simbolismo no labirinto do fauno

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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI RODRIGO CASTILHO DE BIASI O SIMBOLISMO INICIÁTICO COMO ESTRUTURA NARRATIVA OCULTA NO FILME “O LABIRINTO DO FAUNO” São Paulo 2011

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  • UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI RODRIGO CASTILHO DE BIASI

    O SIMBOLISMO INICITICO COMO ESTRUTURA NARRATIVA OCULTA NO FILME O LABIRINTO DO FAUNO

    So Paulo 2011

  • RODRIGO CASTILHO DE BIASI

    O SIMBOLISMO INICITICO COMO ESTRUTURA NARRATIVA OCULTA NO FILME O LABIRINTO DO FAUNO

    Dissertao de Mestrado apresentada banca examinadora, como exigncia parcial para obteno de ttulo de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicao, rea de concentrao em Comunicao Contempornea da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientao do Prof. Dr. Luiz Antonio Vadico.

    So Paulo 2011

  • BIASI, Rodrigo, O simbolismo inicitico como estrutura narrativa oculta no filme O Labirinto do Fauno, sob orientao do Prof. Dr. Luiz Antonio Vadico. So Paulo, 2011.

    RESUMO

    Esta pesquisa objetiva a anlise da narrativa do filme O labirinto do Fauno, produzido e dirigido por Guilherme Del Toro. O filme apresenta a presena de elementos e smbolos de ritos de iniciao e da mitologia inicitica dentro de sua narrativa, caractersticas e elementos simblicos, de imagens, discursos e situaes que, uma vez articulados e estruturados pela narrativa cinematogrfica, consolidam um amplo e complexo processo de mensagens, significados e significantes que so ocultos ao espectador comum, mas, que mesmo assim, no deixam de comunicar, impactar ou influenciar de maneira intensa a construo da histria, trama e mensagens produzidas pelo filme. A anlise desta estrutura narrativa simblica e inicitica dentro do campo da comunicao contempornea e do cinema foi desenvolvida por meio de uma articulao terica junto a diferentes campos do conhecimento, literatura, anlise da narrativa, narrativa cinematogrfica, psicologia, mitologia, histria das religies, ritos e mitos iniciticos. Uma vez abordados conjuntamente, estes estudos procuram evidenciar, identificar, fundamentar e analisar todos os aspectos presentes nesta proposta de narrativa cinematogrfica, bem como suas conseqncias,particularidades e especificidades.

    Palavras chave: Narrativa cinematogrfica, simbolismo, ritos iniciticos, mitologia inicitica, filme: O Labirinto do Fauno.

  • BIASI, Rodrigo, The initiatory symbolism and narrative structure hidden in the filmThe Pans Labyrinth, under the guidance of Prof. Dr. Luiz Antonio Vadico. So Paulo, 2011.

    ABSTRACT

    This research aims to analyse the story of the film " The Pans Labyrinth " produced and directed by Guillermo Del Toro. The movie presents elements and symbols of initiation rites and initiatory mythology within its context, symbolics characteristics and elements ,images, speaches and situations that once articulated and structured by the movie telling, form a great and complex process of messages, meanings and meaningful aspects that are "not visible" to the common spectator but which, even so, do not fail to communicate, impact or influence very deeply the story construction, the plot and messages produced by the film. The analysis of this symbolic and initiatory narrative structure within the field of contemporary communication and of the films was developed by means of a theoretical articulation among different fields of knowledge, literature, analysis of the narrative, cinematographic narrative, psychology, mythology, stories of religions, initiatory rites and myths. Once approached together these studies try to evidence, identify, support, and analyse all these aspects in this proposal of cinematographic narrative as well as its consequences, particularities and specificities.

    Keywords: Cinematographic narrative, symbolism, initiatory rites, initiatory mythology,film " The Pans Labyrinth".

  • DEDICATRIA

    "Quando estamos motivados por metas que tm significados profundos, por sonhos que precisam ser

    realizados, por puro amor que precisa se expressar, ento ns vivemos verdadeiramente a vida."

    Greg Anderson

    Dedico este estudo

    Ao meu av Joaquim Ribeiro de Castilho, in memorian, meu exemplo e motivao para ingresso na vida acadmica.

    Ao meu Pai, Paulo Ednardo de Biasi, por toda sua generosidade e apoio, o sr. quem me ensinou e deu inmeros exemplos do significado e poder da palavra entusiasmo.

    A Minha Me, Rosngela Maria Castilho, fonte inesgotvel de motivao, idealismo e realizao de projetos.

    A minha querida esposa Nayara Vicari, parceira, amiga, colaboradora, meu grande amor, meu exemplo de educadora.

    Ao meu orientador, Prof. Dr. Luiz Antonio Vadico, um verdadeiro mestre, paciente, amigo, inteligente, pea fundamental para meu crescimento e aprendizado ao longo do curso de mestrado.

    Aos meus familiares e de minha esposa, meus amigos e meus irmos, a todos obreiros e homens livres e de bons costumes que inspiram nossa incessante busca por conhecimento e que nos inspiram a nos tornarmos verdadeiros construtores sociais ,quem sabe assim, proporcionando felicidade para a humanidade.

  • AGRADECIMENTOS

    Nenhum dever mais importante do que a gratido Ccero

    Quando o nosso sucesso fruto direto do empenho, motivao e orientao de diferentes amigos e amigas, o dever da gratido torna-se ainda maior. No tenho receio de aqui cometer um exagero, afinal concordo plenamente com as palavras de Brueyre que afirma no existir no mundo exagero mais belo do que a gratido.

    Os que me conhecem e acompanharam minha jornada acadmica com maior proximidade, sabem o quanto foi difcil e ao mesmo tempo recompensador perseguir por este importante objetivo, no foram poucos os momentos onde obstculos e eventos inesperados dificultaram meu caminho, felizmente nenhum dos fatores externos foram mais fortes ou conseguiram vencer minha vontade e determinao de alcanar o objetivo determinado.

    Certamente no haveria tamanha determinao sem a participao e apoio de muitas pessoas especiais que sempre me ajudaram, motivaram e apoiaram.

    Em especial, registro meus sinceros agradecimentos ao meu orientador Prof. Dr. Luiz Antonio Vadico, seus conhecimentos, seu apoio, sua motivao e orientao foram fundamentais para meu progresso e concluso do mestrado, ficarei eternamente grato por esta convivncia produtiva, inteligente, bem humorada e precisa, sem dvida alguma t-lo como orientador foi uma oportunidade de aprendizado mpar e de crescimento pessoal e profissional muito especial, sobretudo e no menos importante, foi poder conhecer e conviver com suas qualidades de amigo e parceiro, caractersticas especiais que tornaram este percurso harmonioso e positivo em todos os sentidos, foram bases slidas que me permitiram superar e avanar em todos os momentos.do curso.

    Agradeo ao Prof. Dr. Rogrio Ferraraz que desde a minha primeira visita na Universidade Anhembi Morumbi me recebeu de braos abertos, dedicando especial ateno e apoio, suas precisas e produtivas indicaes e orientaes na banca de qualificao foram fundamentais para minha dissertao, da mesma forma estendo meus agradecimentos ao Prof. Dr. Carlos Caldas que de forma especial promoveu valorosas indicaes e orientaes em minha banca de qualificao, sem dvida alguma todas contribuies foram fundamentais para melhoria e concluso de meu

  • estudo com maior qualidade. Ao Prof. Dr. Vicente Gosciola e Prof. Dr(a) Laura Loguercio Cnepa registro meu agradecimento por todo aprendizado em suas disciplinas, as indicaes de livros, leituras, filmes, discusses e aulas ministradas foram determinantes para minha imerso no campo do cinema e da comunicao contempornea.

    No poderia deixar de aqui registrar meu amor, respeito e admirao por minha esposa Nayara, simultaneamente iniciamos e conclumos nossos cursos de mestrado, crescemos, batalhamos e procuramos nos motivar a cada etapa, a cada dificuldade procurando sempre um ajudar ao outro, sabemos que no foi nada fcil, porm certamente samos deste processo muito mais fortes, unidos e preparados para novos desafios, sem seu apoio nada teria sentido, certamente sem voc ao meu lado nunca teria conseguido alcanar este objetivo.

    Agradeo a inspirao profissional, aprendizado e parceria dos amigos Ivanildo dos Santos Loureno, Jos Amncio P. Minardi e Sergio Augusto (Arapa), aprendi muito com vocs na Rede Record de Televiso e no Instituto Ressoar, seu apoio e todas as reflexes dirias foram fundamentais para avano e concluso deste curso. Deixo aqui meus sinceros agradecimentos a todos amigos de trabalho que me incentivaram, interessaram-se ou aturaram me ouvindo falar de teorias de comunicao, filmes e atividades que quase nunca tinham algo a ver com seu cotidiano profissional, em especial agradeo ao Gustavo Kenji, Nani, Liber, Maya Guizo e ao Marcelo Gonalvez e a toda nossa equipe, nosso trabalho de comunicao com e para jovens foi uma importante fonte de energia e inspirao para meu mestrado, tambm aproveito para deixar meus agradecimentos especiais para amiga Nadini Lopes, nossas valorosas conversas sobre simbolismo e iniciao bem como suas dicas e contribuies para uma melhor formatao acadmica do trabalho foram muito produtivas e positivas para meu estudo.

    Aos amigos Guilherme Marson Junqueira e Jos Armando M. do Amaral pelas palavras de apoio nos momentos mais importantes, nossas incansveis conversas e suas manifestaes sempre positivas so gestos de verdadeiros amigos, fundamentais quando estamos em uma jornada desafiadora como a de curso de mestrado.

    Ao Prof. Dr. Clovis de Barros Filho, meu agradecimento especial pelos conhecimentos compartilhados e motivao para obteno do ttulo de mestre em comunicao.

  • Por fim, agradeo e tambm dedico este trabalho a algumas fontes permanentes de inspirao, estudo e progresso pessoal, a Revista Verdade pelos excelentes artigos publicados na rea de filosofia, simbolismo e demais reas de conhecimentos, todos sempre importantes para meu aprimoramento e estudo, aos membros da Academia Brasileira Manica de Artes Cincias e Letras e a todos os irmos da Augusta e Respeitvel Loja Simblica So Paulo no. 43, da Loja Filosfica Attila de Mello Cheriff e do Captulo Rosa Cruz Philalethes Paulista, impossvel mencionar nestas pginas o valor da amizade, fraternidade, aprendizado e desenvolvimento intelectual que nosso convvio tem proporcionado nos ltimos anos, a prova desta marca positiva indelvel est presente na prpria escolha do objeto de estudo deste trabalho, espero que apreciem o que foi produzido com este estudo e que de alguma forma possa ser til e inspirador para outros estudos,

    A todos que me apoiaram deixo aqui registrado minha gratido, meu respeito, admirao e votos sinceros de sabedoria e sade.

  • SUMRIO

    Introduo .......................................................................................................... 9

    Cap.1. Desenvolvimento e anlise da narrativa ............................................... 18

    Cap. 2. O poder dos smbolos e seus significados na narrativa ....................... 43

    Cap. 3. Rito e simbolismo inicitico .................................................................. 58

    Cap. 4. O labirinto do Fauno ............................................................................ 66

    4.1. O tero e a rosa, tempo e imortalidade..................................................... 66 4.2. O Chamado, incio do rito inicitico ........................................................... 89

    4.3. A Chave Dourada e o Fauno, incio do processo inicitico ..................... 107

    4. 4 A Segunda Prova O Afastamento e as escolhas .................................. 116

    4.5. A Recusa do Chamado, morte e transformao ..................................... 126

    4.6. A ltima Prova, sangue e renascimento ................................................. 132 4.7 Cena final ................................................................................................. 145

    4.8 Making off ................................................................................................. 147

    Concluso ...................................................................................................... 149

    Bibliografia...................................................................................................... 154

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    Introduo

    Das pesquisas e discusses a respeito das estruturas narrativas mticas presentes na indstria do cinema, surgem algumas questes ou que podem emergir, sobretudo na indstria cinematogrfica de Hollywood, como e qual capacidade de comunicao e impactos dos mitos, os arqutipos e as estruturas narrativas podem oferecer a um filme? O espectador pode reconhec-las?Afetam a capacidade criativa e/ou limitam o desenvolvimento de novas histrias e roteiros? De algum modo promovem alteraes, reforos ou mudanas culturais significativas em relao ao tema que abordam? Como so readequadas dentro das histrias produzidas? Ocorre alterao de sentido/mensagem?

    De algum modo, estes e outros questionamerntos, podem e tm sido abordados em artigos, pesquisas e dissertaes de mestrado sobre comunicao e cinema, muitos referindo-se mitologia e campos do conhecimento relacionados a este estudo como a psicologia, antropologia e semitica.

    Nesta dissertao de mestrado tais assuntos no so foco de interesse e aprofundamento, apenas as questes tericas de embasamento no campo da mitologia e psicologia so utilizadas na anlise filmica para interpretao e direcionamento do recorte especfico do objeto em questo, so aqui usados apenas como instrumentos de aproximao e delimitao da pesquisa.

    Culturalmente, sabemos da importncia social do mito e dos smbolos, assim, desenvolver uma pesquisa de comunicao partindo desta interseco que aponta sua presena no cinema de massa, para ns uma oportunidade e com base em um novo recorte poderemos produzir novos conhecimentos e um aprofundamento terico diferente do assunto. Para Campbell1, o mito possui o poder de inspirar todos os demais produtos possveis da atividade humana, do corpo e da mente.

    No seria demais considerar o mito a abertura secreta atravs da qual as inexaurveis energias do cosmos penetram nas manifestaes culturais humanas. As religies, filosofias, artes, formas sociais do homem primitivo e histrico, descobertas fundamentais da cincia e da tecnologia e os prprios sonhos que nos povoam o sono surgem com o crculo bsico e mgico do mito.(CAMPBELL, 1999, p.15).

    1 O autor afirma na introduo do livro O Heri de Mil Faces que h diferenas entre as diversas mitologias e

    religies da humanidade, mas esse livro sobre as semelhanas.

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    A capacidade de contar histrias, comunicar mensagens culturalmente fortes e de fcil assimilao frequentes na indstria do cinema encontra reforo nesta afirmao. de grande conhecimento que o diretor e produtor George Lucas tambm usou esse modelo mtico narrativo para criar a saga Stars Wars.2

    Christopher Vogler(2009)3, roteirista de Hollywood e executivo da indstria cinematogrfica tambm se baseou nas teorias de Campbell escrevendo o livro"The Writer's Journey: Mythic Structure For Writers" 2009 (A Jornada do Escritor: Estrutura Mtica para Roteiristas) que influenciou diversos filmes da indstria cinematogrfica.

    Em relao ao mito narrativo, alguns tericos afirmam ser possvel entender que ele seja compreendido como uma histria que nasceu de uma lenda. Com base nessa estrutura, as sociedades podem recriar suas formas de entender o mundo, a vida, seus costumes e sentimentos.

    No s nas histrias a indstria do cinema se apropria e refora diferentes universos mticos, Morin (1999,p.139) descreve a relao direta das estrelas do cinema de Hollywood, no s em seus papis, mas, em seu modo de vida e glamour, como uma forma de mitificao dos Deuses sua humanizao, apontando o quanto este formato atrai, magnetiza, aproxima e torna ainda mais potente a fora do cinema, cita ser reconhecido como homem , antes de mais nada, ver reconhecido o direito de imitar os deuses. O mito seria ento uma forma social de perpetuao, reforo, discurso social, que visa manter as verdades, conhecimentos, princpios morais, filosficos e religiosos. Eliade4 afirma que as imagens e mitos so produtos de experincias profundas.

    Todas as vezes que o homem toma consicncia de sua prpria situao existencial, ou seja, de seu modo especfico de viver no Cosmos, e assume esse modo de existncia, exprime essas caractersticas decisivas por imagens e mitos

    2 O documentrio O PODER DO MITO gravado por Moyers com Campbell foi produzido no rancho de George

    Lucas onde eles tambm discutem as teorias do trabalho criativo de George Lucas na saga Stars Wars. http://www.youtube.com/watch?v=2F7Wwew8X4Y. 3 Como analista de histrias Christopher Vogler avaliou mais de 10.000 roteiros para grandes estdios,

    incluindo Walt Disney, Warner Bros, 20th Century Fox, Unidet Artists e Orion Pictures. Especialista em contos de fada e folclore, foi consultor para os bem- sucedidos longa metragens da Disney O Rei Leo e A Bela e a Fera. 4 Mircea Eliade nasceu em 1907 em Bucareste, Romnia, professor da Escolas de Altos Estudos em Paris e

    depois na Sorbonne, foi titular da cadeira de Histria das religies na universidade de Chicago, considerado uma autoridade nesta cincia escreveu obras como: O Sagrado e o Profano, A Nostalgia das Origens, Tratado da Histria das Religies, O Mito do Eterno Retorno, Ritos de Iniciao e Sociedades Secretas, entre outros ttulos deste campo do conhecimento.

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    que gozaro mais tarde, de uma situao privilegiada na tradio espiritual da humanidade. (ELIADE, 1999, p.187)

    A diferena de mito e da lenda est justamente na estruturao, na existncia de um rito. Apenas com a presena de um rito, podemos considerar se estamos falando de um mito, a presena da repetio, de um modelo, de uma estrutura que so elementos que determinam se o contexto e a histria representam uma mitologia, um mito.

    Este rito, esta forma de repetio ocorre porque os elementos simblicos no podem ser fabricados, pois so frutos, so produtos da mente humana, como Campbell (1999,p15) afirma: Esses simbolos so produes espontneas da psique e cada um deles traz em si, intacto, o poder criador da fonte.

    O desenvolvimento desta pesquisa no foi s motivado pela identificao e anlise do uso de uma estrutura narrativa mitolgica do filme O Labiinto do Fauno, mas, sim, pela compreenso dos elementos simblicos especficos identificados no filme e que esto presentes na estrutura narrativa mitolgica utilizada, elementos que uma vez identificados, analisados e articulados permitem um recorte diferenciado da interpretao da narrativa mtica, bem como a percepo das variaes de mensagens, influncias e seus impactos na interpretao da histria.

    No caso do filme O Labirinto do Fauno podemos afirmar que a estrutura narrativa situa-se na estrutura de um rito de iniciao, porm, diferente de outros filmes que se utilizam desse mesmo suporte mtico narrativo. Este filme indica apresentar uma intencionalidade e uma utilizao simblica intensa, imagtica, complexa e muito especfica do universo simblico inicitico, ou seja, tanto a estrutura narrativa como os simbolos utilizados convergem para uma mensagem velada, nica, possuidora de uma unidade fundamental, uma mensagem mais ampla do que a percebida, trata-se de um processo simblico bem articulado, complexo e com significaes e interpretaes exclusivas do processo inicitico.

    Uma vez conhecida, revelada5, interpretada, esta oculta a estrutura narrativa que passa a oferecer uma possibilidade de interpretao mais ampla e intensa mesma histria, que somente poder ser compreendida com a percepo de outros direcionamentos das mensagens msticas, esotricas, religiosas e

    5 Termo muito utilizado no campo esotrico e religioso, revelada, relacionada a revelao, adjetivo que significa,

    manifesto, mostrado, descoberto, declarado,denunciado, segredo revelado no mais segredo, deixou de ser oculto, entre aspas por estarmos indicando o contrrio de oculto, encoberto, escondido.

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    iniciticas. Esta interpretao oculta, mais profunda relaciona-se com a funo mstica do mito tambm fundamentada no campo da mitologia.

    Em transcrio da entrevista a Bill Moyers6, Campbell apresenta diferentes funes para o mito, a funo cosmolgica que teria a inteno de explicar o mundo, o universo, a funo pedaggica com o objetivo de dizer como devemos viver uma vida humana, orientando caminhos; a funo sociolgica com a inteno de legitimar a ordem social, comunicar valores e princpios ticos, como orientao de como deveria ser a sociedade ideal e, finalmente, uma funo mstica,que abriria o caminho dos mistrios, seria esta uma forma de dimenso do sagrado no mundo. (CAMPBELL, 1990).

    Deste modo, esta anlise simblica da narrativa permitir a percepo e compreenso no s de uma narrativa mtica inicitica, mas tambm entender toda a estrutura imagtica e simblica intencionalmente utilizada no filme e sua mensagem filosfica, espiritual, de acesso ao sagrado, de sentido religioso e mstico.

    Sendo assim, a anlise flmica situa-se com maior intensidade na compreenso dos ritos de iniciao, de seus simbolismos, significados e sentidos de acesso ao sagrado. Tais conhecimentos permitiro que a anlise demonstre os desdobramentos e impactos da narrativa mtica exclusiva do filme.

    Eliade (2008,p.17) comenta que o sagrado7 algo diferente do mundo real, do mundo humano, acessar ao sagrado acessar o poder, conhecimento, algo fora do mundo comum, faz parte do campo religioso, o conhecimento do sagrado e do profano, o homem toma conhecimento do sagrado porque este se manifesta, se mostra como algo absolutamente diferente do mundo profano.(2008,p.17)

    Esta dimenso da narrativa estruturada em princpios do homem religioso, de sua existncia e do acesso ao sagrado possibilitar avanarmos no estudo especfico do contedo presente no filme O Labirinto do Fauno.

    6 Jornalista famoso nos EUA, bacharel em Teologia e ex-secretario de impressa da Casa Branca, entrevistou e

    produziu o documentrio o Poder do Mito com Joseph Campbell e posteriormente editou o livro desta entrevista com o mesmo ttulo. 7 No livro o Sagrado e o Profano Eliade utiliza a palavra Hierofania para se referir ao sagrado, por entender que

    este termo cmodo, pois no implica nenhuma preciso suplementar, exprime somente o que est implicado no seu sentido etmolgico, a saber, de algo sagrado que nos revela.(2008, p.17)

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    Sinopse

    O filme se passa na Espanha, em 1944, em meio a um difcil momento poltico e social, a Guerra Civil Espanhola. Uma menina chamada Oflia (Ivana Baquero), muda-se com sua me Carmem (Ariadne Gil) e o padrasto para uma casa no alto de uma montanha cercada por uma floresta.

    O padrasto um cruel capito fascista (Sergio Lopez) que comanda um grupamento militar na regio. O filme apresenta dois padres estticos narrativos, o mundo real e o imaginrio, o mundo real possui medo e dor, por outro lado representao do mundo imaginrio / fantstico construda nos encontros da menina Oflia com seres mticos. No incio do filme um narrador convida o telespectador para uma ambientao da histria, permitindo a identificao com o direcionamento de uma histria de fantasia e fbula.

    No mundo real, Oflia sofre com a percepo de violncia do padrasto e da guerra, com o sofrimento das pessoas e de sua me. No mundo imaginrio / fantstico, ela abordada por insetos que se transformam em fadas guiando-a at o labirinto do Fauno. Este um ser sobrenatural que ir gui-la em provas que, uma vez superadas, permitiro que retorne a seu reino, o mundo subterrneo de onde saiu e precisa retornar. Caso supere estas provas, ela ser aceita novamente nesse reino e ser recebida ocupando a posio de princesa.

    Ao longo do filme, a menina segue cumprindo as provas do mundo imaginrio / fantstico. Paralelo a esse contexto, a menina convive com o drama da gravidez complicada de sua me, com a dura realidade da guerra civil espanhola e com o convvio com o padrasto cruel. Ao passo que a histria da personagem principal apresenta seu caminho de superao e acontecimentos fantsticos, outras tramas tambm ganham intensidade e visibilidade no filme. A funcionria da casa que ajuda os insurgentes do regime totalitrio, que vivem na floresta em constante batalha, passa a ser sua protetora e aliada, oferecendo-lhe conforto e proteo no mundo real.

    O diretor Guillermo Del Toro deixa aberto ao espectador a possibilidade de se aproximar e acreditar no mundo real ou imaginrio, pois, por meio das construes cnicas, convida esse espectador a conhecer os dois mundos. Esta dualidade narrativa faz com que a histria tenha a presena de temas e debates - o poltico, o

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    social e o psicolgico - que podem ser abordados em todo o desenvolvimento do filme.

    Aps muitas dificuldades e superaes de Oflia nos dois mundos do filme, a histria termina com o padrasto retirando o recm nascido de suas mos. Em seguida, atira na menina, prximo ao labirinto do Fauno, local de acesso ao mundo imaginrio, o mundo subterrneo. J no cho, aparecem imagens de Oflia encontrando seus pais, o rei e rainha do mundo imaginrio, sinalizando assim que ela alcanou o seu objetivo e sua jornada de provas, sendo aceita nesse mundo. Em seguida aparece a cena de Oflia cada entrada do poo morta pelo tiro, retratando com esta cena seu destino no mundo real.

    O padrasto tenta fugir com seu filho e encontra os insurgentes, que o matam, mostrando assim que venceram a batalha naquele local. Esta morte tambm representa a queda do regime ditatorial da poca.

    Uma imagem da menina morta traz de novo o espectador ao mundo real, porm, na parte final, volta presena do narrador em off, e mais uma vez oferece a possibilidade de crena, de aceitao do mundo imaginrio.

    A histria finalizada com uma assinatura, o registro de que Oflia deixou seus passos e sua marca no mundo visvel, estando acessvel apenas aquele que sabiam onde olhar.

    Direo O cineasta Guilherme Del Toro nasceu em 2 de outubro de 1964 na cidade de

    Guadalajara no Mxico tendo trabalhado O Exorcista, entre outros. Foi produtor executivo do longa Dona Herlinda e seu Filho, e,

    posteriormente, abriu uma companhia chamada Necropia. Aprendeu a fazer filmes dirigindo programas de televiso no Mxico. Seu

    primeiro sucesso foi o filme Cronos, em 1992, filme que ganhou nove prmios no Mxico e tornou-se um sucesso em Cannes.

    Depois do sucesso do filme Cronos, dirigiu um filme de Hollywood, chamado Mimic (1997) com Mira Sorvino. Retornou ao Mxico e formou sua produtora, The Tequila Gang, onde conseguiu grande ateno e destaque na crtica com o filme A espinha do diabo.

    Em Hollywood, Del Toro dirigiu Blade 2 (2002) e tambm Hellboy, em 2004. Mas, sua grande exposio e reconhecimento internacional ocorreu com o

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    filme O Labirinto do Fauno, o mesmo foi indicado ao Oscar de Melhor Filme estrangeiro, em 2007.

    Dirigiu Hellboy 2, lanado em 2009, participou da produo do filme O Hobbit mas acabou desligando-se do filme. Atualmente, participa da produo da animao Pinocchio 3D.

    Tambm trabalha no filme At the Mountains of Madness ou, em portugus, As montanhas da loucura, que uma adaptao do livro de mesmo nome em ingls de H.P. Lovecraft e dever ter seu lanamento no final de 2012.

    O filme O Labirinto do Fauno foi distribudo pela Warner Bros, contou com a produo de Afonso Cuarn e Guilhermo Del Toro. A fotografia foi de Guilhermo Navaro e a trilha sonora de Javier Navarrete.

    Del Toro recebeu o Prmio Mercedes-Benz no Festival de Cannes, pelo filme "Cronos" (1993) e tambm o prmio de Melhor Filme de estreia no Festival de Havana, pelo mesmo filme, porm o filme O Labirinto do Fauno foi o grande responsvel por seus maiores reconhecimentos.

    Com o filme O Labirinto do Fauno, em 2007, Guilherme Del Toro ganhou o Oscar de direo de arte com Eugenio Caballero e Pilar, o Oscar de melhor fotografia com Guilhermo Navarro, o Oscar de melhor maquiagem com David Marti e Montse Ribe, foi ainda nomeado nas categorias de melhor filme estrangeiro, melhor argumento original e melhor banda sonora.

    No Globo de Ouro, recebeu uma nomeao como melhor filme estrangeiro, venceu na categoria de melhor fotografia e ainda foi nomeado na categoria de melhor filme no Independent Spirit Awards.

    No British Academy of Film and Television Arts, o BAFTA, academia britnica responsvel pela premiao anual excelncia de trabalhos realizados em cinema, televiso, filmes e em outras mdias, venceu nas categorias de melhor filme estrangeiro,melhor caracterizao e melhor guarda-roupa e ainda foi nomeado nas categorias de melhor argumento original, melhor fotografia, melhor direo de arte, melhor som e melhores efeitos especiais.

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    A direo do filme O Labirinto do Fauno foi de Guilhermo Del Toro, como produtores Guilhermo Del Toro, Alvaro Augustin, Alfonso Cuarn, Berla Navarro e Frida Torresblanco, a direo de fotografia ficou sob a responsabilidade de Guilhermo Navarro. A trilha sonora foi dirigida por Javier Navarrete e a montagem por Bernat Vilaplana, mixagem de som de Martin Herndz, desenho de produo Eugnio Caballero, som de Miguel Plo, maquiagem especial David Marti e Monts Ribe,.maquiagem de Pepe Quetglas, como cabelereira Blanca Sanchz, figurinista Lala Huete, efeitos especiais de Reyes Abades e efeitos visuais de Rupert Burell e Eduard Irastorza.

    Ivana Barquero representa a personagem principal Oflia, Doug Jones representa o Fauno e tambm o Homem plido, Sergio Lpez atua no papel do capito Vidal, padastro de Oflia, sua me , Carmem, representada por Ariadna Gil. Maribel Verd atua como Mercedes, uma ajudante da casa de Vidal.

    Alex Angulo faz o papel do mdico que atende todos da regio; Roger Casamajor, o papel de Pedro, Csar Vea; Serrano, Federico Luppi representa Casares, Maolo Solo faz o papel de Grces e Pablo Adan o responsvel pela voz do Fauno e narrao do filme.

    O Filme O Labirinto do Fauno O filme O Labirinto do Fauno, do cineasta Guillermo Del Toro, situa-se no

    realismo fantstico (seres sobrenaturais, fico, domnio do extraordinrio e da fantasia), como veremos na anlise da narrativa. Este rico e diverso universo simblico oferece diferentes possibilidades de interpretaes da mensagem e histria produzida.

    A trama foi analisada sob dois principais aspectos: uma percepo mais objetiva identificou na histria fantstica e sobrenatural, vivida pela menina, uma forma de representao do sofrimento, das dificuldades, da tirania e do terror causado por um regime ditatorial que, no final da guerra civil espanhola no ano de 1944, se encontrava em declnio. Outra percepo apoiou-se na viso freudiana do recalque no inconsciente, indicando o sofrimento da menina como uma reao psquica, que passa a projetar uma fuga da realidade em sua imaginao e fantasia.

    Neste estudo, buscamos dialogar porm ampliando esta anlise para a interpretao, identificao e anlise dos smbolos presentes no filme. A anlise procura evidenciar a existncia de uma estrutura narrativa oculta que surge por

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    meio da interpretao de uma especfica articulao de smbolos que uma vez reunidos e encadeados no fio lgico da trama, constituem uma mensagem especial. Embora no entre em conflito com a narrativa revelada, esta estrutura narrativa oculta transmite a mensagem de que a personagem principal passa por um amplo processo de iniciao precisamente representado em diferentes elementos do filme. Na anlise do filme por este caminho simblico, possvel identificarmos uma estrutura mitolgica e religiosa presentes na jornada vivida pela personagem principal Oflia, uma tpica jornada do heri, com estruturas semelhantes jornada do heri, que apresentada na obra O Heri de Mil Faces de Campbell, que mostra os estgios vividos pelo heri e afirma que so comuns a diferentes culturas em suas representaes mticas e histrias. O simbolismo e as situaes presentes no filme tambm apontam estar alinhados com estudos de Eliade no campo da Histria das Religies, em especial nos estudos que tratam do simbolismo e dos ritos iniciticos de diferentes culturas e religies. Estes alinhamentos identificados no campo terico do simbolismo presente no filme fazem com que sua anlise exija a interpretao e os estudos da histria das religies, simbolismo e mitologia, estudos que uma vez articulados permitiro a compreenso da narrativa construda, sua profundidade, significados e mensagens produzidas pelo filme em geral.

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    1. DESENVOLVIMENTO E ANLISE DA NARRATIVA

    Para analisar com profundidade a narrativa do filme O Labirinto do Fauno e identificarmos a presena de uma estrutura narrativa oculta construda por um amplo e complexo sistema de smbolos e significados, faz se necessrio compreenso de diferentes estudos e teorias sobre a narrativa e narrativa no cinema, o que nos possibilitar uma melhor aproximao do objeto de estudo em questo, a narrativa cinematogrfica.

    1.1 Critrios de Metz para reconhecimento de uma narrativa

    Gaudeault e Jost comentam com preciso uma citao de Metz, para eles a narrativa exige uma anlise detalhada, um olhar rigoroso:

    de algum modo um objeto real que o utilizador ingnuo reconhece seguramente e no confunde nunca com aquilo que no ela. Nessas condies, a tarefa do terico nada mais do que explicar de maneira mais rigorosa aquilo que a conscincia ingnua observar sem anlise. (METZ, apud, GAUDEAULT e JOST, 2009, p.31).

    justamente este o propsito terico desta pesquisa no filme o Labirinto do Fauno, identificar e analisar todos os elementos simblicos presentes na narrativa, elementos que possuem uma profundidade cultural expressiva, significao e interpretaes especficas e que mesmo assim podem passar despercebidas sem uma anlise rigorosa.

    Se nos propusermos a analisar uma narrativa flmica, necessitaremos em princpio identificar sua presena e seus principais elementos estruturais.

    Metz prope cinco critrios8 para reconhecimento de qualquer narrativa, que neste estudo utilizaremos para incio da anlise da narrativa cinematogrfica de O Labirinto do Fauno. (GAUDEAULT e JOST, 2009, p.31).

    O primeiro critrio proposto afirma que toda narrativa tem um comeo e um fim, o que no quer dizer que no possa haver abertura para outros desdobramentos ou que todas as perguntas tenham de ser respondidas e que no haja zonas de incertezas. O importante entendermos que no caso de uma narrativa, esta sempre

    8 No livro A Narrativa Cinematogrfica Gaudreault e Jost dedicam um captulo sobre Cinema e Narrativa

    que todo fundamentado nos estudos de Metz

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    ter um ponto inicial e um desfecho, como afirmam Gaudreault e Jost, (2009,p.32) mesmo quando um filme tem o propsito de contar algumas horas escolhidas da vida de um homem, a organizao dessa durao obedece a uma ordem, supe no mnimo um ponto inicial e um desfecho, que dificilmente recobrem a organizao de nossa prpria vida.

    Este primeiro critrio est presente no filme O Labirinto do Fauno, desde a situao inicial nos apresentado o ponto de partida, o narrador inicia a histria da princesa Moama indicando a sua sada do mundo interior, do reino subterrneo, fato que seguido de sua morte e renascimento como Oflia. Ao longo do filme, ocorre todo o desenvolvimento da jornada de provas culminando no desfecho final de sua morte como Oflia e de seu renascimento como princesa Moama, que mais uma vez retornar para seu mundo subterrneo. Deste modo, poderemos reconhecer e identificar todo o ciclo percorrido na narrativa, um ciclo totalmente percorrido, concludo e fechado, ou seja, a existncia de um ponto de partida e um desfecho final.

    O segundo critrio para reconhecimento de uma narrativa a compreenso de que a narrativa uma sequncia com duas temporalidades, como citam Gaudreault e Jost (2009, p33), toda e qualquer narrativa pe em jogo duas temporalidades: por um lado, aquela da coisa narrada; por outro, a temporalidade da narrao propriamente dita.

    Neste sentido, o filme Labirinto do Fauno apresenta diferentes planos e cenas que proporcionam estas duas temporalidades, existem cenas em que Oflia segue realizando suas provas em seu mundo mgico, seu mundo simblico inicitico, e, em paralelo, o mundo real, o mundo racional, onde Vidal domina e percorre atrs dos guerrilheiros que cercam a regio. Os momentos iniciais do filme onde um locutor em off narra o que aconteceu seguido da exibio das imagens dos acontecimentos que apresentam temporalidades diferentes, mostram o significado e o significante, espao-tempo, tempo- tempo, espaoespao e que esto presentes em diferentes situaes que confirmam que estrutura narrativa do filme mantem-se alinhada aos critrios propostos por Metz.(apud, GAUDREAULT;JOST,2009)

    O terceiro critrio afirma que toda narrativa um discurso, ou seja, existe um emissor, um agente que narra a histria, Gaudreault e Jost (2009,p.34), Para chegar a esta concluso, Metz de modo anlogo - parte da primeira impresso do

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    consumidor de narrativa que, imediatamente, percebe que algum narra: ..uma vez que h fala, absolutamente necessrio que algum fale .

    Em O Labirinto do Fauno, esta caracterstica reforada, desde o ponto de partida que j inicia com um narrador over, que no se apresenta como personagem e assume a introduo da histria da princesa Moama. O mesmo locutor tambm fecha a narrativa na cena final do filme mais uma vez em off encerrando a histria e apresentando suas concluses. A presena desse narrador over tambm aponta para uma caracterstica presente no conto maravilhoso, em lendas e no universo de um mundo imaginrio, temas que trataremos no desenvolvimento da anlise da narrativa.

    O quarto critrio de reconhecimento e identificao da narrativa indica que a conscincia da narrativa desrealiza a coisa contada, Gaudreault e Jost (2009,p.34) afirmam que , Se o real no proferido por ningum, a fortiori ele jamais conta histrias. Isto , a partir do momento em que lidamos com uma narrativa, sabemos que ela no realidade. (2009 p.34), e ainda complementam, para Metz por uma histria no ser o aqui e agora, a mesma nunca ser confundida pelo espectador com a realidade (ibid,2009, p.34).

    Em o Labirinto do Fauno, o narrador logo na primeira cena ao introduzir a histria com seu estilo de locuo, j apresenta uma indicao esttica para o espectador que se trata de um conto de fadas, de um conto maravilhoso, um mundo imaginrio, um mundo fantstico que logo se diferencia do mundo real.

    O quinto e ltimo critrio indica que uma narrativa um conjunto de acontecimentos, que possui uma unidade fundamental, um discurso fechado, como afirma Metz. Mais uma vez tal caracterstica pode ser notada no filme devido sua complexidade de smbolos e mensagens poder ser melhor compreendida por meio de uma legtima anlise estrutural. O conjunto de acontecimentos, smbolos, situaes e significados que constitui toda a narrativa orientada por um amplo processo do ritual inicitico da princesa Moama e de Oflia, acontecimentos e elementos que, como indicados acima, constituem uma unidade fundamental, algo passvel de anlise apenas no plano terico de uma anlise da narrativa. Tal identificao nos indica a necessidade de detalharmos e estudarmos todos os elementos narrativos separadamente e conseguirmos interpret-los conjuntamente, de tal modo que possamos visualizar esta unidade fundamental, algo essencial para situarmos como um objeto da narrativa cinematogrfica.

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    1.2 A anlise da narrativa de O Labirinto do Fauno conforme Propp

    A unidade fundamental, o ponto de partida e o desfecho proposto por Metz como alguns dos critrios de reconhecimento de uma narrativa, tambm se assemelham e podem ser ainda complementados com os estudos de Propp9 na Morfologia do conto maravilhoso.

    Propp (2010, p.90) afirma que, do ponto de vista morfolgico, podemos chamar de conto de magia todo desenvolvimento narrativo que, partindo de um dano (a) ou carncia (a) e passando por funes intermedirias, termina com o casamento (w) ou outras funes utilizadas, como deslance.

    A afirmao nos indica um alinhamento do filme com as estruturas tambm propostas por Propp, no filme O Labirinto do Fauno justamente a sequncia apontada que pode ser identificada e percebida em toda sua estrutura narrativa. A princesa Moama impulsionada por sua curiosidade atravessa os portes do mundo subterrneo e chega superfcie, ao mundo dos humanos, nele sofre com a luz, com o frio, vivencia dores e acaba morrendo, vindo, posteriormente, a renascer em outros tempos, em outra parte da histria j no corpo de Oflia, conforme indica o narrador na etapa inicial do filme. Nesta narrativa inicial podemos identificar o dano (a) indicado por Propp, seguido de funes intermedirias, provas, dificuldades, ajuda sobrenatural que, depois de superadas, daro a sequncia para o deslance final, sendo o retorno de Oflia para o mundo subterrneo j como a princesa Moama o efeito restaurador.

    Propp (2010) afirma que, no conto maravilhoso, a cada dano ou prejuzo, origina-se uma nova sequncia de atividades intermedirias que resultaro em outros deslances, para o autor, um conto pode conter vrias sequncias, que tambm podem aparecer com um formato de uma sequncia aps a outra ou at mesmo entrelaadas.

    No do filme O Labirinto do Fauno, identificamos que o dano (a) e as sequncias de atividades intermedirias propostas para a personagem principal ocorrem seguidamente uma aps a outra; no filme, o dano e as sequncias

    9 V.L. Propp publicou a Morfologia do Conto Maravilhoso em 1928 teve uma reviravolta em 1958, quando saiu

    uma traduo inglesado livro. Foi constatado que o livro dava explicao cabal a um fato que pertubava os folcloristas: a ocorrncia dos mesmos esquemas narrativos em povos que dificilmente poderiam ter mantido contato entre si, fato este que refora ainda mais uma semelhana direta com os estudos de mitologia e histria da religio que tambm apontam para esta de esquemas e estruturas que abordamos neste trabalho.

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    repetidas representam simbolicamente o parto, o nascimento, as atividades intermedirias, as dificuldades e as provas que sero seguidas aps o parto, posteriormente, daro seqncia ao deslance final. No filme, ser a morte e novamente seu renascimento, tal como uma representao simblica inicitica, que direcionar as sequncias de acontecimentos, como veremos frente na anlise e interpretao simblica de todo o filme.

    Para Propp (2010), existem vrios elementos e funes que constituem o conto maravilhoso. Propomo-nos, ento, a analisar o filme sob cada um desses aspectos, a fim de oferecer o melhor caminho possvel para dividir, analisar, interpretar e identificar com clareza as personagens, suas funes, mensagens, objetos, smbolos e situaes vividas em toda estrutura narrativa do filme O Labirinto do Fauno.

    O detalhamento morfolgico do filme nos permitir uma analise fundamentada na narrativa, podendo ser possvel a compreenso das funes de cada personagem, este processo contribuir para a fundamentao da existncia ou no de uma narrativa simblica oculta e a visualizao de estruturas no visveis sem a aplicao de um mtodo rigoroso de anlise. Com esta anlise morfolgica, poderemos identificar tudo que esteja alinhado a esta estrutura complexa de personagens, situaes, smbolos e mensagens ocultos.

    Para Propp (2009,p.22), no estudo do conto maravilho, o que realmente importa saber, o que fazem as personagens: sendo assim as funes dos personagens representam parte fundamental do estudo do filme O Labirinto do Fauno., o autor afirma, por funo, compreende-se procedimento de um personagem, definido do ponto de vista de sua importncia para o desenrolar da ao Existem diversas funes que constituem o conto maravilhoso e, alm disso, outras partes de grande importncia que ajudam na concepo da trama. A descrio do conto maravilhoso gira em torno do enredo que abarca uma srie complexa de motivos. Um motivo pode se relacionar com enredos diferentes e cada um deles um ato de criao, de conjuno, de convergncia. Da surge decorre para ns a necessidade de estudar no tanto segundo os enredos, mas, antes de tudo, segundo os motivos. (PROPP,2010, p.15). Conforme o autor citado (PROPP, 2010,p. 26)., as funes dos personagens so categorizadas para compreenso dos contos maravilhosos, para ele, o conto

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    maravilhoso comea, habitualmente, com certa situao inicial, ento, enumeram-se os membros da famlia ou o futuro heri (por exemplo um soldado) apresentado simplesmente uma meno ao seu nome ou indicao de sua situao.

    A situao inicial do filme, como j abordado nos critrios propostos por Metz, compreende a primeira cena em que princesa Moama deixa os portes do mundo subterrneo e chega ao mundo da superfcie, o mundo dos humanos. Nesta cena inicial o narrador consolida sua situao inicial, fala de seu nome e apresenta o mundo inicial de sua famlia, narra sua partida e suas conseqncias, em razo da subida ao mundo dos humanos, termina profetizando o futuro da princesa que deveria voltar em outros tempos no corpo de outra pessoa e teria de encontrar um dos portais de entrada e retorno ao reino subterrneo que foram deixados abertos por seu pai.

    Deste modo, com base nesta analise, j podemos constatar a presena da estrutura proposta por Propp para a situao inicial do conto maravilhoso, a herona apresentada exatamente como indica o mtodo da Morfologia do Conto Maravilhoso. Aps essa situao inicial, vm ento as funes das personagens que analisaremos detalhadamente no filme O Labirinto do Fauno, seguindo rigorosamente os itens numerados para cada funo proposta por Propp na Morfologia do Conto Maravilhoso. Teremos com esta iniciativa maior capacidade de visualizar as funes e smbolos articulados pela narrativa do filme associado a cada personagem e situao da histria, podendo deste modo entender os motivos, significados e desdobramentos da narrativa e principalmente visualizar sua unidade fundamental que para ns indica possuir uma mensagem fechada e estruturada. Seguindo cada uma das funes personagens propostas por Propp (2010) analisaremos o filme do item 1 a 32, conforme apresentado na obra a Morfologia do Conto Maravilhoso10, dividiremos cada anlise tambm em tpicos numerados, procurando desenvolver os textos e as anlises exatamente como so apresentados no livro.

    10 Sobre a forma de analisar os contos Propp (2010,p.20)afirma no livro no captulo sobre mtodo que,

    Obteremos como resultado uma morfologia, isto , uma descrio do conto maravilhoso segundo as partes que o constituem, e as relaes destas partes entre si e com o conjunto..

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    1. Um dos membros da famlia sai de casa Definio: afastamento

    Diferentes expresses de afastamento acontecem no filme associadas princesa Moama e Oflia; j na primeira cena, o narrador conta que a princesa Moama atravessou os portes do mundo subterrneo e ficou presa no mundo natural dos humanos, tendo um afastamento permanente de seus pais.

    Outro afastamento tambm alinhado a esta funo da personagem principal ocorre no momento em que Oflia afasta-se da me e caminha na mata em direo a um totem onde encontra seu ajudante mgico.

    Ao longo da estrada onde a menina e sua me seguem em direo ao padrasto, fica claro que seu pai natural havia morrido; para Propp, a morte dos pais uma das formas mais severas de afastamento presente no conto maravilhoso.

    No filme, aps complicaes no parto de sua me, Oflia afastada dela, deixando de dormir em sua cama e passando a dormir sozinha em um poro escuro, esta mais uma forma de afastamento vivido pela personagem.

    A sada de casa essencial, A estrutura do conto maravilhoso pede, de qualquer maneira, que o heri saia de casa. Se o dano no foi suficiente, o conto utiliza-se, para esta finalidade, do momento de conexo. (PROPP, 2010,p.37)

    Um pouco depois, a me de Oflia morre no parto de seu irmo, tendo, deste modo, o afastamento total dos pais, conforme j citado em relao morte de seu pai. Propp (2010) tambm afirma que comum uma das formas de afastamento ser representada por entradas na mata ou floresta, situao que tambm ocorre com a menina em suas provas e andanas em volta da casa ao longo do filme.

    Deste modo, podemos com convico afirmar que, de forma muito clara, esta funo de afastamento est diretamente presente, associada e representada em O Labirinto do Fauno pela personagem principal de Oflia e tambm pela princesa Moama.

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    2. Impe-se ao heri uma proibio Definio: proibio

    A personagem principal Oflia tambm passa por diferentes proibies ao longo do filme, a mais expressiva ocorre assim que ela chega sua nova casa e inicia sua primeira explorao nos arredores guiada pelo seu amigo mgico (uma liblula) que a leva at porta de um labirinto. Neste momento, Mercedes, uma ajudante geral da casa, aparece e diz para que ela no entre no labirinto, pois poder se perder, deixando claro que algo perigoso e proibido.

    Esta proibio tem uma importncia especial uma vez que este local, o labirinto, ser seu ponto de encontro para superao de todas as provas com o Fauno e local de desenvolvimento principal da histria.

    Ao longo do filme, Oflia ainda sofre a proibio de poder dormir com sua me e tambm outras proibies feitas pelo Fauno durante sua jornada de provas.

    Para Propp (2010), a proibio tambm representada por diferentes formas de chegada da adversidade. Oflia vive esta situao repetitivamente, seja nas dificuldades de relacionamento com o padrasto Vidal, seja pelas adversidades das provas orientadas e propostas pelo Fauno, ou at mesmo, por seu sofrimento de ver a me passar por complicaes na gravidez de seu irmo que culminaro em sua morte.

    Chama a ateno que Oflia em determinado momento do filme leva seu irmo recm nascido entrada do poo no labirinto, onde o Fauno a espera, Propp (2010) tambm afirma ser comum no conto maravilho que uma das formas de proibio levar o irmo a um local proibido, a uma mata ou no caso ao labirinto, o local que inicialmente j foi identificado como perigoso e proibido.

    Uma proibio expressa feita pelo Fauno em uma das provas tambm indica a presena desta funo personagem, ele pede que Oflia no consuma qualquer alimento na mesa que estar no local das fechaduras, sendo-lhe dito que se ela vier a falhar neste ponto poder sofrer grandes perigos.

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    3. A proibio transgredida Definio: transgresso

    A transgresso mais expressiva e simblica do filme refere-se entrada de Oflia no labirinto, todo o desenvolvimento das provas, dificuldade , inicia-se quando esta transgresso ocorre e ela desce at o fundo do poo que fica no centro do labirinto. Ainda em complemento a este fato ocorre tambm a transgresso de Oflia que, em uma das provas, acaba provando alguns alimentos da mesa do monstro que haviam sido expressamente proibidos de consumo pelo fauno. Neste momento de transgresso, o monstro acorda e acaba matando alguns de seus guias mgicos. Aps a falha nesta prova, Oflia repreendida pelo Fauno e, por esse motivo, por um perodo sofre a sano de no poder mais completar e prosseguir em suas provas iniciticas que se concretizadas a levariam de volta ao mundo subterrneo.

    Propp (2010) comenta que uma das formas de transgresso o atraso; em um dos momentos Oflia recebe um vestido novo para um ocasio especial com seu padrasto em um jantar especial com convidados, porm a menina foge para a floresta e passa por uma de suas provas iniciticas, volta ento atrasada para o jantar e com todo seu vestido sujo e estragado. Neste momento, repreendido pela me o que representar em mais uma de suas transgresses.

    Outra transgresso da menina ocorre quando descoberta por seu padrasto fazendo magia com uma raiz de planta, uma mandrgora, embaixo da cama de sua me, Oflia j havia sido proibida de fomentar histrias mgicas e sobrenaturais sendo advertida que tudo isto no passava apenas da imaginao de crianas.

    Ao descobrir que ela estava com uma raiz embaixo da cama, a me assume o papel de repreend-la, a raiz ento queimada na lareira e Oflia passa a dormir sozinha no poro, a situao configura mais uma clara adversidade, que neste caso resultado de sua transgresso, tambm mais uma forma de afastamento.

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    4. O antagonista procura obter uma informao Definio: interrogatrio

    O antagonista de Oflia, seu padrasto, no filme representado pelo capito Vidal, o anti-heri, em determinado momento ele passa a interrog-la sobre o que estava fazendo embaixo da cama.

    Vidal tambm vive diferentes situaes em que busca informaes sobre os guerrilheiros que cercam a casa e lutam contra ele e seus soldados. Em outra situao, o Fauno interrogado por Oflia, quem seria ele? O que deve ser feito? Este tipo de questionamento tambm entendemos como uma forma tambm apresentada por Propp (2010) a forma de interrogatrio inverso.

    Cabe destacar que o Fauno, embora fosse um ajudante sobrenatural de suas provas iniciticas, tambm at determinado momento da histria deixa dvidas se tambm poderia ser um anti-heri, um antagonista, ou se poder representar um aliado, aquele que oferecer os desafios a serem superados pela herona. Apesar de o mesmo no representar o papel do anti-heri, em algumas situaes, representa e desenvolve estas funes, uma caracterstica e funo que, conforme Propp indica, pode ocorrer no jogo de representaes das diferentes personagens.

    5. O antagonista recebe informaes sobre sua vtima Definio: informao

    No caso do filme O Labirinto do Fauno, como j foi referido, o antagonista representado pelo capito Vidal, padrasto de Oflia. Durante o filme em diferentes situaes ele aplica interrogatrios e participa de dilogos nos quais obtm informaes de suas vtimas, no caso dos guerrilheiros que lutavam contra o regime ditatorial da poca.

    O heri principal do filme no campo mgico representado por Oflia, que precisa superar as dificuldades e adversidades da vida real, as complicaes da gravidez de sua me e as maldades de seu padrasto, alm de tentar conseguir superar as provas iniciativas que so orientadas pelo Fauno. O filme apresenta tambm outros heris alm de Oflia, so outras personagens da vida real, do mundo real, no caso os guerrilheiros que lutam contra o antagonista principal, Mercedez uma ajudante da casa e o mdico que ajuda subversivamente os guerrilheiros.

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    6. O antagonista tenta ludibriar sua vtima para apoderar-se dela ou de seus bens Definio: Ardil

    O antagonista capito Vidal utiliza meios de coao e fora para ludibriar suas vtimas, executa torturas com capturados, interrogatrios e ameaas, empregando todos os meios disponveis para tentar vencer os guerrilheiros, conforme afirma Propp em uma das funes exercidas pelo antagonista.

    7. A vtima se deixa enganar, ajudando assim, involuntariamente, seu inimigo Definio: cumplicidade

    Ao longo do filme, o capito Vidal consegue astutamente descobrir os guerrilheiros infiltrados em sua casa. Em um dos momentos, o mdico acaba sendo descoberto ao deixar uma de suas ampolas de remdio no local onde os guerrilheiros estiveram, o que em seguida ocasiona sua morte e a perseguio severa dos guerrilheiros e seus traidores.

    8. O antagonista causa dano ou prejuzo a um dos membros da famlia Definio: dano

    Na figura de Vidal, o antagonista prioriza de todas as formas o nascimento de seu filho, mesmo que os esforos exigidos de Carmem, me de Oflia, signifiquem riscos a sua sade e vida. Sua obsesso pelo nascimento e sade do seu filho acaba levando a morte de Carmem, causando assim prejuzo irreparvel a Oflia, a personagem principal e herona do filme. Suas sanes para Oflia tambm a prejudicam, desde seu afastamento do quarto da me, at em seu isolamento e perseguio na cena final. Depois da morte de Carmem, o capito Vidal apodera-se totalmente do irmo recm-nascido de Oflia, sendo esta mais uma parte da intriga e trama que ser resolvida na cena final do filme.

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    9. Falta alguma coisa a um membro da famlia, ele deseja obter algo Definio: carncia

    A carncia principal existente na narrativa de O Labirinto do Fauno est associada personagem principal Oflia, primeiro com a perda do pai e, posteriormente, da me, depois com a perda de uma vida feliz e estvel que ocorreu com a mudana para casa do padrasto cruel e perseguidor, assim, ela deseja restabelecer esta ordem, simbolizada pelo retorno ao mundo mgico, encantado, perfeito, eterno, imortal, que neste filme representado pelo reino subterrneo da princesa Moama. A carncia de Oflia diz respeito desestruturao de sua famlia , ausncia da figura dos pais juntos, seu desejo por um mundo de paz, harmonia e felicidade, como narrado no incio do filme. Oflia busca pela proteo e convivncia perdida com a morte de seus pais, esta sua maior expresso de carncia.

    10. divulgada a notcia de dano ou carncia, faz-se um pedido ao heri ou lhe dada uma ordem, mandam-no embora ou deixam-no ir. Definio: mediao, momento de conexo

    Propp (2010) afirma que existem dois tipos de heri no conto maravilhoso, cita o exemplo, se a jovem foi raptada e desapareceu das vistas de seu pai, neste caso Ivan parte procura da jovem, ento, o heri do conto ser Ivan, e no a jovem raptada. Podemos denominar buscadores este tipo de heri. Se uma jovem ou um menino so raptados ou expulsos, e o conto centrado em quem foi raptado ou expulso, no se interessando os demais que ficaram, ento o heri do conto ser a jovem. (PROPP,2009, p.36)

    No caso do Labirinto do Fauno, Oflia representa, o que Propp denomina como heri vtima, quando ainda era princesa Moama, ao atravessar os portes do reino subterrneo, fica presa fora de seu reino, sofre e morre no mundo dos humanos, renascendo em outros tempos como Oflia, tendo assim que superar provas e encontrar novamente um portal que seu pai deixou aberto, para que pudesse regressar a seu antigo reino.

    Neste caso, a mediao est presente na partida da princesa Moama de seu reino, mas frente, como Oflia ela receber do Fauno a proposta e a oportunidade

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    de superar provas para vencer o dano de ter ficado banida, impedida de voltar a seu reino, sendo este seu dano principal no mundo real.

    11. O heri buscador aceita ou decide reagir Definio: incio da reao

    Oflia, reconhecendo-se como a princesa Moama aps encontrar o Fauno no Labirinto, aceita passar pelas provas visando regressar ao seu reino subterrneo. Este o momento em que o heri buscador- vtima, decide agir, reagir a este estado e passa ento a buscar seu objetivo maior.

    12. O heri deixa a casa Definio: partida

    A partida do heri est expressa j na primeira cena do filme, quando o narrador conta que a princesa Moama atravessa os portes e deixa seu reino, ficando presa ao mundo dos humanos e vindo a falecer para renascer, posteriormente, no corpo de Oflia que representa o heri buscador vtima, que viver muitas aventuras aps sua partida, do mesmo modo, ao longo do filme, Oflia algumas vezes deixar sua casa. Neste caso, mais uma vez configurando sua partida, desta vez em direo s provas que a levaro de volta a seu reino no mundo subterrneo.

    13. O heri submetido a uma prova, a um questionrio, a um ataque, etc., que o preparam para receber um meio ou um auxiliar mgico Definio: primeira funo do doador

    Aps encontrar as liblulas que a levam ao labirinto e ao encontro do Fauno, Oflia recebe instrues, sendo reconhecida como a escolhida, o doador citado por Propp (2010), no caso filme, representado pelo Fauno que como veremos mais frente, ir simbolicamente representar o iniciador, o preceptor, aquele que auxiliar o heri na superao de seus obstculos, aventuras e provas. Neste encontro, Oflia recebe as instrues de sua primeira prova e tambm objetos mgicos, exatamente estando alinhados s situaes e funes das personagens presentes nos estudos de Propp em a Morfologia do Conto Maravilhoso.

    Propp (2010) comenta que uma das funes dessa personagem compreende sua saudao e dilogo com o heri, seguida da entrega de um objeto mgico. Este

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    momento no se configura ainda em uma prova, mas, sim, na preparao para ela, a percepo e constatao de que o heri receptivo, uma demonstrao que no responde de forma grosseira e que est pronto para prosseguir em sua jornada. Este primeiro dilogo entre o Fauno e Oflia ocorre exatamente desse modo, pois Oflia no o questiona, recebe os objetos mgicos e aceita os desafios e provas propostas pelo Fauno.

    14. O heri reage diante das aes do futuro doador Definio: reao do heri

    No filme, Oflia aceita as orientaes de passar pela primeira prova, segue tudo corretamente e vence seu primeiro desafio, deste modo atende funo descrita por Propp (2010) de reagir e vencer uma prova. Neste caso, reagindo positivamente s aes do doador, do iniciador, o Fauno.

    15. O meio mgico passa s mos do heri Definio: fornecimento, recepo do meio mgico

    Antes da primeira prova, Oflia recebe do Fauno um livro mgico que conforme ele, orientar indicando o que fazer em todas as provas, este objeto mgico a acompanhar em toda a sua jornada de provas.

    Na segunda prova, o Fauno passa para Oflia um giz, um objeto mgico capaz de criar e abrir portas, portais, um instrumento que ser fundamental para que ela possa seguir em sua segunda prova e possa super-la. Propp (2010) afirma que, nesta funo personagem, o heri recebe objetos com propriedades mgicas que o auxiliaro em suas aventuras. Para ele, h vrias formas de obteno do objeto mgico, no caso de Oflia o objeto mgico recebido como uma recompensa e ajuda do velho Fauno, o doador, por j ter superado sua primeira prova inicitica.

    15. O heri transportado, levado ou conduzido ao lugar onde se encontra o objeto que procura. Definio: deslocamento no espao entre dois reinos, viagem com um guia

    No filme o Labirinto do Fauno, as viagens em direo s provas de Oflia so guiadas por fadas, pelas orientaes do Fauno e pelo auxlio de objetos mgicos, por exemplo, o livro das encruzilhadas e o giz que indicam e abrem portas e portais.

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    Ela segue sempre em direo floresta, a portas ou escadas que a levam ao mundo mgico, simblico, inicitico e subterrneo. Para Propp (2010, p.48), geralmente o objeto de busca encontra-se em outro reino, este reino pode-se encontrar bem distante em linha horizontal ou bem em cima ou abaixo em linha vertical. Como podemos perceber, para Oflia, a sua busca, seu objeto de interesse, encontra-se no retorno a seu mundo subterrneo, ou seja, abaixo em linha vertical,como afirma Propp (2010).

    Existem formas de o heri acessar este outro reino, Oflia acessa seus espaos mgicos com auxlio de seus objetos mgicos quase sempre em direo a uma linha inferior, abaixo da linha horizontal, do mundo real, seja indo ao fundo de uma rvore, descendo por uma porta mgica a um poro ou descendo as escadas do labirinto at o fundo do poo, tudo em alinhamento ao que afirma Propp em relao a esta funo personagem.

    17. O heri e seu antagonista se defrontam em um combate direto Definio: combate

    No final do filme, Oflia enfrenta seu antagonista, ela rapta seu irmo recm- nascido e sai correndo em direo ao labirinto, onde pretende encontrar o Fauno e completar sua ltima prova. Mas, aps recusar realizar um sacrifcio simblico com seu irmo, retirando gotas de sangue de seu corpo, percebe-se sozinha e abandonada pelo Fauno e frente a seu principal antagonista, o capito Vidal. Aps entregar seu irmo a seu padrasto, Oflia leva um tiro e cai na beirada do poo.

    Aquilo que aparentava ser sua derrota, segue no desenvolvimento da cena demonstrando ser sua vitria final, o fato de negar ceder gotas de sangue de seu irmo demonstra e atesta que a mesma agiu corretamente nesta prova, aps levar o tiro seu sangue cai dentro do poo e, deste modo, ela acaba sendo aceita, podendo ento regressar ao seu reino subterrneo, sagrando-se assim vencedora de seus obstculos e provas iniciticas. J no mundo real, em paralelo, o capito sai do labirinto com seu irmo recm nascido em mos e cercado pelos guerrilheiros que pegam a criana de suas mos o assassinam-no friamente.

    Deste modo, a morte no mundo real de Oflia pelas mos do antagonista, configura sua vitria e possibilidade de renascimento no reino subterrneo, que era sua busca, seu desejo e objeto maior. Ao mesmo tempo, a morte do capito Vidal pelos guerrilheiros representa a derrota do mal e a vitria dos heris guerrilheiros.

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    Todos estes elementos esto perfeitamente alinhados com a funo personagem descrita por Propp (2010).

    18. O heri marcado Definio: marca, estigma

    No primeiro encontro com o Fauno, Oflia recebe a informao de ser uma filha da Lua e a informao de que possui uma marca, que confirma ser ela a princesa Moama, a escolhida. Em uma cena posterior aps cumprir a primeira prova, Oflia ao tomar banho olha no espelho e v uma marca de uma meia lua em seu ombro, esta a sua marca, seu estigma de heri, Propp (2010) afirma que esta funo personagem presente no heri, uma marca, uma confirmao de seu estigma, de certo modo, demonstrando que ela mesmo a escolhida.

    19. O antagonista vencido Definio: vitria

    Como j comentado acima, o capito Vidal derrotado, assassinado pelos guerrilheiros e seu pedido de contarem a seu filho o horrio de sua morte no atendido, concretizando a vitria final sobre o antagonista principal da histria do filme.

    20. O dano inicial ou a carncia so reparados Definio: reparao de dano ou carncia

    Aps superar todas as provas, negando oferecer gotas de sangue de seu irmo ao Fauno e, em seguida, sendo atingida pelo capito Vidal, Oflia regressa ao reino subterrneo. Ao entrar em um amplo salo, reencontra sua me e o pai, agora recebida como a princesa Moama e tem sua carncia e danos reparados, a perda dos pais no mundo real, a busca de um espao harmonioso e feliz, sendo finalmente, consagrada com sua recepo por todos os habitantes de seu reino encantado, com a presena e segurana de seus pais.

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    21. O regresso do heri Definio: regresso

    Como j descrito acima, a entrada de Oflia no salo de seu reino subterrneo configura seu regresso, seu retorno ao ponto inicial, situao inicial de sua partida narrada no incio do filme, o tpico deslance final.

    22. O heri sofre perseguio Definio: perseguio

    Oflia perseguida durante todo o filme por seu padrasto capito Vidal, porm a perseguio principal representada no filme ocorre na cena final, como descrevemos em outro item, quando ela corre o irmo recm- nascido nas mos em direo ao labirinto, o capito Vidal persegue-a insistentemente at a entrada do poo central.

    23. O heri salvo da perseguio Definio: salvamento, resgate

    Ao chegar ao final do Labirinto e no tendo mais para onde seguir em fuga da perseguio de Vidal, Oflia tem a ajuda sobrenatural, as paredes do labirinto abrem-se e ela consegue escapar por um momento do capito Vidal. A situao retrata perfeitamente esta funo descrita por Propp (2010).

    24. O heri chega incgnito sua casa ou a outro pas Definio: chegada incgnito

    Esta representao acontece quando a princesa Moama aparece como Oflia; todos no sabem que ela uma princesa do mundo subterrneo, apenas no encontro com o Fauno ocorre seu reconhecimento como princesa Moama. Ainda neste sentido, no incio do filme, o locutor conta que a princesa Moama aps ficar presa no mundo exterior, no mundo dos humanos, esqueceu quem era e de onde vinha, demonstrando assim ser ela incgnita em seu novo lar, neste novo meio, mundo real, no caso como Oflia.

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    25. Um falso heri apresenta pretenses infundadas. Definio: pretenses infundadas

    Podemos interpretar que o falso heri vem a ser o antagonista capito Vidal, o mesmo no incio aparenta lutar contra o mal, os guerrilheiros, mas, em poucos minutos de filme podemos notar que ele o anti-heri, que representa o antagonista.

    26. proposta ao heri uma tarefa difcil Definio: Tarefa difcil

    Como j descrito, ao longo do filme diferentes tarefas e provas so propostas para Oflia, todas sendo superada uma aps a outra, porm a tarefa mais difcil e a que Oflia precisa realizar um sacrifcio de sangue com seu irmo recm nascido, esta tarefa negada pela mesma e por este motivo ela acaba sendo abandonada pelo Fauno. 27. A tarefa realizada Definio: realizao

    Todas as provas e tarefas propostas pelo Fauno para Oflia so realizadas, com exceo da retirada de gotas de sangue de seu irmo recm-nascido. Em um primeiro momento, o abandono e as repreenses do Fauno aparentam indicar que Oflia falhou nesta ltima prova, porm, ao ser baleada e morta na ltima cena pelo padrasto capito Vidal, seu sangue goteja dentro do poo inicitico do Fauno e logo aps este momento, aparecem imagens de Oflia ingressando e retornando a seu reino subterrneo. Esta cena indicar que ela alcanou seus objetivos; neste momento, o Fauno comenta que o ato de Oflia negar-se a sacrificar o sangue de um inocente era, na verdade, seu verdadeiro desafio presente na ltima e principal prova. Ao negar-se a executar este pedido, Oflia optou pela deciso correta. O Fauno conclui que ela superou a prova mais difcil, no caso a induzia a cometer um erro que, felizmente, acabou no sendo concretizado por sua escolha correta.

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    28. O heri reconhecido Definio: reconhecimento

    Oflia chega ao reino subterrneo com um novo vestido e sapatos vermelhos. Aplaudida, reconhecida por todo seu povo, uma assemblia, a cena final com um narrador em off indica que Oflia, agora novamente como princesa Moama, reinou por muito tempo fazendo todos muito felizes em seu reino.

    29. O falso heri ou antagonista ou malfeitor desmascarado Definio: desmascaramento

    A cena final do filme apresenta os guerrilheiros assassinando o capito Vidal e negando-lhe os seus ltimos pedidos, que seu filho soubesse a forma e a hora exata da morte de seu pai. interessante destacar que este pedido desmascara uma histria que dizia que o pai do capito Vidal havia morrido em batalha e havia quebrado o relgio, para que seu filho soubesse a hora exata que seu pai havia morrido, o capito Vidal sempre negou esta histria, porm nesta cena final isto desmascarado e fica evidente que ele no s acreditava nesta historia como desejava e aspirava que o mesmo acontecesse com ele e seu filho. Neste caso, o antagonista desmascarado, derrotado e punido, sendo negado que seu desejo seja realizado, que seu filho saiba quem foi seu pai, negado at mesmo o direito da criana saber seu nome, bem como a forma e a hora de sua morte.

    30. O heri recebe nova aparncia A cena final da entrada de Oflia no reino subterrneo a mostra usando um

    vestido novo, vermelho, com rosas bordadas e novos sapatos, sua chegada de Oflia ao reino subterrneo com novas vestimentas representa a funo de uma nova aparncia., um momento que fica claro e demonstra sua transformao.

    31. O inimigo castigado Definio: castigo

    Algumas cenas apresentam o antagonista sendo castigada, uma delas mostra Mercedes ferindo o rosto do capito Vidal com uma navalha e tambm a cena j descrita anteriormente de sua morte pelos guerrilheiros onde seus desejos so todos negados, estes representam o maior castigo ao inimigo.

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    32. O heri se casa e sobe ao trono Definio: casamento

    Mais uma vez a chegada de Oflia ao outro reino, as novas vestes, os aplausos e as cerimnias de recebimento representam esta funo de sua subida ao trono, que confirmada pelas histrias continuadas pelo narrador em off. Neste caso, seu casamento no representado como um casamento normal, homem mulher, mas sim seu casamento mstico de sua presena e sua chegada, formando agora a trindade com seu pai e sua me.

    Analisar a narrativa do filme O Labirinto do Fauno sob os critrios propostos por Metz e sob as diretrizes e mtodos propostos por Propp em a Morfologia do Conto Maravilhoso, contribuem significativamente para podermos compreender com profundidade a estrutura narrativa proposta por Del Toro em O Labirinto do Fauno,. Ao identificarmos todos estes critrios e elementos narrativos separadamente, poderemos compreender cada item presente nas funes das personagens, conseguiremos visualizar os motivos, e com maior preciso as mensagens e elementos simblicos presentes na trama.Todas as situaes e smbolos precisam ser detalhados ,analisados e interpretados separadamente para, como j mencionado, que possamos ter acesso a esta unidade fundamental da narrativa cinematogrfica inicitica presente no filme..

    1.3 Anlise da narrativa sob os aspectos da literatura fantstica Como j citamos na introduo deste estudo, o paralelismo, a dvida, a

    diviso entre o mundo real e imaginrio propostos pela narrativa do filme, indica caractersticas do fantstico da literatura e do fantstico realismo do cinema. Fadas, faunos, portais traados com giz, livros mgicos, monstros plidos e mandrgoras que ganham vida. Todos estes elementos fazem parte do que conhecido como definio do fantstico ou, no caso do cinema, o fantstico realismo.

    Num mundo que exatamente o nosso, aquele que conhecemos, sem diabos, slfides nem vampiros, produz-se um acontecimento que no pode ser explicado pelas leis deste mesmo mundo familiar. Aquele que o percebe deve optar por uma das duas solues possveis; ou se trata de uma iluso dos sentidos, de um produto da imaginao e nesse caso as leis do mundo continuam a ser o que so; ou ento o acontecimento realmente ocorreu, parte integrante da realidade, mas nesse caso a realidade regida por leis desconhecidas para ns. (TODOROV, 2010, p.30).

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    interessante destacarmos que esta deciso de acessar aquilo que no do mundo real, de aceitar este mundo diferente do real, alinha-se perfeitamente com a percepo de acesso ao sagrado, h algo de maravilhoso, do mundo fantstico no mundo sagrado, como Todorov aprofundar nos apresentando o conceito:

    O conceito de fantstico deixa o leitor entre o real e o imaginrio, esse aspecto, fantstico, ocorre na incerteza entre escolher uma ou outra resposta. O fantstico a hesitao experimentada por um ser que s conhece as leis

    naturais, em face de um acontecimento aparentemente sobrenatural. (TODOROV, 2010,p. 31).

    Em O Labirinto do Fauno, Del Toro notadamente utiliza esse recurso narrativo presente no fantstico realismo para deixar em aberto para o espectador se o que Oflia vive algo real ou imaginrio, mais frente neste trabalho sob olhar de outros tericos faremos tambm esta relao paralela entre o mundo sagrado e o mundo profano. Os acontecimentos e os aspectos sobrenaturais, presentes na trama e vividos por Oflia, consolidam esta hesitao de experimentao de algo que foge do mundo real.

    O fantstico define-se como uma percepo particular de acontecimentos estranhos; descreve-se demoradamente essa percepo. Para Todorov (2010) o fantstico produz um efeito particular sobre o leitor, no caso do espectador, medo, horror, ou simplesmente curiosidade, e ainda complementa, Em segundo lugar, o fantstico serve narrao, mantm o suspense: a presena de elementos fantsticos permite intriga uma organizao particularmente fechada. (TODOROV, 2010, p.100).

    Mais uma vez, a afirmao converge para os princpios narrativos j identificados nos estudos de narrativa de Metz e de Propp, o que nos faz crer que os recursos narrativos utilizados por Del Toro foram propositalmente articulados e orientados para uma trama fechada, com todos os elementos cuidadosamente pensados e organizados, articulados e associados intencionalmente, permitindo uma harmonia simblica e esta unidade fundamental da narrativa.

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    O fantstico possui, tambm, uma funo primeira vista tautolgica, permitindo a descrio de um universo fantstico, e este universo nem por isto tem qualquer realidade fora da linguagem; a descrio e o descrito no so de naturezas diferentes. (TODOROV, 2010, p.101).

    Tal caracterstica percebida na conduo dos acontecimentos fantsticos e sobrenaturais do filme sempre ocorrendo em espaos e lugares reais (a figueira seca, o labirinto ao lado da casa, o poro) so todos lugares reais, existentes no mundo real, prximo e presente do mundo real, ou seja, este universo do fantstico no possui uma realidade fora da linguagem.

    Uma questo importante refere-se carga simblica presente no filme, tanto no mundo real, quanto no universo fantstico descrito do Todorov. Sobre a interpretao simblica,

    Por outro lado prpria idia de procurar uma traduo direta deve ser rejeitada, porque cada imagem significa sempre outras, num jogo infinito de relaes; depois, porque ela se significa a si mesma: sem ser transparente possui um certo grau de espessura. Seno, seria preciso considerar todas as imagens como alegorias: e vimos que a alegoria implica uma indicao explcita de um outro sentido, o que faz dela um caso muito particular. (TODOROV,2010,p.153).

    A afirmao que toda alegoria implica uma indicao explcita de outro sentido que nos chama ateno, por ser justamente este tipo de utilizao a constatada nas alegorias e smbolos que foram utilizados no filme O Labirinto do Fauno. No Labirinto do Fauno todas as imagens, personagens, situaes nos indicam possuir uma indicao explcita de um outro sentido, um sentido oculto, porm um sentido articulado, integrado, que faz parte de uma mensagem macro, de um contexto subjetivo oculto que no contradiz a narrativa revelada, aberta, mas, que isoladamente tambm possui sua mensagem especial, exclusiva daqueles que podem reconhec la e interpret-la.

    O fantstico oferece elementos poticos para narrativa, como afirma Todorov:

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    Geralmente o discurso potico assinalado por numerosas propriedades secundrias, e sabemos de imediato que, em determinado texto, no se dever procurar o fantstico: as rimas, o metro regular, o discurso emotivo etc., dele nos afastam. (TODOROV, 2010,p. 68).

    Mas, ao considerar o cinema este no , necessariamente, um grande desafio, a no ser no que tange a fico. J a palavra alegrica e a literal podem causar confuses, o termo literal pode designar a leitura prpria da poesia.

    preciso precaver-se de confundir os dois empregos: em um dos casos, literal ope-se a referencial, descritivo, representativo; no outro, o que nos interessa agora, trata-se antes daquilo que se chama tambm o sentido prprio, por oposio ao sentido figurado, aqui o sentido alegrico. (TODOROV, 2010, p. 69)

    Falando em termos simples, a alegoria diz uma coisa e significa outra diferente(Todorov apud Fletcher,2010,p.69). Na literatura fantstica, essa caracterizao pode ser muito explorada. Este elemento percebido na estrutura narrativa de Del Toro, as alegorias e smbolos utilizados dizem uma coisa, mas tambm significam outras coisas, diferentes, mas no deixando de serem precisas, Del Toro indica conhecer estes princpios e elementos do fantstico , e deste modo, intencionalmente constri e explora esta possibilidade que o fantstico oferece ao universo simblico e alegrico, toda esta possibilidade de profundidade, de essncia e interpretao simblica presentes em sua trama.

    Se tomarmos como base o filme O Labirinto do Fauno, a prpria ausncia de nomes, ou utilizao de titulaes no momento de se referir a um personagem, a intensidade e variedade de formas, smbolos e imagens alegricas fortes, demonstram a utilizao de recursos alegricos e simblicos na narrativa. Em uma cena em que Oflia encontra o Fauno, o mesmo no diz seu nome e sempre referido por sua condio de existncia. A utilizao desses recursos ressalta a importncia dada do que a personagem quer transmitir em detrimento do que ele ou que determinada imagem, smbolo ou alegoria querem comunicar. Por outro lado, em contrapartida o autor afirma que:

    Se o que lemos descreve um acontecimento sobrenatural, e que exige, no entanto que as palavras sejam tomadas no no sentido literal, mas e num outro sentido que no remeta a nada sobrenatural, no h mais lugar para o fantstico. (TODOROV, 2010,p. 71)

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    Entretanto, ele assinala a existncia de uma srie de subgneros literrios entre o fantstico e a alegoria pura.

    A fbula o gnero que mais se aproxima da alegoria pura, onde o sentido primeiro das palavras tende a desaparecer completamente. Os contos de fadas, que comportam habitualmente elementos sobrenaturais, aproximam-se, por vezes, das fbulas (...) (TODOROV, 2010,p. 71).

    Este o caminho utilizado por Del Toro, a proposta de deixar o espectador entre duas noes e nunca indicar que tudo o que se passou, foi apenas uma fuga psicolgica ou imaginaria de Oflia, uma prova disto que depois que Oflia morre beira do poo do labirinto, esta aparece em uma outra cena ingressando j como a princesa Moama em seu reino subterrneo. Para no deixar dvidas desta possibilidade dupla de interpretaes entre a realidade e o fantstico, na cena final, o narrador ainda afirma que apesar de muitos duvidarem da existncia da princesa Moama, esta deixou rastros somente visveis para aqueles que sabem procurar, uma clara indicao de que mais uma vez foi indicado ao espectador duas possibilidades, a possibilidade dos fatos ter acontecido ou serem realmente apenas uma fuga ou criao da imaginao.

    (...). Se tal apario no seno o fruto de uma imaginao superexcitada, porque tudo o que a rodeia real. Longe, pois de ser um elogio imaginrio, a literatura fantstica deixa-nos entre as mos duas noes, a da realidade e da literatura, ambas insatisfatrias. (TODOROV, 2010, 176)

    Cabe-nos observar que o filme O Labirinto do Fauno atende aos princpios e normas narrativas do cinema clssico hollywoodiano, tais caractersticas so evidentes, uma vez que o filme o Labirinto do Fauno est presente dentro desta estrutura industrial do cinema e foi distribudo pela Warner Bros..

    O filme hollywoodiano clssico apresenta indivduos definidos, empenhados em resolver um problema evidente ou atingir objetivos especficos (Bordwell, 2005, p.297).. o que explica Bordwell, um dos autores do livro Teoria Contempornea do Cinema.

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    Nessa sua busca, os personagens entram em conflito com outros personagens ou com circunstncias externas. A histria finaliza com uma vitria ou derrota decisiva, a resoluo do problema e a clara consecuo ou no-consecuo dos objetivos. (Bordwell, 2005, p. 297)

    No caso do filme O Labirinto do Fauno, a personagem Oflia participa de uma situao de conflito contra o padrasto, a quem claramente no possui afeto, entra em conflito tambm com a realidade que a cerca versus o mundo de fantasias, o qual ela mergulha profundamente. Em algumas cenas mostra algumas divergncias com a me que lhe pede para esquecer os contos de fadas, dizendo que a magia no existe para ningum. Mas, a situao que demonstra com mais intensidade este conflito sua busca individual, seu processo de superao de provas e desafios que a acompanham nessa fase de transio entre sua infncia e adolescncia. Ao final da trama a sensao de que ela havia falhado, por mais integridade que tenha demonstrado ao no oferecer seu irmo para o sacrifcio, instantaneamente substituda pela emoo quanto percepo de que o grande desafio era, de fato, que ela negasse entregar o irmo. Deste modo, h a sensao de derrota, porm, em seguida, quando o espectador percebe que ela possui honra e integridade, fica clara sua vitria final.Estes estgios demonstram a existncia de uma estrutura, Na verdade, os manuais de roteiro hollywoodianos h muito insistem em uma frmula que resgatada pela anlise estrutural mais recente: a trama composta por um estgio de equilbrio, sua perturbao, a luta e a eliminao do elemento perturbador. (Bordwell, 2005, p.279). No inicio do filme Oflia apresenta-se em uma situao conhecida, de conforto e segurana. Neste momento, o equilbrio latente, aps sua perturbao com o convvio com o padrasto ou pela superao das provas propostas pelo Fauno, estes estgios revelam equilbrio, perturbao e luta. Aps superadas as provas, com a morte de Vidal e regresso ao reino subterrneo, temos o final clssico, a identificao do ltimo estgio que a eliminao do elemento de perturbao em geral.

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    Sobre o final clssico, o autor afirma: H duas maneiras de compreender o final clssico. Podemos entend-lo como o coroamento da estrutura, a concluso lgica de uma cadeia de eventos, o efeito final da causa inicial. Esse entendimento possui alguma validade, tendo em vista a construo bem amarrada frequentemente encontrada nos filmes hollywoodianos clssicos e os preceitos clssicos de roteirizao que a sustentam. (RAMOS, 2005,p. 283)

    isto que ocorre no filme O Labirinto do Fauno em seu final clssico, o retorno de Oflia ao reino subterrneo, agora como princesa aMoama, o desfecho da causa inicial narrada na primeira cena do filme, desde sua partida ao atravessar os portes que a deixou presa fora de seu reino no mundo dos humanos, no mundo real.

    2. O PODER DOS SMBOLOS E SEUS SIGNIFICADOS NA NARRATIVA

    Ao longo de nosso trabalho, identificamos nos diferentes estudos de narrativa a importncia dos smbolos e alegorias para a construo das personagens, funes, motivos e mensagens. No filme, podemos identificar a presena desses elementos servindo como elementos fundamentais da estrutura narrativa, pela intensidade e variedade de smbolos e alegorias presentes no filme O Labirinto do Fauno, somos tencionados a aprofundar nossos estudos nesse campo do conhecimento.

    Em um primeiro momento necessitamos desenvolver a organizao das diferentes compreenses e questionamentos que surgem relacionado ao tema simbolismo: alegoria, atributo, metfora, parbola, emblema, arqutipo, sinais elementares e hierglifos so apenas alguns dos muitos conceitos e palavras que surgem dentro deste campo do conhecimento.

    A respeito do smbolo, Becker afirma:

    ..na origem da palavra smbolo encontra-se o verbo grego symballein, que significa reunir, juntar. Para este verbo o substantivo correspondente symbollon, uma palavra encontrada a primeira vez no Egito antigo num selo de chumbo dos que se usavam na Antiguidade como uma espcie e marca de identidade. (BECKER, 1999,p. 259).

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    Ao mesmo tempo, o termo symballein passou a ser usado em expresses que descreviam a idia de reunir, de ocultar e encobrir (BECKER,p.1999) Sendo assim, podemos afirmar que o sinal convertido em smbolo encobria, dissimulava o sentido aberto do que era representado ou de uma expresso.

    Apenas aquele que tinha o significado oculto, o iniciado, era quem podia entender e visualizar a expresso, a informao, o conhecimento inserido no smbolo. Da nosso uso da expresso narrativa oculta para descrever seu sentido no filme O Labirinto do Fauno, isto se deve variedade e intensidade dos smbolos que por possurem uma unidade fundamental e alinhamento harmonioso, tm a capacidade de comunicar algo mais que s aqueles que compreendem e possuem o significado do conjunto de smbolos e alegorias podem reconhecer na narrativa.

    Becker (1999) complementa que, no campo religioso, o sybmbolum tambm significava artigos de f resumidos em poucas afirmaes fundamentais, com o qual estava associada algo misterioso, Os atributos, alegorias, emblemas e siglas oferecem um significado parcial, e a compreenso do smbolo pode oferecer a essncia, um significado completo em si.

    Deste modo, podemos compreender que em um aspecto mais superficial, a alegoria comunica parte de uma mensagem, quando o smbolo pode possuir uma essncia e mensagem prpria, muitas vezes no conhecida ou revelada, ele nos oferece a essncia, o todo de uma mensagem.

    No filme, O Labirinto do Fauno possvel notar que smbolos e alegorias atuam conjuntamente e em complemento um ao outro, em uma trama e entrelaamento de significados e mensagens convergentes, fato este que nos obriga estudar e compreender melhor o impacto e a importncia do estudo e interpretao dos smbolos.

    A psicologia do sculo XX, preocupada com a anlise profunda, e a fsica do sculo XX comearam a orientar a ateno do homem para o uso dos smbolos como uma maneira til de compreender e fazer uso dos domnios no racionais e intuitivos do seu funcionamento. (WITHTMONT, 2008, p.15)

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    Para Eliade (2008), vivemos um perodo de redescoberta do simbolismo, uma reao contra o racionalismo, o positivismo e cientificismo do sculo XIX. Neste sentido, o crescente inte