: auditores,

contabilistas, advogados).

Os membros do conselho fiscal fazem jus a uma remuneração que lhes será fixada pela mesma

assembleia que os elegeu.

I - participar dos lucros sociais;

II - participar do acervo da companhia, em caso de liquidação;

III - fiscalizar, na forma prevista nesta lei, a gestão dos negócios sociais;

...................................................................................................

V - retirar-se da sociedade nos casos previstos nesta lei.”

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Nada impede, contudo, que essa prestação de serviços seja gratuita, e como se trata de cargo

eletivo o seu exercício não gera nenhum direito à remuneração e nem tipifica relação de emprego.

A RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES

A regra geral de responsabilização dos administradores, nas sociedades limitadas, está inse-

rida no artigo 1.080, que determina:

Artigo 1.080. As deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a

responsabilidade dos que expressamente as aprovaram.110

Não vamos tratar aqui das responsabilidades dos sócios não administradores que, pela regra

geral do artigo 1.001 do Código Civil, as suas obrigações começam, imediatamente, com a celebração

do contrato social e só terminam, quando liquidada a sociedade e se extinguirem as responsabilidades

sociais. Essas obrigações do sócio não administrador se resumem à integralização do capital social

subscrito.

Rubens Requião nos ensina que: “Em se tratando de sociedade limitada, a responsabilidade

do cotista, por dívidas da pessoa jurídica, restringe-se ao valor do capital ainda não integralizado. Ela

desaparece tão logo se integralize o capital.”111

Também João Eunápio Borges: “Se o capital já houver sido integralizado, isto é, se todas as

cotas estiverem inteiramente liberadas, nenhum cotista, como tal, poderá ser compelido a fazer qual-

quer prestação. Nada deve ele, nem à sociedade, nem aos credores dela, cuja garantia repousa exclu-

sivamente (como na anônima) sobre o patrimônio social.”112

Trataremos da possibilidade de responsabilização dos administradores por atos de gestão e

que terão, por consequência, a sua responsabilização pessoal perante a sociedade e desta para com

os terceiros prejudicados.

Desde 1919, com a criação das sociedades por quotas de responsabilidade limitada no Brasil,

pelo Decreto n˚. 3.708, o legislador havia adotado as regras expostas nos artigos 10 e 16 desse decreto

e que determinavam, respectivamente:

Art. 10. Os sócios-gerentes ou que derem o nome à firma não respondem pessoal-

mente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para com

esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos

atos praticados com violação do contrato ou da lei.

110 Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF

Enunciado nº 229: - A responsabilidade ilimitada dos sócios pelas deliberações infringentes da lei ou do con-

trato torna desnecessária a desconsideração da personalidade jurídica, por não constituir a autonomia patrimo-

nial da pessoa jurídica escudo para a responsabilização pessoal e direta.

111 Requião, Rubens, Curso de direito comercial, 26ª. Ed., São Paulo, Editora Saraiva, 2005, vol. 1, p. 529

112 Borges, João Eunápio, Curso de direito comercial terrestre, 5ª. Ed., Rio de Janeiro, Editora Forense, 1975,

p. 321

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e,

Art. 16. As deliberações dos sócios, quando infringentes do contrato social ou da

lei, dão responsabilidade ilimitada àqueles que expressamente hajam ajustado tais

deliberações contra os preceitos contratuais ou legais.

Assim, antes da edição do novo Código Civil, a responsabilidade dos sócios e dos administra-

dores das sociedades por quotas de responsabilidade limitada era caracterizada pela absoluta isenção

no que tange à prática dos atos normais de gestão e a absoluta responsabilização (ilimitada) pela

prática de atos contrários às leis e ao contrato social.

Não mudou quase nada do regime jurídico anterior para o novo regime jurídico estabelecido

pelo novo Código Civil, mas devemos fazer, pelo menos, três considerações prévias, das quais nem

a doutrina e muito menos a jurisprudência nacional, até hoje, deu conta.

A primeira se refere à natureza jurídica da figura do administrador: ele é mandatário, ele é

representante, ou ele é presentante da sociedade, como quer Pontes de Miranda.

A segunda diz respeito ao alcance da denominada teoria do “ultra vires” (doutrine ultra vires

societatis), que no escólio de Carvalho de Mendonça era, assim, reproduzida:

O sócio gerente que emprega a firma social em transações estranhas ao objeto da

sociedade, declarado no respectivo contrato, não obriga a sociedade nem os outros

sócios, salvo se estes deram o seu consentimento.

Artigo 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio

de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da

parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efei-

tos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens par-

ticulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

E a terceira consideração diz respeito à possibilidade da aplicação da teoria do disregard of legal

entity, agora adotada para todo o nosso direito privado, em face do que determina o artigo 50 do

Código Civil:

Quanto ao primeiro aspecto a ser analisado na busca pelo esclarecimento da responsabilidade

dos administradores por atos de gestão, nos inclinamos a adotar a denominada Teoria da Separação,

que surgiu na Europa e já é adotada pelas legislações da Alemanha (BGB § 164 e seguintes), Portugal

de 1966 (artigo 258 e seguintes), Itália em 1942 (artigos 1.387 e seguintes), e pelo fato de ter o nosso

Código Civil disciplinado a representação em capítulo específico (artigos 115 a 120 do Código Civil).

Por essa teoria, o mandato e a representação são institutos diferentes, o que explicaria melhor

a distinção entre os institutos da gestão de negócio, a tutela e a manifestação da vontade da pessoa

jurídica.

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No nosso direito, a representação está moldada, nos artigos 115 a 120 do Código Civil, da

seguinte forma:

Artigo 115. Os poderes de representação conferem-se por lei ou pelo interessado.

Artigo 116. A manifestação de vontade pelo representante, nos limites de seus po-

deres, produz efeitos em relação ao representado.

Artigo 117. Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico

que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo

mesmo.

Parágrafo único. Para esse efeito, tem-se como celebrado pelo representante o ne-

gócio realizado por aquele em quem os poderes houverem sido substabelecidos.

Artigo 118. O representante é obrigado a provar às pessoas, com quem tratar em

nome do representado, a sua qualidade e a extensão de seus poderes, sob pena de,

não o fazendo, responder pelos atos que a estes excederem.

Artigo 119. É anulável o negócio concluído pelo representante em conflito de inte-

resses com o representado, se tal fato era ou devia ser do conhecimento de quem

com aquele tratou.

Parágrafo único. É de cento e oitenta dias, a contar da conclusão do negócio ou da

cessação da incapacidade, o prazo de decadência para pleitear-se a anulação pre-

vista neste artigo.

Artigo 120. Os requisitos e os efeitos da representação legal são os estabelecidos

nas normas respectivas; os da representação voluntária são os da Parte Especial

deste Código.

Quando a lei fala que a manifestação de vontade pelo representante só produz efeito para o

representado quando exercida dentro dos seus limites (artigo 116), e que o representante é obrigado

a provar para as pessoas a sua qualidade e a extensão de seus poderes (artigo 118), e que é anulável

o ato concluído em conflito de interesses com o representado (artigo 119), ou admitimos o retorno da

teoria do ultra vires, ou, como diz Pontes de Miranda somos obrigados a dizer que o administrador

não exerce a representação da sociedade, mas a sua presentação.

Isto faz com que, adotada a teoria da separação, reconheçamos o administrador da sociedade

como seu mandatário e a relação jurídica que se estabelece entre ele e a sociedade, no que tange ao

exercício dos atos de gestão, é a do mandato.

Fica cristalina essa relação entre mandante (a pessoa jurídica) e o mandatário (o administra-

dor) quando cuidamos da nomeação de administrador por ato separado como se vê das disposições

do caput do art. 1.060 e artigo 1.062 do Código Civil. A nomeação do administrador pelo contrato

social não poderia, por óbvio, ter outra natureza jurídica.

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O administrador é, portanto, em que pesem as opiniões contrárias, mandatário da sociedade,

e a relação jurídica que se estabelece entre ele e a sociedade é a de mandato.

A TEORIA DO “ULTRA VIRES”

O exame da aplicabilidade da teoria do ultra vires é a segunda dificuldade para a exata com-

preensão dos limites da responsabilidade do administrador, principalmente em face do que afirmam

os artigos 47 e 1.080 do Código Civil:

Art. 47. Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limi-

tes de seus poderes definidos no ato constitutivo.

e

Art. 1.080. As deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a

responsabilidade dos que expressamente as aprovaram.

Pela redação desses dispositivos legais, numa interpretação literal, podemos afirmar que o

direito brasileiro retrocedeu para privilegiar a denominada teoria ultra vires societatis que já havia

sido abandonada pela legislação, pela doutrina e principalmente pela nossa jurisprudência.

Nos estreitos limites deste trabalho, vamos lembrar que essa teoria nasceu no direito anglo-

saxão e que teve grande aplicação pelos tribunais norte-americanos do século XIX, prevalecendo a

ideia de que a sociedade não responde pelos atos cometidos por seus administradores, exercidos fora

dos limites impostos pelo contrato social e especialmente pela estrita execução do seu objeto social.

Os atos praticados pelos administradores que não decorressem da realização do objeto social

e que causassem prejuízos para terceiros só poderiam ser opostos contra o administrador que praticou

o ato, exonerando a sociedade de qualquer responsabilidade.

O abrandamento na aplicação dessa teoria fez, mais tarde, que os tribunais americanos pas-

sassem a reconhecer a responsabilidade das sociedades nos casos em que a atividade do administrador

fosse “razoavelmente relacionada com o objeto social”113

Aplicava-se, então, a denominada teoria da aparência, prevista no artigo 935 do Código Civil

revogado, mas cuja redação é a mesma do artigo 309 do atual Código Civil, e que determina:

Art. 309. O pagamento feito de boa-fé ao credor putativo é válido, ainda provado

depois que não era credor.

A doutrina114 e a jurisprudência115 abrandaram a aplicação da teoria ultra vires reconhecendo

a necessidade de se averiguar a existência de terceiros de boa-fé cujo prejuízo nasceu de um ato

113 Carvalho. Lucila de Oliveira, Os artigos 47 e 1.015 do novo código civil e a teoria ultra vires, in

www.adraf.com.br/pdf/0305-art-47-ncc.pdf 114 Barbi Filho, Celso, Apontamentos sobre a teoria ultra vires no direito societário brasileiro, Revista Forense,

São Paulo, v. 305, p. 22-28, 1990. 115 Direito Civil. Pagamento. Teoria da Aparência. Código Civil, art. 935. Não incidência no caso. Recurso

não conhecido.

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praticado pelo administrador da sociedade, com a aparência de ter sido legal e dentro dos limites do

mandato.

Como disse Celso Barbi, na obra citada: “a sociedade só não responderá quando puder provar

a má-fé de quem pretende responsabilizá-la”.

Entretanto, o novo Código Civil, através da redação dos citados artigos 47 e 1.080 trouxe de

volta, com todo o vigor a teoria ultra vires, e tal entendimento se reforça quando lemos o que dispõe

o artigo 1.015 do Código Civil:

Artigo 1.015. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os

atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração

ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir.

Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto

a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses:

I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da

sociedade;

II - provando-se que era conhecida do terceiro;

III - tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade.

Traduzindo a redação estranha do artigo 1.015 do Código Civil, podemos reconhecer que a

sociedade só não responderá solidariamente pelos atos de seus administradores perante terceiros

quando:

a) a limitação de poderes for de conhecimento público;

b) se conseguir provar que o terceiro prejudicado sabia da restrição; ou,

c) se a operação era estranha ao seu objeto social.

Interessante é o Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil da Comissão de Estudos

Jurídicos do Conselho da Justiça Federal:

Enunciado nº 219: - Está positivada a teoria “ultra vires” no Direito brasileiro, com

as seguintes ressalvas:

(a) o ato “ultra vires” não produz efeito apenas em relação à sociedade;

I - A incidência da Teoria da Aparência, em face da norma do art. 935 do Código Civil, calcada na proteção

ao terceiro de boa-fé, reclama do devedor prudência e diligência, assim como a ocorrência de um conjunto de

circunstâncias que tornem escusável o erro do devedor.

II - Se as notas fiscais, nas quais se arrimou o devedor para efetuar o pagamento, expressamente consignavam

que o negócio somente seria quitado pela empresa vendedora, lícito não era ao adquirente pagar a concessio-

nária, especialmente quando reconhecidamente insolvente.

STJ 4ªT. – Rel. Sálvio de Figueiredo Teixeira – REsp 2584/ES – j. 17/12/1991 - DJ 24/02/1992, p. 1871; RT,

n. 686, p. 190.

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(b) sem embargo, a sociedade poderá, por meio de seu órgão deliberativo, ratificá-

lo;

(c) o Código Civil amenizou o rigor da teoria “ultra vires”, admitindo os poderes

implícitos dos administradores para realizar negócios acessórios ou conexos ao ob-

jeto social, os quais não constituem operações evidentemente estranhas aos negó-

cios da sociedade;

(d) não se aplica o artigo 1.015 às sociedades por ações, em virtude da existência

de regra especial de responsabilidade dos administradores (artigo 158, II, Lei n.

6.404/76).

DA REMUNERACAO DO ADMINISTRADOR

“Ninguém trabalha de graça”. Esse mantra do capitalismo exige que nosso contrato social

preveja como deverá ser feito o pagamento pelo trabalho para os nossos administradores. Na cláusula

anterior nós decidimos como nossa sociedade deverá ser governada e agora chega o momento de

cuidarmos das formas de pagamento do trabalho dos sócios que irão gerir a sociedade.

Dispõe o inciso IV do artigo 1.071 do Código Civil, que compete à deliberação dos sócios,

em reunião ou assembleia, estabelecerem o modo de remuneração, quando não prevista no contrato

social.

Artigo 1.071. Dependem da deliberação dos sócios, além de outras matérias indi-

cadas na lei ou no contrato:

........................................................................

II - a designação dos administradores, quando feita em ato separado;

III - a destituição dos administradores;

IV - o modo de sua remuneração, quando não estabelecido no contrato;

A redação da cláusula que trata da remuneração dos administradores, no contrato social, é, usu-

almente, autorizativa de tal remuneração ser tratada nas regras fiscais como pro labore, estabelecida

pelos sócios em reunião posterior ao ato da criação da sociedade, porque essa remuneração depende

de regras de mercado. Ou seja, a questão da fixação do quantum depende da média salarial praticada

pelo mercado para aquela função, razão pela qual não é conveniente fixá-la no contrato social, dado

o caráter de permanência deste.

Toda alteração na remuneração, para adaptá-la as regras do mercado, exigiria uma alteração

contratual, o que não é desejável. As alterações contratuais, de modo geral, provocam a desconfiança

do público que se relaciona com a sociedade e do mercado em geral.

Havia um preconceito corrente de se limitar a remuneração dos administradores em sete vezes

o limite mínimo da tabela de incidência do imposto de renda de pessoa física porque o regulamento

da legislação sobre imposto de renda mandava oferecer à tributação o valor excedente. Ou, em outras

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palavras, a remuneração dos administradores pagas até o limite previsto nesse regulamento era con-

siderada despesa e podia ser deduzida da base de cálculo do imposto. O valor que ultrapassasse esse

limite deveria ser adicionado à base de cálculo do imposto.

Isto ainda prevalece, principalmente porque o Fisco entende que o exagero na remuneração dos

administradores poderá ser considerado como distribuição disfarçada de lucros, o que é considerado

crime tributário.

Hoje, com a melhor definição das bases de cálculo do imposto de renda para as pessoas jurídi-

cas, diminuiu muito o universo das sociedades tributadas com base no lucro real, onde ocorria essa

limitação, ampliando-se o universo das sociedades tributadas com base no lucro presumido, na qual

a remuneração do administrador não tem nenhuma importância para a incidência do tributo.

Podemos afirmar, então, que a remuneração dos administradores obedece às regras do mercado

que estabelece os limites - de acordo com a lei da oferta e da procura – desses pagamentos.

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CAPÍTULO VI

A DELIBERAÇÃO DOS SÓCIOS

É novidade para as sociedades limitadas a exigência de reunião ou de assembleia de sócios para

a deliberação acerca de certas matérias. Quando da regência do Decreto n˚. 3.708, de 1919, nada

havia acerca da necessidade de reunião ou assembleia de sócios ou de administradores e nem havia

nenhum cerceamento na competência dos administradores para decidirem sobre os interesses da so-

ciedade na realização de seu objeto social. O artigo 18 da legislação revogada previa, apenas, a re-

gência supletiva das regras das sociedades anônimas, nos casos de omissão contratual:

Art. 18. Serão observadas quanto às sociedades por quotas, de responsabilidade li-

mitada, no que não for regulado no estatuto social, e na parte aplicável, as disposi-

ções da lei das sociedades anônimas.

A maior novidade na nova legislação diz respeito à imposição de limites à competência dos ad-

ministradores, quando se estabeleceu que:

Artigo 999. As modificações do contrato social, que tenham por objeto matéria in-

dicada no artigo 997, dependem do consentimento de todos os sócios; as demais

podem ser decididas por maioria absoluta de votos, se o contrato não determinar a

necessidade de deliberação unânime.116

Parágrafo único. Qualquer modificação do contrato social será averbada, cum-

prindo-se as formalidades previstas no artigo antecedente. 117

As modificações do contrato social sempre dependeram do consentimento da maioria dos sócios

porque, muito embora a legislação de regência (o Decreto n˚. 3.708/19) não tivesse cuidado dessa

matéria, a legislação que regulava a necessidade de arquivamento dos atos constitutivos e suas modi-

ficações no registro do comércio, exigiam a assinatura da maioria societária nas modificações do

contrato social, como condição de sua legalidade e regularidade.

É assim a redação do artigo 35 da Lei Federal n˚. 8.934/94 que cuida do registro do comércio:

Artigo 35. Não podem ser arquivados:

....................................................................................................

116 Enunciado aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF

Enunciado nº 216: - O quórum de deliberação previsto no artigo 1.004, parágrafo único, e no artigo 1.030 é de

maioria absoluta do capital representado pelas quotas dos demais sócios, consoante a regra geral fixada no

artigo 999 para as deliberações na sociedade simples. Esse entendimento aplica-se ao artigo 1.058 em caso de

exclusão de sócio remisso ou redução do valor de sua quota ao montante já integralizado. 117 Enunciado aprovado na IV Jornada de Direito Civil

Enunciado CJF nº 383: A falta de registro do contrato social (irregularidade originária - artigo 998) ou de

alteração contratual versando sobre matéria referida no artigo 997 (irregularidade superveniente - artigo 999,

parágrafo único) conduzem à aplicação das regras da sociedade em comum (artigo 986).

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VI - a alteração contratual, por deliberação majoritária do capital social, quando

houver cláusula restritiva;

A novidade da lei é a exigência de deliberação unânime para a decisão válida de modificação das

matérias indicadas no artigo 997 do Código Civil:

I - nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas

naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas;

II - denominação, objeto, sede e prazo da sociedade;

III - capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qual-

quer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária;

IV - a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la;

VI - as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes

e atribuições;

VII - a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas;

VIII - se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais.

Além dessas matérias, cuja modificação a lei passou a exigir deliberação unânime dos sócios, o

artigo 1.071 do mesmo Código Civil criou a obrigação de decisão colegiada para outras matérias ali

relacionadas:

Artigo 1.071. Dependem da deliberação dos sócios, além de outras matérias indi-

cadas na lei ou no contrato:

I - a aprovação das contas da administração;

II - a designação dos administradores, quando feita em ato separado;

III - a destituição dos administradores;

IV - o modo de sua remuneração, quando não estabelecido no contrato;

V - a modificação do contrato social;

VI - a incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade, ou a cessação do estado

de liquidação;118

VII - a nomeação e destituição dos liquidantes e o julgamento das suas contas;

VIII - o pedido de concordata.119

118 também a cisão, conforme o Enunciado n˚. 227 da CEJ. “O quórum mínimo para a deliberação da cisão da

sociedade limitada é de três quartos do capital social.” 119 Leia-se “recuperação judicial ou extrajudicial”, de conformidade com a alteração produzida na Lei de Fa-

lências pela Lei Federal n 11.101, de 9/02/2005, que revogou o instituto da concordata. O instituto da concor-

data foi extinto pela nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas (Lei Federal n˚. 11.101, de 9/02/2005),

e por analogia podemos afirmar que, agora, o inciso VIII do artigo 1.071 se refere ao pedido de recuperação

judicial ou extrajudicial.

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Na verdade, como se vê da redação dos artigos 997 e 1.071, as decisões que implicam em

alterações do contrato social, e antigamente podiam ser apresentadas para arquivamento com o voto

da maioria, passaram a exigir decisão unânime. Ao sócio dissidente, como veremos adiante, cabe o

direito de recesso.

Outras matérias, tais como: aprovação das contas da administração, designação de adminis-

trador em ato separado, a destituição do administrador eleito em ato separado, o modo de remuneração

dos administradores, que não exigem a modificação do contrato social e por consequência o quórum

qualificado para o arquivamento do contrato alterado, passaram a ser objeto de decisão colegiada

como pressuposto de sua validade.

AS FORMALIDADES PARA A REALIZAÇÃO DE ASSEMBLEIA

Essas formalidades começam com a necessidade de publicação de edital de convocação de

assembleia, por três vezes ao menos, devendo mediar entre a publicação do primeiro anúncio e a

realização da assembleia um mínimo de 8 (oito) dias para a primeira convocação e de cinco dias para

as posteriores. (§ 3˚. do artigo 1.152). A publicação do aviso de convocação é dispensada se todos os

quotistas comparecerem à reunião ou à assembleia. (§2˚. do artigo 1.072).

A convocação poderá ser feita pelos administradores, e se estes retardarem a convocação por

mais de 60 (sessenta) dias, por qualquer sócio. Os sócios, titulares de mais de 1/5 (um quinto) do

capital social poderão pedir a convocação de assembleia aos administradores, com pedido de convo-

cação fundamentada e indicação das matérias a serem tratadas, e se não forem atendidos no prazo de

8 (oito) dias, ganham o direito de efetuar a convocação.

Também o Conselho Fiscal poderá efetuar a convocação se o administrador retardar por mais

de 30 (trinta) dias a convocação da assembleia anual ou quando houver motivos graves e urgentes

(inciso V do artigo 1.069).

Para a realização da assembleia, regularmente convocada, exige-se um quórum de instalação

de, no mínimo ¾ do capital social para a sua instalação em primeira convocação, podendo ser reali-

zada com qualquer número em segunda convocação (artigo 1.074, “caput”). Temos, então, um quó-

rum de instalação (mínimo necessário para a realização da assembleia) e um quórum de deliberação

(mínimo necessário para a aprovação das decisões).

Nas assembleias e nas reuniões os sócios poderão ser representados por outro sócio, ou por

advogado, mediante outorga de mandato, que deverá ser levado a registro junto com a ata (§ 1˚. do

artigo 1.074), estando, todavia, impedido de votar matérias de seu interesse (§2˚. do artigo 1.074).

Tal qual nas sociedades anônimas, existem dois tipos de assembleias: a assembleia anual, para

a deliberação sobre as contas dos administradores e sobre as propostas contidas nas demonstrações

contábeis (lucros, reservas e dividendos), e para a nomeação de administradores (incisos I, a III do

artigo 1.078), a qual podemos denominar, embora a lei não o faça, de Assembleia Geral Ordinária -

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AGO, e que deve ser realizada nos quatro meses, ou cento e vinte dias, do encerramento do exercício

social (artigo 1.078 “caput”), e, podemos chamar as demais assembleias realizadas por outros obje-

tivos de Assembleia Geral Extraordinária – AGE.

É importante se observar que tanto a reunião como a assembleia se tornam dispensáveis

quando a resolução vier a ser assinada por todos os quotistas. (§3˚ do artigo 1.072).

Outra exceção à regra geral é a prevista no § 4˚ do artigo 1.072 que permite o requerimento

de recuperação judicial ou extrajudicial120 pelos administradores, se houver urgência e com autoriza-

ção dos titulares de mais da metade do capital social.

AS MATÉRIAS SUJEITAS Á REUNIÃO OU ASSEMBLEIA

A inovação do Código Civil foi a de estabelecer a necessidade da reunião ou de assembleia

de quotistas para a deliberação sobre determinadas matérias, que foram relacionadas nos incisos I a

VIII do artigo 1.071 do Código Civil.

Esse rol de matérias de decisão privativa da reunião de sócios é exemplificativa, pois como o

próprio artigo 1.071 prevê, existem outras matérias que poderão ser indicadas em lei ou no próprio

contrato social.

A reunião, como vimos, é a forma estabelecida para a deliberação dos sócios naquelas socie-

dades limitadas onde houver menos de dez sócios. Se a sociedade tiver mais de dez quotistas, as

deliberações deverão ser feitas em assembleia.

O que distingue uma assembleia da outra, além do número de sócios quotistas, são as forma-

lidades necessárias para a sua realização, porque enquanto as normas para a realização das assem-

bleias são estabelecidas em lei, as regras sobre as reuniões podem ser estabelecidas no contrato social

e só se submeterão às normas legais nos casos omissos no contrato social (artigo 1.079).

Uma das deliberações, por exemplo, que é usualmente retirada da decisão unipessoal do ad-

ministrador ou dos administradores colegiados, é a alienação do patrimônio da sociedade, ou, ainda,

o estabelecimento de limites financeiros para a celebração de contratos. O administrador deve, antes,

obter autorização dos demais sócios para alienar imóveis ou mesmo móveis de grande valor e para

celebrar contratos que envolvam valores acima de um determinado limite.

Isto quer dizer, sem dúvida, que a decisão sobre as matérias elencadas nos incisos do artigo

1.071, bem como aquelas que o contrato social prever, não são de competência dos administradores.

Não fazem parte dos atos de gestão, e se os administradores decidirem sobre elas, a decisão será nula

120 Na redação original estava previsto o pedido de concordata preventiva, que foi substituída na Nova de Lei

de Falências pela recuperação judicial ou extrajudicial (artigos 47 a 74 da Lei Federal n˚. 11.101/2005, recu-

peração judicial, e 161 a 167 – recuperação extrajudicial).

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de pleno direito, porque o administrador não tem capacidade para tanto e nem a matéria poderá ser

objeto de sua deliberação.

Pretendeu o legislador, em verdade, proteger o quotista minoritário dos possíveis desmandos

do quotista controlador ou dos administradores, criando a necessidade de quórum específico para a

aprovação de determinadas matérias.

Cumpre fazer, aqui, uma ressalva quanto às sociedades limitadas de poucos sócios, na qual

todos exercem parcela da administração. São as denominadas sociedades de pessoas, como dizia Pon-

tes de Miranda, onde a qualidade pessoal dos sócios dá vida à sociedade. A própria sociedade nasce

por conta das habilidades pessoais dos sócios. Nessas sociedades, evidentemente, não se aplica o

disposto no artigo 1.071, porque seria totalmente absurdo exigir, numa sociedade limitada de duas

pessoas, exercentes, em conjunto, da administração, a realização de reunião para a decisão sobre a

aprovação das contas. A aplicação da lei, pelo intérprete, seja juiz, seja advogado, não pode prescindir

da realidade fática. Nesses casos, nas chamadas “sociedades menores”121, a reunião dos sócios, exi-

gida pela lei, poderá ser substituída pela lavratura de ata, com a assinatura dos sócios.

Para as sociedades limitadas com maior número de sócios, e com a existência de sócios admi-

nistradores e sócios não administradores, é que se aplicam, com rigor, as regras do artigo 1.071 do

Código Civil, pois, se constata elas terem sido feitas, exatamente, para proteger o sócio não adminis-

trador da possibilidade de desmandos da classe administradora. Nessas, verdadeiramente, são neces-

sários os votos de, no mínimo ¾ (três quartos) do capital social para a aprovação da modificação do

contrato social e para decidir sobre incorporação, fusão ou dissolução da sociedade, ou da cessação

do estado de liquidação (inciso I do artigo 1.076 do Código Civil).

Essa deliberação dos sócios deverá ser feita em reunião, lavrando-se a respectiva ata que deverá

ser levada a arquivamento no registro do comércio, mas, quando o número de sócios ultrapassar de

dez, o Código Civil passou a exigir a realização de assembleia geral para a validade das deliberações.

Artigo 1.072. As deliberações dos sócios, obedecido o disposto no artigo 1.010,

serão tomadas em reunião ou em assembleia, conforme previsto no contrato social,

devendo ser convocadas pelos administradores nos casos previstos em lei ou no

contrato.

§ 1º. A deliberação em assembleia será obrigatória se o número dos sócios for su-

perior a dez.

121 Coelho, Fabio Ulhôa, Curso de direito comercial, vol. 2, 18a. edição, São Paulo, Editora Saraiva, 2014, p.

509/514.

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74

ASSEMBLEIA OU REUNIÃO ANUAL OBRIGATÓRIA

O artigo 1.078 do Código Civil estabelece, ainda, a obrigatoriedade da realização de uma assem-

bleia geral anual para tomar as contas dos administradores e deliberar sobre as demonstrações contá-

beis e, ainda, eleger ou destituir administradores. Por causa disso, denominamos essa assembleia

anual de assembleia geral ordinária para contraporem-se as assembleias ou reuniões que forem con-

vocadas para a decisão de outros assuntos ou assuntos urgentes que não possam aguardar a realização

da assembleia anual. Essas são denominadas de assembleia geral extraordinária.

Artigo 1.078. A assembleia dos sócios deve realizar-se ao menos uma vez por ano,

nos quatro meses seguintes à ao término do exercício social, com o objetivo de:

I - tomar as contas dos administradores e deliberar sobre o balanço patrimonial e o

de resultado econômico;

II - designar administradores, quando for o caso;

III - tratar de qualquer outro assunto constante da ordem do dia.

§ 1º. Até trinta dias antes da data marcada para a assembleia, os documentos refe-

ridos no inciso I deste artigo devem ser postos, por escrito, e com a prova do res-

pectivo recebimento, à disposição dos sócios que não exerçam a administração.

§ 2º. Instalada a assembleia, proceder-se-á à leitura dos documentos referidos no

parágrafo antecedente, os quais serão submetidos, pelo presidente, a discussão e

votação, nesta não podendo tomar parte os membros da administração e, se houver,

os do conselho fiscal.

§ 3º. A aprovação, sem reserva, do balanço patrimonial e do de resultado econô-

mico, salvo erro, dolo ou simulação, exonera de responsabilidade os membros da

administração e, se houver, os do conselho fiscal.

CONVOCAÇÃO DA ASSEMBLEIA

Para a convocação da assembleia geral ordinária a competência é dos administradores e se

esses retardarem, por mais trinta dias, pelo Conselho Fiscal, se houver ou se retardarem por mais de

sessenta dias, essa competência passa a ser exercida por qualquer sócio.

Para a convocação de assembleia geral extraordinária a competência também é dos adminis-

tradores e em caso de não atendimento do pedido de convocação quando provocados, a competência

de convocação passa a ser dos sócios minoritários (um quinto dos sócios) ou pelo Conselho Fiscal,

se houver.

Artigo 1.073. A reunião ou a assembleia podem também ser convocadas:

I - por sócio, quando os administradores retardarem a convocação, por mais de ses-

senta dias, nos casos previstos em lei ou no contrato, ou por titulares de mais de um

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quinto do capital, quando não atendido, no prazo de oito dias, pedido de convocação

fundamentado, com indicação das matérias a serem tratadas;

II - pelo conselho fiscal, se houver, nos casos a que se refere o inciso V do artigo

1.069.122

DO QUÓRUM DE INSTALAÇÃO

Para a realização tanto da reunião como da assembleia há, evidentemente, necessidade de con-

vocação dos sócios, designação de local, data e hora para a sua realização, observação de quórum de

instalação, quórum de deliberação, etc., dispensadas as formalidades se e quando, como determina o

citado artigo 1.071 em seus parágrafos 2˚. e 3˚.:

§ 2º. Dispensam-se as formalidades de convocação previstas no § 3º do artigo 1.152,

quando todos os sócios comparecerem ou se declararem, por escrito, cientes do lo-

cal, data, hora e ordem do dia.

§ 3º. A reunião ou a assembleia tornam-se dispensáveis quando todos os sócios

decidirem, por escrito, sobre a matéria que seria objeto delas.

Convocada a assembleia ordinária ou extraordinária, a sua instalação válida depende do denomi-

nado quórum de instalação que vem determinado pelo artigo 1.074:

Artigo 1.074. A assembleia dos sócios instala-se com a presença, em primeira con-

vocação, de titulares de no mínimo três quartos do capital social, e, em segunda,

com qualquer número.123

Os parágrafos 1˚ e 2˚ desse artigo cuidam da representação do sócio nas assembleias ou reuniões

e do impedimento para declarar seu voto nas matérias que tenha interesse.

§ 1º. O sócio pode ser representado na assembleia por outro sócio, ou por advogado,

mediante outorga de mandato com especificação dos atos autorizados, devendo o

instrumento ser levado a registro, juntamente com a ata.

§ 2º. Nenhum sócio, por si ou na condição de mandatário, pode votar matéria que

lhe diga respeito diretamente.

122 Art. 1069. Além de outras atribuições determinadas na lei ou no contrato social, aos membros do conselho

fiscal incumbem, individual ou conjuntamente, os deveres seguintes:

............................................................

V - convocar a assembleia dos sócios se a diretoria retardar por mais de trinta dias a sua convocação anual, ou

sempre que ocorram motivos graves e urgentes; 123 =: Enunciado Aprovado na III Jornada de Direito Civil do - CEJ da CJF

Enunciado nº 226: - A exigência da presença de três quartos do capital social, como quórum mínimo de insta-

lação em primeira convocação, pode ser alterada pelo contrato de sociedade limitada com até dez sócios,

quando as deliberações sociais obedecerem à forma de reunião, sem prejuízo da observância das regras do

artigo 1.076 referentes ao quórum de deliberação.

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REGRAS DE FUNCIONAMENTO DA ASSEMBLEIA

Instalada a assembleia o artigo 1.075 cuida do seu funcionamento. Ela deve ter alguém que

dirija os trabalhos e alguém que cuide de anotar os acontecimentos e destes lavrar uma ata que pos-

teriormente será levada a registro na Junta Comercial do Estado.

Artigo 1.075. A assembleia será presidida e secretariada por sócios escolhidos entre

os presentes.

§ 1º. Dos trabalhos e deliberações será lavrada, no livro de atas da assembleia, ata

assinada pelos membros da mesa e por sócios participantes da reunião, quantos bas-

tem à validade das deliberações, mas sem prejuízo dos que queiram assiná-la.

§ 2º. Cópia da ata autenticada pelos administradores, ou pela mesa, será, nos vinte

dias subsequentes à reunião, apresentada ao Registro Público de Empresas Mercan-

tis para arquivamento e averbação.

§ 3º. Ao sócio, que a solicitar, será entregue cópia autenticada da ata.

A assembleia ou a reunião será presidida e secretariada por sócios escolhidos entre os presen-

tes, e dos trabalhos e deliberações será lavrada ata, que deverá ser assinada pelos membros da mesa

e por todos os sócios presentes ( artigo 1.075), ou por sócios que bastem para a validade das delibe-

rações, sem prejuízo dos que queiram assiná-la. A cópia da ata será levada, para arquivamento e

averbação, na Junta Comercial do respectivo estado da federação, que representa o Registro Público

de Empresas Mercantis, e também deverá ser fornecida para os sócios que a solicitarem (§§ 2˚ e 3˚

do artigo 1.075).

A deliberação sobre as contas dos administradores (balanço patrimonial e demonstrativo do re-

sultado econômico) deverá ser precedida de até 30 (trinta) dias da realização da Assembleia Geral

Ordinária, da colocação das mesmas, por escrito e com prova de recebimento, à disposição dos sócios

que não exerçam a administração (§ 1˚ do artigo 1.078).

Instalada a AGO, esses documentos deverão ser lidos e posteriormente submetidos à votação do

plenário, estando impedidos de votar os administradores e os membros do conselho fiscal, se houver

(§ 2˚ do artigo 1.078).

A aprovação, sem reservas, das demonstrações contábeis, salvo erro, dolo ou simulação, exonera

de responsabilidade os membros da administração e do conselho fiscal (§ 3˚ do artigo 1.078).

Os quotistas que dissentirem da aprovação das demonstrações contábeis poderão pedir judicial-

mente a anulação da assembleia ou da reunião dentro do prazo de 2 (dois) anos, contados a partir da

realização da assembleia ou reunião.

QUÓRUM DE DELIBERAÇÃO

Para a validade das deliberações devemos atentar para o cumprimento dos quóruns de deliberação

estabelecidos pelo artigo 1.076:

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Artigo 1.076. Ressalvado o disposto no artigo 1.061 e no § 1º do artigo 1.063 (exi-

gência de unanimidade), as deliberações dos sócios serão tomadas:

I - pelos votos correspondentes, no mínimo, a três quartos do capital social, nos

casos previstos nos incisos V e VI do artigo 1.071 (modificação do contrato social,

incorporação, fusão e dissolução da sociedade ou cessação do estado de liquidação);

II - pelos votos correspondentes a mais de metade do capital social, nos casos pre-

vistos nos incisos II, III, IV e VIII do artigo 1.071 (designação dos administradores

quando feita em ato separado, destituição dos administradores, remuneração dos

administradores, pedido de recuperação judicial ou extrajudicial);

III - pela maioria de votos dos presentes, nos demais casos previstos na lei ou no

contrato, se este não exigir maioria mais elevada (aprovação das contas dos admi-

nistradores).

Entretanto, em se tratando de sociedades limitadas mais complexas, com um número maior de

sócios, convém redigir com cuidado as regras de convocação, instalação, votação das matérias, re-

presentação dos sócios, organização da assembleia, etc., de tal forma que todas as hipóteses estejam

contempladas no contrato social.

São necessários os votos de mais da metade do capital social para a deliberação sobre designação

ou destituição de administradores e de sua remuneração, e ainda para o pedido de recuperação judicial

ou extrajudicial (inciso II do artigo 1.076 do Código Civil).

A aprovação das contas da administração, e de quaisquer outras matérias inseridas no contrato

social, pode ser feita por maioria simples, se o contrato não contiver a previsão de outro quórum mais

qualificado (CC. inciso III do artigo 1.076).

A deliberação sobre mudança e alteração do contrato social, a decisão sobre incorporação de

outra sociedade ou da sociedade por outro, e a deliberação sobre a fusão ou cisão da sociedade, dão

o direito de recesso ao quotista dissidente, nos trinta dias subsequentes à reunião ou à assembleia, de

conformidade com o disposto no artigo 1.077 do Código Civil.

Art. 1.077. Quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorpo-

ração de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de retirar-se da

sociedade, nos trinta dias subsequentes à reunião, aplicando-se no silêncio do con-

trato social antes vigente, o disposto no art. 1031.124

O direito de recesso do quotista dissidente deverá ser manifestado no prazo de 30 (trinta) dias a

contar da realização da reunião, sob pena de decadência. Se manifestada no prazo a dissidência, o

124 Art. 1031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, conside-

rada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base

na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.

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quotista tem o direito de receber o valor patrimonial de suas quotas (se outra forma não for estabele-

cida no contrato social), nos prazos e condições estabelecidas no contrato social para o exercício do

direito de retirada.

Em função do princípio da preservação da sociedade e da função social da empresa, e se o exer-

cício do direito de recesso causar prejuízos irrecuperáveis para a sociedade, devemos aplicar supleti-

vamente o disposto no artigo 1.053 do Código Civil (regência supletiva da lei das sociedades anôni-

mas) para permitir a reconsideração da decisão, o que está previsto no § 3˚ do artigo 137 da LSA.125

O direito de recesso do quotista previsto no art. 1.077 do Código Civil se aplica nas sociedades

limitadas que optaram pela lei das sociedades anônimas como supletiva nos casos de lacuna de seu

contrato social, porque nas sociedades limitadas que não optaram pela regência supletiva da lei acio-

nária prevalece a regra do art.1.029, que, como veremos adiante, permite que o sócio se retire da

sociedade por decisão unilateral.(decisão “ad nutum”).

Art. 137. A aprovação das matérias previstas nos incisos I a VI e IX do art. 136 dá

ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia, mediante reembolso do

valor das suas ações (art. 45), observadas as seguintes normas:

.................................................................................................................

§ 3º Nos 10 (dez) dias subsequentes ao término do prazo de que tratam os incisos

IV e V do caput deste artigo, conforme o caso, contado da publicação da ata da

assembleia-geral ou da assembleia especial que ratificar a deliberação, é facultado

aos órgãos da administração convocar a assembleia-geral para ratificar ou reconsi-

derar a deliberação, se entenderem que o pagamento do preço do reembolso das

ações aos acionistas dissidentes que exerceram o direito de retirada porá em risco a

estabilidade financeira da empresa.

DAS PUBLICAÇÕES

O Código Civil não exige a publicação das demonstrações contábeis das sociedades limitadas

porque o § 1˚ do artigo 1.078 determina que elas sejam colocadas à disposição dos quotistas que não

exercem a administração, com recibo de recebimento, em até 30 (trinta) dias da realização da assem-

bleia geral.

Contudo, a Lei Federal n˚. 11.638, de dezembro de 2007, ao introduzir no direito brasileiro,

novas regras de escrituração, determinou que as sociedades limitadas que tiverem, no exercício social

125 Enunciado n˚. 392 do CEJ: Nas hipóteses do artigo 1.077 do Código Civil, cabe aos sócios delimitarem seus

contornos para compatibilizá-los com os princípios da preservação e da função social da empresa,, aplicando-

se supletivamente (artigo 1.053, parágrafo único) ou analogicamente( artigo 4˚. da LICC), o artigo 137, § 3˚.

da Lei das Sociedades por Ações, para permitir a reconsideração da deliberação que autorizou a retirada do

sócio dissidente.

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anterior, ativo total superior a R$ 240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de reais) ou receita

bruta anual superior a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais) são obrigadas à publicação das

suas demonstrações contábeis e que essas demonstrações contábeis devem seguir os modelos previs-

tos nessa lei e aplicáveis às sociedades por ações126.

126 Artigo 3º Aplica-se às sociedades de grande porte, ainda que não constituídas sob a forma de sociedades

por ações, as disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, sobre escrituração e elaboração de

demonstrações financeiras e a obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado na Comissão

de Valores Mobiliários.

Parágrafo único. Considera-se de grande porte, para os fins exclusivos desta Lei, a sociedade ou conjunto de

sociedades sob controle comum que tiver, no exercício social anterior, ativo total superior a R$ 240.000.000,00

(duzentos e quarenta milhões de reais) ou receita bruta anual superior a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões

de reais).

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CAPÍTULO VII

DA DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE

O vínculo societário derivado da “affectio societatis” inicial entre pessoas bem-intencionadas e

desejosas de exercerem atividade empresarial, como todas as coisas no mundo, tendem à extinção. A

sociedade limitada, por sua vez, não foge à regra e a sua dissolução pode ocorrer de forma parcial ou

de forma total. Será parcial quando tivermos a saída de um dos sócios, sem prejuízo da permanência

da pessoa jurídica que ajudou a criar; e será total quando houver a extinção da pessoa jurídica criada

pelos sócios.

UMA QUESTÃO SEMÂNTICA

Existem duas questões semânticas ligadas ao tema, que cumpre, preliminarmente, esclarecer.

Uma delas é a confusão que se faz entre o ato que decide a extinção da sociedade e o próprio processo

que termina com a extinção da pessoa jurídica. A segunda é com referência a dissolução parcial de

sociedade, que melhor seria se fosse denominada de resolução da sociedade em relação a um sócio e

não de dissolução parcial.

No primeiro caso, chamamos de “dissolução da sociedade” o ato que dá início ao procedi-

mento, e que pode ser a ocorrência de um fato externo à sociedade e à comunhão dos sócios, tal qual

o vencimento do prazo na sociedade de prazo determinado, ou a extinção de autorização, no caso de

sociedades autorizadas, como pode ser a decisão unânime dos sócios, uma decisão judicial ou sim-

plesmente a manifestação do desejo de retirada de um dos sócios. Chamamos também de “dissolução

da sociedade” o próprio procedimento que se inicia com o ato decisório de extinção do vínculo soci-

etário e prossegue com a liquidação (realização do ativo e pagamento do passivo) e desagua no ato

final de extinção pelo arquivamento de um instrumento de alteração contratual, de uma sentença tran-

sitada em julgado, ou mesmo de um instrumento de ato administrativo na Junta Comercial. O proce-

dimento de dissolução de sociedade começa com um ato decisório, que por sua vez, dá início ao

procedimento de liquidação, e que vai terminar com o arquivamento dos documentos relativos e a

final publicação.

Aqui trataremos do procedimento inteiro e não apenas o ato decisório. Isto não significa que

o ato decisório não seja importante ou não seja tratado neste trabalho. É de sua validade que se inicia

o procedimento.

A DISSOLUÇÃO TOTAL

A dissolução total, que acarreta o desaparecimento da pessoa jurídica se dá quando:

a) se vencer o prazo de duração, nas sociedades contratadas por prazo determinado, não delibe-

rada a continuidade (CC. art. 1.033, I);

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b) por decisão unânime dos sócios (idem, II);

c) por deliberação da maioria em sociedade por prazo indeterminado (idem III);

d) falta de pluralidade de sócios, após 180 dias (idem IV);

e) extinção da autorização de funcionamento (idem V);

f) por decisão judicial, em caso de anulação da constituição (CC. art. 1.034, I);

g) por decisão judicial, em caso de exaurimento do objeto social ou verificada a sua inexequibi-

lidade (CC. art. 1.034, II);

h) pela ocorrência de previsão contratual nesse sentido (CC. art. 1.035);

i) em caso de fusão, incorporação ou cisão total.

A DISSOLUÇÃO PARCIAL

A dissolução parcial, ou melhor dizendo, resolução do contrato de sociedade por manifestação

unilateral de vontade, é, aquela que mantém viva a pessoa jurídica, com um número menor de sócios,

pode se dar por:

a) falecimento de sócio (CC. art. 1.028);

b) exercício do direito de retirada pelo sócio (resolução do contrato social) (CC. art. 1.029);

c) incapacidade superveniente de sócios (CC. art. 1.030);

d) liquidação de quotas em processo de execução contra sócio (CC. art. 1.026);

e) exclusão de sócio minoritário por decisão da maioria (CC. arts. 1.030 e 1.085).

MODOS DE SE FAZER A DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE

Para facilitar a compreensão das hipóteses de dissolução vamos adotar um critério prático, ou

seja: o critério do modo pelo qual se dá a dissolução. Usando este critério, identificamos a dissolução

de pleno direito, a dissolução por decisão extrajudicial e a dissolução por decisão judicial.

A DISSOLUÇÃO DE PLENO DIREITO

A dissolução que denominamos de “pleno direito” ocorre quando a sociedade se encontra em

uma situação previamente desenhada na ordem jurídica para tanto. No esquema kelseniano127: o fato

realiza a hipótese normativa.

1. O VENCIMENTO DO PRAZO DE DURAÇÃO:

As sociedades são criadas, quanto à sua existência, para durarem por um prazo determinado

ou por prazo indeterminado. A maioria delas é criada por prazo indeterminado porque traduz o inte-

127 Kelsen, Hans, A teoria Pura do Direito.

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resse dos sócios de se dedicarem com ânimo à atividade empresarial escolhida com interesse profis-

sional . Somente as denominadas “sociedades de propósito específico”128ou as que dependem de au-

torização de funcionamento são criadas por prazo determinado. São criadas para a realização de uma

e só atividade cujo resultado esgota o interesse empresarial. Esse prazo pode ser uma data ou um fato.

No seu contrato social já fica estabelecido o seu final e as providências que deverão ser tomadas para

a sua liquidação e extinção.

2. FALTA DE PLURALIDADE DE SÓCIOS:

Antes da criação do empresário individual de responsabilidade limitada (EIRELI) que se deu

com a inclusão do art. 980-A no Código Civil pela Lei Federal nº. 12.441, de 2011, o direito brasileiro

não admitia a existência de sociedade unipessoal, como já existente no direito continental europeu

por força do disposto na 12ª Diretiva 89/667 da Comunidade Europeia acompanhada pela resolução

da Organização para Harmonização na África do Direito dos Negócios (OHADA).

O direito brasileiro só admite a subsidiária integral (art. 251 da LSA) como sociedade unipes-

soal. Existem duas exceções legais que preveem sociedades unipessoais temporárias: o art. 206, I, “a”

da LSA e o art. 1.033 § único do Código Civil, que permitem a existência de sociedade anônima de

um acionista só pelo prazo de um ano, e de sociedade limitada pelo prazo de 180 dias, quando a

pluralidade de sócios deve ser reconstituída.

Antes da entrada em vigor do novo Código Civil em janeiro de 2003, entendia-se que para as

sociedades limitadas que escolhessem a legislação da sociedade anônimas como supletiva das omis-

sões contratuais o prazo de recomposição era o mesmo: um ano. Com a edição do Código Civil, o art.

1.033 estabeleceu que a recomposição da pluralidade de sócios deveria se dar em 180 dias, reduzindo

o prazo de existência da sociedade unipessoal temporária. Há um consenso na doutrina de que a lei

nova não retroage para atingir o ato jurídico perfeito e que, portanto, as sociedades limitadas criadas

antes de 1º de janeiro de 2003 e que tivessem disposição contratual de aplicação subsidiária da lei das

sociedades anônimas, o prazo de recomposição continua sendo o de um ano, porque na lei anterior

não havia disposição similar.

A maior divergência ocorre, todavia, na natureza jurídica da EIRELI, no esteio do que decidiu

o Enunciado nº. 3 da I Jornada de Direito Comercial, que diz:

“A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI – não é sociedade

unipessoal, mas um novo ente, distinto da pessoa do empresário e da sociedade

empresária.”

128 “SPC - Special Purpose Company”

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De qualquer forma, embora muito interessante essa discussão, o que importa, no momento, é

a constatação de que a sociedade limitada se dissolve de pleno direito se esgotado o prazo para re-

composição societária. De seis meses para as sociedades limitadas cujo contrato social não optou pela

regência supletiva da LSA e de um ano para aquelas que escolheram a LSA como lei de regência

supletiva em caso de omissão contratual. Normalmente, independentemente da escolha da norma su-

pletiva para a lacuna contratual, na elaboração do contrato social os fundadores se preocupam, não

só com a possibilidade de extinção, mas com o processo posterior de apuração de haveres.

3. EXTINÇÃO DA AUTORIZAÇÃO DE FUNCIONAMENTO

Aquelas sociedades empresariais que para a sua constituição dependem de autorização do Po-

der Público (vg. sociedades estrangeiras, concessionárias, permissionárias, etc.) estão sujeitas à cas-

sação da autorização de funcionamento por ato administrativo discricionário da administração pú-

blica. Nesse caso, a sociedade atingida poderá ser liquidada ou ter o seu contrato social alterado para

o exercício de atividade empresarial diversa daquela sujeita à autorização. Isto, por óbvio, não se

aplica às sociedades estrangeiras que apenas deixarão de funcionar no país, retornando ao seu país de

origem, sem nenhuma outra consequência para a sua personalidade jurídica.

A DISSOLUÇÃO EXTRAJUDICIAL

Os sócios, podem, a qualquer tempo, decidirem resolver a sociedade por simples alteração do

contrato social. As hipóteses aqui tratadas, muito embora possam ser objeto de acordo amigável e

sacramentada através de simples alteração contratual, pode, também, ser objeto de disputa que resul-

tará em processo judicial. É o caso, por exemplo, de falecimento de um sócio e briga com os herdeiros,

ou ainda, no exercício do direito de recesso por parte de minoritário e falta de concordância quanto à

liquidação. Outra questão que se coloca é a dos direitos do sócio minoritário, pois constitui princípio

de direito societário a prevalência da vontade da maioria.129 A ele é sempre assegurado o direito de

recesso.

Assim, a dissolução extrajudicial da sociedade se dá:

1. POR DECISÃO UNÂNIME DOS SÓCIOS.

Em assembleia ou reunião os sócios podem decidir pela dissolução da sociedade por decisão

unânime, lavrando-se ata do decidido com indicação do liquidante e o estabelecimento de suas obri-

gações, averbando-se o instrumento na Junta Comercial, afim de que a publicidade leve ao conheci-

mento de todos a extinção dos negócios da sociedade.

Duas questões se levantam nessa hipótese:

129 Inclusive no Anteprojeto de Código Comercial (PL. 487 de 2013) em seu art. 15: “A vontade da sociedade resulta da deliberação adotada pelos sócios, proporcionalmente à contribuição dada à sociedade, salvo nos casos de supressão ou limitação do direito de voto.”

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a) se a decisão não for unânime, mas de maioria, como tratar dos direitos do sócio dissidente?

e

b) como tratar os direitos dos credores diante da extinção da sociedade?

A primeira questão se resolve pela previsão contida no art. 1.077 do Código Civil que faz

remição ao art. 1.031 e garante os direitos dos minoritários:

Art. 1.077. Quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou

dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de retirar-se da sociedade, nos trinta dias subse-

quentes à reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031.

e

Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota,

considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em con-

trário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço

especialmente levantado.

Em outras palavras, a questão de decisão de maioria, quando a lei exige unanimidade na lite-

ralidade da disposição legal (art. 1.033, II)130, não pode ser interpretada literalmente, mas em conso-

nância com os princípios que regem o direito societário, especialmente a tirania da maioria.

No que tange aos direitos dos credores, muito embora não exista dispositivo legal específico

sobre o direito dos credores na dissolução da sociedade, aplica-se, por analogia o disposto no art.

1.122 do Código Civil que assegura aos credores o direito e pedir a anulação da operação societária

que os prejudique.

Art. 1.122. Até noventa dias após publicados os atos relativos à incorporação, fusão ou cisão, o credor

anterior, por ela prejudicado, poderá promover judicialmente a anulação deles.

O prazo de noventa dias é decadencial.131

2. DECISÃO DE MAIORIA ABSOLUTA EM SOCIEDADE POR PRAZO INDETERMINADO.

Maioria absoluta quer dizer metade mais um dos sócios. Difere do conceito de maioria simples

quando a decisão se faz pela metade mais um dos sócios presentes na reunião ou assembleia. Nesse

caso, a decisão da maioria deve ser, além de registrada em ata, objeto de um instrumento de alteração

contratual, por causa dos direitos dos minoritários. Se a maioria societária decidir dissolver a socie-

dade devem arcar com o ônus da decisão com relação aos sócios que não concordaram com a medida

extrema.

130 “Art. 1.033: Dissolve-se a sociedade quando ocorrer: ..................................................... II – o consenso unânime dos sócios.” 131 Venosa, Silvio de Salvo. Direito civil; direito empresarial. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 210.

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As sociedades limitadas contratadas por prazo determinado não podem ser dissolvidas por

simples decisão de maioria, por força do que diz o art. 1.033 do Código Civil, em seu inciso III132

3. FALECIMENTO DE SÓCIO

Em caso de falecimento de sócio, como previsto no art. 1.028, os herdeiros não podem exercer

o direito de sucessão substituindo o sócio falecido na sociedade. Só poderão substituí-lo se os demais

sócios concordarem, mas tem o direito de participarem dos lucros até que se faça a liquidação das

quotas. Dependendo da influência do sócio falecido na sociedade, os sócios remanescentes podem,

ainda, optar pela dissolução total.

O falecimento de um dos sócios deve ser objeto de preocupação na elaboração do contrato

social porque, à mingua de previsão, serão enormes as dificuldades futuras.

A liquidação das quotas, prevista no caput, geralmente, não será uma boa solução para o in-

fausto acontecimento, porque gera uma série de dificuldades (como veremos quando tratarmos do

processo de dissolução parcial), sendo de todo conveniente que os sócios, na elaboração do contrato

social, estipulem coisa diversa de acordo com a possibilidade prevista no inciso I desse artigo. A

alternativa legal para o caso de imprevisão contratual, mencionada no inciso II, é ainda mais funesta,

pois prevê a dissolução total da sociedade. Não há como se evitar o exercício do direito de herança

do sócio falecido, razão pela qual é conveniente que, no trato inicial, seja redigida uma cláusula que

forneça uma saída digna que não prejudique os herdeiros do sócio falecido e nem os sócios remanes-

centes.

4. DIREITO DE CESSÃO DAS QUOTAS

O sócio tem o direito de ceder as suas quotas para outro sócio ou para terceiros. Se for para

outro sócio, a lei permite a cessão (art. 1.057)133 sem a necessidade da anuência dos demais sócios,

mas se for para terceiros, a lei exige a anuência de maioria qualificada (3/4) e a assinatura dos mesmos

na alteração contratual sob pena de invalidade. Muito embora o Código Civil trate da possibilidade

de cessão de quotas para outro sócio ou para terceiros, lembramos que a sociedade pode adquirir as

quotas do cedente e mantê-las em tesouraria, ou, ainda, reduzir o capital social pelo montante cedido,

como previsto no inciso II do art. 1.082.134

132 III - a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade por prazo indeterminado. 133Art. 1.057. Na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua quota, total ou parcialmente, a quem

seja sócio, independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de

titulares de mais de um quarto do capital social. Parágrafo único. A cessão terá eficácia quanto à

sociedade e terceiros, inclusive para os fins do parágrafo único do art. 1.003, a partir da averbação do

respectivo instrumento, subscrito pelos sócios anuentes. 134Art. 1.082. Pode a sociedade reduzir o capital, mediante a correspondente modificação do contrato: I - depois

de integralizado, se houver perdas irreparáveis; II - se excessivo em relação ao objeto da sociedade.

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O Enunciado n. 225 das Jornadas de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal propõe que

o instrumento de cessão possa ser levado à averbação, sem necessidade de alteração contratual.135

Não nos parece o melhor caminho porque o contrato social reflete a composição do capital e a sua

distribuição entre os sócios, não se justificando a manutenção do contrato original com o nome e

participação do sócio que se retirou e a omissão do nome e participação do sócio que ingressa. Pode

ocorrer a hipótese de que a retirada do sócio não seja pela venda das quotas para terceiros ou para

sócio pré-existente, e então a sociedade poderá manter as quotas do sócio retirante em tesouraria ou

então redistribui-las entre os remanescestes. Mesmo nestes casos não se justifica a proposta do Enun-

ciado citado, sendo de melhor juridicidade a alteração contratual e seu consequente arquivamento na

Junta Comercial.

5. EXERCÍCIO DO DIREITO DE RETIRADA

A possibilidade que a lei fornece ao sócio descontente de manifestar o seu desejo de retirada

e obrigar a sociedade a arcar com o pagamento de seus haveres está prevista no art. 1.029 do Código

Civil.

O art. 1.029 do Código Civil permite que qualquer sócio possa se retirar da sociedade, se de

prazo indeterminado, bastando, para isso, que notifique os demais sócios, com um prazo mínimo de

60 ((sessenta) dias. Se a sociedade for de prazo determinado, a retirada só pode ser feita judicialmente

e provando-se a por justa causa.136 No direito brasileiro não se admite a existência do contrato eterno.

Todos se resolvem em perdas e danos, se cabível. É o caso da possibilidade de retirada em sociedade

de prazo determinado.

FABIO ULHOA COELHO identifica duas espécies de sociedades limitadas, em face da regra

estabelecida no parágrafo único do art. 1.053137, com relação ao direito de retirada previsto no citado

art. 1.029. A sociedade limitada de vínculo estável, quando regida supletivamente pela lei das socie-

135 Enunciado 225 – Art. 1.057: Sociedade limitada. Instrumento de cessão de quotas. Na omissão do con-

trato social, a cessão de quotas sociais de uma sociedade limitada pode ser feita por instrumento próprio, aver-

bado no registro da sociedade, independentemente de alteração contratual, nos termos do art. 1.057 e parágrafo

único do Código Civil. 136 Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se

de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias;

se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa.

Parágrafo único. Nos trinta dias subsequentes à notificação, podem os demais sócios optar pela dissolução da

sociedade.

137 Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples.

Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da

sociedade anônima.

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dades anônimas; e a sociedade limitada de vínculo instável quando regida supletivamente pela legis-

lação sobre as sociedades simples, na qual se insere a regra do art. 1.029.138 Pela regência supletiva

da lei das sociedades anônimas não existe o direito de retirada, e o vínculo societário não fica à mercê

das idiossincrasias dos sócios descontentes.

Na sociedade limitada regida pelas normas da sociedade simples, o sócio pode se desligar por

declaração unilateral imotivada, a qualquer tempo. O vínculo pode romper-se a qualquer hora. A

sociedade se vê obrigada a reembolsa-lo do capital investido, o que será, com certeza, apurado em

tormentoso processo de dissolução parcial. Na sociedade limitada regida supletivamente pela lei das

sociedades anônimas, o sócio não pode se desligar a qualquer tempo, mas apenas em determinados

casos previstos no art. 136 e 137 da Lei n. 6.404/76139. O sócio só se desliga da sociedade anônima,

por declaração unilateral de vontade, quando titulariza o direito de recesso previsto no art. 137 da Lei

das S/As. O vínculo societário é, então, estável porque não se dissolve por declaração unilateral de

vontade.

6. INCAPACIDADE SUPERVENIENTE

Diz o art. 1.030 do Código Civil que o sócio pode ser excluído judicialmente quando for cons-

tituído em mora na integralização das quotas subscritas (art. 1.004 e parágrafo único), por falta grave

ou quando se tornar incapaz por motivo superveniente.140

A possibilidade de exclusão de sócio, por deliberação da maioria, pelo fato de um sócio se

tornar incapaz, por qualquer motivo, e para os efeitos do art. 1.030 do Código Civil, depende, em

primeiro lugar de uma sentença em processo de interdição que o declare incapaz, e em segundo lugar

da decisão da maioria reunida em assembleia ou reunião. A incapacidade do sócio faz com que desa-

pareça a “affectio societatis”.

Como disse CARVALHO DE MENDONÇA141, a sociedade de pessoas exige a participação

delas na realização do objeto social. Se um sócio se torna incapaz de colaborar com a comunhão

societária, pode estar sujeito à sua exclusão, se assim desejar a maioria remanescente.

7. EXCLUSÃO DE SÓCIO MINORITÁRIO (CC. arts. 1.030 e 1.085).

138 Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se

de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias;

se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa.

Parágrafo único. Nos trinta dias subsequentes à notificação, podem os demais sócios optar pela dissolução da

sociedade. 139 Art. 137. A aprovação das matérias previstas nos incisos I a VI e IX do art. 136 dá ao acionista dissidente

o direito de retirar-se da companhia, mediante reembolso do valor das suas ações (art. 45), observadas as

seguintes normas: 140 Art. 1.030. Ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicial-

mente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações,

ou, ainda, por incapacidade superveniente. 141 Tratado, Ed. Freitas Bastos, Rio, 1963, Vol. III, p. 576.

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Na lei de regência anterior (Decreto 3.708/19), a exclusão do sócio minoritário independia de

qualquer providência. Bastava a manifestação da vontade da maioria. Prevalecia, então, a teoria que

privilegiava a vontade da maioria societária. O eventual direito dos minoritários resolvia-se em perdas

e danos. Na falta de previsão legal, o caso de expulsão de sócio minoritário era levado, constante-

mente, ao conhecimento do poder Judiciário, que construiu uma jurisprudência fundamentada no di-

reito do voto majoritário com o apoio da melhor doutrina.

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. 7.183-AM (DJ. 16/10/1991) pela sua

Quarta Turma e pelo voto do Min. Barros Monteiro, deixou assente que:

Basta a desinteligência entre os sócios para gerar a exclusão de um deles, indepen-

dentemente de previsão contratual ou de pronunciamento judicial.142

ORLANDO GOMES, citado nesse julgado, dizia:

“Aos outros sócios assiste direito de excluir da sociedade aquele que se tornou ele-

mento perturbador de sua existência e desenvolvimento, menos porque tenham e

possam exercer poder disciplinar sobre o turbulento ou pernicioso do que pela con-

duta inadimplente que passou a ter.”143

Atualmente, não basta a vontade da maioria para a exclusão do minoritário. O art. 1.085 do

Código Civil introduziu a necessidade da observância de três requisitos anteriores à decisão: previsão

contratual da hipótese de exclusão do sócio minoritário por maioria de metade das quotas sociais;

cometimento de ato de inegável gravidade (justa causa); e amplo direito de defesa.

Muito embora o art. 1.085 faça remição ao art. 1.030 do Código Civil, há uma profunda dife-

rença entre essas previsões.

Art. 1.085. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, repre-

sentativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão

pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravi-

dade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde

que prevista neste a exclusão por justa causa.

O art. 1.030 cuida da exclusão de sócio minoritário por decisão judicial em caso de falta grave

ou incapacidade superveniente, e o art. 1.085 da exclusão extrajudicial por simples alteração do con-

trato social assinado pela maioria:

Art. 1030. Ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio

ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por

142 No mesmo sentido REsp. 66.530-SP, RT. 619/194 e RT. 510/131) 143 in Direito Societário, Estudos e Pareceres, Cap. 2 “A Exclusão de Sócio nas Sociedades por Quotas”,

pag. 258, Ed. Forense, 1984

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falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade super-

veniente.

No caso do art. 1.085 há necessidade de prévia disposição contratual permitindo que a maioria

vote pela exclusão do minoritário assegurando-lhe ampla defesa em reunião ou assembleia convocada

especialmente para esse fim. Na previsão do art. 1.030 há a necessidade da propositura de ação judi-

cial denominada de ação de dissolução parcial de sociedade, prevista nos arts. 655 a 674 do Código

de Processo Civil de 1939 (Decreto-lei n. 1.608), por determinação do art. 1.218, inciso VII do Código

de Processo Civil de 1973 (Lei n. 5.869/73).

A questão se coloca na definição do que sejam “atos de inegável gravidade”, como diz o art.

1.085 ou mesmo “falta grave” na dicção do art. 1.030, como fundamentos para a exclusão do mino-

ritário. A fluidez do conceito e seu alto grau de subjetividade traz como consequência a necessidade

de pronunciamento judicial ou, se assim dispuser o contrato social, de arbitragem.

É importante lembrar que a prescrição para alteração da decisão que determinou a dissolução

parcial da sociedade e a exclusão do minoritário obedece ao prazo previsto no parágrafo único do art.

48 do Código Civil:

Art. 48. Se a pessoa jurídica tiver administração coletiva, as decisões se tomarão

pela maioria de votos dos presentes, salvo se o ato constitutivo dispuser de modo

diverso.

Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular as decisões a que se refere

este artigo, quando violarem a lei ou estatuto, ou forem eivadas de erro, dolo, simu-

lação ou fraude.

Outra questão tormentosa diz respeito ao prazo para a manifestação da defesa do sócio atin-

gido pela decisão da maioria de excluí-lo da sociedade, porque o parágrafo único do art. 1.085 nada

diz:

Parágrafo único. A exclusão somente poderá ser determinada em reunião ou assem-

bleia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para

permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa.

O “tempo hábil” poderá ser de 15 dias (prazo de contestação nas ações judiciais), ou de 5 dias

(medida cautelar) ou 10 dias (Lei de Falências) ou ainda de 8 dias, como prevê o §3°. do art. 1.152

do Código Civil (prazo para a convocação de assembleia ou reunião). Pela omissão legal de previsão

de um prazo para a apresentação de defesa do sócio minoritário, a melhor solução será a de se prever

tal prazo no contrato social juntamente com a possibilidade de exclusão, como determinado pela lei.

DISSOLUÇÃO POR DECISÃO JUDICIAL

Além dos modos de dissolução pelo acontecimento de fato extraordinário, que denominamos

de dissolução de pleno direito e dos modos de dissolução extrajudicial, existem casos em que só uma

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sentença judicial poderá decretar a dissolução do contrato social e a consequente extinção da pessoa

jurídica.

Existe um óbice quase intransponível para a dissolução por decisão judicial consistente na

exigência da legislação fiscal e registral de apresentação de certidões negativas para a extinção de

sociedade.

Trataremos aqui das hipóteses de dissolução total da sociedade porque a denominada “disso-

lução parcial” já é motivo de condenação unânime da doutrina face à impropriedade do termo. Dis-

solução, como veremos adiante, é o passo inicial para a extinção da pessoa jurídica. É, como já vimos,

a denominação que se dá a um processo que começa com o ato decisório da dissolução, segue para a

indispensável fase de liquidação e termina com o ato deliberativo final de extinção. Não existe, por-

tanto, dissolução parcial. Existe uma resolução contratual em relação a um sócio, do que trataremos

adiante.

As hipóteses de dissolução total são:

1. POR PEDIDO DE ANULAÇÃO DO ATO CONSTITUTIVO

O processo judicial que vai terminar com a sentença de extinção da sociedade se inicia com o

pedido de anulação de sua constituição, por vício insanável ou a requerimento da maioria quando não

há unanimidade na proposta de dissolução. O pedido de dissolução é apresentado e o processo judicial

é previsto nos arts. 655 a 674 do Código de Processo Civil de 1939, que prevê a apuração do montante

devido aos sócios, a liquidação do ativo e o pagamento do passivo, após o que o juiz decreta a extinção

da pessoa jurídica.

2. POR SENTENÇA DE DECRETAÇÃO DE FALÊNCIA (art. 1.044)

O processo falimentar está regulado pela Lei n. 11.101/2005 que alterou profundamente as

regras anteriormente existentes (Decreto-lei n. 7.661/45). Na lei anterior havia a possibilidade de a

falência ser rescindida e transformada em concordata. Era a concordata suspensiva prevista nos arts.

139 e 177 e sgts. da lei revogada.144 Além disso, dizia o revogado art. 138 daquela lei, que “com a

sentença declaratória da extinção de suas obrigações, fica autorizado o falido a exercer o comércio,

salvo se tiver sido condenado ou estiver respondendo a processo por crime falimentar. ” Ou seja, a

decretação da falência não implicava na extinção da sociedade falida, apesar da disposição contida

no inciso II do art. 335 do Código Comercial revogado dizer que as sociedades eram dissolvidas pela

144 Como Amador Paes de Almeida diz, “a concordata suspensiva objetiva sustar os efeitos danosos da

falência, ensejando melhor forma de pagamento aos credores (em lugar da venda dos bens pela melhor oferta

ou leilão) ao mesmo tempo que, evitando a liquidação do estabelecimento, possibilita a continuidade da em-

presa.” ALMEIDA, 1966, P. 422.

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decretação da quebra. Em virtude da existência da concordata suspensiva e da possibilidade de rea-

bilitação do falido, a sentença de falência não implicava em dissolução da sociedade e extinção da

pessoa jurídica.

Nesse passo, e, em virtude da disposição legal expressa do art. 102 da lei de falências atual, a

melhor doutrina e a jurisprudência se encaminham, apesar de voto contrário145, a considerar que a

falência não extingue a pessoa jurídica porque o caput do art. 102, diz que “o falido fica inabilitado

para exercer qualquer atividade empresarial a partir da decretação da falência e até a sentença que

extingue suas obrigações, respeitado o disposto no § 1º do art. 181 desta Lei”.

Portanto, a decretação de falência inicia o procedimento de dissolução da sociedade empresá-

ria, porém não determina a sua automática extinção, dada a possibilidade de reabilitação. Neste sen-

tido o Voto do Desembargador RUBENS RICUPERO da Câmara Especializada em Falência e Re-

cuperação do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, na Apelação n. 555.048.4/6-00, cuja

Ementa é a seguinte:

EMENTA – Falência – Sentença de encerramento – Pretensão de extinção da per-

sonalidade jurídica da sociedade falida – Inadmissibilidade - Mesmo depois de en-

cerrado o processo, podem os antigos sócios reabilitar a sociedade empresária fa-

lida, revertendo os efeitos dissolutivos da falência, com o objetivo de fazê-la retor-

nar à exploração da atividade – Em suma, sociedade falida que, mesmo depois de

encerrada sua falência, pode requerer a extinção de suas obrigações e voltar a co-

merciar – Apelação não provida.

3. EM CASO DE EXAURIMENTO DO OBJETO SOCIAL OU VERIFICADA A SUA INEXE-

QUIBILIDADE (CC. art. 1.034, II);

Qualquer sócio pode ingressar em juízo com pedido de dissolução da sociedade sob o funda-

mento previsto no inciso II do art. 1.034 do Código Civil: exaurimento do objeto social ou a sua

inexequibilidade.

O exaurimento do objeto social significa que a sociedade esgotou a atividade empresarial para

a que foi constituída. É a hipótese de sociedades de propósito específico, tal qual a construção de

uma estrada, de uma ponte, de um prédio, ou de qualquer outra atividade finita.

145 “Findo o período de inabilitação, é facultado ao falido requerer ao juiz da falência que proceda à correspon-

dente anotação em seu registro, de modo que, sem barreiras formais, possa reingressar na atividade (parágrafo

único do artigo 102). O benefício, contudo, não ampara a sociedade falida, eis que, pela falência, tem-se sua

dissolução, que desencadeia o processo de sua liquidação e final extinção com o encerramento da falência e

consequente cancelamento de seu registro na Junta Comercial” (CAMPINHO, Sergio, “Falência e Recupera-

ção de Empresas”, 2ª edição, Rio de Janeiro, Renovar, 2006, n.º 174, p. 311).

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A maioria das atividades empresariais não é desse tipo: comércio, indústria, prestação de ser-

viços são atividades perenes, que se realizam indefinidamente através dos tempos.

De qualquer forma, a alegação que vai fundamentar uma ação judicial pressupõe a discordân-

cia do outro sócio ou dos demais sócios, razão pela qual foi escolhido pelo dissidente o caminho da

postulação judicial. Se houvesse concordância entre os sócios o caminho seria um simples distrato

social a ser apresentado na Junta Comercial.

CAPÍTULO VIII

A RESOLUÇÃO PARCIAL DO CONTRATO SOCIAL

A resolução parcial do contrato em relação ao sócio acontece todas as vezes em que há dis-

cordância na apuração de haveres. Não havendo discordância quanto aos valores a serem pagos pela

sociedade ou recebidos pelo retirante não há que se falar em ação judicial de dissolução parcial de

sociedade. Há a resolução parcial do contrato de sociedade em relação a este sócio, mas a matéria não

enseja nenhuma discussão pois é feita, na maioria das vezes, por simples alteração contratual.

Por esta razão, é que propomos o presente estudo das formas de dissolução da sociedade pelo

critério decisório: de pleno direito, extrajudicial e judicial; sem descuidar da possibilidade de insur-

gência de um dos sócios, o que vai provocar a manifestação do Poder Judiciário, em qualquer dos

casos já mencionados.

Não há sentido em se estudar a matéria de outra maneira porque o melhor caminho é sempre

o da concordância, uma vez que, atualmente, o Poder Judiciário já não cumpre com o seu papel e

qualquer ação judicial acaba se transformando em penalização para todas as partes envolvidas. Há o

caminho da arbitragem que começa a ser seguido pela maioria das sociedades empresárias, como

meio de abreviar a solução dos problemas e resolvê-los com maior profissionalismo, mas ainda exis-

tem óbices para a sua adoção, principalmente pelos seus custos..

Com essa advertência, qualquer das hipóteses aventadas pela lei pode ser vista como uma ação

judicial onde se pleiteia a resolução parcial do contrato social, desde que não haja concordância de

uma das partes na liquidação amigável dos haveres sociais.

A questão principal é a de que o sócio que sai quer receber o máximo possível e os sócios que

ficam querem pagar o mínimo exigido.

A recomendação que se faz é que o contrato social preveja, com detalhes, a forma de liquida-

ção dos haveres, para se evitar o caminho judicial, ou a aplicação da lei, no caso, que prevê a apuração

de valores pelo método patrimonial como preconizam os incisos III e IV do art. 1.103 do Código

Civil.

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A apuração do ativo e do passivo através da elaboração de um balanço especial conduz, como

veremos, a uma série de perplexidades, causando, sempre, prejuízo para uma das partes.

O processo é feito como se faria em caso de dissolução total da sociedade não levando em

conta a continuidade da atividade empresarial pelos sócios remanescentes, o que causa enormes dis-

torções.

CAPÍTULO IX

A AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DA SOCIEDADE

O processo judicial de dissolução parcial de sociedade obedece aos requisitos dos arts. 655 a

674 do Código de Processo Civil de 1939 (Decreto-lei n. 1.608/39), por determinação do art. 1.218,

inciso VII do Código de Processo Civil de 1973 (Lei n. 5.869/73).

Entretanto a matéria foi regulada, depois, pelos arts. 1.036 a 1.038 e 1.102 a 1.112 do Código

Civil de 2002. As disposições contidas nos arts. 1.036 a 1.038 dizem respeito às sociedades simples

e para as sociedades limitadas que definirem no contrato social a regência supletiva da sociedade

padrão.146 Dizem respeito à necessidade de, decretada a dissolução, os sócios imediatamente nomea-

rem um liquidante, restringindo as gestões aos negócios inadiáveis, sob pena de responsabilidade

solidária e ilimitada. Dizem, ainda, que o liquidante, eleito pelos sócios, pode ser um estranho à so-

ciedade. E, que no caso de extinção da autorização para funcionamento, compete ao Ministério Pú-

blico a liquidação judicial e se este não o fizer, nos quine dias subsequentes à comunicação de extin-

ção, a autoridade competente deverá nomear um interventor, até que seja nomeado o liquidante. As

regras dos arts. 1.102 a 1.112 dizem respeito à nomeação e poderes do liquidante na dissolução ex-

trajudicial de sociedade limitada.

A dissolução judicial, que trataremos aqui, é regida pela lei processual supra referida. O

que pretendemos fazer é destacar as dificuldades surgidas nesse tipo de ação, e que exigem uma

urgente modernização.

1. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

O processo de dissolução das sociedades contratuais, como vimos, continua a ser regido pelos

arts. 615/634 do Código de Processo Civil de 1939, por força do disposto no art. 1.218 do Código de

Processo Civil de 1973.

146 A definição de sociedade simples no Código Civil de 2002, espelhada no Código de Obrigações suíço

de 1881, serve de modelo para as sociedades contratuais, exceto se a sociedade limitada, como lhe permite o

parágrafo único do art. 1.053, optar no contrato social a regência supletiva das regras da sociedade anônima.

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2. JUÍZO COMPETENTE

O juízo competente para o julgamento da ação de dissolução é previsto na letra “a” do inciso

V do art. 100 do Código de Processo Civil, que diz:

3. LEGITIMIDADE ATIVA

BARBI FILHO, em sua obra “Dissolução parcial de sociedades limitadas” alerta que: “o

termo dissolução parcial é, na melhor hipótese, exemplo do uso pouco criterioso da nomenclatura

jurídica para denominar um conjunto de figuras inconfundíveis. [...] Dissolução parcial, recesso, apu-

ração contratual de haveres, exclusão, morte e falência de sócio não podem significar, juridicamente,

a mesma coisa. ” A ação de dissolução parcial de sociedade, contudo, é uma só para as diferentes

hipóteses, pois não se pode confundir o motivo com o processo. Os motivos da dissolução são vários,

como aponta o autor, mas o processo judicial é o mesmo. Quando a dissolução não é amigável (ex-

trajudicial), qualquer um dos motivos citados pelo autor leva a questão para a devida apuração de

haveres do sócio pelo juízo competente. Daí porque o autor da ação de dissolução de sociedade será

sempre o sócio excluído, em recesso, ou denunciante do contrato social, como diz LUCENA147.

4. LEGITIMIDADE PASSIVA

Para responder a esse tipo de ação devem ser necessariamente citados os sócios remanescentes

e a própria sociedade a ser dissolvida, por existir no caso um litisconsórcio necessário em virtude dos

direitos envolvidos na decisão que se procura. O resultado da ação - a liquidação parcial da sociedade

- produz efeitos contra os sócios remanescentes e especialmente contra a sociedade. Assim tem deci-

dido nossos tribunais. No mesmo sentido, dentre outros: .STJ, REsp 77122 / PR, Relator Ministro

RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, DJ 08/04/1996 p. 10475.

5. VALOR DA CAUSA

O valor da causa nas ações de dissolução de sociedade é motivo de dúvida entre o valor do

capital social previsto no contrato ou o valor das quotas a serem reembolsadas ou pagas ao sócio

retirante. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que o valor da causa deve corres-

ponder ao valor do capital social existente no contrato, como se vê do Acórdão:

147 LUCENA, José Waldecy, Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada, 2ª. ed, São Paulo, Ed.

Renovar, 1997.

“Art. 100. É competente o foro:

......................................................................

IV - do lugar:

a) onde está a sede, para a ação em que for ré a pessoa jurídica; ”

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Acontece que esse entendimento se aplica quando a ação pretende a dissolução total da soci-

edade, mas não se aplica, pelo mesmo motivo, quando se tratar de dissolução parcial, na qual o valor

da ação deve corresponder ao valor das quotas liquidadas.

Esse é o melhor entendimento e é a posição adotada pelo novo Código de Processo Civil - Lei

n. 13.015/2015, no qual o valor da causa é o valor da quota dos sócios ou acionistas excluídos, fale-

cidos ou retirantes, conforme determina o inciso II do artigo 292 do novo Código.

6. PRAZO DE CONTESTAÇÃO

O prazo de contestação é de 5 (cinco) dias porque assim determinava o parágrafo segundo do

art. 656 do Código de Processo Civil de 1939 mantido em vigor pelo art. 1.218 do Código de 1973.

Ocorre, entretanto, que o Superior Tribunal de Justiça, no Acórdão de lavra da Ministra

NANCY ANDRIGHI (RECURSO ESPECIAL Nº 1.139.593 - SC (2009/0089296-7), equiparou a

ação de dissolução ao rito ordinário, fixando o prazo de contestação em 15 (quinze) dias.

7. DO PEDIDO INICIAL

Atenção especial merece a redação do pedido na ação de dissolução parcial das sociedades

contratuais, porque a falta pode abrir espaço para alegação, em recurso, de julgamento “extra petita”.

Assim, na petição inicial, além do pedido expresso de citação de todos os sócios remanescen-

tes e da própria sociedade, deve ser requerida a decretação da dissolução parcial da sociedade com a

necessária apuração dos haveres do autor que se retira ou foi excluído e o pagamento dos seus haveres.

8. DA CONSTESTAÇÃO

A contestação ao pedido de dissolução parcial da sociedade deve se restringir às questões

relativas à partilha dos bens porque na maioria das vezes o autor da ação está exercendo um direito

que a lei lhe concede, e que não pode ser negado. Como já dissemos anteriormente, o sócio tem o

direito de retirar-se da sociedade “ad nutum”, mesmo se a sociedade estipular que seu contrato social,

em caso de lacuna, se regerá pelas normas da sociedade anônima, tem ele o direito de recesso (art.

137 da LSA).

Para amenizar ou diminuir o valor a ser pago ao sócio retirante costumou-se contestar a ação

por reconvenção requerendo a dissolução total em substituição ao pedido de dissolução parcial, o que

vem sendo repudiado pela nossa jurisprudência.

DISSOLUÇÃO TOTAL DE SOCIEDADE COMERCIAL. VALOR DA CAUSA. Em ação de dis-

solução total de sociedade comercial, o valor da causa corresponde ao valor do contrato, con-

forme o inciso V do art. 259 do Estatuto Processual. Recurso especial não conhecido.

(STJ - REsp: 605325 SP 2003/0197363-2, Relator: Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Data de

Julgamento: 12/09/2006, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 02.10.2006 p. 282).

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Processo Civil e Direito Civil. Recurso especial. Dissolução parcial. Apuração de

haveres. Contestação. Dissolução total. Julgamento ultra petita. Ocorrência.- O pe-

dido de dissolução total de sociedade realizado em sede de contestação apresentada

em ação de dissolução parcial, não permite que o juiz decrete a dissolução total da

sociedade, sob pena de julgamento ultra petita.- Por meio da aplicação do art. 257

do RISTJ, aplica-se o direito à espécie e se constata a extinção da vontade dos só-

cios em manter a sociedade, razão pela qual deve ser dado provimento ao pedido

de dissolução parcial. Recurso especial provido.

REsp 1035103 / RJ Rel. Min. NANCY ANDRIGHI TERCEIRA TURMA

Data do Julgamento 03/11/2009 e DJe 01/07/2010

9. A APURAÇÃO DOS HAVERES

O art. 1.031 do Código Civil fornece os parâmetros para o pagamento dos haveres do sócio

retirante ou excluído: “Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor de

sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contra-

tual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em

balanço especialmente levantado. ”

a) necessidade de previsão contratual.

O contrato social deve prever a forma de apuração de haveres do sócio retirante, do sócio

falecido e do sócio excluído, fixando o modo de apuração, a data inicial do cálculo e a forma de

pagamento. O sócio que sai quer receber o mais possível e os sócios que ficam querem pagar o menos

possível. Entre essas duas posições há que se encontrar, preliminarmente, uma fórmula que não pe-

nalize o sócio e nem inviabilize a continuidade da empresa.

b) situação patrimonial da sociedade à data da resolução.

A apuração dos haveres, com base na situação patrimonial da sociedade não é a medida mais

certa, mesmo se apurada em balanço especialmente levantado. Esse é denominado de balanço de

determinação e não é o balanço anual, ou semestral, ou mensal da sociedade. O valor contábil do

ativo não é o valor real dos bens no mercado, e o valor de mercado dos bens não é a melhor medida

dos haveres do sócio retirante.

Imaginemos duas situações: uma sociedade limitada com quatro sócios se dedicava a produ-

ção de máquinas de escrever e tinha instalada a sua planta em imóvel próprio, muito valorizado, e seu

estabelecimento tinha acabado de ser reformado com máquinas novas, quando foi inventado o com-

putador. Um dos sócios exerce o direito de retirada e à falta de previsão contratual, os sócios rema-

nescentes se veem obrigados a levantar um balanço de determinação e pagar a parte do sócio retirante.

Como a sociedade não consegue mais operar por ter se tornado obsoleta, sem qualquer receita, os

sócios se verão obrigados à vender parte do seu patrimônio para pagar os direitos do sócio retirante.

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Outra hipótese é a existência de uma sociedade com apenas três sócios que se dedicam a ven-

der pela internet um jogo por eles criado. Estão instalados em imóvel alugado, têm somente um com-

putador, uma mesa e um telefone, mas faturam milhares de reais todos os dias com a venda do jogo.

Se um dos sócios exerce o seu direito de retirada, a apuração do valor patrimonial da sociedade será,

com certeza, insignificante. Por aí se vê que a previsão legal de apuração dos valores com base na

situação patrimonial é equivocada. Melhor seria que o valor a ser apurado estivesse referido ao fatu-

ramento da empresa e não no ativo contabilizado. Os economistas recomendam que nos contratos de

sociedade seja escolhido o chamado método de fluxo de caixa descontado, que leva em consideração

o aviamento da empresa, remunerando melhor o sócio retirante.

c) balanço especialmente levantado.

Se o contrato social não prever uma forma melhor de apuração dos bens e direitos do sócio

retirante, há de se levantar um balanço especial que leve em consideração o valor real dos bens, ou o

valor mais próximo do real possível, ao invés do mero valor contábil dos bens, que tem outra serven-

tia. Essa é uma das mais sérias dificuldades para a composição dos interesses, quando o contrato

social deixa de regular a melhor forma de apuração dos haveres do sócio retirante, porque o valor

patrimonial a ser apurado pela determinação legal pode ser resultado de métodos dispares: valor con-

tábil, valor de mercado, valor de aquisição, etc. A melhor solução, que vem sendo adotada nas previ-

sões contratuais é o cálculo do valor do fluxo de caixa descontado. Este método não se prende ao

passado da empresa, como se faz quando se apura valor patrimonial; mas busca refletir os valores

futuros realizáveis pelo patrimônio que o sócio retirante ajudou a produzir.

Essa discussão não cabe nos estreitos limites deste estudo, mas se revela de vital importância

para colocar um pouco de justiça no pagamento dos haveres do sócio retirante sem prejudicar enor-

memente os sócios remanescentes.

CAPÍTULO X

CONCLUSÕES

O estudo das sociedades limitadas é um campo fértil e apesar da imensa literatura a esse res-

peito, ainda oferece dúvidas e questionamentos como vimos neste trabalho. A importância deste es-

tudo se revela na prática porque 90% (noventa por cento) ou mais das sociedades empresarias no

Brasil são desse tipo societário. Cada um que se debruça sobre esse tema traz alguma novidade ou

esclarecimento importante. O objetivo do pressente trabalho não foi esgotar a matéria e nem fazer um

levantamento completo das decisões judicias sobre as questões levadas aos tribunais, o que seria de

todo meritório, mas de alinhavar, com certa lógica, os pontos importantes sobre esse assunto. Espero,

sinceramente, que esse objetivo tenha sido alcançado, quanto menos, por fazer despertar a curiosidade

do leitor para este importante tipo societário.

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