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Int J Psychoanal (2009) 90:311–327 doi: 10.1111/j.1745-8315.2009.00130.x
Sobre tornar-se um psicanalista
Glen O. Gabbard e Thomas H. Ogden
Baylor College of Medicine – Psychiatry, 6655 Travis Street, Suite 500,
Houston, Texas 77030, USA – [email protected]; [email protected]
(Data da aceitação final – 12 de Novembro de 2008)
A oportunidade e a responsabilidade de tornar-se um analista nos seus próprios
termos surgem no decorrer dos anos de prática que seguem a conclusão da
formação analítica formal. Os autores discutem seu entendimento sobre algumas
das experiências de amadurecimento que contribuíram para torná-los analistas nos
seus próprios termos. Acreditam que o elemento mais importante do processo de
seu amadurecimento como analistas seja o desenvolvimento da capacidade de fazer
uso do que é único e idiossincrático em cada um deles; cada um, em seus melhores
momentos, conduz-se como um analista, de uma maneira que reflete seu próprio
estilo analítico, sua própria maneira de estar com seus pacientes e de falar com
eles, sua própria forma da prática da psicanálise. Os tipos de experiências de
amadurecimento que os autores analisam incluem situações nas quais aprenderam
a ouvir a si próprios falando com seus pacientes e, assim fazendo, começaram a
desenvolver uma voz própria; experiências de crescimento que ocorreram em um
contexto de apresentação de material clínico a um supervisor; fazer uso auto-
analítico de sua experiência com seus pacientes; criar / descobrir a si mesmos
como analistas na experiência da escrita analítica (dando atenção especial à
experiência de amadurecimento envolvida na escrita do presente artigo); e
responder à necessidade de continuar mudando, para ser original em seu
pensamento e comportamento como analistas.
Palavras chave: desenvolvimento, história da psicanálise, educação psicanalítica.
Poucos de nós sentimos que realmente sabemos o que estamos fazendo quando
completamos a nossa formação psicanalítica formal. Nós nos debatemos.
Lutamos para encontrar a nossa „voz‟, o nosso 'estilo' próprio, um sentimento de
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que estamos comprometidos com a prática da psicanálise de uma maneira que
leva a nossa própria marca:
É apenas depois de se ter qualificado [como um analista] que se tem a chance de
tornar-se um analista. O analista no qual você se torna é você, e somente você; a
singularidade de sua própria personalidade tem que ser respeitada - isso é o que
você usa, não todas aquelas interpretações [aquelas teorias que se usa para combater
o sentimento de que você não é realmente um analista e que não sabe como tornar-
se um].
(Bion, 1987, p. 15)
No presente artigo discutimos uma variedade de experiências de
amadurecimento que foram importantes para nós em nossos esforços para nos
tornarmos analistas após nossa formação analítica. Certamente os tipos de
experiência que tiveram valor especial para cada um de nós foram diferentes,
mas também se sobrepuseram de formas importantes. Tentamos transmitir tanto
a padronização quanto as diferenças entre os tipos de experiência que foram
mais significativos para nós em nossos esforços para nos tornarmos analistas (e
para amadurecermos como tal). Além disso, discutimos várias medidas
defensivas que os analistas em geral, e nós em particular, temos usado diante
da ansiedade que é inerente ao processo de tornar-se genuinamente um analista
nos seus próprios termos.
Um contexto teórico
Uma variedade de experiências ao longo do desenvolvimento como analista é
fundamental para o amadurecimento tanto como analista quanto como
indivíduo. O amadurecimento do analista tem muito em comum com o
desenvolvimento psíquico em geral. Identificamos quatro aspectos do
crescimento psíquico que são essenciais para a nossa visão do processo de
tornar-se um analista.
O primeiro é a idéia de que pensar / sonhar a própria vivência no mundo
constitui um meio principal, talvez o meio principal pelo qual se aprende com a
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experiência e se atinge o crescimento psicológico (Bion, 1962a). Além disso, a
vivência de alguém é geralmente tão perturbadora que excede a capacidade do
indivíduo de usá-la psiquicamente de algum modo, ou seja, pensar ou sonhar a
experiência. Sob tais circunstâncias, são requeridas duas pessoas para pensar ou
sonhar a experiência. A psicanálise de cada um dos nossos pacientes,
inevitavelmente nos coloca em situações que nunca foram antes experimentadas
e, como conseqüência, exige de nós uma personalidade mais ampla do que
aquela que trouxemos para a análise. Consideramos que isso seja verdadeiro
para todas as análises: não existe uma análise “fácil” ou “direta”. A re-
conceituação da identificação projetiva como um processo intrapsíquico ⁄
interpessoal nos trabalhos de Bion (1962a, 1962b) e Rosenfeld (1987)
reconhece que nessas situações analíticas novas e perturbadoras, o analista
requer outra pessoa para ajudá-lo a tornar o impensável pensável. Esta outra
pessoa é na maioria das vezes o paciente, mas pode ser um supervisor, um
colega, um mentor, um grupo de consulta, e assim por diante.
Inerente a esse conceito de pensamento intersubjetivo existe a idéia de que,
ao longo da vida do indivíduo, „„É preciso [pelo menos] duas pessoas para
formar uma‟‟ (Bion, 1987). Precisa-se de uma mãe-e-bebê capaz de ajudar a
criança a alcançar „„status de unidade‟‟ (Winnicott, 1958a, p. 44). Três pessoas
são necessárias - mãe, pai e filho - para criar uma criança edipiana saudável; é
preciso haver três pessoas - mãe, pai e adolescente - para criar um jovem adulto;
precisa-se de dois jovens adultos para criar um espaço psicológico no qual se
possa criar um casal que, por sua vez, seja capaz de criar um espaço psicológico
no qual um bebê possa ser concebido (literalmente e metaforicamente); é
preciso uma combinação de uma jovem família e de uma velha família (uma
avó, um avô, mãe, pai e filho) para criar condições que contribuam para que se
aceite, ou que facilitem a aceitação e o uso criativo da experiência de
envelhecimento e morte dos avós (Loewald, 1979).
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No entanto, essa concepção intersubjetiva do desenvolvimento do analista é
incompleta na ausência de sua contraparte intra-psíquica. Isso nos leva ao
segundo aspecto do contexto teórico para essa discussão: para pensar / sonhar a
nossa própria experiência, precisamos de períodos de isolamento pessoal, não
menos do que precisamos da participação das mentes dos outros. Winnicott
(1963) reconheceu esse requisito essencial do desenvolvimento quando
observou: „„Há um estágio intermediário no desenvolvimento saudável no qual
a experiência mais importante do paciente em relação ao objeto bom ou
potencialmente satisfatório é a recusa do mesmo‟‟ (p. 182). No setting analítico,
o trabalho psicológico que é realizado entre as sessões não é menos importante
que o trabalho feito com o analista nas sessões. Na verdade, analista e paciente
precisam „dormir sobre‟ a sessão, isto é, precisam sonhá-la por si próprios antes
de serem capazes de realizar um trabalho mais profundo como um par analítico.
De maneira semelhante, nas sessões, o trabalho psicológico que o paciente
realiza separado do analista (e que o analista realiza no seu espaço isolado atrás
do divã) é tão importante quanto o pensar / sonhar que os dois realizam um com
o outro. Essas dimensões – a interpessoal e a solitária – são totalmente
interdependentes e permanecem em tensão dialética uma com a outra. (Quando
falamos de isolamento pessoal, estamos nos referindo a um estado psicológico
diferente do estado de estar sozinho na presença de outra pessoa, isto é, „a
capacidade de estar só‟ de Winnicott [1958b]. Ao invés disso, o que temos em
mente é um estado que é muito menos dependente das relações de objeto
externas, ou mesmo internalizadas [ver Ogden, 1991, para uma discussão desse
estado saudável de „isolamento pessoal‟]).
O terceiro aspecto do crescimento psíquico, que é essencial para a nossa
concepção de amadurecimento do analista, é a idéia de que se tornar um
analista envolve um processo de ''sonhar-se mais plenamente na existência''
(Ogden, 2004a, p. 858) de maneiras cada vez mais complexas e inclusivas. Na
tradição de Bion (1962a), estamos usando o termo 'sonhar' com referência à
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forma mais profunda de pensamento. É um tipo de pensamento no qual o
indivíduo é capaz de transcender os limites da lógica do processo secundário
sem perda do acesso a esse tipo de lógica. O sonho ocorre continuamente, tanto
durante o sono como durante a vigília. Da mesma maneira que as estrelas
persistem mesmo quando a sua luz é obscurecida pela luz do sol, assim também
sonhar é uma função contínua da mente que persiste durante a vigília, mesmo se
obscurecida pela consciência e pelo resplendor da vigília. (Sonhar acordado no
setting analítico toma a forma da experiência de reverie do analista [Bion,
1962a; Ogden, 1997].) A atemporalidade dos sonhos permite que se elabore
simultaneamente uma multiplicidade de perspectivas em uma experiência
emocional de uma maneira que não é possível no contexto de tempo linear, e da
lógica de causa e efeito que caracteriza a vigília, processo secundário de
pensamento. (A simultaneidade de perspectivas múltiplas que foi capturada na
arte cubista de Picasso e Braque teve influência sobre a arte do século 20 de
todos os gêneros – a poesia de T.S. Eliot e Ezra Pound, os romances de
Faulkner e os últimos romances de Henry James, as peças de Harold Pinter e
Ionesco, e os filmes de Kieslowski e David Lynch, bem como a arte da
psicanálise).
O trabalho do sonho é o trabalho psicológico através do qual criamos
significados simbólicos e pessoais, deste modo nos tornando nós mesmos. É
nesse sentido que nos sonhamos dentro da existência como analistas,
analisandos, supervisores, pais, amigos, e assim por diante. Na ausência do
sonho, não podemos aprender com nossa experiência de vida e,
conseqüentemente, continuamos presos em um presente infinito e imutável.
O quarto aspecto do crescimento psíquico que acreditamos ser fundamental
para a forma como pensamos sobre o processo de tornar-se um analista é o
conceito de continente-conteúdo de Bion (1962a, 1970). O „continente‟ não é
uma coisa, mas um processo de realizar o trabalho psicológico com nossos
pensamentos perturbadores. A expressão „realizar um trabalho psicológico‟ é
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aproximadamente equivalente a idéias/sentimentos como a experiência de
„entrar em acordo com‟ um aspecto da própria vida que foi difícil de admitir ou
„fazer as pazes com‟ acontecimentos importantes e profundamente
perturbadores da vida da pessoa, tais como a morte dos pais, de um filho ou do
cônjuge, ou a própria morte que se aproxima. O „conteúdo‟ é a representação
psicológica daquilo com que se está fazendo as pazes ou entrando em acordo. O
colapso de um relacionamento mutuamente produtivo entre os pensamentos
provenientes de uma experiência perturbadora (o conteúdo) e a capacidade de
pensar/sonhar estes pensamentos (o continente) pode tomar uma série de formas
que se manifestam em uma variedade de tipos de fracasso em amadurecer como
um analista (Ogden, 2004b). As vivências perturbadoras – „o conteúdo‟ (por
exemplo, as violações de limites por parte do analista pessoal do analista) –
pode destruir a capacidade do analista de pensar como um analista („o
conteúdo‟), particularmente sob certas circunstâncias emocionais (Gabbard e
Lester, 1995).
Com essas idéias em mente, consideraremos então um conjunto de
experiências de amadurecimento que são comuns aos analistas no decorrer do
seu desenvolvimento. Quando se completa a formação psicanalítica, muitas
vezes tem-se a vaga sensação de um sentimento um pouco fraudulento. Tem-se
a autorização para um 'vôo solo', sem a ajuda de um supervisor, no entanto
sente-se um certo grau de turbulência que pode ser desconcertante. Às vezes, os
analistas bendizem a oportunidade de aprender (e amadurecer) com os tipos de
situações analíticas que estamos prestes a descrever. Em outras vezes e em
outras circunstâncias, de repente e inadvertidamente, os analistas encontram-se
imersos nessas situações analíticas perturbadoras e conseguem um crescimento
psicológico „agindo por intuição e percepção‟.
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Experiências de amadurecimento do analista
Nas seções seguintes deste artigo, discutiremos uma série de tipos de
experiências de amadurecimento que desempenharam um papel importante no
desenvolvimento de nossas identidades analíticas. Essas experiências incluem o
processo gradual de desenvolvimento de uma maneira própria de falar com os
pacientes; o desenvolvimento do senso de si próprio como um analista no
processo de apresentar o trabalho clínico a um consultor; o fazer uso auto-
analítico de experiências com os pacientes; e o criar/descobrir a si mesmo como
analista no processo de escrever artigos analíticos.
I. O desenvolvimento de uma voz própria
Ao ouvir-se falando (por exemplo, com seus pacientes, supervisionandos,
colegas e membros de seminários), o analista pergunta-se: “Que impressão eu
causo quando falo desse modo?'' ''Eu realmente quero falar dessa maneira?''
''Com quem eu me pareço?'' ''De que forma pareço diferente da pessoa na qual
eu me tornei e estou me tornando?'' ''Se eu fosse falar de maneira diferente,
como isso soaria? " ''Como eu me sentiria ao falar de uma maneira que é
diferente de qualquer outro que não eu mesmo?'' Há um paradoxo no fato de
que falar naturalmente, como a própria pessoa, é tanto fácil (no sentido de não
ter que fingir ser alguém diferente de quem se é) quanto muito difícil (no
sentido de encontrar / inventar uma voz que emerge da totalidade de quem se
está sendo em um dado momento). Ao se prestar uma atenção cuidadosa,
descobre-se que há resíduos inconfundíveis da voz de seu analista nas palavras
faladas a seus pacientes. Essas formas de falar estão „em nossos ossos‟,
internalizadas há muito tempo e fazem parte de nós sem que tenhamos
consciência do processo de assimilação.
Embora esse tipo de experiência de amadurecimento ocorra principalmente
no contexto do falar com os outros, há também um aspecto intra-psíquico, uma
batalha consciente e inconsciente consigo mesmo no esforço de encontrar-se /
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criar-se como um analista. As vozes que se ouve estão principalmente na mente
(Smith, 2001) e pertencem aos nossos '„„fantasmas‟‟ e „„ancestrais‟‟ (Loewald,
1960, p. 249). Os fantasmas nos habitam de uma maneira que não está
totalmente integrada ao nosso senso de self; nossos ancestrais nos fornecem um
sentido de continuidade com o passado. No processo de tornar-se um analista,
precisamos „sonhar‟ por nós mesmos uma maneira autêntica de falar que
envolva nossa liberação de nosso(s) próprio(s) analista(s), bem como de nossos
supervisores, professores e escritores que admiramos, enquanto também
recorremos ao que aprendemos com eles. A tensão dialética existe entre
reinventar-se, por um lado, e utilizar de forma criativa a própria ascendência
emocional, por outro lado.
Ninguém descreveu melhor do que Loewald os dilemas psicológicos que
estão envolvidos na passagem da autoridade de uma geração para a seguinte.
Em The waning of the Oedipus complex, Loewald (1979) descreve as maneiras
pelas quais o crescer (tornando-se um indivíduo amadurecido por direito
próprio) exige que se mate os próprios pais (em mais que uma forma
metafórica) e simultaneamente os imortalize. O parricídio é um ato de
reivindicar o próprio lugar como uma pessoa responsável por si própria; a
imortalização dos próprios pais (um ato de reparação ["at-one-ment"] para o
parricídio) envolve uma internalização metamórfica dos pais. Esta
internalização é „metamórfica‟ no sentido de que os pais não são simplesmente
transformados em um aspecto de si mesmo (uma simples identificação). Pelo
contrário, é uma internalização de um tipo muito mais rico: o da incorporação
na própria identidade de uma versão dos pais que inclui uma concepção de
quem eles poderiam ter se tornado, mas foram incapazes de se tornar, como
conseqüência das limitações de suas próprias personalidades e das
circunstâncias em que viveram. Que melhor reparação se pode fazer em relação
aos pais que se matou (Ogden, 2006)?
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No processo de tornar-se um analista, é preciso que se seja capaz de cometer
atos parricidas em relação aos próprios pais analíticos, enquanto se repara o
parricídio no ato de internalizar uma versão transformada dos mesmos. Essa
internalização metamórfica reconhece seus pontos fortes e suas fraquezas e
envolve uma incorporação na própria identidade de um sentido não somente de
quem eles foram, mas também de quem eles poderiam ter se tornado, caso as
circunstâncias externas e internas o tivessem permitido.
Na seguinte vinheta clínica, um de nós (Ogden) descreve uma experiência
em que paciente e analista viveram e sonharam juntos uma experiência que
facilitou o amadurecimento de ambas as partes.
Por um período de tempo significativo, o analista descobriu-se usando a
palavra bem [well] para introduzir praticamente cada pergunta e comentário que
dirigia aos seus pacientes. Parecia tão natural que levou um bom tempo para
que ele reconhecesse o fato de que tinha adotado essa maneira de falar.
Observou também que falava dessa maneira somente quando falava com os
pacientes e não quando falava com supervisionandos, quando conversava em
seminários, ou quando falava com colegas, e assim por diante. Ao tornar-se
consciente de que estava falando dessa maneira, ficou imediatamente aparente
para ele que tinha adotado um maneirismo do seu primeiro analista. Disse a si
mesmo que não sentia necessidade de „corrigi-lo‟, já que o experimentava como
uma conexão emocional com um homem que admirava e de quem gostava. O
que ele não percebeu foi que também não tinha visto necessidade de analisá-lo
(isto é, refletir sobre a razão pela qual essa identificação tinha se evidenciado
daquela forma, naquela conjuntura de sua vida e naquela conjuntura de seu
trabalho com aqueles pacientes em particular).
Um dos pacientes com o qual ele estava trabalhando em análise durante esse
período era o Sr. A, um homem que tinha escolhido uma carreira na mesma
área em que seu pai era uma figura proeminente. Foi nas sessões com o paciente
– embora houvesse experiências relacionadas com outros pacientes – que ele
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começou a se sentir de uma maneira diferente a respeito do que tinha parecido
um subterfúgio inofensivo no seu modo de falar. Essa mudança de perspectiva
surgiu em um período de semanas enquanto ele ouvia o Sr. A minimizar o
efeito causado pelo fato dele ter entrado na mesma área de seu pai enquanto que
ao mesmo tempo usava repetidamente a frase „a área dele‟ em vez de „a minha
área‟ ou „a nossa área‟. Durante esse período da análise, o Sr. A mencionou
uma ocasião na qual tinha parecido ao analista que o paciente estava
estranhamente provocando um de seus filhos para „tentar agir como um adulto‟.
Embora o analista não tenha feito comentários sobre esse comportamento, isso
teve um efeito perturbador sobre ele.
No início de uma sessão durante esse período de trabalho, o paciente
queixou-se que o analista estava valorizando demais os efeitos de sua escolha
para entrar „na área de meu pai'. O analista acreditou que ele tinha tido o
cuidado de não tomar partido em relação ao assunto, então optou por
permanecer em silêncio em resposta a essa acusação de seu paciente. Mais tarde
na sessão, o Sr. A contou o seguinte sonho:‘‘Um terremoto havia começado
com apenas uns poucos tremores, mas eu sabia que isso era apenas o início de
um enorme terremoto no qual eu poderia muito bem ser morto. Tentei reunir
umas poucas coisas que gostaria de levar comigo antes de deixar a casa em
que estava. Era como se fosse a minha casa. Peguei uma fotografia de família –
uma que na verdade eu deixava sobre uma mesa na minha sala de estar. É uma
foto de meus pais, de Karen (sua esposa) e das crianças que tirei na Flórida.
Senti uma enorme pressão de tempo – sentia-me como se estivesse sufocando e
como se fosse uma loucura gastar o último fôlego que tinha para salvar uma
fotografia. A sufocação não é a maneira pela qual um terremoto nos atinge, mas
era assim que eu me sentia. Acordei assustado, com meu coração disparado‟‟.
(Por razões que não foram de maneira alguma aparentes para o analista,
também ele sentiu-se intensamente ansioso enquanto o paciente contava o
sonho).
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No decorrer da conversa sobre o sonho, o Sr. A ficou impressionado com o
fato de que: „„porque eu tirei a foto, eu não estava nela. Estava nela como um
observador, não como um membro do grupo‟‟. O analista disse: „„Você ficou
primeiramente assustado com a sensação do início de um terremoto que poderia
aumentar de intensidade ao ponto de poder matá-lo e a todos os que lhe são
caros; mais tarde no sonho, você sentiu que estava prestes a morrer sufocado.
Penso que no sonho você estava falando consigo mesmo e comigo sobre o seu
sentimento de estar sendo expulso da sua própria vida – você era apenas um
observador na foto de sua família e, no entanto, estava pronto a usar seu último
fôlego para preservar aquele lugar, ainda que marginal. Isso lhe pareceu
loucura, mesmo no sonho‟‟.
Enquanto o analista estava dizendo isso, ocorreu-lhe que o Sr. A, no seu
relato sobre o sonho, poderia estar fazendo uma observação sobre o analista. A
fala do paciente ao dizer que ele sabia que „„poderia muito bem ser morto‟‟ no
terremoto, envolvia um fraseado que não somente usava a mesma palavra na
qual o analista estava focalizado, como também a ligava diretamente à idéia de
ser morto. Isso levou o analista a suspeitar que o Sr. A estava respondendo a
algo que estava acontecendo no analista e que estava refletido na mudança em
sua maneira de falar. Pareceu-lhe que o paciente temia que o analista tivesse
desenvolvido uma forma de tique verbal que refletia uma loucura no analista
que o impediria de ser o analista que ele precisava. Se também o analista
estivesse sendo expulso de sua própria vida como um analista e de sua própria
maneira de falar (com a qual o paciente tinha se tornado familiarizado com o
passar dos anos), como poderia o analista ajudá-lo com um problema muito
semelhante?
O analista pensou que era altamente improvável que o relato desse sonho
fosse o primeiro comentário inconsciente do Sr. A sobre algo que ele percebia
ser significativamente diferente no modo de falar do analista. O sonho do
paciente foi crítico para o trabalho analítico, não somente porque estava se
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referindo a sentimentos tão diferentes daqueles que estavam sendo abordados
em outros sonhos, mas porque foi a primeira vez em que o analista foi capaz de
ouvir e responder ao que ele acredita ser o esforço inconsciente do paciente para
falar com ele sobre seu medo de que ele percebesse uma mudança ameaçadora
no analista. Retrospectivamente, a origem do sintoma (como o analista veio a
compreendê-la) havia afetado sua capacidade de amadurecer como uma pessoa
e como um analista. Também pensando retrospectivamente, o analista
reconheceu que o fato do paciente cruelmente apontar que seu filho estava
„tentando agir como um adulto‟ representava uma comunicação ao analista
referente ao auto-ódio do paciente pela forma com que ele se sentia como uma
criança. (Consideramos o sonho como um sonho que não pode ser atribuído
somente ao paciente, mas a um sujeito inconsciente que é co-construído pelo
paciente e pelo analista – „o terceiro analítico‟ [Ogden, 1994]. É este terceiro
sujeito que sonha os problemas na relação analítica [além do paciente e do
analista como sonhadores individuais].)
A observação inconsciente do paciente de que ele era um observador na foto
de família, associada à percepção do analista da sua própria ansiedade enquanto
ouvia o relato do sonho, fez com que o analista iniciasse uma linha de
pensamento, uma conversa consigo mesmo, sobre os significados de sua
imitação de seu primeiro analista. O que era mais poderoso na nova percepção
do padrão da fala que ele havia adotado era sua persistência e invariabilidade
através da plena gama de situações emocionais e através de formas diversas de
conversações com tipos muito diferentes de pacientes. Parecia-lhe que a
qualidade impessoal dessa forma genérica de falar refletia um sentimento
subliminar que ele tinha abrigado por um tempo muito longo, mas que não tinha
anteriormente colocado em palavras para si mesmo: ele havia tido a impressão
durante a sua primeira análise (e posteriormente) que seu analista tinha em
alguns aspectos importantes percebido-o de formas genéricas que não eram
pessoais nem para ele e nem para o analista. Havia uma maneira na qual ele
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sentiu que a primeira percepção do analista em relação a ele foi inabalável e que
alguma coisa importante estava faltando. Ambos os sentimentos também se
refletiam na fotografia do sonho, no qual também a foto estava inalterada e não
incluía o fotógrafo. O analista sentiu uma certa decepção em relação ao seu
primeiro analista, mas sentiu-se principalmente envergonhado por não ter tido a
coragem de conscientemente reconhecer a qualidade impessoal da forma como
ele sentiu que estava sendo percebido e registrar um protesto. No sonho, houve
uma escolha entre o sonhador salvar a foto ou salvar a sua própria vida. O
analista percebeu que ele tinha metaforicamente escolhido salvar a fotografia –
sua imagem fixa de seu próprio analista – e, como conseqüência, tinha
abandonado algo de sua própria vitalidade.
Com base nesses pensamentos e em outros que se seguiram nos meses e
semanas subseqüentes, o analista foi finalmente capaz de falar com o Sr. A
sobre os seus sentimentos de vergonha (a vergonha de ter traído a si próprio) ao
escolher buscar uma carreira na „área de seu pai‟ e não uma carreira na sua
própria área (mesmo que fosse na área na qual seu pai também tinha
trabalhado). (Voltaremos a esse exemplo clínico mais adiante neste artigo).
II. Apresentação de material clínico a um supervisor
Ao lutar com uma situação clínica em seus consultórios, os analistas
freqüentemente procuram um colega em quem confiam. Ouvir a si mesmos
nesse contexto é significativamente diferente das ocasiões nas quais se fala com
os pacientes, alunos ou supervisionandos. Ao falar com um consultor, os
analistas não estão tentando entender a outra pessoa como o fariam no seu
trabalho com um paciente. O gradiente de maturidade (Loewald, 1960) se
inclina na outra direção no trabalho do analista com um supervisor. As
inseguranças e ansiedades do analista estão no centro do palco, dado o fato de
que ele explicitamente solicitou a ajuda do consultor. A ênfase está no que o
analista não sabe. A falta de entendimento por parte do analista – sua dúvida em
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relação a si mesmo, sua ansiedade, temor, vergonha, culpa, tédio, luxúria,
inveja, ódio, terror e seus pontos cegos, – são todos expostos a um colega em
um ato de fé. A experiência dos seus próprios limites (como um analista e como
uma pessoa), e a aceitação desses limites pelo consultor, ajudam a moldar a
identidade do analista no sentido da humildade, da curiosidade sobre si mesmo
e da percepção de que sua própria análise é uma tarefa para toda a vida. Uma
parte da identidade do analista envolve conflito, ambivalência, anseios e medos
da infância, e uma tentativa de reconciliar-se com o fato de que a sua análise
pessoal não lhe permitiu transcender o tormento interno que o levou
primeiramente ao trabalho analítico. Além disso, o fato de que o consultor não
recua em resposta às lutas do analista fornece a confirmação de que ser
“suficientemente bom” nos termos de Winnicott (1951, p. 237) é aceitável para
os outros e que ao analista inevitavelmente faltará a compreensão abrangente e
os resultados terapêuticos pelos quais ele pode lutar.
Aspectos da vivência do analista excedem sua capacidade de realizar um
trabalho psicológico com os mesmos e muitas vezes emergem no contexto de
seus encontros com seus pacientes. Buscar uma supervisão pode fornecer um
continente muito necessário quando um analista se encontra na impossibilidade
de processar o que ele está confrontando, tanto nele próprio quanto nos seus
pacientes. Um de nós (Gabbard) trabalhou durante anos com uma paciente
inflexivelmente suicida que continuava a planejar seu suicídio apesar dos
melhores esforços do analista para entender, conter e interpretar os motivos e
significados múltiplos envolvidos no desejo dela de morrer.
Após o analista ter apresentado esse dilema a um consultor, este observou
que o analista estava tentando evitar a idéia de que todos os seus esforços bem
intencionados poderiam vir a dar em nada, e que a paciente provavelmente daria
fim à própria vida a despeito do tratamento. O consultor enfatizou que o
analista estava irritado com a fantasia interpessoalmente atuada da paciente de
ter controle onipotente sobre ele e também com sua própria incapacidade de
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aceitar a sua impotência para impedir a paciente de cometer suicídio. Em última
análise, o suicídio seria a escolha da paciente, sem levar em conta os desejos ou
necessidades do analista. Ouvir os comentários do consultor permitiu ao
analista trabalhar com esses pensamentos assustadores e forneceu uma maneira
de desintoxicá-los para que eles pudessem realmente ser considerados pelo
analista, aceitos como inerentes à situação do tratamento e ouvidos como uma
comunicação do próprio sentimento da paciente de não ter voz ativa a respeito
de sua própria vida ou morte.
A mente do analista tinha sido colonizada pelo mundo interno da paciente e
na medida em que essa colonização diminuiu, o analista tomou consciência de
como as suas próprias aspirações para o empreendimento analítico estavam
sendo contrariadas pelo firme desejo de morte da paciente (Gabbard, 2003).
Como muitos analistas, ele abrigava uma poderosa fantasia inconsciente em
relação ao relacionamento analítico – uma fantasia na qual uma forma
específica de relacionamento do objeto seria gerada. Ele seria o curador
dedicado e generoso e a paciente melhoraria progressivamente e finalmente
expressaria gratidão ao analista por sua ajuda (Gabbard, 2000). Sua paciente
suicida não tinha concordado com esse contrato inconsciente, e sua marcha em
direção à auto-destruição continuava, a despeito do – ou desatenta ao – desejo
do analista de ajudá-la. Com uma reflexão posterior, o analista reconheceu que
havia sido relegado a uma posição de transferência que seria mais tarde descrita
por Steiner (2008) como o observador excluído que se ressente do fato de que
ele não é o objeto mais importante para o paciente.
A consulta também liberou o analista para refletir sobre ressonâncias de
experiências precoces de desenvolvimento onde ele percebeu sua impotência
em face do declínio e morte inevitáveis dos outros e dele próprio, um
determinante inconsciente importante em sua escolha de carreira. Analisar
firmemente seus desejos mágicos e reconhecer a impossibilidade de determinar
o que um outro ser humano (ou ele próprio) fará em última instância
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constituíram-se em elementos centrais do amadurecimento do analista. Parte do
conhecimento sobre quem se é como um analista é conhecer os limites do
próprio poder de influenciar um paciente e usar esse conhecimento para ser
capaz de ouvir e responder a um paciente que confronta seus próprios limites
(assim como os do analista).
III. O trabalho analítico como um meio importante para a
auto-análise
Toda análise é incompleta. Como Freud (1937) enfatizou, o término é
normalmente mais uma questão prática do que um ponto final definitivamente
determinado pela resolução de conflitos. É amplamente aceito atualmente que
não „terminamos‟ uma análise (acreditando que ajudamos o paciente a atingir
uma análise „completa‟); mais precisamente, o paciente e o analista finalizam
uma experiência em análise em um ponto no qual eles sentem que uma parte
significativa do trabalho psicológico foi realizada e que eles se encontram em
uma conjuntura na qual o trabalho principal disponível para eles parece ser a
separação. Ainda em uma forma diferente: a transferência é interminável, a
contra-transferência é interminável, o conflito é interminável. Uma experiência
produtiva em análise coloca em movimento um processo que continuará ao
longo da vida do analista.
A auto-análise do analista serve como uma função de contraponto para o
diálogo que se tem com um consultor em quem se confia. A experiência
interpessoal de trabalho com o consultor é pontuada por períodos de isolamento
nos quais o analista pensa os seus próprios pensamentos na quietude do seu
carro, ou de madrugada, ou quando está olhando para o teto, ou na privacidade
do próprio consultório quando está esperando por um paciente que não
comparece. O tratamento psicanalítico inicia uma exploração – muitas vezes
tentativa e ambivalente – da vida interior tanto do paciente como do analista. A
auto-análise contribui para esse processo, mas nessa variação trabalha-se
17
sozinho, com a determinação de analisar inflexivelmente o que se descobre,
mas sempre ficando aquém do alvo. A partir dessa perspectiva, o término de
uma análise, o „fim‟ de uma parte do trabalho de auto-análise ou do trabalho
analítico com um consultor não é o ponto no qual o conflito inconsciente é
resolvido, mas o ponto no qual o sujeito do trabalho analítico é capaz de pensar
e sonhar a sua experiência (em um alto grau) por si mesmo.
IV. Descobrir ⁄ criar o que se pensa e quem se é na experiência de
escrever
Escrever é uma forma de pensar. Muito freqüentemente, na escrita, não se
escreve o que se pensa; pensa-se o que se escreve. Há algo da sensação de que
as idéias surgem da caneta de quem escreve, do observar idéias se
desenvolverem de maneiras não planejadas (Ogden, 2005). Escrever, no
entanto, não é necessariamente uma atividade solitária. Na escrita psicanalítica,
a medida em que se escreve, tem-se muitas vezes um leitor em mente. A
fantasia de como o leitor reagirá a uma volta da frase ou a uma nova perspectiva
radical sobre teoria ou técnica, molda e influencia o que aparece na página.
Entretanto, muito do processo criativo se desenvolve isoladamente conforme se
pensa no âmago de uma idéia repetidamente em contextos diferentes. Esse
período contemplativo pode levar dias, semanas, ou mesmo anos. A maioria dos
textos envolve alguma oscilação entre, por um lado, a reflexão silenciosa sobre
o que se tem a dizer e, por outro lado, a reflexão sobre as respostas imaginadas
pelos leitores em potencial. Um público imaginário é uma constante na escrita
de Freud. Ele repetidamente inventa um público cético imaginário, antecipa de
maneira magistral as objeções do público/leitor à sua argumentação e oferece
uma réplica irrefutável.
Quando se trata de um texto de co-autoria, uma complexidade adicional é
introduzida no processo. Além da contemplação solitária e da interação
imaginada com um leitor, uma colaboração com um outro escritor requer uma
18
sensibilidade especial para com seu co-autor – afinal, cada sentença deve
representar dois autores, e não apenas um.
Esse exemplo de colaboração surgiu no decorrer da elaboração deste artigo.
Começamos com uma idéia compartilhada, ou seja, uma atualização da idéia de
Freud de que o que era definitivo na análise como um tratamento para
problemas psicológicos é o fundamento do trabalho na compreensão da
transferência e da resistência (Freud, 1914). Planejamos descrever como a nossa
própria definição de análise evoluiu a partir das idéias de Freud em 1914, e/ou é
descontínua com estas mesmas idéias. Começamos nosso trabalho nesse projeto
colaborativo com entusiasmo. No entanto, descobrimos que as palavras não
fluíam tão livremente como tínhamos esperado de cada um de nós.
Sentindo-nos presos em nossos esforços para fazer com que as coisas
avançassem, relemos e estudamos o texto de Freud de 1914. Ficamos
particularmente decepcionados quando viemos a reconhecer que muito do
artigo de Freud apresentava uma polêmica bastante cáustica contra os desvios
de Jung das premissas teóricas de Freud e uma insistência feroz em afirmar que
ele, e somente ele, foi o fundador da psicanálise. A partir daí viemos a entender
que o tom defensivo de Freud era um reflexo de suas inseguranças a respeito
das reivindicações concorrentes de autoria da sua idéia (isto é, da psicanálise
como uma disciplina) e um receio de que Jung subvertesse o que ele tinha
inventado e continuasse a chamá-lo de psicanálise. Tínhamos escolhido uma
citação que mostrava Freud em um momento não auspicioso da história de seu
próprio amadurecimento psicológico.
Como o nosso entusiasmo diminuiu, tivemos que re-pensar o tema de nosso
trabalho.
Trocamos várias revisões até que começamos a ver claramente que o que
era mais urgente para nós não era a tarefa de propor uma definição
contemporânea de psicanálise. Em vez disso, a colaboração em si tinha servido
para esclarecer para cada um de nós como nós tínhamos evoluído como
19
analistas no decorrer de 30 anos de prática. Conversamos longamente sobre
como cada um de nós tinha chegado à sua percepção atual e desenvolvida de si
mesmo como um psicanalista. Nossas experiências de desenvolvimento no
decorrer da formação analítica e nos primeiros anos após a mesma eram
nitidamente diferentes em alguns aspectos, e, no entanto, descobrimos que
havia uma grande justaposição na forma como concebíamos nossa maneira de
trabalhar e de quem éramos como psicanalistas. Apesar de nos conhecermos por
mais de 20 anos, descobrimos que no decurso dessas discussões viemos a
conhecer um ao outro de uma maneira nova. Entretanto, com relação à tarefa de
decidir o que esperávamos atingir dividindo a autoria de um artigo, falar
consigo mesmo não era suficiente. Somente através de nossos esforços
repetidos para escrever nossos pensamentos (ou, mais precisamente, nos
permitir ver o que nós pensávamos no próprio ato de escrever), é que fomos
finalmente capazes de discernir o que era que queríamos tentar. Colocando
palavras na página obrigou-nos (e nos liberou) para transformar os pensamentos
e sentimentos incipientes em conceitos e em uma idéia do que era aquilo que
queríamos comunicar na forma de trabalho analítico de co-autoria.
Ao refletir sobre como os leitores poderiam responder à nossa perspectiva,
reconhecemos que nossas experiências de amadurecimento não poderiam ser
compartilhadas por outros analistas. Certamente não queríamos usar um tom
prescritivo. Fizemos então um esforço conjunto para apresentar nossas idéias
como simplesmente uma descrição de nossas próprias experiências, ao invés de
sugerir que elas eram universais. Tornamos mais claro para nós mesmos que
entre as qualidades de um analista que consideramos como a mais importante
está a maneira pela qual um analista faz uso do que é único e idiossincrático na
sua personalidade.
Trabalhar com um co-autor também envolve uma experiência de se ter um
editor ou consultor incorporado (quer se queira tê-lo ou não) que pode oferecer
uma perspectiva „externa‟ a respeito do material clínico do outro autor. Ao
20
longo da nossa colaboração neste trabalho, um de nós (Ogden) enviou um
rascunho do artigo ao seu co-autor incluindo a vinheta clínica apresentada
acima envolvendo o sonho do terremoto. O co-autor (Gabbard) respondeu (por
escrito) com os seguintes pensamentos sobre o caso em geral e o sonho em
particular:
Concordo inteiramente com seu ponto de vista de que o sonho não pode ser atribuído
somente ao paciente, mas a um sujeito co-construído. Senti que o sonho era tanto seu
quanto dele. Minha fantasia sobre o sonho é a seguinte: que mesmo que você tenha
percebido o seu analista tratando-o de uma forma genérica, você sentiu algum tipo
de proteção – um porto seguro, se você preferir – ao recorrer ao seu estilo de falar.
Ao fazer isso, você não tinha se separado dele e, portanto, não tinha que suportar a
dor associada à perda dele. Lembro-me do famoso comentário de Freud de que a
única maneira pela qual o ego pode desistir de um objeto é colocá-lo para dentro. O
terremoto, então, poderia ser visto como uma consciência crescente no paciente de
que você estava prestes a ser arrancado de sua casa internamente criada – ou seja, o
porto seguro do consultório do seu analista ou sua presença internalizada – e
lançado em um mundo onde você precisava falar com a sua própria voz. Em algum
nível, o paciente sentiu-se daquela maneira a respeito de ser arrancado da ‘casa’ de
seu pai. O que estava acontecendo em você teve uma grande ressonância com o que
estava acontecendo dentro dele. Não adicionei isso ao artigo porque é puramente a
minha própria conjectura e pode não se encaixar à sua experiência.
Como essa citação indica, uma perspectiva do co-autor a respeito do material
clínico deve ser então filtrada através de pensamentos do autor fornecendo os
dados clínicos para se verificar se é „um bom encaixe‟ com o momento analítico
real descrito.
Ogden, que não estava habituado a essa „interferência‟ no seu processo de
escrita, sentiu-se perturbado pelos comentários inesperados de Gabbard.
Solicitou mais de dois meses para „dormir sobre‟ (sonhar) o que havia sido
despertado nele pelas observações de Gabbard antes que fosse capaz de oferecer
uma resposta ponderada (também por escrito):
21
Relendo meu relato do meu trabalho com o Sr. A, penso que o mesmo aponta o fato
de que eu vi na invariabilidade da fotografia no sonho do paciente somente estase
[stasis], ao contrário de confiabilidade; e que eu vi na ausência do fotógrafo na
fotografia somente a ausência de uma pessoa que pensa / sente, contrapondo-se à
discrição. Seus comentários sobre a vinheta me ajudaram a ver o que tinha estado lá
ao longo de todo a minha escrita sobre o relato: minha avaliação profunda sobre o
que eu sinto serem duas de minhas melhores qualidades como analista – a disposição
de permanecer emocionalmente presente durante os períodos dolorosos na análise e
durante os períodos muito difíceis da vida; e a habilidade de ‘ficar fora do caminho’
(e não fazer reflexivamente interpretações de transferência) quando eu estava
realizando sozinho o trabalho psicológico nas sessões.
Os co-autores consideram a experiência emocional que Ogden descreve
como sendo uma resposta atual tanto para sua memória do seu trabalho com o
Sr. A quanto para os comentários de Gabbard no seu relato escrito dessa
experiência. Essa troca entre os co-autores constitui um tipo de experiência de
amadurecimento que foi valiosa para ambos os autores.
V. Ousar improvisar
Com cada paciente, temos a responsabilidade de tornar-nos um analista que
nunca vimos antes. Isso requer que deixemos de lado o script e entremos em
uma conversa, uma conversa de um tipo que nunca experimentamos antes
(Hoffman, 1998; Ringstrom, 2001). Isso pode tomar a forma de resposta a uma
menção de um filme por parte do paciente que diz: „„Quase não há uma só
palavra falada no filme inteiro, pelo menos foi assim que o filme me fez
sentir‟‟. Com outro paciente, improvisar pode significar permanecer em silêncio
– não aquiescer a exigências coercitivas implícitas para tranqüilização ou
mesmo para o som da nossa voz. A improvisação é claramente uma metáfora
teatral. O grande professor russo de teatro, Konstantin Stanislavski, certa vez
observou:
O melhor que pode acontecer é ter-se o ator completamente arrebatado pela peça.
Então, independentemente da sua própria vontade ele vive o papel, não percebendo
22
como se sente, não refletindo sobre o que faz, e tudo se move por conta própria de
forma subconsciente e intuitiva.
(Stanislavski, 1936, p. 13)
De uma maneira análoga, o amadurecimento como analista envolve a
permissão crescente que concedemos a nós mesmos para sermos apanhados no
momento (no inconsciente da análise) e sermos transportados pela música da
sessão. A análise não é uma experiência que possa ser mapeada e planejada.
Ocorrem acontecimentos entre duas pessoas que estão juntas em uma sala, e o
significado desses acontecimentos são discutidos e compreendidos. Os analistas
aprendem mais sobre quem são através da participação na 'dança' do momento.
A extensão na qual a análise está „viva‟ pode depender da disposição e
habilidade do analista para improvisar, e para ser improvisado pelo inconsciente
da relação analítica.
VI. Observação dos aspectos de nós mesmos que, como se por sua
própria iniciativa, protestam contra sermos o analista que temos
sido por tanto tempo
O que em certa época poderia ter sido chamado de confiável e estável, pode
gradualmente tornar-se demasiado fácil e bastante envelhecido e previsível. Às
vezes nos tornarmos conscientes durante uma sessão com um paciente de que
nos tornamos confortáveis demais com nós mesmos como analistas. 'Erros',
nessas sessões, podem muitas vezes ser vistos como expressões de nossas partes
mais saudáveis e são de valor inestimável para o nosso amadurecimento, se
pudermos fazer uso desses alertas. Esses "erros" incluem o analista atrasar-se
para uma sessão, terminar uma sessão mais cedo, dormir durante uma sessão, e
esperar um paciente diferente quando encontra o analisando na sala de espera.
(Não estão incluídos nesse tipo de erro as violações de fronteira, tais como,
relações sexuais com um paciente, quebras da confidencialidade, relações de
negócios com um paciente, e assim por diante [Gabbard e Lester, 1995].) Os
23
erros que não envolvem violações de fronteiras muitas vezes representam os
esforços inconscientes do analista para perturbar o seu próprio equilíbrio
psíquico, para forçar-se a tomar conhecimento das formas nas quais ele se
tornou estagnado no seu papel de analista.
Acreditamos haver uma necessidade auto-imposta para se ser original – não
no sentido de uma demonstração narcisista, mas no sentido da necessidade de
entrar em uma conversa com o paciente ou com o supervisionando de maneira
tranqüila, firme e generosa, de uma forma que não poderia acontecer entre
ninguém mais no mundo a não ser essas duas pessoas (Ogden, 2004a). Se isso
for forçado, rapidamente se revelará um artifício vazio. O desenvolvimento de
um „„estilo analítico‟‟ (Ogden, 2007, p. 1185) que é experimentado como
completamente autêntico é parte de um esforço contínuo por parte de cada
analista para se tornar um analista por seu próprio direito. Pode-se conseguir
esse sentimento de ter-se tornado „original‟ somente através de um esforço
árduo para livrar-se ao longo do tempo dos grilhões da ortodoxia, da tradição e
de suas próprias proibições inconscientes e irracionais (Gabbard, 2007). A luta
do analista com a teoria, como senhora ou como serva, pode ser uma parte
integrante deste esforço. Partilhamos o ponto de vista de Sandler (1983) de que
cada analista desenvolve um amálgama particular ou um modelo misto,
tomando emprestado certos aspectos de várias teorias que são consistentes com
a própria subjetividade e com a própria abordagem da análise. Ao mesmo
tempo, concordamos com a noção de Bion de que o analista deve esforçar-se
por esquecer o que ele pensa que sabe ou conhece „bem demais‟ para que possa
ser capaz de aprender com sua experiência atual com o paciente. Bion (1987)
uma vez disse a um apresentador: ''Eu [confiaria na teoria somente] ... se eu
estivesse cansado e não tivesse idéia do que estava acontecendo ...'' (p. 58).
24
VII. Manter os olhos abertos para a maneira pela qual se está
amadurecendo / envelhecendo
Conforme se envelhece, pode-se falar a partir da experiência de uma forma que
não poderia ter sido feita anteriormente. Muitas vezes a pessoa se torna
consciente, após o fato, de que ela mudou, por exemplo, através da escuta de si
mesma ao falar com seu paciente. Idealmente, o analista se engaja em um
processo de luto no qual a perda da juventude e a inevitabilidade da velhice e da
morte são reconhecidas, aceitas e até mesmo abraçadas como uma nova forma
de existir como uma pessoa levando uma vida ponderada. O analista pode,
dessa forma, alcançar uma maior valorização das experiências de perda do
paciente e das maneiras pelas quais ele lidou com elas ou evadiu-se delas.
Esse processo de amadurecimento ocorre tanto dentro como fora do setting
analítico. O analista que atua cada dia na sala de consultas (idealmente) não é
nunca inteiramente o mesmo analista que atuava no dia anterior. A capacidade
de um analista de entender plenamente a dor de um paciente pode ser limitada
até que o próprio analista tenha navegado em sua própria dor associada à perda
de entes queridos e ao término de períodos importantes de sua vida, por
exemplo, a época em que seus filhos moravam em casa ou a época em que seus
pais estavam vivos.
VIII. Dificuldades em tornar-se um analista
As razões pelas quais um analista pode temer o processo de „crescer‟ como um
analista e as maneiras pelas quais ele pode se defender contra tais temores são
extremamente numerosas. Neste breve artigo, não podemos enumerar, muito
menos explorar, esses medos e defesas. No parágrafo seguinte, ofereceremos
alguns exemplos do vôo do analista a partir das experiências potenciais de
amadurecimento e algumas formas de defesa contra tais experiências.
O analista pode ter medo de que ele seja tão insubstancial como uma pessoa
que não seja possível para ele desenvolver uma voz própria; ou ter medo do
25
isolamento que ele imagina que virá quando tornar-se um analista em seus
próprios termos; ou ter medo de que com um reconhecimento maduro da
incerteza virá uma confusão insuportável. Um analista pode defender-se contra
esses e outros medos empenhando-se em uma rebelião adolescente contra „a
instituição analítica‟ em um esforço para evitar definir-se nos seus próprios
termos; ou falando no início com uma voz de experiência inventada, quando, na
verdade, sente-se dolorosamente carente como conseqüência de sua
inexperiência; ou abraçando uma falsa certeza sob a forma de uma intensa
identificação com uma determinada escola de psicanálise, com seu próprio
analista, com um escritor analítico idealizado e assim por diante. Finalmente,
devemos lembrar que, por mais que amemos a análise, uma parte de nós
também a odeia (Steiner, 2000). A dedicação ao trabalho analítico contínuo (em
nós mesmos e com os pacientes), nos destina não somente à incerteza, mas
também a enfrentar o que menos gostamos em nós mesmos e nos outros
(Steiner, 2000).
Comentários finais
No presente artigo discutimos algumas de nossas experiências de
amadurecimento e as analisamos sob várias perspectivas teóricas. Alguns
leitores reconhecerão no que descrevemos algo de suas próprias experiências de
amadurecimento como analistas, enquanto que outros não o farão. De fato, um
tema recorrente em nosso trabalho tem sido o fato de que falar com pacientes,
colegas e alunos em termos genéricos é anti-analítico (no sentido de representar
um fracasso para pensar e falar por si mesmo). Como Bion (1987) observa no
comentário citado no início deste artigo, parte de tornar-se um analista é evoluir
em uma direção que não é nem determinada por teoria, nem dirigida
exclusivamente pela identificação com os outros: “O analista no qual você se
torna é você e somente você – isso é o que você usa ...” (p. 15). O discurso
analítico envolve o que é único, idiossincrático e vivo na experiência particular
26
de um determinado indivíduo. Tornar-se um analista envolve necessariamente a
criação de uma identidade altamente pessoal, que é diferente da de qualquer
outro analista.
Não podemos superestimar a dificuldade de tentar viver por esse ideal. Os
laços conscientes e inconscientes que temos com o que pensamos que sabemos
são poderosos. Mas a luta para superar estes laços (pelo menos em um grau
significativo) é o que exigimos de nós mesmos em cada sessão. Em nossa
experiência verificamos que quando o analista está confuso, é quando ele faz
seu melhor trabalho analítico.
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Tradução de Margarida C. T. Busatto