shopping center: relaÇÃo jurÍdica entre empreendedor e lojista
TRANSCRIPT
FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS
DYONÍSIO PINTO CARIELO
SHOPPING CENTER: RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE
EMPREENDEDOR E LOJISTA
Nova Lima
2015
DYONÍSIO PINTO CARIELO
SHOPPING CENTER: RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE
EMPREENDEDOR E LOJISTA
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu da Faculdade de Direito Milton Campos, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito. Área de concentração: Direito Empresarial. Orientador: Professor Doutor Ricardo Adriano Massara Brasileiro
Nova Lima
2015
CARIELO, Dyonisio Pinto
C976 s Shopping Center: relação jurídica entre empreendedor e lojista. Dyonisio Pinto Carielo - Nova Lima: Faculdade de Direito Milton Campos / FDMC, 2015
. 161 f. enc. Orientador: Prof. Dr. Ricardo Adriano Massara Brasileiro
Dissertação (Mestrado) – Dissertação para obtenção do título de Mestre, área de concentração Direito empresarial junto a Faculdade de Direito Milton Campos. Referências: f. 153-159
1. Shopping Center. 2. Contratos. 3. Locação. 4. Empreendedor. 5. Lojista. I. Brasileiro, Ricardo Adriano Massara. II. Faculdade de Direito Milton Campos III. Título CDU 347.74.006.4(043) 347.72
Faculdade de Direito Milton Campos – Mestrado em Direito Empresarial
Dissertação intitulada “Shopping Center: relação jurídica entre empreendedor e lojista.”, de autoria do mestrando DYONÍSIO PINTO CARIELO, para exame da banca constituída pelos seguintes professores:
Prof. Dr. Ricardo Adriano Massara Brasileiro Orientador
Prof. Dr.
Prof. Dr.
Nova Lima,___ de _______ de 2015
Alameda da Serra, nº 61 – Bairro vila da Serra – Nova Lima/MG – CEP: 34000-000 – Minas Gerais – Brasil. Tel.: (31) 3289-1900
AGRADECIMENTOS
Ao professor Ricardo Adriano Massara Brasileiro, pela confiança, compreensão
e orientação no acompanhamento deste trabalho.
À Marília e Caio, pelo amor, carinho, apoio, incentivo e compreensão.
Aos professores e amigos, pelo apoio incondicional.
RESUMO
O escopo do presente trabalho é a relação jurídica entre lojista e
empreendedor de shopping center. Tal relação contratual está disciplinada no
art. 54 da Lei de Locações e dispõe que, “prevalecerão as condições
livremente pactuadas nos contratos de locação” e é justamente este artigo que
tem gerado mais polêmica na sua aplicação. São abordados o
desenvolvimento dos shopping centers, o conceito de shopping center, suas
características e as teorias sobre sua natureza jurídica; o contrato e seus
princípios fundamentais, as partes envolvidas e as etapas de sua estruturação;
as controvérsias em torno de cláusulas contratuais presentes em seu contrato
e as normas processuais. Assim, o trabalho “Shopping center: relação jurídica
entre empreendedor e lojista” busca proporcionar ao leitor uma visão
panorâmica da estrutura contratual e institucional do shopping center, na
perspectiva de um negócio peculiar, dotado de características que o
individualizam como uma particularíssima forma de atividade varejista.
Palavras-chave: Shopping Center. Contratos. Locação. Empreendedor.
Lojista.
ABSTRACT
The scope of this work is the legal relationship between retailer and shopping
center entrepreneur. This contractual relationship is described in the art. 54 of
locations and provides that Law, "prevail freely agreed conditions in the lease
agreement" and it is precisely this article that has generated more controversy
in its application. Are addressed the development of shopping centers, the
concept of shopping center, its characteristics and theories about its legal
nature; the contract and its fundamental principles, the parties involved and the
steps of its structure; the controversies surrounding the contractual terms in
your contract and the rules of procedure. Thus, the work "Mall: legal relationship
between entrepreneur and merchant" seeks to provide the reader with an
overview of the contractual and institutional framework of the shopping center
with a view of a peculiar business, endowed with features that individualize as a
very particular form of activity retailer.
Keywords: Shopping Center. Contracts. Lease. Entrepreneur. Shopkeeper.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.................................................................................. 10
2 O DESENVOLVIMENTO DOS SHOPPING CENTERS................... 14
2.1 O início dos shopping centers no Brasil...................................... 17
3 A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E O SHOPPING CENTER............. 19
3.1 Análise econômica do crescimento da indústria do shopping
center no Brasil...............................................................................
20
4 O QUE É UM SHOPPING CENTER? ............................................. 26
4.1 Conceito .......................................................................................... 31
4.1.1 Conceito técnico............................................................................... 31
4.1.2 Conceito econômico......................................................................... 32
4.1.3 Conceito jurídico .............................................................................. 33
4.2 A figura do empreendedor ............................................................ 34
4.3 A figura do administrador ............................................................. 35
4.4 A figura do lojista ........................................................................... 36
5 OS CONTRATOS EMPRESARIAIS ................................................ 37
5.1 A exclusão dos contratos com consumidores............................ 38
5.2 Conceito de contrato...................................................................... 41
5.3 Contrato atípico.............................................................................. 43
5.4 Contrato típico................................................................................ 45
5.5
O artigo 54 da lei de locações (lei nº 8.245, DE
18/10/1991).......................................................................................
48
5.6 A liberdade de contratar, com sujeição às normas..................... 49
5.7 Restrições a liberdade de contratar – dever de obediência às
regras principiológicas - autonomia privada...............................
52
5.8 Força obrigatória e a teoría da imprevisão nos contratos
empresariais……………………………………………………………..
54
5.9 Contrato e erro................................................................................. 58
5.10 Boa-fé............................................................................................... 60
5.11 Função social do contrato.............................................................. 62
6 ESTRUTURA CONTRATUAL ......................................................... 71
6.1 O (pré) contrato de locação e o quadro de informações
básicas ............................................................................................
72
6.2 Normas gerais aplicáveis às locações ........................................ 76
6.3 Regimento interno ......................................................................... 82
6.4 Associação de lojistas .................................................................. 84
6.4.1 Fundo de promoção.......................................................................... 87
6.4.2 Organização e direção...................................................................... 88
6.5 Remuneração devida pelos lojistas.............................................. 92
6.5.1 O aluguel mínimo.............................................................................. 92
6.5.2 Aluguel percentual............................................................................ 95
7 LIMITAÇÕES À ATUAÇÃO DO LOJISTA - A FACULDADE DE
LIMITAR E SEU ALCANCE.............................................................
99
7.1 Cláusula de exibição da contabilidade......................................... 99
7.2 Liberdade para estipular índice de correção monetária............. 102
7.3 Aluguel dobrado e de desempenho.............................................. 105
7.4 O rateio de despesas...................................................................... 107
7.5 Imposição de resultados................................................................ 113
7.6 Apresentação estética das lojas................................................... 114
7.7 A “res sperata”............................................................................... 117
7.8 Cláusula de raio e cláusula de exclusividade.............................. 120
7.9 Proibição de cessão de uso da loja.............................................. 125
7.10 Taxa de transferência da locação..................................................... 126
7.11 Multa por devolução antecipada da loja........................................... 127
7.12 A remuneração unificada (aluguel e encargos)................................ 129
8 NORMAS PROCESSUAIS - O DESPEJO. DIFERENTES
HIPÓTESES. PRESSUPOSTOS DO DESPEJO LIMINAR.............
130
8.1 Ação renovatória da locação. Objetivo e pressupostos............. 137
8.2 Ação revisional de aluguel – pressupostos................................. 144
8.3 Critério de apuração judicial do valor do aluguel........................ 146
8.4 Cláusulas contratuais insuscetíveis de modificação judicial
em renovatória e em revisional.....................................................
148
9 CONCLUSÃO................................................................................... 150
REFERÊNCIAS................................................................................. 152
10
1 INTRODUÇÃO
No dia 18 de outubro de 2015, a lei de locações completa 24 anos.
Em vigor desde 18 de dezembro de 1991, portanto, 60 dias após sua
publicação, nos termos do art. 89 da Lei nº 8.245/91.
A referida lei disciplina as locações dos imóveis urbanos e os
procedimentos a elas pertinentes. Este trabalho aborda um segmento do
mercado em franco desenvolvimento. O crescimento dos shopping centers, de
forma muito veloz, trouxe uma nova modalidade de prática de comércio
varejista, à qual muitos comerciantes aderiram.
No entanto, o foco do presente trabalho é a relação jurídica entre
lojista e empreendedor de shopping center. Tal relação contratual está
disciplinada no art. 54 da Lei do Inquilinato e dispõe que, “prevalecerão as
condições livremente pactuadas nos contratos de locação” e é justamente este
artigo que tem gerado mais polêmica na sua aplicação.
O estudo teve como escopo a análise deste referido artigo, suas
concepções doutrinárias e a forma como ele tem sido interpretado em nossos
tribunais. Para tanto, a metodologia utilizada no tema em apreço foi a pesquisa
exploratória através da coleta e estudo da doutrina e jurisprudência acerca do
tema. A investigação deu-se através de pesquisa teórica, jurisprudencial e
fática, utilizando-se o método observacional.
Adotou-se como marco a publicação da Lei nº 8.245, de 18 de
outubro de 1991, bem como a nova configuração jurídica conferida aos
princípios, sendo estes considerados como verdadeiras normas jurídicas com
aplicação e eficácia reconhecidas na atualidade.
Neste sentido, foram utilizadas obras dos principais doutrinadores do
país sobre o assunto que analisam o momento jurídico que se vive nos dias
atuais, bem como artigos jurídicos específicos sobre o tema, publicados nas
principais revistas jurídicas especializadas.
Assim, o trabalho “Shopping center: relação jurídica entre
empreendedor e lojista” busca proporcionar ao leitor uma visão panorâmica da
estrutura contratual e institucional do shopping center, na perspectiva de um
11
negócio peculiar, dotado de características que o individualizam como uma
particularíssima forma de atividade varejista.
No plano estrutural, o trabalho está dividido em nove capítulos,
excetuando-se a introdução e conclusão, a saber: o desenvolvimento dos
shopping centers; a legislação brasileira e o shopping center; o que é um
shopping center?; os contratos empresariais; estrutura contratual; limitações à
atuação do lojista; e as normas processuais.
Sendo assim, como qualquer estudo detido que se queira fazer
sobre algum tema jurídico, o início do trabalho aborda os principais fatos
históricos que foram relevantes para o surgimento e desenvolvimento do
shopping center no nosso país, num primeiro momento no exterior, e depois
aqui no Brasil.
No terceiro capítulo, foi abordado o crescimento da indústria do
shopping center no Brasil, com gráficos e números que demonstram a
importância deste centro comercial no mercado econômico brasileiro.
No quarto capítulo, foi estudado o conceito de um shopping center e
as pessoas que participam desses centros comerciais, notadamente o
empreendedor, administrador e lojista. Deixo de falar do consumidor, pois a ele
apenas interessa fazer compras num ambiente agradável, com comodidade,
segurança e mais uma série de outras condições favoráveis que ora não
interessa abordar.
No quinto capítulo, foi abordado o contrato empresarial firmado entre
empreendedor e lojista de acordo com o definido no art. 54 da Lei nº 8.245/91 e
as regras principiológicas de direito. Neste ponto é analisado o âmbito da
liberdade de contratar das partes.
A análise que se fará de contratos firmados entre empresários será
de grande importância, porque os contratos de shopping center, serão
qualificados como contratos típicos interempresariais.
É o que se procurará fazer nesta parte deste trabalho.
No sexto capítulo, foi abordada a estrutura contratual desta relação
jurídica entre empreendedor e lojista. Neste capítulo, foi estudado o contrato de
locação, as normas gerais, o regimento interno e a associação de lojistas.
Os shopping centers são estruturados pelo empreendedor por meio
de vários contratos individualmente firmados com cada um dos múltiplos
12
lojistas. E tais contratos, considerados em conjunto, formam uma grande rede
contratual.
Demonstrar-se-á que, além da obrigação de ceder o uso do espaço
físico ocupado pelo lojista – obrigação comum a todos os locadores de imóveis
comerciais -, o empreendedor tem diversas outras obrigações.
Como o verso da mesma moeda, o empresário, que instala sua loja
em um shopping center, tem uma série de obrigações (que o locatário de lojas
no correr das ruas não tem), decorrentes de praticar a sua atividade
empresarial inserido em um conjunto previamente projetado, objetivando todos,
lojistas e empreendedor, lucrar juntos ao máximo.
No sétimo capítulo, foram abordadas as principais cláusulas de um
contrato de locação, destacando-se alguns aspectos jurídicos peculiares,
apontando-se as abusividades existentes, bem como suas implicações e
aplicações no Judiciário brasileiro.
É no desentendimento entre as partes que os contratos são postos à
prova, cabendo ao Judiciário dizer se as cláusulas contratuais e as condutas
das partes estão de acordo com o direito. Todas as questões anteriormente
tratadas serão, então, aprofundadas, demonstrando-se, por meio de julgados
coletados, a inteligência dos conceitos explorados pelo Judiciário, inteligência
esta que será objeto de análise crítica.
No oitavo capítulo, foram abordadas as normas processuais
aplicáveis em caso de desavença contratual, comentando aspectos das ações
de despejo, renovatórias e revisionais, com as respectivas medidas liminares e
suas nuances.
Cumpre, por conseguinte, deixar claro, desde logo, o âmbito restrito
do estudo: tratar-se-á do contrato de locação de espaço físico em shopping
center, estando excluídos os contratos que envolvam relações de consumo,
trabalho, poder público e afins.
Ademais, a relação entre as partes não será analisada sob o
enfoque do direito concorrencial, não obstante a menção que será feita à
controvérsia envolvendo a denominada “cláusula de raio” que é a proibição que
o shopping center impõe aos lojistas de explorar o mesmo ramo de comércio
por eles exercido em uma distância circunscrita pré-determinada. Aspectos do
13
shopping center ligados ao direito urbanístico, ambiental e tributário também
estão excluídos do trabalho.
Por fim, cumpre salientar que este trabalho destina-se, sem
ambicionar a perfeição, à divulgação da estrutura jurídica dos shopping
centers, da (ir)restrita liberdade contratual e das soluções que vêm sendo até
aqui adotadas pelo Poder Judiciário, já que o modelo de negócio em estudo,
ditado pela autonomia da vontade das partes, constitui verdadeira fábrica de
novidades, a fazer presumir que, neste exato momento, novos e instigantes
temas estão nascendo. Foi com essa mentalidade, inclusive, que procurei
ampliar a área de debates, trazendo ao trabalho alguns assuntos novos.
14
2 O DESENVOLVIMENTO DOS SHOPPING CENTERS
A essência da concepção do shopping center não é nova. Evoluiu a
partir das feiras de comerciantes da idade média. Construções com as
características de um shopping center já existiam no começo do século XX.
Todavia, esses centros comerciais, como hoje são conhecidos, somente
começaram a se delinear após a segunda guerra mundial (1939 – 1945),
assumindo posição de destaque nos Estados Unidos.
Esses enormes e elegantes edifícios comerciais que acolhem as mais diversificadas lojas, surgiram nos Estados Unidos logo após a II grande guerra, em 1950, fruto da inventiva e do gênio progressista dos empresários norte-americanos. Foram logo, com simplicidade, denominados shopping centers.
1
Com outro aspecto, o International Council of Shopping Centers
(Associação Internacional de Shopping Centers) – ICSC – data o surgimento
dos modernos shopping centers e suas modalidades nos Estados Unidos em
meados de 1920.2
A ideia de desenvolver um shopping center afastado do centro da
cidade é atribuída a Jesse C. Nochols, na cidade de Kansas, no Estado de
Missouri denominado “Country Club Plaza”. Este shopping destinou-se ao
desenvolvimento residencial de uma área periférica daquela cidade. As suas
lojas apresentavam um modelo único, com certa padronização, controladas por
um só administrador. O shopping center possuía estacionamento pavimentado
e iluminado, integrado à administração. Trata-se do marco inaugural entre o
shopping center e o automóvel, motivando uma tendência que se espalhou
pelas cidades.3
Com o passar do tempo, surgiram outras modalidades de shopping
centers, como os de conveniência, apresentando um supermercado, uma
1 REQUIÃO, Rubens. Considerações jurídicas sobre os centros comerciais shopping
centers no Brasil. São Paulo: RT, 1983. p. 11. 2 INTERNATIONAL COUNCIL OF SHOPPING CENTERS. Disponível em http:/www.icsc.org.
Acesso em 25/11/2013. 3 INTERNATIONAL COUNCIL OF SHOPPING CENTERS. Disponível em http:/www.icsc.org.
Acesso em 25/11/2013.
15
drogaria, entre outros estabelecimentos. Dentre esses shopping centers, cita-
se o “Grandiview Avenue Shopping Center”, na cidade de Columbo, no Estado
de Ohio, aberto em 1928. Esse shopping center, composto por lojas
posicionadas umas ao lado das outras, com estacionamento, mantém-se até os
dias de hoje. É o que se denominam shopping centers de conveniência ou de
rua, pequenos shopping centers de bairro.
Ainda pela informação trazida pelo ICSC, o primeiro shopping center
realmente planejado foi o “Highland Park Shopping Village”, fundado em 1931,
na cidade de Dallas, no Estado do Texas, desenvolvido por Hugh Prether.
Assim como o Country Club Plaza, suas lojas foram construídas com um
modelo único e controladas por um só administrador e proprietário. Entretanto,
o Highland Park Shopping Village apresentou uma inovação na arquitetura das
lojas, já que eram afastadas da rua.
Nos anos 50, inauguraram-se os primeiros shopping centers,
ancorados por lojas de departamentos, efetivamente planejadas, o que garantiu
sucesso aos empreendimentos, por ter havido “aumento no poder aquisitivo da
população, o desenvolvimento da indústria automobilística e a descentralização
da população para as zonas periféricas”, dentre outros fatores.4
Em 1956, foi concluído o primeiro shopping center de dois andares,
o “Southdale Center”, na cidade de Edina, fora de Minneapolis, no Estado de
Minnesota. Tratava-se do primeiro grande shopping center regional totalmente
fechado, por se localizar no norte do País e ter um inverno rigoroso. Apesar de
inicialmente ser adaptada aos locais de clima frio, essa estrutura passou a ser
largamente utilizada, mantendo-se nos dias atuais.
Nesta segunda metade do século XX, o comércio varejista,
conheceu ainda uma inovação logística: a constituição de centros de compras
especificamente planejados para atrair clientes e facilitar, ao máximo, a venda
de produtos. Segundo Lima Filho, “as mudanças nos padrões do sistema
varejista podem ser consideradas como uma resposta a um novo conjunto de
variáveis tais como a interação entre os compradores e comerciantes, novos
4 “O shopping center é de origem relativamente recente. Segundo uns, teria surgido entre os
anos de 1945 e 1948. Entretanto, como informa a Grande Enciclopédia do Instituto Geográfico de Agostini, de Novara, o shopping center efetivamente apareceu na década de 50, mais exatamente no ano de 1952, nos Estados Unidos da América” (MONTEIRO, Washington de Barros. Shopping centers – Aspectos jurídicos, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984. p. 163).
16
níveis de avanços econômicos e tecnológicos. Os shopping centers são a
maior consequência desses fatos”.5
É o auge de um processo evolutivo, traduzido por Verri, no qual há
pouco existiam apenas “lojas de rua”, nas quais “o comerciante tinha como
preocupação principal a área de alcance de seu comércio, ou seja, sua
vizinhança, passa pelos „mercados municipais‟, organizados pelas prefeituras,
mas sempre sem „um nível complexo de organização‟”.6
Esse fenômeno originado nos Estados Unidos, no período pós-
guerra foi destacado por Lima Filho que,
uma análise do desenvolvimento dos shopping centers mostra que nos Estados Unidos estas instituições aparecem como resultado do esforço de avaliação das oportunidades de mercado, feito por planejadores urbanos, grandes companhias imobiliárias, e corporações varejistas nacionais.
7
Dos anos 80 aos anos 90, observou-se um crescimento considerável
da indústria de shopping centers, com a construção de centenas de unidades.
A partir dos anos 90, ocorreu um “boom” na construção de grandes
shopping centers, com a associação dos empreendedores/proprietários em
estruturas societárias sob as mais variadas formas como consórcios,
companhias abertas, e não mais as tradicionais sociedades limitadas formadas
por empresas de cunho familiar.
Verri destaca que na América do Norte tem enorme “facilidade em
encontrar-se espaços para implantação dos shopping centers, e o investimento
maciço do setor privado, sem grandes interferências dos Poderes Públicos,
facilitaram o proliferamento desses centros comerciais.”8
Atualmente, o maior shopping center dos Estados Unidos é o “The
Mall of America”, na cidade de Bloomington, no estado de Minnesota, com
aproximadamente 390.000 m², que interligou o varejo ao entretenimento. Essa
é nova tendência dos shopping centers, o entretenimento. 5 LIMA FILHO, Alberto de Oliveira. Shopping centers – EUA vs. Brasil: uma análise
mercadológica comparativa. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1971. p. 16. 6 VERRI, Maria Elisa Gualandi. Shopping centers: aspectos jurídicos e suas origens. Belo
Horizonte: Del Rey, 1996. p. 21-22. 7 LIMA FILHO, Alberto de Oliveira. Shopping centers – EUA vs. Brasil: uma análise
mercadológica comparativa. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1971. p. 6-7. 8 VERRI, Maria Elisa Gualandi. Shopping centers: aspectos jurídicos e suas origens. Belo
Horizonte: Del Rey, 1996. p. 137.
17
Já o maior shopping center do mundo encontra-se na cidade de
Dongguan, na China, com mais de 600.000 m², denominado “New South China
Mall”.
Os avanços tecnológicos, somente vistos em grandes centros de
entretenimento, tais como os parques de diversão, foram adaptados aos
shopping centers, através dos jogos virtuais, de cinemas e outros serviços
como uma variedade de restaurantes, exposições de artes, pista de patinação
no gelo, bichos, academia, grandes lojas de livros com cafés, até anexos de
escritórios, etc.9
Sendo certo, como colocado por Lima Filho, que “as inovações
varejistas refletem o estágio do sistema mercadológico de uma nação e o
progresso das comunidades”10 parece-me adequado afirmar que o surgimento
desses centros de compras atesta o amadurecimento das técnicas capitalistas
de estímulo de consumo.
2.1 O início dos shopping centers no Brasil
No Brasil, o primeiro shopping center foi inaugurado em 1966, sendo
o Shopping Iguatemi, em funcionamento há quase 50 anos, na cidade de São
Paulo, seguido cinco anos mais tarde pelo Conjunto Nacional de Brasília, o
qual adotou os padrões e conceitos internacionais dessa indústria.
Os anos 70 são marcados por sucessivas crises econômicas, que
assolaram o país, causando inflação e desemprego. Essa década de recessão
prejudicou o desenvolvimento dos Shopping Centers.
No final dos anos 70, são inaugurados cinco empreendimentos: dois
em São Paulo, um no Paraná, um na Bahia e um em Minas Gerais.
Mas, foi a partir de 1980 que a indústria de shopping centers
aumentou consideravelmente no Brasil. Foram inaugurados quatro na cidade
do Rio de Janeiro e quatro na cidade de São Paulo, dois no Paraná, dois no
9 INTERNATIONAL COUNCIL OF SHOPPING CENTERS. Disponível em http:www.icsc.org.
Acesso em 25/11/2013. 10
LIMA FILHO, Alberto de Oliveira. Shopping centers – EUA vs. Brasil: uma análise mercadológica comparativa. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1971. p. 3.
18
Estado de São Paulo, dois em Santa Catarina e um nas cidades de Goiânia
(GO), Porto Alegre (RS), Fortaleza (CE) e Brasília (DF).
Conforme explica Ladislau Karpat em sua obra: “o crescimento da
atividade ocorreu de uma forma muito rápida, constituindo-se até numa
verdadeira explosão, e a regulamentação não acompanhou”11.
Para Gladston Mamede,
os shopping centers tornaram-se parte necessária da paisagem urbana, colocando-se, no mercado varejista, como uma alternativa necessária: estar fora de um shopping é, em muitos casos, motivo bastante para o fracasso de um empreendimento; competir com as estruturas dos shoppings centers, por outro lado, torna-se praticamente impossível.
12
O surgimento de shopping centers no país se deu pelos seguintes
motivos:
(a) a descentralização para a periferia, em consequência do aumento e concentração da população nas áreas urbanas; (b) o desafogamento do trânsito em virtude dessa descentralização; (c) a facilidade de estacionamento de automóveis, pois há, obrigatoriamente, nos shopping centers, o deck-parking; (d) a segurança que oferece contra a onda de violência existente, pois, sem dúvida, é muito mais difícil um assalto no shopping center do que em estabelecimento comercial isolado ou mesmo em magazine.
13
Ademais, o crescimento não se deu apenas pelo investimento
privado, uma vez que nesta época houve uma abertura de crédito pelos bancos
públicos para financiar essa atividade comercial varejista.
11
KARPAT, Ladislau. Shopping Centers: manual jurídico. 2 ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 7.
12 MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping center. Abusos e ilegalidades.
Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 26. 13
PINTO, Dinah Sonia Renault. Shopping Center: uma nova era empresarial. 3. ed. rev. e atual. por Vânia Renault Bechara Gomes e Marcos Bragança. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 2.
19
3 A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E O SHOPPING CENTER
Dos anos 60 do século passado até o início dos anos 90
subsequentes, especialistas na área jurídica muito discutiram sobre a correta
natureza da relação contratual estabelecida entre empreendedores e lojistas,
até que sobreveio a Lei nº 8.245, de 18/10/1991, eliminando a controvérsia
então existente.
Em grandes correntes, predominavam, no período que antecedeu à
citada lei: (i) aqueles que defendiam que a relação entre lojistas e
empreendedores seria a de uma locação como qualquer outra; (ii) os que a
classificavam como um contrato totalmente atípico; e (iii) os que sustentavam
tratar-se de um contrato misto, mesclando traços de locação e da parceria, com
elementos inéditos no comércio brasileiro.
Ocorreram inúmeras discussões na década de 1.980 sobre a
natureza jurídica da relação contratual entre empreendedores e lojistas de
shopping centers. A maioria da doutrina pátria seguiu a trilha aberta por
Rubens Requião,14 Washington de Barros Monteiro15 e Caio Mário da Silva
Pereira,16 entendendo tratar-se de contrato de locação, enquanto a voz isolada
de Orlando Gomes,17 - que ganhou, posteriormente, a companhia de -, entre
outros, Darcy Bessone1819 e Álvaro Villaça Azevedo,20 defendia a tese de se
tratar de contrato atípico.
14
Que, em artigo publicado em maio de 1983, entendeu haver contrato de locação coligado a outros contratos. REQUIÃO, Rubens. Considerações jurídicas sobre os centros comerciais shopping centers no Brasil. São Paulo: RT 571, 1983. p. 29-35.
15 O qual, em artigo datado de 27/10/1983, asseverou ser o contrato “desenganadamente, o de
locação, embora algumas peculiaridades, que, todavia, não chegam a descaracterizá-lo” (MONTEIRO, Washington de Barros. Shopping centers. RT 580/12, São Paulo: RT, fev. 1984. p. 44).
16 Que, em artigo datado de 07/11/1983, concluiu tratar-se “de um novo vero e próprio contrato
de locação” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Shopping centers, organização econômica e disciplina jurídica. RT 580/22, São Paulo: RT, fev. 1984. p. 128).
17 GOMES, Orlando. Traços do perfil jurídico de um shopping center. RT 576, out. 1983. p.
765-793. 18
BESSONE, Darcy. Problemas jurídicos do shopping center. RT 660, out. 1990. p. 713-729.
19 BESSONE, Darcy. O shopping na lei de inquilinato. RT 680, jun. 1992. p. 731-748.
20 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Atipicidade mista do contrato de utilização de unidade em
centros comerciais e seus aspectos fundamentais. In: PINTO, Roberto Wilson Renault; OLIVEIRA, Fernando Albino de (coord.). Shopping centers: questões jurídicas: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 17-54.
20
Naquele momento, pairava um sítio de muitas dúvidas. E,
reconhecendo esse ambiente, os empreendedores buscam dele se beneficiar.
Com efeito, a Associação Brasileira de Shopping Centers (ABRASCE) passou
a produzir, freneticamente, material jurídico, mormente sob a forma de artigos e
pareceres, que defendem posições que lhe são favoráveis.
Destarte, diante da lacuna doutrinária, tal material passou a ser
utilizado amplamente, sobretudo por pesquisadores que produziam novas
publicações, criando um círculo vicioso de análises que não privilegiavam
certas particularidades do problema.
A ausência de legislação específica naquela época gerava certa
insegurança, em especial, para o lojista.
No entanto, com a entrada em vigor da citada lei de 1.991, a qual
consolidou o regime jurídico da locação predial urbana no Brasil, tanto para
imóveis residenciais como para não residenciais, aí incluídos aqueles
destinados à exploração comercial.
No que concerne aos shopping centers, alinhando-se à doutrina e à
jurisprudência dominantes, a lei adotou, como regime jurídico, a liberdade de
contratar conjugada com a sujeição de lojistas e empreendedores às normas
processuais comuns às locações em geral.
Entretanto, o estágio atual dessas relações revela algum
desiquilíbrio nas relações entre os empreendedores de shopping center, pólo
favorecido, e os lojistas, a eles submetidos quer pelo desconhecimento da
tecnologia de funcionamento de tais empreendimentos ou por estruturas
jurídicas abusivas. É o que veremos na sequência deste trabalho.
3.1 Análise econômica do crescimento da indústria do shopping center no
Brasil
A partir dos anos 90 do século passado, o número de
empreendimentos vem crescendo de forma acentuada, muito em virtude do
crescimento econômico do país, da segurança jurídica com a edição da Lei nº
8.245/91, entre outros fatores.
21
Segundo levantamento realizado pela ABRASCE (ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE SHOPPING CENTERS) existiam 520 shoppings centers no
Brasil, no ano de 2.014. O faturamento das lojas de shopping center
representavam 19% do faturamento do varejo nacional, excluídas as vendas de
combustíveis e GLP (gás liquefeito de petróleo), com faturamento estimado em
2.014 de R$ 142,30 bilhões de reais.21
A ALSHOP (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LOJISTAS DE
SHOPPING), afirma que, em 2.013, o varejo de shopping center anotou um
crescimento de 8% em relação ao ano anterior, reportando vendas na cifra de
R$ 132,8 bilhões de reais. Esse montante representa um crescimento
percentual de 8,0%, impulsionado, principalmente, pela inauguração de novos
empreendimentos e pela expansão no número de lojas em shopping centers já
existentes.22
A informação abaixo mostra a evolução do número de Shopping
Centers no Brasil a partir de 2.00623.
SHOPPING CENTERS NO BRASIL – 2.013
ANO
Nº
DE
SHOPPING
ABL
(MILHÕES DE
M2)
LOJAS FATURAMENTO (EM
BILHÕES DE
REAIS/ANO)
EMPREGOS TRÁFEGO DE
PESSOAS
(MILHÕES
VISITAS/MÊS)
2006 351 7,492 56.487 50 524.090 203
2007 363 8,253 62.086 58 629.700 305
2008 376 8,645 65.500 64,6 700.650 325
2009 392 9,081 70.500 74 707.166 328
2010 408 9,512 73.775 91 720.641 329
2011 430 10,344 80.192 108 775.383 376
2012 457 11,403 83.631 119 877.000 398
2013 495 12,940 86.271 129 843.254 415
Com relação ao número de empregos, a ALSHOP informa que as
lojas e os shopping centers são grande força na absorção de mão de obra, 21
Os dados do histórico dos shoppings center foram retirados do sitio da ABRASCE. Disponível em http:www.abrasce.com.br. Acesso em 10/02/2015.
22 Os dados foram retirados do sitio da ALSHOP. Disponível em http:www.alshop.com.br.
Acesso em 10/02/2015. 23
Fonte: Censo Brasileiro de Shopping Center 2013/2014. ABRASCE.
22
empregando em 2.013, 1.209.480 funcionários nas lojas e 85.030
trabalhadores na operação dos shopping centers, totalizando 1.294.510
empregos diretos, gerando 79.800 novos empregos em 2.013.24
Analisamos agora o faturamento por região e faturamento anual por
shopping center25:
O faturamento anual total foi de R$ 142,30 bilhões de reais.
O faturamento médio anual por shopping center foi de R$
261.056.130,00.
24
Os dados foram retirados do sitio da ALSHOP. Disponível em http: www.alshop.com.br. Acesso em 10/02/2015.
25 Fonte: Censo Brasileiro de Shopping Center 2013/2014. ABRASCE.
0
10.000
20.000
30.000
40.000
50.000
60.000
70.000
80.000
90.000
Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul
23
Vejamos o faturamento26 dos shopping centers durante os dias da
semana em porcentagem:
Para fechar esse estudo de faturamento27 dos shopping centers,
vejamos a receita consolidada em porcentagem:
26
Fonte: Censo Brasileiro de Shopping Center 2013/2014. ABRASCE. 27
Fonte: Censo Brasileiro de Shopping Center 2013/2014. ABRASCE.
0
50.000.000
100.000.000
150.000.000
200.000.000
250.000.000
300.000.000
350.000.000
Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
Segunda Terça Quarta Quinta Sexta Sábado Domingo
24
Ressalta-se que, esses números mostram a pujança do mercado
dos centros comerciais na economia brasileira.
Segundo a ABRASCE28, existiam, em 2.014, aproximadamente
13,888.975 milhões de m² de ABL (Área Bruta Locável) distribuídos nos 520
Shopping Centers por todo o Brasil.
Em termos regionais, cerca de 54,8% do total de ABL encontra-se
na região Sudeste, em consequência dessa região do País ser responsável por
maior parte do PIB, concentrando os maiores índices de densidade
populacional e de renda per capita.
Vejamos a participação por região29:
REGIÃO Nº DE SHOPPING
CENTER
% DO TOTAL ABL
Norte 25 4,8% 647.752
Nordeste 75 14,4% 2.284.658
Centro-Oeste 47 9,0% 1.124.584
Sudeste 286 54,8% 7.935.584
Sul 89 17,0% 1.896.396
Total 522 100% 13.888.975
28
Fonte: Censo Brasileiro de Shopping Center 2013/2014. ABRASCE. 29
Fonte: Censo Brasileiro de Shopping Center 2013/2014. ABRASCE.
Receita consolidada
Aluguéis
Merchandising
Serviços
Estacionamento
Taxas
25
São vários os fatores de crescimento dos Shopping Centers, como o
crescimento urbano, a necessidade de maior segurança e maior conforto, a
facilidade de estacionamento, o tenant mix (conjunto de lojas), a segurança, as
características climáticas brasileiras, a igualdade de trabalho entre homem e
mulher, a estabilidade econômica com a implementação do Plano Real,
aumento da carteira de fundos de pensão que aumentou os investimentos em
Shopping Centers, entre outros.
Desta forma, vejamos os aspectos mais evidentes da política
econômica, trazidos pelos shopping centers, que a seguir resumimos:
1) O shopping center, além de proporcionar serviço melhor e mais
eficiente, presta-se melhor ao controle do Governo, seja com
relação ao combate à inflação, ao contrabando de mercadorias
ou seja para evitar a evasão fiscal.
2) O shopping center alcança todas as classes sociais, alta, média e
baixa.
3) A salutar competição que existe dentro de um shopping center.
4) O shopping center pode servir à promoção de exportadores, pelo
estabelecimento, no Exterior, de bases para a comercialização
de nossos produtos.
5) Para o modelo econômico, o shopping center é, ainda, relevante
como nova estrutura empresarial de atuação.
6) O shopping center é um instrumento importante de
descentralização urbana, permitindo evitar o adensamento
excessivo, seja nos centros de cidades, seja em bairros
tendentes à excessiva concentração demográfica.
26
4 O QUE É UM SHOPPING CENTER?
O shopping center constitui, como a própria tradução literal desta
denominação de língua inglesa, “centro de compra”, que reúne características
especiais.30 O verbo to shop ou shopping, variação do verbo to buy tem, na
língua pátria, a exata significação de “fazer compras”, enquanto center, é óbvio,
encontra na palavra “centro” a sua tradução.
O empreendedor de shopping center é fundamentalmente um
empresário, ou seja, uma pessoa que dá início a uma organização e realiza
inovações em seu setor. Nesta atividade, transforma uma área inutilizada em
um grande centro comercial de alta produtividade.
Em um primeiro plano, os shopping centers são um empreendimento
imobiliário: um espaço físico, um terreno e uma edificação que possuem
proprietário e cujos uso e gozo são disponibilizados a comerciantes-locatários.
Fácil, assim, visualizar em tal negócio uma relação locativa; basta recordar
Eduardo Espínola Filho, que remete à tradição romana, mantida no Direito
brasileiro, “segundo a qual a locação de coisas é um contrato, em que uma das
partes se obriga, mediante remuneração, a ceder à outra, o uso e gozo da
coisa”.31
No entanto, Caio Mário da Silva Pereira32, descreve a noção de
shopping center em várias fases:
Na primeira fase, a denominada “preparatória”, o empreendedor,
assessorado por profissionais de diversas áreas, como economistas,
engenheiros, mercadólogos e arquitetos, elaboram um estudo de viabilidade
financeira, realiza um levantamento e estudo detalhado do local onde pretende
erguer o shopping center, levando em consideração a área necessária para
construir o empreendimento e as características socioeconômicas da
população que habita, trabalha ou transita na região em que será erguido o
30
O termo já está inserido no renomado Novo Dicionário Aurélio, como “reunião de lojas comerciais, serviços de utilidade pública, casas de espetáculo, etc., em um só conjunto arquitetônico.”
31 ESPINOLA FILHO, Eduardo. Manual do inquilinato no direito civil vigente. 5. ed. Rio de
Janeiro, 1963. p. 7. 32
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Shopping Centers, organização econômica e disciplina jurídica. Editora Revista dos Tribunais, 1984. p. 18-19.
27
futuro centro comercial, pessoas estas que serão as futuras frequentadoras e
consumidoras do shopping center.33
Diante dos potencias frequentadores do centro comercial é que o
empreendedor define qual será o perfil do shopping center e estrutura os ramos
de atividades ideais para serem realizadas pelos futuros locatários,
distribuindo-os de forma organizada no interior do empreendimento (tenant
mix).
A ABRASCE considera as seguintes espécies de shopping
centers34: (i) shopping regional; (ii) shopping comunitário; (iii) shopping de
vizinhança; (iv) shopping especializado; (v) outlet center; e (vi) festival center.
Por outro lado, a ALSHOP, sem conceituar as espécies de shopping center,
leva em conta as seguintes classes35: (a) tradicionais; (b) temáticos; (c)
atacados; e (d) rotativos.
Ao debater a organização interna de um shopping center, os
doutrinadores costumam simplificar a questão, dividindo os lojistas em dois
33
“Na implantação e organização de um shopping center, nada é improvisado. Um empreendimento desse porte não demanda, apenas, grandes recursos financeiros. Ele exige, antes de tudo, um conhecimento altamente profissional do setor, compreendendo, preliminarmente, estudos de localização compatíveis com a relação possibilidade-necessidade, vale dizer, com a possibilidade de se ter uma área que possa abarcar a estrutura necessária; e das necessidades potenciais do universo de pessoas geograficamente alcançáveis pelo shopping center, aí englobados os exames das características socioeconômicas da população e o grau de aceitabilidade do empreendimento nos hábitos da mesma” (MAQUIEIRA, José da Silva. Shopping centers: antigas e novas apreciações. In: PINTO, Roberto W. Renault; OLIVEIRA, Fernando A. Albino de (Coord.). Shopping Centers: questões jurídicas. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 138).
34 A Associação Brasileira dos Shopping Centers (ABRASCE), elenca, em seu site, as
seguintes espécies de shopping centers: (i) “SHOPPING REGIONAL”: Este tipo de shopping fornece mercadorias em geral (uma boa porcentagem de vestuário) e serviços completos e variados. Suas atrações principais são âncoras tradicionais, lojas de departamento de desconto ou hipermercados. Um shopping regional típico é geralmente fechado, com as lojas voltadas para um mall interno. (ii) “SHOPPING COMUNITÁRIO”: O shopping comunitário geralmente oferece um sortimento amplo de vestuário e outras mercadorias. Entre as âncoras mais comuns estão os supermercados e lojas de departamentos de descontos. Entre os lojistas do shopping comunitário, algumas vezes encontram-se varejistas de "off-price" vendendo itens como roupas, objetos e móveis para casa, brinquedos, artigos eletrônicos ou para esporte. (iii) “SHOPPING DE VIZINHANÇA”: É projetado para fornecer conveniência na compra das necessidades do dia-a-dia dos consumidores. Tem como âncora um supermercado. A âncora tem o apoio de lojas oferecendo outros artigos de conveniência. (iv) “SHOPPING ESPECIALIZADO”: Voltado para um mix específico de lojas de um determinado grupo de atividades, tais como moda, decoração, náutica, esportes ou automóveis. (v) “OUTLET CENTER”: Consiste em sua maior parte de lojas de fabricantes vendendo suas próprias marcas com desconto, além de varejistas de "off-price". (vi) FESTIVAL CENTER: Está quase sempre localizado em áreas turísticas e é basicamente voltado para atividades de lazer, com restaurantes, fast-food, cinemas e outras diversões. Disponível em http:www.abrasce.com.br – acesso em 13/08/14.
35 ALSHOP. Disponível em http:www.alshop.com.br – acesso em 05/03/15.
28
grandes grupos, quais sejam: (i) lojas âncoras – grandes lojas; (ii) lojas
satélites – pequenas e médias lojas.
No entanto, a realidade é bem diversa. Um shopping center possui,
com raras exceções, lojas de diversos tamanhos, com diferentes ramos de
atividade, cada qual com uma característica peculiar. Referidas peculiaridades
devem ser levadas em consideração no momento de ingresso no
empreendimento, determinando a metragem da loja, o seu posicionamento no
mix e as contraprestações pecuniárias devidas pelo lojista.
O empreendedor deverá ter o cuidado de, no interior do prédio,
projetar o mix, objetivando atrair o maior público para atingir o sucesso do
shopping center como um todo e, consequentemente, dos locatários nele
inseridos. Para tanto, o empreendedor deve tratar diferentemente os diversos
empresários, de acordo com suas desigualdades: pois a guisa de exemplo, o
cinema necessita de grande espaço físico e tem margem de lucro pequena se
comparado com uma rede de supermercado; as lojas de moda feminina
demandam espaços menores e têm alta margem de lucro nos produtos
vendidos; o setor de eletrônicos tem outra realidade; etc.
Caio Mário da Silva Pereira continua, após a fase da viabilidade
econômica do empreendimento passa-se à fase de construção do imóvel onde
funcionará o shopping center. Os centros comerciais têm estruturas físicas
monumentais, sendo considerados, por vezes, como templos de compras, bem
decorados e divididos internamente em áreas de uso privativo dos lojistas e
áreas comuns.
O projeto arquitetônico deve criar um ambiente indutor de consumo,
com a ordenada distribuição do tráfego interno de pessoas, o que envolve a
correta localização dos estacionamentos, dos acessos à área interna do
shopping center, dos elevadores, das escadas rolantes, das praças de
alimentação, das áreas de lazer, dos cinemas e das lojas âncoras.
Por outro lado, com muito bem vem ressalvado por Alexandre Agra
Belmonte, para os lojistas,
O atrativo não é menor: o evento lhes proporciona a oportunidade de participação num mercado de possibilidades inigualáveis, em ponto de intenso movimento, o próprio shopping, com resultados garantidos, porque mercadologicamente estudado, nos mínimos
29
detalhes, para a projeção, única e pessoal, do objetivo do lucro. É, indubitavelmente, um investimento seguro e atraente.
36
Cumpre abrir um parêntese nesta última citação, pois, em que pese
tratar de investimento atraente, não podemos olvidar que inúmeros lojistas
encerram suas atividades comerciais, seja pela falta de capacidade em gerir os
negócios ou mesmo por um eventual insucesso do empreendimento.
Neste momento, o empreendedor, por vezes através de empresas
especializadas, passa a apressar o processo de comercialização, entrando em
contato com lojistas específicos para fechar o mix projetado.
Com o pacto fechado entre empreendedor e lojista, este último
adere às normas preestabelecidas, que visam propiciar aos lojistas o exercício
de suas atividades no centro comercial, de maneira integrada com os demais
lojistas.
O negócio jurídico é estruturado da seguinte forma: (i) normas
gerais; (ii) regimento interno; (iii) a criação da associação dos lojistas; (iv) a
elaboração de contratos de locação e de res sperata (luvas).
Referidos instrumentos jurídicos serão abordados ao longo deste
trabalho de forma detalhada.
Diante da inauguração do shopping center, passa-se a fase da
utilização. Nesta fase os lojistas, obrigatoriamente, deverão obedecer as
obrigações de fazer e não fazer, previstas nas normas gerais, regimento
interno e no contrato, devido de acordo com o princípio da liberdade contratual.
Segundo Alfredo Buzaid,37 o shopping center não se resume a uma
reunião de lojas, restaurantes e área de lazer, etc.,
Isto, que se apresenta em seu aspecto exterior, é apenas uma visão superficial de um fenômeno muito mais profundo, que alterou substancialmente conceitos clássicos. Surge aí um elemento novo, que é o empresário, o investidor do shopping, que não assume apenas as vestes de um locador de imóvel, mas de um criador de um
36
BELMONTE, Alexandre Agra. Natureza jurídica dos shopping centers. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1989. p. 9.
37 BUZAID, Alfredo. Estudo sobre shopping center. In: PINTO, Roberto W. Renault;
OLIVEIRA, Fernando A. Albino de (Coord.). Shopping centers: questões jurídicas. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 7.
30
novo fundo de comércio, cujas características ainda não foram definidas.
38
O empreendedor, por sua vez, longe de ficar de forma passiva
auferindo os rendimentos decorrentes da cessão de uso, deve, diretamente ou
por terceiro contratado, administrar o shopping center, tendo uma visão global
do negócio, mantendo seu mix projetado – que somente será alterado de
acordo com as exigências dos consumidores – e promovendo o centro como
um todo, sem injustificadamente privilegiar um ramo de atividade em
detrimento dos demais.39
Nesta fase, o empreendedor continua regendo e organizando as
atividades dos lojistas, tendo como meta a produtividade ótima das vendas, o
que, aliás, é objetivo comum do lojista e do empreendedor. Nesse sentido,
induz campanhas publicitárias e promoções em benefício da comunidade dos
lojistas, monitora o desempenho de cada loja, supervisiona, administra e
mantém as facilidades comuns, decide e promove expansões, entre outras
funções.
Diante da sucinta descrição das fases do empreendimento
denominado shopping center, infere-se a importância do empreendedor, como
figura principal de planejar, executar e manter a unidade exploracional nos
shopping centers.
O empreendedor deve ter uma visão geral, de conjunto, do negócio
global que é shopping center. A ele cabe zelar pelo sucesso da unidade
formada pela pluralidade de lojistas.
A figura centralizadora do empreendedor é a razão pela qual, em
geral, os shopping centers não adotam estruturas jurídicas nas quais os lojistas
tenham o domínio do imóvel, quer diretamente, com a constituição do
condomínio especial – no qual as lojas são partes autônomas, exploradas
diretamente pelo lojista proprietário -, quer indiretamente, com a venda aos
38
No entendimento de Carlos Geraldo Langoni, um dos fatores que mais contribuem para o sucesso da relação criada pelo empreendedor é o estabelecimento de uma relação direta entre a rentabilidade do shopping center e a rentabilidade das atividades que nele se desenvolvem, criando a otimização de mercadologia que nunca seria atingida pelo sistema convencional de comércio (LANGONI, Carlos Geraldo. Shopping centers no Brasil. In: Shopping centers – Aspectos jurídicos. São Paulo: RT, 1984. p. 57).
39 BARCELLOS, Rodrigo. O contrato de shopping center e os contratos atípicos
interempresariais. São Paulo: ed. Atlas, 2009. p. 78.
31
lojistas de partes de quotas ou das ações da pessoa jurídica que é a
proprietária da totalidade do imóvel.
Neste sentido, Gladston Mamede informa que
o shopping center pode ser encarado como um empreendimento imobiliário; mais especificamente, pode-se compreendê-lo como um imóvel posto à locação. Porém, trata-se apenas de um dos aspectos que caracterizam a atividade; e – ressalta-se – não é o mais importante, certo que o fator principal e fundamental é o logístico, este sim essencial para o sucesso de tais empreendimentos. É essa logística o grande diferencial entre os shopping centers e empreendimentos semelhantes: galerias, feiras, mercados, regiões varejistas etc.
40
Os shopping centers no Brasil caracterizam-se, quase na sua
totalidade, pelo fato de não serem os lojistas proprietários das lojas – têm eles
apenas o direito contratual de seu uso privativo, em geral pelo prazo de cinco
anos.41
4.1 Conceito
Os shopping centers são verdadeiros centros comerciais, com
inúmeras características próprias, tais como: comodidade, entretenimento,
segurança e conforto. Eles se tornaram uma boa opção para os clientes
realizarem as suas compras em um ambiente agradável, confortável, com
muitas opções, com segurança e com economia de tempo.
Neste contexto, são organizações que congregam, de maneira
altamente planejada e organizada, lojas de diversos ramos, praça de
alimentação, lazer, estacionamento, entre outros recursos, todos concentrados
em um mesmo local.
4.1.1 Conceito técnico
40
MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping center. Abusos e ilegalidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 35.
41 O shopping Ibirapuera é exemplo de exceção à referida regra; certas lojas âncoras adquirem
a propriedade do espaço físico da loja, muito embora obrigando-se a respeitar as normas de convivência dispostas na escritura de normas gerais.
32
O primeiro conceito técnico de shopping center é o adotado pelo
International Council of Shopping Centers (Associação Internacional de
Shopping Centers), nos Estados Unidos:
“Shopping center” é um grupo de estabelecimentos comerciais unificado arquitetonicamente e construído em terreno planejado e desenvolvido. O shopping center deverá ser administrado como uma unidade operacional, sendo o tamanho e tipos de lojas existentes relacionados diretamente com a área de influência comercial a que esta unidade serve. O shopping center também deverá oferecer estacionamento compatível com todas as lojas existentes no projeto.
42
Existe ainda o conceito adotado pela Associação Brasileira de
Shopping Centers, a ABRASCE:
“Shopping Center” é um centro comercial planejado sob administração única e centralizada e que:
1) Seja composto de lojas destinadas à exploração de ramos diversificados de comércio e prestação de serviços, e que permanecem em maior parte, objeto de locação;
2) Estejam os locatários sujeitos a normas contratuais padronizadas, visando a manutenção do equilíbrio da oferta da funcionalidade para, como objetivo básico, a convivência integrada;
3) Varie o preço da locação, ao menos em parte, de acordo com o faturamento permanente e tecnicamente bastante.
A Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (ALSHOP) não
dedicou esforços para conceituar tecnicamente shopping center, limitando-se a
centros de compras, com áreas de lazer, alamedas de serviços, academias e
estacionamentos.
4.1.2 Conceito econômico
Para Rubens Requião, o qual cita o economista Geraldo Langoni, a
concepção de shopping center é a de um centro comercial como produto
moderno da evolução tecnológica. Vejamos:
42
PINTO, Dinah Sônia Renault. Shopping Center: uma nova era empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 1.
33
Os shopping centers constituem uma das mais significativas revoluções tecnológicas de caráter nitidamente organizacional cujo impulso inicial ocorreu na década de 50 nos Estados Unidos. De fato, o aspecto marcante nos shopping centers não é o aparecimento de uma inovação de caráter físico, e sim os ganhos de eficiência associados a uma aparentemente simples realocação de fatores de produção.
43
De acordo com esse entendimento, o shopping center é visto como
um centro comercial, fruto de uma inovação fundada na exploração comercial
dos lojistas com o objetivo de rentabilidade.
4.1.3 Conceito jurídico
O conceito jurídico de shopping center, segundo João Carlos
Pestana de Aguiar é o seguinte:
O shopping center, anglicanismo de origem norte-americana, consiste num empreendimento de construção dispendiosa, destinada a um conjunto comercial composto de várias lojas de maior (âncoras) e de menor dimensão (satélites), todas voltadas para galerias internas confortáveis, sendo as lojas logicamente localizadas quanto ao negócios nelas explorados (tenant mix), fornecendo ao consumidor facilidades de acesso (estacionamento), requintes na apresentação do conjunto, qualidade dos produtos, segurança, conforto e lazer, atrativos que sustentam o sucesso do empreendimento.
44
Washington de Barros Monteiro ensina que, etimologicamente,
Shopping center vem a ser locução da língua inglesa e que literalmente corresponde a centro comercial. A locução advém de shop, que, no vernáculo, se traduz por loja, armazém, oficina, enquanto o verbo to shop indica o ato de fazer compras. Shopping é, precisamente, o gerúndio de shop, isto é, a forma nominal do verbo, a significar o duplo aspecto do negócio – o ato de vender e comprar.
43
REQUIÃO, Rubens. Considerações jurídicas sobre os centros comerciais shopping centers no Brasil. São Paulo: RT, 1983. p. 11.
44 AGUIAR, João Pestana de. Nova lei das locações comentadas. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 1992. p. 96.
34
Por sua vez, a palavra center, também inglesa, está a designar um agrupamento ou uma concentração, que pressupõe a reunião, num mesmo local, das mais diversificadas atividades.
45
O mestre Washington de Barros Monteiro, destaca ainda o aspecto
obrigacional do conceito jurídico:
O shopping center caracteriza-se, sobretudo, pela sua sistemática ou ordenamento, com um complexo de relações internas entre o incorporador ou incorporadores do empreendimento e os lojistas e prestadores de serviços, de índole eminentemente obrigacional, inclusive entre os próprios lojistas e prestadores de serviços, ligados entre si por uma espécie de solidariedade e congregados, muitas vezes, numa entidade associativa para a defesa de seus interesses.
46
O shopping center na verdade é, um fenômeno recente como objeto
de estudo e são poucos os estudos jurídicos dedicados à sua sistematização e
compreensão de sua disciplina.
4.2 A figura do empreendedor
Note-se que Verri define o empreendedor como “o empresário, o
„desenvolvedor‟, que estabelece as premissas básicas do shopping center e
que as dominará e manterá durante sua existência”; foi ele quem desenvolveu
“a ideia de criação do shopping center, incluindo o estudo de localização deste”
tendo congregado “os lojistas que dele participarão”, definindo a sua forma
organizacional , “visando manter um nível no mínimo satisfatório de resultados
econômicos”, trabalho que “não acaba quando da criação e constituição” do
shopping center, já que lhe cabe “mantê-lo em sintonia com novas tendências
45
MONTEIRO, Washington de Barros. Shopping Centers. In: ARRUDA, José Soares; LÔBO, Carlos Augusto da Silveira. (Coord.). “Shopping Centers”: aspectos jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984. p. 160-161.
46 MONTEIRO, Washington de Barros. Shopping centers. In: ARRUDA, José Soares; LÔBO,
Carlos Augusto da Silveira. (Coord.). “Shopping Centers”: aspectos jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984. p. 162.
35
mercadológicas e novas estruturas”, ou seja, “manter a excelência do
empreendimento como coletividade”.47
Neste sentido, o empreendedor nada é mais que, o grande
idealizador do shopping center.
A principal entidade representativa do segmento de shopping center
do país é a ABRASCE - Associação Brasileira de Shopping Centers, cujo
compromisso é fomentar, fortalecer e colaborar com o desenvolvimento e
crescimento do setor no Brasil, além de zelar pelos interesses de seus
associados.
4.3 A figura do administrador
O administrador é aquela pessoa física ou jurídica que pode vir a ser
contratado pelo empreendedor para a conservação e administração do
shopping center. Cumpre reiterar neste trabalho que o próprio empreendedor
poderá ser o administrador do shopping center.
Verri destaca a figura do administrador, pois
o sucesso de um shopping center está amparado também na conservação de seus múltiplos aspectos, seja de limpeza, vigilância ou atendimento de clientela. Isto sem citar a manutenção de um bom relacionamento entre os integrantes da estrutura. Caberá ao administrador manter a saúde desta, com a fiscalização, dentre outras coisas, do cumprimento das obrigações das partes no contexto.
48
Ademais, podemos elencar algumas funções do administrador como:
fiscalizar e exigir o cumprimento do Regimento Interno e das Normas Gerais,
definir o horário de funcionamento do shopping center, regular o fornecimento
de água, luz e gás, o serviço de carga e descarga, manter a estrutura de
pessoal para os serviços comuns, fiscalizar os comerciantes, enfim,
47
VERRI, Maria Elisa Gualandi. Shopping centers: aspectos jurídicos e suas origens. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 29.
48 VERRI, Maria Elisa Gualandi. Shopping centers: aspectos jurídicos e suas origens. Belo
Horizonte: Del Rey, 1996. p. 30.
36
representar o empreendedor extrajudicialmente ou até mesmo judicialmente,
entre outras.
4.4 A figura do lojista
É o comerciante (empresário individual ou sociedade empresária)
que participa da estrutura de um shopping center. É aquele que estará sujeito
aos instrumentos contratuais, sem abusividade, tendentes a uniformizar as
práticas do shopping center do qual participa.
O lojista deverá conviver com determinados preceitos da estrutura
desses centros de compra, visando a que a estrutura do shopping center,
detalhadamente planejada, não seja desnaturada.
A principal entidade representativa do setor varejista do país é a
Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (ALSHOP), formando um elo
entre lojistas, empreendedores, poder público e demais segmentos da
economia. O objetivo é promover o fortalecimento e a capacitação do mercado
de shopping centers e comércio varejista.
37
5 OS CONTRATOS EMPRESARIAIS
O comércio mercantil caracteriza-se por meio dos contratos e, para
compreender o mercado, é necessário aprofundar neste assunto.
Ab initio, o primeiro ponto é considerar que a empresa celebra
contratos com as mais diversas categorias de agentes econômicos:
consumidores, Estado, trabalhadores, pessoas jurídicas entre outros tipos.
Neste sentido, a abrangência de seu contorno contratual passa pela
classificação desses acordos segundo o sujeito que com ela se relaciona.
Desta forma, separados os diversos grupos de contratos, cada um
assumirá particularidades específicas e, como consequência, estabelecerá
tratamento jurídico peculiar.
O foco do comercialista incide sobre os contratos interempresariais,
ou seja, aqueles celebrados entre empresas com a busca incessante pelo
lucro.
Neste sentido, os contratos empresariais são aqueles em que ambos
(ou, conforme o caso, todos) os polos da relação jurídico-contratual têm sua
atividade movida por razões empresariais.
Os contratos empresariais se caracterizam pela simetria natural
entre os contratantes, não sendo justificável aplicar a eles certas regras do
Código Civil, as quais limitam ou relativizam a imprescindível liberdade para a
celebração de contratos.
Na visão de André Luiz Santa Cruz Ramos,
a regra de ouro do livre mercado é a seguinte: o empresário que acerta, ganha: o empresário que erra, perde. Portanto, a intervenção estatal prévia (dirigismo contratual) ou posterior (revisão contratual) nos contratos empresariais deturpa a lógica natural do livre mercado, cria risco moral e traz insegurança jurídica para as relações interempresariais.
49
49
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial esquematizado. 3 ed. São Paulo: Método, 2013. p. 517.
38
É inegável que as atividades que são exercidas dentro do shopping
center são eminentemente ligadas às “atividades comerciais e negociais”.50
5.1 A exclusão dos contratos com consumidores
Definido o conceito de contrato empresarial, conclui-se que os
contratos com consumidores não mais integram o direito comercial.
A materialização do direito do consumidor como ramo autônomo em
relação ao direito civil e ao empresarial faz com que não mais se justifique a
projeção dos contratos mercantis de forma ampla, como se ainda abrangessem
todos “i rapporti pertinenti ad un´impresa”, na linha da doutrina tradicional51 e
daquela italiana.
Paula Forgioni52, afirma que “do ponto de vista subjetivo, a presença
de uma única empresa (ou comerciante) na relação bastava para atribuir
comercialidade ao contrato”53 hoje esse título requer que o vínculo jurídico seja
estabelecido exclusivamente entre empresas.
Forçoso, então, entrarmos na discussão acerca da eventual
caracterização da pessoa jurídica como consumidora, para efeitos do caput do
art. 2º da Lei nº 8.078/90, que dispõe ser consumidor “toda pessoa física ou
jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
A aplicação do sistema consumerista a pessoa jurídica, baseia-se na
identificação da presença de um “destinatário final” na relação contratual.
50
O Direito Comercial tem sido visto, mais recentemente, sob o aspecto da “atividade”, que vem a representar “uma série coordenada e unificada de atos em função de um fim econômico unitário” (cf. FERRI, Giuseppe. Apud BARRETO FILHO, Oscar. Teoria do estabelecimento comercial. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1988. p. 18). Efetivamente, não mais se fala em ato do comércio por si só, mas em atividade, que visa a uma finalidade econômica comum (cf. ASCARELLI, Tullio. Apud BARRETO FILHO, Oscar. Op. cit., p. 20). Da análise da atividade, chega-se à chamada “atividade negocial”, que nada mais é do que a conjunção de vários atos negociais, praticados de forma coordenada (entendendo-se por ato negocial um negócio jurídico, ou, em outras palavras, um ato jurídico que resulta de declaração de vontade).
51 ASCARELLI, Tullio. Corso di diritto commerciale. 3. ed. Milano: Giuffré, 1962. p. 381.
52 FORGIONI, Paula A. Teoria geral dos contratos empresariais. 2 ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2010. p. 30. 53
O art. 191 do Código Comercial determinava que seria “considerada mercantil a compra e venda de efeitos móveis ou semoventes (...) contanto que nas referidas transações o comprador ou vendedor” fosse “comerciante”.
39
Com a criação do Código de Defesa do Consumidor em 1.990,
prevalecia a teoria maximalista (objetiva), na qual o destinatário final é apenas
o destinatário fático, ou seja, aquele que retirou o produto da cadeia de
fornecimento.
É considerada uma noção objetiva de consumidor, pois o que
interessa é o objeto da relação. Para os defensores desta corrente, a
destinação dada ao produto é irrelevante.54 Trata-se de um posicionamento
mais abrangente, eis que aceitam, inclusive, a relação de consumo entre dois
profissionais.
Na opinião dos maximalistas, o codex é um código de consumo,
logo, disciplina qualquer relação de consumo.
Com a entrada em vigor do atual Código Civil brasileiro, surgiu a
teoria finalista (subjetiva). Os partidários da corrente finalista afirmam ser o
destinatário final aquele que retira o produto do mercado e dá a ele uma
destinação final de uso, isto é, o consome na cadeia produtiva.
Trata-se de noção subjetiva de consumidor, em que o produto ou o
serviço é consumido para uso próprio e não é destinado a qualquer outro
beneficiamento posterior.55 Neste sentido, a relação existente entre dois
profissionais é excluída do conceito de consumidor pela teoria finalista.
54
CONTRATOS BANCÁRIOS – CONTRATO DE REPASSE DE EMPRÉSTIMO EXTERNO PARA COMPRA DE COLHEITADEIRA – AGRICULTOR – DESTINATÁRIO FINAL – INCIDÊNCIA – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – COMPROVAÇÃO – CAPTAÇÃO DE RECURSOS – MATÉRIA DE PROVA – PREQUESTIONAMENTO – AUSÊNCIA. I – O agricultor que adquire bem móvel com a finalidade de utilizá-lo em sua atividade produtiva, deve ser considerado destinatário final, para os fins do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor. II – Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor às relações jurídicas originadas dos pactos firmados entre os agentes econômicos, as instituições financeiras e os usuários de seus produtos e serviços. III – Afirmado pelo acórdão recorrido que não ficou provada a captação de recursos externos, rever esse entendimento encontra óbice no enunciado n.º 7 da Súmula desta Corte. IV – Ausente o prequestionamento da questão federal suscitada, é inviável o recurso especial (Súmulas 282 e 356/STF). Recurso especial não conhecido, com ressalvas quanto à terminologia. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma – REsp 445.854/MS – Rel. Min. Castro Filho – DJ 19.12.2003 p. 453).
55 COMPETÊNCIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. UTILIZAÇÃO DE EQUIPAMENTO E DE
SERVIÇOS DE CRÉDITO PRESTADO POR EMPRESA ADMINISTRADORA DE CARTÃO DE CRÉDITO. DESTINAÇÃO FINAL INEXISTENTE. – A aquisição de bens ou a utilização de serviços, por pessoa natural ou jurídica, com o escopo de implementar ou incrementar a sua atividade negocial, não se reputa como relação de consumo e, sim, como uma atividade de consumo intermediária. Recurso especial conhecido e provido para reconhecer a incompetência absoluta da Vara Especializada de Defesa do Consumidor, para decretar a nulidade dos atos praticados e, por conseguinte, para determinar a remessa do feito a uma das Varas Cíveis da Comarca. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp 541.867/BA, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, Segunda Seção, DJ de 16.05.2005. p. 227).
40
O destinatário final é o destinatário fático e econômico do bem ou
serviço, dessa forma não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da
cadeia de produção, é necessário não adquiri-lo para uso profissional.
No entanto, atualmente o Superior Tribunal de Justiça vem adotando
a teoria finalista mitigada, temperada ou aprofundada.
Aqui, a relação jurídica qualificada por ser "de consumo" não se
caracteriza pela presença de pessoa física ou jurídica em seus pólos, mas pela
presença de uma parte vulnerável de um lado (consumidor), e de um
fornecedor, de outro.56
Caso seja comprovada a vulnerabilidade entre a pessoa-jurídica
consumidora e a fornecedora, nas relações contratuais entre pessoas jurídicas,
deve-se aplicar o Código de Defesa do Consumidor na busca do equilíbrio
entre as partes.
A analise detalhada sobre esse tema faz com que as matérias se
entrelacem, devendo-se usar os seguintes itens para solucionar a controvérsia
(i) vulnerabilidade - A ideia de vulnerável está diretamente ligada à ideia de
submissão, ou falta de controle sobre o processo produtivo; (ii) hipossuficiência
– trata-se de critério de avaliação judicial para a decisão sobre a possibilidade
ou não de inversão do ônus da prova em favor do consumidor; e (iii)
dependência econômica no âmbito contratual – abuso do poder econômico.
56
Direito do Consumidor. Recurso especial. Conceito de consumidor. Critério subjetivo ou finalista. Mitigação. Pessoa Jurídica. Excepcionalidade. Vulnerabilidade. Constatação na hipótese dos autos. Prática abusiva. Oferta inadequada. Característica, quantidade e composição do produto. Equiparação (art. 29). Decadência. Inexistência. Relação jurídica sob a premissa de tratos sucessivos. Renovação do compromisso. Vício oculto. - A relação jurídica qualificada por ser "de consumo" não se caracteriza pela presença de pessoa física ou jurídica em seus pólos, mas pela presença de uma parte vulnerável de um lado (consumidor), e de um fornecedor, de outro. - Mesmo nas relações entre pessoas jurídicas, se da análise da hipótese concreta decorrer inegável vulnerabilidade entre a pessoa-jurídica consumidora e a fornecedora, deve-se aplicar o CDC na busca do equilíbrio entre as partes. Ao consagrar o critério finalista para interpretação do conceito de consumidor, a jurisprudência deste STJ também reconhece a necessidade de, em situações específicas, abrandar o rigor do critério subjetivo do conceito de consumidor, para admitir a aplicabilidade do CDC nas relações entre fornecedores e consumidores-empresários em que fique evidenciada a relação de consumo. - São equiparáveis a consumidor todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas comerciais abusivas. - Não se conhece de matéria levantada em sede de embargos de declaração, fora dos limites da lide (inovação recursal). Recurso especial não conhecido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 476.428/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJ. 09.05.2005).
41
Muito embora admirável o objetivo da teoria finalista mitigada, o
conflito entre os aspectos do direito empresarial e do direito do consumidor
pode gerar enorme insegurança jurídica nas relações contratuais.
A aplicação da Lei 8.078/90 deve ficar restrita às relações de
consumo, ou seja, àquelas em que as partes não se colocam e não agem
como sociedade empresária.
Desta forma, se o vínculo estabelece-se em torno ou decorrência da
atividade empresarial de ambas as partes, premidas pela busca do lucro, deve-
se afastar o Código de Defesa do Consumidor.
No caso específico de contrato de locação entre empreendedor e
lojista de espaço físico em centro comercial não deve prevalecer o Código de
Defesa de Consumidor nesta relação. A própria jurisprudência57 vem afastando
o código consumerista às relações locatícias.
5.2 Conceito de contrato
A lei não prestou a definir o que seja contrato, deixando para a
doutrina essa tarefa. Segundo Orlando Gomes, o contrato “é o acordo de duas
ou mais partes para constituir, regular ou extinguir, entre elas, uma relação
jurídica de caráter patrimonial.”58
Contrato na definição de Maria Helena Diniz é o seguinte:
É o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses
57
“Consoantes iterativos julgados deste Tribunal, as disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor não são aplicáveis ao contrato de locação predial urbana, que se regula por legislação própria – Lei 8.245/91” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 6ª Turma, REsp. 175.053-MG, rel. Min. VICENTE LEAL, j. 24.4.01, não conheceram, v.u., DJU 20.8.01, pág. 543), anotando-se no mesmo sentido, julgados estampados em RT 782/302, JTA 162/342 e 162/401 e REsp. nº 439.797 – Rel. Min. PAULO GALLOTTI – 6 T. – j. 19.11.2002 – DJU em 26.05.2003).
“Locação - Código de defesa do consumidor – Aplicação afastada. O Código de Defesa do Consumidor não tem aplicação às relações jurídicas locatícias, porquanto locador, locatário e fiador não se enquadram nas definições de consumidor e fornecedor da Lei nº 8.078/90” (BRASIL. TJSP – Processo nº 0041081-61.2002.8.26.0000 - Apelação sem revisão nº 755.946-0/5, rel. ORLANDO PISTORESI, 32ª Câm., j. em 02.06.05).”
58 GOMES, Orlando. Contratos. Atualização e notas de Humberto Theodoro Júnior. 17 ed. Rio
de Janeiro: Forense, 1996. p. 5.
42
entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial.
59
Na visão de Caio Mário contrato é “um acordo de vontades, na
conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir,
conservar, modificar ou extinguir direitos.”60
A validade do contrato exige acordo de vontades, agente capaz,
objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não
defesa em lei. (art. 104 do Código Civil).
Silvio Rodrigues, “reforça que a coincidência de vontades, o acordo
entre as partes é fator elementar do contrato”61.
Adverte, contudo, Orlando Gomes, pois,
a palavra contrato emprega-se em sentido amplo e restrito. Na acepção lata, designa todo negócio jurídico que se forma pelo concurso de vontades. Restritivamente, indica o acordo de vontades produtivo de efeitos obrigacionais. Em sentido ainda mais limitado, significa o negócio jurídico bilateral cuja função especifica é criar uma obrigação patrimonial.
62
Ao tratar do assunto contratos, Arnaldo Rizzardo pontua “a
necessidade da convergência de duas ou mais vontades para conseguir um
mesmo fim ou um resultado determinado. Há um acordo simultâneo de
vontades para produzir efeitos jurídicos”.63
É sabido que o contrato é uma espécie de negócio jurídico, com sua
origem reconhecida no direito canônico e fundamentado na teoria da
autonomia da vontade. Durante sua evolução, os contratos eram equiparados à
própria lei entre as partes, consubstanciada no princípio do pacta sunt
servanda, pela qual tudo o que fora contratado deveria ser estritamente
cumprido, em seus mais rigorosos termos.
Procedente dos canonistas,
59
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 30.
60 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 8ª ed. v. III, Rio de Janeiro:
Forense, 1990. p. 6. 61
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. 28 ed. vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 3.
62 GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1959. p. 10.
63 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 11 ed. Rio de Janeiro Forense, 2010. p. 5-6.
43
a teoria da autonomia da vontade foi desenvolvida pelos enciclopedistas filósofos e juristas que precederam a Revolução Francesa e afirmaram a obrigatoriedade das convenções, equiparando-as, para as partes contratantes, à própria lei.
64
Em virtude dessa liberdade contratual, surgiu a possibilidade da
criação de contratos não previstos em lei, cuja existência se baseia
essencialmente na vontade das partes. Tais ajustes são conhecidos como
contratos atípicos. Temos ainda, os contratos mistos, que individualmente
possuem previsão legal, mas, ao serem englobados numa relação conjunta,
formam uma nova relação contratual.
Portanto, para estudo do presente trabalho, locação é aquele
contrato pelo qual uma das partes (locador) se obriga a ceder à outra
(locatário), por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível,
mediante certa retribuição.
5.3 Contrato atípico
O Código Civil em vigor, após tratar das obrigações e dos contratos
em geral, passa a dispor sobre as várias espécies de contratos. São os
contratos típicos, cuja disciplina é regulada pela lei. Além daqueles tipos
referidos no Código, existem outros contratos regulados em leis esparsas.
Atualmente, os juristas preferem usar a expressão “contratos típicos
e atípicos” à antiga distinção entre “contratos nominados e inominados”.65 Esta
última remete ao Direito Romano, no qual o contrato nominado era aquele que
tinha um nomen juris e os contratos inominados eram aqueles firmados fora
dos quadros legais.66
64
WALD, Arnold. Direito Civil: Direito das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 208.
65 Para o Direito Italiano, contudo, Rodolfo Sacco entende que “il cambiamento di terminologia
è poco Felice”, visto que “la dottrina há acquisito da tempo l”idea dela “tipicità dela causa” del negozio”, razão pela qual “parlare di tipicità dei contratti può far credere che l”assonanza dela parole porti com sé um paralelismo dei concetti” (SACCO, Rodolfo. Autonomia contrattuale e tipi. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. 3/786, 1996. p. 65).
66 GOMES, Orlando. Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 114.
44
Ou seja, os contratos típicos estão expressamente previstos na lei,
que os regula através de normas, ao passo que os contratos atípicos se
firmaram e se impõem pelos costumes.
Para ser considerado um contrato como típico, é imperioso haver
uma regulação legal razoavelmente completa de tal modo que seja possível
contratar por referência, sem que as partes tenham de clausular o fundamental
do contrato, e que possa servir de padrão, não só na contratação, mas também
na integração e na decisão de casos controvertidos. Os contratos atípicos, por
outro lado, são aqueles não suficientemente regulados pela lei.67 O contrato
mantém-se atípico mesmo que a Lei a ele se referira68 ou limite-se a disciplinar
certos aspectos dele, de maneira incompleta.69 Os atípicos não se ajustam em
qualquer dos tipos, dos moldes contratuais previstos em lei. A atipicidade
significa ausência de tratamento legislativo específico.70
Orlando Gomes entende que a atipicidade nos contratos de locação
em shopping center é a seguinte:
Admitindo-se que o contrato do lojista do shopping é, por sua causa, um contrato-atípico-misto, há que indagar a respeito de sua disciplina jurídica, isto é, das regras que lhe são aplicáveis. Para simplificar a averiguação, conceda-se que o referido contrato é uma locação para fins comerciais que tem como contraprestação um aluguel percentual calculado sobre o faturamento da loja.
71
O Código Civil em vigor, em relação ao revogado, introduziu várias
espécies novas de contrato, como a agência e distribuição, a corretagem, o
transporte e a comissão.
67
“São atípicos os contratos que não encontram suas linhas definidoras nos modelos legais” (SZTAJN, Rachel. Atipicidade de sociedades no direito brasileiro. Tese (concurso de livre-docência do Departamento de Direito Comercial), Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1987. p. 17).
68 Como no factoring, para fins tributários.
69 Como entendemos ter ocorrido nos contratos de shopping center, cuja disciplina jurídica
trazida na Lei de Locações limitou-se a indicar ações judiciais que podem ser utilizadas pelas partes e estabelecer certas restrições contratuais. No mesmo sentido, José Maria Trepat Cases entende que a regulamentação trazida pelo Código Civil de 2002 para o contrato de distribuição “foi inconsistente para torná-lo um contrato típico”. CASES, José Maria Trepat. Código Civil comentado: arts. 693 a 817. 8. v. São Paulo: Atlas, 2003. p. 64.
70 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Contratos Inominados ou Atípicos. Edições Cejup, Belém,
1983, 2ª edição. p. 92. 71
GOMES, Orlando. Traços do perfil jurídico de um “shopping center”. Revista dos Tribunais, n. 576, out 1983. p. 14.
45
Com o passar dos tempos e as transformações sociais, novas
espécies aparecem, havendo norma dando essa abertura, desde que se
obedeçam as regras e princípios previstos no direito, como, aliás, viabiliza o
art. 425: “É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas
fixadas neste código”.
5.4 Contrato típico
A norma legal ressalvou, todavia, por outro lado, que as relações
jurídicas entre lojistas (comerciantes) e os empreendedores ou proprietários de
shopping centers são aquelas livremente por eles estabelecidas nos contratos
de locação, no que laborou em regra desnecessária, por isso que, pelo
princípio da liberdade de contratar, as disposições ajustadas pelas partes
sempre prevalecem, salvo se atentarem contra a lei, a moral, os bons
costumes ou a ordem pública, por exemplo.
De qualquer modo, a regra revelou a preocupação do legislador em
deixar claro que a locação de espaços em shopping centers está submetida à
atual lei de locação urbana, apesar de o respectivo contrato conter cláusulas
atípicas para um mero ajuste locatício, mas que, nem por isso, o afastam de
uma locação, em que pese à insistência dos empreendedores na tentativa de
descaracterizá-lo como de locação.
E esse cuidado do legislador é compreensível, uma vez que tais
contratos têm cláusulas especiais, como as relacionadas ao interesse do
empreendedor no êxito do comércio exercido pelo lojista, à imposição do ramo
a ser desenvolvido, à responsabilidade do comerciante pelas despesas, não
apenas de conservação e manutenção, mas também de promoção e
publicidade do shopping center considerado como um todo, à fixação de
retribuição sobre a renda bruta ou liquida ou, ainda, apenas sobre o lucro do
lojista, assegurado sempre ao centro comercial fiscalizar a contabilidade do
inquilino.
José Roberto Neves Amorim, no artigo “As ações renovatórias nos
shopping centers”, salienta: “Muito embora possa o empreendimento adotar a
forma de verdadeiro condomínio (Lei 4.591/64), é o contrato de locação que
46
impera, com cláusulas-padrão, porém tendo como aditivo uma escritura
declaratória de normas gerais complementares”.72
O contrato de locação conjugado com uma escritura declaratória de
normas gerais complementares faz desse ajuste, para uma parte da doutrina,
um verdadeiro contrato misto, decorrente de figuras típicas de negócios
diversos, em que sobressai a locação, como sendo tipo predominante.
Aquelas condições especiais, aceitas pelo empreendedor e pelo
lojista, giram em torno da locação, pois existem em razão desta, no interesse
do locador (empreendedor) e do locatário (lojista).
Sendo assim, há de prevalecer, na sua interpretação, aquele
negócio que seja predominante ou aquele em volta do qual as demais avenças
gravitam.
A locação é tipo de negócio jurídico, e os outros são, em verdade,
negócios inominados/atípicos, ou não, mas seguramente, representativos de
obrigações cujo exame e solução cabem no campo do direito obrigacional.
As cláusulas contratuais que o empreendedor praticamente impõe
ao comerciante, e que são por estes aceitas, todas atinentes a aspectos não
propriamente locativos, não descaracterizam o traço predominante da locação
diante do art. 122 do Código Civil, que dispõem serem “lícitas, em geral, todas
as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre
as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio
jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes”.
No entanto, em que pese à entrada em vigor da Lei de Locações
(Lei nº 8.245/91) ter posto fim à controvérsia, através de seu art. 54, outras
correntes contrárias se formaram.
Para a teoria da atipicidade, o contrato de locação de espaço em
shopping center “não se cuida, portanto, como procurei demonstrar, de mera
locação ou de locações com cláusulas atípicas, pois esses elementos atípicos
desfiguram a locação, que não pode viver isoladamente.” 73
Já a teoria da locação com atipicidade, entende que:
72
AMORIM, José Roberto Neves. Direito imobiliário – Questões contemporâneas. Coord. José Roberto Neves Amorim e Rubens Carmo Elias Filho. São Paulo: Elsevier, 2008. p. 2.
73 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Atipicidade mista do contrato de utilização de unidade em
centros comerciais e seus aspectos fundamentais. In: PINTO, Roberto Wilson Renault; OLIVEIRA, Fernando Albino de (coord.). Shopping centers: questões jurídicas: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 53.
47
Nos contratos entre os lojistas e os shopping centers há sempre uma dupla natureza, que os faz, de um lado, idênticos ao de uma singela locação do espaço físico em contrato de locação comercial, mas que os torna, de outro lado, um contrato atípico, sem nenhuma vinculação com a lei de luvas no concernente à cessão da res sperata ou do uso do „sobrefundo comercial‟, representado pelos bens imateriais de que os shopping centers são detentores permanentemente.
74
Por outro lado, Ricardo Negrão e Daniela Grassi Quartucci adotam a
linha de contrato de locação, como natureza jurídica de tais pactos:
De fato, uma locação comercial celebrada com uma loja fora de um shopping center segue de maneira mais linear o disposto na lei de locações e os contratos celebrados para locação em shopping center são, normalmente, uma emaranhado mais complexo do ponto de vista de direitos e obrigações que encerram. Contudo, e apesar dessa realidade, é preciso reconhecer que a relação entre lojistas instalados no empreendimento e os proprietários desse mesmo empreendimento tem a mesma natureza jurídica do contrato de locação.
75
Caio Mário da Silva Pereira vê, em tal vínculo, tão somente “um vero
e próprio contrato de locação”, verbis:
Nele estão presentes os elementos essenciais – essentiallia negotti: a coisa, res, objetivada no salão com todos os acessórios e dependências; o preço, pretium, fixado na remuneração; o consentimento, consensus, determinado pela utilização para o ramo de comércio do usuário, sob as condições e cláusulas estabelecidas. Tudo faz deste contrato uma locação – locatio rerum, integrada em nossa sistemática. É bem verdade que oferece peculiaridades. Mas estas, a meu ver, não eliminam a natureza locatícia do contrato.
76
Destacamos que o contrato firmado entre o empreendedor e lojista
se trata de contrato de locação, pois as peculiaridades advindas desse
74
MARTINS, Ives Gandra da Silva. A natureza jurídica das locações comerciais dos “shopping centers”. In: PINTO, Roberto Wilson Renaut; Shopping centers: questões jurídicas: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 93.
75 QUARTUCCI, Daniela Grassi; NEGRÃO, Ricardo. Cláusulas específicas e polêmicas dos
contratos de locação em shopping center. In: AMORIM, José Roberto Neves; ELIAS FILHO, Rubens Carmo (Coord.). Direito imobiliário – Questões contemporâneas. São Paulo: Elsevier, 2008. p. 11.
76 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações. 4 ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1981. p. 77.
48
contrato, como o aluguel mínimo, percentual, em dobro e o fundo de promoção,
entre outros, não tira sua caracterização locatícia.
Portanto, andou bem a atual lei em situar tal contrato no campo da
locação predial urbana, porque, deve-se procurar o contrato típico do qual mais
se aproxima o contrato atípico para aplicar a este as normas que disciplinam
aquele.
5.5 O artigo 54 da lei de locações (lei nº 8.245, de 18/10/1991)
O artigo 54 da Lei de Locações constitui a espinha dorsal do regime
jurídico da locação em shopping centers, estando assim redigido:
Art. 54. Nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei.
Como se observa, o texto legal atribuiu ao contrato celebrado entre
lojistas e empreendedores a natureza de locação (“condições...pactuadas nos
contratos de locação”), concedendo às partes, não obstante, ampla liberdade
de contratar (“prevalecerão as condições livremente pactuadas...”).
Em outras palavras, a lei atribuiu natureza de locação à cessão
remunerada de espaço comercial em shopping center, ao mesmo tempo em
que conferiu tratamento diferente daquele aplicável às locações prediais
ordinárias, como as que têm por objeto lojas de rua.
Entretanto, não há apenas um contrato de locação, nem se está
diante de um contrato misto, mas em uma união de contratos. Para Mamede,
essa relação negocial,
em que se coligam a abordagem (e o tratamento jurídico) da locação com a prestação de serviços mercadológicos e administrativos, através da qual inicialmente os organizadores do empreendimento, mediante remuneração (uma participação no faturamento do lojista, consubstanciada no denominado “aluguel percentual”), planejam e
49
implementam todos os elementos necessários para o sucesso de um centro otimizado de vendas, administrando-o em seu cotidiano.
77
Um shopping center é, realmente, um negócio muito peculiar, não
consistindo apenas em um esplêndido edifício de lojas, cinemas etc., dotado de
amplo estacionamento para automóveis. É, antes de tudo, uma organização
empresarial que faz com que empresas autônomas atuem harmonicamente,
complementando-se umas às outras, para benefício de todas.
Enfim, atenta ao fato de que a locação em shopping center nada tem
de parecido com a locação de loja de rua ou galerias comerciais, a Lei de
Locações cuidou de lhe conferir, no artigo 54, um regime diferente do
estabelecido para as demais locações não residenciais.
5.6 A liberdade de contratar, com sujeição às normas
A autonomia da vontade ou liberdade de contratar caracteriza-se
pelo
[...] somatório de várias “liberdades”: a liberdade de contratar ou deixar de contratar, a de eleger as pessoas com quem se contratar, a de determinar o contrato a ser celebrado, típico ou atípico, a de negociar o seu conteúdo e, por último, a de adotar a forma, verbal ou escrita, tida por mais conveniente [...].
78
É irredutível o acordo de vontades, conforme regra consolidada no
direito canônico, através do brocardo pacta sunt servanda.
Ademais, o próprio Superior Tribunal de Justiça entende que o
princípio do pacta sunt servanda deve prevalecer nas relações empresariais,
embora temperado pela necessidade de observância da função social do
contrato, da probidade e da boa-fé.
77
MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping center. Abusos e ilegalidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 44-45.
78 NORONHA, Fernando. O Direito dos Contratos e seus Princípios Fundamentais:
autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 42.
50
REsp 1413818 / DF RECURSO ESPECIAL 2013/0357088-7 Relator(a) Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (1147) Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA Data do Julgamento 14/10/2014 Data da Publicação/Fonte DJe 21/10/2014 Ementa RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL. LOCAÇÃO DE ESPAÇO EM SHOPPING CENTER. CLÁUSULA CONTRATUAL LIMITADORA DO VALOR DA REVISÃO JUDICIAL DO ALUGUEL MENSAL MÍNIMO. RENÚNCIA PARCIAL. VALIDADE. PRESERVAÇÃO DO PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA. ... 3. O princípio do pacta sunt servanda, embora temperado pela necessidade de observância da função social do contrato, da probidade e da boa-fé, especialmente no âmbito das relações empresariais, deve prevalecer. 4. A cláusula que institui parâmetros para a revisão judicial do aluguel mínimo visa a estabelecer o equilíbrio econômico do contrato e viabilizar a continuidade da relação negocial firmada, além de derivar da forma organizacional dos shoppings centers, que têm como uma de suas características a intensa cooperação entre os empreendedores e os lojistas. 5. A renúncia parcial ao direito de revisão é compatível com a legislação pertinente, os princípios e as particularidades aplicáveis à complexa modalidade de locação de espaço em shopping center. 6. Recurso especial provido.
Os contratos devem ser cumpridos pela mesma razão que a lei deve
ser obedecida. Ou seja, o acordo de vontades, logo depois de declaradas, tem
valor de lei entre os estipulantes, e impõe os mesmos preceitos coativos que
esta contém.
A equiparação do contrato à lei é defendida por Cunha Gonçalves,
que destaca as seguintes semelhanças:
São iniludivelmente obrigatórios, havendo contra as suas infrações a respectiva sanção. Impõem-se as partes e aos juízes, que tem de interpretar por processos análogos aos da interpretação das leis. Representam uma lei especial, e, como tal, têm preferência sobre os usos e até sobre as chamadas leis supletivas ou disposições supletivas das leis, que, apenas, contêm os elementos naturais dos mesmos contratos. Só podem ser revogados, em regra, pela mesma forma por que foram celebrados e pelo acordo das partes.
79
Assegura-se, em tese, ampla liberdade às pessoas para estipular as
cláusulas que lhe interessam. Torna-se o contrato verdadeira norma jurídica,
fazendo lei entre as partes.
Eis o pensamento de Caio Mário da Silva Pereira:
79
GONÇALVES, Cunha. Tratado de Direito Civil. Vol. IV, tomo II, Max Limonad Editor, São Paulo, 1ª edição brasileira, p. 696.
51
A ordem jurídica oferece a cada um a possibilidade de contratar, a dá-lhe a liberdade de escolher os termos da avença, segundo as suas preferências. Concluída a convenção, recebe da ordem jurídica o condão de sujeitar, em definitivo, os agentes. Uma vez celebrado o contrato, com observância dos requisitos de validade, tem plena eficácia, no sentido de que se impõe a cada um dos participantes, que não têm mais a liberdade de se forrarem às suas consequências, a não ser com a cooperação anuente do outro. Foram as partes que acolheram os termos de sua vinculação, e assumiram todos os riscos. A elas não cabe reclamar, e ao juiz não é dado preocupar-se com a severidade das cláusulas aceitas, que não podem ser atacadas sob a invocação de princípios de equidade.
80
Descreve Caio Mário da Silva Pereira quatro momentos
fundamentais que realizam a liberdade de contratar:
A – Em primeiro lugar, vigora a faculdade de contratar, isto é, o arbítrio de decidir, segundo os interesses e conveniência de cada um, se e quando estabelecerá com outrem um negócio jurídico contratual... B – Em segundo lugar, a liberdade de contratar implica a escolha da pessoa com quem fazê-lo, bem como do tipo de negócio a efetuar. C – Em terceiro lugar, a liberdade de contratar espelha o poder de fixar o conteúdo do contrato, redigidos as suas cláusulas ao sabor do livre jogo das conveniências dos contratantes. D – Finalmente, uma vez concluído o contrato, passa a constituir fonte formal de direito, autorizando qualquer das partes a mobilizar o aparelho coator do Estado a fazê-lo respeitar tal como está, a assegurar a sua execução segundo a vontade que presidiu à sua constituição.
81
A lei é, portanto, cuidadosa, em assegurar a livre manifestação da
vontade das partes, nos contratos entre empreendedores e lojistas de shopping
centers.
Embora a regra mais importante seja a liberdade de contratar, há
restrições impostas por leis de interesse social, impedindo as estipulações
contrárias à moral, à ordem pública e aos bons costumes, as quais não ficam
subjugadas à vontade das partes.
Neste ponto são válidos os sempre oportunos ensinamentos de
Ripert que entendia que a liberdade de contratar somente sofrerá restrições
quando esbarrar em proibição legal ou perturbar a ordem pública e econômica.
80
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. III, Rio de Janeiro: Forense. 2003. p. 16.
81 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. III, Rio de Janeiro:
Forense, 2003. p. 21-22.
52
Ripert pronunciou que a liberdade de contratar acaba, quando passa por um
perigo o agrupamento a que pertencem aqueles que pretendam abusar dela.82
5.7 Restrições a liberdade de contratar – dever de obediência às regras
principiológicas - Autonomia privada
O contrato, como as demais formas do ordenamento jurídico, é
regido, também, por princípios que norteiam a sua compreensão e auxiliam na
conformação de seus fins e de seus limites.
O ordenamento jurídico, compreendido que deve ser como sistema
unitário de leis ou normas jurídicas, é informado por princípios, cuja função é
orientar e atar essa ordem jurídica, de modo a mantê-la íntegra, consagrando
ao final, a unidade do sistema jurídico.
Nos dizeres de Carlos Ari Vieira Sundfeld,
os princípios são as ideias centrais de um sistema, ao qual dão sentido lógico, harmonioso, racional, permitindo a compreensão de seu modo de organizar-se. Os princípios, como as regras, integram o ordenamento jurídico, contendo valor normativo e determinando o sentido e o alcance daquelas.
83
Alguns princípios possuem alcance mais amplo e outros, porém,
dirigem-se apenas a certas espécies de contrato.
No momento, nos interessa destacar, inicialmente, o princípio da
autonomia privada, segundo o qual aos indivíduos é conferida a liberdade de
contratar.
Essa liberdade compreende a decisão (a faculdade) de contratar e a
definição do conteúdo do contrato (da espécie, que pode ser atípica do
contrato).
82
RIPERT, Georges. O regime democrático e o direito civil moderno. 1ª ed. Ed. Liv. Acadêmica, 1997, passim.
83 SUNDFELD, Carlos Ari Vieira. Fundamentos de direito público. 4 ed. São Paulo:
Malheiros, 2000. p. 143.
53
No entanto, o sistema jurídico cobra a legalidade de seu objeto. O
limite a liberdade de contratar é, assim, encontrado na ilicitude que as normas
exógenas impõem a certos comportamentos.
Paula Forgioni enfatiza que “os contratos instrumentalizam esse
processo, pois dão às empresas a oportunidade de escolher com quem
contratar, como contratar e o conteúdo da contratação. A autonomia privada é,
assim, viga mestra do sistema contratual, servindo ao seu funcionamento”.84
Por força desse princípio, os indivíduos criam efeitos jurídicos
reconhecidos e tutelados pela ordem jurídica.
Não obstante, a autonomia privada, tradicionalmente, sempre foi
limitada pela lei, à medida que esta impõe a prevalência da ordem pública e
dos bons costumes ao interesse particular.
No contrato de nossa época,
a lei prende-se mais à contratação coletiva, visando impedir que as cláusulas contratuais sejam injustas para uma das partes. Assim, a lei procurou dar aos mais fracos uma superioridade jurídica para compensar a inferioridade econômica.
85
Isto ocorre porque, ao longo do tempo, a concepção contratual rígida
sofreu drásticas modificações, com mitigação quanto à sua obrigatoriedade,
contraposta ao individualismo, em que por muito tempo esteve inspirada, até
chegar ao modelo atual, no qual se preservam muito mais os interesses
envolvidos, tanto individuais quanto coletivos, do que às regras engessadas
antes impostas.
Em que pese à regra da não intervenção do Poder Judiciário nos
contratos86, não podemos olvidar do princípio do dirigismo contratual, que
84
FORGIONI, Paula A. Teoria geral dos contratos empresariais. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 82.
85 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e dos Contratos. 5
ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 406. 86
BRASIL. TJMG. Processo: Apelação Cível - 2.0000.00.395547-1/000 3955471-88.2000.8.13.0000 (1) - Relator(a): Des.(a) Gouvêa Rios - Data de Julgamento: 12/08/2003 - Data da publicação da súmula: 06/09/2003 - Ementa: EXECUÇÃO - EMBARGOS DO DEVEDOR - ILEGITIMIDADE ATIVA - OCORRÊNCIA - CONTRATO DE LOCAÇÃO - SHOPPING CENTER - VÍCIO DE CONSENTIMENTO NÃO PROVADO - PACTA SUNT SERVANDA - CODECON - INAPLICABILIDADE. Via de regra não tem legitimidade para interpor embargos de devedor empresa que não figura no pólo passivo da execução. O vício de consentimento e o erro substancial quando da assinatura do contrato devem ser provados por quem os alega. As condições originais pactuadas no contrato de locação de
54
desponta quando o Estado intervém na relação entre as partes e dita certas
regras de observância obrigatória, com o objetivo de impedir o absoluto
individualismo contratual das partes.
De fato, o ordenamento jurídico estabelece normas cogentes, de
interesse social, coletivo, reservando o campo dos direitos disponíveis (em
geral, de caráter patrimonial) à incidência da liberdade das partes e determinar
o conteúdo contratual.
Nessa esteira, o Código Civil prevê que a liberdade de contratar será
exercida em razão e nos limites da função social do contrato (art. 421 do
Código Civil), bem como vinculado aos princípios da boa-fé e do equilíbrio
econômico ou equivalência material do contrato.
Lado outro, onde prevalece a liberdade contratual dá-se à lei um
papel supletivo, subsidiário, o que permite seja ela afastada pela vontade
expressa das partes.
Não se olvidando da importância que assumem os demais princípios
e qualquer relação contratual, constatar-se-á que o atinente à autonomia
privada alcança função de destaque na órbita do contrato de locação em
shopping center.
O relevo do assunto, tanto para o contrato de locação em shopping
center como para as outras espécies de contrato, emana da dificuldade de se
dimensionar o alcance do princípio da autonomia privada.
5.8 Força obrigatória e a teoria da imprevisão nos contratos empresariais
O princípio da força vinculante (obrigatoriedade) dos contratos
também ganha relevo no seio do presente estudo.
uso comercial em shopping center devem, em geral, prevalecer, tendo a elas se submetido o locatário quando da celebração do ajuste. "Corolário da liberdade contratual é a regra de que os tribunais e juízes não fazem contratos para as partes. Dessa forma, uma vez assumidos os riscos, as perdas a eles associadas, devem repousar exatamente sobre aquele que colheria o benefício ou o prêmio, se a situação adversa não tivesse ocorrido". "Não se aplica às locações prediais urbanas reguladas pela lei 8.245/91, o Código do Consumidor".
55
Este princípio nos remete à conhecida ideia de que o contrato é lei
entre as partes (desde que observados seus pressupostos e requisitos de
existência, validade etc.).
A força obrigatória dos contratos viabiliza a existência do mercado,
coibindo o oportunismo indesejável das empresas.
Verte-se no brocardo pacta sunt servanda e tem, por objetivo,
resguardar a segurança das relações jurídicas, de modo que a palavra
comprometida seja cumprida.
Imaginemos que no momento inicial, as partes creem que o negócio
ser-lhes-á vantajoso; todavia, com o passar do tempo, é possível que o vínculo
deixe de interessar a uma das partes. Nasce a pretensão, então, de livrar-se da
amarra contratual para seguir outro caminho.
Nesta linha de raciocínio, torna-se relevante a força vinculante dos
contratos, com o objetivo de coibir o descumprimento da palavra empenhada e,
consequentemente, o desencorajamento de condutas que tentam tirar proveito
das circunstâncias do momento.
André Luiz Santa Cruz Ramos afirma que, “em consequência da
força obrigatória, há nos contratos, implicitamente, uma cláusula geral de
irretratabilidade e de intangibilidade, fundamental para a garantia da segurança
jurídica das relações contratuais”.87
Todavia, o princípio da obrigatoriedade também sofre atenuações,
havendo justificativas para tanto, como a ocorrência de guerras ou greves, por
exemplo.
Assim a lei procura manter o equilíbrio contratual, admitindo a
revisão ou mesmo a resolução contratual diante de acontecimentos
extraordinários e imprevisíveis nas condições econômicas que originaram a
constituição do vínculo contratual.
O tema não esta isento de discussões, especialmente quando se
trata da teoria da imprevisão (rebus sic stantibus).
Sobre o tema,
87
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial esquematizado. 3 ed. São Paulo: Método. 2013. p. 522.
56
a cláusula rebus sic stantibus, renovada no direito moderno sob o nome de teoria da imprevisão, tem assim importância como conceito amortecedor, ou seja, como ideia-força que limita a autonomia da vontade no interesse da comutatividade dos contratos e com a finalidade de assegurar a equivalência das prestações das partes quando, por motivo imprevisto, uma delas se tornou excessivamente onerosa.
88
Nos contratos empresariais, é arriscado admitir a rescisão ou a
revisão de contratos com base na onerosidade excessiva, ainda que esta seja
decorrente de situações extraordinárias e imprevisíveis.
Trata-se de uma regra que não pode ser aplicada indistintamente a
contratos cíveis, contratos de relação de consumo e contratos empresariais.
Nas duas primeiras espécies de contrato, pode-se até aceitar a aplicação da
teoria da imprevisão, mas nos contratos empresariais ela deve ser afastada.
Por exemplo, na hipótese de um empresário vislumbrar a
possibilidade, ainda que remota, de alterações relevantes que afetem a relação
contratual, deve acautelar-se, amparando-se em profissionais habilitados que
possam confeccionar contratos bem elaborados, aptos a prevenirem hipóteses
que poderiam inviabilizar o feito e capaz de vincular garantias determinantes ao
fiel cumprimento contratual.
O Superior Tribunal de Justiça já negou a aplicação da teoria da
imprevisão, em contratos empresariais, em casos de variação cambial, bem
como em outras situações normais às atividades dos empresários, as quais
não podem, portanto, serem consideradas fatos extraordinários e imprevisíveis.
DIREITO CIVIL E COMERCIAL. COMPRA DE SAFRA FUTURA DE SOJA. ELEVAÇÃO DO PREÇO DO PRODUTO. TEORIA DA IMPREVISÃO. INAPLICABILIDADE. ONEROSIDADE EXCESSIVA. INOCORRÊNCIA. 1. A cláusula rebus sic stantibus permite a inexecução de contrato comutativo - de trato sucessivo ou de execução diferida - se as bases fáticas sobre as quais se ergueu a avença alterarem-se, posteriormente, em razão de acontecimentos extraordinários, desconexos com os riscos ínsitos à prestação subjacente. 2. Nesse passo, em regra, é inaplicável a contrato de compra futura de soja a teoria da imprevisão, porquanto o produto vendido, cuja entrega foi diferida a um curto espaço de tempo, possui cotação em bolsa de valores e a flutuação diária do preço é inerente ao negócio entabulado. 3. A variação do preço da saca da soja ocorrida após a celebração do contrato não se consubstancia acontecimento extraordinário e imprevisível, inapto, portanto, à
88
WALD, Arnold. Direito Civil: Direito das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. 18 ed. São Paulo: Saraiva. 2009. p. 302.
57
revisão da obrigação com fundamento em alteração das bases contratuais. 4. Ademais, a venda antecipada da soja garante a aferição de lucros razoáveis, previamente identificáveis, tornando o contrato infenso a quedas abruptas no preço do produto. Em realidade, não se pode falar em onerosidade excessiva, tampouco em prejuízo para o vendedor, mas tão-somente em percepção de um lucro aquém daquele que teria, caso a venda se aperfeiçoasse em momento futuro. 5. Recurso especial conhecido e provido.
89
Civil. Recurso especial. Ação revisional de contratos de compra e venda de safra futura de soja. Ocorrência de praga na lavoura, conhecida como 'ferrugem asiática'. Onerosidade excessiva. Pedido formulado no sentido de se obter complementação do preço da saca de soja, de acordo com a cotação do produto em bolsa que se verificou no dia do vencimento dos contratos. Impossibilidade. Direito Agrário. Contrato de compra e venda de soja. Fechamento futuro do preço, em data a ser escolhida pelo produtor rural. Ausência de abusividade. Emissão de Cédula de Produto Rural (CPR) em garantia da operação. Anulação do título, porquanto o adiantamento do preço consubstanciaria requisito fundamental. Reforma da decisão. Reconhecimento da legalidade da CPR. Precedentes. - Nos termos de precedentes do STJ, a ocorrência de 'ferrugem asiática' não é fato extraordinário e imprevisível conforme exigido pelo art. 478 do CC/02. - A Lei 8.929/94 não impõe, como requisito essencial para a emissão de uma Cédula de Produto Rural, o prévio pagamento pela aquisição dos produtos agrícolas nela representados. A emissão desse título pode se dar para financiamento da safra, com o pagamento antecipado do preço, mas também pode ocorrer numa operação de 'hedge', na qual o agricultor, independentemente do recebimento antecipado do pagamento, pretende apenas se proteger contra os riscos de flutuação de preços no mercado futuro. Recurso especial conhecido e provido.
90
André Luiz Santa Cruz Ramos, conclui o tema da teoria da
imprevisão da seguinte maneira “empresários são profissionais dos seus
respectivos ramos de atividade, não podendo alegar a imprevisibilidade de
situações que dizem respeito aos negócios que exploram”.91
Caso não ocorra uma mudança substancial no estado das partes,
capaz de vislumbrar a onerosidade excessiva no contrato, este deverá ser
cumprido até seu termo previsto, conferindo uma garantia também ao
investidor, sob a ótica da análise de risco, que deve ser previsto, já no ato da
contratação.
89
BRASIL. STJ. REsp 849228/GO, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, 4 ª Turma, j. 03.08.2010, DJe 12.08.2010.
90 BRASIL. STJ. REsp 858785/GO, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, Rel. p/
Acórdão Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 08/06/2010, DJe 03.08.2010. 91
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial esquematizado. 3 ed. São Paulo: Método, 2013. p. 526.
58
Assim, o princípio do pacta sunt servanda mostra-se necessário ao
giro empresarial na medida em que freia o natural oportunismo dos agentes
econômicos.
Cumpre destacar o enunciado número 25 aprovado pela plenária da
1ª jornada de direito comercial, qual seja “A revisão do contrato por
onerosidade excessiva fundada no Código Civil deve levar em conta a natureza
do objeto do contrato. Nas relações empresariais, deve-se presumir a
sofisticação dos contratantes e observar a alocação de riscos por eles
acordada.”
Em resumo: o funcionamento do mercado exige que os pactos
sejam respeitados. A tendência do direito empresarial vai ao sentido de impor
ao empresário o respeito aos acordos aos quais livremente se vinculou.
Enfim, esse princípio, tal qual o da autonomia privada e da teoria da
imprevisão, assumem importante papel na análise do contrato de locação em
shopping center, o qual, como também já se disse, sofre influência dos demais
princípios contratuais, mas cuja abordagem, para os propósitos deste trabalho,
dar-se-á de modo pontual.
5.9 Contrato e erro
Os contratantes algumas vezes adotam táticas erradas, e esses
enganos são previstos e esperados pelo sistema jurídico, na medida em que,
diferenciando os agentes, admitem o estabelecimento do jogo concorrencial.
Sendo assim, é a particularidade das estratégias tomadas pelos
contratantes e os resultados obtidos (uns bons, outros não) que gera a
concorrência no mercado brasileiro (porque todos buscam a maior
recompensa, o lucro, a adoção da estratégia mais competente).
Em um primeiro momento que vem à mente é a explicação do erro,
partindo da lógica de que os contratantes atuariam, sempre, de forma racional,
lógica, coerente, com a finalidade de obter o melhor resultado.
Em caso de acerto de todos os lados, ou os contratantes teriam o
tão desejado lucro ou à atividade empresarial ficaria inerte. Acreditamos não
59
fazer sentido essa possibilidade, uma vez que a atividade comercial necessita
de competitividade e isso faz com uma parte ganhe e a outra perca.
Cumpre destacar que, autores da linha de Posner, muito embora
falem em “escolha” dos contratantes, adotam uma noção de eficácia e de
busca por maximizar os lucros que acaba por suprimir esse mesmo método de
escolha.92
As sociedades empresárias são um núcleo de tomada de decisões;
há distribuições de fatores que não decorrem de desempenho dos preços, mas
da opção do empresário. Não é em decorrência de uma oscilação nos preços
que um funcionário assume o cargo X ou Y, mas sim por uma estratégia,
porque uma pessoa determinou que ele atuasse desta forma.
O erro acontece em razão da jogada do empresário no mercado.
Para cada empresário, há uma jogada, uma estratégia e uma conclusão, sendo
que cada qual reagirá de uma maneira diferente, ainda que possamos imaginar
todos como economicamente racionais.
Essa verificação tem efeitos práticos acentuados para o sistema
jurídico. Nos dizeres de Paula Forgioni,
se não considerarmos que uma empresa pode ter adotado uma estratégia equivocada, jamais entenderemos um prejuízo suportado por uma das partes na execução do negócio decorrente de sua “álea normal” (e que, portanto, não seja derivado de alterações contextuais imprevisíveis).
93
A interpretação dos contratos interempresariais não será racional se
retirar o fator erro do sistema jurídico, neutralizando os prejuízos ou lucros que
devem ser suportados pelos contratantes, em virtude de sua atuação no
mercado.
O que o sistema jurídico obriga é o contratante agir conforme os
parâmetros da boa-fé objetiva, levando em conta as regras, costumes, custos
de transação, egoísmo do agente econômico, informação, oportunismo,
princípios e as legítimas expectativas da outra parte no negócio.
92
“His definition of rationality exclues the process of making choices” (Economic rationality in law and economics scholarship). POSNER, Richard. Economic analysis of law. 4 ed. Boston: Little, Brown and Company, 1992. p. 43.
93 FORGIONI, Paula A. Teoria geral dos contratos empresariais. 2 ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2010. p. 93.
60
Para finalizar, é preciso informar que o erro nos contratos não se
aplica (i) nas relações jurídicas das quais participam terceiros que não sejam
empresários; e (ii) ainda que exista relação contratual entre empresários, nas
relações em que há dependência econômica de um em relação ao outro.
5.10 Boa-fé
O princípio da boa-fé objetiva é cláusula geral que deverá ser
observada nos contratos de locação, cuja principal função é a de alcançar
resultados justos e equilibrados. Referida regra está expressamente prevista,
em nosso Código Civil, em seu art. 422, com amparo no art. 79 da Lei nº
8.245/91, que prescreve que “os contratantes são obrigados a guardar, assim
na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e
boa-fé”.
O princípio da boa-fé objetiva se prolonga da fase pré-contratual à
pós-contratual, criando um compromisso entre as partes de informar, de sigilo e
de proteção.
Trata-se de regra de suma importância e de necessária observância,
pois, quando não regularmente praticada pelas partes, certamente dará causa
a um conflito e, na sequência, será objeto de análise e de apreciação, na
revisão judicial imposta.
A boa-fé está relacionada a uma questão de interpretação, eis que
não se deve fazer prevalecer, sobre a real intenção das partes, apenas o que
está escrito no acordo firmado. Há certas regras implícitas no negócio,
decorrentes da própria natureza da relação contratual.
Como já referia Orlando Gomes, o princípio da boa-fé diz respeito
mais à interpretação dos contratos:
Por ele se significa que o literal da linguagem não deve prevalecer sobre a intenção manifestada na declaração de vontade, ou dela inferível. Ademais, subentendem-se, no conteúdo do contrato, proposições que decorrem da natureza das obrigações contraídas, ou se impõem por força de uso regular e da própria equidade.
94
94
GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1984, 10ª edição. p. 43.
61
Para Paula Forgini a boa-fé no direito comercial significa “adotar o
comportamento jurídica e normalmente esperado dos “comerciantes cordatos”,
dos agentes econômicos ativos e probos em determinado mercado (ou “em
certo ambiente institucional”), sempre de acordo com o direito. Trata-se, a toda
evidência, da boa-fé objetiva”.95
De acordo com a percepção de Karl Larenz, “a boa-fé exige que
cada parte admita o contrato como ele há de ser entendido por contratantes
honestos segundo a ideia básica e a finalidade do mesmo, tomando em
consideração os usos do tráfico”.96
Paula Forgini destaca que a boa-fé
é tomada pelo agente como um dos fatores que pautará o seu comportamento dentro de uma racionalidade condicionada pelas “regras do jogo”. Portanto, para o desenvolvimento da confiança não é necessário que aquele agente tenha participado de jogadas anteriores em que tenha “aprendido” o comportamento conforme a boa-fé. Ao atuar em um mercado (juridicamente organizado), sabe-se de antemão quais as consequências do descumprimento da norma, sem a ter que infringir. Ou seja, no mercado aprende-se com a experiência dos outros, ao contrário do que muitas vezes acontece em nossas vidas privadas. A “memória de experiência”, que é importante para a existência da confiança, não é, portanto, atributo do individuo, mas está relacionada ao processo de positivação da norma jurídica. É a norma jurídica – e não o indivíduo – que contém a “memória de experiência”.
97
Neste aspecto, o comportamento probo não implica gasto, mas sim
economia, tanto para o agente (que atuará conforme as regras), quanto para o
mercado como um todo, que terá uma ideia preconcebida de diminuição da
incidência de custos de transação pelo aumento do grau de confiança e
previsibilidade. E assim deve ser para o direito, porque a medida punitiva
prevista desestimula o comportamento do transgressor.
Sobre o tema, Venosa conclui que o contrato deverá ser interpretado
à luz da boa-fé,
95
FORGIONI, Paula A. Teoria geral dos contratos empresariais. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 99.
96 LARENZ, Karl. Derecho civil – Parte general. Trad. esp. Miguel Izquierdo e Macías-
Picavea. Caracas: Edersa, 1978. p. 745. 97
FORGIONI, Paula A. Teoria geral dos contratos empresariais. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 99.
62
importa, pois examinar o elemento subjetivo em cada contrato, ao lado da conduta objetiva das partes. A parte contratante pode estar já, de início, sem a intenção de cumprir o contrato, antes mesmo de sua elaboração. A vontade de descumprir pode ter surgido após o contrato. Pode ocorrer que a parte, posteriormente, veja-se em situação de impossibilidade de cumprimento. Cabe ao juiz examinar em cada caso se o descumprimento decorre de boa ou má-fé.
98
No método de interpretação dos contratos empresariais, a boa-fé
não pode ser confundida com equidade, neutralidade ou excessiva proteção de
um dos contratantes, sob pena de causar instabilidade no sistema.
A boa-fé no direito empresarial não exerce apenas uma função
moral, desconexa da realidade dos negócios e estabelecida em valores outros
que não a procura do melhor funcionamento do mercado. Muito ao contrário,
reforça as possibilidades de certeza dos contratantes no sistema, abrandando
o risco.
Cumpre destacar o enunciado número 27 aprovado pela plenária da
1ª jornada de direito comercial, qual seja “Não se presume violação à boa-fé
objetiva se o empresário, durante as negociações do contrato empresarial,
preservar segredo de empresa ou administrar a prestação de informações
reservadas, confidenciais ou estratégicas, com o objetivo de não colocar em
risco a competitividade de sua atividade.”
A boa-fé serve, assim, para reger as relações empresariais de uma
realidade diversa e um tanto diferente daquelas que cercam a maioria dos
negócios celebrados entre não empresários. De efeito, a boa-fé, por ser
requisito inerente a todos os contratos, merece sempre destaque.
5.11 Função social do contrato
A função social do contrato não deve ser entendida,
especificamente, como um princípio, mas como uma cláusula geral a ser
cumprida na realização do negócio. O contrato de locação de espaço físico em
98
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e dos Contratos. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 408.
63
shopping center tem, em sua essência, a produção e a geração de riquezas na
sociedade, estando implícito nestes objetivos o seu caráter social.
A função social do contrato decorre da doutrina que se opôs ao
liberalismo decorrente da Revolução Industrial e que veio a ser adotada pela
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a partir do direito de
propriedade (art. 170, inc. III), passando a se impor como diretriz das relações
jurídicas. Escrevendo a respeito Glauber Moreno Talavera entende que:
A função social do contrato exprime a necessária harmonização dos interesses privados dos contraentes com os interesses de toda coletividade; em outras palavras, a compatibilização do princípio da liberdade com a igualdade, vez que para o liberal o fim principal é a expansão da personalidade individual e, para o igualitário, o fim principal é o desenvolvimento da comunidade em seu conjunto, mesmo que ao custo de diminuir a esfera de liberdade dos singulares. A única forma de igualdade, que é a compatível com a liberdade tal como compreendida pela doutrina liberal, é a igualdade na liberdade, que tem como corolário a ideia de que cada um deve gozar de tanta liberdade quanto compatível com a liberdade dos outros ou, como apregoava, antevendo essa dificuldade de compatibilização, o aristocrata francês Charles-Louis de Secondat, conhecido como Barão de la Brède e de Montesquieu, em seu clássico O Espírito das Leis: A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem.
99
Para a teoria da função social do contrato, prevalece o interesse
público sobre o privado, a impor o proveito coletivo em detrimento do
meramente individual, e a ter em conta mais uma justiça distributiva que
meramente retributiva.
A liberdade contratual e o equilíbrio de interesses entre as partes
são questões a serem observadas quando da formalização do contrato pelos
pactuantes.
No entanto, a interferência do Estado nas relações jurídicas entre
empresários deverá ser mínima. Rodrigo da Fonseca Garcia entende que essa
interferência deverá ser somente em casos excepcionais, vejamos:
Em especial quando o negócio é comercial ou empresarial, a intervenção do Estado legislador ou juiz no conteúdo contratual deve
99
TALAVERA, Glauber Moreno. Artigo intitulado “A função social do contrato no Novo Código Civil”, publicado Boletim ADCOAS – doutrina, nº 12, dezembro de 2002. p. 339.
64
ser mínima, admitida apenas excepcionalmente. Essa é a essência da livre iniciativa consagrada constitucionalmente.
100
Dentro do conceito de Justiça Social, as partes não podem mais
exercer os seus interesses contratuais livremente, o conteúdo do contrato deve
refletir as exigências da nova ordem, cabendo ao Estado disciplinar e corrigir
as vontades das partes para buscar o interesse coletivo, pois “muitas são as
normas da ordem pública que se inserem na economia jurídica do contrato.”101
A função social do contrato está ligada ao disposto no art. 5º da Lei
de Introdução às normas do Direito Brasileiro, in verbis: “Art. 5º - Na aplicação
da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do
bem comum”.
Maria Helena Diniz cita Alípio Silveira que entende que aludido artigo
consagra:
a) Repulsa à exclusiva interpretação literal da lei ou à sua aplicação mecânica; b) Repúdio à busca da vontade do legislador, que deve ser substituída pela da intentio legis; c) Afastamento da ideia in claris cessat interpretatio, porque toda e qualquer aplicação de lei, inclusive em casos de integração de lacunas, deverá conformar-se aos seus fins sociais e às exigências do bem comum, sem embargo da sua aparente clareza; d) Predomínio do caráter valorativo, político-social, da interpretação e consequente alargamento desse conceito, com desenvolvimento vivo, quase uma segunda criação da norma já estabelecida pelo legislador; e) Atenuação do liberalismo individualista abstrato e do absolutismo dos interesses individuais.
102
Embora a lei confira às partes a faculdade de contratar, não terá
aplicação literal, mecânica, sem que se analise a função social do contrato.
O princípio da função social dos contratos, incorporado ao Código
Civil, é fruto do Direito Moderno que passa da defesa dos interesses
individualistas para a do interesse coletivo ou social.
100
REALE apud FONSECA, Rodrigo Garcia da. A função social do contrato e o alcance do art. 421 do Código Civil. Rio de Janeiro: Renovar. 2007. p. 160.
101 MOURA, Mário Aguiar. Função social do contrato. In Revista dos Tribunais, vol. 630. São Paulo abril/1988. p. 247-249.
102 DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução do código civil interpretada. 5. ed. São Paulo: Saraiva. 1999. p. 162.
65
Cumpre destacar que, alguns entendimentos doutrinários e
jurisprudenciais anteriores ao atual Código Civil, conferem irrestrita liberdade
contratual aos empreendedores de shopping center e reconhecem legalidade a
todas as cláusulas contratuais, sem apreciar as eventuais abusividades.
No entanto, atualmente, o entendimento pela abusividade de
algumas cláusulas contidas no contrato de locação de shopping center vem
ganhando força, já que a análise das cláusulas pelo Poder Judiciário é
realizada com fulcro no princípio da função social do contrato limitador da
liberdade contratual, além dos demais princípios jurídicos, sociais e morais.
O Código Civil de 2.002 constitui um sistema aberto de normas, com
caráter mais coletivo, que vem da própria Constituição Federal a técnica
legislativa, com inúmeros modelos jurídicos abertos, cujo corpo normativo
vincula dialeticamente o Código Civil.103
Por ser um sistema aberto, cabe ao juiz a interpretação e aplicação
dos dispositivos legais – maior liberdade de decisão -, principalmente àqueles
que possuem as cláusulas gerais. Arruda Alvim confirma a interpretação das
cláusulas gerais:
O Código Civil possui uma linguagem permeada por cláusulas gerais, prenhe de conceitos vagos, ou seja, são ideias, núcleos de valores apresentados pelo legislador, mas cujo preenchimento demandará necessariamente que sejam completados pelo juiz à luz das circunstâncias do caso concreto.
104
Essa nova ordem constitucional levou à reformulação da disciplina
contratual, na qual o contrato passa a ser um instrumento de cooperação, onde
as partes devem se comprometer para o alcance do seu fim maior.
Nesse contexto, o Código Civil, no que tange aos contratos, prevê
cláusulas gerais cuja definição adotada pelo Doutrinador Nelson Nery Júnior,
segue citada:
Cláusulas gerais. Definição. Com significação paralela aos conceitos legais indeterminados, as cláusulas gerais são normas orientadoras
103
TEIZEN JUNIOR, Augusto Geraldo. A função social no Código Civil. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2004. p. 99.
104 ALVIM, Arruda. A função social dos contratos no novo código civil. In: Revista dos Tribunais, vol. 815. São Paulo. 2003. p. 27.
66
sob forma de diretrizes, dirigidas precipuamente ao juiz, vinculando-o ao mesmo tempo em que lhe dão liberdade para decidir. As cláusulas gerais são formulações contidas em lei, de caráter significativamente genérico e abstrato, cujos valores devem ser preenchidos pelo juiz, autorizado para assim agir em decorrência da formulação legal da própria cláusula geral, que tem natureza de diretriz. Distinguem-se dos conceitos legais indeterminados pela finalidade e eficácia, pois aqueles, uma vez diagnosticados pelo juiz no caso concreto, já têm sua solução preestabelecida na lei, cabendo ao juiz aplicar referida solução. Estas, ao contrário, se diagnosticadas pelo juiz, permitem-lhe preencher os claros com os valores designados para aquele caso, para que se lhe dê a solução que ao juiz parecer mais correta, ou seja, concretizando os princípios gerais de direito e dando aos conceitos legais indeterminados uma determinalidade pela função que têm de exercer naquele caso concreto.
105
Denota-se, da referida citação, que as normas gerais dos contratos
vieram conferir ao juiz poder para aplicar ao caso concreto normas
orientadoras cabíveis ao contrato ou cláusula do contrato, que, no presente
estudo, traduz-se no sentido de equilibrar o contrato ou cláusula e corrigir
possíveis abusividades, sem se ater a interesses individuais, gerando decisões
justas e atualizadas ao seu tempo.
Nelson Nery Júnior continua e indica a função das cláusulas gerais:
Dotar o sistema interno do Código Civil, mitigando as regras mais rígidas além de atuar de forma a concretizar o que se encontra previsto nos princípios gerais do direito e nos conceitos legais indeterminados. Prestam-se, ainda, para abrandar as desvantagens do estilo excessivamente abstrato e genérico da lei. Para tanto, as cláusulas gerais passam, necessariamente, pelos conceitos determinados pela função. O juiz exerce papel de suma importância no exercício dos poderes que derivam das cláusulas gerais, ele instrumentaliza, preenchendo com valores, o que se encontra abstratamente contido nas referidas cláusulas gerais.
106
A aplicação rígida da liberdade contratual prevista no art. 54 da Lei
nº 8.245/91, que conferiu poderes aos empreendedores de ditar livremente
todas as cláusulas do contrato de locação, acabou por engessar o contrato e
criar abusividades. Assim, com a aplicação das cláusulas gerais dos contratos,
o juiz poderá corrigir o contrato atualizando os entendimentos jurisprudenciais
acerca da matéria.
105
NERY JÚNIOR, Nelson. Novo Código Civil e legislação extravagante anotados: atualizado até 15/03/2002. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 6.
106 NERY JÚNIOR, Nelson. Novo Código Civil e legislação extravagante anotados: atualizado até 15/03/2002. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 6.
67
De acordo com Augusto Geraldo Teizen Júnior107, as cláusulas
gerais dos contratos são normas inovadoras que farão o sistema ficar vivo e
sempre atualizado, prolongando a aplicabilidade dos institutos jurídicos,
amoldando-os às necessidades da vida social, econômica e jurídica.
Destaca a conclusão trazida pelo mesmo autor:
É na teoria geral dos contratos que a técnica legislativa da estipulação de cláusulas gerais permite perceber a tendência das modernas legislações, qual seja, limitar a autonomia da vontade das partes na estipulação de obrigações contratuais. Tais cláusulas gerais trazem em seu bojo as questões mais polêmicas que ocuparam as mentes dos maiores pensadores do direito contratual do século XX, quais sejam: 1 – A limitação do dogma da autonomia da vontade como força originária do direito entre as partes contratantes. 2 – O interesse social e o princípio da boa fé como parâmetros dessa limitação. 3 - A consideração da desigualdade das partes para aferição da liberdade e validade da declaração.
108
Desta forma, a socialização do contrato e a limitação da autonomia
privada têm nas cláusulas gerais suas fronteiras e limitação. Essa limitação se
perfaz nas cláusulas gerais, e não por normas casuísticas.
O fenômeno da contratação em shopping center passa por uma
crise que altera a função do contrato, pois deixa de ser um mero instrumento
de autodeterminação privada, para se tornar um instrumento que deve realizar
os interesses da coletividade, diretamente os lojistas e indiretamente os
consumidores.
Segue a citação do art. 421 do Código Civil e a interpretação de
Nelson Nery:
Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
A função mais destacada do contrato é a de propiciar a circulação da riqueza, transferindo-a de um patrimônio para outro. Essa liberdade parcial de contratar, com objetivo de fazer circular a riqueza, tem de cumprir sua função social, tão ou mais importante do que o aspecto econômico do contrato. Por isso, fala-se em fins econômicos sociais do contrato como diretriz para sua existência, validade e eficácia. Como a função social é cláusula geral, o juiz poderá preencher os
107
TEIZEN JUNIOR, Augusto Geraldo. A função social no Código Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 111.
108 TEIZEN JUNIOR, Augusto Geraldo. A função social no Código Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 112-113.
68
claros do que significa “função social”, com valores jurídicos, sociais e morais. A solução será dada diante do que se apresentar, no caso concreto, ao juiz. Poderá proclamar a inexistência do contrato por falta de objeto; declarar sua nulidade por fraude a lei imperativa (CC116, VI), porque a norma do CC 421 é de ordem pública (CC2035 par. ún.); convalidar o contrato anulável (CC171 e 172); determinar a indenização da parte que desatendeu a função social do contrato etc. São múltiplas as possibilidades que se oferecem como soluções ao problema do desatendimento à cláusula geral da função social do contrato.
109
Nessa ordem de ideias, Silvio Venosa explica que:
[...] realçando o conteúdo social do novo Código, seu artigo 421 enuncia: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. O controle judicial não se manifestará apenas nos exames das cláusulas contratuais, mas desde a raiz do negócio jurídico. Como procura enfatizar o novo diploma, o contrato não é mais visto pelo prisma individualista de utilidade para os contratantes, mas no sentido social de utilidade para a comunidade. Nesse diapasão, pode ser coibido o contrato que não busca essa finalidade.
110
Denota-se, da citação supra, que, com o advento do Código Civil de
2.002, os doutrinadores e julgadores deverão analisar o contrato de locação de
shopping center sob a ótica do art. 421 que trata da função social do contrato.
A função social do contrato extrapolou a relação entre as partes, e
envolveu terceiros que não participaram do vínculo contratual, superando o
princípio da relatividade das obrigações, restringindo, assim, a autonomia
privada e a consequente redução do alcance da liberdade contratual, tornando-
se a nova ordem jurídica das relações negociais.
Nas palavras de Pedro Oliveira da Costa “os contratos devem
respeitar um crescente número de normas que procuram garantir a prevalência
do interesse social sobre o interesse meramente privado, egoisticamente
manifestado”.111
109
NERY JÚNIOR, Nelson, ANDRADE JÚNIOR, Maria de. Novo Código Civil e legislação extravagante anotados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 180-181.
110 VENOSA. Silvio. Brasil. Novo Código Civil brasileiro: lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002: estudo comparativo com o Código Civil de 1916, Constituição Federal, legislação codificada e extravagante. 3 ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 177.
111 COSTA, Pedro Oliveira da. Apontamentos para uma visão abrangente da função social dos contratos. In: TEPEDINO, Gustavo (coord.) Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 49.
69
Não se trata da eliminação dos princípios liberais da autonomia da
liberdade contratual, do pacta sunt servanda ou obrigatoriedade dos contratos,
mas da limitação de seu alcance e conteúdo.
No modelo contemporâneo dos contratos, portanto, cada um dos princípios clássicos é confrontado com um novo princípio, capaz de moldar-lhe a aplicação e redefinir lhe a abrangência. A liberdade contratual é informada pela boa-fé, considerada em seu viés objetivo, a incidir em todas as fases da relação negocial, qualificando a conduta das partes e orientando a interpretação do contratado; o vetusto pacta sunt servanda é mitigado pela necessidade de se assegurar o equilíbrio entre a prestação e contraprestação, evitando-se contratações iníquas ou execuções desarrazoadas de obrigações inicialmente razoáveis; a relatividade dos efeitos do contrato é abrandada pelo reconhecimento e afirmação da sua função social.
112
Neste sentido, a proteção dos interesses privados não incide apenas
na liberdade das partes de contratar, mas nos efeitos externos do contrato
diante da nova ordem pública contratual. Além dos interesses pessoais, as
partes devem procurar cumprir a função juridicamente relevante do contrato
(instrumento para a circulação econômica), com harmonia e cooperação social
– “a funcionalização do contrato tem por consequência a ampliação da
obrigação de contratar e, portanto, a limitação da liberdade de contratar”.113
Essa funcionalização do contrato pode ser nos casos previstos em
lei ou da interpretação do juiz de acordo com a obrigação a ser cumprida.
Desta forma, o Poder judiciário, na resolução de casos concretos, deve buscar
os fins contratuais (vistas à função social) ou deveres de conduta (boa-fé
objetiva).
Cumpre destacar o enunciado número 26 aprovado pela plenária da
1ª jornada de direito comercial, qual seja “O contrato empresarial cumpre sua
função social quando não acarreta prejuízo a direitos ou interesses, difusos ou
coletivos, de titularidade de sujeitos não participantes da relação negocial.”
O exame do contrato de locação de shopping center, sob o enfoque
da sua função social como cláusula geral, permitirá ao intérprete entender as
112
COSTA, Pedro Oliveira da. Apontamentos para uma visão abrangente da função social dos contratos. In: TEPEDINO, Gustavo (coord.) Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 52.
113 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Função social dos contratos: interpretação à luz do Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 275.
70
cláusulas contratuais, apontando as eventuais abusividades e propiciar a busca
da solução mais justa ao universo jurídico na qual ela se insere.
71
6 ESTRUTURA CONTRATUAL
Em razão da complexidade das regras de cessão e utilização de
espaços comerciais em shopping centers, existe a necessidade de minucioso
detalhamento de tais regras em contrato, com a previsão e a disciplina de
múltiplos aspectos da relação entre empreendedores e lojistas, inclusive à vista
da necessidade de padronização de diversas normas de natureza operacional,
como forma de permitir que o empreendimento apresente seu mix de
fornecedores de produtos e serviços funcionando com a unidade e a harmonia
que distinguem os shopping centers dos centros comerciais de rua.
Juridicamente, nada impediria que cada contrato de locação
contivesse, em um único instrumento com dezenas de páginas, todas as
normas necessárias à regulação desse relacionamento. Por questões práticas,
porém, o mercado desenvolveu melhor estruturação, criando um instrumento
básico, que é o próprio contrato de locação, com as regras elementares do
relacionamento contratual, deixando para instrumentos anexos (dotados de
igual força vinculante, como se estivessem transcritos no próprio contrato) o
detalhamento de regras acima referido.
Tal estrutura foi consagrada pelo uso e, atualmente, com pequenas
variantes, é adotado na generalidade das locações em shopping centers, nas
mais diversas localidades, ainda que os conteúdos variem, quer no que toca às
condições econômicas, quer no que se refere às normas operacionais.
De fato, o risco relacionado à adoção dessa estrutura reside em
considerar que os instrumentos relativos à locação em shopping centers seriam
padronizados a ponto de poderem ser simplesmente copiados de um
empreendimento para outro. Cada empreendimento tem a sua realidade e as
suas necessidades, de modo que o contrato de locação e os respectivos
anexos devem regular as peculiaridades do shopping center a que se referirem.
A adoção de modelos originados de outro shopping center, feita de modo
inadequado e irrefletido, pode gerar diversas dificuldades em aspectos da
operação do empreendimento. Vale ressaltar a dificuldade de reverter tal
situação depois de consolidada, pois a solução passaria por obter a anuência
72
dos locatários para a alteração de dezenas ou, conforme o caso, centenas de
contratos.
Esses problemas podem manifestar-se nas diferentes formas de
contratação da remuneração mínima, no regime de rateio de despesas, na
estruturação da associação de lojistas ou no modo de exploração do
estacionamento, entre outros aspectos, que variam caso a caso.
Vejamos, agora, cada um dos instrumentos mais usualmente
utilizados.
6.1 O (pré) contrato de locação e o quadro de informações básicas
Como já analisado, o empreendimento shopping center nasce muito
antes de sua inauguração; nasce antes mesmo do início de sua construção.
Como afirma Verri,
o empreendedor terá como meta inicial fazer as pesquisas mercadológicas para estudo da viabilidade do empreendimento, passando em seguida a preparar o esboço da estrutura em si, com projetos de engenharia e arquitetura etc. Passada essa fase, que inclui a aprovação perante autoridades competentes [...], o empreendedor terá de preocupar-se com a organização legal do empreendimento.
114
O shopping center surge, portanto, antes de sua constituição de seu
espaço físico. Neste momento, a adesão de comerciantes ao centro comercial
não se dá na qualidade de locadores, certo que ainda não existe a loja.
Celebra-se, destarte, “um contrato a título de direito de reserva da localização
(res sperata) com um futuro lojista, que pagará certa quantia periódica durante
a fase de construção (...). Tal avença não se confunde com o contrato que terá
vigência após a construção do shopping center, para fins de atividade
comercial”.115
Esclarece Verri que o futuro lojista recebe, como contrapartida pelo
pagamento que efetua, “a segurança de vir a ter uma localização no shopping
114
VERRI, Maria Elisa Gualandi. Shopping centers: aspectos jurídicos e suas origens. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 37.
115 DINIZ, Maria Helena. Lei de locações de imóveis urbanos comentada. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 228.
73
center quando este estiver em funcionamento”, chamada de “direito de reserva”
ou “garantia de reserva”.116 E adquire essa preferência justamente por confiar
na visibilidade futura do empreendimento.
A res sperata (coisa esperada), cujo conceito será estudado em
momento posterior, existirá em um futuro certo (de acordo com prazo
estipulado no contrato), sendo que mesmo suas características estão
previamente estabelecidas, fruto que são do trabalho exercido (e oferecido)
pelo empreendedor, que por ele é devidamente remunerado.
Por este motivo, não podemos nos esquecer das responsabilidades
por não cumprir todas as obrigações assumidas no pré-contrato117 firmando
com o futuro lojista, entre as quais podem-se listar (i) o atraso na entrega em
plenas condições de uso do imóvel; (ii) falhas na execução do projeto; (iii)
diferenças entre o que foi oferecido ao lojista e o que efetivamente se
concretizou no empreendimento.
Cerveira filho, a propósito, é justo ao dizer que,
desde que o empreendedor não tenha cumprido com todas as suas promessas no ato da formalização do ajuste, é possível ao lojista pleitear a devolução do que foi pago, devidamente corrigido, incluindo perdas e danos (morais, até) pelo “trabalho, tempo, despesas de toda ordem, pesquisas, correspondências, estudos e projetos”, assim como por eventuais despesas com franquias.
118
Ademais, nesta fase pré-contratual, as partes deverão comportar-se
segundo a boa-fé, cuja principal função é a de alcançar resultados justos e
equilibrados. Cerveira filho, ensina que,
116
VERRI, Maria Elisa Gualandi. Shopping centers: aspectos jurídicos e suas origens. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 38.
117 O Prof. Rubens Limongi França (FRANÇA, Rubens Limongi. Instituições de direito civil. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 712) tece considerações acerca dos pré-contratos que consideramos ser de grande importância no caso de ser questionada a responsabilidade das partes no pré-contrato: “Quanto aos pré-contratos ou contratos preliminares, não deixam de ser uma variedade particular de contrato acessório, pois é entabulado em função do contrato definitivo. Não obstante traz a característica própria de ser o embrião deste. Além disso, se o contrato a que visa não se realizar, a realidade dos fatos obriga a sua consideração como ato jurídico autônomo, no que tange a vários aspectos, particularmente o da responsabilidade pré-contratual”.
118 CERVEIRA FILHO, Mário. Shopping Centers: direitos dos lojistas. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 13-14.
74
Essa norma corresponde à exigência, bastante viva na moderna consciência social, de tutelar o contraente prejudicado, durante a fase pré-contratual, pelo comportamento incorreto ou desonesto da outra parte, e representa o termo de um longo esforço histórico, com origem no direito romano.
119
Durante a fase de negociações, a regra da boa-fé contratual deve
prevalecer com o objetivo de proteger a parte prejudicada da conduta
reprovável da outra.
A confiança, durante a fase de negociações, está implícita no próprio
conceito de boa-fé objetiva, ou seja: a lealdade, a probidade e na conduta
correta das partes contratantes.
As lições práticas de Mário Cerveira Filho, especialista em contratos
de shopping center, asseveram sobre as cautelas preliminares que o lojista
deverá ter antes de assinar o contrato de locação em shopping center:
1. Como se assegurar de que o público prometido irá afluir na quantidade programada e divulgada?
2. Qual será a sua real concorrência por ocasião da inauguração? 3. E se ocorrer expansão, como ficará a sua situação, uma vez que
o poder decisório sobre a quantidade de lojas a serem implantadas é do empreendedor? Haverá concorrência predatória?
4. Se pretender encerrar suas atividades comerciais no empreendimento, em função da expansão, terá ainda de pagar multa?
5. Se apresentar um pretendente para comprar o seu ponto comercial, ficará sujeito à aprovação? E havendo recusa: a) Há prazo para manifestação? b) Estará sujeito a submeter-se a uma empresa de comercialização vinculada ao empreendedor? c) E se ocorrer a sua inadimplência, estará sujeito a entregar o ponto, sem qualquer indenização?
6. Estará impossibilitado de abrir uma loja em outro shopping? Não é por demais abusiva a restrição, geralmente existente, que o impede de possuir outra loja em shopping diverso, a uma distância de 1.000 a 4.000 metros?
7. Onde está configurada a obrigação do empreendedor, e qual a sua responsabilidade no caso de não cumprir as promessas de instalar as lojas-âncoras e empresas de marcas consagradas junto ao público? E se houver a inauguração do shopping sem que tenham sido locadas todas as lojas? Se pagou pelo ponto comercial, como irá ressarcir-se?
8. Quanto deverá pagar de despesas de condomínio?120
119
CERVEIRA FILHO, Mário. Shopping Centers: direitos dos lojistas. 6 ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 21.
120 CERVEIRA FILHO, Mário. Shopping Centers: direitos dos lojistas. 6 ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 18.
75
Com o objetivo de resguardar seus direitos e minimizar os riscos, os
lojistas deverão estar cientes destas informações e de todos os instrumentos
que fazem parte do negócio jurídico, uma vez que, após assinado o contrato de
locação, o lojista, em regra, fica sem poder modificar as principais cláusulas
contratuais.
Com o shopping center em plena operação, passamos a analisar o
contrato de locação nesta fase.
Ele qualifica as partes, especifica o espaço comercial objeto da
locação, estabelece o prazo de vigência, enuncia as obrigações elementares –
tais como a de pagar o aluguel e os encargos da locação -, estabelece o
aluguel percentual e fixa o valor do aluguel mínimo mensal, entre outras.
Para simplificar a confecção dos contratos, muitos shopping
centers adotam o sistema de iniciar o instrumento com um quadro de
informações básicas, no qual são inseridos, sumariamente, os dados e as
condições resultantes da negociação do empreendedor com o lojista caso a
caso (valor do aluguel mínimo, prazo da locação, número da loja, garantia,
coeficiente de rateio de despesas – CRD, etc.), relegando para o corpo do
contrato a redação das cláusulas propriamente ditas.
No quadro de informações básicas, portanto, constam informações,
entre outras, do tipo:
1. Espaço comercial nº 33
2. Prazo 60 meses
3. Aluguel mínimo R$ 8.000,00
4. Aluguel percentual 5%
5. Despesas interesse comum R$ 1.200,00
No corpo do contrato, ao definirem de forma analítica o objeto da
locação, o prazo e sua forma de contagem, o aluguel mínimo e o aluguel
percentual, o coeficiente para rateio das despesas de interesse comum etc., as
respectivas cláusulas fazem menção aos itens do quadro de informações
básicas, adotando os dados ali inseridos.
No quadro também costuma existir um campo para inserção de
cláusulas especiais, resultantes da negociação entre as partes, quer para
acrescentar novas condições àquelas já previstas na estrutura predefinida do
contrato, quer para alterar as cláusulas já existentes, quer ainda para
76
simplesmente afastar alguma cláusula predefinida que, consensualmente, as
partes concluam não ter pertinência para aquela locação específica.
O contrato de locação estabelece, também, a obrigatoriedade de
cumprimento das regras previstas nos instrumentos anexos da locação,
tornando-as vinculantes a ambas as partes, de modo que o inadimplemento de
qualquer obrigação prevista em qualquer dos mencionados instrumentos,
autoriza a parte inocente a requerer a rescisão do contrato de locação (no caso
do empreendedor, a requerer o despejo por infração contratual), ou a pedir o
cumprimento específico da obrigação.
Entretanto, Cerveira Filho faz dura crítica a ausência de legislação
sobre o tema, vejamos:
O estranho e o incompreensível é a ausência de uma legislação que viesse a regular as locações em shopping centers, de um forma ampla, havendo apenas um singelo artigo que estabelece, dentre outras coisas, que o contrato é o básico, único aceitável juridicamente para regular as locações.
121
6.2 Normas gerais aplicáveis às locações
O instrumento de normas gerais regedoras da locação tem por
escopo o detalhamento das regras referentes à implementação e ao
funcionamento dos espaços comerciais do shopping center.
A sua constituição e obrigatoriedade se processam em duas etapas,
de acordo com Ladislau Karpat, sendo a primeira a seguinte:
Primeiramente o empreendedor vai a um Tabelionato e formaliza através de uma Escritura Pública, de cunho declaratório, as disposições todas que regerão seu empreendimento, declarando desde já seus deveres e os dos lojistas, juntamente com todas as obrigações. Esta é uma escritura declaratória, cujos efeitos alcançarão apenas o declarante e os lojistas que no futuro vierem a integrar o empreendimento.
122
121
CERVEIRA FILHO, Mário. Shopping Centers: direitos dos lojistas. 6 ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 32.
122 KARPAT, Ladislau. Shopping centers – manual jurídico. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 14.
77
A segunda etapa e a seguinte de acordo com o mesmo autor citado
acima:
É necessário que leve os termos da Escritura Declaratória ao conhecimento do locatário que fará parte do Centro Comercial. Somente desta forma a aceitação das condições pré-determinadas será obrigatória e inevitável.
123
Entendemos que esse “conhecimento do locatário” citado por
Ladislau Karpat, dá-se pela assinatura do contrato de locação e seus
instrumentos anexos, para, assim, representar obrigações contratuais entre o
empreendedor e o lojista do shopping center.
É nas normas gerais que costumam figurar, exemplificativamente:
(i) Os procedimentos relacionados à apresentação e aprovação
de projetos para a estruturação física de cada espaço
comercial (projeto de arquitetura, projeto de instalações
elétricas, limites de peso por metro quadrado etc.),
comumente subordinado a execução dos projetos à prévia
aprovação do empreendedor, para a preservação da unidade
visual e estilística do centro comercial, e à observância de
normas pertinentes à boa condução das respectivas obras,
sem interferência nas demais atividades desenvolvidas no
shopping center;
(ii) As regras de utilização do espaço comercial, com:
a) A instituição de horário obrigatório de funcionamento,
constituindo infração contratual a manutenção da loja fechada
fora dos horários predeterminados pela administração do
empreendimento, de maneira a assegurar ao público
frequentador que encontrará aberta, durante todo o horário
regular do shopping center, a generalidade das lojas
integrantes daquele complexo (em certos casos, confere-se a
alguns ramos de comércio e/ou lojistas individuais horários
especiais de funcionamento, em razão da natureza de suas
123
KARPAT, Ladislau. Shopping centers – manual jurídico. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 14.
78
atividades, tal como ocorre com o setor de alimentação, os
cinemas e teatros, as casas noturnas, as instituições
financeiras, entre outros);
b) A obrigação em emprego das melhores técnicas de comércio,
vedadas práticas contrárias à boa-fé, à moral e aos bons
costumes;
c) A proibição de produção de sons ou odores que extrapolem o
âmbito da loja e gerem efeitos nos malls do shopping center;
d) A vedação ao comércio de bens falsificados,
contrabandeados ou de segunda mão;
e) A obrigatoriedade de manutenção do nome de fantasia do
locatário, durante todo o prazo da locação;
f) O estabelecimento de horários de carga e descarga de
mercadorias, de maneira a organizar o trânsito de produtos e
funcionários, com o mínimo de interferência possível nas
atividades desenvolvidas no shopping center;
g) O compromisso de manutenção e modernização periódica do
layout das lojas e das vitrines (sob a supervisão e aprovação
do empreendedor), como decorrência do princípio de que, em
um shopping center, se busca alto grau de excelência
mercantil, com permanente aperfeiçoamento das práticas
comerciais;
h) A obrigação de acondicionar e utilizar adequadamente
produtos inflamáveis no caso de restaurantes (ou a vedação
ao acondicionamento de tais produtos, por comerciantes que
deles não necessitem);
i) A obrigatoriedade de climatização do espaço comercial e, em
restaurantes, de instalação de sistemas de
ventilação/exaustão;
j) A proibição total ou parcial do espaço comercial para
finalidade diversa da contratualmente destinada, mesmo que
beneficente, religiosa, política ou esportiva;
k) O dever de manutenção do espaço comercial em perfeitas
condições de conservação, com vitrines e letreiros
79
ininterruptamente iluminados, durante todo o período de
funcionamento obrigatório da loja;
l) A proibição de alteração da numeração do espaço comercial
locado, assim como a de subdividi-lo ou agrupá-lo com outros
espaços adjacentes;
m) A obrigação das áreas de manutenção das áreas próximas
ao espaço comercial livres e desobstruídas de pessoas e
coisas ligadas à atividade comercial do lojista, vedando-se
práticas que provoquem tumultos ou excessivo acúmulo de
pessoas, tanto no espaço comercial quanto em outras áreas
do shopping center;
n) Funcionar de acordo com as posturas municipais e normas
legais, em acréscimo à aprovação de projetos pela
administração do shopping center;
o) Operar de acordo com o ramo de negócio autorizado em
contrato, mesmo que o contrato social seja mais amplo;
(iii) O detalhamento dos vencimentos, do local e modo de
pagamento, assim como dos critérios de reajuste, e a
apuração do aluguel mínimo mensal e do aluguel percentual,
com mecanismos de fiscalização do faturamento da loja, para
verificação da exatidão da base de cálculo do aluguel
percentual, mediante aceso à documentação contábil do
lojista e realização de auditorias (usualmente por intermédio
do sistema denominado fiscalização na “boca do caixa”, em
que um funcionário do locador permanece no interior da loja e
anota, por si, todas as vendas ali realizadas, para
comparação com os valores de faturamento declarados pelo
lojista);
(iv) Os critérios definidores do rateio, entre os lojistas, das
despesas comuns de interesse do shopping center, como por
exemplo as referentes a segurança, iluminação das partes
comuns, limpeza, tributos, etc., assumindo o lojista a
obrigação de pagar a quota-parte que lhe couber nesse rateio;
80
(v) A obrigação de pagamento das despesas específicas
atribuídas a cada lojista, tais como aquelas relativas ao
consumo próprio de luz, água potável, água gelada para
alimentação do sistema de climatização interno do espaço
comercial, entre outras individualizadas;
(vi) As regras gerais aplicáveis a cada tipo de garantia, quando
prestada pelo locatário, bem como as normas pertinentes à
substituição da garantia, nas hipóteses permitidas em lei;
(vii) As hipóteses de rescisão contratual e as penalidades
decorrentes da infração de obrigações contratuais, com
fixação de multas pelo descumprimento, não apenas das
obrigações de pagar os valores devidos em decorrência da
locação, mas também das obrigações de fazer e não fazer
(por exemplo: obrigação de pagar aluguéis, de abrir a loja nos
horários obrigatórios de funcionamento, de não alterar o nome
de fantasia do estabelecimento, de declarar o faturamento da
loja na forma contratada, etc.);
(viii) A multa devida em razão de intenção do lojista de encerrar
antecipadamente o contrato de locação;
(ix) A atribuição, ao empreendedor (ou ao gestor do
empreendimento, quando terceirizado), da prerrogativa de
desenvolver, ampliar ou alterar o tenant mix do
empreendimento, a seu exclusivo critério, como
desdobramento do princípio de que um shopping center é
gerido de modo centralizado e uniforme;
(x) A concessão, ao empreendedor, da faculdade de a qualquer
tempo promover expansões do empreendimento, podendo
promover todas as intervenções necessárias a esse fim,
inclusive com o remanejamento de atividades e a interdição
de partes do shopping center, com vistas a permitir o
implemento da expansão;
(xi) O compromisso de contratação de seguros (normalmente
para riscos relacionados aos ativos mantidos na loja e à
responsabilidade civil, entre outras finalidades);
81
(xii) As regras relacionadas à cessão da locação ou a sublocação
da loja a terceiros, quando expressamente autorizada pelo
locador;
(xiii) A autorização concedida ao lojista para utilizar a marca e o
logotipo do shopping center em impressos, embalagens,
publicidade e promoções, assim como a autorização dada ao
empreendedor para utilizar a marca e o logotipo do lojista
para referência e divulgação dos estabelecimentos instalados
no empreendimento;
(xiv) As regras de solução de eventuais incompatibilidades entre
cláusulas do contrato de locação e cláusulas das normas
gerais, considerando que as condições do contrato de locação
variam caso a caso, em função da negociação entre as
partes, e podem ensejar tanto conflitos com disposições das
normas gerais quanto modificações ou supressões destas;
(xv) O regramento do fundo de promoções coletivas do shopping
center, quando não gerido por alguma associação de lojistas.
Como se vê, essas normas, quando de cunho operacional, precisam
ser estabelecidas de modo uniforme para a generalidade dos lojistas, sob pena
de comprometerem a unidade e a harmonia do empreendimento. É o caso,
entre tantos outros, do horário obrigatório de funcionamento das lojas, de
horários para carga e descarga de mercadorias, da proibição de produção de
odores e sons excessivos, ou da realização de campanhas promocionais
coletivas.
Inegavelmente, a ruptura do horário obrigatório de funcionamento
para todas as lojas, assim como a inobservância de outras regras de
comportamento, desfiguraria os shopping centers, inviabilizando esse modelo
de organização varejista.
Nos contratos de locação destinados a operações peculiares, como
visto acima, podem ser pontualmente afastadas regras gerais, aplicáveis à
generalidade dos locatários, que se mostrem incompatíveis com as
especificidades de certo negócio. É o que ocorre, por exemplo, com as
locações de cinemas e casas noturnas, que normalmente abrem mais tarde
que as demais lojas e precisam continuar funcionando após o horário regular
82
de fechamento daquelas. Inversamente, os bancos não podem operar aberto
ao público em todo o horário de funcionamento do shopping center, por
estarem subordinados aos horários determinados pela autoridade competente.
Desta forma, o perfil do shopping center deve estar totalmente
delineado nas normas gerais, que passará a ser parte integrante do contrato
firmado entre empreendedor e lojista, regendo toda relação jurídica entre as
partes.
6.3 Regimento interno
Adicionalmente às normas gerais, o shopping center deve ter um
regimento interno, para estabelecer as normas de conduta que devem ser
observadas, no empreendimento, por todos aqueles que o frequentam, sejam
os lojistas, seus funcionários, fornecedores, prestadores de serviços, o público
consumidor ou até mesmo simples passantes.
Trata do funcionamento da área de carga e descarga, horários
para o abastecimento das lojas, o seu procedimento, entre outros.
Para Mamede, o objetivo do regimento interno em shopping
center é
definir limites para a atuação de cada um daqueles que o compõem, permitindo, por um lado, não só a convivência pacífica entre os diversos componentes do empreendimento, mas, para além desta, estimular a atuação coerente, unitária e adequada para o sucesso do empreendimento. Ademais, deve-se buscar, nos limites do que seja possível, evitar a eclosão de conflitos, próprios de todos os espaços comunitários, onde diversas maneiras de ser e de agir são postas a conviver em um mesmo espaço.
124
Não muito distante, argumenta Barros que,
para manter a harmonia nas ações, visando fins comuns, impõem-se a cada lojista inúmeras restrições. Ao assinar vários contratos, ele assume obrigações incomuns que limitam sua liberdade na
124
MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping center. Abusos e ilegalidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 113-114.
83
exploração da atividade que pretende desenvolver. Atribui-se poder de fiscalização ao empreendedor e à associação dos lojistas.
125
No entanto, não podemos nos esquecer de que todas essas
ressalvas não podem conflitar com a Constituição Federal e com as demais
legislações do país.
Neste sentido, a guisa de exemplo, vejamos alguns itens
constantes em um regimento interno de shopping center:
(i) A proibição de protestos, manifestações ou passeatas nos
espaços comerciais e/ou nos malls, sejam de caráter
político, social, comercial ou religioso;
(ii) A observância de comportamento adequado ao recinto,
com urbanidade, civilidade e respeito ao próximo,
evitando-se manifestações em excessivo tom de voz ou
desrespeitosas;
(iii) A vedação ao ingresso e à permanência de pessoas com
trajes de banho ou sem camisa;
(iv) A proibição de ingresso de animais;
(v) A vedação ao exercício de comércio ambulante, não
autorizado pelo empreendedor.
Sendo assim, o lojista deverá ter prévio conhecimento do conteúdo
do regimento interno, com o objetivo de respeitá-lo. Se não conhece as
obrigações deste instrumento, não há como respeitá-las.
Gladston Mamede faz dura crítica aos empreendedores de shopping
center ao argumento de que “não respeitam a autonomia da vontade,
atribuindo poderes extremados para os responsáveis pelo shopping center, em
prejuízo dos lojistas”.126
Continua o citado autor acima que,
Não pode o responsável pelo shopping ser um tirano de um reino próprio, certo que o seu pedaço de terra e seu negócio estão submetidos ao império da Constituição e das leis brasileiras. Nesta toada, é preciso observar-se que nenhuma validade possui a cláusula
125
BARROS, Francisco Carlos Rocha de. Comentários à lei do inquilinato. 2. ed. São Paulo: Saraiva: 1997. p. 54.
126 MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping center. Abusos e ilegalidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 114-115.
84
disposta, quer no contrato de shopping center, quer no próprio regimento interno, outorgando ao organizador do shopping poderes de, unilateralmente, alterar as normas regedoras do empreendimento, vinculando os lojistas.
127
Neste diapasão, sob pena de ferir os princípios da livre manifestação
da vontade e da liberdade de pactuar, o lojista deverá ter prévio e pleno
conhecimento do regimento interno, normas gerais regedoras das locações e
suas posteriores alterações, entre outros instrumentos da relação contratual.
6.4 Associação de lojistas
A associação de lojistas não constitui elemento essencial da
estrutura contratual que disciplina a relação entre lojistas e empreendedores.
Há shopping centers em que essa figura associativa não existe. Entretanto,
quando constituída, é uma sociedade civil de direito privado, com
personalidade jurídica, formada por diversos membros que integram o centro
comercial, sem fim lucrativo, que tem por objetivos:
a) Cultivar as relações entre pessoas física e jurídicas locatárias do
shopping center, promovendo em especial o intercâmbio de
experiências e informações;
b) Amparar os legítimos interesses dos sócios perante os poderes
públicos e quaisquer órgãos ou entidades de direito público ou
privado;
c) Realizar, por si ou por terceiros, estudos e serviços de utilidade
para seus associados;
d) Cooperar com os órgãos de identidades afins de forma a obter
maior unidade de ação no trato dos assuntos relacionados com a
comercialização em shopping center;
e) Estabelecer normas éticas e regulamentos capazes de disciplinar
as atividades comerciais de seus associados;
f) Promover a ampla divulgação do shopping center como fonte
geradora de múltiplas atividades comerciais, como elemento de 127
MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping center. Abusos e ilegalidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 115.
85
aprimoramento de mão-de-obra, como atividade participante do
desenvolvimento urbano, como local de melhor conforto e
oportunidade para sua clientela potencial, utilizando
especialmente para este fim os recursos previstos e referentes
ao Fundo de Promoção do shopping center;
g) Praticar, enfim, todos os atos de direito no legítimo interesse de
seus associados e da coletividade que representa.
É forçoso observar, como o faz Lima Filho, que,
do ponto de vista econômico, o shopping center representa um modelo de mercado, muito interessante; o shopping center como tal possui, ou tenta obter, uma posição monopolística, geralmente, de monopólio espacial, em relação a outros centros. O caso é muito difícil de ocorrer, uma vez que, na maioria das áreas de comércio lucrativas, há mais que um centro.
128
Meira e Costa o demonstram destacando que “alguns serviços
podem não ser diretamente úteis ou utilizados pela grande maioria dos
usuários, mas colaboram para a formação de uma boa imagem do
empreendimento”. Exemplificam com as “instalações especiais para
deficientes”, que denotam “a preocupação da população de ser cliente de um
shopping center que se apresente como uma empresa eticamente responsável
e socialmente consciente”. O mesmo, dizem, dá-se com o “apoio a eventos e
campanhas comunitárias”, ou iniciativas tais como “empréstimo de cadeiras de
rodas e manutenção de um serviço médico”.129
Outra função importante com a criação da associação de lojistas é a
inibição de competição entre os comerciantes, eis que com o fundo de
comércio, a publicidade é feita de forma coesa e tem por finalidade beneficiar a
todos os lojistas, seja de uma loja-âncora, seja o de uma loja-satélite.
Os deveres impostos aos lojistas podem ser sumariamente
elencados a seguir:
- ser sócio obrigatório: nenhum lojista pode fugir a essa obrigação;
128
LIMA FILHO, Alberto de Oliveira. Shopping centers – EUA vs. Brasil: uma análise mercadológica comparativa. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1971. p. 42-43.
129 MEIRA, Paulo Ricardo dos Santos; COSTA, Filipe Campelo Xavier da. Serviço ao cliente final no varejo de shopping center: o mix ideal de serviços como fato de sucesso na implantação de um shopping center. In: ANGELO, Claudio Felisoni; SILVEIRA, José Augusto Giesbrecht da (Orgs.). Varejo competitivo 2. São Paulo: Atlas, 1997. p. 97.
86
- pagar mensalmente uma contribuição pecuniária, como taxa de
associação;
- pagar contribuições para o Fundo de Promoção do shopping; e
- comparecer às Assembleias.
Uma vez criada a associação de lojistas, surge, como regra
fundamental do jogo de instrumentos contratuais, aquela segundo a qual todos
os lojistas devem ser, necessariamente, associados. Na hipótese de retirada ou
exclusão da associação, extingue-se o contrato de locação.
Observa-se que a Constituição Federal prescreve no art. 5º, XX
“ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”, o
que contraria a regra contratual dos shopping centers.
No entanto, Mamede diz “que essa determinação de um dever de
associar-se, não obstante, não atenta contra a garantia inscrita no artigo 5º,
XX, da Constituição Federal”, e continua “a perspectiva correta é aquela que o
compreende como parte de um negócio maior (o empreendimento de shopping
center) ao qual ninguém é coagido a aderir” e arremata o assunto assim, “mas
se o faz deverá aceitar essa obrigação cogente, em nada abusiva, certo que à
associação corresponde um papel fundamental na existência do
empreendimento.”130
Afinal, não se trata de adesão compulsória a uma associação, mas
de coligação de contratos, em que o término de uma das relações contratuais
(como a associativa) importa na extinção da outra (a de locação e vice-versa).
O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais reconhece a
legitimidade da associação de lojista e a sua consequente cobrança:
AÇÃO DE COBRANÇA – SHOPPING CENTER – LOJISTA – ASSOCIAÇÃO DE LOJISTA – MEMBRO OBRIGATÓRIO – MENSALIDADE – PAGAMENTO DEVIDO. O lojista de shopping center é contribuinte obrigatório da associação de lojistas, não podendo invocar o direito constitucional à liberdade de associação se livremente aderir à convenção de condomínio que prevê o associativismo.
131
130
MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping center. Abusos e ilegalidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 134.
131 BRASIL. TJMG. Apelação nº 2.0000.00.400548-3/0001(1). Rel. Edgar Penna Amorim. Jul. 25/10/2006.
87
Neste sentido, o desempenho de uma associação forte e operante é
um fator importante ao sucesso de um shopping center.
O Estatuto da Associação estabelece penalidades para o associado
que descumprir as regras. Normalmente as penalidades variam desde a
suspensão das atividades sociais à expulsão do sócio, cuja deliberação é da
competência da assembleia geral.
No entanto, em caso de eliminação do lojista como componente da
associação, poderá ocasionar a rescisão do contrato entre o empreendedor e o
lojista (o Estatuto é parte integrante do contrato firmado entre empreendedor e
lojista).
Por fim, cumpre salientar que a associação de lojistas não se
confunde com o shopping center, mas lhe é afeta, já que o empreendimento é
a sua razão de ser necessária e nunca outra. Na lição de Lima Filho, “os
principais objetivos da associação de lojistas são planejar, dirigir e controlar
todas as atividades comunitária dentro do centro”.132
6.4.1 Fundo de promoção
É comum nos Estatutos da Associação dos Lojistas de todos os
shopping centers o Fundo de Promoção, cuja movimentação é feita pelo
gerente do fundo, obedecendo às deliberações do conselho diretor.
Neste sentido, toda atividade de publicidade, é feita pelo fundo de
promoção e tem por escopo beneficiar a todos os comerciantes, seja pequenos
ou grandes. O fundo é, portanto, a fonte financiadora de todo o esforço
publicitário do shopping center.
Tradicionalmente, destacam-se as campanhas de publicidade
comemorativas, como Natal, Dia dos Pais, Dia das Mães e Dia dos
Namorados.
Sem dúvida, portanto, é essencial, em tais contextos, haver todo um
complexo de operações de promoção do shopping center e de publicidade.
Lima Filho, estudando o tema, ensina que,
132
LIMA FILHO, Alberto de Oliveira. Shopping centers – EUA vs. Brasil: uma análise mercadológica comparativa. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1971. p. 39.
88
uma vez que um shopping center é um produto de um planejamento integrado, sua imagem deve ser promovida, junto ao mercado que ele serve, de uma maneira integrada. Os compradores, dentro dos limites da sua área de comércio, devem perceber o centro, não como um conglomerado de lojas independentes, mas como um conjunto de instituições localizadas convenientemente, próximo às suas áreas residenciais e no qual podem encontrar o mais conveniente local de compras.
133
Segundo Mamede, a experiência cotidiana não discorda de tais
balizas, nos seguintes termos:
independente da utilidade que possuam, pelas facilidades de estacionamento, pela segurança, ela concentração de produtos e serviços, os shopping centers mais atraem cliente pela imagem que transmitem ao público, através de estratégias e meios de comunicação diversos.
134
Os lojistas contribuem financeiramente para o Fundo de Promoção,
de acordo com o tamanho de suas respectivas lojas.
No entanto, deverá ser analisado caso a caso às contribuições para
o fundo de promoção e propaganda, eis que as fórmulas empregadas variam
muito. Ademais, não há nenhuma norma legislativa que apresente uma solução
concreta ao caso, o que aumenta o cuidado para evitar a distribuição desse
encargo desigual entre os lojistas.
Para Pinto, o fundo de promoção e publicidade deverá ser
“movimentado por um gerente que obedece às deliberações do Conselho
Diretor.”135
6.4.2 Organização e direção
133
LIMA FILHO, Alberto de Oliveira. Shopping centers – EUA vs. Brasil: uma análise mercadológica comparativa. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1971. p. 39-41.
134 MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping center. Abusos e ilegalidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 130.
135 PINTO, Dinah Sônia Renault. Shopping Center: uma nova era empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 45.
89
Segundo Verri, a associação “deve ser dirigida por um Conselho
Diretor, ou por este e uma Diretoria executiva. Do primeiro deve participar o
lojista que ocupa o maior espaço do shopping center e, geralmente, como
membro permanente, o próprio empreendedor” o que se justificaria “vez que
não haveria interesse maior que o do empreendedor em manter a promoção e
a solidez do shopping center”.136
Não obstante, importante destacar a discordância da participação do
empreendedor na associação de lojistas por um simples motivo; o
empreendedor não é lojista dentro do shopping center, além de evitar conflitos
de interesses entre as figuras.
Retomando o assunto, o peso do voto de um grande lojista (membro
permanente), porém, não pode superar a proporção do espaço que ocupa em
relação à totalidade dos espaços ocupados por lojistas, nem mesmo a
proporção de sua contribuição efetiva (e comprovada) para a manutenção do
empreendimento. Se um associado ocupa uma área correspondente a 10% do
espaço destinado à mercancia (excluídos, portanto, os espaços comuns, sem
exploração comercial), devem contribuir em valores correspondentes, fazendo
jus a um voto que seja proporcional a esses espaço e contribuição, sob pena
de intervenção do Judiciário.
Dessa maneira, não é legítimo definir o poder de voto por critérios
subjetivos, como a importância do lojista para o centro comercial. Da mesma
forma, não é possível pretender que o peso do voto seja baseado no volume de
operação de cada lojista no centro, a não ser que este critério seja o mesmo
levado em consideração na distribuição dos ônus para a manutenção do
empreendimento, assim como da própria associação.
Assim organizada, com equilíbrio entre direitos e deveres de todos
os seus membros, independentemente de seu peso econômico, com proporção
entre obrigações para com a coletividade e o poder de voto, está a associação
de lojistas em condições de representar a universalidade de seus membros
(responsável pelo shopping center e lojistas), assumindo obrigações com
terceiros (agências de publicidade, empresas de segurança etc.), nos limites
136
VERRI, Maria Elisa Gualandi. Shopping centers: aspectos jurídicos e suas origens. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 49.
90
definidos por seus estatutos, assim como nos demais documentos que
regulamentam o empreendimento.
Compete ao Conselho Diretor:
a) Estabelecer normas e diretrizes de atuação da Associação, tendo
em vista as condições vigentes no setor lojista ou varejista.
b) Zelar pelo cumprimento das finalidades sociais e pelo patrimônio
da Associação;
c) Fixar contribuição ao fundo de promoção da Associação;
d) Fixar as contribuições extras devidas pelos associados para
suportar os efetivos custos de publicidade e promoções;
e) Supervisionar a gestão dos recursos financeiros da Associação;
f) Abrir e movimentar contas bancárias;
g) Assinar contratos, convênios e quaisquer outros documentos que
obriguem a Associação, comprar, vender, permutar e gravar bens imóveis.
h) Contratar o Gerente do fundo de promoção da Associação dos
Lojistas do shopping center;
i) Contratar pessoas e serviços de terceiros para o cumprimento dos
objetivos sociais da Associação;
j) Representar ativa e passivamente a Associação, em juízo ou fora
dele; iniciar ou intervir em ações judiciais ou extrajudiciais, em qualquer
instância ou jurisdição;
k) Julgar recursos interpostos pelos associados;
l) Convocar Assembleias Gerais, e
m) Praticar os atos de sua competência conferida por lei ou pelo
presente estatuto.
Para tanto, não se pode esquecer jamais que o dirigente da pessoa
jurídica exerce um mandato que lhe foi outorgado pela comunidade dos
associados.
Diante desse quadro, especial relevância ganha o direito do
associado à prestação de contas. Como ensina Kroetz, “a confiança que
alicerça a relação representativa é o critério norteador da disciplina de direitos
e deveres entre representante e representado”, em que deve imperar o “dever
91
de fidelidade” que “decorre do princípio da boa-fé”.137 Ademais, o representante
está obrigado a satisfazer um “dever de consecução da tarefa encomendada”,
bem como o dever de comunicação, ou seja, de informação do representado,
“englobando a descrição pormenorizada das receitas e despesas e a apuração
da existência, ou não, de saldo a favor do representado.”138
Com efeito, a partir do momento em que o lojista é chamado a
concorrer com a formação de um fundo comum destinado à promoção do
shopping center como um todo e sua propaganda, incluído a própria loja do
associado, passa a titularizar um conjunto de direitos que lhe correspondem,
por previsão legal, entre os quais se destaca o direito a ter-lhe prestadas
contas do emprego dos valores pelo representante, afirmando a forma como
foram utilizadas as verbas, os critérios para a escolha daqueles que foram
contratados (empresas de segurança, agências de publicidade etc.).
Nota-se que esse poder de exigir contas não está em nada
relacionado com alegações de danos sofridos pelos associados; nesse sentido,
Pontes de Miranda destaca que “a pretensão a que alguém preste contas de
modo nenhum se confunde com a pretensão a que a outra pessoa responda
pelo que fez. Essa pode existir sem aquela; e aquela sem essa. O que nada
deve pode estar obrigado a prestar contas.”139
Destaca-se o fato de a prestação de contas ser feita judicialmente,
em caso de recusa.
BRASIL. TJMG 200000037284230001 MG 2.0000.00.372842-3/000(1), Relator: GOUVÊA RIOS, Data de Julgamento: 01/07/2003, Data de Publicação: 19/08/2003 - AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS - ASSOCIAÇÃO - PRINCÍPIO DA SINGULARIDADE RECURSAL E DA PRECLUSÃO CONSUMATIVA - PROCURAÇÃO - AUSÊNCIA - DEFEITO SANÁVEL - RECURSOS ALHEIOS - ASSOCIADO - DIREITO DE EXIGIR A PRESTAÇÃO DE CONTAS EM JUÍZO - ARTIGO 914 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. [...] A prestação de contas compete a quem tem o direito de exigi-la, como a quem tem o dever de prestá-la, conforme o disposto no art. 914 do CPC. É princípio universal que todos aqueles que administram, ou têm sob sua guarda, bens alheios, devem prestar contas.
137
KROETZ, Maria Cândida do Amaral. A representação voluntária no direito brasileiro. São Paulo: RT. 1997. p. 65.
138 KROETZ, Maria Cândida do Amaral. A representação voluntária no direito brasileiro. São Paulo: RT. 1997. p. 66-67.
139 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado das ações (atualizada por Wilson Rodrigues Alves). v. V, Campinas: Bookseller. 1999. p. 253.
92
Diante das contas prestadas, judicial ou extrajudicialmente (certo
que nem sempre resistem os administradores ao dever de deixar explicitadas,
aclaradas e tecnicamente pormenorizadas as suas contas), faculta-se ao lojista
impugná-las, seja insurgindo-se contra os valores (que considere
indevidamente aplicados), seja insurgindo-se contra os atos praticados, desde
que neles demonstre ter havido excesso no exercício do mandato ou qualquer
outro defeito.
Importante destacar é que o fundo promocional, diverso da taxa
condominial, pertencerá exclusivamente aos lojistas ou sua entidade, em nada
podendo o empreendedor interferir na aplicação dos recursos arrecadados a
este fim.
A associação via diretoria, obedecendo a seu Estatuto Social, gerirá
estes recursos, cuja destinação será sempre votada em assembleia.
6.5 Remuneração devida pelos lojistas
A forma de remuneração ou preço do “aluguel” da loja de um
shopping center apresenta duas modalidades: “aluguel fixo” e “aluguel móvel”:
I) Aluguel fixo ou aluguel mínimo, tendo como base os metros
quadrados que possui cada loja;
II) Aluguel móvel ou percentual, calculado sobre a percentagem na
receita bruta efetuada pela loja;
Prevalecerá o que alcançar maior índice, ou seja, aquele em que
predomine o quantitativo mais alto: se for o valor percentual do faturamento
bruto obtido pela loja, será este o devido; se for o aluguel mínimo corrigido,
obviamente, será este que prevalecerá. Um necessariamente é excludente do
outro.
6.5.1 O aluguel mínimo
93
A remuneração do empreendedor de um shopping center não é um
aluguel fixo, nem corresponde a uma taxa de retorno estabelecida em função
do valor venal do imóvel. O empreendedor de shopping center concebe,
constrói, organiza e opera o empreendimento com o objetivo de participar dos
ganhos do comércio praticado nas lojas que o compõem, ganhos esses que ele
viabilizou e incrementou com sua atividade empresarial.
O objetivo do empreendedor é participar da renda produzida pelo
centro integrado de vendas, que organizou, e cuidar para que a produtividade
das lojas integrantes desse centro atinja ao máximo possível.
Por isso, o aluguel de uma loja em shopping center é determinado
mediante a aplicação de uma percentagem sobre o montante das vendas nela
efetuadas, observado um valor mínimo.
Verri define que é
uma forma de estimular as partes integrantes da estrutura do shopping center – o empreendedor procurará fazer com que o shopping center se torne mais atrativo possível, com consequente aumento do movimento nas lojas e, por conseguinte, do valor da remuneração paga pelos lojistas; e o lojista procurará se estimular para não ter a obrigação de pagar um aluguel mínimo (o que significa a não-obtenção de volume de vendas em nível satisfatório).
140
Para Maria Helena Diniz o aluguel mínimo é “o preço que se paga
pela locação da coisa, isto é, a prestação devida pelo locatário ao locador pela
ocupação do prédio”.141
O piso corresponde à produtividade mínima prometida pelo lojista
com a exploração comercial da loja locada, que evidentemente não pode ser
inferior àquele que propiciará ao empreendedor um aluguel correspondente à
remuneração do investimento feito no shopping center. Essa produtividade
mínima é estabelecida por consenso das partes, quando contratam a locação.
O empreendedor concorda em firmar o contrato na expectativa de que essa
produtividade mínima será atingida e o locatário assina o contrato ciente de
140
VERRI, Maria Elisa Gualandi. Shopping centers: aspectos jurídicos e suas origens. Belo Horizonte: Del Rey. 1996. p. 56.
141 Diniz, Maria Helena. Lei de Locação de imóveis urbanos comentada. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 229.
94
que está assegurando essa produtividade mínima. A praxe do setor designa o
piso mensal “aluguel mínimo”.
Como o volume de vendas do comércio varejista é sujeito a
variações sazonais durante o ano, a produtividade mínima é concebida em
termos anuais, embora refletida nos contratos em termos mensais.
Com efeito, o faturamento do lojista não se distribui em quantias
iguais nos 12 meses do ano; por isso os pisos dos alugueis mensais não
correspondem necessariamente a 1/12 da produtividade mínima projetada para
o ano.
Na maioria das lojas, como é notório, o mês de dezembro apresenta
movimento enorme se comprado com os demais meses do ano. Então, muitos
contratos preveem piso dobrado em dezembro, o que equivale a dividir a
produtividade anual por 13 e atribuir 1/13 em cada mês, exceto dezembro,
quando o piso corresponderá aos restantes 2/13. O maior volume de vendas
pode ocorrer não somente no mês de dezembro, mas também em outros
meses ou estações do ano e os contratos refletem esse fenômeno fazendo
incidir maior parcela da produtividade mínima convencionada nos meses mais
movimentados, aliviando a carga sobre os meses menos aquinhoados.
Alguns contratos de locação em shopping centers estabelecem um
piso (aluguel mínimo), cujo montante é aumentado gradativamente, em
degraus, segundo periodicidades variadas. Trata-se do aluguel escalonado,
que causa a sensação de que o valor do aluguel é aumentado de tempos em
tempos. Na realidade não é bem assim: em primeiro lugar, o aluguel é sempre
o mesmo, isto é, o aluguel percentual, o que se escalona é o piso; em segundo
lugar, o escalonamento tem por objetivo atender à circunstância de não se
poder exigir do lojista, desde o início, enquanto está maturando o seu negócio,
a produtividade mínima que se espera quando o estabelecimento atingir plena
operação.
Evidentemente, só uma prestação vence mensalmente em
contraprestação pelo uso de loja locada em shopping center: o aluguel mensal
é um só, determinado mediante a aplicação de uma percentagem sobre o
faturamento do locatário, observado o piso contratualmente previsto para o
mês em questão.
95
Não é tecnicamente correta a nomenclatura consagrada pela prática,
que qualifica de alugueis (“aluguel mínimo”, “13º aluguel”, “aluguel dobrado”,
“aluguel escalonado”) as diversas modalidades de piso adotadas nos contratos
de shopping center. Dizer que nos contratos de locação em shopping center
coexistem um aluguel percentual, um aluguel mínimo, um aluguel em dobro
etc., induz a falsa impressão de que nesses contratos há diversas
contraprestações exigidas do locatário a título de aluguel.
Destaque-se que os tribunais brasileiros têm inúmeros precedentes
confirmando a validade das diferentes formas de estipulação da rentabilidade
mínima.142 Apenas é necessário que o aluguel seja determinável. Vejamos o
Art. 17 da Lei nº 8.245/91, in verbis: “É livre a convenção do aluguel, vedada a
sua estipulação em moeda estrangeira e a sua vinculação à variação cambial
ou ao salário mínimo”.
6.5.2 Aluguel percentual
Os contratos de locação de lojas e serviços de administração de
shopping center preveem, através de uma cláusula de sucesso, a remuneração
do empreendedor/administrador pelos seus investimentos e pelo seu trabalho
de administração da estrutura comercial e de engenharia mercadológica. A
prática empresarial ligada aos shopping centers e, na sua esteira, os próprios
contratos que são firmados com lojistas, convencionaram chamar,
equivocadamente, tal remuneração de aluguel percentual. Diniz, que como
visto também discorda da nomenclatura aluguel percentual, diz tratar-se de
“uma quantia pecuniária paga proporcionalmente ao faturamento bruto mensal
da atividade comercial do lojista”.143
142
“[...] AUTOR QUE PRETENDE A REFORMA DA SENTENÇA NO TOCANTE À CLÁUSULA CONTRATUAL QUE ESTIPULOU O VALOR DE ALUGUERES. PREVISÃO CLARA E EXPRESSA ACERCA DO VALOR. MATÉRIA REGIDA POR LEGISLAÇÃO PRÓPRIA (LEI N. 8.245/91). AUSÊNCIA DE VEDAÇÃO DE COBRANÇA ALEATÓRIA DE ALUGUÉIS. LEI QUE APENAS PREVÊ QUE TAL ENCARGO DEVE ESTAR CLARAMENTE DISPOSTO NO INSTRUMENTO. POSSIBILIDADE DE COBRANÇA ALTERNADA ENTRE O ALUGUEL PERCENTUAL E O ALUGUEL MÍNIMO. [...] (BRASIL. TJSC - AC: 115673 SC 2011.011567-3, Relator: Marcus Tulio Sartorato, Data de Julgamento: 21/06/2011, Terceira Câmara de Direito Civil).
143 Diniz, Maria Helena. Lei de Locação de imóveis urbanos comentada. 4. ed. São Paulo: Saraiva. 1997. p. 229.
96
O mais comum é a fixação da remuneração devida ao
empreendedor/administrador em montante que corresponda a 5% sobre o
faturamento bruto (ou venda bruta mensal), por exemplo, havendo contratos
que preveem um percentual diferente. Esse percentual, por certo, constitui
elemento que pode ser livremente pactuado, não havendo uma ligação legal.
Essa forma de remuneração nos contratos de shopping center é
válida, desde que o aluguel avençado seja determinável, através de critério ou
critérios preestabelecidos.
Caio Mário da Silva Pereira cita, inclusive, que sob esse aspecto o
shopping center não é original, e corrobora a licitude dessa forma de
contratação:
Muito antes de existir shopping center no País já se avençava aluguel composto de dois fatores: uma quantia certa e líquida mensal e uma variante percentual sobre o faturamento [...]. No plano doutrinário como jurisprudencial é pacífico que o aluguel pode ser ajustado de toda maneira: em dinheiro ou em espécie; fixo ou variável; imutável ou corrigido. Não há mister invocar citações em apoio desta preposição, de tão pacífica que é.
144
O Superior Tribunal de Justiça entende que a cláusula de cobrança
de aluguel percentual é legal devido à infraestrutura do empreendimento, que
colabora para o sucesso do lojista locatário. O aluguel percentual representa
um rateio do sucesso, que em parte é possibilitado pela estrutura e
planejamento oferecidos pelo shopping center.
BRASIL. STJ. Processo REsp 1295808 / RJ RECURSO ESPECIAL 2011/0286411-0 Relator(a) Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA (1123) Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA Data do Julgamento 24/04/2014 Data da Publicação/Fonte DJe 21/05/2014 Ementa RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. LOCAÇÃO DE ESPAÇO EM SHOPPING CENTER. ALUGUEL COM BASE EM PERCENTUAL DE RENDA BRUTA. MANUTENÇÃO DE PONTO DE VENDAS PELA INTERNET NO INTERIOR DA LOJA. PRODUTOS DE COMÉRCIO ELETRÔNICO FATURADOS EM NOME DE EMPRESA DIVERSA. DISSIMULAÇÃO DO FATURAMENTO DA LOCATÁRIA. VALOR DO ALUGUEL PAGO A MENOR. DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. DESPEJO. CABIMENTO. 1. O lojista que se estabelece em um shopping center integra a sua empresa com o empreendimento para usufruir do planejamento, organização e clientela que o frequenta.
144
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Shopping centers – Aspectos jurídicos. São Paulo: RT. 1984. p. 78.
97
Portanto, mais que um simples contrato de locação, há uma relação associativa na qual a colaboração entre os lojistas e o empreendimento é necessária para concretizar-se esse modelo de exploração comercial. 2. Nos contratos de locação de loja em shopping center, é fixada a cobrança de aluguel percentual, proporcional ao faturamento bruto mensal da atividade comercial, e que se justifica devido à infraestrutura do empreendimento, que colabora para o sucesso do lojista locatário. O aluguel percentual representa um rateio do sucesso, que em parte é possibilitado pela estrutura e planejamento oferecidos pelo shopping center. [...] 6. Recurso especial provido.
Contudo, é preciso estar atento para o fato de que esta liberdade de
pactuação não é uma licença para o abuso por parte do
empreendedor/administrador, sendo plenamente lícito ao Judiciário examinar a
situação geral do contrato e do negócio, bem como o resultado dessa previsão
sobre as partes e anular estipulações que rompam com o necessário equilíbrio,
definido nos limites mínimo e máximo do razoável. Com efeito, estipulações
exacerbadas só se explicam em função da ignorância dos termos e/ou dos
efeitos da contratação, o que, como dito, pode ser judicialmente corrigido.
Há contratos a estipular que, para o cálculo do valor devido,
computam-se no faturamento bruto mensal todas as vendas, inclusive aquelas
que tenham sido efetuadas a prazo, sendo que essas contar-se-iam pelo seu
valor total (ou global), de uma só vez, no mês em que foi realizada.
A cláusula, no entanto, é abusiva e iníqua. Ao exigir que o
percentual devido ao administrador sobre uma venda realizada a prazo seja
pago logo na conclusão da venda, o empreendedor do shopping center cria
uma indevida despesa extra para o locatário. Isso porque exige o desembolso
do percentual locativo incidente sobre o valor da operação, antes mesmo que
esta esteja concretizada, ou seja, antes mesmo que o vendedor receba o
pagamento.
Vencido esse aspecto, é preciso estar atento para o fato de, mesmo
não o prevendo o contrato, tem o lojista direito a crédito nos valores futuros
devidos a título de aluguel percentual sempre que uma venda seja desfeita,
certo que, nessas circunstâncias, o movimento futuro (de cancelamento)
produz efeitos ex tunc, deixando o pagamento já realizado desprovido de
fundamento fático que o justifique. Para exercer esse direito de crédito, deverá
o lojista comunicar (comprovadamente) à administração o desfazimento do
98
negócio, preferencialmente com uma cópia do documento em que se constou
tal operação, computando o crédito nas contas devidas para apurar o valor
devido por um dos meses subsequentes.
O mesmo direito socorre o lojista nas hipóteses de o negócio de
fornecimento de bens ou de serviços não se completar em virtude do
inadimplemento do consumidor. O recebimento do pagamento é situação
jurídica obrigatória para que haja o pagamento da “comissão” devida ao
shopping center, pois constitui essa uma participação; em outras palavras, o
percentual devido ao centro comercial é acessório, sendo o pagamento ao
lojista o principal. Somente quando se realiza este, passa a ser devido aquele,
sob pena de ampliar-se o dano ao lojista: ficar sem a mercadoria e ainda pagar
o percentual por uma operação que não se completou; prejuízo ampliado do
lojista e, proporcionalmente, enriquecimento ilícito do administrador. Essa
inadimplência deve ser comunicada ao empreendedor, junto com documento
que a comprove (protesto da duplicata ou cheque).
Nunca se esqueça que, o organizador do shopping center possui,
em geral, o direito contratualmente previsto de auditorar as contas do lojista.
Destarte, meios ele possui para proteger seus interesses, aferindo eventuais
manobras escusas que possam vir a ser praticadas por um ou outro lojista.
Por fim, nunca é demais lembrar que a previsão contratual de uma
renúncia genérica a esse direito de crédito não possui validade; afinal, a
renúncia, para ser válida, exige que o direito já esteja, em concreto, no
patrimônio do renunciante. Renunciar previamente não é jurídico, além de ser
cláusula que deixa patente o exercício do poder de pressão do empreendedor,
beneficiado com a posição vantajosa, caracterizando disposição leonina e,
portanto, anulável.
Sendo assim, o Poder Judiciário deverá julgar esses casos com os
modernos princípios de Direito Civil e Empresarial, com o fito de oferecer
soluções para manter o equilíbrio como elemento indispensável para a
caracterização do império da Justiça.
99
7 LIMITAÇÕES À ATUAÇÃO DO LOJISTA - A FACULDADE DE LIMITAR E
SEU ALCANCE
Como reiteradamente afirmado, segue os shopping centers uma
estrutura própria: sua apresentação, sua organização, seu funcionamento são
planejados a partir de referências técnicas que formam a excelência do
trabalho de seus organizadores. Conclusão necessária, o comerciante que
pretenda aderir a um empreendimento dessa natureza não poderá gozar de
ampla liberdade para fazer o que bem entender, nem apresentar-se da forma
que bem quiser. Deverá, isto sim, submeter-se ao padrão que foi projetado,
constituindo um todo com a administração e o restante dos lojistas.
Porém, é certo que a própria natureza do empreendimento implica a
existência de limites à atuação do lojista, também o é, por outro lado, que esse
poder de limitação também se submete às regras do Direito, devendo respeitar
seus princípios, evitando, assim, que haja lesão jurídica ao comerciante como
fruto de abusos praticados pelo empreendedor ou administrador.
7.1 Cláusula de Exibição da contabilidade
As regras contratuais estabelecidas entre empreendedor e lojistas
são claras e peremptórias ao estipularem que o empreendedor tem o direito de
fiscalizar as vendas efetuadas, os livros, as fichas e contabilidades das lojas, a
fim de apurar o líquido, o bruto e, consequentemente, a percentagem devida ao
proprietário.
Referida cláusula, se convencionada, é válida, e tem sua devida
importância dentro da estrutura do shopping center, conforme sabiamente
depreendido por Orlando Gomes:
Tendo-se em conta que a relação jurídica em análise deve ser interpretada sistematicamente, de sorte que toda cláusula se harmonize com as outras, há que reconhecer a importância da que
100
autoriza a fiscalização como indício de originalidade, ao lado de tantas outras.
145
A cláusula de exibição de contabilidade tem ligação à cláusula de
aluguel percentual, eis que não se pode negar ao locador o direito de fiscalizar
esse aluguel, especialmente diante de cláusula contratual expressa. Não tem
sentido que exista o direito ao aluguel percentual e se prive o locador da
faculdade de poder fiscalizá-lo.
Como dito por Pereira, “em decorrência da estipulação do aluguel
móvel (estipulado tendo em vista um percentual sobre o volume bruto de
vendas) é a cláusula que permite ao dono do shopping center exercer
fiscalização sobre o faturamento”.146 Para essa fiscalização, dá-se ao
empreendedor, no contrato, o direito de, sempre que julgar oportuno, ter
acesso à loja e aos respectivos sistemas de controle, inclusive de caixas
registradoras, recibos, talões, notas fiscais, livro de registro de estoque ou
venda de mercadorias, ou, também, a qualquer outra forma de controle,
diretamente ou através de terceiros contratados.
Lembra Pinto que, “se não houvesse essa meticulosa fiscalização
para apurar a receita bruta auferida pela loja, não seria possível estabelecer a
percentagem para calcular o preço móvel da remuneração pelo uso do salão
comercial”.147
Em virtude do tipo de relações mantidas entre o lojista e a
administração do shopping center, a previsão é perfeitamente válida,
constituindo mecanismo que visa a preservar os interesses do empreendedor,
sem ele, o organizador ficaria à mercê do lojista, o que ampliaria – e muito – as
possibilidades de fraude, por um lado, assim como as desconfianças, mesmo
que injustificadas, por outro; quaisquer desses elementos são perniciosos para
o bom desenvolvimento dos negócios.
Caio Mário da Silva Pereira contempla a obrigação de um plano
estritamente locativo:
145
GOMES, Orlando. Shopping Centers – Aspectos jurídicos. São Paulo: RT 576, 1984. p. 9.
146 LANGONI, Carlos Geraldo. Shopping centers no Brasil. In: ARRUDA, J. S.; LÔBO, C. A. da S. (Coord.). Shopping centers: aspectos jurídicos. São Paulo: RT, 1984. p. 79.
147 PINTO, Dinah Sônia Renault. Shopping Center: uma nova era empresarial. Rio de Janeiro: Forense. 1992. p. 67.
101
se é lícito inserir no contrato cláusula permissiva ao locador de fiscalizar o adimplemento de obrigações contratadas, não escapa ao contexto de liceidade, nem desprimora da sua natureza locatícia, a avença que assegura ao locador do shopping center a faculdade de fiscalizar se o locatário dá cumprimento efetivo ao cálculo do aluguel móvel.
148
Neste sentido, para averiguação e fixação do aluguel percentual a
ser pago pelo lojista, todas as operações deverão ser registradas.
Pinto lista alguns itens que deverão ser registrados e à disposição
do empreendedor para conferência:
a) As fitas de caixas registradoras, sejam permanentes ou provisórias; as notas de venda, numeradas e seriadas; b) os originais de todos os pedidos feitos e encaminhados, direta ou indiretamente, nas lojas, ou por elas remetidos; c) os registros originais de todas as encomendas feitas, por escrito, verbalmente, através de correio, telefone ou qualquer outro meio, para as lojas ou em consequência de negócios nelas elaborados; d) todos os relatórios referentes a operações comerciais com sublocatários legítimos, representantes ou concessionários; e) os registros originais, probatórios de que as devoluções de mercadorias foram feitas por seus respectivos compradores; recibos e outros documentos de mercadorias retiradas em consignação de ou para exposições e amostras; g) qualquer outros registros de venda, se houver, que possam ser examinados por um profissional especializado, de acordo com padrões de auditoria para fiscalização de vendas.
149
É fundamental observar que, tendo acesso à escrituração, assume o
organizador a responsabilidade pela sua conservação, respondendo civilmente,
tanto material quanto moralmente, pela divulgação ou vazamento de
informações constantes dos livros e arquivo do lojista.
A licença que lhe foi atribuída para exame desse movimento contábil
tem função específica e limitada: apenas e tão-somente conferir a regularidade
dos valores de faturamento declarados pelo lojista e que constituem a base de
cálculo de sua remuneração percentual.
Nisso concorda Pinto: “as informações transmitidas pelos lojistas à
administradora, ou por ela obtidas dos exames, apurações e balanços físicos
148
LANGONI, Carlos Geraldo. Shopping centers no Brasil. In: ARRUDA, J. S.; LÔBO, C. A. da S. (Coord.). Shopping centers: aspectos jurídicos. São Paulo: RT, 1984. p. 79-80.
149 PINTO, Dinah Sônia Renault. Shopping Center: uma nova era empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 66-67.
102
que fizer, terão caráter confidencial e só poderão ser usadas para o fim previsto
neste instrumento – apurar o valor percentual do aluguel devido na forma do
contrato”.150
Para finalizar, cumpre frisar que todos estes trabalhos devem ser
realizados – e isto os contratos jamais falam, certo que constituem imposições
às quais aderem os lojistas – sem estorvar as atividades comerciais e
administrativas do lojista. A licença para auditorar não inclui a licença para
tumultuar, razão pela qual é o tumulto, o estorvo, a confusão ou qualquer outra
anormalidade na harmonia das atividades do lojista um ato igualmente ilícito e
passível de responsabilização do empreendedor.
7.2 Liberdade para estipular índice de correção monetária
Os contratos de locação de espaços comerciais em shopping center
são, por excelência, contratos de longo prazo, com frequência celebrados por
períodos não inferiores a cinco anos, não sendo raros os contratos com prazo
de vigência muito superior, sujeitos à renovação compulsória. Daí a praxe de
se pactuar, nesses contratos, a correção monetária dos alugueis, de maneira a
evitar a corrosão do seu valor real.
Desde a Medida Provisória nº 1.053, de 30/06/1995, ao final
convertida na Lei nº 10.192, de 14/02/2001, que dispôs sobre medidas
complementares ao Plano Real, a estipulação de índices de correção
monetária é matéria atribuída à autonomia da vontade das partes. Estabelece o
art. 2º da citada lei:
Art. 2º É admitida estipulação de correção monetária ou de reajuste por índices de preços gerais, setoriais ou que reflitam a variação dos custos de produção ou dos insumos utilizados nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano.
A lei, portanto, permite que as partes escolham livremente o índice
de preços a ser adotado na correção monetária ou reajuste das prestações
150
PINTO, Dinah Sônia Renault. Shopping Center: uma nova era empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 68.
103
contratuais, mencionando índices de três categorias: gerais, setoriais e
específicos.
Os índices gerais refletem as variações de preços observadas nos
mercados como um todo. Os índices setoriais refletem a variação dos preços
em um determinado segmento da economia. Os índices específicos são
compostos para refletir a variação dos custos de produção ou dos insumos
utilizados no bem ou no serviço objeto de um determinado contrato. Há uma
grande quantidade de índices publicados por instituições governamentais e não
governamentais, como o IBGE, a FV, a FIPE e o DIEESE.
Dentre os índices gerais, alguns refletem a variação dos preços no
mercado consumidor, como é o caso do IPC (Índice de Preços ao Consumidor)
e do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Ampliado); outros, no mercado
atacadista, como é o caso do IPA (Índice de Preços no Atacado). Outros,
ainda, como é caso do IGP (Índice Geral de Preços), refletem a variação dos
preços no mercado em geral, compreendendo o mercado de consumo, o
atacadista e o setor da construção civil. Cada instituto de pesquisa possui seus
diversos índices, observando-se alguma homonímia na matéria.
Dispõem assim as partes contratantes de um amplo cardápio de
índices para sua livre escolha, ao pactuarem o reajuste das prestações
contratuais. São as partes que determinam qual o índice adequado ao seu
caso.
Não podemos esquecer que vige entre nós um regime jurídico
específico, de cunho público, denominado Plano Real, ao qual submetem-se
todos os contratos. Esse regime jurídico, em que se destaca a Lei 9.069/95,
concretiza uma estratégia até agora vitoriosa que visa essencialmente à
contenção da onda inflacionária pela desindexação da economia brasileira.
Para Mamede, “qualquer mecanismo contratual que esconda
possibilidades de variação do valor locativo a fugir de tais balizas é
completamente ilegal e abusivo, atentando contra o direito, não podendo
subsistir”.151
Aliás, tais ilegalidades, inseridas em contrato de locação, são
passíveis de punição criminal. O artigo 43 da Lei nº 8.245/91, afirma constituir
151
MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping center. Abusos e ilegalidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 50.
104
contravenção penal, punível com prisão simples de 5 dias a 6 meses ou multa
de 3 a 12 meses do valor do último aluguel atualizado, revertida em favor do
locatário, exigir, por motivo de locação ou sublocação, quantia ou valor além do
aluguel e encargos permitidos.
Comumente, os contratos de locação entre empreendedor e lojistas
chegam a prever uma renúncia às normas de Direito Público, sob o enfoco da
prevalência da pacta sunt servanda sobre quaisquer atos normativos ou
institucionais supervenientes que porventura venham determinar qualquer
alteração na relação obrigacional original, dispondo, ademais, que não se
aplicariam deflatores, redutores ou similares.
O Superior Tribunal de Justiça através do acórdão que examinou o
Recurso Especial nº 202.555/SP, já afastou a tese da prevalência do pacta
sunt servanda nos seguintes termos: “conquanto por princípio a lei que rege o
contrato é a da época da sua celebração, a norma de ordem pública – no caso
modificadora do padrão monetário – tem incidência imediata, alcançando,
inclusive, relações jurídicas estabelecidas antes da sua edição.”152
Para Theodoro Júnior, essa renúncia também não possui validade,
senão vejamos:
Por meio das leis de ordem pública, o legislador desvia o contrato de seu leito natural dentro das normas comuns dispositivas, para conduzi-lo ao comando daquilo que a moderna doutrina chama de „dirigismo contratual‟, onde as imposições e vedações são categóricas, não admitindo possam as partes revoga-las ou modifica-las.
153
Isso porque, ensina o mesmo autor,
vive o direito contratual, sem dúvida, uma notável fase evolutiva, em que o princípio da autonomia de vontade tem sofrido questionamentos variados, com reflexos constantes sobre o direito positivo, de maneira a dar ao dirigismo contratual quase que uma prevalência sobre a tradicional liberdade privada de regularem as próprias partes seus negócios jurídicos contratuais, afastando o dogma da igualdade dos contratantes, que mostrou-se irreal pelas
152
BRASIL. STJ. Recurso Especial nº 202.555/SP. Rel. Ministro Felix Fischer. DJU 28.02.2000, p. 108.
153 THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e seus princípios. Rio de Janeiro: Aide, 1993. p. 17.
105
notórias diferenças entre as pessoas, na ordem econômica, social e até mesmo jurídica.
154
Páginas à frente, completa o mesmo autor, “se os valores
democráticos constituem as garantias fundamentais e os alicerces da ideologia
do Estado Social de Direito, claro é que a lei deve se preocupar em criar
normas de dirigismo contratual de proteção aos contratantes mais fracos.”155
Por fim, a legislação de regência do Plano Real, todavia, proíbe a
correção monetária de alugueis em periodicidade inferior a um ano (art. 28, §
1º da Lei nº 9.069/1995 e art. 2º §§ 1º e 3º da Lei nº 10.192/01).
7.3 Aluguel dobrado e de desempenho
Em regra, os contratos de espaços comerciais em shopping centers
preveem o pagamento em dobro dos encargos locativos no mês de dezembro.
Para Verri, a “referida cláusula, se devidamente convencionada pelas partes, é
válida”; pondera que “tal obrigação existe justamente para cobrir o pagamento
do décimo terceiro salário devido aos empregados utilizados pela
administração do shopping center”.156
Nessa mesma linha, Pinto lembra que “esse aumento no preço
devido pelo lojista no último mês do ano não constitui um aluguel a mais, mas
deriva da forma organizacional dos shoppings center, que têm por finalidade
uma cooperação intensa entre empreendedores e dos lojistas.”157
E conclui a mesma autora citada acima:
A empresa que fundou o shopping center não teve em mira apenas locar as lojas, mas participar do lucro das mesmas e também retribuir, colaborando para que os lojistas tenham certos privilégios, como publicidade, segurança, otimização nos seus negócios. Como o mês
154
THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e seus princípios. Rio de Janeiro: Aide, 1993. p. 18.
155 THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e seus princípios. Rio de Janeiro: Aide, 1993. p. 24.
156 VERRI, Maria Elisa Gualandi. Shopping centers: aspectos jurídicos e suas origens. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 58.
157 PINTO, Dinah Sônia Renault. Shopping Center: uma nova era empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 42.
106
de dezembro é, devido às festas natalinas, o de maior movimento em vendas mercantis, o lojista deve pagar uma remuneração mais alta.
158
Nossos Tribunais vêm confirmando este entendimento:
BRASIL. TJSP – 33ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO – APELAÇÃO Nº 992.08.004290-1 (1.160.457-0/1) – Comarca de São Paulo – 11ª Vara Cível – Apte.: Instituto Brasileira de Defesa de Lojistas de Shopping Centers – Apdo.: Brascan Century S/A; Condomínio do Edifício em Construção Centro Empresarial Nações Unidas e outros. Ação declaratória – locação comercial – shopping center – ação civil pública entendida como declaratória – deserção afastada – discussão a respeito dos princípios de direito sobre abuso do poder econômico, contrato de adesão, boa-fé, e outros, para afastar a cobrança do aluguel em dobro no mês de dezembro de cada ano – lojistas que assinaram os contratos por livre vontade – afastamento de todas as alegações – sentença mantida – apelação não provida. ... Não há abuso de direito, não há ofensa ao contrato de adesão, à teoria do risco do negócio, à função social do contrato, à boa-fé objetiva, quando o lojista assina contrato com o shopping, porque a ideia é de que ele irá exercer o seu comércio e lucrar com isso. O lojista, comerciante, sabe dos riscos do negócio e assina o contrato por livre vontade, até porque não há a menor alegação de coação. Se assim é, deve ao menos honrar a sua palavra e não acreditar em promessas fantasiosas de redução de seus encargos. Há razão para a cobrança do aluguel em dobro no mês de dezembro, pois é o mês de maiores vendas, em princípio, além dos encargos das administrações dos shopping quanto aos funcionários que nele trabalham. Falar-se em onerosidades excessiva, abusividade do contrato de locação, fragilidade da posição de cada lojista em relação ao shopping center, é ir longe demais. Eles, repita-se, assinaram o contrato porque quiseram. Analisaram, certamente, a viabilidade do negócio. Não foram compelidos ou forçados a assinar ou aceitar todos os termos. Não há necessidade de filosofar a respeito da teoria do risco do negócio. BRASIL. TJMG. Processo: Apelação Cível - 2.0000.00.348796-1/000 3487961-26.2000.8.13.0000 (1) - Relator(a): Des.(a) Silas Vieira - Data de Julgamento: 04/12/2001 - Data da publicação da súmula: 09/02/2002 - Ementa: EMENTA: AÇÃO RENOVATÓRIA. CONTRATO DE LOCAÇÃO COMERCIAL. SHOPPING CENTER. VALOR DO LOCATIVO. LAUDO PERICIAL. - Afigura-se correta a sentença, exarada em ação renovatória, que fixa o valor do aluguel, com base nas conclusões da perita oficial, que se pautou no método comparativo das unidades logísticas do shopping center onde se acha estabelecida a empresa-requerente, sendo que eventuais oscilações na venda, durante a vigência do pacto locatício, constitui circunstância normal e previsível, não influenciando no valor do aluguel mínimo a ser pago. - É válida a cláusula contratual que prevê o pagamento em dobro do aluguel no mês de dezembro, máxime diante da regra insculpida no artigo 54, caput, da Lei do Inquilinato, que privilegia as condições convencionadas entre os lojistas e empreendedores de shopping center.
158
PINTO, Dinah Sônia Renault. Shopping Center: uma nova era empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 42.
107
Desta forma, desde que convencionada pelas partes e devidamente
respeitado os princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva, a
cláusula de aluguel dobrado é lícita, eis que o lojista sabe dos riscos do
negócio no momento da contratação.
7.4 O rateio de despesas
Diante das inúmeras formas possíveis de estruturação imobiliária
dos shopping centers, é recomendado muito cuidado com a utilização da
expressão despesas condominiais, quando se pretende mencionar o gênero
despesas rateáveis entre lojistas.
As despesas condominiais decorrem de toda a estrutura
organizacional do empreendimento, uma despesa comum de todos os lojistas,
com o fito de sustentar e custear esta estrutura.
Em regra, as despesas passíveis de divisão entre os lojistas de um
shopping center não se restringem àquelas incorridas na conservação e
manutenção de partes e coisas comuns de prédios organizados sob a forma de
condomínios edilícios.
O condomínio edilício é aquele instituído sobre a generalidade dos
prédios residenciais ou comerciais das cidades brasileiras, nos quais
coexistem, em uma mesma edificação, as unidades autônomas de propriedade
exclusiva de cada condômino (os apartamentos, lojas ou salas comerciais) e
áreas e coisas comuns a todos os condôminos, tais como os vãos de
elevadores, os próprios elevadores, as escadas de serviço, os halls da portaria
e dos andares e respectivo mobiliário.
É neste ambiente que surgem as aludidas despesas condominiais,
as quais, nas locações tradicionais das respectivas unidades autônomas, se
dividem em dois grupos: (i) as que podem ser repassadas aos locatários; e (ii)
as que não podem ser repassadas aos locatários, devendo ser arcadas pelo
locador.
As relações estabelecidas entre lojistas e empreendedores de
shopping centers, todavia, não se enquadram nesse regime de rateio de
108
despesas. Afinal, os shopping centers nem sequer precisam ser organizados
sob a forma de condomínio edilício, mostrando a experiência que, sob o ponto
de vista do regime jurídico da propriedade imóvel, a estruturação desses
empreendimentos varia – e muito – de shopping a shopping. Por exemplo:
(a) Há shopping centers que não adotam o condomínio em unidades
autônomas, funcionando como um único imóvel comercial,
dividido em lojas, áreas de circulação (malls), praça de
alimentação, estacionamento etc., sendo todos os espaços de
propriedade exclusiva do empreendedor;
(b) Há shopping centers organizados sob a forma de condomínio
edilício, em que cada loja corresponde a uma unidade autônoma,
ficando os demais espaços, como malls, estacionamento e outros
de utilização do público, em regime de áreas comuns do
condomínio; ou ainda
(c) Há shopping centers organizados sob a forma de condomínio
edilício, porém sem a correlação exata entre lojas e unidades
autônomas, nas quais são criadas grandes unidades autônomas
que abrigam diversas lojas e malls (por exemplo, um prédio em
que cada andar constitui uma só unidade autônoma), variando a
natureza da área de estacionamento, que ora é de uso comum,
ora é de propriedade exclusiva do empreendedor, assim como o
terraço, o subsolo, entre outros espaços.
De fato as singularidades do terreno em que se ergue um shopping,
que por vezes comporta a concomitância com outros empreendimentos (como
uma torre de salas, uma universidade ou um centro médico), assim como as
condições contratuais desejadas pelo empreendedor ou resultantes de
compromissos especiais assumidos com as lojas-âncora, ou ainda outras
circunstâncias particulares do negócio, é que ditam a melhor forma de
organização do prédio destinado ao shopping center, não havendo um modelo
único, nem apenas os três acima mencionados, que comumente se mesclam
de diferentes maneiras de estruturação jurídica do imóvel.
Essa razão pela qual as despesas sujeitas ao rateio entre lojistas
não são necessariamente despesas condominiais, uma que o empreendimento
pode nem estar organizado sob a forma de condomínio edilício, caso em que
109
simplesmente não existem as tais despesas ou estar assim estruturado e ter
despesas rateáveis relacionadas a áreas comuns e a áreas de propriedade
exclusiva do empreendedor, como ocorre com a manutenção e conservação de
malls situados nas grandes unidades autônomas que contêm lojas e áreas de
circulação, quando o rateio é feito sobre o resultado da soma das despesas
condominiais com as outras de interesse comum ao funcionamento do
empreendimento.
O rateio das despesas relacionadas ao funcionamento do
empreendimento segue o consagrado princípio da autonomia da vontade das
partes, nos termos do já citado art. 54, da Lei de Locações.
Lidando, especificamente, com as despesas rateáveis entre os
lojistas, a Lei de Locações enumerou apenas as que não são passíveis de
repasse, que estão no § 1 de seu art. 54 e têm por objeto:
(a) Obras de reformas ou acréscimos que interessem à estrutura
integral do imóvel;
(b) Pintura das fachadas, empenas, poços de aeração e iluminação,
bem como das esquadrias externas;
(c) Indenizações trabalhistas e previdenciárias pela dispensa de
empregados, ocorrida em data anterior ao início da locação;
(d) Obras ou substituição de equipamentos que impliquem modificar
o projeto ou o memorial descritivo da data do habite-se; e
(e) Obras de paisagismo nas partes de uso comum.
Nesse contexto, em regra, as despesas que não se enquadrem no
rol acima transcrito e que digam respeito à operação do shopping center
podem ser repassadas aos lojistas.
Mamede entende que é obrigação do empreendedor oferecer um
imóvel em plenas condições de atender suas finalidades, da seguinte forma:
E condições para atender suas finalidades, em caso, não se limitam à possibilidade técnica de suportar as atividades comerciais dos lojistas, mas para além disso, condições de atrair grandes contingentes de consumidores, fator que também compõe as obrigações do empreendedor.
159
159
MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping center. Abusos e ilegalidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 105.
110
Com relação “às despesas com obras de paisagismo” Barros faz
uma outra consideração importante. A letra “b” do parágrafo sob exame proíbe
sua cobrança, mas subsiste a letra “f” do parágrafo único do art. 22, que as
contempla. Ora, como a letra “a” só exclui as letras “a”, “b” e “d”, pode sugerir
que a letra “f” não estaria sendo afastada, o que não é verdade. Prossegue: “há
uma explicação razoável para essas restrições. Ainda que se possam cobrar
do lojista despesas tidas como não exigíveis de qualquer outra espécie de
locatário, as aqui excetuadas dizem respeito a interesse peculiar do
empreendedor. Realizando-as, tirará proveito da valorização que será
acrescentada ao seu empreendimento.”160
Já as despesas com indenizações trabalhistas e previdenciárias pela
dispensa de empregados, ocorridas em data anterior ao início da locação é
duramente criticada por Mamede da seguinte maneira:
A norma do artigo 22, parágrafo único, d, está intimamente relacionada com aquelas inscritas no inciso XII, cominado com o parágrafo 1º, a, do artigo 23 da mesa Lei das Locações, disciplinando ser obrigação do locatário “pagar as despesas ordinárias de condomínio”, entre as quais “salários, encargos trabalhistas, contribuições previdenciárias e sociais dos empregados do condomínio”. Entretanto, “o shopping center, apesar de ser bastante similar ao condomínio, condomínio não é, porque as lojas pertencem a um só proprietário, nele inexiste divisão em propriedades de unidades autônomas pertencentes a várias pessoas e propriedade comum das partes indivisas, em condomínio forçado.
161
Cumpre salientar que, todo o pessoal trabalha sob a
responsabilidade do empreendedor e este assume o caráter de administrador
de todo o shopping center. Neste sentido, em caso de não recolhimento de
verba trabalhista ou previdenciária, o empreendedor será o responsável.
Observadas as vedações legais, o empreendedor tem ampla
liberdade para instituir os critérios de rateio de despesas entre os lojistas, tais
como, exemplificativamente:
160
BARROS, Francisco Carlos Rocha de. Comentários à lei do inquilinato. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 343.
161 MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping center. Abusos e ilegalidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 105-106.
111
(a) As que fixam um valor máximo para a contribuição de lojas
âncora, cujo fundamento está no seu forte poder de atração de
clientela, a fazer com que sua presença no shopping center seja
de interesse comum a toda a comunidade de lojistas; ou
(b) As que autorizam o rerrateio de verbas pertinentes a parte das
lojas vagas, em limite razoável, considerado o patamar de
vacância no empreendimento resultante da natural necessidade
de aperfeiçoamento do mix de lojas, com a substituição de
lojistas em proveito da coletividade; ou ainda
(c) Tarifas de água, energia elétrica, ar condicionado, limpeza
(material e pessoal), segurança e afins.
Ladislau Karpat afirma que, “em princípio, poderíamos definir como
válidas todas as cláusulas relativas a despesas condominiais, que não
contrariem o disposto nos arts. 54 e 22 da Lei 8.245.”162
Gladston Mamede perlustra que
essas despesas, justamente em função da natureza comunitária dos beneficiados, deverão ser suportadas por todos os lojistas de forma igualitária. Igualdade, aqui, implica um critério objetivo, ou seja, a distribuição proporcional da área ocupada, respondendo o empreendedor pelas áreas comuns que loca, em carácter precário, para ocupação de quiosques.
163
Tais despesas condominiais deverão ser muito bem analisadas
pelos lojistas, sob pena de arcar com valores mais elevados do que o próprio
aluguel. A guisa de exemplo, um shopping center contrata empresas de
segurança, limpeza e outros, pagando elevadas importâncias, que ao final
serão rateadas entre os lojistas. Ladislau Karpat ressalta a importância do
lojista neste caso:
O locatário de um Shopping Center não é um locatário comum. Ele, na verdade, pode ser equiparado ao proprietário em certas circunstâncias, pois ele é um proprietário de seu fundo de comércio, diferente de um simples locatário de um apartamento residencial. A
162
KARPAT, Ladislau. Shopping Centers: manual jurídico. 2 ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 45.
163 MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping center. Abusos e ilegalidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 103.
112
ele, proprietário de um fundo de comércio, interessará a forma com que o empreendimento como um todo será administrado, pois estará sujeito a seus reflexos.
164
Cerveira Filho fala em concessões que o organizador do shopping
center “estabelece para aquelas lojas de seu interesse” no rateio das despesas
comuns (como ar condicionado, limpeza, segurança etc.), “e, especialmente, as
reduções que concede às lojas-âncoras”.165
Neste sentido, os shopping centers costumam estabelecer uma
figura denominada CRD – Coeficiente de Rateio de Despesas – para fins de
critério de cálculo das despesas. Mamede refuta tal manobra, pois “é ilegal, na
medida em que elege critério não transparente, nem igualitário para a
atribuição de ônus.”166
Cerveira Filho realça que, “se o rateio fosse efetuado com base na
fração ideal”, representada pela proporção entre a área ocupada por cada loja
em relação ao total da área comercialmente explorada, “o que corresponderia a
um critério correto, pois encargos comuns seriam indissociados à área global
ocupada”.167
Em verdade, tratando-se de relação negocial para a qual a lei
reservou ampla liberdade de contratar, o regime de rateio de despesas estará
essencialmente limitado pelos princípios da boa-fé objetiva, sendo válidos os
critérios sempre que forem claros e equânimes, sob o prisma dos fundamentos
econômicos do empreendimento, cabendo registrar que, segundo o § 2º do art.
54 da Lei de Locações, “As despesas cobradas do locatário devem ser
previstas em orçamento, salvo casos de urgência ou força maior, devidamente
demonstradas, podendo o locatário, a cada sessenta dias, por si ou entidade
de classe exigir a comprovação das mesmas”.
164
KARPAT, Ladislau. Shopping Centers: manual jurídico. 2 ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 48.
165 CERVEIRA FILHO, Mário. Shopping Centers: direitos dos lojistas. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 27.
166 MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping center. Abusos e ilegalidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 104.
167 CERVEIRA FILHO, Mário. Shopping Centers: direitos dos lojistas. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 27.
113
O prazo de sessenta dias ali comtemplado não é decadencial ou
extintivo do exercício do direito de exigir contas.168 Trata-se, apenas, de
estipular uma regularidade ou frequência mínima com que o locatário possa
exigir a comprovação administrativa das despesas.
Por fim, imprescindível é o conhecimento e respeito ao artigo 54,
parágrafo 2º da Lei nº 8.245/91. Como ensina Barros,
o § 2º assegura ao lojista que as despesas, para serem cobradas, deverão ser previstas em orçamento. Previsão supõe antecedência. Antes de se tornarem exigíveis, as despesas deverão constar de estudo prévio que as especifique e registre custo de cada uma. É clara a intenção do legislador de permitir que o lojista saiba, com antecedência, as despesas que irá suportar.
169
Portanto, a divulgação pressupõe possibilidade de oposição e
refutação, sendo plenamente válido à maioria dos lojistas recusarem
determinadas despesas instituídas pelo empreendedor, sejam inadequadas ou
excessivas.
7.5 Imposição de resultados
O lojista não pode, sem motivo justificado, manter sua loja fechada
depois do horário de abertura do shopping center, ou aberta, após findo esse
prazo, salvo as hipóteses de previsão contratual ou de autorização específica.
Ademais, uma loja não poderá ficar fechada, fora daquelas circunstâncias, por
extenso período.
Neste sentido, é lícita a cláusula que estipula os regramentos de
funcionamento das lojas, sempre com o objetivo de manter a harmonia de todo
o empreendimento.
168
BRASIL. 2.º TACivSP., 2ª Câm., Ap. 504184, rel. Juiz Vianna Cotrim, j. 16.2.1998. Shopping center. Ação de prestação de contas. Decadência. O prazo do art. 54, § 2º, da Lei n. 8.345/91 não é decadencial por se tratar de simples possibilidade do locatário postular a apresentação de contas no prazo ali referido, sem que tanto se constitua num dever a ser exercitado no lapso temporal de 60 dias.
169 BARROS, Francisco Carlos Rocha de. Comentários à lei do inquilinato. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 343.
114
Por outro lado, não é lícito ao empreendedor conceder autorização a
determinado lojista e, nas mesmas condições ou situação, negá-la a outro; este
tratamento desigual ou desproporcional quebra com a necessidade de
tratamento isonômico a todas as unidades que, de forma igual, aderem ao
empreendimento.
As dificuldades brotam na sequência, pois é muito usual que os
contratos façam uma inadequada extensão dessa disposição, disciplinando,
por exemplo, que é considerado interrupção de funcionamento, caracterizando,
portanto, infração ao contrato de locação não apenas o fechamento físico e real
das lojas, mas também a inexistência de atividade comercial ou prestação de
serviços, considerando-se, como tal, entre outras evidências, quando o
faturamento, durante três meses consecutivos, for inferior a certo patamar, por
exemplo, 50% daquilo que foi apurado nos últimos 90 dias, ou daquele
apresentado por lojas de mesmo nível etc.
Ilícitas como esta são todas as outras cláusulas que, por meios
diversos, buscam fixar resultados mínimos para o lojista, transformando em
infração contratual o fato de não se atingir tais metas, sejam elas absolutas,
sejam relativas (como um percentual sobre o faturamento anterior da própria
unidade). Afinal, não pode o responsável pelo shopping center elevar a
performance comercial do locatário ao nível de hipótese para resilição
contratual, sem ofender-lhe os direitos de gozo da coisa e de exploração do
ponto comercial, obrigações assumidas pelo empreendedor ao contratar-lhe a
locação da loja. Ademais, ninguém desconhece as agruras do mercado,
mormente em um país como o nosso, onde a economia sofre com mais força
toda a brutalidade dos ventos de uma instabilidade que poderia ser qualificada
até como estrutural.
7.6 Apresentação estética das lojas
Um dos grandes atrativos de um shopping center é a harmonia do
seu desenho e apresentação ao público consumidor. Um shopping center
exibe, em geral, uma certa ilusão de unidade, constituída na estratégia de
conservação de uma uniformidade estética que principia nas linhas externas do
115
prédio, avança pelos espaços comuns e não se perde na pluralidade das lojas.
É como se um mesmo padrão de expressão material se conservasse em todos
os espaços e, assim, transmitisse uma mensagem: um estilo, uma filosofia, um
convite para que o visitante compartilhe da razão de ser do empreendimento:
sinta-se bem e consuma, ainda que seja uma coisinha – um café.
Mas muito mais: um convite para que o visitante caminhe por seus
corredores, examine suas vitrines, conheça o seu conteúdo, o seu preço; e se
não comprar agora, que compre depois. O shopping center deve ser uma
referência, uma lembrança constante, uma alternativa concreta para o
consumidor. O que está no shopping center deve ser comprado, porque você
precisa ser assim como o próprio shopping center: elegante, bonito, feliz, leve
etc. Uma ilusão, é claro, mas o mundo moderno é feito de mais aparência do
que de essência; um mundo onde é melhor parecer ser do que ser
verdadeiramente. Aliás, um mundo que talvez já não saiba muito bem o que
seja ser, e assim corre desesperadamente atrás do que parece ser, pela mera
chance de acertar.
Não muito distante do que acabo de afirmar, encontra-se Pinto, que
é cuidadosa em sua definição de shopping center, fazendo questão de realçar
a importância que nesta definição possui o planejamento prévio a que
obedecem as lojas, que são “unificadas não só pela arquitetura como também
por uma administração única, sujeita a normas contratuais padronizadas”.170
Justamente por isso, todos os lojistas estão limitados na
apresentação de suas lojas, devendo compatibilizá-las com as linhas gerais
que caracterizam o shopping center, mantendo, assim, a almejada harmonia
estética. Para tanto, deverão submeter os projetos de suas lojas para exame e
aprovação ao responsável pelo shopping center, o que pode trazer sérias
restrições aos lojistas.171
170
PINTO, Dinah Sônia Renault. Shopping Center: uma nova era empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 1.
171 As Normas Gerais Complementares dos Contratos de Locação e Outras avenças dos salões Comerciais situados no Shopping Center Iguatemi de Porto Alegre estipulam que no caso de o empreendedor não aprovar o projeto de uma loja, um terceiro profissional qualificado deve intervir na questão: “Em caso de impasse entre a Locadora e o Locatário a respeito das exigências formuladas pela Locadora, fica acordado que a decisão será dada por técnico escolhido pelo Locatário dentre uma lista de 3 (três) conceituados profissionais do ramo, pessoa física ou jurídica, apresentados pela Locadora. Obrigar-se-ão as Partes a aceitar, sem exigências, o trabalho que for apresentado, ficando às expensas do Locatário a remuneração do profissional ou empresa, se acolhida a exigência da Locadora.”
116
Porém, é preciso não olvidar, jamais, ser vício inadmissível em
qualquer negócio jurídico a atribuição de poderes arbitrários, ilimitados e
desprovidos de qualquer padronização, a uma das partes, deixando a outra à
sua completa mercê, como já reiteradamente afirmado e demonstrado neste
estudo.
Nesta linha, cláusulas que atribuam ao empreendedor e/ou
administrador de shopping center um amplo poder para aprovar ou rejeitar
projetos a serem executados nas lojas dos locatários desborda os limites
aceitos por nosso Direito. O contrato é um encontro de vontades que se
vinculam; tem na voluntariedade mútua uma necessidade indispensável para a
sua perfeita caracterização jurídica.
Se a uma das partes é entregue a faculdade de impor alterações na
situação negocial, ao seu livre arbítrio, rompido está o necessário pano de
fundo da relação jurídica (que, por definição, deve ser equilibrada, equitativa) e
estabelecido um regime de exceção, de imposição da vontade de um sobre o
outro, o que o Direito não tolera há milênios.172
Indispensável, portanto, que sejam geridos os legítimos interesses
do empreendedor em manter a unidade de apresentação do shopping center e,
de outro lado, do lojista de executar as obras que pretende realizar, buscando
uma solução que seja jurídica, ou seja, que não lese qualquer dos pólos. E
jurídico não é o arbítrio, razão pela qual as cláusulas que simplesmente
outorgam ao responsável pelo centro comercial o poder de vetar projetos,
reformas e afins não possui validade jurídica.
Antes de qualquer coisa, não se pode desconhecer que é parte da
essência de empreendimentos dessa natureza o respeito a um determinado
padrão de apresentação estética das lojas ali instaladas. O defeito dos
contratos é que, partindo dessa premissa correta, acabam por erigir uma
situação ilícita: permitir que esse padrão de apresentação estética corresponda
ao alvedrio do empreendedor; vale dizer: o padrão a ser seguido será o seu
gosto e a sua vontade, aquilo que lhes der na telha. Nota-se que, por essas
172
Basta lembrar que o próprio Código de Hamurabi já dedica capítulos inteiros à intervenção econômica no domínio privado, impedindo que partes em posição mais forte impusessem sua vontade à parte contrária, seja no preço, seja nos juros, seja em outros elementos do contrato (LIMA, João Batista de Souza. As mais antigas normas de direito. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 94).
117
vias, tais cláusulas tornam o lojista completa e absolutamente refém do
administrador de shopping center, que, utilizando de sua ampla vontade
estética, pode simplesmente inviabilizar o negócio do locatário.
Parece-me, como consequência, que o respeito aos princípios do
Direito contratual exige o estabelecimento antecipado de padrões estéticos,
que sejam previamente divulgados e fundamentados, sendo conhecidos pelos
locatários. Somente assim pode-se impedir que o empreendedor e/ou
administrador utilize da justificativa estética para, indevidamente, lesar os
direitos dos lojistas.
Nesse contexto, será proveitoso trazer ao debate a lição de Verri, a
ensinar que “o perfil do shopping center deverá estar totalmente delineado na
Escritura Declaratória, que passará a ser parte integrante do contrato firmado
entre empreendedor e lojista, regendo toda esta relação”.173 Claudionor de
Andrade Junior diz que tais normas gerais ou declaratórias, “preferivelmente
instituídas por instrumento público”, disciplinam aspectos como instalações das
lojas, utilização das partes comuns, condições de uso do nome shopping
center, entre outros.174 Este, portanto, seria um espaço para tal declaração,
mas nada impede que outros sejam utilizados, sempre respeitando os direitos e
os interesses de todas as partes envolvidas no negócio.
Não se pode olvidar, aqui, que as normas gerais ou declaratórias,
para obrigarem o lojista, devem ser anteriores ao contrato firmado com o
empreendedor.
7.7 A “res sperata”
Existe um sem-número de nomenclaturas e conceitos a respeito da
natureza da res sperata, verba paga pelo lojista quando de seu ingresso no
shopping center, independentemente dos valores devidos a título de aluguéis e
demais encargos da locação, a qual costuma ser contratada em instrumento
173
VERRI, Maria Elisa Gualandi. Shopping centers: aspectos jurídicos e suas origens. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 47.
174 VERRI, Maria Elisa Gualandi. Shopping centers: aspectos jurídicos e suas origens. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 47.
118
em apartado, ainda que por vezes seja estabelecida no próprio contrato de
locação, a critério das partes.
Para alguns, trata-se, a res sperata, da remuneração que o lojista
paga pela “coisa esperada”, consistente em toda a infraestrutura material e
intangível posta à sua disposição pelo empreendimento, ou seja, é uma
garantia de que o futuro lojista terá seu lugar assegurado em uma das
unidades do shopping center.
Para outros, a res sperata remunera o trabalho desenvolvido pelo
empreendedor na concepção, construção, estruturação, organização e
divulgação do shopping center.
A rigor, há várias formas de conceituar tal remuneração, que reflete
o valor pago pelo lojista para ter o direito de ingressar no time de empresários
que compõe o tenant mix de determinado shopping center, usufruindo do fundo
de comércio formado e gerido pelo empreendedor, em constante processo de
mutabilidade e evolução. Vale notar, a propósito, que tal entendimento torna
incompatível o registro de valores pagos a título de res sperata como ativo do
locatário, cuja contabilização deve dar-se como custo ou despesa corrente.
O conceito de Fernando Albino de Oliveira complementa ainda mais
a noção a respeito da res sperata:
Importância paga pelo lojista como retribuição pelos estudos técnicos procedidos pelo empreendedor do shopping, envolvendo pesquisas de mercado, estudos de viabilidade econômica, de projetos e de alocação do tenant mix, garantia de reserva de espaço e direito de participar da estrutura organizacional do shopping center.
175
O nome desse tipo de remuneração também pode variar. Mesmo
que conhecida desta forma em grande número de empreendimentos, a
expressão res sperata não é universalmente adotada. São comuns outras
denominações, como, por exemplo, a “CDU”, abreviação de “cessão de direito
de uso”. De todo modo, a natureza da verba não se altera.
Muito já se confundiu a res sperata com as tradicionais luvas. Tal
confusão, contudo, não procede. Luvas são comumente consideradas
adiantamento de aluguéis. A despeito da relativa controvérsia sobre seu 175
OLIVEIRA, Fernando Albino de. Shopping Centers: questões jurídicas. In RDT 45/169, 2005. p. 121.
119
conceito, a res sperata, definitivamente, não tem tal natureza de antecipação
de outras verbas do contrato.
As luvas têm como objetivo a percepção de determinada quantia
com a finalidade de compensar o aluguel baixo, por meio de adiantamento das
parcelas do aluguel.
Para Modesto Carvalhosa, “a exigência de tal pagamento é
plenamente lícita, posto tratar-se de remuneração pela cessão ao lojista da
parcela de fundo de comércio pertencente ao empreendedor”.176
Note-se que a legalidade das luvas era bastante discutida na
jurisprudência, ao passo que os tribunais pacificaram seu entendimento a
respeito da plena validade da cobrança da res sperata nas locações de
espaços comerciais em shopping centers.
BRASIL. TJSP. LOCAÇÃO. AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO CUMULADA COM COBRANÇA DE ALUGUÉIS. ALEGAÇÃO DE COBRANÇA ILEGAL DE RESERVA DE USO DE ÁREA. A cobrança de „luvas‟, na contratação originária, é perfeitamente admissível, limitada que está a proibição legal para a hipótese de renovação do contrato (art. 45 da Lei nº 8.245/91). As „luvas‟ constituem prestação diferenciada do aluguel e com finalidade distinta, e por isso não podem ser consideradas no âmbito da limitação do artigo 21 da Lei do Inquilinato” (TJSP - Apelação s/revisão n. 873093-0/8, Relator Des. Antonio Rigolin, negaram provimento, v.u., j. 18/10/2005). BRASIL. TJSP - Processo 0003893-27.2007.8.26.0269 - Apelação / Locação de Imóvel – Relator(a): Felipe Ferreira - Comarca: Itapetininga - Órgão julgador: 26ª Câmara de Direito Privado - Data do julgamento: 16/10/2013 - Data de registro: 17/10/2013 - Ementa: LOCAÇÃO DE IMÓVEIS. RENOVATÓRIA. 1. O contrato deve ser interpretado de forma a prestigiar a livre manifestação de vontade celebrada pelas partes, prevalecendo a regra do pacta sunt servanda, sob pena de enriquecimento indevido dos litigantes. 2. Perfeitamente cabível a cobrança de "luvas" se devidamente previsto o seu pagamento no início do contrato de locação. 3. Não comprovado pela locatária o exato cumprimento do contrato, de rigor a improcedência da ação. Inteligência do art. 71, II, da Lei 8.245/91. 4. Deve preponderar o valor fixado pelo magistrado, pois de forma equidistante e isenta de ânimo, bem aferiu o valor do locativo com base nas provas contidas nos autos e na realidade vivenciada pelas partes. Recursos improvidos. BRASIL. TJMG - Processo: Apelação Cível - 2.0000.00.503816-0/000 5038160-75.2000.8.13.0000 (1) - Relator(a): Des.(a) Dárcio Lopardi Mendes - Data de Julgamento: 12/05/2005 - Data da publicação da
176
CARVALHOSA, Modesto. Considerações sobre relações jurídicas em shopping center. In: PINTO, Roberto Wilson Renault, OLIVEIRA, A. Albino de. Shopping center – Questões jurídicas: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Editora Saraiva, 1991. p. 175.
120
súmula: 04/06/2005 - Ementa: SHOPPING CENTER - LOJA - LOCAÇÃO - CESSÃO DE DIREITO DE INTEGRAR ESTRUTURA TÉCNICA - RES SPERATA - RESCISÃO DE CONTRATO - DEVOLUÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - Não deve ser devolvido o valor pago pelo lojista, a título de remuneração da cessão de direito de integrar estrutura técnica do shopping center, res sperata, se não houve previsão legal ou contratual para o referido ato.
Neste sentido, é certo que a jurisprudência vem admitindo a
cobrança da res sperata quando do ingresso do lojista no shopping center.
Todavia, não é devida a cobrança de res sperata na renovação compulsória do
contrato de locação, por meio de ação renovatória.177
Caso o lojista permaneça inerte e não ingresse com a referida ação
no prazo previsto em lei ou não preencha os demais requisitos legais, a
renovação somente poderá ocorrer na esfera negocial, momento em que o
locador poderá exigir o pagamento de nova res sperata.
7.8 Cláusula de raio e cláusula de exclusividade
Cláusula de raio é aquela na qual o locatário de um espaço
comercial se obriga, perante o locador, a não exercer atividade idêntica à
praticada no imóvel objeto da locação em outro estabelecimento comercial
situado a uma determinada distância daquele imóvel.
As restrições serão quanto: (i) às partes contratantes; (ii) a outras
sociedades sujeitas a um mesmo controle; (iii) ao tipo de empreendimento; e
(iv) do local do imóvel, entre outras.
177
BRASIL. TJMG. Processo: Apelação Cível - 1.0702.08.454935-2/002 4549352-12.2008.8.13.0702 (1) - Relator(a): Des.(a) Tiago Pinto - Data de Julgamento: 30/08/2012 - Data da publicação da súmula: 06/09/2012 - Ementa: EMENTA: APELAÇÃO - RESCISÃO CONTRATUAL - LOCAÇÃO NÃO RESIDENCIAL - CENTRO COMERCIAL - CARACTERIZAÇÃO - "LUVAS" - COBRANÇA - CONTRATO INICIAL - POSSIBILIDADE. Nos termos do art. 35 da Lei n. 8.245/91 (Lei de Locação) e consoante entendimento jurisprudencial do STJ, não é proibida a cobrança de "luvas" no contrato inicial de locação comercial, mas apenas quando da sua renovação. ... EMENTA (VOGAL): APELAÇÃO. SHOPPING CENTER. RES SPERATA. REEMBOLSO. NÃO CABIMENTO. A res sperata visa garantir reserva de espaço e direito ao locatário de participar de toda estrutura organizacional do centro comercial e/ou shopping center. Indevida a devolução dos valores pagos a título de cessão do direito de participação e integração na estrutura técnica de shopping center (denominado por res sperata).
121
Embora seja, não apenas no Brasil, conhecidas por sua utilização
em contratos de locação de shopping centers, as cláusulas de raio precedem a
existência desse tipo específico de organização. A origem das cláusulas de raio
remonta à depressão econômica dos anos 30 do século passado, nos Estados
Unidos, quando proprietários de imóveis passaram a admitir o pagamento de
aluguéis calculados com base na receita bruta dos locatários, seja como forma
de atrair lojas de departamento para áreas menos valorizadas das cidades,
seja como meio de reduzir as despesas fixas do comerciante em dificuldades.
Como fundamento para o empreendedor, as cláusulas de raio foram
incluídas em tais contratos de locação para proteger a integridade do aluguel
percentual contra a possibilidade de desvio do faturamento pelo locatário para
outro estabelecimento idêntico, impedindo que a base de cálculo do aluguel
pactuado fosse negativamente afetada pela existência de uma loja similar –
operada pelo mesmo comerciante – a poucos metros de distância.
A fixação do aluguel em bases percentuais – sem restrições quanto
à abertura de outros estabelecimentos – daria ao lojista o poder de reduzir
unilateralmente a base de cálculo e, consequentemente, o valor da
remuneração a que o locador teria direito.
Assim, em contrapartida ao risco assumido pelo locador, ao vincular
sua própria remuneração ao faturamento percebido pelo locatário, este se
obrigaria a concentrar seus maiores esforços no sucesso do estabelecimento
locado.
Quando, na década de 1950, os primeiros shopping centers
surgiram, nos Estados Unidos, tendo como uma de suas características
essenciais a adoção generalizada do aluguel calculado em bases percentuais,
as cláusulas de raio logo foram incorporadas a seus contratos de locação e
passaram a estar presentes nos respectivos modelos de contratos, tão comuns
naquele país.
Já as cláusulas de exclusividade estabelecem restrição a que o
locatário inaugure estabelecimento similar em outros shopping center,
independentemente de sua distância para o empreendimento onde tal cláusula
é contratada. Mais uma vez, a redação dessas cláusulas varia caso a caso,
seja no que toca às partes que estariam a elas subordinadas (que podem ser
apenas as partes contratantes, ou podem vincular outras sociedades sujeitas a
122
um mesmo controle), seja no que toca à amplitude da restrição, que pode se
referir genericamente a shopping centers em uma localidade, pode ser restrita
a algum tipo de empreendimento, ou pode se limitar a alguns shopping centers
específicos.
Hoje em dia se reconhece que as cláusulas de exclusividade –
assim como as cláusulas de raio – visam não apenas a garantir a integridade
do aluguel variável, mas, também, a preservar a força atrativa de cada lojista
para o shopping center.
O empreendedor do shopping center aplica no empreendimento,
além dos recursos financeiros para sua construção física, uma determinada
técnica, apoiada em estudos do mercado, que consiste desde o projeto de
viabilidade do empreendimento até na seleção e distribuição de lojas e
atrações com características variadas, capazes de gerar uma reunião de
fatores que potencialize os resultados de cada loja e do empreendimento como
um todo. Essa combinação de lojas e atrações no interior de um shopping
center é usualmente chamada de tenant mix.
Os estudos de mercado para o desenvolvimento do tenant mix
levam em consideração as necessidades e pretensões dos consumidores em
um determinado raio de distância do shopping center. Definido esse primeiro
público-alvo, necessário à verificação da própria viabilidade econômica do
empreendimento, procura-se suprir as suas deficiências, integrando no tenant
mix lojas, atrações e entretenimento capazes de atender às demandas dos
consumidores naquela região e, assim, atraí-los para o shopping center.
Esse procedimento serve tanto para a seleção das chamadas “lojas-
âncora” (aquelas lojas maiores, com potencial para atrair um grande público)
quanto para as lojas menores (as “lojas-satélite”).
O objetivo dessa organização é instigar que tanto os grandes
estabelecimentos quanto os pequenos comerciantes, aproveitem-se de uma
parcela do público e do esforço de promoção dos demais estabelecimentos
comerciais e das demais atrações do shopping center e, em contrapartida,
contribuam para o sucesso dos demais estabelecimentos como um todo. Cada
estabelecimento comercial tem atuação de duas faces, “dando” público para as
demais lojas e “recebendo” público delas.
123
Naturalmente, se o mesmo comerciante tem lojas similares a uma
curta distância uma da outra, ou em diferentes shopping centers concorrentes,
este perde força como fator de diferenciação do centro comercial e,
consequentemente, a sua capacidade de atrair consumidores para o
empreendimento diminui.
Além disso, especificamente no caso das cláusulas de
exclusividade, sua estipulação, muitas vezes, é uma contrapartida ao especial
empenho do empreendedor em atrair lojistas de outras praças – inclusive
grandes marcas internacionais – para seu empreendimento, como forma de
distingui-lo, funcionando a cláusula como um antídoto, ainda que temporário,
contra a pasteurização do tenant mix dos diversos shopping centers.
Não obstante, a utilização e a redação das cláusulas de raio e das
cláusulas de exclusividade nos contratos de locação de espaços comerciais em
shopping centers devem ser objeto de algumas cautelas.
Primeiramente, as restrições estabelecidas devem ser limitadas e
razoáveis. De acordo com as normas de defesa da concorrência aplicáveis
(atualmente, a Lei nº 8.884/94), podem ser consideradas abusivas cláusulas
restritivas da concorrência que tenham por objetivo ou efeito afastar a
concorrência ou impedir o seu florescimento em um determinado mercado,
assegurando a um determinado competidor uma posição de domínio sobre o
mercado que não decorre de suas qualidades e eficiências.
Caso uma cláusula de raio ou de exclusividade seja considerada
abusiva, além de nula, ela poderá dar ensejo à aplicação de algumas sanções,
incluindo penalidades pecuniárias substanciais por parte do Conselho
Administrativo de Defesa Econômica – CADE.
Nas oportunidades em que se pronunciou sobre o assunto, o CADE
vem considerando tais cláusulas ilícitas, por atentar contra a livre concorrência
e a livre iniciativa.
BRASIL. CADE. Nº do Processo: 08012.006636/1997-43 - Tipo de Processo: Processo Administrativo - Lei 8884/1994 - Conselheiro Relator: Luis Fernando Rigato Vasconcellos - Mercado: Serviços de Lazer e Turismo - Recebimento do Original no CADE: 4/8/2005 0:00:00 - Órgão Formalizador: Secretaria de Direito Econômico - Data da Formalização: 16/10/1997. Síntese da Decisão no Plenário: O Plenário, por unanimidade, conheceu do presente Recurso de Ofício no presente Processo Administrativo, dando-lhe provimento,
124
considerando, por maioria, a Representada, como incursa no art. 20, inciso I c.c. o art. 21, inciso IV e V, da Lei nº 8.884/94, condenando-a ao pagamento de multa no valor equivalente a 2% (dois por cento) do seu faturamento bruto anual, determinando, ainda, a imediata cessação da prática, além de outras determinações, tudo nos termos do voto do Relator, o qual acolheu requerimento do MPF, no sentido de que seja oficiada a SDE, a fim de que seja promovida investigação sobre a prática de cláusula de raio pelos demais Shoppings Centers que integram o mesmo mercado relevante do Iguatemi (Eldorado, Morumbi, Jardim Sul, Villa-Lobos e Higienópolis). Vencido o Conselheiro Sicsú.
Com relação aos julgados do Poder Judiciário, os seguintes
acórdãos merecem ser citados:
BRASIL. TJSP. Apelação n° 477.739-0 – 10ª Câmara do 2° Tribunal de Alçada Cível de São Paulo: Concedeu o despejo de locatário que violou cláusula contratual que lhe impedia de abrir loja em um raio de dois mil e quinhentos metros de distância do shopping center. Para o acórdão, a cláusula de raio em shopping center seria válida e não representaria ofensa seja aos arts. 1°, IV e 173, § 4° da Constituição Federal, seja ao disposto na Lei n° 8.884/94.
BRASIL. TJSP. Apelação n° 465.935-0/SP – 5ª Câmara do 2° Tribunal de Alçada Cível de São Paulo: Admitiu a validade de cláusula de raio por toda a duração do contrato de locação, reconhecendo que esta “guarda pertinência com o sistema especial de locação de espaços em centros comerciais”. Para o acórdão, a cláusula decorreria da liberdade de contratar, não eliminaria a concorrência nem possibilitaria o aumento arbitrário de lucros.
Salienta-se que o último dos acórdãos foi confirmado pelo Superior
Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n° 123.847/SP. Em que
pese o Superior Tribunal de Justiça não ter apreciado o mérito do recurso, o
voto do Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro trata do tema da validade das
cláusulas de raio, desde que em limites razoáveis. Após afirmar que, em um
shopping center, “todos os locatários se aproveitam da prestação de serviços,
da área de alimentação, das comemorações, de lançamentos de prêmios para
estimular as vendas”, a cláusula de raio que estabelece um limite de dois mil
metros é tida como válida, considerando as características do local em que
estabelecido o empreendimento (no caso, a cidade de São Paulo).
Sendo assim, a validade de tais cláusulas estará sempre
condicionada à razoabilidade das restrições pactuadas, sob pena de atentarem
125
contra a livre concorrência ou a livre iniciativa, constituindo, assim, ilícitos
contra a ordem econômica.
7.9 Proibição de cessão de uso da loja
É muito comum a vedação na relação firmada entre empreendedor e
lojista, na qual o locatário não poder ceder, sublocar, emprestar ou transferir
qualquer outra forma a loja no qual está instalado, sem o prévio consentimento
do empreendedor.
Trata-se de determinação válida de acordo com os dizeres de Verri:
O empreendedor prescinde de organizar a localização das lojas do mesmo, uma vez que, como já afirmado, a disposição das lojas é toda planejada. Se um espaço que está sendo ocupado por uma loja de gêneros alimentícios for cedido para uma loja de roupas, pode não haver compatibilidade com o planejamento do shopping center. O lojista também deve ter características compatíveis com o nível do shopping center. A cessão pode afetar estes interesses.
178
Caso o entendimento fosse o contrário, seria posto em risco um dos
fatores fundamentais do shopping center, que é sua organização.
Já Ladislau Karpat condiciona a cessão da locação à anuência do
locador, assim concluindo:
É válida a cláusula que proíbe a cessão da locação, ou do ponto comercial, nos contratos de locação, sem a anuência do locador-empreendedor. Não está se proibindo a venda ou cessão, mas condicionando-a à anuência do locador. Este por seu turno, não poderá se opor injustificadamente a anuir a cessão, sob pena de responder por Perdas e Danos.
179
178
VERRI, Maria Elisa Gualandi. Shopping centers: aspectos jurídicos e suas origens. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 105.
179 KARPAT, Ladislau. Shopping Centers: manual jurídico. 2 ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 69.
126
A maioria dos doutrinadores confirma a validade da cláusula em
questão. Orlando Gomes é enfático em afirmar que a cláusula nesse sentido é
não só válida, como inerente às relações em shopping centers.180
Compreende-se, claramente, a finalidade da exigência dessa
cláusula, eis que o empreendedor não é um simples locador, mas sim uma
figura que participa com o planejamento, a administração e fiscalização do
empreendimento.
No mesmo sentido exposto acima, está aquela que não permite a
mudança do ramo de comércio do lojista, ou seja, a proibição de o lojista mudar
o objeto de seu comércio sem a prévia anuência do empreendedor. Referida
proibição deve ser considerada válida, em função da manutenção da harmonia
do tenant mix do shopping center.
7.10 Taxa de transferência da locação
A cobrança de certa verba, em caso de transferência da locação,
está relacionada à atribuição do empreendedor/gestor de zelar pelo tenant mix
do shopping center.
São encargos que só são devidos quando o lojista, em decisão
unilateral, desiste da exploração de sua loja e passa a ter interesse na cessão
do contrato ou na sublocação da área alugada a um terceiro, equiparando-se à
cessão da locação a transferência de controle societário do locatário pessoa
jurídica, quando houver cláusula contratual nesse sentido.
A cobrança de encargos na cessão ou sublocação de contratos
pelos lojistas não constitui uma invenção brasileira, havendo indícios de sua
aplicabilidade em manifestações doutrinárias de Portugal e dos Estados
Unidos.
180
No mesmo sentido, Orlando Gomes (Op. cit. Shopping centers – Aspectos jurídicos, op. cit., p. 107); Caio Mário da Silva Pereira (op. cit. In: Shopping centers – Aspectos jurídicos, op. cit., p. 83), afirmando que a cláusula é válida e cogente; Rubens Requião (op. cit. In: Shopping centers – Aspectos jurídicos, op. cit., p. 151); Ladislau Karpat (op. cit., p. 73); Alfredo Buzaid (Da ação renovatória. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 668); Dinah Sonia Renault Pinto (op. cit., p. 60) e José da Silva Maquieira (Shopping centers – Antigas e novas apreciações. In: Shopping centers – Questões jurídicas, op. cit., p. 145).
127
A cessão contratual ou sublocação de lojas é largamente utilizada
nos Estados Unidos, com uma contrapartida em favor do empreendedor, de
acordo com os mais diversos critérios de negociação pelas partes.
Há casos em que o valor do ponto comercial cedido pertence
exclusivamente ao empreendedor, outros em que é destinado ao lojista
cedente e ainda situações em que a verba é rateada entre ambos, nas mais
variadas proporções e condições. A matéria é orientada pela liberdade de
contratar.
Importante ressaltar que esse tipo de encargo pode, eventualmente,
nem mesmo representar fonte de lucro para os empreendedores, quando se
presta apenas a reembolsá-los dos custos com a seleção de um novo lojista,
referentes, entre outros aspectos, à procura de candidato adequado ao tenant
mix do shopping center, ao estudo de sua experiência e aptidão empresarial e
à verificação de sua idoneidade financeira e de seu fiador.
Por fim, acrescenta-se que, sendo o contrato lei entre as partes,
consta da Lei de Locações que o empreendedor não está obrigado a aceitar a
cessão da locação (art. 13 da Lei de Locações)181, competindo ao lojista que
deseja devolver a loja antes do término do prazo contratual pagar multa
prevista para essa finalidade, sabendo-se ainda que, quando incidente a taxa
de transferência, não se aplica, em regra, a multa por rescisão antecipada da
locação.
7.11 Multa por devolução antecipada da loja
O art. 4º da Lei de Locações estabelece o seguinte:
Art. 4º - Durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá o locador reaver o imóvel alugado. Com exceção ao que estipula o § 2o do art. 54-A, o locatário, todavia, poderá devolvê-lo,
181
Art. 13. A cessão da locação, a sublocação e o empréstimo do imóvel, total ou parcialmente, dependem do consentimento prévio e escrito do locador.
§ 1º Não se presume o consentimento pela simples demora do locador em manifestar formalmente a sua oposição.
§ 2º Desde que notificado por escrito pelo locatário, de ocorrência de uma das hipóteses deste artigo, o locador terá o prazo de trinta dias para manifestar formalmente a sua oposição.
128
pagando a multa pactuada, proporcional ao período de cumprimento do contrato, ou, na sua falta, a que for judicialmente estipulada.
A multa pela devolução antecipada de uma loja em shopping center
deve ser vista em perspectiva distinta daquela referente à loja de rua. Com
efeito, na locação em shopping center o lojista integra uma coletividade, de
maneira que sua decisão unilateral de retirar-se do grupo, antes do prazo
combinado, deve ser desestimulada, em função do valor da penalidade.
A jurisprudência, em caso de descumprimento das condições
avençadas (pacta sunt servanda), entende que o locatário terá que pagar a
multa convencionada.182
É fato que a lei confere ao Judiciário a possibilidade de redução da
multa caso seu valor se mostre excessivo. Justo por isso é recomendável que
os instrumentos contratuais contenham estipulação motivando o valor da multa,
até para impedir, por exemplo, que um lojista que tenha celebrado contrato de
cinco anos decida, após “experimentar” o shopping center em curtíssimo
período, abandonar o conjunto de lojistas, pagando multa irrisória, como seria a
de três alugueis, no âmbito desse segmento.
A fundamentação da estipulação da multa evita a sua redução, com
base no seguinte preceito do Código Civil:
Art. 413. A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.
182
BRASIL. STJ. Processo REsp 331365 / MG RECURSO ESPECIAL 2001/0081461-4 Relator(a) Ministro JORGE SCARTEZZINI (1113) Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA Data do Julgamento 09/04/2002 Data da Publicação/Fonte DJ 20/05/2002 p. 179 RNDJ vol. 31 p. 131 RSTJ vol. 160 p. 503 Ementa CIVIL - RECURSO ESPECIAL - LOCAÇÃO COMERCIAL - SHOPPING CENTER - DEVOLUÇÃO ANTECIPADA DO IMÓVEL - MULTA - LEI Nº 8.245/91 (ART. 4º) - ARBITRAMENTO JUDICIAL - POSSIBILIDADE. 1 - É remansoso na doutrina que se permite ao inquilino a restituição do prédio locado, antes do termo final estipulado no contrato de locação. Para isso, a título de indenização do prejuízo que teve o locador, bem como pela falta de cumprimento das condições avençadas (pacta sunt servanda), o locatário terá que pagar a multa convencionada ou, se não houver acordo neste aspecto, a fixada em juízo, mediante arbitramento judicial. No caso concreto, tendo a 1a. e 2a. Instâncias afirmado que não há multa pactuada, caberia a uma destas fixá-la por decisão judicial. Inteligência do art. 4º, da Lei nº 8.245/91. 2 - Recurso conhecido e provido para, reformando o v. acórdão de origem, determinar que seja arbitrada e aplicada aos recorridos, pela Instância Ordinária, a multa estabelecida no artigo legal violado.
129
A natureza e finalidade da multa em questão têm o legítimo
propósito de dar estabilidade ao mix de lojas, com prestígio aos prazos
livremente pactuados, segundo planejamentos técnicos determinantes do
sucesso do empreendimento, em proveito do empreendedor e da totalidade da
comunidade de lojistas.
7.12 A remuneração unificada (aluguel e encargos)
Não é comum, mas existem alguns contratos de locação em
shopping centers com cláusulas que estipulam que a contraprestação pela
posse da loja corresponda a um montante que não discrimine aluguel e
encargos da locação. Praticam o que se convencionou chamar de contribuição
mínima e contribuição percentual.
Em casos tais, é recomendável que as regras contratuais permitam
distinguir a parcela da verba que corresponderá a aluguel e aquela que
corresponderá à contribuição para o rateio das despesas, de maneira a facilitar
o trâmite da revisão judicial do aluguel, nas hipóteses legais, ainda que se
saiba que, mesmo à falta de cláusula da espécie, o Judiciário tem realinhado
os valores contratuais, com auxílio das técnicas da engenharia de avaliações.
Vale ainda ponderar que, uma vez adotado o regime de contribuição,
o natural é que o concurso do respectivo lojista para o rateio de despesa seja
regulado pelo regime atípico de contribuições caso o respectivo shopping
center pratique o sistema CRD – Coeficiente de Rateio de Despesas -, já
aludido no item 7.4.
130
8 NORMAS PROCESSUAIS - O DESPEJO. DIFERENTES HIPÓTESES.
PRESSUPOSTOS DO DESPEJO LIMINAR
Sem pretender esgotar o assunto, abordaremos as principais
características processuais da Lei de Locações acerca da relação entre
empreendedor e lojista.
A Lei de Locações (Lei nº 8.245/91), seguindo a tradição das leis
que a antecederam, determina que “seja qual for o fundamento do término da
locação, a ação do locador para reaver o imóvel é a de despejo” (art. 5º).
Ademais, o próprio Superior Tribunal de Justiça reafirma esse entendimento.183
Trata-se da via judicial através da qual o locador retoma o imóvel alugado, seja
em função do término do prazo contratual, do inadimplemento de obrigações
locatícias, ou de qualquer outra hipótese prevista em lei, também por vezes
designada “desalijo”.
O despejo em si consiste no ato processual de cumprimento de
sentença ou liminar, levado a efeito quando o locatário se recusa a desocupar
o imóvel, voluntariamente, no prazo que lhe foi determinado pelo juiz.
Nas locações em shopping centers, as principais causas do despejo
são as infrações contratuais, sobretudo a falta de pagamento de aluguéis e
encargos, e a denúncia vazia, cabível nas locações que tenham atingido o seu
termo final e que não estejam sujeitas à renovação compulsória, seja por não
183
BRASIL. STJ. Processo REsp 424936 / SP RECURSO ESPECIAL 2002/0039878-0 Relator(a) Ministro GILSON DIPP (1111) Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA Data do Julgamento 15/03/2005 Data da Publicação/Fonte DJ 04/04/2005 p. 335 RDR vol. 31 p. 452 Ementa LOCAÇÃO - ESPAÇO EM "SHOPPING CENTER" - TAXATIVIDADE DO ELENCO DO § ÚNICO DO ART. 1º DA LEI Nº 8.245/91 - CONSEQÜENTE APLICAÇÃO DA LEI DO INQUILINATO AO CONTRATO CELEBRADO - EXISTÊNCIA DE OUTROS DISPOSITIVOS QUE TRATAM EXPRESSAMENTE SOBRE A HIPÓTESE – AÇÃO CABÍVEL PARA A RETOMADA DA ÁREA - DESPEJO - LIMINAR CONCEDIDA NA AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE CASSADA - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. I - É taxativo o rol do art. 1º, § único da Lei nº 8.245/91. Se exemplificativo fosse, teria o legislador incluído, no texto do parágrafo transcrito, expressões que indicassem que as hipóteses ali elencadas não passam de elucidação de uma determinada espécie de locação, sobre a qual aplica-se tão somente a Lei Civil. Alternativamente, teria inserido alínea adicional, negando expressamente a natureza numerus clausus do dispositivo. II - A locação de espaço em "shopping center" não se encontra no elenco do supracitado dispositivo, devendo o pacto submeter-se à Lei do Inquilinato. III - Ademais, o art. 54 do mesmo Estatuto é claro quanto à sua aplicação nas relações entre lojistas e empreendedores daquele tipo de estabelecimento. IV - A ação cabível para a retomada do espaço locado - "stand" em "shopping center" - é a de despejo. V - Recurso conhecido e provido.
131
ter sido ajuizada a competente ação renovatória pelo locatário, seja porque o
contrato de locação foi celebrado por prazo indeterminado ou inferior a cinco
anos.
A execução do despejo, em regra, é resultado do cumprimento,
provisório ou definitivo, da sentença que decreta a rescisão do contrato de
locação, proferida nos autos da respectiva ação judicial, após a instrução do
processo, com a apresentação de defesa e, se for o caso, a produção das
provas que as partes e o juiz entenderem cabíveis. Ditas providências
processuais, cuja finalidade é fornecer ao julgador elementos de convicção
para o julgamento da causa, associadas às delongas inerentes aos trâmites
judiciais, na prática, podem arrastar uma ação de despejo de forma irrazoável.
Em função dessa possível demora, o legislador estabeleceu
situações específicas em que o locador pode reaver o imóvel liminarmente, ou
seja, logo após o ajuizamento da demanda, antes mesmo de dar ciência ao
locatário sobre a existência da ação de despejo.
O rol de situações passíveis de despejo liminar, previsto no art. 59, §
1º, incisos I a V da Lei de Locações, foi recentemente ampliado pela Lei nº
12.112/09, que acrescentou quatro novos incisos (VI a IX) ao elenco originário,
de modo a imprimir maior celebridade ao despejo naqueles casos em que a
rescisão do contrato, de antemão, revela-se inevitável.
No que interessa às locações em shopping center, têm aplicação as
hipóteses descritas nos seguintes incisos do § 1º do art. 59, da Lei nº 8.245/91:
I - o descumprimento do mútuo acordo (art. 9º, inciso I), celebrado por escrito e assinado pelas partes e por duas testemunhas, no qual tenha sido ajustado o prazo mínimo de seis meses para desocupação, contado da assinatura do instrumento; V - a permanência do sublocatário no imóvel, extinta a locação, celebrada com o locatário; VI – o disposto no inciso IV do art. 9º, havendo a necessidade de se produzir reparações urgentes no imóvel, determinadas pelo poder público, que não possam ser normalmente executadas com a permanência do locatário, ou, podendo, ele se recuse a consenti-las; VII – o término do prazo notificatório previsto no parágrafo único do art. 40, sem apresentação de nova garantia apta a manter a segurança inaugural do contrato; VIII – o término do prazo da locação não residencial, tendo sido proposta a ação em até 30 (trinta) dias do termo ou do cumprimento de notificação comunicando o intento de retomada; e IX – a falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação no vencimento, estando o contrato desprovido de qualquer das garantias
132
previstas no art. 37, por não ter sido contratada ou em caso de extinção ou pedido de exoneração dela, independentemente de motivo.
Verificados os requisitos acima, e desde que prestada caução
equivalente a três meses de aluguel, impõem a concessão de “liminar para
desocupação em quinze dias, independentemente da audiência da parte
contrária”.
A primeira hipótese se refere ao inquilino que descumpriu acordo
celebrado com o locador, para desocupar a coisa locada em prazo não inferior
a seis meses a contar da assinatura dessa transação, que deverá estar em
documento por ambos assinados e também por duas testemunhas.
Convém ao locador, portanto, ao firmar acordos extrajudiciais,
considerar a vantagem de fazê-lo na forma prescrita pelo inciso I, o que lhe
assegurará o direito de pleitear, em ação de despejo, a desocupação liminar do
imóvel, poupando-se, com isso, tempo e dinheiro.
O inciso V, por sua vez, regula hipótese de permanência do
sublocatário no imóvel quando extinta a locação celebrada com o locatário-
sublocador. Em tais casos, devido à natureza acessória da sublocação,
dissolvido o contrato principal e permanecendo o sublocatário no imóvel, deve
ele ser despejado liminarmente, sendo irrelevante a existência ou não de
anuência do locador em relação à sublocação.
O novo inciso VI versa sobre o despejo liminar diante da
necessidade de realização de reparações urgentes, determinadas pelo Poder
Público, que não possam ser executadas com o imóvel ocupado ou, podendo,
o locatário se recuse a consenti-las.
É compreensível que haja a possibilidade de concessão de liminar,
uma vez que se trata de imperiosa necessidade de serem efetuadas reformas
ou reparações urgentes, não a gosto do locador, mas ordenadas pela
autoridade pública.
Gildo dos Santos assegura que:
Provada essa determinação do Poder Público e, também, que o locatário não consente na realização das obras, ou é impossível leva-
133
las a efeito permanecendo ele no bem locado, é natural e justo que seja concedida liminar para que o inquilino desocupe o bem.
184
Na realidade, o inciso em foco simplesmente corrige imperfeição da
redação original da Lei de Locações, que, por um lapso, embora tenha feito
referência a tal situação como capaz de ensejar a rescisão do contrato (art. 9º,
inciso IV), com o consequente despejo, deixou de prever a possibilidade (na
verdade, a indispensabilidade) de desocupação liminar.
A rigor, mesmo não figurando no rol do § 1º do art. 59 da Lei de
Locações, o despejo liminar, na prática, sempre foi possível, não apenas diante
da inequívoca plausibilidade do direito invocado em ações de despejo fundadas
na aludida causa de pedir, mas também – e sobretudo – à vista do claro perigo
que a demora no processamento da ação poderia trazer, não apenas às partes,
mas também a terceiros, requisitos que, de plano, autorizam a concessão de
medida liminar.
É importante destacar que, uma vez despejado, não há possibilidade
de retorno do locatário ao imóvel, mesmo após a conclusão das obras, a não
ser mediante concordância do locador.
Também se verifica a possibilidade de despejo liminar quando o
fiador de contrato de locação em vigor por prazo indeterminado se exonera da
fiança prestada, nos casos permitidos por lei, desde que o locatário, notificado
para apresentar nova garantia, não o faça no prazo legal de 30 dias, na forma
do inciso VII.
Em tais situações, a autorização para o despejo em sede liminar tem
como finalidade minimizar os riscos de prejuízo para o locador por conta de
eventual inadimplência do locatário, já que o contrato originariamente garantido
estará desprovido de fiador, circunstância que recomenda, em caso de não
apresentação de nova garantia, o pronto despejo do inquilino.
No entanto, Gildo dos Santos faz dura crítica aos termos do inciso
VII, inserido pela Lei nº 12.112/09, que, conquanto legal, se afigura violenta,
nos seguintes termos:
184
SANTOS, Gildo dos. Locação e despejo. Comentários à Lei 8.245/91. 7 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 426.
134
Imaginemos uma locação antiga, durante a qual jamais houve atraso no pagamento do aluguel e acessórios, tendo o próprio locatário bens suficientes para garantir as obrigações que assumiu: seria o caso, ainda assim, de se deferir medida liminar, sem antes, o menos, ouvir o inquilino? O direito está para servir aos homens, e não os homens servirem ao direito.
O tempo dirá como os Pretórios vão decidir a respeito do tema.
A nova lei também incluiu importante previsão de desocupação
liminar nos despejos por denúncia vazia (inciso VIII), bastante comuns em
shopping centers. Pela redação antiga, não se admitia a concessão de liminar
em tais ações, as quais, mesmo contando, em regra, com grande probabilidade
de êxito, precisavam aguardar a sentença, para só então ser objeto de
execução, definitiva ou provisória, conforme o caso.
De acordo com o novo dispositivo, pode o locador, nos 30 dias que
se seguirem ao termo final do contrato, ajuizar ação de despejo por denúncia
vazia, com pedido de liminar, bastando, para tanto, fazer prova de que o
contrato é de natureza não residencial e que a ação foi proposta dentro do
prazo legal de 30 dias, sendo desnecessária a notificação prévia do locatário,
comunicando a intenção de retomada.
Caso o locatário permaneça no imóvel por mais de 30 dias após o
término da locação, em oposição do locador, a locação passa a vigorar por
prazo indeterminado, o que igualmente autoriza o despejo liminar, desde que o
locatário seja previamente notificado acerca do interesse na devolução do
imóvel e não o desocupe voluntariamente em 30 dias. Permanecendo no
imóvel, o locatário estará sujeito ao despejo liminar, o qual deverá ser
requerido pelo locador mediante o ajuizamento da competente ação, em até 30
dias contados do término do prazo fixado na notificação premonitória.
É imperioso, portanto, que o locador acompanhe atentamente os
prazos para desocupação voluntária e ajuizamento da ação de despejo por
denúncia vazia, na medida em que a omissão quanto à propositura da
demanda dentro do prazo legal, compromete o direito ao despejo liminar, o que
não afeta, contudo, o direito à propositura de ação e posterior execução,
provisória ou definitiva.
135
Finalmente, o inciso IX da Lei de Locações previu a possibilidade de
despejo liminar nos casos em que a ação tiver por fundamento “a falta de
pagamento de aluguel e acessórios da locação no vencimento, estando o
contrato desprovido de qualquer das garantias previstas no art. 37, por não ter
sido contratada ou em caso de extinção ou pedido de exoneração dela,
independentemente de motivo.”
Por meio do inciso acima reproduzido, o legislador teve o propósito
de imprimir maior celeridade ao despejo do locatário inadimplente nas
hipóteses em que o contrato de locação a ser rescindido esteja desprovido de
garantia. De outra parte, contudo, facultou ao locatário a possibilidade de
“evitar a rescisão da locação e elidir a liminar de desocupação se, dentro dos
15 (quinze) dias concedidos para a desocupação do imóvel e
independentemente de cálculo, efetuar depósito judicial que contemple a
totalidade dos valores devidos, na forma prevista no inciso II do art. 62”.
Como se vê, o pagamento do débito que ensejou o ajuizamento da
ação, dentro do prazo assinado para a desocupação liminar, evita a rescisão
do contrato, assegurando ao lojista que eventualmente passou por dificuldades
o direito de contornar o despejo, desde que purgue a sua mora, ou seja, pague
tudo que deve.
Há pertinente observação de Luiz Antonio Scavone Júnior a respeito
dessa questão:
Pensamos que o juiz poderá, desde logo, ao determinar a citação, conceder a liminar e condicionar a sua eficácia à ausência do aludido depósito previsto no novel § 3º, de tal sorte que o locatário já será citado e informado da concessão da liminar caso não deposite o valor devido no prazo de quinze dias contados da própria citação.
185
É importante destacar, contudo, que tal faculdade não pode ser
utilizada pelo locatário de modo indiscriminado, estando, pois, subordinada a
regra do parágrafo único do art. 62 da Lei de Locações, segundo a qual não
“Não se admitirá a emenda da mora se o locatário já houver utilizado essa
faculdade nos 24 (vinte e quatro) meses imediatamente anteriores à
propositura da ação”. Trata-se da proibição do abuso do direito de purga da 185
SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antonio. Comentários às alterações da Lei do Inquilinato. 4. tir. São Paulo: Ed. RT, 2010. p. 81.
136
mora, impedindo-se a prática da “administração de inadimplência”. Do
contrário, o legislador estaria premiando o locatário inadimplente com a
possibilidade de frustrar o despejo liminar de acordo com a sua conveniência,
inclusive beneficiando outros credores em detrimento do locador.
O exemplo do disposto no inciso VII acima comentado (referente à
exoneração da fiança), o legislador buscou, com o inciso IX, simplificar o
processo de recuperação do imóvel, como forma de compensar a ausência de
garantia do contrato, dando um importante passo para a desburocratização na
celebração de contratos de locação e no despejo de espaços comerciais.
Considerando que a demora na retomada de lojas situadas em
shopping centers é fonte de prejuízos de dificílima recuperação até mesmo
quando se está diante de relação contratual garantida por fiança, o novo inciso
vem suscitando o seguinte questionamento: ainda convém ao locador exigir do
locatário um fiador ou outra garantia qualquer?
Embora não exista resposta certa ou errada para a indagação
acima, não seria absurdo sustentar que o mais vantajoso seria trocar a
insegurança de uma garantia que, na maioria das vezes, nada garante pela
segurança de contar com a importante prerrogativa processual de despejo
liminar, sobretudo quando se sabe que o pagamento integral do débito é a
única forma de evitar a desocupação imediata.
De toda sorte, a dispensa de garantia é decisão que pode – e deve –
ser precedida de cuidadosa reflexão, caso a caso, levando-se em conta, entre
outros fatores, as prioridades do locador e as peculiaridades do locatário.
Poderá ser recomendável a dispensa de garantia se o interesse maior for o de
rápida retomada. Diversamente, a garantia poderá ser desejável caso se
pretenda mais segurança na recuperação do crédito. Nessa ponderação,
sempre convirá analisar a idoneidade financeira do fiador e também do
locatário. Por óbvio, quanto maior for a capacidade de pagamento do inquilino,
menor será a necessidade de contratação da garantia.
Por fim, convém alertar que, embora a maioria das liminares
pleiteadas com base nos novos incisos da Lei de Locações venha sendo
concedida, seja em primeira instância ou em sede recursal, a interpretação
acerca das novas hipóteses de despejo liminar ainda não se encontra
sedimentada pela jurisprudência, de modo que apenas o tempo determinará a
137
forma como o Judiciário aplicará as disposições em comento às causas que lhe
forem submetidas.
8.1 Ação renovatória da locação. Objetivo e pressupostos
O Brasil preservou a figura da renovação compulsória da locação,
criada aqui pela conhecida “Lei de Luvas”, de 1.934, em pleno governo Vargas.
Com o objetivo de proteger o fundo de comércio186 constituído pelo
lojista, a norma de 1.934, seguida pela Lei nº 8.245/91, estabeleceu que o
locatário tem direito a renovar sua locação por igual período, desde que
preencha certos requisitos, tais como a existência de contrato escrito com
prazo determinado igual ou superior a cinco anos, exercício ininterrupto do
mesmo ramo de comércio por ao menos três anos, entre outros.
Desde então, o legislador perseguiu a valorização do trabalho do
locatário, resguardando o fruto de seu esforço, assegurando-lhe a possibilidade
de continuação no seu ponto comercial.
João Carlos Pestana de Aguiar expressa sua opinião acerca de
assunto de forma bastante lúcida:
É o direito ao pedido de renovação do contrato de locação que confere ao fundo de comércio do locatário, pela possibilidade de seu longo tempo de permanência no local, maior estabilidade e valor. O fundo só se acha protegido e até mesmo passa a existir como propriedade incorpórea economicamente apreciável, quando o contrato se encontra sob o amparo de lei locatícia, para efeito de sua renovação compulsória.
187
186
BRASIL. STJ. Processo REsp 189380 / SP RECURSO ESPECIAL 1998/0070290-3 Relator(a) Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO (1084) Órgão Julgador T6 - SEXTA TURMA Data do Julgamento 20/05/1999 Data da Publicação/Fonte DJ 02/08/1999 p. 228 JSTJ vol. 9 p. 442 RTJE vol. 176 p. 328 Ementa RESP - COMERCIAL - LOCAÇÃO PREDIAL - SHOPPING CENTER - FUNDO DE COMÉRCIO - O fundo de comércio, instituto judicial no Direito Comercial, representa o produto da atividade do comerciante, que com o passar do tempo, atrai para o local, onde são praticados atos de mercancia, expressão econômica; com isso, o - ponto - para usar nomem iuris nascido informalmente nas relações do comércio, confere valor próprio ao local. Evidente, ingressa no patrimônio do comerciante. Aliás, mostram as máximas da experiência, a locação e o valor de venda sofrem alterações conforme a respectiva expressão. Daí, como se repete, há locais nobres e locais de menor expressão econômica. Em regra não sofre exceção quando se passa nas locações em Shopping Center. Sem dúvida, a proximidade do estabelecimento com outro, conforme a vizinhança, repercutirá no respectivo valor.
187 AGUIAR, João Carlos Pestana de. O fundo de comércio e os shopping centers. In: Shopping centers – Aspectos jurídicos. São Paulo: RT, 1984. p. 195.
138
A França possui sistema protecionista assemelhado. Porém, embora
o sistema francês consagre o direito à renovação, o locador tem a faculdade de
retomar o imóvel, desde que indenize o locatário, hipótese não prevista no
direito brasileiro.
Conta Bessone que “nasceu em Paris, nas três primeiras décadas
do século, a proteção a um bem incorpóreo – a clientela do comerciante – e,
por motivos menos claros, também a bens corpóreos – as custosas instalações
da indústria”. Explica que “uma Lei de 17 de março de 1909 aludiu, pela
primeira vez, à propriété commerciale”, tendo nas décadas seguintes formulado
a Câmara dos Deputados e o Senado debates e projetos de lei sobre o
tema.188
E entre os múltiplos tratamentos que se poderia dar ao tema, um
deles foi protetivo. Com efeito, percebeu-se, como lembra Buzaid, que “o valor
incorpóreo do fundo de comércio se integra em parte no valor do imóvel,
trazendo destarte pelo trabalho alheio benefícios ao proprietário”, não sendo
justo “atribuir exclusivamente ao proprietário tal quota de enriquecimento, em
detrimento, ou melhor, com o empobrecimento do inquilino, que criou o valor,
porque tal situação valeria por um locupletamento condenado pelo direito
moderno”. 189
Eis o fundamento da chamada ação renovatória, através da qual o
comerciante-locatário pleiteia, judicialmente, a continuidade da relação
contratual locatícia, independentemente da vontade do locador. Protege-se,
assim, esse bem incorpóreo, mas jurídico, que é a clientela formada com o seu
trabalho e que é um dos elementos que compõe o seu fundo de comércio.
Ademais, garante-se-lhe estabilidade jurídica suficiente para investir em seu
negócio.
Verri entende “existir um fundo de comércio tanto do lojista quanto
do empreendedor”, o que “serve como uma das bases para a afirmação de que
o lojista de shopping center tem, efetivamente, direito à ação renovatória”.190
188
BESSONE, Darcy. Renovação de locação. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 3. 189
BUZAID, Alfredo. Da ação renovatória. 2. ed. São Paulo: Saraiva,1981. p. 174. 190
VERRI, Maria Elisa Gualandi. Shopping centers: aspectos jurídicos e suas origens. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 111.
139
O art. 51 da Lei de Locações prevê o direito à renovação do contrato
de locação de imóvel destinado ao comércio ou à indústria (§ 4º), enquanto o
art. 71 da mesma lei trata do exercício desse direito mediante a propositura da
ação renovatória.
Afinal, uma coisa é o direito à renovação, o direito à revisão, o direito
à rescisão do contrato; outra é o exercício desses ou de outros direitos. O
direito à renovação é atuado pelo exercício desse direito, por meio da ação
renovatória.
A petição inicial da ação renovatória será instruída com os requisitos
constantes nos incisos191 do art. 71 da Lei nº 8.245/91, além dos demais
requisitos exigidos no art. 282 do Código de Processo Civil.
Com a petição inicial da renovatória, o autor deverá juntar o contrato
de locação a renovar, o que significa afirmar que seja escrito, com prazo certo
de, pelo menos cinco anos, ou ainda, que a soma do tempo desse e de
contratos anteriores atinja, ao menos, cinco anos, desde que esses ajustes
sejam escritos, sucessivos e ininterruptos.
Gildo dos Santos afirma que: “está, pois, definitivamente consagrada
na atual lei a chamada accessio temporis, isto é, a soma do tempo dos
contratos a fim de assegurar o direito à renovação.”192
191
Art. 71. Além dos demais requisitos exigidos no art. 282 do Código de Processo Civil, a petição inicial da ação renovatória deverá ser instruída com:
I - prova do preenchimento dos requisitos dos incisos I, II e III do art. 51; II - prova do exato cumprimento do contrato em curso; III - prova da quitação dos impostos e taxas que incidiram sobre o imóvel e cujo pagamento
lhe incumbia; IV - indicação clara e precisa das condições oferecidas para a renovação da locação; V – indicação do fiador quando houver no contrato a renovar e, quando não for o mesmo,
com indicação do nome ou denominação completa, número de sua inscrição no Ministério da Fazenda, endereço e, tratando-se de pessoa natural, a nacionalidade, o estado civil, a profissão e o número da carteira de identidade, comprovando, desde logo, mesmo que não haja alteração do fiador, a atual idoneidade financeira;
VI - prova de que o fiador do contrato ou o que o substituir na renovação aceita os encargos da fiança, autorizado por seu cônjuge, se casado for;
VII - prova, quando for o caso, de ser cessionário ou sucessor, em virtude de título oponível ao proprietário.
Parágrafo único. Proposta a ação pelo sublocatário do imóvel ou de parte dele, serão citados o sublocador e o locador, como litisconsortes, salvo se, em virtude de locação originária ou renovada, o sublocador dispuser de prazo que admita renovar a sublocação; na primeira hipótese, procedente a ação, o proprietário ficará diretamente obrigado à renovação.
192 SANTOS, Gildo dos. Locação e despejo. Comentários à Lei 8.245/91. 7 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 565.
140
Deve, ainda, o autor demonstrar que vem explorando o seu
comércio, no mesmo ramo, no triênio anterior à propositura da renovatória, sem
interrupções. Se forem interrompidas ou cessaram as atividades do locatário,
não tem ele direito a renovatória.
É imperioso que o locatário-autor tenha cumprido rigorosamente o
contrato, compreendendo-se nessa expressão o pontual pagamento do
aluguel, do prêmio de seguro durante todo o tempo do contrato, seguro esse
que, habitualmente, é contra incêndio, e que tenha se desincumbido de todas
as obrigações contratuais e legais, como a de cuidar do imóvel como se fosse
seu a de reparar danos que tenha provocado no prédio, a de conservá-lo em
perfeita ordem como o recebeu no início da locação.
Assim, deverá juntar, ao menos, o recibo de aluguel relativo ao mês
anterior à propositura da ação, até porque a quitação do último locativo
estabelece presunção de estarem solvidos os anteriores, bem como a apólice
de seguro do ano em curso, além das anteriores para se verificar que o prédio
sempre esteve segurado contra riscos de incêndio.
Deve também, indicar, de maneira mais objetiva possível, as
condições para a renovação do contrato, precisando dia, mês e ano de começo
e término, forma e índice de reajuste da renda, fiador com a devida e integral
qualificação, além da sua atual idoneidade financeira, seja ele pessoa física ou
jurídica.
O aluguel para o início da renovação deve ser indicado em moeda
legal, isto é, em Real, até porque vedada a sua estipulação em moeda
estrangeira ou vinculado a salário mínimo e variação cambial. O aluguel, como
ocorre tratando-se de lojas em shopping centers, pode ter um mínimo mensal
indicado em moeda corrente, e uma outra parte variável dependente do
movimento bruto ou líquido da empresa locatária.
Para Verri, “no momento da renovação, deve-se procurar ajustar sua
parcela fixa, para que esta condiga com a realidade”.193 Diniz discorda; para
ela, “as normas referentes à renovação compulsória das „locações‟ de lojas no
que atina à fixação do novo aluguel deveriam ser afastadas, pois o „aluguel‟ é
proporcional ao quantum do faturamento da loja, calculado sob forma
193
VERRI, Maria Elisa Gualandi. Shopping centers: aspectos jurídicos e suas origens. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 112.
141
percentual, maior nos meses em que a venda aumenta, menor quando cai”.
Assim, conclui, “o aluguel percentual deverá ficar inalterado, o mesmo
ocorrendo com o aluguel mensal mínimo”.194 A afirmação de Diniz parece-me
correta no alusivo ao denominado “aluguel percentual” pois, não se trata de um
aluguel, mas de remuneração do empreendedor/administrador.
A forma de reajustar o locativo também deve ser fornecida, seja
quanto à periodicidade, seja quanto o indicador a que se submeterá essa
atualização. Em regra, tratando-se de renovatória, esses elementos repetem o
que a respeito deles consta do contrato em curso.
O autor da renovatória se for cessionário ou sucessor da locação,
deve instruir a petição inicial também com a respectiva prova da cessão ou
sucessão no negócio e na locação.
O jurista Sílvio de Salvo Venosa diz que “o cessionário da locação
prova a sua condição juntando na petição inicial a prova formalizada da
cessão. A cessão do fundo de comércio se prova com certidão da junta
comercial.”195
No que se refere a fiador, é exigida a sua indicação e precisa
qualificação no caso de o contrato a renovar ter essa garantia. Há, ainda,
necessidade de indicar fiador para a renovação, no caso de ele não ser o
mesmo do ajuste a renovar.
Ainda com a petição inicial, o autor deverá exibir declaração ou
documento equivalente, mediante o qual esse garante afirma aceitar ser fiador,
responsabilizando-se por todas as obrigações locatícias, e, sendo casado,
deve comprovar que o seu cônjuge lhe deu o necessário consentimento, salvo
se casados no regime de separação absoluta de bens.
Em suma, no Brasil, preenchidos os requisitos da lei e ajuizada a
ação renovatória no prazo legal de um ano a seis meses antes do
encerramento do prazo de vigência do contrato, o locatário, em regra, fará jus à
renovação compulsória. Diz-se “em regra” porque há situações excepcionais
em que tal direito poderá ser afastado, devendo o locador pleitear a retomada
do imóvel, na contestação, se for essa a sua pretensão, sabendo-se que, em
194
Diniz, Maria Helena. Lei de Locação de imóveis urbanos comentada. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 223.
195 VENOSA, Silvio de Salvo. Nova lei do inquilinato comentada – Doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 1992. p. 271.
142
certas circunstâncias, pode o locador resistir, apenas, à renovação do contrato,
por preferir preservá-lo a prazo indeterminado.
Por outro lado, o locador pode opor-se à renovação quando, por
determinação do Poder Público, tiver que realizar no imóvel obras que
importarem na sua radical transformação; ou para fazer modificações de tal
natureza que aumentem o valor do negócio ou da propriedade (art. 52, I, da Lei
nº 8.245/91).
No caso das locações de espaços comerciais em shopping centers,
essa situação excepcional poderá ocorrer, principalmente quando o
empreendedor pretender ampliar o shopping center e/ou alterar sua estrutura
física para remodelar o tenant mix (fundindo, dividindo ou criando novos
espaços, por exemplo).
Para viabilizar a retomada destinada à realização de tais obras, será
necessário comprovar a viabilidade do projeto, sendo útil aparelhar a defesa
com evidência de sua aprovação pelos órgãos competentes, ainda que não
seja essa uma exigência legal expressa. Também é imprescindível a prova de
que as obras importem em efetiva valorização do negócio ou da propriedade,
razão pela qual, tratando-se de reformulação de mix, um parecer de
profissional ou empresa especializada no ramo poderá ser de grande utilidade,
para evidenciar a valorização do empreendimento, com a demonstração do
potencial de aumento de rentabilidade esperado para a área objeto da
reformulação.
Mas cabe o alerta: caso não dê início às obras pretendidas
imediatamente da retomada, o locador deverá indenizar o locatário dos
prejuízos e dos lucros cessantes que este tiver que arcar com mudança, perda
do lugar e desvalorização do fundo de comércio.
A lei igualmente admite que o locador, ao contestar a ação
renovatória, pela retomada quando tiver proposta de terceiro em melhores
condições para a locação do mesmo espaço. Nessa hipótese, contudo, o
locatário de qualquer forma terá direito de ser indenizado, e a obrigação do
respectivo pagamento caberá ao locador.
A retomada para uso próprio não é admissível em shopping centers
(art. 52, § 2º da Lei nº 8.245/91).
Com efeito, Mamede pontua que
143
não é esse o seu papel dentro o negócio de shopping center e permiti-lo retomar o imóvel sob tal fundamento implicaria uma completa desconsideração das bases em que se assenta o empreendimento e a lesão inequívoca do direito do lojista (que não raro paga pela presença no shopping, seja através de contratos de garantia de localização, seja por outros meios).
196
Por fim, evidentemente, o locador poderá pleitear a retomada
quando o locatário não atender aos requisitos legais para a renovação
compulsória. É o que ocorre, por exemplo, quando o locatário estiver
inadimplente, ou quando propuser a ação renovatória fora do prazo legal, ou se
não estiver exercendo o mesmo ramo de comércio há pelo menos três anos,
entre outras situações.
Não havendo fundamento hábil para afastar a renovação
compulsória da locação, cabe ao Judiciário arbitrar o aluguel a vigorar no
período do novo contrato, com base na média de mercado.
Em razão do longo tempo necessário para o julgamento definitivo da
ação renovatória, do que decorre o risco de defasagem do aluguel, a lei faculta
ao locador requerer a fixação de aluguel provisório, em montante não
excedente a 80% do valor da sua proposta para o novo aluguel, devendo o
provisório ser deferido caso haja elementos idôneos para a verificação da
plausibilidade do número apresentado. O elemento que melhor se presta à
demonstração de tal plausibilidade consiste, normalmente, em parecer técnico
de profissional especializado em engenharia de avaliações.
Se deferido, o aluguel provisório passa a vigorar a partir do primeiro
mês do contrato objeto do pedido de renovação. E, uma vez renovada a
locação e decretado em caráter definitivo o novo aluguel, apuram-se as
diferenças entre o novo valor e os montantes pagos a título de aluguel antigo
ou provisório a partir do primeiro mês no novo contrato, exigindo-se do devedor
– que poderá ser o locador ou o locatário, conforme o caso – o seu pagamento
de uma só vez.
196
MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping center. Abusos e ilegalidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p.66.
144
8.2 Ação revisional de aluguel – pressupostos
Em função das oscilações naturais dos preços, é comum que o
aluguel contratado entre locador e locatário, com o passar dos anos, se
distancie da média de mercado, seja para mais ou para menos. Assim, para
corrigir distorções, a lei concede tanto ao locador como ao locatário o direito de
exigir judicialmente a adequação do aluguel ao patamar de mercado, por meio
da ação revisional.
Por conseguinte, a ação revisional de aluguel tem por finalidade
corrigir o valor locativo defasado, com seus contornos delimitados pelos artigos
19197 e 68198 da Lei nº 8.245/91.
De modo a evitar excessiva instabilidade no valor do aluguel, a lei
determina que a sua revisão judicial somente possa ser requerida depois de
decorridos três anos (i) de vigência do contrato ou (ii) do último acordo entre as
partes que tenha ajustado o aluguel à média de mercado.
Ajuizada a ação, e preenchidos os respectivos requisitos, será fixado
novo aluguel de acordo com a média de mercado. A partir do arbitramento do
novo aluguel, apuram-se as diferenças entre o novo valor e os montantes
pagos a título de aluguel antigo ou provisório a partir da citação, exigindo-se do
197
Art. 19. Não havendo acordo, o locador ou locatário, após três anos de vigência do contrato ou do acordo anteriormente realizado, poderão pedir revisão judicial do aluguel, a fim de ajustá-lo ao preço de mercado.
198 Art. 68. Na ação revisional de aluguel, que terá o rito sumário, observar-se-á o seguinte:
I - além dos requisitos exigidos pelos arts. 276 e 282 do Código de Processo Civil, a petição inicial deverá indicar o valor do aluguel cuja fixação é pretendida;
II – ao designar a audiência de conciliação, o juiz, se houver pedido e com base nos elementos fornecidos tanto pelo locador como pelo locatário, ou nos que indicar, fixará aluguel provisório, que será devido desde a citação, nos seguintes moldes:
a) em ação proposta pelo locador, o aluguel provisório não poderá ser excedente a 80% (oitenta por cento) do pedido;
b) em ação proposta pelo locatário, o aluguel provisório não poderá ser inferior a 80% (oitenta por cento) do aluguel vigente;
III - sem prejuízo da contestação e até a audiência, o réu poderá pedir seja revisto o aluguel provisório, fornecendo os elementos para tanto;
IV – na audiência de conciliação, apresentada a contestação, que deverá conter contraproposta se houver discordância quanto ao valor pretendido, o juiz tentará a conciliação e, não sendo esta possível, determinará a realização de perícia, se necessária, designando, desde logo, audiência de instrução e julgamento;
V – o pedido de revisão previsto no inciso III deste artigo interrompe o prazo para interposição de recurso contra a decisão que fixar o aluguel provisório.
1° Não caberá ação revisional na pendência de prazo para desocupação do imóvel (arts. 46, parágrafo 2° e 57), ou quando tenha sido este estipulado amigável ou judicialmente.
2° No curso da ação de revisão, o aluguel provisório será reajustado na periodicidade pactuada ou na fixada em lei.
145
devedor – que poderá ser o locador ou o locatário, conforme o caso – o seu
pagamento de uma só vez.
Observa-se que, quando o locatário propõe a ação revisional para
reduzir o aluguel, existe a possibilidade de, ao fim do processo, o aluguel até
mesmo aumentar – assim como é possível que, nas ações revisionais
ajuizadas pelo locador, o aluguel acabe sendo reduzido, desde que formulado
o pedido. É que a ação revisional tem natureza dúplice, ou seja, é dado ao réu
formular pedido contraposto ao do autor, como se ele próprio, réu, tivesse
ajuizado a ação.
Essa revisão tem por finalidade trazer a renda ao preço do mercado
imobiliário locatício, não se confundindo com o reajuste do aluguel que se faz
mediante a simples aplicação do índice contratual ou legal.
Observe-se que, com a atual legislação, se a ação for proposta pelo
locador, a renda provisória não excederá a 80% do pedido e, sendo a demanda
ajuizada pelo locatário, não poderá ser inferior a 80% do aluguel que estiver
vigorando.
O aluguel provisório, bom é dizer, estabelecido se o autor formular o
respectivo pedido, não impede que o magistrado, em face dos elementos,
viesse a fixá-lo em valor abaixo do equivalente a 80%, sendo demandante o
locador. Nascimento Franco ministra lição prática de largo alcance, ao dizer
que:
Na fixação de aluguel provisório, não excedente de 80% do pedido na inicial, o juiz utilizará os elementos fornecidos pelo autor (art. 68, II), sem prejuízo de outros que entender útil solicitar. Fundamentando o pedido de aluguel provisório, poderá o autor exibir o aviso de lançamento do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU, que contém o valor venal fiscal estimado para 1º de janeiro do ano, monetariamente corrigido até a data da inicial. O valor venal fiscal costuma ser, salvo raras exceções, inferior ao valor de mercado, de sorte que, sobre constituir elemento insuspeito, porque emanado do Poder Público, é sabidamente módico em relação aos preços correntes no mercado imobiliário. Para fixação do aluguel provisório, não devem ser exigidas provas exaustivas, sob pena de ficarem frustrados os objetivos da lei ao concedê-lo.
199
199
FRANCO, Nascimento. Manual prático da ação revisional. São Paulo: Malheiros, 1992. p. 52.
146
Pode o autor, locador ou locatário, também juntar à petição inicial
declarações de imobiliárias ou empresas administradoras de bens imóveis que
informem o valor do locativo a preços de mercado ou, ainda, laudo particular de
engenheiro civil a respeito do aluguel atual, anotando-se que tal profissional
poderá servir como assistente técnico do autor, se a causa chegar à fase
pericial.
Assim, fixado o aluguel provisório, este passa a ser devido desde a
citação.
8.3 Critério de apuração judicial do valor do aluguel
A apuração do justo valor de mercado de aluguéis consiste em
tarefa própria de engenheiro de avaliações e segue normas técnica específicas
desse ramo da engenharia.
Em geral, são utilizados preponderantemente dois métodos para o
arbitramento de alugueis: o de remuneração de capitais e o comparativo.
O método da rentabilidade de capitais é definido por Mário Cerveira
Filho da seguinte maneira:
É empregado no momento da construção do empreendimento, uma vez que os proprietários utilizam-no com o objetivo de ser apurado um valor inicial de locação. Pode também ser aproveitado, baseado no valor de venda do imóvel, determinando o valor locativo como a expectativa de rendimento do capital empregado.
200
Com a aplicação do “Método de Remuneração de Capital” o aluguel
é determinado pela aplicação de uma taxa de renda sobre o valor do próprio
imóvel, como capital, em função dos demais valores do terreno e das
benfeitorias e da consideração de outros fatores que cercam o cálculo.
Salienta-se que, nas locações de espaços comerciais em shopping
centers, a jurisprudência consagrou a prevalência do método comparativo,
cujos elementos a serem comparados serão os do próprio empreendimento,
200
CERVEIRA FILHO, Mário. Shopping Centers: direitos dos lojistas. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 57.
147
salvo exceções, sendo os principais fatores a localização e a metragem, sendo
inaplicável, em regra, o da rentabilidade.
Ou seja, o método comparativo “determina o valor locativo,
confrontando-o com imóveis semelhantes ao objeto da ação, guardadas as
devidas diferenças entre eles”.201
Vejamos o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de Minas
Gerais no sentido de adotar o método comparativo para determinar o valor da
nova remuneração:
BRASIL. TJMG. Processo: Apelação Cível - 1.0024.07.502841-5/001 5028415-52.2007.8.13.0024 (1) - Relator(a): Des.(a) Hilda Teixeira da Costa - Data de Julgamento: 17/12/2009 - Data da publicação da súmula: 27/01/2010 - Ementa: APELAÇÃO - AÇÃO RENOVATÓRIA - LOJA SHOPPING CENTER - FIXAÇÃO DE NOVO VALOR DO ALUGUEL - LIVRE CONHECIMENTO DO JUIZ - PREVALESCÊNCIA DO LAUDO OFICIAL FRENTE AO LAUDO DE ASSISTENTE TÉCNICO - RECURSO IMPROVIDO. Embora o Magistrado não esteja adstrito à perícia produzida nos autos, nela deve se amparar quando a questão exige conhecimento técnico-científico. Observo que o perito oficial empregou metodologia avaliatória indicada, utilizando método comparativo direto de dados de mercado para a avaliação do valor de locação mensal da loja, a fim de se apurar o novo valor de locação, de modo que deve prevalecer a conclusão do laudo pericial. Acertada a decisão ao fixar o valor do aluguel conforme indicado pelo perito oficial, uma vez que os critérios utilizados na perícia foram os mais recomendáveis, tendo o laudo avaliatório alcançado o real valor para o novo período de locação da apelada.
Neste diapasão, a ação revisional é para encontrar o valor de
mercado da locação, ou seja, o valor praticado no mercado.
Outro ponto que merece destacada atenção na celebração de
contratos é a perfeita identificação do aluguel, em separado dos demais
encargos da locação, como o rateio de despesas comuns, as despesas
específicas, as verbas para o fundo de promoção etc., sabe-se que, em
contratos relativos a loja-âncora e outras operações especiais, não raro ocorre
a fixação de uma contribuição mínima mensal. Isto é: em vez de se cobrar-se
um valor fixo a título de aluguel mínimo mensal e montantes variáveis pelos
demais encargos da locação, ajusta-se um valor mínimo predeterminado para
todas as verbas devidas no mês, englobando o aluguel e os encargos.
201
CERVEIRA FILHO, Mário. Shopping Centers: direitos dos lojistas. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 58.
148
Embora não seja legalmente proibido, o sistema de contribuição
mínima mensal cria algumas dificuldades para o arbitramento do aluguel em
ações revisionais e renovatórias, uma vez que, em processos dessa natureza,
pode-se avaliar e arbitrar apenas e tão somente o aluguel mínimo, e nunca as
demais verbas devidas em decorrência do contrato. A dificuldade reside em
identificar, na contribuição mínima, o que é aluguel – passível de revisão – e o
que são as despesas – imutáveis.
Este singelo estudo sobre os critérios de apuração do valor do
aluguel tem como enfoque somente trazer as informações básicas atinentes às
avaliações judiciais, tendo em vista que são vários os procedimentos e fatores
a serem observados, cujas aplicações dependerão do caso concreto.
8.4 Cláusulas contratuais insuscetíveis de modificação judicial em
renovatória e em revisional
As ações renovatórias da locação, como o próprio nome mostra,
visam à renovação de um contrato já existente, ou, noutras palavras, à
constituição de um novo contrato nas mesmas condições que o anterior, com
aluguel compatível com o justo valor de mercado. As ações revisionais de
aluguel, por sua vez, têm objeto específico, limitado ao ajustamento do aluguel
à média de mercado.
No âmbito dessas ações, portanto, não tem cabimento a modificação
de outras cláusulas contratuais, estranhas ao valor do aluguel. A alteração de
uma cláusula contratual pertinente a outro aspecto da locação desnaturaria o
pedido de renovação: deixaria de ser “renovatório” para ser o de constituição
de um contrato diferente, o que a lei não admite. De igual forma, a Lei nº
8.245/91 não prevê a possibilidade de “revisão” das demais cláusulas do
contrato de locação, limitando a ação revisional apenas ao aluguel.
A única exceção a essa regra da imutabilidade das cláusulas é a
alteração do índice de correção monetária e da periodicidade de reajuste de
aluguel (arts. 69, § 1º e 72, § 5º da Lei de Locações). Mesmo nesse caso,
contudo, não basta haver pedido de modificação, é preciso a prova de que o
índice e/ou a periodicidade contratualmente eleitos contenham algum vício ou
149
tenham se tornado manifestamente inadequado por fato superveniente no
curso da locação, não bastando a mera alegação de que certo indicador foi
superior ou inferior a outros.
Neste sentido, em suma, no âmbito de ações renovatórias da
locação e revisionais de aluguel, a jurisprudência202 não admite a alteração das
cláusulas contratuais que não digam respeito ao aluguel.
202
BRASIL. TJSP - Processo 0002742-15.2013.8.26.0625 - Apelação/Locação de Imóvel - Relator(a): Caio Marcelo Mendes de Oliveira - Comarca: Taubaté - Órgão julgador: 32ª Câmara de Direito Privado - Data do julgamento: 27/11/2014 - Data de registro: 27/11/2014 - Ementa: LOCAÇÃO Ação renovatória de loja em Shopping Center. Valor do aluguel estabelecido em laudo elaborado por perito imparcial e de confiança do juízo, através de método comparativo, o mais adequado para a hipótese. Inexistência de motivo para modificação das cláusulas contratuais. Manutenção do rateio igualitário da verba sucumbencial, uma vez que o valor do aluguel mínimo mensal apurado em perícia se distancia dos valores oferecidos na proposta e na contraproposta - Recurso improvido.
150
9 CONCLUSÃO
O shopping center é, sem dúvida, um empreendimento bem-
sucedido e em expansão em várias cidades dos Estados brasileiros, apesar
dos poucos anos de sua implantação no País.
Daí o grande interesse nas relações contratuais, estabelecidas entre
o empreendedor dos centros comerciais e o comerciante locatário.
Desconsiderar a importância do shopping center no cenário urbano,
a sua força na atividade comercial, seria ignorar a própria realidade. Os
shopping centers não somente vieram para ficar, como a sua ampliação é
irreversível.
Seu objetivo essencial e inovador é proporcionar, com o mínimo de
gastos no transporte e o máximo de conforto aos seus clientes, a aquisição de
bens essenciais, ao entretenimento, a segurança, entre outras características.
Harmonizando a livre e saudável concorrência entre os lojistas,
aumenta o campo de ofertas de mercadorias e, como consequência, maiores
facilidades de comparação e opção de compras por sua clientela.
O shopping center concentra as mais diversas atividades comerciais
e, como corolário, a economia de tempo e transporte contribui para economia
de combustível e desafogo do trânsito.
O shopping center não é um local destinado apenas às compras,
muito embora seja esse o alvo principal, mas também de descentralização
urbana, de segurança, de facilidade de estacionamento de veículos, de lazer,
de economia de tempo.
Ao provérbio norte americano time is money, acrescenta-se que o
tempo não é somente fator de economia e dinheiro, mas também de diminuição
de cansaço, de fadiga, posto que devido à concentração das lojas, as compras
são feitas com mais facilidade e rapidez, resultando em grande economia de
tempo.
Embora neste trabalho se tenha laborado com o modelo de shopping
center que corresponde, no Brasil, à generalidade, não quer isso dizer que
incorre a possibilidade de existência, no país, de centros de compras com outra
estrutura e, consequentemente, regime jurídico diverso.
151
Nada obsta a que se verifiquem shopping center em que os
ocupantes dos compartimentos são proprietários, in totum, das unidades
autônomas, da mesma forma em que podem ser simples e veros locatários,
caso não contribuam para a construção, montagem e organização do
empreendimento. Efetivamente, até sabe-se de centros em funcionamento,
onde dá-se a ocorrência de tais hipóteses.
Outrossim, é plenamente viável a verificação de sistemas mistos de
shopping center, nos quais se encontrem, ou proprietários em condomínio de
espaços. Tudo vai depender da forma em que o ocupante efetivamente
participa do evento.
Com relação às peculiaridades do contrato de locação em shopping
center, ressalta-se que as cláusulas são livremente pactuadas entre
empreendedor e lojista, conforme demonstrado neste trabalho, através do art.
54, da Lei nº 8.245/91.
Em que pese prevalecer as condições livremente pactuadas pelas
partes – contrato empresarial -, algumas destas cláusulas devem ser
rigorosamente observadas, com o objetivo de evitar o desequilíbrio contratual.
A jurisprudência ainda é escassa.
Além de cláusulas contratuais, tais como liberdade para estipular
índice de correção monetária, aluguel dobrado e de desempenho,
apresentação estética das lojas, cláusula de raio e cláusula de exclusividade,
entre outras, a grande celeuma sobre o assunto é a natureza jurídica desta
relação entre empreendedor e lojista. Neste estudo entendemos que a
natureza jurídica do contrato de locação de espaço físico em shopping center é
típica em que pese existir teorias divergentes, conforme mencionado no item
5.4.
Neste sentido, cabem aos julgadores limitarem os excessos,
utilizando-se os princípios jurídicos da boa fé, da função social do contrato e do
equilíbrio do contrato, além dos morais, a fim de imprimir as correções
necessárias.
152
REFERÊNCIAS
ABRASCE. Disponível em http: www.abrasce.com.br
ABRASCE. Fonte: Censo Brasileiro de Shopping Center 2013/2014.
AGUIAR, João Pestana de. Nova lei das locações comentadas. Rio de
Janeiro: Lúmen Júris, 1992.
AGUIAR, João Carlos Pestana de. O fundo de comércio e os shopping
centers. São Paulo: RT, 1984.
AMORIM, José Roberto Neves; ELIAS FILHO, Rubens Carmo. Direito
imobiliário – Questões contemporâneas. São Paulo: Elsevier, 2008.
ALSHOP. Disponível em http: www.alshop.com.br
ALVIM, Arruda. A função social dos contratos no novo código civil.
Revista dos Tribunais, vol. 815. São Paulo, 2003.
ASCARELLI, Tullio. Corso di diritto commerciale. 3. ed. Milano: Giuffré,
1962.
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Atipicidade mista do contrato de utilização de
unidade em centros comerciais e seus aspectos fundamentais. In: PINTO,
Roberto Wilson Renault; OLIVEIRA, Fernando Albino de (coord.). Shopping
centers: questões jurídicas: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva,
1991.
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Contratos Inominados ou Atípicos. Edições
Cejup, Belém, 1983, 2ª edição.
BARCELLOS, Rodrigo. O contrato de shopping center e os contratos
atípicos interempresariais. São Paulo: ed. Atlas, 2009.
153
BARRETO FILHO, Oscar. Teoria do estabelecimento comercial. 2. ed., São
Paulo: Saraiva, 1988.
BARROS, Francisco Carlos Rocha de. Comentários à lei do inquilinato. 2.
ed. São Paulo: Saraiva, 1997.
BELMONTE, Alexandre Agra. Natureza jurídica dos shopping centers. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 1989.
BESSONE, Darcy. Problemas jurídicos do shopping center. RT 660, out.
1990.
BESSONE, Darcy. O shopping na lei de inquilinato. RT 680, jun. 1992.
BESSONE, Darcy. Renovação de locação. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1990.
BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Função social dos contratos: interpretação à
luz do Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2009.
BUZAID, Alfredo. Estudo sobre shopping center. In: PINTO, Roberto W.
Renault; OLIVEIRA, Fernando A. Albino de (Coord.). Shopping centers:
questões jurídicas. São Paulo: Saraiva, 1991.
BUZAID, Alfredo. Da ação renovatória. 2. ed. São Paulo: Saraiva,1981.
CARVALHOSA, Modesto. Considerações sobre relações jurídicas em
shopping center. In: PINTO, Roberto Wilson Renault, OLIVEIRA, A. Albino de.
Shopping center – Questões jurídicas: doutrina e jurisprudência. São Paulo:
Editora Saraiva, 1991.
CASES, José Maria Trepat. Código Civil comentado: arts. 693 a 817. São
Paulo: Atlas, 2003. 8. v.
154
CERVEIRA FILHO, Mário. Shopping Centers: direitos dos lojistas. São
Paulo: Saraiva, 1999.
CERVEIRA FILHO, Mário. Shopping Centers: direitos dos lojistas. 6 ª ed.
São Paulo: Saraiva, 2010.
COSTA, Pedro Oliveira da. Apontamentos para uma visão abrangente da
função social dos contratos. In: TEPEDINO, Gustavo (coord.) Obrigações:
estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: RENOVAR, 2005.
DINIZ, Maria Helena. Lei de Locação de imóveis urbanos comentada. 4. ed.
São Paulo: Saraiva, 1997.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. vol. 3. São Paulo:
Saraiva, 2008.
DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução do código civil interpretada. 5. ed.
São Paulo: Saraiva, 1999.
ESPINOLA FILHO, Eduardo. Manual do inquilinato no direito civil vigente.
5. ed. Rio de Janeiro, 1963.
FORGIONI, Paula A. Teoria geral dos contratos empresariais. 2 ed. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
FRANÇA, Rubens Limongi. Instituições de direito civil. São Paulo: Saraiva,
1988.
FRANCO, Nascimento. Manual prático da ação revisional. São Paulo:
Malheiros, 1992.
GOMES, Orlando. Traços do perfil jurídico de um shopping center. RT 576,
out. 1983.
GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1959.
155
GOMES, Orlando. Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
GOMES, Orlando. Contratos. 10. ed. Forense, Rio de Janeiro, 1984.
GOMES, Orlando. Contratos. Atualização e notas de Humberto Theodoro
Júnior. 17 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996.
GONÇALVES, Cunha. Tratado de Direito Civil. vol. IV, tomo II, Max Limonad
Editor, São Paulo, 1ª edição brasileira.
INTERNATIONAL COUNCIL OF SHOPPING CENTERS. Disponível em
www.icsc.org
KARPAT, Ladislau. Shopping Centers: manual jurídico. 2 ed. rev. e ampl.
Rio de Janeiro: Forense, 1999.
KROETZ, Maria Cândida do Amaral. A representação voluntária no direito
brasileiro. São Paulo: RT, 1997.
LANGONI, Carlos Geraldo. Shopping centers no Brasil. In: ARRUDA, J. S.;
LÔBO, C. A. da S. (Coord.). Shopping centers: aspectos jurídicos. São Paulo:
RT, 1984.
LARENZ, Karl. Derecho civil – Parte general. Trad. esp. Miguel Izquierdo e
Macías-Picavea. Caracas: Edersa, 1978.
LIMA FILHO, Alberto de Oliveira. Shopping centers – EUA vs. Brasil: uma
análise mercadológica comparativa. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 1971.
LIMA, João Batista de Souza. As mais antigas normas de direito. Rio de
Janeiro: Forense, 1983.
156
MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping center. Abusos e
ilegalidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.
MARTINS, Ives Gandra da Silva. A natureza jurídica das locações
comerciais dos “shopping centers”. In: PINTO, Roberto Wilson Renaut;
Shopping centers: questões jurídicas: doutrina e jurisprudência. São Paulo:
Saraiva, 1991.
MAQUIEIRA, José da Silva. Shopping centers: antigas e novas
apreciações. In: PINTO, Roberto W. Renault; OLIVEIRA, Fernando A. Albino
de (Coord.). Shopping Centers: questões jurídicas. São Paulo: Saraiva, 1991.
MEIRA, Paulo Ricardo dos Santos; COSTA, Filipe Campelo Xavier da. Serviço
ao cliente final no varejo de shopping center: o mix ideal de serviços
como fato de sucesso na implantação de um shopping center. In:
ANGELO, Claudio Felisoni; SILVEIRA, José Augusto Giesbrecht da (Orgs.).
Varejo competitivo 2. São Paulo: Atlas, 1997.
MONTEIRO, Washington de Barros. “Shopping Centers”. In: ARRUDA, José
Soares; LÔBO, Carlos Augusto da Silveira. (Coord.). “Shopping Centers”:
aspectos jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984.
MOURA, Mário Aguiar. Função social do contrato. In Revista dos Tribunais,
vol. 630. São Paulo, abril/1988.
NERY JÚNIOR, Nelson. Novo Código Civil e legislação extravagante
anotados: atualizado até 15/03/2002. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Shopping Centers, organização econômica
e disciplina jurídica. Ed Revista dos Tribunais, ano 1984.
NORONHA, Fernando. O Direito dos Contratos e seus Princípios
Fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. São Paulo:
Saraiva, 1994.
157
OLIVEIRA, Fernando Albino de. Shopping Centers: questões jurídicas. In
RDT 45/169, 2005.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações. 4 ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1981.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. III, Rio de
Janeiro: Forense. 2003.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Shopping centers – Aspectos jurídicos. São
Paulo: RT, 1984.
PINTO, Dinah Sonia Renault. Shopping Center: uma nova era empresarial.
3. ed. rev. e atual. por Vânia Renault Bechara Gomes e Marcos Bragança. Rio
de Janeiro: Forense, 2001.
PINTO, Roberto W. Renaut; OLIVEIRA, Fernando A. Albino de (Coord.).
Shopping centers: questões jurídicas. São Paulo: Saraiva, 1991.
PINTO, Dinah Sônia Renault. Shopping Center: uma nova era empresarial.
Rio de Janeiro: Forense, 1992.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado das ações (atualizada
por Wilson Rodrigues Alves). Campinas: Bookseller, 1999, v. V.
POSNER, Richard. Economic analysis of law. 4 ed. Boston: Little, Brown and
Company, 1992.
QUARTUCCI, Daniela Grassi; NEGRÃO, Ricardo. Cláusulas específicas e
polêmicas dos contratos de locação em shopping center. In: AMORIM,
José Roberto Neves; ELIAS FILHO, Rubens Carmo (Coord.). Direito imobiliário
– Questões contemporâneas. São Paulo: Elsevier, 2008.
158
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial esquematizado. 3 ed.
São Paulo: Método, 2013.
REALE apud FONSECA, Rodrigo Garcia da. A função social do contrato e o
alcance do art. 421 do Código Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
REQUIÃO, Rubens. Considerações jurídicas sobre os centros comerciais
shopping centers no Brasil. São Paulo: RT, 1983.
RIPERT, Georges. O regime democrático e o direito civil moderno. 1ª ed.
Ed. Liv. Acadêmica, 1997.
RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 11 ed. Rio de Janeiro Forense, 2010.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: dos contratos e das declarações
unilaterais da vontade. 28 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. vol. 3.
SACCO, Rodolfo. Autonomia contrattuale e tipi. Rivista Trimestrale di Diritto
e Procedura Civile. 3/786, 1996.
SANTOS, Gildo dos. Locação e despejo. Comentários à Lei 8.245/91. 7 ed.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antonio. Comentários às alterações da Lei do
Inquilinato. 4. tir. São Paulo: Ed. RT, 2010.
SUNDFELD, Carlos Ari Vieira. Fundamentos de direito público. 4 ed. São
Paulo: Malheiros, 2000.
SZTAJN, Rachel. Atipicidade de sociedades no direito brasileiro. 1987.
Tese (concurso de livre-docência do Departamento de Direito Comercial),
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo.
159
TALAVERA, Glauber Moreno. A função social do contrato no Novo Código
Civil. Boletim ADCOAS – doutrina, nº 12, dezembro de 2002, p. 339.
TEIZEN JUNIOR, Augusto Geraldo. A função social no Código Civil. São
Paulo. Revista dos Tribunais, 2004.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e seus princípios. Rio de
Janeiro: Aide, 1993.
VENOSA, Silvio de Salvo. Nova lei do inquilinato comentada – Doutrina e
prática. São Paulo: Atlas, 1992.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e dos
Contratos. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2005.
Venosa. Silvio. Novo Código Civil brasileiro: lei 10.406, de 10 de janeiro de
2002: estudo comparativo com o Código Civil de 1916, Constituição
Federal, legislação codificada e extravagante. 3 ed. rev. e ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2003.
VERRI, Maria Elisa Gualandi. Shopping centers: aspectos jurídicos e suas
origens. Belo Horizonte: Del Rey, 1996.
WALD, Arnold. Direito Civil: Direito das Obrigações e Teoria Geral dos
Contratos. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.