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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
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SISTEMA TERRITORIAL DE INOVAÇÃO: INDÍCIOS DA IMPORTÂNCIA DA DIMENSÃO ESPACIAL PARA OS PROCESSOS INOVATIVOS
SUNAMITA IRIS RODRIGUES BORGES DA COSTA1 ANA CRISTINA DE ALMEIDA FERNANDES2
Resumo: As significativas mudanças mobilizadas pelas transformações materiais e simbólicas dos modelos de produção e consumo viabilizadas pelo progresso científico-tecnológico construíram, para alguns, a perspectiva de superação plena dos entraves espaciais à realização das atividades econômicas, dando margem a ideias em defesa da “morte da Geografia”. Entretanto, a evolução da C,T&I como elementos de destaque dos processos capitalistas tornou-os integrantes da dinâmica de produção e reprodução social do espaço. O presente artigo reflete teoricamente sobre a importância da dimensão espacial no interior da economia do conhecimento. Para tanto, busca-se demonstrar a correlação entre as características das organizações espaciais e a composição dos respectivos sistemas territoriais de inovação enquanto fatores fundamentalmente articulados na construção, consolidação e aprofundamento de dissimetrias pela alocação espacialmente diferenciada de estruturas, recursos, competências e esforços aplicados no desenvolvimento de inovações.
Palavras-chave: Desenvolvimento Desigual e Combinado; Condição, Elemento e Resultado da
Desigualdade Socioespacial; Dimensão espacial do processo inovativo.
Abstract: The scientific-technological progress built the prospect of overcoming spatial barriers to the realization of economic activities, giving rise to ideas in defense of the "death of geography". However, the evolution of science, technology and innovation as prominent elements of capitalist processes became them members in the dynamics of social production and reproduction of space. This article reflects theoretically on the importance of the spatial dimension within the knowledge economy. To this end, it seeks to demonstrate the correlation between the characteristics of spatial organizations and the composition of the respective territorial systems of innovation as factors essentially articulated in the construction and consolidation of inequalities by allocating differential of structures, resources and effort invested in the development of innovative dynamics.
Key-words: Uneven and Combined Development; Condition, Element and Result of Socio-Spatial
Inequality; Spatial dimension of the innovation process.
1 - Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco.
E-mail de contato: [email protected] 2 Docente do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco.
E-mail de contato: [email protected]
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1 – Introdução
A humanidade experiência significativas mudanças mobilizadas pelas
transformações materiais e simbólicas dos modelos de produção e consumo viabilizadas
pelo progresso científico-tecnológico. Tal evolução construiu a perspectiva de superação
dos entraves espaciais à realização das atividades econômicas, dando margem a ideias
em defesa da “morte da Geografia”. Essa visão fúnebre desconsidera o papel da ciência
geográfica enquanto área parcelar do conhecimento vital à compreensão do
desenvolvimento dos processos econômicos, tomando para tanto duas perspectivas:
primeiro, a inexistência de vantagens locacionais que antes eram determinantes para a
distribuição da produção poderiam agora ser compensadas por uma adequação logística
ou pela sobreposição de características naturais através do uso de C,T&I; segundo, a
proximidade espacial não mais ocuparia o papel de destaque, como apontavam os
defensores das economias de aglomeração, importando antes a articulação e proximidade
institucional, organizacional, social e cultural ente os agentes capitalistas, dada ampliação
da mobilidade e das possibilidades de contato virtual pelos avanços dos meios de
transporte e comunicação (GERTLER, 1995; MARTIN, 1996; FELDMANN, 2009).
De acordo com Morgan (2001), a ideia da morte da Geografia superestima o que se
pode fazer virtualmente, supervalorizando a capacidade de difusão da informação em
longas distâncias. Nem todo conhecimento pode ser difundido, porque nem todo
conhecimento está ou pode ser codificado. Assim, a Ciência Geográfica apresenta atributos
fundamentais para a análise tais como: o caráter tácito e dependente dos processos de
aprendizagem, a troca de conhecimentos e inovação; a importância da inovação delimitada
em sistemas territoriais; o sistema político, que é simultaneamente causa e consequência
dos compromissos sociais; e as especificidades culturais, construtoras de importante
diversidade cognitiva entre os indivíduos e organizações.
Compreende-se aqui que a relevância do espaço não se anula pela evolução da
C,T&I como elementos de destaque dos processos capitalistas, antes estes passam a
figurar na dinâmica de produção e reprodução social do espaço. Conforme Santos (2008)
aponta, a construção do chamado meio técnico-científico-informacional incluiu ciência,
tecnologia e informação como elementos do território que definirão regiões hegemônicas e
hegemonizadas, de acordo com a densidade de sua concentração, tornando-as mais ou
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menos atrativas ao capital intensivo em C&T. Essas dissimetrias espaciais são
incorporadas às estratégias do capital, a fim de adquirir vantagens ante à concorrência e de
ampliar a taxa de acumulação.
O presente artigo tem o objetivo de refletir teoricamente sobre a importância dessa
dimensão através da correlação entre as características das organizações espaciais e a
composição dos respectivos sistemas territoriais de inovação. Para esse fim, estruturou-se
a reflexão em três momentos. No primeiro instante, trataremos da construção da
desigualdade na organização espacial como resultado histórico e dinâmico. Para tanto, fez-
se uma aproximação a partir da Lei do Desenvolvimento Desigual e Combinado. Em
seguida, abordaremos os Sistemas Territoriais de Inovação (STI), mostrando-os como
elemento e resultado da desigual organização espacial. Por fim, faz-se referência aos
componentes dos STIs que correlacionam-se à organização espacial e configuram
determinadas áreas como retardatárias frente a países e regiões onde os STIs maduros
possibilitam sua inserção de forma dinâmica no mercado global. A título de conclusão, são
mencionados cinco aspectos que consideramos indícios essenciais da relevância da
dimensão geográfica na compreensão dos processos econômicos pautados em inovação.
2 – Aproximações a partir da lei do desenvolvimento desigual e combinado
É através da produção socialmente organizada que o homem, modificando a
natureza primitiva, cria as estruturas espacialmente distribuídas que viabilizarão os processos
produtivos e reprodutivos da vida humana em sociedade. O conjunto dessas transformações
da natureza primitiva cristalizadas pela inserção de formas construídas através do trabalho
social é a organização espacial. Contudo, além de uma dimensão geral que leva em
consideração todo o escopo da segunda natureza fruto da intervenção humana, a
organização espacial diz respeito também a diferenciação das áreas e aos diversos modos
de apropriação social do espaço (CORRÊA, 2003; CARLOS, 2011).
De maneira geral o espaço não é utilizado de forma aleatória e desordenada. Cada
grupo define, segundo critérios elencados a partir da lógica social, áreas que servirão para
a produção (de bens, serviços, conhecimento), habitação, segurança, lazer, dentre outros.
Assim são criados conjuntos de pontos, linhas e áreas que compõem os setores da
organização espacial: produção; circulação; decisão e controle; consumo. Esses setores
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apresentam cristalizações, gerando formas espaciais específicas - a indústria, o campo, a
universidade, as vias de circulação (CORRÊA, 2003).
Embora esses setores estejam presentes em todas as organizações espaciais, as
atividades específicas que lhe concretizam e a forma (objetivos, valores) como essas
atividades são desempenhadas variam, especialmente se consideramos atividades típicas
de modelos de produção capitalista, semi-capitalista e pré-capitalista. Trata-se da
materialidade social e, como tal, ressalta a atuação de cada grupo que, em sua história,
define uma identidade espacial única, um ente socialmente construído que, ao mesmo
tempo em que é parte de uma totalidade, pertence a uma lógica específica de produção e
reprodução social (SANTOS, 1982; CARLOS, 2011).
Sob a perspectiva histórica, a organização espacial presente é expressão do
passado. Sob a perspectiva dinâmica, ela tanto indica um direcionamento futuro, quanto é
continuamente modificada pelas decisões e estratégias presentes (SANTOS, 1985;
CORREA 2003). Tais fluxos, histórico e dinâmico, servem-nos de ferramenta explicativa para
compreender as diferenças nas organizações espaciais, o que pode ser ilustrado apoiando-
se na Lei do desenvolvimento desigual e combinado, proposta por Leon Trotsky3. De acordo
com esse construto, a desigualdade está impressa na diferenciação de áreas e vinculada à
história do homem, cujo processo evolutivo se deu de formas heterogêneas, criando
particulares modos de vida registrados no espaço. O aspecto combinado está na
sobreposição de elementos e atividades embasadas em valores e práticas característicos de
diferentes momentos históricos que se interconectam na construção de organizações
específicas (TROTSKY, 1978).
A reunião dos fatores „desiguais‟ e „combinados‟ compõe diferenças nas organizações
espaciais. Tais diferença são enfatizadas pela expansão global do capitalismo que coloca em
concorrência nações centrais e periféricas do sistema, obrigando as últimas à acompanhar,
em décadas, o estágio evolutivo exógeno, construído durante séculos.
O desenvolvimento de uma nação historicamente atrasada conduz, necessariamente, a uma combinação original das diversas fases do processus histórico. A órbita descrita toma, em seu conjunto, um caráter irregular, complexo, combinado [...] A desigualdade do ritmo, que é a lei mais geral do processus histórico, evidencia-se com maior vigor e complexidade nos destinos dos países
3 No interior da obra revolucionária de Leon Trotsky, a ideia de desenvolvimento desigual e combinado, apontada como
uma das grandes contribuições ao pensamento marxista, aparece recorrentemente. Mas é no primeiro capítulo do livro A história da Revolução Russa, escrito originalmente em 1930, que o autor expõe os elementos centrais desta formulação teórica.
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atrasados. Sob o chicote das necessidades externas, a vida retardatária vê-se na contingência de avançar aos saltos. (TROTSKY, 1978, p. 25).
Hoje, os abismos e a dificuldade de evoluir aos saltos se ampliam pois a passagem
do modelo de acumulação fixa para o flexível tornou C,T&I elementos essenciais para a
expansão do sistema e para a apropriação das desigualdades socioespaciais. A dimensão
espacial ganha um novo caráter. Primeiro, fez surgir a concorrência desigual entre empresas
com estruturas de produção fixa e flexível. Empresas flexíveis fazem uso da disponibilidade
de informações mais precisas e análise instantânea, devido a evolução do sistema de
comunicação e transporte, além da capacidade de realizar coordenação centralizada,
descentralizando os interesses de acordo com as vantagens competitivas e comparativas
oferecidas espacialmente. Segundo, fez surgir uma concorrência diferenciada entre
organizações espaciais que comportam estruturas e relações capazes de impulsionar a
produção de C&T.
Tais elementos ganham destaque na atual criação e ampliação da desigualdade
socioespacial. Em busca da hegemonia, o capitalismo tanto apropria-se das especificidades
e heterogeneidades do espaço, imprimindo em menor escala geográfica um modo de
regulamentação que, associado a valores globais do sistema, possibilitem a maximização da
acumulação, quanto constrói e aprofunda desigualdades pela alocação diferenciada das
estruturas e recursos, criando novas centralidades e marginalidades pelas transformações
dos fluxos de capital no território (HARVEY, 2005; BRANDÃO, 2003).
3 Sistema territorial de inovação: elemento e resultado da desigualdade espacial
O Sistema Territorial de Inovação (STI) é uma construção, produto de uma ação
planejada e consciente ou de um somatório de ações desarticuladas, que impulsiona o
progresso tecnológico em economias capitalistas complexas, viabiliza o fluxo de informação
entre produtores de ciência e tecnologia e os setores da economia e proporciona o
arcabouço no qual governos formulam e implementam políticas para influenciar o processo
de inovação. Constitui-se por elementos e relações que interagem na produção, difusão e
uso de conhecimento novo e economicamente útil (METCALFE, 1995; ALBUQUERQUE,
1996; LUNDVALL, 1992).
De acordo com Edquist (2004), os componentes do SI pertencem a dois grupos de
fatores: Organizacionais e Institucionais. Os primeiros compõem-se dos atores (Estado,
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universidades e outros ICTs, setor produtivo, sistema financeiro, e suas respectivas
competências). O segundo pelo conjunto de valores, leis, regulamentos e normas de conduta
no qual os atores estão inseridos e ao qual as atividades de produção e consumo de bens,
serviços, conhecimento e inovação estão submetidas. Estes fatores orientam o
comportamento de indivíduos e organizações, gerando assim padrões culturais que tornam
os grupos mais ou menos propensos à inovação, favorecendo, dificultando e mesmo
definindo as interações entre os componentes do sistema, impulsionando ou inibindo o
processo inovativo. Tais valores são construídos social e culturalmente. Resultam de esforço
coletivo acumulado, logo, diferem espacialmente segundo a lógica particular de cada
sociedade, os objetivos e estratégias que norteiam sua organização espacial, tornando-a
profícua ou incipiente na construção de atores, estruturas e valores capazes de estimular a
dinâmica inovativa pela cooperação (STORPER, 1997).
É pela presença e concentração espacial de atores envolvidos, de forma coletiva e
interativa, na produção científico-tecnológica que se caracterizam os respectivos sistemas
de inovação como maduros, imaturos ou inexistentes. Segundo Suzigan e Albuquerque
(2011), nos países em desenvolvimento, onde os SNIs se mostram imaturos, as interação
entre empresas e universidades se apresentam na forma de pontos que articulam poucos
setores de atividade econômica a um reduzido número de áreas de conhecimento.
Nos países onde a produção e reprodução social da organização espacial
acompanhou historicamente a evolução do capitalismo, o desenvolvimento do sistema de
inovação construiu uma densa interação entre as esferas científico-tecnológicas, vitais para
a aplicação economicamente útil do conhecimento e para o estímulo a dinâmica inovativa,
o que define hoje a representatividade local, regional e nacional no contexto capitalista
global. A desigualdade espacial dos sistemas de inovação é, portanto, elemento e
resultado da organização espacial, o que pode ser enfatizada tomando como referência o
processo histórico de construção do imaturo SNI brasileiro.
Devido ao seu passado e a persistência de valores coloniais, à tardia
industrialização, pautada na importação tecnológica, à continuidade de uma base produtiva
tradicional, e ao retardo na estruturação do sistema financeiro e na construção de ICTs, o
Brasil está marcado pelo atraso na formação de competências em C,T&I, pouco articuladas
às necessidades produtivas, pelos restritos investimentos de capital público e privado em
pesquisa e desenvolvimento, e pela baixa demanda inovativa do setor produtivo nacional,
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caracterizado, em geral, por não apresentar setor de P&D interno e absorver um baixo
percentual da mão de obra de alta qualificação presente no país. Isso conferiu reduzido
grau de interação entre as esferas científica e tecnológica com vistas à inovação, o que é
fator de diferenciação do potencial inovativo espacializado (MOWERY; SAMPAT, 2005;
SUZIGAN; ALBUQUERQUE, 2008).
A heterogênea presença desse potencial inovativo espacializado, que está
articulado às características do sistema territorial de inovação, aparece nas diversas
escalas. Diferenças regionais no interior de um mesmo país irão conferir características
igualmente diversas ao sistema nacional de inovação que figurará regionalmente de
maneira mais ou menos dinâmica. Desse modo, as regiões cristalizam uma divisão
territorial do trabalho análoga a observada globalmente, reunindo no interior do mesmo país
o “mundo desenvolvido e o mundo subdesenvolvido”.
O avanço da divisão específica de trabalho pode ter um efeito mais abrangente. A introdução de novas tecnologias pode bem ser responsável [...] pela diferenciação do espaço nas escalas interurbanas, regionais ou mesmo internacional (SMITH, 1988, p. 163-164).
Como disse Carlos (2011, p. 17) “o ato de produzir [bens, serviços, conhecimento] é
o ato de produzir [e diferenciar] o espaço”. Desta forma, as especificidades das
organizações espaciais regionais resultam em localizados padrões de comunicação,
pesquisa, ensino, partilha de conhecimentos e inovação, fazendo com que, mesmo no
interior de países em desenvolvimento, com sistema de inovação imaturo, haja dissimetrias
entre regiões economicamente periféricas e dinâmicas, onde divergem os fatores
organizacionais e, principalmente, institucionais que compõem os respectivos sistemas
territoriais de inovação (FERNANDES et al., 2011).
4 - Uma alusão à dimensão espacial do processo inovativo.
Contrariamente ao que esperavam os defensores da morte da Geografia, o espaço
e sua representatividade não estão excluídos da dinâmica inovativa. No espaço estão os
recursos mobilizados e apropriados para maximizar a acumulação. A concentração
espacial de um arcabouço de competência de alta qualificação, a disponibilidade de
estrutura de pesquisa e investimentos para produção de C,T&I e a presença de uma
cultura de inovação que leve os atores que nela estão imersos a valorizar e destinar
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esforços para a construção de interações entre ICTs e o setor produtivo são elementos
importantes, ressaltando a dimensão geográfica do processo.
A geografia desempenha um papel fundamental no processo de inovação e aprendizagem, na medida em que as inovações na maioria das vezes são menos o resultado de empresas individuais e sim de um conjunto de recursos, conhecimentos e outros inputs e capacidades que estão localizados em lugares específicos. A reunião destes inputs como pesquisa e desenvolvimento das universidades e das empresas, aglomeração de empresas manufatureiras em setores afins, e network de provedores de serviços acaba por criar economias de escala, facilidades no compartilhamento de conhecimento, e fertilização cruzada de ideias promovendo interações face-to-face que acabam por permitir a verdadeira transferência de tecnologia (Feldmann 2009, p. 123-124).
A importância da dimensão espacial para a inovação é evidenciada nos estudos
que buscam justificativas para o atraso de determinados recortes frente à países e regiões
onde o sistema de inovação mostra-se maduro (FREEMAN; SOETE, 1997; ERBER, 2000;
FELDMANN, 2009; FERNANDES et al, 2011). Entre os fatores destacados como
determinantes para a condição periférica dessas regiões tem-se:
• Atraso na construção de uma base industrial de bens duráveis e intermediários de maior
complexidade tecnológica;
• Alto índice de importação tecnológica e reduzido esforço de produção e absorção destas
tecnologias, provocando limitada articulação entre atividades científicas e tecnológicas;
• Base econômica tradicional, configurada por reduzido grau de sofisticação tecnológica e
pela baixa intensidade dos esforços privados em P&D;
• A desproporção entre o peso econômico da região e os esforços feitos em C&T,
expressos pelos gastos com P&D ou pelo número de publicações científicas e patentes;
• As características do Estado que, em geral, alia uma política protecionista, reduzindo a
importância de esforços com vistas à inovação como estratégia concorrencial das
empresas, à falta de direcionamentos e objetivos de longo prazo para a C,T&I;
• O melhor desempenho em atividades científicas do que em atividades tecnológicas
devido a persistência de uma visão das universidades como produtoras de conhecimento
e formadoras de mão de obra, mas pouco ajustadas às necessidades do setor produtivo.
Nesse sentido, evidencia-se a articulação entre as características da organização
espacial e a composição do Sistemas de inovação ao se definir os elementos fundamentais
para que determinadas regiões se mostrem profícuas no desenvolvimento da dinâmica
inovativa, no que se destacam: a presença de empresas intensivas em tecnologia e de
Instituições Científico-Tecnológicas (ICTs) dedicadas a cooperação bilateral para a
produção, difusão, absorção e aplicação do conhecimento; a destinação de investimentos
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públicos e privados em P&D; a relevância da produção científica local e regional no país e
no mundo; a articulação entre a produção científico-tecnológica e as necessidades
setoriais; as construção de eficientes políticas públicas de C,T&I; a Cultura de inovação que
estimule a valorização e o esforço para a construir interações entre as ICTs e o setor
produtivo (ARUNDEL; GEUNA, 2001; GARCIA et al., 2011).
5 Considerações finais
Ao definir as atividades a serem desempenhadas aqui e ali, estabelece-se a divisão
do trabalho social e a alocação espacial dos recursos. Os critérios locacionais para o
desenvolvimento das atividades produtivas variam de acordo com a lógica e valores pelos
quais a sociedade organiza o espaço. Variam também no tempo, na medida em que o
conhecimento científico e sua aplicação tecnológica progridem.
Atualmente, embora o progresso econômico mostre-se cada vez mais direcionado
aos rumos do progresso tecnológico, integrar a dinâmica inovativa implica em uma estrutura
prévia, seja um arcabouço de infraestrutura operacional e de TICs, mais facilmente erigível,
seja um arcabouço de competências, que leva um tempo significativo para ser construído,
seja o arcabouço cultural, que não se modifica em curtos períodos e demanda a combinação
entre esforço coletivo e experiências históricas relevantes. A presença e concentração
espacial desses fatores é vital para o desenvolvimento das atividades baseadas em
conhecimento. Considerar a dimensão geográfica, a partir da diferenciação da distribuição
desses elementos é fundamental sob vários aspectos. Destacamos cinco:
Primeiro, com o progressivo avanço da importância da C,T&I como caminho para
manter espaço no mercado e adquirir vantagens competitivas, a demanda das empresas por
fontes externas de conhecimento se elevou significativamente. Entre essas fontes externas
aparecem com destaque as informações obtidas através de instituições públicas de
pesquisas (universidades, laboratórios e institutos tecnológicos). Essas fontes estão ligadas
espacialmente à um conjunto de instituições que definem sua proximidade cultural com o
setor produtivo, bem como as informações que disponibilizam são tanto mais relevantes
quanto mais dinâmico é o sistema territorial de inovação que integram (ARUNDEL; GEUNA,
2001; EDQUIST, 2004; GARCIA et al., 2011).
Segundo, a presença de uma densa base regional para a produção interativa de
C,T&I confere as empresas locais e regionais vantagens pela proximidade com centros de
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P&D relevantes para o setor. Isso porque, entre as formas de conhecimento, codificado,
embarcado, não-codificado e tácito, os dois últimos são mais relevantes para se adquirir
vantagem concorrencial pela inovação e, igualmente, são as formas de mais difícil
transmissão, exigindo contato próximo, em geral face-to-face, nem sempre formal, entre os
atores (COHEN et al., 2002; GARCIA et al., 2011)
Em terceiro, considerar essas diferenças espaciais tornou-se essencial para a
definição das estratégias de gestão empresarial, especialmente para organizações que
atuam em setores de ponta, onde se eleva a importância das fontes externas de
informação como elemento de competitividade no mercado global. Uma vez que tais
empresas mobilizam recursos significativos e podem superar a fricção espacial para obter o
conhecimento necessário onde quer que ele se encontre, a presença regional de centros
de pesquisa em áreas de conhecimento relevantes para setores intensivos em
conhecimento e/ou tecnologicamente avançados amplia sua atratividade na economia do
conhecimento (LUNDVALL, 1992; ARUNDEL; GEUNA, 2001; FERNANDES et al, 2011)
Em quarto, pela divisão do trabalho social e alocação espacial diferencia dos
recursos, criam-se e ampliam-se dissimetrias sociais e espaciais, condição e resultado
para/da dinâmica capitalista, ainda que baseada em conhecimento. Para aquelas regiões
retardatárias, a dificuldade de acompanhar a dinâmica inovativa observada nas regiões
centrais é progressivamente dificultada pela ampliação da velocidade do progresso em
C,T&I, criando o efeito que Albuquerque (2009) denomina de “Rainha vermelha”. Diante
disso há uma tendência a manutenção e ampliação das desigualdades na Learn Economy.
Finalmente, participar do mercado global no contexto da economia da
aprendizagem exige amadurecer os STIs em todas as escalas. O reconhecimento desse
imperativo é vital para o direcionamento dos esforços do Estado, a fim de promover e
estimular a dinâmica inovativa pela intensificação das interações de mútua cooperação
entre ICTs e empresas, destinando recursos para este fim, criando políticas públicas de
C,T&I e leis que regulem e impulsionem os esforços privados em P&D.
Já que C,T&I ganharam destaque nos processos econômicos, atuando como
agentes na construção e aprofundamento das dessimetrias, devem fazer parte das
estratégias para sobrepor os desafios que dizem respeito ao desenvolvimento de regiões
periféricas e á redução das desigualdades socioespaciais. Tal tarefa exige inserir na
organização espacial de regiões periféricas o conjunto de fatores fundamentais ao estimulo
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da dinâmica inovativa, tomando como caminho o desenvolvimento de especializações
regionais que lhe confiram destaque na concorrência espacial para a produção de C,T&I.
Cumprir de maneira eficiente com essas demandas é fundamental para adquirir o que
Trotsky (1978) chama de “Privilégio dos Retardatários” visto que, os atrasados em uma
determinada evolução histórica podem estar na vanguarda da transformação seguinte.
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