ser docente universitario
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Docente universitário, monografiasTRANSCRIPT
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE ARTES DEPARTAMENTO DE MSICA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM MSICA
Ser docente universitrio-professor de msica: dialogando sobre identidades profissionais
com professores de instrumento
Ana Lcia de Marques e Louro
Orientao: Dra. Jusamara Vieira Souza
Porto Alegre, Brasil
Maro de 2004
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE ARTES DEPARTAMENTO DE MSICA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM MSICA
Ser docente universitrio-professor de msica: dialogando sobre identidades profissionais
com professores de instrumento
Tese apresentada como requisito
parcial obteno do ttulo de Doutor
em Msica
Ana Lcia de Marques e Louro
Orientao: Dra. Jusamara Vieira Souza
Porto Alegre, Brasil
Maro de 2004
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Trabalhar na universidade sempre me trouxe uma satisfao muito grande, mas sempre foi sentido como responsabilidade e cobrana. Uma cobrana que me deixava tonta s vezes e que parecia piorar na medida em que a minha prpria atuao profissional carecia de definies. Uma colega, que esteve por algum tempo afastada do nosso curso, um dia me disse: Poxa, Ana, a gente contava contigo para cuidar da rea de educao musical no curso, o que voc anda fazendo? Eu dava aulas de flauta e era chefe do departamento. Por que deveria ser diferente? Meu concurso na Universidade Federal de Santa Maria foi para professora de flauta transversa e doce; alm disso, naquela poca havia um remanejamento das disciplinas de Educao Musical devido sada de uma professora e ao afastamento para estudos de outras duas. Mas por que minha colega no me via tambm como professora de instrumento? Talvez por que professores de flauta no fazem mestrado em Educao Musical, desenvolvem pesquisas e vo a congressos. Professores de flauta tocam, isto o que so, esta sua essncia. Tambm ningum os ensinou a administrar, por que deveria? Como tu s diferente, para mim tu s a professora de Educao Musical. Mas tu no ests dando conta, tu deverias fazer muito mais! Essa parecia ser a mensagem da minha colega. Pensei em responder: A que horas, s trs da manh? Claro que no disse isso, mas me intrigava a sua pergunta, parecia que ela me colocava diante de uma escolha: atuava em Educao Musical ou em Performance. Mas duvidei um pouco da necessidade da escolha. E, com um pouco de reflexo, percebi que a culpa no era totalmente minha, que a universidade tinha suas carncias de pessoas, de definio das tarefas de cada um, e que ns, professores universitrios da rea de msica, deveramos buscar um clareamento de nossas situaes de vida na profisso. Parecia que o meu lado professora de instrumento se debatia mais nesta busca, ento tracei questionamentos neste sentido: Mas o que eu deveria ser, saber ou dizer como professora de instrumento? Existe uma maneira certa de ser o professor de instrumento no Bacharelado em Msica? Existe um espao para uma pluralidade nessa atuao profissional? Quais so os limites dessa pluralidade? Quem estabelece estes limites? E, assim, meu eu instrumentista buscava uma nova pesquisa terica...
(Ana Lcia Louro, Dirio de Pesquisa, 9/9/03)
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Dedico este trabalho aos meus pais Juracy Cunegatto Marques e Paulo Pereira Louro Filho, que sempre me instigaram com suas vivncias de professores universitrios.
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Agradecimentos Aos dezesseis docentes universitrios-professores de instrumento participantes, por compartilharem momentos de suas vidas. Aos trs docentes universitrios-professores de instrumento, participantes apenas da fase inicial da pesquisa, pela sua compreenso e pelo tempo despendido. A uma pessoa muito importante na escolha dos meus caminhos acadmicos, Profa. Jusamara Souza, tambm orientadora desta tese, muito obrigada! pessoa que transformou meu estgio no exterior em uma experincia plena de crescimento pessoal, profissional e de inspiraes para os meus caminhos artsticos e acadmicos Profa. Liora Bresler, muito obrigada! Pelo esforo na transcrio literal das entrevistas. Em especial Daniela Dotto Machado e Regianea Blanck Wille. Luciane Leipnitz e Gabriela Carvalho pela reviso atenta do texto. Pela diagramao e arte da capa (lmina no incio) a Elceni Gelain. Ao grupo Educao Musical e Cotidiano, pelo apoio acadmico e afetivo. UFRGS, por mais esta oportunidade de estudo e pelo auxlio no contato com seus professores. UFPel, pela acolhida calorosa e especial deferncia na coleta de dados junto a seus professores. Ao Departamento de Msica da UFSM, por compreender a necessidade de formao em nvel de doutorado de seus professores, em particular pela concesso do afastamento de quatro anos. UFSM, por facilitar a coleta de dados junto aos seus professores e pela concesso de uma bolsa Capes/PICDT para a realizao dos meus estudos. Capes, por financiar esta pesquisa no seu perodo brasileiro e americano (bolsa- sanduche). University of Illinois at Urbana-Champaigne, pela pronta acolhida e pelo financiamento das disciplinas, durante o estgio no exterior. A E. Kay e K. Roger Van Horn por toda sua amizade e apoio ao longo do processo de doutorado.
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Guacira Louro, Renato H. Fiori e Amauri Iablonivsky por seu auxlio nas fases iniciais do projeto. Ao Jos Luis Arstegui da Universidad de Granada, por mostrar que, mesmo por e-mail, possvel fornecer apoio intelectual e afetivo de grande significado. Magali Kleber e Joo Berchmans de Carvalho Sobrinho por me mostrarem na prtica os caminhos da co-aprendizagem entre alunos de doutorado. Lilian Neves, Maria Guiomar Carvalho e Maria Cecla Torres por seus valiosos comentrios sobre o texto e pelas trocas que tivemos ao longo de nossos processos de doutoramento. Ao Paulo de Marques e Louro, Maria Claudete Kasper e Louro e Nathlia Kasper e Louro, por estarem sempre presentes nos meus caminhos de crescimento pessoal e profissional. Ao grupo de orao Nossa Senhora de Mont Serrat e ao Ministrio de Msica Me do Cu Morena, por reafirmarem, em nossas experincias conjuntas, a existncia de outras vidas alm da profissional.
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Sumrio
Lista de Quadros............................................................................................................. x
Resumo ........................................................................................................................... xi
Abstract ......................................................................................................................... xii
Captulo 1 - Introduo................................................................................................ 13
1.1 Localizando a temtica da pesquisa .................................................................. 13
1.2 Aproximaes do conceito de identidade profissional ..................................... 18
1.3 Estrutura da Tese................................................................................................ 20
Captulo 2 - Caminhos terico-metodolgicos ........................................................... 22
2.1 Um enfoque sociolgico: as identidades entre o social e o individual............. 22
2.2 Entrevistas de histria oral temtica: a memria de uma pessoa e a identidade de um grupo ............................................................................................ 25
2.3 Entrevistas com os professores: a construo dos processos de coleta de dados..................................................................................................................................... 27
2.3.1 A utilizao da tcnica de histria oral temtica .......................................................................27 2.3.2 Fazendo contatos e obtendo respostas: a vontade dos docentes universitrios-professores de instrumento de se narrarem .............................................................................................................30 2.3.3 Em busca de um dilogo genuno: alguns conceitos da hermenutica filosfica na construo do processo de coleta de dados...........................................................................................................32
2.4 A realizao das entrevistas ............................................................................... 39 2.4.1 Contextos...................................................................................................................................39 2.4.1.1 Contextos das entrevistas........................................................................................................39 2.4.1.2 A pesquisadora no processo de coleta de dados .....................................................................41 2.4.1.3 Olhando para os professores...................................................................................................44 2.4.1.4 Ns somos pessoas muito ocupadas: negociando horrios e locais ....................................46 2.4.2 Durante a entrevista ...................................................................................................................48 2.4.2.1 Procedimentos ........................................................................................................................48 2.4.2.2 Conduo das entrevistas: essa metodologia como uma msica, eu vou procurar te acompanhar.......................................................................................................................................49 2.4.3 Finalizando a coleta de dados: as assinaturas das cartas de cesso............................................51
2.5 Processos de anlise de dados............................................................................. 52 2.5.1 Princpios gerais da anlise........................................................................................................52 2.5.2 O estabelecimento de categorias de anlise provisria..............................................................54 2.5.3 Procedimentos de anlise global dos dados...............................................................................56
Captulo 3 - Instncias de formao e vivncias universitrias ............................... 60
3.1 Apresentando os professores participantes ...................................................... 61
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3.2 Instncias de formao e processos identitrios............................................... 66 3.2.1 Lembranas de aprendizados na famlia....................................................................................67 3.2.2 Primeiros contatos com instncias de formao para a profisso ..............................................68 3.2.3 Formaes para a profisso: a imerso no meio profissional ....................................................69 3.2.4 Formao continuada e projetos profissionais...........................................................................72
3.3 Trabalhando na universidade ............................................................................ 74 3.3.1 Experincia profissional: na busca da minha cara de trabalho...............................................74 3.3.2 Contextos de trabalho ................................................................................................................77 3.3.2.1 Decidindo dar aulas na universidade ......................................................................................77 3.3.2.2 Condies de trabalho ............................................................................................................82 3.3.2.3 Aes culturais perifricas......................................................................................................87 3.3.2.4 Realizao profissional...........................................................................................................89 3.3.2.5 O departamento pode ser visto como uma cooperativa? .....................................................92
Captulo 4 - Exerccio profissional na universidade.................................................. 96
4.1 Se fosse s dar aula era uma maravilha? ...................................................... 96 4.1.1 Administrao............................................................................................................................98 4.1.2 Pesquisa .....................................................................................................................................99 4.1.3 Extenso ..................................................................................................................................102 4.1.4 Atividades musicais pblicas...................................................................................................104
4.2 Sobre experincias de ensino na universidade................................................ 107 4.2.1. Polivalncia: j dei aula de tudo..........................................................................................107 4.2.2 Sobre os cursos de bacharelado em msica .............................................................................111 4.2.2.1 Objetivos dos cursos de Bacharelado em Msica.................................................................112 4.2.2.2 Vises sobre os egressos.......................................................................................................113
4.3 Preparao para as aulas: eu no trabalho em outros locais, s na universidade e em casa?........................................................................................ 117
4.3.1 Ensino a partir da prtica profissional .....................................................................................117 4.3.2 Os antigos professores como modelos.....................................................................................118
Captulo 5 - As aulas na disciplina instrumento do curso de bacharelado em msica .......................................................................................................................... 122
5.1 As aulas .............................................................................................................. 122 5.1.1 Modalidades de aula ................................................................................................................122 5.1.2 Ensinando interpretao: mais do que aula de instrumento, aula de msica........................123 5.1.3 A questo do repertrio ...........................................................................................................132 5.1.4 Tocar em pblico.....................................................................................................................137
5.2 Vises dos professores sobre processos de aprendizagem ............................. 138 5.2.1 Relao professor-alunos.........................................................................................................139 5.2.1.1 Dimenses subjetivas da relao professor-aluno Estou lidando tambm com uma pessoa..........................................................................................................................................................141 5.2.1.2 Os conhecimentos que os alunos trazem ..............................................................................143 5.2.2 A aula de msica como formao............................................................................................148
Captulo 6 - Mltiplas identidades............................................................................ 151
6.1 Identidades e seus fluxos: como um girassol............................................ 151 6.1.1 Momentos de lazer e convivncia familiar ..............................................................................153 6.1.2 Ser me e professora................................................................................................................155 6.1.3 Ser educador/a: pai/me; professor/a.......................................................................................156
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6.2 A profisso de docente universitrio-professor de msica............................ 157 6.2.1 Conhecimentos ........................................................................................................................160 6.2.2 Valores.....................................................................................................................................161
6.3 Identidades coletivas dos docentes universitrios-professores de instrumento................................................................................................................................... 163
6.3.1 Profissionalidade .....................................................................................................................163 6.3.2 Competncias musicais, pedaggicas e polticas.....................................................................164 6.3.3 Identidades profissionais .........................................................................................................169
Captulo 7 - Consideraes finais .............................................................................. 172
7.1 Revisitando os processos da pesquisa.............................................................. 172
7.2 Contribuindo para a reflexo dos professores e para futuras pesquisas ..... 177
Anexos.......................................................................................................................... 180
Referncias .................................................................................................................. 187
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Lista de Quadros Quadro 1 Definio dos participantes da pesquisa --------------------- 31 Quadro 2 Etapas da coleta de dados--------------------------------------- 32
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Resumo
Tomando como ponto de partida o tema das identidades profissionais e as
reflexes sobre as minhas vivncias como professora universitria na rea de msica,
proponho o estudo das narrativas de dezesseis professores de instrumentos musicais nos
cursos de Bacharelado em Msica em trs universidades pblicas do Estado do Rio
Grande do Sul: UFPel, UFRGS, UFSM. A metodologia escolhida a tcnica da histria
oral temtica, atravs de entrevistas semi-estruturadas, contextualizadas com o auxlio
de registros em dirios de campo. O conceito de dilogo genuno, vindo da
hermenutica filosfica, tambm se torna importante para o estabelecimento de uma
zona interpretativa, na qual as perspectivas dos entrevistados, minhas e da literatura
pudessem ser consideradas. A anlise de dados feita a partir do estabelecimento de
categorias que transversalizam as entrevistas, buscando-se, entretanto, a preservao da
unicidade de cada depoimento. Primeiramente, so desenvolvidos dois grupos de
categorias analisadas: formao e atuao. Posteriormente, desenvolvo os grupos de
categorias referentes s experincias de ensino, fazendo uma aproximao do foco para
os relatos sobre as disciplinas de instrumento principal dos cursos de Bacharelado em
Msica. A seguir, fao um recuo panormico, destacando as relaes entre as
identidades profissionais e as amplas vivncias como pessoa, de cada professor.
Posteriormente, abordo a profisso de docente universitrio-professor de instrumento,
confrontando os dados com os conceitos de profissionalidade, de competncias e de
identidades profissionais coletivas. Nas consideraes finais, a contribuio dessa
investigao para a reflexo pessoal dos participantes, para a rea de msica, para outras
reas que tm como objeto de estudo o professor universitrio, bem como para a minha
reflexo pessoal e profissional apontada.
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Abstract
Professional identities are studied through narratives of 16 university instructors-
instrumentalists that teach at the performer program in three public universities of the
state of Rio Grande do Sul (Brazil). The start point is the discussion about professional
identities, against my own understanding, as it was developed according to the literature
concerned and my own professional experiences. The main methodology is the
technique of thematic oral history, through semi-structural interviews contextualized by
field notes. The concept of genuine dialogue from philosophy hermeneutics is also a
basic concept for the construction of an interpretative zone where the perspectives of the
interviewee, mine perspectives and the one from the literature could be taken into
account. The data is analyzed through transversal categories, though the maintenance of
the unity of each interview is preserved. At first, two category groups are developed:
about studies and about professional activities. Later, professional activities are taken in
a double focus: first, the teaching activities in general and second, the teaching activities
at the courses on the perform programs. Than, a panoramic amplification is envisaged,
in order to emphasize relationships between the professional identities and the broad life
experiences, as it were narrated by the participants. Further, the profession of university
instructor-instrumental teacher is confronted with the concepts of profissionalization,
competencies and collective identities. In the last chapter, it is described how this study
helps on the personal reflection of the interviewee, for the music field, for other fields
that study university teachers and for my personal professional reflections, as well.
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Captulo 1 Introduo
1.1 Localizando a temtica da pesquisa
O debate atual sobre o ensino superior apresenta um quadro desafiador para o
professor que atua na universidade brasileira. A demanda dos alunos e do mercado de
trabalho, as reformas curriculares, a implementao de sistemas de avaliao externos e
internos, a relao entre atividades de ensino, pesquisa e extenso e as discusses sobre
a universidade pblica so alguns fatores que desafiam esse profissional. Muitos autores
se debruam sobre essas questes (entre outros, Masetto, 1998; Isaia, 2001; Fernandes e
Menetrier, 2002). Masetto (1998) aponta para uma crise do papel dos professores
universitrios diante da superao do paradigma do professor como transmissor de
conhecimentos.
Para Carrolo (1997), justamente esse momento de crise que conduz ao
surgimento de pesquisas sobre identidades, pois, nesses momentos, as instituies e os
referenciais perdem a sua significao e seu carter de segurana. Segundo o autor, a
crise de identidade instalou-se na conscincia do cidado contemporneo e
generalizou-se a todos os nveis (p. 23). justamente em resposta a esta sensao, pois
mais do que um sentimento de mal-estar uma busca pelo novo, que surgem as
pesquisas sobre o tema da identidade em diversas reas do conhecimento.
Dubar (1997b, p. 51)1 focaliza a questo da identidade profissional dentro deste
quadro geral de crises das identidades e destaca:
O trabalho est no centro do processo de construo, destruio e reconstruo das formas identitrias, porque no trabalho que os indivduos, nas sociedades salariais, adquirem o reconhecimento financeiro e simblico da sua actividade. tambm apropriando-se do seu trabalho, conferindo-lhe um sentido, isso , dando-lhe, ao mesmo tempo, uma significao subjetiva e uma direo objetiva, que os indivduos ascendem autonomia e cidadania. quando este processo perturbado que o trabalho perde a sua centralidade e que a crise social toma aspectos dramticos que provocam formas diversas de perda de identidade e de mltiplos sofrimentos.
Em relao profisso, os problemas vivenciados adquirem caractersticas
especficas nas diferentes reas do conhecimento e de modo particular para cada
1 As citaes feitas a partir de edies portuguesas foram mantidas na grafia original.
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professor. Essas diferenas podem estar associadas, entre outros fatores, a tipo de
carreira profissional para o qual os cursos, aos quais os professores esto vinculados,
preparam os estudantes. Esse fator apontado por Cunha e Leite (1996, p. 9) no seu
estudo sobre os valores que caracterizam o campo cientfico das carreiras universitrias
em seu intercmbio com as estruturas de poder presentes na sociedade contempornea.
Na rea da msica, a questo da valorizao da atividade artstica, os
questionamentos sobre as aulas individuais e a possibilidade de exercer a profisso sem
a titulao universitria so alguns aspectos a serem considerados. Com referncia aos
estudos sobre o pensamento do professor universitrio de msica a respeito de sua
profisso, parece existir uma tendncia, apontada por Cox (1996), de se partir de uma
ambigidade entre os papis de msico e professor. Mark (1998) considera que, entre os
professores de msica, existe uma tendncia ao predomnio da imagem do pedagogo.
J Roberts (1991) advoga pela construo junto aos alunos de licenciatura em msica de
uma identidade profissional, na qual predomine a imagem de msico. Todos esses
autores parecem considerar a questo como um dilema: ser msico ou professor. A
perspectiva desses estudos parece estar mais relacionada com a viso de identidades
profissionais que Malvezzi (2000) classifica como tradicional.
Assim, existem dois modelos de identidade profissional: um relacionado a uma
economia moderna, que estaria em fase de desaparecimento, e outro relacionado a
uma economia globalizada, que estaria em fase de implementao. Como Malvezzi
(2000, p. 134) explica: Na sociedade tradicional, caracterizada pela estabilidade de
papis e estruturas, a identidade profissional era um objeto menos pressionado a mudar,
principalmente quando a relao de indivduo e meio atingia um ponto de equilbrio. O
profissional desempenhava o seu papel como parte de uma engrenagem, e seu posto
de trabalho e suas tarefas contribuam com um peso significativo para a sua identidade
profissional. J no contexto da globalizao, nas condies da empresa flexvel, a
construo da identidade profissional impe-se como uma forma de adaptao
ambigidade e incertezas que tornam a gesto do indivduo uma atividade mais
complexa (Malvezzi, 2000, p. 140).2
Para alguns autores, na rea de educao musical (Harris, 1991; Roberts, 1991;
Cox, 1996), um fator importante na trajetria dos professores de msica a relao 2 A necessidade de competncias novas para os professores universitrios, diante das modificaes da economia, tem sido apontada por outros autores da rea de economia e administrao, como Karawejczyk (2002), por exemplo.
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entre os papis de msico e professor. Cox (1996, p. 112) enumera as pesquisas sobre a
percepo de papis no campo da educao musical, considerando que essas pesquisas
tm se concentrado principalmente na natureza ambivalente da identidade do educador
musical como professor e educador ou msico e performer.3 Cox (1996) considera
esta ambivalncia como parte do papel social de ser educador musical.
Por um lado, o papel de professor seria preponderante para o educador musical
que atua na escola regular, enquanto o professor de instrumento4 de escolas especficas
voltar-se-ia mais para o papel de msico (Mark, 1998). Por outro lado, Souza (1994, p.
46) considera que a pergunta professor de instrumento: pedagogo ou artista? reflete
um dos problemas bsicos da formao do professor de instrumento [...] o da definio
de papis, do contorno, das diferentes nfases e concepes do que vem a ser o
educador musical e respectivamente professor de instrumento.
Tomando em considerao no s a complexidade da construo das identidades
profissionais no momento atual, apontada por Malvezzi (2000), como tambm a
pluralidade destacada por Nvoa (1995), optei pelo estudo da relao dos professores
com os campos de atuao musical e docente como construo de significados de
profissionalidade.
Gimeno Sacristn (1995, p. 65) define a profissionalidade docente como a
afirmao do que especfico na aco docente, isto , o conjunto de comportamentos,
conhecimentos, destrezas, atitudes e valores, que constituem a especificidade de ser
professor. Ao privilegiar, alm de destrezas e conhecimentos, tambm atitudes e
valores, Gimeno Sacristn amplia a perspectiva da viso de profissionalidade para
aspectos de maior subjetividade. Este mesmo conceito de profissionalidade pode ser
aplicado msica. A prpria definio do que uma profissionalidade em msica ou
em pedagogia, bem como na combinao de ambas, mostra-se muito mais complexa e
plural do que uma simples definio de conhecimentos e destrezas associadas a essas
profisses ou opo entre um papel social de msico e/ou professor.
Alm disso, autores como Masetto (1998) apontam para uma ampliao das
competncias profissionais dos professores universitrios, na qual, alm das
competncias especficas, no caso a experincia profissional na msica e os
conhecimentos da rea, e das pedaggicas, tambm existe uma dimenso poltica. A 3 No original: has concentrated primarily on the ambivalent nature of music educators identity as either teacher and educator or musician and performer. 4 A palavra instrumento refere-se neste texto a instrumentos musicais.
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perspectiva desses autores direciona o olhar no apenas para a escolha de papis sociais,
mas para os valores pessoais e as maneiras como os professores podem estar com o
mundo (Freire, 1994), que fazem parte da profissionalidade dos docentes
universitrios.
Dessa forma, alguns autores da rea de msica que abordam a temtica da
profisso de professor parecem tender para um vis relacionado escolha de papis
sociais. Outras reas, como a sociologia e a economia, apontam para o pensamento
sobre a profisso como construo de identidades profissionais (Dubar, 1997a, 1997b,
1998; Carrolo, 1997; Malvezzi, 2000). Nessa perspectiva, as identidades profissionais
so processos compostos por uma complexidade de inter-relaes, que se transformam
ao longo da trajetria dos indivduos.
O presente estudo pretende compreender as identidades profissionais que
emergem das narrativas de professores de instrumento das instituies federais de
ensino superior do Estado do Rio Grande do Sul que possuem curso de graduao em
msica. So elas: Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS) e Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Foram entrevistados dezesseis professores que lecionam diferentes instrumentos
musicais nas disciplinas de Instrumento Principal dos cursos de Bacharelado em
Msica. Tais professores sero designados, neste trabalho, como docentes
universitrios-professores de instrumento, visto que os professores de instrumento na
universidade fazem parte do conjunto dos docentes universitrios.
Os docentes universitrios so vistos, nesta pesquisa, como um grupo
profissional que apresenta subgrupos relacionados s culturas das profisses ligadas aos
cursos que lecionam. Sendo assim, considero a possibilidade de os docentes
universitrios-professores de instrumento possurem uma memria coletiva como grupo
social, a qual geraria uma identidade coletiva. Tal identidade estudada a partir da
anlise de identidades compartilhadas como grupo dos docentes universitrios-
professores de instrumento atravs do discurso de cada professor. Cabe realar que esse
olhar sobre o grupo busca no perder a singularidade das experincias de vida de cada
professor, ao mesmo tempo em que procura encontrar alguns aspectos que os definam
enquanto grupo que realiza o mesmo trabalho e compartilha idias e valores.
O interesse pelo tema surgiu durante uma pesquisa sobre as disciplinas
pedaggicas do curso de Bacharelado em Msica (Louro, 1997). Ao refletir sobre os
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motivos que levam incluso ou no de disciplinas pedaggicas nos cursos de
bacharelado, ponderei se havia uma relao entre as identidades profissionais de
professor de instrumento e as decises sobre a grade curricular. Numa fase posterior da
pesquisa (Louro e Souza, 1999), em anlises de entrevistas com os professores,
surgiram questes sobre o ethos do instrumentista e a necessidade ou no do preparo
pedaggico formal do professor de instrumento atuante na universidade. Alm disso, a
vivncia como professora universitria na rea de msica tambm contribuiu para a
gesto dessa temtica ao longo das minhas reflexes profissionais.
Os trabalhos de Dubar (1997a, 1997b e 1998) sobre formas identitrias, o de
Gimeno Sacristn (1995) a respeito de profissionalidade, e o de Masetto (1998) em
relao s competncias do professor universitrio, contriburam para a elaborao de
questionamentos sobre as identidades profissionais de professores de instrumento
atuantes na universidade.
A questo principal que norteou a investigao foi: que identidades profissionais
emergem das narrativas dos docentes universitrios-professores de instrumento? Foram
consideradas duas subquestes: como as noes de profissionalidade se apresentam nas
falas dos docentes universitrios-professores de instrumento? Quais perspectivas sobre
competncias musicais, pedaggicas e/ou polticas esto presentes em seus discursos?
A partir de tais questionamentos, o presente estudo teve como objetivo geral
investigar as identidades profissionais presentes nas narrativas dos docentes
universitrios-professores de instrumento. Como objetivos especficos foram delineados
os seguintes: identificar as noes de profissionalidade que permeiam as falas dos
professores e analisar a viso dos professores sobre competncias musicais, pedaggicas
e/ou polticas na atuao do professor de instrumento na universidade.
Ao investigar as identidades profissionais dos docentes universitrios-
professores de instrumento, o presente estudo traz subsdios para a compreenso da
profisso de docente universitrio de msica, com foco no professor de instrumento.
Tais subsdios podem ser significativos tanto para programas de formao de
professores na rea, quanto para o entendimento de como esses profissionais lidam com
os problemas que enfrentam na atualidade.
Se, por um lado, a presente pesquisa pode colaborar com um estudo sobre
identidades no recorte do exerccio profissional dos docentes universitrios-professores
de instrumento; por outro lado, poder tambm contribuir para a produo de
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conhecimento cientfico sobre a realidade da universidade, na medida em que ajudar a
desvelar o pensamento do professor universitrio de msica.
1.2 Aproximaes do conceito de identidade profissional
Nvoa (1995, p. 15) destaca que a relao do professor com a profisso
analisada a partir da construo de identidades profissionais dentro de uma linha de
pesquisa voltada importncia do professor enquanto factor determinante da dinmica
educativa. Nesses estudos, a identidade profissional encarada como um processo
mvel, complexo e permeado por vivncias extraprofissionais. Para o autor:
A identidade no um dado adquirido, no uma propriedade, no produto. A identidade um lugar de lutas e conflitos, um espao de construo de maneiras de ser e estar na profisso. Por isso, mais adequado falar em processo identitrio, realando a mescla dinmica que caracteriza a maneira como cada um se sente e se diz professor. (Nvoa, 1995, p. 16)
Existe igualmente, nessa linha de pesquisa da literatura educacional geral, uma
preocupao em estudar a inter-relao das vivncias profissionais e pessoais. Moita
(1995) defende a hiptese de que tal identidade se constri no apenas a partir das
vivncias profissionais, mas tambm com a contribuio de vivncias ocorridas fora do
universo profissional.
Dubar (1997b) reala a mobilidade e a constante modificao das identidades
profissionais, caracterizando estes processos como parte da socializao dos indivduos.
Para ele:
as identidades sociais e profissionais tpicas no so nem expresses psicolgicas de personalidades individuais nem produtos de estruturas polticas econmicas que se impem a partir de cima, elas so construes sociais que implicam a interaco entre trajetrias individuais e sistemas de emprego, sistemas de trabalho e sistemas de formao. (Dubar, 1997b, p. 239)
Para Carrolo (1997, p. 27), a chave do processo da construo das identidades
profissionais est na articulao entre duas faces heterogneas: a identidade para si
ou desejada, que possui um processo biogrfico subjacente, e a identidade para
outrem, que possui um processo relacional subjacente. Atravs da reviso de
conceituaes tericas de diversos autores como Piaget, Mead, Parsons e Merton,
Berger e Luckmann e Bourdieu, Carrolo (1997) descreve esse mecanismo de dupla face
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entre aquilo que externo ou interno ao indivduo, que vai se transformando ao longo
da construo de sua socializao.
A relao eu/outro tambm enfatizada por Malvezzi (2000, p. 140), ao
relacionar a identidade com dois conjuntos de predicados, os da pessoa e os do meio,
que podem ser tomados como um significado, da individualizao na relao
eu/outro. Esse autor igualmente destaca a mobilidade da identidade profissional,
afirmando que a identidade est longe de ser uma substncia ou mito, porque ela no
algo acabado nem pronto, mas um tornar-se (Malvezzi, 2000, p. 141).
Alm disso, na relao entre eu e o outro tambm existe um processo identitrio,
que inclui a construo da noo de pertencimento a um grupo trazida pelo ns. A
identidade e a alteridade constroem-se neste processo de interaco onde o indivduo
percorre o caminho entre ns e o outro que vai descobrindo (Vieira, 1999, p. 69).
Dubar (1997a, p. 46) desenvolve o conceito de formas identitrias, cujo modelo
cruza o espao prioritrio de investimento e de reconhecimento (a empresa ou a rede
familiar) com a temporalidade tpica, legvel na relao com o futuro e na reconstruo
biogrfica (progresso ou bloqueamento). Esse autor considera que as formas
identitrias so tipos-ideais construdos pelo pesquisador para dar conta da configurao
e da distribuio dos esquemas de discursos delimitados pela anlise precedente (p.
21).
Ao apontar que as configuraes identitrias tpicas poderiam ser abstratamente
associveis a momentos privilegiados de uma biografia profissional ideal, Dubar
(1997b) aponta para um caminho de pesquisa emprico, relacionado ao estudo do que
designa como trajetria individual subjetiva (Dubar, 1998). As trajetrias subjetivas
seriam o enredo posto em palavras pela entrevista biogrfica e formalizado pelo
esquema lgico, reconstrudo pelo pesquisador por meio de anlise semntica (Dubar,
1998, p. 20).
Considerando-se a perspectiva de autores como Woodward (1997) e Roberts
(1999), que enfatizam a diferena como fator importante na construo das identidades,
parece surgir no conceito de identidade uma permanente tenso entre o individual e o
social. Na presente pesquisa, optei por uma perspectiva que trata o relato dos indivduos
como possuidor das vivncias sociais que buscam narrar. Tal olhar assemelha-se ao vis
tomado por autores como Mezzano (1998) e Melgarejo (2000). Essa ltima autora
considera que
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A nfase colocada no sujeito e no seu relato - e este como discurso- implica compreend-lo primeiramente como sujeito concreto, sntese de determinaes mltiplas onde se conjugam desde seu pertencimento a um grupo, uma classe, uma famlia e uma formao cultural. Onde o sujeito no existe como tal por si mesmo, no por via natural se no por um certo tipo de sociedade, de certa organizao e formas de relaes sociais. (Melgarejo, 2000, p. 45)5
Desse modo, a fala dos professores entrevistados analisada em relao aos
aspectos tanto individuais como, e principalmente, aqueles que constrem uma memria
coletiva e so definidores das identidades sociais (Mezzano, 1998). Entre as
perspectivas tericas preestabelecidas para o estudo dessas identidades socialmente
compartilhadas est a noo de profissionalidade (Gimeno Sacristn, 1995) e as
competncias do docente universitrio (Masetto, 1998). Assim so consideradas a
complexidade e mobilidade das identidades profissionais, bem como a perspectiva de
que elas possam ser compartilhadas dentro de um grupo social, no caso delimitado
como docentes universitrios-professores de instrumento.
1.3 Estrutura da Tese
Aps este primeiro captulo que localiza a temtica das identidades profissionais,
o Captulo 2 descreve os caminhos terico-metodolgicos adotados. A partir de um
recorte sociolgico, localizada a metodologia de Histria Oral, enquanto metodologia
multidisciplinar, que pode ser adequada a estudos na rea de educao musical. A
tcnica de histria oral temtica descrita, e a sua utilizao na presente pesquisa
relatada e discutida. Alguns conceitos da hermenutica filosfica so trazidos para
analisar o papel do dilogo genuno no processo de coleta de dados. So narradas
tambm as diferentes fases da coleta de dados bem como dos processos de anlise.
5 No original: El acento puesto en el sujeto y su relato - y ste como dicurso - implica compreender al primero como sujeto concreto, sintesis de mltiples determinaciones donde se conjugan desde su pertencia a un sector, a una clase, a una familia ya a una formacin cultural. En donde el sujeto no existe previamente como tal hasta su mismas, no por via natural sino por cierto tipo de sociedad, de cierta organizacin e formas de relacion social.
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No Captulo 3 so apresentados os professores, atravs de um condensamento
dos dados por participantes. Aqui so desenvolvidos dois grupos de categorias
analisados: formao e atuao na universidade. Nos relatos sobre formao feito um
contraponto com os trabalhos de Dubar (1997a, 1997b, 1998) tornando mais presente o
conceito de formas identitrias, fundamental na presente pesquisa. A partir dos relatos
sobre atuao, so apresentados diversos autores, objetivando tecer uma teia dialgica
com as vozes dos participantes e a minha.
No Captulo 4 so desenvolvidos os grupos de categorias referentes s atividades
acadmicas na universidade incluindo as de administrao, pesquisa, extenso e prticas
musicais pblicas. Localizando-me na atuao universitria descrita pelos professores,
fao um detalhamento das experincias de ensino.
O Captulo 5 aborda as disciplinas de instrumento principal do curso de
Bacharelado em Msica,6 analisando os relatos dos professores sobre o contedo
disciplinar das aulas, bem como suas vises sobre processos de aprendizagem.
O Captulo 6 apresenta como temtica central as identidades profissionais dos
professores estudados. Primeiramente, fao um recuo panormico, destacando as
relaes entre as identidades profissionais e as amplas vivncias como pessoa de cada
professor. Posteriormente, a profisso de docente universitrio-professor de instrumento
abordada, sendo os dados confrontados com conceitos de profissionalidade,
competncias e identidades profissionais coletivas.
No Captulo 7, retomo os pontos principais dos captulos anteriores. Ao mesmo
tempo, descrevo a forma de contribuio dessa investigao para o meu crescimento
profissional. So apontadas, ainda, pesquisas futuras que podero ser geradas a partir
desse estudo. Alm disso, so sugeridas possveis contribuies dessa pesquisa para a
reflexo pessoal dos participantes, para a rea de msica e outras reas que tm como
objeto de estudo o professor universitrio.
6 Tais disciplinas costumam ser nomeadas piano 1, ou flauta 5 ou violino principal 3, evitei essa nomenclatura para poder preservar o anonimato dos professores chamando essas disciplinas de disciplinas de instrumento principal.
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Captulo 2 Caminhos terico-metodolgicos
As narrativas sobre a profisso que emergem das falas de docentes
universitrios-professores de instrumento constituram o objeto da presente pesquisa
conforme apresentado no Captulo 1. Na dinmica dos processos de uma pesquisa
cientfica, autores como Marre (1991) apontam para uma dialtica ascendente, na qual
construdo o objeto de pesquisa, e uma dialtica descendente, que envolve o
desenvolvimento de uma metodologia adequada para o estudo do objeto de pesquisa
proposto. Neste captulo, sero relatados os diversos caminhos metodolgicos, buscando
descrever a maneira como seus aportes foram desenvolvidos.
No que se refere ao estudo das identidades de professores, parece no existir
uma linha metodolgica nica. Estrela (1997) aponta para uma pluralidade de opes
nesse sentido, considerando que as investigaes sobre identidade docente podem
remeter aos campos tericos da psicologia, da psicologia social, da sociologia ou da
antropologia. Para essa autora, a escolha metodolgica depende mais dos pases e de
certas correntes a dominantes do que de fronteiras decorrentes da definio clara do
objeto epistmico destas cincias (Estrela, 1997, p. 11). Uma vez definido o vis
terico desta pesquisa, como baseado na sociologia, optei por um desenho metodolgico
dentro de um enfoque sociolgico. Dentre as diversas abordagens de coleta de dados
num enfoque sociolgico, escolhi a Histria Oral, considerando a multidisciplinaridade
desta metodologia (Joutard, 1996).
2.1 Um enfoque sociolgico: as identidades entre o social e o individual
O aporte sociolgico mostra-se central para esta pesquisa, na medida em que
possibilita compreender as relaes entre as vivncias individuais e as estruturas sociais,
especialmente no nvel microestrutural, como os grupos sociais de indivduos que
exercem a mesma profisso. nessas relaes entre as pessoas com outras pessoas,
contextualizadas em locais de trabalho e estudo, que so construdas as identidades
profissionais.
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Essas relaes entre o indivduo e as pessoas, que possibilitam a construo das
identidades profissionais, so delineadas em suas trajetrias. Passeron (1995) chama a
ateno para a pluralidade de abordagens existentes nos estudos sociolgicos com
cunho biogrfico. Esse autor assinala que as diferentes palavras-chave usadas para
descrever as pesquisas, como biografia, itinerrio, trajetria ou carreira,
demostram ngulos bastante diferentes, cada um possuindo seu prprio vis
metodolgico. Independentemente das preferncias tericas, Passeron (1995, p. 222)
apresenta dois quadros principais de anlise nas pesquisas biogrficas: um primeiro
quadro, que busca realizar uma subordinao das biografias s estruturas objetivas,
advindas da cultura ou de tratamentos estatsticos, no qual postulado que tais
estruturas precedem e determinam a biografia do indivduo; e um segundo quadro, no
qual o devir biogrfico compreendido como resultante de dois fatores
intercambiveis do movimento da ao social dos indivduos e do determinismo social
das estruturas.
Numa linha de raciocnio prxima de Passeron, Dubar (1998) reala dois
modos de estudo das trajetrias individuais: o modo objetivo como uma seqncia de
posies num ou mais campos da prtica social, e o modo subjetivo, como uma histria
pessoal, cujo relato atualiza vises de si e do mundo. Esse autor salienta o segundo tipo
com referncia ao estudo sociolgico do conceito de identidade: Para o socilogo,
tomar a srio falas sobre si mesmo vindo de um sujeito incitado a se narrar[...] com
um pesquisador capacitado para escutar, talvez constitua uma condio sine qua non
para um uso sociolgico da noo de identidade (Dubar, 1998, p. 14).
Ao realizar uma reviso das pesquisas relacionadas a mtodos (auto)biogrficos
de estudo de professores, Nvoa (1995, p. 18) considera que a utilizao contempornea
das abordagens (auto)biogrficas fruto da insatisfao das cincias sociais em relao
ao tipo de saber produzido e da necessidade de uma renovao dos modos de
conhecimento cientfico. Esse autor classifica tais pesquisas em nove categorias
diferentes, conforme sua relao com dois eixos temticos: primeiro a pessoa, as
prticas e a profisso do professor e o segundo os objetivos relacionados teoria e
investigao, prtica e formao e emancipao, investigao e formao. As pesquisas
sobre a vida dos professores (Goodson, 1995; Huberman, 1995; Moita, 1995) buscam
alargar o foco de investigao da rea de educao das questes tcnicas do ensino e da
aprendizagem para as pessoas envolvidas, em especial a pessoa do professor.
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O enfoque sociolgico do estudo adotado por esta pesquisa na tentativa de
compreender como se constroem as vises dos professores sobre a profisso. Tal
enfoque se justifica para uma pesquisa em educao musical na medida em que a
possibilidade de recorrer a outras cincias no descaracteriza um objeto de estudo da
educao musical. Kraemer (2000, p. 51) define a pesquisa em educao musical a
partir do seu foco nas relaes entre pessoa(s) e msica(s) sob os aspectos de
assimilao e transmisso. Este estudo procura entender a maneira como as identidades
profissionais so construdas por professores de instrumento atuantes na universidade.
Essas identidades formam-se na relao das pessoas (docentes universitrios-
professores de instrumento) com outras pessoas, com msicas e idias sobre uma
profisso ligada msica. o fato da relao de pessoas com msicas estar presente nos
processos de construo de identidades profissionais do docente universitrio-professor
de instrumento que faz do presente trabalho uma pesquisa em educao musical.
Kraemer (2000) destaca que a educao musical divide seu objeto com outras
cincias, em especial as humanas, sem, no entanto, descaracterizar-se enquanto cincia
autnoma. Esse autor considera que:
[...] cada rea tem um ncleo impermutvel, a partir do qual o respectivo objeto iluminado. As fronteiras entre cincias vizinhas so, com isso, flexveis, e podem mesmo sobreporem-se umas s outras ou mesmo serem abolidas. No centro das reflexes musicais, esto os problemas da apropriao e transmisso da msica. (Kraemer, 2000, p. 14)
Uma vez que o objeto da educao musical dividido com outras cincias
humanas, estas reas de pesquisa podem apropriar-se das metodologias utilizadas por
outras reas afins, em especial se possurem caractersticas multidisciplinares, como o
caso da metodologia da Histria Oral. Dessa forma, tendo a Histria Oral como base, a
presente pesquisa busca construir um estudo de educao musical, com um enfoque
sociolgico, presente em pesquisas da rea de educao sobre professores.
Diversos autores tm se utilizado de metodologias biogrficas para o estudo de
objetos de pesquisa relacionados temtica de identidades e msica. Os escritos de
Demetrio (1994), por exemplo, parecem corroborar a possibilidade da adoo de
metodologias biogrficas com recortes sobre a identidade em pesquisas sobre msica,
na medida em que acenam para a msica como uma influncia possvel no modo de
pensar dos indivduos. Esse autor reala que:
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A biografia musical, mais uma vez, certamente a mais misteriosa, ela vai encontrar em que lugar a nossa mente aprendeu a construir a si mesma como pensamento musical. Uma dimenso que pode nos conduzir no s para saber escutar msica, para produzi-la, para comunic-la, mas sobretudo, que essa dimenso pode ser encontrada na forma que assumiu ou est assumindo a nossa vida e o nosso modo de pensar.7 (Demetrio, 1994, p. 46)
Uma reviso detalhada dos estudos sobre essa temtica pode ser encontrada no
trabalho de Torres (2003). Diferente de Torres (2003), que se centra nas identidades
musicais das estudantes de pedagogia por ela investigadas, a presente pesquisa busca a
relao das pessoas com a msica e umas com as outras dentro de um conceito de
identidade profissional que abrange aspectos amplos da profissionalidade, aspectos que
vo alm das prticas musicais dos participantes. Embora pesquisas como as de
Demetrio (1994) e Torres (2003) focalizem mais significados relacionados prtica
musical, diferenciando-se da presente pesquisa, demostram, ao mesmo tempo, que as
metodologias relacionadas a aportes biogrficos tm sido utilizadas na rea de educao
musical.
Dessa forma metodologias relacionadas a aportes biogrficos esto ao mesmo
tempo presentes em estudos sobre educao musical e sobre professores. Alm disso,
tais metodologias se mostram adequadas a um enfoque sociolgico que parta da
narrativa do indivduo em contraste com outras metodologias que tm como ponto de
partida as estruturas sociais. Entre as metodologias biogrficas com enfoque
sociolgico, a Histria Oral se apresenta como uma opo que privilegia, entre outros
fatores, a interseco entre as vivncias individuais e sociais.
2.2 Entrevistas de histria oral temtica: a memria de uma pessoa e a
identidade de um grupo
A Histria Oral como estratgia de pesquisa est inserida em uma corrente da
histria que, por um lado, estuda polticos e pessoas com visibilidade social, mas, por
outro, procura olhar para as vivncias cotidianas e contar a histria das pessoas de
menor visibilidade social, focalizando acontecimentos que no se caracterizam como
fatos histricos, mas como modos de viver em determinado local em um determinado
7 No original: La biografia musicale, ancora una volta, certo la pi misteriosa, va rintracciata laddove la nostra mente ha imparato a costruire se stessa como pensiero musicale. Una dimensione che pu averci condotto non soltanto a saper ascoltare musica, a produrla, a comunicarla: ma, soprattutto, che rintracciabile nella forma che ha assunto o sta assumendo la nostra vita e il nostro modo di pensare.
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tempo. Ao realizar uma reviso da trajetria da metodologia de Histria Oral no campo
cientfico da Histria, Trebitsch (1994, p. 34) descreve o perodo da dcada de 1970
quando, na Frana, os pesquisadores iniciaram trabalhos com um enfoque que se
interessava pela vida cotidiana, pela famlia, pelos gestos do trabalho, pelos rituais e
pelas festas.
O relato das vivncias nas entrevistas de Histria Oral considerado um
processo duplo de lembrana e construo da memria. Para Pollak (1987), a Histria
Oral almeja responder tanto a uma demanda de conhecimento como construo de
identidades pessoais e coletivas. As identidades parecem estar associadas memria e
maneira de narrar as vivncias enquanto lembranas. A problemtica do que
individual e do que se torna coletivo surge quando os autores tratam da questo da
memria. Halbwachs (1990, p. 55) considera que:
No estamos ainda habituados a falar da memria de um grupo, mesmo por metfora. Parece que uma tal faculdade no possa existir e durar a no ser na medida em que est ligada a um corpo ou a um crebro individual. Admitamos todavia que haja, para as lembranas, duas maneiras de se organizar e que possam ora se agrupar em torno de uma pessoa definida, que as considere de seu ponto de vista, ora distribuir-se no interior de uma sociedade grande ou pequena, de que elas so outras tantas imagens parciais. Haveria ento memrias individuais e, se o quisermos, memrias coletivas.
A maneira como os participantes narram suas vivncias profissionais pode,
portanto, possuir tanto aspectos individuais como coletivos. As identidades profissionais
so construdas em suas vivncias com as pessoas, bem como com as concepes e os
mitos sobre a profisso, presentes em seus locais de trabalho e estudo.
As abordagens de pesquisa em Histria Oral privilegiam este olhar sobre a
tenso entre a construo de significados individuais e socialmente compartilhados por
um grupo. E, justamente por se colocarem no ponto da interseco das relaes entre o
que exterior ao indivduo e o que ele traz em seu ntimo (Queiroz, 1988, p. 40), so
vistas como ferramentas valiosas para a pesquisa.
Alguns autores destacam a superposio do pessoal e do coletivo nos textos
resultantes das entrevistas de Histria Oral. Portelli (1997, p. 30), por exemplo,
considera que os resultados das entrevistas:
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so narrativas nas quais a fronteira entre o que toma o lugar fora do narrador e o que acontece dentro, entre o que diz respeito ao individual e o que diz respeito ao grupo, pode se tornar mais enganosa que os gneros escritos estabelecidos, de modo que a verdade pessoal possa coincidir com a imaginao compartilhada.
2.3 Entrevistas com os professores: a construo dos processos de coleta
de dados
2.3.1 A utilizao da tcnica de histria oral temtica
A entrevista torna-se um instrumento mais adequado para a pesquisa de Histria
Oral, porque a memria deve ser lembrada e reconstruda. durante a entrevista que se
faz histria, na medida em que as lembranas so reconstrudas no ato de se narrar.
Por outro lado, se o momento da entrevista a construo de um espao determinado no
tempo, no qual as lembranas so revividas e contadas dentro de um contexto, tal
contexto precisa ser desvelado e levado em considerao na construo dos significados
que ocorre na entrevista.
Entre os diversos tipos de pesquisa que utilizam a metodologia de Histria Oral,
h uma graduao da interferncia do pesquisador nas entrevistas, desde uma entrevista
dirigida, uma histria oral temtica at a histria de vida que, para Lang (1996) seria a
tcnica de coleta de dados na qual o entrevistador teria um menor grau de influncia.
Na busca pela abordagem de um tema especfico, a entrevista semi-estruturada
privilegiada na tcnica de histria oral temtica. Esse tipo de entrevista possibilita a
abordagem de um tema, mas, ao mesmo tempo, ao no fechar completamente as
perguntas em torno de hipteses preestabelecidas, oferece um espao para que a voz do
entrevistado possa ser ouvida, possivelmente surpreendendo o pesquisador com
respostas e abordagens de assuntos que no foram antecipados.
Uma reflexo que surge em relao maior ou menor diretividade das
entrevistas, o quanto o interesse da pesquisa se volta para a vida dos participantes
como um todo ou se focaliza nas suas experincias de vida relacionadas a um tema
especfico, como, neste caso, a profisso de professor de instrumento na universidade.
Parece haver uma tenso entre entender sua riqueza como pessoa, que optou pela
carreira de professor de msica, ou construir o foco a partir das narrativas sobre suas
vidas, retirando delas as partes relativas profisso. Mesmo havendo a possibilidade de
opo pela tcnica de histria de vida, como outros estudos sobre professores j o
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fizeram (por exemplo, Maia, 1998; Fonseca, 1997), parecia mais adequado aos
objetivos propostos a busca por uma abordagem que no desconsidera a riqueza dos
relatos individuais, mas que, ao mesmo tempo, tivesse o foco nos aspectos
compartilhados, que poderiam apontar para os docentes univeristrios-professores de
instrumento como grupo social que possui configuraes identitrias comuns. Para
focalizar os comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que
segundo Gimeno Sacristn (1997, p. 65), definem a profisso de professor, enquanto
compartilhados, ou no, pelos diferentes professores, foram escolhidas entrevistas
temticas, centradas no em um fato histrico, mas em uma temtica das histrias das
vidas dos participantes suas vivncias como professores universitrios.
As entrevistas foram realizadas a partir de dois roteiros: um roteiro geral, para as
primeiras entrevistas (n. 2) e um individual, para as segundas e em alguns casos
terceiras entrevistas ( n. 3, exemplo). Os roteiros individuais foram elaborados a partir
da anlise das primeiras entrevistas, buscando, ao mesmo tempo, estimular os
entrevistados a comentar sobre a primeira entrevista, retomando, de forma livre, suas
narrativas e abordando temas considerados de maior importncia para a anlise.
Nesses roteiros, as perguntas esto listadas em itens, estando boa parte da sua
elaborao final a cargo do entrevistador no momento da entrevista. Como Alberti
(1989, p. 65) reala, o roteiro na entrevista de histria oral temtica tem como funo
orientar o pesquisador, ajud-lo a acompanhar o depoimento e a lembrar-se das
questes que devem ser levantadas, sem contudo servir de camisa-de-fora. No
momento das entrevistas, as prprias falas dos entrevistados podem ser utilizadas como
ganchos para as perguntas, procurando solicitar, por exemplo, que o entrevistado
desenvolva mais detalhadamente o assunto narrado.
A anlise do contexto das entrevistas foi informada principalmente pelos dirios
de campo. Uma estratgia utilizada para definir os assuntos a serem abordados no dirio
de campo est baseada em Burgess (1997). Esse autor descreve trs tipos de notas a
serem utilizadas no dirio de campo: as notas substantivas, que descrevem situaes,
acontecimentos e conversas, com o objetivo de proporcionar uma descrio detalhada
das vrias situaes que envolvem o pesquisador; as notas metodolgicas, que se
constituem em reflexes pessoais sobre a atividade de coleta de dados; e as notas de
anlise, que se referem s categorias analticas e s primeiras idias sobre a anlise que
podem surgir durante a coleta de dados.
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O dirio de campo mostrou-se muito importante para a compreenso dos
contextos de realizao das entrevistas na presente pesquisa. Assim, foram narrados os
contatos iniciais, espordicos e regulares. Tambm foi descrito o local e os
acontecimentos circunstanciais, a presena de outras pessoas, a premncia do horrio
por compromissos, entre outros, e o processo de avaliao mtua que ocorreu entre
entrevistado e entrevistador.
Outros fatores de interesse descritos no dirio de campo versam sobre a relao
do entrevistado com o gravador, se existe inibio ou rejeio, e a permisso dada para
o uso do mesmo. Alm disso, esto registradas no dirio de campo a explicao e a
aceitao do uso das falas na pesquisa por parte dos entrevistados, juntamente com a
questo do anonimato. Finalmente, esto apontadas notas que, a partir da memria
recente da entrevista, j organizavam os dados em certas categorias que, posteriormente,
foram teis para a anlise.
Desde o primeiro contato para a realizao das entrevistas at o modo como foi
conduzida, o ideal que se caminhe em direo a um dilogo informal e sincero, que
permita a cumplicidade entre entrevistado e entrevistadores, medida que ambos se
engajam na reconstruo, na reflexo e na interpretao do passado (Alberti, 1989, p.
69). Para tanto, a postura de respeito s convices do entrevistado e a abertura em
escut-lo necessitam estar claramente propostas por parte do pesquisador, desde o
primeiro contato.
No entanto, por maior que seja o esforo do pesquisador no sentido de propiciar
uma plena abertura exposio das idias dos entrevistados, pelo menos dois fatores
limitantes j esto postos pelas prprias caractersticas da metodologia: 1) a presena do
entrevistador e 2) a escolha de um tema central.
Thompson (1992, p. 159) destaca a presena social do entrevistador, mesmo
quando no demostra nenhuma opinio explcita que possa influenciar o entrevistado.
Esse autor exemplifica com a leitura que os entrevistados podem fazer de uma
pesquisadora mulher, de classe mdia. Na medida em que existe uma conscincia das
imagens formadas, torna-se mais fcil dar o desconto do vis resultante nas respostas; e
tambm pode ser facilmente contrabalanado pela demonstrao de respeito pelas
opinies dos informantes. Tais demonstraes de respeito podem ocorrer nos
momentos de diferenas de opinies, nos quais o pesquisador se abstm de fazer
comentrios que possam resultar em juzos de valor.
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2.3.2 Fazendo contatos e obtendo respostas: a vontade dos docentes
universitrios-professores de instrumento de se narrarem
Para oferecer uma viso de diferentes realidades institucionais, foram
entrevistados professores de diversos instrumentos que atuam nas instituies federais
de ensino superior do Estado do Rio Grande do Sul Universidade Federal de Pelotas
(UFPel), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Universidade Federal
de Santa Maria (UFSM) que oferecem cursos de Bacharelado em Msica.
Nos primeiros contatos feitos com as instituies entre novembro de 2000 e
maro de 2001, na UFPel, no departamento de Canto e Instrumento do Conservatrio de
Msica, estavam lotados 15 professores, dos quais um estava afastado, trs tinham
contratos temporrios e nove trabalhavam com disciplinas de instrumentos no
Bacharelado em Msica com contratos permanentes.8 No departamento de Msica da
UFRGS estavam lotados 34 professores, dos quais 17 trabalhavam com disciplinas de
instrumentos.9 Na UFSM, no departamento de Msica, estavam lotados 25 professores,
dos quais cinco estavam afastados e dois tinham contratos temporrios. Entre esses, oito
trabalhavam com as disciplinas de instrumentos em carter permanente naquele
semestre.10
A diversidade de instrumentos foi um fator importante para a compreenso dos
diferentes pontos de vista em relao atuao e definio profissional desse tipo de
professor. Embora os professores de instrumento tivessem uma caracterizao
profissional diferenciada, como pianistas e instrumentistas de orquestra, por exemplo,
determinados problemas relacionados atuao profissional na universidade, bem como
algumas das vises dos professores sobre a profisso, mostraram-se comuns. A partir
dessas crenas em comum, foram analisados tambm como parte de um grupo social
que, em alguns aspectos e talvez de forma tnue, apresenta uma identidade coletiva.
8 Fonte: Informaes por e-mail de um professor do departamento de Canto e Instrumento fornecidas em 21 de novembro de 2000. 9 Fonte: Lista dos contatos dos professores do departamento de Msica da UFRGS fornecida pela chefe do departamento em 08 de novembro de 2000. 10 Fonte: Lista de freqncia das pessoas lotadas no departamento de msica de 7 de novembro fornecida em 28 de novembro de 2000 pela secretria do departamento.
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31
Em maro de 2001 foram enviadas cartas-convite (n. 1) para os 34 professores
da UFPel, da UFRGS e da UFSM que atuavam nas disciplinas instrumento11 no
segundo semestre de 2000. Aqui no foram includos os professores em licena ou
aqueles em contrato temporrio. Foram recebidas 19 respostas de professores que
aceitaram participar da pesquisa. Os 19 professores que responderam inicialmente
constituem 55,88% das cartas-convite enviadas, uma percentagem consideravelmente
elevada para resposta de solicitao de pesquisa, o que indicou uma motivao dos
professores em falar sobre o seu trabalho.
A princpio, o critrio de seleo foi a vontade manifestada, atravs da resposta
carta-convite, por parte dos professores at uma data determinada. No momento da
realizao das segundas entrevistas, foram revistos os critrios de seleo e os 19
professores foram reduzidos a 16. Nesse momento, foram excludos os professores com
carga horria de 20 horas, por apresentarem caractersticas profissionais diferenciadas, e
um professor com contrato temporrio, que havia sido entrevistado por uma falha na
troca de informaes com sua universidade de origem.
Quadro 1- Definio dos participantes da pesquisa
UFPel UFRGS UFSM Total
Professores lotados nos departamentos de
msica 15 34 25 74
Professores que lecionavam a disciplina de
instrumento no semestre 2000/2 (menos
aqueles com contrato temporrio)
9 17 8 34
Professores que responderam carta-
convite 4 10 5 19
Professores participantes da pesquisa na
fase final de coleta de dados 3 8 5 16
A coleta de dados foi proposta em trs momentos: aps o contato inicial, foi
realizada, entre abril e agosto de 2001, uma primeira entrevista com os todos os
professores. Posteriormente realizou-se uma segunda entrevista, e, em alguns casos,
uma terceira. Estas ltimas ocorreram entre os meses de setembro de 2002 e fevereiro
de 2003. A segunda entrevista teve como ponto de partida a transcrio e a anlise da 11 As disciplinas normalmente tm o nome do instrumento como piano 4, flauta 3 ou violino 1.
-
32
primeira entrevista, luz de diversos autores e com a seleo de citaes de trechos de
temas considerados de maior aprofundamento. A seleo dos temas deu-se atravs da
interseco da literatura, da minha anlise e dos interesses manifestados pelos
entrevistados na primeira entrevista. Esses procedimentos buscavam dar seguimento ao
processo de negociao da interpretao e das vozes na pesquisa. O mesmo ocorreu
num terceiro momento, entre setembro 2003 e janeiro de 2004, quando foi apresentada
aos professores a transcrio da segunda entrevista e foram assinadas as cartas de cesso
( n. 4).
Quadro 2 - Etapas da coleta de dados
1 Etapa
abril a agosto de 2001
Primeiras entrevistas
2 Etapa
setembro de 2002 a
fevereiro 2003
Segundas (terceira) entrevistas
3 Etapa
outubro de 2003 a
janeiro de 2004
Assinatura da carta de cesso
Nas entrevistas, os professores indicam os diversos motivos que os levaram a
participar da pesquisa. Dentre esses, destaco o desejo de colaborar com as pesquisas
realizadas no Programa de Ps-Graduao em Msica da UFRGS, colaborar comigo
como professora da UFSM ou porque conheciam pessoalmente o meu trabalho como
pesquisadora e/ou aluna e professora de flauta transversa. Alm de tudo isso, destaco
ainda a vontade de se narrarem e refletirem sobre suas atuaes profissionais, que
talvez fosse o mais relevante motivo que os impulsionava.
2.3.3 Em busca de um dilogo genuno: alguns conceitos da hermenutica
filosfica na construo do processo de coleta de dados
No momento em que um tema proposto na entrevista atravs de um roteiro de
perguntas, se estabelece uma tenso entre a agenda do pesquisador e aquela dos
participantes (McFadzaen, 1999). Parece que a questo central deste equilbrio entre
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tema proposto e espao de expresso das idias dos participantes se encontra na busca
de um dilogo genuno (Schwandt, 2001). No caso da presente pesquisa, procurei
negociar essa tenso ao longo do processo, de tal forma que os participantes pudessem
contar as suas histrias e ter uma voz na pesquisa, mas de forma que eu pudesse
tambm abordar a temtica das identidades profissionais, o objeto de pesquisa
estabelecido.
Em um artigo publicado (Louro, 2003b), discuto a problemtica do dilogo na
construo da metodologia da presente pesquisa. Neste trabalho, destaco uma
circunstncia da coleta de dados que instigou a minha reflexo sobre o dilogo. No
dirio de campo, questiono a dificuldade de estabelecimento de um dilogo mais
fecundo, durante entrevista com uma professora que tambm minha amiga h muitos
anos.
Fomos para o apartamento dela, eram 14h15 da tarde, ficamos fazendo entrevista at as 15h10. Na sala tem uma mesa de jantar e dois sofs, dessa vez opto pelos sofs, provavelmente porque me sinto mais vontade nessa casa. Ela se senta numa poltrona, coloca os ps em cima de outra poltrona, bem vontade, e diz: Vamos trabalhar? Pergunto se ela tem alguma curiosidade sobre a pesquisa. Ela diz: No, estou aqui para responder o que tu precisas e no vou dar palpite. Parece que ela espera por um questionrio fechado. Explico que justamente a opinio dela que me interessa. A sua viso da profisso de professor de instrumento atuante na universidade e dos outros professor que vou estudar. [...] Tenho uma certa dificuldade de ir a fundo com essa professora, e acho engraado, quanto mais prxima a pessoa parece ser mais difcil, acho que tenho medo de que nossas diferenas de opinio sobre a profisso afetem nossa amizade. Em todo o caso tive cuidado com todos, mais ntimos e menos ntimos. (Dirio de campo, 26/05/2001, p. 1-2)
A partir desse questionamento, busquei um aporte terico que me auxiliasse na
discusso sobre a questo do dilogo. Percebi que tal questo remetia tambm aos
paradigmas de pesquisa envolvidos, pois a postura da minha amiga, ao colocar-se como
respondente que no se envolve, tanto quanto os meus questionamentos sobre a forma
com que as minhas relaes pessoais, de amizade no caso, deveriam estar contempladas
na metodologia da pesquisa, eram questes que remetiam a definies e vises sobre a
pesquisa cientfica. Desse modo, localizando minha pesquisa em um modelo
interpretativo, busquei compreender qual a funo da metodologia.
Aos poucos delineou-se para mim a nfase desse tipo de pesquisa na construo
de significados, o que a diferenciava da idia de que a boa construo de uma
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metodologia, por si s, garante a construo do conhecimento. Schwandt (1997, p. 160)
escreve essa postura focalizada no mtodo da seguinte forma:
Uma concepo moderna, cartesiana ou iluminista de mtodo tambm assume uma dicotomia entre sujeito-objeto [...] Nessa maneira de pensar, a funo do mtodo de bloquear os preconceitos e manter o objeto de estudo distanciado, onde ele pode ser observado de forma segura, desinteressada e sem envolvimentos. Portanto, no a subjetividade do pesquisador que produz o conhecimento, mas o mtodo.12
E, no mesmo texto, o autor destaca como exemplo de uma abordagem
interpretativa a filosofia hermenutica que
Desafia a idia de que compreender o nosso mundo social deve ser determinado pelo mtodo, e de que o conhecimento produto de uma conscincia metdica... Um pesquisador ps-moderno pode utilizar uma estratgia como a desconstruo, mas nunca um mtodo. Essas estratgias devem permitir o paradoxo de mltiplos significados e do jogo de infinitas variedades de interpretao. (Schwandt, 1997, p. 160-161)
Na minha interpretao desta citao, busco resumir algumas das querelas do
mtodo, ao mesmo tempo em que localizo a metodologia da presente pesquisa:
Mais do que uma querela em torno das possibilidades de exposio matemtica das questes em estudo ou validao de um estudo que no toma uma totalizao da sociedade como objeto (Boudon, 1989), a questo trazida por Schwandt parece centrar-se na tomada ou no de uma teoria da significao relacional (Oliva, 1989) na construo das metodologias de pesquisa. Sendo assim, no so as possibilidades determinsticas, o uso de hipteses ou a capacidade de generalizao do estudo de um recorte pontual que esto sendo questionados, mas a aquisio do conhecimento que no se desenvolve pelo mtodo de maneira apriorstica e sim nas relaes que so estabelecidas entre as estratgias metodolgicas e as construes de significados ao longo do processo da pesquisa. (Louro, 2003b, p. 4)
Quando pensava sobre o processo de coleta de dados, iluminada por essas
reflexes tericas, percebia que, s vezes, durante as entrevistas, parecia que a busca
por uma postura metodolgica distante, fechada e nica dificultava o trabalho de
12 No original: A modern, Cartesian, or Enlightenment conception of method also assumes a subject-object dichotomy. [...] In this way of thinking, the function of method is to bracket bias or prejudice and keep the object of understanding at arms length, where it can be observed safely with disinterest and lack of involvement. Thus, it is not the subjectivity of the inquirer that produces knowledge but the method.
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interpretao de significados que procurava realizar. Talvez a verdadeira questo fosse
o modo de adotar determinados procedimentos de pesquisa sendo, ao mesmo tempo,
natural. Como ser amigo, pesquisador e participante ao mesmo tempo? Se as
identidades so mltiplas, de acordo com os autores ps-modernos (Hall, 1997; Stokes,
1994) ento seria realmente possvel desempenhar mais de um papel social ao mesmo
tempo. Era uma certa influncia da concepo de cincia como siga os procedimentos
da sua metodologia que parecia ter me paralisado em alguns momentos, mas era um
processo de aprendizagem pessoal. Um processo de aprendizagem que se deu ao longo
da coleta de dados, tanto de uma entrevista para outra quanto de uma forma mais
acentuada, no intervalo de um ano e meio entre a primeira e a segunda etapas da coleta
(ver Quadro 2, p. 32).
Um ponto chave dessa reflexo sobre mais que regras, posturas de pesquisa
centrou-se na questo do dilogo, sendo contemplado o conceito de dilogo genuno da
filosofia hermenutica. Como afirma Schwandt (1997), a filosofia hermenutica uma
das teorias que pode ajudar na construo de estratgias para a pesquisa qualitativa.
Nesse sentido, ao descrever as entrevistas em pesquisa qualitativa, Kvale (1996, p. 46)
aponta que a literatura hermenutica pode ajudar a olhar para o processo de entrevista,
tanto no momento da coleta de dados como no da anlise. Para esse autor:
A entrevista de pesquisa uma conversa sobre o mundo da vida humana, com o discurso oral transformado em texto para ser interpretado. A hermenutica ento duplamente relevante para a pesquisa que utiliza entrevistas, primeiramente na iluminao do dilogo produzido na entrevista a ser interpretado, e posteriormente na clarificao dos subseqentes processos de interpretao dos textos produzidos pela entrevista, que podem tambm ser concebidos como um dilogo ou uma conversao com o texto.13
Como explicado por Kvale (1996), a entrevista pode ser considerada um
dilogo. A palavra dilogo pode assumir diferentes nuanas de significado, conforme o
contexto em que usada. Nesta pesquisa, a palavra dilogo utilizada no sentido que
assumi para a linha de pensamento da filosofia hermenutica. Schwandt (2001, p. 272)
descreve que: 13 No original: The research interview is a conversation about the human life world, with the oral discourse transformed into texts to be interpreted. Hermeneutics is then doubly relevant to interview research, first by elucidating the dialogue producing the interview to be interpreted, and then by clarifying the subsequent process of interpreting the interview texts produced, which may again be conceived as a dialogue or a conversation with the text.
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A chave para dar-se conta de um evento genuno de compreenso se realiza atravs do dilogo com o outro (sendo ele uma pessoa, um texto ou uma tradio), que ns deixemos o outro nos falar. Isso significa que ns no debatemos simplesmente nossos pontos de vista contra os deles (desta maneira simplesmente reproduzindo, reafirmando continuando a argumentar a favor da nossa compreenso anterior) mas que cada parte do evento de compreenso genuinamente coloque em risco suas prprias compreenses pessoais e conseqentemente se torne aberto para a possibilidade de uma compreenso mutuamente envolvida, nova e diferente.14
Nessa linha de argumentao proposta por Schwandt (2001), o verdadeiro
evento de compreenso decorre de um dilogo genuno. Esse tipo de dilogo s se torna
possvel na medida em que as partes envolvidas arriscam seus prprios pontos de vista.
O olhar possvel sobre a noo de arriscar os prprios pontos de vista d-se atravs dos
riscos dos preconceitos. Diversos autores da filosofia hermenutica tratam dessa
perspectiva, inerente a um dilogo genuno. Bernstein (1986) comenta a distino feita
por Gadamer entre preconceitos cegos e preconceitos justificveis que so produtos
do conhecimento. Bernstein (1986, p. 90) enfatiza a impossibilidade de distinguir esses
diferentes tipos de preconceitos antes de comear o processo de interpretao de um
objeto especfico ou um dilogo com uma pessoa, um texto ou tradio.
Como possvel distinguir entre esses tipos de preconceitos ou prejulgamentos? Uma resposta est claramente estabelecida. Ns no podemos fazer isso por um ato solitrio ou monlogo de pura auto-reflexo onde ns bloqueamos ou suspendemos todos os julgamentos que envolvem nossos preconceitos.15
Bernstein (1986) argumenta que, como parte integrante do nosso ser, os
preconceitos no podem simplesmente ser postos de lado antes de iniciar o processo de
interpretao. No entanto, durante o processo, podemos perceber qual preconceito pode
ser til e qual pode tornar nossa compreenso mais confusa. Alm disso, Blacker (1993,
p. 2) afirma quando os preconceitos do intrprete conscientemente so colocados no
14 No original: The key to realizing a genuine event of understanding is that it is through dialogue with another (be it person, a text, or a tradition) that we allow the other to speak to us. This means that we do not simply debate our view versus their (thereby simply reproducing, restating and continuing to argue for our current understanding) but that each party to the event of understanding genuinely risks her/his own self-understanding and thereby is open to a possibility of a mutually evolved new and different understanding. 15 No original: How do we distinguish between these types of prejudice or prejudgment? One answer is clearly ruled out. We cannot do this by a solitary or monological act of pure self-reflection where we bracket or suspend judgment about all of our prejudice.
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jogo com aqueles do objeto quando os horizontes so fundidos emerge uma
linguagem viva em comum.
Se a conduo da entrevista for vista como uma interpretao construda atravs
do dilogo genuno, torna-se importante analisar trs aspectos: o horizonte do
entrevistador, o horizonte dos entrevistados e o modo como, na dinmica do dilogo, os
horizontes so fundidos. Uma perspectiva para abordar essa questo foi a tentativa de
descobrir quais os preconceitos que estavam em jogo e como eles interagiam entre si.
Isso foi possvel na medida em que refleti sobre o meu prprio horizonte uma
professora de instrumento que fez todos os seus cursos de ps-graduao em Educao
Musical , em contraste com o horizonte de Anita, um exemplo que pode ser tomado
entre os professores entrevistados, algum que fez todos os seus cursos de ps-
graduao em prticas interpretativas. As nossas concepes sobre msica e
educao, sobre a arte e o papel da msica na sociedade, provavelmente estaro
calcadas em perspectivas diferentes.
Esse processo de construo de um espao, onde eu pudesse ouvir Anita mais
ou menos com os seus ouvidos, pode ser entendido como a construo de uma zona
de interpretao, um conceito desenvolvido por Bresler (2001) para a pesquisa
qualitativa internacional. Esse conceito elaborado em contextos nos quais o
pesquisador que vive em um determinado Pas se prope a realizar pesquisas em outros.
Acredito que esse conceito igualmente til para a pesquisa qualitativa com base em
entrevistas. Bresler (2001, p. 12), citando Gallagher, enfatiza um estado de compreenso
que alcanado atravs de uma
apreciao, reconhecimento e exame do prprio horizonte histrico. A fuso de dois horizontes resulta na realizao com sucesso do ato de compreenso A conscincia histrica efetiva a conscincia do ato da fuso. Eu considero que essa fuso de horizontes facilitada quando ns trabalhamos colaborativamente na zona interpretativa.16
Como explica McFadzean (1999, p. 32), em sua abordagem sobre o uso da
filosofia hermenutica nas entrevistas de Histria Oral, importante chegar a um acordo
sobre a interpretao.
16 No original: appreciation, recognition and examination of ones own historical horizon. The fusing of the two horizons results in the successful completion of the act of understanding. Effective-historical consciousness is the conscious act of this fusion. I contend that this fusion of horizons is facilitated when we work collaboratively in the interpretive zone.
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A hermenutica um processo dialgico em que a compreenso de um texto se inicia atravs do desenvolvimento de um acordo de interpretao entre o autor do texto e o historiador... O segundo processo o dilogo hermenutico entre o entrevistador e o sujeito, que o testemunho gravado, um acordo de interpretao.17
No caso da presente pesquisa, esse acordo no significou simplesmente que as
diferenas de opinio sobre os assuntos tratados deixaram de ser consideradas, mas que
os entrevistados tiveram assegurada uma voz na tese e que, quando essa voz viesse
tona, atravs das citaes das entrevistas, seria de uma maneira estabelecida por ns em
conjunto, atravs de um acordo de interpretao. A grande abordagem metodolgica
ento foi a postura de estar aberta, no parar em meus preconceitos iniciais, mas saber
que meus preconceitos estariam sempre presentes, assim como estaria presente a minha
inteno de estar aberta a um dilogo genuno.
Considerar as entrevistas como uma interpretao hermenutica, na qual os
horizontes so fundidos na medida em que os preconceitos so postos em risco atravs
do dilogo genuno, foi uma estratgia para compreender a construo dos significados
no processo das entrevistas. Isto ocorreu porque, ao arriscar meus preconceitos e olhar
atravs de uma zona de interpretao, na qual o meu horizonte e o horizonte dos
participantes foram considerados, o acesso construo dos significados nos processos
de entrevistas pde ser feito de forma mais complexa, na medida em que a neutralidade
negada e so assumidas as perspectivas de onde falamos, tanto as minhas como as dos
participantes.
17No original: Hermeneutics is a dialogical process in which the understanding of a text is initiated