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SISTEMAS AGRÁRIOS OU AGROSSISTEMAS O que são agrossistemas? 1- Um sistema agrário, ou agrossistema, é um tipo ou modelo de produção agropecuária em que se observa que cultivos ou criações são praticados, quais são as técnicas utilizadas, como é a relação da agricultura ou da pecuária com o espaço – tanto em termos de densidade ou de dimensão e propriedade da terra – e qual é o destino da produção. Classificação dos agrossistemas 2- Existem inúmeras classificações dos agrossistemas, pois os critérios para defini-los variam muito conforme o autor ou a organização que os classifica. Além disso, os agrossistemas costumam ser bem diferentes entre si, de acordo com a região do globo ou com a sociedade nacional e sua herança histórica, suas tradições, seu nível de desenvolvimento econômico, etc. Agropecuária intensiva e agropecuária extensiva 3- Normalmente, estabelece-se uma diferença entre a agropecuária intensiva e a extensiva, que está ligada à densidade ou da distribuição no espaço do gado ou da plantação. A agropecuária intensiva é aquela em que existe uma elevada densidade da criação ou do cultivo, o que significa que as plantas ou o gado ficam muito concentrados, havendo um maior aproveitamento por hectare. E a agropecuária extensiva é aquela em que a densidade do gado ou das culturas é baixa, o que significa que eles estão mais espalhados no espaço. Agropecuária comercial e agropecuária de subsistência 4- Fala-se muito também em agropecuária comercial e agropecuária de subsistência. A primeira é essencialmente voltada para o comércio, para o mercado, e a segunda é basicamente voltada para suprir as necessidades de quem trabalha na terra, e apenas um excedente da produção é comercializado. Propriedade privada, propriedade estatal e propriedade coletiva 5- A forma da propriedade da terra – privada, estatal ou coletiva – é outro critério para classificar os agrossistemas. A propriedade privada é aquele em que um indivíduo – ou uma empresa, um grupo de pessoas ou uma instituição não- governamental tem a propriedade da terra, ou seja, pode fazer com ela o que quiser, desde que respeite a legislação: vender, arrendar, produzir o que e como quiser, utilizar somente como lazer, etc. A propriedade estatal ocorre quando o poder público – o governo federal, estadual ou municipal – é dono da terra, e os trabalhadores são funcionários públicos, que obedecem às diretrizes do Estado. E a propriedade coletiva é aquela que pertence a toda a comunidade que nela reside: algumas terras indígenas, por exemplo, ou as terras em que vivem inúmeras sociedades tribais africanas. Grandes, médias e pequenas propriedades 6- Também o tamanho das propriedades é um critério fundamental para classificar os sistemas agrários. Costumam-se reconhecer três tamanhos principais: a grandes propriedades (latifúndios); as pequenas propriedades (minifúndios) e as médias propriedades agrárias. Não é fácil definir com precisão o que é uma grande, uma pequena ou uma média propriedade rural, pois isso varia bastante em função de cada realidade nacional ou, às vezes, até local. 6.1- Num país relativamente pequeno, como o Japão, o preço dos imóveis em geral é altíssimo e qualquer propriedade com mais de 200 hectares é tida como um latifúndio. Em contraposição, nos EUA, um país com um imenso território e onde a agropecuária normalmente depende de máquinas e equipamentos modernos, uma propriedade rural de 200 hectares é considerada pequena. 6.2- No Brasil, esses conceitos mudam de uma região para outra: na Amazônia, os imóveis rurais com menos de 70 hectares são tidos como minifúndios, ao passo de que somente aqueles com mais de 45 mil hectares são considerados latifúndios; no Sul, geralmente uma propriedade agrária com 25 hectares ainda não é considerada minifúndio, e todas as propriedades com mais de 15 mil hectares são tachadas de latifúndios.

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SISTEMAS AGRÁRIOS OU AGROSSISTEMASO que são agrossistemas?

1-Um sistema agrário, ou agrossistema, é um tipo ou modelo de produção agropecuária em que se observa que cultivos ou criações são praticados, quais são as técnicas utilizadas, como é a relação da agricultura ou da pecuária com o espaço – tanto em termos de densidade ou de dimensão e propriedade da terra – e qual é o destino da produção.

Classificação dos agrossistemas2-Existem inúmeras classificações dos agrossistemas, pois os critérios para defini-los variam muito conforme o autor ou a organização que os classifica. Além disso, os agrossistemas costumam ser bem diferentes entre si, de acordo com a região do globo ou com a sociedade nacional e sua herança histórica, suas tradições, seu nível de desenvolvimento econômico, etc.Agropecuária intensiva e agropecuária extensiva3-Normalmente, estabelece-se uma diferença entre a agropecuária intensiva e a extensiva, que está ligada à densidade ou da distribuição no espaço do gado ou da plantação. A agropecuária intensiva é aquela em que existe uma elevada densidade da criação ou do cultivo, o que significa que as plantas ou o gado ficam muito concentrados, havendo um maior aproveitamento por hectare. E a agropecuária extensiva é aquela em que a densidade do gado ou das culturas é baixa, o que significa que eles estão mais espalhados no espaço.Agropecuária comercial e agropecuária de subsistência4-Fala-se muito também em agropecuária comercial e agropecuária de subsistência. A primeira é essencialmente voltada para o comércio, para o mercado, e a segunda é basicamente voltada para suprir as necessidades de quem trabalha na terra, e apenas um excedente da produção é comercializado.Propriedade privada, propriedade estatal e propriedade coletiva5-A forma da propriedade da terra – privada, estatal ou coletiva – é outro critério para classificar os agrossistemas. A propriedade privada é aquele em que um indivíduo – ou uma empresa, um grupo de pessoas ou uma instituição não-governamental tem a propriedade da terra, ou seja, pode fazer com ela o que quiser, desde que respeite a legislação: vender, arrendar, produzir o que e como quiser, utilizar somente como lazer, etc. A propriedade estatal ocorre quando o poder público – o governo federal, estadual ou municipal – é dono da terra, e os trabalhadores são funcionários públicos, que obedecem às diretrizes do Estado. E a propriedade coletiva é aquela que pertence a toda a comunidade que nela reside: algumas terras indígenas, por exemplo, ou as terras em que vivem inúmeras sociedades tribais africanas.Grandes, médias e pequenas propriedades6-Também o tamanho das propriedades é um critério fundamental para classificar os sistemas agrários. Costumam-se reconhecer três tamanhos principais: a grandes propriedades (latifúndios); as pequenas propriedades (minifúndios) e as médias propriedades agrárias. Não é fácil definir com precisão o que é uma grande, uma pequena ou uma média propriedade rural, pois isso varia bastante em função de cada realidade nacional ou, às vezes, até local.6.1-Num país relativamente pequeno, como o Japão, o preço dos imóveis em geral é altíssimo e qualquer propriedade com mais de 200 hectares é tida como um latifúndio. Em contraposição, nos EUA, um país com um imenso território e onde a agropecuária normalmente depende de máquinas e equipamentos modernos, uma propriedade rural de 200 hectares é considerada pequena.6.2-No Brasil, esses conceitos mudam de uma região para outra: na Amazônia, os imóveis rurais com menos de 70 hectares são tidos como minifúndios, ao passo de que somente aqueles com mais de 45 mil hectares são considerados latifúndios; no Sul, geralmente uma propriedade agrária com 25 hectares ainda não é considerada minifúndio, e todas as propriedades com mais de 15 mil hectares são tachadas de latifúndios.Agrossistemas tradicionais, agrossistemas modernos e agrossistemas alternativos7- Classificam-se ainda os sistemas agrários em tradicionais, modernos ou alternativos. Os agrossistemas tradicionais são aqueles em que há uma maior utilização do trabalho humano em relação à tecnologia. Os agrossistemas modernos são aqueles em que há uma menor mão-de-obra em relação às máquinas, adubos, equipamentos, etc., que predominam. E o agrossistemas alternativos – também chamados de ecológicos ou orgânicos – são aqueles que procuram evitar os impactos ambientais ou sociais negativos provocados pelos outros dois sistemas: não fazem queimadas nem se explora ao máximo a força de trabalho humana, como na agropecuária tradicional. Tampouco se utiliza toda aquela parafernália de máquinas e outros produtos que são comuns na agropecuária moderna.

Os agrossistemas tradicionais8- Os sistemas agrários tradicionais predominam nos países subdesenvolvidos, embora também existam em algumas áreas tradicionais dos países desenvolvidos (Japão, sul da Itália e da França, Portugal e Grécia). Não são homogêneos, e sim muito variados. Alguns são intensivos, mas a maioria são extensivas. Alguns se destinam preferencialmente ao mercado externo, mas a maioria ou são sistemas de subsistência ou se reserva ao mercado local ou, às vezes, regional.Plantations9- Talvez o mais famoso e o mais importante dos sistemas agrários tradicionais sejam as plantations. Elas ainda sobrevivem e ainda são comuns em algumas áreas da América Latina, da África e da Ásia. São grandes propriedades rurais, normalmente monocultoras, voltadas para o mercado externo e fazem uso intenso de uma mão-de-obra mal remunerada. Cultivos extensivos e, logicamente, comerciais, as plantations são uma herança da dominação colonial que aquelas regiões do globo sofreram nos séculos anteriores, quando havia o trabalho compulsório e a colônia deveria produzir gêneros agrícolas para a metrópole. Como exemplos desse sistema temos a produção de cana-de-açúcar no nordeste brasileiro, do café ou da banana na América Central, do cacau ou do amendoim na África, da borracha (látex) na Malásia e, principalmente, na Indonésia, entre outros.Agricultura itinerante10- Outro exemplo de agrossistema é a agricultura itinerante, também conhecida como sistema de roças. Esse sistema ainda existe em várias áreas localizadas em países tropicais e subdesenvolvidos: México, Venezuela, Colômbia, Brasil, Filipinas, Vietnã, República Democrática do Congo, Zâmbia, etc. Também é um cultivo extensivo e, em geral, de subsistência, embora uma parte da produção se destine ao mercado regional. Normalmente é praticado em áreas de solos pobres e que, no passado, eram ocupados por matas, savanas ou cerrados, que foram desmatados e queimados para dar lugar a plantações de milho, feijão, arroz, batata, mandioca, sorgo, etc.10.1-Consiste na prática de cultivar durante alguns anos num local, que depois é abandonado, por causa do esgotamento do solo, deixando-o de lado durante algum tempo, ocasião em que outro lugar é cultivado. Após alguns anos, volta-se ao primeiro local, onde já cresceu uma nova vegetação secundária (capoeira), que será desmatada e queimada, repetindo-se, assim, o ciclo inicial.Agricultura de jardinagem

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11- Mais um exemplo de agrossistema tradicional é a agricultura de jardinagem, que consiste principalmente na rizicultura (cultivo de arroz) associada à plantação de outros cereais e de hortaliças. Esse tipo de agricultura é praticado há séculos ou milênios em várias regiões do sul, sudeste e leste da Ásia – Vietnã, Índia, Indonésia, China e Japão.11.1- Suas principais características são: predomínio de pequenas propriedades agrárias, freqüentemente menores que um hectare; utilização de técnicas de cultivo minuciosas, em geral com o uso das mãos (daí o nome jardinagem) e de um sistema de irrigação; e produção destinada preferencialmente ao consumo da população local ou, às vezes, regional.11.2- Esse tipo de agricultura intensiva ocorre em áreas densamente povoadas, nas quais há uma carência de terras e uma elevada proporção de pessoas disponíveis para o trabalho, que, em geral, é mal remunerado, tendo-se em vista as condições econômicas médias de cada sociedade nacional.Pastoreio nômade ou transumante12- Dentro dos sistemas agrários tradicionais, temos também o pastoreio nômade ou transumante, muito comum nas regiões áridas ou semi-áridas. Trata-se de uma criação – ou pastoreio – de animais, como ovelhas, cabras ou, às vezes, até vacas, que são constantemente levados de um local para outro em busca de água e de pastos que não estejam secos. Dessa forma, é uma pecuária bastante extensiva e basicamente de subsistência, como uma parte da produção sendo vendida no mercado. Esse tipo de criação é comum em partes da Mongólia, China, Ásia Centra, Oriente Médio e África.Agricultura mediterrânea13- Finalmente, podemos mencionar também a agricultura mediterrânea, que, apesar de estar se modernizando nas últimas décadas, ainda é predominantemente um sistema agrário tradicional e pouco eficiente do ponto de vista da economia global. A agricultura mediterrânea consiste em todos os tipos de agropecuária que existem ao redor do mar Mediterrâneo, região onde há um clima seco no verão e mais chuvoso no inverno. É uma região caracterizada pelo secular ou milenar cultivo da oliva ou azeitona (com a qual se faz o azeite), sem a necessidade de irrigação. Abrange grande parte da Espanha, Portugal, Grécia, Tunísia, Marrocos, Líbia, Argélia, Jordânia, Líbano, Síria e o sul da França e da Itália. Alem da oliva, também são cultivados trigo, frutas diversas – principalmente as cítricas – e uvas destinadas à elaboração de vinhos. São em geral monoculturas semi-extensivas praticadas por pequenas propriedades rurais.13.1-Mas isso vem mudando com a expansão da irrigação, que permite uma plantação intensiva. A irrigação, apesar de ser uma prática local já antiga – pelo menos em algumas áreas -, vem sendo cada vez mais introduzida em inúmeras localidades ao redor do Mediterrâneo, especialmente na Europa. Em 2002, já abrangia cerca de 12% da área total das terras agrárias da região. Outras técnicas – máquinas computadores, uma melhor adubação do solo, etc. – vêm sendo adotadas em inúmeras propriedades que praticam a agricultura mediterrânea.13.2- Isso significa que esse agrossistema está deixando de ser tradicional – embora ainda o seja, pelo menos no conjunto – para se tornar uma agricultura moderna. A vinicultura, por exemplo, é uma atividade tradicional da região mediterrânea que vem se modernizando rapidamente nos últimos anos. A produção semi-artesanal vai cedendo lugar à produção industrial com a introdução de novas variantes de uvas – muitas vezes, resultantes de cruzamentos realizados em laboratórios – e com a crescente utilização de técnicas modernas de fermentação de uva e de engarrafamento e estocagem dos vinhos. Além disso, as pequenas vinícolas familiares vão cedendo lugar às grandes vinícolas multinacionais, que compram as uvas dos pequenos agricultores e fazem o vinho em escala industrial e com o uso de tecnologia moderna.

Os agrossistemas modernos14- Os sistemas agrários modernos são aqueles que utilizam tecnologia avançada, com o emprego de tratores e máquinas variadas, adubos químicos (fertilizantes) e agrotóxicos (defensivos agrícolas), técnicas para corrigir os solos, sementes e animais selecionados – muitas vezes resultantes de pesquisas genéticas –, irrigação quando necessária (utilizando técnicas mais avançadas, diferentes daquelas milenares), etc. Não existe um modelo único, mas vários tipos de agricultura moderna: alguns cultivos ou criações são intensivos, outros extensivos; alguns usam irrigação, outros não; alguns adotam plantas ou animais transgênicos, outros não; algumas regiões começam a utilizar a chamada “agricultura de precisão”, na qual existe um intenso uso de informática e do geoprocessamento, com chips para controlar o gado, SIGs e implantação de GPS nas colheitadeiras com a finalidade de monitorar as necessidades específicas de cada parcela do solo – em termos de adubos, sementes, maior ou menor quantidade de água, de nitrogênio ou de fósforo, etc.A revolução verde15- Podemos dizer que agropecuária moderna nasceu com a Revolução Industrial e a aplicação gradativa dos métodos industriais – isso é, mecanização e produção em grande escala – no campo. Mas foi após a Segunda Guerra Mundial, especialmente nos anos 1960, que esse conceito de agricultura moderna passou a ser empregado com mais freqüência. Ele se popularizou com a chamada “Revolução Verde”, aplicada a partir de 1966-67 em diversos países, especialmente na Ásia, onde reduziu drasticamente os problemas da fome, com destaque para a Índia, o Paquistão e, posteriormente, a China.15.1-O impacto social causado por essa tecnologia, por causa do aumento da produção de alimentos em alguns países, foi de tal ordem que resultou na concessão do Prêmio Nobel da Paz de 1970 ao químico e agrônomo norte-americano Norman Borlaug, tido como pai da revolução verde.15.2-A revolução verde consistiu no desenvolvimento de variedades de cereais de porte baixo, de alta produtividade e baixa relação entre palha e grãos. Primeiramente, as variedades de trigo e milho híbridos (isso é, resultantes do cruzamento de plantas) foram introduzidas e cultivadas no Paquistão e na Índia, resultando num sensível aumento da produção de cereais, sobretudo o trigo. Em seguida, um tipo de arroz também híbrido foi introduzido inicialmente nas Filipinas, fato que incluiu esse importante cereal na revolução verde. Além de novas variedades de plantas, a originalidade dessa experiência foi uma enorme expansão do uso da química na agricultura: doses elevadas de hidrogênio, fósforo e potássio foram incorporados na adubação dos solos.Diminuição da fome no mundo15.3-Apesar de ter aumentado bastante a produção agrícola das regiões em que foi aplicada, a revolução verde passou a sofrer acirradas críticas no mundo inteiro, algumas fundamentadas e outras não. Ela é criticada devido ao fato de o problema da fome não ter sido eliminado – e em algumas regiões ele até aumentou – nos países pobres. Essa crítica não é inteiramente válida, visto que houve uma sensível diminuição da fome e da subnutrição nas áreas onde a revolução verde foi mais aplicada, especialmente no sul, sudeste e leste da Ásia. O número de pessoas com fome – ou seja, com uma alimentação diária insuficiente – aumentou apenas nas regiões do globo onde essa revolução não foi adotada de forma muito parcial: na África, principalmente, e na América Latina.16- Não há dúvidas de que a revolução verde apenas diminuiu – o que significa que não eliminou – o problema da fome naquelas regiões asiáticas, mas temos que admitir que, nesse caso, uma eliminação completa é algo praticamente impossível nas atuais condições econômico-sociais, pois existem enormes contingentes de pessoas com baixíssimos rendimentos e os alimentos são mercadorias e não objetos gratuitos. Isso quer dizer que a fome e a subnutrição são problemas sociais – políticos e

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econômicos e não meramente técnicos ou agronômicos. Por esse motivo, criar uma técnica – como é o caso da revolução verde – pelo fato de ela não ter eliminado a fome é uma atitude bastante superficial ou até tendenciosa.Impactos sociais e economicos15- Outras críticas à revolução verde, porém, são procedentes, como aquelas que denunciam os seus impactos sociais e ambientais negativos. Do ponto de vista social, ela favoreceu os grandes proprietários de terras e prejudicou os pequenos, o que significa que ela contribuiu para promover uma concentração da propriedade da terra no meio rural. Isso porque são necessários grandes recursos financeiros para comprar as sementes, os adubos químicos, etc., e somente só os grandes proprietários possuem o capital disponível ou condições de consegui-lo nos bancos comerciais.16.1-Além disso, essa revolução verde é mais apropriada para grandes extensões de terras, pois introduz a plantação de grandes monoculturas de arroz, trigo ou milho híbridos. Como ela, de fato, aumenta a produtividade (a produção por hectare) desses cultivos, as pequenas propriedades que existem ao redor das grandes que estejam utilizando essas técnicas vão ser prejudicadas, visto que os preços desses gêneros agrícolas tendem a cair. Para os grandes proprietários, essa queda dos preços é compensado pelo grande aumento da produção e, portanto, das vendas. Mas para o pequeno proprietário, isso é catastrófico, pois a sua produção continua a mesma. Com o tempo, muitos pequenos proprietários acabam vendendo as suas terras para os grandes, o que configura uma maior concentração social das propriedades agrárias.Impactos ambientais16.2-Do ponto de vista econômico, a agricultura moderna tende a ser, direta ou indiretamente, controlada por um pequeno número de empresas multinacionais, sediadas principalmente nos Estados Unidos e na Europa ocidental. São elas que mais investem em pesquisas – para criar novas modalidades de plantas, para produzir novos agrotóxicos, para criar novas variedades de alimentos transgênicos, etc. – e, com isso, acabam monopolizando certas tecnologias e cobram elevados preços para permitir que os agricultores as utilizem. Isso mais uma vez beneficia os grandes proprietários, que podem pagar, e prejudica os pequenos, assim como beneficia as regiões ou os países mais ricos e prejudica os mais pobres. Em alguns países extremamente pobres, como os existentes em grande parte da África Subsaariana, muitas vezes nem mesmo os grandes proprietários rurais possuem condições para investir nessas dispendiosas tecnologias modernas.17- Do ponto de vista do impacto ambiental negativo, a revolução verde , assim como todos os demais tipos de agricultura moderna, produziu uma contaminação de alimentos e até das águas locais. Essa contaminação é causada pelo excesso de adubos químicos e agrotóxicos empregados, que, em parte, fica nos produtos e, em parte, é carregado pelas chuvas até os rios ou se infiltra no solo poluindo os lençóis subterrâneos de água. Ela ainda é mais grave nas áreas tropicais, pois há aí um número maior de agentes patogênicos que atacam as plantas, e não há um rigoroso inverno, que faça com que esses agentes hibernem ou fiquem inativos. Isso produz uma necessidade de uma maior quantidade de agrotóxicos, pois uma grande parte dele é carregada pelas chuvas e não ficam na plantação.17.1-Outro impacto ambiental negativo provocado pela agricultura moderna – logicamente também pela revolução verde, que foi uma espécie de símbolo daquela – é a perda da biodiversidade, que ocorre na região onde ela é praticada. Isso se deve ao fado de as grandes monoculturas eliminarem inúmeras espécies de plantas, ocasionando um empobrecimento biológico. Ora, é fato conhecido que um ecossistema rico ou diversificado é muito mais estável que um ecossistema rico ou diversificado é muito mais estável que um ecossistema pobre ou pouco diversificado em número de espécies vegetais e animais. Essas monoculturas, portanto, são frágeis e pouco estáveis, sobre os quais os cientistas e técnicos tem de exercer um controle permanente para não serem facilmente destruídos pela natureza. Assim, surgem novas pragas, novos ou mais resistentes agentes patogênicos, fato que leva à necessidade de constante aprimoramento dos agrotóxicos (ou das vacinas e remédios para os animais), que vão se tornando mais e mais perigosas, e algumas vezes, até gera uma imensa perda de colheitas (ou da criação).Expansão dos agrossistemas modernos18- Os agrossistemas modernos existem em grande quantidade nos Estados Unidos, no Canadá, na Europa ocidental, Austrália e Nova Zelândia. Também existem – e estão se expandindo rapidamente – no Leste europeu, na Rússia, na Ucrânia, e em inúmeros países subdesenvolvidos. No Brasil, ocorreu uma grande modernização da agropecuária nas últimas décadas, normalmente no centro-sul do país e, de forma especial, na região dos cerrados.18.1-A região dos cerrados era vista, até os anos 1960, como pouco propícia à agricultura, em virtude do clima tropical semi-úmido e, principalmente, dos solos muito ácidos e com alto teor de alumínio e baixo teor de nutrientes. Pesquisas agronômicas resultaram na descoberta e aplicação de técnicas que minimizaram grande parte dessas descobertas, tais como a calagem dos solos (isso é, a adição de calcário para corrigir a acidez), o aperfeiçoamento de certas variedades de soja e arroz resistentes ao alumínio, etc. –, o que tornou a agricultura da região extremamente eficiente e competitiva em termos do mercado global. Com o êxito da aplicação dessas tecnologias, mais de 10 milhões de hectares de cerrado foram incorporados à produção moderna e o Brasil emergiu como o segundo produtor mundial de soja.18.2- Os agrossistemas modernos são muito variados em função de cada realidade nacional ou regional. Nos Estados Unidos, no Canadá, na Austrália e na Nova Zelândia – e também, em parte, no Brasil, na Rússia e na Ucrânia –, predominam as grandes propriedades rurais que praticam monoculturas e usam uma imensa mecanização. Já na Europa, predominam as pequenas propriedades e a mecanização não é tão intensa – o que dificulta, embora não impeça – o uso de aviões para espalhar pesticidas, uso de imensos tratores, etc. Alem disso, a densidade demográfica nos campos europeus é bem maior do que nos países mencionados anteriormente, fato que suscita um maior uso de mão-de-obra em relação às máquinas.18.3- Em alguns lugares áridos ou semi-áridos – em Israel e em partes da Califórnia, da Europa e da Austrália e até mesmo em partes do nordeste brasileiro –, a introdução da irrigação, juntamente com variedades especiais de plantas, fez com que surgissem algumas modernas áreas agrícolas, que produzem cereais diversos e frutas, como uvas, que, muitas vezes, estão associadas à fabricação de vinhos.O agribusiness19- Embora não se trate de um sistema puramente agrário, não se pode deixar de mencionar a agroindústria – ou melhor, agribusiness (negócios agrícolas) – que consiste numa integração entre as atividades primárias e o setor industrial.19.1- O termo agribusiness, num sentido geral, designa toda uma cadeia ou um sistema integrado de produções – adubos, fertilizantes, cereais, máquinas agrícolas, criações, etc. –, que dependem uma das outras. Num sentido mais, bastante empregado no Brasil, o agribusiness refere-se especificamente às indústrias cujos produtos têm por base um produto agrícola, tais como: a indústria de cigarros, baseada no cultivo de fumo; a indústria de bebidas, que utiliza a cana-de-açúcar, a cevada, a uva, etc.; a indústria de óleos comestíveis, que beneficia a oliva, a soja e outros produtos agrícolas; a indústria de calçados,que usa o couro; a indústria de lacticínios, que fabrica queijos, iogurtes, manteiga e outros produtos derivados do leite. A indústria de beneficiamento de carnes diversas, que produz salsichas, carnes entaladas, frangos congelados, etc.19.2- O agribusiness representa um último estágio da integração entre a agropecuária e a atividade industrial, ou como preferem alguns, de subordinação do produtor rural aos interesses industriais. É muito comum em inúmeras produções, mesmo

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quando são realizadas por pequenos agricultores – casos do fumo, da criação de frangos ou porcos, do cultivo de uvas, etc. – sejam determinadas pelos interesses da indústria. Normalmente é esta quem financia esses produtores – fornecendo equipamentos, insumos, etc. – e eles, em contrapartida, vendem toda a sua produção para essa grande indústria, que, aliás, acaba estabelecendo os preços para essas matérias-primas.

Os agrossistemas alternativos20- Os agrossistemas alternativas também são plurais, isto é, diversificados. Fala-se muito em agricultura orgânica, em agricultura ecológica, em agropecuária sustentável, etc. e, muitas vezes, o entendimento do que seja isso tudo é bastante diferente conforme o autor ou a prática agrária. O que há em comum é que todas as variantes de agropecuária alternativa procuram evitar os problemas sociais e ambientais ocasionados tanto pela agricultura tradicional quanto, principalmente, pela moderna.20.1-Procura-se assim, uma maior harmonia com a natureza, sem agredi-la. Restringe-se o uso de adubos químicos – alguns te dizem que eles nunca devem ser utilizados –, dando-se preferência aos orgânicos (estercos, restos de vegetais, etc.), que são naturais e não ocasionam grandes impactos ambientais negativos, isto é, que em geral não contaminam os alimentos nem poluem as águas. Também os defensivos agrícolas ou agrotóxicos são evitados ou até abolidos em almas experiências mais radicais, dando-se preferência ao controle das pragas. O controle biológico consiste em pesquisar e introduzir inimigos naturais dos agentes patogênicos, isto é, organismos que são predadores desses agentes e, ao mesmo tempo, não prejudicam as plantações ou o gado. Plantas ou animais transgênicos nem pensar: eles são completamente descartados pela agropecuária alternativa ou natural.20.2-Normalmente os agrossistemas alternativos praticam a policultura (ou seja, o cultivo de vários produtos) e não a monocultura. Em muitos casos, eles são de subsistência, mas a agricultura alternativa comercial está se expandindo bastante nos últimos anos.20.3-Até mesmo a questão social costuma ser levada em consideração: as agriculturas alternativas fazem uso intensivo de mão-de-obra, procurando evitar a utilização de muitas máquinas, fato que contribui para empregar mais pessoas no campo e, assim, diminuir o êxodo rural e o desemprego.20.4-Os principais objetivos desse sistema agrário, em resumo, são: a produção de alimentos saudáveis; o equilíbrio com o meio ambiente, evitando os impactos negativos e a perda da biodiversidade, e uma parcela de contribuição para resolver o problema do desemprego, que vem se agravando na sociedade moderna.20.5-Existe no mercado mundial uma tendência crescente de produção e compra de alimentos naturais, aqueles que são produzidos pela agricultura alternativa e que, em alguns casos, contam com o apoios governamentais. Na Europa e nos Estados Unidos, os cultivos orgânicos crescem de 25% a 60% ao ano. No mercado brasileiro, ultimamente eles têm crescido 10% ao ano, e 70% dessa produção é exportada, o que gerou, em 2001, uma receita de 10 milhões de dólares. O governo inglês planeja converter em agrossistemas alternativos 20% de sua agricultura convencional. A Alemanha, que atualmente é o maior consumidor mundial de produtos orgânicos, determinou que toda alimentação infantil deverá ser, progressivamente, constituída de alimentos considerados naturais.20.6-Contudo, é bastante improvável que a agricultura alternativa, pelo menos em curto e médios prazos – isto é, até meados do séc. XXI –, chegue a ameaçar a hegemonia da agricultura moderna. Talvez isso ocorra em algumas áreas ou regiões específicas, mas, no nível mundial – isto é, para alimentar os 6,2 bilhões de pessoas que existem atualmente no planeta –, os agrossistemas modernos continuam sem concorrentes. A agricultura alternativa já provou que pode produzir alimentos mais saudáveis, mas ainda não provou que pode produzir em grande escala e com preços competitivos, ou seja, que poderia alimentar bilhões de pessoas produzindo alimentos com baixo custo de produção. Por enquanto ela é ainda uma alternativa para uma minoria da população – alguns setores das classes alta e média – que pode pagar preços mais elevados para consumir esses produtos naturais, ainda escassos e, normalmente, mais caros que os convencionais.20.7-Na verdade, todos os três principais tipos ou modelos de agrossistema deverão continuar a coexistir, por, no mínimo, várias décadas. Os sistemas alternativos se expandem, mas os modernos continuam a predominar e também se expandem. E os sistemas tradicionais, mesmo relativamente ineficientes, sobrevivem porque representam, em alguns casos, a única alternativa em face das condições socioeconômicas e ambientais da região: solos pobres e carência de capital, grande número de pessoas vivendo no campo, enorme influência cultural das tradições seculares ou, às vezes, milenares, etc.

ATIVIDADES

I- Procure explicar quais são as principais diferenças entre os agrossistemas tradicionais , modernos e alternativos.II- Explique o que foi a revolução verde e quais são os seus prós e contras.III- As perspectivas para as próximas décadas, no nível mundial, são de hegemonia absoluta de um só sistema agrário – o moderno, o tradicional ou o alternativo – ou de coexistência entre todos eles? Justifique sua resposta.