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A D IVERSIDADE DA G EOGRAFIA B RASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 6316 SISTEMA TERRITORIAL DE INOVAÇÃO: INDÍCIOS DA IMPORTÂNCIA DA DIMENSÃO ESPACIAL PARA OS PROCESSOS INOVATIVOS SUNAMITA IRIS RODRIGUES BORGES DA COSTA 1 ANA CRISTINA DE ALMEIDA FERNANDES 2 Resumo: As significativas mudanças mobilizadas pelas transformações materiais e simbólicas dos modelos de produção e consumo viabilizadas pelo progresso científico-tecnológico construíram, para alguns, a perspectiva de superação plena dos entraves espaciais à realização das atividades econômicas, dando margem a ideias em defesa da “morte da Geografia” . Entretanto, a evolução da C,T&I como elementos de destaque dos processos capitalistas tornou-os integrantes da dinâmica de produção e reprodução social do espaço. O presente artigo reflete teoricamente sobre a importância da dimensão espacial no interior da economia do conhecimento. Para tanto, busca-se demonstrar a correlação entre as características das organizações espaciais e a composição dos respectivos sistemas territoriais de inovação enquanto fatores fundamentalmente articulados na construção, consolidação e aprofundamento de dissimetrias pela alocação espacialmente diferenciada de estruturas, recursos, competências e esforços aplicados no desenvolvimento de inovações. Palavras-chave: Desenvolvimento Desigual e Combinado; Condição, Elemento e Resultado da Desigualdade Socioespacial; Dimensão espacial do processo inovativo. Abstract: The scientific-technological progress built the prospect of overcoming spatial barriers to the realization of economic activities, giving rise to ideas in defense of the "death of geography". However, the evolution of science, technology and innovation as prominent elements of capitalist processes became them members in the dynamics of social production and reproduction of space. This article reflects theoretically on the importance of the spatial dimension within the knowledge economy. To this end, it seeks to demonstrate the correlation between the characteristics of spatial organizations and the composition of the respective territorial systems of innovation as factors essentially articulated in the construction and consolidation of inequalities by allocating differential of structures, resources and effort invested in the development of innovative dynamics. Key-words: Uneven and Combined Development; Condition, Element and Result of Socio-Spatial Inequality; Spatial dimension of the innovation process. 1 - Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail de contato: [email protected] 2 Docente do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail de contato: [email protected]

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

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SISTEMA TERRITORIAL DE INOVAÇÃO: INDÍCIOS DA IMPORTÂNCIA DA DIMENSÃO ESPACIAL PARA OS PROCESSOS INOVATIVOS

SUNAMITA IRIS RODRIGUES BORGES DA COSTA1 ANA CRISTINA DE ALMEIDA FERNANDES2

Resumo: As significativas mudanças mobilizadas pelas transformações materiais e simbólicas dos modelos de produção e consumo viabilizadas pelo progresso científico-tecnológico construíram, para alguns, a perspectiva de superação plena dos entraves espaciais à realização das atividades econômicas, dando margem a ideias em defesa da “morte da Geografia”. Entretanto, a evolução da C,T&I como elementos de destaque dos processos capitalistas tornou-os integrantes da dinâmica de produção e reprodução social do espaço. O presente artigo reflete teoricamente sobre a importância da dimensão espacial no interior da economia do conhecimento. Para tanto, busca-se demonstrar a correlação entre as características das organizações espaciais e a composição dos respectivos sistemas territoriais de inovação enquanto fatores fundamentalmente articulados na construção, consolidação e aprofundamento de dissimetrias pela alocação espacialmente diferenciada de estruturas, recursos, competências e esforços aplicados no desenvolvimento de inovações.

Palavras-chave: Desenvolvimento Desigual e Combinado; Condição, Elemento e Resultado da

Desigualdade Socioespacial; Dimensão espacial do processo inovativo.

Abstract: The scientific-technological progress built the prospect of overcoming spatial barriers to the realization of economic activities, giving rise to ideas in defense of the "death of geography". However, the evolution of science, technology and innovation as prominent elements of capitalist processes became them members in the dynamics of social production and reproduction of space. This article reflects theoretically on the importance of the spatial dimension within the knowledge economy. To this end, it seeks to demonstrate the correlation between the characteristics of spatial organizations and the composition of the respective territorial systems of innovation as factors essentially articulated in the construction and consolidation of inequalities by allocating differential of structures, resources and effort invested in the development of innovative dynamics.

Key-words: Uneven and Combined Development; Condition, Element and Result of Socio-Spatial

Inequality; Spatial dimension of the innovation process.

1 - Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco.

E-mail de contato: [email protected] 2 Docente do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco.

E-mail de contato: [email protected]

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1 – Introdução

A humanidade experiência significativas mudanças mobilizadas pelas

transformações materiais e simbólicas dos modelos de produção e consumo viabilizadas

pelo progresso científico-tecnológico. Tal evolução construiu a perspectiva de superação

dos entraves espaciais à realização das atividades econômicas, dando margem a ideias

em defesa da “morte da Geografia”. Essa visão fúnebre desconsidera o papel da ciência

geográfica enquanto área parcelar do conhecimento vital à compreensão do

desenvolvimento dos processos econômicos, tomando para tanto duas perspectivas:

primeiro, a inexistência de vantagens locacionais que antes eram determinantes para a

distribuição da produção poderiam agora ser compensadas por uma adequação logística

ou pela sobreposição de características naturais através do uso de C,T&I; segundo, a

proximidade espacial não mais ocuparia o papel de destaque, como apontavam os

defensores das economias de aglomeração, importando antes a articulação e proximidade

institucional, organizacional, social e cultural ente os agentes capitalistas, dada ampliação

da mobilidade e das possibilidades de contato virtual pelos avanços dos meios de

transporte e comunicação (GERTLER, 1995; MARTIN, 1996; FELDMANN, 2009).

De acordo com Morgan (2001), a ideia da morte da Geografia superestima o que se

pode fazer virtualmente, supervalorizando a capacidade de difusão da informação em

longas distâncias. Nem todo conhecimento pode ser difundido, porque nem todo

conhecimento está ou pode ser codificado. Assim, a Ciência Geográfica apresenta atributos

fundamentais para a análise tais como: o caráter tácito e dependente dos processos de

aprendizagem, a troca de conhecimentos e inovação; a importância da inovação delimitada

em sistemas territoriais; o sistema político, que é simultaneamente causa e consequência

dos compromissos sociais; e as especificidades culturais, construtoras de importante

diversidade cognitiva entre os indivíduos e organizações.

Compreende-se aqui que a relevância do espaço não se anula pela evolução da

C,T&I como elementos de destaque dos processos capitalistas, antes estes passam a

figurar na dinâmica de produção e reprodução social do espaço. Conforme Santos (2008)

aponta, a construção do chamado meio técnico-científico-informacional incluiu ciência,

tecnologia e informação como elementos do território que definirão regiões hegemônicas e

hegemonizadas, de acordo com a densidade de sua concentração, tornando-as mais ou

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menos atrativas ao capital intensivo em C&T. Essas dissimetrias espaciais são

incorporadas às estratégias do capital, a fim de adquirir vantagens ante à concorrência e de

ampliar a taxa de acumulação.

O presente artigo tem o objetivo de refletir teoricamente sobre a importância dessa

dimensão através da correlação entre as características das organizações espaciais e a

composição dos respectivos sistemas territoriais de inovação. Para esse fim, estruturou-se

a reflexão em três momentos. No primeiro instante, trataremos da construção da

desigualdade na organização espacial como resultado histórico e dinâmico. Para tanto, fez-

se uma aproximação a partir da Lei do Desenvolvimento Desigual e Combinado. Em

seguida, abordaremos os Sistemas Territoriais de Inovação (STI), mostrando-os como

elemento e resultado da desigual organização espacial. Por fim, faz-se referência aos

componentes dos STIs que correlacionam-se à organização espacial e configuram

determinadas áreas como retardatárias frente a países e regiões onde os STIs maduros

possibilitam sua inserção de forma dinâmica no mercado global. A título de conclusão, são

mencionados cinco aspectos que consideramos indícios essenciais da relevância da

dimensão geográfica na compreensão dos processos econômicos pautados em inovação.

2 – Aproximações a partir da lei do desenvolvimento desigual e combinado

É através da produção socialmente organizada que o homem, modificando a

natureza primitiva, cria as estruturas espacialmente distribuídas que viabilizarão os processos

produtivos e reprodutivos da vida humana em sociedade. O conjunto dessas transformações

da natureza primitiva cristalizadas pela inserção de formas construídas através do trabalho

social é a organização espacial. Contudo, além de uma dimensão geral que leva em

consideração todo o escopo da segunda natureza fruto da intervenção humana, a

organização espacial diz respeito também a diferenciação das áreas e aos diversos modos

de apropriação social do espaço (CORRÊA, 2003; CARLOS, 2011).

De maneira geral o espaço não é utilizado de forma aleatória e desordenada. Cada

grupo define, segundo critérios elencados a partir da lógica social, áreas que servirão para

a produção (de bens, serviços, conhecimento), habitação, segurança, lazer, dentre outros.

Assim são criados conjuntos de pontos, linhas e áreas que compõem os setores da

organização espacial: produção; circulação; decisão e controle; consumo. Esses setores

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apresentam cristalizações, gerando formas espaciais específicas - a indústria, o campo, a

universidade, as vias de circulação (CORRÊA, 2003).

Embora esses setores estejam presentes em todas as organizações espaciais, as

atividades específicas que lhe concretizam e a forma (objetivos, valores) como essas

atividades são desempenhadas variam, especialmente se consideramos atividades típicas

de modelos de produção capitalista, semi-capitalista e pré-capitalista. Trata-se da

materialidade social e, como tal, ressalta a atuação de cada grupo que, em sua história,

define uma identidade espacial única, um ente socialmente construído que, ao mesmo

tempo em que é parte de uma totalidade, pertence a uma lógica específica de produção e

reprodução social (SANTOS, 1982; CARLOS, 2011).

Sob a perspectiva histórica, a organização espacial presente é expressão do

passado. Sob a perspectiva dinâmica, ela tanto indica um direcionamento futuro, quanto é

continuamente modificada pelas decisões e estratégias presentes (SANTOS, 1985;

CORREA 2003). Tais fluxos, histórico e dinâmico, servem-nos de ferramenta explicativa para

compreender as diferenças nas organizações espaciais, o que pode ser ilustrado apoiando-

se na Lei do desenvolvimento desigual e combinado, proposta por Leon Trotsky3. De acordo

com esse construto, a desigualdade está impressa na diferenciação de áreas e vinculada à

história do homem, cujo processo evolutivo se deu de formas heterogêneas, criando

particulares modos de vida registrados no espaço. O aspecto combinado está na

sobreposição de elementos e atividades embasadas em valores e práticas característicos de

diferentes momentos históricos que se interconectam na construção de organizações

específicas (TROTSKY, 1978).

A reunião dos fatores „desiguais‟ e „combinados‟ compõe diferenças nas organizações

espaciais. Tais diferença são enfatizadas pela expansão global do capitalismo que coloca em

concorrência nações centrais e periféricas do sistema, obrigando as últimas à acompanhar,

em décadas, o estágio evolutivo exógeno, construído durante séculos.

O desenvolvimento de uma nação historicamente atrasada conduz, necessariamente, a uma combinação original das diversas fases do processus histórico. A órbita descrita toma, em seu conjunto, um caráter irregular, complexo, combinado [...] A desigualdade do ritmo, que é a lei mais geral do processus histórico, evidencia-se com maior vigor e complexidade nos destinos dos países

3 No interior da obra revolucionária de Leon Trotsky, a ideia de desenvolvimento desigual e combinado, apontada como

uma das grandes contribuições ao pensamento marxista, aparece recorrentemente. Mas é no primeiro capítulo do livro A história da Revolução Russa, escrito originalmente em 1930, que o autor expõe os elementos centrais desta formulação teórica.

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atrasados. Sob o chicote das necessidades externas, a vida retardatária vê-se na contingência de avançar aos saltos. (TROTSKY, 1978, p. 25).

Hoje, os abismos e a dificuldade de evoluir aos saltos se ampliam pois a passagem

do modelo de acumulação fixa para o flexível tornou C,T&I elementos essenciais para a

expansão do sistema e para a apropriação das desigualdades socioespaciais. A dimensão

espacial ganha um novo caráter. Primeiro, fez surgir a concorrência desigual entre empresas

com estruturas de produção fixa e flexível. Empresas flexíveis fazem uso da disponibilidade

de informações mais precisas e análise instantânea, devido a evolução do sistema de

comunicação e transporte, além da capacidade de realizar coordenação centralizada,

descentralizando os interesses de acordo com as vantagens competitivas e comparativas

oferecidas espacialmente. Segundo, fez surgir uma concorrência diferenciada entre

organizações espaciais que comportam estruturas e relações capazes de impulsionar a

produção de C&T.

Tais elementos ganham destaque na atual criação e ampliação da desigualdade

socioespacial. Em busca da hegemonia, o capitalismo tanto apropria-se das especificidades

e heterogeneidades do espaço, imprimindo em menor escala geográfica um modo de

regulamentação que, associado a valores globais do sistema, possibilitem a maximização da

acumulação, quanto constrói e aprofunda desigualdades pela alocação diferenciada das

estruturas e recursos, criando novas centralidades e marginalidades pelas transformações

dos fluxos de capital no território (HARVEY, 2005; BRANDÃO, 2003).

3 Sistema territorial de inovação: elemento e resultado da desigualdade espacial

O Sistema Territorial de Inovação (STI) é uma construção, produto de uma ação

planejada e consciente ou de um somatório de ações desarticuladas, que impulsiona o

progresso tecnológico em economias capitalistas complexas, viabiliza o fluxo de informação

entre produtores de ciência e tecnologia e os setores da economia e proporciona o

arcabouço no qual governos formulam e implementam políticas para influenciar o processo

de inovação. Constitui-se por elementos e relações que interagem na produção, difusão e

uso de conhecimento novo e economicamente útil (METCALFE, 1995; ALBUQUERQUE,

1996; LUNDVALL, 1992).

De acordo com Edquist (2004), os componentes do SI pertencem a dois grupos de

fatores: Organizacionais e Institucionais. Os primeiros compõem-se dos atores (Estado,

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universidades e outros ICTs, setor produtivo, sistema financeiro, e suas respectivas

competências). O segundo pelo conjunto de valores, leis, regulamentos e normas de conduta

no qual os atores estão inseridos e ao qual as atividades de produção e consumo de bens,

serviços, conhecimento e inovação estão submetidas. Estes fatores orientam o

comportamento de indivíduos e organizações, gerando assim padrões culturais que tornam

os grupos mais ou menos propensos à inovação, favorecendo, dificultando e mesmo

definindo as interações entre os componentes do sistema, impulsionando ou inibindo o

processo inovativo. Tais valores são construídos social e culturalmente. Resultam de esforço

coletivo acumulado, logo, diferem espacialmente segundo a lógica particular de cada

sociedade, os objetivos e estratégias que norteiam sua organização espacial, tornando-a

profícua ou incipiente na construção de atores, estruturas e valores capazes de estimular a

dinâmica inovativa pela cooperação (STORPER, 1997).

É pela presença e concentração espacial de atores envolvidos, de forma coletiva e

interativa, na produção científico-tecnológica que se caracterizam os respectivos sistemas

de inovação como maduros, imaturos ou inexistentes. Segundo Suzigan e Albuquerque

(2011), nos países em desenvolvimento, onde os SNIs se mostram imaturos, as interação

entre empresas e universidades se apresentam na forma de pontos que articulam poucos

setores de atividade econômica a um reduzido número de áreas de conhecimento.

Nos países onde a produção e reprodução social da organização espacial

acompanhou historicamente a evolução do capitalismo, o desenvolvimento do sistema de

inovação construiu uma densa interação entre as esferas científico-tecnológicas, vitais para

a aplicação economicamente útil do conhecimento e para o estímulo a dinâmica inovativa,

o que define hoje a representatividade local, regional e nacional no contexto capitalista

global. A desigualdade espacial dos sistemas de inovação é, portanto, elemento e

resultado da organização espacial, o que pode ser enfatizada tomando como referência o

processo histórico de construção do imaturo SNI brasileiro.

Devido ao seu passado e a persistência de valores coloniais, à tardia

industrialização, pautada na importação tecnológica, à continuidade de uma base produtiva

tradicional, e ao retardo na estruturação do sistema financeiro e na construção de ICTs, o

Brasil está marcado pelo atraso na formação de competências em C,T&I, pouco articuladas

às necessidades produtivas, pelos restritos investimentos de capital público e privado em

pesquisa e desenvolvimento, e pela baixa demanda inovativa do setor produtivo nacional,

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caracterizado, em geral, por não apresentar setor de P&D interno e absorver um baixo

percentual da mão de obra de alta qualificação presente no país. Isso conferiu reduzido

grau de interação entre as esferas científica e tecnológica com vistas à inovação, o que é

fator de diferenciação do potencial inovativo espacializado (MOWERY; SAMPAT, 2005;

SUZIGAN; ALBUQUERQUE, 2008).

A heterogênea presença desse potencial inovativo espacializado, que está

articulado às características do sistema territorial de inovação, aparece nas diversas

escalas. Diferenças regionais no interior de um mesmo país irão conferir características

igualmente diversas ao sistema nacional de inovação que figurará regionalmente de

maneira mais ou menos dinâmica. Desse modo, as regiões cristalizam uma divisão

territorial do trabalho análoga a observada globalmente, reunindo no interior do mesmo país

o “mundo desenvolvido e o mundo subdesenvolvido”.

O avanço da divisão específica de trabalho pode ter um efeito mais abrangente. A introdução de novas tecnologias pode bem ser responsável [...] pela diferenciação do espaço nas escalas interurbanas, regionais ou mesmo internacional (SMITH, 1988, p. 163-164).

Como disse Carlos (2011, p. 17) “o ato de produzir [bens, serviços, conhecimento] é

o ato de produzir [e diferenciar] o espaço”. Desta forma, as especificidades das

organizações espaciais regionais resultam em localizados padrões de comunicação,

pesquisa, ensino, partilha de conhecimentos e inovação, fazendo com que, mesmo no

interior de países em desenvolvimento, com sistema de inovação imaturo, haja dissimetrias

entre regiões economicamente periféricas e dinâmicas, onde divergem os fatores

organizacionais e, principalmente, institucionais que compõem os respectivos sistemas

territoriais de inovação (FERNANDES et al., 2011).

4 - Uma alusão à dimensão espacial do processo inovativo.

Contrariamente ao que esperavam os defensores da morte da Geografia, o espaço

e sua representatividade não estão excluídos da dinâmica inovativa. No espaço estão os

recursos mobilizados e apropriados para maximizar a acumulação. A concentração

espacial de um arcabouço de competência de alta qualificação, a disponibilidade de

estrutura de pesquisa e investimentos para produção de C,T&I e a presença de uma

cultura de inovação que leve os atores que nela estão imersos a valorizar e destinar

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esforços para a construção de interações entre ICTs e o setor produtivo são elementos

importantes, ressaltando a dimensão geográfica do processo.

A geografia desempenha um papel fundamental no processo de inovação e aprendizagem, na medida em que as inovações na maioria das vezes são menos o resultado de empresas individuais e sim de um conjunto de recursos, conhecimentos e outros inputs e capacidades que estão localizados em lugares específicos. A reunião destes inputs como pesquisa e desenvolvimento das universidades e das empresas, aglomeração de empresas manufatureiras em setores afins, e network de provedores de serviços acaba por criar economias de escala, facilidades no compartilhamento de conhecimento, e fertilização cruzada de ideias promovendo interações face-to-face que acabam por permitir a verdadeira transferência de tecnologia (Feldmann 2009, p. 123-124).

A importância da dimensão espacial para a inovação é evidenciada nos estudos

que buscam justificativas para o atraso de determinados recortes frente à países e regiões

onde o sistema de inovação mostra-se maduro (FREEMAN; SOETE, 1997; ERBER, 2000;

FELDMANN, 2009; FERNANDES et al, 2011). Entre os fatores destacados como

determinantes para a condição periférica dessas regiões tem-se:

• Atraso na construção de uma base industrial de bens duráveis e intermediários de maior

complexidade tecnológica;

• Alto índice de importação tecnológica e reduzido esforço de produção e absorção destas

tecnologias, provocando limitada articulação entre atividades científicas e tecnológicas;

• Base econômica tradicional, configurada por reduzido grau de sofisticação tecnológica e

pela baixa intensidade dos esforços privados em P&D;

• A desproporção entre o peso econômico da região e os esforços feitos em C&T,

expressos pelos gastos com P&D ou pelo número de publicações científicas e patentes;

• As características do Estado que, em geral, alia uma política protecionista, reduzindo a

importância de esforços com vistas à inovação como estratégia concorrencial das

empresas, à falta de direcionamentos e objetivos de longo prazo para a C,T&I;

• O melhor desempenho em atividades científicas do que em atividades tecnológicas

devido a persistência de uma visão das universidades como produtoras de conhecimento

e formadoras de mão de obra, mas pouco ajustadas às necessidades do setor produtivo.

Nesse sentido, evidencia-se a articulação entre as características da organização

espacial e a composição do Sistemas de inovação ao se definir os elementos fundamentais

para que determinadas regiões se mostrem profícuas no desenvolvimento da dinâmica

inovativa, no que se destacam: a presença de empresas intensivas em tecnologia e de

Instituições Científico-Tecnológicas (ICTs) dedicadas a cooperação bilateral para a

produção, difusão, absorção e aplicação do conhecimento; a destinação de investimentos

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públicos e privados em P&D; a relevância da produção científica local e regional no país e

no mundo; a articulação entre a produção científico-tecnológica e as necessidades

setoriais; as construção de eficientes políticas públicas de C,T&I; a Cultura de inovação que

estimule a valorização e o esforço para a construir interações entre as ICTs e o setor

produtivo (ARUNDEL; GEUNA, 2001; GARCIA et al., 2011).

5 Considerações finais

Ao definir as atividades a serem desempenhadas aqui e ali, estabelece-se a divisão

do trabalho social e a alocação espacial dos recursos. Os critérios locacionais para o

desenvolvimento das atividades produtivas variam de acordo com a lógica e valores pelos

quais a sociedade organiza o espaço. Variam também no tempo, na medida em que o

conhecimento científico e sua aplicação tecnológica progridem.

Atualmente, embora o progresso econômico mostre-se cada vez mais direcionado

aos rumos do progresso tecnológico, integrar a dinâmica inovativa implica em uma estrutura

prévia, seja um arcabouço de infraestrutura operacional e de TICs, mais facilmente erigível,

seja um arcabouço de competências, que leva um tempo significativo para ser construído,

seja o arcabouço cultural, que não se modifica em curtos períodos e demanda a combinação

entre esforço coletivo e experiências históricas relevantes. A presença e concentração

espacial desses fatores é vital para o desenvolvimento das atividades baseadas em

conhecimento. Considerar a dimensão geográfica, a partir da diferenciação da distribuição

desses elementos é fundamental sob vários aspectos. Destacamos cinco:

Primeiro, com o progressivo avanço da importância da C,T&I como caminho para

manter espaço no mercado e adquirir vantagens competitivas, a demanda das empresas por

fontes externas de conhecimento se elevou significativamente. Entre essas fontes externas

aparecem com destaque as informações obtidas através de instituições públicas de

pesquisas (universidades, laboratórios e institutos tecnológicos). Essas fontes estão ligadas

espacialmente à um conjunto de instituições que definem sua proximidade cultural com o

setor produtivo, bem como as informações que disponibilizam são tanto mais relevantes

quanto mais dinâmico é o sistema territorial de inovação que integram (ARUNDEL; GEUNA,

2001; EDQUIST, 2004; GARCIA et al., 2011).

Segundo, a presença de uma densa base regional para a produção interativa de

C,T&I confere as empresas locais e regionais vantagens pela proximidade com centros de

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P&D relevantes para o setor. Isso porque, entre as formas de conhecimento, codificado,

embarcado, não-codificado e tácito, os dois últimos são mais relevantes para se adquirir

vantagem concorrencial pela inovação e, igualmente, são as formas de mais difícil

transmissão, exigindo contato próximo, em geral face-to-face, nem sempre formal, entre os

atores (COHEN et al., 2002; GARCIA et al., 2011)

Em terceiro, considerar essas diferenças espaciais tornou-se essencial para a

definição das estratégias de gestão empresarial, especialmente para organizações que

atuam em setores de ponta, onde se eleva a importância das fontes externas de

informação como elemento de competitividade no mercado global. Uma vez que tais

empresas mobilizam recursos significativos e podem superar a fricção espacial para obter o

conhecimento necessário onde quer que ele se encontre, a presença regional de centros

de pesquisa em áreas de conhecimento relevantes para setores intensivos em

conhecimento e/ou tecnologicamente avançados amplia sua atratividade na economia do

conhecimento (LUNDVALL, 1992; ARUNDEL; GEUNA, 2001; FERNANDES et al, 2011)

Em quarto, pela divisão do trabalho social e alocação espacial diferencia dos

recursos, criam-se e ampliam-se dissimetrias sociais e espaciais, condição e resultado

para/da dinâmica capitalista, ainda que baseada em conhecimento. Para aquelas regiões

retardatárias, a dificuldade de acompanhar a dinâmica inovativa observada nas regiões

centrais é progressivamente dificultada pela ampliação da velocidade do progresso em

C,T&I, criando o efeito que Albuquerque (2009) denomina de “Rainha vermelha”. Diante

disso há uma tendência a manutenção e ampliação das desigualdades na Learn Economy.

Finalmente, participar do mercado global no contexto da economia da

aprendizagem exige amadurecer os STIs em todas as escalas. O reconhecimento desse

imperativo é vital para o direcionamento dos esforços do Estado, a fim de promover e

estimular a dinâmica inovativa pela intensificação das interações de mútua cooperação

entre ICTs e empresas, destinando recursos para este fim, criando políticas públicas de

C,T&I e leis que regulem e impulsionem os esforços privados em P&D.

Já que C,T&I ganharam destaque nos processos econômicos, atuando como

agentes na construção e aprofundamento das dessimetrias, devem fazer parte das

estratégias para sobrepor os desafios que dizem respeito ao desenvolvimento de regiões

periféricas e á redução das desigualdades socioespaciais. Tal tarefa exige inserir na

organização espacial de regiões periféricas o conjunto de fatores fundamentais ao estimulo

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da dinâmica inovativa, tomando como caminho o desenvolvimento de especializações

regionais que lhe confiram destaque na concorrência espacial para a produção de C,T&I.

Cumprir de maneira eficiente com essas demandas é fundamental para adquirir o que

Trotsky (1978) chama de “Privilégio dos Retardatários” visto que, os atrasados em uma

determinada evolução histórica podem estar na vanguarda da transformação seguinte.

Referências

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