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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE RONDONÓPOLIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU “SOCIEDADE, POLÍTICA E
CIDADANIA – OLHARES TRANSDISCIPLINARES”
SIRLENE MARIA DE JESUS
TRABALHANDO A IDENTIDADE ÉTNICO-RACIAL NO ENSINO
FUNDAMENTAL
Rondonópolis, MT
2018
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SIRLENE MARIA DE JESUS
TRABALHANDO A IDENTIDADE ÉTNICO-RACIAL NO ENSINO
FUNDAMENTAL
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Departamento de História, Instituto de Ciências
Humanas e Sociais da Universidade Federal de
Mato Grosso, Câmpus de Universitário de
Rondonópolis, como requisito parcial para a
obtenção do título de especialista em Sociedade,
Política e Cidadania: Olhares Transdisciplinares.
Orientadora: Profa. Dra. Carmem Lúcia Sussel
Mariano
Rondonópolis, MT
2018
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TRABALHANDO A IDENTIDADE ÉTNICO-RACIAL NO ENSINO
FUNDAMENTAL
Sirlene Maria de Jesus
Resumo:
Este artigo tem como objetivo apresentar reflexões construídas a partir de um projeto de
intervenção desenvolvido em uma escola pública do município de Rondonópolis-MT, com o
objetivo de pensar questões relacionadas ao tema das relações étnico-raciais na infância, por
meio de atividades com vídeos, literatura, imagens e desenhos, com alunos do 2º ano do Ensino
Fundamental através de uma sequência didática. As representações construídas pelos alunos
apontam para a permanência do racismo nesta faixa etária, seja pelo ambiente familiar, pelos
filmes, desenhos, enfim, as diversas manifestações culturais e instituições que se fazem
presentes na vida desses alunos. Nesse aspecto, reiteramos a necessidade de discussões nas
escolas de Ensino Fundamental que potencializem a construção da identidade racial dos alunos
negros como algo positivo.
Palavras-Chave: identidade racial; relações étnico-raciais; racismo e infância.
1. Introdução
A memória é um dos dispositivos mais importante da vida. Ainda me recordo com muita
precisão da minha infância pobre, a começar pelo momento em que perdi minha mãe aos 6 anos
de idade. Éramos em 4 irmãos, sendo duas meninas e dois meninos. Ficamos órfãos. Por conta
da dificuldade econômica, meu pai achou conveniente nos doar para que tivéssemos uma
criação melhor. A família branca e de posses que me acolheu, me escolheu pela cor por eu ser
um pouco mais clara que a minha irmã. Como era muito típico daquele momento, as famílias
ricas “adotavam” as meninas pobres para trabalhar em troca de estudos, moradia e alimentação.
Na infância cresci ouvindo as pessoas, inclusive a minha mãe de criação, afirmando que
tudo que era preto era ruim, por exemplo, o gato preto como símbolo do azar, a lagartixa preta
como pertencente ao diabo e assim por diante. Então eu ficava pensando que enquanto criança
negra também era ruim por começar a reproduzir a lógica do mundo adulto de uma forma
negativa à minha pele negra.
Viver sempre foi um desafio que se fez presente em nossas vidas, muitas vezes, nos
levando a sobreviver. Recordo-me, com muita exatidão, dos brinquedos que tínhamos e dos que
nunca poderíamos ter. As bonecas, os brinquedos socialmente pensados e construídos para as
meninas, eram brancas, loiras, com roupas coloridas, tudo o que não tinha relação nenhuma
com a minha infância negra, pobre, com cabelos crespos. Bonecas que tinham o adjetivo de
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princesas, mas todas brancas, incompatíveis com a infância das crianças negras que, como eu,
brincavam uma vez e outra com elas.
A minha mãe de criação tinha suas netas loiras, eu as achava lindas, queria ser como
elas, sonhava, muitas vezes, que tinha poderes e me transformava em uma menina loira dos
olhos azuis, cabelos lisos e branca. Na escola que estudava na época, a maioria das crianças
eram brancas, por isso, recordo-me ter ouvido dos meninos: “lá vem a negra do cabelo duro”
(na época tinha uma música do Luiz Caldas “olha a nega do cabelo duro”), então, os meninos
quando eu passava cantava o refrão da música: “olha a nega do cabelo duro que não gosta de
pentear, quando passa na boca do tubo o negão começa a gritar...”.
Então, na época não havia motivação para me aceitar como criança negra, pois, nas
histórias e nas instituições onde vivi, e, principalmente, nos contos de fadas que lia só havia
princesas loiras e príncipes brancos; na televisão, os programas infantis mostravam personagens
brancos com atuação central e os negros nos trabalhos laborais. E os brinquedos? Bonecas
brancas, a famosa Barbie, não me identificava com esses personagens. Sendo assim,
acreditamos que as crianças da minha época também não se reconheciam nesses brinquedos
produzidos pela indústria, o que impossibilitava a aceitação do ser menino/menina negra/negro.
Como a própria História da África também sempre fora excluída do currículo da Educação
Básica e da Educação superior, descobri, há pouco tempo, que na África também tiveram
príncipes e princesas, que tal ideia não era exclusividade dos europeus.
Diante de todos esses impasses que ocorrem nesse universo infantil, elaborei na escola
em que atuo como docente, um projeto a curto prazo dentro de um projeto maior da escola que
se chama “criança feliz” onde foram abordados os direitos das crianças, inclusive o direito de
toda criança de ser feliz, independentemente de cor, raça, religião ou nacionalidade. O objetivo
foi sensibilizar as crianças envolvidas sobre a importância dos valores que cada um tem perante
a sociedade, incentivando o conhecimento da cultura afro nas escolas deixando claro que temos
características oriundas da nossa família, assim como os personagens das histórias que ouvimos
e lemos quando somos crianças. Sendo assim, somos diferentes, o que nos torna especial tanto
para nossa família como para aqueles que nos rodeiam.
O relato acima serve para mencionar a importância desta experiência de intervenção e
destacar que ainda carecemos de produção de conhecimento com alunos/alunas nas séries
iniciais sobre o racismo, bem como a importância reconhecer-se positivamente como negros e
negras. A questão é: como esses/essas alunos/alunas reconhecer-se-ão negros em uma
sociedade que valoriza a cultura branca, ou ainda, o modelo de ser homem/mulher que a Europa
produziu historicamente para o mundo? Certamente, precisamos de uma mudança (que, ao meu
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ver, algumas já vem acontecendo, mas é preciso que a intensifiquemos, sobretudo no processo
de reconhecimento e identificação com a cultura negra) na cultura disseminada no mundo
Ocidental. Precisamos construir representações positivas de homens, mulheres e crianças
negras para que os cidadãos negros possam se sentir representados positivamente a ponto de
que cada vez mais se reconheçam como pertencente a este grupo étnico.
Nesse sentido, no Brasil foi aprovada a Lei 10.639/03, que tem como finalidade a
obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira dentro das disciplinas que
compõem o currículo da Educação Básica. Assim, a lei preza pelo respeito às diversidades
étnico-raciais que compõem o Brasil e traz para a discussão a necessidade da construção de um
país democrático e antirracista.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo
da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra
brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do
povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil
(BRASIL, LEI 10.639/03).
Essa lei tornou obrigatória nas escolas públicas e particulares o ensino da História da
África e dos Africanos, da luta dos negros, da cultura, bem como a formação da sociedade
nacional através da participação dos negros. Reconhecer que historicamente o Brasil foi
construído através do derramamento do sangue da população negra é uma forma de considerá-
los sujeitos ativos do processo de construção do nosso país, bem como valorizá-los como
produtores de culturas. Assim, o Brasil deu um importante passo que possibilita a nós,
professores e professoras, a desconstrução de preconceitos e estereótipos ligados aos
negros/negras.
Mas, ainda hoje, presenciamos cenas e casos que ganham a mídia por conta do racismo,
isto é, preconceito e discriminação racial em lugares diversos. Diante desse aspecto, a reflexão
que apresentamos neste texto tem como objetivo central apresentar a forma como uma estudante
se auto representou antes e após uma sequência didática que abriu possibilidades de
desconstrução dos preconceitos raciais relacionados à sua etnia, ou seja, após atividades de
valorização da cultura e do ser negro/negra em nosso país.
Esperamos que o relato de intervenção possibilite outras intervenções, sobretudo, na
Educação de crianças por ser uma das etapas do processo da escolarização básica em que as
crianças constroem modelos de homens, mulheres, de raças, entre outros aspectos.
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2. Referencial teórico
Muitos podem pensar que o racismo foi constituído há poucos séculos em nossa
história, mas em diálogo com o estudioso da história do negro no Brasil, Flávio Nascimento
(2010), compreendemos que “o negro não foi inventado socialmente e de forma negativa pelo
Iluminismo europeu e assim consolidado, enquanto conceito, pelo racismo científico durante
os séculos XIX e XX” (NASCIMENTO, 2010, p. 43). O negro foi inventado socialmente e
negativamente pelos europeus, especificamente, os europeus brancos e cristãos racistas no
século VIII. Tal imaginário que construiu uma imagem negativa dos negros repercute, ainda
hoje, nos discursos dos homens, mulheres e crianças e também nas mídias contemporâneas.
Ainda questionando a base do racismo anterior ao Iluminismo (século das luzes),
Nascimento (2010), demonstra que suas origens, de fato, estão fincadas no século VIII sob
responsabilidade dos europeus brancos e cristãos. Com relação ao racismo que inaugurado no
Brasil do século XVI, o autor menciona que “o racismo que se pôs no Brasil, portanto, na forma
de escravismo do negro, recebia justificativa prévia através das maldições bíblicas de “Caim e
de Cã” e desdobraram-se em novas formulações racistas [...]” (NASCIMENTO, 2010, p. 43).
Portanto, o negro foi inventado como ser social negativo, primeiramente, pelo branco europeu
e cristão no século VIII e, depois, pelo Iluminismo francês do século XVIII.
Ao apontar “A Maldição de Cã”, presente no livro de Gênesis, na Bíblia Sagrada, de
acordo com Nascimento (2010), “prenunciou-se a noção de uma raça malévola pela cor negra,
de maneira transparente e irrefutável. Uma raça de negros feios, sujos, mais e portadores de um
destino cruel: a escravidão” (NASCIMENTO, 2010, p. 53). Quando pensamos nos adjetivos
pejorativos que se relaciona aos negros a partir do racismo que estrutura a sociedade brasileira,
perceberemos que os mesmos aparecem também articulados à ideia de feios, sujos, maus,
principalmente se pensarmos nas questões relacionadas ao imaginário das crianças com relação
às bonecas/bonecos negras/negros, como, por exemplo, o que é abordado no doll test1 – efeitos
do racismo em crianças. Para as crianças que participaram no doll test, as bonecas negras
sempre eram as más, feias, sujas, as que não se permitiam construir uma imagem positiva sobre
elas.
Outro aspecto relevante apontado pelo autor é a discussão sobre branqueamento,
branquice, branquitude e brancura, como formas de racismos disseminadas, porém pouco
percebidos pela população (NASCIMENTO, 2010). O autor menciona a existência de um pacto
1 https://www.youtube.com/watch?v=CdoqqmNB9JE
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sub-reptício firmado ente brancos e negros para não se debater abertamente questões
relacionadas ao racismo e à discriminação dos negros no Brasil. De acordo com Nascimento
(2010), “há um enorme acordo tácito em não se discutir o racismo e nem as vantagens que o
branco obtém por ser branco, enquanto as desvantagens do negro, são atribuídas, via de regra,
à responsabilidade do próprio negro” (NASCIMENTO, 2010, p. 61). Sendo assim, os brancos
têm maiores privilégios em nossa sociedade que possui o racismo estrutural, porém, precisamos
demarcar que ainda que ser branco represente um gama maior de privilégios, existem outros
fatores sociais que incidem sobre esse corpo branco, como, por exemplo, ser pobre, ser
homossexual, ser travesti, ser transexual, esses fatores sociais colocam esses brancos em
posições marginalizadas, ainda que o fator racial branco indique algum privilégio.
Branquice/branquitude são aspectos do Racismo que não podem ser considerados fora
do contexto; é um desdobramento e encadeamento do Branqueamento, e que não raras
vezes conduz ao abandono das tensões e conflitos raciais, sem no entanto, superá-los,
e muitas vezes, nesses casos elege a vítima como culpada (NASCIMENTO, 2010, p.
61).
O fenômeno do branqueamento está muito presente na sociedade brasileira de formas
diversas: necessidade de alisar o cabelo por ser o cabelo liso bom; nariz afilado, lábios finos,
pele clara. Dessa forma, o fenótipo de negro vai se desfazendo, ou ainda, sendo negado e
silenciado do corpo, não é deixado em evidência como forma de negação da identidade étnica
do povo negro. Segundo Domingues (2002, p. 578), “o alisamento significaria a felicidade do
negro, a realização de seu sonho mais profundo; seria a porta de entrada ao mundo moderno de
pessoas elegantes. Daí a adjetivação contundente da invenção: "maravilhosa!..."”. Assim, a
correção dos cabelos crespos o colocaria dentro do mundo moderno até porque o cabelo crespo
só poderia representar o que era feio, sujo e o não moderno. Tal ideia ainda continua sendo
difundida em nossa cultura, as crianças negras desde cedo, por falta de representações
positivadoras das mulheres negras e homens negros, constroem o desejo de se assemelhar cada
vez mais às crianças brancas.
Nesse contexto, a instituição escola assume um papel fundamental nesse processo de
educar as crianças para compreensão das relações étnico-raciais no espaço escolar para que elas
possam se enxergar como crianças negras sem restrições. A escola deve ofertar uma formação
na qual as crianças sejam capazes de construir uma relação positiva com a raça negra, de forma
que elas mesmas possam de identificar e assumir a identidade étnica. Diante disso, Coqueiro
(2014), argumenta que
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Diante deste contexto, pensar a questão racial no ambiente escolar é importante por
diversas razões, porém, destacamos duas delas: O tema não é considerado relevante,
por isso, na filosofia da escola não existe nenhuma menção sobre a diversidade étnica
e racial e a falta de preparo dos professores para lidar com a questão, o que indica a
ausência de aportes pedagógicos que possibilitem um processo de ensino e
aprendizagem comprometido com o combate das ideologias que até então
preservaram o racismo na cultura brasileira (COQUEIRO, 2014, p. 02).
O desafio de construir uma educação que desafie a pensar o racismo na sociedade
brasileira esbarra em questões diversas e, de acordo com Coqueiro (2014), podemos destacar
duas: a não relevância do tema, já que alguns docentes acreditam o racismo não é passível de
acometer seus alunos e a própria formação dos professores que acaba sendo limitada, o que não
possibilita uma discussão democrática, uma vez que os professores que não possuem
conhecimento falam sobre o assunto acabam reproduzindo discursos conservadores e elitistas
sobre a condição do negro no Brasil, o que, certamente, coincidirá com um discurso da
meritocracia. Assim, o racismo acaba permanecendo impregnado na estrutura da sociedade
brasileira, quanto mais os professores e as escolas se silenciam sobre a temática, mais
discriminação continuará sendo disseminada.
Os conhecimentos e estudos realizados na área demonstram as principais dificuldades
na realização do planejamento da diversidade étnico racial referem-se à existência do
mito da democracia cultural, à insuficiente formação acadêmica docente e, mais, à
indiferença por parte dos gestores e das políticas educacionais, em abordar o assunto
em debate, ou de abordá-lo de maneira displicente (VENTURINI, 2014, p. 10).
Tanto Coqueiro (2014) como Venturini (2014) ressaltam a ausência de formação
acadêmica docente para pensar as questões étnico-raciais no espaço escolar. Somado a isso,
Venturini (2014) aponta ainda a ideia do mito da democracia cultural, ou seja, a ideia de que o
racismo não existiria na sociedade brasileira e que todas as culturas são respeitadas igualmente
independente de ser a do branco, negro ou indígena. E, por último, aponta ainda o descaso dos
gestores com a temática ao se recusar a falar sobre, ou ainda, quando o faz falam de forma
conservadora e racista sobre os próprios negros.
Tal aspecto não é exclusivo da escola, de acordo com Jovino (2006 apud SOUZA;
MARTINHÃO, 2016), as próprias literaturas produzidas com a intenção de promover o debate
sobre a valorização e a desconstrução de estereótipos relacionados aos negros no Brasil, às
vezes, acaba reproduzindo uma imagem que oprime o negro.
[...] embora muitas obras desse período tenham uma preocupação com a denúncia do
preconceito e da discriminação racial, muitas delas terminam por apresentar
personagens negros de um modo que repete algumas imagens e as representações com
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as quais pretendiam romper. Essas histórias terminavam por criai uma hierarquia de
exposição dos personagens e das culturas negras, fixando-os em um lugar
desprestigiado do ponto de vista racial, social e estético. Nessa hierarquia, os melhores
postos, as melhores condições, a beleza mais ressaltada é sempre da personagem
feminina mestiça e de pele clara (JOVINO, 2006, p. 186, apud SOUZA;
MARTINHÃO, 2016, p. 140).
Sendo assim, não adianta o docente levar a discussão étnico-racial para a sala de aula e
reproduzi-la de um ponto de vista conservador, que não valorize a cultura dos negros presente
no Brasil. Por mais que Jovino (2006 apud SOUZA; MARTINHÃO, 2016, p. 140) se refira às
literaturas do século XIX e XX, ainda hoje, temos obras que reproduzem esse imaginário com
relação aos negros brasileiros. Nesse sentido, faz-se necessário pensar as relações étnico-raciais
em todos os espaços educativos, sobretudo, nas escolas de Ensino fundamental.
3. A intervenção na escola
Este trabalho foi elaborado em uma turma de 23 alunos, com faixa etária de 7 a 8 anos
da 2ª fase do 1º ciclo de uma escola municipal de Rondonópolis. Como docente dessa turma,
elaborei uma sequência didática dentro do projeto da escola “faça uma criança feliz”, com
duração de 15 dias. Esse projeto preconiza que a criança tem o direito de ser feliz, de ser
valorizada, respeitada e amada. Nesse sentido, tive como objetivo central trabalhar o
preconceito racial, algo presente na sociedade brasileira e sustentado em sua dimensão
simbólica e estrutural pelas instituições escolares.
As crianças passam a maior parte do tempo na escola, que, por sua vez, deveria
desempenhar sua função social por meio da tentativa de proporcionar a elas um ambiente feliz,
acolhedor e amável. Pensando nisso, é importante disponibilizarmos recursos que propiciem
às crianças definirem temas, papéis, e, que, assim, possam elaborar de maneira particular suas
emoções, sentimentos e interpretações sobre o mundo em que elas vivem. Nesse aspecto, as
escolas de Educação infantil e fundamental devem constituírem-se como espaços
comprometidos na superação de estereótipos negativos em relação aos negros no Brasil,
sobretudo, com crianças que estão em processo de construção de suas identidades sociais.
Dessa forma, é imprescindível desmistificar e romper com esse imaginário alimentado
com relação à população negra brasileira, onde meninas e meninos se veem em meio a príncipes
e princesas, na sua maioria brancos, longe de sua realidade, principalmente por elas consumirem
filmes que narram experiências advindas de contos de fadas da literatura infantil, como, por
exemplo, no caso dos contos de fadas produzidos pela Disney: Branca de Neve, Rapunzel, Bela
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Adormecida, Cinderela, a Bela e a Fera; compondo personagens de princesas com
características arianas, aprisionadas em castelos por bruxas e dragões, salvas por príncipes
encantados, montados em seus imponentes cavalos brancos e com finais felizes para sempre.
Tal imaginário com relação aos príncipes e princesas brancas, também é reproduzido
em produções didáticas, na literatura infantil e nas novelas televisivas. Nessas produções, na
maioria das vezes, o papel social ocupado pelos negros e negras é inferior ao branco e o colocam
de maneira inferiorizada, depreciativa, pejorativa ou em situações humilhantes. Nesse sentido,
a discriminação racial dentro da estrutura tradicional manifesta-se, quase sempre na luta do bem
contra o mal. Nesse contexto, a personagem negra muitas vezes representa o mal, o sujo, o
subalterno.
Segundo Coelho (2002, apud LIMA; SILVA, 2013, p. 110), “as lutas para combater os
ódios raciais estão profundamente enraizadas em nosso mundo através da valorização das
diferentes culturas, que corresponde as diferentes etnias, na busca de descobrir e preservar a
autenticidade de cada um”. Infelizmente, vivemos em uma sociedade cega, que acredita haver
vencido a batalha contra a prática discriminatória e preconceituosa para com as pessoas
afrodescendentes, as quais compõem uma grande parcela de nossa população, alimentando,
assim, muitas vezes, o mito da democracia racial brasileira.
Neste projeto utilizei literaturas infantis que abordam personagens da cultura africana,
e pesquisas em sites e textos que abordam temas infantis, relatos de pessoas em relação aos
temas abordados, bem como vídeos que foram utilizados para despertar a curiosidade dos
alunos com relação à temática das questões raciais na escola.
De acordo com as orientações recebidas no Pacto Nacional de Alfabetização da Idade
Certa (PNAIC), a leitura deleite tem uma importância fundamental no processo de
desenvolvimento das crianças:
A inserção do momento da leitura deleite na sala de aula permite ao educando entender
que em nossa vida lemos com várias finalidades (seguir instruções, obter uma
informação precisa, revisar escrito próprio, aprender, etc.) e uma delas é a leitura só
por prazer, para nos divertirmos e distrairmos. Contribui para o alcance de um dos
objetivos atitudinais: a formação de leitores, pois desperta o gosto pela leitura e
estimula a imaginação e a curiosidade. A leitura deleite pode se tornar um
entretenimento saudável que ensina, informa e forma crianças e jovens, de uma
maneira motivante e alegre. Possibilita às crianças terem acesso a vários textos (e
gêneros) e conhecerem diferentes autores e estilos de escrita (BRASIL, 2012, p. 100).
Em um primeiro momento, apresentei às crianças que estão sob minha responsabilidade
como docente, a saber, 23 crianças (13 meninas e 10 meninos), com idade de 7 e 8 anos, alunos
do 2º ano do Ensino Fundamental, uma literatura do autor negro brasileiro, Joel Rufino dos
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Santos: o livro Gosto da África. A partir dessa literatura, foi apresentado aos alunos o projeto
que contemplou atividades contra o racismo. Assim, comecei com um breve histórico de como
os africanos chegaram forçadamente ao Brasil através dos fluxos imigratórios do período da
escravidão negra na América. Muitos alunos já sabiam um pouco e até comentaram pequenos
detalhes que teriam aprendido com os pais, sendo assim, demonstraram ideias prévias sobre a
temática.
Expliquei sobre a forma como o navio negreiro chegava ao Brasil e, após isso,
produzimos juntos um desenho que representou o navio negreiro durante o tráfico negreiro.
Levei o mapa-múndi para a sala e mostrei para eles o trajeto dos escravos africanos até
chegarem ao Brasil, de que forma eles “vieram”, como chegaram aqui, como trabalhavam,
como viviam essas pessoas. Muitos que não tinham conhecimento desse momento histórico,
ficaram comovidos com a situação vivida pela população negra escravizada no Brasil.
Em um segundo momento, contei a eles a história original dos irmãos Grimm, da
princesa e o sapo. Após a leitura, fiz uma roda da conversa com eles sobre a história dos irmãos
Grimm e o filme da Disney: “A princesa e o sapo”, de 2009. Na relação estabelecida por eles
entre o conto dos irmãos Grimm e o filme “A princesa e o sapo”, os alunos apontaram pontos
de divergências entre as duas narrativas, evidenciando, assim, a atenção dos mesmos para a
narrativa literária e a narrativa fílmica como duas histórias que, por mais que tenham pontos
em comum, não são homogêneas. Entre os elementos destacados, eles mencionaram: que a
personagem Tiana do filme era uma garçonete, de família pobre, bairro humilde; já a do conto
dos irmãos Grimm era uma princesa, que morava em um castelo. Pontuaram que a Tiana só se
tornou princesa porque construiu um restaurante luxuoso destinado às pessoas chiques.
Em seguida, os questionei sobre a identificação, ou seja, com qual princesa da Disney
mais se identificavam. A maioria respondeu que se identificavam com a Cinderela, Branca de
Neve e a Frozen, poucos apontaram se identificar com a princesa negra Tiana, mais
especificamente três. Diante disso, vemos claramente que as crianças se idealizaram como
princesas brancas ao aponta-las. Sabemos que a escolha das crianças revela uma das faces mais
perversa do racismo que é justamente a negação da possibilidade de idealizar-se como negras.
Antes de iniciar o projeto, fiz uma investigação prévia por meio de uma atividade de
respostas orais. Queria saber com qual boneca as crianças mais se identificariam. Portanto,
apresentei a elas cinco bonecas com fenótipos distintos, com a intenção de compreender com
qual eles se reconheceriam fisicamente.
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Imagem 01: Bonecas utilizadas na intervenção
Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora (2018)
Foram feitas perguntas às crianças: com quem a gente se parece? Todas as pessoas são
iguais? O que nos faz diferentes um dos outros? Qual é a mais bonita? Por quê? Por que a
boneca negra é assim? Por que a branca é dessa forma? Por que não são iguais? De quem será
que os pais e as mães gostam mais? Por quê? Qual é a boneca boa e qual é a boneca má? O
quadro abaixo mostra a organização das respostas das crianças. A seguir, trazemos os dados
das questões nas quais foi possível anotar a frequência das respostas dos alunos2.
QUADRO 01 – respostas sobre qual das bonecas é a mais bonita Quantidade de alunos Bonecas
07 Barbie princesa
03 Barbie loira
06 Barbie bailarina
02 Bebê loira
04 Bebê negra
01 Criança não opinou Fonte: autoria própria (2018)
O quadro acima mostra de forma bem clara e, até mesmo chocante, a forma como o
racismo se estrutura entre as crianças. O fato de não reconhecerem a boneca negra (que é a que
mais se parece com essas crianças) como a mais bonita diz muito do que os mesmos pensam
com relação aos seus corpos, cabelos, nariz, lábios, enfim, com relação ao fenótipo do negro
2 Nem todas as respostas constam no texto pelo fato de que nem todas foram anotadas.
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em geral3. A primeira forma de combater o racismo no Ensino Fundamental é estimulando que
essas crianças se reconheçam como negros e negras para que, eles mesmos, possam fazer
representações mais positivas das bonecas e dos bonecos negros. Sem representatividade
positiva, não venceremos essa luta, continuaremos a esmurrar lugares sem fazer pequenos
fragmentos para que a luz possa entrar e iluminar a existência destas crianças.
Em seguida, questionei: de qual boneca você não gostou? Por quê? Os dados estão
expressos no quadro abaixo.
QUADRO 02 – Respostas às perguntas: de qual boneca você não gostou? Por quê? Número Cabelo Cor dos olhos Tom da pele Roupa Bonecas
05 Pouco volumoso Barbie princesa
02 Penteado feio Barbie loira
04 Roupa feia Barbie bailarina
01 Careca Bebê loira
08 Muito enrolado Muito escura Bebê negra
Criança não opinou
Fonte: Autoria própria (2018)
As respostas dadas à questão “de qual boneca você gosta mais?”, demonstra mais uma
vez que o fator racial foi um dos motivos para o desprezo das crianças com relação à boneca
negra. Entre os elementos destacados, podemos mencionar a pele mais retinta, ou seja, por mais
que eles não tenham dito claramente que o ideal seria a pele branca ficou subentendido que,
quanto mais clara a pele, mais bonita ela é. Ainda assim, cinco crianças apontaram para o cabelo
da boneca Barbie não tendo gostado da mesma pelo cabelo ser alto e volumoso4, o que também
é uma das características dos cabelos dos negros. Sendo assim, entendemos que as crianças não
gostaram da boneca por ela ter o cabelo alto e volumoso, o que, de fato, não pode ser visto
como bonito por ela ter uma pele branca. Em outras palavras, se a pele é clara, o cabelo,
obrigatoriamente, não pode ser crespo ou volumoso.
Mas, ainda assim, o que mais chamou a atenção foi o fato de uma aluna negra da turma
ter dito que achou a boneca negra “horrorosa”. Ou seja, demonstrou através do processo de
verbalização desconhecer qualquer relação entre o fenótipo da boneca negra e o seu. Negou
uma possível relação de verossimilhança entre elas, silenciando ainda mais a sua etnia. A
3 É preciso considerar que a boneca negra tem feições de um bebê e que isso também pode ter influenciado na
escolha das crianças. 4 Originalmente o cabelo da boneca não é alto e volumoso, tal aspecto deve-se ao processo de manipulação do
brinquedo pelas crianças.
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resposta da aluna nos fez refletir mais uma vez sobre o processo de identificação que, pode até
ser que ela se veja como semelhante à boneca negra apresentada, mas talvez pela constante
exposição ao ideal de branqueamento, a criança também se veja como horrorosa, sendo assim,
mais uma vez o racismo se mostra como perverso com crianças em processo de escolarização
nas séries iniciais. Por fim, três crianças não quiseram opinar, talvez pelo fato de as bonecas
serem brinquedos produzidos socialmente para as meninas, então, três meninos não quiseram
“pôr em xeque” a masculinidade.
Adiante questionei às crianças: qual boneca mais se parece com você? E por quê? As
respostas demonstram que mesmo as crianças não achando a boneca negra a mais bonita, elas
de identificaram, em grande parte, com ela. Diante disso, podemos perceber mais uma vez como
o racismo é perverso por fazer com que as crianças negras participantes da investigação rejeitem
e não valorizem as origens, traços e histórias de vida – o que é, também, um mecanismo muito
comum na propagação do racismo.
QUADRO 03 – Respostas às perguntas: qual boneca se parece mais com você? Por quê?
Quantidade de
alunos
Cabelo Cor dos olhos Tom da pele Bonecas
05 Sim Barbie princesa
Barbie loira
05 Sim Barbie bailarina
02 Sim Bebê loira
08 Sim Sim Sim Bebê negra
Fonte: autoria própria (2018)
Apenas um aluno não se identificou com nenhuma das bonecas pelo fato de o mesmo
ser indígena da etnia dos bororo, sendo assim, não havia nenhum fenótipo das bonecas que
contemplasse as características físicas dele ou até mesmo das mulheres que compõem sua tribo.
Outras duas crianças não se identificaram com nenhuma das bonecas.
Em outro momento, mostrei um vídeo para as crianças sobre a história da abayomi, que
na língua ioruba significa “boneca negra que traz felicidade”. Para contar essa história, utilizei
um vídeo, que segue transcrito abaixo.
Abayomi. Para acalentar seus filhos durante as terríveis viagens a bordo dos tumbeiros
– navio de pequeno porte que realizava o transporte de escravos entre África e Brasil
– as mães africanas rasgavam retalhos de suas saias e a partir deles criavam pequenas
bonecas, feitas de tranças ou nós, que serviam como amuleto de proteção. As bonecas,
símbolo de resistência, ficaram conhecidas como Abayomi, termo que significa
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‘Encontro precioso’, em Ioruba, uma das maiores etnias do continente africano cuja
população habita parte da Nigéria, Benin, Togo e Costa do Marfim.5
Abayomi era uma boneca negra feita com tecidos arrancados das vestes das mães negras
que vinham escravizadas da África. As próprias mães arrancavam esses tecidos e faziam
rapidamente essas bonecas e davam às suas filhas como forma de acalmar as crianças durante
a travessia do Atlântico no navio negreiro. As bonecas além de acalmar as crianças eram vistas
como um símbolo de alegria durante a viagem. Ainda hoje, as bonecas negras de panos são
conhecidas como abayomi e guardam a tradição de uma cultura milenar.
Imagem 02: Bonecas negras “abayomi”
Fonte: Afreaka (2010)
A história das bonecas abayomi causou muita comoção nas crianças, sobretudo, por que
o tecido que dava vida e forma a boneca era o próprio tecido das saias das mães dessas crianças
africanas que vieram para o Brasil para serem escravizadas. Uma relação de solidariedade e
afetividade pode ser notada neste momento, uma vez que a boneca negra significava não
somente um pedaço da saia da mãe, mas, sobretudo, a cultura, os laços de afetividade, as
lembranças, memórias, a partida, a distância, tudo que ficara para trás.
5 Retirado dia 05/11/2018 http://www.afreaka.com.br/notas/bonecas-abayomi-simbolo-de-resistencia-tradicao-e-
poder-feminino/
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3.1 Como uma criança negra representou a si própria após uma sequência didática
Buscando dar visibilidade ao ser criança negra no espaço escolar, solicitei às crianças
que fizessem um desenho sobre elas, o que foi uma autorrepresentação delas mesmas.
Evidenciei que gostaria que elas se desenhassem da forma como elas se veem. Diante disso,
podemos constatar a diferença nas representações construídas antes da sequência didática que
valorizou a identidade da criança negra. Os desenhos feitos antes da sequência didática mistura
características dos grupos sociais negros brasileiros com os brancos, como se fosse uma
atenuação da raça negra; já os desenhos realizados após a sequência didática apontam para a
valorização do fenótipo da raça negra.
A atividade contou com a participação de todas as crianças envolvidas no projeto, o que
gerou exatamente vinte e três desenhos no primeiro ciclo, ou seja, antes da sequência didática,
e mais vinte e três após a sequência didática. Tendo em vista a quantidade de material produzido
e a impossibilidade de construir uma análise pormenorizada das produções, decidimos analisar
apenas dois desenhos de uma única criança, ou ainda, um desenho produzido antes da sequência
didática e outro produzido após pela mesma criança. Tal escolha deve-se ao fato acreditamos
que através dos desenhos podemos encontrar representações que apontam aspectos construídos
a partir da aula.
Assim, devido à quantidade de material colhido e do tempo necessário para a análise
dos mesmos, optamos por analisar apenas um dos vários desenhos produzidos pelos alunos.
Assim, escolhemos um que, ao nosso ver, aponta para uma ressignificação do ser criança negra
assumindo essa identidade étnica.
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Fotografia 01: Primeiro desenho produzido pela aluna Moema
Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora (2018)
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No primeiro desenho produzido pela aluna Moema (nome fictício), percebemos
claramente que os traços que a colocariam de forma mais pontual dentro do fenótipo das pessoas
negras foram apagados, por exemplo, o cabelo é representado de uma forma muito tímida se
compararmos com o cabelo que a mesma possui. É como se ela tivesse sentido alguma restrição
com relação ao cabelo no momento da autorrepresentação.
Os lábios foram apresentados de forma mais grossa, o que, de fato, se aproxima mais
dos lábios que remetem às populações negras. Não podemos deixar de considerar que, nos dias
de hoje, os lábios grossos representam também um modelo estético de beleza. Muitas pessoas
fazem preenchimento labial para ficarem com eles mais grossos e mais vistosos como símbolo
de beleza, geralmente essas pessoas são brancas. Assim, para elas tal prática emerge como um
procedimento estético de beleza, sendo que, para a população negra que os possuem como
fenótipo humano, esse aspecto, às vezes, é utilizado para demarcar a discriminação dos brancos
sobre os negros: negro beiçudo, entre outros.
O nariz foi feito de uma forma muito sutil demarcado por contornos pequenos, o que,
de fato, não pode ser o nariz tipicamente atribuído ao fenótipo dos negros. Muitas vezes,
meninos e meninas negras e também os adultos negros sofrem discriminação e preconceito
racial por conta do nariz largo, o que faz com que muitos negros queiram fazer procedimento
estético de correção do nariz seguindo o modelo de beleza do nariz do branco europeu
(silenciando os traços negroides presentes no corpo). Os lábios para os brancos podem até ser
o modelo mais grosso do negro, mas o nariz tem que ser fino seguindo o modelo do branco
europeu.
Outro elemento que se faz necessário ser destacado é a aparência ou expressão de
tristeza da criança Moema, que facilmente pode ser identificada. Assim, podemos ver que
Moema sendo uma criança negra autorrepresentou-se como triste, como não afeita a sua etnia.
Após a sequência didática que problematizou o lugar que os homens, as mulheres e as
crianças negras ocupam na sociedade através de atividades diversas, solicitei aos alunos que
produzissem uma frase sobre eles mesmos que expressasse algo sobre eles. Vejamos o segundo
desenho produzido pela aluna Moema.
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Fotografia 02: Segundo desenho produzido pela aluna Moema
Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora (2018)
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A aluna Moema disse que é alegre, feliz e gosta do jeito que ela é. Uma das diferenças
mais nítidas observadas entre os desenhos e o que chamamos de progressão das ideias
relacionadas à sua raça, podemos observar a expressão de felicidade da criança representada no
segundo desenho, bem como a forma como o cabelo foi representado de forma mais viva e
precisa, não apagando uma das qualidades dos diversos tipos de cabelos das populações negras
brasileiras. O cabelo aparece com vida, o que é ainda mais nítido quando observamos a
paisagem onde a criança se representou, bem como o sorriso. Reparamos que desta vez não há
a estética dos lábios, mas, sim, a do sorrido que expressa felicidade com a identidade étnica.
Diante disso, compreendemos que as atividades puderam potencializar as crianças
negras a se reconhecerem e se identificarem enquanto negros e negras, assim, faz-se necessário
a permanência deste diálogo no Ensino Fundamental, sobretudo nas séries iniciais, como uma
forma de ofertar ainda mais autoestima às crianças negras através da construção de suas
identidades sociais.
Considerações finais
A partir da sequência didática que discutiu e articulou com às crianças do Ensino
Fundamental a importância da valorização da cultura negra, bem como dos traços físicos
(fenótipo) negro, podemos afirmar que as crianças ainda carecem de orientação no que se refere
ao tema das reações étnicoraciais. Pode-se constatar isso através das tabelas demonstradas ao
longo do texto, bem como do desenho analisado, sendo assim, ainda precisamos problematizar
os estereótipos presentes em contos de fadas e que valorizam apenas a cultura branca como
central.
O diálogo estabelecido com as crianças aponta que é possível desenvolver valores
positivos com as mesmas, bem como que elas podem se reconhecer como negros e negras
quando os professores apresentam referências positivas sobre esse grupo étnico. Assim, faz-se
necessário continuar debatendo o preconceito racial na Educação Infantil e no Ensino
Fundamental com a finalidade de formarmos cidadãos que respeitem as diversidades culturais
presentes na sociedade brasileira.
As referências positivadoras devem estar presentes em todas as esferas da vida das
crianças: na escola, na igreja, nas mídias, nos desenhos, enfim, em todos os espaços que, de
uma forma ou outra, participam do desenvolvimento dessas crianças. Assim, questionando essa
lógica na escola, as crianças poderão questioná-las por si só em outros espaços, configurando,
assim, uma educação que não promova o racismo e a discriminação do outro.
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REFERÊNCIAS
BRASIL. Pacto nacional pela alfabetização na idade certa: formação de professores no
pacto nacional pela alfabetização na idade certa / Ministério da Educação. Secretaria de
Educação Básica, Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Brasília: MEC, SEB, 2012.
BRASIL. Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e
para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. Lei 10.639/03.
COQUEIRO, Edna Aparecida. Educação das relações étnico-raciais: desnaturalizando o
racismo na escola e para além dela. Disponível em <
http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/1838-8.pdf>
DOMINGUES, Petrônio José. Negros de almas brancas? Ideologia do branqueamento no
interior da Comunidade Negra de São Paulo 1915-1930. Estudos Afro-Asiáticos, Ano 24, Nº
3, 2002, p. 563-599.
LIMA, A. de B.; SILVA, F. C. da. A importância da literatura infantil afro-brasileira e africana
no ensino fundamental do SESC – Petrolina/PE. Pau dos Ferros, v. 02, n. 02, p. 104 – 131,
set./dez. 2013.
NASCIMENTO, Flávio A. Silva. O Beabá do Racismo Contra o Negro Brasileiro.
Rondonópolis/MT: Print Editora, 2010.
SOUZA, Ilma Regina Castro Saramago de; MARTINHÃO, Paloma dos Santos Sayão. O negro
nos livros infantis: análise das práticas pedagógicas na educação infantil. Horizontes – Revista
de Educação, Dourados, MS, v.4, n.7, janeiro a junho 2016.
VENTURINI, Andressa. As relações étnico-raciais na Educação Infantil. Disponível em < http://w3.ufsm.br/afirme/images/SEMINARIO/Andressa_Venturini_-
_Universidade_Castelo_Branco_-_AS_RELA%C3%87%C3%95ES_%C3%89TCNICOS-
RACIAIS_NA_EDUCA%C3%87%C3%83O_INFANTIL.pdf>
SITE CONSULTADO:
Bonecas Abayomi: símbolo de resistência, tradição e poder feminino. Afreaka. Disponível
em<http://www.afreaka.com.br/notas/bonecas-abayomi-simbolo-de-resistencia-tradicao-e-
poder-feminino/>. Acesso em: 14 dez. 2018.