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SIMULAÇÃO NUMÉRICA DE ESCOAMENTOS BIDIMENSIONAIS EM
CAMADAS LIMITES COM O USO DO MÉTODO DA MÉDIA AMOSTRAL
LAGRANGEANA
Ricardo Carvalho de Almeida
TESE SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DA COORDENAÇÃO DOS
PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO DE ENGENHARIA DA UNIVERSI-
DADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS
NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR EM CIÊNCIAS
EM ENGENHARIA CIVIL.
Aprovada por:
____________________________________________
Prof. José Luis Drummond Alves, D.Sc.
____________________________________________
Dr. Clemente Augusto Souza Tanajura, Ph.D.
____________________________________________
Prof. Alvaro Luiz Gayoso de Azeredo Coutinho, D. Sc.
____________________________________________
Dr. Augusto Cesar Noronha Rodrigues Galeão, D. Sc.
____________________________________________
Dr. Haroldo Fraga de Campos Velho, D. Sc.
RIO DE JANEIRO , RJ - BRASIL
JUNHO DE 2005
ALMEIDA, RICARDO CARVALHO DE
Simulação Numérica de Escoamentos
Bidimensionais em Camadas Limites com
o Uso do Método da Média Amostral La-
grangeana [Rio de Janeiro] 2005
IX, 211 p., 29.7 cm (COPPE/UFRJ,
D.Sc., Engenharia Civil, 2005)
Tese - Universidade Federal do Rio de
Janeiro, COPPE
1. Média Amostral Lagrangeana
2. Turbulência
3. Camadas Limites
4. Simulação Numérica
5. Método Semi-Lagrangeano
6. Dinâmica dos Fluidos Computacional
I. COPPE/UFRJ II. Título (série)
ii
DEDICATÓRIA
À minha esposa, Simoni; aos meus filhos, Maristela, Marina e Heitor Ricardo;
e aos meus pais, Therezinha e Waldemar.
iii
AGRADECIMENTOS
Desejo agradecer, primeiramente, a Deus, pois tenho a certeza de que se consegui
concluir este trabalho com êxito, foi pela graça do Pai, que me conduziu, sustentou e
inspirou ao longo desta jornada.
Agradeço, também, aos meus pais, Therezinha e Waldemar, que foram os primeiros
a me ensinar o valor do estudo e da busca pelo conhecimento e aperfeiçoamento pessoal.
À minha esposa Simoni, e aos meus filhos, Maristela, Marina e Heitor Ricardo,
agradeço pela tolerância, nos momentos em que não pude dar-lhes a atenção que mere-
cem, por estar envolvido neste trabalho, e pelo contínuo carinho e estímulo que recebi,
que muito me ajudaram a perseverar.
Ao Prof. José Alves, agradeço pela orientação, companheirismo e confiança durante
todo o meu curso de Doutorado. Ao Dr. Clemente, meu co-orientador, e Prof. Alvaro, Dr.
Galeão e Dr. Haroldo, membros de minha banca, agradeço pelas sugestões e comentários
que muito contribuíram para o aprimoramento da versão final desta Tese.
Finalmente, agradeço ao Prof. Roger Terry Williams, da Naval Postgraduate School,
por me apresentar, em 1990, as idéias da análise de problemas de dinâmica dos fluidos no
referencial lagrangeano, que acabaram vindo a ter um papel fundamental neste trabalho
de pesquisa.
iv
Resumo da Tese apresentada à COPPE/UFRJ como parte dos requisitos necessários para
a obtenção do grau de Doutor em Ciências (D.Sc.)
SIMULAÇÃO NUMÉRICA DE ESCOAMENTOS BIDIMENSIONAIS EM
CAMADAS LIMITES COM O USO DO MÉTODO DA MÉDIA AMOSTRAL
LAGRANGEANA
Ricardo Carvalho de Almeida
Junho/2005
Orientadores: José Luis Drummond Alves
Clemente Augusto Souza Tanajura
Programa: Engenharia Civil
Este trabalho apresenta o método da Média Amostral Lagrangeana (MAL) para o
tratamento das equações de Navier-Stokes, visando a solução numérica de problemas de
escoamentos em camadas limites. O método baseia-se na hipótese de que os movimen-
tos nas pequenas escalas são responsáveis pela uniformização de propriedades físicas em
porções infinitesimais de fluido por um processo de mistura, representado matematica-
mente por um operador linear de média. Ao se aplicar a MAL às equações de Navier-
Stokes para um fluido incompressível, no referencial lagrangeano, observou-se que a
forma funcional das equações não se alterou, mantendo o número de incógnitas igual
ao das equações disponíveis. Evitou-se, assim, o problema de fechamento, e o número
de graus de liberdade do problema foi reduzido. As equações agregadas resultantes são
solucionadas numericamente com o emprego do método semi-lagrangeano. Para vali-
dação do método MAL foram realizadas simulações bidimensionais dos seguintes escoa-
mentos: ao longo de uma placa plana em baixos números de Reynolds; em uma esteira
turbulenta; em um jato turbulento; em uma camada de mistura turbulenta; e em um canal
turbulento, emReτ= 237,Reτ= 409 eReτ= 517. As simulações foram comparadas a
resultados analíticos e experimentais, e verificou-se que as principais características dos
escoamentos foram adequadamente reproduzidas. O método MAL mostrou-se capaz de
simular condições de escoamento em transição; a presença de cascata de energia inversa;
e escoamento na presença de gradiente de pressão adverso. Todas as simulações foram
numericamente estáveis e tiveram um baixo custo computacional. A simplicidade na
implementação e os bons resultados obtidos sugerem que o método MAL pode ser com-
petitivo com outros métodos aplicados atualmente na solução numérica de problemas de
camada limite.
v
Abstract of Thesis presented to COPPE/UFRJ as a partial fulfillment of the requirements
for the degree of Doctor of Science (D.Sc.)
NUMERICAL SIMULATION OF TWO-DIMENSIONAL BOUNDARY LAYER
FLOWS WITH THE USE OF THE LAGRANGIAN SAMPLE MEAN METHOD
Ricardo Carvalho de Almeida
June/2005
Advisors: José Luis Drummond Alves
Clemente Augusto Souza Tanajura
Department: Civil Engineering
This work introduces the Lagrangian Sample Mean (LSM) method for the treatment
of the Navier-Stokes equations in order to solve boundary layer flow problems numeri-
cally. The method is based on the hypothesis that the small scale motions are responsible
for the homogenization of the physical properties in infinitesimal fluid parcels, by means
of a mixing process. Such a process is mathematically expressed as a linear averaging
operator. When the LSM is applied to the Navier-Stokes equations for an incompressible
fluid in the lagrangian frame of reference the functional form of the resulting equations
is the same of the original ones, and the number of unknowns remains the same of the
available equations. Therefore, the number of degrees of freedom of the problem is re-
duced without the occurrence of the closure problem. The resulting system of equations
is solved numerically by using the semi-lagrangian method. In order to validate the LSM
method, two-dimensional simulations of the following flows were made: along a flat
plate at low Reynolds numbers; in a turbulent wake; in a turbulent jet; in a mixing layer;
and in a channel atReτ= 237,Reτ= 409 andReτ= 517. The simulations were com-
pared to analytical and experimental results and it was verified that the main features of
the flows were properly replicated. The LSM method was able to simulate the transi-
tion to turbulence; the occurrence of inverse energy cascade; and flow in the presence
of an adverse pressure gradient. All simulations were numerically stable and had a low
computational cost. Also, the implementation of the method was very simple. The good
results of the study suggest that the LSM method can be competitive with other methods
presently applied to obtain numerical solutions of boundary layer problems.
vi
Sumário
1 INTRODUÇÃO 1
2 O MÉTODO DA MÉDIA AMOSTRAL LAGRANGEANA 15
2.1 Conceituação do Método . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
2.2 Definição e Propriedades da Média Amostral Lagrangeana . . . . . . . . 18
2.3 Aplicação da Média Amostral Lagrangeana às Equações de N-S . . . . . 21
2.4 Aplicação do Conceito de Média Amostral às Equações de N-S no Refe-
rencial Euleriano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
3 O MÉTODO SEMI-LAGRANGEANO (S-L) 27
3.1 Descrição do Método S-L . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
3.2 Propriedades do Método S-L . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
3.2.1 Estabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
3.2.2 Acurácia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
3.3 Aplicações do Método S-L . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
4 IMPLEMENTAÇÃO NUMÉRICA DO MÉTODO DA MÉDIA AMOSTRAL
LAGRANGEANA 38
4.1 Discretização das Equações de N-S Agregadas . . . . . . . . . . . . . . . 39
4.2 Algoritmo para a Solução Numérica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
5 O PROBLEMA DO ESCOAMENTO AO LONGO DE UMA PLACA PLANA
E NA ESTEIRA ADJACENTE 42
vii
5.1 O Problema do Escoamento ao Longo da Placa Plana . . . . . . . . . . . 42
5.2 O Problema do Escoamento na Esteira Distante . . . . . . . . . . . . . . 48
5.3 Solução Numérica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
5.3.1 Geometria do Domínio e Condições de Contorno . . . . . . . . . 54
5.3.2 Simulações Numéricas e Resultados para a Placa Plana . . . . . . 57
5.3.2.1 Experimento PLACA 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
5.3.2.2 Experimento PLACA 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
5.3.3 Simulação Numérica e Resultados para a Esteira . . . . . . . . . 76
6 O PROBLEMA DO ESCOAMENTO EM UM JATO 90
6.1 Apresentação do problema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
6.2 Solução Numérica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
6.2.1 Geometria do Domínio e Condições de Contorno . . . . . . . . . 94
6.2.2 Simulação Numérica e Resultados . . . . . . . . . . . . . . . . . 96
7 O PROBLEMA DO ESCOAMENTO EM UMA CAMADA DE MISTURA 112
7.1 Apresentação do problema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112
7.2 Solução Numérica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115
7.2.1 Geometria do Domínio e Condições de Contorno . . . . . . . . . 115
7.2.2 Simulações Numéricas e Resultados . . . . . . . . . . . . . . . . 117
8 O PROBLEMA DO ESCOAMENTO EM UM CANAL 131
8.1 Apresentação do problema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131
8.2 Solução Numérica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 136
8.2.1 Geometria do Domínio e Condições de Contorno . . . . . . . . . 136
8.2.2 Simulações Numéricas e Resultados . . . . . . . . . . . . . . . . 138
8.2.2.1 Experimento CANAL 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . 138
8.2.2.2 Experimentos CANAL 2 e CANAL 3 . . . . . . . . . . 153
9 CONCLUSÃO 166
viii
A CONCEITOS, DEFINIÇÕES E EQUAÇÕES BÁSICAS SOBRE ESCOA-
MENTOS EM CAMADAS LIMITES 174
A.1 As Equações de Navier-Stokes (N-S) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 174
A.2 Médias das Equações de N-S . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177
A.3 As Equações da Camada Limite . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183
A.4 Escalas Turbulentas de Kolmogorov . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 186
A.5 Representação do Espectro Unidimensional da Turbulência . . . . . . . . 187
A.6 Turbulência Bidimensional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191
A.7 A Hipótese de Taylor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 195
A.8 Medidas da Camada Limite . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 196
A.8.1 Espessura da camada limite e espessura de deslocamento . . . . . 196
A.8.2 Espessura de quantidade de movimento . . . . . . . . . . . . . . 196
A.8.3 Espessura de energia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197
A.9 A Lei da Parede . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 198
ix
Capítulo 1
INTRODUÇÃO
Na natureza, a maioria dos escoamentos de fluidos são turbulentos. Os escoamentos la-
minares fazem parte da exceção na dinâmica dos fluidos, e não da regra [1]. Embora a
turbulência esteja presente com frequência nas experiências do mundo real, e seja ob-
jeto de intensa pesquisa científica, não existe nem mesmo unanimidade em sua definição.
De acordo com Tennekes e Lumley [1], tudo o que se pode fazer no sentido de definir
a turbulência é listar algumas das características principais dos escoamentos turbulen-
tos, a saber: irregularidade, difusividade, associação a números de Reynolds elevados,
tridimensionalidade das flutuações de vorticidade, dissipação, validade da hipótese do
contínuo, e ser caracterizada pelas propriedades do escoamento, não pelas propriedades
físicas do fluido. Para Kundu [2] as principais características dos escoamentos turbu-
lentos são as seguintes: aleatoriedade, não-linearidade, difusividade, vorticidade e dissi-
pação. Silveira Neto [3], por sua vez, apresenta as seguintes características como as mais
importantes da turbulência: alta difusividade, rotacionalidade e tridimensionalidade, dis-
sipação, validade da hipótese do contínuo, imprevisibilidade e associação a altos números
de Reynolds, com um largo espectro de energia.
As três referências citadas acima ilustram a complexidade do assunto. Devido a tal
complexidade, a turbulência (e a transição à turbulência, um tópico a ela correlato) tem
sido um assunto dentre os mais intensamente pesquisados no último século [3]. Apesar
desse esforço, não existe ainda uma abordagem geral para a solução de problemas de
1
escoamentos turbulentos. Devido a essa falta de generalidade, o sucesso nas tentativas
de solucionar esses problemas possui grande dependência na inspiração envolvida em se
adotar uma determinada hipótese [1], ou seja, ainda há uma grande dose de subjetividade
no tratamento do problema.
Embora a dinâmica dos fluidos seja uma disciplina das ciências exatas, algumas das
maiores contribuições teóricas nesse campo dependeram da intuição física incomum de
alguns cientistas [2]. A habilidade em se identificar as características mais importantes
do problema da turbulência vem sendo continuamente colocada à prova, em virtude das
equações de Navier-Stokes, que governam o movimento dos fluidos newtonianos vis-
cosos, possuírem soluções analíticas apenas para alguns poucos casos triviais. Apesar
dessas equações terem sido formuladas há mais de um século, não foi descoberta ainda
uma forma universal de solução analítica exata de um problema de dinâmica dos fluidos
a partir delas, para condições de contorno apropriadas ao problema. Do interesse em
se resolver o problema numericamente, surgiu a Dinâmica dos Fluidos Computacional
(DFC), que trata da análise numérica dos escoamentos [4].
A utilização de simulações numéricas para a solução de problemas de escoamentos
turbulentos tem uma dificuldade inerente, conhecida comoproblema de fechamento[5].
Este problema decorre do fato do número de incógnitas presentes no sistema que descreve
os escoamentos turbulentos ser maior que o número de equações, e está associado à
característica de não linearidade da turbulência. Ele permanece ainda hoje, como um
problema da física clássica não solucionado.
O problema do fechamento surge a partir do momento em que as equações de Navier-
Stokes são decompostas, de forma a se expressar o comportamento médio do escoa-
mento separadamente de suas flutuações. As novas incógnitas que surgem, que estão
relacionadas às flutuações, precisam, de alguma forma, ser expressas em termos de va-
riáveis para as quais existam equações, de maneira a tornar o número de equações igual
ao de incógnitas. A este procedimento chama-semodelagem da turbulência1.
1O modelo turbulentoutilizado para representar os termos referentes às flutuações é também conhecidocomoesquema de fechamento turbulento. A comunidade científica dos fluidos geofísicos, por sua vez, uti-liza mais comumente o termoparametrização da turbulência. Neste trabalho estes termos serão utilizados
2
A modelagem da turbulência é uma aproximação da natureza, na qual a equação
que descreve o comportamento real de uma variável é substituída por uma aproximação,
construída artificialmente. Novamente, a intuição física tem papel fundamental no de-
senvolvimento de um modelo turbulento, pois envolve a interpretação humana e a cria-
tividade do pesquisador [5].
De acordo com Wilcox [6], a modelagem da turbulência é colocada juntamente com
a geração de grades (ou malhas) e o desenvolvimento de algoritmos como os três ele-
mentos chaves da DFC. Aquele autor considera que dos três elementos, a modelagem
da turbulência é o que atingiu menor precisão, devido ao fato de seu objetivo ser o de
representar de forma aproximada um fenômeno extremamente complicado. O mesmo
autor considera que “um modelo ideal deve introduzir o mínimo em complexidade, en-
quanto captura a essência física relevante”. Por outro lado, como a turbulência é carac-
terizada como sendo um fenômeno inerentemente tridimensional e variável no tempo,
uma enorme quantidade de informações é necessária para uma completa descrição de um
escoamento turbulento. Assim, é esperado que quanto mais complexo seja o problema
a ser resolvido, mais sofisticado (ou menos simples) deverá ser o método de solução a
ser adotado. Logo, o requisito de simplicidade do modelo de turbulência será relativo à
complexidade do problema a ser solucionado.
A abordagem numérica da DFC tem demonstrado ao longo do tempo ser mais poderosa
que as soluções analíticas aproximadas do passado. A DFC tem permitido o cálculo de-
talhado de características essenciais dos escoamentos, contribuindo não apenas para a
solução de problemas práticos de engenharia e geociências, mas também para um melhor
entendimento da física da turbulência. É destacado por Cebeci e Cousteix [4] que existe
um contínuo interesse por métodos que permitam o aumento na acurácia da solução de
formas mais completas das equações de conservação que regem a dinâmica dos fluidos.
A solução numérica de problemas de escoamentos turbulentos pode ser definida, em
termos científicos gerais, comosimulação, no qual o comportamento característico de
um certo sistema, que é um fluido real, é obtido por meio de um outro sistema, no
indistintamente.
3
caso um programa de computador, que tenta caracterizar esse comportamento [7]. O
estado do fluido, por sua vez, pode ser representado em uma grande variedade de for-
mas. Utilizando como exemplo a massa de gás contida em um cilindro rígido, podemos
representar o seu estado em uma forma altamente agregada, por meio da especificação
de sua temperatura e pressão. Nesta situação teríamos apenas dois graus de liberdade
no sistema. Poderíamos também utilizar uma representação essencialmente não agre-
gada do sistema, por meio da especificação da posição e quantidade de movimento de
cada molécula de gás. Neste caso haveria, efetivamente, um número infinito de graus de
liberdade na descrição do sistema.
Os escoamentos normalmente encontrados na natureza envolvem um grande número
de graus de liberdade, refletido, por exemplo, pelo número de Reynolds. Essa carac-
terística torna ainda inexequível a simulação direta exata desses sistemas em sua forma
altamente desagregada. Para contornar essa dificuldade, recorre-se ao uso de equações
descrevendo sistemas ligeiramente mais agregados, reduzindo-se o número de graus de
liberdade. Os esquemas de fechamento turbulento buscam obter as equações que si-
mularão de forma aproximada o comportamento de um fluido real.
De maneira geral, os modelos de fechamento turbulento são baseados em propriedades
estatísticas do escoamento e são expressos por relações matemáticas entre os momentos
estatísticos de diferentes variáveis características do escoamento. Quanto mais alta a
ordem dos momentos estatísticos envolvidos no modelo turbulento mais elevada será a
ordem do fechamento. É normalmente aceito que as equações para as variáveis estatísti-
cas de mais baixas ordens (médias de quantidade de movimento ou de fluxos) tornam-se
mais acuradas à medida que se utilizam parametrizações de mais altas ordens. Entre-
tanto, torna-se extremamente difícil obter momentos estatísticos de ordem muito elevada
em escoamentos reais, em virtude de limitações de precisão nas medições, que fazem
com que erros e ruídos atinjam níveis próximos aos dos sinais de interesse [5]. Um outro
aspecto a ser observado é que quanto mais elevada a ordem do esquema de fechamento
turbulento adotado, maior será o número de coeficientes empíricos a serem utilizados e de
4
grandezas a serem computadas, com o consequente aumento de incertezas e dificuldades
relacionadas à solução das equações [8]. Ainda analisando os esquemas de fechamento
de ordem mais alta, Kraus e Businger [9] citam que tais esquemas podem produzir simu-
lações realísticas em problemas de camada limite planetária em situações especiais, mas
ao custo de perda de generalidade e pouca clareza da natureza física das aproximações
adotadas.
A impossibilidade de serem obtidas soluções analíticas para as equações de Navier-
Stokes em situações geralmente observadas na natureza tornou necessária a utilização de
métodos numéricos para a solução de problemas de escoamentos turbulentos, tanto para
atender a aplicações práticas, quanto para gerar dados e informações que permitissem
o aprimoramento teórico do assunto. Os esquemas de fechamento turbulento utilizados
nesses métodos envolvem uma grande subjetividade, por dependerem da intuição física
dos cientistas que os desenvolveram, e não podem ser considerados como de aplicação
generalizada, além de demandarem um esforço computacional considerável para seu pro-
cessamento.
As primeiras teorias semi-empíricas sobre esse assunto tentaram estabelecer relações
para o fechamento turbulento tratando de forma análoga a troca (ou transferência) de
quantidade de movimento em escoamentos laminares e turbulentos. Boussinesq [10],
citado por Deschamps [11], introduziu o conceito deviscosidade turbulenta, posteri-
ormente generalizado por Kolmogorov [12], citado por Deschamps [11], com base na
premissa de que as tensões de Reynolds agem no fluido de forma análoga às tensões
viscosas. A partir daí, surgiram modelos cujo objetivo era expressar a viscosidade turbu-
lenta.
Nos modelos algébricos de comprimento de misturaa viscosidade turbulenta é ex-
pressa em termos de um comprimento de mistura, que é definido como a distância transver-
sal ao escoamento percorrida por uma partícula antes de perder a identidade. Essa
hipótese, idealizada por Prandtl [13], citado por Deschamps [11], possui diversas res-
trições, sendo a principal delas o fato de moléculas e estruturas turbulentas (vórtices)
5
serem fundamentalmente diferentes [6]. Portanto, a analogia na qual o modelo se ba-
seia não possui consistência física. Outro problema é a necessidade de se empregarem
coeficientes e correções empíricas para cada tipo de escoamento que esteja sendo simu-
lado, carecendo, portanto, de falta de generalidade na aplicação. Sobre essas restrições,
Niller e Kraus [8] comentam que, embora os modelos algébricos baseados na hipótese
do comprimento de mistura sejam largamente utilizados, eles possuem fundamentação
física precária. Tennekes e Lumley [1] são mais incisivos em sua crítica a esses mo-
delos e consideram que a teoria do comprimento de mistura é “inútil porque não pode
prever nada substancial; ela é frequentemente causa de confusão, pois não podem haver
duas versões dela que concordem entre si”. Wilcox [6], por sua vez, considera que esses
modelos podem ser utilizados apenas na simulação de escoamentos para os quais eles
estejam bem calibrados, uma vez que dependem do emprego de coeficientes empíricos
específicos para cada tipo de escoamento.
Uma outra abordagem baseada no conceito de viscosidade turbulenta é a dosmodelos
de uma equação não algébricos, que utilizam a equação do transporte de energia cinética
turbulentak. Uma premissa básica desses modelos, estabelecida por Prandtl [14], citado
por Wilcox [6], é a existência de uma condição de equilíbrio local nos escoamentos turbu-
lentos, onde a produção e a dissipação de energia cinética turbulenta estão praticamente
balanceadas.
Esses modelos representaram um avanço em relação aos modelos algébricos. Entre-
tanto, ainda baseavam-se no conceito de comprimento de mistura, e dependiam da pres-
crição antecipada do valor dessa grandeza. Deschamps [11] observa que, com exceção
de escoamentos em geometrias simples, é bastante difícil a implementação desses mode-
los. Para Wilcox [6], o sucesso desses modelos é comparável ao dos modelos algébricos,
assim como as deficiências, sendo uma delas a falta de generalidade para aplicação.
Visando eliminar a dependência na prescrição antecipada do comprimento de mistura,
foram desenvolvidos osmodelos de duas equações, que baseiam-se na utilização de uma
equação para a obtenção de uma velocidade característica, e outra para a determinação
6
de uma escala de comprimento. Tendo-se definido essas duas grandezas, obtém-se a
viscosidade turbulenta.
Os modelos de duas equações têm como base a equação da energia cinética turbu-
lenta para a obtenção da velocidade característica. A escala de comprimento, por sua
vez, pode ser obtida adotando-se diferentes estratégias. Wilcox [6] cita, por exemplo,
as seguintes abordagens: Kolmogorov [12], que utilizou uma equação para a chamada
razão de dissipação específicaω ; Chou [15], que propôs o emprego de uma equação
para adissipação da energia cinéticaε ; e Zeierman e Wolfshtein [16], que introduziram
uma equação de transporte para o produto dek e de uma grandeza chamadatempo de
dissipação da turbulênciaτ .
Wilcox [6] destaca que uma das principais fontes de incerteza nos modelos de duas
equações está na segunda equação de transporte, que complementa a equação dek, e
que não é claro nem mesmo qual a segunda grandeza mais apropriada para a aplicação
de um modelo desse tipo. O mesmo autor também observa que, como os modelos de
duas equações se baseiam na hipótese do equlíbrio local, deve-se esperar que eles sofram
da mesma falta de generalidade dos modelos de uma equação, e que sua aplicação a
escoamentos turbulentos que não estejam em equlíbrio deverá produzir resultados de
pouca acurácia.
Entre os modelos de duas equações, omodelok− ε é aquele que, ao longo do tempo,
tem recebido maior atenção, tanto para aplicações práticas quanto para pesquisa. O prin-
cipal trabalho sobre ele é da autoria de Jones e Launder [17], citados por Wilcox [6] e
Deschamps [11].
Wilcox [6] observa que todos os modelos de duas equações utilizam coeficientes de
fechamento empíricos, quando da substituição das incógnitas que incluem correlações
duplas ou triplas de flutuações de grandezas por expressões algébricas. Essas expressões,
por sua vez, baseiam-se em propriedades conhecidas da turbulência e do escoamento
médio. O mesmo autor cita que, devido à fundamentação teórica da turbulência não ser
suficientemente completa para permitir a obtenção desses coeficientes de forma exata, os
7
modelos são desenvolvidos com base, principalmente, em análise dimensional, cabendo
ao pesquisador escolher os tipos de escoamentos que serão utilizados para a determinação
dos coeficientes de fechamento (próximos a paredes, camadas de mistura, esteiras, etc.), e
tentar, empiricamente, obter as relações mais gerais possíveis. Em resumo, a escolha dos
escoamentos para a determinação dos coeficientes de fechamento é fortemente subjetiva,
e baseia-se na intuição física de quem está desenvolvendo o modelo. Essa característica
implica, portanto, em falta de generalidade também nos modelos de duas equações. Por
exemplo, Deschamps [11] cita que o modelok − ε apresenta deficiências significativas
nas seguintes situações: escoamentos na presença de curvatura das linhas de corrente;
escoamentos sob a ação de gradientes de pressão adversos; escoamentos em regiões de
separação; e em jatos. De acordo com aquele autor, os erros do modelo têm como origens
o emprego de uma relação de viscosidade turbulenta análoga à aplicada a um escoamento
laminar, e a pouca fundamentação física na equação de transporte deε.
Ao longo do tempo tem havido o desenvolvimento de variações nos modelos de duas
equações. Wilcox [6] avalia que, apesar desses modelos serem mais gerais que outros
menos complexos, eles são deficientes em algumas aplicações, e as deficiências estão
fundamentalmente relacionadas à utilização da hipótese da viscosidade turbulenta de
Boussinesq.
Buscando evitar o emprego da hipótese de Boussinesq, foram desenvolvidos osmode-
los de transporte de tensões de Reynolds, que visam obter diretamente equações de trans-
porte para essas tensões. Para Wilcox [6], esses modelos permitem maior generalidade
de aplicação, ao custo de um esforço considerável no estabelecimento de aproximações
para o fechamento das equações. Os trabalhos de Chou [15] e de Rotta [18], citados
por Wilcox, foram os primeiros a propôr o fechamento das equações de transporte das
tensões de Reynolds. Nesses modelos, a necessidade de fechamento leva à utilização de
numerosos coeficientes empíricos, demandando um elevado esforço de intuição física e
engenhosidade para obtê-los [6].
Apesar dessas dificuldades, os modelos de transporte de tensões de Reynolds repre-
8
sentaram um importante avanço em relação aos modelos de duas equações, especialmente
nos casos onde esses últimos são mais deficientes (curvatura de linhas de corrente, es-
coamentos tridimensionais e fluidos em rotação, por exemplo). Entretanto, eles ainda
apresentam limitações relacionadas ao emprego de equações oriundas dos modelos de
duas equações, que adotam a hipótese da viscosidade turbulenta.
Os modelos baseados na viscosidade turbulenta e os modelos de tensões de Reynolds
buscam a solução das equações de Navier-Stokes médias. Esse procedimento conduz ao
problema de fechamento, pois torna necessário o emprego de aproximações para eliminar
as incógnitas adicionais que surgem quando se obtém as equações médias. A situação
ideal seria a possibilidade de se obter uma descrição completa, no espaço e no tempo, dos
valores das variáveis (pressão e componentes de velocidade) a partir de soluções numéri-
cas das equações de Navier-Stokes, sem o uso de modelagem. O método empregado para
a obtenção dessas soluções é chamado desimulação numérica direta(SND).
Os escoamentos turbulentos abrangem uma ampla faixa de escalas espaciais e tem-
porais para serem computadas com o uso da SND, implicando em uma elevada demanda
computacional. Por essa razão, Moin e Mahesh [19] observam que a SND deve ser enca-
rada como uma ferramenta de pesquisa, e não como um método de solução das equações
de Navier-Stokes em problemas práticos, por meio da “força bruta”.
Para Kantha e Clayson [20], o que destaca a SND em relação aos demais métodos
numéricos é a não utilização de aproximações com modelos para a solução das equações
de Navier-Stokes, sendo, portanto, um cálculo exato.
Para Wilcox [6], os principais aspectos a serem avaliados para a utilização da SND
estão relacionados à acurácia numérica, à especificação das condições de contorno e à
otimização dos recursos computacionais. No que se refere a esse último item, Pope
[21] avaliou a distribuição do esforço computacional ao longo das escalas espaciais na
simulação de um escoamento com o uso da SND. Ele concluiu que 99.98 % desse esforço
é empregado em modos que possuem números de onda na região da dissipação viscosa
do espectro de energia, e que apenas 0.02 % do esforço de processamento é utilizado
9
nos modos que representam os movimentos de grandes escalas, onde residem os vórtices
turbulentos que contêm a maior parte da energia, e na subregião inercial. O mesmo
autor destaca que são utilizadas várias técnicas para aumentar a eficiência computacional
da SND. Entretanto, essas modificações afastam as simulações das condições impostas
pelas equações de Navier-Stokes originais, logo, não podem ser classificadas como SND,
e sim como modelagem da turbulência.
Devido ao elevado custo computacional, Kantha e Clayson [20] consideram que a
pesquisa da turbulência com base na SND enquadra-se em uma categoria que demanda
capacidade de processamento computacional além de teraflops.
Mesmo com as limitações relativas à elevada demanda computacional, a SND tem
tido um papel importante na pesquisa da turbulência. Com o emprego desse método tem
sido possível se obter informações sobre quantidades que são praticamente imensuráveis,
tais como correlações que envolvem flutuações de pressão [6], e um nível de descrição
e acurácia incomparáveis na simulação de escoamentos turbulentos [21]. Para Moin e
Mahesh [19], a maior virtude da SND é a possibilidade de controle que pode ser exercido
sobre o escoamento objeto de estudo. O alto custo computacional, entretanto, torna a
SND restrita aos grupos de pesquisa que tenham à disposição recursos computacionais
de altíssimo nível. Mesmo assim, as simulações ficam ainda limitadas a condições de
números de Reynolds relativamente baixos.
Do exposto anteriormente, pode-se identificar dois conceitos distintos na abordagem
do problema de simulação numérica de escoamentos turbulentos: os métodos que uti-
lizam as equações médias de Reynolds, que retiram todos os detalhes dos processos
turbulentos, pois eles passam a ser representados em função dos valores médios; e a
SND, que se baseia na resolução explícita de todas as escalas do escomento. No primeiro
caso, a demanda computacional é relativamente baixa, enquanto que a SND exige capaci-
dade de processamento extremamente elevada. Asimulação de grandes escalas(SGE)
coloca-se como um método intermediário entre os dois conceitos citados, pois as maiores
estruturas turbulentas, que contêm a maior parte da energia, são resolvidas diretamente,
10
enquanto que apenas as menores estruturas são modeladas.
A SGE baseia-se na premissa de que os movimentos nas menores escalas tendem a
ser mais homogêneos e isotrópicos, consequentemente, menos afetados pelas condições
de contorno. Assim, pode-se esperar que a modelagem destas escalas tenha um caráter
universal, ou seja, uma menor dependência do tipo de escoamento que está sendo simu-
lado [22]. A adoção dessa estratégia permite, portanto, simular escoamentos em números
de Reynolds relativamente altos, a um custo computacional aceitável. Entretanto, Silveira
Neto [22] observa que, apesar da SGE ser mais eficiente que a SND do ponto de vista
computacional, ela também demanda grades refinadas.
A principal distinção da SGE em relação à SND está no conceito de filtragem, pela
qual se obtém a separação de escalas. Uma variável submetida à filtragem será composta
de duas partes: a filtrada, referente às grandes escalas, resolvida diretamente durante
a simulação; e a denominadasubgrade( ou submalha), não resolvida pela grade, que
necessita ser modelada.
No processo de filtragem das equações de Navier-Stokes surgem termos não lineares,
que contêm grandezas para as quais não há equações explícitas e que necessitam, por-
tanto, ser modelados. Entre esses termos há o chamado tensor detensões de Reynolds
subgradeRij. Smagorinsky [23], citado por Wilcox [6], foi o primeiro a propor um
modelo paraRij , onde as tensões de Reynolds subgrade são aproximadas na forma de
um processo de difusão por gradiente, fazendo analogia ao movimento molecular. O
modelo resultante contém um termo de viscosidade turbulenta, sendo que a equação que
representa o termoRij modelado é análoga a um modelo de comprimento de mistura
[6]. Como citado anteriormente, as hipóteses de viscosidade turbulenta e de compri-
mento de mistura não possuem uma base física consistente. Uma vez que o modelo de
Smagorinsky baseia-se nesses dois conceitos, é de se esperar que ele também sofra de
inconsistência física. Apesar disso, os modelos de tensões de Reynolds subgrade podem
ser calibrados para cada tipo de escoamento, ajustando-se o valor do chamadocoeficiente
de SmagorinskyCs, semelhante ao que é feito com os modelos de viscosidade turbulenta.
11
Para Wilcox [6], apesar das limitações, o modelo de Smagorinsky obteve algum
sucesso na simulação de escoamentos turbulentos. Silveira Neto [22] considera que as
principais deficiências do modelo de Smagorinsky se manifestam na simulação de escoa-
mentos em transição do regime laminar para o turbulento, e próximo a fronteiras sólidas,
nos quais o uso de um valor constante para o coeficiente de Smagorinsky não produz
bons resultados. Visando superar essas dificuldades, foi desenvolvida a técnica demode-
lagem subgrade dinâmica, onde o coeficienteCs é uma função que varia no espaço e no
tempo. Ressalte-se o fato de que neste método é adotada a hipótese de Boussinesq [22],
que possui várias limitações, já apresentadas.
Em sua análise sobre a técnica de modelagem subgrade dinâmica, Wilcox [6] destaca
que as suas principais deficiências se apresentam quando ocorrem situações onde a vis-
cosidade turbulenta assume valores negativos, implicando em transferência de energia
cinética das escalas subgrade para as maiores escalas. Esta situação, na qual existe uma
cascata de energia inversa, é observada na realidade, e é referenciada na literatura inter-
nacional comobackscatter. A consequência desse fenômeno no modelo de Smagorinsky
é uma instabilidade numérica que leva à perda completa de energia cinética na escala
subgrade, comprometendo a acurácia das simulações. Para minimizar esse problema
foram propostas algumas técnicas numéricas artificiais, que limitam a cascata inversa de
energia.
Uma outra dificuldade do método SGE relaciona-se ao tratamento de regiões próxi-
mas a fronteiras sólidas. Para que seja possível a simulação de escoamentos em altos
números de Reynolds a um custo computacional aceitável, torna-se necessário reduzir a
resolução da grade na região próxima à superfície sólida. Logo, os efeitos dissipativos
das escalas não resolvidas nessa região terão que ser modelados por meio de funções em-
píricas, em um procedimento similar ao adotado em modelos de viscosidade turbulenta.
Cabe citar que, na avaliação de Silveira Neto [22], todos os modelos subgrade exis-
tentes apresentam deficiências quando aplicados a escoamentos em transição; na proxi-
midade de fronteiras sólidas; e na presença de cascata de energia inversa. O mesmo autor
12
observa que alguns desses problemas vêm sendo solucionados. No entanto, as situações
de viscosidade turbulenta negativa ainda permanecem como um problema a resolver.
Muito embora possua algumas deficiências, a SGE vem contribuindo de forma signi-
ficativa para o desenvolvimento teórico na área da turbulência, pois permite a obtenção de
dados e informações sobre escoamentos em altos números de Reynolds que não podem
ser obtidas por meio da SND.
O objetivo deste trabalho é propor uma nova abordagem no tratamento das equações
de Navier-Stokes para a simulação numérica de escoamentos subsônicos de fluidos vis-
cosos newtonianos, aplicável tanto a regimes laminares quanto turbulentos. O método
denominadoMédia Amostral Lagrangeana(MAL) decorre da interpretação física da
turbulência como sendo responsável pela uniformização das propriedades do fluido nas
menores escalas. O método pretende ser de aplicação generalizada, em virtude de não
depender da utilização de parametrizações ou esquemas de fechamento, não recorrendo,
portanto, ao uso de coeficientes empíricos. Uma outra característica relevante é a eficiên-
cia computacional, em virtude das propriedades de estabilidade do esquema numérico
semi-lagrangeano, que é empregado na solução das equações obtidas por meio do método
proposto.
Os problemas a serem abordados serão tratados em duas dimensões apenas. Não se
pretende que os escoamentos em camadas limites reais sejam reproduzidos exatamente
pelas simulações. Entretanto, espera-se que muitas de suas principais características pos-
sam ser replicadas adequadamente nos experimentos numéricos.
No capítulo 2, será introduzido o conceito de Média Amostral Lagrangeana e sua
aplicação nas equações de Navier-Stokes em duas dimensões. O capítulo 3 apresen-
tará as principais características do método semi-lagrangeano, que será aplicado para a
solução das equações obtidas no capítulo anterior. No capítulo 4 serão apresentadas as
equações discretas a serem empregadas nas simulações numéricas dos diferentes escoa-
mentos que serão analisados para a validação do método proposto. Esses escoamentos
foram selecionados por serem problemas clássicos na mecânica dos fluidos, fartamente
13
documentados na literatura, e serão descritos e caracterizados pelas respectivas condições
de contorno nos capítulos subsequentes. O capítulo 5 será dedicado aos problemas de es-
coamento em baixos números de Reynolds ao longo de uma placa plana, e na região da
esteira adjacente. O capítulo 6 abordará o problema do escoamento em um jato. O capí-
tulo 7 tratará do escoamento em uma camada de mistura, e o capítulo 8 será dedicado
ao escoamento em um canal. A conclusão do trabalho será apresentada no capítulo 9.
No apêndice A serão apresentados, de forma sumária, conceitos, definições e equações
básicas sobre escoamentos em camadas limites, que serão referenciadas ao longo do tra-
balho.
14
Capítulo 2
O MÉTODO DA MÉDIA AMOSTRAL
LAGRANGEANA
Na introdução foram citados, de forma sumária, os principais métodos e modelos uti-
lizados na simulação numérica de escoamentos em camadas limites. Do apresentado,
pode-se avaliar que as abordagens são muito variadas e possuem características bastante
distintas. De acordo com Pope [21], uma vez que os problemas relativos a escoamentos
em camadas limites variam muito em complexidade geométrica e nos processos físicos
envolvidos, requerendo diferentes níveis de descrição, acurácia e esforço computacional,
é interessante que estejam à disposição diferentes formas de abordar esses problemas.
Na opinião desse autor “[...] cada abordagem tem o seu lugar: nenhuma delas suplanta
todas as outras”. Ele destaca também a sinergia que existe entre os diferentes métodos,
os quais podem contribuir uns com os outros, e conclui avaliando que para alguns pro-
blemas de escoamentos turbulentos existem métodos com acurácia adequada a um custo
computacional aceitável, enquanto para muitos outros ainda se requer um desenvolvi-
mento significativo.
O método da Média Amostral Lagrangeana (MAL), a ser introduzido neste capítulo,
pretende prestar uma contribuição a esse desenvolvimento, para aplicação à simulação
numérica de escoamentos de fluidos newtonianos incompressíveis.
15
2.1 Conceituação do Método
O método MAL foi motivado, inicialmente, pelateoria da turbulência transilientede
Stull [5], para a camada limite atmosférica. Essa teoria considera que os maiores vórtices
transportam fluido por distâncias finitas, antes que os menores vórtices possam causar
a mistura das propriedades do fluido. Em sua aplicação discreta, visando a simulação
numérica de um escoamento, considera-se que o espaço é dividido em volumes regulares
de iguais dimensões, e que os pontos de grade estão no centro de cada volume, represen-
tando as condições médias dentro do volume. Cada ponto (representando os diferentes
volumes) é influenciado por vórtices de diferentes escalas, e a interação desses vórtices
provoca a transferência de propriedades (quantidade de movimento, temperatura, umi-
dade, concentração de um traçador passivo, etc.) entre os diferentes volumes, por meio
de mistura. Essa transferência de propriedades por mistura, por sua vez, tende a uni-
formizar as propriedades dentro dos volumes. As interações turbulentas entre vórtices
de diferentes escalas presentes no fluido são representadas pelos termos de correlação
de flutuações, os quais são modelados como elementos de uma matriz, chamadamatriz
transiliente.
Partindo-se dessa idéia, pode-se pensar, de forma simplificada, que os principais re-
sultados da ação da turbulência são o transporte de propriedades pelas maiores escalas e
a uniformização das propriedades dentro do fluido, por meio de um processo de mistura
executado pelos vórtices nas menores escalas do escoamento. Há dificuldade, entre-
tanto, em se associar os termos de correlação a esses processos de transporte e mistura.
Devemos então, buscar uma forma de representar esse comportamento sem que haja o
aparecimento de novas incógnitas no sistema de equações.
Se enfocarmos as menores escalas, podemos pensar que as diferentes partículas de
fluido interagindo estão continuamente transferindo propriedades entre si. Além disso,
pode-se imaginar que de cada interação instantânea das partículas, porções infinitesi-
mais de fluido terão suas propriedades uniformizadas por um processo de mistura. O
resultado dessa uniformização é que cada porção infinitesimal de fluido assumirá um
16
valor médio da propriedade em questão, calculado a partir dos valores da propriedade
que cada partícula tivesse individualmente antes da interação. A mais simples forma de
representar uma média como uma operação linear é por meio da média aritmética. Vale
lembrar que ao se utilizar uma média como o resultado da interação de várias partículas
de fluido, podemos representar todas as partículas participantes da interação por apenas
uma, em virtude de, ao final da interação, todas possuírem o mesmo valor da propriedade
submetida à uniformização. Logo, o número de graus de liberdade necessário para repre-
sentar o sistema, após um intervalo de tempo infinitesimal no qual ocorrem as interações,
poderá ser reduzido.
Analisemos agora as dificuldades relacionadas à natureza não-linear das equações de
N-S. No caso de escoamentos de fluidos incompressíveis viscosos newtonianos, os ter-
mos advectivos nas equações do movimento são os responsáveis pelas não-linearidades.
Esses termos são originados a partir da utilização do referencial euleriano, em lugar do
lagrangeano, expresso pela equação (A.5). É possível, entretanto, retornar ao referencial
lagrangeano, de forma a que as não-linearidades estejam representadas apenas de forma
implícita nas equações de N-S.
Assim, a proposta do método MAL é a de efetuar uma agregação do sistema que re-
presenta o escoamento no referencial lagrangeano, buscando expressar a uniformização
de propriedades físicas de porções infinitesimais de fluido, resultante das interações nas
menores escalas, por meio de um operador linear.
Uma distinção conceitual pode ser estabelecida: os métodos baseados nas equações
de Reynolds e SGE enfocam os mecanismos que determinamcomoocorre a turbulência,
o que depende fortemente da intuição de quem desenvolve o modelo, contando, por-
tanto, com uma boa dose de subjetividade; o método MAL, por outro lado, enfatiza um
efeitocausado pela turbulência, que se manifesta na mistura (ou uniformização) das pro-
priedades dentro do fluido. Como tal efeito é facilmente observável, essa abordagem tem
um caráter objetivo, pois independe de interpretação pelo observador.
Deve-se notar que pelo fato do método enfocar as interações nas menores escalas, não
17
está sendo excluída a possibilidade de que hajam interações também nas maiores escalas.
2.2 Definição e Propriedades da Média Amostral Lagran-
geana
Considere uma porção de fluido arbitrariamente pequena, que se desloca seguindo uma
linha de corrente do escoamento, e contém um número finiton de partículas consti-
tuintes. Para esse fluido é válida a hipótese do contínuo, de forma que a porção de
fluido seja suficientemente maior que o caminho médio das moléculas entre colisões. Ao
mesmo tempo, a porção de fluido é suficientemente pequena para que se possa definir um
ponto nela que, do ponto de vista estatístico, possa ser representativo de toda a porção
de fluido. Esse ponto assumirá os valores médios das propriedades das partículas em sua
vizinhança, que estejam contidas no limite da porção de fluido [24].
Considere também que em um instantet se obtenha uma amostra, sem reposição,
dos valores de uma propriedadeq de um númeroN de partículas contidas no fluido, que
ocupam as posições−→ri em torno da posição−→x representativa da porção de fluido, com
n� N . Cada valor medido será:
qi = q(−→ri , t) (2.1)
Nessas condições, cada valorqi pode ser considerado como uma variável aleatória inde-
pendente, com a mesma distribuição de probabilidade. Consequentemente, a amostra de
valores obtidos constitui umaamostra aleatóriae descreverá uma coleção de observações
tomadas da mesma população [25].
A média amostral< q > (−→x , t) dos valoresqi é o estimador não-tendencioso de
menor variância (minimum variance unbiased estimator) da média populacional da pro-
priedadeq na porção de fluido que ocupa a posição−→x no instantet [25]. Ela é definida
18
como:
< q > (−→x , t) ≡
N∑i=1
qi
N(2.2)
Uma vez que a média está sendo tomada em uma porção de fluido que se desloca
ao longo de uma linha de corrente, ou seja, no referencial lagrangeano,< q > (−→x , t)
será chamada deMédia Amostral Lagrangeana(MAL). Um ponto a ressaltar é que a
substituição de um grande número de partículas componentes da porção de fluido por
uma apenas, representativa dela, aumentou o nível de agregação do sistema, reduzindo o
número de graus de liberdade necessários para sua descrição. A interpretação física do
conceito da MAL é que ela representa a uniformização de uma propriedade da porção
de fluido, pela interação das suas diversas partículas componentes. Após as interações,
a porção de fluido assume o valor médio da propriedade, calculado a partir dos valores
individuais que cada partícula de fluido possuía antes das interações.
Seguindo Sagaut [26], serão analisadas algumas propriedades fundamentais da MAL:
1. Conservação de constantes:
Sejaqi = a; a = constante
< a >=
N∑i=1
qi
N=
N∑i=1
a
N=Na
N= a ⇒ < a >= a (2.3)
2. Linearidade:
Sejamψi = ψ(−→ri , t) eφi = φ(−→ri , t)
< ψ + φ >=
N∑i=1
(ψi + φi)
N=
N∑i=1
ψi
N+
N∑i=1
φi
N=< ψ > + < φ >
< aφ >=
N∑i=1
(aφi)
N=
aN∑i=1
φi
N= a < φ >
(2.4)
3. Comutação com a derivada parcial em relação ao espaço:
19
Defina-se a derivada parcial da funçãoq em relação as como∂q/∂s; s = xi .
⟨∂q
∂s
⟩=
N∑i=1
∂qi∂s
N
Aplicando as propriedades das derivadas:
1
N
N∑i=1
∂qi∂s
=1
N
∂
∂s(N∑i=1
qi) =∂
∂s
(1
N
N∑i=1
qi
)=∂ < q >
∂s(2.5)
Consequentemente:
⟨∂2q
∂s2
⟩=
⟨∂
∂s
(∂q
∂s
)⟩=
∂
∂s
⟨∂q
∂s
⟩=
∂
∂s
(∂ < q >
∂s
)=∂2 < q >
∂s2(2.6)
4. Comutação com a derivada total:
Defina-se a derivada total da funçãoq como [27]:
Dq
Dt= lim
δt→0
q(t+ δt)− q(t)
δt
Aplicando-se a MAL à derivada total temos :
⟨Dq
Dt
⟩=
1
N
N∑i=1
limδt→0
qi(t+ δt)− qi(t)
δt
Das propriedades dos limites [28]:
1N
∑Ni=1 limδt→0
qi(t+δt)−qi(t)δt
= 1N
limδt→0∑Ni=1
qi(t+δt)−qi(t)δt
= limδt→01N
∑Ni=1
qi(t+δt)−qi(t)δt
= limδt→01N
(∑N
i=1qi(t+δt)−
∑N
i=1qi(t)
δt
)= limδt→0
1N
∑N
i=1qi(t+δt)− 1
N
∑N
i=1qi(t)
δt= limδt→0
<q>(t+δt)−<q>(t)δt
=D < q >
Dt(2.7)
A propriedade 4 é extremamente importante, pois ela mostra que ao se permanecer no
20
referencial lagrangeano, a MAL produz agregação do sistema sem o surgimento de novas
incógnitas, devido à linearidade da operação de obtenção de média naquele referencial.
Observe que na análise das propriedades da MAL não se lançou mão da hipótese
ergótica, nem da obrigatoriedade de existência de um hiato espectral.
2.3 Aplicação da Média Amostral Lagrangeana às Equa-
ções de N-S
As equações de N-S para um fluido newtoniano incompressível, sem a presença de outras
forças externas, no referencial lagrangeano são as seguintes:
Equação da continuidade
∂u
∂x+∂v
∂y+∂w
∂z= 0 (2.8)
Componentex da equação da quantidade de movimento
Du
Dt+
1
ρ
∂p
∂x− ν 52 u = 0 (2.9)
Componentey da equação da quantidade de movimento
Dv
Dt+
1
ρ
∂p
∂y− ν 52 v = 0 (2.10)
Componentez da equação da quantidade de movimento
Dw
Dt+
1
ρ
∂p
∂z− ν 52 w = 0 (2.11)
onde:
52 ≡ ∂2
∂x2+
∂2
∂y2+
∂2
∂z2
Aplicando-se a MAL às equações (2.8) a (2.11) e empregando as propriedades de-
21
duzidas no subitem 2.2 temos:
⟨∂u
∂x+∂v
∂y+∂w
∂z
⟩=∂ < u >
∂x+∂ < v >
∂y+∂ < w >
∂z= 0 (2.12)
⟨Du
Dt+
1
ρ
∂p
∂x− ν 52 u
⟩=D < u >
Dt+
1
ρ
∂ < p >
∂x− ν52 < u >= 0 (2.13)
⟨Dv
Dt+
1
ρ
∂p
∂y− ν 52 v
⟩=D < v >
Dt+
1
ρ
∂ < p >
∂y− ν52 < v >= 0 (2.14)
⟨Dw
Dt+
1
ρ
∂p
∂z− ν 52 w
⟩=D < w >
Dt+
1
ρ
∂ < p >
∂z− ν52 < w >= 0 (2.15)
As equações (2.12) a (2.15) serão chamadasequações de N-S lagrangeanas agre-
gadas. Pode-se observar que elas têm a mesma forma funcional das equações de N-S.
Note-se que na conceituação da MAL não se estabeleceu distinção quanto ao escoamento
ser turbulento ou não, nem foi estabelecida qualquer premissa de existência de equilíbrio
local. Além disso, não se estabeleceu a forma com que se processa a interação entre as
diversas estruturas componentes do escoamento, ou seja, não se fez analogia com inte-
rações moleculares, como ocorre na hipótese da viscosidade turbulenta. As premissas
se restringiram à validade da hipótese do contínuo; à obrigatoriedade de permanência no
referencial lagrangeano e que instantaneamente o resultado das interações nas menores
escalas pode ser representado por uma média amostral tomada em uma porção de fluido
infinitesimal. Devido à idéia de uniformização de propriedades, fica implícita a existên-
cia de isotropia e homogeneidade após as interações entre as partículas. Entretanto, essas
condições ficam limitadas à escala de comprimento característica da porção de fluido in-
finitesimal. Também não foi necessária a decomposição em uma parte média (ou filtrada)
e uma flutuação (ou resíduo), tendo sido apenas definido um sistema mais agregado que
deverá ser representativo do sistema completamente desagregado após interações das es-
truturas.
Assim, caso as hipóteses adotadas na obtenção das equações de N-S lagrangeanas
agregadas estejam corretas, será possível se prever os valores das variáveis agregadas no
tempo e no espaço diretamente, tendo sido reduzido o número de graus de liberdade do
22
escoamento. Ao mesmo tempo, como o número de incógnitas é o mesmo do número de
equações disponíveis, não ocorre o problema de fechamento no método MAL. Conse-
quentemente, não será necessário o emprego de aproximações por modelos de turbulên-
cia, uma vez que no referencial lagrangeano não surgem termos não lineares explícitos no
processo de obtenção da média amostral. Logo, todos os processos, turbulentos ou não,
que possam vir a uniformizar as propriedades do fluido por meio de mistura, já terão sido
considerados na obtenção da média. Esta é determinada no interior da porção de fluido,
ao longo do deslocamento infinitesimal, seguindo as linhas de corrente. Uma vez que
o estado agregado foi obtido por meio de uma média estatística, implicitamente ocorreu
uma filtragem espaço-temporal nos movimentos do escoamento. Como não há termos
referentes a resíduos ou perturbações, as equações agregadas pressupõem, portanto, que
os movimentos do sistema agregado já incorporam os efeitos das escalas filtradas.
É importante esclarecer, que o método da média amostral lagrangeana aqui proposto
não possui qualquer semelhança, além do nome, com o método damédia lagrangeana
das equações de N-S-α (Lagrangean-averaged Navier-Stokes [LANS-α] equations) de
Mohseni e Kosovic [29], entre outros autores. A principal diferença entre eles é que o
método LANS-α utiliza as equações de N-S no referencial euleriano, com representação
explícita dos termos não lineares.
Finalmente, para se manter consistência com as hipóteses adotadas na obtenção das
equações agregadas é necessário que a solução numérica do sistema seja realizada no
referencial lagrangeano. Para tal, será empregado o métodosemi–lagrangeano, que será
abordado no próximo capítulo.
2.4 Aplicação do Conceito de Média Amostral às Equações
de N-S no Referencial Euleriano
Na equações de N-S lagrangeanas agregadas as interações não-lineares entre as partículas
de fluido não são expressas de forma explícita. No entanto, é interessante analisar o
23
conceito de média amostral no mais familiar referencial euleriano, de modo a que ele
seja melhor compreendido.
Inicialmente, será obtida uma expressão para a aplicação da média amostral para o
produto não-linear de duas funçõesψ eφ,
〈ψφ〉 =1
N
N∑i=1
ψiφi (2.16)
onde os índices são iguais por se tratar do valor das propriedadesψ e φ de uma mesma
partículai da porção de fluido.
Considere-se agora o seguinte produto:
〈ψ〉 〈φ〉 =1
N
N∑i=1
ψi1
N
N∑j=1
φj =1
N2
N∑i=1
N∑j=1
ψiφj =
=1
N2
N∑k=1
ψkφk +1
N2
N∑i=1
N∑j=1,j 6=i
ψiφj (2.17)
Utilizando a expressão (2.16) em (2.17) obtém-se:
〈ψ〉 〈φ〉 =1
N〈ψφ〉+
1
N2
N∑i=1
N∑j=1
(1− δij)ψiφj (2.18)
ondeδij é o delta de Kronecker [24].
Finalmente, a partir da expressão (2.18) pode-se escrever:
〈ψφ〉 = N 〈ψ〉 〈φ〉 − 1
N
N∑i=1
N∑j=1
(1− δij)ψiφj (2.19)
Considere-se agora, por exemplo, a equação da componentex da quantidade de movi-
mento (A.2) porém em duas dimensões apenas (x-y),
∂u
∂t+ u
∂u
∂x+ v
∂u
∂y= −1
ρ
∂p
∂x+ ν∇2u (2.20)
O conceito de média amostral será aplicado em um determinado instante a uma
24
porção de fluido infinitesimal, onde a posição−→x fixa no espaço é representativa da porção
de fluido. Como na equação (2.1), cada valor medido na porção de fluido será:
qi = q(−→ri , t)
onde−→ri são as posições que as partículasi ocupam em torno da posição fixa no espaço
−→x . A média amostral〈q〉 (−→x , t)será obtida como na expressão (2.2),
< q > (−→x , t) ≡
N∑i=1
qi
N(2.21)
Aplicando-se a média amostral à equação (2.20) temos:
⟨∂u
∂t
⟩+
⟨u∂u
∂x
⟩+
⟨v∂u
∂y
⟩=
⟨−1
ρ
∂p
∂x
⟩+⟨ν∇2u
⟩(2.22)
Utilizando-se as propriedades das expressões (2.3) a (2.6), e a expressão (2.19) temos
o seguinte: ⟨∂u
∂t
⟩=∂ 〈u〉∂t
(2.23)
⟨u∂u
∂x
⟩= N 〈u〉 ∂ 〈u〉
∂x− 1
N
N∑i=1
N∑j=1
(1− δij)ui∂uj∂x
(2.24)
⟨v∂u
∂y
⟩= N 〈v〉 ∂ 〈u〉
∂y− 1
N
N∑i=1
N∑j=1
(1− δij) vi∂uj∂y
(2.25)
⟨−1
ρ
∂p
∂x
⟩= −1
ρ
∂ 〈p〉∂x
(2.26)
⟨ν∇2u
⟩= ν∇2 〈u〉 (2.27)
Levando os resultados (2.23) a (2.27) à expressão (2.22) e rearranjando os termos
obtém-se:
25
∂ 〈u〉∂t
+N
(〈u〉 ∂ 〈u〉
∂x+ 〈v〉 ∂ 〈u〉
∂y
)=
= −1
ρ
∂ 〈p〉∂x
+ ν∇2 〈u〉+1
N
N∑i=1
N∑j=1
[(1− δij)
(ui∂uj∂x
+ vi∂uj∂y
)](2.28)
O lado esquerdo da equação (2.28) e os dois primeiros termos do lado direito estão
expressos em função das médias das variáveis (exceto pelo fator de multiplicaçãoN) às
quais foi aplicado o operador de média amostral. Surgiu um novo termo do lado direi-
to da equação, que representa as interações não-lineares dasN partículas amostradas da
porção de fluido. Essas interações representam o processo de uniformização (ou mistura)
de propriedades (no caso, quantidade de movimento) que se realiza pelo transporte ad-
vectivo em um determinado ponto da porção de fluido por uma partícula animada de uma
velocidade, de maneira geral, diferente daquela onde realiza a advecção.
Note que foram excluídos os termos de interações de partículas consigo mesmas
(auto-advecção;i=j ), que estão incorporadas no lado esquerdo da equação; e que em-
bora o operador de média amostral seja linear, ao se adotar o referencial euleriano a
equação resultante é não-linear.
Observe também que no referencial euleriano não há equações para os termos de
interações não-lineares. Seria necessário, portanto, o emprego de aproximações desses
termos por meio de algum modelo. Por outro lado, no referencial lagrangeano, os ter-
mos de interações não-lineares estão implícitos e, após a aplicação da média amostral,
a equação de quantidade de movimento permanece linear, sem incógnitas adicionais.
Portanto, embora a aplicação da MAL não produza termos de interações não-lineares
de forma explícita, fisicamente eles ainda estarão atuando nas partículas de fluido, sem
violar as equações de Navier-Stokes.
26
Capítulo 3
O MÉTODO SEMI-LAGRANGEANO
(S-L)
O método semi-lagrangeano (SL) foi inicialmente aplicado na solução numérica de pro-
blemas de previsão meteorológica baseados na equação da conservação da vorticidade:
Dη
Dt= 0 (3.1)
ondeη é a vorticidade absoluta, definida comoη ≡ ζ+f , comζ sendo a vorticidade rela-
tiva ef a vorticidade planetária. Uma vez que a equação (3.1) expressa que a vorticidade
absoluta é conservada seguindo o escoamento, é interessante se utilizar um procedimento
baseado na idéia de se acompanhar o movimento das partículas de fluido, com o uso do
referencial lagrangeano. Winn-Nielsen [30], citado por Sawyer [31], foi o primeiro a
propor um método para se integrar a equação (3.1) em coordenadas lagrangeanas. Um
sério problema observado com esse método era a rápida distorção de um campo inicial-
mente uniforme, fazendo com que algumas áreas do domínio apresentassem uma grande
concentração de elementos de fluido, enquanto outras mostravam pouca presença desses
elementos, comprometendo a representatividade da solução e dificultando o cálculo das
derivadas espaciais.
Visando aprimorar esse método, Sawyer [31] propôs que os elementos de fluido que
27
seriam acompanhados seguindo o escoamento iriam sendo alterados ao longo da inte-
gração, eliminando aqueles que se deslocassem para fora do domínio e incluindo novos
elementos para manter uma completa representação no domínio. Devido a essa ca-
racterística de mudança dos elementos de fluido ao longo da integração, o método foi
chamado desemi-lagrangeano.No estudo ficou demonstrado que a utilização do refe-
rencial lagrangeano permitia o aumento da eficiência computacional, pois foram utiliza-
dos passos de tempo muito maiores que aqueles limitados pelo critério CFL na solução
numérica de problemas advectivos no referencial euleriano.
Nos dois trabalhos descritos acima calculava-se a posição futura dos elementos de
fluido. Robert [32] introduziu uma variação no método semi-lagrangeano de Sawyer,
pela qual as posições futuras das partículas de fluido coincidiam com os pontos de grade,
e determinava-se a sua trajetória a partir de uma posição no instante passado. Com essa
mudança podiam ser combinadas as vantagens de se obter uma resolução regular no
domínio, característica dos métodos eulerianos, e aumentar a eficiência computacional,
devido às características de estabilidade numérica dos métodos lagrangeanos.
A seguir, será descrito de forma sucinta o método semi-lagrangeano, e serão apresen-
tadas suas principais características e algumas aplicações de interesse.
3.1 Descrição do Método S-L
O esquema de três níveis de tempo semi-lagrangeano consiste no cálculo da derivada total
de uma variável dependente genéricaq(~r(t), t), seguindo a trajetória de uma partícula de
fluido, utilizando a aproximação:
Dq
Dt=q(~r(t+ ∆t), t+ ∆t)− q(~r(t−∆t), t−∆t)
2∆t(3.2)
28
onde~r(t) representa o vetor posição da partícula de fluido no instantet. Por simplicidade,
restrinja-se o problema a duas dimensões,x ey. Nesse caso, o vetor posição será:
~r(t) = x(t)~i+ y(t)~j (3.3)
A localização da partícula no instante da previsãot + ∆t é escolhida de forma a
coincidir com um ponto de grade. Defina-se os deslocamentos da partícula ao longo das
direçõesx e y durante um passo de tempo∆t comoa e b, respectivamente. Se a posição
do ponto de grade é representada como:
~r(t+ ∆t) = (xi, yj) (3.4)
a aproximação da equação (3.2) pode ser escrita como:
Dq
Dt=q(xi, yj, t+ ∆t)− q(xi − 2a, yj − 2b, t−∆t)
2∆t(3.5)
Os deslocamentosa eb podem ser calculados iterativamente utilizando:
an+1 = ∆t.u(xi − an, yj − bn, t)
bn+1 = ∆t.v(xi − an, yj − bn, t)(3.6)
onde o expoenten representa an-ésimaiteração eu ev representam as velocidades hori-
zontal e vertical, respectivamente. As estimativas iniciais dea e b no processo iterativo
são definidas como:
a0 = ∆t.u(xi, yj, t)
b0 = ∆t.v(xi, yj, t)(3.7)
Em Pudykiewicz e Staniforth [33], pode ser encontrado que a condição necessária
para a convergência do procedimento iterativo descrito nas equações (3.6) é:
∆t.max
(∣∣∣∣∣∂u∂x∣∣∣∣∣ ,∣∣∣∣∣∂u∂y
∣∣∣∣∣ ,∣∣∣∣∣∂v∂x
∣∣∣∣∣ ,∣∣∣∣∣∂v∂y
∣∣∣∣∣)< 1 (3.8)
29
Kuo e Williams [34] observam que não são necessárias mais de três iterações para se
obter convergência. Robert [32] comparou o emprego de duas e quatro iterações em seu
modelo atmosférico de equações primitivas e não foram observadas diferenças significa-
tivas nos resultados obtidos.
Para se obter o valor da variávelq no instantet-∆t é necessário o emprego de um
esquema de interpolação espacial pois, de forma geral, o ponto de partida não coincidirá
com um ponto de grade. Esse tópico será abordado no próximo item.
Além do esquema de três níveis de tempo apresentado, podem ser utilizados esque-
mas de dois níveis de tempo. MacDonald e Bates [35] propuseram um esquema baseado
no uso da velocidade da partícula em um instantet+ ∆t/2, da seguinte forma:
Dq
Dt=q(xi, yj, t+ ∆t)− q(xi − a, yj − b, t)
∆t(3.9)
com:
an+1 = ∆t.u∗(xi − an
2, yj − bn
2, t+ ∆t
2)
bn+1 = ∆t.v∗(xi − an
2, yj − bn
2, t+ ∆t
2)
(3.10)
Como os valores da velocidade não são conhecidos no instantet + ∆t/2, emprega-
se uma extrapolação, utilizando os valores deu e v nos instantest e t − ∆t, com as
expressões:
u∗(~r(t+ ∆t2
), t+ ∆t2
) = 32u(~r(t), t)− 1
2u(~r(t−∆t), t−∆t)
v∗(~r(t+ ∆t2
), t+ ∆t2
) = 32v(~r(t), t)− 1
2v(~r(t−∆t), t−∆t)
(3.11)
sendo o procedimento executado com apenas uma iteração.
A seguir serão abordadas algumas propriedades de diferentes formulações do método
S-L.
30
3.2 Propriedades do Método S-L
3.2.1 Estabilidade
Durran [36] apresenta detalhadamente a análise de estabilidade do esquema de dois níveis
de tempo S-L aplicado à equação da advecção e conclui que o método é incondicional-
mente estável. Tal condição ocorre desde que a interpolação para se determinar o valor
da variávelq na posição de partida da partícula utilize valores conhecidos da função em
pontos de grade em torno daquela posição, ou seja, não se empreguem extrapolações no
espaço. Robert [32] demonstrou que os esquemas de três níveis de tempo são também in-
condicionalmente estáveis. Entretanto, no processo iterativo para determinação do ponto
de partida da trajetória da partícula deve ser observada a condição expressa pela equação
(3.8).
Com relação à instabilidade não-linear causada poraliasing, Mesinger e Arakawa
[37] em sua análise do problema em modelos numéricos atmosféricos, citam que uma
forma de se evitar tal instabilidade é “[...] utilizar uma formulação lagrangeana dos ter-
mos advectivos ao invés da formulação euleriana”. Durran [36] , por sua vez, cita que
uma das vantagens dos esquemas S-L é o de evitar a principal fonte de instabilidade
não-linear nos problemas de propagação de ondas geofísicas, pois os termos advectivos
não-lineares das equações do movimento são eliminados ao se adotar o referencial la-
grangeano.
No que se refere à aplicação do método S-L a escoamentos governados pelas equações
de N-S, Pironneau [38], citado por Xiu e Karniadakis [39], demonstrou a estabilidade
não-linear do método S-L quando aplicado àquele tipo de problema.
A estabilidade numérica do método S-L já foi demonstrada para problemas de escoa-
mentos atmosféricos em duas e três dimensões [40]. A possibilidade de se utilizar passos
de tempo mais longos, não limitados pelo critério CFL, aumenta significativamente a
eficiência do processamento, apesar do custo computacional imposto pelas interpolações
espaciais, que não existe nos métodos eulerianos. Esse ganho de eficiência pode ser
31
ainda mais acentuado utilizando o método S-L associado ao algoritmo semi-implícito
[41]. Nesse algoritmo, os termos das equações do movimento que representam forçantes
de ondas, cujas velocidades de fase sejam mais altas que a velocidade de auto-advecção
de quantidade de movimento (tal como ondas de gravidade externas), são tratados im-
plicitamente.
Com relação ao uso de esquemas de dois níveis de tempo, Staniforth e Coté [40]
afirmam que esses esquemas são mais vantajosos que os de três níveis de tempo, princi-
palmente por serem mais eficientes, pois demandam um número menor de interpolações
no espaço. Além disso, o esquema de dois níveis de tempo não introduz um modo com-
putacional na simulação. Entretanto, o esquema de extrapolação das equações (3.11)
pode gerar problemas de instabilidade numérica, como os observados no estudo de Bates
et al. [42], onde houve o surgimento de ondas de gravidade espúrias em simulações de
um modelo numérico atmosférico baseado nas equações de água rasa. Na análise dos
autores, o problema foi ocasionado pela avaliação do termo não-linear na equação da
continuidade por meio de extrapolações, baseadas nas equações (3.11). De acordo com
Staniforth e Coté [40] o problema ocorre quando se empregam extrapolações temporais
nos termos que envolvem auto-advecção de quantidade de movimento, ou seja, a variável
transportada por advecção é a própria velocidade do escoamento. Esses autores citam
a existência de formas alternativas de se executar a extrapolação. Entretanto, nenhum
dos métodos citados é tão simples quanto o uso do esquema de três níveis de tempo, das
equações (3.5) a (3.7).
3.2.2 Acurácia
A acurácia do método S-L dependerá dos erros introduzidos em duas fases de sua im-
plementação: na determinação do ponto de partida da trajetória da partícula de fluido; e
na interpolação necessária para se obter o valor da função naquela posição que, de forma
geral, não coincidirá com um ponto de grade.
O esquema de três níveis de tempo associado à estimativa da posição de partida da
32
partícula por iterações, das equações (3.5) a (3.7) possui acurácia de segunda ordem
O(∆t2). O esquema de dois níveis de tempo com extrapolação, das equações (3.9) a
(3.11) é também de segunda ordemO(∆t2), desde que sejam empregadas iterações para
se atingir convergência na aproximação.
Quanto às interpolações no espaço, recomenda-se que sejam utilizadas funções pelo
menos cúbicas, que possuem acurácia de terceira ordemO(∆x3). O uso de interpolações
de ordem mais baixa causa difusão excessiva das quantidades previstas [34]. Staniforth e
Coté [40] citam que, em modelos atmosféricos, é suficiente o uso de interpolações line-
ares para o cálculo dos deslocamentos das partículas, ao mesmo tempo que deve-se em-
pregar interpolações cúbicas para a determinação do valor da variávelq. Kuo e Williams
[34] recomendam o método desplinescúbicas, de terceira ordem, para as interpolações.
O método é descrito como sendo global, uma vez que o valor da função interpolada
em um determinado ponto depende dos valores em todos os outros pontos utilizados,
normalmente abrangendo todo o domínio em pelo menos uma dimensão. Pudykiewicz
e Staniforth [33] argumentam que, embora a interpolação porsplinescúbicas produza
bons resultados, ela não é necessariamente ótima, e em algumas aplicações o uso de um
interpolador local (no qual se utilizam apenas pontos de grade na vizinhança da posição
de interesse) pode ser mais conveniente. Esses métodos, além de serem mais econômi-
cos do ponto de vista computacional, são mais vantajosos em situações em que estejam
presentes gradientes locais acentuados, onde não se necessite impor um alto grau de con-
tinuidade na função de interpolação, minimizando o fenômeno de Gibbs.
Uma característica relevante do método S-L apontada por Kuo e Williams [34] é o
confinamento dos erros na vizinhança de regiões de gradiente acentuado. Tal fato não
ocorre em métodos eulerianos, que permitem a propagação de ruídos numéricos para
todo o domínio em situações onde a escala de comprimento dos gradientes acentuados se
aproxima da resolução espacial da grade. Essa característica foi comprovada por Almeida
[43] na simulação numérica de frontogênese atmosférica com o método S-L.
Finalmente, um aspecto interessante do método S-L é que, de maneira geral, os er-
33
ros são menores quando o número de Courant for próximo a 1 [36, 34]. Nesse caso,
a posição da partícula fica próxima ao ponto de grade, minimizando os erros de inter-
polação. Para passos de tempo em que o número de Courant seja muito menor que 1,
os erros de interpolação predominam, pois serão necessárias mais interpolações para se
avançar a integração no tempo, gerando mais erros acumulativos. Para passos de tempo
muito longos, em que o número de Courant seja muito maior que 1, predominam os erros
de truncamento temporal das equações, devido ao aumento de∆t. Em problemas de ad-
vecção linear, os erros de truncamento espacial serão nulos quando o número de Courant
for inteiro pois, nesse caso, as posições das partículas coincidirão sempre com os pontos
de grade, tornando o erro de interpolação igual a zero.
3.3 Aplicações do Método S-L
Em virtude de haver sido desenvolvido originalmente para aplicação em modelagem
numérica atmosférica, o método S-L tem larga aplicação em previsão numérica de tempo.
O método tem demonstrado ser competitivo com métodos eulerianos em termos de acurá-
cia, com maior eficiência computacional, especialmente quando associado ao algoritmo
semi-implícito. O método S-L pode ser associado a discretizações em diferenças finitas,
elementos finitos e espectrais em alta resolução, obtendo-se em todos os casos uma alta
eficiência computacional sem prejuízo da acurácia.
Embora o método S-L produza dissipação devida às interpolações, especialmente em
integrações muito longas, ele tem se desempenhado bem no que se refere à conservação
de quantidades tais como energia cinética média e enstrofia, apesar de, formalmente, o
método não conservar tais quantidades [40]. Essa característica é particularmnte impor-
tante em modelagem numérica de circulação geral, para fim de análise e previsão de
clima.
Na análise de Durran [36], o método S-L é apropriado para simulações em que a
grade seja extremamente refinada com o intuito de se obter alta resolução espacial das
quantidades a serem previstas, ao mesmo tempo em que não haja interesse em representar
34
com grande acurácia ondas cujas velocidades de fase sejam muito altas. Nesses casos,
o uso do método S-L associado ao algoritmo semi-implícito produzirá grande eficiência
computacional, comprometendo, porém, a resolução das ondas mais rápidas, tratadas
implicitamente.
Na aplicação em problemas de escoamentos governados pelas equações de N-S, o
método S-L tem sido empregado com o intuito principal de aumentar a eficiência com-
putacional. O trabalho de Xiu e Karniadakis [39], por exemplo, analisa aspectos de
eficiência e acurácia do método S-L associado ao método de elementos espectrais não
estruturados, enfocando a construção de um esquema estável, com acurácia de segunda
ordem no tempo. Xuet al. [44] empregaram o método S-L associado a elementos espec-
trais na simulação numérica direta (SND) de um escoamento turbulento incompressível
em um canal, porém com número de Reynolds relativamente baixo. O estudo visava
basicamente demonstrar a estabilidade numérica do método, utilizando passos de tempo
dez vezes mais longos que os requeridos para a mesma SND com o uso de um método
euleriano. Cabe ressaltar que, nesse último trabalho citado, foi adotado estritamente o
procedimento de SND, simplesmente com a substituição dos termos de variação local e
advectivo pela derivada total, pois visava-se apenas demonstrar a acurácia e eficiência
computacional do método S-L.
Neste trabalho, o método S-L será empregado para a solução das equações de N-S
agregadas 2.12 a 2.15, utilizando o método de diferenças finitas na discretização espa-
cial das equações. Cabe agora estabelecer a metodologia para a obtenção das médias
amostrais nas porções de fluido.
Stull [45] afirma que a utilização de um domínio espacial tridimensional, discretizado
em pontos de grade, implica em que cada ponto de grade irá representar um valor médio
de uma propriedade do volume de fluido que o circunda; enquanto Wilcox [6] cita que os
valores das propriedades do escoamento em pontos discretos em uma simulação numérica
representam valores médios.
Para um melhor entendimento desse conceito, consideremos, inicialmente, a análise
35
apresentada por Sorbjan [46]. De acordo com esse autor, uma média volumétrica simples
sobre um dado volume é uma constante. A aplicação desse tipo de operador de média
produz uma função que é descontínua. Essa dificuldade pode ser evitada empregando-se
uma média móvel. De maneira geral, esse tipo de média pode ser expresso da seguinte
forma:
q(x) =∫ ∞
−∞q(ξ)Bh(x− ξ)dξ (3.12)
ondex é o comprimento,Bh é uma função de filtragem, eh é um comprimento de onda
característico do operador de média. O exemplo mais simples dessa função é definido
como
q(x) =1
2h
∫ x+h
x−hq(ξ)Bh(x− ξ)dξ (3.13)
comBh = 1 no intervalo(x− h, x+ h), e igual a zero fora desse intervalo. Nesse caso,
a expressão 3.13 será
q(x) =1
2h
∫ x+h
x−hq(ξ)dξ (3.14)
no intervalo considerado.
Wilcox [6], por sua vez, analisa a aproximação de diferenças finitas centradas para a
derivada primeira de uma variável contínuaq(x), em uma grade com espaçamentoh. A
partir da utilização da regra de Leibnitz [47] pode-se escrever
q(x+ h)− q(x− h)
2h=
d
dx
[1
2h
∫ x+h
x−hq(ξ)dξ
](3.15)
que mostra que a aproximação de diferenças finitas centradas pode ser interpretada como
um operador que produz a derivada do valor médio deq(x), e que filtra praticamente
todas as escalas menores que2h [46]. A partir da expressão 3.15 pode-se verificar que
essa interpretação também é válida para diferenças finitas laterais (para frente e para trás),
e para diferenças finitas assimétricas, com espaçamento de grade variável.
Com base no conceito acima, pode-se considerar que o valor médio produzido pela
aplicação do método de diferenças finitas para aproximação da derivada de uma pro-
36
priedade do fluido, corresponde à média da propriedade referente a uma porção de fluido,
definida pelo espaçamento de grade. Essa média representará a média amostral definida
pela expressão 2.2, e os pontos de grade serão definidos como as posições representativas
dessas porções de fluido. Logo, os valores das propriedades das partículas de fluido que
produzem a MAL serão considerados como tendo sido amostrados aleatoriamente do vo-
lume (ou área) de fluido que circunda o ponto de grade, sendo o valor da média amostral
atribuído a esse ponto.
Uma vantagem do método S-L é a possibilidade de se associar a estabilidade numérica
da integração no referencial lagrangeano com a representação das propriedades do fluido
para os mesmos pontos de uma grade fixa no espaço, a cada passo de tempo. Dessa forma
pode-se acompanhar a evolução dessas propriedades como se fosse adotado o referencial
euleriano. Consequentemente, é possível obter a média temporalq(xi, yj) de uma vari-
ável q(xi, yj) em um ponto de grade(xi, yj), por meio da expressão A.14. Na análise
das simulações numéricas que serão posteriomente apresentadas, os valores de médias
temporais serão representados nos pontos fixos de uma grade regular, assim como serão
utilizadas séries de tempo de valores das variáveis obtidas também em pontos fixos, que
serão apropriadamente definidos nos respectivos experimentos.
37
Capítulo 4
IMPLEMENTAÇÃO NUMÉRICA DO
MÉTODO DA MÉDIA AMOSTRAL
LAGRANGEANA
Neste capítulo, será feita uma descrição geral do procedimento adotado na discretização
das equações que serão empregadas na implementação do método MAL para a simulação
de escoamento em camadas limites, utilizando o método S-L associado ao algoritmo
semi-implícito de Robert [32]. Nos capítulos posteriores, para cada tipo de escoamento
específico, serão apresentados quaisquer detalhes que não estejam nesta descrição geral
do procedimento numérico.
O tratamento implícito será adotado nos termos cuja forçante é o gradiente de pressão,
para evitar instabilidades numéricas que eventualmente surjam associadas a ondas de
pressão rápidas superpostas ao escoamento advectivo. Os termos referentes às forçantes
viscosas terão tratamento explícito, uma vez que a viscosidade é a principal forçante
da turbulência, devendo ser tratada de forma a sofrer o menor impacto possível pelo
método numérico adotado. O tratamento implícito, como citado anteriormente, afeta a
representação numérica de processos físicos que evoluam no tempo. As equações para
a solução pelo método S-L semi-implícito serão deduzidas utilizando como referência o
procedimento descrito por Almeida [43].
38
O problema será tratado em duas dimensões (x e y). Como citado por Silveira Neto
[22], a turbulência é tridimensional e a representação bidimensional serve apenas como
uma aproximação. Entretanto, os problemas a serem simulados numericamente neste
trabalho possuem uma boa base de dados experimentais, que mostrou ser consistente
com resultados teóricos obtidos sob hipóteses bidimensionais.
Será adotada uma grade “A” de Arakawa [48], onde as variáveis de quantidade de
movimento (u e v) e de massa (p) são calculadas nos mesmos pontos de grade. A dis-
cretização temporal utilizará o esquema S-L de três níveis de tempo, das equações (3.5) a
(3.7), para as derivadas totais e para os termos de pressão. Nos termos de viscosidade será
empregado o esquema de Euler. As derivadas espaciais serão aproximadas por diferenças
finitas centradas no interior do domínio e laterais nas fronteiras.
Nas interpolações no interior do domínio são utilizados polinômios cúbicos emx ey,
separadamente, centrados sobre quatro pontos adjacentes nas respectivas direções. Nas
fronteiras externas são utilizadas interpolações lineares na direção transversal à fronteira
e cúbicas na direção longitudinal.
4.1 Discretização das Equações de N-S Agregadas
As equações de N-S agregadas (2.12) a (2.14) serão escritas omitindo a simbologia “< >”
da MAL, para simplificação:∂u
∂x+∂v
∂y= 0 (4.1)
Du
Dt= −1
ρ
∂p
∂x+ ν∇2u (4.2)
Dv
Dt= −1
ρ
∂p
∂y+ ν∇2v (4.3)
Definem-se as seguintes notações auxiliares:
F+ = F (x, y, t+ ∆t)
F− = F (x− 2a, y − 2b, t−∆t)(4.4)
39
ondea eb são definidos pelas equações (3.6) e (3.7).
As equações são discretizadas com o tratamento implícito dos termos de gradiente de
pressão e explícito dos termos viscosos, da seguinte forma:
u+ − u−
2∆t= −1
ρ.1
2
(∂p
∂x
+
+∂p
∂x
−)+ ν∇2u− (4.5)
v+ − v−
2∆t= −1
ρ.1
2
(∂p
∂y
+
+∂p
∂y
−)+ ν∇2v− (4.6)
A equação da continuidade nos instantes (t−∆t) e (t+ ∆t) é escrita como:
∂u
∂x
−+∂v
∂y
−= 0 (4.7)
∂u
∂x
+
+∂v
∂y
+
= 0 (4.8)
Manipulando as equações (4.5) e (4.6) pode-se escrever:
u+ = u− − ∆t
ρ
(∂p
∂x
+
+∂p
∂x
−)+ 2∆tν∇2u− (4.9)
v+ = v− − ∆t
ρ
(∂p
∂y
+
+∂p
∂y
−)+ 2∆tν∇2v− (4.10)
Diferenciando as equações (4.9) e (4.10) em relação ax ey , respectivamente, temos:
∂u+
∂x=∂u−
∂x− ∆t
ρ
(∂2p
∂x2
+
+∂2p
∂x2
−)+ 2∆tν
∂
∂x(∇2u−) (4.11)
∂v+
∂y=∂v−
∂y− ∆t
ρ
(∂2p
∂y2
+
+∂2p
∂y2
−)+ 2∆tν
∂
∂y(∇2v−) (4.12)
Somando as equações (4.11) e (4.12) e aplicando as equações (4.7) e (4.8) obtém-se:
0 = −∆t
ρ
(∇2p+ +∇2p−
)+ 2∆tν
[∂
∂x(∇2u−) +
∂
∂y(∇2v−)
](4.13)
40
que, após algumas manipulações algébricas é escrita como:
∇2p+ = −∇2p− − 2ρν
[∂
∂x(∇2u−) +
∂
∂y(∇2v−)
](4.14)
4.2 Algoritmo para a Solução Numérica
O algoritmo adotado para a solução numérica é o seguinte:
1. Estabelecer as condições iniciais para as variáveisu, v, ep;
2. Calcular o valor da função representada pelo lado direito da equação (4.14) em
todos os pontos de grade;
3. Avançar no tempo e determinar a posição de partida da partícula, aproximando
o seu deslocamento com a velocidade na posição da trajetória no instantet. Essa
aproximação é obtida com o processo iterativo das equações (3.6) e (3.7). O critério
de convergência adotado foi de interromper as iterações quando o erro relativo
do comprimento da trajetória calculado a partir de duas iterações sucessivas fosse
igual ou menor que 1 %;
4. Obter o valor interpolado da função representada pelo lado direito da equação
(4.14) na posição de partida da trajetória da partícula, para todos os pontos de
grade. Este procedimento proporciona maior eficiência computacional do que efe-
tuar o cálculo das derivadas nas posições das partículas de fluido, que aumentaria
significativamente o número de interpolações;
5. Resolver a equação elíptica (4.14), utilizando o método de relaxação sequencial
[49] .
6. Conhecidos os valores dep+, calcularu+ ev+ com as equações (4.9) e (4.10); e
7. Atualizar os valores das variáveis nos instantest − ∆t e t , avançar no tempo e
repetir a sequência a partir do passo 2 até atingir o tempo de integração desejado.
41
Capítulo 5
O PROBLEMA DO ESCOAMENTO
AO LONGO DE UMA PLACA PLANA
E NA ESTEIRA ADJACENTE
5.1 O Problema do Escoamento ao Longo da Placa Plana
Na definição do método MAL não foi estabelecida nenhuma restrição quanto aos regimes
de escoamentos em que ele pode ser aplicado, ou seja, a hipótese é de que ele seja válido
para escoamentos tanto em altos quanto em baixos números de Reynolds (Re). Este item,
que usará como referência Schlichtinget al. [50], tratará do problema de escoamentos
em baixosReao longo de uma placa plana, visando a posterior validação do método na
simulação de escoamentos neste tipo de regime. Este problema é o exemplo mais simples
de aplicação das equações da camada limite, apresentadas no item A.3.
Considere uma placa onde a extremidade de entrada do escoamento esteja na posição
x = 0. A placa é semi-infinita e estende-se paralela ao eixox. Considere-se que o escoa-
mento é bidimensional emx ey, estacionário, paralelo ao eixox (ou seja, com ângulo de
incidência em relação à placa igual a zero), com a velocidade do escoamento livre (ou
externo)U constante, igual aU∞. O problema é ilustrado esquematicamente na figura
5.1.
42
Figura 5.1: Representação esquemática do escoamento ao longo de uma placa plana.
Com U constante, a equação (A.45) torna-se∂p/∂x = 0. Com esse resultado as
equações da camada limite (A.42) e (A.43) tornam-se:
∂u
∂x+∂v
∂y= 0 (5.1)
u∂u
∂x+ v
∂u
∂y= ν
∂2u
∂y2(5.2)
com condições de contorno:
y = 0 : u = 0, v = 0;
y →∞ : u = U∞
(5.3)
Como o sistema não possui nenhuma escala de comprimento característica (pois a
placa é semi-infinita), pode-se esperar que os perfis de velocidadeu(y) a diferentes dis-
tâncias a partir da extremidade da placa serãosimilares(ou auto-similares). Nesse caso,
eles poderão ser mapeados uns sobre os outros por meio da escolha de fatores de norma-
lização adequados parau ey. Escolhe-se entãoU∞ para normalizaru, eδ(x), a espessura
da camada limite, para normalizary. Com essas escolhas, a lei de similaridade do perfil
43
de velocidade pode ser escrita como:
u
U∞= ϕ(η) (5.4)
com
η ∼ y
δ(x)(5.5)
A funçãoϕ(η) deverá ser independente dex, para atender à hipótese de similaridade.
Com base em argumentos de análise dimensional, pode ser mostrado que a espessura
da camada limiteδ é relacionada à distânciax por meio da expressão:
δ(x) ∼√xν
U∞(5.6)
que indica queδ(x)aumenta à medida que o fluido escoa ao longo da placa, proporcional-
mente a√x.
A variável de similaridadeη é escolhida como:
η = y
√U∞2νx
(5.7)
O fator√
2 no denominador foi incorporado apenas por conveniência para simplificar
a forma da equação diferencial que será deduzida.
Neste ponto introduz-se a função de correnteψ(x, y) definida como:
u ≡ ∂ψ∂y
v ≡ −∂ψ∂x
(5.8)
A função de corrente permite que o sistema de equações emu e v possa ser reduzido
a apenas uma equação emψ em escoamentos não divergentes, como o caso em estudo.
Uma vez conhecidaψ(x, y), com o uso das equações (5.8) pode-se obter os valores deu
ev.
A função de correnteψ(x, y) também será normalizada, produzindo uma função de
44
corrente adimensionalf(η), da seguinte forma:
f(η) =ψ√
2νxU∞(5.9)
Usando as definições (5.7) e (5.8) e lembrando queψ[x, η(x, y)], as componentes da
velocidade podem ser obtidas:
u =∂ψ
∂y=∂ψ
∂η
∂η
∂y= U∞
∂f(η)
∂η= U∞f
′(η) (5.10)
v = −∂ψ∂x
= −(∂ψ
∂x+∂ψ
∂η
∂η
∂x
)=
√νU∞2x
(ηf ′ − f) (5.11)
Levando os resultados das equações (5.10) e (5.11) à expressão (5.2), obtém-se uma
equação diferencial ordinária para a função de corrente normalizada:
f ′′′ + ff ′′ = 0 (5.12)
com condições de contorno:
η = 0 : f = 0, f ′ = 0
η =∞ : f ′ = 1(5.13)
A expressão (5.12) é conhecida comoequação de Blasius.Essa equação, por ser não-
linear, deve ser resolvida numericamente, e sua solução está documentada em diversas
referências. Neste trabalho serão utilizadas as soluções de Slater [51]. O perfil da com-
ponente longitudinal da velocidade normalizadaunorm = u/U∞ = f ′(η) é apresentado
na figura 5.2 .
O perfil da componente transversal da velocidade normalizada, definida como:
vnorm =v
U∞
√U∞x
ν=ηf ′ − f√
2(5.14)
é apresentado na figura 5.3.
45
Figura 5.2: Perfil da componente longitudinal da velocidadeunorm = uU∞
= f ′(η).
Pode-se observar que a componente longitudinal tende assintoticamente para a ve-
locidade do escoamento livre (f ′(η) = 1) e que a componente transversal não tende a
zero ao se aproximar do limite externo da camada limite (η →∞).
Um ponto importante a se destacar na solução de Blasius é a existência de uma singu-
laridade na extremidade da placa (x = 0). Nesse ponto a velocidade transversal torna-se
infinita.
Vale destacar que as definições de espessura da camada limite das expressões (A.64),
(A.66), (A.68) e (A.69) são obtidas com o uso dos resultados da solução numérica da
equação de Blasius introduzidos nas respectivas definições deδ1, δ2 e δ3.
A tensão de cizalhamento sobre a placa (η = 0) τw(x) é definida a partir da lei da
fricção de Newton:
τw(x) = µ
(∂u
∂y
)w
(5.15)
onde o índicew refere-se ao valor sobre a parede.
46
Figura 5.3: Perfil da componente transversal da velocidadevnorm = vU∞
√U∞xν
= ηf ′−f√2.
A partir das equações (5.7), (5.10) e (5.15) pode-se obter a expressão:
τw(x) = µU∞
√U∞2νx
f ′′w (5.16)
ondef ′′w=0.4696, da solução numérica da equação de Blasius.
Logo, parax = 0, τw também será infinita. Dessa forma, verifica-se que a solução de
Blasius não é válida diretamente na extremidade da placa.
O arrasto por fricção (D) por unidade de largura em um lado de uma placa plana de
comprimentoL, para um escoamento onde seja válida a solução de Blasius, é definido
pela expressão:
D =∫ L
0τw(x)dx (5.17)
Levando a expressão (5.16) a (5.17) obtém-se o seguinte resultado:
D =1.328 ρ
2U2∞L√
Re(5.18)
47
ondeRe = U∞L/ν.
Vários investigadores realizaram experimentos visando confirmar a solução teórica
de Blasius. Esses experimentos mostraram que a camada limite sofre grande influência
do formato da extremidade da placa, e da existência de fracos gradientes de pressão no es-
coamento externo. Nikuradse [52], citado por Schlichtinget al. [50], realizou experimen-
tos levando em consideração esses fatores, e obteve como resultados mais importantes: a
confirmação de que os perfis de velocidade em diferentes posições da placa, medidas a
partir da extremidade, são similares e; os formatos dos perfis de velocidade tiveram uma
boa concordância com a teoria, quando o escoamento permanecia em regime laminar.
Também foram realizados experimentos visando validar a solução teórica para a ten-
são de cizalhamento na parede. Os resultados obtidos mostraram que a solução teórica
representa muito bem os valores observados, desde que o escoamento permaneça em
regime laminar.
Pode-se definir umnúmero de Reynolds localRex, em função da posição na placa,
como:
Rex ≡U∞x
ν(5.19)
Schlichtinget al. [50] e Kundu [2] citam que a partir de um valor deRex crítico, em
torno de3× 105, as soluções de Blasius não são mais válidas, pois a partir desse valor o
escoamento sofre uma transição para o regime turbulento. Para valores deRex > 5×104
até o valor crítico, os resultados obtidos nas medições de perfis de velocidade e tensões de
cizalhamento comprovam a validade da solução de Blasius para as equações da camada
limite
5.2 O Problema do Escoamento na Esteira Distante
Em sua análise de escoamentos cizalhantes livres em regime laminar, Schlichtinget al.
[50] apresentam o estudo da esteira formada a juzante de corpos sólidos. Nele é obtida
uma solução analítica para o perfil de velocidade na região definida comoesteira distante,
48
na qual odéficitde quantidade de movimento no centro da esteira é pequeno em relação
à velocidade do escoamento livre. Ao final do estudo, entretanto, os autores fazem a
seguinte observação:
“Na maioria dos casos práticos os escoamentos em esteiras são turbulentos,
uma vez que os perfis de velocidade na esteira possuem pontos de inflexão
sendo, portanto, particularmente instáveis. Consequentemente, a transição
para um escoamento turbulento ocorre em números de Reynolds relativa-
mente baixos[...]”.
Kundu [2], por sua vez, em seu estudo de escoamentos cizalhantes livres desenvolve uma
solução analítica para o perfil de velocidade no escoamento laminar bidimensional de um
jato. Ao final, o autor apresenta a seguinte observação:
“A solução para o jato laminar apresentada aqui não é facilmente observável,
uma vez que o escoamento facilmente evolui para a turbulência. O baixo
número crítico para a instabilidade de um jato ou esteira está associado à
existência de um ponto de inflexão no perfil de velocidade[...]”.
Com base nos comentários apresentados por esses autores, não parece apropriado apre-
sentar soluções analíticas aplicáveis a escoamentos laminares, que não podem ser facil-
mente obtidas na realidade e, consequentemente, não possuam uma base de dados ex-
perimentais significativa que possam vir a validar resultados de simulações numéricas.
Por essa razão, será apresentada a solução analítica para escoamentos turbulentos com a
formação de uma esteira plana, descrita por Pope [21].
Considere um escoamento estacionário, bidimensional e simétrico em relação ao eixo
x. A esteira plana é formada quando um escoamento uniforme, com velocidadeU∞ na
direçãox passa por um corpo. A figura 5.4 ilustra esquematicamente um escoamento
com a formação de uma esteira a juzante de um corpo sólido.
49
Figura 5.4: Representação esquemática da formação de uma esteira a juzante de umcorpo sólido imerso em um escoamento uniforme.
A velocidade convectiva característica é a do escoamento livreU∞ e a diferença de
velocidade característica é definida como:
us(x) ≡ U∞ − u(x, 0) (5.20)
A meia-espessurada camada limitey1/2 é definida como:
u(x,±y1/2) = U∞ −1
2us(x) (5.21)
O comportamento esperado é que, à medida que se aumenta a distância do corpo, a
esteira se alargue (y1/2 aumente) e que odéficitde velocidade decaia (us/U∞ → 0).
Em virtude de haver duas velocidades características (us eU∞) e a razão entre elas
variar no espaço, o escoamento não pode ser exatamente auto-similar. Entretanto, ele se
torna assintoticamente auto-similar na esteira distante, ondeus/U∞ → 0. Em experi-
mentos, esse comportamento assintótico foi observado comus/U∞ ≤ 0.1.
50
Definindoξ ≡ y/y1/2(x) como a coordenada normalizada na direção transversal ao
escoamento, odéficitde velocidadef(ξ)é definido como:
f(ξ) ≡ U∞ − u(x, y)
us(x)(5.22)
de forma que a velocidade média será:
u(x, y) = U∞ − us(x)f(ξ) (5.23)
Com base nessas definições temos:
f(0) = 1
f(±1) = 12
(5.24)
A razão de escoamento dedéficitde quantidade de movimento (por unidade de largura)
M(x) é definida como:
M(x) ≡∫ ∞
−∞ρu(U∞ − u)dy (5.25)
Empregando as definições deξ, juntamente com as expressões (5.20) a (5.23) em
(5.25), obtém-se a seguinte equação:
M(x) = ρU∞us(x)y1/2(x)∫ ∞
−∞
(1− us(x)
U∞f(ξ)
)f(ξ)dξ (5.26)
Pode-se provar queM(x) é conservado ao longo do escoamento sendo, portanto,
independente dex. Consequentemente, na esteira distante, ondeus/U∞ → 0, o produto
us(x)y1/2(x) será constante, uma vez quef(ξ) independe dex.
Aplicando a média temporal definida por (A.14) à equação da camada limite bidimen-
sional estacionária (A.43), juntamente com a condição (A.45) e as hipóteses da esteira
distante, a solução apresentada pelo autor para a funçãof(ξ) é a seguinte:
f(ξ) = exp(−0.693ξ2) (5.27)
51
Figura 5.5: Perfil dedéficitde velocidade normalizado em uma esteira auto-similar.
Wygnanskiet al. [53] realizaram um estudo experimental sistemático de esteiras bidi-
mensionais turbulentas com pequenodéficitde velocidade para determinar a sua estrutura
e a universalidade da auto-similaridade nesse tipo de escoamento. Foi observado que a
solução da equação (5.27) superestima a velocidade média medida nas bordas externas
da esteira. Com base nos seus resultados experimentais os autores propuseram a seguinte
expressão paraf(ξ) como uma melhor representação do perfil de velocidade na esteira
distante:
f(ξ) = exp(−0.637ξ2 − 0.056ξ4) (5.28)
Na figura (5.5) é representada a funçãof(ξ) da equação (5.28).
Os autores também definiram os seguintes parâmetros de similaridade:
W0 =usU∞
(x− x0
Θ
) 12
(5.29)
∆0 = y1/2[(x− x0)Θ]−12 (5.30)
52
ondeΘ é a espessura de quantidade de movimento, dada pela equação:
Θ ≡∫ ∞
−∞
u
U∞
(1− u
U∞
)dy (5.31)
ex0 é a chamadaorigem virtual.
A partir de suas definições, pode-se escrever o produto das quantidadesW0 e ∆0
como:
W0∆0 =usy1/2
U∞Θ(5.32)
U∞ e Θ são escalas de normalização de velocidade longitudinal e de distância verti-
cal, respectivamente, e o produtousy1/2 é independente dex na região da esteira distante.
Espera-se, portanto, que o produtoW0∆0 seja constante nessa região. Nos experimentos
de Wygnanskiet al. esse produto mostrou ser praticamente constante para todos os cor-
pos geradores de esteira empregados. Os experimentos foram realizados para valores de
ReΘ entre 650 e 3200, comReΘ definido como:
ReΘ =U∞Θ
ν(5.33)
Os valores deus/U∞ dos experimentos variaram entre 0.03 e 0.15 na região da esteira
distante.
No estudo, os autores concluíram que os perfis médios de velocidade para cada es-
teira, quando normalizados por suas próprias escalas de velocidade e comprimento (us e
y1/2) são auto-similares. Entretanto, quando as escalas de normalização adotadas foram
a espessura de quantidade de movimentoδ2 e a velocidade do escoamento livreU∞ os
perfis de velocidade não exibiram comportamento universal, mostrando dependência da
geometria do corpo utilizado para gerar a esteira.
53
5.3 Solução Numérica1
5.3.1 Geometria do Domínio e Condições de Contorno
O domínio computacional das simulações reproduz uma placa plana imersa em um es-
coamento inicialmente uniforme, com ângulo de incidência igual a zero, como na figura
5.1. A placa está posicionada no centro do escoamento em relação ao eixoy, ou seja,
a distância entre a placa plana e as fronteiras superior e inferior do domínio são iguais.
A região da esteira fica a juzante da placa, sendo definida por uma extensão do domínio
computacional a partir da extremidade posterior da placa.
A grade é uniforme ao longo dos eixosx e y. Os espaçamentos de grade∆x e∆y são
diferentes, visando-se obter uma resolução mais alta na direçãoy, ou seja ,∆y � ∆x.
Esta relação foi adotada considerando que na direçãox o comprimento característico será
o comprimento da placaL, enquanto na direçãoy o comprimento característico será a es-
pessura da camada limiteδ, e é esperado queδ � L. Foi definida uma região pequena,
a montante, para permitir o ajustamento do escoamento à presença da placa. A fronteira
de entrada do escoamento, portanto, não coincide com a extremidade anterior da placa.
Nos experimentos, enfocando a análise das condições ao longo da placa, o domínio na
região a juzante, correspondente à esteira, foi reduzido, tendo uma extensão de cerca de
metade do comprimento da placa, para reduzir o número de pontos e grade e, conse-
quentemente, o tempo de processamento. Foi observado que essa parte do domínio não
influenciou o escoamento sobre a placa, indicando que o escoamento em um determi-
nado ponto era afetado apenas por processos a montante. Nos experimentos enfocando
a esteira, o domínio foi ajustado de forma a obter condições próximas das características
da esteira distante (us/U∞ → 0) próximo à fronteira de saída do escoamento.
As condições de contorno estabelecidas sobre a placa foram de não deslizamento
(u = 0) e impenetrabilidade (v = 0) do escoamento. É importante notar que as condições
1Embora os problemas da placa plana e da esteira tenham sido apresentados separadamente, por con-veniência, a implementação numérica será desenvolvida integrando os dois escoamentos em um domínioúnico.
54
de não deslizamento e impenetrabilidade são prescritas em ambos os lados da placa, ou
seja, acima e abaixo de um ponto de grade, que é representativo da placa. Uma vez que
o ponto de grade é adimensional, a espessura da placa nas simulações será igual a zero.
Além disso, a rugosidade da placa também será zero, ou seja, a placa é absolutamente
lisa.
Na fronteira de entrada do escoamento foi estabelecido o valor da componente lon-
gitudinal da velocidade igual à velocidade do escoamento livre (u = U∞) constante e da
componente transversalv = 0 ao longo de toda essa fronteira, não sendo alterados ao
longo da integração.
Nas fronteiras superior e inferior a componente longitudinal da velocidade foi man-
tida constante igual aU∞ e a transversal igual a zero na condição inicial e ajustada ao
longo do processamento de acordo com a condição de contorno de gradiente de Mason
e Sykes [54], citados por Pielke [55], de forma a reduzir eventuais efeitos de reflexão
de ondas de volta para o interior do domínio. O esquema baseia-se na verificação da
existência de escoamento de saída nos pontos de grade das fronteiras pelas expressões:
vt+1i,jmax
= 1.5vti,jmax−1 − 0.5vti,jmax−3 (5.34)
vt+1i,jmin
= 1.5vti,jmin+1 − 0.5vti,jmin+3 (5.35)
onde i é o índice do ponto de grade na direçãox, jmax e jmin são os índices máximo
e mínimo dos pontos de grade na direçãoy, e t e t+1 são dois instantes consecutivos.
Caso o valor dev estabelecido por essas expressões indiquem escoamento para dentro do
domínio, o valor dev era ajustado para zero, de forma a impedir a reflexão.
Na fronteira de saída do escoamento, o valor da componenteu também foi obtido
com o emprego da condição de contorno de gradiente descrita acima, com a seguinte
expressão:
ut+1imax,j = 1.5utimax−1,j − 0.5utimax−3,j (5.36)
ondeimax é o índice máximo do pontos de grade na direçãox e j é o índice na direçãoy.
55
O valor da componentev da velocidade foi arbitrado como sendo igual a zero na fronteira
de saída.
Com relação à pressão, ela é mantida constante ao longo de toda a fronteira externa
do domínio, com um valor de referência arbitráriopk igual a 1.0 Pa. Sobre a placa, o
valor da pressão não foi prescrito, e sim obtido da solução da equação elíptica (4.14),
aplicando como condição de contorno a equação:
∂p
∂y= 0 (5.37)
obtida da análise das equações da camada limite de Prandtl [50].
Na forma discreta, a pressão sobre a placa é imposta pelas linhas de pontos de grade
imediatamente adjacentes à superfície da placa. Com este procedimento, a pressão sobre
a placa foi deixada variar ao longo da integração, sem a necessidade de ser prescrita.
O emprego do método semi-lagrangeano exige o conhecimento da função do lado
direito da equação (4.14), fazendo necessário definir os valores de∇2u e∇2v em todos os
pontos de grade do domínio, para possibilitar as interpolações. Nas fronteiras externas os
valores das componentes dos laplacianos transversais às fronteiras foram arbitrados como
iguais a zero e as componentes ao longo da fronteira foram calculadas por diferenças
centradas. Sobre a placa, adotou-se a condição de compatibilidade na parede [50]:
∇2uw =1
µ
(∂p
∂x
)w
(5.38)
∇2vw =1
µ
(∂p
∂y
)w
= 0 (5.39)
onde o subscritow representa os valores sobre a placa. O resultado da equação (5.39) é
necessário para se manter consistência com a condição de contorno da equação (5.37).
Quanto às interpolações espaciais sobre a placa, são empregadas interpolações cúbi-
cas descentradas na direção transversal à placa, ao invés de lineares, a fim de evitar
atenuação excessiva das variáveis durante a integração, que poderia implicar em difusão
56
Tabela 5.1: Parâmetros de configuração do experimento PLACA 1.
Parâmetro Valor
Comprimento da placa (L) 0.14 mAltura acima/abaixo da placa 0.01 m
Espaçamento de grade longitudinal (∆x) 0.0014 mEspaçamento de grade transversal (∆y) 0.0001 m
Número de pontos de grade na direção x (NX) 161Número de pontos de grade na direção y (NY) 201
Posiçãox do início da placa 0.014 mPasso de tempo (∆t) 0.0004 s
Velocidade do escoamento livre (U∞) 3.0 m/sViscosidade cinemática do fluido (ν) 1.004× 10−6m2/s
Densidade do fluido (ρ) 998.2kg/m3
Número de Reynolds (Re = UL/ν) 4.18×105
anormalmente alta na região da camada limite.
5.3.2 Simulações Numéricas e Resultados para a Placa Plana
5.3.2.1 Experimento PLACA 1
O primeiro experimento de simulação de escoamento ao longo de uma placa plana (PLACA
1) utilizou os parâmetros de configuração descritos na tabela 5.1. Os valores deν eρ cor-
respondem a água à temperatura de 293K, e foram obtidos em Schlichtinget al. [50].
Devido ao fato das condições na entrada do escoamento permanecerem constantes
ao longo de toda simulação, esperava-se que fosse obtido um estado estatisticamente
estacionário, durante o qual seriam obtidas médias em cada ponto de grade, que seriam
utilizadas para comparação com resultados consagrados, disponíveis nas referências. A
duração do experimento deveria ser adequada para garantir o estabelecimento do estado
estacionário, e foi definida, inicialmente, como sendo de pelo menos 20 vezes a escala de
tempo característica do escoamento sobre a placaTp, definida como:
Tp =L
U∞(5.40)
57
A partir do instante 10Tp era iniciado o cálculo das médias temporais em cada ponto
de grade, por um período igual ou maior que 10Tp. A fim de verificar se o período de
média utilizado representava adequadamente um estado estatisticamente estacionário, foi
adotado o seguinte procedimento: o período de média foi dividido em dois subperíodos
Tp1 = Tp2. Para cada um deles foram obtidas as médias da componenteu da velocidade
para todos os pontos de grade do domínio, produzindou1(i, j) e u2(i, j). Esses valores
foram comparados à médiau(i, j) obtida para todo o período de média, por meio da
diferença relativaεu:
εu =
∣∣∣∣∣ u1(i, j)− u2(i, j)
u(i, j)
∣∣∣∣∣ (5.41)
em todos os pontos de grade. Caso o valor máximo deεu em todo o domínio fosse sufi-
cientemente pequeno, considerou-se que o período de média foi adequado para eliminar
qualquer tendência no escoamento, e que um regime estatisticamente estacionário foi
efetivamente atingido. Neste experimento o tempo total de simulação foi de 1s.
Além do procedimento descrito, foram também avaliadas a evolução daenergia cinética
média do domínio por unidade de massa KEm2, definida como:
KEm =12
∑NX,NYi=0,j=0 [u
2(i, j) + v2(i, j)]
NX.NY(5.42)
e aenstrofia média do domínio Em, definida como:
Em =12
∑NX,NYi=0,j=0 ζ
2(i, j)
NX.NY(5.43)
ondeζ(i, j) é avorticidade,expressa por:
ζ(i, j) =
(∂v
∂x− ∂u
∂y
)i,j
(5.44)
Essas quantidades devem se manter constantes em um escoamento estatisticamente
2Por simplificação, a grandezaKEm será referenciada ao longo do trabalho apenas comoenergiacinética média do domínio.
58
estacionário [48]. Além disso, elas servem para diagnosticar a presença de instabilidade
não-linear, associada aaliasing. No caso de ocorrência desse tipo de instabilidade, a
enstrofia média tende a aumentar, devido à cascata de energia para os menores compri-
mentos de onda, que leva a um aumento na circulação dos vórtices nas menores escalas de
forma descontrolada, com um consequente aumento na energia cinética média, levando
eventualmente à “explosão” da simulação [37].
Na condição inicial (t = 0), o escoamento é totalmente uniforme, com velocidade
U∞. No primeiro passo de tempo (t = ∆t) é introduzida a placa no fluido, que leva à
desaceleração do escoamento. A figura 5.6 mostra as evoluções temporais da componente
longitudinal da velocidadeu em quatro pontos da grade sobre a placa, imediatamente
acima dela, localizados nas posiçõesx1 = L/4, x2 = L/2, x3 = 3L/4 e x4 = L, que
correspondem a números de Reynolds locaisRex1 = 1.05 × 105, Rex2 = 2.09 × 105,
Rex3 = 3.14× 105 eRex4 = 4.18× 105, respectivamente.
A partir do primeiro passo de tempo, há um rápido decréscimo no valor deu, e após
algumas oscilações é atingido um regime quase-estacionário. Como esperado, o valor de
u diminui à medida que nos afastamos da extremidade anterior da placa, devido ao efeito
do arrasto. O valor máximo da diferença relativaεu em todo o domínio foi de 0.0004 %.
Na figura 5.7 é representada a evolução temporal deKEm.Pode-se observar que após
uma queda acentuada, existe um ligeiro aumento, e após o instante t = 0.15 sKEm se
mantém aproximadamente constante.
Na figura 5.8 é representada a evolução temporal deEm. O gráfico é semelhante ao de
KEm, exceto que a oscilação após a redução acentuada no valor deEmnão é tão marcante
quanto à apresentada naquela grandeza. Pode-se observar que também foi atingido um
estado quase estacionário após o instantet = 0.2 s.
Com base no valor deεu e nos gráficos de evoluções temporais deu, KEmeEmpode-
se considerar que foi atingido o estado estatisticamente estacionário durante o período de
obtenção das médias temporais das variáveisu, v e p, entre os instantest = 0.4667 s e
t = 1.0 s.
59
Figura 5.6: Evoluções temporais da componenteu em quatro pontos imediatamenteacima da placa no experimento PLACA 1, nas posiçõesx1 = L/4 (linha contínua fina),x2 = L/2 (linha tracejada fina),x3 = 3L/4 (linha contínua grossa) ex4 = L (linhatracejada grossa).
60
Figura 5.7: Evolução temporal da energia cinética médiaKEmno experimento PLACA1.
Na figura 5.9 é representado o campo da média da componente longitudinal da veloci-
dadeu , na região desde a fronteira de entrada do escoamento até a extremidade posterior
da placa. Na direção vertical foi representada apenas a região da camada limite, onde há
variações importantes no valor deu. Essa região corresponde a cerca de 10 % da altura
total do domínio.
A isótaca mais externa ( 2.97 m/s) representa a região ondeu = 0.99U∞, ou seja,
corresponde à espessura da camada limiteδ99. Pode-se observar a configuração apro-
ximadamente simétrica em relação à placa. O gráfico mostra que, como esperado,δ99
aumenta à medida que nos deslocamos ao longo da placa, indicando crescimento da
camada limite.
Na figura 5.10 é apresentado o campo de média da componente transversal da ve-
locidadev ao longo da placa. Ao atingir a extremidade anterior da placa, na posição
x = 0.014 m, o escoamento bifurca. Entretanto, a partir da posiçãox = 0.05 m há uma
inversão no valor dev na região da camada limite (negativo na parte superior e positivo
61
Figura 5.8: Evolução temporal da enstrofia médiaEmno experimento PLACA 1.
Figura 5.9: Campo de média da componente longitudinal da velocidadeu (m/s) para oexperimento PLACA 1.
62
Figura 5.10: Campo de média da componente transversal da velocidadev (m/s) para oexperimento PLACA 1. As linhas contínuas representam valores positivos e as tracejadasvalores negativos. A linha branca tracejada indica a isótaca de 0.0 m/s.
na parte inferior da placa). Fora dessa região,v volta a inverter o sinal (positivo na parte
superior e negativo na parte inferior da placa). Na região próxima à extremidade anterior
da placa,v mostra oscilações de pequeno comprimento de onda, que se tornam menos
significativas à medida que nos afastamos dessa região .
Observou-se que em alguns experimentos, os valores de perturbação na pressão eram
extremamente pequenos para terem uma representação gráfica adequada. Por essa razão
foi definida a grandezaanomalia de pressão médiapa:
pa = p− pk (5.45)
ondepk é a pressão de referência. Dessa forma, conseguiu-se uma melhor representação
das variações espaciais no campo de pressão. Na figura 5.11, é apresentado o campo
de pa na parte superior da placa, detalhando a região desde a fronteira de entrada do
escoamento até a extremidade posterior da placa . Pode-se observar que o campo de
pressão começa a ser afetado em uma região a montante da extremidade anterior da placa
63
Figura 5.11: Campo de anomalia de pressãomédiapa (Pa) para o experimento PLACA1. As linhas contínuas representam valores positivos e as tracejadas valores negativos. Alinha branca tracejada corresponde à anomalia de 0.0 Pa.
(x = 0.014 m) e que próxima a esta extremidade há a formação de um choque, com um
acentuado gradiente de pressão. Como citado no item 5.3.1, a pressão na placa não foi
prescrita com o objetivo de se controlar ou eliminar o choque apresentado, mas sim dei-
xada variar ao longo da integração. Após a região do choque, a amplitude da onda de
pressão diminui, tendendo assintoticamente a uma condição de pequena variação hori-
zontal. É interessante o fato do valor da anomalia de pressão no choque ser maior que
40.0 Pa, enquanto a pressão de referência é de apenas 1.0 Pa.
Para se ter uma melhor representação do campo de pressão sobre a placa, é apresen-
tada na figura 5.12 a distribuição da anomalia de pressão ao longo da primeira fila de
pontos de grade imediatamente acima da placa, que de acordo com a condição de con-
torno da equação (5.37) será igual à pressão sobre a placa. Pode-se notar o choque na
região anterior, evoluindo a partir da posiçãox = 0.07 m para uma condição de pressão
aproximadamente constante em relação ax.
No item 5.1, foi apresentada a equação de Blasius para um escoamento ao longo de
uma placa plana, cuja solução foi obtida sob a condição de∂p/∂x = 0. Nessa solução
os perfis de velocidade são auto-similares em relação ax. Para se verificar a capacidade
da simulação replicar essa característica do escoamento, foram calculados os valores
64
Figura 5.12: Campo de anomalia de pressãopa (Pa) sobre a placa para o experimentoPLACA 1.
da componente longitudinal da velocidade normalizadaunorm = u/U∞ nas posições
x2, x3 e x4, pois estão na região onde o gradiente horizontal de pressão é aproximada-
mente nulo, em condições mais próximas às da hipótese de Blasius. Os perfis verticais
de unormsão apresentados na figura 5.13 . Pode-se observar que os perfis apresentam
um comportamento auto-similar, aproximadamente superpondo-se uns sobre os outros.
Entretanto, eles não coincidem com a solução da equação de Blasius. Isto pode ser
explicado pelo fato de não haver sido imposta artficialmente a condição de gradiente ho-
rizontal de pressão nulo sobre toda a placa, na qual se baseia a solução de Blasius. Cebeci
e Cousteix [4] ao analisarem o problema do estabelecimento de condições de contorno
para as equações da camada limite para a placa plana (5.1) e (5.2) afirmam que essas
equações, por serem parabólicas, comportam-se de forma semelhante à equação de con-
dução de calor, na qual uma pequena perturbação introduzida na camada limite difunde-
se instantaneamente ao longo da normal à parede (placa) e é transportada ao longo do
escoamento, seguindo as linhas de corrente na camada limite. Assim, condições de con-
65
Figura 5.13: Perfis verticais da componente longitudinal da velocidade normaliza-daunormnas posiçõesx2 (losangos pretos),x3 (círculos brancos) ex4 (círculos pretos elinha tracejada), para o experimento PLACA 1. A linha contínua representa a solução deSlater [51] para a equação de Blasius.
torno são necessárias ao longo de uma linha normal à placa a montante do domínio, ao
longo da placa e da extremidade exterior do domínio. De acordo com esses autores, uma
perturbação introduzida ao longo dessas linhas influenciará o escoamento no domínio
de cálculo. Embora na implementação do método MAL para a solução do problema da
placa plana tenham sido utilizadas as equações de N-S agregadas (2.12) a (2.14), espera-
se que na região da camada limite, elas tenham um comportamento correspondente ao das
equações modificadas pelas aproximações da camada limite. Uma vez que não foi im-
posta a condição∂p/∂x = 0 ao longo de toda a placa, permitindo a formação do choque
de pressão, a simulação foi realizada em uma situação relativamente afastada da hipótese
de Blasius. Consequentemente, foi gerada uma perturbação na extemidade anterior da
placa que se propagou ao longo do escoamento. Dessa forma, a simulação não gerou um
perfil coincidente com a solução de Blasius. Entretanto, na região onde∂p/∂x ∼ 0 o
perfil deunormapresentou um comportamento auto-similar.
Na figura 5.14 são apresentados os perfis da solução numérica para a componente
66
Figura 5.14: Perfis verticais da componente transversal da velocidade normalizadavnormnas posiçõesx2 (losangos pretos),x3 (círculos brancos) ex4 (círculos pretos e linhatracejada), para o experimento PLACA 1. A linha contínua representa a solução de Slater[51] para a equação de Blasius.
transversal da velocidade normalizadavnorm, nas posiçõesx2, x3 e x4 . Os perfis
mostram-se superpostos até o valor deη aproximadamente 2.5. A partir desse valor
eles ficam separados, mantendo a mesma inclinação. Os valores negativos entreη = 0.0
eη = 1.0 correspondem à região onde há inversão no sinal da componente vertical da ve-
locidade representado na figura 5.10. Essa região corresponde à base da camada limite.
Com o uso das equações (A.62) e da definição deη na expressão (5.7), o valor deδ99 em
coordenada vertical normalizada pode ser estimado comoη(δ99)∼ 3.53. Logo, aproxi-
madamente 1/3 da espessura da camada limite apresenta inversão no sinal da componente
tranversal da velocidade. A diferença da solução da simulação em relação à solução de
Blasius pode ser associada à perturbação no campo de pressão, analogamente ao exposto
para a componente longitudinalunorm.
A fim de se avaliar objetivamente o quanto o afastamento das hipóteses da solução de
67
Blasius afeta as propriedades do escoamento simulado, calculou-se o valor docoeficiente
de arrasto por unidade de larguraCD, definido como[50]:
CD =D
ρ2U2∞L
(5.46)
onde o arrasto por fricçãoD é definido pela equação (5.17) e a tensão na paredeτw é
definida pela equação (5.15). O valor calculado foi comparado à solução semi-empírica
para o coeficiente de arrastoCDE apresentada em Schlichtinget al. [50]:
CDE =1.328√Re
(5.47)
A simulação numérica forneceu o valor deCD= 2.2853×10−3, enquanto a solução
semi-empírica obtida foiCDE= 2.0532×10−3, resultando numa diferença de 11.3 % da
primeira solução numérica em relação à segunda.
Uma outra forma de se avaliar objetivamente o resultado é pela comparação da estru-
tura vertical da componenteu. A partir da relação empírica da equação (A.62) pode-se
avaliar a espessura da camada limiteδ99 em função dex. Na figura 5.15, é representada a
evolução espacial deδ99 , obtida a partir da simulação numérica e por meio da expressão
(A.62) . Na extremidade posterior da placa, o valor empírico deδ99 = 1.082×10−3m,
enquanto o valor da simulação numérica foi deδ99 = 0.958×10−3m, que representa uma
diferença de 11.5 % da segunda solução em relação à primeira.
Como citado no item A.8, as medidas de espessura de deslocamentoδ1, espessura
de quantidade de movimentoδ2, e espessura de energiaδ3, sintetizam informações sobre
a estrutura transversal do campo de velocidade, em vista de envolverem a integração
de u ao longo da direção transversal à placa. Essas medidas de espessura podem ser
relacionadas empiricamente à espessura da camada limiteδ99 por meio das equações
(A.69).
Na figura 5.16, são representados os valores deδ1, δ2 eδ3, obtidos a partir das relações
empíricas das equações (A.69), considerando o valor deδ99 da simulação numérica. Na
68
Figura 5.15: Evolução espacial da espessura da camada limiteδ99 (m) a partir da simu-lação numérica (círculos pretos) e da equação (A.62) (linha contínua), para o experimentoPLACA 1.
Figura 5.16: Valores empíricos de espessuras da camada limite (m) calculados a partirdas equações (A.69) (δ1- linha contínua fina,δ2 - linha contínua grossa eδ3- linha trace-jada); e calculados a partir dos perfis verticais deu produzidos pela simulação numérica( δ1- círculos pretos,δ2 - círculos brancos eδ3- losangos brancos), para o experimentoPLACA 1.
69
Tabela 5.2: Parâmetros de configuração do experimento PLACA 2.
Parâmetro Valor
Comprimento da placa (L) 0.4 mAltura acima/abaixo da placa 0.05 m
Espaçamento de grade longitudinal (∆x) 0.004 mEspaçamento de grade transversal (∆y) 0.0005 m
Número de pontos de grade na direção x (NX) 161Número de pontos de grade na direção y (NY) 201
Posiçãox do início da placa 0.04 mPasso de tempo (∆t) 0.001 s
Velocidade do escoamento livre (U∞) 5.2 m/sViscosidade cinemática do fluido (ν) 15.3× 10−6m2/s
Densidade do fluido (ρ) 1.188kg/m3
Número de Reynolds (Re = UL/ν) 1.36×105
mesma figura são representados os valores deδ1, δ2 e δ3 calculados a partir dos per-
fis verticais deu produzidos pela simulação, por meio das equações (A.63) , (A.65) e
(A.67), respectivamente. Qualitativamente, pode-se considerar que houve uma razoável
concordância nas soluções empíricas e numéricas. Assim, embora tenha havido uma
diferença de cerca de 11 % no valor das soluções empírica e numérica deδ99 , a estrutura
do campo de velocidade simulado foi consistente com resultados experimentais.
Um aspecto relevante a ser avaliado é o custo computacional para a realização dos
experimentos numéricos. Para todas as simulações apresentadas neste trabalho foi uti-
lizado um PC com processador AMD Athlon XP 2000, com 1GB de memória RAM. O
experimento PLACA 1 utilizou 474.8 segundos de tempo de CPU para ser realizado.
5.3.2.2 Experimento PLACA 2
Visando verificar a flexibilidade e robustez do método na simulação de escoamentos em
diferentes condições, foi realizado um segundo experimento numérico simulando um
escoamento ao longo de uma placa plana (PLACA 2) utilizando os parâmetros de con-
figuração apresentados na tabela 5.2 . Os valores deν e ρ , obtidos em Schlichtinget
al. [50], simulam, dessa vez, o fluido do escoamento como sendo ar na temperatura de
70
Figura 5.17: Mesmo que na figura 5.9, exceto que para o experimento PLACA 2.
293 K.
O tempo de escoamento simulado foi de 1.6 s, sendo as médias temporais das grandezas
obtidas nos pontos de grade a partir do instantet = 0.770 s até o final do experimento.
Os gráficos de evoluções deu em quatro pontos da grade imediatamente acima da
placa, nas posiçõesx1 = L/4 (Rex1 = 3.40 × 104), x2 = L/2 (Rex2 = 6.80 × 104),
x3 = 3L/4 (Rex3 = 1.02 × 105) e x4 = L/4 (Rex4 = 1.36 × 105) mostraram um
comportamento semelhante ao observado no experimento PLACA 1 e, por essa razão,
seus gráficos não serão apresentados. Da mesma forma serão omitidos os gráficos de
evolução temporal deKEm e Em, pois tiveram um aspecto análogo ao observado no
primeiro experimento.
Nesta simulação, o valor máximo obtido em todo o domínio para a diferença relativa
εu foi de 0.003 %. Com base nos resultados obtidos pode-se considerar que também
foi estabelecido um regime estatisticamente estacionário no experimento PLACA 2, no
período de obtenção das médias temporais.
Na figura 5.17 é representado o campo deu para o experimento PLACA 2, da en-
71
Figura 5.18: Mesmo que na figura 5.10, exceto que para o experimento PLACA 2.
trada do escoamento até a extremidade posterior da placa, na região da camada limite,
que corresponde a cerca de 10 % da altura total do domínio. Observou-se a mesma quase
simetria em relação à placa plana que o experimento anterior. A isótaca de 5.148 m/s
corresponde à posição deδ99 e, como no experimento anterior, mostrou crescimento à
medida que nos afastamos do início da placa. Também observam-se ondulações de pe-
queno comprimento de onda próximo à extremidade anterior da placa.
O campo dev é representado na figura 5.18. Notam-se ondulações de pequena escala
nas proximidades da extremidade anterior da placa. Após essa região,v apresenta sinal
positivo acima da placa e negativo abaixo dela até a extremidade posterior.
O campo depa é representado na figura 5.19 para a região acima da placa, desde o
início do domínio até a posiçãox = 0.2 m, que corresponde aproximadamente ao meio
da placa. Esta representação foi escolhida para aumentar o detalhamento da região de
choque, próximo à posiçãox = 0.04 m, que corresponde ao início da placa. Após a
posiçãox = 0.2 m não há variações significativas no campo depa , por isso omitiu-se sua
representação. Na figura 5.20 , na qual é representado o perfil longitudinal depa sobre a
placa, observam-se dois mínimos locais depa , com valor de aproximadamente -0.12 Pa.
72
Figura 5.19: Mesmo que na figura 5.11, exceto que para o experimento PLACA 2.
Figura 5.20: Mesmo que na figura 5.12, exceto que para o experimento PLACA 2.
73
Figura 5.21: Mesmo que na figura 5.13, exceto que para o experimento PLACA 2.
O choque permaneceu relativamente confinado às proximidades da extremidade anterior
da placa, tal como no experimento anterior. Após o choque, o campo depa mostrou
pequenas variações ao longo da placa.
Na figura 5.21 são apresentados os perfis verticais deunormnas posiçõesx2, x3 e
x4. Neste experimento, eles também se apresentaram razoavelmente superpostos, indi-
cando a condição de auto-similaridade. Também não houve coincidência dos perfis da
simulação numérica com a solução de Blasius.
Os perfis verticais devnormsão representados na figura 5.22 . Esses perfis também
se mostraram auto-similares até o valor deη ∼ 2.2, tendendo a se separarem após este
valor. Note que os perfis mostraram-se bem próximos à solução de Blasius na região de
auto-similaridade. Considerando-se que as hipóteses de Blasius são válidas apenas para
a região da camada limite, que se estende até a posiçãoη ∼3.5, e que a transição para
o escoamento externo é suave, sem uma fronteira bem definida entre as duas regiões,
o fato dos perfis devnormse afastarem da situação de auto-similaridade à medida que
74
Figura 5.22: Mesmo que na figura 5.14, exceto que para o experimento PLACA 2.
η aumenta não representa, necessariamente, inconsistência dos resultados da simulação
numérica com a solução de Blasius.
O valor deCD obtido da simulação numérica foi3.67 × 10−3, enquanto a solução
semi-empíricaCDE forneceu o valor3.60× 10−3. A diferença relativa neste caso foi de
1.91 %.
Com relação aδ99, a equação (A.62) fornece o valor para a extremidade final da placa
igual a5.42× 10−3m, enquanto a simulação numérica produziu o valor deδ99 na mesma
posição igual a5.0× 10−3m, o que representa uma diferença relativa de 7.8 %. Não será
representado o perfil longitudinal deδ99, por ser semelhante ao observado na figura 5.15.
As espessuras da camada limiteδ1, δ2 e δ3, calculadas pelas equações (A.69) com o
uso deδ99 produzido pela simulação numérica, e as calculadas com as equações (A.63) ,
(A.65) e (A.67), a partir dos perfis deu obtidos da simulação, são representadas na figura
5.23. Também nesse experimento, pode-se considerar que a representação da estrutura
vertical do campo deu da simulação numérica mostrou uma boa consistência com os
75
Figura 5.23: Mesmo que na figura 5.16, exceto que para o experimento PLACA 2.
resultados semi-empíricos.
No que se refere ao esforço computacional empregado na simulação numérica, este
experimento utilizou 292.8 s de tempo de CPU para ser realizado.
5.3.3 Simulação Numérica e Resultados para a Esteira
A simulação de um escoamento na esteira a juzante de uma placa plana (ESTEIRA) uti-
lizou os parâmetros de configuração apresentados na tabela 5.3 . Os valores deν e ρ
utilizados caracterizam ar na temperatura de 293 K. O número de Reynolds foi calculado
em função das características da placa plana. Neste problema havia condições de tur-
bulência totalmente desenvolvida na extremidade posterior da placa plana, em vista de,
naquela posição,Reser maior que106[50].
A duração do escoamento simulado foi definida para garantir o estabelecimento de
um regime estatisticamente estacionário, tal como nas simulaçõs numéricas do escoa-
mento ao longo de uma placa plana. Foi empregada como referência a escala de tempo
76
Tabela 5.3: Parâmetros de configuração do experimento ESTEIRA.
Parâmetro Valor
Comprimento da região da esteira (Le) 22.5 mComprimento da placa (L) 1.0 m
Altura do domínio 0.192 mEspaçamento de grade longitudinal (∆x) 0.25 mEspaçamento de grade transversal (∆y) 0.0012 m
Número de pontos de grade na direção x (NX) 101Número de pontos de grade na direção y (NY) 161
Passo de tempo (∆t) 0.001 sVelocidade do escoamento livre (U∞) 16.0 m/sViscosidade cinemática do fluido (ν) 15.3× 10−6m2/s
Densidade do fluido (ρ) 1.188kg/m3
Número de Reynolds (Re = UL/ν) 1.05×106
característica da esteiraTe = Le/U∞, ondeLe representa o comprimento da região da
esteira, que abrange desde a extremidade final da placa plana até o final do domínio.
Analogamente ao critério adotado nos experimentos da placa plana, analisaram-se os
seguintes parâmetros:
1. As evoluções temporais deu em cinco pontos de grade da esteira, localizados no
nível da placa plana, que corresponde ao eixo central da esteira. Eles estão dispos-
tos, longitudinalmente, nas posições correspondentes ax1 = L + ∆x, ou seja, o
primeiro ponto de grade após a extremidade posterior da placa;x2 = L + Le/4,
correspondente a 1/4 do comprimento da região da esteira após a extremidade final
da placa;x3 = L + Le/2, metade da região da esteira;x4 = L + 3Le/4, 3/4 da
região da esteira ex5 = L − 3∆x, o terceiro ponto de grade antes da fronteira de
saída do escoamento.
2. A evolução temporal da energia cinética média do domínioKEm.
3. A evolução temporal da enstrofia média do domínioEm.
4. O valor máximo da diferença relativaεu descrita no item 5.3.2.1. A duração
do escoamento simulado, entretanto, foi de 80 segundos, que correspondem a
77
Figura 5.24: Evoluções temporais da componenteu em cinco pontos no eixo central daesteira, nas posiçõesx1 (linha contínua inferior) ax5 (linha contínua superior), no expe-rimento ESTEIRA.
54.2Te, e εu foi calculado utilizando como referência os períodosTe1, limitado
por 3.75s < t ≤ 41.88s , eTe2, limitado por41.88s < t < 80.0s .
Buscou-se verificar não apenas as condições adequadas para a obtenção das médias, mas
também se a simulação não apresentava sinais de instabilidade numérica, particularmente
a presença de efeitos dealiasing. Semelhante ao ocorrido nos experimentos da placa
plana, esperava-se o estabelecimento de um regime quase estacionário (ou estatistica-
mente estacionário).
Na figura 5.24 são apresentadas as evoluções temporais deu nas posiçõesx1 ax5, do
instante inicial atét = 20.0 s. Pode-se observar que imediatamente após a placa plana,u
cai rapidamente no início do escoamento, posteriormente passando a ter um comporta-
mento quase estacionário. Na posiçãox5 o valor deu é maior, em função do afastamento
da placa. Note que a perturbação provocada pela placa leva cerca de 2.0 s para atingir
a posiçãox5. Os gráficos apresentados sugerem que, aproximadamente, após o instante
78
Figura 5.25: Evolução temporal da energia cinética médiaKEm no experimento ES-TEIRA.
t = 3.0 s o escoamento manteve um comportamento quase estacionário.
Na figura 5.25 é representada a evolução temporal deKEmpara o experimento ES-
TEIRA, durante todo o tempo de simulação, que foi limitado a 80.0 s. Observa-se uma
queda acentuada no valor deKEm no início da simulação, sem variações perceptíveis
após o instantet = 2.0 s, indicando o estabelecimento de um regime estatisticamente
estacionário.
Na figura 5.26 é apresentada a evolução temporal da enstrofia média do domínioEm
durante o experimento ESTEIRA. Há uma queda acentuada no valor deEmno início do
experimento, seguida de um aumento e posterior estabelecimento de um regime onde o
valor deEmé praticamente constante.
O valor máximo deεu obtido no experimento ESTEIRA foi de 0.008 %. Com base
nos resultados apresentados acima, estima-se que entre os instantest = 3.75 s et = 80.0 s,
que limitaram o período de obtenção das médias temporais nos pontos de grade, prevale-
ceu um regime estatisticamente estacionário no escoamento. Os resultados mostram,
79
Figura 5.26: Evolução temporal da enstrofia médiaEmno experimento ESTEIRA.
também, que não ocorreu instabilidade numérica durante o período de simulação.
Na figura 5.27 é representado o campo deu no experimento ESTEIRA, desde a ex-
tremidade posterior da placa plana, que corresponde ao início da região da esteira, até
a fronteira de saída do escoamento, que limita o domínio computacional na direçãox.
Na direção vertical limitou-se a representação à região onde há variações significativas
emu, que caracterizam a presença da esteira. Essa região corresponde a cerca de 20 %
da altura total do domínio. Pode-se notar o espalhamento da esteira, bem como o au-
mento no valor deu ao longo de seu eixo central, à medida que nos deslocamos na
direçãox. Esse comportamento era esperado, uma vez que a uma distância suficiente-
mente grande da placa deve ser estabelecido o regime que caracteriza aesteira distante,
comus/U∞ = (U∞ − u)/U∞ → 0.
Nota-se a quase simetria da esteira em relação ao eixo central. A isótaca de 15.84 m/s
corresponde a 0.99U∞ e serve como referência para definição do limite externo da região
da esteira.
Na figura 5.28 é representado o campo dev para o experimento ESTEIRA. Aqui
80
Figura 5.27: Campo de média da componente longitudinal da velocidadeu (m/s) para oexperimento ESTEIRA.
Figura 5.28: Campo de média da componente transversal da velocidadev (m/s) para oexperimento ESTEIRA. As linhas contínuas representam valores positivos e as tracejadasvalores negativos. A linha branca contínua grossa corresponde à isótaca de 0.0 m/s.
81
Figura 5.29: Campo de anomalia de pressãomédia pa (Pa) para o experimento ES-TEIRA. As linhas tracejadas representam valores negativos. A região em cor brancaindica anomalia igual a 0.0.
também limitou-se a extensão do gráfico à região onde estão presentes variações signi-
ficativas dev. No início da região da esteira observam-se ondulações de pequena escala
que se propagam na direção vertical. Até a posição aproximadax = 4.0 m há uma região
com velocidade vertical negativa acima do eixo central da esteira e positiva abaixo dele.
Mais a juzante o sinal dev inverte, mantendo-se positivo acima do eixo central da esteira
e negativo abaixo dele, até o final do domínio. Próximo à saída do escoamento há uma
pequena faixa de perturbação no campo dev devida à adoção da condição de contornov
= 0 na saída. Essas perturbações, entretanto, ficaram limitadas a essa pequena faixa no
final do domínio, não se propagando a montante.
Na figura 5.29 é apresentado o campo depa para o experimento ESTEIRA. Limitou-
se a representação à região do domínio onde há variações significativas nessa variável.
Após a extremidade final da placa, a anomalia de pressão média diminui, atingindo um
valor mínimo de−2.2 × 10−2Pa, na posição aproximada x= 2.8 m, posteriormente
82
Figura 5.30: Perfil longitudinal deW0∆0 para o experimento ESTEIRA.
voltando a aumentar na direçãox. A partir da posiçãox = 3.1 m os valores mostram
variações de amplitude muito pequena em torno do valor 0.0, indicando que o gradiente
de pressão é praticamente nulo a partir daquela posição.
No item 5.2 foi apresentada a propriedade do produtoW0∆0 ser constante na região
da esteira distante. O perfil longitudinal deW0∆03 obtido no experimento ESTEIRA
é apresentado na figura 5.30 . Observa-se que no início da região da esteira há uma
acentuada queda no gráfico. A partir da posiçãox = 7.5 m o valor deW0∆0 passa a
variar lentamente emx, tornando-se praticamente constante a partir dex = 12.5 m. Esse
comportamento caracteriza a região de validade das hipóteses da esteira distante.
Foram selecionados quatro pontos nas proximidades do final do domínio computa-
cional para avaliar se a simulação reproduziu adequadamente as hipóteses da esteira
distante. Esses pontos estão localizados no eixo central da esteira, nas posições lon-
gitudinais correspondentes a 80 %, 85 %, 90 % e 95 % do comprimento da região da
3O valor da origem virtualx0, presente nas equações (5.29) e (5.30), foi arbitrado como sendo igual azero.
83
esteira, que correspondem às coordenadasxe1 = 18.8 m,xe2= 19.975 m,xe3 = 21.150 m
e xe4 = 22.325 m. Nessas posições a razãous/U∞ variou de 14.7 % a 15.9 %, sendo
próximas ao valor máximo das condições dos experimentos realizados por Wygnanskiet
al. [53]. A distância que separaxe1 dexe4 é de 3.55 m. Wygnanskiet al. realizaram
medições em oito posições da esteira, cuja distância entre o primeiro e último pontos
estava em torno de 1.5 m. Pode-se, portanto, considerar que os pontos estavam sufi-
cientemente afastados no experimento ESTEIRA para a avaliação de condições de auto-
similaridade no escoamento.
O resultado apresentado na figura 5.30 indica que foram atingidas condições próxi-
mas daquelas características da esteira distante. Consequentemente, o perfil dedéficit
da componente longitudinal de velocidadef(ξ), definido pela equação (5.28), deve ser
auto-similar naquela região.
Na figura 5.31 são representados os perfis longitudinais def(ξ) nas posiçõesxe1 a
xe4, calculados a partir dos resultados do experimento ESTEIRA. Os perfis apresentam-
se praticamente superpostos, indicando a condição de auto-similaridade. Além disso eles
estão em boa concordância com a função empírica dedéficit de velocidade (equação
5.28) obtida experimentalmente.
Com relação ao esforço computacional, este experimento foi bem mais custoso que
os realizados para a placa plana, em virtude da maior duração do escoamento simulado,
devido à escala de tempo característica ser mais longa para a esteira que para a placa
plana, além de desejar obter séries de tempo das variáveis suficientemente longas para os
cálculos dos espectros de energia. Neste experimento foram empregados 8965 s (2.49 h)
de tempo de CPU para se realizar a simulação.
No método MAL considera-se que nas menores escalas do escoamento existe a uni-
formização das propriedades. Consequentemente, há uma filtragem nos pequenos com-
primentos de onda (ou altas frequências). É interessante analisar esse efeito de filtragem
no escoamento.
Na figura 5.32 é representada a evolução temporal da componenteu da velocidade no
84
Figura 5.31: Perfis verticais dedéficit na componente longitudinal da velocidade nor-malizadosf(ξ) nas posiçõesxe1 (círculos pretos),xe2 (círculos brancos),xe3 (losangosvermelhos) exe4 (quadrados verdes) para o experimento ESTEIRA. A linha contínuaazul representa a função empírica obtida por Wygnanskiet al. [53], definida pela equação(5.28).
85
Figura 5.32: Evolução temporal da componenteu na posiçãox3 = L + Le/2, na or-denada do eixo central da esteira.
pontox3, no eixo central da esteira. Pode-se observar que, embora de pequena amplitude
(na ordem de de10−4m/s), há flutuações de alta frequência, indicando que apesar da
filtragem na escala da grade, ainda existe representação de oscilações nas menores escalas
do escoamento. É importante avaliar se essas variações possuem algum significado físico
ou se são meramente aleatórias, decorrentes de outros efeitos, tais como truncamento
computacional. Para a análise dessas oscilações foram registradas séries temporais da
componenteu ao longo do período considerado como de regime quase estacionário (de
t = 3.75 s at = 80.0 s) em alguns pontos do domínio, para a obtenção dos espectros
de energia nesse pontos. O procedimento adotado foi dividir a série temporal em 50
segmentos iguais e calcular o espectro de energia para cada um deles. Posteriormente foi
obtida a média dos 50 espectros de energia.
Uma vez que os dados foram obtidos no domínio do tempo, para a interpretação dos
resultados adotou-se a hipótese de Taylor descrita no item A.7 do apêndice. Assim, os
resultados obtidos no domínio do tempo (frequência) serão interpretados como represen-
tativos do domínio do espaço (número de onda).
86
Figura 5.33: Espectros de energia da componenteu nas posiçõesx2 = L + Le/4 (linhacontínua preta),x3 = L+ Le/2 (linha contínua azul), ex4 = L+ 3Le/4 (linha contínuavermelha), no eixo central da esteira. A linha tracejada verde indica a inclinação -3. Asunidades nos eixos de frequências e energias são arbitrárias.
Na figura 5.33 são representados os espectros de energia calculados a partir das séries
temporais da componenteu dos pontosx2 = L+Le/4, x3 = L+Le/2, ex4 = L+3Le/4,
posicionados na ordenada do eixo central da esteira. Pode-se observar que na região de
mais altas frequências (maiores números de onda, ou menores escalas) os gráficos são
bem semelhantes, e apresentam uma inclinação próxima de -3 em uma faixa de frequên-
cias de aproximadamente uma década. Esse resultado corresponde à subregião inercial
esperada para o espectro de energia da turbulência bidimensional apresentado no item A.6
do apêndice, e caracteriza a cascata direta de vorticidade, das maiores para as menores
escalas.
Foram também analisadas séries de tempo da componenteu da velocidade obtidas
em três pontos do domínio localizados na posiçãox4 = L + 3Le/4, que corresponde
a x = 19.375 m. Considerando-se a ordenada do eixo central da esteira como sendo
yc = 0.0 m, os pontos são posicionados transversalmente ao eixo central nas ordenadas
87
Figura 5.34: Espectros de energia da componenteu nas posições(x4, y1) (linha contínuapreta),(x4, y2) (linha contínua azul), e(x4, y3) (linha contínua vermelha). As linha trace-jadas verdes indicam as inclinações -3 e -5/3, identificadas próximo às respectivas linhas.As unidades nos eixos de frequências e energia são arbitrárias.
y1 = 4.8×10−3m, y2 = 9.6×10−3m, ey3 = 14.4×10−3m. Na figura 5.34 são represen-
tados os espectros de energia obtidos das séries de tempo da componenteu nas posições
(x4, y1), (x4, y2) e (x4, y3) definidas anteriormente, adotando-se o mesmo procedimento
de média de 50 espectros, utilizado para a análise das séries de tempo dos pontos no
eixo central da esteira. Pode-se observar que nos pontosy1 e y2, mais próximos do
eixo central, contidos no interior da esteira, a região do espectro de menores frequências
(menores números de onda, ou maiores escalas) apresenta uma faixa abrangendo cerca
de meia década em que a inclinação do espectro é próxima a -5/3 que, conforme descrito
no item A.6 do apêndice, corresponde à cascata de inversa de energia turbulenta, onde
as menores estruturas turbulentas alimentam os movimentos nas maiores escalas. Nessas
posições, a região do espectro correspondente às menores escalas mostra uma faixa de
frequências muito estreita onde há cascata direta de vorticidade, com inclinação -3. Na
posiçãoy3, mais afastada do eixo central, localizada na vizinhança do limite exterior da
esteira, a região das maiores escalas já não apresenta inclinação próxima a -5/3. Entre-
88
tanto, na região das menores escalas, observa-se uma faixa de frequências abrangendo
pouco menos que uma década, onde a inclinação é próxima a -3, indicando a cascata
direta de vorticidade.
Os resultados da análise dos espectros de energia indicam, portanto, que as oscilações
de alta frequência observadas no valor deu não são meramente aleatórias, e podem ser
associadas a processos de produção e transferência de energia turbulenta e vorticidade
nas diversas escalas do escoamento.
Dos espectros de energia obtidos da análise, pode-se supor que ao longo do eixo cen-
tral da esteira existe apenas a cascata direta de vorticidade, e que na posição da abscissa
x4 , na região interna da esteira (entre o eixo central e o limite exterior) a energia inje-
tada no escoamento é empregada na criação de vórtices de escalas relativamente maiores
que a escala característica de injeção, e que à medida que nos aproximamos do limite
exterior da esteira, existe apenas decaimento da energia turbulenta, pela cascata direta de
vorticidade para as menores escalas.
Vale ressaltar que a presença de cascata inversa de energia não causou qualquer tipo
de instabilidade numérica na simulação.
89
Capítulo 6
O PROBLEMA DO ESCOAMENTO
EM UM JATO
6.1 Apresentação do problema
O jato plano ideal, na definição de Pope [21], é estatisticamente bidimensional. A direção
dominante do escoamento médio éx, a coordenada transversal éy, e as estatísticas são
independentes da coordenadaz. Existe também simetria em relação ao eixo central do
jato.
De acordo com Bradbury [56], os tipos mais simples de escoamentos turbulentos
cizalhantes são os do tipo auto-preservante, nos quais a estrutura da camada cizalhante é
similar em todas as posições do escoamento.
Kundu [2] apresenta a análise da auto-preservação em um jato plano. Aplicando
o princípio de conservação de quantidade de movimento em um volume de controle,
e considerando a existência de auto-similaridade no escoamento, obtém-se a seguinte
relação:
U20 δ = constante (6.1)
ondeU0(x) é a velocidade no eixo central do jato, eδ(x) é a espessura característica do
90
escoamento. Prosseguindo na análise, empregando argumentos de análise dimensional,
o autor conclui que
δ ∝ x (6.2)
Consequentemente,
U0 ∝ x−12 (6.3)
Um ponto relevante nas hipóteses consideradas na análise é a existência deentranha-
mento, o processo pelo qual o fluido irrotacional que circunda o jato é conduzido para a
região turbulenta do escoamento. Este processo possibilita a conservação de quantidade
de movimento no escoamento.
Bradbury [56] cita que foram realizados vários estudos sobre jatos simétricos em
torno de um eixo, sendo injetados em uma atmosfera quiescente, em virtude de ser
condição para a auto-preservação do jato plano que a velocidade no eixo central do
jato seja muito maior que a velocidade do escoamento livre. Entretanto, essa condição
provoca níveis de turbulência excessivamente elevados, que prejudicam as medições.
Visando evitar esse problema, ele realizou um estudo sobre a estrutura do jato plano
injetando o fluido em um escoamento não estático, movendo-se a uma velocidade com-
parativamente baixa em relação ao jato. De acordo com aquele autor, esse escoamento
não possui auto-preservação exata, mas as diferenças em relação a essa condição são
desprezíveis, se for enfocada uma região suficientemente afastada do ponto de injeção do
jato.
Na figura 6.1 é representado esquematicamente o problema do jato plano turbulento,
como definido no estudo de Bradbury [56].UJ é a velocidade longitudinal na saída do
jato, U1 é a velocidade do escoamento livre,U0 é a média da diferença entre a veloci-
dade no eixo central do jato e o escoamento livre. Com essa definição, a componentex
(longitudinal) da velocidade média, representada poru, é definida como
u = U1 + U0f(η) (6.4)
91
Figura 6.1: Representação esquemática do problema do jato plano turbulento.
A coordenada vertical (transversal) normalizadaη é definida como:
η =y
δ(6.5)
ondeδ é uma escala de comprimento característica da camada de cizalhamento. No caso
do jato plano, ela é definida como a meia espessuray1/2, a ordenada medida a partir do
eixo central do jato onde
u(x, y1/2) = U1 +1
2U0(x) (6.6)
A coordenada horizontal (longitudinal) é normalizada pela espessura inicial do jato
no ponto de injeção,h, e o número de Reynolds do jato plano é definido como
Re =UJh
ν(6.7)
Em seu estudo, Bradbury utilizou o valor deU1 = 0.16UJ , eRe = 3× 104.
No experimento foram obtidos perfis médios de velocidade que, quando normaliza-
92
Figura 6.2: Perfis deu normalizada, das expressões 6.8 (linha vermelha contínua) e 6.9(linha azul tracejada).
dos, mostraram-se geometricamente similares na região turbulenta. A seguinte função
empírica foi ajustada aos perfis auto-similares deu normalizada:
f(η) = exp[−0.6749η2(1 + 0.0269η4)] (6.8)
O autor cita que seus resultados mostraram uma aproximação ligeiramente mais rápi-
da do escoamento livre que aquele obtido por Townsend [57], em seu estudo de esteiras
turbulentas planas, que obteve a seguinte função para o perfil deu normalizada:
f(η) = exp[−0.6619η2(1 + 0.0565η4)] (6.9)
As funções das expressões 6.8 e 6.9 são representadas na figura 6.2 .
No experimento de Bradbury também pôde ser observado o estabelecimento das
93
condições de auto-preservação do escoamento, definidas pelas expressões 6.2 e 6.3, na
região dex/h variando de 20 até 70, onde se encontrava a última estação de medições.
Heskestad [58] e Gutmark e Wygnanski [59] realizaram experimentos semelhantes aos
de Bradbury, exceto que o jato foi injetado em uma atmosfera em repouso (U1 = 0), e
obtiveram resultados que confirmaram a auto-preservação do escoamento, até valores de
x/hem torno de 160 e 100, respectivamente.
6.2 Solução Numérica
6.2.1 Geometria do Domínio e Condições de Contorno
O domínio computacional simula uma câmara retangular na qual é injetado um jato na
ordenada correspondente ao nível do centro da câmara, na posiçãox correspondente à
fronteira lateral esquerda.
A grade é uniforme ao longo dos eixosx ey, respectivamente, sendo os espaçamentos
de grade∆x e ∆y diferentes, com∆y � ∆x buscando-se maior resolução na direção
transversal ao eixo do jato.
As condições do jato na simulação numérica basearam-se no estudo de Bradbury
[56], onde existe um escoamento livre não estático, com velocidadeU1, ao invés de uma
atmosfera sem movimento. Foi observado que a presença desse escoamento de fundo
permitia um melhor controle das oscilações de pequena escala no escoamento. O valor
deU1 foi ajustado de forma a atender a condição deU1 � U0.
Para representar a entrada do jato no domínio, foi prescrito o valor deu = UJ no
ponto de grade correspondente ao nível central do domínio, e nos dois pontos de grade
adjacentes o valor deu foi ajustado comou = (U1 + 3UJ)/4. Esses valores foram es-
tabelecidos com base no descrito por Schlichtinget al. [50], que cita em sua análise do
escoamento em um jato livre turbulento que, em um jato com um perfil inicial aproxi-
madamente parabólico a origem da contagem das distâncias na direçãox coincide com
o ponto de injeção do jato ( no caso, a fronteira esquerda), tornando desnecessária a
94
definição de uma origem virtual. O autor destaca que afastado da origem, a forma do
perfil inicial do jato deixa de ser significativa. Os valores deu descritos anteriormente
para a definição do perfil do jato correspondem ao ajuste de uma parábola em cinco
pontos adjacentes da grade, com o valor deu no ponto central igual aUJ , e nos pontos
extremos iguais aU1 . Nos demais pontos de grade ao longo da fronteira lateral esquerda
o valor deu foi definido como igual aU1. O valor dev ao longo da fronteira esquerda foi
ajustado como igual a zero em todos os pontos de grade.
Nas fronteiras superior e inferior o valor deu foi definido como igual aU1. Quanto
à componentev, ela foi definida utilizando o procedimento de Masen e Sykes [54], des-
crito pelas expressões 5.34 e 5.35. Entretanto, o critério neste caso foi de permitir o
escoamento de fluido para o interior do domínio, pois era esperado que houvesse entra-
nhamento ao longo do jato, tornando necessário o suprimento de fluido da região que o
circunda. No caso das expressões produzirem valores que indicassem a saída de fluido
do domínio, a componentev seria ajustada para o valor zero.
Na fronteira de saída do escoamento era esperado que houvesse movimento de flu-
ido apenas no sentido de saída do domínio. Logo, quaisquer partículas de fluido que
chegassem à fronteira de saída estariam vindo do interior do domínio, e teriam o valor de
u e v conhecidos nos dois passos de tempo anteriores. Dessa forma, ao invés de se pres-
crever o valor deu e v nos pontos de grade da fronteira de saída, essas variáveis foram
previstas a cada passo de tempo, utilizando as equações 4.9 e 4.10, respectivamente.
O valor da pressão foi mantido constante ao longo de toda a fronteira do domínio,
com um valor de 1.0 Pa. Nos pontos do interior do domínio a pressão foi calculada a
cada passo de tempo.
Os valores das componentes transversais à fronteira de52u e52v foram arbitradas
como sendo iguais a zero, e as componentes ao longo das fronteiras foram calculadas por
diferenças finitas centradas.
As interpolações espaciais foram cúbicas, centradas no interior do domínio, e cúbicas
descentradas ao longo das fronteiras.
95
Na condição inicial o valor dev foi definido como igual a zero em todos os pontos do
domínio, e o valor deu foi definido ao longo de todo o domínio com o mesmo valor da
fronteira lateral esquerda (entrada do jato). Ou seja, foi atribuído o valor deUJ em todos
os pontos do eixo central do domínio, o valor de(U1 + 3UJ/4) nos pontos superiores
e inferiores adjacentes ao eixo central, e o valor deU1 nos demais pontos do domínio.
Este procedimento reduziu o tempo de processamento, pois permitiu que o estado quase
estacionário fosse atingido mais rapidamente do que se a condição inicial fosse de atribuir
u = U1 em todos os pontos do domínio, se injetasse o jato na fronteira de entrada, e se
aguardasse a sua propagação até a fronteira de saída.
Note que na condição inicial não é introduzido nenhum tipo de turbulência no escoa-
mento, que é laminar em todo o domínio. Além disso, o perfil de velocidade no ponto de
injeção do jato permanece constante durante toda a simulação. Dessa forma, a turbulên-
cia eventualmente presente no escoamento terá sido produzida naturalmente ao longo da
simulação, sem haver sido artificialmente prescrita ou imposta.
6.2.2 Simulação Numérica e Resultados
A simulação de um escoamento em um jato livre (JATO) empregando o método MAL,
utilizou os parâmetros de configuração apresentados na tabela 6.1 . Os valores deν e
ρ caracterizam ar na temperatura de 293 K, e o número de Reynolds foi calculado em
função da velocidade de entrada do jato no domínio.
Adotou-seU1 = 0.1UJ , que é próximo à relação adotada por Bradbury [56] em seus
experimentos. Na parte final do domínio a relaçãoU0/U1 ficou em torno de 2.5, que
é um valor relativamente baixo para caracterizarU0 � U1. Entretanto, comparando-se
com o valor deU0/U1 = 1.7 obtido por Bradbury, pode-se considerar que as condições
da simulação numérica não foram muito distintas das adotadas nos experimentos em
laboratório.
A duração do escoamento foi estabelecida em 30 s, de forma a garantir o estabeleci-
mento de um estado quase estacionário, bem como permitir o registro de séries de tempo
96
Tabela 6.1: Parâmetros de configuração do experimento JATO.
Parâmetro Valor
Comprimento do domínio (LJ ) 5.0 mAltura do domínio 0.16 m
Espaçamento de grade longitudinal (∆x) 0.1 mEspaçamento de grade transversal (∆y) 0.001 m
Número de pontos de grade na direçãox (NX) 51Número de pontos de grade na direçãoy (NY) 161
Velocidade do escoamento livre (U1) 1.0 m/sVelocidade na saída do jato (UJ ) 10.0 m/s
Espessura do jato (h) 0.004 mPasso de tempo 1.44× 10−4s
Viscosidade cinemática do fluido (ν) 15.3× 10−6m2/sDensidade do fluido (ρ) 1.188Kg/m3
Número de Reynolds (UJh/ν) 2.61× 103
das componentes de velocidade adequadamente longas para a análise dos espectros de e-
nergia do escoamento. Definido-se a escala de tempo característica do escoamento como
TJ = LJ/UJ (0.5 s) , foi definido para o início da média o instanteT1 = 15TJ (7.5 s),
e o instante de término da simulação comoT2 = 60TJ (30.0 s). O comportamento do
escoamento no intervalo de tempo considerado para a obtenção das médias foi analisado
adotando-se um procedimento semelhante ao dos experimentos anteriores, enfocando as
evoluções temporais das seguintes variáveis:u em três pontos do eixo central do jato;
energia cinética média do domínioKEm; e enstrofia média do domínioEm; além da
verificação do valor médio da diferença relativaεu, descrita no item 5.3.2.1, utilizando
como referência os períodosTe1, limitado por 7.5 s <t ≤ 18.75 s, eTe2, limitado por
18.75 s <t < 30.0 s.
Na figura 6.3 são representadas as evoluções temporais deu nos pontos de grade lo-
calizados no eixo central do jato, nas posiçõesx1 = LJ/4, x2 = LJ/2, ex3 = 3LJ/4,
ao longo de todo o tempo de simulação. No início da simulação o valor deu cai rapida-
mente nos três pontos e logo após volta a aumentar, tendendo, posteriormente, a manter
um valor quase constante até o fim da simulação .
Na figura 6.4 é apresentada a evolução temporal da energia cinética média do domínio
97
Figura 6.3: Evoluções temporais da componenteu em três pontos no eixo central daesteira, nas posiçõesx1 (linha contínua inferior) ax3 (linha contínua superior), no expe-rimento JATO.
Figura 6.4: Evolução temporal da energia cinética média do domínioKEm no experi-mento JATO.
98
Figura 6.5: Evolução temporal da enstrofia média do domínioEm no experimento JATO.
KEm durante todo o período de simulação. Observa-se que no início da simulação há
uma rápida queda no valor deKEm, que posteriormente volta a aumentar, atingindo
um regime quase estacionário a partir do instantet = 4.0 s. Esse comportamento pode
ser interpretado como a redução de velocidade no eixo central logo após o início da
simulação, seguida do espalhamento do jato, que gradualmente acelera o escoamento em
torno do eixo central, até ser atingido um estado de equilíbrio.
A evolução temporal da enstrofia média do domínioEm é apresentada na figura 6.5.
Observa-se uma acentuada queda no início da simulação e, posteriomente, o comporta-
mento passa a ser quase estacionário, a partir do instante t = 3 s, aproximadamente. Essa
variação pode ser atribuída à redução do gradiente de velocidade existente ao longo do
eixo central do jato na condição inicial, por difusão turbulenta de quantidade de movi-
mento, relacionada ao espalhamento do jato.
Os gráficos de evolução deKEm e Em indicam que não houve a ocorrência de
99
Figura 6.6: Campo de média da componente longitudinal da velocidadeu (m/s) para oexperimento JATO.
instabilidade não-linear durante a simulação.
O valor máximo deεu obtido no experimento JATO foi de 0.0009 %, indicando que
em todos os pontos do domínio a variação deu foi muito pequena durante o período de
obtenção das médias.
Com base nesses resultados, considerou-se que entre os instantest = 7.5 s et = 30.0 s
prevaleceu um regime quase estacionário no escoamento.
Na figura 6.6 é representado o campo deu obtido no experimento JATO. Considerando-
se a isótaca de 1.0 m/s, que corresponde à velocidade do escoamento livreU1, como re-
ferência para definição do limite do jato, pode-se verificar a quase simetria em relação ao
eixo central, com o espalhamento do jato ao longo do domínio. A velocidade no centro
do jato cai rapidamente no início do escoamento, atingindo um valor de 4.0 m/s próximo
à posiçãox = 2.0 m. A partir deste pontou varia mais lentamente ao longo da direçãox,
pois é esperado que haja uma variação deU0 proporcional ax−12 .
Na figura 6.7 é representado o campo dev para o experimento JATO. O gráfico foi
100
Figura 6.7: Campo de média da componente transversal da velocidadev (m/s) para oexperimento JATO. As linhas contínuas representam valores positivos e as tracejadasvalores negativos. A linha branca tracejada corresponde à isótaca de 0.0 m/s.
101
limitado na direção transversal à região onde ocorrem as variações mais significativas no
valor dessa variável. Note que o campo é quase simétrico em torno do eixo central do
jato. Ao longo da fronteira lateral esquerda (início do escoamento) observam-se duas
regiões de movimento convergente de fluido em direção ao eixo. Ao longo de todo o
escoamento, em torno do eixo central do jato, há escoamento descendente acima do eixo
e ascendente abaixo dele, com valores absolutos máximos próximo à abscissax = 0.6 m,
indicando a presença de entranhamento de fluido em toda a região adjacente ao eixo. Fora
da faixa de entranhamento,v é positiva na parte superior e negativa na parte inferior do
domínio. Esse comportamento dev é distinto do obtido nos experimentos de Bradbury
[56] e Gutmark e Wygnanski [59], nos quais o entranhamento ocorria na periferia do
jato. Essa diferença pode estar associada ao estabelecimento das condições de contorno
na fronteira superior e inferior, que permitem a livre entrada de fluido no domínio, o que
ocorre principalmente próximo à fronteira de entrada. O fluido que converge na direção
transversal é rapidamente advectado ao longo do eixo central, contribuindo para que o
entranhamento ocorra próximo a essa região, fazendo com que haja a conservação de
quantidade de movimento sem a necessidade de entranhamento pela periferia do jato.
Na figura 6.8 é representado o campo de anomalia média de pressãopa obtido no
experimento JATO, limitando-se o gráfico na direção transversal à região onde há vari-
ações relevantes. Observa-se que a quase simetria em torno do eixo central não é tão bem
caracterizada quanto nos campos deu e v, no entanto ela é, em termos gerais, bastante
razoável. No ponto de entrada do jato a anomalia de pressão é negativa, estendendo-se
até, aproximadamente,x = 1.0 m. Nas áreas adjacentes à região de anomalia negativa na
entrada do jato, há dois máximos locais (anomalia positiva). Na direçãox há um grada-
tivo aumento da pressão em todo o domínio. É importante destacar que no desenvolvi-
mento de Kundu [2] para obter a relação de conservação de quantidade de movimento em
um volume de controle em um jato, assume-se que a componente da força de gradiente
de pressão ao longo do eixox é nula. Uma vez que essa condição não foi imposta na
simulação numérica, pode haver algumas diferenças nos resultados obtidos em relação
102
Figura 6.8: Campo de anomalia de pressãomédiapa (Pa) para o experimento JATO. Aslinhas tracejadas representam valores negativos. A linha tracejada branca indica anomaliaigual a 0.0
103
Figura 6.9: Perfil longitudinal deU20 y1/2no experimento JATO.
ao previsto analiticamente. Na figura observa-se, também, que a variação longitudinal
de pressão mais acentuada ocorre próximo à posiçãox = 2.0 m, e que a partir daquela
posição a variação depa ocorre mais lentamente ao longo do escoamento.
No item 6.1 foi citado que a auto-similaridade do escoamento em um jato plano im-
plica na conservação do produtoU20 δ. Na figura 6.9 é apresentado o perfil longitudinal
deU20 δ (lembrando-se que, pela expressão 6.6,δ foi definida como sendo igual ay1/2)
obtido no experimento JATO. Nota-se que o valor da grandeza não é constante ao longo
da direçãox. A partir da posiçãox = 1.0 m o produto varia de 0.075, até 0.095 no final
do domínio. Considerando-se como valor de referência 0.085 (aproximadamente o valor
médio ao longo do perfil longitudinal) a variação foi de 0.02 (23.5 %).
Outras duas propriedades do escoamento auto-similar em um jato turbulento são as
relações de proporcionalidadeU0 ∝ x−12 , e y1/2 ∝ x. Na figura 6.10 é representado o
perfil longitudinal deU0 obtido no experimento JATO. O perfil modificado para a forma
1/U20 pode ser visto na figura 6.11 , onde a linha vermelha permite identificar a região
onde se observa a a relação de proporcionalidadeU0 ∝ x−12 , aproximadamente entre as
104
Figura 6.10: Perfil longitudinal deU0 do experimento JATO.
Figura 6.11: Perfil longitudinal de1/U20 do experimento JATO. A linha vermelha indica
o ajuste de uma função linear entre as posiçõesx = 3.3 m ex = 5.0 m.
105
Figura 6.12: Perfil longitudinal dey1/2 do experimento JATO. A linha vermelha indica oajuste de uma função linear entre as posiçõesx =3.3 m ex = 5.0 m.
posiçõesx = 3.3 m ex = 5.0 m. A variação longitudinal dey1/2 é apresentada na figura
6.12 . A linha vermelha destaca a relação de proprocionalidadey1/2 ∝ x , aproxima-
damente entre as posiçõesx = 3.3 m ex = 5.0 m. Pode-se considerar que as relações
de proporcionalidade obtidas analiticamente foram razoavelmente reproduzidas em uma
parte considerável do jato turbulento simulado numericamente.
Cabe agora avaliar se as condições de auto-similaridade do escoamento puderam ser
adequadamente replicadas pela simulação numérica. Para tal foram selecionadas cinco
posições ao longo do eixo central do jato, nas abscissasxj1 = 3.7 m,xj2 = 4.0 m,xj3
= 4.2 m, xj4 = 4.5 m, exj5 = 4.7 m, para verificação dos perfis transversais deu ,
abrangendo cerca de 20 % do domínio computacional. Apenas como referência, no tra-
balho de Bradbury[56] as estações de medição inicial e final estavam afastadas de 0.5 m
ao longo da direçãox.
Na figura 6.13 são representados os perfis de média da componente longitudinal da
velocidade normalizadaf(η) obtidos no experimento JATO, juntamente com os perfis
106
Figura 6.13: Perfis transversais da média da componente longitudinal da velocidade nor-malizadaf(η) nas posiçõesxj1 (losangos pretos),xj2 (quadrados laranjas),xj3 (triângu-los verdes),xj4 (círculos pretos), exj5 (triângulos azuis), para o experimento JATO. Aslinhas tracejada azul e contínua vermelha representam as funções empíricas obtidas porBradbury [56] (equação 6.8) e Townsend [57] (equação 6.9), respectivamente.
107
Figura 6.14: Evolução temporal da componenteu na posiçãox2 = LJ/2, no eixo centraldo jato.
das expressões 6.8 e 6.9, obtidos experimentalmente. Entreη = -0.5 eη = +0.5 os per-
fis da simulação são ligeiramente mais estreitos que os obtidos experimentalmente. A
partir dessas posições até os limites de representação (η = ±2.0) os perfis da simulação
mostram-se bem próximos à função obtida por Bradbury [56]. Também pode-se notar
que há uma boa superposição dos perfis, indicando que foi adequadamente reproduzida
a propriedade de auto-similaridade do escoamento.
Nas figuras 6.14 e 6.15 são representadas as evoluções temporais deu e v, respec-
tivamente, na posiçãox2 = LJ/2, sobre o eixo central do jato, no intervalo de tempo
de obtenção das médias. Em ambas figuras pode-se observar flutuações de alta fre-
quência nessas variáveis. Será feita a análise do espectro de energia dessas variáveis,
empregando-se a hipótese de Taylor (item A.7), visando verificar se existe uma interpre-
tação física para essas flutuações. Adotou-se o procedimento de dividir a série temporal
em 50 segmentos, calcular os espectros de energia de cada série individual, e posterior-
mente obter a média dos 50 espectros produzidos para representar o espectro de energia
108
Figura 6.15: Evolução temporal da componentev na posiçãox2 = LJ/2, no eixo centraldo jato.
no ponto específico.
Na figura 6.16 são representados os espectros de energia da componente de veloci-
dadeu, baseados nas séries de tempo registradas nas abscissasx1 = LJ/4, x2 = LJ/2, e
x3 = 3LJ/4, sobre o eixo central do jato. Apesar de apresentar algumas irregularidades
na região de mais altas frequências (menores escalas), em uma faixa de frequências pouco
menor que uma década os espectros têm uma inclinação próxima a -3 na representação
log-log, que é característica da cascata direta de vorticidade em escoamentos turbulentos
bidimensionais (item A.6). A semelhança nos espectros indica que há homogeneidade
longitudinal na componentex da turbulência ao longo do eixo central do jato.
Na figura 6.17 são representados os espectros de energia da componentev da veloci-
dade nas mesmas posiçõesx1, x2, ex3 citadas acima, no eixo central do jato. Observa-se
que estes espectros apresentam bem menos irregularidades que os da componenteu. Na
região das menores escalas há uma faixa de frequências de pouco menos de uma década
onde se observa uma inclinação do espectro próxima a -3, também indicando a cascata
109
Figura 6.16: Espectros de energia da componenteu nas posiçõesx1 = LJ/4 (linha con-tínua preta),x2 = LJ/2 (linha contínua azul), ex3 = 3LJ/4 (linha contínua vermelha),no eixo central do jato. A linha tracejada verde indica a inclinação -3. As unidades noseixos de frequências e energias são arbitrárias.
Figura 6.17: Mesmo que na figura 6.16, exceto que para a componentev.
110
direta de vorticidade. Os espectros deu e v permitem supor, portanto, que a turbulência
é basicamente em decaimento no escoamento, em razão de ser observada apenas cascata
direta de vorticidade.
A semelhança dos espectros também indica que há homogeneidade na componente
transversal da turbulência ao longo eixo central do jato. Entretanto, na região de mais
altas frequências os espectros deu e v são razoavelmente diferentes, sugerindo que a
turbulência não é isotrópica nas menores escalas do escoamento no eixo central do jato.
Quanto ao esforço computacional, neste experimento foram utilizados 16473 s (4.58 h)
de tempo de CPU para a execução da simulação.
111
Capítulo 7
O PROBLEMA DO ESCOAMENTO
EM UMA CAMADA DE MISTURA
7.1 Apresentação do problema
Uma camada de mistura plana é um escoamento que se forma entre duas correntes uni-
formes, quase paralelas, de velocidades diferentes,Uh eUl, (Ul ≤ Uh)[21]. Semelhan-
te ao jato plano, a direção dominante do escoamento éx, a coordenada transversal do
escoamento éy, e as estatísticas são independentes da coordenadaz. Na figura 7.1 é
representado, esquematicamente, o problema da camada de mistura plana.
Na camada de mistura estão presentes duas velocidades,Uh eUl. Consequentemente,
o escoamento depende do parâmetro adimensionalUl/Uh. Duas velocidades caracterís-
ticas podem ser definidas: a velocidade convectiva característica
Uc =1
2(Uh + Ul) (7.1)
e a diferença de velocidade característica
Us = Uh − Ul (7.2)
112
Figura 7.1: Representação esquemática do problema da camada de mistura plana turbu-lenta.
Note que todas as velocidades mencionadas (Uh, Ul, Uc eUs) são constantes.
A espessura característica do escoamentoδ(x) pode ser definida de várias formas
diferentes, com base no perfil da média da componente longitudinal da velocidadeu(x, y).
Serão adotadas aqui as definições descritas por Pope [21].
Considerando0 < α < 1, pode-se definir uma posição transversalyα(x), medida
a partir da fronteira entre as correntes com velocidadesUl e Uh (y = y0), da seguinte
forma:
u(x, yα(x)) = Ul + α(Uh − Ul) (7.3)
A partir dessa expressão, define-se a espessura característica da camada de mistura
como
δ(x) = y0.9(x)− y0.1(x) (7.4)
Pode-se definir também a posição lateral de referênciayr(x) como
yr(x) =1
2[y0.9(x) + y0.1(x)] (7.5)
113
A coordenada transversal normalizadaξ é então definida como
ξ =[y − yr(x)]
δ(x)(7.6)
e a média da componente longitudinal da velocidade normalizada é definida como
f(ξ) =(u− Uc)
Us(7.7)
Wygnanski e Fiedler [60] realizaram experimentos com uma camada de mistura tur-
bulenta bidimensional, ondeUl = 0 m/s eUh = 12 m/s. Foi utilizado um gerador
de turbulência (trip wire) a montante da região de mistura, visando reduzir a distância
necessária para a transição do escoamento para o regime turbulento. No experimento
pôde ser observado que a partir de uma certa distância do início do escoamento os perfis
deu normalizada eram auto-similares, e que a espessura da camada de mistura tinha um
crescimento linear em relação à direçãox. Foi observado também que o escoamento se
espalhou mais rapidamente para o lado quiescente da região de mistura (Ul = 0) que
para o lado de alta velocidade (Uh). Pope [21] destaca que no experimento o escoa-
mento mostrou-se assimétrico em relação ay0, e em relação aξ= 0. Ele também afirma
que o crescimento linear da camada de mistura é consequência da auto-similaridade do
escoamento.
Champagneet al. [61] realizaram experimentos com uma camada de mistura, com
Ul = 0 m/s eUh = 8 m/s, também empregando um gerador de turbulência a montante
da região de mistura. No experimento, a escala de comprimento de Kolmogorovη foi
avaliada como tendo um valor em torno de 0.1 mm na região central do escoamento. Os
resultados mostraram que os perfis normalizados deu tinham um comportamento auto-
similar a partir de uma certa distância do início do escoamento, e também foi observado
o crescimento linear da camada de mistura ao longo da direçãox.
Um ponto relevante abordado por esses autores é que não existe uma função universal
de auto-preservação para camadas de mistura, embora cada uma, individualmente, seja
114
auto-preservante.
Pope [21] descreve um caso especial das camadas de mistura, que é o do limite
Us/Uc → 0, que corresponde aUl/Uh → 1. Essa condição produz a chamadacamada de
mistura temporal, que é estatisticamente simétrica em relação ay = y0 e independente
da coordenadax.
Rogers e Moser [62] realizaram uma simulação numérica direta (SND) de uma ca-
mada de mistura temporal, e observaram tanto o crescimento linear da espessura da ca-
mada de mistura quanto a auto-similiaridade dos perfis deu normalizados, ambas pro-
priedades em relação ao tempo. Os perfis deu normalizados mostravam-se simétricos
em relação aξ = 0.
Pope [21] observa que é difícil realizar experimentos em condições que se aproximem
do limiteUl/Uh → 1, que corresponde à camada de mistura temporal. Bell e Mehta [63]
realizaram experimentos com uma camada de mistura comUl/Uh = 0.6. O estudo
mostrou que as condições iniciais afetam a taxa de crescimento da camada de mistura
no espaço. Mais especificamente, a presença do gerador de turbulência no início do
escoamento fez com que a camada de mistura crescesse mais lentamente que no caso em
que o gerador de turbulência não foi empregado. Os autores também observaram a auto-
similaridade dos perfis deu normalizada, que mostraram-se aproximadamente simétricos
em relação aξ = 0.
Uma outra característica importante das camadas de mistura, apontada por Pope [21],
é a presença de entranhamento, onde fluido mais lento (Ul) é arrastado para região de
maior velocidade (Uh).
7.2 Solução Numérica
7.2.1 Geometria do Domínio e Condições de Contorno
Nos experimentos de simulação de camadas de mistura com o emprego do método MAL
o domínio computacional simula uma câmara retangular, na qual são injetadas duas cor-
115
rentes paralelas, com velocidadesUl e Uh , cada uma abrangendo metade da altura do
domínio, na condição inicial.
A grade é uniforme ao longo dos eixosx ey, respectivamente, sendo os espaçamentos
∆x e∆y diferentes, com∆y � ∆x, buscando-se maior resolução na direção transversal
ao escoamento.
Para representar a entrada das correntes no domínio, na fronteira lateral esquerda
foram definidos os valores deu = Ul nos pontos de grade da base até o nível central do
domínio, eu = Uh do nível central até o topo do domínio. O valor da componentev foi
definido como sendo igual a zero na fronteira lateral esquerda. Esses valores deu e v,
que definem um escoamento laminar na entrada do domínio, foram mantidos constantes
durante toda a simulação. Logo, a presença de flutuações de alta frequência nas variáveis
no interior do domínio terão sido produzidas naturalmente ao longo da simulação, sem
haverem sido artificialmente impostas ou prescritas.
Nas fronteiras inferior e superior o valor deu foi prescrito como sendoUl e Uh ,
respectivamente, e o valor dev foi ajustado como igual a zero. Dessa forma, visava-se
atender nessas fronteiras a definição do escoamento em uma camada de mistura como
sendo paralelo à direçãox.
Na fronteira de saída a condição de contorno adotada foi a mesma da simulação do
jato plano, ou seja, os valores deu e v foram previstos a cada passo de tempo, utilizando
as equações 4.9 e 4.10, respectivamente.
Os valores das componentes transversais à fronteira de52u e52v foram arbitradas
como sendo iguais a zero, e as componentes ao longo das fronteiras foram calculadas por
diferenças finitas centradas.
As interpolações espaciais foram cúbicas centradas no interior do domínio, e cúbicas
descentradas ao longo das fronteiras.
Um dos objetivos dos experimentos foi avaliar se a simulação numérica pelo método
MAL se mantinha estável em diferentes condições do campo de pressão. Para tal, o
valor da pressão nas fronteiras foi ajustado de forma a reproduzir situações em que a
116
Tabela 7.1: Parâmetros de configuração do experimento CAMADA 1.
Parâmetro Valor
Comprimento do domínio (Lc) 2.5 mAltura do domínio 0.16 m
Espaçamento de grade longitudinal (∆x) 0.05 mEspaçamento de grade transversal (∆y) 0.001 m
Número de pontos de grade na direçãox (NX) 51Número de pontos de grade na direçãoy (NY) 161
Velocidade da corrente inferior (Ul) 1.0 m/sVelocidade da corrente superior (Uh) 10.0 m/s
Passo de tempo 1.53×10−4 sViscosidade cinemática do fluido (ν) 15.3×10−6 m2/s
Densidade do fluido (ρ) 1.188 kg/m3
componente longitudinal da força de gradiente de pressão (f.g.p.) de fundo (background)
era oposta ao sentido do escoamento (gradiente adverso), neutra, ou no mesmo sentido do
escoamento (gradiente favorável). O valor dep foi fixado nas fronteiras lateral esquerda
e direita e ajustado de forma a variar linearmente ao longo da direçãox nas fronteiras
superior e inferior, mantendo-se esses valores constantes ao longo de toda a simulação.
Nos pontos do interior do domínio, o valor dep foi calculado a cada passo de tempo por
meio da equação 4.14.
Na condição inicial todos os pontos da metade inferior do domínio tiveram o valor de
u ajustado paraUl e os da metade superior foram ajustados paraUh. O valor dev inicial
foi definido como igual a zero em todos os pontos do domínio. O valor dep no interior
do domínio foi ajustado inicialmente para o da fronteira superior (igual ao da inferior)
ao longo da direção transversal, para todas as abscissasx. Ou seja, inicialmentep era
constante ao longo da direçãoy.
7.2.2 Simulações Numéricas e Resultados
A simulação numérica de uma camada de mistura turbulenta plana de referência (CA-
MADA 1) foi realizada utilizando os parâmetros apresentados na tabela 7.1 . Nesse
experimento o gradiente de pressão de fundo foi ajustado como nulo, com o valor da
117
pressão igual a 10.0 Pa em todos os pontos de grade ao longo da fronteira. Foram re-
alizados outros dois experimentos visando avaliar o efeito da pressão na estabilidade
numérica do método, e nas propriedades da camada de mistura formada, utilizando tam-
bém os parâmetros da tabela 7.1. No experimento CAMADA 2 a pressão na fronteira
esquerda (entrada do escoamento) foi ajustada em 10.0 Pa e foi definida uma variação
linear decrescente da pressão ao longo da direçãox nas fronteiras superior e inferior,
sendo definido o valor de 9.0 Pa na fronteira direita (saída do escoamento). No caso, a
f.g.p. era favorável ao sentido do escoamento. No experimento CAMADA 3 a pressão
na fronteira esquerda também foi definida como 10.0 Pa ao longo das fronteiras superior
e inferior, no entanto, ela foi definida como linearmente crescente, chegando ao valor de
10.5 Pa na fronteira direita. Dessa forma, o sentido da f.g.p. de fundo era adverso ao do
escoamento.
O fluido simulado foi ar à temperatura de 293 K; e o tempo de CPU empregado no
experimento CAMADA 1 foi de 7188 s (2.0 horas).
A partir dos parâmetros do experimento pode-se verificar queUc = 5.5 m/s ,Us = 9.0
m/s, eUl/Uh = 0.1. Foi definida uma escala de tempo característica para o experimento
comoTc = Lc/Uc (0.45 s). O tempo total de simulação foi definido em 45Tc (20.45 s) e
as médias foram calculadas com valores registrados a partir do instante 6Tc (2.73 s).
Para verificar se no período de média do experimento CAMADA 1 havia sido es-
tabelecido um regime estatisticamente estacionário, foram examinadas, inicialmente, as
variações temporais deu em três pontos, localizados na ordenada do centro do domínio,
nas posiçõesx1 = Lc/4 , x2 = Lc/2 , ex3 = 3Lc/4 , apresentadas na figura 7.2 . Pode-se
observar que após uma rápida redução inicial, há um aumento no valor deu seguido de
um regime quase estacionário, a partir det = 1 s.
Na figura 7.3 são representadas as variações da energia cinética média do domínio
KEmnos experimentos CAMADA 1, CAMADA 2 e CAMADA 3. Observa-se que nos
três casos houve uma redução inicial deKEm, seguido de aumento, e posteriormente
de um regime quase estacionário. Pode-se notar queKEm é maior no caso em que a
118
Figura 7.2: Evoluções temporais da componenteu em três pontos na ordenada central dodomínio, nas posiçõesx1 = Lc/4 (linha contínua inferior),x2 = Lc/2 , ex3 = 3Lc/4(linha contínua superior), no experimento CAMADA 1.
Figura 7.3: Evoluções temporais da energia cinética média do domínioKEm nos ex-perimentos CAMADA 1 (linha preta), CAMADA 2 (linha azul) e CAMADA 3 (linhavermelha).
119
Figura 7.4: Evolução temporal da enstrofia média do domínio no experimento CA-MADA 1.
f.g.p. é favorável (CAMADA 2) e menor no caso em que a f.g.p. é adversa (CAMADA
3), indicando que houve, respectivamente, aceleração e desaceleração do escoamento
em relação à condição de gradiente de pressão de fundo neutro (CAMADA 1). Note
também que no caso da f.g.p. adversa, o estabelecimento do regime quase estacionário
foi ligeiramente mais lento que nos outros experimentos.
Na figura 7.4 é representada a evolução temporal da enstrofia médiaEm no expe-
rimento CAMADA 1 . Observa-se que há uma rápida redução deEm, seguida de um
regime quase estacionário, após o instantet = 1.0 s. A evolução deEmnesse experimento
foi praticamente a mesma observada nos experimentos CAMADA 2 e CAMADA 3, que
por essa razão não foram representadas.
Os gráficos de evolução deKEm e Em permitem concluir que as simulações não
apresentaram qualquer tipo de instabilidade numérica para as diferentes condições da
f.g.p.
O valor máximo da diferença relativa da média da componenteu, εu, no experimento
120
Figura 7.5: Campo de média da componente longitudinal da velocidadeu (m/s) para oexperimento CAMADA 1.
CAMADA 1 foi de 0.15 %, mais alto que o obtido nos experimentos anteriores, provavel-
mente devido à presença de movimentos de período muito longo no domínio, que não
puderam ser completamente identificados no intervalo de tempo adotado para o cálculo
das médias (t = 2.73 s at = 20.45 s). Esse valor deεu, no entanto, pode ser conside-
rado como insignificante. Logo, considerou-se que no intervalo de tempo utilizado para
o cálculo das médias o escoamento encontrava-se em um regime estatisticamente esta-
cionário.
Na figura 7.5 é representado o campo da média da componente longitudinal de ve-
locidadeu obtido no experimento CAMADA 1. A representação foi limitada na direção
transversal à região de variações significativas emu. Observa-se que existe uma extensão
mais acentuada da camada de mistura para a região inferior, de menor velocidade (Ul), do
que para a região superior, de maior velocidade (Uh). Observa-se também que as isótacas
no início do escoamento são curvas e que, gradualmentte, vão se tornando mais retilíneas
ao longo da direçãox.
121
Figura 7.6: Campo de média da componente transversal da velocidadev (m/s) para oexperimento CAMADA 1. As linhas contínuas representam valores positivos e as trace-jadas valores negativos. A linha branca contínua corresponde à isótaca de 0.0 m/s.
Na figura 7.6 é representado o campo de média da componente transversal da ve-
locidadev do experimento CAMADA 1, limitado verticalmente à região de variações
significativas. Podem-se identificar quatro regiões distintas: superior, com movimento
descendente; seguida de uma região de movimento ascendente, no centro do domínio;
abaixo dessa há uma região de movimento descendente; e na parte inferior do domínio
predomina movimento ascendente. Lembrando que o limite entre as correntes inferior e
superior está na ordenaday = 0.08 m, nota-se que ao longo da faixa central do domínio
prevalece movimento ascendente, que pode ser associado ao entranhamento de fluido
mais lento na corrente mais rápida, que flui na parte superior do domínio. No campo de
v também não há simetria em relação ao centro do domínio.
Os campos de anomalia da pressão média não apresentaram configurações significa-
tivas superpostas aos campos de pressão de fundo , para nenhuma das três condições de
f.g.p. simuladas. Por essa razão, eles não serão representados.
122
Figura 7.7: Perfis longitudinais dey0.9 (triângulos),y0.5 (quadrados), ey0.1 (círculos) parao experimento CAMADA 1. As linhas vermelhas representam funções lineares ajustadasentre as posiçõesx = 1.5 m ex = 2.5 m.
No item 7.1 foi apresentada a característica de variação linear na espessura da camada
de mistura turbulenta em relação à direçãox, observada em vários experimentos. Na
figura 7.7 são representados os perfis longitudinais dey0.9, y0.5, ey0.1 (equação 7.3), obti-
dos no experimento CAMADA 1. É possível notar que existe um maior desenvolvimento
da camada de mistura na direção da corrente mais lenta, na parte inferior do domínio.
Também pode-se observar que no final do domínio, após a posiçãox = 1.5 m, os três per-
fis têm variação aproximadamente linear em relação ax, indicada pelas funções lineares
ajustadas aos perfis.
Na figura 7.8 são representados os perfis longitudinais da espessura característica
da camada de misturaδ (equação 7.4), para os experimentos CAMADA 1, CAMADA
2 e CAMADA 3. Nota-se que nas condições de f.g.p. neutra e adversa os perfis são
praticamente coincidentes, com o trecho identificado como de variação linear iniciando
na posiçãox = 1.6 m. No caso de f.g.p. favorável, o crescimento deδ é mais acentuado
que nos outros casos, e o trecho de variação linear é maior, iniciando na posiçãox = 1.3 m.
123
Figura 7.8: Perfis longitudinais da espessura característica da camada de misturaδ paraos experimentos CAMADA 1 (linha preta), CAMADA 2 (linha azul), e CAMADA 3(linha vermelha).
Conclui-se, portanto, que o campo de pressão de fundo afeta o crescimento da camada
de mistura turbulenta plana.
Outra propriedade da camada de mistura turbulenta é a auto-similaridade dos perfis de
f(ξ), a média da componente longitudinal da velocidadeu normalizada, definida pela ex-
pressão 7.7. Para verificar essa propriedade, foram definidas cinco posições no domínio,
nas abscissasxc1 = 1.0 m,xc2 = 1.25 m,xc3 = 1.5 m,xc4 = 1.75 m, exc5 = 2.0 m, onde
foram obtidos os perfis def(ξ) no experimento CAMADA 1. Esses perfis são represen-
tados na figura 7.9 . Pode-se notar a assimetria dos perfis em relação aξ = 0. Observa-se
que há uma boa superposição dos perfis normalizados, indicando que a simulação con-
seguiu reproduzir adequadamente a característica de auto-preservação do escoamento.
Procurou-se também verificar se havia flutuações de alta frequência nas componentes
de velocidade no escoamento. Nas figuras 7.10 e 7.11 são representadas as variações tem-
porais das componentes de velocidadeu e v, respectivamente, na posiçãox2 = Lc/2, na
124
Figura 7.9: Perfis transversais de média da componente longitudinal da velocidade nor-malizadaf(ξ) nas posiçõesxc1 (linha contínua preta),xc2 (círculos pretos),xc3 (círculosbrancos),xc4 (losangos azuis), exc5 (triângulos vermelhos), para o experimento CA-MADA 1.
125
Figura 7.10: Evolução temporal da componenteu na posiçãox2 = Lc/2, na ordenadacentral do domínio, no experimento CAMADA 1.
Figura 7.11: Evolução temporal da componente vna posiçãox2 = Lc/2, na ordenadacentral do domínio, no experimento CAMADA 1.
126
Figura 7.12: Espectros de energia da componenteu nas posiçõesx1 = Lc/4 (linha con-tínua preta),x2 = Lc/2 (linha contínua azul), ex3 = 3Lc/4 (linha contínua vermelha), naordenada central do domínio. A linha tracejada verde indica a inclinação -3. As unidadesnos eixos de frequências e energias são arbitrárias.
ordenada central do domínio (y = y0), no experimento CAMADA 1. Em ambos gráficos,
pode-se notar a presença de flutuações de alta frequência, indicando que o processo de
filtragem implícito na MAL não eliminou completamente os movimentos nas pequenas
escalas.
Foi feita a análise do espectro de energia das componentesu e v nas posiçõesx1,
x2, e x3, na ordenada do centro do domínio, a partir de séries de tempo registradas no
período adotado para a obtenção das médias, no experimento CAMADA 1. Empregou-
se o procedimento de divisão das séries temporais em 50 partes, e o posterior cálculo da
média dos 50 espectros obtidos para cada parte, semelhante ao adotado nos experimentos
anteriores.
Na figura 7.12 são apresentados os espectros de energia da componenteunas posições
x1, x2, ex3, no nível central do domínio. Observa-se que apenas uma pequena faixa de
frequências na região de menores escalas apresenta uma inclinação próxima a -3, que
127
Figura 7.13: Espectros de energia da componentev nas posiçõesx1 = Lc/4 (linha con-tínua preta),x2 = Lc/2 (linha contínua azul), ex3 = 3Lc/4 (linha contínua vermelha),na ordenada central do domínio. As linhas tracejadas verdes indicam as inclinações -5/3e -3, identificadas próximo às respectivas linhas. As unidades nos eixos de frequências eenergias são arbitrárias.
caracteriza uma subregião inercial com cascata direta de vorticidade. Os espectros são
praticamente coincidentes nas médias e pequenas escalas, indicando que há homogenei-
dade na componente longitudinal da turbulência na direçãox, no nível central do domínio.
Na figura 7.13 são representados os espectros de energia da componentev , obtidos
nas posiçõesx1, x2, ex3, no nível central do domínio, no experimento CAMADA 1. Note
que neste nível foi identificado o entranhamento na camada de mistura. Existe uma faixa
de frequências nas menores escalas, abrangendo aproximadamente uma década, onde a
inclinação do espectro é aproximadamente -3, indicando uma subregião inercial onde há
cascata direta de vorticidade. É possível observar, também, que os espectros de energia
das posiçõesx2 e x3 mostram uma faixa de frequências na região das maiores escalas
onde a inclinação do espectro é próxima a -5/3, que caracteriza uma subregião inercial
onde há cascata inversa de energia. As regiões de menores escalas dos espectros também
128
Figura 7.14: Perfis longitudinais dey0.9 (triângulos),y0.5 (quadrados), ey0.1 (círculos)para o experimento CAMADA 4. As linhas vermelhas representam funções linearesajustadas entre as posiçõesx = 1.5 m ex = 2.5 m.
são muito semelhantes, sugerindo homogeneidade dev nas pequenas escalas, ao longo
da direção longitudinal.
Pode-se, portanto, supor que nas posições analisadas a componenteu da turbulência
tem característica de decaimento, enquanto que a componentev atua tanto no decaimento
de energia quanto na alimentação de movimentos nas maiores escalas .
Um outro aspecto das camadas de mistura turbulentas abordada no item 7.1 foi a do
comportamento no limiteUl/Uh → 1 , onde se espera que haja simetria na camada de
mistura. A fim de verificar se essa característica conseguiria ser replicada pela simu-
lação empregando o método MAL, foi realizado um experimento (CAMADA 4), com
os parâmetros do experimento CAMADA 1, à exceção das velocidades das correntes,
que foram alteradas paraUl = 9.0 m/s eUh = 15.0 m/s. Esses valores são os mesmos
utilizados por Bell e Mehta [63], e definem uma razãoUl/Uh = 0.6.
Na figura 7.14 são representados os perfis longitudinais dey0.9, y0.5, e y0.1 do expe-
rimento CAMADA 4. Pode-se observar que os perfis dey0.9 e y0.1 são quase simétricos
129
Figura 7.15: Perfis transversais de média da componente longitudinal da velocidade nor-malizadaf(ξ) nas posiçõesxc1 (linha contínua preta),xc2 (círculos pretos),xc3 (círculosbrancos),xc4 (losangos azuis), exc5 (triângulos vermelhos), para o experimento CA-MADA 4. A linha verde tracejada reproduz o perfil transversal def(ξ) do experimentoCAMADA 1.
em relação ay0.5. Além disso, os três perfis são aproximadamente lineares a partir da
posiçãox = 1.5 m.
Na figura 7.15 são representados os perfis normalizados deu para o experimento
CAMADA 4, obtidos nas posiçõesxc1 a xc5, definidas anteriormente. Na mesma figura
é representado o perfil def(ξ) do experimento CAMADA 1, para comparação.
Observa-se que no experimento CAMADA 4 também houve uma boa superposição
dos perfis normalizados deu, indicando a auto-similaridade do escoamento. Nota-se
também que o perfil aproximou-se significativamente de uma condição de simetria, in-
dicando que a simulação conseguiu replicar adequadamente a propriedade esperada na
condiçãoUl/Uh → 1, observada experimentalmente.
130
Capítulo 8
O PROBLEMA DO ESCOAMENTO
EM UM CANAL
8.1 Apresentação do problema
Considere-se o estágio completamente desenvolvido1 de um escoamento estacionário en-
tre duas placas planas paralelas, de comprimentoL, espaçadas da distância2δ, formando
um canal longo (L � δ). O escoamento é forçado por um gradiente de pressão im-
posto externamente. O eixox está posicionado ao longo das placas e o eixoy transver-
sal ao escoamento. As características do escoamento são consideradas como constantes
na direçãox, e as derivadas em relação à direçãoz são nulas, de forma que o escoa-
mento é bidimensional. O escoamento descrito acima é chamado deescoamento plano
de Poiseuille.
Da análise das equações de Navier-Stokes nas condições descritas acima, conclui-se
que∂p/∂y = 0 ev = 0 em todo o domínio, e que a componente longitudinal do gradiente
de pressãodp/dx é constante.
A expressão para o perfil transversal da componente longitudinal da velocidadeu será
1Por estágio completamente desenvolvido entenda-se que está sendo considerada a região além doestágio de desenvolvimento, que ocorre próximo à entrada do canal.
131
Figura 8.1: Representação esquemática de um escoamento em um canal.
a seguinte [2, 21]:
u =y
µ
dp
dx
(δ − y
2
)(8.1)
A magnitude da tensão de cizalhamentoτ será
τ = µdu
dy= (δ − y)
dp
dx(8.2)
que mostra queτ é linear em relação ay.
Kundu [2] destaca que o gradiente de pressão constante e a tensão de cizalhamento
linear em relação ay são resultados gerais para um escoamento totalmente desenvolvido
em um canal, e são válidos tanto para os escoamentos laminares quanto para os turbulen-
tos.
Pope [21] cita que, em um canal tridimensional, se a dimensão ao longo da direção
z for suficientemente grande comparada comδ, o escoamento será estatisticamente inde-
pendente dez podendo, portanto, ser considerado bidimensional. Na figura 8.1 é repre-
sentado esquematicamente um escoamento plano em um canal.
Os números de Reynolds adotados para caracterizar o escoamento são [21]
Rem =2δUmν
(8.3)
132
Rec =Ucδ
ν(8.4)
ondeUc = u(y = δ) é a componente longitudinal da velocidade na ordenada central do
canal, eUm é avelocidade volumétrica(bulk velocity)
Um =1
δ
∫ δ
0u dy (8.5)
Um escoamento será laminar paraRem< 1350, e será totalmente turbulento para
Rem> 1800, embora efeitos de transição sejam evidentes atéRem = 3000 [21].
Kim et al. [64] adotaram o seguinte número de Reynolds para caracterizar um escoa-
mento em um canal
Reτ =uτδ
ν(8.6)
ondeuτ é velocidade de fricção (item A.9).
A tensão de cizalhamento na parede normalizada por uma velocidade de referência é
chamada decoeficiente de atrito superficial(skin friction coefficient). Com base emUc e
Um pode-se definir os coeficientes de atrito
Cf =τw
12ρU2
m
(8.7)
Cf0 =τw
12ρU2
c
(8.8)
ondeτw é a tensão de cizalhamento na parede (item A.9).
Kim et al. citam que escoamentos em canais vêm sendo estudados extensivamente,
com o intuito de aumentar o conhecimento sobre os mecanismos dos escoamentos turbu-
lentos na presença de fronteiras sólidas. Uma das vantagens apontadas por esses autores
é a simplicidade geométrica do canal, que favorece estudos tanto experimentais quanto
teóricos.
Wei e Willmarth [65] realizaram experimentos com o objetivo de estudar os efeitos
do número de Reynolds na estrutura dos escoamentos turbulentos em um canal. Após
133
uma detalhada revisão bibliográfica sobre experimentos em escoamentos turbulentos, os
autores consideraram que havia a necessidade de um conjunto de dados de alta resolução
na região interior da camada limite próxima à parede do canal, abrangendo números
de Reynolds desde baixos até moderadamente altos. Para tal, eles realizaram quatro
experimentos abrangendoRec de 3000 até 40000. Entre as principais conclusões do
estudo, pode-se destacar que foi verificado que na região interior, a lei de normalização
das variáveis de perturbação (u′, v′) dependia deRec e também da geometria do canal,
uma vez que observou-se que as estruturas das regiões interiores das paredes opostas do
canal interagiam. Quanto à dependência do número de Reynolds na lei de normalização
das variáveis na região interior, Kimet al. [64] citam que tal dependência também se
verifica na lei logarítmica dos perfis médios de velocidade (item A.9).
Deardoff [66] realizou um trabalho pioneiro na simulação numérica de um escoa-
mento turbulento em um canal tridimensional, empregando simulação de grandes escalas
(SGE). Foram adotadas condições de contorno periódicas ao longo das direçõesx ez, um
procedimento que passou a ser largamente empregado em simulações de escoamentos
turbulentos em canais. Nas paredes do canal foram utilizadas condições de contorno que
representavam artificialmente a lei da parede, ao invés das condições de não deslizamento
(u =0) e impenetrabilidade (v =0).
No estudo de Kimet al. foi realizada a simulação do escoamento em um canal tridi-
mensional em baixo número de Reynols (Rec=3300), empregando-se simulação numérica
direta (SND). Os resultados desse trabalho vêm sendo frequentemente utilizados com
referência em estudos de turbulência próximo a paredes. Foram adotadas condições de
contorno periódicas ao longo das direçõesx ez. Nas paredes, entretanto, foram adotadas
as condições de não deslizamento e impenetrabilidade. As simulações foram limitadas
à condição de baixo número de Reynolds por limitações na capacidade computacional
disponível.
Sobre a resolução da grade junto à parede na simulação de escoamentos turbulentos
em um canal empregando SND, Pope [21] comenta que é necessário um espaçamento
134
de cerca deδv/20 na direção transversal, ondeδv = ν/uτ é a escala viscosa. Esse
valor corresponde ay+= 0.05, ondey+ é a coordenada transversal normalizada porδv
(item A.9). Kim et al., por exemplo, empregaram uma grade onde o primeiro ponto
adjacente à parede do canal estava na ordenaday+≈ 0.05. Os autores consideraram que,
de maneira geral, a simulação foi capaz de replicar adequadamente diversas estatísticas da
turbulência, obtidas experimentalmente em condições semelhantes. Entretanto, na região
próxima à parede, foram observadas algumas discrepâncias, relacionadas à medição da
velocidade de fricçãouτ . Eles prosseguem citando que, quando os perfis de velocidade
média foram renormalizados empregando-se os valores deuτ obtidos experimentalmente,
passou a haver uma concordância muito boa dos perfis simulados com os experimentais.
Moseret al. [67], posteriormente, estenderam as simulações numéricas de escoa-
mentos turbulentos em canais com o uso de SND para número de ReynoldsReτ até 590,
e colocaram os resultados de seu estudo à disposição da comunidade científica em uma
página da Internet [68].
Hugheset al. [69] simularam numericamente escoamentos em um canal turbulento
com números de Reynolds baixos (Reτ=180) em duas e três dimensões, e moderados
(Reτ=395) em duas dimensões, empregando SGE com a formulação multiescala varia-
cional. O método baseia-se no conceito de separação do movimento em escalas grandes
e pequenas resolvidas, e escalas pequenas não resolvidas. O efeito das escalas pequenas
não resolvidas nas equações das escalas pequenas resolvidas é modelado por um termo
de viscosidade turbulenta. Nas equações das escalas grandes, entretanto, o efeito das
escalas pequenas não resolvidas é omitido.
Nesse trabalho destacam-se as afirmações dos autores de que em SGE os seguintes
procedimentos são inviáveis para a simulação de escoamentos turbulentos com fronteiras
sólidas: emprego de um coeficiente de Smagorinsky constante; não utilização de uma
função de atenuação para a região próxima à parede; e uso das equações de Navier-Stokes
sem nenhum tipo de modelo que represente o efeito das menores escalas não resolvidas
pela grade.
135
Nas simulações foram empregadas grades de resolução espacial variável, onde o
primeiro ponto adjacente à parede do canal estava a uma distância correspondente a
y+ = 0.486, que é cerca de 10 vezes maior que o requisito de resolução mínima para
SND citado acima. A conclusão do estudo foi de que os resultados tiveram uma boa
acurácia quando comparados com dados obtidos em simulações empregando SND.
Dois pontos relevantes sobre a simulação numérica da transição de um escoamento
do regime laminar para o turbulento são abordados por Lesieur e Métais em sua revisão
do método SGE [70]. Esses autores citam que os modelos subgrade de Smagorinsky e
de função de estrutura são incapazes de representar a transição do regime laminar para o
turbulento em uma camada limite, sendo que o último, de maneira geral, não se comporta
bem na simulação de um escoamento em um canal. Eles também destacam que embora a
SND seja capaz de simular o estágio inicial da transição de um escoamento, a simulação
eventualmente torna-se instável, devido à resolução espacial ser insuficiente.
8.2 Solução Numérica
8.2.1 Geometria do Domínio e Condições de Contorno
Nos experimentos de simulação de escoamentos turbulentos em canais com o emprego
do método MAL o domínio computacional simula um canal de altura uniforme, com a
entrada de fluido na fronteira esquerda.
A grade é uniforme ao longo dos eixosx ey, respectivamente, sendo os espaçamentos
∆x e∆y diferentes, com∆y � ∆x, visando obter maior resolução na direção transver-
sal ao escoamento, bem como atender à relaçãoδ/L� 1.
Ao longo da fronteira esquerda, a componenteu foi definida nos pontos de grade
de acordo com a expressão 8.1, a partir dos parâmetros de configuração do experimento
δ, dp/dx e ν e ρ, de forma a representar um escoamento laminar completamente de-
senvolvido na entrada do canal. Esse valores foram mantidos constantes durante toda a
simulação. A componentev foi ajustada como igual a zero na entrada do canal, de forma
136
que o escoamento é paralelo às paredes na fronteira esquerda. Dessa forma, eventuais
flutuações de pequena escala nas variáveis no interior do domínio terão se desenvolvido
naturalmente durante a simulação, sem que tenham sido artificialmente impostas ou pres-
critas.
Na fronteira de saída, as condições de contorno adotadas parau ev foram as mesmas
das simulações do jato plano e da camada de mistura, com as componentes de veloci-
dade sendo previstas a cada passo de tempo com o emprego das equações 4.9 e 4.10,
respectivamente.
Note que, diferentemente do procedimento normalmente adotado em simulações numéri-
cas de escoamentos turbulentos em canais com o emprego de SND e SGE, as condições
de contorno na direção longitudinal não são periódicas.
Nas fronteiras superior e inferior foram adotadas as condições de não deslizamento
(u = 0) e impenetrabilidade (v = 0) do escoamento.
Nas fronteiras de entrada e saída os valores das componentes de52u e52v transver-
sais às fronteiras foram arbitradas como sendo iguais a zero, e as componentes ao longo
das fronteiras foram calculadas por diferenças centradas. Nas paredes do canal foram
adotadas as condições de compatibilidade na parede [50]
∇2uw =1
µ
(∂p
∂x
)w
(8.9)
∇2vw =1
µ
(∂p
∂y
)w
(8.10)
onde o subscritow representa valores sobre a parede.
A pressão nas paredes foi prescrita, decrescendo linearmente no sentido do escoa-
mento, de forma que as fronteiras longitudinais atendessem ao requisito dedp/dxcons-
tante em um escoamento totalmente desenvolvido em um canal. Ao longo das fronteiras
de entrada e saída os valores da pressão foram definidos como constantes ao longo da
direção transversal, com os mesmos valores das extremidades inicial e final das paredes
do canal, respectivamente, sem se alterarem durante a simulação. No interior do domínio
137
a pressão foi calculada a cada passo de tempo empregando-se a equação 4.14.
As interpolações espaciais foram cúbicas centradas, no interior do domínio, e cúbicas
descentradas ao longo das fronteiras.
Na condição inicial todos os pontos do interior do domínio tiveram os valores deu
e v ajustados para os mesmos valores da fronteira de entrada do escoamento. Para cada
abscissax o valor inicial da pressão no interior do domínio foi ajustado para o da fronteira
superior (o mesmo da inferior) ao longo da direção transversal.
8.2.2 Simulações Numéricas e Resultados
8.2.2.1 Experimento CANAL 1
O primeiro experimento simulando um escoamento turbulento em um canal, empregando
o método MAL (CANAL 1) enfocou a condição de baixo número de Reynolds. Simular
esta condição é interessante em vista de estar disponível na literatura um grande número
de estudos numéricos de escoamentos em baixosRe.Entre eles, destaca-se o trabalho de
Kim et al. [64], já citado.
Um ponto relevante a se comentar é que simulações de escoamentos em canais são
normalmente realizadas em três dimensões, adotando condições de contorno periódicas,
assumindo-se que o escoamento é homogêneo nas direçõesx ez. Para a análise dos resul-
tados desses experimentos são obtidas médias das variáveis nas direções homogêneas (x
ez) e essas médias são consideradas como representativas do escoamento como um todo.
No presente estudo, as simulações serão realizadas para um canal bidimensional (x-y) e
não serão empregadas condições de contorno periódicas. Consequentemente, espera-se
que as médias temporaisu, v , e p apresentem variações longitudinais, tornando o em-
prego de médias ao longo da direçãox inadequado para análise. Logo, a comparação dos
presentes resultados com os disponíveis na literatura deverá ser feita atentando para essa
importante diferença.
Na tabela 8.1 são apresentados os parâmetros de configuração utilizados no expe-
rimento CANAL 1. A velocidade no eixo central do canal (y = δ) e os números de
138
Tabela 8.1: Parâmetros de configuração do experimento CANAL 1.
Parâmetro Valor
Comprimento do domínio (Lcn) 5.0 mAltura do domíno (2δ) 0.025 m
Espaçamento de grade longitudinal (∆x) 0.1 mEspaçamento de grade transversal (∆y) 0.00025 m
Número de pontos de grade na direçãox (NX) 51Número de pontos de grade na direçãoy (NY) 101
Pressão na entrada do escoamento 10 PaGradiente longitudinal de pressão (dp/dx) -1.2 Pa/m
Viscosidade cinemática do fluido (ν) 15.3×10−6 m2/sDensidade do fluido (ρ) 1.188kg/m3
Passo de tempo 1.38×10−4 sVelocidade no eixo central do canal (Uc) 5.16 m/s
Rem 7401Rec 4214Reτ 237
Reynolds referem-se à posiçãox = Lcn/2 (2.5 m). O fluido simulado foi ar na temperatu-
ra de 293 K. O tempo de CPU empregado foi de 18535 s (5.2 horas). Esse tempo poderia
ter sido significativamente reduzido caso fosse empregada uma grade com espaçamento
variável ao longo da direção transversal, privilegiando a resolução na região próxima à
parede, e reduzindo o número de pontos do domínio computacional. Esse procedimento
não foi adotado neste estudo por conveniência na utilização da estrutura básica do código
computacional na simulação de escoamentos de características distintas. Apesar disso,
a demanda computacional pode ser considerada como baixa, levando em consideração
que foi empregado um computador de desempenho bastante modesto (processador AMD
Athlon XP 2000, 1.67 GHz, 1GB RAM).
A razãoLcn/δ no experimento CANAL 1 teve valor igual a 400, que é razoável. Kim
et al. citam que foram realizados experimentos em canais com a razãoLcn/δ variando
desde 86 até 450.
Definindo-se a escala de tempo característica do escoamento comoTcn = Lcn/Uc
(0.97 s), o tempo total de escoamento simulado foi de 70Tcn(67.86 s), e as médias tem-
porais foram calculadas com valores registrados a partir de 10Tcn (9.69 s).
139
Figura 8.2: Evoluções temporais da componenteu em três pontos de grade, na abscissax = Lcn/2 (2.5 m), e nas ordenadasy = 0.00025 m (linha inferior),y = 0.00125 m, ey = δ (linha superior), no experimento CANAL 1.
A verificação do estabelecimento de um regime estatisticamente estacionário iniciou
pela análise das variações temporais da componenteu em três pontos de grade, na abscis-
sax = Lcn/2 (2.5 m), nas ordenadas do primeiro ponto de grade adjacente à parede
inferior (y = 0.00025 m), no quinto ponto de grade (y = 0.00125 m), e no eixo central
do canal (y = δ), apresentadas na figura 8.2 . Observa-se que nos três pontos houve um
aumento no valor deu no início da simulação, seguido do estabelecimento de um regime
quase estacionário, a partir det = 5 s.
Nas figuras 8.3 e 8.4 são apresentadas as evoluções temporais da energia cinética
média do domínioKEme da enstrofia média do domínioEm , respectivamente. Pode-se
observar que em ambos gráficos há um aumento inicial nessas variáveis, seguindo-se do
estabelecimento de um regime quase estacionário apóst = 7 s. Os gráficos indicam que
não ocorreu instabilidade numérica ao longo da simulação no experimento CANAL 1.
O valor máximo da diferença relativa da média da componente longitudinal da ve-
locidadeu, εu, foi de 0.14 %, calculada considerando os intervalos de tempoTcn1,
140
Figura 8.3: Evolução temporal da energia cinética média do domínioKEm no experi-mento CANAL 1.
Figura 8.4: Evolução temporal da enstrofia média do domínioEm no experimentoCANAL 1.
141
Figura 8.5: Campo de média da componente longitudinal da velocidadeu (m/s) do ex-perimento CANAL 1.
9.69 s< t ≤ 38.78 s, eTcn2 < t ≤ 67.86 s.
À luz dos resultados obtidos considerou-se que no intervalo de tempo adotado para a
obtenção das médias temporais prevaleceu um regime quase estacionário no escoamento.
Na figura 8.5 é representado o campo deu obtido no experimento CANAL 1. Observa-
se que o campo é quase simétrico em relação ao centro do canal, e que as isótacas apre-
sentam variação longitudinal, aproximando-se das paredes do canal no sentido do escoa-
mento. Lembrando que o perfil de velocidade é laminar na entrada do canal, o compor-
tamento das isótacas deu indica que a simulação foi capaz de representar a transição do
escoamento do regime laminar para o turbulento.
Na figura 8.6 é representado o campo dev obtido no experimento CANAL 1. Observa-
se que o campo é quase simétrico em relação ao eixo central do canal. Nas proximidades
das paredes do canalv aumenta até a posiçãox = 2.75 m, a partir da qual passa a diminuir
no sentido do escoamento. A partir dex = 4.1 m não há variações significativas na direção
longitudinal, exceto junto à fronteira de saída, próximo à parede, que pode ser associada
a algum problema na condição de contorno de saída do escoamento. Entretanto, não há
142
Figura 8.6: Campo de média da componente transversal da velocidadev (m/s) do expe-rimento CANAL 1. As linhas contínuas representam valores positivos e as linhas trace-jadas valores negativos. A linha tracejada amarela indica a isótacav = 0.
evidência de que tal problema tenha afetado o interior do domínio.
É importante notar que o comportamento dev é distinto do definido na análise teórica,
que prevêv = 0 em todo o domínio.
Na figura 8.7 é representado o campo de anomalia de pressão médiapa do experi-
mento CANAL 1, limitado à metade inferior, em vista da quase simetria em relação ao
eixo central. Observa-se que a anomalia de pressão é ondulatória na direção longitudinal,
com amplitude muito pequena, e que praticamente não há variações na direção transver-
sal, como previsto na análise teórica, exceto imediatamente junto à parede. A partir da
posiçãox = 3.9 m não há variação longitudinal empa, indicando quedp/dxé constante
nessa região.
Kundu [2] cita que uma camada limite turbulenta é “mais cheia” que uma camada
limite laminar, possuindo maior energia. O “enchimento” da camada é caracterizado
pelo aumento do gradiente da componenteu na direção transversal, próximo à parede.
Na figura 8.8 são representados os perfis transversais deu do experimento CANAL 1, nas
posiçõesx = 0 (entrada do canal),x = Lcn/2 (2.5 m), ex = 4Lcn/5(4.0 m). Observa-se
143
Figura 8.7: Campo de anomalia de pressão médiapa (Pa) do experimento CANAL 1. Aslinhas tracejadas amarelas indicam as regiões ondepa = 0.
Figura 8.8: Perfis transversais deu nas posiçõesx = 0 (linha contínua fina preta),x = Lcn/2 (linha tracejada azul) ex = 4Lcn/5 (linha contínua grossa vermelha) no ex-perimento CANAL 1.
144
Figura 8.9: Perfil longitudinal do fator de formaH12 do experimento CANAL 1.
que existe uma significativa mudança no perfil, desde a condição laminar da entrada até
a situação de turbulência desenvolvida, no final do canal, onde o gradiente transversal de
u é acentuadamente maior que na entrada.
Schlichtinget al. [50] citam que em camadas limites em transição sobre placas
planas, além de haver mudança na distribuição transversal da velocidade, existe uma
significativa redução no chamadofator de formaH12 = δ1/δ2, ondeδ1 é a espessura de
deslocamento (item A.8.1) eδ2 é a espessura de quantidade de movimento (item A.8.2).
De acordo com esses autores, para camadas limites em placas planasH12 = 2.59 na região
laminar eH12≈ 1.4 na região turbulenta. Na figura 8.9 é apresentado o perfil longitudinal
de fator de formaH12 obtido no experimento CANAL 1. Observa-se que na entrada do
escoamento (perfil laminar)H12 = 2.5, e que ele decresce ao valor deH12 ≈1.55 em
torno da posiçãox = 2.6 m, e a partir daquela posição tem uma variação longitudinal
relativamente pequena. Na fronteira de saída do canal há uma oscilação brusca no valor
145
Figura 8.10: Perfis longitudinais dos coeficientes de atritoCf (círculos brancos) eCf0
(círculos pretos) obtidos no experimento CANAL 1.
deH12 , possivelmente relacionada a algum problema na condição de contorno naquela
fronteira. A variação deH12 observada é consistente com o esperado na transição de
regime laminar para turbulento.
Pope [21] cita que já foi observado experimentalmente que em escoamentos em
canais o valor do coeficiente de atrito aumenta na transição de regime laminar para tur-
bulento, e que em regime turbulento ele diminui à medida que o número de Reynolds
aumenta. Na figura 8.10 são representados os perfis longitudinais dos coeficientes de
atritoCf eCf0 obtidos no experimento CANAL 1. O gráfico deCf mostra crescimento
na parte inicial do canal, onde há a transição, e a partir dex = 2.8 m mostra uma ligeira
redução. O gráfico deCf0 mostra crescimento atéx = 3.5 m, e mantém-se praticamnte
constante a partir daquela posição.
Kim et al. [64] calcularam médias de variáveis do escoamento em sua simulação
146
Tabela 8.2: Valores de variáveis do escoamento nas simulações de Kimet al.,e no expe-rimento CANAL 1.
Variável Kim et al. CANAL 1 (x = 2.5 m) Diferença relativa (%)
Reτ 180 237 -Rec 3300 4213 -Rem 5600 7401 -Uc/Um 1.16 1.16 -Um/Uτ 15.63 15.61 -0.13Uc/Uτ 18.20 18.12 -0.44
Cf 8.18×10−3 8.21×10−3 +0.37Cf0 6.04×10−3 6.09×10−3 +0.83δ1/δ 0.141 0.138 -2.13δ2/δ 0.087 0.088 +1.15H12 1.62 1.57 -3.09
numérica do escoamento em um canal em baixo número de Reynolds, e as comparou
com resultados experimentais obtidos por Dean [71], e consideraram que os resulta-
dos numéricos tiveram concordância boa a excelente com os valores experimentais. Os
números de Reynolds de referência do experimento CANAL 1 são cerca de 30 % maiores
que os do experimento de Kimet al. Apesar disso, as condições do escoamento ainda
podem ser consideradas como de baixoRe.Os valores das estatísticas de Kimet al. são
referentes a médias tomadas nas direçõesx e z, enquanto que no experimento CANAL
1 as estatísticas variam ao longo dex. Para se fazer a comparação dessas estatísticas foi
selecionado no experimento CANAL 1 o pontox = 2.5 m, ao qual se referem os números
de Reynolds característicos do escoamento. Nesse ponto a razãoUc/Um = 1.16, que é
igual ao valor característico do experimento de Kimet al. A comparação é apresentada
na tabela 8.2, e mostra que houve uma boa concordância nos valores médios das vari-
áveis do escoamento obtidos por Kimet al. com os valores na posiçãox = 2.5 m do
experimento CANAL 1.
Um aspecto importante a ser avaliado em uma simulação numérica de um escoamento
turbulento em um canal é a habilidade na representação do perfil da componente longi-
tudinal da velocidadeu na região próxima à fronteira sólida, definido pela lei da parede,
descrita no item A.9. No estudo de Kimet al. o perfil deu obtido apresentava uma ligeira
147
Figura 8.11: Perfis transversais deu+nas posiçõesx1 = 2.2 m (losangos brancos),x2 = 2.5 m (círculos e linha tracejada fina azuis),x3 = 2.7 m (triângulos vermelhos),x4 = 3.0 m (quadrados verdes), ex5 = 3.2 m (cruzes roxas), obtidos no experimentoCANAL 1. Também são representados o perfil deu+de Kim et al. emReτ= 180, semcorreção (linha tracejada vermelha grossa), e as funções da lei da parede.
diferença em relação a valores obtidos experimentalmente. Os autores consideraram que
a não concordância dos perfis deveu-se a uma diferença no valor da velocidade de fricção
uτ , que normalizau e a distância à paredey. O problema foi solucionado pelo aumento
em 6 % do valor deuτ da simulação numérica, que assim passou a ter o valor que foi
obtido experimentalmente. Com esse procedimento de ajuste os perfis experimental e
simulado numericamente passaram a ter uma boa concordância.
Na figura 8.11 são apresentados os perfis deu+(u normalizada) na região próxima à
parede inferior nas posiçõesx1 = 2.2 m,x2 = 2.5 m,x3 = 2.7 m,x4 = 3.0 m, ex5 = 3.2 m,
obtidos no experimento CANAL 1. Na mesma figura são apresentadas as funções da lei
148
Figura 8.12: Evolução temporal da componenteu na posiçãox = 2.2 m,y = 0.00375 m.
da parede, e o perfil original deu+do experimento de Kimet al. [68] emReτ= 180, antes
de ser efetuado o ajuste deuτ . Pode-se observar que nessas posições houve uma boa
concordância dos perfis entre si, e com a lei da parede. A região logarítmica nos perfis
de velocidade do experimento CANAL 1 representados abrange, aproximadamente, de
y+ = 30 atéy+ = 250. Vale destacar que não foi necessário aplicar qualquer ajuste nos
perfis do experimento CANAL 1 apresentados na figura.
Um ponto interessante a citar é que, nos perfis da figura 8.11, o primeiro ponto de
grade imediatamente acima da parede inferior do canal está, aproximadamente, na orde-
naday+ = 4.7. Este valor é cerca de 90 vezes o espaçamento mínimo dey+ = 0.05 uti-
lizado na SND de Kimet al., e cerca de nove vezes o espaçamento mínimo dey+ = 0.486
empregado na SGE de Hugheset al. [69]. Vale lembrar que no método MAL não é
adotado nenhum tipo de modelo ou parametrização para representar o efeito das escalas
não resolvidas pela grade.
No experimento CANAL 1 procurou-se também analisar as flutuações temporais das
componentes da velocidadeu ev. Nas figuras 8.12 e 8.13 são representados os valores de
149
Figura 8.13: Evolução temporal da componentev na posiçãox = 2.2 m,y = 0.00375 m.
u ev, respectivamente, no período de obtenção das médias, na posiçãox = 2.2 m, na orde-
nada do décimo quinto ponto de grade acima da parede inferior do canal, que corresponde
a y = 0.00375 m. Em ambos gráficos verificam-se variações de alta frequência. Foi feita
a análise do espectro de energia deu e v a partir de séries temporais registradas em três
pontos de grade localizados na abscissax = 2.2 m, e nas ordenadasycn1 = 0.00025 m,
ycn2 = 0.00075 m, eycn3 = 0.00375 m, que correspondem aos primeiro, terceiro e décimo
quinto pontos de grade a partir da parede inferior do canal. Usando como referência a
figura 8.11 verifica-se que esses pontos estão localizados na subcamada viscosa (ycn1),
na camada intermediária (ycn2), e na região da lei logarítmica (ycn3) da camada limite
próxima à parede. Adotou-se na análise a hipótese de Taylor, e o procedimento de dividir
a série temporal em 50 segmentos, calcular os espectros de energia para cada série, e
obter-se a média dos 50 espectros produzidos para representar o espectro de energia no
ponto específico.
Na figura 8.14 são representados os espectros de energia da componenteunas posições
especificadas acima. Observa-se que em nenhum dos três gráficos ficou claramente e-
150
Figura 8.14: Espectros de energia da componenteu nos pontos de grade na abscissax = 2.2 m, e nas ordenadasycn1 = 0.00025 m (linha preta) ,ycn2 = 0.00075 m (linha azul), eycn3 = 0.00375 m (linha vermelha). As unidades nos eixos de frequências e energiassão arbitrárias.
151
Figura 8.15: Espectros de energia da componentev nos pontos de grade na abscissax = 2.2 m, e nas ordenadasycn1 = 0.00025 m (linha preta) ,ycn2 = 0.00075 m (linha azul), eycn3 = 0.00375 m (linha vermelha). A linha tracejada verde indica a inclinação -3. Asunidades nos eixos de frequências e energias são arbitrárias.
videnciada a presença de cascata de energia inversa ou cascata de vorticidade direta.
Pode-se supor, portanto, que os efeitos inerciais não são relevantes na componenteu nos
pontos analisados. Os espectros de energia possuem aspectos bastante distintos, particu-
larmente na região das menores escalas, indicando que não há homogeneidade na direção
transversal à parede.
Na figura 8.15 são representados os espectros de energia da componentevnas posições
especificadas acima. Observa-se que na região de mais altas frequências os espectros têm
inclinação próxima a -3, especialmente na camada intermediária (ycn2) e na região loga-
rítmica (ycn3), abrangendo cerca de meia década e uma década, respectivamente. Esse
resultado indica que existe uma subregião inercial onde ocorre cascata direta de vortici-
dade, das maiores para as menores escalas.
É interessante observar que os espectros de energia dev são bem mais parecidos entre
si que os deu, indicando que a homogeneidade transversal é mais caracterizada na com-
152
Tabela 8.3: Parâmetros de configuração dos experimentos CANAL 2 e CANAL 3.
Parâmetro CANAL 2 CANAL 3
Comprimento do domínio (Lcn) 6.2 m 7.0 mAltura do domíno (2δ) 0.035 m 0.04 m
Espaçamento de grade longitudinal (∆x) 0.1 mEspaçamento de grade transversal (∆y) 0.00025 m
Número de pontos de grade na direçãox (NX) 63 71Número de pontos de grade na direçãoy (NY) 141 161
Pressão na entrada do escoamento 8.95 Pa 8.8 PaGradiente longitudinal de pressão (dp/dx) -0.87 Pa/m -0.75 Pa/m
Viscosidade cinemática do fluido (ν) 15.3×10−6 m2/sDensidade do fluido (ρ) 1.188kg/m3
Passo de tempo 8.75×10−5 s 7.10×10−5 sVelocidade no eixo central do canal (Uc) 7.30 m/s 8.30 m/s
Rem 14266 18525Rec 8346 10849Reτ 409 517
ponentev. Além disso, como os espectros deu ev são bastante distintos nos três pontos,
pode-se considerar que não existe isotropia no escoamento nas posições analisadas.
8.2.2.2 Experimentos CANAL 2 e CANAL 3
Os experimentos CANAL 2 e CANAL 3 foram realizados visando verificar o comporta-
mento do método MAL na simulação de escoamentos turbulentos em canais, em números
de Reynolds moderados. Na tabela 8.3 são apresentados os parâmetros de configuração
empregados nos experimentos CANAL 2 e CANAL 3. As velocidades no eixo central
do canal e os números de Reynolds referem-se à posiçãox = Lcn/2 (3.1 m para o exper-
imento CANAL 2, e 3.5 m para o experimento CANAL 3). O fluido simulado foi ar na
temperatura de 293 K.
Os tempos de CPU empregados foram de 14532 s (4.0 h) no experimento CANAL
2, e 23092 s (6.4 h) no experimento CANAL 3. As diferenças desses tempos em relação
ao experimento CANAL 1 foram relativamente pequenas, apesar dos domínios maiores
e passos de tempo menores. Isto ocorreu porque as simulações CANAL 2 e CANAL 3
foram para períodos mais curtos, em virtude de se pretender apenas analisar as médias
153
das variáveis do escoamento, e não realizar a análise espectral em pontos do domínio, o
que demandaria uma simulação mais longa para se obter uma série de tempo apropriada
para subdivisão em 50 segmentos de tamanho razoável.
As razõesLcn/δ foram iguais a 354 no experimento CANAL 2, e 350 no experimento
CANAL 3, que são aproximadamente 12 % menores que a do experimento CANAL 1.
As escalas de tempo características dos escoamentos foramTcn = 0.85 s para CANAL
2, eTcn = 0.84 s para CANAL 3. No experimento CANAL 2 o tempo de escoamento
simulado foi de 24Tcn (20.39 s) e no experimento CANAL 3 foi de 24Tcn (20.24 s). As
médias das variáveis foram calculadas com valores registrados a partir de 8Tcn (6.80 s)
no experimento CANAL 2, e 8Tcn (6.75 s) no experimento CANAL 3.
A verificação do estabelecimento de regime quase estacionário seguiu o mesmo pro-
cedimento do experimento CANAL 1. As evoluções temporais da componenteu em
três pontos do domínio nos experimentos CANAL 2 e CANAL 3 foram semelhantes às
observadas no experimento CANAL 1, e por essa razão deixam de ser apresentadas.
As evoluções temporais da energia cinética média do domínioKEm e da enstrofia
média do domínioEm nos experimentos CANAL 2 e CANAL 3 são representadas nas
figuras 8.16 e 8.17, respectivamente. Em ambas figuras observa-se um aumento inicial
no valor das variáveis, seguindo-se do estabelecimento de um regime quase estacionário.
Verifica-se, portanto, que não ocorreu instabilidade numérica nas simulações.
Os valores máximos das diferenças relativas das médias da componente longitudinal
da velocidadeu , εu, foram de 0.12 % no experimento CANAL 2, e 0.16 % no experi-
mento CANAL 3, que podem ser considerados como muito pequenos.
Em função dos resultados obtidos, considerou-se que, nos respectivos intervalos de
tempo que foram adotados nos experimentos CANAL 2 e CANAL 3 para obtenção das
médias das variáveis, prevaleceu o regime quase estacionário.
A análise dos campos deu, v e pa dos experimentos CANAL 2 e CANAL 3 reve-
lou que o aspectos gerais dos mesmos eram muito semelhantes aos correspondentes no
experimento CANAL 1, e por essa razão esses campos deixam de ser apresentados.
154
Figura 8.16: Evoluções temporais da energia cinética média do domínioKEmnos expe-rimentos CANAL 2 (linha contínua) e CANAL 3 (linha tracejada).
Figura 8.17: Evoluções temporais da enstrofia média do domínioEmnos experimentosCANAL 2 (linha contínua) e CANAL 3 (linha tracejada).
155
Figura 8.18: Perfis transversais deu nas posiçõesx = 0 (linha contínua fina preta),x = Lcn/2 (linha tracejada azul) ex = 4Lcn/5 (linha contínua grossa vermelha) no ex-perimento CANAL 2.
Nas figuras 8.18 e 8.19 são representados os perfis transversais deu nas posições
x = 0, x = Lcn/2, ex = 4Lcn/5, obtidos nos experimentos CANAL 2 e CANAL 3, respec-
tivamente. Em ambas figuras observa-se a aparente simetria do escoamento e o “enchi-
mento” da camada limite ao longo da direçãox, indicando a transição para a turbulência
a partir do regime inicialmente laminar na fronteira de entrada. Nota-se também a acele-
ração dos escoamentos, pelo aumento deu no eixo central do canal.
Na figura 8.20 são representados os perfis longitudinais do fator de formaH12 obtidos
nos experimentos CANAL 2 e CANAL 3. Ambos perfis mostram uma rápida redução
no valor deH12 no início do escoamento, passando, posteriormente, a ter uma variação
muito lenta na direçãox. Os valores mínimos deH12 foram, aproximadamente, 1.4 no
experimento CANAL 2, e 1.33 no experimento CANAL 3. No experimento CANAL
1 o valor mínimo deH12 foi, aproximadamente, 1.55. A transição, portanto, mostrou-
se mais bem caracterizada nos escoamentos com números de Reynolds mais altos, pela
maior amplitude de variação deH12.
156
Figura 8.19: Perfis transversais deu nas posiçõesx = 0 (linha contínua fina preta),x = Lcn/2 (linha tracejada azul) ex = 4Lcn/5 (linha contínua grossa vermelha) no ex-perimento CANAL 3.
Figura 8.20: Perfis longitudinais do fator de formaH12 dos experimentos CANAL 2(círculos brancos) e CANAL 3 (círculos pretos).
157
Figura 8.21: Perfis longitudinais dos coeficientes de atritoCf eCf0 nos experimentosCANAL 2 (círculos brancos e círculos pretos, respectivamente) e CANAL 3 (quadradosbrancos e quadrados pretos, respectivamente).
Na figura 8.21 são representados os perfis longitudinais dos coeficientes de atrito
Cf e Cf0 obtidos nos experimentos CANAL 2 e CANAL 3. Os perfis têm aspectos
semelhantes aos dos obtidos no experimento CANAL 1, comCf aumentando progres-
sivamente a partir da fronteira de entrada, atingindo um valor máximo, e posteriormente
pasando a ter uma variação lenta ao longo da direçãox. O coeficiente de atritoCf0, no
entanto, apresenta crescimento até o final do domínio. Observa-se que, como esperado,
os valores máximos deCf eCf0 diminuem com o aumento do número de Reynolds do
escoamento. A acurácia na determinação do valor deUc/Um e deCf pela simulação foi
verificada a partir das expressões de Dean [71], citado por Kimet al. [64]
UcUm
= 1.28Re−0.0116m (8.11)
e
Cf = 0.073Re−0.25m (8.12)
158
Tabela 8.4: Valores de variáveis do escoamento obtidos pelas equações de Dean (8.11 e8.12) e nos experimentos CANAL 2 e CANAL 3.
Uc/UmEquação 8.11 (Rem= 14266) CANAL 2 (x = 3.1 m) Erro relativo
1.146 1.180 +3.0 %Equação 8.11 (Rem= 18525) CANAL 3 (x = 3.5 m) Erro relativo
1.142 1.178 +3.2 %Cf
Equação 8.12(Rem= 14266) CANAL 2 (x = 3.1 m) Erro relativo6.680×10−3 6.574×10−3 -1.6 %
Equação 8.12(Rem= 18525) CANAL 3 (x = 3.5 m) Erro relativo6.257×10−3 6.238×10−3 -0.3 %
Os valores nominais deRem dos experimentos CANAL 2 (14266), e CANAL 3
(18525), que referem-se às respectivas posiçõesLcn/2 (x = 3.1 m em CANAL 2, e
x = 3.5 m em CANAL 3) foram aplicados às expressões 8.11 e 8.12 e comparou-se
os resultados aos valores obtidos nas simulações (referentes à parede inferior do canal).
A tabela 8.4 resume esses resultados. Observa-se que as simulações tenderam a super-
estimarUc/Um e a subestimarCf . Entretanto, pode-se considerar que os valores da
simulação tiveram uma boa concordância com os obtidos pelas equações de Dean, em
função dos pequenos erros relativos verificados.
Nas figuras 8.22 e 8.23 são apresentados os perfis deu+ (u normalizada) na região
próxima à parede inferior do canal, nas posiçõesx1 = 3.4 m,x2 = 3.7 m,x3 = 4.0 m,
x4 = 4.3 m, ex5 = 4.6 m, obtidos no experimento CANAL 2, juntamente com o perfil
original deu+ do experimento de Moseret al. [67], emReτ = 395, em representação
log-linear e linear-linear, respectivamente. Nas figuras 8.24 e 8.25 são apresentados os
perfis deu+ na região próxima à parede inferior do canal, nas posiçõesx1 = 3.8 m,
x2 = 4.2 m,x3 = 4.5 m,x4 = 4.9 m, ex5 = 5.2 m, obtidos no experimento CANAL
3. Nessas figuras, é também representado o perfil deu+ obtido por Moseret al., em
Reτ = 590. Observa-se que os perfis deu+ estão próximos entre si, entretanto, eles não
são coincidentes. Além disso, eles “ondulam” em torno da função logarítmica da lei da
parede, aparecendo em alguns perfis acima dela na região intermediária, e abaixo dela
159
Figura 8.22: Perfis transversais deu+nas posiçõesx1 = 3.4 m (losangos brancos),x2 = 3.7 m (círculos e linha tracejada fina azuis),x3 = 4.0 m (triângulos vermelhos),x4 = 4.3 m (quadrados verdes), ex5 = 4.6 m (cruzes roxas), obtidos no experimentoCANAL 2. Também são representados o perfil deu+de Moseret al. emReτ= 395, semcorreção (linha tracejada vermelha grossa), e as funções da lei da parede.
160
Figura 8.23: Mesmo que na figura 8.22, exceto que em representação linear-linear.
na região de superposição. Esse comportamento pode ter sido causado por uma defi-
ciência do método MAL na simulação dos perfis de velocidade próximo à parede. No
entanto, pode haver outras razões para a não coincidência dos perfis com a lei logarít-
mica. Fernholz e Warnack [72], e Warnack e Fernholz [73] estudaram os efeitos de gra-
dientes de pressão favoráveis em camadas limites turbulentas axissimétricas. Uma das
conclusões dos autores foi que na presença de um gradiente de pressão favorável os perfis
de velocidade se afastam das funções a lei da parede. De maneira geral, eles tendem a se
manter acima da função logarítmica quando as acelerações são mais acentuadas. Outra
observação dos autores foi que esse comportamento também ocorre em perfis de veloci-
dade no último estágio da transição para a turbulência, quando o equilíbrio ainda não foi
atingido. Nos experimentos realizados no estudo surgiram, entretanto, alguns perfis com
comportamento contrário, posicionando-se abaixo da função logarítmica, para os quais
os autores não encontraram uma explicação. Outro ponto importante verificado no estudo
foi não ser possível apresentar um critério paramétrico para definir quando o perfil de ve-
locidade inicia o afastamento da função logarítmica nem quando ele se reaproxima dela,
161
Figura 8.24: Perfis transversais deu+nas posiçõesx1 = 3.8 m (losangos brancos),x2 = 4.2 m (círculos e linha tracejada fina azuis),x3 = 4.5 m (triângulos vermelhos),x4 = 4.9 m (quadrados verdes), ex5 = 5.2 m (cruzes roxas), obtidos no experimentoCANAL 3. Também são representados o perfil deu+de Moseret al. emReτ = 590, semcorreção (linha tracejada vermelha grossa), e as funções da lei da parede.
162
Figura 8.25: Mesmo que na figura 8.24, exceto que em representação linear-linear.
em virtude dessas mudanças ocorrerem de forma gradual. Nos experimentos CANAL
2 e CANAL 3 o escoamento foi forçado por um gradiente de pressão favorável, sendo
acelerado ao longo da direçãox. Além disso, eles foram iniciados de um regime laminar,
tendo ocorrido uma gradual transição para a turbulência ao longo da direção longitudi-
nal. Essas duas condições poderiam, portanto, influenciar no afastamento dos perfis de
velocidade das funções da lei da parede.
A representação do perfil de velocidade nas proximidades da parede é um problema
bem mais complexo do que a simples lei da parede pode revelar. Os perfis obtidos por
Moseret al. [67] apresentados nas figuras 8.22 a 8.25, amplamente utilizados como refe-
rência em estudos de turbulência nas proximidades de fronteiras sólidas, foram avaliados
pelos próprios autores como “não representando uma região logarítmica, a despeito das
aparências”. Eles também observam que os perfis tampouco seguem uma lei de potência.
Citando outros pesquisadores, Moseret al. expõem que ainda existem controvérsias so-
bre a validade da lei da parede. Parece, portanto, que esse assunto ainda não se encontra
completamente resolvido na comunidade científica. Entretanto, é inegável que nos es-
163
Figura 8.26: Perfis deu+ do experimento CANAL 1, na posiçãox = 2.7 m (linha azul);do experimento CANAL 2, na posiçãox = 4.0 m (linha vermellha) ; e do experimentoCANAL 3, na posiçãox = 4.9 m (linha verde). Também são representadas as funções dalei da parede, em linhas tracejadas.
tudos experimentais e numéricos sobre a camada limite nas proximidades de fronteiras
sólidas, os perfis de velocidade obtidos, de maneira geral, apresentam uma região que
se posiciona acompanhando a tendência da lei logarítmica, e os perfis dos experimentos
CANAL 2 e CANAL 3 conseguiram reproduzir razoavelmente essa característica. Além
disso, espera-se que o limite superior da região logarítmica se estenda à medida que o
número de Reynolds aumente, e essa característica foi observada nas simulações de es-
coamentos em canais com o uso do método MAL. Na figura 8.26 são representados os
perfis deu+ do experimento CANAL 1, na posiçãox = 2.7 m; do experimento CANAL
2, na posiçãox = 4.0 m; e do experimento CANAL 3, na posiçãox = 4.9 m, onde pode-se
164
visualizar melhor as diferenças nos três experimentos.
Outro ponto a destacar é que o primeiro ponto de grade acima da parede nos experi-
mentos CANAL 2 e CANAL 3 estavam localizados, respectivamente, nas ordenadas nor-
malizadasy+ ≈ 6.0 ey+ ≈ 6.8, bem acima dos valores adotados normalmente em SND
e SGE. Apesar do método MAL não empregar qualquer tipo de modelo ou parametriza-
ção para representar os processos das escalas não resolvidas pela grade, as simulações
consideraram a existência da subcamada viscosa, como pode ser observado nos perfis de
u+.
165
Capítulo 9
CONCLUSÃO
Neste trabalho foi apresentado o método da Média Amostral Lagrangeana (MAL) para o
tratamento das equações de Navier-Stokes, visando a solução numérica de problemas de
escoamentos em camada limites.
Inicialmente, foi citado que todos os métodos numéricos atualmente empregados
para a simulação de escoamentos em altos números de Reynolds possuem vantagens,
desvantagens e limitações de aplicabilidade. Os modelos que utilizam as equações de
Reynolds têm como principal desvantagem o problema de fechamento. A simulação
numérica direta (SND), que emprega as equações de Navier-Stokes, não tem problema de
fechamento, entretanto, tem uma alta demanda computacional. A simulação de grandes
escalas (SGE) é mais econômica do ponto de vista computacional que a SND. No en-
tanto, também possui o problema de fechamento das equações filtradas. De maneira
geral, pode-se dizer que não há nenhum método que suplante todos os outros em to-
dos os aspectos, e sim que cada um é recomendado para uma determinada aplicação.
Além disso, a disponibilidade de recursos computacionais também influencia na escolha
do método a ser empregado. O método MAL pretende contribuir para a evolução da
Dinâmica dos Fluidos Computacional, sendo mais uma opção para a solução numérica
de problemas de escoamentos em camadas limites.
O método MAL baseia-se na hipótese de que os movimentos nas pequenas escalas
são responsáveis pela uniformização de propriedades físicas em porções infinitesimais
166
de fluido, por meio de mistura. Tal uniformização é representada matematicamente por
um operador linear de média, que quando aplicado a uma propriedade de uma porção
infinitesimal de fluido, acompanhando o seu deslocamento, produz a chamada média
amostral lagrangeana. A proposta do método é reduzir o número de graus de liberdade
necessários para a representação do escoamento, sem a criação de incógnitas adicionais,
evitando a não-linearidade característica dos métodos que empregam o referencial eule-
riano.
Ao se aplicar o método MAL às equações de Navier-Stokes, no referencial lagrangeano,
para um escoamento incompressível, observou-se que a forma funcional das equações
não se alterou, mantendo o número de incógnitas igual ao das equações disponíveis, tor-
nando desnecesário o uso de esquemas de fechamento da turbulência. Ao mesmo tempo,
houve agregação do sistema representado pelas equações de Navier-Stokes, reduzindo o
número de graus de liberdade do problema.
Uma vez que as equações agregadas resultantes da aplicação do método empregam o
referencial lagrangeano, é necessário adotar um método numérico compatível com esse
referencial. Para tal, foi adotado o método numérico semi-lagrangeano, cujas principais
características e propriedades foram apresentadas de forma sucinta.
Na conceituação do método MAL não foi feita distinção na sua aplicabilidade a es-
coamentos em baixos ou altos números de Reynolds. Logo, para validá-lo, é necessário
empregar o método nesses diferentes regimes de escoamento. Este trabalho enfocou a
aplicação do método MAL na solução de problemas de camada limite bidimensionais,
num primeiro esforço para a sua validação. O objetivo era verificar se as simulações
numéricas seriam capazes de replicar as principais características de diferentes escoa-
mentos, sem haver a pretensão de reproduzir completamente escoamentos reais, uma vez
que os problemas foram restritos a apenas duas dimensões.
O primeiro problema abordado foi o do escoamento ao longo de uma placa plana em
regime laminar. Como referência para comparação foi utilizada a solução de Blasius,
que se baseia nas hipóteses das equações da camada limite de Prandtl; e relações em-
167
píricas de coeficiente de arrasto e medidas de espessura da camada limite. Foi possível
observar que a propriedade de auto-similaridade dos perfis transversais de velocidade
foi bem representada. Os perfis simulados não foram coincidentes com a solução de
Blasius, pois as condições das simulações não foram exatamente as mesmas das hipóte-
ses da solução analítica. Uma diferença importante refere-se ao gradiente horizontal
de pressão das simulações, que não foi prescrito como nulo. Apesar disso, as soluções
numéricas e analíticas foram semelhantes. Os valores de espessura da camada limite e de
coeficiente de arrasto, que são de interesse para a aplicações em engenharia, mostraram
diferenças relativas de 11.3 % e 11.5 %, respectivamente, em relação a valores semi-
empíricos, quando o fluido simulado foi água. No caso em que o fluido simulado no
escoamento era ar, as diferenças relativas tiveram valores iguais a 1.95 % e 7.85 %, res-
pectivamente. Apesar das diferenças, a estrutura vertical da componente longitudinal da
velocidade mostrou uma boa consistência com valores obtidos experimentalmente, como
foi mostrado na comparação da espessuras da camada limte, que sintetizam a distribuição
vertical deu por meio de integrais na direção normal à placa plana.
Em seguida foi abordado o problema do escoamento em uma esteira a juzante de um
corpo gerador de turbulência. Para validação da simulação foram usados como referên-
cia os resultados do trabalho de Wygnanskiet al. Buscou-se verificar se a simulação
seria capaz de reproduzir o perfil dedéficit da componente longitudinal de velocidade
obtido experimentalmente, bem como a auto-similaridade deses perfis. Os resultados
obtidos podem ser considerados como satisfatórios, pois houve uma boa concordância
dos perfis dedéficit de u simulados com o experimental, bem como foi verificada a
auto-similaridade dos mesmos. Nesse experimento e nos que se seguiram procurou-se,
também, avaliar como o método MAL afetaria as flutuações de alta frequência do es-
coamento, e como o processo de filtragem implícito no conceito de média amostral iria
influenciar no espectro de energia do escoamento. Para tal, foi feita a análise espectral
das componentesu e v em pontos selecionados no domínio computacional. Os espec-
tros de energia mostraram a presença de cascata de energia direta na componenteu. Nos
168
espectros da componentev observou-se que na parte interior da esteira havia cascata de
energia direta nas menores escalas e cascata de energia inversa nas maiores escalas. Na
periferia da esteira observou-se apenas a cascata direta de energia. Esse resultado é rele-
vante pelo fato do método MAL ter se mostrado estável na presença de cascata inversa
de energia.
A validação do método MAL prosseguiu enfocando o problema do escoamento em
um jato plano. Os aspectos a serem avaliados nas simulações eram a habilidade em
reproduzir a variação da componente longitudinal da velocidade no centro do jato,U0,
proporcional ax−1/2, e a variação da espessura do jato,δ, proporcional ax, ambas ca-
racterísticas de jatos turbulentos. Além disso, seriam verificadas a reprodução do perfil
transversal deu empírico, obtido experimentalmente por Bradbury, e a auto-preservação
do escoamento ao longo da direção longitudinal. A análise dos resultados mostrou que
o método MAL conseguiu replicar as relações de proporcionalidade deU0 e δ citadas
acima, em uma parte razoável do domínio. Os perfis deu normalizados da simulação
mostraram ser auto-similares e tiveram uma boa concordância com o perfil empírico de
Bradbury. Os espectros de energia deu e v em três pontos do domínio, posicionados no
eixo central do jato, mostraram subregiões inerciais onde havia cascata direta de energia.
Além disso, a comparação dos perfis indicou a existência de homogeneidade longitudinal
ao longo do eixo do jato, bem como a não existência de isotropia no escoamento.
O próximo problema abordado para a validação do método MAL foi do escoamento
em uma camada de mistura. As referências para validação do método foram as pro-
priedades das camadas de mistura apresentadas por Pope, e resultados experimentais
de Wygnanski e Fiedler, Champagneet al., eRogers e Moser. Na primeira simulação
realizada, as velocidades das correntes da camada de mistura eram bem distintas, e o
gradiente horizontal de pressão de fundo era nulo. Os resultados obtidos mostraram que
a simulação foi capaz de reproduzir as seguintes características das camadas de mis-
tura turbulentas: a espessura da camada de mistura variava linearmente em relação à
direçãox; havia um maior desenvolvimento da camada de mistura no sentido da região
169
com velocidades mais baixas; e os perfis transversais da componente de velocidadeu
normalizados eram auto-similares. Foram realizadas, também, simulações com as mes-
mas velocidades nas correntes, porém com gradientes de pressão de fundo favorável e
adverso. Observou-se que na condição da força de gradiente de pressão favorável ao es-
coamento, a espessura da camada de mistura aumentava mais rapidamente na direçãox
que na situação de gradiente nulo. Na situação de gradiente adverso o crescimento da
camada de mistura foi mais lento na direção longitudinal que na situação de gradiente
favorável. É também importante destacar o fato da simulação com o gradiente de pressão
adverso não ter apresentado qualquer instabilidade numérica. Foi também realizada uma
simulação em que a diferença nas velocidades das correntes da camada de mistura era
relativamente pequena, a fim de verificar se os perfis transversais deu iriam se aproximar
de uma situação de simetria em relação ao eixo central da camada de mistura, o que foi
efetivamente observado. Esses perfis também mostraram ser auto-similares. Foi feita a
análise do espectro de energia deu e v em três pontos localizados no eixo central da ca-
mada de mistura. Os espectros de energia deu nos três pontos mostraram uma pequena
subregião inercial com cascata de energia direta, além de indicarem homogeneidade ao
longo da direção longitudinal. Os espectros de energia dev, por sua vez, mostraram uma
ampla subregião inercial, com cascata de energia direta nas menores escalas. Os pontos
localizados no centro e no final do domínio mostraram também subregiões inerciais nas
maiores escalas com característica de cascata inversa de energia. Os espectros também
indicavam homogeneidade dev ao longo da direçãox.
Os três últimos problemas citados acima trataram de escoamentos cizalhantes livres.
É importante também avaliar a aplicabilidade do método MAL na simulação de es-
coamentos turbulentos na presença de fronteiras sólidas. Com esse fim foram realiza-
dos experimentos simulando escoamentos turbulentos em canais planos, em número de
Reynolds relativamente baixo (Reτ = 237), e moderados (Reτ = 409 eReτ = 517). O
problema do escoamento turbulento em um canal vem sendo utilizado frequentemente
para estudos teóricos dos mecanismos da turbulência, bem como para a validação de
170
métodos numéricos e modelos de turbulência. Neste trabalho, diferentemente do pro-
cedimento normalmente adotado na simulação numérica de escoamentos em canais, não
foram utilizadas condições de contorno periódicas na direção longitudinal. Em vez disso,
foi prescrito um perfil de velocidade laminar na fronteira de entrada do canal. Para a vali-
dar os resultados da simulação, foram utilizados como referência os resultados do estudo
de Kimet al., no qual foi simulado um escoamento em canal emReτ = 180; do estudo de
Moseret al., que simularam escoamentos em canais emReτ = 395 eReτ = 590; e a lei
da parede. Nas simulações com o método MAL, os números de Reynolds característicos
medidos na abscissa do meio do domínio foramReτ = 237,Reτ = 409, eReτ = 517. As
simulações foram capazes de reproduzir a transição do escoamento do regime laminar,
da entrada do canal, para o regime turbulento. Isto pôde ser verificado pela análise do
campo deu , onde as isótacas aproximavam-se das paredes do canal ao longo da direção
x. Além disso, os perfis transversais deu e o perfil longitudinal do fator de formaH12
confirmaram a transição. Na primeira simulação foram comparadas variáveis do escoa-
mento calculadas em uma posição do canal, com as da simulação de Kimet al.; e nas
duas simulações em números de Reynolds moderados compararam-se valores da relação
Um/Uc e do coeficiente de atritoCf com valores obtidos com as fórmulas de Dean. Nas
três simulações verificou-se uma boa concordância nos valores das variáveis analisadas.
Na simulação emReτ = 237 os perfis deu normalizados próximo à parede mostraram
uma boa concordância com as funções da lei da parede, em cinco pontos do domínio.
Nas simulações emReτ = 409 eReτ = 517 não houve coincidência dos perfis deu+ com
a lei logarítmica. Entretanto, ambas simulações apresentaram regiões nos perfis deu+
que acompanhavam a tendência da função logarítmica. A extensão dessas regiões tam-
bém aumentou para valores maiores deReτ . É importante citar que apesar da resolução
espacial ser relativamente baixa, com o primeiro ponto de grade acima da parede estando
posicionado nas três simulações emy+ ≈ 4.7, y+ ≈ 6.0, ey+ ≈ 6.8, respectivamente,
o método MAL conseguiu reproduzir adequadamente a presença da subcamada viscosa,
sem ser empregado qualquer modelo ou função de atenuação naquela parte do domínio.
171
Na simulação emReτ = 237 foi feita a análise dos espectros de energia das componentes
u ev em três pontos de grade localizados na subcamada viscosa, na camada intermediária,
e na camada de superposição, respectivamente. Os espectros da componenteu nos três
pontos analisados não apresentaram de forma clara a presença de subregiões inerciais
significativas. Os espectros da componentev, no entanto, apresentaram subregiões iner-
ciais com cascata direta de energia nos pontos localizados na camada intermediária e
na camada logarítmica. A comparação dos perfis deu e v também indicou que não há
isotropia nas menores escalas do escoamento.
Uma característica relevante das simulações com o método MAL foi a demanda com-
putacional relativamente baixa. Todos os experimentos foram realizados em um com-
putador pessoal de desempenho modesto, e foram requeridos tempos de CPU razoáveis
para as simulações, mesmo considerando que os escoamentos tinham a representação
limitada a duas dimensões.
Também é importante comentar a estabilidade numérica do método, que se observou
em todos os experimentos, destacando-se, particularmente, a ausência de instabilidade
não-linear por efeitos dealiasing,e a não propagação de erros causados por gradientes
acentuados nas variáveis, que poderiam contaminar as soluções de forma generalizada
no domínio computacional, o que não ocorreu. Uma outra característica do método é a
simplicidade na sua implementação.
Com base nos resultados obtidos, conclui-se que, nos problemas enfocados neste
trabalho, foi comprovada a validade da hipótese que interpreta os mecanismos viscosos
e turbulentos nas pequenas escalas dos escoamentos como agindo em um processo de
mistura das propriedades do fluido. Esse processo é representado matematicamente por
um operador linear de média, que permite agregar o sistema expresso pelas equações de
Navier-Stokes no referencial lagrangeano, sem a ocorrência do problema de fechamento.
O bom desempenho do método MAL verificado neste estudo sugere que ele pode ser
competitivo com outros métodos atualmente aplicados na simulação numérica de proble-
mas de camada limite.
172
Para futuros trabalhos sobre o método da Média Amostral Lagrangeana, sugere-se
que sejam abordados os seguintes tópicos: estudo do impacto causado pelo emprego de
grades de resolução variável; aplicação para escoamentos tridimensionais geometrica-
mente simples, com análise das estruturas turbulentas simuladas; simulação de escoa-
mentos bidimensionais em que haja o acoplamento dos campos de quantidade de movi-
mento e temperatura; simulação de escoamentos bidimensionais em geometrias mais
complexas, como o problema da expansão brusca e aerofólios; e aplicação em proces-
sos de camadas limites geofísicas bidimensionais, na interface oceano-atmosfera.
173
Apêndice A
CONCEITOS, DEFINIÇÕES E
EQUAÇÕES BÁSICAS SOBRE
ESCOAMENTOS EM CAMADAS
LIMITES
Neste apêndice, serão apresentados, de forma sucinta, alguns conceitos, definições e
equações básicas relativas a escoamentos em camadas limites, para facilidade de referên-
cia do leitor. Não se pretende fazer uma revisão exaustiva sobre o assunto, mas apenas
abordar os aspectos que são utilizados como referência ao longo deste trabalho.
A.1 As Equações de Navier-Stokes (N-S)
Neste item serão apresentadas as equações de Navier-Stokes (N-S) em forma diferencial,
tendo como referência Cebeci e Cousteix [4]. As equações são obtidas em relação a
um volume de controle que se move ao longo de uma linha de corrente, com o vetor
velocidade−→V (u, v, w)igual à velocidade do escoamento em cada ponto. A velocidade em
qualquer ponto do escoamento é menor que 100 m/s (número de Mach aproximadamente
0.3), o que permite considerar o fluido incompressível [2]. Com base nestas premissas,
174
as equações de N-S para um escoamento tridimensional são as seguintes:
Equação da continudade:
∂u
∂x+∂v
∂y+∂w
∂z= 0 (A.1)
Componentex da equação da quantidade de movimento:
ρDu
Dt= −∂p
∂x+
(σxx∂x
+σxy∂y
+σxz∂z
)+ ρfx (A.2)
Componentey da equação da quantidade de movimento:
ρDv
Dt= −∂p
∂y+
(σyx∂x
+σyy∂y
+σyz∂z
)+ ρfy (A.3)
Componentez da equação da quantidade de movimento:
ρDw
Dt= −∂p
∂z+
(σzx∂x
+σzy∂y
+σzz∂z
)+ ρfz (A.4)
D/Dt representa a derivada substantiva ou material, e é expressa como:
D( )
Dt=∂( )
∂t+ u
∂( )
∂x+ v
∂( )
∂y+ w
∂( )
∂z=∂( )
∂t+−→V • 5( ) (A.5)
Os eixosx, y e z são ortogonais, com o eixox posicionado na horizontal, o eixoy
na vertical e o eixoz perpendicular aos dois anteriores[24];u, ve w são as componentes
do vetor velocidade ao longo dex, y e z, respectivamente; p representa a pressão;σ
representa as tensões, com o primeiro subscrito representando a direção da tensão e o
segundo a direção da normal à superfície do volume de controle;ρ representa a densidade
do fluido ef representa a resultante de outras forças de corpo, por unidade de volume.
Por conveniência, os termos viscosos podem ser expressos nas equações de quanti-
dade de movimento em notação tensorial, como:
∂σij∂xj
(A.6)
175
com i,j = 1, 2 e 3 para escoamentos tridimensionais. Para fluidos newtonianos viscosos
incompressíveis, as tensões viscosas normaisσij(i = j) e as tensões de cizalhamento
σij(i 6= j) são obtidas a partir dotensor de tensões viscosas, dado por:
σij = µ
(∂ui∂xj
+∂uj∂xi
)(A.7)
ondeµ representa a viscosidade dinâmica do fluido. Pode-se expressar a equação (A.7)
como :
σij = 2µSij (A.8)
onde o tensor de razão de deformaçãoSij é definido por:
Sij =1
2
(∂ui∂xj
+∂uj∂xi
)(A.9)
Utilizando (A.7) as tensões viscosas normalσxx e de cizalhamentoσxy e σxz na
equação (A.2) podem ser expressas como:
σxx = 2µ∂u
∂x, σxy = µ
(∂u
∂y+∂v
∂x
), σxz = µ
(∂u
∂z+∂w
∂x
)(A.10)
com formas semelhantes para a expressão dos termos de tensões viscosas nas equações
(A.3) e (A.4).
A aplicação de (A.7) simplifica consideravelmente as equações N-S. Por exemplo, a
equação (A.2) para um fluido newtoniano, desprezando a existência de outras forças de
corpo, pode ser escrita como:
Du
Dt= −1
ρ
∂p
∂x+ ν 52 u (A.11)
ondeν = µ/ρ representa a viscosidade cinemática do fluido. Expressões semelhantes
podem ser obtidas para as componentesy e z, em (A.3) e (A.4), respectivamente. Em
forma vetorial, as equações de quantidade de movimento podem ser expressas como:
176
D−→V
Dt= −1
ρ5 p+ ν 52 −→V (A.12)
com52 representando o operador laplaciano:
52 ≡ ∂2
∂x2+
∂2
∂y2+
∂2
∂z2
A.2 Médias das Equações de N-S
As equações de N-S apresentadas no subitem anterior aplicam-se tanto aos escoamentos
laminares quanto aos turbulentos, se os valores das propriedades do fluido e das variáveis
dependentes forem substituídos por seus valores instantâneos. Uma abordagem direta
é resolver as equações para um escoamento com condições de contorno específicas e
valores iniciais para as variáveis que têm seus valores modificados ao longo do tempo.
Na maior parte das aplicações é necessário obter valores médios das variáveis, de modo
que torna-se necessário um conjunto de soluções das equações para posterior obtenção
da média. Devido ao fato dos movimentos não estacionários das estruturas turbulentas
aparecerem em uma larga faixa de escalas, esse procedimento torna-se difícil e muito
custoso do ponto de vista computacional, mesmo para escoamentos caracterizados por
baixos números de Reynolds [4]. Uma outra importante característica de um escoamento
turbulento é a presença de violentas flutuações, dificultando a sua descrição [74]. O
procedimento normalmente adotado é o de se obter médias das equações, ao invés de
serem obtidas médias de suas soluções. Este procedimento foi introduzido por Reynolds
[75], citado por Wilcox [6].
As médias das equações podem ser referidas com respeito ao tempo ou ao espaço.
Usando como exemplo a componenteu da velocidade, escrevemos seu valor instantâneo
como1:1Esta descrição é válida para escoamentos laminares ou turbulentos. No primeiro caso o termo das
perturbações será desprezível.
177
u(x, t) = U + u′(x, t) (A.13)
comU indicando um valor médio eu′ representando uma flutuação instantânea, de forma
queu′ = 0.2
Pode-se adotar diferentes métodos para a obtenção da média indicada acima. No
caso de escoamentos estacionários, pode-se utilizar médias com relação ao tempo. Caso
a turbulência seja homogênea, as médias podem ser tomadas com relação ao espaço.
Finalmente, as médias podem ser obtidas a partir de um grande número de experimentos
realizados sob as mesmas condições iniciais e de contorno. Neste caso tem-se uma média
de conjunto, obtendo-se uma estimativa do valor esperado da variável. Esses métodos
podem ser expressos matematicamente da seguinte forma [74]:
Média temporal:
U t(x) = limT→∞
1
2T
∫ T
−Tu(x, t)dt (A.14)
Média espacial:
U s(t) = limx→∞
1
2X
∫ X
−Xu(x, t)dx (A.15)
que pode ser generalizada para três dimensões, como média volumétrica [6]:
U v(t) = limV ol→∞
1
V ol
∫ ∫ ∫u(−→x , t)dV ol (A.16)
onde−→x eVol representam o vetor posição e o volume do elemento de fluido, respectiva-
mente.
Valor esperado de uma variável aleatória para uma repetição deN experimentos [74]:
U e(x, t) =
N∑n=1
un(x, t)
N(A.17)
2Fica convencionado que a aplicação de um dos operadores de média definidos neste subitem a umavariável será simbolizada pela representação de uma barra sobre ela.
178
Para a turbulência estacionária e homogênea pode-se considerar que os processos de
obtenção de média levem ao mesmo resultado:
U t(x) = U s(t) = U e(x, t) (A.18)
Este resultado é conhecido como ahipótese ergótica[74].
O processo de obtenção de média pode ser associado à aplicação de um filtro que
elimina flutuações de pequeno comprimento de onda ou de alta frequência. Consequente-
mente, está sendo reduzido o número de graus de liberdade do sistema, descrevendo-se o
fluido de uma forma mais agregada do que aquela expressa pelas equações originais não
filtradas.
É importante ressaltar que, de maneira geral, os escoamentos reais não são esta-
cionários nem homogêneos. Além disso, na prática, a aplicação da média com respeito
ao tempo e ao espaço não pode ser realizada para valores infinitos deT, X ouVol.
Existem casos em que o escoamento médio apresenta variáveis cujos valores se al-
teram lentamente ao longo do tempo, por processos que não possuem natureza turbulenta.
Nessas situações, as equações (A.13) e (A.14) devem ser modificadas de forma a conside-
rarem as variações temporais da média. Uma forma simples, embora arbitrária [6], de se
introduzir essas modificações é considerar:
u(x, t) = U(x, t) + u′(x, t) (A.19)
U t(x, t) =1
2T
∫ T
−Tu(x, t)dt, T1 � T � T2 (A.20)
ondeT1 é o período máximo das flutuações de velocidade eT2 é a escala de tempo
característica das variações lentas do fluido, que não são consideradas como de natureza
turbulenta.
Sobre a escolha das escalas de tempoT1 e T2, destaca-se o fato de que, implicita-
mente, está sendo considerada uma diferença de várias ordens de grandeza entre essas
179
escalas, ou seja, a existência de umhiato ou lacuna espectral[6]. Há escoamentos que
não apresentam um hiato espectral, não possuindo uma clara separação entre as escalas
[5]. Nesses casos as componentes média e flutuante em (A.19) estarão correlacionadas,
ou seja, a média temporal de seus produtos não será nula [6] . Uma vez que a maior
parte das análises de turbulência baseia-se na separação de escalas para simplificação do
problema, as situações onde o hiato espectral não esteja bem definido podem não ser
apropriadamente representadas quando baseadas nessa condição.
A partir desse ponto, apenas o método da média temporal será considerado, uma
vez que é o mais largamente utilizado nos estudos dos escoamentos turbulentos. Con-
siderando:
a = A+ a′
b = B + b′
as seguintes propriedades são válidas para o operador de média temporal definido pela
equação (A.13) :
a = A+ a′ = A+ a′ = A; a′ = 0 (A.21)
AB = AB = AB (A.22)
Ab′ = Ab′ = 0; b′ = 0 (A.23)
ab = (A+ a′)(B + b′) = AB + Ab′ +Ba′ + a′b′ = AB + a′b′ (A.24)
A aplicação do operador de média temporal, que involve integrais no tempo, comuta
180
com a diferenciação espacial. Como exemplo:
∂u
∂x=∂u
∂x(A.25)
A média temporal de um termo não estacionário, como∂u/∂t, será zero para a tur-
bulência estacionária. No caso de turbulência não estacionária, a média temporal é obtida
a partir de [6]:
∂u(x, t)
∂t=
1
2T
∫ T
−T
∂u(x, t)
∂tdt =
1
2T
∫ T
−T
∂[U(x, t) + u′(x, t)]
∂tdt =
=U(x, T )− U(x,−T )
2T+u′(x, T )− u′(x,−T )
2T(A.26)
O segundo termo na expressão mais à direita na equação (A.26) pode ser desprezado,
desde que |u′| seja desprezível comparado a |U |. Uma vez que está sendo considerado que
T é muito menor que a escala de tempo característica do escoamento médio (T�T2), o
primeiro termo corresponde ao valor obtido no limiteT→ 0, ou seja∂U/∂T . Assim:
∂u(x, t)
∂t≈ ∂U
∂t(A.27)
Wilcox [6] chama atenção para o fato da aproximação |u′| � |U | ser questionável,
especialmente em escoamentos cizalhantes livres ou muito próximos a uma fronteira
sólida, sendo uma das complicações inerentes à turbulência, na qual as flutuações das
grandezas nem sempre serão pequenas em relação aos seus valores médios.
A propriedade expressa pela equação (A.24 ) indica que, de maneira geral, não há
razão para se considerar que a média do produto das flutuações de duas variáveis é igual
a zero. As grandezasa′ e b′ serão ditascorrelacionadassea′b′ 6= 0. Caso contrário
(a′b′ = 0) elas serão ditasnão correlacionadas[6]. As mesmas considerações são
extensíveis para produtos triplos de flutuações de variáveis.
Aplicando o operador de média à equação da continuidade (A.1) e às componentes
181
da equação de quantidade de movimento (A.12) em forma euleriana, pela aplicação da
equação (A.5), e desprezando-se os termos referentes às forças de corpo obtemos:
∂u
∂x+∂v
∂y+∂w
∂z= 0 (A.28)
ρDu
Dt= −∂p
∂x+ µ52 u− ρ
∂(u′2)
∂x− ρ
∂(u′v′)
∂y− ρ
∂(u′w′)
∂z(A.29)
ρDv
Dt= −∂p
∂y+ µ52 v − ρ
∂(v′u′)
∂x− ρ
∂(v′2)
∂y− ρ
∂(v′w′)
∂z(A.30)
ρDw
Dt= −∂p
∂z+ µ52 w − ρ
∂(w′u′)
∂x− ρ
∂(w′v′)
∂y− ρ
∂(w′2)
∂z(A.31)
conhecidas comoequações de Reynolds.
É prática comum se omitir as barras sobre as variáveisu, v, wep , para simplificação
das expressões. Neste caso a equação da continuidade é escrita de forma idêntica a (A.1).
Os lados esquerdos das equações de quantidade de movimento (A.29) a (A.31) ficam tam-
bém idênticos aos das respectivas componentes de (A.12). Os seus lados direitos ficam
semelhantes aos das equações componentes da equação (A.12), exceto pela inclusão de
termos de correlação de flutuações de velocidade chamados detensores de Reynolds, que
representam a contribuição da turbulência ao tensor de tensões viscosasσij. As equações
(A.2) a (A.4) podem ser aplicadas tanto a escoamentos laminares quanto a turbulentos se
o tensorσij for expresso como:
σij = −ρu′iu′j + µ
(∂ui∂xj
+∂uj∂xi
)(A.32)
ou
σij = σtij + σlij (A.33)
ondeσtij representa as tensões de Reynolds, eσlij representa o tensor das tensões viscosas,
expresso pela equação (A.7) para um fluido newtoniano. Comparando-se as equações
componentes de (A.12) com as equações (A.29) a (A.31) pode-se observar o surgimento
182
de incógnitas adicionais, quando da aplicação do operador de média aos termos não li-
neares. Para se solucionar este sistema é necessário obter equações adicionais para as
novas incógnitas, ou devem ser formuladas relações entre elas e as variáveis médias. A
obtenção dessas relações é a essência do problema de fechamento.
A.3 As Equações da Camada Limite
Uma das mais importantes contribuições à dinâmica dos fluidos foi feita por Prandtl
[76], citado por Schlichtinget al. [50], ao mostrar como as equações de N-S podem
ser simplificadas em situações onde as forças de atrito são muito pequenas, porém não
podem ser desprezadas completamente. Este item usará como referência Schlichtinget
al. [50].
Considere-se um escoamento plano de um fluido de muito baixa viscosidade, ao
longo de um corpo cilíndrico esguio. A ordem de grandeza característica das veloci-
dades é a do escoamento livreU , ou seja, afastado da vizinhança imediata da superfície
do corpo. A escala de comprimento característica do sistema é uma dimensão linearL
do corpo e a viscosidade cinemática do fluido éν. O número de ReynoldsRedefinido
como:
Re =UL
ν(A.34)
expressa a relação adimensional entre as forças de inércia e as forças viscosas.
Prandtl observou que, embora o aspecto das linhas de corrente e a distribuição de
velocidades no sistema descrito acima são quase idênticas àquelas de um escoamento
invíscido (escoamento potencial), o fluido não desliza ao longo da superfície do corpo,
mas adere à ela. Existe, portanto, uma transição de velocidade, de zero na superfície
do corpo, até a velocidade do escoamento livreU a uma certa distância da superfície.
Esta transição ocorre em uma camada muito fina chamadacamada limiteou camada de
fricção. Pode-se então definir duas regiões distintas, entre as quais não há uma separação
acentuada que possa ser claramente identificável:
183
1. A camada limite, uma camada muito fina adjacente à superfície do corpo, onde
o gradiente de velocidade normal à superfície do corpo∂u/∂y é muito grande.
Nessa camada, mesmo uma viscosidade dinâmicaµ pequena será importante, uma
vez que a tensão viscosa de cizalhamentoτ = µ∂u/∂y pode atingir valores con-
sideráveis.
2. A região remanescente, fora da camada limite, chamada deescoamento externo,
na qual não há gradientes de velocidade normais à superfície expressivos, de forma
que o efeito da viscosidade é desprezível. Nesta região considera-se o escoamento
como invíscido.
Pode-se provar que quanto menor a viscosidade do fluido, mais fina será a camada limite
ou, de forma geral, quanto maior for o número de ReynoldsRemenor será a espessura
da camada limiteδ, e que esta espessura é proporcional à raiz quadrada da viscosidade
cinemática:
δ ∝√ν (A.35)
Uma das premissas na qual se baseiam as simplificações das equações de N-S é que a
espessura da camada limiteδ é desprezível quando comparada à dimensão linear carac-
terística do corpoL, um fato observável experimentalmente:
δ � L (A.36)
Assim, as soluções das equações da camada limite têm um caráter assintótico para
valores grandes deRe. Utilizando a definição do número de Reynolds, a relação (A.35)
pode ser expressa em uma forma dimensionalmente correta como:
δ
L∼ 1√
Re(A.37)
ou seja, a espessura da camada limite tende a zero à medida queReaumenta.
Por meio de análise de escala podem ser obtidas simplificações nas equações de N-S,
184
no caso de serem buscadas soluções assintóticas para escoamentos com altos valores de
Re. Essas equações simplificadas são chamadasequações da camada limite. O desen-
volvimento detalhado para a obtenção das equações da camada limite é apresentado em
Schlichtinget al. [50].
As principais características das equações da camada limite são as seguintes:
1. Redução do número de incógnitas em relação às equações de N-S, com a pressão
passando a ser conhecida a partir do escoamento externo;
2. Eliminação da equação da quantidade de movimento na direçãoy;
3. Alteração na equação da quantidade de movimento na direçãox, tornando necessária
apenas uma condição de contorno emx, o que facilita sua solução numérica; e
4. As equações passam a ser independentes deRe. Uma vez obtida a solução, ela será
válida para quaisquer escoamentos com altos números de Reynolds.
Como resultado final, as equações da camada limite podem ser escritas em forma dimen-
sional:∂u
∂x+∂v
∂y= 0 (A.38)
∂u
∂t+ u
∂u
∂x+ v
∂u
∂y= −1
ρ
∂p
∂x+ ν
∂2u
∂y2(A.39)
e condições de contorno:
y = 0 : u = 0, v = 0
y →∞ : u = U(x, t).(A.40)
Para o escoamento externo teremos:
∂U
∂t+ U
∂U
∂x= −1
ρ
∂p
∂x(A.41)
185
Para escoamentos estacionários, teremos as seguintes equações:
∂u
∂x+∂v
∂y= 0 (A.42)
u∂u
∂x+ v
∂u
∂y= −1
ρ
∂p
∂x+ ν
∂2u
∂y2(A.43)
e condições de contorno
y = 0 : u = 0, v = 0
y →∞ : u = U(x).(A.44)
No escoamento externo teremos:
U∂U
∂x= −1
ρ
∂p
∂x(A.45)
A.4 Escalas Turbulentas de Kolmogorov
A turbulência é considerada como um fenômeno do contínuo, em virtude das menores
escalas da turbulência serem muito maiores que qualquer escala espacial molecular [6].
Para se estimar a ordem de grandeza das menores escalas da turbulência recorre-se à
análise dimensional, com base na física da turbulência em escalas muito pequenas.
O processo decascata de energiapresente nos escoamentos turbulentos envolve a
transferência deenergia cinética turbulenta(por unidade de massa)k, das maiores es-
truturas turbilhonares para as menores. A energia cinética é dissipada por meio da ação
da viscosidade molecular que ocorre na escala das menores estruturas turbulentas. É
razoável supor que os movimentos nas pequenas escalas espaciais ocorrem em escalas
temporais também pequenas, independentemente da dinâmica das maiores estruturas tur-
bilhonares e do escoamento médio. Logo, as menores estruturas estariam em um estado
onde a razão de recebimento de energia cinética das maiores estruturas turbilhonares se-
ria quase igual à razão com que as menores estruturas dissipam energia. Esta hipótese faz
parte dateoria universal do equilíbriode Kolmogorov [77] citado por Wilcox [6]. Com
186
base nela, pode-se dizer que o movimento nas menores escalas depende da razão de supri-
mento de energia pelas maiores estruturasε = −dk/dt, e da viscosidade cinemáticaν.
Considerando-seε (cujas dimensões sãocomprimento2/tempo3) e ν (cujas dimensões
sãocomprimento2/tempo) como as quantidades dimensionais relevantes, formam-se as
seguintes escalas características de comprimento (η), tempo (τ ), e velocidade (υ):
η ≡(ν3
ε
) 14 , τ ≡
(νε
) 12 , υ ≡ (νε)
14 (A.46)
conhecidas comoescalas de Kolmogorovde comprimento, tempo e velocidade, respecti-
vamente.
Considerando-se ainda que a turbulência é significativamente conduzida pelas maiores
estruturas turbilhonares, que fornecem energia para as menores escalas, pode-se supor
que existe, também, uma escala espacial característica das grandes estruturas turbilho-
naresl. Para escoamentos em altos números de Reynolds, a análise dimensional sugere
(e medições confirmam [6]) quek pode ser expresso em termos deε e del como:
ε ∼ k32
l⇒ k ∼ (εl)
23 (A.47)
A escala de comprimentol serve de base para a elaboração da maior parte dos mo-
delos de turbulência. Em muitos deles, considera-se, que há uma grande separação de
escalas, ou seja:
l� η. (A.48)
A.5 Representação do Espectro Unidimensional da Tur-
bulência
A distribuição da energia cinética turbulentak em um escoamento pode ser representada
pelo espectro de energiaE(−→K ), onde
−→K é o vetor número de onda. Se a turbulência for
isotrópica, o espectro de energia independe da orientação do vetor−→K , e será função ape-
187
nas da magnitudeK do vetor número de onda. O inverso do número de ondaK pode ser
interpretado como a escala de comprimento típica de um vórtice turbulento correspon-
dente a aquele número de onda [2, 6]. Assim, os maiores vórtices corresponderão aos
menores números de onda e vice-versa.
Considerando a turbulência isotrópica, seE(K) dK for a energia cinética turbulenta
contida entre os números de ondaK eK+dK, teremos:
k =∫ ∞
0E(K)dK (A.49)
Considerando que a turbulência é fortemente conduzida pelas maiores escalas, pode-
se esperar que, para os correspondentes números de onda nessa região do espectro,E(K)
seja função do comprimento característicol desses vórtices, e da razão de deformação
média do escoamento, que fornece energia para a turbulência por meio da interação entre
o escoamento médio e os vórtices nas grandes escalas.
Nas escalas relativamente pequenas não há interação direta entre a turbulência e o
movimento nas maiores escalas. Isto ocorre porque as pequenas escalas são geradas por
uma série de pequenos estágios , oucascata de energia[1], perdendo informação em cada
estágio. Assim, nas menores escalas, espera-se que o espectro de energia não dependa de
l. Uma vez que a turbulência é sempre dissipativa, pode-se esperar queE(K) dependa de
ν e ε. Logo, podemos escrever:
E = E(K, ν, ε), K � l−1 (A.50)
A região de números de ondaK � l−1 é conhecida comoregião de equilíbrio. A
região do espectro ondeK ' η−1 , na qual predominam os efeitos viscosos que são
responsáveis pela dissipação da energia cinética turbulenta, o espectro cai rapidamente.
Esta região é conhecida comoregião viscosa, formando o extremo final da região de
equilíbrio.
Uma das hipóteses principais na teoria universal do equilíbrio de Kolmogorov é que
188
em escoamentos com números de Reynolds elevados existe uma grande separação de
escalas no espectro de energia, o que implica eml � η.
Para se analisar a relaçãol/η, inicialmente utiliza-se a definição da escala de compri-
mento de Kolmogorov das equações (A.46) :
l
η=
l(ν3
ε
) 14
(A.51)
Utilizando-se na expressão acima a equação (A.47), que é válida para escoamentos
em altos números de Reynolds, tem-se:
l
η=
l(ν3
ε
) 14
∼l(k
32
l
) 14
ν34
∼ Re34T , ReT ≡
k12 l
ν(A.52)
ondeReT é o número de Reynolds da turbulência[6]. Dessa forma, a condição para
l� η será obtida quando houver altos valores no número de Reynolds da turbulência, ou
sejaReT � 1.
Logo, em escoamentos com altoReT haverá uma região entre as menores e maiores
escalas de comprimento de vórtices na qual o processo de cascata de energia será in-
dependente da estatística dos maiores vórtices, que recebem energia da interação com
o escoamento médio, ignorando-se portanto a dependência del e da razão deformação
média. Essa região será também independente dos efeitos de viscosidade molecular,
ignorando-se portantoν. Assim, nessa regiãoE(K) dependerá apenas deε e, obviamente
deK. A região do espectrol−1 � K � η−1 na qual prevalecem essas condições, situada
na extremidade inicial da região de equilíbrio, é chamada desubregião inercial. Esta de-
nominação vem do fato de nessa região preponderar a transferência de energia por efeitos
inerciais, e da produção e dissipação de energia cinética turbulenta serem pequenas. Note
que embora a dissipaçãoε seja pequena, o espectro depende dela, uma vez que a energia
que é dissipada deve ser transferida ao longo da subregião inercial, dos menores para os
maiores números de onda.
189
Figura A.1: Representação esquemática do espectro de energia para um escoamento tur-bulento. As escalas dos eixos são logarítmicas.
A produção de energia cinética pelos vórtices nas grandes escalas causa um máximo
emE(K) em um valorK ' l−1, enquanto a dissipação viscosa causa uma brusca queda
no espectro emK ' η−1.
Baseando-se em argumentos de análise dimensional, Kolmogorov deduziu a seguinte
relação:
E(K) = CKε23K− 5
3 , l−1 � K � η−1 (A.53)
ondeCK é aconstante de Kolmogorov.
A equação (A.53) é conhecida como alei de Kolmogorov deK− 53 . Para escoamen-
tos em altos números de Reynolds, onde há uma significativa separação de escalas, a
subregião inercial será bem ampla. A existência da subregião inercial já foi verificada
em numerosos experimentos e simulações numéricas [6], e é considerado um dos mais
importantes resultados da teoria da turbulência [2]. Na figura A.1 é representado esque-
maticamente o espectro unidimensional de energia para um escoamento turbulento.
190
A.6 Turbulência Bidimensional
Este trabalho abordará apenas escoamentos em duas dimensões. É, portanto, apropriado,
resumir alguns dos aspectos mais relevantes da turbulência bidimensional, que apresenta
algumas características significativamente diferentes da turbulência tridimensional.
A expressãoturbulência bidimensional (2D)refere-se ao estudo de soluções em altos
Redas equações de N-S (equações A.1 a A.4), dependendo apenas de duas coordenadas
cartesianas, no casox ey.
Um dos trabalhos pioneiros sobre turbulência bidimensional, da autoria de Kraichnan
[78], foi motivado pela possível aplicação no estudo de escoamentos meteorológicos em
escalas intermediárias (sinóticas). Frisch [79] apresenta como exemplos de importantes
escoamentos geofísicos reais onde a turbulência bidimensional é relevante, as correntes
oceânicas, o movimento de vórtices intensos como os ciclones tropicais e os movimen-
tos de grande escala das atmosferas planetárias. Vorobieff e Ecke [80] citam que, embora
haja importantes diferenças entre a turbulência em duas e três dimensões (3D), uma outra
motivação para os primeiros estudos teóricos da turbulência foi o interesse em escoamen-
tos tridimensionais, particularmente a sua simulação numérica. Devido às dificuldades
inerentes a esse tipo de simulação, os pesquisadores começaram a estudar problemas
bidimensionais por sua maior simplicidade, o que facilitaria a análise teórica, bem como
a simulação numérica e a visualização e interpretação de resultados.
Definindo-se o campo de velocidade comoui = (u, v, 0) e o campo de vorticidade
ωi = (0, 0, ω), as equações de N-S podem ser escritas como [81]:
∂ω
∂t+∇ • (uiω) = ν 52 ω (A.54)
onde
ωi = 5× ui (A.55)
e
5 • ui = 0 (A.56)
191
O lado esquerdo de (A.54) representa a variação temporal da vorticidade para um
elemento material do escoamento, e no lado direito da equação o único termo presente
é o difusivo. Como não existe o termo de extensão das linhas de vorticidade, que con-
tribui para a variação da vorticidade de um elemento material, um aspecto essencial da
turbulência 3D é perdido na representação em duas dimensões [79].
A partir de (A.54),(A.55) e (A.56) pode-se obter as seguintes expressões para a
evolução temporal da média quadrática da velocidade (2×energia cinética)u2i e da média
quadrática da vorticidade (2×enstrofia)ω2:
du2i
dt= −2νω2 (A.57)
edω2
dt= −2ν(5ω)2 (A.58)
Na turbulência 3D a redução da viscosidadeν, sem mudança nas condições de pro-
dução da turbulência, conduz ao aumento da enstrofia, pois a difusão viscosa da vorti-
cidade também será reduzida, facilitando a extensão das linhas de vorticidade. Por essa
razão, em turbulência 3D, a razão de transferência de energia permanece diferente de
zero no limite invíscido (ν → 0). Em duas dimensões, entretanto, isso não ocorre. A
equação (A.58) mostra que a enstrofia varia no tempo apenas devido aos efeitos viscosos,
podendo apenas diminuir com o tempo. Assim, no limite invíscido, a razão de transfe-
rência de energia será nula para quaisquer valores iniciais finitos de energia cinética e
enstrofia.
Com relação à dissipação da enstrofia, Batchelor [82], citado por Chasnov [81],
propôs que a equação (A.58) pode ser singular no limite invíscido, e a derivada temporal
da enstrofia pode não ser nula nessa limite.
Em seu estudo, Kraichnan [78] destaca que duas subregiões inerciais devem ser in-
vestigadas: uma de transferência de energia e outra de transferência de vorticidade.
No item A.5 foi apresentada a premissa de Kolmogorov de que na subregião inercial
192
o espectro de energiaE(K) depende apenas deK e ε, levando à relação descrita pela
equação (A.53), válida para duas e três dimensões. Kraichnan definiuη como sendo a
razão de transferência de enstrofia e propôs, alternativamente, que na subregião inercial
o espectro de enstrofia, definido como2K2E(K) , depende apenas deη e K, resultando
na relação,
E(K) = C ′η2/3K−3 (A.59)
ondeC ′ é uma constante.
O problema agora é a existência de duas equações associadas a subregiões inerciais
com comportamentos diferentes na inclinação do espectro de energia (-5/3 e -3). De
acordo com Kraichnan, essas subregiões podem existir simultaneamente no espectro de
energia da turbulência bidimensional. Ele argumenta que considerações teóricas e resul-
tados experimentais indicam que em turbulência 3D a cascata de energia na subregião
inercial ocorre no sentido dos menores para os maiores números de onda. A intensidade
da turbulência nos números de onda altos é suprimida pela viscosidade, sendo natural
esperar uma transferência líquida de energia para essa região do espectro a partir dos
números de onda mais baixos, fortemente excitados.
Em seu trabalho [78], Kraichnan demonstrou que em duas dimensões, entretanto, a
interação de tríades de modos em diferentes números de onda propagam a excitação no
espaço de números de onda tanto para os menores quanto para os maiores números de
onda. A existência da subregião -5/3 implica emε < 0, ou seja, existe umacascata
de energia inversa, dos maiores para os menores números de onda. Na subregião -3 a
cascata de vorticidade é direta, dos menores para os maiores números de onda (η > 0).
Dessa forma, a subregião inercial -5/3 serve para remover aenergiada região do
espectro onde há a entrada de energia no escoamento, transferindo-a para a região de
números de onda tendendo a zero, enquanto que a subregião inercial -3 transporta avor-
ticidadena direção da região de dissipação viscosa do espectro. Assim, ambas subregiões
podem coexistir no espectro de energia. Esses resultados são válidos para escoamentos
bidimensionais onde a turbulência é forçada. No caso turbulência não forçada (em decai-
193
mento), Bactchelor [82], citado por Rutgers [83], sugeriu a existência apenas do regime
da subregião inercial -3 .
No que se refere à real existência dessas subregiões inerciais, Kraichnan cita o seguinte
[78]:
“A lei da região inercial assintótica de -5/3 estrita não está estabelecida acima
de qualquer dúvida em escoamentos tridimensionais, e os argumentos para as
regiões de similaridade em duas dimensões são substancialmente menos se-
guros. O presente trabalho demonstrou algumas propriedades de consistên-
cia elementares, porém isto não prova que essas regiões de similaridade real-
mente existem.”
Frisch[79] cita diversos experimentos numéricos que obtiveram uma razoável represen-
tação do espectroK−3. Em alguns casos, entretanto, na avaliação daquele autor, “as
evidências não são muito fortes”.
Vorobieff e Ecke [80], utilizando escoamentos turbulentos bidimensionais forçados
em filmes de sabão obtiveram espectros de energia com inclinações próximas ao valor
previsto de -3 em uma faixa de números de onda abrangendo mais de uma década.
Chasnov[81], por sua vez, estudando o decaimento da turbulência 2D homogênea con-
seguiu simular numericamente espectros de energia com inclinações próximas a -3 na
subregião inercial . As regiões do espectro com esse comportamento foram menores
que as obtidas por Vorobieff e Ecke. Outro ponto relevante é que nas simulações rea-
lizadas comRemaiores a inclinação do espectro na subregião inercial foi ligeiramente
mais acentuada que o valor teórico de -3. Rutgers [83], também realizou experimentos
com escoamentos turbulentos em filmes de sabão. Em seu estudo, nos casos em que a
turbulência foi forçada, foram obtidos espectros de energia em que estavam presentes as
duas subregiões inerciais (-5/3 e -3). Nos experimentos de turbulência não forçada, foi
obtida apenas a subregião inercial com inclinação -3. Os resultados do estudo, de acordo
com o autor, foram as primeiras evidências experimentais que sustentaram os resultados
da teoria da turbulência bidimensional.
194
A.7 A Hipótese de Taylor
Considere-se um túnel de vento onde estejam sendo feitas medições da componente hori-
zontal da velocidadeu(x, t) em um ponto fixo relativo ao túnel. Defina-seu′(x, t) como
a componente horizontal do vento medida no referencial lagrangiano do escoamento mé-
dio,
u(x, t) = u′(x− Ut, t) + U (A.60)
ondeU é a componente horizontal do escoamento médio.
A hipótese de Taylorreinterpreta a variação temporal deu em um ponto fixo no
espaço como sendo a variação espacial deu′ [79]. A correspondência entre incrementos
espaciaisδx parau′ e incrementos temporaisδt parau é definida como,
δx = Uδt (A.61)
A hipótese de Taylor é empregada frequentemente na análise do espectro de energia
unidimensional de escoamentos turbulentos, visando permitir a interpretação no domínio
do espaço (número de onda) de dados experimentais obtidos no domínio do tempo (fre-
quências), medidos por um número reduzido de sensores fixos. Assim, na represen-
tação gráfica do espectro de energia, o eixo do tempo (ou frequência) é normalmente
renomeado como de posição (ou número de onda).
A hipótese de Taylor é aplicável a escoamentos estatisticamente estacionários, nos
quais a intensidade da turbulênciau′ é pequena quando comparada à velocidade médiaU
[21]. A acurácia em sua aplicação depende tanto das propriedades do escoamento quanto
da estatística que está sendo medida. Em escoamentos cizalhantes livres (camadas de
mistura), por exemplo, vários experimentos mostraram que a hipótese de Taylor não
produz bons resultados [21]. Apesar de suas restrições, ela tem emprego generalizado
em estudos experimentais de turbulência.
195
A.8 Medidas da Camada Limite
A.8.1 Espessura da camada limite e espessura de deslocamento
Devido ao fato de não haver uma separação distinta entre a região da camada limite e do
escoamento livre (ou externo), torna-se necessário estabelecer objetivamente o conceito
de espessura da camada limiteδ para as aplicações práticas. Usualmente, a fronteira da
camada limite é arbitrada como sendo um ponto onde a velocidade atinge um certa fração
da velocidade do escoamento externo, 99 % por exemplo [50]. Quando este for o critério,
será utilizada a notaçãoδ99.
Para um escoamento laminar ao longo de uma placa plana, com ângulo de incidência
igual a zero,δ99 pode ser estimado como [50]:
δ99(x) ≈ 5
√νx
U∞(A.62)
ondeU∞ é a velocidade do escoamento externo à camada limite, na posiçãox.
Uma forma menos arbitrária de se estabelecer uma medida interpretável da espessura
da camada limite é através daespessura de deslocamentoδ1, definida como:
δ1 ≡∫ ∞
0
(1− u
U∞
)dy (A.63)
A espessura de deslocamento expressa o quanto as linhas de corrente são deslocadas
pela camada limite. Para um escoamento laminar sobre uma placa plana, com ângulo de
incidência igual a zero, tem-se a relação [50]:
δ1(x) = 1.721
√νx
U∞(A.64)
A.8.2 Espessura de quantidade de movimento
A presença da camada limite faz com que haja uma redução na quantidade de movimento
que flui na camada, quando comparada à situação na qual não fossem considerados os
196
efeitos viscosos do fluido. Aespessura de quantidade de movimentoδ2 baseia-se nessa
diferença e é expressa por [50]:
δ2 ≡∫ ∞
0
u
U∞
(1− u
U∞
)dy (A.65)
Para um escoamento laminar sobre uma placa plana, com ângulo de incidência igual
a zero,δ2 pode ser estimada por [50]:
δ2(x) = 0.664
√νx
U∞(A.66)
A.8.3 Espessura de energia
Semelhante ao que ocorre com relação à quantidade de movimento, existe uma redução
na energia cinética na camada limite com relação ao escoamento invíscido. Considerando-
se essa redução, define-se aespessura de energiaδ3 como [50]:
δ3 ≡∫ ∞
0
u
U∞
(1− u2
U2∞
)dy (A.67)
Pode-se estimar o valor deδ3 para um escoamento laminar sobre uma placa plana,
com ângulo de incidência igual a zero pela expressão [50]:
δ3(x) = 1.044
√νx
U∞(A.68)
As medidas de espessura expressas pelas equações (A.64), (A.66) e (A.68) podem ser
relacionadas à espessura da camada limite (A.62) da seguinte forma:
δ1 = 0.34δ99
δ2 = 0.13δ99
δ3 = 0.20δ99
(A.69)
Note que as medidas de espessuraδ1, δ2 e δ3 incorporam informações sobre a dis-
197
tribuição da velocidadeu na direção normal à placa ao longo de toda a camada limite,
enquanto queδ99 considera o valor da velocidadeu em apenas um ponto da direção nor-
mal à placa.
A.9 A Lei da Parede3
Considere-se um escoamento próximo à parede de um canal, de um duto circular, ou de
uma camada limite. SejaU∞ a velocidade do escoamento livre em uma camada limite,
ou a velocidade na linha de centro de um canal ou de um duto circular. Sejaδ a largura
do escoamento, que pode ser a largura da camada limite, ou metade da largura do canal,
ou ainda o raio do duto circular. Considere-se, também que a parede é lisa.
Pode-se supor que o perfil de velocidade próximo à parede depende apenas de parâ-
metros que são relevantes naquela região, e que não existe dependência deU∞ ou deδ.
Logo, muito próximo à superfície sólida, espera-se que
u = u(ρ, τw, ν, y) (A.70)
ondeρ é a densidade,τw é a tensão de cizalhamento na parede,ν é a viscosidade cine-
mática ey é a coordenada transversal à parede.
Para se expressar A.70 em termos adimensionais define-se, inicialmente, a razão
uτ =
√τwρ
(A.71)
que tem dimensões de velocidade, e por isso é chamada develocidade de fricção. A
expressão A.70 pode, então, ser escrita na forma
u = u(uτ , ν, y) (A.72)
A partir da expressão A.72 pode-se definir dois grupos adimensionaisu/uτ eyuτ/ν,
3Esta seção baseia-se em Kundu [2].
198
que devem se relacionar por uma forma funcional universal
u
uτ= f
(yuτν
)(A.73)
ondeu+ ≡ u/uτ é a média da componente longitudinal da velocidade normalizada e
y+ ≡ yuτ/ν é a distância à parede normalizada pela chamadaescala viscosaν/uτ .
A equação A.73 é chamada delei da paredee expressa queu+ deve ser uma função
universal dey+ na região muito próxima a uma parede lisa.
A parte interior do escoamento, imediatamente junto à parede, é dominada por efeitos
viscosos, e chamada desubcamada viscosa.Por ela ser muito fina, considera-se que nela
a tensão de cizalhamento é uniforme, igual aτw. A componente transversal do gradiente
de velocidade na subcamada viscosa será, portanto,
du
dy=τwµ
(A.74)
que implica em uma variação linear deu em relação ay.
Integrando A.74, aplicando a condição de não deslizamento sobre a parede, obtém-se
u =y τwµ
que em termos das variáveis normalizadasu+ ey+ é escrita como
u+ = y+ (A.75)
A expressão A.75 aplica-se à subcamada viscosa, e experimentos mostram que ela é
válida atéy+ ∼ 5.
Na parte exterior da camada limite turbulenta as características gerais são de escoa-
mento invíscido, semelhantes aos dos escoamentos em que não há superfícies sólidas
(escoamentos cizalhantes livres). A existência de tensões de Reynolds na região exterior
implica na geração de umdefeito na velocidade(U∞ − u), que é esperado ser propor-
199
cional ao atrito da parede, caracterizado poruτ . Resultados experimentais mostram que
a distribuição da velocidade na região exterior tem a forma
u− U∞uτ
= g (ξ) (A.76)
ondeξ = y/δ. A expressão A.76 é conhecida comolei do defeito na velocidade.
Os perfis de velocidade nas partes interior e exterior da camada limite são governa-
dos por expressões diferentes (A.73 e A.76), nas quais a variávely é normalizada de
formas diferentes. As soluções interior e exterior devem ser combinadas em umaregião
de superposição, tomando-se os limitesy+ → ∞ e ξ → 0 simultaneamente. É mais
conveniente se trabalhar com os gradientes transversais de velocidade na área de super-
posição, em lugar das velocidades. A partir de A.73 e A.76 os gradientes de velocidade
nas regiões interior e exterior são dados por
du+
dy=uτν
df
dy(A.77)
du+
dy=
1
δ
dg
dξ(A.78)
Igualando A.78 e A.77 e multiplicando pory obtém-se
y+ df
dy+= ξ
dg
dξ(A.79)
válida paray+ →∞ eξ → 0. Na expressão A.79 o lado esquerdo é função apenas dey+
e o lado direito é função apenas deξ. Logo, ambos os lados devem ser iguais a uma cons-
tante1/κ, ondeκ é chamadaconstante de Karman, que foi avaliada experimentalmente
como sendoκ ' 0.41 .
Integrando-se A.79 obtém-se
f(y+) =1
κln y+ + A (A.80)
200
Figura A.2: Representação esquemática das regiões na camada limite próxima a umaparede.
e
g(ξ) =1
κln ξ +B (A.81)
Essas são as distribuições de velocidade normalizadau+ na camada de superposição,
também chamada decamada logarítmica.Os valores normalmente adotados para as
constantes, obtidos a partir de experimentos, sãoA = 5.0 eB = -1.0.
A distribuição de velocidade logarítimica da expressão A.80 é válida paray+ > 30.
Schlichtinget al. [50], entretanto, consideram que a região de superposição está locali-
zada emy+ > 70. O limite superior dela depende do número de Reynolds, aumentando à
medida queReaumenta.
A região entre a subcamada viscosa (y+ > 5) e a região de superposição (y+ >30)
é chamada decamada intermediária.Ela é uma região de transição, entre as partes
do escoamento dominadas pela viscosidade e pela turbulência (tensões de Reynolds),
respectivamente. Na figura A.2 são representadas esquematicamente as diferentes regiões
na camada limite próxima a uma parede.
201
Cabe ressaltar que a medição precisa deτw para a obtenção deuτ é geralmente difícil.
Por essa razão, em estudos experimentais e numéricos, tais como os de Coles [84], Wei
e Willmarth [65] e de Kimet al. [64], foram feitos ajustamentos nos perfis de velocidade
medidos ou simulados, de forma a que eles reproduzissem a lei da parede. Isto é feito,
normalmente, ajustando-se o valor deuτ , de maneira a reduzir as diferenças entre os
valores de velocidade observados e/ou medidos, normalizados, e os definidos pela lei da
parede.
202
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