sítios arqueológicos e a paisagem na serra do curupira...
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIENCIAS HUMANAS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
Sítios Arqueológicos e a Paisagem na Serra do Curupira. Província Serra Paraguaia-Araguaia, Rosário Oeste,
Mato Grosso.
Suzana Hirooka
AGRADECIMENTOS A realização deste trabalho foi possível mediante a ajuda pessoal e financeira de diversas pessoas e instituições, para as quais gostaria de expressar meus sinceros agradecimentos: • À CAPES, que proporciou a bolsa de estudo; • Ao Instituto de Geociências da UFMT, que possibilitou o uso dos laboratórios e
materiais; • Ao orientador Klaus Hilbert, pelos ensinamentos, sugestões, apoio e incentivo, os
quais proporcionaram a minha formação profissional; • Aos Morrarianos que pacientemente me ensinaram sobre o ambiente vivo, em
especial Seu Jacinto e Dona Clara; • Aos amigos de campo com os quais enfrentamos grandes desafios: Benetido
Cassiano de Paiva, Mário de Castro, Marilene Gouveia Oliveira, Selma D'Avila, Joanita Pinto, Heloisa Santos, João Felipe Garcia Costa e José Guilherme Aires Lima;
• Ao cartógrafo Manuel Weindorf pelo auxílio e pela contribuição na confecção do modelo tridimencional;
• Ao Paul Rawiel, pelas sugestões na estrutura do texto e pela contribuição na confecção do mapa de localização e do modelo tridimencional;
• À Raquel Quadros e Antonio Copriva, pela avaliação e redação final do texto; • À Gisleine Monticelle e ao João Felipe Garcia Costa, pelo auxílio na revisão final
do texto; • Aos biólogos Profº José Roberto Borges Monteiro e Profº Dalci Mauricio de
Oliveira, pelos esclarecimentos e pela identificação das espécies animais e vegetais; • Aos geólogos Profº Deocleciano Bittencout Rosa e Profº Gerson Souza Saenz, pela
identificação das rochas e minerais e pelo auxilio nas análises das lâminas petrográficas;
• Ao Fánio Teixeira Guimarães pela confecção das lâminas petrográficas; • Aos moradores do Bauxi pela hospitalidade e pelo apoio nos trabalhos de campo.
RESUMO
Neste trabalho são discutidas as relações entre sítios arqueológicos, ambiente atual e paleoambiente na região da Serra do Curupira, Província Serrana Paraguai-Araguaia, Município de Rosário Oeste, Mato Grosso. A análise da evolução da paisagem durante o Pleistoceno possibilitou concluir que o paleoambiente, estabelecido antes de 5.000 AP., perfaz um arcabouço ambiental que não favoreceu a subsistência de populações humanas nos sítios arqueológicos estudados. O ambiente constituído a partir de 5.000 AP., possibilita a sobrevivência de populações humanas, através de uma rede de sítios que interage com a estrutura do ambiente, a fim de captar os recursos necessários à subsistência. O estudo das unidades de paisagem e as suas qualificações em recursos alimentares, de manufatura, líticos e hidrícos, permitiu a tentativa de elaboração do modelo de assentamento hipotético para a área.
LISTA DE FIGURAS 1- Mapa de localização 2- Perfil topográfico da porção mediana da Província Serrana Paraguai-Araguaia. 63 3- Mapa de vegetação 93 4- Mapa geomorfológico 94 5- Mapa geológico 95 6- Mapa das unidades de paisagens 96 7- Relações de parentescos entre os Morrarianos, índios e negros. 98 8- Manifestação artística encontrada na gruta do Córrego Seco. 135 9- Mapa da Gruta do Saranhão. 137 10- Lascas: lascas retocadas (A e B), lâminas (C), lasca com comprimento maior
que 5 cm (D) e lasca discóide com espessura entre 25 - 50% do comprimento 158
11- Raspadores: raspador distal (A) e raspador disto-lateral (B) 159 12- Raspadores Discóides 160 13- Raspadores Bilaterais 161 14- Núcleos: núcleo redondo (A) e núcleo com plataforma cortical (B) 162 15- Ferramenta polida 163 16- Reconstituição das cerâmicas. (A) cerâmica com antiplástico do tipo areia, (B
e C) cerâmicas com antiplástico do tipo cariapé. 164
17- Modelo de assentamento para área da serra do Curupira
LISTA DE GRÁFICOS 1- Altura média de chuvas na região da serra do Curupira 49 2- Representação das fases climáticas do Pleistoceno Superior e Holoceno,
segundo datações levantadas para a região da Amazônia. 61
3- Período de frutificação na mata alta. 107 4- Período de frutificação no cerrado 120 5- Frequência de tipos de lascas encontradas na região da serra do Curupira 143 6- Frequência de matéria-prima distribuída entre os raspadores encontrados na
serra do Curupira 146
7- Relação entre altura e comprimento dos raspadores encontrados na serra do Curupira.
147
8- Relação entre comprimento e largura dos núcleos 149 9- Frequência de tipos de lascas por sítios arqueológicos 156 10- Frequência de matéria-prima distribuída entre os objetos líticos por sítio
arqueológico 157
11- Relação entre número de artefato coletado e o número de tipo presente por sítio arqueológico.
158
12 Frequência dos recursos disponíveis nas unidade de paisagens pesquisadas 169
LISTA DE TABELAS 1- Lista de espécies vegetais encontradas no cerrado típico. 74 2- Lista das espécies vegetais encontradas na floresta de galeria 75 3- Lista das espécies vegetais encontradas na floresta sempre-verde 81 4- Lista das espécies vegetais encontradas na floresta decídua 87 5- Lista das espécies vegetais encontradas no campo cerrado. 92 6- Lista de vegetais da mata alta com potencial alimentar, segundo os
Morrarianos. 104
7- Listas de vegetais da mata alta usados como matéria-prima manufatureira, segundo os Morrarianos.
109
8- Lista dos animais ocorrentes na área de estudo com potencial à alimentação
113
9- Lista de vegetais do cerradão com potencial alimentar, segundo os Morrarianos.
119
10- Lista de vegetais do cerradão usados como matéria-prima manufatureira, segundo os Morrarianos
122
11- Lista de minerais disponíveis por unidade de paisagem 170
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo geral estudar as relações entre sítios
arqueológicos e ambiente, na região da Serra do Curupira, Província Serrana Paraguai-
Araguaia, Município de Rosário Oeste, Estado de Mato Grosso. A área em pesquisa
constitui-se de quatro ambientes com diferentes disponibilidades de recursos para o uso das
populações pré-históricas. A meta é enfocar os aspectos físicos e biológicos do ambiente e
paleoambiente, próximos aos sítios arqueológicos, a fim de levantar pontos corroborativos
às decisões de assentamento de grupos pré-históricos.
Parte dos dados apresentados são o resultado do projeto "Zoneamento
espeleológico, arqueológico e paleontológico nas Serras das Araras e Curupira, Província
Serrana Paraguai-Araguaia, Rosário Oeste, Mato Grosso", sob minha coordenação.
Contudo, o projeto teve como resultado o levantamento dos monumentos pré-históricos e a
caracterização generalizada do ambiente da área em estudo. Com base nos aspectos teórico-
metodológicos da arqueologia ambiental e espacial, aprofundou-se e ampliou-se os dados
do referido projeto, procurando estabelecer as relações possíveis entre o homem do passado
e o ambiente presente e passado.
Desse modo, esta dissertação apresenta seus dados em seis capítulos. No
primeiro, expõe os aspectos teóricos e metodológicos, com ênfase nas teorias ecológicas
aplicadas à arqueologia. O segundo capítulo aborda o paleoambiente, através da descrição
física e biológica da área em estudo, durante o Pleistoceno e Holoceno. O terceiro capítulo
trata do ambiente atual, através da descrição do ambiente natural no período Recente. O
quarto capítulo descreve o ambiente percebido pela população tradicional, principalmente
no que se refere à qualificação dos recursos disponíveis na área. O quinto capítulo classifica
os sítios arqueológicos através dos fatores geográficos e da composição da cultura material
e os descreve a nível macro e semi-micro. O sexto e último capítulo expõe sobre os
artefatos encontrados nos diferentes sítios arqueológicos e narra uma tentativa de
interpretação do padrão de assentamento.
1.1- Localização da Área em Estudo
A área, objeto de estudo, situa-se no Município de Rosário Oeste, na porção
noroeste do Estado de Mato Grosso. Ela está inserida entre as latitudes 15º 08' 25" e 15º 14'
45" e as longitudes 56º 41' 53" e 57º 50' 57", totalizando uma superfície de 184,68 km². O
limite Sul da área situa-se nas proximidades das nascentes da sub-bacia do rio Jauquarinha.
O limite Oeste intercepta as serras da Camarinha e do Limboso. A Norte o limite localiza-se
nas proximidades da rodovia MT-104 e o limite Leste situa-se no vale do rio Chiqueirão.
A localidade mais próxima é a Colônia Agrícola de Bauxi, a qual está
inserida na área de estudo. A distância de Cuiabá à referida localidade é de cerca de 110
Km.
O acesso é feito através das rodovias BR-364 e MT-104. As estradas
vicinais, que ligam a rodovia ao interior das serras, não são pavimentadas. A distância
máxima percorrida nestas estradas é de 10 Km, sendo que o restante da área foi examinada
através de picadas e trilhas abertas na vegetação nativa (Fig. 1).
1.2 - Histórico dos Trabalhos Arqueológicos na Região da Serra do Curupira.
As pesquisas arqueológicas na região resumem-se aos trabalhos realizados
por Perie, Vilhena-Vialou e Vialou no sítio arqueológico do Abrigo de Santa Elina, situado
a 21 km ao Sul da área de pesquisa e aos levantamentos arqueológicos realizados por Lima
et al.; Hilbert e Hirooka na região da Serra das Araras e Curupira.
PERIE (1984), inicia os trabalhos pesquisando o potencial arqueológico de
uma vasta região ao Sul de Mato Grosso, incluindo a Província Serrana Paraguai-Araguaia.
Nesse trabalho houve uma preferência, quase que exclusiva, por sítios de arte rupestre,
sendo localizados 79 sítios. O único sítio localizado na região da Serra do Curupira foi o
sítio do Abrigo de Santa Elina.
A pesquisa contém dois aspectos: um geográfico e outro arqueológico. O
primeiro, basicamente, é o estudo cartográfico visando o estabelecimento da existência de
passagens terrestres naturais que permitiram a ligação de áreas em contextos diferentes e
distantes. O segundo aspecto, o estudo arqueológico, estabelece-se na identificação de sítios
com arte rupestre, em uma área previamente estabelecida pela fase cartográfica. O trabalho
visava colocar em evidência a importância do relevo e da paisagem sobre o paleo-índio, a
fim de estudar os mecanismos práticos de deslocamento das populações.
VIALOU (1987), estuda a arte rupestre do abrigo de Santa Elina e atribui as
representações a diversas culturas pré-históricas que se sucederam na região. O autor divide
as representações em 5 categorias: os indeterminados (vestígios ininteligíveis), os motivos,
os signos, os animais e os humanos. Estas representações, por vezes, estão sobrepostas e
apresentam-se nas cores violeta, laranja, vermelho e preto. VIALOU (op cit), acrescenta
que a definição temporal desta sucessão é impossível mensurar, até o dado momento.
VILHENA-VIALOU e VIALOU (1989), determinam na arte rupestre do
Abrigo de Santa Elina, cerca de 850 representações distribuídas sem descontinuidade pelo
paredão calcário que constitui este abrigo. As técnicas utilizadas foram três: o
picoteamento, com uma dezena de representações que se sobrepõem às pinturas; a pintura,
que representa a maioria dos 116 animais e 6 figuras humanas, e o desenho, que constitui os
sinais. Segundo os autores, alguns animais não podem ser identificados sob o ponto de vista
zoológico. Entretanto, pode-se chegar com segurança aos seguintes animais: 23 veados
machos com galhadas, 31 veados fêmeas e filhotes, ave de rapina, uma grande ave pernalta
(nambu), sete macacos com o rabo em espiral, um pequeno pecari (porco-do-mato), duas
arraias, um grande felino e três antas.
VILHENA-VIALOU (1987), descreve as escavações realizadas no sítio
arqueológico de Santa Elina, envolvendo cinco níveis de ocupações em solos de origem
calcária, com excepcional qualidade à preservação dos vestígios orgânicos. A sequência
cronoestratigráfica obtida é a seguinte:
• A camada superficial está composta por solos pulverulentos de
origem calcária. A indústria lítica possui como matéria-prima o sílex, quartzo e calcário
metamorfisado. Neste nível foram encontrados nove fragmentos cerâmicos.
• A 25 cm de profundidade, em uma datação de 2.350 ± 60 AP, foram
encontrados três pedaços de madeiras silicificadas, inclinadas, de mais de 40 cm de
comprimento e com diâmetro de 10 cm. Ainda foi encontrada uma concentração de carvões
e pedras "quentes".
• A 38 cm de profundidade com uma datação de 2.990 ± 60 AP, tem
início um sedimento marrom de resistência maior, devido às concreções calcárias. Em
particular foi encontrada uma mandibula de Agouti.
• A 65 cm da superfície, num nível datado em 3.970 ± 60 AP, ocorrem
muitas concentrações de carvões, a mais densa de toda a escavação; são concentrações de
aproximadamente 80 cm de diâmetro e 5 cm de espessura. Os pedaços de carvões são
pequenos, com cerca de 4 cm. Ainda neste nível são encontrados frutos de palmeiras.
• A 85 cm de profundidade, iniciam-se as camadas datadas em 5.690 ±
70 AP. Este nível está caracterizado pelo grande número de vegetais conservados, como:
frutos e folhas.
• A 110 cm, inicia-se a última ocupação até o dado momento, datada
em 6.040 ± 70 AP. A autora sugere uma formação estratigráfica diferente das precedentes,
sem maiores detalhes.
VILHENA-VIALOU e VIALOU (1989), acrescentam que as camadas
pertencem a três conjuntos climáticos. O primeiro envolve a camada da superfície até 60-80
cm de profundidade, composto por sedimentos finos (silte) de coloração branca e cinza,
correspondendo a um clima seco. O segundo conjunto abrange as camadas de 60-80 cm a
100 cm, formadas por um solo siltico-arenoso de cor marrom-escura intercalado de
concreções com abundância de restos vegetais, representando uma fase úmida. O terceiro e
último conjunto envolve camadas a partir de 1 m com sedimentos finos, pulverulentos, de
cor bege ou cinza, e blocos de calcários de 20 X 20 X10 cm1, que provavelmente
correspondem a uma antiga fase seca.
Os autores supra-citados ainda colocam que o material lítico utilizado
procede do próprio abrigo, sendo composto principalmente de calcário marmorizado, o qual
fornece lascas com gume semelhante ao sílex e a calcita. Os quartzos, arenitos e geodos
foram trazidos brutos das proximidades do abrigo e confeccionados "in loco". VILHENA-
VIALOU e VIALOU (1989: 38), descrevem a indústria lítica do Abrigo de Santa Elina do
seguinte modo:
"...utilizando os blocos naturais
resistentes em forma de paralelepípedo, transformando-os em núcleos pelas retiradas de algumas lascas, jamais esgotando a matéria-prima, ou então, transformando-os em blocos utilitários e, como tal, apresentando suas
1 Em publicações posteriores, VILHENA-VIALOU e VIALOU (1989), descrevem que estes blocos assumem a forma de paralelepípedos relativamente regulares, de faces planas, arranjados em 8 m² como se fossem um piso.
arestas desbastadas com retiradas e desgastes....Trata-se de uma perfeita adaptação local cuja indústria, grosseira, é composta de numerosas lascas, poucas estilhas e raras lascas laminares e de alguns utensílios: lascas com reentrâncias e lascas retocadas."
VIALOU et al. (1995), de posse dos dados oriundos das camadas mais
profundas do sítio do Abrigo de Santa Elina, estabelecem três unidades sedimentológicas. A
unidade I possui várias camadas antrópicas em sedimentos pulverulentos, com artefatos
líticos, adornos, alguns remanescentes da fauna e abundantes vestígios de origem vegetal.
Estes remanescentes , segundo os autores, indicam uma economia mais à base da coleta do
que da caça. Esta unidade estende-se até o nível datado em 6.000 AP, onde ocorrem os
blocos calcários arranjados na forma de um piso. A unidade II apresenta sedimentos
arenosos com concreções, correspondendo a uma fase "streaming". Os artefatos líticos,
encontrados nesta unidade, são poucos e diferentes da unidade I. As estruturas antrópicas
são os remanescentes vegetais datados em 7.600 até 7.900 AP.. Na base desta unidade
foram encontrados fragmentos ósseos de Glossotherium aff. G. lettsoni, datado em 10.120 ±
60 anos AP. A unidade III é composta por areias grossas que continham 40 artefatos. A
datação realizada em madeiras alteradas apresentou uma idade de 22.000 a 23.000 AP. Os
autores citados ainda registram a presença de um segundo nível, também, contendo fósseis
de Glossotherium aff. G. lettsoni (fragmento de maxilar direito e osteodermas) associados a
dez ferramentas. As datações realizadas com os fósseis de osteodermas registraram uma
idade de 32.000 + 5.000 / - 4.000 AP.
O trabalho de LIMA et al. (1986), possui como objetivo final o levantamento
dos recursos para a delimitação de unidade de conservação. Os trabalhos procederam-se
através do levantamento generalizado dos recursos naturais e dos sítios pré-históricos
(paleontológico e arqueológico). Com exceção dos sítios arqueológicos MT-SC-06-Pita e
MT-SC-07-Pasto, todos os outros sítios foram localizados e o material coletado na
execução deste trabalho. O trabalho ainda registra a presença de mais dois sítios
arqueológicos na região, sendo eles: Pedra de Santa Luzia e Pedra de Rastro.
HILBERT (1994), delineia modelos de padrões de assentamento para a
região das Serras das Araras e Curupira, na Província Serrana. O autor apresenta três
modelos de assentamento: um para caçadores coletores, outro para agricultores incipientes e
outro para ceramistas. O modelo para caçadores coletores delineia um modelo marcado por
movimentos sazonais. Os assentamentos estabelecem uma dinâmica de acampamentos
centrais abastecidos por acampamentos sazonais, acampamentos secundários e
acampamentos temporais. O autor estabelece que os abrigos e cavernas que não fossem
utilizados como locais sagrados foram os principais pontos de habitação em períodos
chuvosos. Nas proximidades destes locais estabelecer-se-ia uma rede de sítios secundários
com atividades de caça e coleta. Entretanto, para os períodos mais secos, a ocupação se
daria nas áreas baixas, através de acampamentos temporários. Os assentamentos ocorreriam
por uma ampla área, fixando-se por um tempo relativamente curto em pontos determinados
pelas fontes de subsistência.
O modelo de assentamento para os agricultores incipientes é semelhante ao
modelo elaborado por Butzer (1984), denominado de "sistema sazonal pendular". Neste,
são característicos os acampamentos semi-permanentes e temporários que estão ligados a
acampamentos secundários. Segundo HILBERT (1994), os abrigos e grutas funcionariam
como acampamentos semi-permanentes e em períodos de escassez de alimentos seriam
estabelecidos acampamentos temporários. Ambos estariam associados com acampamentos
secundários onde seriam executadas as tarefas de caça e coleta.
Os grupos ceramistas da área possuem poucas evidências descobertas até os
dias atuais. O modelo de assentamento para estes grupos parte da inferência da existência
de sítios ceramistas na área e que não foram descobertos. As cavernas e abrigos estariam
representando locais sagrados, os quais seriam usados como locais de enterramento. As
grutas e abrigos possuiriam entre os ceramistas um caráter de respeito e temor. Isto
implicaria que a área ao seu redor fosse pouco utilizada, ou frequentada apenas para um uso
específico.
HIROOKA (1995), estabelece zonas ambientais para a região das serras das
Araras e Curupira. As zonas ambientais foram definidas através da sobreposição dos dados
referentes a geologia, geomorfologia e vegetação. Os dados em relação à arqueologia foram
abordados no sentido de oferecer uma evidência dos riscos de destruição dos sítios. Além
dos sítios já descobertos por Lima et al., foram localizados os sítios nas grutas Machado e
Camarinha e o sítio a céu aberto do Jauquara.
Este trabalho resultou na delimitação dos recursos naturais disponíveis e na
situação do uso e ocupação atual. A autora estabelece que a ação antrópica atual é distinta
em cada zona ambiental e que isto ocorre em função de seu potencial. Este trabalho é de
importância no escopo desta dissertação, pois esta é uma continuidade desse trabalho,
retendo grande parte de suas idéias e metodologias.
CAPÍTULO Erro! Argumento de opção desconhecido. TEORIAS E MÉTODOS
As teorias permitem racionalizar, explicar e dominar o objeto de pesquisa. A
medida que as teorias insatisfazem estes três requisitos, elas passam por mutações, afim de
melhor se adequarem a crescente evolução do conhecimento científico (Popper,1959). As
teorias arqueológicas passaram por várias racionalizações e explicações, algumas em
consenso aos paradigmas de outras áreas do conhecimento, como a antropologia e a
história. Entretanto o terceiro requisito - o domínio do objeto de pesquisa - passou a ser
expressado com maior clareza, quando a arqueologia passa a ser considerada como uma
ciência. A partir deste ponto, passa-se a observar um campo específico de trabalho e não
diversos campos da ciência que dividiam o domínio da arqueologia.
Arqueologia é uma ciência que possui métodos e disciplinas próprias. A
concepção da arqueologia como ciência é dada pelo fato da arqueologia possuir um objeto
específico de estudo, com seus próprios objetivos, que não são abordados por outras
ciências. O principal objetivo da arqueologia é compreender o comportamento do homem
através de evidências indiretas (TRIGGER,1992). O entendimento da atuação do homem
pré-histórico, somente é possível através da interpretação dos seus vestígios. Estes, nem
sempre resistem ao tempo, restando para os trabalhos arqueológicos poucas evidências a
serem interpretadas.
Os poucos vestígios que resistem ao tempo são explorados intensamente. A
análise pode passar por várias teorias, métodos e escalas, abrangendo desde o artefato até
uma complexa rede de sítios (CLARK,1977). Os vestígios, podem fornecer uma série de
informações, abordados por diferentes disciplinas ou ramos da arqueologia. Muitas vezes,
somente os vestígios que persistiram no tempo, não são suficientes para elucidar o
comportamento dos homens no passado. Para obter uma aproximação realística são
necessários métodos e modelos de outras ciênciais. A interdisciplinariedade na arqueologia
é um auxílio para o alcançe dos seus objetivos (BUTZER,1982).
As teorias e métodos gerais, abordados neste trabalho, estão em consenso
com um ramo específico da arqueologia - a arqueologia ambiental. Segundo HENFRIW
(1993), arqueologia ambiental é uma disciplina que se ocupa em estabelecer as relações
entre homem e meio ambiente. A inter-relação é feita sob o aspecto teórico do sistema
ecológico ou ecossistema. Os elementos naturais como vegetação, fauna, relevo, clima e
outros são considerados como indicadores do comportamento dos homens que procuram
maneiras estratégicas de se adaptarem ao ambiente natural. A arqueologia ambiental possue
várias técnicas e indicadores que possibilitam o estabelecimento do ambiente das
comunidades humanas no passado. Os parâmetros da arqueologia ambiental são os vários
fatores ambientais, mais os elementos espaço e tempo (EVANS,1978)
Segundo MARQUARDT (1996), a arqueologia ambiental inicia quando os
conhecimentos de geomorfologia, sedimentologia, pedologia, tafonomia, climatologia,
paleoecologia e arqueobiologia são aplicados na arqueologia. O autor ainda complementa
que atualmente, a arqueologia ambiental capacita arqueológos no entendimento dos
processos ambientais em grande escala.
REITZ, et al. (1996), esclarecem que arqueológos ambientais interpretam o
comportamento humano dentro de um contexto ambiental natural. Os autores colocam que
o comportamento humano é uma armação ambiental que inclui fenômenos espaciais,
temporais, físicos e bióticos. A investigação inclui domesticação de plantas e animais,
padrões de assentamento e sazonalidade, estratégia de obtenção, comércio entre zonas de
recursos, mudança de recurso, e outros tópicos (DEAGEN,1996).
1.1- Arqueologia e a Interpretação Ecológica
A visualização da influência do meio ambiente sobre os vestígios
arqueológicos, iniciam na história da evolução do conhecimento arqueológico, de maneira
simplista, envolvendo grande atuação dos determinismos ambiental e cultural (vide item
1.4). Segundo REITZ, et al. (1996), os dados ambientais eram incluídos, nos trabalhos de
arqueologia, como simples listas. A complexidade do assunto foi percebida através do
entendimento e aplicação dos conceitos das teorias da ecologia, em especial a ecologia
evolutiva.
As bases fundamentais da teoria ecológica, segundo ODUM (1992), é a
definição de ecossistema, ou seja um sistema aberto onde uma comunidade de organismos
mantém uma relação com o meio físico, definindo uma unidade em equilíbrio. As relações
funcionais e estruturais entre organismos e ambiente são os principais focos das atenções
dentro da ecologia. A aplicação deste conceito à arqueologia implica em uma visão
sistêmica do registro arqueológico, onde os processos de interação entre homem e ambiente
envolvem estruturas lógicas.
"...la perspectiva de sistemas....emerge a
partir de ..una noción de totalidade, la cual prontamente se aplica al análisis de organismo, sociedade y culturas..." (ARNOLD, 1988:17)
Os vestígios arqueológicos, articulam-se à matriz ambiental, representada
pela distância ou espaço, topografia ou paisagens e recursos vegetais, animais e minerais, os
quais expressam relações com o contexto social, político e econômico (MORÁN,1990). A
relação sistêmica entre homem e ambiente resultam em um contexto espacial que expressa
fenômenos sócio-econômicos (Butzer,1982).
BUTZER (op cit), apresenta cinco temas centrais para esta aproximação
sistêmica: 1- Espaço - representando o padrão espacial do relevo, fauna, flora, bem como
dos fenômenos humanos. 2- Escala - representando as configurações humanas e ambientais
estabelecidas através da definição da escala temporal e espacial. 3 - Complexidade -
expressando uma flexibilidade temporal e espacial nas delimitação e classificação de
comunidades humanas e biológicas. 4 - Interação - considerando a interação do homem com
um ambiente complexo, onde os recursos estão distribuídos diferencialmente. 5 - Estado de
equilíbrio - considerando que comunidades tanto humana como não humanas são afetadas
por "feedback" negativo, resultando em processos internos ou externos.
A consideração sistêmica, envolvendo sistemas de assentamento e
subsistência, implica na visualização dos vestígios arqueológicos no contexto de uma
grande escala. Esta escala deve proporcionar o enquadramento do recurso com toda a sua
complexidade e a distribuição espacial dos sítios arqueológicos. CLARKE (1977),
demonstra que a escala adotada proporciona uma determinada informação da ação humana.
Uma escala macro oferece dados da ação econômica dos homens, sendo a relação
estabelecida entre homem/ambiente. Enquanto que um nível semimicro e micro prevalecem
as questões sociais e culturais, em uma relação homem/homem. Deste modo, a escala
adotada passa a determinar o tipo de informação resgatada a respeito do comportamento
humano. Os trabalhos que objetivam a relação entre estruturas em uma escala pequena, que
possibilita o enquadramento de casas ou mesmo de um assentamento, facilita o resgate das
ações que incluem o fator humano, no sentido social, político e religioso.
A visão sistêmica a partir de uma grande escala, estabelece a interação entre
homem e ambiente, levando em consideração a variabilidade espacial. CLARKE (op cit),
oferece o conceito de espaço de recurso, no qual reconhece a distribuição diferencial dos
recursos no espaço. O autor estabelece o espaço como um recurso em si, sendo este,
definido pela concentração de flora, fauna, rocha e outros componentes naturais, que não
ocorreriam em áreas vizinhas. A consideração ao espaço do recurso oferece a visão de um
ambiente heterogêneo.
" O termo técnico "espaço de recurso" é aqui introduzido como um valioso reconhecimento que uma área no espaço pode ser um recurso em si próprio e muito usado, enquanto outro espaço vizinho poderia não ser usado ou visitado de modo algum - em um micro-plano a área ao redor do fogo ou fogão de cozinha ou no abrigo de uma casa são espaços de recursos, e deste modo são as zonas de solos para uma boa agricultura, as pastagem ou os recursos minerais em uma escala diferente " (CLARKE,1977:9)2
AMBROSE e LORENZ (1990) in: LANATA (1993) elegem cinco
elementos chaves para a definição da estrutura do recurso, sendo elas: previsão,
distribuição, densidade, disponibilidade e diversidade dos recursos em uma determinada
área. Esta consideração impõem a necessidade de observar aspectos que variam no espaço,
como: densidade, variedade e distribuição e outros que variam no tempo como:
disponibilidade e previsibilidade.
A abordagem do ambiente natural em trabalhos arqueológicos implica na
visão dinâmica do ambiente, que possui uma complexidade espacial e temporal. Esta visão
dinâmica também extende-se ao homem, que articula-se com um ambiente não estável.
Partindo-se deste ponto a variabilidade do comportamento humano está concatenado à
dinâmica deste sistema (BUTZER,1982).
"...Arqueólogos não estão primeiramente
interessados em modelar uma mudança ideal de bens e serviços sobre condições de exigências uniforme através de uma paisagem econômica sem limites. Eles estão muito mais preocupados com os desvios potenciais do
2 The technical term "resource space" is introduced here as a valuable recognition that one area of space may be a resource in its own right and much used, while another neighbouring space may not have been used or visited at all - at the micro-level the areas around a fire or cooking range or in the lee of a house are resource spaces and so are zones of good agricultural soil, grazing pastures or mineral resources, at a different scale " (Clarke,1977 :9)
espaço refletindo em um ambiente não uniforme ou decisões feitas com respeito aos critérios sociais, religioso e cognitivo, bem como considerações econômicas e estratégicas." 3 (BUTZER, 215-214).
A dinâmica do comportamento de grupos caçadores coletores está
relacionada aos padrões de mobilidade, sazonalidade, cronograma de atividades e trocas na
função dos sítios. A flexibilidade comportamental em função de uma melhor adequação ao
ambiente, é definida como estratégias adaptativas (LANATA, 1993). As estratégias incluem
comportamentos efetuados em um intervalo de espaço-tempo que representem um conjunto
de efeitos sobre o organismo (VAYDA e MCCAY,1975 in: WINTERHALDER,1981).
BUTZER (1982), as define como "...uma rede de comportamentos simultâneos ou
sequênciais que refletem o mapeamento cognitivo do ambiente..."4. O autor acrescenta que,
os sistemas adaptativos estão definidos pelo comportamento social, tecnologia e
oportunidades e limitações de recursos que podem refletir em estratégias de subsistências e
padrões de assentamentos.
LANATA (1993), esclarece que, para desenvolver trabalhos sobre estratégias
adaptativas de caçador coletor se faz necessário, além da análise do recurso, um exame dos
registros arqueológicos, como a diversidade do registro arqueológico e as análises do
tamanho da amostra, classes e densidade de artefatos.
O ambiente é uma forte força na forma de adaptação de caçadores coletores
(BINFORD,1977 in: BETTINGER,1987). Em parte esta ligação se processa na
dependência do ambiente para a sua sobrevivência, o alimento e outros recursos necessários
a sua subsistência é retirado em sua totalidade do ambiente natural. Os recursos possuem
3Archaeologists are not primarily interested in modeling an idealized exchange of goods and services under conditions of uniform demand across an unbounded economic landscape. They are however , very much concerned with potencial spatial deviations reflecting a nonuniform enviroment or decision making with respect to social, religious, and cognitive criteria, as well as economic and strategic considerations" (Butzer,1982:215-214). 4"as sets of behaviors, either simultaneous or sequencial that reflect cognitive mapping of the enviroment..."(Butzer,1984:283)
uma estrutura, estabelecida pela sua localização e periodização, que deveria ser reconhecida
pelos grupos humanos pré-históricos. A estrutura do ambiente é um componente de grande
importância nas tomadas de decisões do grupo. Este conhecimento articulado ao
comportamento social e tecnologia estabelecem uma organização social que supria com
eficência as necessidades de subsistência do grupo (BUTZER,1982 e LANATA, 1993).
As ações do homem, de certo modo, estão em conjunção com uma maneira
de sobreviver no ambiente natural e social, a escolha de determinadas ações demonstram a
sua eficiência, seja ela sobre o ambiente natural ou social (LÉVI-STRAUSS, 1963). A
maneira como um ambiente é explorado envolve uma ação racional que reconhece a
estrutura do recurso. A otimização da aptidão para a captação de recursos envolve uma
seleção de alternativas que proporcionariam a satisfação das necessidades de uma
população. As teorias ecológicas são um respaldo para o entendimento à decisão da
estratégia de subsistência e padrões de assentamento de grupos caçadores coletores.
1.2- Teoria da Forrageação Ótima
Nos últimos anos os trabalhos com caçadores coletores tem sido
desenvolvidos a partir de duas teorias: a teoria da forrageação ótima (optimal foraging
theory) e a teoria de curto alcançe (midle-range theory) (etnografia) (BETTINGER, 1987).
A teoria da forrageação ótima (EMLEN,1966) tem por escopo estabelecer uma relação entre
caçador coletor e ambiente natural, a partir da adaptação das bases teóricas da ecologia
evolutiva. A ecologia evolutiva rege o princípio de que as populações tomam determinadas
atitudes a fim de alcançar um comportamento ótimo. O comportamento refere-se,
principalmente, ao relacionado à procura de recursos. A condição ótima significa a escolha
de um comportamento eficiente, que satisfaça as exigências da população de maneira
positiva. O comportamento eficiente deverá ser compatível com as características e
peculariedades de cada ambiente. O ambiente é um fator de inter-relação que é variável e
dinâmico, a adaptação da população envolve a escolha de estratégias ótimas (eficientes).
" A ecologia evolutiva enfatiza as adaptações otimizantes das populações aos ambientes locais,.... A relação entre otimização e adaptação é um tema central na ecologia evolutiva....ecologia evolutiva inclui considerações sobre a capacidade de decisão dos organismos e sua flexibilidade comportamental" (MORÁN,1990:75).
A teoria da forrageação ótima prediz que uma população assume um
comportamento que proporcione a forrageação do ambiente de maneira ótima, num sentido
de obter maior benefício energético e menor custo de procura e coleta. O termo forragear
implica em toda a atividade que se destina a aquisição de alimentos, não diretamente
cultivados, e de outros recursos, através da: caça, pesca, coleta ou outras técnicas.
(LEWONTIN,1970:1 in: WINTERHALDER,1981:16). BETTINGER (1987), define a
teoria da forrageação ótima do seguinte modo:
"...a parte que trata da decisão racional feita pelos indivíduos de acordo com as condições específicas que incluem recursos e meios limitados e necessidades ilimitadas...presume-se que em certas áreas as decisões humanas são feitas para maximizar a porcentagem de energia ganha"5. (BETTINGER,1987:131).
A valoração das taxas de energia, muitas vezes não são aplicadas com
medidas e índices numéricos. A estimação do valor de custo e benefício se dá através das
5"its principles constitue...the part that attends to the rational decision-making of individual unger a set of specified conditions that include limited resources and means and unlimited needs...presumes that in certain areas human decisions are made to maximize net rate of energy gain" (Bettinger,1987:131)
definições e medidas de várias variáveis de uma localidade. Estas variáveis incluem
comportamentos (ou comunidades) e fatores do ambiente natural. O custo e benefício
proporcionado por determinada atividade em um ambiente específico é estimado e
comparado a outras situações. A comparação ocorre em situações semelhantes e caso haja
uma repetição do conjunto de variáveis, pode-se sugerir que a seleção alcançou soluções
ótimas (WINTERHALDER,1981).
A aplicação ao caso humano não pode ser vista como uma condição de
predisposição genética, como postula a ecologia evolutiva aplicada a biologia. A análise de
problemas arqueológicos, através dos princípios da ecologia evolutiva, implica na escolha
racionalmente feita do comportamento de forrageação eficiente e eficaz que são
transmitidas para populações futuras. Segundo WINTERHALDER (1981), o enfoque da
teoria da forrageação ótima aplicada ao comportamento humano:
"...é a acumulação e integração da experiência pelos meios culturais. Informações passadas de gerações para gerações pela cultura proporciona muitas das estruturas estratégicas com que específica seleção e opção são exercidas por indivíduos ou grupos de forrageadores humanos"6 (WINTERHALDER,1981:17).
A teoria da forrageação ótima, possui forte ligação com o modelo da
amplitude de dieta (diet breadth model). A amplitude de dieta significa que grupos de
caçadores coletores possuem certas preferências ou selecionam itens alimentares, que são
coletados em diversos ambientes. A diversidade e extensão destes recursos são dados
importantes na comparação e qualificação das variáveis utilizadas na teoria da forrageação
ótima. A utilização da amplitude da dieta induz a formulação da decisão da subsistência dos
6"...accumulation and integration of experience by cultural means. Information passed from generation to generation by cultur provides much of the strategic framework within which specific choices and options are exercised by individuals or groups of human foragers. ...." (Winterhalder, 1981:17)
grupos caçadores coletores. Os valores energéticos de cada item alimentar e o tempo gasto
em sua procura, são o enunciado da amplitude da dieta (WINTERHALDER,1981 e
MORÁN,1990).
A amplitude de dieta ótima é proporcional ao número de itens da dieta e ao
tempo de sua procura e coleta (ou caça). Uma população, cuja dieta comporta um grande
número de itens alimentares, requer um maior custo na sua perseguição e menor custo na
sua procura. O tempo que poderia ser gasto na coleta de toda diversidade de recursos não
proporciona uma maximização da dieta. Os grupos de caçadores coletores que utilizam de
ambientes ricos em recursos, passam a selecionar os itens para conseguirem uma taxa de
retorno mais eficiente. Deste modo, ambiente com abundância em recursos tornam as
populações de caçador coletor especialistas. Entretanto, grupos que vivem em ambiente
com escassez de alimentos, dispendem maior tempo na sua procura. Os itens da dieta
passam a ser menos discriminativos, ou seja ambientes pobres em recursos, proporcionam
grupos generalistas (MACARTHUR e PIANKA, 1966).
A mensuração dos valores energéticos e o custo da extração são fixados na
relativa abundância de cada item alimentar. Os valores definidos, muitas vezes não estão
em relação a uma unidade singular, expressa em calorias e nutrientes de cada item
alimentar, mas sim em relação ao seu contexto, envolvendo abundância, diversidade e
dimensão da área de ocorrência dos recursos. Segundo HARPENDING e DAVIS
(1977:280) as "...diversidades de dietas são mais importantes para grupos forrageadores que
as considerações do total do suplemento calórico"7. O item alimentar em si não induz a sua
inclusão na dieta de grupos, mesmo que esteja presente em grande quantidade. A
seletividade passa em primeiro plano pela análise de um todo. O item de recurso
visualizado em conjunto proporciona a comparação e a seleção (Bettinger,1987)
7 "...dietary diversity are more important for many foraging groups than are considerations of total caloric supply."
A teoria da forrageação ótima indica o comportamento de caçador coletor
que expressa uma ação econômica. Este comportamento tem por função adquirir recursos
naturais necessários para tornar viável a manutenção da população. Um comportamento
eficiente e eficaz, no sentido de um maior benefício à população com um menor custo,
somente é possível através da percepção da estrutura do ambiente. Ambiente este, assumido
de maneira heterogênea, dinâmica e complexa, envolvendo a sua flexibilidade espacial e
temporal.
1.3- Modelos de Mobilidade e Concentração de Recurso em Macro-Escala para Caçador Coletor.
Modelos de assentamentos, são hipóteses gerais testáveis (LEVINS,1966 in:
WINTERHALDER,1981), que enunciam diferentes estratégias adaptativas de populações
humanas. Os modelos de concentração do recurso e de mobilidade, implicam no
comportamento espacial e temporal de caçadores coletores pré-históricos em
compatibilidade com a dinâmica do recurso. Outros modelos, também são aplicados para a
correlação espacial entre homem e ambiente, como a análise de "catchment", modelo de
von Thümens, "Jochins gravity models", teoria do lugar central e outros. Entretanto, estes
modelos não proporcionam uma abordagem em grande escala, nem a visão dinâmica da
estrutura ambiental (vide item 1.4.1). Os modelos de concentração de recurso e mobilidade
são modelos de assentamento gerais que podem ser universalizados e testados
(BUTZER,1982).
1.3.1- Modelos de concentração do recurso
O modelo de concentração do recurso é formulado a partir da consideração
de que os recursos são dispersos ou concentrados. Os grupos de caçadores coletores
mediante esta informação, estabelecem diferentes estratégias para maximizar a captação de
energia (HORN,1968). O modelo abrange as variações espaciais do ambiente, onde são
medidas a abundância e diversidade dos recursos. Estes valores indicam áreas potenciais
para exploração que sugerem a "trajetória ótima de exploração para uma unidade mínima de
subsistência" (HARPENDING e DAVIS, 1977).
A variação na abundância do recurso implica em áreas com maior e outras
com menor densidade de recursos. O espaço entre as áreas com alta densidade de recurso
devem envolver uma distância acessível. Deste modo, áreas com distância entre os recursos
de várias dezenas de kilômetros não são interessantes para o estudo dos padrões de
mobilidade de caçadores coletores. A variação na concentração do recurso de poucos
metros, também não é relevante, já que esta distância pode ser percorrida a pé em poucos
minutos. O percurso explorado deve oferecer vantagens, em relação ao espaço entre as
concentrações, total de calorias e diversidade dos recursos. O trajeto inicialmente
selecionado pode ser substituido por outro, caso uma nova trajetória, ofereça mais
vantagens (HAPENDING e DAVIS,1977).
"...O comportamento de subsistência pode ser modelado como um "filter operating" sobre o ambiente, e a consequência daquele comportamento pode ser deduzido muito convenientemente. Este filtro expressa o efeito plano da frequência dos recursos disponíveis sobre um "range" de τ kilômetros dentro do domínio do tempo..."8 (HARPENDING e DAVIS, 1977: 279)
8 "Subsistence behavior can be modelled as a filter operating on the environment, and the consequences of that behavior can be deduced very conveniently. This filter expresses the smoothing effect in the frequency domain of averaging resources over a range of τ kilometers in the time domain
O tamanho da trajetória para a captação dos recursos está em função da
disposição espacial dos recursos. Uma trajetória maior está em compatibilidade com os
recursos agrupados, separados por espaços com menores densidade. No entanto, os recursos
uniformes e dispersos no ambiente, envolvendo uma densidade maior que a variação
espacial, favorecem a exploração de uma área menor. A trajetória máxima ocorre em
ambientes pobres em recursos, com distâncias entre as áreas de concentrações de recursos
de 10 a 100 kilômetros. A trajetória mínima é observada em ambientes ricos com áreas
relativamente grandes, ou onde a variação entre os locais de concentração de recurso
envolvem pequenas distâncias, proporcionando a exploração em ambientes particularmente
ricos (HARPENDING e DAVIS, op cit)
Estes ambientes particularmente ricos, ou seja locais onde existem grandes
áreas de concentrações de recurso, favorecem o agrupamento de populações. A mobilidade
destas populações são moderadas, já que há diversidade de recursos e a estratégia ótima
passa a ser a seleção de recursos. Caso, sejam pequenas as variações espaciais das áreas de
concentrações, a ocupação é mais uniforme e o tamanho dos grupos menores.
BUTZER (1982), com base no modelo de concentração de recurso, considera
três diferentes modelos de assentamentos para caçadores coletores. O primeiro basea-se no
ambiente uniforme com abundância de recursos hídricos e dispersão uniforme de plantas e
animais. Neste ambiente ocorreria uma distribuição aleatória dos assentamentos. Os
assentamentos ocupariam toda a área sem parâmetros com os aspectos bio-físicos. O
segundo, inclue um ambiente heterogêneo com diversos biomas, os quais incluem
diferentes produtividades de plantas e biomassa animal. A ocupação ocorreria em grau
maior nos biomas preferenciais e uma densidade menor nos ambientes não ótimos. O
terceiro modelo abrange um sistema ambiental mais complexo, onde a consideração da
estrutura do ambiente inclue áreas com pequenas concentrações de recursos e os limites
entre os biomas. Os limites entre os biomas são considerados zona diferencial para a
ocupação. Este modelo proporciona um assentamento disperso e/ou denso, a depender da
estrutura dos biomas.
O autor ainda acrescenta que, o modelo da concentração de recursos, pode
ser utilizado em vários modelos de povoamento em escala média para caçador coletor. Os
modelos postulam uma ocupação relativamente uniforme, em ambientes com abundância
de água, plantas e animais. A ocupação em ambientes cujos os recursos são concentrados
em limites geográficos, proporcionariam uma ocupação dispersas e muitas vezes
acompanhando o recurso no espaço.
MACARTHUR e PIANKA (1966), com base na teoria da forrageação ótima,
interpretam que o ambiente possue grande variação, expressada por diferentes biomas.
Estes biomas, visualizados em uma escala que abrange o mosaico ambiental, possuem
diferentes qualidades de recursos que afetam o organismo. O modelo de uso das áreas,
construído pelos autores, predita que caçador coletor, a partir de uma área em mosaico,
escolhem áreas tipos para suas coletas. O modelo de uso das áreas se desenvolve a partir do
custo, expressado em tempo de procura e perseguição (coleta). O número de biomas e a
densidade de recursos influência diretamento o tempo de procura e coleta. A exploração de
um alto número de biomas aumenta consideravelmente o tempo de coleta e diminuem o
tempo de procura. Entretanto, o número reduzido de biomas proporciona um tempo
reduzido de coleta e um aumento no tempo de procura.
Um forrageador ótimo, tende a selecionar as áreas dentre um ambiente em
mosaico a nível ótimo de tempo de procura e perseguição. As áreas tipos favorecem os
assentamento por sua posição estratégica, que ótimiza a exploração de modo a conseguir
uma densidade de recursos em função do seu tempo de procura e coleta.
WINTERHALDER (1981), com base no modelo de uso das áreas, esclarece que caçador
coletor em ambiente com distribuição de recursos uniforme, estabelecem um padrão de
ocupação em pequenas unidades sociais, já em ambiente com variação espacial e temporal
dos recursos, organizam os assentamentos através de uma área central.
1.3.2- Modelos de mobilidade
Os modelos de mobilidade, envolvem uma perspectiva bi-dimensional do
ambiente. O recurso possui uma dimensão espacial e, também uma dimensão temporal. A
consideração temporal envolve a ciclicidade dos recursos no tempo, a qual não é tão
evidente como as variações espaciais. O movimento temporal caracteriza-se pela
periodização dos recursos, que é definido através das estações climáticas, tempo de
frutificação e migração da fauna. Os grupos de caçadores coletores procuram maneiras
estratégicas de se ajustarem a estas trocas contínuas, "ajustam seus movimentos de acordo
com a maior ou menor produtividade de recursos dentro de um ciclo anual " (BUTZER,
1982:235). Os movimentos sazonais dos grupos de caçadores coletores são abarcados
através de uma rede de acampamentos com diferentes tamanhos e tempo de duração.
A disponibilidade cíclica de determinados gêneros de recursos permite que
os grupos de caçadores coletores desenvolvam uma complexa rede de acampamentos. Este
conjunto de acampamentos envolvem acampamentos de curta e longa duração, os quais
interagem entre si. A interação entre estes sítios prescrevem um modo de subsistência, que
favoreça a maximização na captação de recursos, conforme a disponibilidade deste recurso
no espaço e tempo.
Segundo BUTZER (1982), ambientes com forte sazonalidade e
heterogêneidade em seus recursos favoreçem uma rede de acampamentos de longa duração,
usados durante vários meses; e vários outros acampamentos de curta duração, usados
durante algumas semanas. Pontos estratégicos, onde ocorre disponibilidade de água e alta
produtividade e biomassa, possibilita a existência de acampamentos semi-permanentes,
usados em determinadas estações, durante vários meses do ano e repetidos em vários anos.
Nas estações do ano de escassez na abundância de recursos, a população dispersam-se,
dividindo-se em vários grupos, que estabelecem acampamentos temporários (vários dias à
varias semanas) com alta mobilidade. Estes grupos tornam-se a reagruparem nas estações
de melhores disponibilidades de recursos. O movimento sazonal de caçadores coletores
demonstra uma compatibilidade com os movimentos cíclicos do ambiente.
O periodismo dos recursos é variável de região para região. Os modelos
descritos acima, foram formulados a partir do ambiente do hemisfério norte, que envolve
uma alta sazonalidade dos recursos. As estações, bastantes definidas, permitem uma
diferenciada disponibilidade dos recursos no inverno, verão, outono e primavera. A fauna,
que também estabelece estratégias adaptativas para ambientes com alta sazonalidade,
realiza migrações que podem ser previstas no tempo e no espaço.
O ambiente natural na região dos trópicos, não oferece uma drástica
alteração climática e nem várias flutuações distintas na abundância de alimentos. Mas, não
obstante, a variação na densidade dos recursos existe, muitas vezes em respostas climáticas,
bem menos evidentes que as do hemisfério norte. As estratégias adaptativas de caçadores
coletores na região dos trópicos devem estabelecer modelos em conformidade com a
variação temporal e espacial processada a partir de seu espaço geográfico.
ZARUR (1987), em estudos etnográficos com grupos indígenas que ocupam
o bioma de cerrado, considera a disponibilidade dos recursos naturais no cerrado acíclicos e
com potencial à subsistência de grupos indígenas. Os movimentos espaciais destas
populações são necessários para que não ocorra a depredação e exaurição dos recursos
protéicos. A aquisição de proteínas, realizada principalmente através da caça, é um forte
fator na adaptação de grupos do cerrado.
O autor citado, atribui à mobilidade espacial dos grupos indígenas, a
importância de estruturadora da complexidade sócio-cultural dos grupos indígenas do
planalto central. Os movimentos espaciais induzem à hierarquição social por faixa etária.
Isto proporcionaria grupos mais eficientes nas tarefas de caça e coleta. A organização em
grupos com a mesma idade proporcionaria uma solidariedade maior entre o grupo,
possibilitando uma maior articulação nas decisões. Outro ponto colocado por ZARUR
(1987), é a propensão das tribos com alta mobilidade a serem tribos guerreiras.
"Uma cultura que tenha, ao mesmo tempo, um sistema de idade estratificado e uma economia caçadora encontra-se automaticamente dotada de uma organização militar eficiente e agressiva" (Zarur,1987:278).
A definição dos grupos indígenas do planalto central como povos marginais
(COOPER,1942, STEWARD,1949 E STEWARD & FARON, 1959 in: ZARUR, 1987),
estabelece um modelo formado por populações pequenas, possuidoras de tecnologia
simples, adaptadas ao ambiente pobre. A estratégia de alta mobilidade espacial dos povos
marginais proporcionariam a otimização da captação dos recursos. ZARUR (op cit)
reformula este modelo, explicando que a mobilização espacial dos grupos indígenas do
bioma cerrado é uma complexa adaptação "à oferta de protéinas, à natureza do sistema
sócio-político, e a premências militares". O autor acrescenta que, quanto menos
diversificado for o ambiente mais complexa será a cultura. A questão parte da falta de
alternativa de escolha de fonte protéica, sugerindo a especialização da caça e da guerra.
"...o tamanho da população não determina o nível de complexidade dos grupos indígenas. Pelo contrário, ele pode ser uma consequência da necessidade de existirem grupos corporativos devotados à captura de proteínas e à guerra." (Zarur,1987: 280 )
1.4-Fonte Crítica
A aplicação de teorias ecológicas aos trabalhos arqueológicos encontra
diversas críticas que se apoiam ao determinismo ambiental, ou seja o meio ambiente passa a
preponderar nas explicações do comportamento humano. A influência determinante do
meio ambiente sobre o homem é refutada, já que este se distingue dos animais pelo seu
caráter racional e deste modo o único a ter cultura. TRIGGER (1992), argumenta que as
teorias ecológicas não consideram a criatividade e a inovação das tradições culturais como
fatores responsáveis pelos padrões culturais, sendo a cultura definida através de um
determinismo tecnoambiental.
A cultura influência a decisão de como usar o meio ambiente. Exemplos
etnográficos demonstram que muitas espécies de animais e vegetais não são aproveitadas,
devido a crenças religiosas ou por estas não serem percebidas como recurso com potencial
alimentar. Muitos locais geográficos, i.e. serras e cavernas, podem, também, demonstrar um
uso cultural, que não seja econômico.
A análise ecológica não envolve fragmento de um contexto, como uma
espécie biológica ou uma unidade geomorfológica. A análise da distribuição dos sítios
arqueológicos no espaço deve possuir adequadas escalas temporal e espacial. Entretanto,
ressalta-se que a análise espacial dos registros arqueológicos, concernentes a uma relação
de redes de sítios com seu espaço de recurso, somente é possível através de uma ampla
escala espacial.
A potencialidade de cada ambiente implica em um recurso em si, mesmo que
determinados gêneros de plantas e animais que poderiam ser aproveitados e não fossem por
um motivo cultural, não implica que todo um conjunto e uma unidade ecossistêmica fosse
regeitada nas decisões de exploração. A maior ou menor quantidade de recursos nos
diversos ambientes, a sua periodização, e os seus limites são uma fonte de dados importante
na formulação de hipóteses do comportamento dos homens. Os desvios potenciais dos
assentamentos em relação a locação de sítios e ecossistemas ótimos, são grandes
indicadores das ações não econômicas.
A definição de um intervalo temporal é essencial para a interação entre os
sítios. A relação de uma rede de registros arqueológicos se faz dentro de uma equivalência
de período temporal entre eles.
A questão tempo surge com falta de parâmetros, a falta de datações absolutas
impede os trabalhos com cronologias exatas e seguras. Entretanto, isto somente seria
possível com escavações sistemáticas em níveis estratigráficos, que proporcionem materiais
datáveis. Os sítios de superfície de caçadores coletores dificilmente são fornecedores de
materiais datáveis, pois, geralmente os sítios aflorantes, localizam-se no topo de elevações,
livres de assoreamentos e soterramentos, o substrato rochoso não possibilita a formação de
camadas estratigráficas. O material de superfície sofrem perdas com o tempo, restando para
a articulação deste sítios, o material lítico e a locação espacial. Segundo CASSEL (1972), a
análise cronológica pode se utilizar de parâmetros espaciais quanto a locação de sítios.
HILBERT (1994:37), esclarece que "a forma como uma cultura organiza e aproveita seu
espaço pode ser tão significativo como a cultura material.....".
A falta de material orgânico não implica apenas na carência de cronologia
exata, mas também na falta de evidências diretas para a correlação entre os recursos
orgânicos disponíveis no espaço geográfico e os que foram utilizados pelos paleoíndios. O
levantamento do potencial florístico e faunístico dos ambientes acabam por fornecer dados
indiretos que são correlacionados aos padrões espaciais dos sítios. A testabilidade dos
resultados somente é possível numa soma de relações, que deverão ser verificados em
outros contextos, onde estes fatores se repetem e podem ser relacionados e generalizados.
1.4.1 - A análise de "catchment"
A análise de "catchment" (VITTA FINZI e HIGGS, 1970), a técnica mais
comumente usada para o estabelecimento das relações entre homem e ambiente natural, foi
desenvolvida com base em observações etnográficas e com aplicações diretas à
problemática arqueológica. Ela tem sido utilizada para definir os padrões sócio-econômicos
de uma comunidade, procurando identificar os recursos disponíveis ao redor de um dado
assentamento. A extensão máxima da área de captação é de 10 km, a partir do sítio, para
caçador coletor e de 5 Km para grupos ceramistas, conformando no espaço uma área
circular, sendo que no seu centro localiza-se o sítio . A análise tem se mostrado eficiente
quanto a um levantamento quantitativo dos recursos de uma determinada área
(BROOKES,1989) .
A aplicação da análise de "catchment" não permite uma visualização da
estrutura do ambiente e consequentemente do recurso. A área circular, previamente
definida, em áreas com diversidade de ecossistema, parte da suposição que toda a área
circular era potencialmente usada. Isto inclui uma área com uma ou várias densidades e
qualidades de recursos que é explorada pelo mesmo padrão de assentamento. A análise de
"catchment" homogeneiza o ambiente, não se atentando a distribuição espacial dos
recursos. A complexidade do ambiente não é considerada, ou seja a variação litológica, da
vegetação e de outros recursos dentro de limites geográficos não são levados em conta. O
ambiente possui componentes naturais que podem diversificar e formar ecossistemas com
recursos distintos. BINFORD (1980), demonstrou, através dos trabalhos com os Eskimós,
que as estratégias de subsistência pouco tem a ver com a área circular previamente definida
na análise de "catchment" e sim a previsibilidade e a localização dos recursos são os fatores
de maiores influências na decisão do que e como explorar os recursos do ambiente.
A maior crítica ao método está na locação espacial dos sítios, sendo que
estes não estão localizados ao acaso, mas sim estão em consonância com um ambiente
complexo e heterogêneo. A área circular de exploração de recursos não pode ser uma
determinante das estratégias de subsistência, já que estas envolvem uma dinâmica muito
maior do que sugere a análise de "catchment" (BROOKES,1989).
40
CAPÍTULO 2 PALEOAMBIENTE
A definição do paleoambiente é de essencial importância no escopo deste
trabalho, pois os sítios arqueológicos em questão poderiam estar relacionados a um
ambiente bastante diverso do atual. A visualização da dinâmica do ambiente do passado até
o presente, auxilia na correlação entre os sítios arqueológicos e seu provável ambiente. A
compreensão da evolução do ambiente estabelece os movimentos e os modelados da
superfície terrestre. A forma e composição do relevo pré-determina a formação florística e
proporciona a adaptação de animais que poderiam ser utilizados pelos paleoíndios. Esta
definição, ainda auxilia na compreensão da tendência dos contextos geológicos a sofrerem
enterramentos ou carreamento de suas camadas superiores, que mascaram e alteram os
registros arqueológicos.
Os dados advindos do último período glacial (Würm) auxiliam na montagem
do cenário do Pleistoceno Superior, no qual poder-se-à estabelecer ou não uma relação
entre estrutura do ambiente e os registros arqueológicos. A estruturação do ambiente no
Pleistoceno Superior muito se diferencia da estrutura ambiental atual, deste modo as
estratégias adaptativas selecionadas para um período pouco se assemelharia ao outro.
A falta de datações absolutas dificulta uma compreensão temporal exata.
Entretanto os dados levantados permite um esboço do paleoambiente da região da Província
Serrana, com bases nas datações relativas dos grandes eventos climáticos e paleontológicos,
realizados nas proximidades da região em estudo.
41
2.1- Os Eventos Climáticos e Adaptação Florística
Os dados fornecedores das informações climáticas e florísticas provém,
especialmente, dos depósitos sedimentares e do seu conteúdo polínico. Os dados referentes
ao Pleistoceno Inferior não possuem um real interesse à arqueologia, pelo fato deste período
não possuir na América do Sul, até o momento, vestígios de uma ocupação humana.
Entretanto, será apresentado um panorama do ambiente deste período no sentido de um
entendimento da evolução da paisagem, que muito influênciou a formação dos depósitos
geológicos e palinológicos.
2.1.1- Pleistoceno Inferior
Segundo COLTRINARI (1992), não existem informações precisas sobre os
depósitos correspondentes ao Pleistoceno Inferior e Médio, sendo confirmados apenas os
depósitos posteriores a penúltima glaciação. A autora, ainda esclarece que isto ocorre em
consequência a intensa denudação do relevo a partir do Pleistoceno Superior.
O Quaternário Inferior é caracterizado pela alternância de períodos secos e
úmidos. SALGADO-LABOURIAU (1992), informa que durante o Quaternário são
conhecidos 16 períodos glaciais de escalas variáveis, entretanto apenas cinco possuem
registros no interior dos continentes. A autora ainda esclarece, que a região da bacia do
Amazônas não sofreu a influência direta das geleiras, entretanto indiretamente foi
influênciada pelas mudanças climáticas, como a queda de temperatura e maior aridez.
COLTRINARI (1992), esclarece que os sedimentos oriundos das geleiras do Pleistoceno
ocorrem somente nos Andes, Pampas e Patagônia, sugerindo a influência direta de glaciais,
apenas nestas áreas.
42
A constante alternância de climas secos e úmidos proporcinou à superfície
terrestre fases erosivas e depósitos sedimentares distintos. Os períodos glaciais - clima árido
e frio - proporcionaram uma erosão mecânica atuante no "front" das estruturas
geomorfológicas, resultando num recuo do relevo a partir do plano de maior declíneo. A
falta de água nos solos e drenagens, reduziram a erosão gerada pelo regime fluvial e pluvial
diminuindo os depósitos lacustres e os sedimentos fluviais (ABSY,1979 in: COLTRINARI,
1992). Segundo BIGARELLA (1975), no rio Amazônas são encontradas formas
geomorfológicas correspondente ao período árido do início do Pleistoceno. Estas incluem
grande áreas com dunas, leques e terraços aluviais, bastantes distintas das atuais.
Os períodos interglaciais - clima úmido e quente - proporcionaram uma
intensa erosão química. O fluxo de águas nas drenagens e sob a superfície do relevo
ocasionaram o entalhamento dos vales e erosão das vertentes. A erosão foi mais
intensamente nas áreas de rochas mais tenras e conservando em cotas mais altas as
litologias de maior resistência (TRICART, 1972).
WHITE (1988), argumenta que, apesar da paisagem cárstica ter evoluído
durante todo o Terciário, a maioria desta paisagem, cavernas e sistema de drenagens
subterrânea ativa, são raramente mais velhos que o Plioceno Superior. Segundo LLADÓ
(l970), a maioria dos relevos cársticos sofreram com as ações dos glaciais e interglaciais.
Durante o Pleistoceno, em fases interglaciais, a alta precipitação pluviométrica e o clima
mais quente, permitiram o aumento da zona freática e o enriquecimento das águas pluviais
em CO², possibilitando o aprofundamento da carstificação e consequentemente a dissolução
das rochas carbonáticas. Os perídos mais secos e frios culminam na diminuição das taxas de
solubilidades das rochas carbonáticas devido a baixa disponibilidades de água e de CO²
(JENNINGS,1971).
ALMEIDA (1945), identifica representantes de uma fase climática
quaternária na região sul da Província Serrana, atráves de tufos calcários contendo
impressões de folhas de várias espécies de angiospermas e fósseis de gastropódes,
43
pertencentes as espécies de: Stenogyra (Opeas) misera Orb., Zonitoides sp. e Bilumulus sp..
Segundo o autor citado, estas rochas indicam um ambiente com precipitações mais
concentradas e torrenciais, onde as águas desciam as serras a procura da bacia do Pantanal,
saturada em carbonato de cálcio e arrastando detritos rochosos e orgânicos. Segundo
DEL'ARCO (1982), no Pleistoceno Inferior, predominava na região um clima semi-árido, o
qual propiciava a formação de tempestades torrenciais.
Este paleoclima caracterizado por tempestades torrenciais, também
ocasionou grandes enxurradas na região mediana da Província Serrana, proporcionando a
deposição dos depósitos detríticos no interior das serras. ALMEIDA (1964), identificou na
região do rio Jauquara formações conglomeráticas elevadas cerca de 30 metros acima do
nível atual dos rios. O autor citado e BARROS et al. (1982), concordam que estes materiais
teriam origem no início do Pleistoceno.
O período interglacial na região da Província Serrana, proporcionou uma
esculturação mais acentuada do relevo. A intensa erosão mecânica processada neste
período, modelou as formas típicas do relevo estrutural, característico da área, como :
"combe", crista de sinclinal, crista de anticlinal, "close", residuais cársticos e cavidades
naturais. Os depósitos de granulometria mais fina da Formação Pantanal, depositados neste
período, indicam um aumento no nível freático da bacia hidrológica do rio Paraguai. ROSS
(1987), esclarece que ocorrem sedimentos da Formação Pantanal ao norte da atual área
inundada do pantanal, indicando uma maior área de ocupação do atual pantanal
matogrossense. DEL'ÁRCO (1982), informa a existência de níveis de sedimentos de
granulometria maior, que indicam flutuações climáticas caracterizadas por uma maior
precipitação (vide item geologia).
2.1.2- Pleistoceno Superior
2.1.2.1- Clima e geologia
44
Os dados advindos do Pleistoceno Superior correspondem a última
glaciação, denominada de Würm, período seco e árido. Os depósitos sedimentares desta
época, na região de estudo, correspondem aos da parte superior da Formação Pantanal e aos
depósitos detríticos. Os dados palinológicos, de extrema importância no entendimento da
evolução da vegetação, não existem para a área em estudo. Estes dados têm sido levantados
na região da Amazônia com muitos resultados. A área em questão localiza-se a cerca de
300 km do limite norte da bacia Amazônica, justificando o uso destes dados na tentativa da
reconstrução do paleoambiente da área trabalhada.
Segundo COLTRINARI (1992), no Pleistoceno Superior ocorreram duas
zonas climáticas: uma localizada na Venezuela e Colômbia, caracterizada por uma extrema
aridez e outra situada em Falcon e nas Antilhas Holandesas, com clima mais úmido. Entre
estas duas zonas estabelecer-se-ia um clima de savana. Segundo VIERS (1975), o clima de
savana se caracteriza por um clima semi-árido, ou seja "debilidad e extraordinaria
irregularidad en las precipitacion". AB'SABER (1977), chama a atenção na tendência da
homogeneização do clima árido, não havendo distinção entre os compartimentos
geomorfológicos, que muito influênciam no clima. O autor conclui que as áreas localizadas
nas depressões interplanálticas tiveram menores precipitações pluviométricas em
comparação com as áreas dos altiplanos.
SIFFEDINE, et al. (1991), identificam valores altos na quantificação de
materiais detríticos em lagos da bacia Amazônica em 60.000 e 40.000 AP. Os autores
esclarecem que estas fases detríticas são precedidas por climas secos e que estes depósitos
não ocorrem em climas úmidos. Os períodos mais úmidos estariam datados entre 28.000 -
22.000 AP. Porém ABSY et al. (1989), detectam na mesma área, uma outra fase seca
datada entre 22.870 - 20.460 AP.
No Estado do Acre, também foram datados sedimentos correspondentes a
este período árido, intercalado por estações chuvosas. Camadas carbonáticas foram datadas
em 53.270 ± 1.850 e 49.110 ± 900 AP. Períodos mais quentes são datados, através de
45
camadas contendo ossos, em 23.950 ± 420 AP. As precipitações de clima árido ou semi-
árido caracterizam-se por seu caráter torrencial, proporcionando o transporte de material
coluvial sobre a superfície do relevo (COLTRINARI,1992).
DEL'ARCO (1982), admite que na última variação climática pleistocênica
(Würm) ocorreram depósitos detríticos na Província Serrana, semelhantes aos mais antigos
descritos no subitem 2.1.1. Estes depósitos estão formando o nível superior da Formação
Pantanal e indicam a influência de agentes torrenciais atribuíveis a clima semi-árido. O
autor ainda complementa que estas formações detríticas podem representar vários episódios
temporais, ocorridos durante o Pleistoceno. A falta de estudos destes depósitos torma a sua
posição cronólogica bastante confusa.
Na transição entre o Pleistoceno Superior e o Holoceno ainda predominam as
temperaturas baixas e aridez. Neste intervalo são registradas acumulações detríticas de
13.000 anos AP ( SIFFEDINE et al. ,1991). AB'SABER (1962), afirma que alguns
depósitos detríticos teriam uma idade inferior a 12.000 ou 10.000 AP.
KERN (1982), esclarece que o nível dos oceanos se encontravam cerca de
150 metros abaixo do nível do mar, o que proporcionou a erosão das encostas do planalto
sul-brasileiro. PROST (1990) in: COLTRINARI (1992), registra em 18.000 AP um nível
mais baixo dos oceanos em 100 metros.
2.1.2.2- Vegetação
A vegetação durante o último glacial é considerada como do tipo savana,
sendo que esta ocupava as áreas que hoje são de florestas pluviais (COLTRINARI,1992).
LAUER (1992), descreve que as temperaturas no Quaternário Superior, entre 25.000 e
14.000 AP, eram entre 3 a 4º C, o que provavelmente reduziu as florestas pluviais, a menos
que a metade da presente. MARKGRAF (1989), informa a ausência de registros polínicos
relativos a vegetação de florestas, durante as estações de clima mais secos e frios do
46
Pleistoceno Superior e dos supostos refúgios pleistocênicos, nas regiões tropicais e
subtropicais da América do Sul.
Segundo MARKGRAF (op cit), no período anterior a 10.000 AP são raros os
pólens de árvores. Os registros polínicos deste período estão representados, principalmente,
por plantas herbáceas (Gramineae, Cyperaceae, Alternanthera, Phyllanthus, etc.). Isto
sugere que as florestas sempre verde e decíduas atuais foram substituídas por grama e
pântanos no período anterior a 10.000 AP.
Segundo AB'SABER (1977), no período do Pleistoceno Superior, em
referência a última glaciação (Würm), dominava na depressão cuiabana, caatingas sobre os
cerrados. O autor ainda complementa que do Brasil Central para a Amazônia Central
ocorriam faixas de caatingas e cerrados com alongadas matas de galerias. Supõem-se que a
paleopaisagem no entorno do Pantanal Matogrossense seria de cactáceas acompanhadas de
vegetação raquítica, como as encontradas atualmente na zona pré-andina da Argentina
(AB'SABER,1993)
2.1.3-Holoceno
2.1.3.1- Clima e geologia
O aumento pluviométrico ocorreu no Holoceno Inferior, no intervalo entre
10.000 a 8.000 AP, onde ocorreriam temperaturas altas com umidade semelhante a atual
(MARKGRAF e BRADBURY,1982 in: COLTRINARI, 1992), porém com estações
marcadas por chuvas intensas e concentradas (SERVANT et al., 1989). Segundo
VILHENA-VIALOU et al. (1995), a sequência arqueológica do Abrigo de Santa Elina,
situado a 25 km da área em questão, mostra que o Pleistoceno e início do Holoceno é
caracterizado por um clima seco com grandes fases chuvosas.
Entre 8.500 e 5.500 AP ocorreu um período mais quente com temperaturas
em média 2ºC mais altas que a atual (HEUSSER,1974), porém neste mesmo período
47
ocorreu a diminuição de lagos na Amazônia, o que atesta uma fase árida (MARKGRAF,
1989, COLINVAUX, 1972; VAN DER HAMMEN,1974; ABSY, 1979; MARKGRAF e
BRADBURY, 1982 in: COLTRINARI,1992). Este episódio seco, ainda corresponde as
datações de carvões, oriundos de incêndios na floresta amazônica, datados entre 6.500 e
3.100 AP (SOUBIES, 1980: in: COLTRINARI, 1992). AB'SABER (1980), postula que
durante o "Optimum Climaticum", as regiões situadas nas depressões interplanálticas do
Brasil Tropical, "tiveram precipitações diminuídas e calor mais acentuado do que hoje".
No Holoceno Superior, PROST (1990) in: COLTRINARI (1992), atesta que
a partir de 3.000 AP retornam as condições úmidas, hipótese embasada nos estudos dos
sambaquis fluviais da Amazônia, os quais estariam vinculados com o nível de base dos rios.
ABSY (1979), também registra para bacia Amazônica um nível no plano d'água baixo até
3.000 AP. Esta fase úmida estaria alternada por fases de clima seco, ocorridos entre 2.700-
2.000 AP, e em 1.500 AP, 1.200 AP, 700 AP e 400 AP (COLTRINARI, op cit).
No Holoceno de Minas Gerais, o segundo aprofundamento da carstificação
quaternária, significando um clima quente e úmido, ocasionou enchentes periódicas das
dolinas, "poljés" e uvulas, com evidências de oscilações climáticas provavelmente em 5.000
e 3.000 (KOHLER e .PILÓ, 1991). ROSS (1987), indica a existência de sedimentos da
Formação Pantanal a norte da atual região alagada, sugerindo uma maior expansão do
pantanal em tempos idos, entretanto a falta de datação impossibilita o enquadramento
cronológico desta expansão.
2.1.3.2- Vegetação
A vegetação teria acompanhado as oscilações climáticas, sendo registrado o
avanço das florestas úmidas sobre as gramíneas entre 10.000 e 8.500 AP. A assembléia de
pólens do início do Holoceno são, inicialmente, substituídas por elementos de florestas
úmidas semi-sempre-verde ou savanas "woodland" (MARKGRAF, 1989). LAUER (1992),
48
atribui ao intenso aumento do conteúdo do vapor-d'água na atmosfera, o favorecimento da
expansão das florestas tropicais, depois de 10.000 AP.
Segundo MARKGRAF (op cit), a partir de 8.500 AP, os elementos de
florestas semi-sempre-verde ou savanas "woodland" são substituídos por elementos de
florestas semi-decídua e savanas. A autora sugere, que neste ponto temporal instalar-se-ia
um intervalo sazonal seco. SERVANT et al. (1993) acrescentam que a transição entre o
inicio e o meio do Holoceno é caracterizado por um aumento das florestas decíduas no
Brasil central, marcando um intervalo sazonal seco.
SERVANT et al. (op cit) complementa que no intervalo entre Holoceno
médio e presente ocorreu, mais uma importante variação climática. Os registros
palinológicos e sedimentologicos indicam condições secas entre 4.300-4.200 e 3.800-3150
AP. O autor explica que a intensidade e frequência das mudanças climáticas, na escala de
alguns anos, são importantes para a evolução da vegetação.
A vegetação típica subtropical e a expansão das árvores de cerrado
encontradas na América do Sul ocorreram entre 5.500 e 3.500 AP, quando as condições
ambientais tornaram-se mais úmidas (COLTRINARI,1992). Segundo VILHENA-VIALOU
e VIALOU (1989), os vários vestígios encontrados no sítio arqueológico de Santa Elina,
localizado próximo a Serra do Curupira, indicam que durante os primeiros 5.000 anos de
sua ocupação existiria uma "importante cobertura de árvores, ao menos equivalente à atual,
provavelmente mais densa e com uma umidade climática mais forte...um biótopo composto
de árvores e águas: abundantes conchas de moluscos de água doce (Megalobulimu sp.),
peixes (como a raia), batráquios, pássaros (como o jaburu-Tuiuiu) e mamíferos, macacos,
veados e antas". Entre 3.000 e 2.000AP aumentam os registros polínicos de gramíneas para
a bacia do Amazônas, atestando um novo episódio sazonal, com nível baixo d'água
(MARKGRAF,1989).
LAUER (1992), relata que as mudanças na vegetação, a partir de 5.000 AP,
são de difícil identificação. Isto se dá pelo fato da não distinção entre flutuação natural e
49
aquela induzida pelo homem. A referência de 5.000 AP é compatível com a origem da
primeira cerâmica, na planície costeira colombiana, o que sugere o cultivo e domesticação
de algumas plantas (LEGROS in: PROST, 1990 in: COLTRINARI,1992) (Gráfico 1).
2.2 - Mamíferos Fósseis da Região da Província Serrana
O período Pleistoceno corresponde a uma mastofauna de grandes
diferenciações da atual. Esta fauna caracteriza-se pelo domínio de mamíferos de grande
proporções e predominantemente herbívoros. Esta megafauna pleistocênica sul americana
não possui representantes atuais. Entretanto, conjuntamente com esta fauna, existiram
animais comuns aos dias de hoje.
50
GRÁFICO - 1 - Representação das fases climáticas do Peistoceno Superior e Holoceno, segundo as datações levantadas para a região da Amazônia.
Os registros fósseis de mamíferos para a Província Serrana se resumem a
pouca informações. OLIVEIRA (1915) e ARRUDA (1938), informam a existência de ossos
fósseis de animais gigantesco na porção sul da Província Serrana, Município de Cacéres.
ALMEIDA (1965), registra a existência de mamíferos fósseis na zona norte do pantanal
matogrossense. Segundo PAULA COUTO (1979), estes fósseis deveriam pertencer ao
gênero de Eremotherium. Os registros mais importantes devido ao caráter de pesquisa
paleontológica, foram realizados na gruta do Curupira e no sítio arqueológico de Santa
Elina. O registro paleontológico do abrigo de Santa Elina inclui o achado de um
Glossotherium aff. Glossotherium lettsoni, em camadas arqueológicas datadas em 10.120 ±
60 anos AP.(VIALOU et al.,1995). Este espécime encontrava-se em péssimo estado de
conservação, constando de um fragmento de maxilar direito, com M1, osteodermos e
vértebra torácica. Os fósseis da gruta do Curupira, são pesquisados por Hirooka deste 1990,
e formam uma associação faunística, composta por 1.753 elementos esqueletais
51
identificável, representando diversos animais que viveram no Pleistoceno. Os dados
expostos logo mais, em relação a fauna fóssil e os sedimentos fossilíferos da gruta do
Curupira são frutos desta pesquisa anterior.
Segundo CARTELLE (1995), os registros fósseis do Pleistoceno, compostos
por uma associação faunística, estão representados pelas faunas locais de Minas Gerais,
Bahia, Paraíba e Ceará. Estas faunas foram coletadas em dois ambientes específicos:
tanques e grutas. Apesar da distinção quanto ao ambiente que envolve estes depósitos
fossilíferos, ambos apresentam sedimentos que indicam um regime fluvial, demonstrando
uma semelhança no ambiente de deposição. O autor ainda esclarece que estas faunas são
sincrônicas, representando um momento deposicional, ocorrido no final do Pleistoceno,
com possibilidade de incluir o ínicio do Holoceno. O autor ainda argui que, apesar de certa
distinção na proporção das espécies refletindo ecossistemas próprios, existem elementos
faunísticos idênticos para todas as faunas locais acima mencionadas.
2.2.1- A fauna fóssil da Gruta do Curupira
A Gruta do Curupira está localizada na porção central da área elegida para
pesquisa. A fauna fóssil da gruta do Curupira possui um especial valor a nível
paleontológico e paleoambiental. Primeiramente ela representa o único registro de uma
associação faunística pleistocênica do Estado de Mato Grosso, inclui diversos animais que
viveram contemporâneamente no Pleistoceno, fornecendo dados zoogeográficos
temporalizados. Segundo, incluem animais com diferentes hábitos e hábitats, possibilitando
a inferência quando ao paleoambiente da região. Terceiro, foram coletados com controle
estratigráfico, possibilitando inferências quanto ao ambiente de deposição dos fósseis.
A associação faunística da gruta do Curupira está composta por 15 espécies
da fauna pleistocênica. Dentre estas, cinco espécies são extintas, sendo elas: Eremotherium
52
laurillardi, Pampatherium humboldti, Glossotherium sp., Propraopus sulcatus e
Scelidodon cuvieri. As outras dez espécies possuem representantes atuais, sendo elas:
Tapirus terrestris, Tayassu tajacu, Aguti paca, Alouatta sp., Mazama sp., Pteronura
brasiliensis, Pteronotus parnelli, Chrotopterus auritus, Palaeosuchus sp. e Phrinops sp.
As espécies extintas possuiam o porte avantajado, chamando a atenção o
tamanho do E. laurillardi que poderia ter atingido cerca de seis metros de comprimento
(CARTELLE,1992). Todas seriam herbívoras, se alimentando de gramíneas, folhas e
brotos. S. cuviere e P. humboldti, possivelmente também consumiriam vegetais mais
suculentos. SPILLMANN (1948), considera Eremotherium e as demais preguiças
pleistocenicas, animais de estepe seca, de hábitos xilófagos. CARTELLE (op cit), atribui ao
Eremotherium um hábito predominantemente pastador. As espécies extintas encontradas na
gruta do Curupira possuiam como habitat o ambiente do cerrado e campos graminosos
Os hábitats das espécies recentes estão descritos no capítulo do ambiente
atual, sendo que todas as espécies fósseis, não extintas, encontradas na gruta do Curupira
possuem representantes atuais na área, com exceção da Pteronura brasiliensis. Das dez
espécies não extintas identificadas na gruta do Curupira, cinco espécies possuem como
hábitat a floresta de galeria ou pluvial, sendo elas: Tapirus terrestris, Tayassu tajacu, Aguti
paca, Alouatta sp. e Mazama sp.. Três espécies são típicas de ambiente fluvial, como
Pteronura brasiliensis, Palaeosuchus sp. e Phrinops sp.. Apenas duas espécies de
morcegos, Pteronotus parnelli e Chrotopterus auritus, possuiam como hábitat a caverna .
2.2.3-Os depósitos fósseis da Gruta do Curupira
A fauna em questão foi encontrada no salão dos fósseis da gruta do Curupira.
Os fósseis foram localizados nas camadas arenosas de um terraço fluvial e na superfície da
calha fluvial do rio subterrâneo. Os fósseis encontrados na calha do rio estavam aflorando
53
sobre a superfície dos sedimentos inconsolidados. Nesta área existe grande atividade de
correntezas que atuam erosivamente na base do terraço fluvial. Este terraço encontra-se a
cerca de um metro acima do nível d'água e está composto por uma camada superficial
calcítica, seguida de uma sequência de sedimentos granodecrescente, representada por
siltes, areias finas a média e cascalho fino. A maior parte deste pacote sedimentar possui
fósseis.
Segundo WHITE (1988), os depósitos cavernícolas, representados pela
sobreposição de camadas de diferentes granulometria, indicam alta velocidade no fluxo da
drenagem. O autor ainda complementa que, a deposição de calcíta coincide com um clima
temperado com abundância de chuvas, ou seja período interglacial. CARTELLE (1995),
evidência um marco temporal de maior incidência de chuvas torrenciais que culminou no
transporte e deposição de fósseis. Esta evidência, também, está de acordo com os registros
dos depósitos sedimentares do Pleistoceno Superior que, também, registram várias
sequências de depósitos detríticos oriundos de tempestades de clima árido a semi-árido.
Este momento de grande energia fluvial, representado pelos depósitos
detríticos, ocorreu várias vezes no transcorrer do Pleistoceno Superior, como foi
apresentado na descrição do paleoambiente e da geologia do quaternário. Entretanto, as
datações disponíveis para os depósitos contendo fauna pleistocênica brasileira, envolvem o
intervalo de tempo de 12.770 ± 220 AP (MILLER,1976) a 7.000 AP (PAULA
COUTO,1968 in: Kern,1982). Este período correspondente a transição entre a última
glaciação e o período interglacial atual, o qual envolveu profundas mudanças
paleoambientais, e também episódios de grande energia pluviométrica. A datação de
VIALOU et al. (1995) para a Província Serrana, também enquadra-se neste período.
2.3 - Tentativa de Reconstrução do Paleoambiente do Pleistoceno Superior-Holoceno na Região da Serra do Curupira.
54
A reconstrução do paleoambiente da Província Serrana, esbarra na falta de
datações absolutas ou mesmo relativas, dificultando a interpretação paleoambiental da
região. Entretando, a partir dos dados apresentados acima é possível delinear duas hipóteses
de paleoambiente para a região.
Na primeira hipótese o Pleistoceno Superior é caracterizado pelo predomínio
da estação seca, mas houveram estações chuvosas. Estas eram de grande energia
pluviometrica, capazes de proporcionar o acúmulo de materiais detríticos. Estes estão
representados, na área de trabalho, pelos depósitos detríticos localizados nas áreas
intermontanas e cavernícolas.
A vegetação deveria ser pouco densa, com predomínio de gramíneas e
algumas árvores raquíticas, possivelmente poderia haver cactáceas, como sugere
AB'SABER (1977 e 1993) para os períodos áridos. O autor citado, ainda justifica tal
suposição, através dos depósitos detríticos, que só teriam condições de serem transportados,
através das vertentes, caso a vegetação fosse pouco densa.
A Província Serrana, atualmente, está incluída no domínio fitogeográfico do
cerrado (vide item 3.2). Deste modo, é possível que durante o Pleistoceno Superior, os altos
dos interflúvios, atualmente ocupados pelos cerrados típicos, estivessem compostos da
mesma (ou semelhante) vegetação xerofítica. Entretanto, as regiões ocupadas, hoje, pela
floresta sempre-verde deveriam estar bastante reduzidas, possivelmente, estariam
concentradas ao redor dos corpos d'águas que resistiram a intensa seca.
A fauna pleistocênica da gruta do Curupira, provavelmente corresponde ao
final do Pleistoceno-início do Holoceno. Esta fauna inclui animais adaptados a dois
ambientes, como: as áreas abertas com predomínio de gramínias e as áreas de florestas. Isto
leva a supor que no período de deposição desta fauna, existiria nesta região da Província
Serrana um mosaico ambiental composto por campos abertos e florestas. Segundo
REDFORD e FONSECA (1986), as florestas de galerias poderiam representar, nos períodos
secos, um verdadeiro refúgio das faunas adaptadas às florestas. O autor sugere que este tipo
55
de mata, além de possuir nítida associação com os cerrados, dependem muito mais das
condições geomorfológicos e topográficas do que climáticas.
Na área em pesquisa as matas de galerias ocupam pequenas áreas nas
margens dos córregos das unidades de paisagens 1 e 4 (vide capítulo 3), cujo o predomínio
são os cerrados (Fig.3). As únicas drenagens perenes da região são as nascentes do Estivado
e do Curupira (Fig 4), sendo que as nascentes do primeiro, ocupam o alto de um interflúvio
rochosos, não proporcionando a formação de matas de galerias. Entretanto o rio Curupira,
além de possuir nascente que representa a vazão de um sistema de rede de drenagem
subterrânea do tipo "ponors"9, possue um volume de água, em sua nascente, correspondente
a um córrego. Deste modo, é de se supor que a área das nascentes do rio Curupira fossem a
detentora das matas pleistocênicas.
O registro fóssil em sedimentos fluviais do rio Curupira, enquanto
subterrâneo, também sugere a circulação de água desta drenagem durante o Pleistoceno
Superior-Holoceno. A existência de fósseis correspondentes a fauna de hábitat aquático,
como os jacarés (Palaeosuchus sp.), cágado (Phrinops sp.) e ariranha (Pteronura
brasiliensis), também corroboram com a circulação de água no referido período.
As demais nascentes da área deveriam apresentar-se, no limite Pleistoceno
Superior-Holoceno, bem mais secas que atualmente. O caráter intermitente destas
drenagens na atualidade, já demonstram uma pré-disposição de secarem na estação da seca.
A posição de suas nascentes em cotas altimétricas altas, não permite a captação do lençol
freático, que no Pleistoceno-Holoceno deveria encontrar-se mais baixo.
Nestas áreas deveriam haver vegetações do tipo campo graminoso e cerrado
típico, que não se distinguem muito da fisionomia florística atual do local. Porém, os
cerrados pleistocênicos-holocênicos deveriam ocupar áreas maiores, transpondo as atuais,
possivelmente ocupando o espaço das florestas sempre-verde atuais. As florestas sempre-
9 Segundo Jennings, (1987), "ponors" são nascentes dágua que surgem ao longo das margens dos calcários. Elas podem variar da entrada de uma caverna até aos pés de uma vertente de calcário.
56
verde, que hoje ocupam a depressão, na qual percorre o rio Curupira e seus afluentes,
deveriam ocupar áreas menores, possivelmente nas proximidades do corpo d'água existente
na época (nascente do rio Curupira).
Deste modo, a fauna dos megamamíferos deveriam predominar nos cerrados
e campos, sendo elas adaptadas a este local. CARTELLE (1995), sugere que a falta de
endemismo, atualmente nos cerrados e campos, se deu mediante a extinção desta fauna no
Pleistoceno. O autor ainda complementa, que todos os animais que não tinham primária ou
secundáriamente hábitat de matas, foram extintos no final do Pleistoceno-Holoceno. O
autor sugere que as mudanças ambientais processadas no limite entre o Pleistoceno e
Holoceno seriam as responsáveis pelo desaparecimento destes megamamíferos adaptados
aos campos abertos.
As florestas de galerias ao redor das nascentes do Curupira deveriam ser o
hábitat de vários animais pleistocênicos das matas, entre os representantes dos fósseis da
gruta do Curupira estão : anta, caititu, veado, macaco (bugio) e paca, sendo possível a
existência de outros animais que não tiveram registros fósseis.
As mudanças do ambiente, ocorridas após o limite entre o Pleistoceno-
Holoceno culminou no aumento da vegetação fechada, proporcionando uma maior
adaptação da fauna de floresta. A extinção dos megamamíferos, como já foi referido acima,
estaria relacionada a diminuição dos campos abertos. Entretanto, a influência das
tempestades torrenciais, características do final do Pleistoceno, poderiam ter ocasionado
grandes enxurradas sob as vertentes dos campos abertos, passíveis de transportar grandes
animais, culminando nos depósitos dos tanques e das grutas
O Holoceno caracteriza-se pelo predomínio do clima quente e úmido, porém
intercalado com vários episódios de clima seco. Os períodos de transição entre Holoceno
inferior, médio e superior foram marcados por períodos de secas mais intensas. Em especial
o período denominado de "Optimum Climaticum", que apesar do aumento da temperatura,
foi caracterizado pela excepcional aridez na região da Amazônia.
57
O aumento das florestas de galerias situadas nas nascentes do rio Curupira,
que passam a ocupar toda a depressão de sedimentos inconsolidados, formando as florestas
sempre-verde, provavelmente teria ocorrido após 5.500 AP. A partir deste período
retomam-se as condições úmidas e o domínio das florestas, sendo este sucessor do período
seco e de domínio da vegetação seca (Floresta decídua e cerrados) do "Optimum
Climaticum". Esta expansão das florestas, não deveria ter ocorrido além da que é observada
atualmente. Os limites geológicos e pedológicos são fortes fatores de delimitação desta
vegetação. As florestas sempre-verde que ocorrem atualmente na área, ocupam o limite
justo dos sedimentos inconsolidados (Fig.3 e Fig.5), sendo que as florestas do passado,
também, deveriam ocupar este subcompartimento geomorfológico.
As demais flutuações climática observadas no decorrer do Holoceno
Superior não representaram um forte fator para a alteração da vegetação. Segundo os dados
levantados, os episódios secos ocorridos durante o Holoceno Superior são de menor
intensidade que os observados no limite entre Holoceno Médio e Holoceno Inferior.
Uma segunda hipótese para o paleoambiente da região é do funcionamente
de uma "polgé", na região da depressão com sedimentos inconsolidados (vide item 3.2.1.2).
Isto explicaria a existência dos fósseis adaptados a vida aquática, a grande quantidade de
sedimentos de origem fluvial nesta região, bem como os depósitos fluviais nas grutas do
Curupira e Pau D'Álho. Nesta última alcançam aproximadamente 3 metros de altura
(HIROOKA, 1994). A configuração geomorfológica também corrobora, pois a depressão
encontra-se delimitada por falhas que culminaram nos abatimentos de blocos,
proporcionando uma depressão com fundo chato. A origem desta depressão, também
envolve a sua localização ao longo do contato entre calcários e dolomitos, sendo o primeiro
mais solúvel que o segundo.
No período entre 10.000 e 8.000 AP, o sistema de drenagem deveria ser
ativo, com um regime hidrológico intenso, marcado por grandes tempestades torrenciais e
enchentes de grandes magnitudes, bastante adversas das atuais. Este quadro ambiental seria
58
o sufiente para entulhar esta depressão com sedimento aluvionar. Sob este ponto de vista, a
nascente do rio Curupira deveria ser mais recente que o aludito, pois o sistema de drenagens
subterrânea deveria ter sua vazão neste "paleopolgé" em um sistema de "ponors".
Entretanto, para a comprovação desta hipótese, dever-se-a realizar um estudo mais
aprofundado da geomorfologia cárstica e espeleologia, envolvendo uma pesquisa
especializada nos condutos subterrâneos.
Estas hipóteses para o paleoambiente da região poderiam, ambas, terem
ocorridos, em tempos distintos. O funcionamento da "poljé", possivelmente teria ocorrido
na época do aprofundamento máximo da cartificação, em tempos mais úmidos do
Pleistoceno Superior. KOHLER e PILÓ (1991), sugerem que nesta época foram construídos
os patamares localizados a 10-12 m acima dos "ponors" atuais. Isto corrobora com a
situação destes patamares aluviais e a nascente do rio Curupira. No último glacial do
Pleistoceno ocorre a inversão do relevo, através do preenchimento da "poljé" que
proporcionaria uma nova direção para a vazão das drenagens subterrâneas, passando a
localizar-se na nascente do rio Curupira. Os sedimentos aluvionais da "paleopoljé", no
"Optimum Climaticum", poderiam estar ocupados por vegetação adaptada a condições
climáticas mais secas, como o cerrado. O retorno das condições úmidas, depois do
"Optimum Climaticum", proporcionam um ambiente adequado às florestas, que
paulatinamente ocupam a totalidade desta região.
60
CAPÍTULO 3
AMBIENTE NATURAL
Neste capítulo abordar-se-á o ambiente natural atual. Segundo SÁNCHES
(1991), o ambiente natural é uma organização biológica-geológica-atmosférica. Estes
componentes naturais estruturam relações e formam um sistema natural. O relevo, a rocha,
a vegetação e a fauna estão fortemente vinculados. Esta vinculação estabelece ambientes
específicos "onde ocorrem processos físicos e biológicos, que são qualitativamente e
quantitativamente específicos de cada unidade ambiental" (SÁNCHES, 1991:61).
A visualização, a nível macro, dos sistemas naturais permite a identificação
de seus limites e, consequentemente, possibilita o seu mapeamento. Este conjunto de
elementos físicos e biológicos observados, quanto à sua estruturação espacial, é definido
como unidades de paisagens. As unidades de paisagens coincidem com a geoforma
(SÁNCHES, op cit). Deste modo a estrutura geológica, geomorfológica e pedológico são a
base de sustentação do conjunto que forma a unidade de paisagem. A vegetação,
apropiando-se as condições físicas e químicas do substrato, estabelece formações florestais
distaintas, em conformidade a cada geoforma. Outra definição, comumente usada para esta
unidade ecossistêmica, é ecologia de paisagem. A ecologia de paisagem tem por objetivo
principal a locação de limites entre áreas tipos em uma paisagem em mosaico (WIENS et
al., 1985).
Estes aspectos ambientais, ou fatores ambientais que se relacionam em uma
unidade de paisagem, demonstram que as relações entre eles são de interdependência. A
estruturação da paisagem ocorre em associação. A troca ou mudança de um fator implica na
reestruturação do sistema. A aplicação deste conceito permite a previsão da densidade e
61
tipos de recursos. Esta partida possibilita a indicação da estrutura do ambiente de forma a
estabelecer limites, formas e composição.
3.1- Clima
O clima da região em estudo, segundo NIMER (1989), é quente e úmido
dominando quase toda a região centro-oeste do país. A frequência de temperatura elevada
constituí a característica dominante, no norte do Mato Grosso, Goiás e no Pantanal, onde,
no verão, são comuns as temperaturas superiores a 38 º C. Segundo LUZ et al.(1978), nos
meses de junho a agosto a temperatura da região alcança medidas diárias inferiores a 10º C.,
em consequência da migração de massas frias provenientes do sul. Porém, nestes meses,
como ocorrem, também, temperaturas elevadas, estas tornam as temperaturas baixas do
inverno pouco representativas.
As precipitações não se distribuem igualmente através do ano, seu regime é
característicamente tropical, com dois períodos bem definidos; um chuvoso no verão, e
outro seco no inverno. Em toda a região, mais de 70 % do total de chuvas acumuladas
durante o ano se precipita de novembro a março (Nilmer, op.cit.). ROSS (1987), acrescenta
que o pico das chuvas ocorre no mês de janeiro, quando o índice médio do total das chuvas
anuais na região de Cuiabá é de 17,3 %. O autor ainda afirma que é bastante nítida a
redução de chuvas nos meses de abril a setembro, sendo os meses de julho e agosto os mais
secos, com média de 0,6 %; já os meses de outubro e abril são meses de transição,
apresentando valores porcentuais em relação ao total anual inferiores a 10% e superiores a
6% (Gráfico 2).
62
A distribuição das chuvas acumuladas em 4 meses proporciona um aumento
da umidade relativa do ar entre 95% a 97%. Já a carência de chuvas no inverno ocasiona
baixos níveis de umidade, de 38 % a 40% (Ab'Saber,1993 ).
Alturas de Chuvas - Médias Mensais
%
0
5
10
15
20
Out
Nov
Dez Jan
Fev
Mar
Abr
Mai
Jun
Jul
Ago Set
GRÁFICO 2- Médias mensais de chuvas calculadas a partir dos registros dos postos de Cáceres, Diamantino e Cuiabá. Fonte: DNSO - Departamento Nacional de Saneamento e Obras (Modificado de Ross, 1987)
3.2 - Aspectos Regionais da Província Serrana Paraguai-Araguaia
A área de estudo compreende um cinturão de rochas sedimentares do
Proterozóico Superior denominada de Província Serrana Paraguai-Araguaia
(ALMEIDA,1964). Esta faixa possui 350 km de comprimento com largura média de 30 km,
percorre transversalmente todo o Estado de Mato Grosso, estendendo-se deste o limite norte
do Pantanal até o alto vale do rio Araguaia, divisa com o Estado de Goiás. Essa cordilheira
forma o divisor de águas das bacias do Paraguai, ao sul, e Amazônas, ao norte. Os
principais rios receptores das drenagens da Província Serrana são os rios Teles Pires e
63
Arinos, correspondentes à Bacia do Amazônas, e os rios Paraguai e Cuiabá, formadores da
bacia do Paraguai.
Esta região serrana sofreu movimentos tectônicos que marcaram as rochas e
o relevo com dobramentos e falhamentos. A geração de áreas soerguidas e outras
rebaixadas proporcionou diferentes graus de dissecações que permitiram a estruturação de
um relevo na forma de uma sequência de serras e vales alinhados na direção N 30 E.
Segundo LUZ et al. (1978), esta unidade geomórfica constitui um exemplo de modelado de
relevo de cadeias dobradas tipo apalachiana, em franco estágio de dissecação.
ROSS (1987), divide a Província Serrana em três conjuntos morfo-
estruturais. A primeira seção corresponde à parte sul do conjunto, e apresenta as estruturas
dobradas muito dissecadas pelos eventos erosivos. A segunda seção encontra-se na porção
central da Província, e apresenta dobras conservadas e outras arrasadas pela erosão, sendo
que suas formas refletem mais as posições estruturais. A última seção, situada no extremo
nordeste deste conjunto serrano, apresenta o traçado tectônico menos intenso, com as
estruturas mais conservadas.
A Província Serrana está representada, principalmente, por duas estruturas
tectônicas , que se sucedem uma após a outra : as sinclinais e as anticlinais. A primeira
representa uma dobra negativa, onde o centro da estrutura possui uma conformação
côncava, permitindo a formação de um vale em sinclinal. As suas laterais são
topograficamente mais altas em relação ao centro, possuem litologias mais resistentes e
perfazem no relevo cristas assimétricas alinhadas. A segunda estrutura, os anticlinais, são
formas positivas (convexa), cujo centro é mais alto em relação às laterais. O topo é bastante
atacado pelos agentes das intempéries, culminando na escavação do núcleo da anticlinal,
permitindo que aflorem rochas de camadas mais inferiores, da coluna estratigráfica. As
laterais destes anticlinais também tendem a ficar conservadas na forma de cristas
assimétricas, devido à alta resistência de suas rochas (Fig.2)
64
A região está representada, litologicamente, pelo Grupo Alto Paraguai,
formado por uma estratigrafia iniciada a partir dos diamictitos da Formação Bauxi/Puga,
carbonatos da Formação Araras, arenitos da Formação Raizama e folhelhos da Formação
Diamantino, todos pertencentes ao período Pré-Cambriano Superior. Os sedimentos
quaternários estão representados pelos sedimentos inconsolidados da Formação Pantanal,
pelas acumulações detríticas definidas como Pedimentos Detríticos (DEL'ARCO et al.,
1982 E BARROS et al., 1982) e pelos tufos calcários da Formação Xaraés.
Fig. 2
66
A condição hidrológica da Província Serrana, Segundo ROSS (1987),
assume características do padrão treliça e demonstram que estão sob forte influência das
estruturas dobradas que comandam a morfologia da área. Deste modo, redes hidrográficas
intensas estão presentes em terrenos impermeáveis, desenvolvidos sob rochas pelíticas dos
vales de sinclinais, proporcionando uma ampla denudação fluvial. A carência total de rios
ocorre em terrenos falhados e calcários, onde existe uma inversão da drenagem que passa a
percorrer nos condutos subterrâneos (LLADÖ, 1970).
ROSS (1987), explica que o comportamento hidrodinâmico, caracterizado
pela intermitência de inúmeros rios, reflete não só um aspecto climático, mas também uma
natureza lito-pedológica. A alta altitude das cristas com vertentes íngremes, não permite a
formação de lençol freático permanente. O autor define a situação hídrica da região do
seguinte modo: "cursos d'água perenes estão associados a vales instalados em depressões
anticlinais ou a extensos vales sinclinais, enquanto os cursos intermitentes associam-se a
vertentes de dorsos de anticlinais ou em abas de sinclinais alçadas" (ROSS, 1987:217).
A região da Província Serrana está inserida no domínio fitogeográfico dos
cerrados. Este bioma destaca-se pela sua diversidade, representada pela variação do
domínio de sua paisagem e dos ecotonos. O domínio do cerrado inclui grandes variedades
fitofisionômicas, com importantes diferenciações regionais. A cobertura vegetal dos
cerrados abrange três categorias: a florestal, a savânica e a campestre. A floresta ocorre em
terrenos de interflúvios e sobre latossolos profundos, e ainda sobre solos derivados dos
calcários. As florestas de galerias acompanham as margens dos rios e desenvolvem-se
mediante a alta taxa de umidade ( PEIXOTO e CORADIN, 1993). O cerrado e o campo
apresentam-se no contexto dos solos pedregosos e/ou arenosos, de baixa fertilidade e
elevada taxa de alumínio (MONTEIRO,1994 e HIROOKA 1994).
67
"Os fatores que determinam o tipo de cobertura vegetal podem variar de local para local, sendo a disponibilidade de água e de nutrientes os mais importantes." (PEIXOTO e CORADIN, 1993:159)
A superfície do relevo da Província Serrana está marcada por uma sequência
de áreas diferenciadas pela litologia, geomorfologia, pedologia, hidrologia e vegetação.
Nestes ecossistemas bem definidos geograficamente, estabelece-se uma dinâmica interna de
interação entre os fatores naturais. Essa estrutura espacial do ambiente vem de encontro aos
conceito de ecologia de paisagem (WIENS, et al., 1985) e unidade de paisagens
(SÁNCHES,1991).
HIROOKA (1995), em trabalho de zoneamento ambiental, divide a região
em 7 unidades de paisagens, mediante as características geológicas, geomorfológica e da
vegetação, sendo elas:
1.1 - Vale de sinclinal - Vale sustentado pelos folhelhos da Formação
Sepotuba, com altitudes entre 297 e 350 metros. Superfície subaplainada por intensos
eventos erosivos e rede de drenagem permanente. A vegetação típica é o cerrado.
1.2 - Vertentes Cársticas - Vertentes sustentadas pelos carbonatos da
Formação Araras com altitudes entre 356 e 620 metros. A carstificacão é elevada, dando
origem a diversas grutas, abrigos, "canyons", torres, "huns" e vales cársticos. As águas
superficiais só fluem nos dias de chuvas torrenciais. A vegetação nesta área é de floresta
decídua.
1.3- Residuais Cársticos - Morros residuais, sustentados pelos dolomitos
da Formação Araras com altitudes entre 328 e 421 metros. Situam-se no núcleo dos
anticlinais erodidos. As cavidades naturais e outras formas cársticas são pouco observadas.
A vegetação é de floresta decídua.
1.4 - Cristas Cársticas - Cristas formadas pelos carbonatos da Formação
Araras com altitudes entre 433 e 679 metros. Correspondem às abas do sinclinal alçado das
68
Araras. As formas cársticas são pouco desenvolvidas. A vegetação é compatível com as
florestas calcárias ou com as florestas decíduas.
1.5- Vale alçado da sinclinal das Araras - Vale suspenso, com cotas em
torno dos 550 metros, sustentado pelos arenitos da Formação Raizama. Encontra-se
delimitado por cristas elevadas e contínuas, com altitudes próximas a 900 metros.
Predomínio da vegetação é dos cerrados.
1.6 - Cristas areníticas - Cristas areníticas da Formação Raizama, com cotas
entre 898 e 790 metros, correspondente aos flancos da sinclinal das Araras. As vertentes,
possuem inclinação elevada, em torno de 45% . Os cursos de águas caracterizam uma rede
de drenagem intermitente. A vegetação nesta unidade é do tipo campo cerrado.
1.7 - Depressões preenchidas com sedimentos quaternários - Áreas
deprimidas com cotas em torno de 200 metros, preenchidas com sedimentos inconsolidados
da Formação Pantanal. A vegetação característica do tipo das florestas sempre-verde.
3.2.1 - As Unidades de Paisagens na Área de Estudo.
A área delimitada para o trabalho situa-se na segunda seção da Província
Serrana definida por ROSS (1987). Das unidades ambientais definidas por HIROOKA
(1995), duas delas encontram-se na área de estudo, sendo elas: as depressões preenchidas
com sedimentos quaternários e as vertentes cársticas. Outras duas unidades de paisagens
foram definidas em conformidade com seus aspectos rochosos, formas de relevo, solos,
drenagens e vegetação.
Para chegar à definição destas unidades de paisagens foram analisadas
fotografias aéreas, imagens de radar e satélite, que resultaram em mapas de vegetação,
geologia e geomorfologia (Fig. 3, 4 e 5). As fotografias aéreas de escala 1:60.000 foram
fotointerpretadas em estereoscópios bioculares, da marca Zenite, no laboratório de
69
Fotogeologia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). As fotos aéreas foram
tiradas nos meses de maio e agosto do ano de 1967. O período do ano corresponde aos dois
períodos climáticos que predominam na região, a época de seca e a das chuvas, o que
facilitou o mapeamento das florestas decíduas. Os desmatamentos praticamente inexistem
na área, na época em que foram tiradas as fotos, já que o auge do desenvolvimento na
região ocorreu na década de 70. As imagens de satélites seriam um excelente instrumento
para o mapeamento da vegetação, se estas correspondessem a uma época anterior ao intenso
desflorestamento atual da região, mas, infelizmente, a implementação tecnológica das
imagem de satélites no centro-oeste ocorreu somente no final da década de 80, quando o
processo de colonização no Estado de Mato Grosso já se encontrava bastante avançado.
O mapa geomorfológico corresponde às principais formas de relevo que
predominam na área. A delimitação e a distinção entre as formas de relevo foi possível
através da visão estereoscópia, em três dimensões, a partir das fotos aéreas. O mapa
geológico foi confeccionado através de uma conjunção entre as fotos aéreas e as imagens de
radar. Nesta última, a textura da imagem possibilita uma melhor identifição dos conjuntos
litológicos e de solos.
As unidades de paisagem foram definidas através da sobreposição dos
elementos naturais, como geologia, geomorfologia e vegetação. A complexidade ambiental
que resulta tortuosidade e pequenas reentrânças nos contatos, sobretudo da vegetação, que
apresenta pequenas ilhas dentro de uma massa uniforme, exigiu que fosse adotada uma
maximização do elemento dominante, ou seja, as pequenas unidades entre as unidades
maiores foram absorvidas. Este mecanismo permite que os mapas e os dados apresentados
se tornem mais claros e manuseáveis, sendo os limites mais facilmente identificáveis
(ZUQUETE, 1987) (Fig. 6).
70
3.2.1.1 - Unidade de paisagem 1 - Cerrado em rochas diamictitas Geologia e Geomorfologia
Esta unidade está localizada no extremo norte - noroeste e representa 13,7 %
da área delimitada para o estudo. As rochas que dominam esta unidade pertencem à fácie
diamictito da Formação Bauxi/Puga (ALVARENGA,1990). Os diamictitos apresentam-se
na forma de paraconglomerado, um conjunto de clastos, seixos e grânulos dispersos de
maneira caótica em matriz síltico-arenosa. A matriz perfaz entre 60-90 % da composição da
rocha conferindo-lhe uma cor de marrom-arroxeada a chocolate. Os seixos possuem
arredondamento de escala variada, podendo também ser observados seixos angulosos, como
é comum em rochas oriundas de geleiras. As dimensões máximas observadas para os
clastos é de 1,1 metros, sendo que normalmente eles apresentam-se com dimensões em
torno de 50 cm (ALMEIDA, 1964).
Segundo ALVARENGA (op cit), os diamictitos são constituídos de seixos
de natureza variada, principalmente de quartzitos, arenitos, quartzos, granitóides e rochas
básicas, e de raros siltitos, argilitos e carbonatos. ALMEIDA (op cit), define na litologia dos
seixos os: micaxistos, gnaisses, filitos, jaspilitos e anfibolitos. BARROS, et al. (1982)
inclui na composição dos mesmos sílexs e feldspatos. Os seixos possuem como natureza
litológica predominante os materiais quartzosos, sobretudo os quartzitos (ALMEIDA, op
cit).
A Formação Bauxi/Puga, na região do Bauxi, possui diamictitos maciços que
são progressivamente substituídos por uma associação de diamictitos maciços, diamictitos
estratificados, arenitos e argilitos. As intercalações de argilitos são maciças, de cor
avermelhada ou violeta, com uma espessura em torno de 8 metros (ALVARENGA,1990).
O modelo deposicional para esses sedimentos glaciais, segundo
ALVARENGA (op cit), é um ambiente de borda cratônica ao lado de uma bacia marinha,
71
sob a influência de geleiras e correntes turbidíticas. Os diamictitos ricos em seixos foram
depositados próximos das margens das geleiras em mar raso, onde numerosos icebergs
foram responsáveis pelos depósitos dos seixos de diferentes naturezas litológicas e
tamanhos. As intercalações de sedimentos detríticos e pelíticos sugerem a intervenção sobre
as plataformas de tempestades pontuais.
Os afloramentos diamictitos, na área em questão, apresentam-se de dois
modos. No primeiro, ocorrem "in situ" e apresentam-se na forma de lajedo. A exposição
destes afloramentos ocorrem sob a influência de falhas tectônicas que proporcionaram o
deslocamento de blocos rochosos, dando origem a cortes abruptos no relevo. A exposição
da rocha sã ocorre com os seixos cimentados à matriz , formando uma ampla superfície
compacta, sem qualquer vegetação. A segunda exposição inclui os afloramentos que
sofreram influência do intemperismo. A matriz cimentadora dos seixos deixa de existir,
mediante as ações químicas e físicas dos agentes naturais. Os seixos aparecem soltos sobre
a superfície do solo. Este tipo de afloramento ocupa grande parte da área, preferencialmente
nas cotas mais altas dos topos dos interflúvios. ALMEIDA (1964:38) resume esta situação
em campo com a seguinte afirmação: "quando as rochas estão frescas, são de elevada
resistência ao choque do martelo, mas alteradas, sobretudo quando muito
clivadas,...tornam-se pouco consistentes, libertando seus seixos no solo".
Nos trabalhos de campo é observado que os quartzitos possuem uma
coloração que varia entre o vermelho escuro e marrom, e de branco a cinza, bastante
silicificada, com alta dureza. Em afloramentos atacados pelas intempéries estas rochas
predominam na superfície do solo. As rochas ígneas ocorrem com diferentes naturezas
litológicas e graus de metamorfismo, e são de elevado diâmetro em comparação aos demais
clastos. Nos afloramentos com elevado grau de intemperismo elas inexistem; foram
observadas somente em afloramentos de rochas sãs e apresentavam-se com elevado estágio
de alteração. Os quartzos são leitosos e formam a maioria dos grânulos, sendo rara a
ocorrência de quartzo com diâmetro maior que 6 cm. Os jaspilitos ocorrem, também, na
72
forma de seixos com cerca de 10 cm de diâmetro. As suas características se assemelham
bastante com os quatzitos; entretanto, não é possível distinguir com clareza os grãos de
quartzo. Outro clasto presente nos diamictatitos, não citado pela bibliografia, são os
metaconglomerados com seixos de quartzo variando entre 1 cm, cimentados em matriz
silicosa. Os sílexs não foram observados nos trabalhos de campo.
Em menor exposição, e em lugares restritos, ocorrem os pedimentos
detríticos quaternários. Segundo ALMEIDA (1964), estes sedimentos são constituídos por
matacões de arenito da Formação Raizama, bem arredondado e com diâmetro que pode
exceder a um metro, com matriz arenosa irregular, frequentemente cimentada por hidróxido
férrico. DEL'ARCO (1982) acrescenta na composição dos clásticos, dolomitos silicificados
e sílex, oriundos provavelmente das rochas da Formação Araras. Os fragmentos são
arredondados e subarredondados, envoltos em matriz arenosa, e mostram a superfície
externa limonitizada. Segundo o autor, sua localização intermontana, corrobora com a
hipótese de que tenham surgido em um dos eventos erosivos pré-holocênicos que
aplainaram a região, sob condições climáticas diferentes da atual. PENTEADO (1969),
estabalece a diferença entre terraços aluviais e depósitos detríticos. O primeiro é composto
por seixos bem rolados relacionados ao lençol aluvial, sem relação com formações
geológicas circundantes, enquanto os depósitos detríticos caracterizam-se por elementos
mal rolados com litologia semelhante à das rochas adjacentes, sugerindo transporte curto
sobre as vertentes.
Os depósitos detríticos da Província Serrana, segundo ROSS (1987),
iniciam-se a partir do pedimento rochoso e podem aparecer encobertos por camadas de
espessura variável de material detrítico fino, com alto grau de ferruginação. MUNDIM
(1982) in: ROSS (op cit), interpreta a deposição dos materiais rudáceos desta área como
resultado de fases climáticas áridas ou semi-áridas, ou seja, os períodos glaciais do
Pleistoceno , enquanto que o recobrimento de material fino seria testemunho de fases
climáticas úmidas, interglaciais.
73
Estes depósitos na área de estudo apresentam-se na forma de pequenos
ressaltos topográficos de aproximadamente 5 metros de altura. Ela tem inicio a partir das
camadas pelíticas da Formação Bauxi/Puga. A sua composição é de seixos sub-
arrendodados, compostos principalmente de minerais e rochas silicosas, inconsolidados e
dispersos em matriz síltico-arenosa de cor amarela. Os seixos são predominantemente
compostos por arenitos de coloração branco-acinzentada, bastante friáveis. As opalas e
sílexs ocorrem em grande quantidade, sendo superados apenas pelos arenitos. Os sílex são
de cor cinza escura e negra e possuem uma dimensão que não excede os 5 cm de diâmetro.
As opalas são de cor branca, amarela e castanho-avermelhada, translúcidas. Na análise
petrográfica de uma opala coleta neste afloramento, pode-se observar estruturas
microcospicas típicas das opalas como: lutesitas, quartzinas e calcedonitas. A superfície
externa das opalas apresenta-se bastante alteradas, formando um córtex de coloração
branca. Os calcários também ocorrem nesta área, mas em baixa quantidade. Algumas
estruturas secundárias foram observadas, como drusas, estilolitos e geodos. A maioria dos
seixos é oriunda das Formações geológicas das proximidades, principalmente da Formação
Raizama e da Formação Araras. Os seixos de rochas ígneas da Formação Bauxi/Puga não
foram observados.
O relevo desta unidade possui cotas altimétricas entre 200 e 329 metros
acima do nível do mar. Como nas demais unidades, possui uma forte influência das
estruturas tectônicas. A estrutura predominante é um anticlinal bastante afetado por falhas e
por eventos erosivos. O centro da estrutura apresenta afloramento da fácie argilosa da
Formação Bauxi/Puga. Exibe a forma de uma área rebaixada, por onde percorrem os canais
de drenagens, bastante entalhados. Os diamictitos que se posicionam na orla desta estrutura
permaneceram em cotas mais altas, formando um amplo interfluvio com baixa declividade,
quase plano no topo. As zonas de falhas, observadas no extremo sul da área, perfazem no
relevo uma ruptura de declive marcada por vertentes abruptas (Fig. 4).
74
As drenagens desta unidade estão representadas pelas cabeceiras do córrego
Fundo e as cabeceiras do rio Curupira, sendo os primeiros afluentes do rio Chiqueirão,
pertencente à bacia hidrográfica do rio Cuiabá; já as segundas são afluentes do rio Paraguai.
Estas cabeceiras são fartamente distribuídas pela área, situam-se no alto do interfluvio e
tomam a direção das áreas mais baixas. As cabeceiras do córrego Fundo direcionam-se para
nordeste, percorrendo o vale entalhado no centro da anticlinal. Já as cabeceiras do rio
Curupira direcionam-se para noroeste e percorrem as áreas deprimidas da unidade de
paisagem 2. A maioria destas cabeceiras apresenta uma intermitência no fluxo de suas
águas, sendo que nos meses de pico da estação seca as águas praticamente deixam de fluir,
ou fluem em apenas um "filete" d'água.
Flora
A vegetação, nesta unidade, é de cerrado típico. A estrutura da vegetação
envolve dois estratos: o estrato arborescente e o estrato baixo. No primeiro encontram-se
árvores com altura média de 2 a 6 m, com troncos tortuosos e ramificações irregulares,
abertas, ralas e retorcidas. O andar baixo inclui alguns arbustos, mas o domínio é das
gramíneas que podem atingir 1 m de altura. A densidade de plantas por hectare é baixa,
resultado da média do espaçamento entre os troncos, de 2 a 4 metros. (RIZZINI, 1979).
GOODLAND e FERRI (1979), registra 43 espécies e 2.253 espécimes por hectare.
Segundo AMARAL (1982), nos cerrados são comuns plantas de folhas
pilosas, lanuginosas, tomentosas, e com lepitios. As plantas que produzem flores amarelas
são numerosas, frequentemente há as que produzem flores ou inflorescências vistosas.
RIZZINI (op.cit), acrescenta que os cerrados carecem de ervas, vegetais anuais e plantas
suculentas, e são relativamente poucos os bulbos e raízes suculentas.
Os arbusto possuem deciduidade de sua parte aérea, renovada anualmente no
fim da seca. O restante do conjunto arbóreo também troca suas folhas, porém de maneira
75
gradual, não ficando todas desfolhadas ao mesmo tempo. No auge da seca, são raros os
sinais de murcha, caracterizando uma vegetação tipicamente xerofítica (GOODLAND e
FERRI, 1979). RIZZO et al., (1971) verificam que 90 % dos espécimes com mais de 1
metro perdem suas folhas e conclui que o cerrado e a mata decídua perdem sua folhagem de
maneira idêntica, sendo que em setembro atingem a maior queda de folhas.
Segundo RIZZINI (1979), no cerrado os frutos amadurecemm em massa no
final da seca, mais especificamente entre agosto e começo de outubro. A emissão de folhas
e flores também ocorre antes das chuvas. O autor ainda complementa que não são poucas as
espécies que florescem tendo seus frutos presos aos galhos.
Segundo AB'SABER (1993), os cerrados frequentemente quebram a sua
homogeneidade com a presença das matas de galerias. MARINHO FILHO e REIS (1989),
afirmam que estas matas são formações vegetais que acompanham o curso de pequenos e
grandes rios. Os autores ainda esclarecem que, fisionomicamente, é fácil identificar esta
vegetação, especialmente porque elas ocorrem em formações abertas como cerrados,
campos e caatingas.
" As florestas de galeria (floresta ciliar ou ripária) estendem-se ao longo dos cursos d'água, em faixas estreitas e intermitentes ou largas e densas. é uma floresta latifoliada, perenifólia, mais ou menos pantanosa, conforme as condiçòes locais, e com fisionomia muito variável." (PEIXOTO e CORADIN, 1993:160)
76
O cerrado da unidade em questão apresenta-se com altura média dos
elementos arbóreos de 2,70 metros e a distância entre eles é de aproximadamente 2,45
metros. As espécies herbáceas registradas são de Graminae, Cyperaceae e principalmente
Leguminosas. A homogeneidade dos cerrados só é quebrada pelas matas de galerias, que
ocupam as margens dos rios. Estas dão origem a uma estreita faixa sinuosa, formando
verdadeiros cordões de plantas lenhosas com folhas perenes, umbrófilas, com porte de até
14 metros de altura, além de muitas espécies de cipós, plantas epífitas e, sobretudo, grande
quantidade de matéria orgânica sobre o solo (MONTEIRO, 1994). As tabelas 1 e 2
demonstram algumas das espécies encontradas na formação do cerrado típico e floresta de
galeria desta unidade. ESPÉCIES NOME VULGAR 1-Curatella americana Lixeira 2-Simarouba versicolor Pau-de-perdiz 3-Brosimun gaudichaudii Mama-cadela 4-Vataierea macrocarpa Angelim 5-Kyelmeiera rubriflora Pau-doce 6-Kyelmeiera coriacea Pau-santo 7-Salvertia convalliodora Capotão 8-Annona coriacea Ariticum 9-Agonandra brasiliensis Tinge-cuia 10-Andira cuiabensis Morcegueira 11-Byrsonima verbascifolia Murici 12-Vochysia cinnamomea Pau-terra 13-Psidium sp Araçá 14-Eugenia desynterica Cagaiteira 15-Qualea grandiflora Pau-terra-grande 16-Qualea multiflora Pau-terrinha 17-Coccos comosa Gueroba 18-Dyospirus cericea Olho-de-boi 19-Davilla eliptica Lixieirinha 20-Erythroxyllum suberosum Pimenteira 21-Aspidosperma tomentosum Leitero 22-Dalbergia violacea Jacarandá-do-cerrado 23-Qualea parviflora Pau-terra 24-Bauhinia rufa Unha-de-vaca 25-Duguetia furfuracea Ata-brava 26-Tabebuia caraiba Paratudo
77
27-Connarus suberosus ------------- 28-Bauhinia pulchela Unha-de-vaca 29-Rhaminidium elaeocarpum Cabriteiro 30-Copaifera martii Guaranázinho 31-Hancornia speciosa Mangaba 32-Banisteriopsis sp. Nó-de-cachorro 33-Anadenanthera colubrina Angico 34-Ocotea suaveolens Caneleira 35-Bromelia balansae Gravateiro 36-Vernonia scabra Assa-peixe 37-Couepia grandiflora Genciana
TABELA 1: Lista de espécies ocorrentes no cerrado típico da unidade 1, segundo
MONTEIRO (1994).
78
ESPÉCIES NOME VULGAR 1-Pseudobombax longiflorum Imbiruçú 2-Protium heptaphyllum Almescla 3-Licania kunthiana -.- 4-Buchenavia tomentosa Mirindiba 5-Tapirira guianensis Pombeiro 6-Tapiria marchandii Pombeiro 7-Cardiopetallum calophyllum Imbira 8-Xilopia aromatica -.- 9-Aspidosperma subincanum Guatambú 10-Ilex affinis Mate 11-Hirtela glandulosa -.- 12-Diospyros sericea Olho-de-boi 13-Hieronima alchornioides -.- 14-Casearia silvestris Lambari 15-Calophyllum brasiliensis Guanandi 16-Mezilaurus crassiramea Canela 17-Diptychandra glabra Carvão 18-Sclerolobium paniculatum Pau-de-perdiz 19-Andira inermis Morcegueira 20-Machaerium acutifolium -.- 21-Pterodon pubescens -.- 22-Vitex cimosa Ingá 23-Antonia ovata -.- 24-Byrsonima pachyphylla Murici 25-Norantea guianensis -.- 26-Guarea sp. Camboatá 27-Miconia guianensis Paú-de-sebo 28-Mouriri pusa Siputá 29-Tococa formicosa -.- 30-Siparuna guianensis Negramina 31-Bactris sp. Tucum 32-Sapindus saponaria Saboneteira 33-Myrcia sp. Goiabinha 34-Guapira noxia -.- 35-Syagrus comosa Palmeirinha 36-Alibertia sessilis Marmelada 37-Vovhysia pyramidales Cambará
79
TABELA 2: Lista de espécies encotradas na floresta de galeria, segundo MONTEIRO
(1994).
Fauna
As matas de galerias representam um importante refúgio para a fauna do
cerrado. Dos 67 gêneros de mamíferos não-voadores encontrados no cerrado, apenas nove
nunca são observados nas matas de galerias. Destes mamíferos, cerca de 51 % são
encontrados também nas florestas pluviais (MARINHO FILHO e REIS,1989). SICK
(1966), afirma que "as aves típicas do cerrado são em sua maioria aves de mata"; entretanto,
as aves adaptadas a áreas umbrófilas não deixam seu habitat para se aventurar em campos
abertos (RIZZIMI, 1971).
LANGGUTH (1993) registra para as matas de galerias os seguintes animais
mamíferos: Bugio (Alouatta caraya), Macaco-prego (Cebus apella), Anta (Tapirus
terrestris), Cachorro-do-mato-vinagre (Speothos venaticus), Gambá (Didelfhis albiventris),
Coelhos (Sylvilagus brasiliensis), Paca (Agouti paca), Cutia (Dasyprocta agouti) e outros
roedores de pequenas proporções.
Os animais típicos dos cerrados são encontrados em todos os ambientes de
formação aberta, como o campo cerrado. O que sugere como fator dominante para a
adaptação das poucas espécies endêmicas a intensidade de irradiação solar sob a superfície
do solo. Isto permitiria a adaptação ao cerrado dos animais fossoriais, como os tatus, cobras
e lagartos (VANZOLLINI, 1971).
Nas áreas de campo aberto e cerrado típico, são registradas somente 10% das
espécies de mamíferos terrestres da região dos cerrados; entre eles estão: Gato-Palheiro
(Felis colocolo), Tamanduá-Bandeira (Myrmecophaga tridactyla), Lobo-Guará
(Chrysocyon brachyurus), Tatu-Canastra (Priodontes maximus) e Veado-Campeiro
(Ozotoceros bezoarticus) (LANGGUTH, 1993). Entre as aves endêmicas, da vegetação
80
aberta, poder-se-ia citar algumas espécies de codornas (Nothura) e perdizes (Rhynchotus),
seriema (Cariama cristata) e a ema (Rhea americana) (SICK,1966).
LANGGUTH (op cit) enfatiza que esta fauna não constitui uma unidade,
sendo que 50 % da biomassa animal dos cerrados está formada por cupins e formigas.
Segundo MONNÉ (1993), no período da seca ocorre um grande declínio da fauna de
insetos em estado adulto, na área do cerrado. A grande maioria dos insetos permanece em
estado de larva ou ovo durante a estiagem, atingindo a fase adulta nos primeiros meses da
estação seca.
3.2.1.2 - Unidade de paisagem 2 - Floresta sempre verde em sedimentos inconsolidados
Geologia e Geomorfologia
Esta unidade forma, no plano, um traçado sinuoso com direção leste-oeste,
situando-se na região mediana da metade norte , ocupando 13,10 % da área. A área
compõe-se de sedimentos pelíticos da Formação Pantanal. A composição litológica perfaz
sedimentos aluviais dominantemente arenosos e síltico-argiloso, inconsolidados e semi-
consolidados. A coloração é predominantemente cinza-claro, as vezes creme. Localmente
podem ocorrer horizontes concrecionários, formando crostas de composição limonítica,
encontrados freqüentemente nos locais ligeiramente elevados. As alternâncias de camadas
arenosas e síltico-argilosas que ocorrem na sequência sedimentar da Formação Pantanal,
sejam mais ou menos espessas, são o resultado das oscilações climáticas que ocorreram no
Pleistoceno (DEL'ARCO, 1982).
ALMEIDA (1964) caracteriza os depósitos da Província Serrana como pouco
espessos e de natureza fina e síltico-argilosa. BARROS (1982), acrescenta que podem
ocorrer areias médias a conglomeráticas, sendo a fração cascalho resultante do
retrabalhamento e da movimentação dos rios atuais. ALMEIDA (op cit), conclui que os
sedimentos quaternários da Província Serrana são pouco significativos. Esta afirmação
possui suas bases na grande expressividade que estes sedimentos possuem nas planícies de
81
inundação dos grandes rios (Cuiabá e Paraguai), tornando os sedimentos de seus afluentes
inexpressivos (ROSS,1987).
A origem dos sedimentos da Formação Pantanal está no Neogeno, quando os
movimentos orogênicos soergueram a cadeia montanhosa dos Andes e, consequentemente,
uma extensa faixa, a oriente dela, sofria abatimentos. Esta bacia marginal, denominada de
pantanal, passou a receber os sedimentos fluviais da Formação Pantanal, que se processam
até os dias de hoje (ALMEIDA,1965). Este processo de sedimentação teve fases de maiores
intensificações durante o Quaternário, em virtude das reativações de movimentos tectônicos
que soergueram as estruturas dobradas da Província Serrana (ALMEIDA, 1964)
Na área em questão, as areias e siltes de coloração cinza a bege ocupam toda
a superfície desta unidade. Esta área situa-se entre os dolomitos da Formação Araras e os
paraconglomerados da Formação Bauxi/Puga, os quais delimitam a área com topografias
mais altas, proporcionando uma depressão favorável à acumulação de sedimentos. A sua
provável origem quaternária permite que os sedimentos apresentem-se inconsolidados na
forma de solos profundos. Nas áreas de maiores elevações do relevo, os sedimentos
inconsolidados apresentam-se laterizados. Estes são compostos por pequenos nódulos de
concreções ferruginosas dispersos nos solos síltico-arenosos.
Esta unidade foi descrita por HIROOKA (1995), que a definiu como
depressões preenchidas com sedimentos quaternários, possuindo cotas mais baixas,
variando em torno dos 200 metros, compondo-se de um relevo plano, sem significativas
variações topográficas. Segundo HIROOKA (op cit), as formas geomorfológicas
características do local são os terraços, diques marginais, cordões fluviais e outras formas
típicas de planície de inundação. HIROOKA (1994) acrescenta que este relevo apresenta-se
na forma de uma faixa de 15 km de comprimento por 2 km de largura, possuindo
características de uma "poljé"10.
10 Poljé é uma forma geomorfológica típica de terrenos calcários. Segundo WHITE (1987:) : "Eles são depressões alongadas, com 1 a 6 km de largura e até 60 km de comprimento. O fundo da poljé é plano e
82
A porção mais alta e enxuta do vale possui um contato com as vertentes
cársticas da unidade 3 de forma abrupta, acompanhando linhas de falhas (Fig.4 e 5). No
terreno da terra rossa (vide unidade 3), ocorre uma dolina na forma de bacia, cujo diâmetro
é bem maior que sua profundidade, estando encoberta pelos elúvios oriundos dos calcários.
A dolina, relevo tipicamente cárstico, indica uma provável origem tectônica e cárstica desta
depressão, preenchida com sedimentos e solos pleistocênico, onde o basculamento e
dissolução dos blocos rochosos, resultaram no rebaixamento desta área. .
Segundo HIROOKA (1994), este compartimento geomorfológico destaca-se
pelo fato das atuais drenagens, que percorre esta estrutura, não possuírem competência de
vazão para tal feito, indicando uma planície aluvial de grande funcionamento no passado.
As drenagens desta unidade são intermitentes, ou seja, permanecem secas
durante grande parte do ano. O leito destas drenagens desce pelas vertentes cársticas da
unidade 3; ao encontrar os sedimentos inconsolidados, desaparece, não deixando qualquer
forma de um regime hidrológico. Somente no trecho com topografias mais baixas, já em
contato com a unidade de predomínio das rochas diamictitas, é que o leito do rio aparece,
porém também intermitente. Na porção posterior da unidade ocorre a única drenagem
permanente da área; trata-se do rio Curupira, que nasce no limite entre as vertentes cársticas
e as terras rossas da unidade 3, e percorre o extremo oeste desta unidade. Esta drenagem
possui características peculiares por representar uma vazão para a superfície de um sistema
de rede de drenagens subterrâneas, caracterizando um "ponors"
Flora
A vegetação desta área está representada pela floresta sempre-verde. A sua
estrutura é apresentada por quatro estratos de plantas, sendo eles: 1- andar supremo, com
árvores e palmeiras de 30 a 40 metros de altura; 2- submata, também estrato arbóreo com aluvionar. Os poljés são arodeados de montanhas de calcários, geralmente com uma forma de quebra entre o fundo plano da poljé e a vertente da montanha...ocorrem em maciços calcários com uma complexa zona tectônica. JENNINGS (1971), complementa, "O dolomito é menos permeável que os calcários, alguns poljés possuem o desenvolvimento ao longo do contato daquelas rochas." (traduzido do inglês)
83
plantas de 5 a 20 metros; 3- andar arbóreo-arbustivo, com plantas com 2 a 5 metros. 4 -
estrato herbácio, composto por ervas e plantas jovens, de baixa altura, formam o chão
florestal (RIZZINI, 1979). Segundo KLINGE, et al.. (1975), a densidade de plantas é alta,
envolvendo cerca de 93.780 plantas por hectare. Destas, 9.155 são árvores dicotiledoneas e
975 são palmeiras, ambas dos estratos mais altos. A maior quantidade de plantas, cerca de
83.650, compõem o estrato mais baixo.
Segundo AMARAL, et al. (1982), as florestas sempre-verde apresentam
espécies de rápido crescimento, de casca lisa e raízes tabulares. Possuem grande quantidade
de palmeiras, principalmente o babaçu e plantas herbáceas de folhas enormes. JAZEN
(1977) afirma que numa área de 100 m² as formas de vida variam muito, incluindo desde
arbustos e trepadeiras até pequenas árvores, sendo que as plantas que crescem
epifiticamente sobre as copas e troncos da árvores constituem uma parcela significativa da
biomassa.
Este tipo florestal de grande porte mantém suas folhas verdes durante todo o
período de seca. Em comparação às florestas decíduas, verifica-se que as florestas sempre-
verde possuem as copas das árvores mais volumosas e esféricas, e folhas ricas em
compostos secundários (JAZEN,1977).
Segundo JAZEN (op cit), o assunto sobre o comportamento dos frutos é
inexplorado. A única consideração que o autor faz é que os padrões de tempo de
amadurecimentos são amplos e diversos. A biomassa de frutos e flores depositada no chão
das florestas fluviais perfaz cerca de 200 kg por hectare ( KLINGE et al., 1975).
Na área de estudo, a floresta sempre-verde apresenta indivíduos de maior
porte e bem mais grossos, quando comparados com as demais formações. As plantas
emergentes medem aproximadamente 33 metros de altura. A estratificação da formação é
84
constituída por espécies típicas do primeiro estrato, que medem de 18 a 25 metros, sendo
que as do segundo estrato estão entre 9 e 15 metros de altura. O solo é coberto por uma
camada de material orgânico (folhas, restos de animais, flores, frutos, poeira, etc...) de
aproximadamente 12 centímetros. As florestas ciliares ocorrem entremeadas entre a floresta
sempre-verde, não havendo uma área de transição distinta (MONTEIRO, 1994). A tabela 3,
apresenta a lista de espécie encontradas na floresta sempre verde desta unidade.
ESPÉCIES NOME VULGAR 1-Ecclinusa ramiflora Fruta macaco 2-Swietenia magnanii Mogno 3-Chorisia sp. Barriguda 4-Sapium claussenianum Leiteiro 5-Protium heptaphyllum Almescla 6-Ficus gameleira Gameleira 7-Hymenaea courbaril Jatobá 8-Cedrela fissilis Cedro 9-Orbiginia martiniana Babaçú 10-Jaracatia dodecaphylla Jaracatia 11-Rheedia brasiliensis Bacupari 12-Vitex cimosa Tarumã 13-Pouteria sp Leiteiro 14-Sorocea guilheminiana ----------- 15-Cupania vernalis Camboatá 16-Spondias lutea Cajá 17-Macherium acutifolia Cascuda 18-Sheelea phalerata Acuri 19-Combretum sp. Carne de vaca 20-Cariniana estrelensis Jequitibá 21-Apulea praecox Garapeiro 22-Didimopomax morototoni Morototó 23-Croton sp. ------------ 24-Trichilia catigua Cachua 25-Myracrodon urundeuva Aroeira 26-Aspidosperma cilindrocarpum Peroba 27-Aspidosperma polyneuron Peroba 28-Miconia cuspidata ---------- 29-Ocotea spectabilis Canela 30-Guatteria gomezian Imbira 31-Chlorophora tinctoria Taiúva 32-Salacia elliptica Siputá
85
33-Calophyllum brasiliensis Guanandi 34-Genipa americana Genipapo 35-Talisia guianensis Camboatá 36-Jacaranda copaia Jacarandá 37- ------------------- Pau dálho
TABELA 3: Lista de espécies encontrada na floresta sempre-verde , segundo MONTEIRO
(1994)
Fauna
Segundo JAZEN (1977), as florestas sempre-verde são importantes
microhabitats para a fauna de herbívoros, pois a sombra das árvores e a constância de
folhagens permite a sua sobrevivência, principalmente em períodos de seca.
FITTKAU e KLINGE (1973) demonstram que a biomassa animal na floresta
pluvial é de 210 kg/ha, sendo que os animais fitofagos correspondem a 30 kg/ha. Já os
animais carnívoros representam 15 kg/ha e a maior parcela com 165 kg/ha pertence às
faunas que vivem no solo, principalmente cupins e larvas de coleópteros.
Segundo OLIVEIRA (1994), na região de estudo foram registradas as
presenças dos seguintes mamíferos: Caxinguelê ( Sciurus sp.), Cutia (Dasyprocta sp.), Paca
(Agouti paca). Estes ocorrem com maior frequência nas áreas de formações de babaçuais e
acurizais, pois estes animais se alimentam dos frutos destas palmeiras, e também os
dispersam. O autor ainda acrescenta a presença esporádica de Lobinho (Dusycion thous),
Mão-Pelada (procyon cancrivorus), Veados (Mazama sp.), Caititu (Tayassu tajacu), Anta
(Tapyrus terrestri) e Onça-Pintada (Panthera onca).
3.2.1.3 - Unidade de paisagem 3 - Floresta decídua em morrarias calcárias
Geologia e Geomorfologia.
86
A unidade totaliza 33,4 % da área de estudo; possui um traçado semelhante à
unidade 2, situando-se na porção central da figura 6. As rochas que a compõem são os
carbonatos da Formação Araras. Estas estão subdivididas em dois membros. O membro
inferior caracteriza-se pela presença de calcários calcíticos de cor cinza-escura, com perfeita
estratificação plano-paralela milimétrica. A base deste membro inicia com calcários
vermelhos com intercalações de folhelhos, repetidos em ciclos de vários metros, passando a
calcários cinzentos contendo lentes, nôdulos e lâminas centimétricas de sílex cinzento
(ALMEIDA,1964). BARROS et al. (1982), acrescenta que estes calcários apresentam uma
granulação fina, estratificado em lâminas plano-paralelas, realçadas pela alternância de
leitos claros (mais pobres em CaO²) e escuros. O autor ainda afirma que, estes calcários
ocorrem nos sopés e meias encostas das serras da Província Serrana.
O membro superior está representado pelos dolomitos, rocha carbonática de
coloração cinza clara a branca, em geral, maciças de granulação fina e sem estruturas
sedimentares (ALMEIDA,1964). No topo do grupo são bastante comuns horizontes
silicosos (cherts) que chegam à possança de 20 metros, o que proporciona a preservação do
relevo em certas áreas (BARROS et al.,1982). LUZ et al., (1978) comenta que o membro
superior é rico em estruturas secundárias, como estilolito, brechas autoclásticas, drusas,
nódulo de sílex, etc. O autor ainda argumenta que os nódulos de sílex são mais comuns no
topo da Formação. BARROS (op cit) esclarece que os geodos são milimétricos a
centimétricos, revestidos em seu interior por cristais drusiformes, comumente de calcita. O
autor ainda comenta que os nódulos de sílex, da área, são estruturas de segregação
mineralógica, dispostos concordantemente ao plano de acamamento e são comuns no topo
do pacote carbonático.
Na área de estudo, o membro inferior da Formação Araras - os calcários
calcíticos - foram observados nas cavidades cársticas mais profundas. Estas rochas
apresentam-se na cor cinza-escura com milimétricas estratificações plano-paralelas. Por
vezes ocorrem intercalações de argilitos de coloração vermelha entre os calcários, tornando-
87
os físseis ao toque com as mãos. Nestas rochas é bastante comum a presença de níveis de
sílex e calcita recristalizada entre os planos das estratificações. Os sílex apresentam-se na
forma de lâminas que não ultrapassam 2 cm de espessura e chegam a alguns metros de
extensão; sua cor predominante é cinza-escura a fumê. Ao longo de sua extensão é bastante
comum a interrupção, em pequenos intervalos centimétricos.
O membro superior está presente no topo das morrarias carbonatadas. O
difícil acesso até este local não permitiu a averiguação pormenorizada de seus afloramentos.
Entretanto, nas saídas a campo foi possível alcançar os altos topográficos desta região ,onde
foi possível averiguar os dolomitos maciços de coloração cinza-clara.
Os minerais secundários, citados na literatura para o membro superior desta
Formação, não foram observados "in loco", apenas no leito das drenagens foi possível
observar alguns pequenos seixos de sílex de 2 a 3 cm de diâmetro, opalas e cherts rolados.
Os cherts e opalas possuem uma origem comum, ou seja, através da solução da sílica
mediante a percolação de águas superficiais que provocam a meteorização das séries
sedimentares (BITTENCOURT ROSA, 1988). A opala do córrego Seco é composta por
opala branca opaca e opala-quartzo avermelhada transparente. A opala branca opaca
apresenta-se com uma camada externa alterada de coloração branca. Algumas formas
encontravam-se como brechas, com níveis de recristalização da silica, na forma de micro-
cristais de quartzo e calcedônias. Da opala-quartzo avermelhada foi confeccionada uma
lâmina petrográfica, na qual foi possivel observar alguns minerais de lutesina e quartzina
A geomorfologia está representada pelo relevo cárstico. Este relevo
estrutura-se através de vários morros mamemolares, com acentuada ravinação de suas
vertentes. As formas cársticas individualizadas, como : cavernas, abrigos e vale cárstico,
são bastante comuns. A maior incidência destas formas está nas áreas de falhas geológicas,
onde é possível a penetração de águas pluviais e fluviais, gerando uma maior dissolução da
88
rocha e, consequentemente, a formação de várias cavidades. A falha de maior destaque da
área tem uma direção aproximadamente norte-sul e atinge os quadrantes noroeste e
sudoeste da área . O quadrante sudoeste possui o maior número de cavidades naturais
(Fig.5).
Segundo HIROOKA (1995), nesta área localizam-se 29 cavernas, sendo que
8 são grutas, ou seja, possuem mais de 50 m de desenvolvimento. Elas estão localizadas nas
cotas intermediárias das vertentes cársticas e grande parte delas não oferece possibilidade
de exploração, por terem a entrada com pequena dimensão. Os abrigos localizados
totalizam-se em número de 4, sendo que dois desses possuíam grande quantidade de blocos
abatidos, conformando o piso dos abrigos num cone detrítico.
A outra forma cárstica, característica da região, é o vale cárstico. Este
envolve um leito fluvial seco, onde as águas são infiltradas até os condutos subterrâneos das
grutas. Na maior gruta desta área, a gruta do Córrego Seco, encontra-se um rio subterrâneo
que percorre cerca de 800 metros do conduto cavernícola (HIROOKA, 1994). Neste vale
cárstico as águas fluviais só fluem em dias de chuvas torrenciais. Na área ocorrem duas
drenagens cársticas: o córrego Manuel Joaquim e córrego Seco (DSG,1975). Estes córregos
são drenagens de terceira ordem, ou seja, recebem afluentes hierarquizados. Isso implica em
um talveque de 8 metros de largura e bem delimitado por seixos e matações arredondados,
conformando um leito de proporções razoáveis. As demais drenagens da região apresentam
as mesmas características descrita anteriormente. Elas representam as cabeceiras do rio
Curupira, num total de cinco drenagens intermitentes.
89
Ainda ocorre, localmente, terra rossa (rendzina11), oriunda da decomposição
do calcário, que se apresenta na forma de solos argilosos com coloração marrom-
avermelhada. Estas foram observadas na porção central da área de trabalho. Estes solos
estão em áreas topograficamente mais baixas e levemente planas, em comparação ao
contexto geral que forma esta unidade. Elas praticamente invadem o contexto da unidade de
paisagem 2 e estão sob influência da falha geológica, que provavelmente foi a responsável
pelo soerguimento deste calcário calcítico que normalmente ocorre na camada inferior da
estratigrafia local.
Flora
A mata decídua domina esta localidade. A estratificação da comunidade é de
três camadas. A primeira é composta pelas árvores mais altas, formando o dossel da
vegetação. Abaixo deste andar superior existe o segundo estrato, formado por uma submata,
bastante densa. O último estrato é composto por vegetais herbáceos com baixa densidade. A
mata decídua, comparada à floresta sempre-verde, é menos densa, com maior distância
entre as árvores.e de composição florística semelhante. Em verdade estas matas são formas
empobrecidas das florestas sempre-verde (RIZZINI, 1979).
Segundo RIZZINI (op cit), as florestas decíduas sobre embasamento
calcários são secas e limpas por dentro. Nelas não existem palmeiras e epífetas. Esta
formação é decídual, ou seja, ela é composta por vegetais cuja maior parte de suas folhas
caem durante a seca. Segundo JAZEN (1977), ao longo dos cursos d'água as florestas
decíduas assumem um caráter sempre-verde, não perdendo suas folhas no período de seca.
11Segundo Guerra (1993), rendzina são "tipo de solo de coloração vermelha, originada da decomposição do calcário. Neste tipo de solo a massa argilosa colorida pelo óxido de ferro está misturada com pedaços de calcário, ainda não decomposto. Quando estes fragmentos desaparecem, surge um solo constituído inteiramente de argila, chamado terra rossa ".
90
Mesmo as plantas que nas encostas são decíduas, quando se localizam nas proximidades
das drenagens perdem tal deciduosidade
Segundo JAZEN (1977), no período da seca, quando as árvores estão
desfolhadas, é que ocorre a floração e frutificação da floresta decídua. O período de
amadurecimento das sementes e, consequentemente dos frutos, é bastante curto, cerca de 1
mês. Algumas espécies atrasam o amadurecimento em 6 meses ou mais.
Na área de estudo, esta floresta não apresenta estrato herbáceo definido; os
indivíduos arbóreos menores ocorrem nas partes mais altas e íngremes (cerca de 3 metros) e
os maiores nas porções baixas e nas bases dos morros (em torno de 10 metros). No aspecto
florístico, observa-se uma comunidade com baixa diversidade e o domínio de espécies
lenhosas. Em relação aos outros tipos de formações vegetais da região, diferencia-se nos
seguintes aspectos: totalmente decídua durante o período extremo de seca; composta por
muitos indivíduos de espécies típicas de ambientes áridos (cactos, bromélias e líquens
rupestres); ocorre em área de afloramentos rochosos (MONTEIRO,1994). O déficit hídrico
deve ser o fator condicionante para tal comportamento da comunidade. A tabela 4 apresenta
lista de espécie levantadas nesta unidade. ESPÉCIES NOME VULGAR 1-Chorisia speciosa Paineira 2-Astronium urundeuva Aroeira 3-Erythrina velutina Mulungu 4-Tabebuia caraiba Ipê roxo 5-Tabebuia ochracea Ipê amarelo 6-Cedrella fissilis Cedro 7-Aspidosperma polyneuron Peroba 8-Aspidosperma cylindrocarpon Guatambú 9-Hymenaea stignocarpa Jatobá 10-Acacia poliphylla Angico branco 11-Copaifera langsdorfii Pau dóleo 12-Anadenanthera peregrina Angico jacaré
91
13-Emmotum nitens --------- 14-Sclerolobium aureum --------- 15-Bowdichia virgilioides Sucupira preta 16-Apeiba tibourbou Escova de macaco 17-Vochysia tucanorum Cambará 18-Agonandra sp. Quina brava 19-Cereus sp. Cacto 20-Cereus sp. Mandacarú
TABELA 4: Lista de espécies encontradas na Florestas decíduas sobre formação de
calcário , segundo MONTEIRO (1994).
Fauna
Na consulta às bibliografias poucas referências foram feitas aos animais que
vivem nas florestas decíduas. Este fato poderia estar relacionado com a inclusão deste tipo
de vegetação dentro do complexo dos cerrados. Deste modo a fauna com preferência ao
habitat do cerrado também frequentaria as florestas decíduas. SICK (1966) referindo-se aos
habitats preferenciais das aves, concorda que as matas secas são ambiente quase idêntico ao
cerrado.
3.2.1.4 - Unidade de paisagem 4 - Campo cerrado-graminoso em elevações areníticas
Geologia e Geomorfologia
O cerrado em rochas areníticas é a unidade de paisagem que ocupa o maior
espaço de superfície da área elegida para a pesquisa, abrangendo 39 %. Ela está localizada
no extremo norte-noroeste e acompanha levemente o traçado sinuoso das unidades
anteriores. A região inclui os arenitos da Formação Raizama. A sua base apresenta arenitos
92
finos e siltitos, que passam a arenitos mais ou menos grosseiros contendo diminutos seixos
de quartzo, os quais dominam na maior parte do pacote rochoso. Os arenitos têm cor cinza-
pálido, quando frescos, e rosados a esbranquiçados se alterados (ALMEIDA,1964).
BARROS et al., (1982), inclui na base da Formação Raizama a presença de camadas de
cherts, arenitos grosseiros e conglomerados com clastos de cherts, dolomito e seixos de
quartzo. O autor ainda esclarece que nestes arenitos são comuns as estruturas sedimentares
primárias, como as estratificações plano-paralelas e cruzada tabular e marcas de ondas, e
ainda, a silicificação superficial ao longo dos planos de falhas, ou total nas zonas de falhas
Nas proximidades do limite norte desta área ocorre uma área de transição
litológica entre a Formação Raizama e Araras. Segundo LUZ, et al. (1978), no topo da
sequência carbonática existem intercalações subordinadas de siltitos, argilitos e arenitos
calcíferos, os quais representam a transição para a Formação imediamente sobreposta. A
maioria dos autores consultados (ALMEIDA, 1964, LUZ et al., 1978, BARROS et al.,1982
E ALVARENGA, 1990) determinam esta área à Formação Araras. Entretanto, as litologias
presentes, como arenitos intercalados a siltitos, estão em consenso tanto com a base da
Formação Raizama como com o topo da Formação Araras.
As litologias observadas na região compõem-se de arenitos de cores claras
variando entre o bege e cinza-claro e possuem uma granulometria fina a média; os níveis
conglomeráticos são bastante comuns em camadas centimétricas de caráter gradacional. As
estruturas primárias, mais observadas, são as marcas de ondas e as estratificações plano-
paralelas. Os níveis de siltitos também foram observados na área de transição entre a
Formação Araras e a Formação Raizama. Estes apresentam-se finamente estratificados em
pacotes de aproximadamente 3 metros que logo são sucedidos pelos arenitos brancos de
granulometria fina. Os arenitos do topo da Formação, que sustentam as altas escarpas da
região, não foram observados, devido ao difícil acesso à área. Os cherts foram observados
em abundância. Entretanto, estes apresentavam-se em exposição secundária, ou seja,
rolados dentro das drenagens.
93
O relevo desta unidade inclui as toponímias de maiores altitudes e grande
variação nas formas do relevo. No extremo noroeste desta área existe uma rampa sustentada
pelos arenitos da Formação Raizama; o seu caimento se dá na direção sul e possui cotas
entre 700 e 800 metros. Em direção norte, esta rampa termina de forma brusca, constituíndo
uma escarpa contínua que perfaz no relevo um paredão de rochas areníticas que se estende
sinuosamente por toda a extensão do quadrante noroeste. Este grande degrau determina a
passagem dos arenitos para os calcários da Formação Araras. Abaixo da escarpa tem início
uma sequência de "hogbacks" com altitudes em torno de 600 metros, que apresentam-se no
relevo como um núcleo rochoso de maior altitude; um de seus lados possui um "front"
abrupto e o outro possui aproximadamente 45º de mergulho das camadas. Ainda nesta
paisagem é comum a presença de cristas assimétricas que margeiam as estruturas
tectônicas. Estas apresentam-se com vertentes de alta declividade , acima de 40 % (ROSS,
1987). Tanto os "hogbacks" como as cristas são constituídos por arenitos. Segundo
ALMEIDA (1964), o contato gradacional entre a Formação Araras e a Raizama,
representado pela intercalação litológica entre arenitos e siltitos, ocasionam a inversão do
relevo e, consequentemente, uma grande variação topográfica.
A drenagem da região inclui o alto vale do córrego Manuel Joaquim e o
córrego Seco; ambos possuem, nesta porção da drenagem, águas permanentes,
caracterizando-os como drenagens permanentes. Porém, suas nascentes, situadas nas
vertentes íngremes das escarpas e cornijas, possuem um regime hidrológico intermitente.
ROSS (1987) atesta que as rochas areníticas em vertentes com alta declividade dificulta a
penetração da água nas camadas rochosas, dificultando o armazenamento de águas
subterrâneas, seja através do lençol freático ou confinado. Acima dos "hogbacks" está
localizado um afluente do rio Chiqueirão, que por sua vez, é afluente do rio Cuiabá. A
intermitência ou perenidade de suas drenagens não puderam ser averiguadas em campo.
Entretanto, pela análise do conjunto rocha e formas de relevo, poder-se-ia sugerir que estas
94
drenagens possuem um caráter intermitente, correspondente às cabeceiras do córrego
Manuel Joaquim e Seco que estão localizados nesta região.
Flora
O campo cerrado graminoso predomina no alto substrato arenítico desta
unidade. Esta formação distingue-se do cerrado apenas pela forma mais pobre, estrutural e
floristicamente. As gramíneas dominam a vegetação, formando um grande tapete que
estende-se por toda a área. Algumas árvores de pequeno porte ocorrem ocasionalmente,
sendo estas mais esparsas e contorcidas que as do cerrado típico. A densidade de árvores
por hectare é de 266 (GOODLAND e FERRI, 1979). Em campos quartzíticos, o número de
plantas por 1 m², é de 20 a 44 indivíduos vegetais, o que demonstra ser muito pobre
(RIZZINI, 1979). Apesar da baixa densidade, RIZZINI (1971) atesta que as floras sub-
arbustivas-arbustivas contêm um grande número de espécies próprias, caracterizando-as
como muito ricas, superando os cerrados típicos.
Nos campos quartzíticos com gramíneas e subarbustos ocorrem arbustos,
árvores pequenas e palmeiras anãs de 2 metros. Os capins mais comuns são: Tristachya
chrysotrix, com espiguetas medindo 12-15 mm e colmos atingindo 60-70 cm; Echinolaena
infleta, com espigas menores e voltadas para baixo e Tristachya leiostachya com espiguetas
de 4 cm, parecida com aveia (RIZZINI, 1979). Segundo GOODLAND e FERRI (1979), as
gramíneas constituem a mais considerável família herbácea nessa vegetação, recobrindo 85
% do solo.
A bibliografia não menciona a perenidade de folhas; entretanto AMARAL
(1982) registra que, durante a estação das chuvas, a cobertura de gramíneas é densa e alta.
No período da seca o tapete graminoso seca, sendo queimado anualmente.
A alta densidade de gramíneas proporcionaria uma grande quantidade de
sementes. A frutificação das poucas árvores presentes neste tipo de vegetação se assemelha
95
à frutificação dos cerrados, que ocorre nos meses de outubro a novembro (AMARAL, op
cit).
MONTEIRO (1994) atesta a presença do campo cerrado graminoso nas
partes elevadas ou encostas dos morros areníticos desta unidade. A vegetação possui
fisionomia campestre com domínio das espécies herbáceas. A presença de matas-galerias
acompanhando o leito dos rios é bastante comum, sendo estas da mesma semelhança à
descrita para os cerrados típicos. A tabela 5, demonstra algumas espécies típicas levantadas
no local.
ESPÉCIES NOME VULGAR 1-Arisitida palens Barba-de-bode 2-Andropogon bicornis Capim rabo-de-burro 3-Scleria sp. Capim-navalha 4-Axonopus purpusi Capim mimoso 5-Axonopus leptostachyus Capim duro 6-Eragrostis bahiensis Capim-de-cochão 7-Hypogynium virgatum Rabo-de-burro 8-Panicum dichotomiflorum Capim-peludo 9-Reimarochloa acuta Mimosinho 10-Paspalidium sp. Capim-bravo 11-Hyptis lappacea Hortelã-do-campo 12-Elyonurus muticu Capim-carona 13-Aeschynomene udis Corticeira 14-Mimosa pudica Mimosa 15-Utricularia gibba ---------- 16-Utricularia sp. Amarelinha 17-Melochia pyramidata Malva 18-Mayaca sp --------. 19-Tristachya chrysotrhix Capim-flexinha 20-Lavosiera sp. --------- 21-Polygonum sp. Erva-de-bicho 22-Diodia sp. --------- 23-Byttneria genistella Raiz-de-bugre 24-Melochia vilosa Malva-do-campo 25-Xyris sp. ----------
96
TABELA 5: Lista de espécies encontradas no campo cerrado graminoso, segundo
MONTEIRO (1994) Fauna
A fauna encontrada no campo cerrado é semelhante à encontrada nos
cerrados, dispensando, deste modo, maiores comentários.
102
CAPÍTULO 4 AMBIENTE PERCEBIDO
A caracterização do ambiente em trabalhos arqueológicos geralmente é feita
em conformidade com a estrutura do ambiente natural na concepção científica ocidental12.
Esta estrutura não implica que seja a mesma reconhecida por grupos caçador-coletores. O
ambiente por eles utilizados poderia envolver elementos diversos dos indicados por
biólogos, geólogos e geógrafos. Os trabalhos das ciênciais naturais, geralmente, ocorrem
com objetivos adversos da arqueologia. A coletânea destes trabalhos, muitas vezes, são
insatisfatórias para as pesquisas da arqueologia ambiental. A pesquisa científica ocidental
direcionada, principalmente no que se refere aos recursos disponíveis no ambiente, no
sentido de resolver as problemáticas da arqueologia, necessita de tempo e intensas
pesquisas, que muitas vezes não são possíveis.
As pesquisas disponíveis fornecem um grande conhecimento sobre a
estrutura geral do ambiente real da área em pesquisa (vide capítulo 3). A estrutura do
ambiente real envolve a caracterização e a localização dos principais grupos que compõem
as comunidades faunísticas e florísticas e as litologias das Formações geológicas. Os
trabalhos específicos sobre minerais silicatados, plantas comestíveis, períodos de
frutificações, deslocamento de fauna e outros aspectos dos recursos que interessam à
arqueologia, praticamente não existem para a área em estudo.
A caracterização do ambiente por meio de populações tradicionais13, pode
fornecer dados de grande utilidade para as interpretações do ambiente arqueológico. Estas
12As referências, neste texto, à ciência ocidental, relacionam-se às correntes de pesquisas que seguem um sistema classificatório superordenado; como exemplo, o sistema classificatório de Lineu. 13 "Comunidades tradicionais estão relacionadas com um tipo de organização econômica e social com pouca ou nenhuma acumulação de capital, não usando força de trabalho assalariado. Nela produtores independentes estão envolvidos em atividades econômicas de pequena escala, como agricultura e pesca, coleta e artesanato. Economicamente, portanto, essas comunidades baseiam no uso dos recursos naturais renováveis. Uma característica importante desse modo de produção mercantil (petty model of production) é o conhecimento
103
comunidades reconhecem e utilizam os recursos naturais através de técnicas não
industrializadas. O manejo do ambiente ocorre de acordo com o potencial da área. A falta
de tecnologia industrializada, que não permite a implementação de técnicas com alta
eficiência de exploração, como são os instrumentos mecânizados e químicos, favorece que
estas comunidades desenvolvam técnicas naturais em consonância com o que o ambiente
tem a oferecer.
A população tradicional trabalhada é auto-denominada de Morrarianos.
Segundo D. Clara, Morrarianos são "gente do vão da serra". Esta população vive na região
da Província Serrana Paraguai-Araguaia há pelo menos cinco gerações. O difícil acesso a
essa região de serras permitiu o isolamento dos primeiros exploradores brancos (Correias e
Leites), que miscigenaram-se com índios e negros, dando origem aos Morrarianos (Fig.7).
que os produtores têm dos recursos naturais, seus ciclos biológicos, hábitos alimentares, etc.....Como essas populações em geral não têm outra fonte de renda, o uso sustentado de recursos naturais é de fundamental importância...."(Diegues,1992:142).
104
FIGURA 7 - Relações de parentescos entre os Morrarianos, índios, negros e
boavos (brancos)
Os Morrarianos mantêm uma relação com o ambiente há centenas de anos,
retirando dele o seu sustento básico. Esta população identifica os elementos naturais
necessários à sua subsistência e implementa estratégias de manejo do ambiente. Os
morrarianos, enquanto população vivendo em terras próprias, dependem do ambiente
natural para o seu sustento; os produtos industrializados utilizados por eles resumem-se
apenas ao sal e ao querosene (SONODA, 1992).
Esta dependência do ambiente para a sua sobrevivência permitiu que
elementos da natureza que representassem maneiras de subsistência fossem percebidos.
Muitos destes elementos perdem a sua importância em uma relação entre ambiente
percebido de populações tradicionais atuais e de grupos de caçador-coletores pré-históricos.
Poder-se-ia argumentar que esta relação torna-se distante e sem parâmetros, por tratar-se de
populações que viveram em contextos sociais e temporais diferentes. Entretanto, a
percepção do ambiente, por parte destas populações, envolve elementos naturais que
também foram percebidos e utilizados pelos paleoíndios. Estes elementos naturais estão
baseados nas descobertas feitas nas escavações do sítio arqueológico de Santa Elina, onde
são observados vestígios de frutos, rochas, cordas, cestaria, ossos da fauna local, troncos de
árvores e carvão (VIALOU, 1989). Esta aproximação não implica que todos os recursos
identificados e aproveitados pelos Morrarianos sejam os mesmos utilizados pelos grupos
caçador-coletores, mas implica na contextualização do recurso, ou seja, uma organização
dos componentes naturais com potencial de uso, estabelecido por populações tradicionais.
A localização espacial dos sítios arqueológicos, a maior ou menor
quantidade de recursos, a sua periodicidade e os seus limites, são uma fonte de dados
importante na formulação de hipóteses do comportamento dos homens pré-históricos. Deste
105
modo, os dados que tangem a periodicidade e o levantamento dos recursos faunísticos e
florísticos nos diversos ambientes da área são oriundos da percepção da população
tradicional local.
4.1 - Descrição do Ambiente Percebido pelos Morrarianos.
O ambiente descrito neste subitem envolve palavras e definições da
linguagem popular local. Apesar de tratar-se do idioma português, muitos conceitos são
regionais e locais de difícil tradução. Segundo POSEY (1987), "Nada substitui o emprego
da língua nativa", e acrescenta que a tentativa de usar uma linguagem intermediária
ocasiona problemas de tradução de conceitos. Estas palavras regionais são apresentadas, no
texto, entre aspas.
A descrição desenvolve-se segundo os relatos de Seu. Jacinto, D. Clara,
Benedito, Catarina, D. Chica, Seu Sebastião e João. Todos são nascidos e descendentes de
pessoas nascidas na região serrana de Bauxi-MT e ditos como pertencentes à "gente dos
Morrarianos". Em especial S. Jacinto, D.Clara e D. Chica, por terem mais de 60 anos e
possuírem um vasto conhecimento, acumulado durante os anos de vivência nas serras.
Além do conhecimento, são pessoas respeitadas pela comunidade.
Os dados foram coletados através de conversas, que foram gravadas em fitas
K-7. Os questionários e entrevistas dirigidas não foram aplicados. As questões diretivas
formuladas com antecedência tendem a gerar desconfianças entre a população, e também
são bastante enfadonhas às pessoas de hábitos mais próximos à natureza e distantes dos
recursos tecnológicos industrializados, prejudicando a qualidade dos dados coletados. As
conversas informais, realizadas nas residências dos informantes, estendeu-se através de uma
"prosa", com um assunto de interesse da pesquisa. O assunto desenvolve-se naturalmente,
com várias interrupção para a descrição de experiências pessoais ou de conhecidos - os
106
"causos". Nas viagens de campo, realizadas conjuntamente com o informante, também
foram gravadas as conversas. Nestas, procurou-se averiguar em campo os ambientes
relatados. O número de perguntas foi restrito e elas foram formuladas de maneira ampla, de
forma a não comprometer os dados com conceitos preconcebidos.
Os dados levantados abrangem principalmente os conceitos e classificação
dos ambientes e a distribuição dos recursos naturais. Esta metodologia foi utilizada como
suporte para o alcance do objetivo deste trabalho - a caracterização do ambiente natural a
partir da percepção da população local - e não com a intenção de compreender as questões
culturais dos morrarianos. O longo relacionamento com esta população, que estende-se
deste 1986 (Lima et al.,1986), permite uma relação aberta e sem desconfianças,
favorecendo um prévio conhecimento da linguagem e dos costumes, o que facilitou o
levantamento de dados.
4.1 - Clima
Os morrarianos reconhecem dois períodos de precipitações pluviométricas: a
época da chuva e a época da seca. A época da chuva inicia no final de setembro e início de
outubro e tem o seu ápice em dezembro, janeiro e fevereiro. Estes meses de intensificação
das chuvas é conhecido como a "força das águas". O mês de março é identificado como um
mês em que as chuvas ocorrem em menor intensidade.
A época da seca inicia no final de abril e início de maio, quando as chuvas
diminuem, sendo o mês de maio menos chuvoso. A "força da seca" ocorre nos meses de
junho, julho e agosto. No mês de agosto costuma acontecer a "chuva do cajú" ou "chuva da
manga". Neste mês podem ocorrer até duas chuvas, que segundo Dito são responsáveis pelo
florescimento das árvores frutíferas
107
As estações estão resumidas em duas: o verão e o inverno. O verão
corresponde à época da seca. O inverno abrange o período das chuvas. O termo "força do
inverno" e "força do verão" é usado no mesmo sentido que "força das águas" e "força da
seca". Apesar da concepção trocada com relação aos meses de verão e inverno, existe a
percepção de que os meses mais frios correspondem a abril, maio e junho, quando ocorrem
as "friagens".
4.2 - Os Ambientes
A concepção dos morrarianos em relação ao ambiente da área, é de quatro
estruturas, sendo elas: 1- "mata alta"; 2- "morrotes"; 3- "campo cerradão" e 4- "chapadão".
Abaixo descrevemos estes ambientes individualmente, abordando os recursos disponíveis
em cada unidade.
1.2.1- Mata alta
A "mata alta" possui vários sinônimos entre os morrarianos, entre eles: mata
escura, mato chato, mato grande e mato fechado. A definição de "mata escura" vem
justamente em função do sombreamento permanente desta vegetação. As definições de
mato grande, mata alta e mato fechado contemplam o aspecto estrutural da vegetação, ou
seja, uma floresta com vários estratos arbóreos e arbustivos. Estas denominações sempre
estão relacionadas à mata virgem, sem alterações ocasionadas pelos homens. A definição de
"mato chato" está relacionada à forma do relevo, no qual se desenvolve a vegetação, ou
seja, um terreno plano sem ondulações.
108
Este ambiente possui duas subdivisões. A primeira denomina-se de "mata
fresca" ou "mata de acurizal". A sua localização é nas áreas baixas, geralmente drenadas por
córregos e rios, ou nas proximidades das serras com abundância de cabeceiras. Nestes
locais existe a presença de solos úmidos, denominados de "terreno fresco". Estes solos são
considerados produtivos e adequado para o plantio de arroz, banana e cana. Na mata fresca
ocorre a maioria das palmeiras, árvores frutíferas e animais relacionados pelos Morrarianos.
O segundo tipo de mata alta é o "mato quente" ou a "mata de aguaçuzal" (ou
ainda "terra de angical"). Ela se desenvolve nos "tabuleiros", o que quer dizer em áreas mais
altas, planas e sem drenagens; os córregos contornam esta estrutura. Na linguagem
geomorfológica, esta área se define como alto de interflúvios. O solo é considerado como
"terreno quente", seco e fraco de nutrientes. Ela é usada para o plantio, mas não é tão
produtiva quanto o "terreno fresco". Na "mata quente" aparecem com maior frequência as
espécies de aguaçu (Orbiginia martiniana), angico (Anadenanthera colubrina), piúva
(Tabebuia impetiginosa), taiúva (Chlorophora tinctoria), timbuva (?) e aroeira (Astronium
urundeuva).
A área de mata alta na região de estudo, Segundo S. Jacinto, inclui um "mato
chato" que também é "mata fresca", deste modo abordamos os dados a seguir apenas com a
denominação de "mata fresca".
1.2.1.1- Recursos vegetais
109
Os recursos vegetais, levantados junto aos morrarianos, envolvem plantas
destinadas ao consumo alimentar e à matéria prima de manufatura. Os medicamentos
envolvem um grande número de árvores e arbustos, usados para combater diversas doenças,
sendo merecedor de um trabalho pormenorizado, o qual não foi o objetivo proposto por este
trabalho.
1.2.1.1.1- Alimentos
As plantas comestíveis levantadas para este ambiente totalizam um número
de 41 espécimens. A parte vegetal consumida é composta por frutas, palmitos, cipós e
folhas (Tabela 6). As raízes, sempre que citadas, possuíam função medicinal. Nº NOME COMUM
NOME CIENTÍFICO RECURSO
1 Acaia Spondias lutea Fruta 2 Acuri Sheelea phalerata Palmito, coco 3 Aguaçu Orbiginia martiniana Palmito, coco 4 Açaí Euterpe oleracea Palmito 5 Bacaba Oenocharpus didtichus Palmito 6 Barriguda Chorisia sp. Fruta 7 Bocaiuva Acrocomia aculeata Coco 8 Bruaqueira ------------------ Semente 9 Chico magro Guazuma ulmifolia Fruta
10 Cipó Canela ------------------ Casca 11 Cipó D'Água ------------------ Seiva 12 Copari grande Rheedia gardneriana Fruta 13 Copari pequeno Rheedia brasiliensis Fruta 14 Cumbarú Dipetryx alata Fruta 15 Figueira com fruto grande Ficus sp. Fruta 16 Fruta banana Ecclinusa ramiflora Fruta 17 Fiqueira com fruto peq. Ficus sp. Fruta 18 Folha de taia ------------------ Folha 19 Goiabinha (madeira gr.) Myrcia sp. Fruta 20 Ingá Ingá uruguensis Fruta 21 Ingá de macaco ------------------ Fruta 22 Jaracatiá Jacaratia dodecaphylla Fruta 23 Jatobá do Mato Hymenaea courbaril Fruta 24 Janipava (Jenipapo) Genipa americana Fruta 25 Língua de vaca Roupala montana Folha
110
26 Manduvi de fruto amarelo Sterculia striata Fruta/Semente 27 Manduvi de fruto verde Sterculia sp. Fruta 28 Mangarito ------------------ Raíz/Folha 29 Mate Ilex affines Folha 30 Roncador Mouriri guianensis Fruta 31 Siputá Salacia elliptica Fruta 32 Tarumanzinho Vitex cimosa Fruta 33 Tarumã grande ------------------ Fruta 34 Tarumarana Bochenania tomentosa Fruta 35 Tucum legítimo Bactris setosa Coco 36 Tucum mírim ------------------ Coco 37 Veludo vermelho Guettarda viburníoides Fruta 38 Araticum-da-mata Guatteria gomeziana Fruta 39 Quina do Mato Agonandra brasiliensis ? Fruta 40 Marmelada bola Alibertia edulis Fruta 41 Grão de galo Byrsonima poepigiana Fruta 42 Pratudero Tabebuia caraíba ? Flor
TABELA 6- Lista de vegetais da mata alta com potencial alimentar, segundo Morrarianos
Frutas
O maior número de espécies levantadas pertence às frutas comestíveis,
totalizando um número de 33 espécies de árvores, palmeiras e arbustos. Algumas frutas
possuem como parte comestível somente a semente ou amêndoa. No caso dos cocos, a
amêndoa possui grande potencial alimentar, sendo que em determinadas espécies de
palmeiras também são aproveitados os mesocarpos das frutas. O período de frutificação é
variável e está esquematizado no Gráfico 3.
Na mata alta algumas árvores frutíferas possuem localização geográfica
específica. O tarumanzinho (Vitex cimosa), acaia (Spondias lutea), e ingá (Vitex cimosa)
ocorrem com maior frequência nas margens dos rios. Segundo Dito, o tarumanzinho é
muito apreciado pelos peixes. As palmeiras preferem os locais definidos como "beira de
rampa", ou seja, ocupam as áreas baixas próximas às cotas mais altas. As "rampas" formam
um terreno inclinado onde existem várias "cabeceiras" (nascentes de águas) e "vazantes"
111
(pequenos córregos, riachos). As demais árvores citadas distribuem-se ao longo da
vegetação em questão, sem uma localização específica.
Nos levantamentos de dados algumas espécies se destacaram, sendo elas
descritas abaixo:
O mamão da mata ou jaracatia (Jaracatia dodecaphylla), consumido depois
de riscado e cortada a sua extremidade para a retirada do leite. CAVALCANTE (1991)
registra que costuma-se assá-lo para o consumo. Tal prática não é conhecida pelos
morrarianos. Segundo S. Jacinto, o macaco guatá gosta muito de comer o mamão da mata.
O manduvi de fruto amarelo (Sterculia striata) é uma fruta muito apreciada
pelo sabor de sua semente, possui a forma da manga e é consumida assada. A parte da fruta
aproveitada é apenas a semente.
O araticum da mata (Guatteria gomeziana) é uma fruta grande e bastante aromática, sendo
que o seu cheiro é percebido a vários metros. Entretanto não é consumida entre a população
tradicional pesquisada. Segundo S.Jacinto: "...araticum-da-mata é uma frutona bonita....sai
do tronco....diz que mata, mas nunca ninguêm morreu, também ninguém comeu". Segundo
GOMES (1983), o araticum-do-mato "...é uma baga globosa, cuja periferia é formada por
escamas achatadas, moles, de cor verde amarelada na maturescência.....é bastante
saboroso."
As palmeiras: aguaçu (Orbignya speciosa), acuri (Sheelea phalerata), açaí
(Euterpe sp.), bacaba (Oenocarpus sp.), bocaiuva (Acrocomia sp.), tucum legítimo (Bactris
setosa) e tucum mirim (?), possuem frutos que podem ser aproveitados. Destes frutos são
comsumidas as polpas e as amêndoas, que estão disponíveis ao consumo em época
determinada (Gráfico 3). O tucum e o açaí são consumidos verdes, pois quando
amadurecem ficam extremanente duros, sendo impossível mastigá-los. O porco do mato
aprecia muito o coco do assaí. Segundo GOMES (1983), dos coquilhos, as polpas são
bastante nutritivas e das amêndoas pode-se extrair óleo comestível de 1ª ordem.
112
Do coco do acuri ainda é aproveitada a entrecasca da qual se faz farinha para
o consumo. Segundo D. Chica, os cocos grandes de acuri são descascados e a polpa entre a
casca mais externa e a amêndoa é retirada, socada no pilão e torrada. A farinha é
semelhante à de mandioca. Do coco do aguaçu ou babaçu, também, é feita a farinha, porém
a grande quantidade de fibras não permite um trabalho fácil, como o do açaí. Segundo
GOMES (1983), do epicarpo do coquilho do babaçu retiram-se fibras e "da fécula
amarelada, que constitui o mesocarpo, nutrientes como farinha...".
Palmito
Das sete espécies de palmeiras levantadas entre os morrarianos, quatro delas
possuem o broto terminal comestível (palmito), a saber: aguaçu (Orbignya speciosa), acuri
(Sheelea phalerata), açaí (Euterpe sp.) e bacaba (Oenocarpus sp.). As palmeiras que não
possuem palmito comestível são o: Tucum legitimo (Bactris setosa), Tucum mirim e
Bocaiuva (Acrocomia aculeata).
Segundo LÉVI-STRAUSS (1987), "o palmito de quase todas as espécies de
palmeiras pode ser aproveitado, mas alguns têm o sabor amargo, como por exemplo, o da
Acrocomia"
Gráfico 3
113
1- Acaia; 2- Bocaiuva; 3- Jaracatia; 4- Goiabinha; 5- Acuri; 6- Aguaçu; 7- Cumbarú; 8- Manduvi do fruto amarelo; 9- Manduvi do fruto verde; 10- Veludo vermelho; 11- Tucum mirim; 12- Tucum legítimo; 13- Figueira fruto pequeno; 14- Barriguda; 15- Chico Magro; 16- Figueira fruto grande; 17- Jatobá; 18- Tarumarana; 19- Ingá de macaco; 20- Gengibre; 21- Língua de vaca; 22- Açai; 23- Bacava; 24- Bruaqueira; 25- Copari grande; 26- Copari pequeno; 27- Roncador; 28- Siputá; 29- Ingá; 30- Jenipapo; 31- Marmelada de cachorro;32- Tarumã fino (Tarumanzinho); 33- Tarumã grande; 34- Marmelada espinha; 35- Birici
GRÁFICO 3- Período de frutificação na mata alta, segundo Morrarianos
114
Folhas
A língua-de-vaca (Roupala montana), folha com destino à alimentação,
ocorre nas áreas próximas aos rios. Nas áreas desmatadas para o desenvolvimento de roças,
a língua-de-vaca se prolifera. A língua-de-vaca é uma folha pequena e rasteira, com sabor
semelhante à couve. Segundo D. Clara, ela "é molinha e gorda". O consumo se faz através
do cozimento em panelas.
Cipó
O cipó d'água, é utilizado como fornecedor de água, quando esta não se
encontra disponível. Segundo S. Jacinto, um cipó d'água pode conter 2 a 3 litros de água ,
sendo possível que 3 pessoas se satisfaçam com o seu consumo.
1.2.1.1.2- Matérias-primas manufatureiras
Os recursos vegetais usados como matérias-primas manufatureiras totalizam
um número de 19 espécimens, das quais são aproveitados: troncos, entrecasca e folhas.
Destes elementos são confeccionados: corda, canoa, pilão, gamela e peneiras (Tabela 7).
Cordas
As fibras vegetais, usadas para a confecção de cordas, podem ser divididas em "imbira de
seda" e simplesmente "imbira". A "imbira de seda" é extraída das tiras corticais do broto do
tucum legítimo (Bactris setosa). A "imbira" é retirada a partir da entrecasca de uma das 6
espécies de árvores fornecedoras das fibras ou da córtex da folha de uma espécie de
folhagem.
115
Nº NOME COMUM NOME CIENTÍFICO RECURSO USO
1 Axuma grande ------------------ Fibra Corda 2 Pita ------------------ Fibra da folha Corda 3 Imbiruçu Pseudobonbaux longiflorum Fibra Corda 4 Pau d'Oléo Copaifera langsdorfii Fibra Corda 5 Taquara da Mata Bambusa sp. Madeira Peneira 6 Tucum legítimo Bactris setosa Fibra da folha Corda 7 Jequitibá Cariniana estrelensis Fibra Corda 8 Jangadeira Apeiba tibourbou Fibra Corda 9 Guanandi Calophyllum brasiliensis Madeira Canoa, Pilão
10 Barriguda Chorisia sp. Madeira Canoa, Pilão 11 Pito de macaco ------------------ Madeira Canoa, Pilão 12 Jequitibá Cariniana estrelensis Madeira Canoa, Pilão 13 Paineira Eriotheca candolleana Madeira Canoa, Pilão 14 Araputanga Swietenia macrophylla Madeira Canoa, Pilão 15 Morcequeira Andira inermis Madeira Fogo 16 Aroeira Astronium urunbeuva Madeira Carvão 17 Piúva Tabebuia impetiginosa Madeira Carvão 18 Angico Anadenanthera colubrina Madeira Carvão 19 Sovado ------------------ Entrecasca Corda
TABELA 7 - Lista de vegetais da mata alta usados como matéria prima manufatureira, segundo Morrarianos.
A "imbira de seda" é retirada do broto do tucum legítimo. Esta é retirada do
lado ventral das folhas do broto, através de uma pequena incisão que possibilita o
descolamento de uma fibra, com cerca de um metro de comprimento. Segundo o Sr. Jacinto
: "nós tirava demais, nós tirava morro ..., para fazer corda, corda de tucum...". A corda de
tucum é utilizada como linha de anzol e para confecção de rede. Segundo o informante
citado, "linha de lambari fazia de corda de tucum, eu fazia de quatro a cinco braça, pesca
lambari, piava, bagre, estes peixes piquetinhos. A linha para pirapitanga fazia da grossura
que queria" LEVI-STRAUSS (1983), salienta que as tiras corticais retiradas do broto de
Mauritia flexuosa são mergulhadas na água por vários dias. Isto não foi levantado entre os
116
morrarianos em relação às tiras corticais retiradas do Bactris setosa, que após o seu
descolamento imediato e manual já possibilita o seu trançado.
As "imbiras" são tiradas da jangadeira (Apeiba tibourbou), axuma (?),
jequitibá (Cariniana estrelensis), sovado (?), pau d'óleo (Copaifera langsdorfii) e imbiruçu
(Pseudobonbaux longiflorum). As imbiras localizam-se na superfície dos troncos das
árvores, exatamente entre a casca e o tronco. A jangadeira fornece a melhor imbira para a
confecção de cordas. A sua manufaturação ocorre através da retirada da casca com uma fina
camada do tronco. Esta casca é mergulhada em água parada por oito dias. Caso a água seja
corrente, o tempo de imersão dobra, passando a ficar 16 dias mergulhada em água. A casca,
mergulhada por algum tempo na água, apodrece, restando a "imbira", que é batida sobre
pedras e lavada com sabão. Após estes procedimentos, ela está preparada para o trançado.
A "imbira" das demais árvores citadas é retirada diretamente do tronco das
árvores. O tronco é amassado com o machado a fim de "fofar" a casca, que é puxada e
quebrada, a fim de libertar a "imbira". Esta "imbira" não fica de molho na água, pois tal
procedimento resulta no apodrecimento da casca e também da imbira. Segundo S. Jacinto é
possivel reconhecer, pelas cordas, a origem vegetal da "imbira".
A folha de Pita também fornece imbira. São folhas grandes, com cerca de
dois a dois metros e meio de comprimento e um palmo de largura. As descrições
correspondem a uma espécie de Bromeliaceae. Segundo S. Jacinto, as folhas são colocadas
em cima de um jirau sobre uma foqueira, para proporcionar uma leve queima na superfície
da folha. Este procedimento facilita a retirada da parte vegetal superfícial queimada. As
fibras são lavadas como na técnica da jangadeira. Segundo Dito, a retirada da fibra da Pita
também pode ser através de um certo tempo imersa na água para o apodrecimento dos
componentes menos resistentes, sobrando a imbira, que é lavada, como na técnica da
jangadeira.
Segundo MÉTRAUX (1987), entre os indígenas a entrecasca teve muitos
usos, como túnicas, tangas, cortinados, máscara de dança e cobertas. As espécies florestais
117
utilizadas como matéria-prima são apenas sugeridas como pertencentes ao gênero Ficus.
LÉVI-STRAUSS (1987) acrescenta as seguintes espécies arbóreas que possibilitam o uso
da entre-casca: Lonchocarpus sp., Malpighiaceae, Vitis tiliifolia, Trichostigma octandrum,
Entada gigas, Chorisia speciosa, Pseudobombax munguba e Cecropia concolor. O autor
cita ainda outras espécies de Bromeliacias e cipós utilizadas na mesma função que as
"imbiras". Nos estudos realizados entre os Morrarianos foi observado que, além das árvores
e bromeliaceas, uma espécie de cipó possui a finalidade de corda. Este é denominado de
"cipó tripa de galinha".
Peneira e "Apás"
A taquara-da-mata (Bambusa sp.) utilizada na confecção de peneiras e
"apás"14, ocorre preferencialmente na beira das serras. A sua cor é preta e forma "gomos"
grossos, macios, compridos e com oco. As taquaras ideais para a confecção da peneira
possuem um comprimento de seus gomos de 2,5 a 3 palmos.
Canoas, Gamela e Pilão
As madeiras com destino à confecção de canoas, gamela e pilão são o
guanandi (Calophyllum brasiliensis), barriguda (Chorisia sp), pito de macaco, jequitibá
(Cariniana estrelensis), paineira (Eriotheca candolleana) e araputanga (Swietenia
macrophylla). A barriguda é muito apreciada por pacas e passarinhos. Estas madeiras são
resistentes, macias e leves, não racham quando o trabalho manual exige espessuras finas. A
morcegueira (Andira inermis) é boa para fazer pilão. aroeira (Astronium urunbeuva) e piúva
(Tabebuia impetiginosa) são "firmes" demais para a manufatura.
Carvão
14As apás são instrumentos, semelhante a uma peneira, utilizados para abanar arroz.
118
As madeiras com destino à formação de fogo e carvão são a aroeira
(Astronium urunbeuva), a piúva (Tabebuia impetiginosa) e o angico-ferro (?). A madeira do
angico ferro incendeia-se mesmo molhada, e segundo Dito "é igual gasolina". Estas
madeiras fornecem excelente fogo, porém o carvão, oriundo da queima, distingue-se em
conformidade com a espécie de madeira utilizada. O carvão da aroeira é considerado o de
maior caloria, e também o mais pesado. Este carvão conserva as marcas dos anéis de
crescimento da madeira. O carvão do angico não deixa sinal dos anéis de crescimento, é um
carvão pesado, porém com peso menor que o carvão da aroeira. O vinhático é uma madeira
com qualidade para a formação do fogo, mas possui um carvão leve, com baixas taxas de
calorias. O carvão da piúva possui uma tonalidade de cor verde. Segundo Dito, a cor da
madeira permanece, sutilmente, no carvão. O informante ainda acrescenta: "... se você
conhece a madeira, você conhece o carvão".
1.2.1.2 - Recurso animal
Os animais relacionados às matas altas formam o maior número de espécies
animais levantadas junto aos Morrarianos (Tabela 8). A classificação dos habitats dos
animais de mata alta, segundo os morrarianos, são: 1- os animais da "beira da serra". 2- os
animais de água. 3- os animais da beira do rio e 4- os animais de "terreno firme".
A área localizada na "beira da serra" é o local de preferência da : onça, anta
russa15 (Tapirus terrestris), caititu colera (Tayassu tajacu), tatu canastra (Priodontes
maximus), tatu leitão (Dasypus spp), veado pardo (Mazama americana) e paca (Agouti
paca). A paca perambula à procura de alimentos somente de madrugada. Nos meses mais
15 Anta russa é a denominação dada para a anta adulta. A anta jovem é chamada de anta pororoca e a mais juvenil é a anta cutia. Os morrarianos acreditam que estas três formas são animais distintos e não uma variação etológica da espécie Tapirus terrestris. No Brasil existe apenas uma espécie de Tapirus.
119
frios (abril, maio, junho), ela procura as cavidades naturais na serra, na qual faz seus
ninhos. A paca se reproduz em julho e agosto. O caititu perambula com maior frequência
nos meses das chuvas, quando as condições climáticas facilitam a procura por minhocas. O
tatu leitão habita tanto a beira de serra como o cerradão, e sua carne é considerado muito
gorda.
Nº NOME COMUM NOME CIENTÍFICO HABITAT
1 Guará Chrysocyon brachyurus Chapadão 2 Jaracambeba Felis yagouaroundi Cerradão 3 Lagarto ------------------ Cerradão 4 Lobete Dusicyon thous Cerradão 5 Lobinho Dusicyon gymnocercus Cerradão 6 Tamanduá bandeira Myrmecophaga tridactyla Cerradão 7 Tatu cascudo Euphractus sexcintus Cerradão 8 Tatu leitão Dasypus spp. Cerradão 9 Veado campeiro Ozotocerus bezoarticus Chapadão
10 Veado catingueiro Mazama gouazoubira Cerradão 11 Macaco Bugio Allouata caraya Mata Alta 12 Anta cutia Tapirus terrestri (filhote) Mata Alta 13 Anta pororoca Tapirus terrestri (jovem) Mata Alta 14 Anta russa Tapirus terrestris (adulta) Mata Alta 15 Caititu Tayassu pecari Mata Alta 16 Caititu colera Tayassu tajacu Mata Alta 17 Capivara Hydrochaeris hydrochaeris Mata Alta 18 Sinimbú Iguana iguana Mata Alta 19 Gambá Didelphis spp. Mata Alta 20 Guati Nasua nasua Mata Alta 21 Irara Eira barbara Mata Alta 22 Jaguatirica Felis pardalis Mata Alta 23 Caxigangá Sciurus spp. Mata Alta 24 Macaco da Noite ------------------ Mata Alta 25 Macaco Guatá Ateles spp. Mata Alta 26 Sauí Callithrix spp. Mata Alta 27 Mutum Crax fasciolata Mata Alta 28 Onça parda Felis concolor Mata Alta 29 Onça pintada Panthera onca Mata Alta 30 Onça preta Panthera onca Mata Alta 31 Ouriço Coendu spp. Mata Alta 32 Paca Agouti paca Mata Alta 33 Raposa ------------------ Mata Alta 34 Raposinha Dusicyon vetulus Mata Alta 35 Tatu canastra Priodontes maximus Mata Alta 36 Veado pardo Mazama americana Mata Alta 37 Cágado Phrinops spp. Mata Alta
120
38 Coelho Sylvilagus brasiliensis Mata Alta e Cerradão 39 Tamanduá mirim Tamandua tetradactyla Mata Alta e Cerradão 40 Tatu liso Dasypus sp. Mata Alta e Cerradão 41 Jacú Penelope sp. Mata Alta 42 Jaó Crypturellus undulatus Mata Alta 43 Juruti Lepoptila spp. Mata Alta 44 Lagarto D'água ------------------ Mata Alta 45 Lontra Lutra platensis Mata Alta 46 Nambu Crypturellus spp. Mata Alta 47 Sucuri Eunectes notaeus. Mata Alta 48 Cerelepe Sciurus spp. Mata Alta 49 Jacaré Paleosuchus sp. Mata Alta 50 Cutia Dasyprocta azarae Mata Alta 51 Tatu 15 kg ------------------ Mata Alta
TABELA 8- Lista de animais ocorrentes na área de estudo, segundo os Morrarianos.
Os animais da água são: sinimbú (Iguana iguana), lontra (Lutra platensis),
cágado (Phrinops sp.), capivara (Hydrochaeris hydrochaeris), sucuri (Eunectes notaeus) e
jacaré (Paleosuchos sp.). O sinimbú habita os galhos de figueiras e mergulha na água
quando sente a presença dos homens. As lontras escavam tocas nas barrancas das
drenagens, mas habitam as águas..
A margem dos rios é habitat preferencial da cutia e da paca. A paca procura
este ambiente nos meses de julho e agosto, quando o clima é mais quente. Segundo Dito,
fazem as suas tocas na beira dos rios, pois é mais fresco. O informante ainda acrescenta
que, quando elas habitam as margens dos rios costumam sair das tocas logo que inicia a
noite, pois as pulgas incomodam e não permitem que passem tanto tempo escondidas, como
no período em que estão na serra.
A raposinha (Dusicyon vetulus), irara (Eira barbara), quati (Nasua nasua),
gambá (Didelphis sp. ), tatu liso (Dasypus sp.), tatu 15 kg e cutia (Dasyprocta azarae)
habitam os "terrenos firmes". Nos meses de dezembro e janeiro encontram-se muitos tatus
lisos pela área, pois é nessa época que eles estão com seus filhotes. Segundo S. Jacinto,
"...eles parem de dez....janeiro está do tamanho de coelho...no mês de agosto eles somem".
O quati e o gambá são considerados como "carne fria", ou seja, carne gordurosa e com
sabor desagradável. Apesar de não haver preferência no seu consumo, em períodos de
121
escassez de alimentos eles são consumidos. Segundo S. Jacinto "Não precisa comê, tem
carne a bangué....só o coro dele que fede...eu comia na mata da poaia16...."
Os macacos identificados na área, são: macaco guatá (Ateles sp.), macaco da
noite, macaco bugio (Allouata caraya) e sauí (Callithrix spp). Eles ocorrem na copa das
árvores e deslocam-se bastante. No local onde se estabelecem diminui o número de frutas.
O macaco da noite caminha somente depois das 21 horas, habita no "oco-de-pau" e é muito
saboroso. O macaco guatá, segundo seu Jacinto, quando de pé é do tamanho de um homem.
Entretanto, o macaco búgio é maior que o guatá, mas não é consumido pela população
trabalhada. Segundo o informante citado, com o macaco guatá "ninguém mexia, ele é bicho
divertido, mês de outubro, mês de chuva, ele urra, na friagem ele dá sinal; não come."
LANGGUTH (1993), o Alouatta caraya é o segundo maior primata neotropical, pesando
atê sete quilos.
Os ouriços (Coendu sp) habitam o alto dos aguaçus, principalmente onde
existe grande quantidade de coco, denominado de "reino de aguaçuzada" ou "mata de
aguaçuzal". Segundo o Sr Jacinto: " ...lá em cima na copada, enquanto existe caixo de coco,
ele come tudo lá mesmo...em baixo fica aquela poeira da casca que ele roe.....viu o coco de
aguaçu roído no caixo de arriba, pode acreditar, ele mora lá mesmo". Os espinhos dos
ouriços capturados são retirados por meio de fogo e raspados com faca, depois de limpo
fica semelhante a um leitão.
1.2.1.2.1 - Migração
A migração de animais, que ocasiona escassez de caça durante vários meses,
é percebida entre os morrarianos. A população entende que os animais mudam de local
16 Os morrarianos trabalharam na década de 40 e 50 como mão de obra na extração da poaia (Ipeca ipecacuanha). Esta planta era comercializada no mercado internacional por conter alcalóides essenciais na fabricação de medicamentos. Esta mata situa-se no limite oeste da Província Serrana, abrangendo o compartimento geomorfológico da Baixado do Alto Paraguai Paraguai.
122
conforme a mudança da lua. Segundo Sr. Jacinto "tudo quanto é bicho, na passagem da lua
muda de pasto, desde a cobra...". D. Clara complementa: "na minguante os bichos estão lá
no pé daquela serra, na crescente eles vêm para cá, cada lua eles trocam de lugar".
Na época da seca, principalmente em junho, julho e agosto, desaparece a
caça. Os animais estão mais escondidos, procurando locais mais "frescos" e com vegetação
esverdejante. Na época da chuva, a partir de setembro, os animais de caça reaparecem.
O período das chuvas também é promissor na quantidade de peixes, pois
nessa época ocorre a piracema17. No mês de dezembro ocorre a maior incidência de peixes,
que é justificada pelo aumento do nível da água. Na época da seca a diminuição do volume
de água obriga os peixes a procurarem os córregos maiores. Nos meses de abril e maio
ocorrem as últimas enchentes, quando os peixes descem à procura de córregos com maior
volume d'água. No mês de novembro, depois das primeira chuvas, os peixes voltam
procurando os antigos "tabuleiros". Segundo D. Clara "...os peixes e a caça são iguais...a
cobra também desaparece, muda para outro tabuleiro...quando chega agosto, setembro vão
voltar eles...outubro, novembro e dezembro, cobra está piando por toda a parte...época do
verão não tem nada".
1.2.2 - Morrotes
Os "morrotes" ou "morros de pedra salitrada" definem o ambiente
estabelecido sobre os morros residuais de calcários. Os morrotes estão isolados do contexto
serrano. Segundo S. Jacinto, "Morrote é diferente da serra...morrote é separado da serra...faz
um morrote na esquerda outro na direita...tem testeiro e costaneiro...".
17Piracema ou lufada são termos utilizados para designar o episódio em que os peixes sobem as drenagens para efetuarem sua reprodução
123
As águas que percorrem as drenagens, em locais de "pedra salitrada", são
"salôba", ou seja com alto índice de carbonato dissolvido. Em locais de "pedra salitrada"
não ocorre água doce. Muitas destas drenagens não possuem água permanente devido à
falta de "força de sua vertente" (nascente d'água), ou ainda pela qualidade do solo. Segundo
Dito, em solos arenosos a água é percolada para áreas mais profundas, já em terreno
argiloso a água permanece em superfície, não penetrando no solo.
A vegetação que se estabelece sobre os "morrotes" é considerada como
"mata pelada", pois perde suas folhas em junho, julho e agosto. As árvores ficam apenas
com seus galhos e troncos. No fim de agosto e início de setembro elas começam a brotar,
voltando a preponderar a cor verde. As espécies vegetais que ocorrem na mata pelada são as
mesmas da mata fresca, porém a mata pelada possui menor quantidade de elementos
vegetais. 1.2.2.1- Recursos vegetais
As árvores que ocorrem com maior frequência na "mata pelada dos
morrotes", são: aroeira (Astronium urunbeuva), piúva (Tabebuia impetiginosa), jatobá
(Hymenaea courbaril), cumbarú (Dipetryx alata) e taiúva (Chlorophora tinctoria). As
árvores frutíferas, em relação a "mata fresca", ocorrem em menor quantidade. As frutas que
se desenvolvem mais na mata pelada são: acaia (Spondias lutea), figueira (Ficus sp.) e
pratudero (Tabebuia caraiba). Do pratudero é consumida a flor.
1.2.2.2- Recurso animal
Ds animais, que possivelmente habitam os morrotes, somente a paca (Agouti
paca) foi citada durante as pesquisas em campo.
1.2.3 - Campo Cerradão
124
O cerradão localiza-se sobre os "tabuleiros de cerradão", locais pedregosos e
elevados, com carência de nascentes d'água. Os "tabuleiros" podem apresentar-se com a
"pedra canga" (laterita) ou "pedra de areia" (arenito). Apesar de possuírem muitas pedras na
superfície, a composição dos solos é de barro (argila); deste modo, são "terrenos frescos".
Segundo Dito " ...cerradão é terra fresca, terra boa... para planta principal não dá, porque é
muita pedra.....mas é fresca".
Nesse ambiente ocorrem os "morrotes de pedra cristal" - pequenas colinas
formadas por seixos de rochas que se destacam na superfície do relevo- compostos por
"pedras de fogo" (minerais de silicatos). A denominação de "pedra cristal", pouco tem a ver
com a forma cristalina do mineral, mas sim com a dureza, cor e a translucidade do mesmo.
A "pedra de fogo" é usada pelos Morrarianos para produzir faísca de fogo que é ulizada
para acender isqueiros18 .
Segundo D. Clara, nas margens dos córregos, e por vezes no "campo
cerradão", encontra-se o barro para as panelas. O barro é coeso, resistente e de coloração
preta. O barro ideal para as vasilhas apresenta-se na forma de veios ou de círculos, estando
envoltos por uma matriz areno-argilosa. Esta matriz é considerada como um barro de menor
qualidade, por possuir maior quantidade de areia. Estes afloramentos rochosos constituem-
se das formações argilosas descritas no capítulo 3. O barro "tauá", utilizado para a
decoração de vasilhas, é encontrado na área nas cores vermelho, branco e verde.
O cerradão definido pelos Morrarianos não corresponde à vegetação de
cerradão conhecida pela literatura botânica19, estando em consenso com a definição
18Isqueiros são objetos feitos com a extremidade anterior do corno de gado, muitas vezes bem ornamentados com incisões em baixo relevo. Estes , também , podem ser feitos do fruto da árvore Pito de Macaco. Na parte interna do objeto é introduzido um pedaço de algodão. O funcionamento do isqueiro ocorre através da apreensão manual da "pedra de fogo" junto ao objeto de corno; uma lima de ferro é friccionada sobre a pedra de fogo, através de movimentos rápidos, produzindo faísca de fogo que penetra no interior do isqueiro, produzindo a combustão do algodão. O isqueiro é utilizado para acender cigarros de palha. 19 Segundo AMARAL (1982), "o cerradão pode ser conhecido pelo seu aspecto fisionômico, sempre mais desenvolvido e denso que a savana arbórea aberta, porém com árvores e arbustos menos tortuosos. O maior
125
botânica de cerrado denso. O cerradão, segundo os morrarianos, possui árvores distintas das
matas. A vegetação é baixa, com troncos retorcidos e finos. As plantas rasteiras são em
grande número, dando-lhe o aspecto de uma vegetação mais "suja", com muitas
arvorezinhas entrelaçadas. Estes locais, também são definidos como "campo sujo" ou
"campo cerradão". As árvores que dominam esta vegetação são: orelha-de-burro, timbó,
casqueira, fruta de veado, capotão (Salvertia convalliodora), belenzeiro, entre outras.
O "cerrado limpo" é outro tipo de vegetação com característica savânicas,
definida pelos Morrarianos para a área em questão. Esta vegetação, em comparação ao
cerradão, possui menor quantidade de árvores e maior número de gramíneas. As árvores são
mais baixas e de tronco mais fino. A densidade de plantas é bem menor. As espécies
vegetais que habitam o cerrado são as mesmas do cerradão.
1.2.3.1 - Recurso vegetal
Os recursos vegetais encontrados no cerradão totalizam 28 espécies. Destas,
4 espécies encontram-se tanto no cerradão como na mata alta, sendo elas o cumbarú
(Dipetryx alata), o chico magro (Guazuma ulmifolia), o imbiruçu (Pseudobonbaux
longiflorum) e a bruaqueira (Acrocomia aculeata). As demais são endêmicas do cerrado. Os
vegetais destinados à matéria-prima manufatureira, em comparação à mata alta, envolvem
poucos recursos. A maior parte dos vegetais citados para o cerrado, com potencial de uso,
possuíam destino alimentar (Tabela 9).
número de árvores é uma das características na constituição dos maciços, e suas alturas variam de 10 a 20 metros. Alguns vicariantes da floresta ocorrem nos cerradões....Alguns autores consideram a savana arbórea densa como sendo uma forma de transição entre a savana arbórea aberta e a floresta estacional."
126
Nº NOME COMUM
NOME CIENTÍFICO RECURSO
1 Ananás Bromelia sp. Fruta 2 Araticum do campo Annona coriacea Fruta 3 Cajuzinho do campo Anacardium nanum Fruta 4 Barbatimão Stryphinodendron adstringens Fruta 5 Biriçi ------------------ Fruta 6 Fedegoso Cassia sp. Semente 7 Flor de Breú Cochlospermum regium Flor 8 Fruta de Lobo grande Solanum lycocarpum Fruta 9 Goiabinha do cerrado ------------------ Fruta
10 Jabuticaba fruto amarelo ------------------ Fruta 11 Jabuticaba fruto roxo ------------------ Fruta 12 Jabuticabinha ------------------ Fruta 13 Marmelada de cachorro Tocayena formosa Fruta 14 Marmelada espinha Alibertia sessilis Fruta 15 Mancaba Hancornia speciosa Fruta 16 Mangijum ------------------ Fruta 17 Orvaeiro ------------------ Fruta 18 Quina do campo Strichnos pseudoquina Fruta 19 Buriti Mauritia flexuosum ? Fruta,Fibra 20 Veludo branco Guettarda sp. Fruta 21 Jatobá do Campo Hymenae stigonocarpa Fruta
TABELA 9 - Lista de vegetais do cerradão com potencial alimentar, segundo Morrarianos
1.2.3.1.1- Alimentos
As partes vegetais destinadas à alimentação envolvem principalmente as
frutas. Em apenas 1 espécie foi potencializado o consumo das flores. O período de
disponibilidade destes recursos no ambiente está esquematizados no Gráfico 4. Neste
ambiente, em semelhança com as matas altas, as raízes também foram citadas como
potencial medicinal.
127
Gráfico 4
1- Fedegoso; 2- Flor de Breu; 3- Marmelada Bola; 4- Quina; 6- Manduvi Fr. Amarelo 7- Manduvi Fr. Verde; 8- Barbatimão, 9- Fruta de lobo; 10- Goiabinha; 11- Araticum 12- Jabuticabinha; 13- Mangaba; 14- Jabuticaba Fr. Amarelo; 15- Jabuticaba Fr. Roxo 16-Piqui.
GRÁFICO 4 - Período de frutificação no cerrado, segundo Morrarianos
Frutas
As frutas rasteiras são denominadas de "frutas de chão", sendo elas:
mangijúm, goiabinha (Myrcia sp), ananás (Bromelia sp.), cajuzinho (Anacardium nanum) e
araticum do campo (Annona coriacea). As demais frutas foram definidas como "frutas de
madeira".
Entre as frutas levantadas destaca-se, por seu tamanho, a fruta de lobo
(Solanum lycocarpum) e o araticum. Segundo HOEHENE in: GOMES (1983), a fruta de
lobo tem mais de 1/2 kg de peso, possui polpa doce-acidulada, muito saborosa. Segundo S.
128
Jacinto, a fruta de lobo grande é muito gostosa, mas a fruta de lobo pequena não se come.
HOEHNE (op cit) complementa, "...há variedades dessa espécie que não são
completamente inócuas, pois causam pertubações gástricas fortíssimas e não raro
envenenamento mais ou menos graves..." O araticum do campo possui um fruto ovóide de
oito centímetros de comprimento de polpa branca e pouco saborosa (GOMES,1983).
1.2.1.1.2- Matérias primas manufatureiras
Os levantamentos junto aos Morrarianos predispõem ao cerrado sete recursos
vegetais com destino à manufatura (Tabela 10). Esta vegetação não oferece madeira boa
para manufatura e carvão, sendo considerados "paus mais fracos". As espécies utilizadas
para a confecção de fogo são: a sumaneira (Byrsonima crassiflora), o capotão (Salvertia
convalliodora), o carvão vermelho (Platimeria reticulata) e o carvão branco (Chalistene
fasciculata). Elas não fornecem carvão e sim a cinza, tendo um fogo rápido, de 30 minutos.
As taquaras do cerrado são amarelas, pequenas, duras, secas e não dão oco.
Deste modo, não são utilizadas para a confecção de peneiras ou "apás".
A imbiruçu é utilizada para fazer cordas. Os procedimentos são os mesmos
descritos no subitem 1.2.1 - Mata alta, dispensando maiores comentários.
Nº NOME COMUM NOME CIENTÍFICO RECURSO USO
1 Buriti Mauritia flexuosum Talo da folha Corda 2 Macauveira Acrocomia aculeata Fibra Corda 3 Sumaneira Byrsonima crassiflora Madeira Fogo 4 Capotão Salvertia convalliodora Madeira Fogo 5 Carvão vermelho Platimeria reticulata Madeira Fogo 6 Carvão branco Chalistene fasciculata Madeira Fogo
129
7 Imbiruçu Pseudobonbaux longiflorum Fibra Corda
TABELA 10 - Lista de vegetais do cerradão usados como matéria prima manufatureira,
segundo Morrarianos
1.2.3.2 - Recurso animal
Os animais que ocorrem com maior frequência no cerrado são o tatu cascudo
(Euphractus sexcintus), tatu leitão (Dasypus spp), lagarto (Tupinanbis sp.), veado fubóca ou
veado catingueiro (Mazama gouazoubira), tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla)
e jaracambeba (Felis yagouaroundi). O tatu cascudo é visto com seus filhotes em dezembro
e janeiro. No período de julho e agosto eles não são observados no ambiente. O veado
fubóca é observado no campo cerradão, em setembro. Nos meses mais secos, em julho e
agosto, ele se abriga em locais com maior umidade e plantas verdes para se alimentar. O
lagarto é bastante observado nos meses de setembro, outubro, novembro e dezembro.
Entretanto, nos meses mais secos, entre julho e agosto, ele desaparece. O lobinho-do-campo
(Dusicyon gymnocercus) e o lobete (Dusicyon thous) habitam tanto a mata escura como o
cerrado, mas são observados com mais frequência no cerradão.
1.2.4 - Chapadão
O ambiente "chapadão" ocorre nas áreas altas e sem ondulações acentuadas,
denominadas de "campo assentado". O termo "terreno chato" também é utilizado para
referir-se à superfície plana deste ambiente. O "campo assentado" está situado sobre as
130
"serras". Estas serras, muitas vezes, estão delimitadas por rochas em forma de escarpas
conhecidas como "lavrado". Os "lavrados" inserem-se exclusivamente nas serras, e as
formas menores que as serras são definidas como morrotes.
Os solos dos chapadões são considerados fracos e sem nutrientes, com
muitas pedras pequenas, os "gorgulhos". As drenagens são de "água doce". Em locais
planos e baixos ocorrem as "várzeas ou varzearias", terrenos alagadiços que na época da
seca conservam a umidade. Segundo S.Jacinto, "várzea é um brejo, lugar minhoquento, ele
é plano, mas é baixo....o terreno fica fofo e macio na seca".
A vegetação do chapadão é composta por árvores menores que a do cerradão.
A densidade de plantas é menor predominando o capim. As poucas árvores existentes
possuem a copa só em cima dos troncos, permitindo uma visão maior do espaço. Segundo
Dito, "o chapadão é mais visual". O capim baixo predomina e as árvores existentes são
principalmente de timbó. No chapadão ocorrem matas na forma de "capão", ou seja, áreas
circulares, onde predominam árvores de grande porte e típicas da mata, entre elas a aroeira
(Astronium urunbeuva).
1.2.4.1 - Recursos
Os recursos disponíveis, levantados entre os morrarianos para este ambiente,
são em número bastante escasso. Os recursos vegetais aproveitáveis são as frutas de
mangaba (Hancornia speciosa), jatobá do campo (Hymenae stigonocarpa), pequi
(Caryocar brasiliensis) e marmelada bola (Alibertia edulis). A marmelada bola ocorre com
tamanho maior no cerradão. Entre os recursos animais foram citados o veado campeiro e o
lobo guará. Os uivos do lobo guará são escutados no período de abril a setembro. No
período correspondente à "força das águas" (junho a agosto) ele não é percebido no
ambiente.
131
4.2 - A Disponibilidade dos Recursos
As pesquisas etnoecológicas indicam que as populações tradicionais e
indígenas possuem uma percepção da estrutura do ambiente bastante próxima da estrutura
real (POSEY,1987 e MORÁN,1990). A concepção dos morrarianos em relação à
classificação ecológica da área é bastante parecida com as unidades de paisagens, definidas
no capítulo 3. A floresta sempre verde ou "mata alta" foi desmembrada em outras
subdivisões, cada uma com potencial em recursos distintos e finalidades e usos específicos.
A vegetação do cerrado também possui suas subdivisões, mas não é clara a classificação
dos recursos. A subdivisão do cerrado está mais relacionada à forma estrutural da vegetação
do que à diferença do conteúdo dos recursos.
No levantamento das plantas, que poderiam servir para a alimentação, a
floresta sempre-verde ("mata alta") e o cerrado ("cerradão") foram os ambientes com maior
potencial em recursos vegetais e animais. Segundo as informações coletadas, a floresta
decídua ("mata pelada") possui algumas espécies que poderiam ser aproveitadas como
recurso, mas em número inferior à floresta sempre-verde, sendo esta última possuidora das
mesmas espécies aproveitáveis da floresta decídua. A mesma condição foi estabelecida para
o campo graminoso ("chapadão") em relação ao cerrado ("cerradão").
O período em que as frutas estão disponíveis para o consumo está
relacionado nos Gráficos 3 e 4. Neles, é possível verificar que os períodos de frutificação do
cerrado e da mata alta, percebidos pelos morrarianos, são semelhantes. A maioria das frutas
levantadas, nestes dois conjuntos florísticos, frutificam em dois períodos. Os dados indicam
que 52,77% das frutas relacionadas amadurecem no período da estação chuvosa. As outras
espécies de frutas, cerca de 47,22 %, estão disponíveis nos meses correspondente à estação
seca. Não há uma nítida intensificação de frutas em função das estações chuvosas e secas.
Nota-se que o pico da estação seca e chuvosa (força das águas e força da seca)
132
correspondem ao maior número de frutas disponíveis ao consumo, sendo que os meses que
envolvem o final da estação chuvosa e o começo da estação de seca, meses referentes à
transição de estações (outubro e abril), são os que possuem o menor índice de recursos
alimentares.
A percepção da matéria-prima de manufatura está concentrada na floresta
sempre-verde ("mata alta"). Neste ambiente estão disponíveis madeira para fogo e para
trabalhos manuais, taquara e grande quantidade de espécies vegetais (oito) para a confecção
de cordas e tecidos. O cerradão mostra um número pequeno de espécies com potencial de
uso para a manufatura. A madeira de boa qualidade para o carvão e a manufatura não existe.
As taquaras são impróprias para o trabalho manual e somente as fibras vegetais de três
espécies poderiam ter potencial para a manufatura
Os morrarianos têm consciência de que os animais estão disponíveis em
todos os ambientes, pois estes caminham à procura de alimentos. Entretanto, a percepção
dos Morrarianos é de que a maioria deles, cerca de 74 % da fauna relacionada, é vista com
maior frequência na "mata fresca". Não obstante o "cerradão" abordou 20 % da fauna
mencionada, mostrando ser o segundo ambiente com maior número de animais da área. A
"mata pelada" não foi mencionada como um habitat frequentado por animais; ela é referida
como território de perambulação, mas não como um local de preferência, como é o caso da
mata alta e do cerrado. O chapadão também foi abordado raras vezes, abrangendo 4% da
fauna, sendo que não é percebido como um local de muitos animais.
Os dados quanto à migração e ao deslocamento da fauna, segundo os
informantes, é regulado pelas fases lunares. Entretanto, parece haver consenso quanto à
escassez ou à rareação de animais no período da seca. O período de reprodução e os hábitos
dos animais são bem conhecidos. Para a maioria das espécies levantadas foram comentados
os meses em que os animais teriam os seus filhotes e a alimentação preferida.
134
CAPÍTULO 5 OS SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS DA SERRA DO CURUPIRA.
Segundo HILBERT (1994), a classificação de sítios arqueológicos deve se
dar a partir de fatores quantitativos e qualitativos, como : tamanho do sítio, densidade,
quantidade e composição da cultura material. O autor ainda esclarece que a posição
geográfica também é um fator de classificação.
Na área em pesquisa foram levantados sete sítios arqueológicos,
denominados de: MT-SC-01-Campo Belo, MT-SC-02-Abrigo do Córrego Seco, MT-SC-03-
Gruta do Saranhão, MT-SC-04-Bauxi, MT-SC-05-Rio do Curupira, MT-SC-06-Pita e MT-
SC-07-Pasto. Estes sítios estão classificados, neste trabalho, pela posição espacial,
conteúdo da cultura material e densidade e extensão superficial da ocorrência dos artefatos.
Isso permitiu a definição de quatro conjuntos de sítios arqueológicos na área de estudo. O
primeiro envolve sítios líticos de superfície localizados no limite entre as unidades de
paisagens 1 e 2. O segundo abrange sítios líticos de superfície localizados na unidade de
paisagem 2. O terceiro envolve sítios de cerâmistas incipientes localizados na unidade de
paisagem 2. e o último conjunto se refere aos sítios em abrigos e cavernas localizados na
unidade de paisagem 3.
A descrição desenvolve-se no nível semi-macro e micro. O nível semi-macro
envolve a localização do sítio no meio natural. A base da descrição está nas figuras 3, 4, 5 e
6, podendo ser acompanhado quando se fizer necessário. O nível micro envolve a
caracterização do sítio arqueológico e seus artefatos. Os artefatos deverão ser descritos com
maior profundidade no capítulo 6.
135
5.1- Sítios arqueológicos líticos de superfície localizados no limite entre as unidades de paisagens 1 e 2.
Esta categoria abrange dois sítios arqueológicos, sendo eles: MT-SC-04-
Bauxi e MT-SC-01-Campo Belo. Estes sítios estão localizados na floresta sempre-verde, a
cerca de 5 a 10 metros do cerrado típico, ou seja, no limítrofe das unidades de paisagem 1 e
2. A floresta sempre-verde estende-se a S e os cerrados a N destes sítios arqueológicos. As
florestas de galerias de menores dimensões ocupam estreitos corredores nas nascentes dos
córregos da unidade 1, sendo estas imperceptíveis na escala de mapeamento adotada -
1:60.000. As florestas de galerias de maiores dimensões situam-se nas margens do córrego
Fundo, também situado na unidade 1, distando 1 km do Sítio Bauxi e 1,5 km do Sítio
Campo Belo. Estas florestas de galerias atingem 1,2 km de largura e cobrem a maior parte
da superfície do vale homônimo ao córrego.
A topografia, onde situam-se os sítios arqueológicos, é caracterizada por um
terreno plano com altitudes em torno dos 300 metros. No limite entre as duas unidades de
paisagens ocorre um rebordo erosivo, conformando no ambiente um pequeno ressalto no
relevo, o qual torna a unidade 1, levemente mais elevada que a unidade 2. Na unidade 1, na
direção NE a partir dos sítios, desenvolve-se um vale encaixado de vertentes bastantes
íngremes. Este vale, denominado de vale do córrego Fundo, percorre as drenagens da sub-
bacia do córrego Fundo. A SO estão localizadas as morrarias calcárias da serra do Curupira,
atingindo altitudes de 500 metros. Nestas não foram observadas cavidades naturais que
pudessem ser penetradas pelo homem. Algumas pequenas cavidades foram localizadas, mas
eram de pequenas dimensões e situavam-se em cotas altimétricas altas e longe de fontes
d'águas. Na direção NO-SE existe um corredor natural, no qual localiza-se a depressão de
136
origem cárstica preenchida com sedimentos inconsolidados. Este corredor oferece uma
passagem natural, com topografias planas e solos não pedregosos.
O solo onde localizam-se estes sítios arqueológicos diferencia-se localmente
do contexto dos solos que formam as unidades 1 e 2. Estes solos são lateríticos em suas
camadas superficiais e em camadas mais profundas são areno-argilosos. Esta superfície
concrecionada não ocorre linearmente, mas sim em segmentos, sendo favorecida pelas
condições hidrológicas e pedológicas (vide item 3.2.1.1 - geologia e geomorfologia).
O Sítio Bauxi está situado no extremo noroeste da área em pesquisa. A fonte
de água mais próxima é uma pequena nascente d'água afluente do córrego Fundo. Ela dista
cerca de 500 metros do sítio arqueológico, localizando-se na unidade 1. O volume d'água
desta drenagem, no período da seca, tende a diminuir mais do que a metade, tornando-se
um "filete d'água". Esta fonte d'água é bastante requisitada pela população local por ser uma
das poucas fontes d'água doce na área. A segunda opção de fonte d'água está no córrego
Estivado, que dista 1,8 km do sítio. Ela é uma drenagem permanente com pouca alteração
no fluxo d'água no período da seca. O córrego Estivado provavelmente possui sua cabeceira
ligada ao sistema hídrico cárstico e subterrâneo, pois sua nascente possui grande vazão de
água e encontra-se saturada de carbonato de cálcio, o que indica um substrato calcário.
A fonte de matéria-prima lítica mais próxima deste sítio também está
presente na unidade 1, nas superfícies erosivas da Formação Bauxi/Puga, ou seja, a cerca de
5 a 10 metros do sítio arqueológico. Esta localidade dispõe de seixos e blocos de diversas
rochas ígneas, jaspilito, arenitos silicificados, quartzo e outras rochas descritas em capítulo
anterior. Entretanto, os silicados com uma estrutura mineralógica microcristalina - sílex,
opalas e calcedônias - não ocorrem na Formação Bauxi/Puga. Estes minerais possuem uma
origem diagenética e meteórica, com maior possibilidade de serem formados nas
Formações Raizama e Araras. Eles encontram-se disponíveis no leito fluvial do córrego
Seco, na unidade 3, a 9,6 km e também nos pedimentos detríticos da unidade 1, a cerca de
1,2 e 1,8 km do sítio arqueológico.
137
Segundo HILBERT (1994), o Sítio Bauxi possui uma dimensão de 20 X 20
metros. O autor indica 11 objetos líticos, sendo eles: 9 lascas unipolares e 2 lascas com
retoques nas laterais. A matéria-prima predominante é o sílex, com 6 objetos, sendo logo
seguida pelos arenitos, com 4 objetos e 1 quartzo. A "posteriore" foram observados mais 11
objetos líticos e em reavaliação foram totalizados 22 artefatos líticos. A composição
mineralógica dos materiais arqueológicos é de 11 elementos em arenitos silicificados, 7 em
opalas e 4 em quartzos. A alteração antrópica atual deste sítio é bastante acentuada, já que
no local do sítio arqueológico existe um campo de futebol.
O Sítio Campo Belo localiza-se a 3,3 km na direção SE do Sítio Bauxi. A
drenagem mais próxima fornecedora de água dista 600 metros do sítio. Esta drenagem
representa uma nascente d'água que atualmente está transformada em um açude. Entretanto,
pode-se observar que no período de seca o açude diminui 60 % da área ocupada no período
de chuva. Isso significa uma cabeçeira com grandes oscilações no regime hidrológico,
indicando uma menor disponibilidade de água nos períodos de seca.
A matéria-prima lítica ocorre em abundância nas superfícies erosivas da
Formação Bauxi/Puga, onde situam-se os cerrados. Entretanto, os silicatos microcristalinos,
como já foi referido ao Sítio Bauxi, não ocorrem nesta Formação, estando disponíveis no
córrego Seco, que dista cerca de 4,8 km, ou nos pedimentos detríticos do vale do córrego
Fundo, que dista 3,3 Km do sítio arqueológico
Segundo HILBERT (1994), os vestígios arqueológicos ocorrem em uma área
de 50 X 40 metros. Os materiais registrados foram 48 objetos líticos, dentre eles: 20 lascas
unipolares, 4 lascas bipolares, 2 lascas de borda, 3 lascas unipolares com marcas de
picoteamento, 4 núcleos plano-convexos, 5 detritos e 1 lasca retocada lateralmente. O autor
ainda complementa que a matéria-prima lítica predominante é de rochas compostas por
138
minerais de sílica, entre elas: arenitos, sílex e conglomerado. Em análise posterior, mais
minuciosa, foi substituído o sílex pela opala e acrescentada a matéria-prima do chert. O
sítio possui intervenção antrópica, pois o local do sítio arqueológico é utilizado como
pastagem para alimentar gado de corte.
5.2 - Sítios arqueológicos líticos de superfície localizados na unidade de paisagen 2.
Esta categoria envolve dois sítios de pequenas dimensões e com poucos
artefatos em superfície, sendo eles: MT-SC-06-Pita e MT-SC-07-Pasto. Estes sítios estão
localizados no interior da unidade 2. Nesta localidade as florestas decíduas situam-se nos
quadrantes SO e SE dos sítios arqueológicos, já os cerrados desenvolvem-se nos quadrantes
NO e NE. As florestas de galerias que ocorrem nas florestas decíduas são de pequenas
proporções não sendo observáveis na escala de mapeamento adotada. Já as que ocorrem na
floresta sempre-verde não são perceptíveis, devido ao caráter também sempre-verde que
esta vegetação possui, impossibilitando a sua individualização.
A topografia desta área é caracterizada por um terreno plano, levemente
elevado em relação aos sedimentos inconsolidados. As características geológicas desta
subárea, impuseram condições específicas que favoreceram o afloramento de calcários
calcíticos que normalmente ocorrem no subsolo da área (Fig.5). Estes calcários, mediante
falhas, foram soerguidos, ficando expostos aos agentes intempéricos, gerando solos do tipo
terra rossa.
O Sítio Pita situa-se a 3,5 km do Sítio Campo Belo, na direção SE. A S deste
sítio arqueológico existem morrarias calcárias com cavidades cársticas com
desenvolvimento acima de 50 metros, sendo a mais significativa a gruta do Curupira. As
demais grutas situam-se no topo desta morraria, apresentando um desenvolvimento vertical
139
que originou vários abismos. A N desenvolve-se a superfície erosiva da Formação
Bauxi/Puga, conformando no relevo uma área levemente mais alta que o sítio, onde
desenvolve-se o cerrado.
A fonte de água mais próxima deste sítio é o rio Curupira, que dista cerca de
400 m. Esta drenagem , por possuir nascente do tipo "ponors" (vide item 3.2.1.3), mantém o
nível de água constante. Nos períodos de chuvas o nível tende a aumentar, porém, na época
da seca, esta drenagem não seca, mantendo um fluxo de água volumoso e constante.
A fonte de matéria-prima lítica mais próxima do sítio está localizada na
superfície erosiva da Formação Bauxi/Puga. Esta dista cerca de 600 m e dispõe de vários
seixos de diversas naturezas litológicas. Os minerais de opala, chert e sílex, encontram-se
em maior disponibilidade no leito do córrego seco, que dista cerca de 2,4 km.
A dimensão deste sítio é de 5 X 4 m. Nesta superfície foram encontradas
uma lâmina de opala-quartzo vermelha e uma lasca de opala opaca branca. Este sítio situa-
se em área de pastagem para o desenvolvimento da pecuária.
O Sítio Pasto localiza-se a cerca de 1,3 Km do Sítio Pita, na direção NE. A S
do sítio ainda localizam-se as morrarias calcárias da Serra do Curupira. A N estende-se o
corredor natural formado pela unidade 2, que muda de direção, acompanhando a geologia
estrutural da região. O sítio situa-se no interior da floresta sempre-verde.
A disponibilidade de água está na drenagem localizada ao lado do sítio. Essa
drenagem é um afluente do rio Curupira e possui características de drenagem cárstica, ou
seja, as águas fluem somente em dias de chuvas torrenciais. A fonte de água permanente
está no rio Curupira, que dista 900 metros do sítio.
A fonte de matéria-prima está no córrego Seco, que situa-se a 1,2 km do
sítio. Nas margens do córrego Seco ainda encontram-se pedimentos detríticos
pleistocênicos, que poderiam ter dado origem a parte do material rolado do rio. Entretanto,
140
grande parte desses afloramentos encontra-se soterrado por solos e vegetação, não
oferecendo disponibilidade como nos pedimentos detríticos da unidade 1.
Este sítio arqueológico estende-se por uma área de 2 x 3 metros. O material
registrado é composto por 2 lascas, uma em opala-quartzo vermelha e outra em opala
branca, com superfície de alteração. Este sítio, atualmente, também, encontra-se em área de
pastagem.
5.3 - Sítios arqueológicos de cerâmistas incipientes localizados na unidade de paisagem 2.
Esta classificação inclui apenas um sítio arqueológico denominado de MT-
SC-05-Rio Curupira. A sua localização é complexa, já que os vestígeos arqueológicos
foram encontrados dentro do leito do rio Curupira. As evidências arqueológicas,
representadas por material lítico e cerâmico, ocorrem em um trecho de 20 metros do rio em
questão. As evidências cessam tanto a jusante como a montante deste trecho. As
prospecções realizadas nas imediações deste trecho foi infrutíferas, já que nenhum artefato
foi localizado em superfície. Deste modo, consideramos que o sítio arqueológico encontra-
se soterrado nas proximidades do trecho de ocorrência dos vestígios. A erosão fluvial
atuante em suas camadas evidenciou a cultura material.
A sua localização é no interior da unidade de paisagem 2 (Fig.6). A floresta
decídua domina a área a S do sítio arqueológico. As florestas de galerias desta unidade
assumem as mesmas características anteriormente descritas. A floresta sempre-verde ocorre
num corredor que se desenvolve a E-W do sítio. Na direção N-S, a floresta sempre-verde
ocupa uma área significativamente menor que a observada a E-W.
141
O relevo é caracterizado por uma área rebaixada onde corre o rio Curupira.
Esta drenagem, no trecho onde localiza-se o sítio, não desenvolve uma planície aluvial,
sendo que os sedimentos que compõem o sítio são os solos tipo terra rossa, já descritos
anteriormente. Os blocos de calcários sobre o solo são abundantes e distribuem-se por toda
a área e dentro do leito da drenagem. A S do sítio observam-se as morrarias calcárias da
Serra do Curupira e a N as estruturas soerguidas da Formação Bauxi/Puga, com as
superfícies erodidas e contornadas por falhas. Na direção E-W existe o terreno, geralmente,
plano da depressão prenchida com sedimentos quaternários.
No Sítio Rio Curupira os materiais arqueológicos identificados foram 11
objetos líticos e dois fragmentos cerâmicos. Dos materiais líticos registram-se: 7 lascas
unipolares, 1 núcleo sobre seixo, 2 núcleos plano-convexos e 1 fragmento proximal de
machado polido. (HILBERT,1994). As matérias-primas encontradas são dois artefatos em
cherts, dois em arenitos silicificados, dois em jaspilito, três em opalas e um em rocha ígnea.
As cerâmicas são compostas por dois fragmentos de corpo de vasilha.
5.4 - Sítios arqueológicos em abrigos e cavernas localizados na unidade de paisagem 3.
Este conjunto de sítios arqueológicos abrange dois elementos, o MT-SC-02-
Abrigo do Córrego Seco e o MT-SC-03-Gruta do Saranhão. Ambos os sítios situam-se na
unidade 3, caracterizada por um relevo cárstico e de floresta decídua. Estes sítios estão
localizados, como os demais, em áreas bastante próximas a floresta sempre-verde.
O Sítio do Abrigo do Córrego Seco insere-se no centro da unidade de
paisagem 3. A vegetação dominante é a floresta decídua. Entretanto nesta porção da
unidade visualizam-se penetrações da floresta sempre-verde. Esta inserção de florestas
sempre-verde na floresta decídua ocorre em função das drenagens que proporcionam
142
condições para o seu desenvolvimento. Esta floresta poderia ser definida como florestas de
galerias, mas a pequena proporção que esta vegetação possui propiciou a flexibilidade desta
classificação e o seu englobamento no contexto maior.
Este sítio situa-se no vale cárstico do córrego Seco, em um paredão
carbonático às margem do córrego Seco. O relevo é composto por morrarias calcárias, que
prolongam-se a N deste sítio, compostas por morros mamemolares com altitudes entre 353
a 481 metros. A S, também, encontram-se os residuais calcários de maiores altitudes, com
cotas variando em 600 metros acima do nível do mar. Estes residuais cársticos são sucedido
pelos "hogbacks", escarpas e cornijas da unidade 4. Este relevo, incluso nas unidades 3 e 4,
está marcado por uma topografia irregular com grande defasagem entre as altitudes.
Na área do Abrigo ocorre um "canyon", marcado por escarpas de
aproximadamente 40 metros. Este "canyon" delimita um corredor de 2,4 km de
comprimento por uma largura que varia entre 143 a 323 metros. Neste contexto ocorrem 25
cavidades cársticas, entre elas algumas com possibilidade de exploração, como: gruta do
Córrego Seco, gruta das Pérolas, Abrigo da Ferradura, Abrigo do Desabamento e gruta Pau
D'Álho. A gruta do Córrego Seco ocorre conjugada ao abrigo, ou seja a entrada desta gruta
situa-se a 6 metros do abrigo e desenvolve-se a partir da mesma estrutura geomorfológica.
O córrego Seco representa uma drenagem cárstica cujo fluxo de água só
ocorre em dias de chuvas torrenciais. A fonte d'água mais próxima situa-se no interior da
gruta do Córrego Seco. Esta está localizada dentro de um abismo de 8 metros de altura, na
zona de penumbra da gruta. Esta fonte d'água representa uma ressurgência do lençol
freático e dista cerca de 7 metros do sítio. Outra fonte d'água permanente é o rio Curupira,
que dista 1,4 km do sítio.
A matéria-prima encontra-se em abundância no leito seco do córrego Seco.
Neste local pode-se encontrar seixos rolados das unidades superiores da Formação Araras e
Raizama, onde são comuns os níveis de chert, opala e arenito silicificado (silexito). Além
da composição litológica destas Formações, a falha geológica que proporcionou a estrutura
143
deste "canyon", também poderia possibilitar a formação destes minerais e de outros
minerais de interesse para matéria-prima, entre eles: brechas calcedonizadas e calcário
marmorizado.
O Abrigo do Córrego Seco ocupa uma extensão de 30 X 15 metros. Os
materiais encontrados foram 7 objetos líticos e 22 fragmentos de material cerâmico. Os
objetos líticos estão representados por 3 lascas unipolares, 1 lasca bipolar, 2 núcleos plano-
convexos e 1 instrumento com retoque unifacial (HILBERT,1994). As matérias- primas
encontradas são 4 artefatos em opala, 2 em quartzito e 1 em chert. O material cerâmico está
composto por 5 fragmentos de borda e 17 fragmentos de corpo.
No interior da gruta do Córrego Seco, a cerca de 30 metros da entrada, foram
encontradas manifestações artísticas. Segundo HILBERT (1994:22) "trata-se de um
conjunto de desenhos de representações geométricas, antropomorfas e zoomorfas, a uma
altura de 50 cm do chão" (Fig 8). Estas manifestações ocupam uma área de 2,2 m por 1,5 m
de uma parede calcária levemente inclinada e cuja superfície apresenta escorrimentos
carbonáticos. Os desenhos foram confeccionados em pigmento preto.
O Sítio Gruta do Saranhão localiza-se na unidade 3, próximo ao limite com
a unidade 2. A vegetação, onde o sítio se situa, é caracterizada por uma floresta decídua.
Não obstante, a floresta sempre-verde está em contato com a floresta decídua, nas
imediações do sítio arqueológico. A E do sítio está situado o cerrado, aproximadamente a
1,5 km.
O sítio se situa em um residual cárstico, no extremo N-NE da área em
pesquisa. Este residual está caracterizado por morrarias com altitudes em torno de 350 m.
As cavidades naturais identificadas nesta área são 2 cavernas e 2 grutas. Estas cavidades
foram mapeadas e localizadas em trabalhos anteriores de Hirooka (1989). A gruta do
Saranhão localiza-se na base deste residual cárstico, já em contato com a superfície
aplainada da unidade de paisagem 2. A unidade de paisagem 2, na porção correspondente à
gruta do Saranhão, engloba um relevo com formas típicas de planície aluvial. Neste local
144
foram observados leques aluviais e diques marginais que demonstram uma atividade hídrica
intensa e acima do nível de base atual do rio em tempos pré-holocênicos.
A drenagem mais próxima é uma fonte dágua situada a 6,8 metros da entrada
principal da gruta do Saranhão. Ela representa uma ressurgência de águas subterrâneas. O
rio Curupira também situa-se próximo do sítio, distando cerca de 500 metros. Esta porção
do rio Curupira é a maior em volume d'água na área trabalhada.
A fonte de matéria-prima está situada no próprio leito do rio Curupira. Nesta
porção do rio o córrego Seco já interceptou o rio Curupira, possibilitando a existência de
minerais oriundos das Formações geológicas do alto da serra. As opalas e sílex não ocorrem
com tanta incidência como no córrego Seco, mas podem ser observados com maior
frequência os quartzitos, opala-quartzo e cherts. Os pedimentos detríticos do vale do
córrego Fundo, na unidade 1, distanciam-se 7 km do sítio. Já o córrego Seco está a 4, 2 km
do sítio.
O sítio está no salão de entrada da gruta, com uma extensão de 10,3 X 6,6
metros (Fig.9). Os materiais arqueológicos encontrados foram: 4 artefatos líticos e 37
fragmentos cerâmicos. O material lítico corresponde a: 2 lascas unipolares, 1 lasca bipolar e
1 detrito. As cerâmicas são 6 bordas e 31 fragmentos de corpo (HILBERT, 1994).
146
CAPÍTULO 6 OS ARTEFATOS
Os artefatos em análise provêm das coletas superficiais realizadas no
decorrer dos projetos "Levantamento dos recursos naturais visando a implantação de uma
unidade de conservação na Província-Serrana" e "Zoneamento espeleológico, arqueológico
e paleontológico nas Serras das Araras e Curupira".
No total, foram coletadas e analisadas 97 peças líticas e 54 fragmentos
cerâmicos. O número apresentado é relativamente baixo, principalmente pelo fato das
coletas terem sido efetuadas em sítios alterados pelas intempéries ambientais e antrópicas.
A falta de escavações sistemáticas também corroborou com o baixo número de artefatos
disponíveis para análise.
6.1 - O Material Lítico
A classificação do material lítico presente neste trabalho abordou tanto a
tipologia tecnológica como a funcional, baseando-se principalmente nas obras de
LAMING-EMPERAIRE (1967), MILLER (1975), TIXIER et al. (1981), FORSBERG
(1985) e SCHLANGER e ORCUTT (1986). A classificação, através da tipologia
tecnológica fundamenta-se, principalmente, nas formas e proporções dos artefatos. As
questões quanto às fases e técnicas de fabricação são abordadas sucintamente durante a
descrição do material, já que a baixa quantidade de artefatos não demonstrou uma
frequência significativa nestas questões.
A classificação funcional aborda a função do objeto. Segundo FORSBERG
(1985), a função de um artefato é seu uso intencional, e não o seu uso atual. MILLER
147
(1975), sugere que uma mesma peça pode ter mais de um bordo ativo e se prestar a
operações funcionais diferentes. Deste modo, a definição de um objeto com base no seu uso
intencional pode envolver mais de uma função, sendo que a sua denominação nem sempre
corresponde à sua função. A classificação funcional adotada neste trabalho baseia-se mais
na posição dos bordos de apreensão e ativos do que na operação funcional do objeto.
6.1.1 - A matéria prima.
Os instrumentos líticos encontrados nos sítios arqueológicos da serra do
Curupira são compostos por opala, chert, jaspilito, quartzito, quartzo,
metaparaconglomerado e rocha ígnea. A maioria dos materiais arqueológicos líticos
constituem-se de rochas sedimentares e minerais do grupo da sílica, descritos abaixo:
6.1.1.1 - Quartzito
Os quartzitos são rochas compostas inteiramente de quartzo. O intenso
metamorfismo produziu uma rocha compacta com grãos de quartzo intercrescidos. Os
arenitos, distinguem-se destas rochas pelo fato de sua fratura passar entre os grãos de
quartzos e não através deles, como é observado nos quartzitos (DANA, 1984).
Os quartzitos presentes nos artefatos ocorrem nas cores: branca, cinza,
marrom-avermelhado e castanho-amarelado. Os quartzitos castanho-amarelados apresentam
a granulometria dos grãos de quartzo fina. A matriz cimentadora, também composta por
sílica, domina a rocha, sendo possível observar macroscopicamente alguns grãos de quartzo
dispersos no cimento. Isso confere à rocha um alto grau de silicificação. Estes quartzitos
foram observados na área como seixos rolados dentro do leito do córrego Seco. Estes seixos
apresentam o seu interior com um brilho vítreo. O córtex é pouco alterado e de cor
levemente mais escura e opaca que o seu interior.
Os quartzitos marrom-avermelhados, em comparação aos quartzitos
castanho- amarelados, possuem uma maior granulometria dos grãos de quartzo e também
148
uma maior quantidade de grãos de quartzo em relação à matriz cimentadora. Estas rochas
foram observadas nas superfícies erodidas da Formação Bauxi/Puga, na forma de seixos e
matacões. O brilho no interior da rocha é menos intenso que os quartzitos amarelados e o
córtex apresenta uma cor mais avermelhada que o seu interior.
Os quartzitos de branco a cinza possuem a granulometria dos grãos de
quartzo maior que a do quartzito anteriormente descrito. A maior incidência destas rochas é
na Formação Bauxi/Puga, onde pode-se observar matacões de 50 cm de diâmetro. As
alterações na superfície desta rocha são quase nulas. A maior quantidade de grãos de
quartzo em relação ao cimento, confere a esta rocha um brilho levemente vítreo e uma
fratura que desenvolve-se entre os grãos de quartzo.
Segundo TIXIER et al. (1980), o quartzito é uma excelente matéria-prima
para fabricar peças foliáceas com percutor mole, sendo útil também na fabricação de
lâminas com percutor mole e retoques paralelos por pressão.
6.1.1.2 - Chert
Segundo DANA (1959), o chert é uma rocha maciça similar em muitas
propriedades com o sílex. O chert é formado a partir de soluções saturadas em sílica que
passam a substituir camadas de calcário. Em observações macroscópicas nos materiais
arqueológicos, observa-se que o chert possui as cores pálidas do amarelo, bege e vermelho.
Em algumas peças é possível observar um matiz destas três cores. A granulação da rocha
não é passível de observação a olho nu, sendo que o aspecto geral da rocha é de uma massa
uniforme, opaca e sem brilho. A superfície da rocha mostra a textura dos calcários,
entretanto é composta de sílica. Esta matéria prima foi observada no leito do córrego Seco e
nos pedimentos detríticos. No interior destas rochas realçam-se as cores acima descritas; já
o córtex apresenta superfície áspera, rugosa e de cor castanho-acinzentada.
6.1.1.3 - Opalas
149
Segundo, BETEJTIN (1977), as características exteriores das opalas são
semelhantes às das calcedônias. As opalas se distinguem das calcedônias pela dureza
inferior (5-6 na escala de Mohs), e pelo maior conteúdo de água na sua composição
química. DANA (1959) esclarece que as opalas apresentam fratura conchoidal, brilho vítreo
ou resinoso e são de transparentes a translúcidas, por vezes opacas, e ocorrem
principalmente nas cores branca, amarela, vermelha, marrom, verde, cinza e azul. A gênese
desta rocha está principalmente nos processos de meteorização que causam a decomposição
dos silicatos das rochas das mais variadas composições.
Nos artefatos pode-se observar a presença de opalas opacas e transparentes,
raramente translúcidas. As opalas opacas apresentam-se nas cores branca-amarelada. Os
vestígeos em opalas transparentes ocorrem nas cores branca, amarela, cinza e vermelha. A
superfície externa das opalas brancas, amarelas e cinzas apresenta-se, geralmente, alterada
para o talco, conferindo uma coloração branca. A opala vermelha possui grande quantidade
de quartzo, sendo melhor definida de opala-quartzo. As opalas brancas e cinzas foram
observadas nos pedimentos detríticos. As opalas-quartzos vermelhas estão disponíveis no
córrego Seco.
Segundo TIXIER et al. (1980), as opalas são excelentes para a fabricação de
peças foliáceas com percutor mole, lâminas com percutor mole e retoques paralelos por
pressão. O autor ainda acrescenta que, através do aquecimento, esta matéria-prima melhora
muito. DON CRABTREE in: MILLER (1975), indica que o maior conteúdo de água na
composição química da rocha aumenta a elasticidade, possibilitando a tiragem de lascas
mais finas e compridas. O autor estabelece que o aquecimento retira todo o conteúdo de
água, produzindo uma matéria-prima com estrutura cristalina mais homogênea, sendo
melhor para lascar.
6.1.1.4 - Quartzo
150
O quartzo apresentado neste trabalho é definido como um mineral do grupo
da sílica sem forma geométrica. Este mineral possui fratura conchoidal e dureza 7 na escala
de Mohs. O quartzo encontrado no material arqueológico é o quartzo leitoso com brilho
gorduroso. Segundo DANA (1984), a cor branco-leitosa ocorre pela presença de inclusões
fluídas minúsculas. Os quartzos não apresentam alterações. A incidência deste mineral na
área de pesquisa é bastante acentuada; entretanto, ele foi observado em maior quantidade e
tamanho na Formação Bauxi/Puga.
Segundo TIXIER et al. (1980), o quartzo hialino é uma matéria-prima muito
boa para peças foliáceas fabricadas a partir de um percutor mole e boa para os retoques
paralelos realizados por pressão. Entretanto, o autor não esclarece sobre o potencial das
outras variedades de quartzo.
6.1.1.5 - Jaspilito
O jaspilito é uma variedade criptocristalina granular do quartzo. O jaspilito
insere-se no mesmo grupo dos chert e sílex, e, deste modo, assemelha-se a estes minerais
em várias propriedades. Este mineral possui a coloração vermelho-escura devido às
inclusões de hematita em sua rede cristalina. Os jaspilitos apresentam-se opacos e com
brilho vítreo. A sua ocorrência foi observada somente na Formação Bauxi/Puga.
6.1.2 - A Descrição do material arqueológico lítico encontrado na serra do Curupira.
Os objetos líticos encontrados na área foram classificados em seis tipos, com
subdivisões possíveis, sendo eles: lascas, lascas retocadas, raspadores, núcleos, detritos e
ferramenta polida.
6.1.2.1 - Lasca
151
Segundo FORSBERG (1985), a lasca possui um lado formado a partir de um
simples golpe (a superfície bulbar). LAMING-EMPERAIRE (1967:35), define a lasca
como: "Fragmento de rocha, debitado por uma percussão aplicada em um ponto
determinado do núcleo". Segundo TIXIER (1980), o produto do lascamento por pressão ou
por percussão é chamado de lasca.
As lascas coletadas e analisadas na área de estudo foram classificadas em
lâminas (L1) e lascas discóides (L2). A lâmina é uma lasca que possui um comprimento
máximo de 5 cm e largura máxima menor ou igual a 50% do seu comprimento máximo. As
lascas discóides estão caracterizadas pelo comprimento máximo de 5 cm e largura máxima
maior que 50% do seu comprimento. A espessura destas lascas podem perfazer dois sub-
grupos. O primeiro, definido como L2A, possui a espessura menor que 25 % do seu
comprimento máximo. O segundo grupo, L2B, possui uma espessura entre 25 - 50% do seu
comprimento máximo. As lascas discóides com espessuras maiores que 50% do seu
comprimento são consideradas como produto residual. As lascas maiores que 5 cm de
comprimento estão denominadas como L3 (Figura 10 - C, D e E).
As lascas representam 64 % do total da amostra coletada nos sítios
arqueológicos da Serra do Curupira. O tipo de lasca predominante é a lasca discóide. As
lascas, relativamente finas, e as lâminas - tipo L2A e L1 -, são encontradas em número
menor que as lascas de formas mais arredondadas e espessas - L2B. As lascas maiores de 5
cm perfazem a minoria do contexto das lascas. (Gráfico 5).
152
Tipos de lascasP
orce
ntag
em
0%
10%
20%
30%
40%
50%
L1 L2A L2B L3 L4
GRÁFICO 5 - Frequência da distribuição de tipos de lascas encontradas nos sítios da região da Serra do Curupira. Legenda: L1 - Lâminas, L2A - Lascas discóides com menos que 25 % de espessura em relação ao seu comprimento. L2B - Lasca discóide com espessura entre 25 - 50 %. L3 - Lascas com comprimento maior que 5 cm. L4 - Fragmentos de lascas
A composição litológica das lascas é bastante variada. As principais rochas
que compõem as lascas discóides são as opalas e os cherts. As lâminas, todas elas, possuem
como matéria-prima, somente a opala. Já as lascas maiores que 5 cm são de chert e arenito.
Com relação às técnicas de fabricação, pode-se observar que 56% das lascas
foram confeccionadas a partir da técnica de percussão direta, sem uma base de apoio em sua
extremidade distal, resultando em lascas unipolares. Os outros 6% de lascas foram
produzidos através de uma percussão direta, com a extremidade distal apoiada sobre uma
base, produzindo lascas bipolares.
O talão apresenta características peculiares que também demonstram a
técnica de fabricação. Algumas lascas, cerca de 22 % do total da amostra de lascas,
apresentam o talão marcado por sinais de picoteamento. Estas marcas ocorrem na forma de
pequenas fraturas paralelas posicionadas longitudinalmente ao comprimento do talão. Elas
ocorrem, preferencialmente, no bordo externo (ou dorsal) do talão. Esta porção, geralmente,
apresenta-se destruída, ou seja, o bordo externo do talão está mascarado pelas consecutivas
153
marcas de pequenos golpes que geram micro-fratura, as quais por vezes, estendem-se até a
superfície dorsal.
6.1.2.2- Lasca utilizada ou retocada (Figura 10 - A e B)
Este grupo engloba as lascas que possuem bordos com evidência de
utilização. Estes bordos funcionais apresentam-se com ou sem retoques. LAMING-
EMPERAIRE (1967) acrescenta que "o bordo de uma lasca {utilizada} não retocada é
agudo, frágil e seu uso corresponde, geralmente, ao de uma faca". Segundo FORSBERG
(1985), as lascas retocadas são lascas modificadas com menos de três retoques paralelos
numa superficie fraturada. O autor, acrescenta ainda, que isso separa as lascas retocadas dos
raspadores.
As lascas com evidência de utilização perfazem 6% do total de artefatos
encontrados nos sítios arqueológicos da Serra do Curupira. Estas lascas possuem como
matéria-prima exclusiva a opala e estão estabelecidas sobre lascas unipolares do tipo L2B.
O bordo funcional situa-se distalmente ao eixo longitudinal da lasca. As lascas com
retoques apresentam sinais de cicatrizes de pequenas lascas retiradas da extreminadade
distal e golpeadas a partir da face inferior ou interna. Os retoques são abruptos e irregulares.
As lascas sem retoques são favorecidas pelo sistema de clivagem conchoidal
das opalas, que permite o destacamento de lascas com bordos finos. A lasca CS-1-03
apresenta bordo funcional com reafiamento irregular e descontínuo. A análise em lupa
binocular mostrou porções deste gume com sinais de arredondamento devido ao uso .
A maioria das peças apresentam alterações em sua superfície. A alteração é
de cor branco-amarelada e de brilho opaco, provavelmente uma alteração da opala para o
gesso, o que é bastante comum nesta matéria-prima.
6.1.2.3- Raspadores (Figuras 11,12 e 13)
Os raspadores estão caracterizados por formas plano-convexas com
contornos ovais (LAMING-EMPERAIRE,1965 e LEROI-GOURHAN,1981). Eles possuem
154
um ou mais bordos funcionais localizados distalmente ao eixo longitudinal da peça. A
distinção entre raspador e faca não é feita neste trabalho. Abordamos a faca como um
raspador, pois a definição está muito mais em função da existência de um bordo funcional
longitudinal do que pela diferenciação de uma operação de raspagem ou corte.
A posição do bordo funcional permite a distinção entre os raspadores. Os
raspadores podem ser divididos em raspador distal (R1), com bordo funcional situado
distalmente ao eixo de orientação da peça; raspador disto-lateral (R2), com bordo
funcional situado distalmente e lateralmente ao eixo; raspador discóide (R3), cujos bordos
funcionais situam-se ao redor da peça, e raspador bilateral (R4), com bordo funcional nas
laterais das peças (FORSBERG,1985 e LONNEVILLE-BORDES,1951 in:
EMPERAIRE,1965).
Os raspadores representam 15% da amostra de artefatos coletados na Serra
do Curupira. A matéria-prima que compõe os raspadores é de várias composições
litológicas. Entretanto os cherts e opalas predominam na amostra em relação ao contexto
das outras litologias presentes (Gráfico 6 ).
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
35%
40%
A B C D E F G H
GRÁFICO 6 - Frequência de matéria-prima distribuída entre os raspadores encontrados na Serra do Curupira. Legenda: A - Metasiltito, B - Chert, C - Ígnea, D - Jaspilito, E - Opala, F - Metaparaconglomerado, G - Quartzito e H - Quartzo.
155
Os raspadores apresentam-se de diversos tamanhos. Eles estão estabelecidos
sobre lascas e núcleos. No Gráfico 7 pode-se observar três grupos distintos em relação ao
tamanho. O primeiro caracteriza-se por raspadores curtos, cujo comprimento é menor que
1,5 vezes a sua largura. Estes raspadores estão estabelecidos sobre lascas e possuem um
comprimento entre 25 e 55 mm. O bordo funcional situa-se nas mais diversas posições;
somente não é observado neste grupo o bordo funcional bilateral. O segundo, aborda
raspadores medianamente curtos, com comprimento maior que 1,5 vezes sua largura e
possuem o bordo ativo na posição bilateral (R4). Eles, também, estão estabelecidos sobre
lascas, e possuem um comprimento entre 71 e 80 mm. Este grupo representa formas com
uma face plana e a outra convexa. Os bordos funcionais são convergentes, encontrando-se
em uma ponta. HILBERT (1994), denomina-as de lesmas. O último grupo comporta
raspadores curtos, estabelecidos sobre núcleos e lascas. O comprimento está entre 65 e 110
mm e a largura é igualmente superior aos grupos anteriores. Estes raspadores são peças
volumosas e possuem bordo funcional lateral e discóide (R2 e R3).
Comprimento (mm)
0
20
40
60
80
100
120
0 10 20 30 40 50 60 70 80
GRÁFICO 7 - Relação entre altura e comprimento dos raspadores encontrados na Serra do Curupira. Legenda: • Lasca, ♦ Núcleo.
156
Os raspadores sobre núcleos são pesados e volumosos. As formas são plano-
convexas com o bordo funcional situado ao redor da peça (raspadores discóides). Os
retoques são unifaciais, contínuos, irregularmente denticulados e obtidos através de golpes
nas margens do gume a partir da face plana.
Os retoques dos raspadores sobre lascas são realizados através de
destacamentos curtos de lascas de maneira irregular. A sequência dos retoques pode ser
contínua ou descontínua e o ângulo do lascamento forma um gume semi-abrupto. O gume
apresenta-se principalmente retilíneo ou levemente convexo. Em apenas um elemento (CB-
1-17) observou-se uma leve concavidade no contorno do bordo funcional.
Na peça CB-1-34 foi observada uma alteração superficial da rocha. A peça
composta por um metasiltito apresenta uma coloração externa cinza. No seu interior é
possível observar, através de pequenas fraturas, uma coloração marrom-amarelada. As
demais peças apresentam-se bem conservadas, sem qualquer alteração.
6.1.2.4 - Núcleos
Os núcleos são rochas com sinais de lascamentos. Estes sinais estão
representados por cicatrizes deixadas pelas lascas golpeadas. Segundo LAMING-
EMPERAIRE (1967), os núcleos são "formas globulosas, sem marcas de trabalho de
retoque e sem bordos utilizados". A autora complementa que certos núcleos, após a
debitagem de uma ou várias lascas, são reaproveitados como ferramentas, através da
confecção de bordos retocados ou utilizados.
Neste trabalho foram definidos dois tipos de núcleos: o núcleo redondo (N1)
e o núcleo com plataforma cortical (N2). O núcleo redondo apresenta as cicatrizes das
lascas retiradas distribuídas irregularmente ao redor da rocha. O núcleo com plataforma
157
cortical possui as cicatrizes das lascas golpeadas ao longo da margem de uma ou mais
plataformas corticais.
Os núcleos representam 5% da amostra coletada. A matéria-prima é bastante
variada, não havendo uma nítida frequência. As litologias observadas são de quartzito,
opala, chert e jaspilito. A maioria dos núcleos possui tamanho entre 50 e 90 cm de
diâmetro; apenas um elemento superou esta marca (Gráfico 8). As faces destes núcleos
mostram várias cicatrizes de lascas interseccionadas. As cicatrizes das lascas debitadas
apresentam a superfície retilínea e raramente convexa. O ponto de impacto foi observado
somente na extremidade proximal. Este ponto de impacto, por vezes, apresenta-se com
vários microfaturamentos posicionados na borda externa do plano de percussão. O mesmo é
compatível com as feições observadas no talão das lascas.
Em 3% da amostra observou-se a existência de um bordo funcional,
confeccionado a partir dos retoques em uma ou mais arestas dos núcleos.
Comprimento (mm)
Larg
ura
(mm
)
0102030405060708090
100
0 20 40 60 80 100 120
GRÁFICO 8 - Relação entre comprimento e largura dos núcleos
6.1.2.5 - Detrito
158
Os detritos estão caracterizados por rochas que possuem cicatrizes de
lascamento, mas não possuem uma superfície ventral típica de lasca. Assumem uma
característica de núcleo esgotado, cujo tamanho não possibilita a retirada de uma lasca
maior que 5 cm. (FORSBERG, 1985).
Os detritos constituem 9% da amostra. Eles possuem como matéria prima
principal a opala (com 3% da amostra) e chert (com 1% da amostra). O tamanho dos
detritos em opala varia entre 34 e 23 mm de comprimento, 23 e 24 mm de largura e 11 e 16
mm de espessura. Já o chert possue dimensão maior, equivalente a 53 X 52 X 20 mm.
6.1.2.6 - Ferramenta polida (Figura 15)
Esta classificação abrange apenas uma peça, totalizando 1% da amostra. Ela
está formada por uma rocha ígnea de cor escura. Segundo DANA (1984), as rochas ígneas
de cor escura indicam uma baixa quantidade de minerais de sílica. Este menor conteúdo de
materiais silicatados diminui a dureza do material, facilitando o polimento do mesmo.
O instrumento polido está representado por um fragmento proximal de 74
mm de comprimento. A sua forma principal é cilíndrica, e, deste modo, não é possível a
distinção entre face, lado e bordo. A parte ativa situa-se distalmente ao eixo de orientação
da peça. A sua secção transversal é circular, com diâmetro de 67 mm. A superfície
destinada ao uso é plana e levemente convexa, o que sugere uma função de maceração e
moagem. Em direção à parte do encabamento, nas imediações do fraturamento, persiste a
forma circular com diâmetro de 73 mm.
A técnica de confecção do instrumento é através do polimento. Entretanto,
na superfície do mesmo é possível observar pequenas depressões circulares que sugerem a
utilização da técnica do picoteamento, realizada anteriormente ao polimento.
6.2 - Material Cerâmico.
159
A maioria do material cerâmico mostrou uma péssima condição de
conservação. Os fragmentos de borda, essenciais na reconstrução das formas, constituem-se
de pequenos fragmentos impregnados de carbonato. Isto dificultou a análise, já que poucos
fragmentos forneceram dados sobre a morfologia, diâmetro bocal e inclinação da borda.
Deste modo descrever-se-á, sucintamente o material disponível através das técnicas de
descrições usadas correntemente nas publicações sobre o assunto.
6.2.1 - Descrição do material cerâmico encontrado na serra do Curupira.
As cerâmicas disponíveis para a análise estão representadas por 7 fragmentos
de bordas e 47 fragmentos de corpo. Os sítios Abrigo do Córrego Seco e Gruta do Saranhão
apresentaram o maior número de elementos cerâmicos na região estudada. O sítio Rio
Curupira exibiu um número bastante reduzido de fragmentos - dois fragmentos de corpo
com as superfícies erodidas pela ação da água.
As vasilhas são simples, de tamanho médio e pequeno, com formas
globulares pouco profundas. As bordas possuem certa irregularidade na superfície dos
lábios. O bocal possui um diâmetro entre 14 e 24 cm. A superfície dos fragmentos é lisa,
sem decoração (Fig.16). A técnica de confecção é o acordelado, sendo possível observar nas
extremidades proximal e distal de vários fragmentos a ruptura nos roletes, o que poderia
sugerir uma incipiente fixação entre os roletes durante a confecção.
O antiplástico é constituído de cariapé em 80 % dos fragmentos analisados.
O antiplástico tipo areia fina predomina nos 20 % restantes. HIROOKA (1992), em análise
microscópica dos fragmentos ceramicos com antiplástico do tipo cariapé, conclui que existe
um padrão morfológico do tecido vegetal, indicando que apenas um tipo de vegetal foi
transformado em cariapé. A autora ainda indica que estas ceramicas possuem 37% de
cariapé, 12 % de areia e 51% de argila.
160
As cerâmicas com antiplástico do tipo cariapé apresentam-se com o núcleo
cinza, raramente preto, refletindo uma queima oxidante. Não são raros os carvões que
ocorrem junto com o cariapé, o que poderia refletir o não peneiramento da cinza oriunda da
queima da casca da árvore, ou seja, foi inserida diretamente na massa de argila, sem antes
haver um peneiramento da cinza para separar os pedaços de carvões20. A cor da superfície ,
geralmente, é cinza. A espessura dos fragmentos varia entre12 e 7 mm (Fig. 16 - B e C).
As cerâmicas constituídas por antiplástico do tipo areia possuem o núcleo de
cor preta. A cor de sua superfície varia entre o cinza e o preto e a espessura dos fragmentos
varia de 10 a 12 mm (Fig. 16-A).
6.3 - A Correlação Intersítio
A baixa quantidade de artefatos disponíveis para análise não permite uma
ampla correlação entre os sítios arqueológicos. Entretanto, a baixa incidência de artefatos
pode refletir uma característica real do sítio, pois a quantidade e a diversidade dos artefatos
refletem o tempo de duração do sítio no espaço e no tempo, bem como a sua função
(SCHLANGER e OCURTT, 1986). O não registro dos vestígios também é uma realidade
que ocorre mediante as intempéries antrópica e ambiental. A preservação dos sítios é baixa,
principalmente nos sítios em ambientes úmidos, onde existe grande atividade de bactérias,
condições oxidantes, alto PH e repetidos ciclos de hidratação e desidratação (KING e
KING, 1996). Segundo BROWN (1987), os fatores geológicos podem soterrar inteiramente
uma ocupação mais antiga. O autor ainda coloca que certas atividades antrópicas, como a
aragem do solo, podem evidenciar materiais arqueológicos.
20Esta ação, de peneirar a cinza, foi observada entre os Morrarianos.
161
"...alguns sítios arqueológicos existiram somente nos solos arados e não exibiram feições quando escavados..."21 (BROWN,1987:40).
Os sítios arqueológicos da região do Curupira e o seu conteúdo material são
o resultado da atuação contínua do homem e do ambiente sobre um determinado espaço. A
baixa incidência de artefatos reflete esta condição antrópica e ambiental. A nível de inter-
relação entre os artefatos existentes nos sítios arqueológicos, o baixo conteúdo diminui as
possibilidades de correlações. Não obstante, algumas inferências são passíveis de ser
realizadas, levando-se em conta as profundas alterações ocasionadas pelas intempéries
6.3.1 - Tentativa de análise intersítio
Em observação a dispersão de matéria-prima entre os sítios arqueológicos,
pode-se observar três grupos distintos. O primeiro grupo é composto pelos sítios Córrego
Seco, Campo Belo e Bauxi, onde predominam o chert, a opala e o quartzito. O segundo
grupo é formado pelos sítios Gruta do Saranhão, Pita e Pasto, onde predominam as opalas.
O último grupo é formado pelo sítio Rio Curupira, onde existem várias matérias-primas,
como: cherts, rocha ígnea, jaspilito, opala e quatzito. (Gráfico 9)
A diversidade de litologias entre os artefatos do sítio Rio Curupira sugere
uma área receptora de matéria-prima de vários locais. A opala, rocha nobre para o
lascamento, está presente em grande quantidade em todos os sítios arqueológicos. O que
poderia sugerir uma maior circulação desta matéria-prima entre os sítios.
Na frequência de distribuição das lascas por sítios arqueológicos, observa-se
dois grupos. O primeiro, formado pelos sítios Campo Belo e Bauxi possui um número
superior em quantidade de lascas, principalmente de lascas do tipo L2B e L2A. O segundo
grupo, constituído pelos sítios Pita, Pasto, Córrego Seco e Saranhão, caracteriza-se pelo
21 "...some sites will exist only in the ploughsoil and will exhibit no features when excavated...."
162
baixo número de lascas em superfície (Gráfico 10). A frequência de lascas do sítio Rio
Curupira provavelmente não é representativa, já que este sítio possui uma forte alteração
antrópica e ambiental, a qual possivelmente mascarou a verdadeira quantidade de material
arqueológico. Já os demais sítios apresentam uma alteração não superior aos sítios Campo
Belo e Bauxi, o que sugere um número de ocorrências passível de comparação entre estes
sítios.
O maior conteúdo de lascas nos sítios Bauxi e Campo Belo indicam que
nestes locais ocorreriam maiores ações de manufatura de ferramentas líticas. A baixa
incidência de elementos com córtex poderia sugerir que a matéria-prima chegava ao sítio
como núcleo pré-forma ( TIXIER et al., 1980 ). Segundo SCHLANGER e OCURTT (1986)
"A incidência de...manufatura e manutenção de ferramentas....aumenta com a continuidade
da ocupação"22. Desse modo, o tempo de permanência nestes sítios deveria ser maior que
nos sítios Pasto e Pita, já que nestes a quantidade de material é bastante baixa. O Abrigo do
Córrego Seco e a Gruta do Saranhão também demonstram uma baixa quantidade de lascas
em superfície, sugerindo um local de pouca manufatura de material lítico. Estes sítios
poderiam representar sítios de atividade limitada, ou seja, locais que comportam artefatos
mais elaborados com um elevado custo de energia gasta na sua fabricação. Estes são
fabricados no sítio habitação e deixados no local de trabalho somente quando gastos e/ou
quebrados.
"Nós consideramos locais de atividade
limitada como sendo locais usados para a operação de populações fora da residência permanente ou a sazonal. O equipamento usado para atividade limitada são trazidos da base residencial e .....retorna à base residencial depois de completar o trabalho. Ferramentas
22"...The incidence of....tool manufacture and maintenance....increase as the lenght of occupation increases. " (Schlanger e Ocurtt,1986:298).
163
quebradas podem ser descartada na base de trabalho"23 ( SCHLANGER e OCURTT, 1986: 298)
A análise de diversidade (Gráfico 11) aponta que os tipos de artefatos
possuem uma frequência de distribuição entre os sítios, bem mais representativa que a
quantidade de material resgatado. A maior diversidade de tipos ocorre nos sítios Curupira,
Campo Belo e Abrigo do Córrego Seco. Segundo SCHLANGER e OCURTT (1986), a
maior quantidade de tipos de artefatos, em especial os que representam atividades
domésticas24, sugere a existência de sítios permanentes a semi-permanentes. Entretanto, o
autor alerta que uma boa representatividade do material e a definição de sítios tipos são
muito importantes para esta relação.
O material disponível não oferece grandes possibilidades de afirmações, mas
pode-se sugerir que os sítios com baixos índices de tipos de artefatos, como o Sítio Pita,
Pasto e Gruta do Saranhão, possuíam uma atividade limitada com curto período de duração.
Os sítios Rio Curupira, Bauxi e Campo Belo, com maior número de tipos de artefatos,
teriam uma função de habitação sazonal. O sítio Abrigo do Córrego Seco, apesar de possuir
um número de tipos elevado em relação aos outros sítios, engloba elementos de descartes e
poucos elementos de manufatura. O mesmo poderia ser arguido ao sítio Rio Curupira, se
não fosse o fato de ser observada uma peça típica de manufatura de alimentos - o
instrumento polido. Deste modo, o sítio Abrigo do Córrego Seco possui maiores
possibilidades de enquadrar-se como um sítio de atividade limitada.
As cerâmicas possuem por natureza uma função de manufatura de alimentos.
Entretanto, a sua existência em quantidade apenas nas cavernas e abrigos, sugere um uso
mais específico do que a sua habitual função nas moradias. A relação dos ceramistas com as
23"We consider limited activity loci to be places used by people operating out of a permanent residence or a seasonal residence. The equipment used at limited activity loci will be brought from a residential base and cached at the place of use or returned to the residential base after completing work. Broken tools may be discarded at the work base..." (Sclanger e Ocurtt, 1986:298) 24 Atividade doméstica esta relacionada à cozinha, prepaparação de alimentos, comida e manutenção e manufatura de ferramentas. (Schlanger e Ocurtt, 1986)
164
cavidades naturais envolvem as questões religiosas e sobrenaturais. Os relatos etnográficos
(COLBACCHINI e ALBISETTI, 1942 e ALBISETTI e VENTURELLI, 1962) e atuais
confirmam a respeito de enterramentos e temores ao sobrenatural que envolvem as
cavernas, por parte dos ceramistas.
165
MT-SC-01-Campo Belo
Tipos de lascas
Por
gent
agem
0%
5%
10%
15%
20%
25%
L1 L2A L2B L3 L4
MT-SC-04-Bauxi
Tipo de lascas
Por
cent
agem
0%5%
10%15%20%25%
L1 L2A L2B L3 L4
MT-SC-02-Abrigo do Córrego Seco
Tipos de lascas
Por
cent
agem
0%
5%
10%
15%
20%
25%
L1 L2A L2B L3 L4
MT-SC-05-Rio Curupira
Tipos de lascas
Por
cent
agem
0%
5%
10%
15%
20%
25%
L1 L2A L2B L3 L4
MT-SC-03-Gruta do Saranhão
Tipos de lascas
Por
cent
agem
0%
5%
10%
15%
20%
25%
L1 L2A L2B L3 L4
MT-SC-06-Pita
Tipo de lascas
Por
cent
agem
0%
5%
10%
15%
20%
25%
L1 L2A L2B L3 L4
MT-SC-07-Pasto
Tipos de lascas
Por
cent
agem
0%
5%
10%
15%
20%
25%
L1 L2A L2B L3 L4
GRÁFICO 9 - Frequência de tipos de lascas . Legenda: L1 - Lâminas, L2A - Lascas discóides com menos que 25 % de espessura em relação ao seu comprimento. L2B - Lasca
166
discóide com espessura entre 25 - 50 %. L3 - Lascas com comprimento maior que 5 cm L4 - Fragmentos de lascas
MT-SC-01-Campo Belo
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
A B C D E F G H
MT-SC-04-Bauxi
0%
10%
20%
30%
40%
A B C D E F G H
MT-SC-02-Córrego Seco
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
A B C D E F G H
MT-SC-05- Rio Curupira
0%
10%
20%
30%
40%
50%
A B C D E F G H
MT-SC-03-Gruta do Saranhão
0%
20%
40%
60%
80%
A B C D E F G H
MT-SC-06-Pita
0%
50%
100%
A B C D E F G H
MT-SC-07-Pasto
0%
50%
100%
A B C D E F G H
167
GRÁFICO 10 - Porcentagem de matéria-prima distribuída entre os objetos líticos por sítio arqueológico. Legenda: A - metasiltito, B - chert, C - ignea, D - jaspilito, E - opala, F - Metaparaconglomerado, G - quartzito e H - quartzo
168
MT-SC-01-Campo Belo
Número de artefatos
Tipo
s de
art
efat
os
0
1
2
3
4
5
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
MT -SC-04-Bauxi
Número de artefatos
Tipo
s de
art
efat
os
0
1
2
3
4
5
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
MT-SC-05-Rio Curupira
Número de artefatos
Tipo
s de
art
efat
os
01234567
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
MT-SC-06-Pita
Número de artefatos
Tipo
s de
art
efat
os0
1
2
3
4
5
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
MT-SC-07-Pasto
Número de artefatos
Tipo
s de
art
efat
os
0
1
2
3
4
5
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
MT-SC-02-Córrego Seco
Número de artefatos
Tipo
s de
art
efat
os
01234567
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
MT-SC-03-Gruta do Saranhão
Número de artefatos
Tipo
s de
art
efat
os
01234567
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
169
GRÁFICO 11 - Relação entre número de artefatos coletados e o número de tipos presentes por sítio arqueológico. Legenda: 1- lascas, 2 - lasca retocada, 3 - raspador, 4 - núcleo, 5 - detrito, 6 - instrumento polido e 7 - cerâmica.
178
DISCUSSÕES E CONCLUSÕES
O paleoambiente no período Pleistoceno Superior-Holoceno era mais árido
que o atual. As cabeceiras da sub-bacia do córrego Fundo, onde localizam-se os sítios
arqueológicos Bauxi e Campo Belo, deveriam estar secas, e a vegetação, provavelmente,
constituia-se de campo-cerrado ou caatinga. A disponibilidade de água se daria nas
cabeceiras do rio Curupira, onde a existência de fósseis e as características hidrológicas
corroboram com tal afirmativa. Neste local também deveriam ocorrer as matas
pleistocênicas com a fauna típica de florestas. A ocupação humana no início do
Pleistoceno-Holoceno, como comprovam as pesquisas dos Vialou para a região, não
poderia ocorrer nos sítios Bauxi e Campo Belo. A falta de água seria uma grande limitação
para a ocupação destas áreas.
Os sítios Rio Curupira, Pita, Pasto e Gruta do Saranhão situam-se nas
proximidades do rio Curupira, o que permitiria a disponibilidade de água e alimentos
diversificados durante o final do Pleistoceno e início do Holoceno. Entretanto, a presença
de material cerâmico e instrumentos líticos polidos no sítio Rio Curupira descarta a
possibilidade de ocorrência tão antiga. Os sítios Pita, Pasto e Gruta do Saranhão comportam
uma baixa densidade de material, sendo bastante difícil fazer uma avaliação. O abrigo do
Córrego Seco também poderia dispor de água no limite entre Pleistoceno e Holoceno;
entretanto, ela estaria disponível na ressurgência do lençol freático, em área de penumbra e
abismo cavernícola, o que exigiria grandes esforços e implementação de tecnologia para a
sua coleta.
No período de expansão das florestas, juntamente com o aumento da
pluviometria, dada entre 10.000 e 8.000 AP., deu-se o aumento no fluxo de águas das
drenagens. Entretanto, este aumento no volume das águas ocorreu, provavelmente, de modo
179
torrencial, envolvendo grandes tempestades, que ocasionaram grandes enxurradas e
enchentes. Os sítios Bauxi e Campo Belo poderiam ter disponibilidade de água; entretanto,
a relativamente baixa altitude e planitude do terreno poderiam proporcionar uma maior
sucetibilidade a ação das enchurradas, restringindo a ocupação deste local.
Neste momento de transição entre climas, a fonte de recursos para os sítios
Bauxi e Campo Belo, ainda ocorreria no cerrado. As florestas que estariam iniciando a sua
expansão a partir da floresta de galeria do rio Curupira, provavelmente não se situariam
próximas aos sítios, como é observado nos dias atuais. Este período de grandes enxurradas
provavelmente foi um dos principais responsáveis pelo assoreamento da depressão, na qual
as florestas estão assentadas hoje. A posição de limite entre duas vegetações,
provavelmente não ocorreria neste local, no período discutido. Deste modo, a posição
desses sítios não seria estratégica, no sentido da maximização na aquisição de recursos.
O Abrigo do Córrego Seco também possuíria uma grande disponibilidade de
água, no intervalo entre 10.000 e 8.000 AP., mas a condição geomorfológica em que
encontra-se esse abrigo proporcionaria uma canalização das águas pluviais e fluviais no
"canyon" onde está inserido. Este fato ocasionaria um rio caudaloso e com enchentes que
poderiam encobrir o abrigo. A posição geomorfológica da Gruta do Saranhão, na base dos
residuais cársticos em contato com a planície aluvial do rio Curupira, também
proporcionaria uma influência direta das enchentes do rio Curupira, neste período.
A partir de 8.000 AP, inicia o "Optimum Climaticum" caracterizado por uma
temperatura mais quente e seca, o que proporciona novamente uma escassez na
disponibilidade de água e a inibição e até a retração da floresta sempre-verde. Isso não
ocorreu ncom intensidade do limite Pleistoceno-Holoceno. Entretanto, é um período que
não assume as características anteriormente descritas. A volta do clima seco impôs à área
condições semelhantes aquelas do período Pleistoceno-Holoceno, porém com uma
paisagem diversa desta. O período anterior, de intensa denudação e sedimentação fluvial,
proporcionou uma diferenciação na paisagem, ou seja, as planícies aluviais estariam
180
recobertas por sedimentos areno-argilosos, os vales encaixados nas regiões serranas
estariam mais profundos e delineados e as superfícies erosivas mais arrasadas. Os limites
entre as vegetações, provavelmente, não ocorreriam nos limites observados atualmente.
Deste modo, as condições inibidoras aos assentamentos de sítios descritas para o período
Pleistoceno-Holoceno, no que se refere às condições hidrológicas e de vegetação, aplicam-
se, também, a este episódio temporal.
A partir de 5.500 AP, com a volta da pluviosidade, a floresta sempre-verde
passa a ocupar toda a depressão de sedimentos inconsolidados. Os limites da vegetação e os
aspectos hidrológicos passam a ser semelhantes ao atual. Esta afirmação é respaldada por
VILHENA-VIALOU e VIALOU (1989:36) que afirmam que nos primeiros 5.000 anos de
ocupação do sítio arqueológico de Santa Elina "...não há descontinuidade notável dos meios
ambientes...". Deste modo, as condições ambientais da região da Província Serrana, neste
período, são bastante próximas à atual. Os sítios arqueológicos, na área de estudo, passam a
uma localização ambiental, onde é possível articular disponibilidades de recursos vegetais,
animais, hídricos e minerais necessários para a subsistência de populações humanas.
O ambiente atual da área de estudo caracteriza-se pelo bioma do cerrado. Ele
envolve um mosaico ambiental onde ocorrem vários ecossistemas, com diferenças na
localização espacial dos recursos. A estabilidade dos recursos no bioma do cerrado não é
observada no levantamento deste trabalho. Entretanto, existe a prerrogativa, por parte de
alguns autores, de estabelecerem uma acíclicidade e uma certa fartura de recursos
faunísticos e florísticos de maneira generalizada nos cerrados. A uniformidade na
distribuição dos recursos que estes autores transmitem não ocorre na realidade. Os recursos
do bioma do cerrado são altamente concentrados. A estrutura do bioma do cerrado mostra
uma área complexa com zonas de diferentes densidades de recursos.
Os dados levantados neste trabalho indicam que na àrea trabalhada existem 4
unidades ambientais com diferentes quantidades e qualidades de recursos naturais (Gráfico
12). A floresta sempre-verde (unidade de paisagem 2) possui a maior densidade em
181
recursos alimentares e de manufaturas. Entretanto, esta unidade de paisagem possui grande
deficiência em recursos líticos e hídricos. O cerrado típico (unidade de paisagem 1) é a
segunda unidade ambiental com potencial em recursos de subsistência. Os cerrados, ainda
possuem um potencial em recursos líticos e hídricos superior a unidade 2. As demais
unidades mostraram uma baixa incidência em recursos alimentares e regular densidade em
recursos líticos ( Tabela. 11 e Gráfico 12).
Recursos faunístico Recursos vegetais
22%
72%
2% 4%
Unidade 1
Unidade 2
Unidade 3
Unidade 4
29%
58%
7%6%
Unidade 1
Unidade 2
Unidade 3
Unidade 4
Recursos de manufatura Recursos líticos
25%
68%
7% 0%
Unidade1
Unidade 2
Unidade 3
Unidade 4
58%
0%
21%
21%
Unidade 1
Unidade 2
Unidade 3
Unidade 4
182
GRÁFICO 12- Frequência dos recursos disponíveis nas unidade de paisagens pesquisadas
UNIDADE DE PAISAGEM MATERIAL LÍTICO Sílex
Quartzo Quartzito Arenito Siltito Unidade de paisagem 1 Argilito Micaxisto Gnaisses Jaspilito Anfibolito Dolomito Drusas Opalas Unidade de paisagem 2 Opalas Calcários Unidade de paisagem 3 Dolomito Sílex Chert Arenito Unidade de paisagem 4 Chert Quartzo Siltito
TABELA 11 - Minerais disponíveis por unidade de paisagem
183
A sincronia dos sítios localizados neste ambiente é de difícil afirmação. A
falta de sítios escavados e datações dificulta o estabelecimento de uma provável rede de
sítios. Entretanto, a análise do material arqueológico em superfície, sugere que a área foi
ocupada por grupos de caçadores-coletores e ceramistas. Os sítios Bauxi e Campo Belo
possuem características de sítio lítico de caçador-coletor. Já os sítios Abrigo do Córrego
Seco, Gruta do Saranhão e Rio Curupira possuem material cerâmico e instrumento lítico
polido que indicam a existência de grupos com práticas de horticultura. Estas culturas
ocuparam o mesmo espaço e indicam um "continuum" nos registros arqueológicos. Desse
modo, como sugere Lanata (1993), analisamos os registros arqueológico numa perspectiva
espacial e não pontual.
A região estudada apresenta 4 tipos distintos de ocupação do espaço. A
primeira inclui os sítios Campo Belo e Bauxi, definidos como "sítios líticos de superfície
localizados no limite entre as unidades de paisagem 1 e 2 ". Estes sítios possuem a maior
dimensão e o maior número de artefatos líticos encontrados na área. Eles situam-se entre as
duas áreas de maior concentração de recursos. Os recursos faunístico e vegetal, como já foi
referido anteriormente, são muito mais abundantes na unidade 2. Já os recursos líticos
possuem uma maior porcentagem na unidade 1. Os recursos hídricos, também, encontram-
se em maior quantidade na unidade 1. O caráter intermitente destas drenagens implica na
maior disponibilidade de água em um período, ou estação do ano. A unidade 2 possui
apenas uma drenagem com disponibilidade de água - o rio Curupira situado nos quadrantes
NE - SE da referida unidade. Isto tudo, implica numa localização estratégica do
assentamento, pois esta situação espacial permite que se faça uso dos recursos tanto do
cerrado como da floresta
Os sítios Pita e Pasto, definidos como "sítios líticos de superfície localizados
na unidades de paisagem 2 ", representam os menores sítios, tanto em dimensão como em
número de elementos da cultura material. Eles estão localizados sobre uma estrutura
184
geológica específica - bloco calcário soerguido por falhas - que proporciona um terreno
levemente mais elevado que o contexto, o que provavelmente impediu o soterramento
destes sítios. A posição no interior da unidade 2 sugere que a captação de recursos
alimentares ocorresse nessa unidade, que representa a maior concentração de recursos
vegetais e animais da área.
O grupo definido como "sítio de ceramistas incipientes localizados na
unidade de paisagens 2" inclui apenas o sítio Rio Curupira localizado no quadrante SE, as
margens do rio Curupira. A sua localização é inferida, já que este apresenta-se soterrado. A
sua posição geológica e geomorfológica é propícia para o soterramento. As condições que
favorecem uma localização estratégica para a captação de recursos vegetais e animais são as
mesmas do grupo anteriormente descrito. Destaca-se a disponibilidade hidrológica que é
oferecida pela área.
O quarto grupo - "sítios em cavernas e abrigos localizados na unidade de
paisagem 3" - envolvem os sítios da Gruta do Saranhão e Abrigo Córrego Seco. O sítio da
Gruta do Saranhão está no limite entre as unidades de paisagem 2 e 3, e provavelmente
estaria agindo diretamente com a unidade 2. A sua localização estratégica nas proximidades
do rio Curupira, em seu trecho de maior volume de água, proporcionaria não só a caça
como também a pesca. Entretanto, o outro sítio deste grupo - o Abrigo do Córrego Seco -
não proporciona a mesma facilidade de acesso aos recursos como nos demais sítios. A sua
localização dentro do canyon proporciona um microambiente fechado por dois altos
paredões rochosos e um estreito corredor de passagem, onde desenvolve-se uma estreita
faixa de floresta sempre-verde e um leito fluvial totalmente seco. A floresta sempre-verde
poderia fornecer os recursos alimentares, mas exigiria um dispêndio maior de tempo na
procura dos recursos, já que esta floresta ocupa uma área restrita. Outro ponto desfavorável
é a disponiblidade de água. Apesar de existir uma fonte de água a poucos metros do abrigo,
ela está em circunstâncias de difícil acesso, sendo que o seu manejo exigiria a
implementação de uma estratégia que dispenderia grandes esforços. Estes pontos sugerem
185
que o sítio Abrigo do Córrego Seco possuiria uma função especial dentro deste contexto
espacial dos assentamentos. A coleta de recursos específicos poderia justificar esta
localização, bem como a função de uma atividade social específica, como as religiosas ou
uma outra que não tivesse como atividade principal os aspectos econômicos, como a coleta
e a caça.
O padrão espacial da maioria dos sítios, com exceção do sítio Abrigo
Córrego Seco, está relacionado à unidade de paisagem 2. Isso poderia indicar que a unidade
2 representou, para os acampamentos, uma área de concentração de recursos. A falta de
recursos líticos e hídricos na porção leste da unidade 2 praticamente obriga os
assentamentos a se posicionarem nos limites desta unidade com outras que possuem estes
recursos. Os assentamentos no limite entre ambientes distintos proporcionam uma
localização estratégica, na área em estudo. A proximidade de dois ambientes com diferentes
densidades e qualidades de recursos resulta na possibilidade de aquisição de um maior
número de ítens de subsistência, bem como em sua complementação. Esta localização ainda
proporciona uma distância acessível entre as áreas de concentração, ou seja, estabelece a
menor trajetória de exploração para dois ambientes. Este modelo estaria compatível com o
terceiro modelo de concentração de recursos de Butzer (1982), o qual considera as áreas
com pequenas concentrações de recursos e os limites entre as unidades ambientais como
zonas em potencial para a ocupação.
A forte variabilidade temporal e espacial do ambiente estudado, e a baixa
densidade de cultura material, sugerem uma maior mobilidade dos acampamentos. Na
escala adotada, pode-se inferir uma mobilidade estabelecida através de uma trajetória
menor, envolvendo as variações de um espaço e tempo restritos. Entretanto, a mobilidade
em ambiente heterogêneo e sazonal pode envolver, também, uma variabilidade temporal e
espacial maior.
O modelo de assentamento estabelecido para a área considera a ciclicidade
anual na abundância de alimentos, como um forte fator no estabelecimento das estratégias
186
de exploração. A análise dos dados referente a frutificação permitiu estabelecer que o
cerrado (unidade 1) e a floresta sempre-verde (unidade 2) possuem dois períodos de
abundância dos recursos alimentares vegetais - um de novembro a janeiro e outro de julho a
agosto. O período de disponibilidade destes recursos vegetais comestíveis, tanto do cerrado
como da floresta sempre-verde são coincidentes, permitindo a exploração das duas áreas em
um mesmo período temporal. Os sítios Campo Belo e Bauxi, localizados entre as unidades
de paisagem 1 e 2, poderiam representar acampamentos sazonais nestes períodos de
abundância alimentar.
A ciclicidade anual, também, abrange o regime hidrológico, que nos meses
de abril a setembro diminuem o fluxo de águas nas drenagens intermitentes. Na área dos
sítios Bauxi e Campo Belo as drenagens existentes estão compostas por drenagens
intermitentes sazonais, que nos períodos de seca diminuem consideravelmente o seu
volume d'água. Deste modo, a maior disponibilidade de água no período de novembro a
janeiro poderia favorecer a ocupação destes sítios. Os levantamentos faunísticos também
atestam que neste período de chuvas existiria maior disponibilidade de animais de caça.
No período de escassez de alimentos, nos meses de fevereiro a junho, a
estratégia poderia ser a localização de um acampamento semi-permanente em local de
grande disponibilidade de água e de alta produtividade. Este local estaria representado pelo
sítio Rio Curupira, que situa-se em local de abundância de água e na proximidade de três
ambientes distintos. Esta área central estaria interligada a acampamentos de atividade
limitada. A ocorrência de matéria-prima de vários locais e a diversidade de artefatos
reforçam esta hipótese. Os acampamentos de atividade limitada, representados pelos sítios
Pasto, Pita e Gruta do Saranhão, teriam a função de coleta e caça. O Abrigo do Córrego
Seco, já referido acima, sugere uma função adversa às atividades econômicas (Fig.17).
O padrão de mobilidade justificado pela ciclicidade e heterogeneidade dos
recursos faunísticos e florísticos, não descarta as relações com as questões sócio-culturais,
como indica Zarur (1987), ao correlacionar a mobilidade com a organização social,
187
expressada através da hierarquização por linhas de gerações e etárias. Esta hierarquia
facilitaria a aquisição de proteína, através da caça e da pesca. Segundo o autor citado, a
organização em grupo e a alta mobilidade seriam pontos corroborativos para o
estabelecimento de comunidades guerreiras.
O modelo apresentado está compatível com grupos de alta mobilidade e
possuidores de uma cultura material predominantemente lítica. A existência de alguns
poucos instrumentos de ceramistas no sítio Rio Curupira poderia indicar a existência de
grupos de ceramistas incipiente.
O padrão com relação aos grupos ceramistas pré-coloniais deverá ser distinto
do apresentado acima. Os poucos registros de ceramistas não oferecem uma possibilidade
de relação entre sítios. Entretanto, consideramos que somente será passível de observação
quando abordarmos uma trajetória maior. Essa trajetória será visível em uma escala maior,
quando envolver os compartimentos geomorfológicos associados à Província Serrana
(Baixada Cuiabana e Baixada do Alto Paraguai). A análise ambiental demonstra que a
Província Serrana possui poucos locais para a agricultura. Os melhores solos da região para
agricultura estão nas áreas das margens dos rios. Entretanto, a área estudada possui
pequenas drenagens, que não possibilitam a formação de grande quantidade de solos
húmicos. A maior parte do terreno da Província Serrana caracteriza-se por ser íngreme e
pedrogoso, não servindo para a agricultura. Deste modo, concordamos com Hilbert (1994)
em relação ao uso específico da área por parte dos ceramistas. Entretanto, os sítios de
ceramistas com função de habitação provavelmente estariam situado à uma distância maior
que a escala adotada.
189
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