sentença credit scoring

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COMARCA DE PORTO ALEGRE – 3ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL Rua Márcio Veras Vidor (antiga Rua Celeste Gobato), 10 Nº de Ordem: 0302 – 2010 Processo nº: 001/1.09.0233781-9 (CNJ:.2337811- 10.2009.8.21.0001) Natureza: Ordinária – Outros Autor: CARLA DE DEUS VIEIRA SILVEIRA Réu: CDL – CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS DE PORTO ALEGRE COMPANHIA ZAFFARI BOURBON Juiz Prolator: MAURO CAUM GONÇALVES Data: 28/04/2010 1.0) RELATÓRIO. CARLA DE DEUS VIEIRA SILVEIRA, qualificada na inicial, moveu a presente Ação em face de CDL – CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS DE PORTO ALEGRE e COMPANHIA ZAFFARI BOURBON, igualmente qualificadas, alegando que não possui qualquer restrição de crédito em seu nome, mas que, ao tentar obter crédito perante diversas instituições, dentre as quais a segunda ré, viu o seu pedido negado, sem maiores explicações, sendo que essa última empresa lhe informou apenas que o crédito fora negado em função de seu “credit score”, ferramenta disponibilizada pela primeira demandada. Aduziu que procurou a ré CDL, tendo sido informada de que não poderia obter dados e informações sobre o seu “credit score”, por tratar-se de cadastro confidencial. Mencionou que, através de um órgão de defesa do consumidor, descobriu que o “credit score” se MS 1 64-1-001/2010/1382779 001/1.09.0233781-9 (CNJ:.2337811- 10.2009.8.21.0001)

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Page 1: Sentença Credit Scoring

COMARCA DE PORTO ALEGRE – 3ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRALRua Márcio Veras Vidor (antiga Rua Celeste Gobato), 10

Nº de Ordem: 0302 – 2010Processo nº: 001/1.09.0233781-9 (CNJ:.2337811-10.2009.8.21.0001)Natureza: Ordinária – OutrosAutor: CARLA DE DEUS VIEIRA SILVEIRARéu: CDL – CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS DE

PORTO ALEGRECOMPANHIA ZAFFARI BOURBON

Juiz Prolator: MAURO CAUM GONÇALVESData: 28/04/2010

1.0) RELATÓRIO.

CARLA DE DEUS VIEIRA SILVEIRA, qualificada na inicial, moveu

a presente Ação em face de CDL – CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS DE

PORTO ALEGRE e COMPANHIA ZAFFARI BOURBON, igualmente qualificadas,

alegando que não possui qualquer restrição de crédito em seu nome, mas que, ao

tentar obter crédito perante diversas instituições, dentre as quais a segunda ré, viu o

seu pedido negado, sem maiores explicações, sendo que essa última empresa lhe

informou apenas que o crédito fora negado em função de seu “credit score”,

ferramenta disponibilizada pela primeira demandada. Aduziu que procurou a ré CDL,

tendo sido informada de que não poderia obter dados e informações sobre o seu

“credit score”, por tratar-se de cadastro confidencial. Mencionou que, através de um

órgão de defesa do consumidor, descobriu que o “credit score” se constitui em um

cadastro oculto, fornecido pela primeira demandada às empresas que pagam por

esse serviço, composto de registros e informações pessoais dos consumidores,

dentre as quais as ações judiciais por eles movidas no exercício de seus direitos.

Afirmou que a CDL nega o acesso do consumidor ao seu próprio cadastro,

impossibilitando que ele conteste ilegalidades, irregularidades e inexatidões, bem

como não lhe comunica previamente acerca da existência de tal registro, o que,

segundo sustenta, afrontaria as disposições do Código de Defesa do Consumidor.

Referiu que o “credit score” gera uma restrição de crédito de, no mínimo, seis meses.

Postulou a inversão do ônus da prova e a concessão do benefício da assistência

MS 164-1-001/2010/1382779 001/1.09.0233781-9 (CNJ:.2337811-10.2009.8.21.0001)

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judiciária gratuita. Requereu o deferimento de antecipação de tutela, a fim de que a

primeira ré excluísse todos os cadastros em seu nome relativos ao “credit score”, bem

como que ambas as requeridas apresentassem todas as informações relativas ao seu

registro dos últimos cinco anos, explicando os critérios utilizados para a realização do

cadastro. Por fim, pleiteou a procedência da demanda, com a declaração de

ilegalidade da abertura e manutenção do registro de dados, em seu nome, intitulado

de “credit score”, bem como com a condenação das demandadas a ressarcir os

danos morais que afirma ter suportado, devido a esse ato. Instruiu a petição inicial

com os documentos de fls. 08/13.

O despacho de fls. 15/16 concedeu o Benefício da Justiça

Gratuita, deferiu a antecipação de tutela de natureza cautelar e inverteu o ônus da

prova, determinando que as rés trouxessem ao processo cópia do contrato que teria

originado os apontamentos. Não consta notícia de agravo, por instrumento ou retido

nos autos, acerca dessa decisão.

Citada (fl. 25v), a demandada CDL – CÂMARA DE DIRIGENTES

LOJISTAS DE PORTO ALEGRE contestou (fls. 31/41), sustentando, como matérias

preliminares, ilegitimidade passiva, ao argumento de que o contrato que mantinha

com a segunda ré foi encerrado em 11/07/2008, e a negativa de crédito à autora

ocorreu em 21/07/2009, não tendo se baseado, portanto, em informações obtidas

junto a si através do sistema “crediscore”; e a ausência de interesse processual da

requerente, em virtude de não haver qualquer documento nos autos que comprove a

existência de um registro de débito em seu nome. No mérito, afirmou que o

procedimento por si realizado consiste em análise de perfil de crédito, atitude lícita e

amplamente utilizada no mercado. Referiu que a empresa usuária do sistema não

está vinculada ao resultado do “crediscore”, decidindo por conta própria acerca da

concessão ou não de crédito ao consumidor. Mencionou que a restrição de crédito por

seis meses é um critério adotado pela ré COMPANHIA ZAFFARI BOURBON.

Argumentou que o “crediscore” não se trata de um banco de dados, mas de uma

ferramenta probabilística, que analisa o comportamento do consumidor segundo

critérios fornecidos pelas empresas que solicitam o serviço. Afirmou não ter praticado

qualquer ato ilícito, motivo pelo qual entende que não tem o dever de indenizar a

autora. Aduziu que a não-concessão de crédito é uma liberalidade das empresas,

MS 264-1-001/2010/1382779 001/1.09.0233781-9 (CNJ:.2337811-10.2009.8.21.0001)

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colacionando jurisprudência nesse sentido. Requereu, em acolhimento das

preliminares, a extinção do feito, ou, alternativamente, no enfrentamento do mérito, a

improcedência da demanda. Instruiu a peça contestacional com os documentos de

fls. 42/67.

A ré COMPANHIA ZAFFARI BOURBON foi citada (fls. 68v/69),

apresentando contestação (fls. 70/80), onde alegou, como matéria preliminar, sua

ilegitimidade passiva, ao argumento de que não seria responsável pela administração

do cartão de crédito que foi negado à autora, mas, sim, a BOURBON

ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO, COMÉRCIO E PARTICIPAÇÕES

LTDA.. No mérito, afirmou que a referida administradora de cartão de crédito é uma

empresa privada, que tem o direito de conceder crédito apenas para quem preencher

determinados requisitos, optando por não concedê-lo à autora porque essa já possuiu

cartão de crédito junto àquela empresa, mas deixou de pagar, no vencimento, duas

faturas. Referiu que o “credit score” constante na correspondência encaminhada à

requerente nada tem a ver com o serviço disponibilizado pela ré CDL, cuidando-se de

uma análise interna realizada pela empresa a fim de decidir se concede ou não

crédito ao cliente. Mencionou que a restrição de crédito perante a empresa, por seis

meses, é um critério seu, não obstando que a autora consiga crédito perante outras

instituições. Afirmou que jamais divulgou qualquer informação desabonatória em

relação à demandante, não havendo que se falar em danos morais, os quais,

outrossim, não restaram comprovados. Pleiteou, em acolhimento da preliminar, a

extinção do feito, em face de sua ilegitimidade passiva, ou, no caso de enfrentamento

do mérito, a improcedência da demanda. Instruiu a defesa com os documentos de fls.

81/92.

Sobreveio réplica (fls. 94/104), tendo a demandante alegado que

diversas instituições lhe negaram a concessão de crédito; todavia, não forneceram

qualquer documento nesse sentido. Referiu que o contrato de 'SPC CREDISCORE'

evidencia que o cadastro do consumidor deve ser mantido oculto dele e da sociedade,

o que fere o disposto no art. 43, § 2º, do CDC. Afirmou que o sistema 'SPC

CREDISCORE' não utiliza critérios pré-estabelecidos, claros, objetivos e não

discriminatórios, mas, sim, critérios ocultos e subjetivos, desconhecidos pelo

consumidor e, inclusive, pela empresa usuária do serviço. Reiterou os argumentos

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Page 4: Sentença Credit Scoring

esposados na exordial. Juntou os documentos de fls. 105/126.

Encerrada a instrução, determinou-se a conclusão dos autos para

sentença (fl. 127).

Foi o relatório.

Passo a motivar a decisão.

2.0) FUNDAMENTAÇÃO.

A matéria a ser analisada é de fato e de direito, mas não há

necessidade de se produzirem outras provas em audiência, devendo-se proceder ao

julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 330, inc. I, do Código de Processo

Civil, consoante faço ver adiante.

2.1) Das preliminares.

As requeridas CDL – CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS DE

PORTO ALEGRE e COMPANHIA ZAFFARI BOURBON suscitaram, em suas

contestações, que seriam ilegítimas para figurar no polo passivo da presente

demanda. Ademais, a ré CDL sustentou a ausência de interesse processual da

requerente, em face da inexistência de qualquer cadastro restritivo de crédito em seu

nome.

Dessa forma, antes de adentrar no mérito da causa, passo ao

exame das aludidas preliminares de ilegitimidade passiva e falta de interesse

processual, as quais ensejariam a inépcia da petição inicial, de acordo com o art. 301,

inc. III, combinado com o art. 267, inc. VI, ambos do CPC.

2.1.1) Da legitimidade passiva da ré COMPANHIA ZAFFARI

BOURBON.

A ré COMPANHIA ZAFFARI BOURBON alega ser ilegítima para

figurar no polo passivo da lide, uma vez que apenas aceitaria o cartão de crédito

objeto da presente controvérsia em sua rede de supermercados, mas a

administração, aceitação e manutenção do referido cartão de crédito seriam

efetuadas pela empresa BOURBON ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE

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Page 5: Sentença Credit Scoring

CRÉDITO, COMÉRCIO E PARTICIPAÇÕES LTDA.

Todavia, ambas as pessoas jurídicas supramencionadas fazem

parte do mesmo conglomerado econômico, ou seja, são empresas coligadas, não

havendo independência de gerências.

Tanto é assim que, nas propagandas veiculadas aos

consumidores, fato público e notório que dispensa prova, a aludida rede de

supermercados se autodenomina ZAFFARI BOURBON, o que demonstra,

claramente, sem deixar qualquer dúvida, de que ambas as empresas atuam de

maneira conjunta. Ou seja, não se tratam de pessoas jurídicas completamente

distintas e sem qualquer vínculo, mas, sim, pelo contrário, duas empresas que, na

prática, constituem uma só, em virtude da ligação entre elas estabelecida.

Gize-se que, no documento de fl. 12 (comunicação de negativa de

crédito à autora), consta, no cabeçalho, as inscrições “Zaffari Card” e “Bourbon Card”,

a indicar a ligação entre as empresas.

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça já manifestou-se no

sentido da existência de legitimidade passiva, quando ambas as empresas integram o

mesmo conglomerado econômico, consoante se vê da seguinte ementa:

PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE PASSIVA. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. BANCO. ADMINISTRADORA DE CARTÃO DE CRÉDITO. IDÊNTICO CONGLOMERADO ECONÔMICO.I – Pertencendo a empresa administradora de cartão de crédito ao mesmo conglomerado econômico do banco réu, tem este legitimidade passiva ad causam para responder por dano causado à contratante.II – Recurso especial conhecido e provido. (Recurso Especial nº 299725/RJ, Superior Tribunal de Justiça, Quarta Turma, Relator: Ministro Aldir Passarinho Júnior, Julgado em 22/03/2001) [Grifei]

Dessa forma, não há que se falar em ilegitimidade passiva da ré

COMPANHIA ZAFFARI BOURBON, uma vez que, havendo estreito vínculo com a

empresa BOURBON ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO, COMÉRCIO

E PARTICIPAÇÕES LTDA., a primeira responde pelos danos que a segunda, no

exercício de suas atribuições, eventualmente causar a consumidores.

2.1.2) Da ilegitimidade passiva da ré CDL – CÂMARA DE

DIRIGENTES LOJISTAS DE PORTO ALEGRE.

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Page 6: Sentença Credit Scoring

De fato, em relação ao pleito específico da autora que diz respeito

à negativa de crédito pela requerida COMPANHIA ZAFFARI BOURBON, a

demandada CDL – CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS DE PORTO ALEGRE não

possui legitimidade passiva, uma vez que não teve qualquer participação na decisão

tomada por aquela demandada.

Isso porque ambas as empresas firmaram um contrato em que a

CDL se comprometeu a fornecer à ZAFFARI BOURBON informações sobre os

potenciais clientes de seu cartão de crédito, a fim de que essa última empresa

avaliasse se deveria ou não conceder o crédito solicitado (fls. 63/66).

Contudo, esse contrato vigorou de 28/11/2007 a 11/07/2008 (fl.

67), e a ré ZAFFARI BOURBON negou o fornecimento do cartão de crédito à autora

em 21/07/2009 (fl. 12), portanto, mais de um ano após o encerramento do acordo.

Assim, a negativa de crédito se deu por motivos que, embora

atribuídos à CDL, em verdade partiram de deliberação exclusiva e única da ré

ZAFFARI BOURBON, uma vez que não mantinha mais a avença com a demandada

CDL, pela qual essa lhe prestava informações sobre os consumidores que desejavam

obter crédito.

De modo que a CDL não pode responder, no caso concreto, pelo

ato de negativa de crédito levado a efeito exclusivamente pela ZAFFARI BOURBON,

porque não influenciou na decisão.

Ressalte-se que a empresa ZAFFARI BOURBON é a responsável

pelo equívoco em que incorreu a autora ao também acionar judicialmente a CDL,

porque, na correspondência em que comunica a negativa de crédito, deixa claro que

tomou essa decisão em face da pontuação que o perfil da consumidora obteve,

quando analisado através do sistema “credit score” (fl. 12), mantido por essa.

É bem verdade que o sistema CREDISCORE propriamente dito é

operado com exclusividade pela ré CDL, conforme explicado por ela própria e

veiculado em diversos meios de comunicação (fls.105/122).

No caso concreto, resta evidenciado que o que levou a requerente

a pensar que a ZAFFARI BOURBON não lhe fornecera o cartão de crédito com base

em seu “credit score”, teria sido por haver alguma ingerência da CDL, empresa que

opera e disponibiliza esse sistema.

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Page 7: Sentença Credit Scoring

Contudo, analisando atentamente a peça portal, verifica-se que a

insurgência da autora não se restringe à negativa de crédito pela ZAFFARI

BOURBON, mas, também, quanto à existência de um cadastro com dados pessoais

seus, junto à CDL, que vem sendo disponibilizado para diversas empresas e

impedindo que obtenha crédito perante essas instituições.

Segundo a demandante, esse registro não teria sido comunicado

à ela, conforme preceitua o CDC, bem como conteria informações sigilosas, às quais

não consegue ter acesso para averiguar sua veracidade, o que lhe gerou dano moral.

Desse modo, em relação a esse pedido, é, sim, legítima a CDL –

CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS DE PORTO ALEGRE para responder a

demanda no polo passivo, por ato próprio, pois é a responsável pela manutenção do

banco de dados intitulado 'CREDISCORE', que, segundo a autora, vem fornecendo

informações desabonatórias a seu respeito para diversas outras empresas,

impossibilitando-a, assim, de obter crédito no comércio em geral, e cuja licitude e

moralidade será objeto de análise no enfrentamento do mérito.

A questão, nesse ponto, então, se confunde com o próprio mérito

da ação, que será analisado logo adiante, confirmando a legitimidade passiva da CDL

relativamente aos pedidos da autora que guardam relação com o cadastro

CREDISCORE.

2.1.3) Da existência de interesse processual.

Argumenta a requerida CDL que a autora não trouxe aos autos

qualquer documento comprobatório da existência de algum registro de débito em seu

nome, razão pela qual não havia que se discutir eventual ausência de notificação

prévia acerca do cadastro. Consequentemente, não se vislumbraria interesse

processual.

Não merece prosperar a alegação da ré.

A demandante em nenhum momento afirma que a CDL possui um

registro formal em seu nome, destinado à restrição de crédito, mas que detém dados

pessoais, os quais insere em um programa – o CREDISCORE – que avalia se o

consumidor “merece” o crédito que solicita perante a empresa usuária do sistema.

A irresignação da autora diz respeito à manutenção desse sistema

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Page 8: Sentença Credit Scoring

CREDISCORE, disponibilizado pela ré CDL a inúmeras empresas que desejam saber

se o futuro cliente tem chances ou não de se tornar inadimplente, empregando dados

e informações dos consumidores.

A autora afirma que a requerida CDL se nega a lhe dizer quais

dados foram utilizados para a elaboração de seu perfil e por que motivo o

CREDISCORE vem fazendo uma avaliação negativa de sua pessoa.

Como se observa, a controvérsia será melhor elucidada no

decorrer desta decisão, mas, de plano, já se pode concluir que há interesse

processual da requerente em discutir a operacionalidade do sistema CREDISCORE.

Afastadas, assim, as preliminares, passo ao enfrentamento do

mérito.

2.2) Do mérito.

Examinando com cuidado os presentes autos, como não poderia

deixar de ser, verifico que há duas postulações distintas, que devem ser apreciadas

separadamente, a fim de conferir clareza e exatidão a este decisum.

Uma delas diz respeito ao ato da ré COMPANHIA ZAFFARI

BOURBON, que negou a concessão de cartão de crédito à autora com base em

critérios subjetivos. A outra diz respeito ao sistema CREDISCORE, mantido pela ré

CDL – CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS DE PORTO ALEGRE, o qual também

empregaria parâmetros obscuros para recomendar ou não um cliente às empresas

usuárias do serviço.

Assim, passo, adiante, a examinar, de maneira separada, as

postulações da autora, uma vez que entendo que a responsabilidade de ambas as

empresas rés não é integralmente solidária, devendo ser considerado de modo

distinto e autônomo o agir de cada uma.

2.2.1) Da responsabilidade da ré COMPANHIA ZAFFARI

BOURBON.

Conforme se depreende do documento de fl. 12, a requerida

COMPANHIA ZAFFARI BOURBON optou por não fornecer seu cartão de crédito à

MS 864-1-001/2010/1382779 001/1.09.0233781-9 (CNJ:.2337811-10.2009.8.21.0001)

Page 9: Sentença Credit Scoring

autora; todavia, não especificou os motivos que levaram a essa decisão.

A correspondência informa que um “sistema de análise” verifica

diversas informações do consumidor, obtidas perante vários órgãos, e conclui, ao

final, se o crédito deve ou não ser concedido ao potencial cliente.

Atente-se para os seguintes trechos da referida correspondência:

O cartão é emitido para o(a) proponente que satisfaça uma série de requisitos do sistema de análise. Para exemplificar, a apresentação de documentos e comprovantes, o tempo e local de residência, estabilidade de emprego ou da renda, tempo de movimentação de conta corrente bancária, experiência com cartões de crédito, posse de telefone residencial e de veículo, são apenas alguns destes requisitos.A partir das informações fornecidas, dos documentos apresentados e das pesquisas junto a vários órgãos, tais como: Bancos, Administradoras de Cartões de Crédito, Foro entre outros, o sistema de análise informatizado efetua o processamento dos dados e através de uma pontuação (credit score) informa o perfil do proponente ao crédito. [Grifei]

Entretanto, a demandada não especificou quais critérios foram

levados em consideração para que o crédito fosse negado especificamente à

autora. Apesar de enumerar alguns dos elementos apreciados pelo “sistema de

análise”, a ré não informou, em relação à requerente, quais critérios obtiveram

avaliação negativo, e por quê.

Isso impossibilitou totalmente a autora de se defender,

apresentando argumentos que pudessem fazer com que a requerida mudasse de

ideia, uma vez que não teve acesso aos motivos que levaram à negativa de crédito.

Assim, não houve transparência e boa vontade por parte da demandada, que se

limitou a enviar à autora uma correspondência padrão, informando a negativa.

A requerida afirma que, como empresa privada, tem o direito de

conceder crédito apenas a quem quiser, o que é verdade, tendo em vista a

liberalidade da contratação.

Entretanto, a negativa de crédito somente pode ser operada com

base em critérios específicos, objetivos, concretos e não discriminatórios, como

aduz a própria jurisprudência trazida pela outra requerida, CDL, em sede de

contestação (fls. 38/41), o que não foi observado pela demandada ZAFFARI

BOURBON.

Essa, aliás, é a orientação consolidada pelo Poder Judiciário do

MS 964-1-001/2010/1382779 001/1.09.0233781-9 (CNJ:.2337811-10.2009.8.21.0001)

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Estado do Rio Grande do Sul, segundo se observa das ementas abaixo transcritas:

EMENTA: CONSUMIDOR. NEGATIVA JUSTIFICADA DE CRÉDITO. MERA LIBERALIDADE. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. A concessão de crédito é uma liberalidade do comerciante. Todavia, essa faculdade deve ser exercida de modo criterioso. Caso dos autos em que a concessão do crédito esteve condicionada a critérios objetivos e não discriminatórios, não havendo que se falar em abalo de crédito. Dano moral não configurado. Recurso desprovido. Unânime. (Recurso Cível Nº 71002043974, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: João Pedro Cavalli Junior, Julgado em 24/02/2010) [Grifei]

EMENTA: CONSUMIDOR. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. NEGATIVA DE CONCESSÃO DE CRÉDITO. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE DANOS MORAIS. LIBERALIDADE DO COMERCIANTE, DESDE QUE FUNDADA EM CRITÉRIOS OBJETIVOS, NÃO DISCRIMINATÓRIOS, AUSENTE CONDUTA VEXATÓRIA. Em se tratando de concessão de crédito, à financeira é dado estipular condições e limites, desde que embasados em critérios objetivos e pré-estabelecidos. A relação que se estabelece no momento da concessão do crédito, embora regida pelas regras protetivas do CDC, ocorre à similitude de qualquer contrato sinalagmático, sendo a vontade das partes requisito indispensável para a sua concretização. Assim, não estando preenchidos os requisitos objetivamente estabelecidos pela ré para a concessão de crédito, tem-se como regular e não abusiva a recusa havida. RECURSO DESPROVIDO. (Recurso Cível Nº 71002301521, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 18/12/2009) [Grifei]

Frise-se que a própria demandada ZAFFARI BOURBON admite

expressamente, na contestação, que utiliza critérios subjetivos para decidir se um

cliente merece receber o cartão de crédito da empresa ou não (fl. 73, 2º e 4º

parágrafos).

Ao ser acionada judicialmente, a ré por fim indicou a razão que

levou à negativa de crédito. A decisão da empresa se baseou no fato de que a autora

já possuíra, anteriormente, seu cartão de crédito, ocasião em que deixou de pagar, no

vencimento, duas faturas (fls. 83 e 85/86). Assim, por julgar que a requerente é uma

“má pagadora”, resolveu não fornecer de novo o seu cartão.

Caso tivesse informado à autora, no momento oportuno, o real

motivo da negativa de crédito, talvez a presente ação nem teria sido proposta. Isso

porque oportunizaria à demandante condições de, ao menos, oferecer uma defesa ou

argumento, a fim de tentar fazer com que a empresa ré mudasse de posição e lhe

concedesse o crédito. Todavia, a requerida não foi honesta com a autora, uma vez

que não explicou o porquê da negativa de crédito, preferindo utilizar-se de

MS 1064-1-001/2010/1382779 001/1.09.0233781-9 (CNJ:.2337811-10.2009.8.21.0001)

Page 11: Sentença Credit Scoring

subterfúgios como a correspondência modelo e genérica de fl. 12, inviabilizando,

assim, qualquer manifestação por parte da demandante. Não agiu, para com o

consumidor, com o dever de transparência.

A atitude da COMPANHIA ZAFFARI BOURBON causou surpresa

e perplexidade à autora, que viu o seu pedido de crédito negado, sem qualquer

justificativa consistente, já que não possuía nenhum cadastro negativo junto aos

órgãos de proteção ao crédito.

Além disso, o fato de não informar claramente os motivos pelos

quais o crédito fora negado, com certeza gerou um sentimento de impotência e

humilhação, uma vez que a autora, mesmo não contando com qualquer restrição

creditícia, teve a sua solicitação sumariamente rechaçada, com base em critérios que

lhe eram totalmente desconhecidos.

Desse modo, a requerida faltou com os deveres de informação e

transparência, aos quais precisam estar atentos os fornecedores de produtos e

serviços, na esteira do que preceitua a legislação consumerista, impossibilitando,

ainda, que a requerente exercesse seu direito constitucional ao contraditório e à

ampla defesa, e acarretando-lhe danos morais.

Presentes o ato ilícito, o nexo de causalidade e os efetivos danos

extrapatrimoniais causados à autora, resta evidente a obrigação da ré de indenizar.

A indenização por dano moral visa a compensar a sensação de

sofrimento, humilhação, abalo, vexame e constrangimento. Tem, portanto, caráter

compensatório.

Não se pode perder de vista, porém, que, à satisfação

compensatória, soma-se o sentido punitivo e pedagógico da indenização, de maneira

que assume especial relevo, na fixação do valor indenizatório, as condições sócio–

econômicas das partes.

Assim, tem relevância não apenas a análise da intensidade do

sofrimento causado, para se estimar o valor a se indenizar, mas, também, a

capacidade financeira da infratora, para que se arbitre uma quantia suficientemente

capaz de prevenir a ocorrência de nova conduta idêntica.

Então, em outras palavras, em relação ao valor indenizável, pesa

certificar que há de ser fixado em consonância com o poderio econômico da

MS 1164-1-001/2010/1382779 001/1.09.0233781-9 (CNJ:.2337811-10.2009.8.21.0001)

Page 12: Sentença Credit Scoring

requerida, para que não perca o seu caráter de sanção, vez que a pena deve sempre

trazer uma desvantagem maior que a vantagem auferida pelo crime/ilícito, a fim de

que exerça a prevenção sobre o ato danoso (Teoria da Prevenção).

Portanto, se é certo que o dano é irreparável, é justo que haja ao

menos uma compensação em virtude da conduta da ré, que fixo no valor de R$

10.000,00. Saliente-se que, nos termos do art. 1º da Lei nº 6.899/81, é devida a

atualização monetária, desde a data de prolação da sentença, pelo IGP-M, índice

oficial e amplamente aceito pela jurisprudência pátria. Igualmente cabível a incidência

de juros legais de 1% ao mês, desde a data do ato ilícito, cometido em 21/07/2009,

quando a autora foi comunicada pela COMPANHIA ZAFFARI BOURBON de que o

seu pedido de crédito havia sido negado, sem que fosse apresentada, no entanto,

qualquer explicação a justificar a decisão (fl. 12), consoante o disposto nos arts. 406

do Código Civil e 161, § 1º, do Código Tributário Nacional.

2.2.2) Da responsabilidade da ré CDL – CÂMARA DE

DIRIGENTES LOJISTAS DE PORTO ALEGRE.

Conforme já foi fundamentado no item 2.1.2, a demandada CDL

não tem qualquer responsabilidade sobre a negativa de crédito especificamente à

autora, no caso levada a efeito pela ré ZAFFARI BOURBON, uma vez que esse ato

ocorreu em 21/07/2009 (fl. 12), quando já não estava mais em vigor o contrato

celebrado entre a ZAFFARI BOURBON e a CDL (fl. 67), segundo o qual esta empresa

se comprometia a fornecer àquela informações sobre os potenciais clientes, indicando

a quais era recomendável conceder crédito e a quais não era.

Não obstante isso, cabe analisar a responsabilidade da requerida

CDL – CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS DE PORTO ALEGRE no que concerne

à manutenção e utilização do sistema denominado CREDISCORE, uma vez que, de

acordo com a autora, as informações desabonatórias fornecidas por esse programa a

inúmeros estabelecimentos comerciais estaria dificultando a sua obtenção de crédito

no mercado de consumo.

Compulsando os autos, infere-se que o intitulado CREDISCORE

trata-se de um programa, elaborado e operado pela CDL, que analisa uma série de

dados e informações do consumidor, apresentando um escore final (em uma tradução

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Page 13: Sentença Credit Scoring

livre, crediscore poderia ser definido como escore para [concessão de] crédito), que

indica se é recomendável ou não 'recomendável' a concessão de crédito àquela

pessoa, em face da probabilidade – menor ou maior – de ela vir a se tornar

inadimplente.

O resultado obtido através do cálculo é fornecido pela demandada

às empresas que tenham contratado previamente o serviço, as quais, com base na

conclusão oferecida pelo sistema, decidem se irão conceder ou não o crédito ao

potencial cliente. Não importa se o consumidor já tenha 'limpado seu nome', pagando

tudo e a todos.

Em sua contestação, a ré esforça-se, a todo o momento, para

demonstrar que o CREDISCORE não consiste em registro do consumidor, mas em

mera análise de seus dados, a fim de constatar se a pessoa é “confiável” ou não.

No entanto, independentemente da denominação que a CDL

pretenda dar ao serviço que oferece, o CREDISCORE apresenta, efetivamente, um

banco de dados, com diversas informações do consumidor, a partir das quais é

realizado um cálculo, chegando-se à pontuação final da pessoa. Caso a requerida

não dispusesse de tais dados acerca dos consumidores, seria impossível que o

programa CREDISCORE compilasse as informações e fornecesse o resultado final da

análise.

Dessa forma, nos termos do art. 43 do Código de Proteção e

Defesa do Consumidor, a demandada precisaria ter notificado à autora sobre a

existência desse registro em seu nome. Não o fazendo, deveria, no mínimo, ter

atendido à solicitação extrajudicial da demandante no sentido de que informasse os

dados de que dispunha, a pontuação atribuída à autora e o porquê desse escore,

tendo em vista que o dispositivo supramencionado determina o seguinte:

Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.§ 1º. Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos.§ 2º. A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele.

MS 1364-1-001/2010/1382779 001/1.09.0233781-9 (CNJ:.2337811-10.2009.8.21.0001)

Page 14: Sentença Credit Scoring

§ 3º. O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas.§ 4º. Os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público.§ 5º. Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores. [Grifei]

Violando a norma acima colacionada, a ré CDL não esclareceu,

nem extrajudicialmente, nem em juízo, as informações da autora (ou de todo e

qualquer outro ser vivo deste país que tenha CPF ou CGC), de que dispõe e utiliza no

sistema CREDISCORE.

A demandada não explicitou o conteúdo do banco de dados da

requerente – e por certos de outros consumidores - que dá suporte ao 'prognóstico'

feito pelo CREDISCORE, tornando inviável que ela se manifestasse acerca da

correção dos dados, apontando eventuais irregularidades e incorreções.

A CDL não nega o fato de que mantem dados da autora e que,

inserindo-os no programa CREDISCORE, chega ao seu escore, o qual é

disponibilizado reservadamente às empresas solicitantes. Dessa forma, tem-se um

fato incontroverso, pois não foi impugnado, o qual, segundo o disposto no art.

302, “caput”, do CPC, presume-se verdadeiro.

Mesmo dispondo de informações a respeito da demandante, a

requerida CDL não as trouxe aos autos, nem mencionou o 'prognóstico' da autora e

com base em quê o sistema CREDISCORE gera tal resultado. Observa-se, com isso,

que a ré fere os direitos da consumidora à informação e à transparência,

consagrados pela legislação especial, como já referido anteriormente.

Ilegal, portanto, o cadastro da demandante nos moldes em

que é mantido pela ré CDL. O banco de dados seria legítimo somente se todas as

informações sobre os consumidores fossem livremente disponibilizadas, de modo

global, a eles e, inclusive, às empresas contratantes, uma vez que há notícia, nos

autos, de que nem mesmo os estabelecimentos comerciais que solicitam a realização

da pesquisa são informados acerca dos critérios utilizados e do porquê de o cliente ter

recebido determinado escore.

MS 1464-1-001/2010/1382779 001/1.09.0233781-9 (CNJ:.2337811-10.2009.8.21.0001)

Page 15: Sentença Credit Scoring

A mensagem de fl. 123, postada em uma página da internet,

embora não possua elevado valor probante, representa mais um indício da prática

obscura e ilegalmente sigilosa promovida pela CDL. Cuida-se do depoimento de um

ex-funcionário do setor de crediário das Lojas Renner, o qual afirma que a empresa

apenas insere os dados fornecidos pelo cliente no programa CREDISCORE e a

pontuação é gerada sem qualquer explicação, não havendo como saber os motivos

pelos quais os consumidores apresentam escores elevados ou baixos. Confira-se o

aludido depoimento:

Fui funcionario do Crediario das Lojas Renner, na vdd não puxamos nenhum dado, acontece que o sistema e baseado no credit score, ou seja um sistema de pontuação que varia de acordo com a inadimplência da loja, incluimos a proposta e ela vem negada ou aprovada para nós...infelizmente não temos dominio, e nem controle, mais contrangedor e informar o cliente que sem motivo solido a proposta foi negada...Horrivel contrangimento total! (sic) [Grifei]

Ademais, o contrato para o fornecimento do serviço

CREDISCORE deixa bem claro que o sistema é altamente secreto (fls. 64/65):

CLÁUSULA SEXTA – DA RESPONSABILIDADE6.4 Por tratar-se de um serviço em fase de teste, a CONTRATANTE não poderá, em hipótese alguma, fornecer, seja qual for a forma, ao próprio consumidor ou a terceiros as informações obtidas através de consulta ao SPC CREDISCORE.6.5 Também é TOTALMENTE vedado à CONTRATANTE informar, seja qual for a forma e a quem quer que seja, a existência, o resultado da consulta e a utilização do SPC CREDISCORE, bem como a celebração do presente instrumento.6.7 Os documentos e formulários relativos ao SPC CREDISCORE e as suas cópias que a CONTRATANTE tiver acesso em razão deste instrumento não poderão ser entregues a terceiros ou ao próprio consumidor consultado. [Grifei]

Na realidade, o programa CREDISCORE, para poder operar,

necessita de informações dos clientes, que se encontram em um banco de dados

mantido pela ré CDL – CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS DE PORTO ALEGRE.

Os prognósticos gerados a partir dessas informações são

divulgados para as empresas que contratam o serviço. E, embora o resultado não

vincule diretamente a posição a ser tomada pelo estabelecimento comercial, certo é

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Page 16: Sentença Credit Scoring

que, diante de uma pontuação negativa, fornecida por uma instituição tida pelo

comerciante por confiável como a CDL, dificilmente a empresa irá se aventurar

concedendo crédito a tal consumidor.

O resultado do CREDISCORE influencia, sim, o

comportamento das empresas, gerando, dessa forma, uma restrição de crédito

aos consumidores que apresentem escores desfavoráveis.

Assim, mais um motivo a embasar a aplicação do art. 43 do

CPDC, que obriga as entidades que mantém bancos de dados a fornecer aos

consumidores suas informações pessoais, pois os cadastros da ré CDL, ainda que

indiretamente, cerceiam o direito ao crédito.

Na prática, os prognósticos feitos pelo CREDISCORE equivalem a

cadastros dos consumidores, ainda que a demandada tente mascarar a verdadeira

natureza do sistema. Os efeitos dos resultados do CREDISCORE são os mesmos

provocados pelos registros formais de dados dos consumidores.

O direito às informações constantes em bancos de dados reveste-

se de tamanha importância que é considerado garantia fundamental do cidadão pela

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, podendo ser reivindicado

através do instituto do habeas data:

Art. 5º. (...)XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;LXXII – conceder-se-á habeas data:a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público;b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo; (...) [Grifei]

Saliente-se que os dispositivos da Magna Carta transcritos acima

são plenamente aplicáveis à CDL, já que, nos termos do art. 43, § 4º, do CDC, os

bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção ao

crédito a congêneres são considerados entidades de caráter público (grifei).

MS 1664-1-001/2010/1382779 001/1.09.0233781-9 (CNJ:.2337811-10.2009.8.21.0001)

Page 17: Sentença Credit Scoring

Ao analisar os dados do potencial cliente e fornecer uma

determinada pontuação, como fez com a autora, a ré CDL age com flagrante

arbitrariedade, pois não especifica as causas que motivam a estatística no sentido de

que o crédito deve ser negado.

Assim, esse método representa ainda uma violação clara aos

direitos constitucionais ao contraditório e à ampla defesa, igualmente consagrados

como garantias fundamentais do indivíduo:

Art. 5º. (...)LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; [Grifei]

Por derradeiro, gize-se que o contrato de prestação do serviço

CREDISCORE acaba por não atender à sua real função, qual seja, a de fornecer

informações claras e precisas sobre os consumidores para as empresas solicitantes,

a fim de que elas avaliem se é ou não vantajoso conceder crédito a tais clientes.

Utilizando critérios não divulgados, informações acerca dos

consumidores que igualmente não podem ser acessadas, e limitando-se a fornecer

uma pontuação do consumidor, sem qualquer explicação plausível, o sistema

CREDISCORE está sujeito a cometer graves erros, inclusive em virtude do emprego

de dados incorretos ou desatualizados.

A ré CDL anuncia que o programa “analisa simultaneamente mais

de 400 variáveis” (fls. 106, 115 e 116), entretanto, não foi capaz de indicar, no

presente processo, sequer uma dessas variáveis utilizadas pelo programa.

Portanto, resta evidente o ato ilícito – inclusive inconstitucional –

levado a cabo pela requerida CDL, que culminou por provocar prejuízos de ordem

extrapatrimonial à requerente.

A autora vem sofrendo sucessivas negativas de crédito perante

diversas empresas, enumeradas em sua réplica (fl. 94), as quais afirmam que a

restrição é fundamentada no resultado fornecido pelo CREDISCORE, embora se

recusem a fornecer qualquer documento que contenha essa assertiva.

Apesar da ausência de prova documental, a afirmativa da

demandante reveste-se de verossimilhança, uma vez que é de conhecimento geral

MS 1764-1-001/2010/1382779 001/1.09.0233781-9 (CNJ:.2337811-10.2009.8.21.0001)

Page 18: Sentença Credit Scoring

que, atualmente, os estabelecimentos comerciais se cercam, cada vez mais, de

cuidados a fim de evitar o ingresso, em suas cartas de clientes, de “maus pagadores”.

E, além disso, há o documento fornecido pela outra requerida.

Outrossim, a ampla divulgação do novo sistema CREDISCORE,

comprovada pelos documentos de fls. 105/122, os quais ressaltam a tecnologia

avançada do programa e as vantagens auferidas com o seu emprego, levam à

conclusão de que inúmeras empresas, ou, pelo menos, as mais importantes,

certamente já aderiram ou ainda irão aderir ao serviço.

Além disso, o cadastro “oculto” mantido pela ré CDL, e o resultado

genérico do CREDISCORE, impedem que a autora exerça o seu direito constitucional

à defesa, verificando, inclusive, se os seus dados efetivamente correspondem à

realidade.

Toda essa situação acarreta, a qualquer ser humano, sentimentos

como surpresa, perplexidade, indignação, dor, sofrimento, abalo, vexame,

humilhação, constrangimento e sobretudo impotência, ou seja, danos morais

passíveis de compensação.

Assim, fazendo uso dos critérios referidos no item 2.2.1 desta

sentença para o estabelecimento do quantum indenizatório, os quais me

abstenho de reproduzir, a fim de evitar tautologia, fixo a compensação pelos danos

morais ocasionados pela conduta da ré CDL – CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS

DE PORTO ALEGRE no valor de R$ 20.000,00, atualizado monetariamente pelo IGP-

M, desde a data de prolação da sentença, e com a incidência de juros legais de 1%

ao mês, desde a data do ato ilícito, cometido em 28/11/2007, quando, em virtude de

contrato, a CDL passou a fornecer à ZAFFARI BOURBON o serviço denominado

CREDISCORE (fl. 67), já que esse é o único parâmetro constante nos autos para

determinar desde quando a CDL mantém um banco de dados em nome da autora e

realiza prognósticos com base nele, disponibilizando essa pontuação às empresas

solicitantes.

3.0) DISPOSITIVO.

ISSO POSTO, JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS

FORMULADOS por CARLA DE DEUS VIEIRA SILVEIRA, nos autos da Ação movida

MS 1864-1-001/2010/1382779 001/1.09.0233781-9 (CNJ:.2337811-10.2009.8.21.0001)

Page 19: Sentença Credit Scoring

contra CDL – CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS DE PORTO ALEGRE e

COMPANHIA ZAFFARI BOURBON, para o fim de:

a) declarar a ilegalidade da abertura, manutenção e utilização do

banco de dados sobre a autora pela demandada CDL – CÂMARA DE DIRIGENTES

LOJISTAS DE PORTO ALEGRE, nos moldes em que esse registro vem sendo

empregado pelo sistema CREDISCORE, na forma do estipulado na

fundamentação;

b) cominar à ré CDL – CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS DE

PORTO ALEGRE a obrigação de fazer, consistente na disponibilização, à autora, de

todos os dados e informações sobre ela, constantes em seus registros e cadastros,

bem como de explicações claras e precisas acerca dos critérios levados em

consideração pelo programa CREDISCORE para efetuar a pontuação do consumidor

e dos motivos que levaram o sistema a avaliar negativamente a demandante, no

prazo de 10(dez) dias, contados da data em que não couber mais recurso com efeito

suspensivo desta decisão, sob pena de passar a pagar multa a ser oportunamente

fixada em caso de descumprimento;

c) cominar à ré CDL – CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS DE

PORTO ALEGRE a obrigação de fazer, consistente na exclusão dos registros e

cadastros mantidos em nome da autora, bem como na proibição de prestar quaisquer

informações desabonatórias a respeito da demandante, tornando, assim, definitiva

a tutela antecipada (fls. 15/16);

d) condenar a ré CDL – CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS

DE PORTO ALEGRE ao pagamento da quantia de R$ 20.000,00, a título de

indenização pelos danos morais causados à autora, atualizada monetariamente,

desde a data de prolação da sentença, pelo IGP-M, com a incidência de juros legais

de 1% ao mês, desde a data do ato ilícito, ocorrido em 28/11/2007 (fl. 67), na forma

do estipulado no item 2.2.2 da fundamentação; e

e) condenar a ré COMPANHIA ZAFFARI BOURBON ao

pagamento da quantia de R$ 10.000,00, a título de indenização pelos danos morais

causados à autora, atualizada monetariamente, desde a data de prolação da

sentença, pelo IGP-M, com a incidência de juros legais de 1% ao mês, desde a data

do ato ilícito, ocorrido em 21/07/2009 (fl. 12), na forma do estipulado no item 2.2.1

MS 1964-1-001/2010/1382779 001/1.09.0233781-9 (CNJ:.2337811-10.2009.8.21.0001)

Page 20: Sentença Credit Scoring

da fundamentação.

Sucumbentes, vão as rés condenadas ao pagamento das custas

processuais e honorários advocatícios devidos em favor do patrono da autora, fixados

estes em 20% sobre o valor total e atualizado da soma da condenação pecuniária,

conforme previsão do art. 20, § 3º, do CPC.

Determino seja oficiado ao órgão do Ministério Público de Defesa

do Consumidor, remetendo-se cópia integral do processo, inclusive da capa e desta

sentença, independentemente de qualquer recurso, para as providências que aquele

Digno Órgão entender como as pertinentes.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Porto Alegre, 28 de abril de 2010.

MAURO CAUM GONÇALVES.

Juiz de Direito – 3ª Vara Cível/1º Juizado – Foro Central.

MS 2064-1-001/2010/1382779 001/1.09.0233781-9 (CNJ:.2337811-10.2009.8.21.0001)