sinestesia nos jogos eletrônicos cap 3 - leandro ciccarelli

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  • 7/25/2019 Sinestesia nos Jogos Eletrnicos Cap 3 - Leandro Ciccarelli

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    Sinestesia e as possibilidades no projetar de um game

    O captulo anterior tratou as ideias fenomenolgicas no contexto dos jogos

    eletrnicos, enfatizando o entendimento do retorno experincia do vivido para

    a compreenso da realidade. J o presente captulo, visa tratar as questes

    pertinentes sinestesia. Objetiva-se assim alcanar o dilogo entre o universo

    dos games com a realidade do deficiente.

    Neste contexto, trago o pesquisador Srgio Roclaw Basbaum para iluminar

    essa empreitada. Segundo o autor:

    A idia de sinestesia nos leva a refletir de maneira particular sobre a percepo.

    As diferentes modalidades perceptivas do ser humano esto inter-relacionadas por

    uma srie de fatores, e, do dilogo entre estas modalidades depende, por

    exemplo, a construo de uma representao consciente da realidade (Basbaum,

    1999, p.36).

    Essa citao descreve exatamente a estrutura de desenvolvimento desse

    captulo, que tem por objetivo esclarecer as diversas abordagens que a

    sinestesia possui, a fim de balizar o conceito game sinestsico. Vale ressaltar

    que no se pretende exaurir o tema sinestesia, sendo assim, os recortes dessa

    temtica perpassam sobre os seguintes tpicos: a) Sinestesia clssica, sob a luz

    de Basbaum. Nesta etapa reflito sobre a taxonomia sinestsica adotada pelo

    pesquisador Srgio R. Basbaum; b) Sinestesia digital, conectando a percepo a

    tecnologia.Nesta parte da dissertao relatada a reflexo de Srgio Basbaum

    sob a presena da sinestesia intermediada pela tecnologia nas sociedades

    contemporneas; c) Sinestesia natural, agora sem a intermediao tecnolgica.

    Neste ponto da pesquisa, foram abordados exemplos reais e prticos que

    demonstram o alcance da experincia sinestsica sem a intermediao das

    tecnologias.

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    3.1. Sinestesia clssica, sob a luz de Basbaum

    Fenomenologia, intencionalidade fenomenolgica e percepo

    merleaupontyana, esses foram alguns termos debatidos e intercruzados com as

    questes perceptivas dos games no captulo anterior. No entanto, tomemos

    como meta esclarecer o termo sinestesia, j que seu entendimento

    fundamental para a compreenso do objeto de pesquisa desta dissertao: os

    games sinestsicos.

    Para isso, continuemos com as elucidaes de Basbaum, que neste

    contexto, esclarece que tal conceituao (a sinestesia) muito antiga, onde um

    dos primeiro relatos sobre sua manifestao foi registrada por Pitgoras.

    A partir de Pitgoras [...] diferentes autores apontam o surgimento de reflexes

    relacionadas [...] a associao ou correspondncia de cores e sons atravs de

    inmeros pensadores, cientistas ou artistas ao longo [dos] ltimos 2.600 anos

    (Basbaum, 1999, p.4).

    O autor explica ainda, que as diversas pesquisas que englobam a anlise

    da sinestesia visam mostrar suas prprias vises sobre a utilizao dessa

    palavra, no sendo esse o objetivo da presente dissertao, que busca apenas

    um posicionamento para o futuro entendimento do objeto de pesquisa, os games

    sinestsicos.

    Sob essa perspectiva, valho-me das ideias de Antnio Roberto Chiachiri

    Filho (2008) para elucidar a significao de sinestesia. Vale ressaltar que esse

    autor frequentemente referencia em sua tese o pesquisador Basbaum. Para

    Chiachiri sinestesia:

    [...] vem do grego syn (unio) e aesthesis (sensao). Ento, podemos falar, num

    primeiro instante, que sinestesia a unio dos sentidos [...] ou a traduo de um

    sentido em outro (Chiachiri, 2008, p.123).

    O autor explica que alguns estudiosos, afirmam que a sinestesia um

    estado neurolgico onde a associao dos sentidos possibilitada. Essa

    associao ocorre quando a percepo de um sentido causa imediatamente a

    percepo de outro, sendo:

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    [...] um produto mais do crebro [...] como toda sensao, do que da imaginao.

    Isso foi estabelecido somente no incio do sc. XX e seu entendimento ainda no

    bem claro, pois muito difcil explic-lo de forma definitiva (Chiachiri, 2008,

    p.123-124).

    Outra contribuio que Chiachiri apresenta para o entendimento da

    sinestesia est na referncia ao pesquisador Van Cretien Campen (2008),

    quando este explica que as pessoas geralmente vinculam os sentidos externos

    (audio, viso, olfato, paladar e tato) a suas percepes. Entretanto, ele

    acredita que o fenmeno da sinestesia no esteja ligado a um especfico sentido

    externo, pois a experincia sinestsica captada por outras instancias, que

    esto alm da conscincia. Para Campen (2008), na verdade a sinestesia se d

    entre os sentidos e pode ser latente em alguns indivduos, entretanto, pode se

    apresentar de forma mais acentuada em outros. Acredito que a contribuio

    mais importante desse autor resida na explicao de que a sinestesia esteja

    ligada a cultura do indivduo, o que possibilitaria sua manifestao (Campen,

    2008, p.156 apud Chiachiri, 2008, p.127).

    Neste contexto, Chiachiri cita Baron-Cohen e Harrison, autores muito

    referenciados por Basbaum, ao afirmar que a sinestesia est envolvida em

    pensamento, em conhecimento, na maneira que o mundo est representado na

    conscincia e finaliza sua argumentao dizendo que literalmente, sinestesia

    significa perceber junto (Baron-Cohen et Harrison, 1997, p.79 apud Chiachiri,

    2008, p.128).

    Vale ressaltar que muitos autores possuem diversas classificaes,

    taxonomias para o estudo da sinestesia, no entanto, a presente dissertao

    adotar a classificao de Basbaum, por ser [...] talvez o nico brasileiro por ora

    a tratar com mais profundidade o fenmeno sinestesia (Chiachiri, 2008, p.128).

    Em sua dissertao (1999), bem como em seu livro (2002), Basbaum

    classifica a sinestesia em quatro categorias. So elas: a) sinestesia na arte, b)

    sinestesia em primeira pessoa de experincias sinestsicas; c) metforas

    sinestsicas, e tambm d) sinestesia fenmeno-neurolgica.

    Na primeira categoria, sinestesia na arte, que no ser aprofundada

    nesse estudo, Basbaum demonstra em sua dissertao algumas manifestaes

    da arte sinestsica [...] uma aspirao que se inicia no sculo XVIII, com razes

    no sculo XVII (Basbaum, 1999, p.42). No entanto, o autor adverte que

    inmeros trabalhos foram ignorados em sua dissertao e que foram trazidos os

    mais presentes na bibliografia consultada por ele.

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    De forma panormica, Basbaum faz algumas consideraes gerais sobre a

    arte sinestsica, averiguando a sinestesia enquanto metfora na arte, ou seja,

    manifestaes sinestsicas na arte que visam destacar as caractersticas de um

    modo de expresso vigente, como por exemplo, na pera, onde o cenrio e o

    figurino so complementos da atuao musical. As metforas sinestsicas na

    arte so diferentes de uma maior equidade dos sentidos, sendo considerada

    apenas uma simples evocao de um sentido nos termos de outro (Basbaum,

    1999, p.42).

    Retomando a classificao sinestsica, temos a segunda categoria,

    sinestesia em primeira pessoa de experincias sinestsicas. Esta se encontra

    centrada na observao dos chamados sinestetas, pessoas que possuem a

    sinestesia constitutiva. Este fato se deve porque no sculo XX a cincia no

    possua meios para legitimar o fenmeno da sinestesia, pois seus casos sempre

    foram mais subjetivos do que objetivos, necessitando assim, desenvolver

    metodologias que buscassem dados atravs da observao e registro das

    experincias sinestsicas. De acordo com Basbaum:

    [...] a oposio entre experincia subjetiva e realidade objetiva que a sinestesia

    parece sugerir, a deixou fora do alcance de uma cincia empenhada em definir,

    quantificar e relacionar os aspectos mensurveis do fenmeno (Basbaum, 1999, p.

    14).

    Basbaum expe que quando iniciou seus estudos, dedicou certo tempo s

    diferentes teorias que procuravam explicar a sinestesia (Basbaum, 2009, p.3),

    mas que hoje associa aos seus estudos a observao dos sinestetas, por

    considerar um fator importante para revelar dados mais objetivos. Gostaria de

    ressaltar que esse mais um caso da supremacia cultural da razo frente

    subjetividade, a fim de se entender mais sob o mundo real, e essa exagerada

    exaltao, muita das vezes, inibe a aproximao da realidade em si (mundo

    real). Vale esclarecer que no estou desmerecendo o papel da objetividade, pelo

    contrrio, acredito e sou testemunha de sua importncia, mas apenas defendo

    sua aplicao de forma mais eficiente, aberta ao dilogo.

    Prosseguindo com a classificao, temos a terceira categoria apresentada

    por Basbaum, as metforas sinestsicas, que se encontra ligada ao campo da

    linguagem verbal, tendo um papel importante na legitimao do fenmeno.

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    [...] a linguagem em certa medida formada pela maneira como percebemos o

    mundo, e em certa medida possui vida prpria e constri (cria) ela mesma modos

    de representao que determinam a nossa apreenso da realidade [...] As

    metforas sinestsicas, portanto, refletem relaes entre os sentidos que,

    habitando na linguagem, traduzem inter-cruzamento modais de carter biolgicoe/ou cultural (Basbaum, 1999, p.33).

    E finalmente temos a quarta categoria, a sinestesia fenmeno-

    neurolgica que subdividida em: sinestesia constitutiva e sinestesia

    associativa. A primeira, sinestesia constitutiva, abrange a integrao dos

    mecanismos cerebrais e cognitivos, ou seja, o indivduo, por exemplo, ver cores

    ao escutar determinado som, pode sentir um gosto ao perceber um determinado

    aroma, ou seja, um sentido acionado em detrimento de outro. Este fenmeno

    pode ocorrer a) desde nascena, b) provocado pelo uso de drogas ou c)

    adquirido em decorrncia de alguma leso. J a sinestesia associativa ocorre

    [...] entre modalidades perceptivas de maneira geral independente da sua

    emergncia enquanto sensao ou imagem consciente (Basbaum, 1999, p.16).

    Em outras palavras, a sinestesia associativa literalmente a associao de um

    sentido a outro, sendo diferente da sinestesia constitutiva, j que esta ocorre

    pela integridade (juno, incorporao) dos sentidos, e no somente pela

    interao (ao recproca), como ocorre na sinestesia associativa.

    Neste contexto, posiciono o entendimento dos games sinestsicos em

    direo sinestesia constitutiva, onde a tecnologia intermediaria os sentidos de

    forma integrada e no somente associada. Para esclarecer tal direcionamento,

    tomamos como exemplo a ao de jogar um game: quando jogamos recebemos

    inmeras informaes que chegam a ns em decorrncia das imagens, sons e

    vibraes tteis. Imediatamente associamos essas percepes a fim de enviar

    uma resposta ao game, ou de simplesmente entender sua mensagem. Seja

    como for, a associao dos sentidos acontece naturalmente no ser humano,

    como ocorre no cotidiano do indivduo. No sendo o game uma exceo, logo,

    se considerarmos a sinestesia associativa para classificar um game como sendo

    sinestsico, todo game o seria. Mas, se pensarmos na mesma ao de jogar um

    game, por meio da integrao (juno ou incorporao) dos sentidos, teremos ai

    o porqu de diferenciar alguns games, j que nem todos promoveriam essa

    interao. Sendo assim, a presente dissertao entende como um game

    sinestsico, o jogo eletrnico que provoca (integra, incorpora, aciona, junta) uma

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    percepo distinta por meio de um canal sensorial no tradicional, (como ocorre

    com o BrainPort, onde as imagens so enviadas ao crebro pela lngua),

    Note que no estamos falando de uma simples interao associativa e sim

    de uma plena integrao dos sentidos. Acredito que tal possibilidade provocaria

    uma maior imerso do jogador dentro da Realidade Virtual do game, onde o

    rompimento das barreiras sensoriais aproximaria o mundo real do virtual e no

    difcil de imaginar as incrveis possibilidades na ao projetual de tais games,

    podendo estender a rea do design para a criao de objetos virtuais muito mais

    cognitivos do que fsicos. Em outras palavras, o designer de games projetaria

    objetos no somente para todos os sentidos, mas tambm para a integrao

    destes. Tal possibilidade nos leva inevitavelmente a concluir que a sinestesia

    constitutiva aquela que ocorre a) desde nascena, b) provocada pelo uso de

    drogas, c) adquirida em decorrncia de alguma leso e d) intermediada por

    tecnologias sinestsicas. Esta ltima ocorrncia est ligada ao que Basbaum

    denomina de percepo digital. A seguir veremos como tal disposio ocorre.

    3.2. Sinestesia tecnolgica, possibilitada pela percepo digital

    A respeito da percepo digital, Basbaum (2010) procura, em seu artigo,

    conceituar o termo buscando refletir as sociedades que se apoiam na utilizaoe no desenvolvimento tecnolgico. Inicia-se assim, uma jornada na relao entre

    sinestesia e cultura contempornea, a partir da necessidade de se entender a

    percepo humana de modo mais abrangente, explicando que esse processo:

    [...] demanda levar em conta no somente o problema da percepo como objeto

    de estudo [...] mas em suas relaes com o sentimento de nossa experincia:

    suas relaes com a cultura, e, tratando-se de uma cultura mais e mais

    tecnolgica, a questo da tecnologia (Basbaum, 201020

    ).

    Apesar de termos debatidos anteriormente a base da percepo

    merleaupontyana nas palavras de Basbaum, o autor faz um pequeno resumo

    sobre essa ideia, afirmando que [...] toda a linguagem, toda a cincia, toda a

    racionalidade e todo o saber partem do mundo percebido (Basbaum, 201021).

    Logo, conclui que a lgica ou o mtodo aplicado pela cincia e pela filosofia

    20

    7 Ibid.21

    7 Ibid.

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    so posteriores a prpria vivencia, j que o mundo percebido impreciso e

    dinmico, propenso a criar reas relacionadas entre as coisas e os seres, ou

    seja, esse mundo antecede a linguagem e os alcances da prpria razo,

    entretanto, esse mesmo mundo j est mergulhado de sentidos.

    E sobre essa vertente, Basbaum traz os mltiplos significados que

    Merleau-Ponty atribui palavra sentido: [...] os sentidos (corpo) me lanam no

    sentido (direo) do mundo e me entregam um mundo j banhado de sentido

    (significao) (Basbaum, 201022).

    Nesse ponto do debate, Basbaum direciona seu artigo em direo ao que

    ele chama de imprio do olhar, relatando a importncia que o sentido da viso

    desempenhou e desempenha sobre a cultura ocidental, esclarecendo que:

    O olho separa, enquadra, foca. A fora da representao da linguagem [...] na

    qual, [...] trocamos ouvidos pelos olhos devemos no apenas toda a evoluo do

    nosso conhecimento, mas o desenvolvimento de uma fala tcnica [...] capaz de

    fixar na representao essa migrao das coisas a objetos (Basbaum, 201023

    ).

    Em outras palavras, o autor defende que a linguagem uma forma de

    representao do vivido, que alarga e estende a prpria percepo.

    Aprofundando suas ideias, ele questiona a relao da tecnologia com a

    primazia do perceber, especificamente com os sentidos, j que esse leva o

    indivduo a [...] relacionar-se com e significar o vivido (Basbaum, 201024).

    O autor observa que [...] telescpios, microscpios, perspectivas, cmera

    escura, fotografia, cinema, e as infoimagens (Basbaum, 201025) so como

    prteses que a tecnologia empreendeu com base ao olho humano, elucidando

    que cada um desses equipamentos serviu como uma espcie de modelo de

    conhecimento de suas pocas e que refletir suas consolidaes histricas uma

    tarefa fcil, mas que [...] sutil, entretanto, o modo como intervm nos modelos

    de perceber que fundam a [prpria] cultura (Basbaum, 201026).

    227 Ibid.

    237 Ibid.

    247 Ibid.

    257 Ibid.

    267 Ibid.

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    Basbaum (201027) elucida que Walter Benjamin (1980) foi o primeiro a

    descrever a intermediao da tecnologia na percepo humana ao explicar que

    tanto o cinema quanto a fotografia eram dentre tantas coisas o olhar de uma

    cincia, mas que potencializavam e multiplicavam a imagem do ser humano,

    oferecendo novas experincias e ferramentas para significar o passado,

    chegando a criar imagens de um mundo reinventado.

    Com ela [a fotografia], pela primeira vez, no tocante reproduo de imagens, a

    mo encontrou-se demitida das tarefas artsticas essenciais que, da em diante,

    foram reservadas ao olho fixo sobre a objetiva. Como, todavia, o olho capta mais

    rapidamente do que a mo ao desenhar, a reproduo das imagens, a partir de

    ento, pde se concretizar num ritmo [...] acelerado. O fotgrafo, graas aos

    aparelhos rotativos, fixa as imagens no estdio de modo to veloz como o que oator enuncia as palavras [...] a fotografia j continha o germe do cinema falado. No

    fim do sculo passado, atacava-se o problema colocado pela reproduo dos

    sons. (Benjamin, 1980, p.12).

    Cytowic (2003) tambm mencionou tal fenmeno, como relatado a seguir:

    We have paid with dollars and our humanity ever since the stethoscope appeared

    as the first instrument to come between patient and physician. The art of medicine

    has steadily yielded to the calculus of objectivity and the tabulation of hard data.

    This economy has inflation, too. Machine interposition has increased exponentially,

    until today we hardly any touching and little real human contact. Patients have

    been reduced to objects, and physicians to dispassionate feeders of the machines

    (Cytowic, 2003, p.38)28

    .

    Nesse contexto, Basbaum relata o impacto da mediao digital no

    perceber humano, elucidando que [...] as observaes por corpos perfeitos e

    eficientes, pelas cirurgias plsticas planejadas em computador, pela

    produtividade, velocidade, performance e eficincia (Basbaum, 201029) so

    consequncias dessa mediao tecnolgica, no perceber do vivido.

    277 Ibid.

    28Temos pago com dlares a nossa humanidade, desde o estetoscpio quando apareceu como o

    primeiro instrumento para se interpor entre o paciente e o mdico. A arte da medicina tem serendido ao clculo da objetividade e da tabulao dos dados concretos. Esta economia tambmpossui inflao. Hoje em dia, a interposio das mquinas tem aumentado exponencialmente,quase no se toca e h pouco contato humano. Os pacientes foram reduzidos a objetos, e osmdicos a "frios" alimentadores de mquinas (Traduo prpria).

    297 Ibid.

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    Neste ponto, o autor questiona a relao entre sinestesia e percepo

    digital, e para isso relaciona a percepo digital com o modelo de

    conhecimento ocidental, onde os sentidos humanos so analisados

    separadamente. Ele apresenta a ruptura desse paradigma nas artes modernas,

    afirmando que esse fator contribui para um panorama favorvel sinestesia.

    [...] segue-se uma verdadeira epidemia de instalaes imersivas que envolvem

    imagens, sons, por vezes aromas, e muitas vezes sensores de movimento ou

    interaes tteis [... e que tais] modalidades sensoriais tornaram-se o modo

    corrente de manifestao e experincia na cultura contempornea [...] por toda a

    parte, infosensaes, produzidas e operacionalizadas pelo clculo digital, constitui

    o ambiente vivido, onde se inaugura a experincia do real (Basbaum, 201030

    ).

    Nesse sentido, conclui que a sinestesia possui vastas possibilidades em

    diferentes reas do conhecimento humano, o que a permite acessar e refletir

    inmeras facetas para os sentidos na contemporaneidade.

    No final do seu artigo, Basbaum conclui respondendo algumas questes

    pertinentes a sua linha de raciocnio. Dentre elas gostaria de destacar a

    seguinte: [...] qual o significado da experincia sinestsica? (Basbaum, 201031).

    A resposta a essa questo estende-se sobre as sociedades atuais que

    utilizam tecnologia, ou seja, sociedades que so tecnologicamente

    operacionalizadas, elucidando que:

    [...] As tecnologias [...] tm um impacto que lhes prprio sobre a percepo, e,

    em consequncia sobre a maneira como as sociedades significam a experincia

    (Basbaum, 201032

    ).

    Concluindo que o fenmeno da mediao digital cria um espao sensorial:

    [...] no qual todo o campo percebido a apresentao de clculos matemticos na

    forma de sensaes intercambiveis, de modo que o fundamento da experincia

    vivida se d a partir das interaes com a atualizao desses clculos [e que...] a

    307 Ibid.

    317 Ibid.

    327 Ibid.

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    sinestesia contempornea a sinestesia tecnificada, isto , a instalao do campo

    percebido como projeo de clculo (Basbaum, 201033

    ).

    As consideraes que Basbaum levanta sobre a tecnologia e a sinestesia

    na percepo digital, so de interesse a essa dissertao, pois servem como

    ponte para o entendimento da tecnologia do BrainPort que, por sua vez, possui

    os mesmos princpios dos games sinestsicos. No entanto, trataremos o

    BrainPort no prximo captulo, pois necessrio, antes, abordar uma outra

    vertente, um aspecto da sinestesia no contexto da deficincia visual, uma

    manifestao sinestsica que no necessita ser intermediada por nenhuma

    tecnologia, tal abordagem se faz necessria por refletir inmeras possibilidades

    inclusivas.

    3.3. Sinestesia natural, sem a intermediao tecnolgica

    Como vimos anteriormente, a tecnologia associada sinestesia

    possibilitaria auxlio a deficientes sensoriais, entretanto, no podemos restringir a

    metodologia de assistncia sinestsica a deficientes somente tecnologia, pois

    seria no mnimo tendencioso caso essa dissertao assim se posicionasse.

    Nesse sentido, apresento uma publicao do dia 27 de abril de 2008 pelo

    portal de notcias da Globo, onde foi veiculada uma reportagem sobre Ben

    Underwood, um jovem de 16 anos, que [...] criou uma espcie de sonar e se

    orienta pelo eco (G1, 2010b34). Estamos falando da ecolocalizao, ou seja, a

    capacidade de localizar objetos ou animais atravs da emisso de som, por meio

    da deteco de eco. Essa habilidade encontrada geralmente no reino animal

    em morcegos, golfinhos entre outros animais, mas Ben conseguiu desenvolv-la

    para os seres humanos. Vtima de cncer na retina, ele fez duas cirurgias,

    entretanto, na ltima acordou completamente cego. Incentivado por sua me a

    entender o mundo por meio dos outros sentidos, Ben [...] comeou a estalar a

    lngua e descobriu que era possvel enxergar com os ouvidos (G1, 2010b35).

    Quando se locomove com uma bicicleta, Ben sabe aonde esto todos os

    veculos da rua e consegue apontar at mesmo onde esto as rvores. S para

    337 Ibid.

    347 Ibid.

    357 Ibid.

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    ressaltar, estamos falando de um cego que consegue andar de bicicleta sem

    esbarrar nos objetos a sua frente36.

    Quando eu estava andando por aqui, antes, eu detectei a rvore. E agora

    sei exatamente onde ela est. Eu posso ouvir que tem uma rvore aqui (G1,

    2010b37), disse o adolescente, que explicou como consegue diferenciar uma

    rvore de um carro: A rvore muito menor, mais fina. O carro comprido.

    Mas saber o ambiente em que estou me ajuda muito. Se tivesse um carro no

    meio da floresta, talvez eu pensasse que fosse um animal ou qualquer outra

    coisa (G1, 2010b38).

    Infelizmente Ben Underwood faleceu na manh de 19 de janeiro de 2009

    aps rdua luta contra o cncer, mas sua histria deixou um legado, como o

    caso de Lucas Murray.

    Utilizando a mesma tcnica que Ben, Lucas Murray estala a lngua no cu

    da boca, e pelo som ele capaz de identificar a distncia, estimar a localizao,

    a densidade e a forma dos objetos a seu redor.

    [...] a distancia dos objetos [... estimada pelo] tempo que o eco leva para voltar

    [... j] a localizao [... compreendida] sabendo em que ouvido o eco percebido

    primeiro [... e finalmente] a densidade e a forma do objeto percebida pela

    intensidade do som que retorna (BBC Brasil, 201039

    ).

    Ou seja, as caractersticas dos objetos so percebidas pela qualidade do

    som que retornado.

    Aprofundando o debate sobre essa metodologia sinestsica natural,

    apresento uma publicao do dia 21 de julho de 2009, no Portal Terra, que traz a

    notcia de que haveria a possibilidade de enxergar pelo som. De acordo com o

    site, a ecolocalizao humana tem sido objeto de estudo de cientistas espanhis.

    Esses pesquisadores afirmam que h evidncias de que qualquer ser

    humano poderia utilizar a localizao por eco e que o rudo mais eficaz para tal

    finalidade seria o clique de palato, [...] um estalido ruidoso produzido quando a

    36Conferir em http://www.youtube.com/watch?v=qLziFMF4DHA.

    377 Ibid.

    387 Ibid.

    397 Ibid.

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    ponta da lngua rebaixada para encontrar o piso da boca (Portal Terra,

    201040).

    A metodologia consistiu em observar Daniel Kish, cego desde o

    nascimento e usurio da ecolocalizao. Apoiando-se em seu mtodo, Kish

    consegue praticar diversas atividades como mountain biking e inmeros esportes

    que utilizam bola, sem necessitar de mecanismos acessveis.

    Com a finalidade de testar a metodologia de Kish e verificar sua aplicao

    em normovisuais, 10 universitrios foram instrudos por Kish a se locomoverem

    por meio da ecolocalizao.

    Os universitrios foram orientados a fechar os olhos e a produzir sons, at que

    aprendessem a distinguir se existiam objetos em torno deles. Depois de apenas

    alguns dias de treinamento, todos os participantes haviam conseguido

    desenvolver pelo menos um domnio bsico das tcnicas (Portal Terra, 201041

    ).

    De acordo com a reportagem, os pesquisadores solicitaram aos

    universitrios que produzissem trs tipos de sons [...] um rudo de tch, gerado

    pela lngua, um rudo de tch gerado pelos lbios; e o clique de palato (Portal

    Terra, 201042). No final da pesquisa, constatou-se que o som que fornece maior

    detalhamento espacial sob os entornos do emissor o clique de palato.

    A reportagem elucida ainda, que apesar dos seres humanos no

    disponibilizarem de uma estrutura especial para a ecolocalizao, como dispem

    os golfinhos, por exemplo, eles so capazes sim de aprender e utilizar essa

    tcnica.

    A reportagem esclarece que a dificuldade no aprendizado da

    ecolocalizao pode estar associada ao privilgio que damos a viso perante os

    outros sentidos, j que os seres humanos so animais visuais.

    Uma pessoa comum capaz de desenvolver capacidades razoveis de

    localizao por eco em prazo de cerca de um ms, caso se disponha a treinar uma

    ou duas horas por dia. J as pessoas que sofram de deficincias visuais tm a

    possibilidade de aprender a tcnica ainda mais rpido (Portal Terra, 201043

    ).

    407 Ibid.

    417 Ibid.

    427 Ibid.

    437 Ibid.

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    Ou seja, os deficientes visuais, que possuem maior desenvolvimento

    auditivo que um ser humano normovisual, esto mais aptos a aprender a

    ecolocalizao. De acordo com os estudos, esta tcnica alm de facilitar a

    locomoo dos deficientes visuais, pode ainda auxiliar equipes de resgate a

    encontrar pessoas em situao de neblina intensa, por exemplo, ou ajudar aos

    bombeiros a encontrarem a sada num resgate onde a fumaa predominante.

    Os pesquisadores apontam que os dispositivos artificiais que podem ser utilizados

    para localizao por eco, por exemplo, uma pulseira equipada com um apito

    peridico, ainda no to eficiente quanto um simples estalido com a lngua [...]

    porque no reproduzem totalmente a percepo hptica (tctil) dos ecos (Portal

    Terra, 201044).

    O interessante dessa tcnica a semelhana com a utilizao do

    BrainPort, onde pessoas normovisuais e deficientes visuais possam desfrutar da

    mesma metodologia, mas para fins diferentes (como o caso dos deficientes

    visuais e dos bombeiros), e justamente esse ponto que defendo o

    desenvolvimento dos games sinestsicos, pois incluiria os deficientes no

    universo dos jogos eletrnicos e ao mesmo tempo forneceria novas

    interatividades para jogadores sem deficincias sensoriais. O captulo que se

    segue abordar a tecnologia e a aplicao do BrainPort.

    447 Ibid.

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