seqüência de ensino do conceito de integral
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UMA SEQÜÊNCIA DE ENSINO PARA A INTRODUÇÃO DO
CONCEITO DE INTEGRAL DE RIEMANN
Natália Maria Cordeiro Barroso*
José Marques Soares***
Luciana Lima**
João César Moura Mota*
Hermínio Borges Neto**
hermí[email protected]
***Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará – CEFET-CE
1. Introdução
O conceito de um objeto matemático não se reduz a uma definição. Envolve todo um
contexto de situações criadoras de significados. Em muitos casos, a definição de uma
noção só é consolidada após séculos (ou milênios) de trabalho intelectual realizado
sobre tal noção.
O conceito de integral, por exemplo, se constitui em um objeto matemático rico
em significados e aplicações, cuja origem remonta à época de Arquimedes, séc. III, a.C.
(Shenitzer e Steprans, 1994), mas cuja definição foi, historicamente, consolidada por
Riemann no séc. XIX1. Na verdade, o conceito de integral continua a se expandir,
devido, principalmente, à necessidade teórica de se elaborar definições mais
abrangentes, como a Integral de Lebesgue, no início do séc. XX, e outros tipos de
integrais.
O estudante brasileiro é levado a pensar que o seu primeiro contato com a noção
de integral de Riemann2 se inicia na universidade. Porém, já nos primeiros anos de
1 Riemann está representando aqui alguns de seus contemporâneos como Cauchy, Darboux, etc.2 Considera-se, neste texto, a integral de Riemann como a integral definida de uma função real, limitada,
em um intervalo fechado.
escola, o conceito de integral vem sendo construído por ocasião, dentre outros, do
ensino do conceito de medida de comprimentos.
Com a prática de ensino, constata-se a grande dificuldade dos estudantes de
primeiro ano universitário em compreender este conceito. No início do segundo ano, a
representação que a maioria deles tem sobre a noção de integral está associada, em
geral, ao cálculo da integral indefinida de um polinômio. Ou seja, a integral é reduzida a
uma ferramenta para o cálculo de uma primitiva.
Apresenta-se, neste artigo, uma seqüência3 de ensino para a introdução do
conceito de integral na qual ele é abordado de forma mais abrangente. A integral é
considerada, em princípio, como uma extensão da medida de regiões do plano
euclidiano para a medida de regiões do plano cartesiano e um caso particular do
Teorema Fundamental do Cálculo (TFC) surge como solução de um problema a ser
resolvido pelos alunos.
A apresentação da seqüência e a sua aplicação foram divididas em sete seções:
na Seção 2, constam os objetivos e a contextualização da seqüência; a Seção 3 apresenta
a metodologia de aplicação da seqüência; na Seção 4, detalha-se a seqüência de ensino
dividida em três fases; a Seção 5 descreve o cenário e o desenvolvimento de uma
experimentação realizada com estudantes de primeiro ano; na Seção 6, é feita uma
análise dos resultados e das fases da seqüência; finalmente, apresentam-se as conclusões
e as perspectivas deste trabalho na Seção 7.
2. Objetivos e contextualização
Em geral, livros-texto de Cálculo diferencial e Integral (CDI) adotados no Brasil
(Finney, 2004; Leithold, 1994) começam abordando a integral de uma função como
uma anti-derivada. Logo em seguida, algumas técnicas de integração são consideradas.
O cálculo de uma área aparece em um capítulo posterior como uma aplicação da
integral e do TFC e sabe-se que esta ordem é contrária ao que ocorreu historicamente.
O objetivo deste trabalho é propor uma seqüência de ensino para a introdução do
conceito de integral, fundamentada em sua origem histórica, vinculada à busca de
solução para a medida de regiões do plano. Questão, esta, crucial e que está na base do
cálculo integral (Courant, 1969). Pretende-se, desta maneira, associar o conceito de
integral aos conhecimentos prévios dos alunos (adquiridos antes da chegada à
3 Utiliza-se aqui o termo seqüência de maneira mais geral, não exatamente como uma das fases de uma
engenharia didática, como proposta por Artigue (1989).
2
universidade) sobre medidas de segmentos e de regiões planas. A seqüência prevê que
os alunos devem ser confrontados com problemas de cálculo de um valor aproximado
para a medida de subconjuntos do plano cartesiano por meio das somas de Riemann.
Eles devem verificar, também, que pelas somas de Riemann não é possível medir todos
os subconjuntos do plano, dentre outros problemas citados em outras seções deste
documento. Espera-se, assim, que os alunos adquiram conhecimentos mais
significativos sobre o conceito de integral e não o reconheçam apenas como uma
particularidade do TFC que, na verdade, só se aplica a um número restrito de casos.
A elaboração de uma seqüência de ensino de um determinado conteúdo é
direcionada a um público com características adequadas a sua aplicação. Para obter
resultados favoráveis, é necessário que sejam considerados os conhecimentos prévios
dos estudantes a quem é destinada a seqüência e estabelecer os elos entre estes
conhecimentos e aqueles que se pretende ensinar (Novak e Cañas, 2006).
A seqüência que é proposta neste trabalho considera o perfil dos estudantes do
primeiro ano do curso de graduação em Engenharia de Teleinformática da Universidade
Federal do Ceará, UFC, no período letivo de 2006.
Uma avaliação/diagnóstico, realizada no início de 2006, dos conhecimentos
prévios destes estudantes sobre o conceito de função, quais registros de representação4
(Duval, 2003) deste conceito eram disponibilizados5 (Robert, 1998) por eles, e os
conhecimentos recém adquiridos, no primeiro semestre da universidade, foram também
fundamentais para a elaboração da seqüência.
3. Metodologia
A metodologia utilizada neste trabalho é baseada na construção do conhecimento,
motivando o aluno a compreender o conceito de integral por meio da aplicação de uma
seqüência de ensino dividida em três fases. Na primeira fase, são apresentadas as
origens históricas do conceito de integral com o objetivo de despertar a curiosidade e o
interesse dos alunos, levando-os a fazer conexões eventuais com conhecimentos que
foram adquiridos anteriormente, de maneira mecânica, como é o caso da área do círculo.
Na segunda fase, o aluno é levado, por intermédio de um programa de computador, a
melhor se familiarizar com o conceito de integral por meio da execução de um conjunto 4 Referentes às diversas representações de um mesmo objeto: representações gráfica, algébrica,
geométrica, etc.5 Conhecimentos que devem ser usados na resolução de um exercício, porém, eles não são indicados no
enunciado e nem apareceram em situações-problema anteriores.
3
de exercícios práticos, sem exposições predefinidas e demonstrações controladas pelo
professor. Somente na terceira fase, quando o aluno já possui noções sobre o conceito
de integral de maneira informal, é realizada uma formalização dos conteúdos
trabalhados nas fases anteriores. A Figura 1 sintetiza estas três fases.
Figura 1: As três fases da seqüência para a introdução do ensino de Integral.
3.1. Organização do Experimento e Recursos Utilizados
O experimento é organizado em três sessões6 de 2 horas-aula cada, correspondentes às
três fases da seqüência. Na primeira, utilizam-se transparências eletrônicas, pincel e
quadro convencionais. A filmagem da primeira sessão permite uma melhor análise do
comportamento dos alunos. Para os exercícios da segunda sessão, utiliza-se um
programa de computador, descrito na próxima subseção. Realiza-se a terceira sessão em
sala de aula, quando se espera que os alunos manifestem as dificuldades encontradas na
resolução dos exercícios da sessão anterior.
3.2. Exercícios com o apoio de um programa de computador
Vários estudos indicam que alguns estudantes podem melhorar o resultado de seu
aprendizado por meio de atividades realizadas em ambientes computacionais adaptados
para este fim (Borges e Santana, 2000; Artigue, 2002). A dinâmica da utilização de um
programa de computador pode motivar o estudante a experimentar, a procurar
estratégias para a resolução de problemas de matemática.
No caso específico do ensino/aprendizado do conceito de integral, o uso de uma
ferramenta é extremamente adequado, pois, em geral, ao introduzir este conceito, o
professor (e não o aluno) começa com quadro e pincel, sozinho, elaborando vários
gráficos de uma mesma região limitada por curvas e subdividida em retângulos. Como
na criação de um desenho animado, ele representa a mesma região preenchida por um
maior número de retângulos e assim os gráficos vão se sucedendo, enquanto a classe
apenas acompanha a passagem do filme em câmera muito lenta. Poder-se-ia propor ao
6 A palavra sessão está associada ao número de duas horas-aula previsto para a aplicação de cada fase.
1a. fase:
Apresentação das origens do conceito de integral.
2a. fase:
Construção do conceito por meio de exercícios.
3a. fase:
Formalização do conceito de integral.
4
professor fazer uma apresentação apenas por transparências para evitar este
“desperdício” de tempo e de trabalho manual. Porém, além de, neste caso, ele já levar as
construções prontas, tudo acontece tão rápido que o aluno não consegue acompanhar
os detalhes de uma aula assim7.
Para a realização da segunda fase da seqüência, propõe-se o programa
GeoGebra, um software de Geometria Dinâmica, livre, que pode ser instalado em
qualquer computador ou acessado a qualquer momento pela Internet pelo endereço
www.geogebra.at. Por apresentar uma interface simples e de fácil utilização pelo
usuário, o GeoGebra pode contribuir para facilitar o desenvolvimento dos
conhecimentos matemáticos de uma maneira mais uniforme por meio da vinculação e
da interligação entre os aspectos algébricos e geométricos utilizando, para isto, a
dinamicidade nas transformações gráficas realizadas pelo próprio usuário.
Usando o programa GeoGebra para resolver situações/problema propostas pelo
professor para o aprendizado do conceito de integral, o próprio estudante elabora
gráficos, partições, realiza cálculos de somas inferiores e de somas superiores,
representa-as graficamente por meio do programa, enfim, experimenta, investiga. O
processo é dinâmico e o estudante não espera, ele faz acontecer.
Para se trabalhar com a noção de Integral, o programa GeoGebra oferece a
possibilidade de visualização dos retângulos relacionados com as somas superiores ou
inferiores de uma função, além de efetuar o cálculo destas somas. Para isso, dada uma
função f(x) e informado o intervalo [a, b] de integração, bem como o número n desejado
de subdivisões deste intervalo, podem-se calcular a soma inferior e a soma superior
desta partição a partir do uso dos comandos específicos no campo de entrada de dados:
SomaInferior[f,a,b,n] e SomaSuperior[f,a,b,n]. Além disso, os retângulos relacionados
são representados graficamente. Apresenta-se na figura 2 uma ilustração, feita no
GeoGebra, dos conteúdos envolvidos no cálculo de uma soma inferior relativa à função
f(x) =x2+1 no intervalo [0,4].
7 Comentário de um grupo de alunos que declararam preferir o quadro e o pincel às transparências.
5
Figura 2: Soma Inferior da função f(x) = x2+1 no intervalo [0,4], subdividido
em oito subintervalos.
Pode-se também utilizar o comando Integral[f,a,b] diretamente no campo de
entrada de dados e visualizar os resultados algébricos e geométricos em suas respectivas
janelas de apresentação.
3.3. Mecanismos de Avaliação do Aprendizado
Na segunda fase, o estudante recebe uma lista de problemas que devem ser resolvidos
com a utilização do programa GeoGebra. A solução da lista deve ser entregue ao
professor na aula seguinte.
É feita uma análise dos resultados desta lista na qual se verifica se os estudantes
são capazes de adaptar seus conhecimentos antigos sobre função e aqueles adquiridos
no primeiro semestre da universidade sobre limite, continuidade e derivada para a
resolução de problemas que envolvem as noções exploradas na fase precedente.
Faz-se, também, um paralelo entre o ensino realizado no ano anterior para a
introdução do conceito de integral e o ensino realizado por meio da seqüência aqui
proposta.
Entretanto, é importante que se tenha em mente que, como afirma Aline Robert
(1992), não se pode testar diretamente se a aplicação de um determinado ensino foi
responsável pela evolução do aprendizado. Dessa maneira, as análises dos resultados
obtidos com o emprego da seqüência proposta levam também em conta a experiência
6
anterior do professor em sala de aula e a comparação subjetiva com turmas precedentes
do mesmo curso (em nosso caso, alunos do curso de Engenharia de Teleinformática da
Universidade Federal do Ceará) que passaram por preparação durante o nível
secundário e seleção no vestibular em condições muito semelhantes.
4. Seqüência de ensino para a introdução do conceito de integral
Cada uma das fases da seqüência de ensino para a introdução do conceito de integral é
apresentada detalhadamente nas próximas subseções.
4.1. Primeira Fase
Na primeira fase, é realizado um apanhado histórico sobre as origens do conceito de
integral sob uma perspectiva de resolução de problemas de medida. O objetivo desta
fase é introduzir o conceito de integral partindo do “início” da sua epistemologia
histórica até uma situação concreta da Geometria Analítica que levou à procura por um
método mais geral para o cálculo de área. Pretende-se fazer uma conexão entre o
conceito de medida de comprimento, medida de regiões do plano euclidiano e,
finalmente, uma medida de regiões do plano cartesiano realizada por meio das somas de
Riemann.
Recorrendo a transparências previamente preparadas, sem deixar de lado o
quadro branco e o pincel, considera-se uma unidade de medida padronizada pelos
alunos, questiona-se sobre a construção da medida de um comprimento como múltiplo
inteiro da unidade, um comprimento fracionário, um irracional e sobre a
impossibilidade de se construírem certas medidas.
Neste contexto, as medidas de comprimentos devem ser “expandidas” para as
medidas de regiões planas. Questionamentos sobre como medir regiões planas, quais as
origens das fórmulas conhecidas de medidas de área e sobre se mudanças nas unidades
padronizadas de medidas causariam mudanças nas fórmulas atuais são também
discutidos. As definições básicas de partição, refinamento de uma partição, somatório,
soma inferior, soma superior são consideradas pelo professor para, finalmente, definir-
se a integral de Riemann como o limite das somas superiores, no caso de existir este
limite e de ser igual ao limite das somas inferiores, caso este exista (Lima, 2000).
Embora o ensino, nesta fase, seja mediado pelo professor com o uso de slides,
quadro e pincel, em todos os momentos, a participação do aluno deve ser incentivada
7
por intermédio de questionamentos, em especial contra-exemplos, levantados pelo
professor ou pelo próprio aluno.
Em resumo, serão apresentadas e discutidas algumas noções envolvidas na
construção do conceito de integral, procurando-se fazer relações entre os conhecimentos
prévios dos alunos, sobre a noção de medida, e os conhecimentos a serem adquiridos,
sobre a noção de integral.
4.2. Segunda Fase
Numa segunda fase, o aluno é confrontado com situações-problema bem
contextualizadas. São deixados inteiramente ao seu encargo o cálculo das somas de
Riemann e a resposta a questões elaboradas com o intuito de introduzir o conceito de
integral de forma mais abrangente e menos engessada.
Neste momento, a classe trabalha em um laboratório usando o programa
GeoGebra, apresentado brevemente na Seção 3.2. Cada estudante recebe uma folha de
exercícios (ver no anexo) que devem ser resolvidos individualmente utilizando o
programa.
O exercício 1 envolve o cálculo de um valor aproximado para a integral de uma
função não negativa definida em um intervalo fechado; no exercício 2, a função
envolvida é não positiva; no exercício seguinte, 3, deve ser calculado um valor
aproximado para a integral de uma função que assume valores negativos e positivos.
Nos exercícios 2 e 3, respectivamente, o estudante é confrontado com um problema no
qual a integral é negativa e outro no qual ela é nula.
Outro exercício, o 5, pede para que eles calculem a integral da função de
Dirichlet D(x), uma função cuja integral não existe. Trata-se, portanto, de uma situação-
problema que foge ao senso comum. Esta questão é colocada com o objetivo de
desestruturar a construção de um conceito incorreto.
Por fim, o exercício I envolve a construção de um corolário do TFC, no qual
etapas envolvendo o Teorema do Valor Médio (TVM) devem ser preenchidas para que
eles possam perceber a relação entre a derivada e a integral. As respostas a esses
exercícios devem ser entregues na seção seguinte.
Deve-se observar que, excetuando a função de Dirichlet D(x), as funções
envolvidas nos exercícios são contínuas nos intervalos considerados.
Quanto ao professor, nesta fase, ele deve fazer o papel de orientador, não se
manifestar de forma coletiva e interagir com o aluno, a propósito das questões, apenas
8
quando solicitado. Pois, um dos objetivos desta fase é observar se os estudantes são
capazes, de forma autônoma, de usar os conteúdos explorados na fase anterior para
resolver problemas relacionados ao conceito de integral. Portanto, na análise dos
exercícios resolvidos pelos estudantes, pretende-se verificar, após uma só aula
introdutória sobre o conceito de integral:
a) Qual a associação que os estudantes fazem entre área entre curvas e integral;
b) Se os estudantes são capazes de perceber a importância de se calcular as somas
superiores e as somas inferiores, sendo ambas imprescindíveis;
c) Se eles conseguem concluir que uma função limitada e não negativa pode ser
não integrável no sentido de Riemann;
d) Se eles conseguem fazer a ligação entre a derivada e a integral por meio de um
exercício dividido em etapas que envolvem algumas propriedades das funções
deriváveis, mais precisamente, um corolário do TFC;
e) As diferenças no comportamento dos alunos entre a primeira fase, na qual o
ensino/aprendizado é mediado pelo professor usando quadro, pincel e slides, e a
segunda fase, na qual o computador passa a ser o recurso determinante no
processo de ensino/aprendizagem.
4.3. Terceira Fase
Em um terceiro momento, os conhecimentos relacionados com a construção da integral
que foram parcialmente trabalhados em contextos particulares, nas sessões anteriores,
são institucionalizados com a participação dos alunos. Para o desenvolvimento desta
fase, contando com o envolvimento dos alunos, é fundamental que eles tenham
resolvido a folha de exercícios da fase anterior e que conteúdos trabalhados durante o
ano, como limite, derivada, continuidade, o TVM, o Teorema do Valor Extremo (TVE),
já sejam, pelo menos, mobilizáveis8 (Robert, 1998) por eles.
4.4. Mediação pedagógica
Objetivando incentivar uma maior interação entre professor e alunos, na primeira e na
terceira fases, recorre-se, em alguns momentos, à Seqüência Fedathi como metodologia
de mediação pedagógica. A idéia central de sua aplicação em sala de aula é a de que o
aluno deve viver a construção do conhecimento matemático. Informações detalhadas
sobre a Seqüência de Fedathi podem ser encontradas em Borges Neto e Santana (2001).8 Um conteúdo é dito mobilizável se, quando ele é identificado, ele é utilizado pelo aluno mesmo que seja
necessário adaptá-lo a um contexto particular.
9
5. Experimentação
5.1. Cenário
A seqüência foi aplicada no segundo semestre do período letivo de 2006, por ocasião da
introdução do conceito de Integral na disciplina de Cálculo Fundamental. Trinta
estudantes regulares de primeiro ano do curso de graduação em Engenharia de
Teleinformática participaram da experimentação.
É importante destacar que, na aula anterior à primeira sessão de aplicação da
seqüência, o professor da disciplina estabeleceu um contrato didático para as aulas
seguintes, ou seja, um sistema de obrigações recíprocas que determinam o que cada
parte, o professor e os alunos, tem a responsabilidade de cumprir, uma perante a outra
(Brousseau, 1986). Portanto, os alunos não foram tomados de surpresa em relação à
metodologia proposta.
Três estudantes do Laboratório de Pesquisa Multimeios da UFC
(HTTP://www.multimeios.ufc.br) participaram das duas primeiras sessões para observar
o envolvimento dos estudantes na realização das tarefas, suas participações e o
comportamento do professor ao aplicar a seqüência.
5.2. Desenvolvimento da Experimentação e Observações
Na primeira sessão, o professor apresentou as origens históricas do conceito de integral
partindo do problema de se medir comprimentos até a definição de integral. Foram
utilizados quadro, pincel e transparências como materiais de apoio. A sessão foi
filmada. A Figura 3 ilustra uma das transparências usadas nesta sessão com o plano da
sua apresentação.
Plano Medida de um segmento Pitágoras e os irracionais Números transcendentes Medida de uma figura plana Arquimedes e a área do círculo Área de uma região limitada por uma
função: A Integral de Cauchy
Figura 3: Uma das transparências da primeira sessão
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Os estudantes pareciam bastante concentrados. Mas, participaram timidamente
apesar dos incentivos do professor.
Discutiu-se sobre o problema aparentemente simples de se realizar medidas de
comprimentos até chegar a uma medida não construtível. No início da sessão, um aluno
reclamou: “não acredito que a gente vá voltar para o jardim”. Porém, ao se falar da
medida de figuras planas, nenhum deles soube dar uma justificativa para a área do
quadrado de lado um ou para as fórmulas de outras figuras planas. Alguém comentou:
“foi a tia que disse que a fórmula era esta”.
Ainda na primeira sessão, ao se definir partição, soma superior e soma inferior
para o cálculo da área de uma região limitada por curvas, alguns alunos questionaram
sobre a necessidade de se fazer o cálculo dos dois tipos de somas (inferior e superior) se
os limites de ambas “sempre” convergiam para o mesmo valor. A resposta a esse
questionamento foi deixada para a sessão seguinte.
Registram-se algumas intervenções interessantes dos alunos: “a área do
quadrado de lado 1 é igual a 1 porque sempre foi assim e pronto”; “não sei pra que
fazer o cálculo dos dois tipos de somas se no final o resultado é o mesmo”; “porque a
área de uma região formada pela união de duas regiões disjuntas é igual à soma das
áreas de cada uma delas?”; “a construção do conceito de integral está atrelada ao
desenvolvimento de vários ramos da matemática, como geometria, álgebra e teoria dos
números”.
Na segunda sessão, os estudantes realizaram atividades individuais utilizando o
programa GeoGebra. Foi deixado um prazo de aproximadamente 15 min para que eles
se familiarizassem com o programa por meio de uma lista de atividades direcionadas
para este fim. Aparentemente, nenhum estudante teve dificuldades em trabalhar com o
GeoGebra.
Eles receberam uma lista de problemas (já citados no item 3.2) cujas resoluções
deveriam ser entregues na sessão seguinte. Nela, constam exercícios cujas soluções
justificam o cálculo das somas superiores e das somas inferiores. Como exemplos,
citam-se o cálculo do valor aproximado de uma integral com um erro dado e um
problema no qual os limites das somas inferiores e das somas superiores são diferentes.
O comportamento deles foi inteiramente diferente daquele passivo da sessão
anterior. Observou-se que eles tomaram inteiramente para si as atividades e poucas
vezes recorreram ao professor.
11
Quanto ao professor, ele interagiu individualmente e não coletivamente, quando
solicitado. Porém, procurou não interferir com respostas diretas.
Foi permitido ao estudante discutir com os colegas que estavam ao lado.
Na terceira sessão, os estudantes participaram bastante da institucionalização dos
conceitos trabalhados nas sessões anteriores, emitindo opiniões e levantando questões
sobre os conteúdos que não tinham sido compreendidos por eles.
Sete estudantes não devolveram a lista de exercícios resolvida.
As observadoras não participaram da terceira sessão.
6. Análise dos resultados da lista de problemas e das sessões
Procurando responder às questões levantadas no item 3.2 de forma mais
qualitativa, a análise dos resultados indica que:
a) Para fazer uma relação entre o cálculo da área e a integral, tratando-se de
funções que assumem valores apenas não negativos ou apenas não positivos,
mais da metade dos estudantes associou o valor da área ao módulo da integral.
Para uma função que assume tanto valores negativos quanto positivos, apenas
um estudante respondeu que seria necessário fazer o cálculo de duas integrais.
Alguns disseram que a integral é sempre igual à área e, assim, encontraram
valores negativos para a medida de uma região e nulos para a medida de regiões
nas quais cabia um quadrado;
b) Valendo-se do cálculo das somas superiores e das somas inferiores, quase todos
os estudantes conseguiram apresentar um valor aproximado, inferior a um erro
dado, para o cálculo de uma integral relativa a uma função não negativa, da
seguinte forma: realizaram cálculo de somas superiores, Sn, e de somas
inferiores, sn, para vários valores de n, até que a diferença entre as somas fosse
inferior ao erro dado. Escolheram um número entre Sn e sn para o valor da área
pedido.
Este problema justifica o cálculo de ambas as somas, superior e inferior.
Contudo, ao se tratar de funções não negativas ou que assumem valores
negativos e positivos, pouquíssimos conseguiram encontrar uma solução. Talvez
isto represente um reflexo das dificuldades que alguns tiveram para resolver o
item anterior;
c) É surpreendente observar que mais da metade dos estudantes conseguiu concluir
que a função D(x) não é integrável no sentido de Riemann. Eles encontraram
12
valores distintos para o limite das somas superiores e para o limite das somas
inferiores, o que os levou a pensar sobre a não existência da integral. Pode-se
imaginar que o alto índice de acerto neste exercício foi devido ao fato de as
somas superiores e as somas inferiores serem não negativas e constantes, o que
facilita o cálculo do limite. Pode-se supor, a partir deste resultado, que a maioria
deles adquiriu noções sobre as somas de Riemann, pois eles tiveram que resolver
este problema sem a ajuda do GeoGebra;
d) Apenas um estudante resolveu o exercício cuja resolução envolve as etapas da
construção de um caso particular do TFC. Porém, ele declarou não ter
conseguido sozinho e ter feito uma pesquisa em casa, o que não é grave. Outro
estudante tentou, preencheu a metade das etapas, mas não chegou a nenhuma
conclusão;
e) Quanto ao comportamento dos alunos, as diferenças entre as três sessões, que já
foram apontadas no item 5.2, podem ser explicadas. A passividade dos alunos na
primeira sessão pode ter sido devida: ao fato de eles desconhecerem o conteúdo
que seria abordado; à presença de uma filmadora e de pessoas estranhas à sala de
aula. Eles mesmos declararam, após algumas aulas, não se sentir à vontade com
a presença das observadoras;
f) Quanto à segunda sessão, eles estavam conscientes de que a aula dependia
inteiramente deles. Logo, assumiram a resolução dos exercícios;
g) Na terceira sessão, no momento da institucionalização, houve uma grande
participação. Provavelmente, por eles já estarem mais familiarizados com os
conteúdos novos e terem resolvido uma lista de exercícios. Percebeu-se que eles
estavam muito inseguros sobre a resolução dos exercícios, logo, eles
aproveitaram a sessão para tirar dúvidas.
As observadoras registraram a baixa participação dos alunos na primeira sessão
e sugeriram que o professor se apoiasse com mais freqüência em métodos de ensino,
como a Seqüência Fedathi, que os impelissem a interagir. Contudo, elas consideraram
que a forma como foram organizados os conteúdos na primeira sessão prendeu a
atenção dos alunos.
13
7. Conclusão
Restringindo-se ao âmbito no qual foi aplicada a seqüência, pode-se concluir que os
alunos têm conhecimentos deficientes sobre conteúdos relativos à medida, o que pode
contribuir para a formação de pseudo-concepções relativas ao conceito de integral.
Antes da elaboração da seqüência, previsões sobre as possíveis dificuldades que
os alunos poderiam encontrar para compreender determinados conteúdos foram
consideradas, tais como a construção de uma medida fracionária ou irracional, a partir
de uma unidade de medida padronizada. Entretanto, a análise dos resultados da
experimentação permitiu identificar que outros conteúdos, considerados adquiridos,
podiam-se constituir em obstáculos para a aprendizagem do conceito de integral, como,
por exemplo, a atribuição de um valor negativo para uma medida.
Com informações deste tipo, por um lado, o professor pode melhorar o seu
ensino sobre integral, organizando-o para que o aluno supere as dificuldades detectadas.
Sob outra perspectiva, o aluno, participando ativamente da seqüência, pode
eventualmente corrigir erros conceituais dos quais, talvez, não tenha ainda consciência.
Pela ótica do professor/pesquisador, é possível realimentar a seqüência e
reaplicá-la, enriquecendo-a a cada análise e contribuindo, assim, com um melhor
ensino/aprendizagem deste conceito.
Enfatiza-se que o objetivo da seqüência não é que o aluno adquira o conceito de
integral em apenas três sessões, mas o de sedimentar conhecimentos introdutórios que
poderão servir de alicerce para o aprendizado de outros conceitos, seguramente mais
complexos, que serão explorados consecutivamente.
Do ponto de vista da dinâmica de sala de aula, a aplicação da seqüência aqui
proposta mostrou vantagens comparativas à praticada no ano anterior para alunos do
mesmo curso, na mesma instituição e pelo mesmo professor. Na ocasião, após uma
apresentação expositiva, com a elaboração de vários gráficos, pediu-se aos alunos para
calcular as somas de Riemann relativas a algumas partições, tarefa à qual nenhum deles
se dispôs a realizar, nem com o auxílio de máquinas de calcular. Já na atual seqüência,
onde os exercícios práticos fazem parte natural do desenrolar da aula, os alunos
realizaram, sem relutância, as atividades planejadas com o programa GeoGebra. Pode-
se supor que o fato de ter sido estabelecido, com antecedência, o papel de cada um na
aplicação da seqüência contribuiu bastante para a mudança de postura dos alunos.
14
Anexo – Exercícios Propostos na Segunda Fase com o Apoio do Geogebra
1. Para a função f(x) = x2+1:
a) Faça o seu gráfico no intervalo [0,4];
b) Calcule suas somas superiores e suas somas inferiores no intervalo [0,4],
para n=4, 8, 16, 32, 64, 128, 1024.
Escreva os resultados em forma de seqüência: sn para as somas
inferiores e Sn para as superiores;
c) Para a partição P4, identifique cada xi e os pontos dos subintervalos nos
quais são calculadas as alturas dos retângulos;
d) Intuitivamente, percebe-se que e existem e são iguais.
Qual interpretação geométrica você atribuiria a esse valor comum?
e) Você consegue encontrar o valor exato desse limite? Caso contrário,
determine um valor aproximado para esse limite cuja diferença entre este
valor e o valor real seja inferior a 0,01;
f) Encontre um valor aproximado para . Indique o erro entre o
valor real e o valor que você encontrou.
2. Repita os itens do exercício anterior para f(x) = x2 – 9 no intervalo [0,3]. Além
disso, responda:
a) Porque os retângulos de Sn estão no interior da região e não circunscritos,
como no caso anterior?
b) Qual a área aproximada da região em destaque?
c) Porque Sn e sn são negativas?
d) Qual a relação entre a área e a integral?
3. Repita os exercícios 1 e 2 para f(x) = sin(x) entre [-pi, pi].
Comece com n=2 e explique porque, para esta subdivisão, a região abaixo
do eixo x não foi preenchida por retângulos.
4. Use o comando integral[f(x), a, b] para encontrar o valor exato da integral das
funções dos exercícios 1, 2 e 3.
5. Para a função de Dirichlet, D(x):
D(x) = 1, se x for racional e
D(x) = 0, se x for irracional
15
a) Determine Sn e sn, no intervalo [0, 3], para n=3, 6, 9, 107;
b) Qual a
I) Problema:
c) Considere uma função F : [a,b] derivável e tal que sua derivada
F’(x) seja contínua em [a,b];
Obs: Para ajudá-lo a visualizar, esboce o gráfico de uma função como
F.
d) Divida o intervalo [a,b] em n subintervalos [xi-1, xi], onde x0 = a e xn = b;
e) Note que F(b)-F(a) = F(x1)-F(a)+F(x2)-F(x1)+....+F(b)-F(xn-1), logo
F(b)-F(a)=
Obs: Em seu gráfico, cada termo dessa soma corresponde,
geometricamente, a que?
f) Como F tem derivada em [a,b], use o TVM em cada subintervalo i para
reescrever cada parcela do somatório acima (use o TVM em um
subintervalo e depois generalize);
g) Agora, use a continuidade de F’ para relacionar F(b)-F(a) com sn e Sn
relativas a F’;
h) Qual o valor exato de , de e de
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