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Informativo Nº 08 Brasília (DF) Março de 2012 InformANDES SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR - ANDES-SN Eleição ANDES-SN Biênio 2012/2014: Informações e calendário 3 Mobilização e unidade são desafios para a luta nas Federais 5 Intensificação do trabalho aumenta 6 e 7 Honduras é laboratório dos EUA para novas fórmulas de ditadura 14 a 16 Funpresp destrói pacto da classe trabalhadora A reforma da previdên- cia faz parte do plano maior de entrega do espaço público ao mercado financeiro, através do desmonte do Estado. Com a criação dos fundos de pen- são para os servidores, o governo Dilma dá seqüência à submissão do Estado ao capital e destrói pac- to mais belo dos trabalhadores: a previdência pública. Não apenas os novos serão angidos. O objevo é forçar os servidores já na ava a aderir aos fundos de pensão, uma vez que a previdência complementar precisará de um quadro de 400 mil associados em cinco anos, para que possa levar re- cursos suficientes para o merca- do. Para isso, o governo já vem usando de vários mecanismos de sedução, terror e até manipu- lação da opinião pública através da grande imprensa. 8 a 13

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Informativo Nº 08

Brasília (DF) Março de 2012InformANDES

SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR - ANDES-SN

Eleição ANDES-SN Biênio 2012/2014:Informações e calendário 3

Mobilização e unidade são desafios para a luta nas Federais 5

Intensificação do trabalho aumenta 6 e 7

Honduras é laboratório dos EUA para novas fórmulas de ditadura 14 a 16

Funpresp destrói pacto da classe trabalhadora

A reforma da previdên-cia faz parte do plano maior de entrega do espaço público ao mercado financeiro,

através do desmonte do Estado. Com a criação dos fundos de pen-são para os servidores, o governo Dilma dá seqüência à submissão do Estado ao capital e destrói pac-to mais belo dos trabalhadores: a previdência pública. Não apenas os novos serão atingidos. O objetivo é forçar os

servidores já na ativa a aderir aos fundos de pensão, uma vez que a previdência complementar precisará de um quadro de 400 mil associados em cinco anos, para que possa levar re-cursos suficientes para o merca-do. Para isso, o governo já vem usando de vários mecanismos de sedução, terror e até manipu-lação da opinião pública através da grande imprensa. 8 a 13

InformANDES/20122

Reiniciadas em fevereiro, passado o carnaval, só agora são retomadas as atividades políticas com força total. Não estivemos parados nes-

se período. Realizamos o 31º Congresso em Manaus-AM, fizemos reuniões dos Setores dos docentes das Ipes, das Ifes e das Iees, temos trabalhado intensamente na defesa dos “10% do PIB para a Educa-ção Pública, Já!”, na luta contra o estabe-lecimento dos fundos de pensão, este já aprovado na Câmara Federal. Tem ganho importância a construção do Espaço de Unidade e Ação e do Fórum das Entidades Nacionais dos SPF, que congregam um número significativo de entidades sindi-cais representativas dos movimentos e de suas lutas.

O movimento sindical está atento ao

que vem ocorrendo. Depois de um inters-tício de quase dois meses, o governo rei-nicia o diálogo com as entidades. Temos pressa. Afinal, o semestre está quase na metade e ninguém quer ouvir, no meio do ano, que não houve tempo para inclusões na lei orçamentária. Em outras palavras, já têm início as mobilizações tanto nos estados, onde os governos descumprem acordos, quanto em âmbito federal, para não cair nas armadilhas governamentais. Contudo, para alavancar e dar substância a essas ações é necessário agir, discutir nas bases, levar os graves problemas à compreensão dos companheiros e com-panheiras de categoria.

É tarefa de todos nós enfrentar as de-mandas locais, construir pautas que tra-duzam as nossas lutas gerais pela demo-

cracia, pela liberdade e respeito ao nosso trabalho, pela liberdade de organização sindical, em defesa da autonomia univer-sitária, de condições dignas de trabalho e de remuneração, e que fortaleçam, ao mesmo tempo, essas reivindicações e lutas em plano nacional.

Compreender essa integração das lutas locais e nacionais, mas levá-las adiante é fundamental, trabalho difícil que exige esforço, paciência e compreensão das diferenças possíveis de realidades. É inad-missível a imposição de um padrão sobre os outros. Só é possível lograr êxito se tivermos uma construção democrática de ação política suplantando a nossa ansie-dade para alcançar o objetivo da conquis-ta imediata. Mas, sempre em guarda, va-mos nessa linha para ganhar e conquistar.

Editorial

EXPEDIENTEO Informandes é uma publicação do ANDES-SN // site: www.andes.org.br // e-mail: [email protected] responsável: Luiz Henrique Schuch Redação: Renata Maffezoli, Rejane Medeiros Fotos: Renata Maffezoli, L. Schuch // Edição: Renata Maffezoli MTb 37322 // Diagramação: Ronaldo Alves DRT 5103-DF

InformANDES/2012 3Eleição

A Comissão Eleitoral Central (CEC), em reunião realizada no dia 9 de março, homologou a Chapa 1 “AN-DES – Trabalho docente e compro-

misso social” para concorrer a eleição do biênio 2012/2014 do Sindicato Nacional e decidiu pela não homologação da Chapa 2 “ANDES-SN para os professores”.

Segundo Hélvio Mariano, presidente da CEC, a chapa 2 não foi homologada porque não atendeu as exigências para registro. “Um dos motivos foi a apresentação de dois candidatos não sindicalizados ao ANDES-SN. A CEC também questionou a presença de candidatos de fora das regionais de origem”, contou Mariano.

Após a publicação da ata com a im-pugnação, os integrantes da Chapa 2 encaminharam recurso à CEC. “Foi soli-citada a substituição dos nomes de não sindicalizados apresentados na nominata e a reconsideração em relação aos nomes dos que são de regionais diversas da base em que estão filiados”, explica o presidente da comissão.

A CEC se reuniu no dia 16 de março, porém por falta de quórum o recurso não foi analisado. Uma nova reunião foi con-vocada para o dia 21 do mesmo mês (data posterior ao fechamento desta edição).

Hélvio Mariano lembrou que termina, no final de março, o prazo para que as se-ções sindicais e as regionais enviem à CEC a relação completa de seus sindicalizados aptos a votar.

“Em breve, deveremos iniciar a confec-ção do material informativo do processo eleitoral para divulgação nas universidades e esperamos contar com grande participa-ção nas urnas, independente do número de chapas concorrentes”, disse.

MARÇO/2012Dia 15 – Data em que os eleitores deverão estar em dia com suas contribuições; Dia 16 – A Tesouraria do ANDES-Sindicato Nacional deverá encaminhar à Comissão Eleitoral Central a relação das seções sindicais que apresentaram dificuldades no repasse das contribuições a partir do 54º CONAD (Curitiba, julho de 2009), bem como a situação dos acordos a respeito dos repasses de contribuições em vigor até essa data.Dia 16 – Prazo para que as secretarias regionais forneçam a listagem completa dos sindicalizados, via secretaria regional, para as seções sindicais onde estes poderão votar.Dia 28 – Prazo para que as seções sindicais e secretarias regionais enviem à Comissão Eleitoral Central a relação completa de seus sindicalizados aptos a votar.

ABRIL/2012Dia 2 – Prazo máximo para divulgação, pela Comissão Eleitoral Central, dos colégios eleitorais, local e nacional. Dia 4 – Prazo para que as seções sindicais disponibilizem a cópia da lista de filiados aptos a votar aos representantes das chapas concorrentes, desde que por eles solicitada. Dia 5 – Prazo para que as seções sindicais que apresentam dificuldades em repassar as contribuições dos sindicalizados em razão de procedimentos administrativos das IES ou órgãos governamentais notifiquem à Comissão Eleitoral Central os motivos de tal fato.Dia 7 – Prazo máximo para solicitação de alteração na

composição da chapa. Dia 15 – Prazo máximo para definição e organização das seções eleitorais locais.Dia 20 – Prazo máximo para divulgação e envio à Comissão Eleitoral Central da composição das comissões eleitorais locais.

MAIO/2012Dia 1º – Prazo máximo para retificação na lista de sindicalizados. Dia 6 – Prazo para as chapas indicarem fiscais às Comissões Eleitorais Locais, para o processo de votação Dia 7 – Prazo para as chapas indicarem fiscais para a computação de votos pela Comissão Eleitoral Central. Dia 7 – Prazo para as chapas indicarem fiscais às Comissões Eleitorais Locais, para o processo de apuração.

Dias 8 e 9 – Eleições Dia 10 – Apuração de votos nas seções sindicais pelas Comissões Eleitorais Locais. Dia 12 – Computação dos votos pela Comissão Eleitoral Central, a partir das 16h. Dia 12 – Prazo para apresentação de recurso à Comissão Eleitoral Local, até às 9h, no máximo. Dia 16 – Prazo máximo para que as Comissões Eleitorais Locais encaminhem, por SEDEX, à Sede do ANDES-SINDICATO NACIONAL, os mapas, atas, listas de assinaturas.Dia 18 – Prazo máximo de Divulgação do Resultado OFICIAL.

JUNHO/2012Dia 2 – Prazo para entrega do relatório financeiro do processo eleitoral.Dia 21 – Posse da Diretoria eleita - Plenária de Abertura do 57º CONAD

Eleição ANDES-SN – Biênio 2012/2014Confira o calendário das eleições:

Mariano lembra que as Seções Sindicais devem estar atentas aos prazos regimentais da eleição

InformANDES/20124Movimento DocenteMovimento Docente

Se 2011 foi marcado por fortes mobilizações e greves em várias universidades estaduais, como as realizadas no Piauí, Bahia, Rio

Grande do Norte, Ceará, Paraná, entre outras, este ano parece que não será di-ferente, já que muitos acordos não foram plenamente cumpridos. No Paraná, por exemplo, mais de 90% da categoria para-lisou suas atividades no dia 7 de março e há possibilidade de que entrem em greve por tempo indeterminado.

No ano passado, o governo estadual apresentou uma proposta de implantação de um novo plano de carreira, mas no início deste ano voltou atrás, alegando falta de recursos. “A categoria está muito indignada com esse retrocesso e há um sentimento muito grande favorável à gre-ve”, adianta o presidente da Adunioeste, Antonio Bosi. Depois da paralisação no dia 7, quando também foi realizado um grande ato público em Curitiba, o governo ficou de apresentar uma proposta no dia 17 de março.

No Piauí, os docentes fizeram greve de 34 dias em 2011 e conseguiram uma reposição linear de 7,1%. Os problemas, no entanto, continuam.

“Além de reivindicarmos ganhos reais no salário, a nossa luta é pela contratação

de professores efetivos, já que 70% do quadro é de temporários, e de melhorias físicas nas dependências da universida-de”, afirma o diretor de comunicação da Associação dos Docentes do Centro de Ensino Superior do Piauí (Adcesp), Daniel Sólon.

No Rio Grande do Norte, onde os pro-fessores pararam as atividades por 106 dias, a expectativa é que o governo pague, em abril, a primeira parte do acordo, que prevê um reajuste de 10,65% este ano; 7,43% em 2013 e 7,43% em 2014. Na Universidade Estadual de Montes Claros, os docentes conseguiram a definição da data-base, em outubro, e a luta, este ano, é para que haja ganhos reais além da inflação.

Já no Rio de Janeiro, a categoria começa o ano mobilizada em busca da implantação da dedicação exclusiva. De acordo com o Plano de Cargos e Salários, aprovado em 2008, o governo teria de enviar até o final de 2011 uma proposta de criação do regime de dedicação exclusiva. Durante o ano passado, os professores fizeram pa-ralisações e conseguiram que a Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro fizesse uma audiência pública sobre o assunto.

Como o ano terminou sem o envio da

proposta, a categoria promete intensificar a mobilização já no primeiro semestre.

AutonomiaAs lutas dos docentes, no entanto, vão

muito além do salário e um dos pontos que mais tem mobilizado os professores é a questão da autonomia universitária. Na Bahia, apesar de terem conseguido um reajuste acima de inflação, os professores das quatro universidades estão preocu-pados com um projeto que o governador Jaques Wagner (PT) já anunciou a título de “regulamentar” a autonomia universitária.

O que se prenuncia é a redução no repasse de recursos. Para o coordenador geral do sindicato docente da Universidade Estadual de Feira de Santana (Adufs), Gean Santana, a medida seria uma forma “de o governo economizar com a educação e assim ter mais recursos para aplicar em áreas que beneficiam diretamente os setores mais poderosos, como é o caso do agronegócio”.

E mesmo nos estados em que há prote-ção legal de vinculação dos recursos, como na Paraíba, o governador tem se negado a repassar o que é devido para a universida-de. Em São Paulo, ocorre o mesmo e só em 2011 as universidades estaduais deixaram de receber R$ 270 milhões.

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Docentes das estaduais intensificam mobilizações

Em 2011, na Bahia (foto) e em várias outras Iees, docentes ocuparam as Câmaras Legislativas de seus estados

InformANDES/2012 5

O ano começou difícil para os do-centes das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes). Com a morte de Duvanier Paiva em

janeiro, a agenda de negociações em torno da reestruturação da carreira docente foi suspensa. Agora, após a posse do novo Secretário de Relações do Trabalho do Ministério do Planejamento, Sérgio Men-donça, a expectativa é que os trabalhos sejam retomados ainda em março.

O ANDE-SN vem pressionando para a agilização do processo e por diversas vezes protestou contra a morosidade do governo em dar andamento à negociação com os professores. Na reunião realizada no início do mês de março, os representantes do setor definiram uma agenda de luta e estratégias de ação para mobilizar a categoria em torno da reestruturação da carreira docente e da campanha salarial 2012, através de ativi-dades locais nas universidades, de forma articulada, e também atividades nacionais como a grande marcha que acontece, em Brasília, no dia 28 de março, com o objetivo de romper a intransigência do governo.

Tudo indica que, apesar de Mendonça ter sinalizado que irá discutir as reivindicações conjuntas e as específicas dos servidores públicos, o processo será duro, pois, já em 2011, o governo apontou que não haveria reajuste para o serviço público neste ano.

Vale lembrar que os professores das Ifes só terão reajuste salarial se o mesmo for concedido de forma conjunta a todos os servidores públicos federais. Isso porque, a Constituição Federal de 88 assegura a revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices a todos os traba-lhadores do serviço público (veja no Box).

Além disso, foram tantos os obstáculos, desvios e adiamentos interpostos pelo governo neste processo, que tornam cada vez mais remotas as perspectivas de se alcançar, até 31 de março, um acordo que possibilite a implementação do plano de carreira pretendido pelos docentes, bem como a aprovação no Congresso do PL 2203/2011, que trata do primeiro passo

para corrigir as distorções da carreira de professor federal.

Por isso, a orientação do setor das Ifes é que se faz urgente ampliar a mobilização e reforçar a unidade dos professores e o diálogo com a sociedade para o enfrenta-mento que se aproxima.

As assembléias gerais têm demonstrado crescente indignação e disposição para a luta. Já não basta denunciar o descaso do governo com os professores das univer-sidades públicas federais e o descumpri-mento do acordo firmado. Para garantir seus direitos, os docentes de todo o país deverão voltar às ruas.

Movimento Docente

Constituição Federal, Art. 37, inciso X: “a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4o do art.39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices;”

Professores federais precisam se unir para garantir conquistasFortalecer a mobilização nas bases e a unidade de ação em todo o país é o desafio para os professores das Ifes

InformANDES/20126

A carga horária continua inalte-rada, mas o trabalho está mais intenso e estressante. Nada de tempo para refletir e fim do

ambiente criativo, que foram substituídos por uma demanda cada vez maior por produtividade instrumental, inclusive ocupando os momentos de lazer. Essa tem sido a conclusão unânime feita pelos estudiosos do mundo do trabalho, como o professor da Universidade de Brasília e um dos fundadores do ANDES-SN, Sadi Dal Rosso, que tem como objeto de es-tudo as relações de trabalho.

Autor de livros como “Mais trabalho! A intensificação do trabalho na socie-dade contemporânea” e “As condições de trabalho no limiar do século XXI”, entre outros, Sadi foi um dos primeiros pesquisadores brasileiros a se debruçar sobre o tema e a identificar os efeitos do modo de produção contemporâneo sobre os trabalhadores.

“Inicialmente, havia uma crença que a tecnologia faria surgir uma sociedade diferente, superior, mas não vejo mudan-ças qualitativas”, afirma. Na verdade, o que existe hoje é uma pressão para que se produza mais em menos tempo. É exi-gido do trabalhador que ele desenvolva atividades diferentes e com um esforço maior do ponto de vista intelectual e emocional e um envolvimento contínuo com suas tarefas, inclusive fora do seu local de trabalho.

Para o presidente do Instituto de Pes-quisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcio Pochmann, constata-se hoje a adoção crescente dos métodos patronais que le-vam à intensificação e extensão da jornada de trabalho, por meio do atendimento das novas demandas informacionais (por tele-fone celular, computador, internet), o que representa ganhos de produtividade cada vez mais fundados no trabalho imaterial, o qual não tem sido objeto de negociação nos acordos coletivos.

“O que termina por esconder a sofisti-cação da brutalidade resultante da inten-sificação e extensão do labor sob as novas

tecnologias de informação e comunicação”, acusa Pochmann no artigo “Extensão e intensificação do trabalho”. Ele defende que haja uma modificação na Consolidação das Leis Trabalhistas para que esse trabalho imaterial seja calculado e pago.

Essa nova forma de trabalho, segundo Pochmann, tem provocado um sofrimento individual generalizado e o avanço da de-pressão e do suicídio devido ao paradoxo entre o trabalho prolongado e extenuante e o medo do desemprego. Para Sadi, a maior produtividade atual tem seu preço “nas novas formas de doenças e em mais afastamentos do trabalho”.

Professores doentesA professora do Programa de Pós

Graduação em Educação do Centro Universitário Moura Lacerda de Ribei-rão Preto, Gisela do Carmo Lourencetti, concluiu na sua tese de doutorado sobre a intensificação do trabalho docente no ensino médio, que a profissão está passando por uma crise, que se traduz na desmotivação pessoal, nos altos ín-dices de absenteísmo, no abandono, na insatisfação e na indisposição.

“Desequilíbrios psicológicos, estresse, mal-estar e a sensação de frustração

física e emocional são hoje caracterís-ticas da nossa profissão”, constata a pesquisadora.

Ela concluiu que a intensificação pro-duz uma grande contradição: ao mesmo tempo em que o profissional precisa ter mais habilidades, não consegue se manter atualizado em sua especialidade.

Sadi Dal Rosso argumenta que a reali-dade dos professores universitários não é diferente. “Ainda que não haja formal-mente um alargamento de jornada, as demandas são de natureza tal que levam todos os docentes a intensificarem seu trabalho, inclusive os jovens iniciantes, que já são levados a terminar rapidamen-te seus mestrados e doutorados”, conclui.

Ele citou o exemplo da Universidade de Brasília, que aumentou de 15 para 17 semanas o semestre e que pontua os pro-fessores com mais alunos. “Isso se deve ao Reuni, que é o câncer da universidade porque está expandindo na quantidade, mas não na qualidade, exigindo-se cada vez mais trabalho”.

A intensificação do trabalho se traduz no produtivismo acadêmico, que impõe aos docentes verdadeiras maratonas de orientações e publicações de arti-gos, além do trabalho em sala de aula.

Mundo do Trabalho

Intensificação do trabalho aumenta

InformANDES/2012 7

O que é intensificação do trabalho?É quando a jornada de trabalho permanece a mesma,

mas há um aumento do número de atividades feitas no mesmo período. Desde os anos 80, há um processo cres-cente intensificação do trabalho, porque naquele período houve muita demissão de mão-de-obra, o chamado proces-so de reestruturação produtiva. Os empregos diminuíram, mas as atividades continuaram as mesmas ou aumentaram. Com isso, você tem o processo de intensificação. A década de 80, tanto no Brasil como fora daqui, foi uma época de reorganização do processo de trabalho, com redução dos postos de trabalho e com a terceirização de atividades não vistas como centrais. Um bom exemplo é o setor bancário, o antigo caixa passou a ser um vendedor de serviços e exer-ce três ou quatro atividades.

A intensificação a partir da década de 80 teria relação com a inserção das tecnologias da informação no trabalho?Sim. Marx já falava, em "O Capital", que a nova tecnolo-

gia trazia novos processos, os quais as pessoas tinham que aprender e desenvolver. Então, a tecnologia que a princípio parece uma questão indiferente, não é, pois pode aumentar a disponibilidade da pessoa para o trabalho.

Quem se beneficia do aumento do ritmo dos trabalhadores?Os beneficiários são as empresas, os grandes negócios do

mundo capitalista ou mesmo dos governos, pois o trabalha-dor deixa de trabalhar no ritmo que seria mais confortável para ele, passando a produzir de acordo com o que é ditado pela máquina.

O senhor disse que o trabalhador deve ser dono do seu tempo. Como isso pode ser alcançado?A consigna de se ter o controle do trabalho é histórica na

luta dos trabalhadores, desde o trabalho escravo, passan-do pelo servil, até chegar ao assalariamento. Agora, como fazê-lo? Então, a luta dos movimentos sociais do trabalho deve ser neste sentido: de aumentar o controle que os trabalhadores têm sobre o processo do trabalho, mas isso é um enfrentamento, é uma luta. De todo modo, acho que esse é um objetivo a ser buscado, temos de buscar o con-trole do nosso tempo.

“Antes, a docência era vista como uma atividade leve. Agora, está todo mundo comprimido”, afirmou a professora do curso de Serviço Social da UFRJ, Janete Luzia Leite, que foi uma das participantes do seminário “Ciência e Tecnologia no Século XXI”, promovido pelo ANDES-SN

em novembro do ano passado. Ela coordena um grupo de estudo

que analisa a saúde dos docentes. “Os resultado preliminares são assustadores. Estamos nos aproximando de profissões que trabalham no limite do estresse, como os médicos e motoristas”, afirmou.

O resultado é que os docentes estão consumindo mais álcool, tonificantes e drogas e estão propensos à depressão e ao suicídio. “É um quadro parecido com a Síndrome de Burnout, em que a pes-soa se consome pelo trabalho”, explicou Janete Leite.

Mundo do Trabalho

Para o professor Sadi Dal Rosso, a intensificação do trabalho decorre, diretamente, das novas tecnologias e foi ampliada a partir da década de 80, quando postos de trabalho foram eliminados em todo o mundo. Leia, a seguir, parte da entrevista que o professor da UnB concedeu ao Informandes, após participar de uma atividade do sindicato.

Professor defende que trabalhador deve ser dono do seu tempo

Dal Rosso durante XVI Encontro Nacional sobre Assuntos de Aposentadoria do ANDES-SN, em novembro de 2011

InformANDES/20128Matéria Central

O ano de 2012 iniciou com a sinalização do governo de que iria investir todos os esforços para aprovar, no Congresso, os

projetos que julgava prioritário ainda no primeiro semestre. Entre eles, o Código Florestal, a Lei da Copa e o PL 1992/07, que cria o Fundo de Pensão para os ser-vidores públicos. Em comum, todos os projetos prevêem a submissão do Estado aos interesses do grande capital.

Entidades de classe e movimentos sociais vêm travando uma incansável batalha para tentar barrar o trator do governo e também para sensibilizar a opinião pública a ouvir além dos argumentos oficiais de que as mudanças são necessárias e iminentes.

A atitude do governo Dilma Rousseff não é novidade. A atual chefe do Esta-do brasileiro apenas dá continuidade a mesma equação econômica dos governos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. As privatizações, assim como a reforma da previdência, fazem parte de um plano maior de entrega do espaço público ao mercado financeiro, através do desmonte do Estado.

No caso da previdência dos servidores públicos, o projeto ainda tramita no Se-nado. Se as emendas sejam aprovadas,

Funpresp coloca em risco aposentadoria de todos os servidoresCom a criação dos fundos de pensão para o serviço público, Dilma dá seqüência à submissão do Estado ao capital e destrói pacto mais belo dos trabalhadores

Segundo Sara Granemann, os fundos de pensão começaram na década de 1950, na General Motors dos Estados Unidos. Em resposta a uma grande greve realizada pelos trabalhadores, o presi-dente da empresa propôs o seguinte: "ao invés de lhes dar possibilidade de consu-mir mais laranjas e leite no tempo pre-sente, quando vocês são fortes e podem continuar trabalhando, façamos um acor-

do e vocês terão a mesma quantidade de laranjas e de leite na velhice".

Os trabalhadores, preocupados em proteger-se na velhice, quando já não mais conseguiriam trabalhar, aceitaram o que ele propunha, que era a previdência complementar fechada, mais conhecida como fundo de pensão.

Foi um grande achado do então presi-dente da GM para o capital, porque men-

salmente a empresa passou a administrar parte de recursos tirados do trabalhador, mais outra parte como contribuição patronal, que poderiam ser usados na própria instituição. Tudo com a promessa de que no futuro os trabalhadores teriam mais leite e laranjas na velhice. Os fatos, no entanto, mostraram que os fundos de pensão servem mais ao capital do que ao trabalhador.

Fundos de pensão começaram na GM

A luta pela previdência pública é antiga. Em 2003, milhares de docentes foram às ruas e aderiram à greve dos servidores em protesto à contra-reforma desencadeada por Lula

InformANDES/2012 9

ele volta para a Câmara. Longe de querer assumir um discurso derrotista, os sindi-catos representantes das categorias dos servidores públicos apontam que é preciso estar preparado para caso o projeto ser aprovado.

“Muitos pensam que o projeto só atinge os novos servidores. Ele atinge essencialmente os novos, mas também a todos os trabalhadores do funcionalismo e também o serviço público”, alerta a pro-fessora Sara Granemann, da Associação dos Docentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Adufrj).

Ela ressalta ainda que, caso aprovada, a previdência complementar precisará de um quadro de 400 mil associados em cinco anos, para que possa levar recursos suficientes para o mercado. “Será desenca-deada uma forte campanha pelo governo Dilma Rousseff para que servidores públi-cos da ativa se filiem ao fundo”, alertou.

Vale lembrar que a adesão ao fundo de pensão para os servidores que já estão na ativa é opcional, mas, uma vez determinada, é irrevogável e irretratável. “Precisamos convencer nossa base a não aderir ao fundo, pois a sedução do governo e a pressão para que isso aconteça será grande”, destacou Sara, ressaltando que essa será a segunda parte da longa luta contra a privatização da previdência.

Neste aspecto, é preciso recordar que o instituto do “direito adquirido” dos servidores públicos vem sendo constan-temente atropelado, com respaldo do Judiciário, em assuntos que envolvem grandes interesses econômicos.

A diretora do Sindilegis, Lucieni Perei-ra, reforça ainda que além do clima de sedução, os servidores públicos devem esperar também o jogo do terror para empurrar grande parcela do funcionalismo já em exercício a destinar seus proventos para a Funpresp. “Nos últimos oito anos as negociações têm nos levado a aceitar mudanças na nossa condição de trabalho.

Matéria Central

Para Lucieni, a Funpresp é um modelo draconiano. “Se o fundo quebrar o trabalhador vai rezar para que o governo injete dinheiro para resgatar a instituição”, ressaltou.

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InformANDES/201210

Agora, não será diferente”, avalia. A subdivisão da remuneração dos ser-

vidores em várias linhas no contracheque, imposta nos últimos anos, e que reduziu vencimento básico a uma pequena parcela, aumentando a insegurança para o futuro é apenas um exemplo que ilustra a fala da auditora da União.

Lucieni atenta para o fato de que só quem ganha acima do teto do INSS é que vai ter direito à contribuição patronal da União ao Funpresp. “Além disso, a previ-dência complementar é só para aposen-tadoria e pensão. Se um servidor ganha acima do teto do INSS e é afastado por problemas de saúde, ele passa a receber o valor do teto sobre o qual contribui como salário e não sua remuneração integral, como acontece atualmente. Ou seja, se o servidor recebe R$ 10 mil, irá ganhar me-nos de R$ 4 mil enquanto estiver afastado. Isso afeta tanto os novos quanto aqueles que já estão na ativa”, explicou.

Uma extensa campanha contra o fun-cionalismo e destacando as ‘maravilhas’ da previdência complementar já foi desencadeada na grande imprensa. Na mesma semana em que o PL 1992/07 foi votado na Câmara, o Jornal Nacional da Rede Globo trouxe uma série de repor-tagens especiais sobre o tema, inclusive entrevistando pessoas que já contribuem para algum tipo de fundo de pensão e se dizem satisfeitas.

No entanto, o que a matéria não des-tacava é que, no caso dos servidores públicos, a previdência complementar funcionará na base de contribuição defi-nida (CD), e não benefício definido (BD). Com isso, é impossível saber qual o valor do benefício que será recebido, deixan-do à sorte das oscilações do mercado a complementação da aposentadoria de milhares de trabalhadores.

Será que estes personagens usados pela Rede Globo, assim como os servidores que contribuírem à Funpresp, se dirão satisfeitos quando começarem a receber um valor ínfimo de retorno às suas contribuições, caso aqueles que administram o fundo invistam em ações que não dêem retorno?

Há poucos anos, o mundo testemunhou a quebra de grande bancos e fundos de pensões nos Estados Unidos e na Europa, motivados pela crise financeira internacio-nal, iniciada com a explosão da bolha do mercado imobiliário. Em seguida, o que se viu foi um movimento dos governos e fundos monetários para socorrer estas instituições, o que foi apoiado pela popula-ção, preocupada com suas aposentadorias.

Segundo Osvaldo Coggiola, em seu

texto “A falência Mundial dos Fundos de Pensão”, a estratégia da reforma ora em pauta é ditada pelas necessidades do grande capital em crise, inspirada pelo Banco Mundial.

Além disso, vai na contramão da His-tória, ao adotar um modelo que está demonstrando ou já demonstrou sua inviabilidade na maior parte do mundo. “A adoção das reformas em pauta, se concretizada, só deixam entrever um futuro sombrio para a nossa e as futuras gerações”, conclui o 3º vice-presidente do ANDES-SN.

Sara Granemann avalia também que o

projeto faz parte da idéia maior de destruir o pacto social mais belo que os traba-lhadores conseguiram construir dentro da lógica do capital. “A Funpresp nada tem a ver com a idéia de previdência da Comuna de Paris, aquela construída pela classe trabalhadora, solidária, coletiva”, ressalta a professora (Confira entrevista nas próximas páginas).

Além de destruir ideológica e economi-camente esse pacto, a lógica dos fundos de pensão é ainda mais cruel, pois acaba por jogar trabalhadores contra trabalhadores, algumas vezes sendo exploradores da sua própria mais valia, e ainda contribuindo para o desmonte do Estado.

Ao depositar seus rendimentos num fundo que investe em ações no mercado, o trabalhador passa a torcer para que

os papéis rendam – o que depende da ampliação da margem de lucro que só

acontecerá com a exploração e o acha-tamento salarial dos funcionários dessas empresas.

Fora isso, atualmente os fundos de pensão investem quase 50% do montante que arrecadam (R$ 350 bilhões, próximo ao orçamento da Seguridade) na compra de títulos da União, fazendo crescer ex-ponencialmente a dívida pública.

Desta forma, os fundos são respon-sáveis, com outros capitais pela ma-

nutenção das taxas de juros do país. Caso os servidores públi-

cos venham a aderir à previdência comple-mentar, serão tam-

bém responsáveis pelo desmonte do Estado brasileiro.

Matéria Central

InformANDES/2012 11Matéria Central

Previdência complementar promove a exploração do trabalhador

Estudiosa dos fundos de pensão, a professora do curso de serviço social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e militante do ANDES-SN Sara Granemann é uma crítica qualificada dos fundos de pensão, modelo que o governo quer implantar com o Fundo de Previdência dos Servidores (Funpresp). Nesta entrevista, ela mostra porque o Fundo não é bom nem para os servidores, nem para o país.

Em 2006, a senhora defendeu a sua tese "Para uma interpretação marxista da previdência complementar". O que a levou a se debruçar sobre o tema?Como estudiosa do Estado e o capitalismo

contemporâneo, eu vinha percebendo uma inflexão nas políticas sociais, que deixaram de ser aquelas ações dos grandes equipa-mentos públicos do Estado e se transforma-ram numa quantidade de dinheiro entregue à população. O governo passou, então, a usar as bolsas como forma de intervir sobre a questão social, que é o nome acadêmico para denominar as lutas de classe. Mais do que ajudar o miserável que recebe pouco mais de R$ 100 do Bolsa Família, o que é algo absolu-tamente indigno, essa política favorece aos bancos, que representam a fração da classe capitalista que, com o neoliberalismo, passou a comandar o Estado

Inicialmente, preocupava-me saber por que as políticas sociais estavam se redefinindo. Mas, era preciso estudar o Estado e a minha pergunta inicial era por que a previdência so-cial estava sendo tão atacada e desmontada. Entendi que a previdência social precisava ser desmontada tanto ideologicamente, quanto na sua estrutura financeira, para que fosse dado espaço para o crescimento da previdência pri-vada. Eu vi que tinha uma dinâmica, uma rela-“O Funpresp vai introduzir uma lógica muito perversa na nossa carreira”, alertou Sara Granemann.

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ção dialética entre o desmonte de uma para a abertura do espaço da outra.

Outra coisa que percebi é que não existia, antes do meu trabalho, uma análise crítica sobre a previdência complementar no Brasil. O que havia era muita produção a serviço do mercado, da reprodução e ampliação dos fun-dos de pensão.

Sua tese demorou quanto tempo para ficar pronta?Demorou 6 anos, pois no ano de 2003 tive

de abandoná-la para participar dos movi-mentos populares e da mobilização dos ser-vidores públicos contra a reforma da previ-dência do governo Lula. A pesquisa já estava pronta em 2003, mas deixei a tese esperando e assumi uma militância intensa. Nesse ano, fiz, como militante do ANDES-SN, 340 deba-tes, no país inteiro.

Como é estrutura a previdência social brasileira?A partir da Constituição Federal de 1988, a

previdência passou a fazer parte da seguridade social, que junta num mesmo orçamento as políticas de saúde, previdência social e assis-tência social. A seguridade é financiada por dois impostos importantes, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CCSLL) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e tem um orçamento gigantesco, que corresponde a algo em torno de 25% a 30% do orçamento geral. Temos um modelo que per-mite a maior política de distribuição de renda que existe na América Latina, beneficiando diretamente cerca de 25 milhões de pessoas e, indiretamente, 80 milhões.

E com todas essas fontes de receitas, a previdência ainda é deficitária, como alega o governo?Não, pelo contrário. A única forma de que-

brar a previdência social brasileira é separan-do o orçamento da seguridade, dividindo os impostos para cada uma das contas, um para a saúde, outro para a previdência e outro para assistência. Na primeira década deste século, o superávit, segundo a Associação dos Fiscais da Previdência (Anfip), chegou à soma de R$ 800 bilhões. Isso é muito mais do que o orçamento da saúde. E esse dinheiro vai para onde? Ele é recolhido ao Tesouro e é utilizado para fazer o pagamento dos juros de títulos da dívida, que, em geral, são detidos por essa fração do capital financeiro que comanda o Estado e, pasmem, pela previdência com-plementar privada. Então, você torna mais precarizada a previdência pública para que a previdência complementar cresça.

Essa é a mesma lógica que faz o governo, hoje, insistir na criação do Funpresp.É o mes-

mo que aconteceu na escola pública: o ensino fundamental foi quebrado para que a o ensino privado pudesse ter espaço para vender a sua mercadoria. A diferença é que na previdência os recursos entram todos os meses. Se somar-mos os recursos da previdência complementar fechada, que são os fundos de pensão, o or-çamento da seguridade social e mais a previ-dência complementar aberta, chegamos a uma cifra próxima de R$ 1,5 trilhão por ano.

A previdência aberta, em números arredon-dados, movimentava no Brasil, em 2003, entre R$ 32 e R$ 40 bilhões. Hoje, em menos de 10 anos, com a contra-reforma da Previdência realizada por Lula para os servidores públicos em 2003, movimenta cerca de R$ 400 bilhões.

Quando os fundos de pensão foram implantados no Brasil?Na década de 70, com os fundos de pensão

das empresas estatais, como Banco do Brasil, Petrobras e Caixa Econômica. Também foram criados fundos nas grandes multinacionais, como GM, Scania e Wolkswagen. Na pesquisa que fiz para a minha tese, descobri que nesse período, os empresários questionavam, na revista Visão, que era o veículo porta-voz do empresariado nacional no período, de onde viriam os recursos para alimentar o mercado financeiro, que tinha sido reestruturado pelos militares. A resposta: dos fundos de pensão. Então, no Brasil, os fundos de pensão são, cla-ramente, uma estratégia do grande capital. E, assim como no Chile e na Argentina, só pude-ram ser implementados com o cancelamento das liberdades democráticas.

Para obter o apoio da classe trabalhadora, o capital buscou o envolvimento dos trabalhado-res na gestão dos fundos, pois tanto maior será o envolvimento dos trabalhadores com essa forma de previdência privada, menor será a luta

pela previdência social. Os trabalhadores devem se sentir participantes, controladores desses recursos, o que é uma renomada ilusão, pois a lógica do capital não é controlável pelo traba-lhador que pensa geri-la. E, mais do que isso, o representante da classe trabalhadora na gestão desses fundos deve ser alguém que seja refe-rência para os trabalhadores. Por quê? Porque o capital começou a ver que seria mais fácil fazer a defesa da previdência complementar se um trabalhador identificado pela classe, que tenha sido dirigente sindical e partidário defender a ideia. Para a massa da sua base, essa pessoa, que sempre lutou por melhorias das condições de trabalho dos trabalhadores, foi sindicalista, dirigente cutista e petista, ela continuará, por longo tempo, sendo, na massa da sua base, a re-ferência de que o fundo de pensão é melhor do que a previdência social. E são essas pessoas que atualmente, 40 anos após a criação dos fundos de pensão, ocupam altos postos no governo.

Hoje, temos de 340 a 400 fundos de pensão e temos o maior das Américas, ou o 39º do pla-neta, que é a Previ, dos trabalhadores do Banco do Brasil. Os outros dois grandes fundos são o Petros e Funcefe. Os analistas do mercado ava-liam que ainda há muito espaço para crescer, daí porque a pressão para que seja aprovado o Funpresp, o qual, segundo os analistas, deverá ser o maior do mundo, superando, inclusive, o Fundo de Previdência dos Professores da Cali-fórnia, que hoje é o maior.

A senhora, em outros momentos, disse que os fundos de pensão provocam a exploração do trabalhador, como isso ocorre?É que os fundos de pensão aplicam basica-

mente em Bolsas de Valores e em títulos da dívida pública. Quanto mais alta esteja a taxa de juros, mais interessante é aplicar em títulos

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“O discurso da elite é que o Estado precisa ser desmontado, porque é ineficiente”, observou a professora da UFRJ.

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públicos, que eles chamam, em geral, de renda fixa. Quando cai a taxa de juros, a aplicação é feita em ações das empresas nas bolsas de valores, que em geral são chamadas de renda variável. Eles também têm de investir em em-préstimos a juros baixos, mas o percentual é pequeno. Então, a lógica é muito dura. Um fun-do de pensão de um conjunto de trabalhadores para ter a expectativa, não a garantia, de uma aposentadoria melhor, vai depender dos juros altos, que causa a desindustrialização do país, o achatamento salarial e o desemprego.

A outra forma é a seguinte: Marx demonstra que, na lógica capitalista, para uma empresa ser lucrativa e ter as suas ações valorizadas, ela deve promover a exploração do trabalho, a extração de mais valia. Então, o fundo de pensão do Banco do Brasil vai atrás das em-presas que têm maior lucratividade, ou seja, as que têm maior capacidade de explorar o trabalhador. Acontece a absurda situação que é um trabalhador do fundo de pensão tem que torcer, em última instância, ainda que não saiba disso, para que o trabalhador da empresa no qual o fundo tem aplicação seja cada vez mais explorado, mesmo que seja ele mesmo, ou seu filho. Então, a lógica é da quebra da relação de unidade da classe.

Aliado a isso, no final do governo FHC foram aprovadas leis complementares, a 108 e a 109, que disciplinam o funcionamento dos fundos de pensão. Desde então, só há a possibilidade de contribuição definida, mas não do benefício definido. Então, o trabalhador que já não tinha, no benefício definido, segurança de que teria aposentadoria (é bom lembrar que o fundo da Varig deixou os trabalhadores sem emprego e sem aposentadoria) agora, só sabe o quanto contribui, mas não tem a certeza do quanto re-ceberá. O resultado vai depender, em 30 anos, das oscilações e das crises do modo de produ-ção capitalista, das mudanças nos mercados de capitais no mercado financeiro. É absolutamen-te inseguro para o trabalhador.

Em 2005, foi sancionada a lei de falências, que também veio prejudicar os participantes dos fundos de pensão. Até então, quem tinha previdência complementar por benefício de-finido tinha prioridade sobre a massa falida das empresas. Ou seja, podiam receber antes dos bancos e do fisco toda a quantidade que tinham contribuído ao fundo. Com a lei, só pode receber de R$ 30 a R$ 40 mil, depois entra na fila.

Veja o quanto nos distanciamos da Comu-na de Paris, que foi o primeiro momento em que os trabalhadores criaram uma rede de proteção para amparar aqueles que não po-diam trabalhar. Agora, o que pode prover uma aposentadoria é a lógica da exploração, do capital e do lucro.

Lula criou as condições para a previdência complementar, mas só agora a presidente Dilma resolve tirar o projeto da gaveta. Por que esse lapso?Na nossa avaliação, do ANDES-SN, Lula fez a

contra-reforma da Previdência no seu momen-to de maior força. Ele tinha uma popularidade imensa e logo após tomar posse leva a pro-posta de contra-reforma da Previdência para o Congresso Nacional acompanhado de todos os ministros e da maioria dos governadores que o apoiavam.

Na verdade, essa demora na aprovação da Funpresp decorre de uma divisão técnica do trabalho. Fernando Henrique Cardoso faz a contra-reforma para os trabalhadores empre-gados diretamente pelo capital, mas não pôde fazer para os servidores públicos porque o petismo tinha uma representação parlamentar muito grande entre os servidores e barraram a previdência complementar do PSDB. Lula fez a primeira contra-reforma dos servidores, mas nós reagimos. Colocamos 80 mil pessoas em Brasília, quando ninguém dizia que a gente teria força para fazer aquela greve, aquelas mobilizações. De toda forma, ficou prevista na Constituição a criação do fundo. De 2003 para cá, o petismo ficou muito desgastado entre os servidores, que eram base segura do PT. Além disso, o governo teve de fazer escolhas depois do escândalo do mensalão e preferiu não cen-trar esforços no Funpresp.

O Funpresp provoca muitas divisões, entre os servidores que recebem abaixo e acima do teto, entre os atuais e os futuros aposentados e entre quem já está no serviço público e aqueles que esperam entrar. Como unificar a luta diante desse quadro?Essa é uma questão central. Temos de fazer

um esforço enorme em busca da unidade, pois o Funpresp é nefasto para os novos servidores públicos, para os atuais e até mesmo para um trabalhador que não esteja no serviço público. Agora, é claro que é uma luta difícil, pois há uma batalha ideológica na qual o discurso da elite é de que o Estado precisa ser desmon-tado porque é ineficiente. É preciso dizer que há uma redução do Estado para os direitos do trabalhador e um Estado balofo, agigantado,

para o capital. Não há, por exemplo, falta de dinheiro para pagar quase R$ 1 trilhão de juros e para as obras do PAC, Olimpíadas, Copa do Mundo e construção de hidrelétricas e termo--elétricas pela Amazônia. Há, sim, uma falência gigantesca do Estado do bem estar social.

Caso o Funpresp seja aprovado, a adesão é voluntária para quem entrou pós-2003 e obriga-tória, apenas, para quem entrar após a aprova-ção. É por isso que o governo está represando a contratação de pessoal, mesmo existindo cerca de 100 mil vagas. A estimativa do governo é de que logo nos primeiros cinco anos o Funpresp tenha cerca de 400 mil filiados. Os primeiros 100 mil já estariam entre os servidores que seriam contratados logo após a sanção da lei.

O Funpresp vai introduzir, por exemplo, uma lógica muito perversa na nossa carreira. Os no-vos servidores, como não terão mais a integrali-dade, provavelmente defenderão gratificações, para potencializar o salário no tempo da ativa.

Como o governo passará a contribuir menos, o déficit, que dizem ter na previdência dos servidores, vai aumentar. Isso não seria um argumento para o governo, no futuro, manipular a opinião pública e forçar os atuais servidores a também aderirem ao Funpresp? Claro, pois desde Collor está presente um

discurso ideológico de que o servidor é um privilegiado. Mas nós não devemos esquecer que tanto o regime geral, como o regime próprio dos servidores não são deficitários. Outra coisa que não é dita é que o servidor público contribui sobre a totalidade dos seus vencimentos. Então, um professor que tenha um salário de R$ 7 mil, desconta de previdên-cia quase R$ 1 mil. Na lógica da previdência complementar, ele contribuiria com cerca de R$ 312,00 e mais os 7% sobre o que exceder. Digamos que um jovem doutor chegue rápido quase no topo da carreira, receba cerca de R$ 10 mil a R$ 12 mil. Eu tenho absoluta certeza que essa relação não permitirá que ele che-gue, ao se aposentar, com algo similar aos R$ 10 mil. Isso vai fazer com que permaneça em sala de aula, o que transformará em benção o aumento da idade para aposentadoria com-pulsória de 70 para 75 anos.

A batalha será dura, principalmente porque a categoria ficará dividida. Mas, apesar de o Funpresp atingir mais fortemente quem ainda vai entrar no serviço público, as mudanças nos dizem respeito. Os comunistas, os socialistas não fazem como o capital e pensam só no imediatismo, a nossa luta vai além dos direitos conquistados, dos aposentados e dos trabalha-dores da ativa. Tem de ser também para os que virão depois da gente.

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A nossa luta vai além dos direitos conquistados, dos aposentados e trabalhadores da ativa. Tem de ser também para os que virão depois da gente.

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Por Gabriel Brito, do Correio da Cidadania

Sob pressão das oligarquias locais, com a bênção da igreja e o impulso derradeiro oferecido pelo Poder Judiciário, o Exército hondure-

nho desalojou seu presidente Manuel Zelaya, ainda de pijamas, na manhã do dia 26 de junho de 2009, deportando-o imediatamente para a Costa Rica. Depois, o homem que jamais voltaria ao cargo conseguiu retornar clandestinamente ao país, alojando-se por cerca de dois meses na embaixada brasileira em Tegucigalpa. Essa é a parte célebre de toda a história que se segue.

Diante do conluio que se pretendia ‘legalista’ e a serviço da ‘ordem constitu-cional’, sem o uso dos tradicionais expe-dientes que marcaram inúmeros golpes militares, a grande mídia internacional, sempre obediente aos movimentos da Casa Branca, tentou dissimular, tratando friamente o assunto em seu início, tentan-do diferenciá-lo de outras quarteladas.

No entanto, a inequívoca reação po-pular de apoio a Zelaya, com milhões de pessoas saindo às ruas e sendo duramente reprimidas, com algumas centenas de mor-tes causadas pelas forças policiais, deixou claro a todo o planeta que estávamos testemunhando mais um triste golpe de Estado em uma sofrida república centro--americana, historicamente dominada em sua política pelos interesses do norte.

“O que aconteceu em Honduras foi uma nova fórmula de golpismo, que tentava ser silencioso e supostamente legal, mas que conforma o que chamo de ‘ditadura moderna’, isto é, com respaldo judicial e uma forte omissão das informações sobre o que realmente acontece no território”, conta o jornalista Ronnie Huete Salgado, que pela segunda vez se refugiou no Brasil, desta vez com pedido de asilo político já encaminhado em nossa Polícia Federal.

Membro da tradicional Frente Morazá-nica de Libertação Nacional, cujo nome alude ao herói da integração centro--americana Francisco Morazán (que che-gou a presidir a breve República Federal das Províncias Unidas da América Central,

tido por muitos como o Simon Bolívar da região), Ronnie tem trajetória de militân-cia na esquerda local e sempre aliou sua profissão à luta por um país mais justo e igualitário, sendo contumaz colaborador do que se chama de mídia alternativa, inclusive para meios estrangeiros.

Uma inequívoca ditadura“A primeira vez que vim ao Brasil foi em

2010, quando, junto de outros colegas, co-meçamos a receber ameaças dos golpistas, com mensagens no celular nos alertando de que estávamos falando demais. Fiquei uns dois meses em Florianópolis e voltei, pensando que as coisas tinham melhorado. Mas era um engano, em pouco tempo voltei a receber ameaças, pelo mesmo meio, e antes que fosse seqüestrado ou coisa pior, como vi ocorrer com alguns, voltei pra cá. Fiquei uma semana num alojamento do MST em Jacareí e agora estou em São Paulo, com pedido de asilo político já protocolado”, conta.

Sua situação é ilustrativa o bastante para que se compreenda que Honduras vive uma ditadura, sem nenhuma legitimi-dade e voltada aos interesses que sempre fizeram deste país superior apenas ao Haiti nos índices de desenvolvimento humano, econômico e social no continente. A des-peito das eleições de 2010, boicotadas

pela grande maioria da população, e do rápido retorno à OEA (Organização dos Estados Americanos), permitido pelos demais países do continente, “o país vive uma ditadura militar como aquelas que vimos no passado”, atesta.

Assassinada em dezembro por razões evidentemente políticas, a jornalista Luz Marina Paz, diretora do programa ‘Tres en La Noticia’, foi a 17ª profissional da área a perder a vida após denunciar as inumeráveis violações de direitos humanos e a corrupção do regime comandado por Roberto Micheletti e, depois, por Porfirio Lobo Sosa, o presidente eleito por menos de 15% dos eleitores no início de 2010.

Antes que pudesse engrossar tal lista, Ronnie decidiu abandonar definitivamente seu solo pátrio, chegando a São Paulo pouco antes do final de 2011. Como era

Honduras é laboratório dos EUA para novas fórmulas de ditaduras

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Combate ao narcotráfico é usado pelo governo como forma de justificar forte aparato policial

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de se esperar, a Sociedade Interamericana de Imprensa, sediada em Miami e agrega-dora dos principais, e mais conservadores, meios de comunicação do continente, só sabe silenciar sobre os delitos da ditadura hondurenha, ao passo que continua listan-do “violações” à liberdade de imprensa em países desafetos ou divergentes dos EUA, ou ainda governados por quem a oligarquia local não elegeu. Enquanto jornalistas são massacrados e perseguidos diuturnamente na paupérrima Honduras, a SIP se ocupa de denunciar “problemas” no exercício jornalístico em Cuba, Vene-zuela, Equador, Argentina, em pedaços não ‘tucanizados’ do Brasil.

Como forma de tentar angariar algum prestígio diante da população, o governo local, em expediente realmente aplicado em diversos países por ordem dos EUA, bate na tecla do combate ao narcotráfico, praticamente a única via que justificaria tanta repressão e policiamento nas ruas. “Mas no que eles estão de olho mesmo é na movimentação política, reuniões, arti-culações. Não se pode fazer uma reunião com celulares ligados. Lá, eu precisava trocar o número do celular a cada duas semanas, tirar o chip do aparelho no momento das reuniões, pois o rastrea-mento e a espionagem são incessantes e acontecem mesmo”.

Muitos interesses em jogo“Apesar de se dizer que a motivação

do golpe foi política, por conta das apro-ximações de Zelaya com países na mira dos EUA e a filiação de Honduras à ALBA, fundada por Hugo Chávez, as principais razões desse golpe são as riquezas natu-

rais. É o petróleo, novamente, que está por trás desse movimento”, explica, dando uma versão pouco difundida a respeito da derrubada do presidente eleito em 2006.

Como podemos lembrar, Zelaya havia convocado uma consulta popular a fim de debater possíveis mudanças na cons-tituição do país, assolado por enorme desigualdade social, bolsões de miséria e uma longa história de ‘quintal’ estadu-nidense, tal como outros países vizinhos, sempre atormentados pelas movimenta-ções escusas e silenciosas patrocinadas pela potência ainda dominante.

Diante da grande, praticamente certei-ra, possibilidade de o povo se mobilizar e aprovar prontamente a elaboração de uma nova constituição, mais democrática que a anterior e inspirada em processos vividos por países como Bolívia e Equador, a oligarquia hondurenha logo articulou um golpe ‘dentro das regras’, como se tentou alegar nos primeiros dias.

“Não existe o menor rastro de de-mocracia no país, o clima é de tensão permanente, a Frente Nacional de Resis-tência Popular continua tendo vários de seus militantes ameaçados, seqüestrados, mortos. A Conadeh (Comissão Nacional de Direitos Humanos) tem seus trabalhos sempre obstruídos, sem muitas garan-tias. A universidade também está toda militarizada, infiltrada até por agentes com experiência na guerra fria. Enfim, é uma ditadura em pleno vigor”, descreve o jornalista.

Ainda que nos primeiros dias Barack Obama, os EUA, OEA, União Européia tenham condenado a quartelada, logo foi possível notar a conduta dissimulada das principais potências, que tentavam manter uma aparência constitucionalista à situação hondurenha e ensaiaram alguns boicotes internacionais. O país chegou, inclusive, a ser afastado temporariamente da OEA.

“Apesar de certa reprovação internacio-nal, as coisas foram voltando ao normal. Por pressões empresariais, Honduras logo voltou à OEA e o golpe foi se consolidan-do. Mas Honduras não poderia retornar a este organismo, o que temos lá é uma ditadura total, e isso não mudou desde então”, reitera.

Além do mais, devemos recordar que, após o golpe, apesar das declarações em favor da ordem constitucional presidida por Zelaya, os EUA logo reativaram sua antiga base militar de Palmerola, local onde se treinaram milhares de agentes golpistas em tempos de guerra fria, preparando as milícias dos chamados “contras”, que foram lutar na Nicarágua, El Salvador e também

Após o golpe de Estado em Honduras, ocorrido em 2009, a ditadura militar convocou eleições para o final de no-vembro daquele ano. O ANDES-SN e a CSP-Conlutas foram as únicas entidades brasileiras que conseguiram enviar re-presentantes ao país, para acompanhar o processo eleitoral.

Representando o ANDES-SN, Hélvio Mariano, só conseguiu entrar em Hon-duras, após muitas negociações com o governo golpista que se instalou no país.

Confira abaixo relatos da época: “As eleições presidenciais em Hondu-

ras, realizadas no domingo (29/11), foram mais uma farsa armada pela ditadura mi-litar que governa o país, e que contaram com o apoio decisivo da mídia local e in-ternacional. Menos de 30% dos eleitores foram às urnas, em uma clara demonstra-ção de que a população do país não aceita a destituição de Manoel Zelaya, o presi-dente deposto pela ditadura militar.

Nas portas de cada seção, pelo menos dois soldados fortemente armados fa-ziam a segurança, enquanto outros ron-davam a região. No total, havia mais de 10 mil soldados do Exército só nas ruas da capital. A população estava atemo-rizada, principalmente em função das prisões ocorridas no dia anterior.

No dia seguinte à eleição, uma caravana convocada pela Frente Nacional de Resis-tência Popular Contra o Golpe de Estado – FNRP lotou as ruas da capital Tegucigalpa, concentrando-se em frente à Embaixada Brasileira e pedindo a volta de Zelaya ao poder. Por mais de seis horas os mani-festantes permaneceram no local, até a chegada de centenas de militares que obrigaram a multidão a se dispersar.

Nos lugares em que a caravana pas-sava, a população saía às ruas gritando “não votamos”, com as mãos erguidas, exibindo os “dedos limpos”. Em Hon-duras, os eleitores que votam têm os dedos marcados com uma tinta que leva pelo menos 24 horas para sair. Por isso, a exibição dos dedos limpos se tornou a marca tradicional da resistên-cia contra a farsa eleitoral apregoada como vencedora pelo regime de fato que governa o país.”

Testemunho: Dois dias de luta contra o golpe e a farsa eleitoral em Honduras

Enquanto população vive clima de terror, pouco se vê na grande imprensa sobre a violência e falta de liberdade de expressão no país

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Honduras em nome das sangrentas ditadu-ras que marcaram a década de 80 dessas sofridas nações, aniquilando, por exemplo, a Revolução Sandinista.

“Os EUA se declararam contra o golpe, mas logo depois reativaram a base militar de Palmerola. Isso oficialmente, porque na verdade eles controlam oito bases no país. A diferença é que as demais levam nomes de figuras históricas de Honduras e são aparentemente ‘nacionais’. Mas o controle e influência também são esta-dunidenses”, acrescenta.

Diante desse ainda mal interpretado golpe de Estado em era de globalização, de suposta consolidação dos ideais de de-mocracia pregados pelo Ocidente, Ronnie Salgado joga o raciocínio mais adiante, e afirma estarmos diante de um laboratório da CIA em seu país. “Eles querem testar esse tipo de golpismo, mais silencioso, com ajuda judicial e midiática, e ver aonde mais é possível levá-lo adiante. Honduras era um bom cenário para esse teste por ter um povo menos organizado e mobilizado”.

No entanto, como todo autêntico lu-tador popular, consegue enxergar luzes de esperança para os tempos vindouros. “Após o golpe muitos bairros populares e uma grande parte da população passaram a discutir política, se interessar em saber das coisas. Antes existia muita passivida-de, você tentava falar de política e quase ninguém se interessava. Hoje, se você estiver distribuindo panfletos políticos, eles acabam em poucos instantes. Por-tanto, existe esse ‘lado bom’, que temos de saber aproveitar para manter o povo mobilizado contra uma ditadura que todos os hondurenhos sabem ser inaceitável”.

Um sinistro porvir?Ainda que Honduras esteja experimen-

tando uma época de grande politização popular, não se pode negar, muito menos esquecer, a força da repressão oficial pa-trocinada, já de forma mais escancarada novamente, pela maior potência militar já produzida pela humanidade.

Como o mundo inteiro viu e permanece chocado, um trágico incêndio tomou conta da prisão de Comayagua, na madrugada do último dia 15 de fevereiro, acabando com a vida de ao menos 356 detentos em cenas de horror que abalarão o país por um bom tempo. Descrita por meio das imagens mais infernais que se possam imaginar, as centenas das mortes, extremamente dolorosas e arrepiantes, já fazem parte da triste história de opressão e castigo eterno aos pobres da América Latina.

Afastado de sua terra, Ronnie não

consegue precisar exatamente o que estaria à espreita de Honduras e conse-qüentemente do continente. Ligando os pontos, acredita “se tratar de algo maior, em escala continental, como forma de manter e renovar o domínio estaduni-dense na região. Nós sabemos também que existem, por exemplo, paramilitares colombianos envolvidos nos crimes contra nosso povo, em nome da ditadura”.

“Eu não consigo imaginar até onde isso vai. É muito estranho. Na segunda-feira, um alto comandante das forças armadas se suicidou, ainda sem motivos aparentes, um fato por si só bastante estranho de se ocorrer em altos escalões do exército. No dia seguinte, esse incêndio que matou centenas de pessoas. Eu pressinto que algo ainda está para acontecer no país”.

Ronnie refere-se ao coronel de artilha-ria René Javier Palao Torres, encontrado morto na segunda-feira, 13 de fevereiro, com um tiro na própria testa. Será difícil descortinar o que levou a esse inusitado suicídio e às possíveis tramas do gover-no hondurenho. Ainda mais em um país onde exercer o jornalismo pode custar a vida, tal como lhes ocorreu a 17 profis-sionais desde que Roberto Micheletti e seu sucessor Porfírio Lobo retomaram o poder hondurenho para as mãos da oligarquia, a igreja e o latifúndio locais, sob a indisfarçável aprovação do irmão gigante logo acima.

“Honduras é um país falido, ninguém quer investir lá e esse incêndio ilustra bem nossa era pós-golpe. Eu achava que algo estava se tramando para mais adiante. Porém, agora penso se não estão criando um fato de proporção internacional para distrair a opinião pública, e com isso apro-varem desde já políticas que intensifiquem a ditadura”.

De acordo com a descrição de Ronnie, trata-se de conhecido roteiro que muito interessa aos EUA e sua política externa militarista, dependente do ‘mercado da guerra’ para sustentar sua própria econo-mia interna. “Já temos uma lei de escutas (que permite às forças policiais grampear qualquer cidadão, sem ordem judicial prévia). Agora, existe uma movimentação no sentido de criar leis de interesse do mercado de segurança privada, e a tragé-dia serve para criar um clima favorável à aprovação dessas leis, mais investimentos em segurança e compra de muitas armas, além de licença para empresas do setor de outros países irem pra lá”.

Assim, devemos atentar seriamente para o alerta oferecido pelo jornalista exilado e acompanhar as próximas movimentações

geopolíticas no continente, como, por exemplo, o recente aumento do número de bases estadunidenses, a retomada da dura querela do arquipélago das Malvinas, o Acordo de Associação Trans-Pacífico e a reativação da IV Frota Naval, exatamente na região do pré-sal brasileiro. E não hesitar em dizer que há uma sanguinária ditadura militar em Honduras.

Matéria cedida pelo Correio da Cidadania (www.correiocidadania.org.br)

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Mesmo fortemente reprimida, hondurenhos vão às ruas contra a ditadura