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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Roberto Monastersky Relações de liderança no mundo do trabalho Mestrado em Ciências Sociais São Paulo 2015

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Roberto Monastersky

Relações de liderança no mundo do trabalho

Mestrado em Ciências Sociais

São Paulo 2015

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Roberto Monastersky

Relações de liderança no mundo do trabalho

Mestrado em Ciências Sociais

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais, sob a orientação da Profa. Dra. Noêmia Lazzareschi.

São Paulo 2015

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BANCA EXAMINADORA

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AGRADECIMENTOS

À Noêmia Lazzareschi, minha orientadora e professora do Mestrado em Ciências

Sociais na PUC-SP, que acolheu meu projeto de pesquisa, orientou-me com firmeza e enorme

dedicação, compartilhando seu vasto conhecimento, e uma atitude franca e receptiva nas

discussões que tivemos, ou seja, uma professora e pesquisadora por vocação.

À minha mãe, Guja Penco Monastersky, pela continuada dedicação à minha

formação pessoal e intelectual.

Ao meu pai, Durval Jaques Monastersky, e à minha avó, Elsa Lubrano Penco, pelo

afeto e ajuda.

À minha amada esposa, Isabela Dora Costa Monastersky, pessoa íntegra, inteligente,

prestativa e uma líder de destaque na área da Engenharia Civil, que enriqueceu e enriquece

meus dias e pensamentos e que muito contribuiu para a construção desta pesquisa, assim

como nosso filho Eduardo Costa Monastersky, que demonstrou grande compreensão sobre as

centenas de horas que dediquei a este estudo.

À Capes, pela bolsa de estudos concedida, que foi primordial para a construção deste

trabalho.

Aos meus professores da PUC-SP, pelas excelentes aulas e ideias que trocamos no

decorrer do meu mestrado.

Aos profissionais que foram entrevistados no estudo de caso: sem eles nada disso

existiria.

À minha querida Magic, uma linda dálmata com pintas fígado, fiel companheira que

observou incansavelmente o desenvolvimento desta dissertação, não reclamou nem

reivindicou nada, a não ser estar ao meu lado todo o tempo.

A todos que quero bem e a todos que me querem bem.

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RESUMO

Esta dissertação tem por objetivo estudar as relações de poder no seio das organizações, cuja estrutura de autoridade hierárquica faz surgir os chefes com o papel de manter o poder ao controlar a força de trabalho e procurar subterfúgios para o aumento da produtividade e lucros. Ao contrário dos líderes, esses chefes não apoiam os trabalhadores a desenvolver um comportamento empreendedor, tampouco a satisfazer as suas necessidades de autoestima e autorrealização através do trabalho. Este trabalho se fundamenta nos estudos da sociologia do trabalho e da psicologia organizacional, segundo os quais as relações de liderança promovem o desenvolvimento pessoal e profissional do trabalhador e, por isso, atendem ao aumento da produtividade nas organizações empresariais. O estudo de caso foi realizado na Enger Engenharia, uma organização empresarial especializada no gerenciamento e fiscalização de projetos para a construção civil, com sede em Alphaville (Barueri – SP). Na ocasião de nosso contato com a Enger, foram entrevistados 127 trabalhadores, representando a maioria do quadro funcional da empresa. Por outro lado, ainda, tendo como objetivo construir este estudo de caso, entrevistamos com maior profundidade três trabalhadores, ou seja, um verdadeiro líder e dois subordinados diretos a ele. As respostas fornecidas pelos entrevistados comprovam a veracidade da hipótese norteadora do estudo de que verdadeiros líderes são vetores do crescimento pessoal e profissional do trabalhador e consequentemente do desenvolvimento empresarial.

Palavras-chave: Verdadeiros líderes. Relações democráticas. Desenvolvimento pessoal e

profissional.

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ABSTRACT

This dissertation aims to study the power relations within organizations, whose structure of hierarchical authority raises the managers, with the role of maintaining the power while controlling the workforce and seek subterfuges to increase productivity and profits. Unlike the leaders, these managers do not support the workers to develop an entrepreneurial behavior, either to meet their needs for self-esteem and self-actualization through work. This work is based on the studies of sociology of work and organizational psychology whereby the leadership relations promote personal and professional development of the employee, and therefore serve to increase productivity in business organizations. The case study was conducted at Enger Engenharia, a specialized business organization in project management and supervision for the construction industry, whose headquarter is located in Alphaville (Barueri – SP). At the time of our contact with the ENGER were interviewed 127, which represents the majority of the staff of the company. On the other hand, aiming to build this case study, we interviewed in greater depth three workers, that is, a true leader and two direct reports to him. The answers provided by respondents prove the truth of the guiding hypothesis of the study that true leaders are vectors of personal and professional growth of the employee and consequently of business development.

Keywords: True leaders. Democratic relationships. Personal and professional development.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ___________________________________________________ 8

Cenário histórico do problema ___________________________________________ 8

Problema ____________________________________________________________ 11

Hipóteses ____________________________________________________________ 11

Objetivos ____________________________________________________________ 11

Objetivo geral ______________________________________________________ 11

Objetivo específico __________________________________________________ 11

Metodologia de pesquisa _______________________________________________ 11

Roteiro de entrevistas __________________________________________________ 13

Estrutura da dissertação _______________________________________________ 15

CAPÍTULO I – LÍDERES EMPRESARIAIS TRANSFORMAM A

REALIDADE ____________________________________________________ 16

1.1. Poder, legitimidade e liderança ____________________________________ 16

1.2. Exemplos de verdadeiros líderes ___________________________________ 23

1.3. Características dos líderes carismáticos _____________________________ 31

1.4. Líderes empresariais e movimentos sociais ___________________________ 37

CAPITULO II – DOS CHEFES FORDISTAS AOS ATUAIS LÍDERES ____ 48

2.1. A liderança no mundo globalizado __________________________________ 71

2.2. Gestão do conhecimento, inovação e empreendedorismo _______________ 78

CAPÍTULO III – ANÁLISE DAS ENTREVISTAS _____________________ 88

3.1. Análise das entrevistas com o ex-diretor _____________________________ 88

3.2. Análise das entrevistas com os dois trabalhadores _____________________ 94

CONSIDERAÇÕES FINAIS _______________________________________ 102

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS _______________________________ 107

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INTRODUÇÃO

Cenário histórico do problema

As mudanças são sempre conduzidas por líderes cuja missão é estabelecer novos

princípios de organização das diferentes dimensões da vida social os quais permitam

vislumbrar a realização das expectativas do maior número de pessoas.

Nesse momento, a presença do líder nas organizações é fundamental para permitir aos

trabalhadores compreender as mudanças tecnológicas e organizacionais que reconfiguram o

mundo do trabalho e ameaçam de desemprego uma parcela importante da força de trabalho,

dada a globalização da economia e o acirramento da competição, consequentemente.

Muito se exige do trabalhador contemporâneo: cursos técnicos, novas competências –

foco em resultado e no cliente, flexibilidade intercultural, visão estratégica, promover e

influenciar mudanças, etc. –, maior produtividade, conhecimento de outros idiomas, etc. Toda

essa carga de exigência pode causar, além de insegurança, resistência à mudança, pois, ao

mesmo tempo, esse trabalhador deve arcar com suas responsabilidades e se reciclar

continuamente para manter seu emprego formal ou sua atividade de trabalho não formal.

Essas mudanças são inevitáveis, pois o trabalhador contemporâneo vive a era da globalização

e suas consequências.

A intensificação do processo de globalização atingiu a economia brasileira em todos

os setores produtivos. As empresas, para se manterem no mercado e enfrentarem a

concorrência internacional, buscaram adaptar-se à nova realidade mundial com métodos cada

vez mais apurados de administração empresarial, extremo controle do capital financeiro,

novas tecnologias, baixos custos de produção e de mão de obra, dentre outros aspectos.

Empresas modernas, para sobreviver, passaram por reestruturação produtiva e hoje precisam,

como nunca, de trabalhadores com novas competências e, sobretudo, motivados.

O termo globalização é de uso recente, porém o fenômeno que nomeia é antigo. Beck

(1999) considera a globalização como um processo em que os Estados nacionais veem a sua

soberania, sua identidade, suas redes de comunicação, suas chances de poder e suas

orientações sofrer a interferência cruzada de atores transnacionais. Portanto, globalização

significa a transferência de atividades sociais de âmbito regional para redes que condicionam

eventos de âmbito mundial e acentuam o desenvolvimento desigual entre diferentes países.

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“Um Estado desses torna-se muito dependente dos investimentos privados e começa a

fazer o que as empresas quiserem para não perder força econômica. Vira uma relação

desigual, em que o mercado tem todas as fichas na mão” (OFFE, s/d).

No Brasil, a abertura econômica que teve início e ganhou grande impulso em 1990 com o governo Collor, é vista como marco da transição para um contexto de organização industrial marcado pelos parâmetros da competitividade e liberalização do comércio. (FLEURY; FLEURY, 1997)

A reestruturação que ocorre no Brasil, segundo Martins e Ramalho (1994), tem a

finalidade de acompanhar as tendências da economia mundial principalmente para responder

as exigências de maior produtividade e qualidade, custos mais baixos, garantindo, dessa

forma, maior competitividade para os produtos nacionais no mercado. Verificam-se

fenômenos, tais como a redução de pessoal, de custos fixos e de administração,

acompanhados de racionalização da produção e da terceirização.

As empresas tentaram e tentam motivar os trabalhadores mediante programas ditos

motivacionais, como: distribuição de benefícios, participação em resultados, oferecimento de

convênios médicos, planos odontológicos, etc., porém a não satisfação das necessidades dos

trabalhadores é um tema candente.

Nesse contexto, foram fabricados personagens chamados “líderes” que, na realidade,

são figuras impostas aos trabalhadores pelo poder da direção das empresas. Tais “líderes”

demonstram, em grande parte das ocasiões, a intenção de explorar ao máximo a mão de obra a

fim de obter melhores resultados financeiros para as organizações, porém sem incentivar e

reconhecer de maneira realista as necessidades e aspirações dos trabalhadores.

Esses ditos “líderes” emergem das diretorias das empresas para exercer total controle

sobre a produtividade e aumentar o resultado dos trabalhadores, e, na maioria das vezes, é

perceptível que não se preocupam em oferecer reais oportunidades de crescimento e

desenvolvimento profissional aos trabalhadores.

Em adição ao supracitado, existe uma retórica, típica das áreas de recursos humanos

das empresas, voltada à valorização dos trabalhadores, tentando fazer com que se sintam

donos da empresa, com sentimento de ownership (pertencimento), mas, por outro lado,

departamentos de recursos humanos não hesitam em demiti-los na primeira crise do mercado,

ou seja, situação na qual as vendas e lucros caem.

Por outro lado, a globalização pode gerar uma degradação das condições de trabalho

àqueles trabalhadores menos qualificados, residentes em países menos desenvolvidos e com

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legislações mais permissivas e, portanto, mais vulneráveis aos desejos do capital em sua

expansão.

Braverman (1987) aponta o desenvolvimento de novas tecnologias, ou “mecanização”,

como responsáveis pela degradação do trabalho devido à compreensão pelo capital do valor

poderoso da ciência como instrumento importante para o sucesso empresarial, o que fez surgir

uma série de máquinas e equipamentos que abstraem o conhecimento do antigo ofício,

convertendo-os em um instrumento capaz de simplificar o trabalho, exigindo não mais que

um simples operador ao invés do perito. O papel da “revolução técnico-científico” é

fundamental para o desenvolvimento do capital monopolista, pois

[...] o trabalho passa a ser compreendido não como um esforço humano integral, mas abstrai todas as suas qualidades concretas a fim de reduzi-lo a movimentos universais e infindavelmente repetidos, a soma dos quais, quando misturada a outras coisas que o capital compra – máquinas, materiais etc. – resulta na produção de uma soma maior de capital do que a que foi ‘investida’ no início do processo [...]. (Ibid., p. 158)

Esta pesquisa pretende compreender as relações de poder no seio das organizações

cuja estrutura de autoridade hierárquica faz surgir os chefes. Estes não são líderes que ajudam

os trabalhadores a desenvolver um comportamento empreendedor e inovador, ou a satisfazer

suas necessidades de autoestima e autorrealização através do trabalho. O seu papel tem sido o

de manter o poder ao controlar a força de trabalho e procurar subterfúgios para o aumento da

produtividade e lucros, sem demonstrar maior preocupação com a saúde mental e física do

trabalhador que, em muitas ocasiões, é erroneamente chamado de colaborador ou associado,

sem ser dono da empresa e podendo a qualquer momento ser demitido por decisão do(s)

dono(s) do capital (empresa).

Pretendemos, dessa forma, com este trabalho provar que trabalhadores sob a influência

de um líder têm maior possibilidade de desenvolvimento do que aqueles supervisionados por

um chefe. Verdadeiros líderes consideram as condições necessárias para a satisfação pessoal e

profissional dos trabalhadores; verdadeiros líderes são necessários para enfrentar a

competição com a inovação de produtos e de processos e são responsáveis pela mudança de

comportamento de todos os trabalhadores para a conquista de novos mercados.

Tal cenário justifica o problema de pesquisa abaixo.

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Problema

As relações de poder definidas e efetivadas pela estrutura de autoridade hierárquica

permitem ao trabalhador realizar-se pessoal e profissionalmente ou somente verdadeiros

líderes são vetores do crescimento pessoal e profissional do trabalhador e, consequentemente,

do crescimento e desenvolvimento empresarial?

Hipóteses

Chefes hierárquicos, sem características de líder, não são vetores do crescimento

pessoal e profissional do trabalhador e, consequentemente, dificultam o crescimento e

desenvolvimento empresarial.

Entretanto, verdadeiros líderes são vetores do crescimento pessoal e profissional do

trabalhador e, consequentemente, do crescimento e desenvolvimento empresarial.

Objetivos

Objetivo geral

Partindo do pressuposto de que a verdadeira liderança se expressa no estabelecimento

de relações democráticas e de confiança mútua com os liderados, nossa pesquisa tem como

objetivo geral identificar um líder numa empresa prestadora de serviços em Barueri - SP e

analisar o seu comportamento em relação a dois de seus liderados, para verificar se tal

hipótese se prova, se é a causa ou não do alto grau de satisfação dos trabalhadores com as suas

condições de trabalho.

Objetivo específico

O objetivo específico é o de comprovar a tese de que relações democráticas são um

dos fatores responsáveis pela produtividade e sucesso das empresas.

Metodologia de pesquisa

Para responder à questão, realizamos, em setembro de 2014, um estudo de caso com

três ex-trabalhadores da Enger Engenharia, um líder e dois subordinados diretos, sendo que

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um deles se reportou ao líder durante oito anos ininterruptos, e o outro durante 13 anos

ininterruptos.

A seguir, apresentaremos a Enger Engenharia, o roteiro utilizado nas entrevistas e a

estrutura desta dissertação.

A Enger Engenharia é uma organização empresarial especializada no gerenciamento

e fiscalização de projetos de construção civil, tanto para obras públicas quanto privadas. A sua

sede se localiza em Alphaville (Barueri – SP) com contratos de gerenciamento e fiscalização

em vários estados do Brasil. Tanto na sede da empresa quanto nos contratos são necessários

trabalhadores altamente qualificados para acompanhar o desenvolvimento das obras civis,

suas medições e controles, além de negociar metas e resultados com os clientes contratantes,

ou seja, ela fiscaliza o relacionamento entre clientes que contratam uma construção civil e as

construtoras que as executam.

A Enger foi fundada, em 1979, por quatro estudantes formados na Escola Politécnica

de São Paulo, tendo sido vendida em 2013 para um gigante mundial, a SGS, passando a se

chamar SGS Enger Engenharia.

A apresentação a seguir foi extraída do site oficial da empresa.

Empresa de engenharia consultiva, a Enger atua na prestação de serviços de gerenciamento de programas e empreendimentos, nas etapas de concepção, viabilização, implantação e operação, usando metodologia gerencial própria. Conciliando a tecnologia com reais demandas do meio e do contexto em que atua, a Enger possibilita a concepção de um modelo de gerenciamento diferenciado para cada empreendimento. Essa expertise vem juntar-se à do Grupo SGS, que em 06 de maio de 2013 adquiriu 100% de seu capital. Com esta aquisição estratégica, o Grupo SGS aumenta seu escopo de serviços na área industrial, onde já atuam em inspeção, ensaios mecânicos, calibração, comissionamento, manutenção, montagens para plantas de processo, principalmente no setor de óleo, gás e petroquímicos, química, alimentos, papel e celulose, siderurgia e vidro, automotivo entre outras. O processo de integração da nova companhia dentro do Grupo SGS ficará sob o comando de Ricardo Hennemann, diretor de operações do Setor Industrial da SGS do Brasil. Antonio Moreira Salles Netto e Humberto Silva Neiva, continuarão em funções executivas dentro do Grupo. Com 75 anos de atividades no Brasil, o grupo SGS faz questão de agradecer a todos os clientes da SGS e da ENGER e assegurar a excelência na prestação de nossos serviços como um dos principais valores do Grupo. “Estamos muito satisfeitos com as oportunidades que a ENGER proporcionará à SGS, em particular, na amplitude de serviços que o Grupo poderá oferecer a nossos clientes do setor industrial”, anunciou Marcelo Stenzel, Managing Director da SGS no Brasil. Sobre a SGS A SGS, com sede em Genebra, na Suíça, foi fundada em 1878 e hoje tem mais de 75.000 funcionários e 1.500 escritórios nos 142 países onde atua,

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prestando serviços nas áreas de inspeção, verificação, testes e certificação, sendo o líder mundial nestas áreas de competência. No Brasil desde 1938, o Grupo SGS atua com serviços diversificados como inspeções e certificações para o trade internacional em commodities, bens de consumo e bens industriais, comissionamento de plantas industriais, análise geoquímica, certificação de produtos e de sistemas de gestão, serviços para o meio ambiente, fornecimento de pessoal técnico especializado, entre outros. Conta com mais de 3.000 funcionários e mais de 30 escritórios e 15 laboratórios.1

Escolhemos a Enger pelos motivos listados abaixo:

· Há vários líderes em destaque, em especial seu ex-diretor de Engenharia e de Recursos

Humanos, que entrevistamos.

· É uma empresa inovadora e líder em seu setor, utiliza-se de tecnologia própria e encara a

gestão do conhecimento como diferencial para seus negócios de gerenciamento e

fiscalização de projetos;

· Não tem ativos tangíveis ou máquinas caras. Seu diferencial está nos trabalhadores

qualificados e comprometidos com a empresa;

· Uma empresa com um turnover baixíssimo, sendo comum trabalhadores com mais de

vinte anos de casa.

Roteiro de entrevistas

O ex-diretor de Engenharia e de Recursos Humanos respondeu as seguintes questões,

para conhecermos se tinha ou não as características-chave de um líder em relação aos

trabalhadores sob a sua autoridade. Tais características-chave podem se expressar na

proposição de mudanças e metas idealizadas, que sugiram em um futuro melhor do que o

status quo, na responsabilização de riscos pessoais e comportamentos não convencionais, na

demonstração de sensibilidade ao ambiente e às necessidades dos liderados, dentre outras.

1. O que é um líder para o senhor?

2. O senhor se considera um líder ou um chefe?

3. O senhor já assumiu riscos em seu trabalho? Caso positivo, teve o apoio voluntário

de sua equipe?

4. O senhor já teve que convencer algum trabalhador a realizar um trabalho? Caso

1 Disponível em: <www.enger.com.br>. Acesso em: 9 jun. 2014.

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positivo, poderia explicar como o fez?

5. O senhor já reconheceu publicamente a contribuição dos trabalhadores? Caso

positivo, poderia compartilhar um exemplo?

6. O senhor incentivou a troca de ideias entre os trabalhadores de sua equipe, mesmo

que isso gerasse questionamentos ao status quo?

7. O senhor reunia-se com os trabalhadores para explicar o que iria acontecer na

empresa?

8. O senhor falou para os trabalhadores que a empresa seria vendida?

9. O senhor dava autonomia aos trabalhadores? Caso positivo, dê exemplos.

10. Quais foram às técnicas utilizadas para desenvolver os trabalhadores?

11. Já enfrentou situações de trabalho onde a iniciativa dos trabalhadores foi decisiva

para reverter uma situação? Poderia relatar?

12. Como o senhor agia ao saber que em sua equipe havia trabalhadores com

conhecimentos e habilidades mais desenvolvidas do que as suas?

Neste estudo de caso, queremos também conhecer se os trabalhadores, submetidos à

autoridade direta do diretor, desempenhavam atividades com conteúdo relevante, se tinham a

possibilidade de participar ou não das decisões relacionadas ao seu trabalho e se as metas a

cumprir tinham relevância, ou seja, se o diretor era responsável ou não pela satisfação das

necessidades relacionadas ao seu crescimento pessoal e profissional; e, para tanto, os dois

outros trabalhadores responderam as questões relacionadas a seguir:

1. Seu trabalho tinha atividades estimulantes? Caso positivo, quais eram essas?

2. Você negociava metas de trabalho com seu diretor? Cite exemplos.

3. Ele aumentou suas responsabilidades ao longo do tempo?

4. Ele procedia com transparência?

5. Você considera que seu chefe era verdadeiramente um líder? Você cresceu com ele?

6. Ele fazia com que você se sentisse seguro quanto à manutenção do seu emprego na

Enger?

7. O relacionamento com outros colegas ajudou no seu aprendizado e crescimento

pessoal? Caso positivo, por favor, dê exemplos.

8. Você evoluiu em sua carreira no período em que trabalhou na Enger?

9. Seu trabalho foi reconhecido por ele? De que forma?

10. Você tinha um horário de trabalho adequado às suas necessidades?

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Estrutura da dissertação

No primeiro capítulo, intitulado “Líderes empresariais transformam a realidade”,

discutimos os conceitos de poder, legitimidade, liderança, chefia e motivação. Analisamos o

caso Walmart à luz da liderança de seu fundador, Sam Walton, e de outros que o sucederam e

estabelecemos algumas comparações com as chefias que foram criadas na empresa,

considerando seu crescimento mundial ao longo dos anos. Também analisamos as lideranças

de movimentos sociais e das organizações empresariais, nas quais observamos possíveis

pontos de intersecção entre elas, o que nos sugere que o carisma do líder pode ser responsável

pela mobilização de pessoas em prol de causas sociais e/ou pelo crescimento pessoal e

profissional dos trabalhadores e desenvolvimento empresarial.

No segundo capítulo, ”Dos chefes fordistas aos atuais líderes”, procuramos discutir a

necessidade da existência de líderes que compreendam e empreendam mudanças num

ambiente de crescentes exigências impostas aos trabalhadores pela economia globalizada, pela

fluidez no deslocamento de capitais, pela escassez de recursos e necessidade do aumento de

produtividade; uma situação que exige dos trabalhadores competências e qualificações extras

para enfrentar a concorrência mundial e que exige do líder uma grande sensibilidade para

ajudar esses trabalhadores a superarem seus próprios limites e resistência às mudanças, a fim

de manterem-se ativos no mercado de trabalho e com possibilidades de realizar suas

necessidades pessoais e profissionais.

No terceiro capítulo, expomos a interpretação das informações coletadas nas

entrevistas, para, por fim, nas Conclusões Finais, apresentarmos as conclusões a que este

trabalho chegou e possibilidades de pesquisas futuras que possam contribuir para uma melhor

compreensão do tema proposto.

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CAPÍTULO I – LÍDERES EMPRESARIAIS TRANSFORMAM A

REALIDADE

1.1. Poder, legitimidade e liderança

A compreensão de poder nas relações sociais sempre se revelou um fértil campo de

estudo, servindo como objeto de estudo para filosofia, sociologia, história, política e direito,

fato que impossibilitou a formação de um conceito uníssono de poder. Ao analisar a

diversidade dos conceitos, observa-se que as assertivas sobre o que é poder estão diretamente

relacionadas ao projeto político que cada um dos seus defensores acredita.

Tradicionalmente, o poder é compreendido como algo que é exercido por um agente

capaz de impor sua vontade a outrem, independentemente da sua anuência. Essa noção

tradicional está necessariamente ligada à ideia de liberdade, ou melhor, de restrição da

liberdade individual pela dominação de um indivíduo por outro.

Com o crescimento das organizações empresarias, passa a existir cada vez mais

estruturas, tarefas e habilidades fragmentadas e especializadas, posições funcionalmente

diferenciadas e conhecimento codificado, armazenado, avaliado e dividido, exigindo a criação

de estratégias para o direcionamento comum da organização e para ofuscar problemas e

conflitos decorrentes da divisão do trabalho. Organizações antigas, com estruturas de status

de tarefas contínuas que obedeciam a um conjunto de regras técnicas universais exigidas por

todos os indivíduos, têm sido substituídas por algumas tarefas com caráter de elaboração,

supervisão e comando e por outras com caráter de execução em diversos níveis e instâncias

(HARDY; CLEGG, 2001). Esse aumento da complexidade das organizações, bem como de

sua importância para as sociedades, faz crescer, consequentemente, a quantidade de estudos

sobre o poder e suas relações no âmbito da teoria das organizações.

Crozier (1977) escreveu extensa literatura sobre as relações de poder no seio de

organizações hierarquizadas. Para ele, o poder é igualmente concebido como uma relação

recíproca, ou mesmo desequilibrada, entre indivíduos ou grupos: é a capacidade de A de

conseguir que, nas suas negociações com B, os termos de troca lhes sejam favoráveis. Esta

abordagem de poder tem duas implicações quando estudamos a liderança. Por um lado, se a

relação é assimétrica, nenhum indivíduo está completamente desprovido de alguma

possibilidade de ação face o outro: o poder não se define em termos de tudo ou nada, mas de

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mais ou menos. Por outro lado, a relação de poder só pode existir com o consentimento

daqueles que a suportam. Caso contrário, encontramo-nos numa situação de pura coação e não

de poder.

Mais precisamente, o poder é então concebido como a margem de liberdade de que

alguém dispõe, no quadro da sua relação com o outro, de recusar o que o outro lhe pede.

Estudar as relações de poder no seio de uma empresa supõe, portanto, identificar em

simultâneo os mecanismos pertinentes para a organização e os recursos de cada ator. O poder

depende, assim, da zona de incerteza controlada por cada um no seio da organização. Quanto

mais essa zona de incerteza for vital para o funcionamento da organização, mais o individuo

ou o grupo terá poder. Crozier identifica, assim, em ligação com as zonas de incertezas

pertinentes para a organização, quatros grandes fontes de poder: a competência, o domínio das

relações com o meio, a comunicação e a utilização das regras organizacionais:

· Competência: diz respeito à posse de uma especialização funcional dificilmente

substituída. Essa fonte está condicionada por dois fatores: a resolução de problemas

cruciais e a adesão do grupo às conclusões do especialista;

· Domínio das relações com o meio: esta segunda fonte de poder nas organizações se

insere melhor no tecido das relações habituais que fazem o cotidiano da organização. O

acesso à informação é poder, uma vez que permite melhorar o domínio das incertezas que

afetam à organização.

· Comunicação: desenvolver uma boa rede de comunicações é algo de altíssima

complexidade. Uma decisão pode falhar não em detrimento dos que a preparam, mas sim

porque as suas informações eram previamente insuficientes ou porque a decisão foi mal

transmitida, e logo se obtém uma execução inadequada. A comunicação de informação

tem, por esse motivo, enorme peso na estratégia da organização.

· Utilização das regras organizacionais: os membros de uma empresa tornam-se mais fortes

numa relação de poder quanto mais dominarem o conhecimento das regras e o seu uso.

As grandes organizações preparam seus dirigentes com a ideia de que quanto mais

conhecerem as regras organizacionais, melhor poderão exercer pressão sobre os demais

trabalhadores (CROZIER, 1977 e 1981).

Assim como ocorre com a liderança, o poder é também um tema organizacional

bastante discutido, observado sob as diversas vertentes, haja vista as inúmeras formas pelas

quais ele pode se manifestar numa organização. De uma forma bastante genérica, podemos

entendê-lo como capacidade de um indivíduo para obter domínio ou controle sobre outros.

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Tem sua origem na filosofia política, na busca da compreensão das relações que se

desenvolvem nos grupos sociais: há necessidade do controle e limitação da liberdade do

indivíduo para que o grupo possa alcançar de forma coesa e harmônica os seus objetivos.

Sua análise nas organizações, enquanto grupos humanos que interagem politicamente

na busca da satisfação dos seus interesses, é feita de variadas formas pelos autores, ao longo

dos anos, tornando-o um tema complexo e multifacetado. Desse modo, a definição de poder

que mais atende ao senso comum é a expressada por Weber (1991, p. 33): “Poder significa a

probabilidade de impor a própria vontade numa relação social, mesmo contra resistências,

seja qual for o fundamento dessa probabilidade”, ou seja, poder, para Weber, é sempre uma

imposição sob a coação física ou moral.

Retomando a questão das relações na produção, o pensamento weberiano considera

que o trabalhador, ao ser contratado por uma empresa, possui certo grau de criatividade e

conhecimento de sua atividade específica, o que lhe permite conduzir os relacionamentos

sociais conforme seus interesses, mesmo sob a ordem dominante da estrutura da empresa.

Desse modo, os membros da organização possuem um maior ou menor grau de controle sobre

as atividades, o que lhes permite o exercício do poder tanto em prol quanto contra os

interesses da organização. Nessa ótica, o poder tem fonte na posse da propriedade como

também no conhecimento sobre a atividade e sobre a organização.

O autor confere ao conceito de poder uma característica relacional-intencional.

Relacional porque o poder se estabelece no seio das relações sociais, de forma bilateral, uma

“via de duas mãos”, relação dominação-aceitação. É intencional porque visa atender a uma

intenção, a prevalência de uma vontade sobre a vontade de outrem, mesmo que haja

resistências.

E tocando nesse aspecto da resistência à dominação, é também de Weber a tipologia

da legitimidade, que pode ser entendida como a aceitação e, portanto, validação do exercício

do poder pelos agentes a ele submetidos, pois que é dado como certo e adequado. O poder

legítimo, ou autoridade, é aceito como tal pela maioria, o que leva à supressão, ao menos

temporária, das resistências sem a necessidade do uso de instrumentos de coerção. A tipologia

criada por Weber (1991, p. 141) classifica a legitimidade em três diferentes tipos, conforme a

sua base fundamental:

· legitimidade tradicional: fundamenta-se nas crenças consuetudinárias, na tradição.

Predominam as características patriarcais e patrimonialistas, onde o poder é exercido por

aqueles que tradicionalmente são escolhidos para tal;

· legitimidade racional-legal: baseia-se numa estrutura racional-legal, também denominada

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de burocrática. Racional porque presume o uso adequado dos meios apenas para o

alcance dos fins desejados. Legal porque o poder está regulado por normas escritas, o que

lhe impõe limites, impedindo a arbitrariedade;

· legitimidade carismática: baseia-se em características pessoais exibidas por uma pessoa

ou grupo, capazes de gerar nos demais a certeza de que o poder será exercido em prol de

um objetivo coletivo.

Partido da hipótese supracitada de que verdadeiros líderes são vetores do crescimento

pessoal e profissional do trabalhador e, consequentemente, do crescimento e desenvolvimento

empresarial, pretendemos demonstrar que verdadeiros líderes utilizam, com maior vigor, de

sua legitimidade carismática para influenciar os trabalhadores a realizar seus objetivos

pessoais e os da empresa, ou seja, verdadeiros líderes se preocupam e agem sobre a

subjetividade e aspectos motivacionais do trabalhador.

Por outro lado, chefes, por não serem carismáticos, impõem-se somente por

legitimidade racional-legal e/ou legitimidade tradicional, ou seja, utilizam sua autoridade nas

suas relações com os trabalhadores para que estes cumpram normas sem questioná-las. Chefes

não se preocupam em criar condições para o engajamento dos trabalhadores, incentivando a

criatividade e inovação, muito pelo contrário, estão preocupados somente com produtividade

e obediência cega, como veremos mais adiante no aprofundamento da análise sobre o

taylorismo e fordismo enquanto formas de organização do processo de trabalho.

O termo líder é uma palavra aportuguesada do inglês leader, que significa “aquele que

guia ou que conduz”, e no campo da psicossociologia, liderança é definida como um processo

de influência social sobre o comportamento dos grupos.

Max Weber refere-se ao termo líder para a compreensão do Estado e suas relações

com a sociedade. Sugerimos que as qualidades inerentes ao líder, apontadas por Weber,

possam também ser utilizadas para compreendermos as qualidades de um líder empresarial

que, por sua vez, estabelece relações de liderança com a sociedade como um todo e com os

trabalhadores das empresas, que são parte da sociedade.

O carisma é conditio sine qua non para o real líder. Segundo Weber,

Denominamos “carisma” uma qualidade pessoal considerada extracotidiana (na origem, magicamente condicionada, no caso tanto dos profetas quanto dos sábios curandeiros ou jurídicos, chefes de caçadores e heróis de guerra) e em virtude da qual se atribuem a uma pessoa poderes ou qualidades sobrenaturais, sobre-humanos, pelo menos. Extracotidianos específicos, ou então se a toma como enviada por Deus, como exemplar e, portanto como “líder”. O modo objetivamente “correto” como essa qualidade teria de ser

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avaliada, a partir de algum ponto de vista ético, estético ou outro qualquer, não tem importância alguma para nosso conceito: o que importa é como de fato ela é avaliada pelo carismaticamente dominados – “os adeptos”. (1991, p. 158-159)

Weber prossegue,

1. Sobre a validade do carisma decide o livre reconhecimento deste pelos dominados, consolidado em virtude das provas – originariamente, em virtude dos milagres e oriundo da entrega e revelação, da veneração de heróis ou da confiança no líder. Mas esse reconhecimento (em caso de carisma genuíno) não é a razão da legitimidade; constitui, antes, um dever das pessoas chamadas a reconhecer essa qualidade, virtude de vocação e provas. Psicologicamente esse “reconhecimento” é uma entrega crente e inteiramente pessoal nascida do entusiasmo ou da miséria e esperança. (Ibid., p. 159)

O real líder emerge naturalmente graças às qualidades pessoais, reconhecidamente

extraordinárias, e é legitimamente reconhecido pelos liderados como tal, assim como foram

Sam Walton, fundador do Walmart; Bill Gates, fundador da Microsoft, e Steve Jobs, fundador

da Apple.

Líderes surgem sempre em função das necessidades de uma sociedade ou de grupos

específicos. Atuam de maneira a ler e compreender uma realidade, criam uma visão de futuro

e buscam o engajamento e comprometimento dos liderados em direção a um ou mais

objetivos, sejam em movimentos sociais ou em organizações oriundas das necessidades de

uma sociedade.

A maioria das organizações capitalistas modernas denomina e promove como lideres

na estrutura de autoridade hierárquica pessoas sem carisma, ou seja, procedem à imposição da

figura de um “líder”, que não é considerado legítimo pelos “liderados”, portanto, não é líder, e

sim chefe.

Com a elaboração de significados específicos para os termos “legitimidade”, “poder” e

“autoridade”, Weber muito contribuiu para a contemporânea discussão envolvendo chefia e

liderança. Segundo ele (ibid.), “autoridade” é o “poder legítimo”, isto é: o poder reconhecido

e aprovado socialmente, aceito por aqueles sobre os quais é exercido. O “poder” poderá ou

não ser exercido com “autoridade” (autoridade legítima), conforme aceito ou não pelos

seguidores.

Mas o exercício da autoridade não significa o exercício da liderança, que traz com ela

obrigatoriamente inovação e surpresa, sendo vital para a sobrevivência das empresas e

satisfação dos trabalhadores. O líder necessário é aquele capaz de conjugar a satisfação das

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necessidades humanas com resultados empresariais inspirando confiança e confiando em sua

equipe, provocando o espírito empreendedor de cada membro dessa equipe e fazendo aflorar

as ideias inovadoras que mudarão o mercado, os produtos e os métodos de produção.

E quanto ao termo chefe? Sem dúvida que um líder é sempre um chefe, mas um chefe

pode não ser um líder. A chefia existe em organizações constituídas por papéis

hierarquizados, em que se atribui a alguns o poder de conduzir e controlar o comportamento

dos que lhes estão subordinados para a reprodução da rotina, enquanto que liderar significa

comandar a mudança.

Robbins (2002, p. 304) define liderança como:

[...] a capacidade de influenciar um grupo em direção à realização de objetivos. A origem dessa influência pode ser formal, como a conferida por um alto cargo na organização. Como essas posições subentendem certo grau de autoridade, uma pessoa pode assumir um papel de liderança apenas em função do cargo que ocupa. Porém, via de regra, altos cargos não são obrigatoriamente preenchidos por Líderes, ou seja: nem todos os líderes são chefes, assim como nem todo chefe é líder. O fato de uma organização revestir chefes com alguns direitos e poderes, não significa que estes tenham as competências relacionadas à liderança presentes e desenvolvidas.

Líderes e chefes são profissionais muito diferentes. A boa chefia traz ordem e

consistência ao projetar planos formais, planejar estruturas organizacionais e acompanhar os

resultados dos planos; por outro lado, liderar é lidar com a mudança, estabelecer direção e

desenvolver uma visão de futuro, incluir as pessoas, comunicando a elas a visão e inspirando-

as a vencer obstáculos. Chefes geralmente adotam atitudes impessoais e passivas em relação

às metas, veem o trabalho como um processo de possibilidades envolvendo algumas

combinações de pessoas e ideias interagindo para estabelecer estratégias e tomar decisões;

preferem trabalhar com pessoas e evitam atividade solitária porque elas os tornam ansiosos.

Relacionam-se de forma distante e formal com pessoas de acordo com o papel que estão

representando numa sequência de acontecimentos ou num processo de tomada de decisão.

Líderes investem tempo e recursos para conhecer os sentimentos e necessidades dos

trabalhadores; procuram saber se o trabalho que estão desenvolvendo lhes traz satisfação ou

não. Têm uma atitude pessoal e ativa em relação às metas, assumindo pessoalmente riscos por

erros cometidos, pois preferem trabalhar em posições de alto risco. O carisma dos líderes lhes

permite perceber oportunidades que ainda não foram apresentadas; são visionários e buscam

recompensas altas não só para si, mas para todos os trabalhadores envolvidos. Eles têm ideias

próprias e lutam por elas, mesmo diante de adversidades e barreiras. Usam de sua intuição

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para agir sobre problemas presentes e potenciais adversidades futuras e tratam a todos com

grande empatia.

A liderança pode não ser uma exclusividade de um único indivíduo em um grupo ou

sociedade, porque cada membro pode ter uma parcela de liderança pessoal, sendo que todos

precisam, até certo ponto, inevitavelmente, influir nas atividades dos outros, conforme

constatado adiante na forma toyotista de organização do trabalho. Os chamados seguidores do

líder são apenas quantitativamente dele diferentes em termos de influência.

Os atos de liderança são acontecimentos de comportamento interpessoal, ou seja,

casos de interação entre o líder que influencia o seguidor e este, por sua vez, que influencia o

líder.

A posição de liderança em um ambiente de trabalho está relacionada com o processo

de interação entre as pessoas: como as pessoas interagem para responder pelas metas e

objetivos a serem atingidos. Para tanto, entende-se que a posição de liderança está associada

ao desenvolvimento das seguintes competências: saber lidar com a complexidade; saber

manter, buscar e integrar parceiros; saber comunicar-se; saber desenvolver a cultura da

organização; saber assumir responsabilidades e ter visão estratégica.

Em boa parte das vezes, a liderança não é sancionada pela estrutura formal da

organização, isto é: o líder emerge dentro do grupo naturalmente, independentemente da

posição hierárquica ou da formalidade da estrutura organizacional, assim como nos

movimentos sociais. O carisma do líder é tão intenso que chega a influenciar os indivíduos

que fazem partem do grupo e têm vontade e necessidade de segui-lo.

Os seguidores fazem atribuições de capacidade heroicas ou extraordinárias à liderança

quando observam certos comportamentos.

Por outro lado, a miséria presente na maior parte do mundo, exclui uma grande parte

da população da possibilidade de decidir sobre o seu próprio futuro. Dessa forma, enquanto a

maioria das populações mundiais está preocupada em sobreviver, sua maior tendência é

aumentar concessões, pois não tem poder para negociar ambições, desejos, sonhos, por mais

simples que possam ser. Para essas pessoas a vida se resume a sobreviver ao cotidiano. Uma

população carente da possibilidade de criação de uma "imaginação sociológica", ou senso

crítico sobre seu papel na sociedade e na história, como produto e produtor de uma realidade

social.

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De acordo com o prestigiado sociólogo Wright Mills (1965, p. 10).

[...] raramente os homens têm consciência da complexa ligação entre suas vidas e o curso da história mundial; por isso, os homens comuns não sabem, quase sempre, o que essa ligação significa para os tipos de ser em que estão se transformando e para o tipo de evolução histórica de que podem participar. Não dispõem da qualidade intelectual básica para sentir o jogo que se processo entre os homens e a sociedade, a biografia e a história, o eu e o mundo.

No contexto de rara “imaginação sociológica” e repleto de necessidades não

satisfatórias, líderes surgem quase como seres sobrenaturais, ou mesmo como “Salvadores da

Pátria”. As pessoas apostam suas expectativas neles de forma a manterem viva a esperança

em coisas boas que o viver possa lhes trazer. Isso faz dos líderes personagens quase surreais

no imaginário coletivo.

Cada momento histórico vem acompanhado de crises e no seu bojo despontam líderes

que resgatam a autoestima das pessoas e comandam mudanças na sociedade como um todo, e,

em específico, nas organizações empresariais constituídas por parte relevante da sociedade, ou

seja, os trabalhadores.

1.2. Exemplos de verdadeiros líderes

Samuel Moore Walton (1918-1992), ou Sam Walton, como ficou conhecido, foi um

desses líderes. Cidadão de origem norte-americana, fervoroso protestante, ficou conhecido por

ter sido o fundador, presidente e principal acionista do Walmart. Segundo a consultoria

Delloite, atualmente, o Walmart é a maior empresa de varejo do mundo. Em 2013, segundo o

ranking da revista Fortune,2 obteve faturamento mundial de 469 bilhões de dólares, com lucro

de 17 bilhões de dólares, portanto, é também a maior empresa do mundo no quesito

faturamento. O Walmart tem operações na Argentina, Botswana, Brasil, Canadá, Chile,

China, Costa Rica, El Salvador, Gana, Guatemala, Honduras, Índia, Japão, Lesoto, Malawi,

México, Moçambique, Namíbia, Nicarágua, Nigéria, África do Sul, Suazilândia, Tanzânia,

Uganda, Reino Unido, Estados Unidos e Zâmbia.

Wal-Mart Stores, Inc. (NYSE: WMT) ajuda as pessoas ao redor do mundo a economizar dinheiro e viver melhor – a qualquer hora e em qualquer lugar –

2 Disponível em: <http://money.cnn.com/magazines/fortune/rankings/>. Acesso em 6 jun. 2014.

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em lojas de varejo, em linha (on line), e através de seus dispositivos móveis. A cada semana, mais de 245 milhões de clientes e membros visitam as nossas 10.857 lojas, em 69 diferentes bandeiras, situadas em 27 países, e sites de comércio eletrônico em 10 países. No ano fiscal de 2013 as vendas foram de aproximadamente 466 bilhões de dólares. O Walmart emprega mais de dois milhões de associados em todo o mundo. O Walmart continua a ser um líder em sustentabilidade, filantropia corporativa e oportunidade de emprego. 3

Segundo o ranking abaixo, entre as empresas privadas, o Walmart é também a

organização empresarial que mais emprega trabalhadores na face da terra.

Tabela 1: Maiores empregadores do mundo

Fonte: BBC (Disponível em: <http://www.bbc.com/news/magazine-17429786>. Acesso em 25 jul. 2014).

Como veremos adiante, essa gigantesca e polêmica organização empresarial, alvo de

tantas críticas, elogios, menções honrosas, artigos de jornal, livros, teses acadêmicas,

processos trabalhistas, civis e criminais ao longo de sua história em diversos países, traz em si

um grande número de contradições, mostrando-nos verdadeiros exemplos de liderança, como

o de seu fundador, Sam Walton, e daqueles que o sucederam: David Glass, Donald

3 O trecho foi extraído e traduzido do site oficial da empresa. Disponível em: <http://news.walmart.com/news-archive/2013/06/07/walmart-ceo-calls-company-a-path-forward-a-ladder-up-for-associates>. Acesso em: 13 jun. 2014.

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Soderquist, Rob Walton, dentre outros; e de chefias, que apenas cumprem rotinas a qualquer

custo para garantir seus empregos, impondo sua autoridade aos trabalhadores.

Essas chefias acatam e fazem com que sejam cumpridas ordens dadas pelas diretorias

ao seguir políticas empresariais que remuneram os trabalhadores com baixos salários e muitas

horas de trabalho contínuo, pagas através de “bancos de horas”, muitas vezes abusivos,

principalmente em países com menores oportunidades de emprego, sindicatos lenientes ou

inexistentes e legislações trabalhistas permissivas.

O Walmart investe fortemente em tecnologia, contrata profissionais qualificados para

seus centros de distribuição e lojas, apoia programas sociais, doa dinheiro para hospitais,

cuida de crianças sem recurso para a cura do câncer e graves doenças, e, por outro lado, é

responsável pela dissolução de pequenos negócios que não suportam sua concorrência local,

explora trabalhadores com salários miseráveis em países com baixo índice de

desenvolvimento humano, permite que certos fornecedores mantenham mão de obra infantil

em seus quadros e mantém muitos trabalhadores em regime de terceirização, em países com

legislações mais flexíveis.

Assim como a Microsoft, fundada por Bill Gattes, e demais gigantes da indústria nos

mais diversos setores, o Walmart vive suas dissonâncias internas. Abarca líderes carismáticos

e chefes dos mais diversos tipos e mostra também como o capital consegue sua reprodução e

multiplicação no mundo globalizado. Uma organização empresarial que cumpre com vigor a

legislação de seu país de origem, Estados Unidos da América, e as dos países europeus, mas

que também se aproveita de todas as brechas que as legislações de países africanos e sul-

americanos possam oferecer. Uma empresa que, assim como a Apple, fundada por Steve Jobs,

adapta-se a “todos os climas e caminhos” que o mundo globalizado oferece ao capital.

Ainda nos anos 1940, Sam Walton, com grande visão de futuro, compreendeu que as

populações do interior dos Estados Unidos necessitavam ter acesso a mercadorias de boa

qualidade a preços baixos. A economia americana começava a fortalecer-se novamente no

pós-guerra. Havia incentivos do governo estadunidense para a geração de trabalho e renda

nesse início do welfare state, e, assim, existia nas pequenas cidades do interior uma população

com crescente poder aquisitivo e ávida por consumir, porém distante dos grandes centros

comerciais norte-americanos.

Sam Walton dirigiu inicialmente seus esforços empreendedores para essa necessidade,

ou seja, deslocava-se pessoalmente aos grandes atacadistas situados nas grandes cidades,

como Nova York e St. Louis, comprava um grande número de itens de primeira necessidade a

preços baixos e os revendia em sua pequena loja para a população interiorana, com baixo

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lucro por unidade, da mesma forma que o Walmart opera atualmente em proporções

mundiais.

Esse carismático líder começou seu negócio tomando dinheiro emprestado, cometeu

uma série de erros, porém manteve-se fiel ao sonho de construir uma grande empresa. Seu

empreendedorismo, centro da fórmula de sucesso do Walmart, residia numa ideia

aparentemente simplória: compre barato, venda barato, mantenha as prateleiras bem sortidas,

trate os clientes com respeito, valorize os trabalhadores e preste muita atenção aos acertos da

concorrência. Isso se tornou uma espécie de dogma da companhia.

Durante sua vida como empresário, Sam Walton reunia-se frequentemente com os

trabalhadores de suas lojas para compartilhar ideias, expor resultados e pedir sugestões sobre

como ampliar os negócios do Walmart, e sempre incentivou diretores e gerentes a fazerem o

mesmo, conforme relatos extraídos do livro Made in America, que conta a história do

Walmart e é rico em depoimentos de trabalhadores que trabalharam diretamente com Walton.

Walton acreditava que quanto mais os trabalhadores conhecessem o negócio do Walmart mais

poderiam se comprometer com o crescimento da empresa. Como exemplo: se fossem feitas

aquisições ou vendas de negócios, os trabalhadores eram participantes e até mesmo

consultados sobre o assunto.

Walton acreditava que os trabalhadores deveriam ter autonomia em seu trabalho e para

isso utilizou um conceito em suas lojas chamado “store within a store” ou loja dentro de uma

loja. Dessa forma, os trabalhadores seriam responsáveis pela produtividade e desempenho de

setores específicos dentro das lojas, assim como células de trabalho numa fábrica toyotista.

Instituía premiações para células / setores com melhor desempenho e premiava trabalhadores

que trouxessem boas ideias para os negócios do Walmart.

Segundo Vroom (1964), o processo motivacional é desenvolvido conforme as

percepções que o indivíduo tem da relação entre os esforços que conscientemente estima que

deva realizar para alcançar um determinado objetivo ou meta e o valor que lhes atribui. Antes

do gigantismo do Walmart, Walton fazia questão de conhecer pessoalmente os trabalhadores

de suas lojas e também suas famílias. Pesquisava sobre os anseios de cada um e suas

diferentes motivações. Dava importância a fatores cognitivos dos trabalhadores, isto é,

preocupava-se em saber se tinham conhecimento de como seu comportamento podia levá-los

a alcançar determinadas metas ou resultados possíveis em seu trabalho. Por outro lado,

preocupava-se em inserir os trabalhadores num ambiente agradável, estando atento a

motivações individuais e recompensas, não só financeiras, mas também relacionadas à

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autoestima, como reconhecer publicamente um trabalhador por um trabalho bem feito, em

frente a equipe, durante reuniões de trabalho.

De acordo com a pirâmide das necessidades de Maslow (1970), Walton entendia que

deveria atrair para as lojas do Walmart trabalhadores que se autorrealizassem através de um

excelente atendimento aos clientes que, segundo ele, era é o ponto essencial para aqueles que

desejam desenvolver uma carreira no varejo.

Quando a revista Fortune declarou, em junho de 1993, que a fortuna de US$ 23,5 bilhões pertencente à viúva de Sam Walton, Helen, e aos seus quatro filhos era a segunda maior fortuna do Mundo (superada apenas pelos US$ 37 bilhões do Sultão de Brunei), a notícia teve enorme destaque nos jornais americanos. (VANCE e SCOTT, 1995, p. 9)

Walton , segundo a revista Fortune, chegou a ser considerado o homem mais rico do

mundo, porém sempre manteve uma forma humilde ao se comportar e abominava qualquer

tipo de ostentação durante toda a sua vida. Tratava as pessoas com respeito e trabalhava

muitas horas por dia. Em suas viagens utilizava transportes em categorias econômicas e

dividia quartos de hotel com outros executivos da empresa. Dizia que economizava para não

repassar custos aos consumidores finais das lojas Walmart e esperava que os trabalhadores

fizessem o mesmo. Exercia sua liderança baseada em exemplo próprio.

Walton entendia que a boa comunicação com os trabalhadores era algo fundamental e

para isso instituiu no Walmart a “Open Doors Policy”, ou “Política de Portas Abertas”, que

incentiva trabalhadores de qualquer nível a conversar sobre problemas e dificuldades no

trabalho com executivos de qualquer nível hierárquico da organização, mesmo o presidente.

Após a sua morte, em 1992, e com o crescimento da empresa, essa política e tantas outras

ideias defendidas por ele continuam sendo divulgadas, porém nem sempre praticadas da

forma que Walton desejava.

A globalização do Walmart obriga a empresa a contratar chefes ao redor do mundo.

As regras criadas pelo seu fundador são mantidas, porém flexibilizadas e reinterpretadas

conforme a cultura local. Há também uma outra questão: a distância de milhares de

quilômetros entre as milhares de lojas, localizadas em 27 países, e o escritório central,

localizado no interior dos Estados Unidos em Bentonville, Arkansas. Essa distância impede

um controle mais apurado sobre a relação entre as chefias locais e trabalhadores locais. Esses

chefes, por não serem lideres, estão preocupados em seguir instruções da matriz norte-

americana e cuidar para que os lucros por loja aumentem continuamente, independentemente

da satisfação pessoal ou profissional dos trabalhadores.

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Essas chefias são legitimadas pelo escritório central da empresa e pelos trabalhadores

das lojas que aceitam sua autoridade, mas, por outro lado, alguns desses chefes extrapolam e

fazem o uso inadequado do poder nas suas relações com os trabalhadores; uma vez que

“Poder significa a probabilidade de impor a própria vontade numa relação social, mesmo

contra resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade” (WEBER, 1991, p. 33).

No caso do Walmart, ela arca com as consequências, ou seja, por um lado sofre

processos trabalhistas pesados, como no caso da subsidiária brasileira, e, por outro, arca com

custos demissionais e de reposição de chefias e demais trabalhadores envolvidos. Quando

ocorre o abuso de poder, além dos custos financeiros, há prejuízos emocionais para os

trabalhadores que saem e os que ficam na empresa e para a imagem da organização

empresarial diante do mercado, consumidores e críticos qualificados.

Enfim, prejuízos causados tanto aos trabalhadores como aos negócios do Walmart, que

poderiam ser evitados caso houvesse mais lideres em atuação.

E aqui cabe nova observação: o faturamento mundial do Walmart é estrondoso, mas

não sua lucratividade por trabalhador, controlada centavo a centavo pela matriz.

Por outro lado, o empreendedorismo de Sam Walton vai ao encontro do que

Schumpeter destacou em sua teoria do modelo dinâmico da economia, no qual as

transformações ocorridas geram o desenvolvimento econômico. Schumpeter ressaltou o

importante papel do empreendedor no processo de inovação. Conceitua que o empreendedor é

o responsável pela realização de novas combinações. Essas combinações podem ser

identificadas por: introdução de um novo bem ou de uma nova qualidade de bem; introdução

de um novo método de produção ou comercialização de um bem; abertura de novos

mercados; conquista de novas fontes de oferta de matérias-primas ou de bens semifaturados; e

estabelecimento de uma nova organização de qualquer indústria, abrangendo, assim, as coisas

novas e as novas maneiras de se fazer (SCHUMPETER, 1985).

Na ótica de Schumpeter, toda inovação implica numa "destruição criadora". O novo

não nasce do velho, mas sim brota ao seu lado e o supera. Foi exatamente isso que Sam

Walton fez ao destruir antigos conceitos de comercialização e logística ao criar o Walmart,

empresa líder no varejo norte-americano, com enorme crescimento internacional, ano após

ano.

Em primeiro lugar, Sam Walton entendeu desde cedo que o negócio de

armazenamento e distribuição de mercadorias necessita de tecnologia avançada para controlar

as operações. Sendo assim, em associação com Bill Gates, seu parceiro de negócios, e com a

equipe da Microsoft, investiu bilhões de dólares em informática, gerando nas lojas do

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Walmart um controle de reposição de estoques jamais visto no mercado de varejo e com base

no Just in Time toyotista, trabalhando com baixíssimos estoques e com rápida reposição de

mercadorias diretamente dos fabricantes, conhecido como retail link ou ligação de varejo.

Os centros de distribuição do Walmart, vitais ao grande varejo, transbordam em

robotização e tecnologia avançada, sendo inclusive utilizados no treinamento das forças

armadas norte-americanas.

Sam Walton assumia constantemente riscos. Sua visão empresarial foi muito além do

armazenamento e distribuição, queria controlar todo o processo produtivo antes de os

produtos chegarem às lojas Walmart; associou-se a grandes fabricantes para produzir os

produtos das marcas próprias do Walmart, (Great Value e Sam’s Choice, por exemplo), além

de ter estabelecido acordos comerciais para comprar toda a produção de diversos pequenos

fornecedores ao redor do mundo, fazendo desses também grandes empresários, porém

submissos às políticas do Walmart.

Enfim, criou uma organização empresarial reconhecida mundialmente pela alta

tecnologia empregada no varejo e consequente contratação de profissionais qualificados e

bem remunerados, para desenvolver e controlar essa tecnologia. Mas, por outro lado, o

Walmart também é reconhecido por contratar milhões de trabalhadores com menor

qualificação para operar suas lojas e também pela dureza na negociação com fornecedores.

O Walmart é uma legítima organização aos moldes toyotistas, que atua fortemente

sobre grande parcela da sociedade e influencia decisões políticas e econômicas.

Um líder empresarial da envergadura de Sam Walton em muito se aproximava dos

líderes de movimentos sociais, influenciando a opinião da população em assuntos

relacionados à política, cultura, economia, saúde e religião, o que aumenta a penetração de

suas ideias em diversos grupos.

Após ter mudado para Bentonville em janeiro de 1951, Walton e sua esposa tornaram-se ativos participantes nos assuntos da cidade. Walton, por exemplo, serviu como presidente tanto do Rotary Clube, quanto da Câmara do Comércio. Também foi eleito para o conselho municipal e trabalhou para o conselho hospitalar. (VANCE; SCOTT, 1995, p. 20)

Essa ativa participação em assuntos da comunidade foi uma constante, que só fez

aumentar durante a sua vida. Anos depois foi vital seu apoio pessoal e financeiro na

campanha que elegeu Bill Clinton ao governo do Arkansas, e depois nas campanhas que o

levaram a se eleger duas vezes como presidente dos Estados Unidos da América.

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Ainda na época de estudante, Sam Walton foi eleito o rapaz mais versátil e tornou-se

presidente do corpo de estudantes. Formou-se em Economia no ano de 1940. A primeira

experiência profissional de Walton aconteceu como trainee numa loja em Oklahoma,

conhecida como DuPont. Nessa época, Sam conheceu sua futura esposa: Helen Robson. Foi a

partir desse momento que começou sua carreira de comerciante, trabalhando durante 18

meses, até os Estados Unidos entrarem na guerra. Ao ingressar para o exército, tinha certeza

de duas coisas: sabia que se casaria com Helen e que trabalharia no varejo para ganhar a vida.

Ao comentar sobre o seu começo humilde, Walton declarou sua paixão por vendas, tendo

sempre valorizado a figura do vendedor, que tem a possibilidade de influenciar um cliente

numa relação comercial.

Na visão de Maslow (1970), cada indivíduo é dotado de propensão inata à

autorrealização. Esse estado, o mais elevado das necessidades humanas, envolve o uso ativo

de todas as qualidades e habilidades, além do desenvolvimento e da aplicação plena do

potencial individual. Sam Walton procurava sua autorrealização através do aumento constante

do número de clientes atendidos de forma satisfatória, ou seja, servindo aos demais e obtendo

lucros financeiros gigantescos com isso.

Numa análise voltada ao mundo das empresas, Covey (1992) observou que os líderes

centrados no princípio da vida são orientados para o serviço e explica que os que se esforçam

para se concentrar no serviço enxergam a vida como uma missão, não como uma carreira.

Walton colocou o Walmart como uma missão. Seu objetivo era criar uma empresa altamente

lucrativa que pudesse proporcionar aos clientes produtos de alta qualidade a baixos preços, e

foi o que ele fez através de sua liderança e trabalho obstinado.

Na década de 1970, o Walmart já tinha 78 sócios, com um total de 32 lojas, cada uma

representando uma combinação diferente de capital entre diversos investidores. A família

Walton era a maior acionista, mas Sam e Helen estavam muito endividados. Para sair do

endividamento resolveram transformar o Walmart em sociedade anônima. O primeiro lote de

300.000 ações foi vendido em 1º de outubro de 1970, a US$ 16,50 cada, para cerca de 800

acionistas, arrecadando US$ 4,95 milhões. A estratégia para o crescimento acelerado, adotada

daquele momento em diante, continuou seguindo a prática anterior, ou seja, o foco de

crescimento se manteve a partir das pequenas cidades.

Nos anos seguintes, a empresa teve um ritmo de crescimento impressionante nos

Estados Unidos, tornando-se, em 1990, a rede número um do mercado. Em 1991, iniciou sua

expansão internacional com a inauguração de uma loja na Cidade do México. No ano seguinte

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entrou no mercado de Porto Rico e alcançou vendas superiores a US$ 1 bilhão em uma única

semana.

Em 1992, um pouco antes de sua morte, Sam Walton recebeu das mãos do então

presidente George Bush, em cerimônia realizada na sede do Walmart, a “Medalha

Presidencial da Liberdade”, que é uma condecoração concedida somente pelo presidente dos

Estados Unidos para reconhecer os indivíduos que tiveram uma contribuição especial

meritória à segurança ou interesses nacionais dos Estados Unidos, paz mundial, cultural ou

outras importantes iniciativas públicas e privadas. Tal condecoração foi concedida também a

outros lideres de organizações empresariais como Walt Disney, David Rockefeller; líderes de

movimentos sociais como Martin Luther King e Madre Teresa de Calcutá; Chefes de Estado

como John F. Kennedy e Margareth Thatcher, dentre outros líderes.

1.3. Características dos líderes carismáticos

A seguir, temos a transcrição das características-chave dos líderes carismáticos

(ROBBINS, 2002, p. 318).

Quadro 1: Características-chave dos líderes carismáticos

As decisões de Walton no Walmart evidenciaram a prática de todas as características

descritas acima, conforme demonstrado abaixo:

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Visão e articulação – Walton idealizou e difundiu a meta de oferecer aos clientes produtos de

qualidade comprovada, com preços baixos todos os dias, de maneira a proporcionar às

pessoas uma melhor qualidade de vida.

A seguir esclarecemos essa visão vivamente difundida para os trabalhadores em todas as lojas

e escritórios do Walmart pelo mundo:

1. Comprometa-se com o seu negócio.

Acredite nele mais do que qualquer outra pessoa. Se você ama seu trabalho, você vai estar lá

todos os dias tentando fazê-lo da melhor forma que você puder, e muito em breve todo mundo

ao redor vai pegar a paixão de vocês – como uma febre.

2. Partilhe os seus lucros com todos os seus associados, e trate-os como parceiros.

Por sua vez, eles irão tratá-lo como um parceiro e, juntos, todos vocês vão realizar além de

suas expectativas.

3. Motive seus parceiros.

Dinheiro e propriedade por si só não são suficientes. Definir metas elevadas, incentivar a

concorrência e, em seguida, manter a pontuação. Não se torne demasiado previsível.

4. Comunique tudo o que for possível para os seus parceiros.

Quanto mais se sabe, mais eles vão entender. Quanto mais eles entendem, mais vão se

importar. Uma vez que se importam, não há como detê-los.

5. Agradeça tudo o que seus colegas fazem para o negócio.

Nada mais consegue substituir algumas palavras sinceras de louvor bem escolhidas e ditas no

momento certo. Elas não custam absolutamente nada – e valem uma fortuna.

6. Comemore seu sucesso.

Não se leve tão a sério. Solte-se, e todos ao seu redor vão se soltar. Divirta-se. Mostrar

entusiasmo sempre. Tudo isso é mais importante e mais divertido do que você pensa, e

realmente engana a concorrência.

7. Ouça a todos na sua empresa.

É descobrir maneiras de levá-los a falar. Para empurrar a responsabilidade para baixo em sua

organização e para forçar boas ideias a borbulhar dentro dela, você deve ouvir o que seus

colegas estão tentando lhe dizer.

8. Exceda as expectativas dos seus clientes.

Dê-lhes o que eles querem – e um pouco mais. Procure aproveitar-se de todos os seus erros e

não apresente justificativas – peça desculpas. Assuma tudo que você faz.

9. Controle suas despesas melhor do que seus concorrentes.

Esse é o lugar onde você pode sempre encontrar a vantagem competitiva. Você pode cometer

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muitos erros e recuperar-se, se tiver uma empresa eficiente. Ou pode ser brilhante e fechar as

portas, se for muito ineficiente.

10. Nade contra a corrente.

Ande no caminho inverso. Não leve em conta a sabedoria convencional. Se todos estão

fazendo de um jeito, há uma boa possibilidade de que você encontre o seu espaço se fizer

exatamente o oposto.4

Risco pessoal – Enquanto verdadeiro líder carismático, Walton não temia riscos. Para

construir a rede Walmart, tomou dinheiro emprestado em vários bancos, perdeu fortunas na

Bolsa de Valores, enfrentou processos judiciais movidos por comerciantes locais que temiam

a concorrência do Walmart em suas cidades, etc.

Mesmo enfrentado riscos e perdas, mantinha uma atitude entusiasta e incentivava os

trabalhadores a fazerem o mesmo. Tinha uma visão de futuro muito clara, acreditava no

sucesso do Walmart e desejava que todos acreditassem nisso também.

Imagem 1: Sam Walton liderando os funcionários na saudação Walmart

Fonte: (VANCE; SCOTT, 1995, p. 123)

4 Disponível em: <http://corporate.walmart.com/our-story/history/10-rules-for-building-a-business>. Acesso em: 9 jun. 2014.

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Sensibilidade ao ambiente – Walton compreendia claramente os momentos da economia e

política mundial e seus reflexos no comportamento do consumidor, e assim adaptava o

ambiente de suas lojas aos diferentes contextos da cultura e necessidades locais.

Walton tinha uma obsessão pelas ações da concorrência. Sempre que um concorrente

colocava em prática uma nova ideia no ambiente de loja, Walton fazia questão de deslocar-se

para conhecer pessoalmente tais modificações, em seguida, pedia a opinião dos trabalhadores

do Walmart se seria viável implementá-las ou melhorá-las dentro das lojas Walmart.

Quanto mais as lojas Wal-Mart continuavam a proliferar durante o início da década de 80, mais Sam Walton ficava ansioso para diversificar o formato-padrão da loja de ofertas e promover sua expansão num ritmo mais acelerado. Sua atenção estava voltada para certos empreendimentos que o intrigavam: arte industrial, farmácia e, especialmente, o lucrativo ramo da mercearia, que ele queria muito incorporar sua operação de mercadorias já existente. (VANCE; SCOTT, 1995, p. 129)

Sensibilidade para as necessidades dos liderados – Walton sempre soube que trabalhadores

motivados e comprometidos poderiam fazer a diferença em relação aos concorrentes.

O quadro a seguir mostra uma comparação entre a pirâmide de Maslow e ações de Walton em

relação aos trabalhadores do Walmart:

Quadro 2: Hierarquia das necessidades de Maslow X ações de Sam Walton no Walmart

Fonte: Elaborado pelo autor com base na hierarquia das necessidades de Maslow (1970).

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Comportamentos não convencionais: Walton demonstrava uma grande necessidade de

autorrealização por ser um trabalhador incansável e pelo desejo de superação constante nos

negócios; fazia apostas e desafiava os seus trabalhadores a superarem constantemente as

expectativas quanto ao seu desempenho.

Imagem 2: Sam Walton5

Em 1984, quando o Walmart excedeu as

expectativas em termos de faturamento, Sam

Walton cumpriu uma promessa que fizera, ou seja,

a de dançar “Hula Hula” em plena Wall Street,

mesmo afirmando durante a filmagem que se sentia

ridículo, porém que estava cumprindo com a

promessa feita aos trabalhadores do Walmart.

Após a morte de Sam Walton, ocorreu a rotinização

de seu carisma, através de uma “Escolha nova,

segundo determinadas características, de uma

pessoa qualificada para a liderança por ser

portadora do carisma” (WEBER, 1991, p. 162)

Assim, Glass, executivo que trabalhou durante

muitos anos ao lado de Walton na construção do

Walmart, assumiu naturalmente sua liderança como

sucessor do fundador da empresa.

Depois da morte de Sam Walton, em 1992, a liderança do Walmart soube adaptar-se

com sucesso às duas maiores ondas que varreram o mundo dos negócios: a da globalização e

a da tecnologia, prosseguindo fortemente no processo de internacionalização da empresa.

O Walmart chegou ao Brasil, em 1995, com a abertura do SAM'S CLUB, em São

Caetano do Sul, no estado de São Paulo.

O Sam’s Club é um clube de descontos onde o usuário precisa se tornar membro para

poder comprar. Hoje a rede ocupa a terceira posição do ranking Abras, Associação Brasileira

de Supermercados, e faz concorrência direta com o francês Carrefour e o Grupo Pão de

Açúcar. O Walmart opera com nove bandeiras em todo Brasil: Walmart Supercenter, Sam’s

Club, Todo Dia, Bompreço, Hiper Bompreço, Nacional, Mercadorama, Hipermercado Big e

Maxxi Atacado.

5 Disponível em: <http://money.cnn.com/galleries/2012/news/companies/1203/gallery.greatest-entrepreneurs.fortune/12.html>. Acesso em: 9 maio 2014.

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Embora adaptar sistemas aos diferentes países seja algo relativamente simples, o

verdadeiro desafio do Walmart é como exportar sua cultura para o resto do mundo, o que nem

sempre é algo fácil. Diversas lideranças despontaram dentro da empresa ao longo dos anos, o

que facilitou essa adaptação. Por outro lado, para sobreviver, as organizações também

precisam de bons administradores.

Assim, uma organização empresarial como é o Walmart, além de lideres, necessita

também de administradores ou chefes para controlar sua produtividade e margens financeiras.

Surge, então, uma indagação: Será que esses chefes estão preparados para

implementar de maneira satisfatória a cultura de uma empresa como o Walmart nos diversos

países em que opera, respeitando as necessidades e valores locais dos trabalhadores?

Tomemos como exemplo o “grito de guerra” considerado pela diretoria da empresa

como um “hino motivacional” que, por política corporativa do Walmart, deve ser cantado

pelos “associados” em todas as lojas do Walmart no mundo.

Os trabalhadores da empresa, chamados de “associados”, são obrigados a cantar tal

“grito de guerra” várias vezes ao dia em frente aos clientes, como forma de simbolizar a

“união e a força do time para o bem do consumidor”. Esse “grito de guerra” tem um sentido

semelhante ao utilizado em jogos de futebol americano, como forma de unir a torcida e

rivalizar o adversário.

O “grito de guerra” é algo comum à cultura norte-americana do varejo, na qual é

valorizado que os trabalhadores cantem, dancem e rebolem, como forma de demonstrar aos

clientes a alegria de pertencer a um time vencedor. Em uma cultura como a do Brasil, por

exemplo, essa obrigação já causou vários processos trabalhistas, com base em assédio moral.

Por outro lado, no Brasil, chamar o trabalhador de “associado” é uma outra forma de

imposição cultural. Esse termo foi utilizado por Sam Walton para identificar que os

trabalhadores de suas lojas seriam donos de parte da empresa, ou seja, além do vínculo

empregatício receberiam ações, tornando-se acionistas minoritários, sendo esse um incentivo

para aumentar seu comprometimento com a organização empresarial. No Brasil, o

“associado”, ou melhor, dizendo, o trabalhador chamado de “associado” não recebe ações da

empresa, e pode ser demitido facilmente em momentos de diminuição de vendas nas lojas.

Enfim, obrigar os trabalhadores a cantar um “grito de guerra” e chamá-los de

associados, apesar de legalmente não o serem, pode gerar um conflito entre sua subjetividade

e as políticas do Walmart.

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Ora, trabalhadores são pessoas adultas que necessitam de um ambiente de trabalho

onde sejam respeitadas suas necessidades, diferenças individuais e capacidade de

discernimento, conforme Argyris (1969).

Por outro lado, em nossa análise sugerimos que há argumentos para afirmar que Sam

Walton foi um verdadeiro líder empresarial, pois quebrou paradigmas, desafiou o status quo e

inovou a forma de atuação no varejo. Incentivava e desafiava seus subordinados diretos a

criarem novas ideias pondo-as em prática e recompensando-os por isso, mas, com a

globalização do Walmart, foram necessários chefes para controlar as rotinas, impondo regras

aos trabalhadores em detrimento da satisfação de suas necessidades.

O exposto sugere que verdadeiros lideres, como foi Sam Walton, são vetores do

crescimento pessoal e profissional do trabalhador e, consequentemente, do crescimento e

desenvolvimento empresarial.

1.4. Líderes empresariais e movimentos sociais

Sem dúvida, o progresso das organizações empresariais e da humanidade como um

todo depende de lideranças sóbrias e equilibradas, que consigam perceber as necessidades de

seus liderados, compreender suas dificuldades e sonhos, dar-lhes apoio e conduzi-los a uma

situação de estabilidade social, com princípios e valores pautados em relações de ética e

respeito.

Toda mudança, em qualquer aspecto da sociedade, é conduzida por líderes que

influenciam a forma de pensar dos trabalhadores e de outros membros da sociedade,

tornando-se assim líderes de movimentos sociais.

Líderes como Sam Walton, no varejo; Henry Ford, mentor do fordismo; e Taiichi

Ohno e Eiji Toyoda, mentores do toyotismo, são pessoas carismáticas que através da

compreensão da realidade, visão de futuro, atitudes, ideias e comportamentos revolucionários

traduzem os diferentes momentos e/ou insatisfações das diversas esferas da sociedade na

busca de soluções para crises econômicas e sociais, e, por isso, além de líderes de

organizações empresariais também podem ser considerados líderes de movimentos sociais,

como foram Martin Luther King, Wisnton Churchill e Tancredo Neves.

Para maior aprofundamento no tema, tomemos como base a definição dada por Maria

da Gloria Gohn sobre movimentos sociais:

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Nós os encaramos como ações sociais coletivas de caráter sócio - político e cultural que viabilizam formas distintas de a população se organizar e expressar suas demandas (cf. Gohn, 2008). Na ação concreta, essas formas adotam diferentes estratégias que variam da simples denúncia, passando pela pressão direta (mobilizações, marchas, concentrações, passeatas, distúrbios à ordem constituída, atos de desobediência civil, negociações etc.) até as pressões indiretas. Na atualidade, os principais movimentos sociais atuam por meio de redes sociais, locais, regionais, nacionais e internacionais ou transnacionais, e utilizam-se muito dos novos meios de comunicação e informação, como a internet. Por isso, exercitam o que Habermas denominou de o agir comunicativo. A criação e o desenvolvimento de novos saberes, na atualidade, são também produtos dessa comunicabilidade. Na realidade histórica, os movimentos sempre existiram, e cremos que sempre existirão. Isso porque representam forças sociais organizadas, aglutinam as pessoas não como força-tarefa de ordem numérica, mas como campo de atividades e experimentação social, e essas atividades são fontes geradoras de criatividade e inovações socioculturais. (GOHN, 2011, p. 335-336)

Vários fatores se combinam para que uma mobilização social aconteça ou para que

seja formada uma organização empresarial, ou seja, um contexto propício, grupos articulados,

o compartilhamento de uma identidade coletiva, etc.

A liderança, na maioria das vezes, é fator preponderante para a existência de um

movimento social ou de uma organização empresarial, pois o carisma do líder afeta não

somente a emergência, como a dinâmica e resultados dos movimentos sociais e também das

empresas.

Em organizações empresariais e nos movimentos sociais, o líder atua enquanto

inspirador, administrador, mobilizador, coordenador, representante ou estrategista político. A

ação dos líderes norteia o surgimento de movimentos, sua dinâmica e resultados obtidos.

Os movimentos sociais, dentro e fora das organizações empresariais, são vistos como

o desdobramento de oportunidades políticas, de recursos que se tornaram disponíveis e até de

um movimento inerente à realidade que opõe grupos entre si, mas, independentemente da

origem teórica, sabiamente, alertam-nos para o fato de que, em última instância, não são as

estruturas que têm vida própria, que imaginam, criam estratégias ou tomam decisões. Ou seja,

são os protagonistas humanos que, navegando nas estruturas sociais, realizam essas

atividades. É a partir dessa concepção que compreendemos a existência dos líderes nos

movimentos sociais e empresariais – como protagonistas cuja atuação faz a diferença dentro

de contextos e momentos particulares. A liderança existe como um fator que, em associação a

outros, impacta nas ações coletivas.

Por seu lado, organizações empresariais surgem para atender ou criar demandas

sociais, relacionadas à satisfação de necessidades por produtos ou serviços, em conformidade

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com o momento específico da sociedade. Nelas ocorrem inovações em produtos ou serviços,

ou são combatidas ações da concorrência através da maior eficiência produtiva. Nesse

contexto, líderes influenciam os trabalhadores a criar e /ou produzir soluções em produtos

e/ou serviços que atendam as demandas de uma sociedade quanto a preço e qualidade. Por

outro lado, ao dividir sua história pessoal, crenças e valores com trabalhadores e a sociedade,

lideres empresariais transmitem mensagens relacionadas à sua própria ideologia, valores e

crenças, tornando-se também um líder social.

Um líder empresarial não é somente responsável pela produção eficaz de bens e

serviços. Isso pode ser controlado por chefes. Um líder empresarial necessita de sensibilidade

para compreender os anseios dos trabalhadores e da sociedade que pretende atender e, com

isso, mobilizá-la em torno de sua visão de futuro, como o fez de maneira brilhante Henry

Ford.

Ford mudou a história do capitalismo no mundo ao reverter, nos Estados Unidos, os

danos causados pela quebra da bolsa de valores em 1929. O fordismo teve um papel

fundamental que propiciou os anos dourados da economia. Ele talvez seja o maior exemplo de

liderança empresarial e social combinada num único indivíduo. Criou milhões de empregos

dentro e fora dos Estados Unidos da América, pagou altos salários aos trabalhadores,

oferecendo-lhes também assistência médica, alimentação no trabalho e horários regulares de

descanso; barateou o custo na produção em série do automóvel, tornando a aquisição desse

bem acessível aos trabalhadores de suas indústrias, designadas como Ford Motor Company.

Morris e Staggenborg (2004, p. 171) definem os líderes de movimentos como

“tomadores de decisões estratégicas que inspiram e organizam os demais a participarem nos

movimentos sociais”. Para eles, os líderes desempenham funções críticas: inspiram

comprometimento, mobilizam recursos, criam e reconhecem oportunidades, traçam

estratégias, etc.

Dentro do movimento, o líder mobiliza e inspira e também age como articulador

conectando o movimento à sociedade. Os líderes influenciam o próprio perfil e a constituição

do movimento, sendo ao mesmo tempo influenciados por ele, ou seja, trata-se de uma relação

de influência recíproca. O estilo da liderança atua no grau de centralização ou delegação dos

processos decisórios, na divisão do trabalho e na organização do movimento, e de forma

semelhante, conecta as bases da liderança às características organizacionais e aos resultados

alcançados pelos movimentos.

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Enfim, o estilo do líder exerce profunda e decisiva influência sobre o caráter de suas

respectivas entidades representativas, assim como o estilo do líder empresarial exerce

profunda influência na gestão das empresas.

O perfil das lideranças está diretamente associado às experiências de vida do líder.

Dessa maneira, importa saber sobre as diferentes vivências que teve em outras organizações,

instituições, sua instrução formal. Em outras palavras, deve-se conhecer seu background, ou

seja, os elementos que contribuíram para a sua formação, fornecendo-lhe competências e,

algumas vezes, até mesmo o conhecimento e o interesse pela causa defendida ou organização

liderada. Ao utilizar neste texto o termo competência, refiro-me em stricto senso à definição

de Zarifian “Competência é a tomada de iniciativa e o assumir de responsabilidade do

indivíduo sobre problemas e eventos que ele enfrenta em situações profissionais” (2003, p.

139).

Morris e Staggenborg (2004) afirmam que os contextos estruturais também formam o

líder e citam Morris e Braine, que identificam três tipos de movimento: movimentos de

liberação (ex.: o Movimento dos Direitos Civis Americano); por demandas de grupos

específicos (ex.: a favor do aborto) e movimentos pela responsabilidade social (acerca de

condições que afetam a população em geral).

Nos dois primeiros tipos de movimento, em que se originam de uma causa

histórica/social, as pessoas geralmente possuem experiências anteriores de participação (no

caso do primeiro exemplo citado, nas igrejas negras; no segundo, a participação em outros

movimentos, em geral feministas), sendo influenciadas por eles. No último caso, há

possibilidade de não haver uma organização anterior, sendo a criação do movimento motivada

por situações impostas (ex.: acidentes nucleares, catástrofes naturais). Os autores citam, para

exemplificar, um movimento contra ingerir bebidas alcoólicas e dirigir, que surgiu nos

Estados Unidos na década de 1980, iniciado por Candy Lightner, o qual, apesar de não

possuir experiência em movimentos, iniciou uma luta pela conscientização em função da

morte da filha, atropelada por um motorista bêbado.

Como vemos, há líderes que aprendem a liderar na prática, sem experiências anteriores

de participação política, o que pode acontecer também nas organizações empresariais, como é

o caso da Microsoft, criada e liderada por Bill Gates, que tem todas as características do líder

carismático anteriormente descritas (ROBBINS, 2002, p. 318). Gates transformou a Microsoft

num gigante da área de tecnologia sem ter dirigido antes outra organização e tendo

abandonado os estudos em Harvard no início da graduação.

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Sem sombra de dúvida, deve-se mencionar a influência da Igreja Católica nos

movimentos populares urbanos por meio das Comunidades Eclesiais de Base, as quais, ao

articularem princípios religiosos com a prática política, recrutaram participantes e lideranças.

Capacitadas por essas experiências prévias, as pessoas que saíram desses ambientes

passaram a atuar em movimentos, sindicatos, conselhos gestores, organizações empresariais e

outros espaços da sociedade civil, ou até mesmo dentro de órgãos do Estado.

Entretanto, não são apenas essas experiências propriamente políticas que contribuem

para a formação dos líderes, mas também atividades da prática cotidiana, como dirigir uma

empresa, coordenar um campeonato de tênis, atuar em arrecadação de fundos para populações

atingidas por enchentes, participar de comitês para a organização de eventos, etc.

A efetividade da liderança não pode ser relacionada diretamente a títulos acadêmicos e

riqueza financeira, ou seja: líderes da classe trabalhadora têm a vantagem de dividir interesses

com sua classe, gerando identificação e usufruindo de inserção nas redes sociais, e mais,

lideres desenvolvem um grande conjunto de competências, as quais aplicam na prática, sendo

exímios articuladores de relações dentro de grupos, entre grupos e com a sociedade,

conectando e aplicando seus conhecimentos na prática, trazendo inovações, visão de futuro e

quebra do status quo.

Outro ponto que desejo levar em consideração na análise sobre a liderança nos

movimentos sociais e organizações empresariais é sobre a origem do líder: se ele provém do

grupo organizado em questão ou se ele pertence a outro grupo.

Como lembram Morris e Staggenborg (2004), membros de grupos privilegiados

muitas vezes ocupam posições de liderança dentro de movimentos de grupos oprimidos. Isso

tende a acontecer quando elites intelectuais se envolvem nas lutas populares. Esses líderes

podem agregar novos pontos de vista, contatos, competências e a atenção de outros grupos,

enriquecendo o debate. Por outro lado, sua participação apresenta a desvantagem de haver

uma tendência a conflitos por discordâncias ideológicas, preconceitos e hostilidade, em

função da tensão latente na interação com os líderes anteriormente presentes no movimento.

As organizações empresariais vivem também seus dilemas ao ter que decidir por

convidar líderes externos ou valorizar a liderança interna. Isso se torna uma dura decisão

principalmente em momentos de crise.

No começo dos anos 70, quando a Chrysler estava à beira da falência , foi preciso um líder carismático como Lee Iacocca, com ideias não convencionais, para reinventar a empresa. Por outro lado, o fracasso da General Motors em resolver seus problemas na década de 90 – como sua

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incapacidade de lançar novos modelos em tempo, sua enorme aversão às mudanças e o péssimo desempenho financeiro – é geralmente atribuído ao presidente John Smith Jr e sua falta de carisma. (ROBBINS, 2002, p. 319)

Não há um formato único de organização dos movimentos sociais e de organizações

empresariais, nem uma forma ideal para que a liderança seja exercida de modo a levar um

movimento ou uma organização empresarial a serem bem-sucedidos, alcançando seus

objetivos. Cada caso é específico, e o que é adequado para uma situação pode não ser para

outra. Assim, há movimentos onde a liderança está diluída, não havendo uma definição clara

dos papéis e das funções assumidas pelos participantes. Nesse tipo de movimento, todos

tendem a participar e todos desenvolvem algumas competências de líder, como ocorre

também na forma toyotista de organização do processo de trabalho, onde os operários ora

assumem a liderança na produção em determinadas células de trabalho, ora são liderados em

outras células de trabalho, conforme a demanda a ser fabricada.

Nessa modalidade de movimento, é necessária atenção para que seja mantido o

equilíbrio grupal, a fim de minimizar atritos quanto às definições de ação e quanto à

distribuição dos papéis, sob a pena de desmantelamento e rachas dentro do movimento,

conforme o ocorrido nos recentes movimentos sociais no Brasil.

Em junho de 2013, um milhão e meio de pessoas, em 19 capitais, e aproximadamente

cem cidades brasileiras foram às ruas no maior movimento popular da história do Brasil. Tudo

começou com o Movimento Passe Livre São Paulo (MPL), que conclamou as pessoas para

saírem em passeata pela revogação do aumento da tarifa de ônibus. Mas naquele momento, a

multidão vinha com outras diversas motivações e reivindicações para as ruas. Foram

apresentadas reivindicações de cidadania, partilha nas decisões do Estado, uma vida com mais

saúde, moradia, educação, etc.

Tal movimento obteve grande número de participantes. Em poucas horas, através das

redes sociais, milhares de pessoas puderam se unir e combinar horário, local e instrumentos

de protesto.

O espaço estava aberto para que a multidão apresentasse, explicitamente, seu grande

elenco de inconformismos em outros movimentos que surgiram como o “Vem Pra Rua”,

“Change Brazil” e “Acorda Brasil”, responsáveis por ampliar, demasiadamente, as pautas de

luta do movimento, ou seja, ocorreram simultaneamente vários movimentos, com diversas

pautas e estruturas.

Mas por que esses movimentos não lograram sucesso?

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Sugerimos que a resposta esteja na ausência de uma liderança que pudesse coordenar

ideias e necessidades numa única direção de maneira estratégica e com otimização de

recursos, como fazem os líderes empresariais quando dispõem de poucos recursos e

conseguem mobilizar os trabalhadores a desenvolver um ambiente de altíssima produtividade.

Em vários momentos, pode-se observar que os participantes saíram às ruas com

diferentes motivações e intenções. Protestos motivados por causas legítimas ocorreram, mas

também houve a depredação do patrimônio público, enfrentamentos com a polícia, saques a

lojas, ocorrência de oportunistas, etc.

Nesse movimento surgiram lideranças isoladas, mas nenhuma que agrupasse os

manifestantes em torno de poucos temas em comum. O que ocorreu é que milhares de

pequenos grupos quiseram voz sobre seus interesses particulares ao mesmo tempo. Isso fez

com que os movimentos perdessem sua força de coalização interna, possibilidades de

conseguir aliados, legitimidade e espaço na mídia.

Em outras palavras, para que movimentos sociais possam almejar e concretizar

mudanças, não basta somente influenciar as pessoas a saírem pelas ruas para demonstrarem

seu descontentamento de diversas formas, com cartazes, caras pintadas, gritos, coros, faixas,

interrupção do trânsito, invasão do Congresso Nacional, lançamento de bombas, etc. É

necessária, acima de tudo, a existência de uma liderança que possa articular uma sequência de

ações de curto, médio e longo prazo, que possa avaliar suas repercussões em diferentes

cenários, e que saiba articular os interesses nesses diferentes cenários em momentos diversos.

Portanto, é vital uma liderança que inspire, que leve o movimento à sociedade em

geral, que dialogue com essa sociedade e com esferas do poder fora ou contrárias ao

movimento. É necessária uma liderança que avalie quais reivindicações devem constar da

pauta do movimento social e quais não devem constar naquele momento, assim como é feito

pelos líderes empresariais ao discutirem assuntos prioritários com os trabalhadores, deixando

para outra ocasião assuntos de menor importância. Ora, líderes de movimentos sociais

também necessitam de sensibilidade ao ambiente, sendo “capazes de fazer avaliações realistas

das limitações ambientais e dos recursos necessários para a realização da mudança”

(ROBBINS, 2002, p. 318).

Ademais, em movimentos sem estruturas e hierarquia, e onde as responsabilidades não

estão definidas, corre-se o risco de se desenvolverem lideranças operando de maneira

desvinculada às estruturas de responsabilidade. Nesse caso, onde aparentemente não há

hierarquia, com frequência constata-se o domínio de certos grupos, ou seja, foi o que

aconteceu em São Paulo e demais cidades participantes: houve a infiltração daqueles que são

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pagos para manifestar ou criar desordem e que nada têm em comum com os princípios do

protesto.

Outra possibilidade de organização em movimentos sociais é a burocrática e de tipo

bem estruturado, muito diferente dos movimentos ocorridos recentemente no Brasil. Nessa

organização burocrática, a estrutura interna tende a beneficiar a atuação do movimento.

Contudo, há grande risco de afastamento entre as bases e a cúpula. Além disso, há a

possibilidade de a liderança se tornar autocrática e perseguir seus próprios interesses,

deixando em segundo plano os objetivos iniciais do movimento, o que limita sua

possibilidade de sucesso efetivo.

Movimentos sociais organizados dessa forma podem ser comparados a empresas com

grande quantidade de níveis hierárquicos, típicas da era fordista, que têm como um dos

motivos relacionados à sua inaplicabilidade ao mundo moderno, a dificuldade de

comunicação entre os diversos níveis hierárquicos, sanada pelas estruturas horizontais de

comunicação com a liderança da era toyotista.

Vale incluir a citação sobre a existência da liderança intermediária, isto é, líderes que

mediam a relação entre os da alta cúpula e a comunidade, sendo responsáveis, entre outras

coisas, por mobilizar os participantes para as ações coletivas. Essa mesma situação pode ser

observada nas organizações empresariais, quando líderes de diferentes setores ou células de

trabalho, intermedeiam relações com líderes que tenham maior autoridade para a tomada de

decisões.

Esse tipo de liderança foi verificado em várias mulheres participantes do Movimento

dos Direitos Civis Americano. Essas mulheres, em sua maioria, excluídas das posições de

liderança formal (ocupadas pelos pastores), atuavam mobilizando redes e reforçando os laços

grupais, bem como conquistando simpatizantes e novos participantes para o movimento.

Finalmente, há os movimentos liderados por um grupo de indivíduos e não somente

por um. Nesse caso as estratégias são geralmente produto de um time de líderes. A

diversidade de líderes poderá gerar maior compartilhamento de ideias e experiências,

produzindo soluções mais ricas do que as pensadas por um único líder, por outro lado,

poderão ser gerados conflitos internos por divergências ideológicas ou mesmo pessoais entre

líderes. Tal formato requer para seu funcionamento um alto nível de maturidade das

lideranças.

A mesma estratégia é adotada por líderes de grandes organizações como a Siderúrgica

Gerdau, WEG, Hewlett Packard, Microsoft, Google, dentre outras, que necessitam conhecer

diversas culturas e necessidades locais específicas para otimizar suas decisões e evitar erros

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estratégicos que possam comprometer suas ações de mercado e relações de liderança com os

trabalhadores.

Gohn (2008) afirma que os líderes atuam no framing process, que é o processo pelo

qual os frames são criados e utilizados. Os frames consistem na estrutura mental que orienta a

percepção dos sujeitos acerca da realidade social, tratando de um quadro interpretativo, que

pode ser forjado estrategicamente pela direção do movimento. Diferentemente das ideologias

formais e de sistemas culturais mais amplos, os frames não são as ideias em si, mas as

interpretações e representações feitas de uma realidade concreta a partir dessas ideias.

Líderes podem utilizar os frames de forma ética ou manipulá-los de acordo com os

seus interesses, conforme o ocorrido na Alemanha nazista, quando o Führer do Terceiro

Reich, comandante Adolph Hitler, afirmava que o extermínio de judeus levaria à purificação

do povo germânico: isso configurou em uma tentativa de tratar o holocausto como algo

aceitável e necessário à sociedade, ou seja, uma manipulação perversa dos direitos humanos.

Lideres de movimentos sociais e empresariais reconhecem e aproveitam as

oportunidades políticas ou mesmo criam-nas através de estratégias de formação de coalizões,

da promoção de uma boa imagem na mídia e na busca por importantes aliados (políticos,

artistas e intelectuais de renome). Como exemplo, cito o movimento social pelas eleições

diretas no Brasil, na primeira metade dos anos 1980, onde existiram inúmeras coalizões

políticas a favor das “Diretas já”.

Tancredo Neves, líder do movimento, aparecia ao lado de famosos artistas como Fafá

de Belém, que será lembrada, por muito tempo, pela comoção popular causada com a

interpretação do Hino Nacional Brasileiro.

Roberto Setubal, líder do Itaú, uma empresa de origem nacional e atualmente um dos

maiores conglomerados financeiros do mundo, faz questão de associar a imagem do Banco

com ideias de sustentabilidade, segurança, crédito seguro para a população, incentivo à

educação e aos esportes, saúde, patrocínio para artistas e para a cultura em geral, ou seja, é um

líder que orienta suas ações para além das necessidades básicas e de segurança da sociedade,

mas também se preocupa com as outras necessidades também relacionadas por Maslow

(1970), ou seja, associação, autoestima e autorrealização; e com isso trabalha para manter

uma boa imagem do Itaú adiante da sociedade.

Em adição, o pensamento estratégico é uma competência necessária aos líderes de

movimentos sociais e empresariais, ou seja, saber otimizar da melhor forma possível recursos

muitas vezes escassos. Se um líder questiona o status quo, na maioria das vezes, seus recursos

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são menos privilegiados do que aqueles pertencentes aos grupos dominantes, então deverá

saber utilizá-los no momento certo e com grande precisão e habilidade.

Para manter a coesão dos grupos, líderes de movimentos sociais criam uma identidade

coletiva através de discursos e da manipulação de frames, lendo situações sociais como

injustiça. Por sua vez, líderes empresariais fazem discursos a fim de enaltecer benefícios

internos da organização e conquistas empresariais por mérito dos trabalhadores, melhorando a

imagem da organização diante do público interno (trabalhadores) e diminuindo avanços,

descobertas e conquistas da concorrência.

Líderes, empresariais ou sociais, trabalham fortemente sobre a necessidade de

associação dos indivíduos (ibid.), criando um ambiente para que as pessoas se sintam como

parte de um mesmo grupo, dividindo algo que têm em comum. Eles utilizam como recurso

linguagens metafóricas, religiosas e morais, símbolos, logotipos, marcas, uniformes, ritos,

tradições, eventos, etc. Essa é uma relevante tarefa do líder, pois é principalmente devido à

motivação oriunda do sentimento de identidade coletiva que as pessoas são impelidas a

participar de movimentos sociais ou a trabalhar em organizações empresariais.

Enfim, o líder deve exercer um importante papel na motivação dos participantes.

Por sua vez, um movimento social ou uma organização empresarial tem uma história e

o líder deve aprender a contá-la. Seu discurso vai além de uma articulação de argumentos e

reivindicações, envolve também uma energia moral e emocional: não basta apelar para o

convencimento racional – os corações devem ser convencidos. Ele mostra através de seu

discurso que vale a pena arriscar-se numa mudança, que deve haver esperança e confiança em

si mesmo e no grupo de manifestantes ou trabalhadores para combater as injustiças ou

insatisfações.

Nas organizações empresariais, o verdadeiro líder conta uma história de vitórias sobre

as injustiças e obstáculos que enfrentou na vida e como os venceu, conforme o trecho abaixo

escrito por Samuel Klein, que sobreviveu a perseguições nazistas na Europa e foi o fundador

das Casas Bahia, grande rede brasileira de varejo:

E por falar em trabalho, muito do meu sucesso profissional se deu em função de uma relação mútua de confiança. Em 1952, o Brasil acreditou em mim e deu condições para que eu pudesse viver aqui com a minha família. Também confiei neste jovem país, ainda desconhecido para muitos na época – principalmente na Europa. É justamente essa precocidade do Brasil que o torna extremamente promissor. Além disso, houve troca de confiança com meus funcionários. Todos eles sempre acreditaram nas minhas ações. E vice-versa.

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E os problemas e desafios que o destino colocou no meu caminho? Quantas vezes eu não precisei tomar atitudes que poderiam colocar em risco tudo o que havia construído até então? Em muitas dessas situações, tive que pensar não só em mim, mas na família, nos milhares de funcionários e na minha empresa. Decisões. Sempre elas: as decisões. Foi por tudo isso que desenvolvi a vontade de ajudar as pessoas. Fazer o possível para minimizar os sofrimentos. Fazer o bem e tratar todos como verdadeiros seres humanos. (in AWAD, 2003, p. 12)

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CAPITULO II – DOS CHEFES FORDISTAS AOS ATUAIS LÍDERES

Assim como a sociedade necessita de líderes que vislumbrem o projeto de uma nova

realidade, o mundo das organizações empresariais necessita de líderes que possam conduzi-

las a patamares competitivos de excelência e produtividade.

O mundo do trabalho, que reflete o que ocorre na sociedade, sofreu enormes

transformações ao longo da história em função de movimentos sociais, mas principalmente

em função do constante desenvolvimento do capitalismo, cuja racionalidade é apresentada

através da existência de organizações empresariais e aprimoramento da organização do

processo de trabalho. Em decorrência, a complexidade das empresas e do processo de trabalho

cresce e adapta-se às constantes demandas do mundo moderno, geradas pela agilidade e

eficiência tecnológica requisitada por uma sociedade de consumo que condiciona sua vida ao

capitalismo. Assim, constitui-se um mecanismo de constante retroalimentação, pois ao mesmo

tempo que as empresas são condicionadas pelo processo histórico condicionam o próprio

processo histórico.

O capitalismo remonta ao feudalismo, em seus prelúdios, com a acumulação primitiva

de capital e com a exploração de colonizadores, aventureiros europeus, em terras de outros

continentes, escravizando povos africanos e dizimando populações indígenas pelas Américas,

tendo seu desenvolvimento, mais recente, na racionalização tecnológica de processos de

exploração de meios e recursos disponíveis. Por outro lado, para que tudo isso exista, o

trabalho humano é peça fundamental, sendo organizado e dividido com base nos processos

produtivos das empresas. Seus resultados são medidos com a ajuda de modernas técnicas de

controle provenientes das ciências exatas.

A consequência do desenvolvimento do capitalismo e da organização do processo de

trabalho provoca mudanças sociais, políticas, culturais e tecnológicas ao redor do mundo,

instiga a “imaginação sociológica”, provocando uma nova leitura da realidade empresarial e

aumenta a importância do líder como transformador da realidade.

Assim, ao longo do desenvolvimento do capitalismo e das empresas, alteraram-se

também as relações de poder no seio das organizações, criando uma maior dependência das

empresas em relação aos trabalhadores. Nesse momento, o papel do líder empresarial torna-se

mais importante do que nunca, de forma a conduzir mudanças, inovações e romper barreiras

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de mercado, mantendo os trabalhadores engajados nessas mudanças e, consequentemente,

satisfeitos em relação aos seus respectivos trabalhos.

Da mesma forma que nos movimentos sociais, líderes empresariais surgem

espontaneamente nas organizações, em momentos em que mudanças estruturais são

necessárias. Podem surgir de grupos internos ou podem vir de fora da organização.

Conquistam seguidores e concretizam mudanças pelo seu carisma, convencendo os

trabalhadores a segui-lo, assim como fizeram Gandhi, Churchill ou Francisco Alves Mendes

Filho, o Chico Mendes, e demais líderes de movimentos sociais.

Líderes empresariais trazem consigo a vontade de contestar o status quo. Ao mesmo

tempo que procuram conhecer as necessidades, medos e angústias dos trabalhadores estão

conectados com a direção das empresas, de forma a conhecer as necessidades dos acionistas e

barreiras de mercado, baseando sua estratégia de atuação numa ponderação de interesses entre

trabalhadores e empresários.

Como veremos adiante, a repressão na formação de lideranças também foi algo

comum no mundo das organizações empresariais, ocorrendo em paralelo ao avanço da divisão

tecnológica do trabalho, quando se intensifica a passagem do trabalhador que conhecia todas

as etapas do processo produtivo para o trabalhador especializado, nascido do taylorismo e

fordismo, ou taylorfordismo, que perdurou do final do século XIX até os anos 1970.

Como se sabe, taylorismo e fordismo são formas de organização do processo de trabalho que, no início do século, se desenvolveram como resposta à necessidade imperiosa do aumento de produtividade, dada a estreiteza da base técnica, ainda manufatureira, predominante em muitos ramos industriais. Permitiram ao capital independizar-se das habilidades do trabalho vivo e provocaram, com isso, um brutal enfraquecimento do poder de resistência do trabalhador, ate então fundado em seu saber. (LAZZARESCHI, 1995, p. 5)

Numa fábrica, aos moldes taylorfordistas, o carisma de um líder era algo que a

administração desejava “matar”. Os trabalhadores deveriam cumprir uma jornada extenuante

de trabalho, superando a exaustão e a monotonia e seguindo padrões constantes ditados

através de treinamentos, regras e normas.

Para que líderes carismáticos nas fábricas, se os trabalhadores ganhavam bem (US$ 5

por dia), e podiam até comprar os produtos produzidos por eles? Isso era visto como

suficiente, em termos de satisfação das necessidades dos trabalhadores, ou seja, aspectos

como satisfação com o trabalho, tarefas enriquecidas de conteúdo, gestão do conhecimento

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visando melhores práticas, necessidades culturais e de lazer do trabalhador eram assuntos

desnecessários na organização taylorfordista do trabalho.

A administração das organizações, baseadas em princípios de Taylor e de Ford,

acreditava que as empresas necessitavam de chefes, não de líderes. Assim como Estados e

governos, que combatem o aparecimento de lideranças sociais através do uso da violência, os

dirigentes empresariais expurgavam trabalhadores com ideais revolucionários. Serviam aos

propósitos das organizações aqueles que tivessem força física, pouca inteligência e,

principalmente, obediência.

Segundo Ford, em trecho extraído do seu livro Minha Vida Minha Obra:

Até hoje não pude convencer-me de que um trabalho que se repete seja prejudicial ao homem. Aos bem falantes ouço dizer que o trabalho repetido inutiliza corpo e alma. Minhas pesquisas, entretanto, negam isso. (FORD, 1933, p. 131)

Antes de prosseguir, é preciso assinalar com destaque, absolutamente merecido, que

Henry Ford, mesmo sob as mais diversas críticas acerca de suas ideias e condutas, como a de

impedir o prazer dos trabalhadores no trabalho, foi um líder que acabou por modificar o

capitalismo e o mundo, criando uma revolução política e cultural. O fordismo, com a

produção em série e em grandes quantidades, reduzia os custos de fabricação se comparado à

forma anterior de organização do processo de trabalho. Além de aumentar de forma

considerável a oferta de empregos, permitiu aos Estados Unidos enfrentar a crise gerada a

partir da quebra da Bolsa de Valores (1929).

O fordismo também deu início aos anos dourados, ao término da Segunda Guerra

Mundial, melhorando a vida das pessoas, com acesso a empregos, aumentando seu poder de

consumo, com melhores salários, que inclusive possibilitaram a compra de automóveis por

grande parte dos trabalhadores não só nos Estados Unidos da América, como também na

Europa e no Japão, devastados após a Segunda Guerra Mundial. Criou também um gigantesco

número de empregos em países da América do Sul.

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Imagem 3: Henry Ford6

Ford foi um líder carismático, com ideias

revolucionárias, que trouxe para a sociedade e

para o mundo do trabalho uma nova visão, com

um novo projeto de realidade. Sem sombra de

dúvida, um grande empresário, tendo empregado

e liderado milhares e milhares de trabalhadores ao

longo do século XX. Ford compreendeu e foi

competente para resolver a questão do aumento de

produtividade imposta pelo capitalismo, utilizou

seu carisma para convencer a sociedade acerca

dos benefícios do taylorfordismo, foi responsável

pelo grande crescimento e liderança econômica da

indústria automobilística estadunidense e pela

geração monumental de empregos, inclusive em

outros países como o Brasil.

Por outro lado, para sobreviver, suas indústrias necessitavam de grandes estoques e

grandes mercados consumidores, uma estrutura burocrática pesada, que fazia uso intenso de

poder e autoridade para controlar os trabalhadores, ou seja, algo inviável nos dias atuais

quando as lideranças empresariais buscam o “trabalhador do conhecimento”.

Conforme veremos adiante, a forma de organização do processo de trabalho conhecida

como toyotismo, que sucedeu ao fordismo e se faz presente nos dias atuais, valoriza líderes

que tenham vontade de servir, sem a imposição de sua vontade própria. Líderes que

incentivem os trabalhadores a criarem suas próprias ideias e sejam cada vez mais

independentes, ou seja, uma oposição à obediência extrema.

Assim como a sociedade clamou e clama por mudanças e projetos inovadores

conduzidos pelos atos de líderes carismáticos, como o papa João Paulo II e Gorbachev, os

trabalhadores exigiram, e continuam exigindo, mudanças em suas condições de trabalho.

Ao longo do século XX até os dias atuais, os trabalhadores, principalmente aqueles

com melhores qualificações técnicas, conquistaram maior poder na relação com seus

empregadores, ou seja, cada vez mais as empresas dependem de seus trabalhadores para

serem competitivas.

6 Disponível em: <http://www.equipmentworld.com/detroit-is-worth-saving-henry-ford-vs-the-titans-of-the-internet/>. Acesso em: 6 jun. 2014.

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Mas o que ocorreu para haver essa mudança na forma de tratar o trabalhador? A

resposta direta é: a pressão imposta pela economia globalizada, rapidez no deslocamento de

capital por meios eletrônicos, escassez de recursos e necessidade de aumento de produtividade

para as empresas manterem-se competitivas. Sem dúvida que conquistas sindicais foram

relevantes, mas não são causa e sim consequência do exposto.

Para esclarecer a resposta acima, são necessárias algumas reflexões com base no

desenvolvimento da indústria e sua inserção numa economia capitalista.

Apesar de longas, essas reflexões trazem em si a base conceitual desta dissertação, ou

seja, segundo nosso ponto de vista é impossível compreender o desenvolvimento das relações

de liderança no mundo do trabalho sem o aprofundamento nas formas de organização do

processo de trabalho, considerando o momento histórico no qual estão inseridas. Feito esse

prelúdio, seguiremos abaixo com a explanação.

Desde a sua invenção, o automóvel deu às pessoas maior mobilidade, além de ser um

símbolo de status e poder.

Durante os primeiros três quartos do século XX, a indústria automobilística teve um

papel fundamental para o crescimento do produto interno bruto norte americano.

Como já dito, ao introduzir novos métodos de trabalho em suas fábricas, no começo do

século XX, Henry Ford, utilizando-se também dos conhecimentos da administração científica

desenvolvidos por Frederich Taylor, modificou a produção de tipo artesanal, então

característica da indústria automobilística, para a produção em massa.

A partir daí, iniciou-se um ciclo que permitiu à indústria automobilística tornar-se o

setor mais relevante em termos de produtividade e geração de capital. Esse ciclo se iniciou

nos Estados Unidos e mais tarde se reproduziu pelo mundo, sendo conhecido como a era

fordista.

A fim de superar a produção de tipo artesanal, o regime fordista adotou o princípio

taylorista básico da separação entre trabalho intelectual e trabalho manual, reservando o

primeiro exclusivamente aos diretores e gerentes (chefes), enquanto o segundo caberia aos

trabalhadores no chão da fábrica. Os trabalhadores foram direcionados a não pensar, uma vez

que disso se encarregariam seus superiores hierárquicos. Concentrando-se nas tarefas

manuais, o trabalho deveria seguir uma rígida norma de movimentos, visando à máxima

economia de tempo. O trabalhador, nos moldes de Taylor e Ford, recebia treinamento de

poucas horas para desempenhar seu trabalho.

Nas fábricas fordistas procuravam-se trabalhadores resistentes a fadigas e submissos e

não seres pensantes e questionadores. Em outras palavras, o taylorismo e o fordismo

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“mataram” o aparecimento de quaisquer lideranças nas fábricas que pudessem por em risco o

controle total dos chefes, ou seja: diretores e gerentes. Durante muito tempo, os chefes

trataram os funcionários como uma máquina útil à finalidade da empresa, e não como um ser

humano merecedor de consideração. Nessa perspectiva, o líder não era líder. Era gerente. Era

chefe. Ele não liderava, ele mandava, conforme demonstrado nos filmes clássicos: Tempos

Modernos e a Classe Operária vai ao Paraíso.

Modern Times ou Tempos Modernos é um filme de 1936 do

cineasta britânico Charles Chaplin, em que o seu famoso

personagem “O Vagabundo” (The Tramp) tenta sobreviver em

meio ao mundo moderno e industrializado. É considerado uma

forte crítica ao capitalismo, militarismo, liberalismo,

conservadorismo, stalinismo, fascismo, nazismo, fordismo e

imperialismo, bem como uma crítica aos maus tratos que os

empregados passaram a receber depois da Revolução

Industrial. Imagem 4: Cartaz do filme Tempos Modernos7

Em 1971, portanto, ainda na era fordista, é produzido no

cinema italiano o filme A classe operária vai ao

Paraíso, com o drama de Lulu Massa, um operário de

uma grande fábrica de peças de metal, em uma cidade

industrial do norte da Itália. Lulu trabalha muito, e bem,

e por isso é benquisto pelos chefes e mal visto pelos

colegas mais ativistas, engajados no movimento sindical.

Mas não é uma pessoa feliz ou tranquila – muito pelo

contrário. É um sujeito atormentado, à beira de um

ataque de nervos, ou de um surto psicótico. Imagem 5: Cartaz do filme A classe operária vai ao paraíso8

7 Disponível em: < http://www.adorocinema.com/filmes/filme-1832>. Acesso em: 31 dez. 2014. 8 Disponível em: < http://50anosdefilmes.com.br/2009/a-classe-operaria-vai-ao-paraiso-la-classe-operaia-va-in-paradiso/>. Acesso em: 31 dez. 2014.

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Com a esteira de montagem, as tarefas produtivas puderam ser parceladas ao extremo, numa repetição rotineira sem fim. Ao mesmo tempo, peças, componentes e produto final foram padronizados. Reunindo contingentes de milhares de trabalhadores em cada planta, tornou-se possível alcançar economias de escala, que baratearam o automóvel. Este deixou de ser artigo de luxo e se fez acessível a grande número de consumidores, embora continuasse o mais caro dos bens duráveis de consumo. A homogeneização dos trabalhadores em nível baixo de qualificação veio acompanhada pela homogeneização massificada do produto, também no nível baixo de preço e qualidade padronizada. (WOMACK et al., 1992)

A produção em regime fordista implantou-se nos Estados Unidos, porém não migrou

para outro país até o pós-guerra. Nesse entretempo, o gigantesco mercado norte-americano

revelou-se insuficiente para o volume da produção fordista, o que ficou patente ao eclodir a

crise econômica em 1929, dando início à Grande Depressão. A superprodução indicava os

limites impostos pelas dimensões do mercado. Embora o governo Roosevelt aplicasse

técnicas de intervenção estatal antecipatórias da doutrina de Keynes, foi somente após a

Segunda Guerra Mundial que se recuperou o mercado adequado à produção em massa de

automóveis.

Dois fatos se destacam na conjuntura imediata do pós-guerra.

O primeiro refere-se ao Plano Marshall – como instrumento de influência sobre a

Europa Ocidental e de criação, no seu território, do mercado apto a suportar a produção em

massa de automóveis e de outros bens de consumo duráveis. O Plano Marshall teve influência

decisiva na aceleração da recuperação dos países europeu-ocidentais e do Japão. Os Estados

Unidos precisavam da prosperidade europeia e japonesa a fim de que pudessem escoar

capitais excedentes e mercadorias exportáveis. Mas sua estratégia de superpotência requeria

também que uma Europa Ocidental próspera fosse capaz de barrar a expansão do comunismo

imperante no Leste do continente.

O segundo fato diz respeito à aceitação generalizada da doutrina de Keynes pelos

países capitalistas desenvolvidos. A lembrança da crise econômica, prolongada por toda a

década de 1930, era demasiadamente recente para que dela não se tirassem algumas lições.

Tanto mais que os trabalhadores se mostravam combativos e organizados na luta por

melhorias concretas no seu padrão de vida. Com isso entre 1945 e 1973, inicia-se o Estado de

Bem-Estar Social ou Welfare State, que teve repercussões nos Estados Unidos, Europa, Japão

e também em alguns países da América Latina, como o Brasil, onde foi conhecido como era

dos “Anos Dourados”.

O Welfare State foi o símbolo de prosperidade necessária após uma grande depressão

mundial. Segundo Esping-Andersen,

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Em termos gerais representou um esforço de reconstrução econômica, moral e política. Economicamente significou um abandono da ortodoxia da pura lógica do mercado, em favor da exigência de extensão da segurança do emprego e dos ganhos como direito de cidadania; moralmente a defesa das ideias de justiça social, solidariedade e universalismo. Politicamente o welfare state foi parte de um projeto de construção nacional, a democracia liberal contra o duplo perigo do fascismo e do bolchevismo. Muitos países se autoproclamaram welfare states, não tanto por designarem desse modo suas políticas sociais, quanto por promoverem uma integração social nacional. (1995, p.74)

A adoção do Estado do Bem-Estar Social (Welfare State) preencheu três exigências

naquelas circunstâncias: permitiu a expansão da demanda agregada, ajustando-a a absorção da

produção em massa característica do fordismo; elevou gradualmente o padrão de vida dos

trabalhadores e ganhou o seu consenso a uma política de tipo socialdemocrata (em alguns

casos, aplicada por conservadores ou por liberais, como nos Estados Unidos, ou por

democrata-cristãos, como na Itália) e fortaleceu a Europa Ocidental contra a ameaça

comunista.

A ênfase keynesiana na demanda veio ao encontro da implementação do regime

fordista de produção em massa. Algo impossível sem a correspondência de uma demanda

também massificada. O grande papel de Keynes foi sugerir uma demanda para investimentos,

considerando todas as sequelas causadas pela grande depressão dos anos 1930.

Imagem 6: Forma fordista de organização do

processo de trabalho9

Produção em massa do Modelo A –

anos 1930 –, enfrentando o

desemprego gerado pela maior

depressão econômica que o mundo já

conheceu – a crise de 1929 – a Ford

Motor Company mantinha um grande

número de trabalhadores nas linhas de

montagem.

Essa demanda adequava-se ao tipo de oferta fordista a tal ponto que a orientação

keynesiana tem sido considerada essencial à caracterização da fase fordista do capitalismo.

9 Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Ford_Motor_Company_assembly_line.jpg>. Acesso em 31 dez. 2014.

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De acordo com David Harvey, geógrafo citado em diversos estudos e artigos

acadêmicos da sociologia, as principais características do que podemos aqui chamar de

regime fordista de acumulação estiveram amparadas num ambiente institucional qualificado

por dois elementos principais: a adoção de políticas macroeconômicas de inspiração

keynesiana por parte do Estado, o que significa, em outras palavras, a atribuição de

significativa importância à manutenção da demanda efetiva para assegurar o crescimento

econômico e a lucratividade do capital; a organização do Estado em torno da promoção de

bem-estar social, associado à criação de uma ampla rede de serviços básicos para o conjunto

da população, o que acaba se configurando como uma forma de distribuição global de renda.

Essa junção fordista–keynesianista seria marcada, para Harvey, por certo nível de

estabilidade econômica, manutenção de demanda efetiva através do pleno emprego (ou

existência de mero desemprego friccional), regimes estáveis de trabalho, forte poder sindical,

produção em larga escala e de maneira indiferenciada com fins de atingir um amplo mercado

consumidor, entre outras características (Harvey, 2009).

Segundo Gounet (1991), na década de 1970, o regime fordista-keynesiano já

evidenciava com muita clareza seus pontos fracos, traduzidos no acúmulo de deficiências. Era

muito burocrático e chamava a atenção à desmotivação dos operários, manifestada em altos

índices de abandono do trabalho e rotatividade no emprego, no absenteísmo elevado, no

alcoolismo e no fraco empenho nas tarefas.

A par disso, a inflexibilidade e o ritmo da esteira de montagem resultavam em

quantidade considerável de produtos defeituosos, razão pela qual era preciso ocupar muitos

supervisores de qualidade e operários na tarefa de reparos, destinando-lhe instalações e outros

meios materiais. Como é compreensível, o trabalho de reparação poderia recuperar a

qualidade padronizada dos produtos, porém não lhe agregaria valor. O método fordista exigia

a manutenção constante de grandes estoques de reservas de insumos, implicando gastos

financeiros e despesas de armazenagem. Por fim, prolongava-se em demasia o tempo de

adaptação das máquinas dedicadas (ou sua substituição), quando se tratava de colocar em

linha de produção um novo modelo de automóvel (WOMACK et al., 1992; CORIAT, 1994).

As deficiências e insuficiências do fordismo salientaram-se particularmente no quadro

do primeiro choque do petróleo (1973), quando houve o protesto dos países árabes pelo apoio

prestado pelos Estados Unidos a Israel durante a Guerra do Yom Kippur. Nesse momento, os

países árabes organizados na Opep (Organização dos países Exportadores de Petróleo)

aumentaram o preço do petróleo em mais de 300%.

Simultaneamente chega o fim dos anos dourados, acentuam-se as dificuldades fiscais

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do intervencionismo estatal keynesiano e do Estado do Bem-Estar Social. A aceleração do

processo inflacionário evidenciava os tropeços do regime fordista-keynesiano, no momento

em que a acumulação de capital e o crescimento das forças produtivas tocavam os limites

cíclicos da economia capitalista. A introdução dos microprocessadores no interior da

produção, intensificada na década de 1980, tornou mais evidente a inadequação do regime

fordista às inovações tecnológicas e, em especial, à automação eletrônica, o que gerou o

aumento do desemprego pelo despreparo dos trabalhadores para lidar com as novas

tecnologias.

Enfim, aqui é marcado, claramente, o esforço das indústrias em substituir custos com

salários do trabalhador pela economia gerada pelo computador.

A produção em série fordista, ou superprodução, baseada na fabricação de grandes

quantidades do mesmo item, tinha enquanto premissa a manutenção de altos estoques de

matéria-prima e produtos manufaturados dentro das fábricas, o que foi excelente para um

momento de alta demanda de consumo, como o ocorrido entre os anos de 1945 e 1973, os

chamados “anos dourados”, período no qual o capitalismo teve um crescimento sem

precedentes nos Estados Unidos da América, Europa, Japão e alguns países da América

Latina.

É possível afirmar que a liderança carismática de Henry Ford remodelou o capitalismo

e criou uma era de prosperidade para grande parte da humanidade que havia passado pelo

medo e grandes privações de uma guerra; era encerrada nos anos 1970, que marca não só o

término dos anos dourados, mas também a crise na produção de petróleo, além do acirramento

da competição com a multinacionalização do capital.

A entrada em cena dos produtores japoneses de automóveis intensificou a

concorrência, colocando em xeque o domínio do mercado pelos produtores mais antigos dos

Estados Unidos e da Europa. A partir daí, registram-se tentativas de superação dos problemas

apresentados pelo regime fordista imperante.

Ao final, a solução foi encontrada no concorrente mais temível, que disputava o

mercado, ou seja: no Japão, com uma nova forma de organização do processo de trabalho, o

Toyotismo, que começou o seu desenvolvimento nos 1950, e que nos anos 1970 ganhou

reconhecimento mundial pela eficiência produtiva e superioridade no controle de qualidade.

A produção no toyotismo é voltada para a demanda do mercado. Ao contrário do

fordismo, que incentivava a produção conforme a capacidade produtiva da empresa,

funcionando bem, isto é, lucrativamente, somente ao produzir em grandes quantidades, o

toyotismo produz conforme a capacidade aquisitiva do mercado.

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O toyotismo marcou o início do modo de acumulação flexível de capital, que decorreu

da necessidade das empresas de superar a crise do fordismo e manter ou alcançar a maior taxa

de lucros, que é o elemento motriz de todo o sistema.

O toyotismo deu início também à automação flexível que tem consequências ainda

mais marcantes tanto no desenvolvimento da economia global, como na melhoria da

qualificação dos trabalhadores. Pelo fato de o toyotismo demandar maior intervenção humana

na linha de produção, em oposição ao fordismo, a presença de lideres nas fábricas torna-se

mandatória para alinhar os trabalhadores a diferentes demandas geradas por necessidades de

mercado.

Há mais questões envolvidas que deram propulsão ao desenvolvimento do toyotismo:

o Japão tem uma área territorial de 372.000 quilômetros quadrados, recortada em 6.852 ilhas,

portanto, pequeno e com recortes geográficos que requerem soluções logísticas mais

complexas para a produção nas fábricas. Além dessa enorme diferença em relação aos

Estados da América, com suas extensas planícies e área territorial de 9.371.269 quilômetros

quadrados, o Japão dos anos 1950 tinha escassez de capital e matéria-prima, mas, por outro

lado, grande disponibilidade de trabalhadores altamente qualificados.

Vale ressaltar que o revolucionário imperador Meiji, com destacadas características de

líder, promulgou em 1872 o Gakusei ou Código Fundamental da Educação. Daquele

momento em diante a educação escolar tornou-se obrigatória no Japão.

De agora em diante, a educação deverá ser propagada entre o povo (nobres, ex-guerreiros, agricultores, artesãos e mercadores bem como as mulheres) de modo que não possa existir nenhuma família analfabeta nas aldeias e nenhum membro analfabeto nas famílias. Os pais devem estar totalmente atentos para esta política e, com tratamento cuidadoso, jamais deixar seus filhos sem receber educação. (ASO; AMANO, 1983)

O contexto acima impossibilita a solução taylorista-fordista de produção em massa. Os

administradores japoneses, no imediato pós-guerra, precisavam dar resposta ao problema de

como produzir num país com essas características.

Enfim, a resposta foi o aumento de produtividade na fabricação de pequenas

quantidades de um grande número de produtos para o mercado externo, de modo a gerar

divisas tanto para a obtenção de matérias-primas e alimentos, quanto para importar os

equipamentos e bens de capital necessários para a reconstrução japonesa no pós-guerra e para

o desenvolvimento de sua própria industrialização.

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Imagem 7: Taiichi Ohno10

O chamado modelo japonês originou-se na fábrica

automobilística Toyota, nos anos 50, daí também ser

designado como toyotismo. Atribui-se aos engenheiros, e

lideres, Taiichi Ohno e Eiji Toyoda o mérito principal pela

criação dessa forma de organização do trabalho.

Imagem 8: Eiji Toyoda11 Imagem 9: Automóvel produzido pela Toyota12

Podemos afirmar que os seus elementos fundamentais são a economia de escopo, as

equipes de trabalho (também chamadas de grupos de trabalho ou células de produção), o Just

in Time (JIT), o controle de qualidade (CQT) durante todas as etapas do processo produtivo,

criação do banco de horas para trabalhadores e terceirização das atividades – meio.

Seria preciso, por conseguinte, pensar ao inverso do método fordista que se baseia na

economia de escala com vistas a um grande mercado, ou seja, como produzir em pequena

quantidade e, assim mesmo, a custos baixos, apropriados à obtenção de um produto acessível

aos consumidores. A economia de escala deveria ser substituída pela economia de escopo.

A proposta seria factível confiando-se a produção a equipes de trabalho que se

encarregariam de um conjunto de tarefas, com margem decisória para estabelecer seu

10 Disponível em: <ciadomundosa.blogspot.com.br/2011/04/taiichi-ohno-pai-do-sistema-toyota-de.html>. Acesso em: 29 maio 2014. 11 Disponível em: <http://nhuongquyenvietnam.com/news/ newsdetail/9810/toyoda-ra-di-da-de-lai-mot-cau-chuyen-than-ky.htm>. Acesso em 29 maio 2014. 12 Ibid.

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programa de trabalho tendo em vista a meta fixada pela gerência, sob os aspectos da

qualidade e da quantidade. Cada equipe seria responsável pela qualidade de sua produção,

podendo inclusive paralisar a cadeia produtiva ao notar algum defeito, algo impossível no

modelo fordista que checava os defeitos somente ao final da produção. Em última instância, o

objetivo deveria ser zero-defeitos.

Assim, eliminava-se todo o setor de reparos ao final da cadeia de montagem,

poupando os gastos implicados. Também o setor de manutenção seria eliminado ou

significativamente reduzido, na medida em que as equipes se encarregassem de realizá-la. Os

integrantes das equipes de produção deveriam ser operários altamente qualificados e

multifuncionais, com o domínio de vários ofícios, o que lhes permitiria a rotação de uma

tarefa à outra. Essa proposta deixava o trabalho mais interessante e enriquecido em seu

significado, aumentando os fatores motivacionais (HERSBERG et. al, 1959).

Semelhante divisão do trabalho permitiria ainda que cada integrante da equipe tocasse

não apenas uma, mas várias máquinas ao mesmo tempo. De maneira diversa do fordismo, o

toyotismo incentiva o surgimento de trabalhadores mais independentes, que tomem decisões

no chão de fábrica e que trabalhem bem em equipe.

Imagem 10: Forma toyotista de organização do processo de trabalho13

O trabalho por equipes também possibilitaria utilizar máquinas de ajuste flexível e

rápido que poupariam o tempo requerido a fim de preparar a produção de novos modelos e

introduzir modificações em cada um deles.

Se o fordismo eliminou os tempos mortos (de ociosidade forçada do operário),

13 Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/ensino-medio/metodos-producao-industrial-taylorismo-fordismo-toyotismo-690416.shtml>. Acesso em: 29 maio 2014.

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próprios do processo de trabalho de tipo artesanal, a organização japonesa eliminou os tempos

mortos próprios do fordismo, com isso baixando os custos mais ainda com a eliminação ou

enxugamento dos setores de reparos e de manutenção.

Uma outra vantagem foi conseguida com a produção de lotes menores de produtos a

custos competitivos, ou seja, com a economia de escopo: a vantagem da diversificação,

escapando da padronização rígida imposta pelo método fordista, o que tornava os produtos

mais atraentes, assim atendendo à variação de preferências dos consumidores.

O Just in Time, outro elemento fundamental da organização japonesa do trabalho, visa

à redução drástica dos estoques de insumos de reserva, cuja acumulação dentro da fábrica é

característica do regime fordista. Raciocinando ao inverso dos fabricantes norte-americanos, a

Toyota calibrou os estoques de insumos de reserva estritamente de acordo com o nível da

demanda em cada momento dado. Os estoques deveriam acompanhar as oscilações da

demanda, crescendo ou diminuindo com ela. Ao contrário do que ocorria na organização

fordista, na qual os estoques são determinados pelas possibilidades da oferta, ou seja, pela

quantidade possível de ser produzida.

A base de todo o sistema Just in Time é a terceirização de processos, o que impõe

ajustamento rigoroso entre a montadora – fábrica terminal – e os fornecedores de insumos

(matérias-primas, peças e componentes). Os fornecimentos tornam-se muito mais frequentes,

requerendo a solução de problemas de localização espacial, tráfego, horário, etc. Em

consequência, os fornecedores escalonam-se em vários níveis segundo a sua hierarquia,

cabendo somente aos de primeiro nível a relação direta com a fábrica terminal. Entre esta e os

fornecedores de primeiro nível se estabelece uma relação de associação por meio de

participações acionárias cruzadas.

No fordismo, o controle de qualidade era realizado por um setor responsável após a

produção dos produtos, já no toyotismo é feito imediatamente, durante a própria produção,

evitando a detecção tardia dos erros e dos produtos defeituosos. Tal medida decorre das

políticas produtivas de Controle de Qualidade Total (CQT), pelas quais se elimina o controle

centralizado do modelo rígido, passando para os próprios trabalhadores tal tarefa. Os

trabalhadores são alocados em grupo de trabalho, os Círculos de Controle de Qualidade

(CCQ), que são treinados continuamente, desempenhando o líder o papel de "engenheiro de

produção", ou seja, a indústria moderna precisa de líderes para o aprimoramento de seus

processos, e por outro lado, esse líder envolve e convence os trabalhadores a gerar resultados

com qualidade.

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O banco de horas é outra característica do toyotismo. Trata-se de um sistema flexível

de compensação de horas extras, possibilitando à empresa adequar a jornada de trabalho dos

trabalhadores às suas necessidades de produção e demanda de serviços.

Esse sistema de banco de horas pode ser utilizado, por exemplo, nos momentos de

pouca atividade da empresa para reduzir a jornada normal dos trabalhadores durante um

período, permanecendo um crédito de horas para utilização quando a produção crescer ou a

atividade acelerar. Entretanto, se começar em um momento de grande atividade da empresa, a

jornada de trabalho poderá ser entendida além da jornada normal, durante o período em que o

alto volume de atividade permanecer.

Nesse caso, as horas extras não serão remuneradas, sendo posteriormente realizada a

compensação, ou seja, a concessão de folgas correspondentes ao total de horas acumuladas ou

estabelecimento da redução da jornada de trabalho diária até a "quitação" das horas

excedentes.

Enfim, demonstra claramente a intensificação do processo de trabalho e consequente

redução da remuneração proveniente de horas extras.

A organização produtiva no fordismo é verticalizada, pois, pela doutrina fordista, a

empresa deveria dominar todas as áreas de sua atividade econômica, desde a exploração de

matéria-prima até o transporte das mercadorias. Assim, a empresa era tanto melhor quanto

maior fosse. A empresa baseada no modelo toyotista organiza-se de forma horizontal (ou

quase vertical), passando por profundo processo de subcontratação e terceirização de

atividade-meio. A terceirização é um processo definitivo de extinção de setores da empresa,

com o objetivo de redução de custos. Pela terceirização, uma parte da empresa é desativada, e

o resultado desse setor é adquirido de outra empresa que se forma ou já existe com tal fim. O

setor da empresa que é objeto da terceirização pode ser produtivo ou não, ou seja, pode ser um

setor que produz certos bens materiais ou que produz certos serviços.

A terceirização, tão necessária ao toyotismo, leva a questões múltiplas sobre como

muitas culturas empresariais podem interagir simultaneamente, respeitando normas e padrões,

com vistas a resultados eficientes. Para que isso ocorra, são necessários líderes empresariais,

com grande visão estratégica e mercadológica, de forma a coordenar processos e pessoas com

a precisão necessária.

Esse líder presente na organização do processo de trabalho toyotista demonstra, além

do carisma necessário para sua condição de líder, um conhecimento profundo das técnicas

decorrentes de um trabalho não especializado e amplo em quantidade de etapas, processos e

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interações com diversas culturas de fornecedores, objetivando atender as demandas flexíveis

de produção.

A afirmação de Touraine, abaixo, é válida tanto para líderes quanto para trabalhadores

de produção flexível toyotista.

A qualificação, portanto, mede cada vez mais o papel do indivíduo no sistema técnica e humano de produção […] a saber, um conjunto de atividades definidas pelo seu lugar no circuito de produção, que supõe certas características psicológicas. (TOURAINE, 1973, p. 467 apud LAZZARESCHI, 2008, p. 92)

Isso indica a necessidade de trabalhadores autônomos que, para lograrem êxito, devem

produzir respostas diversificadas, rápidas e que levem em consideração a totalidade do

processo produtivo, o que exige novas competências e o que leva ao desemprego

trabalhadores sem as competências necessárias.

Retomando a definição de Zarifian, segundo a qual, “Competência é a tomada de

iniciativa e o assumir de responsabilidade do indivíduo sobre problemas e eventos que ele

enfrenta em situações profissionais” (2003, p. 139), e considerando-a como válida, numa

sociedade informacional, como é a toyotista, só podem assumir maiores responsabilidades

aqueles com maiores qualificações e familiaridade de manuseio com as inovações

tecnológicas. Ou seja, é gerado o desemprego para aqueles com menores qualificações,

principalmente em momentos de estabilização e desaquecimento da economia. É inegável que

o computador pode gerar desemprego para milhões de trabalhadores, além de reconfigurar o

mercado de trabalho.

O trecho a seguir, escrito por Castells (2010, p. 293-294), explica de maneira clara a

situação acima colocada:

Nossa observação empírica da evolução do emprego nos países do G-7 revela alguns aspectos básicos que, de fato, parecem ser característicos de sociedades informacionais:

o eliminação gradual do emprego rural; o declínio estável do emprego industrial tradicional; o aumento dos serviços relacionados à produção e dos serviços

sociais, com ênfase sobre os serviços relacionados à produção na primeira categoria e sobre serviços de saúde no segundo grupo;

o crescente diversificação das atividades do setor de serviços como fontes de emprego;

o rápida elevação do emprego para administradores, profissionais especializados e técnicos;

o a formação de um proletariado “de escritório” composto de funcionários administrativos e de vendas;

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o relativa estabilidade de uma parcela substancial do emprego no comércio varejista;

o crescimento simultâneo dos níveis superior e inferior da estrutura organizacional;

o valorização relativa da estrutura organizacional ao longo do tempo, com uma crescente valorização das profissões que requerem qualificações mais especializadas e nível de instrução em proporção maior que o aumento das categorias inferiores.

Se dos trabalhadores comuns exigem-se novas competências, dos líderes exige-se

ainda mais, ou seja: além das competências relacionadas à visão e articulação, assumir riscos

pessoais, sensibilidade ao ambiente, sensibilidade para as necessidades dos liderados,

demonstrar comportamentos não convencionais que tragam inovações ao trabalho, também

faz parte de seu papel desenvolver trabalhadores para que tenham essas competências no

futuro.

Segundo Castells, “O toyotismo é um sistema de gerenciamento mais destinado a

reduzir incertezas do que do que a estimular a adaptabilidade. A flexibilidade está no

processo, não no produto” (ibid., p. 180), ou seja, todo o processo de trabalho está baseado na

iniciativa humana, e, portanto, necessitando de um maior nível de interação entre gerentes e

trabalhadores, o que exige maiores sacrifícios da liderança para manter os times coesos e

produtivos.

O próprio sistema JIT exige essa postura do líder, pois não se aplica somente aos

fornecimentos externos, mas também às relações dentro da fábrica entre as diversas seções ou

equipes de trabalho. Cada uma delas avisa aquelas que se encontram à jusante na cadeia de

produção, o quanto de peças trabalhadas que precisará dentro de certo lapso de tempo. O

aviso se faz por meio de um cartaz ou mostrador (kanban). Dessa maneira, a atividade de cada

seção ou equipe não é determinada pelas que se encontram atrás na cadeia de montagem

(como no fordismo), porém pelas que se encontram à frente.

Daí resulta que as seções ou equipes trabalham praticamente sem estoques de peças

anteriormente produzidas. O dispositivo kanban pode chegar à sofisticação de fazer da fábrica

um sistema de minifábricas, relacionadas entre si através de pedidos e fornecimentos. Quanto

mais minifábricas existirem, maior será a autonomia e liderança dos trabalhadores sobre

colegas de equipe, e, consequentemente, sobre os processos de trabalho da respectiva

minifábrica.

Ao reduzirem os estoques de reservas de insumos, o JIT e o kanban trouxeram

diminuição substancial de encargos financeiros, bem como de despesas materiais e de força

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de trabalho exigidos pela armazenagem (WOMACK et al., 1992; HIRATA, 1993; CORIAT,

1994; HOLLANDA FILHO, 1994).

A organização japonesa desenvolveu-se no território de origem com um regime

especial de relações da empresa com os trabalhadores e os seus sindicatos.

Há trabalhadores com um nível mais elevado de instrução, os quais recebem

treinamentos sucessivos dentro da empresa. O investimento feito no treinamento de uma parte

dos trabalhadores aumenta o interesse da empresa em retê-los. São esses trabalhadores que

exercem forte liderança sobre aqueles com menor qualificação, ou seja, conhecendo suas

necessidades, apoiando seu aprendizado e mostrando caminhos para que possam desenvolver,

da melhor forma possível, seu trabalho.

A remuneração dos trabalhadores com maior qualificação consta de um salário básico,

cujo montante depende da equipe à qual pertençam e do seu desempenho individual avaliado

pela gerência (o que inclui itens como cursos realizados, sugestões aceitas para

aperfeiçoamento do trabalho, cumprimento de tarefas, etc.). Uma vez que a remuneração fica

na dependência da avaliação individual pela gerência, esta detém grande força de pressão. O

salário básico aumenta de acordo com o tempo de serviço, independentemente de promoções

por mérito, completado por bônus, cujo montante variável é determinado pelos lucros da

empresa. Os bônus costumam representar cerca de 30% da remuneração total do trabalhador

(WOMACK et al., 1992; HIRATA; ZARIFIAN, 1991; HIRATA, 1993a, 1993b;

HUMPHREY, 1993; CORIAT, 1994; MICHELI THIRIÓN, 1994; HOLLANDA FILHO,

1994).

Enquanto organização do processo de trabalho, a base do toyotismo é a redução dos

níveis hierárquicos, para que sejam tomadas decisões mais rápidas na fabricação em pequena

quantidade de um grande número de itens, como já dito. Isso causa um aumento da

responsabilidade do líder e dos demais trabalhadores sobre o processo de trabalho e resultados

obtidos, ao mesmo tempo que cresce sua importância dentro do processo produtivo.

A alta direção de uma organização com processo de trabalho toyotista deve, ao mesmo

tempo, criar mecanismos de retenção para trabalhadores mais qualificados, portanto difíceis

de serem repostos, e incentivar a formação de lideranças que ajudem a formar trabalhadores

multifuncionais. Liderar esses trabalhadores sugere levá-los a desafios maiores e estimulantes

em sua carreira, além de conhecer muito bem suas necessidades e aspirações. Quanto maior o

grau de instrução do trabalhador tende a ser maior a sua necessidade de inovar para ser

competitivo, ou seja, a liderança tem como desafio proporcionar um ambiente que desafie e,

ao mesmo tempo, estimule os trabalhadores.

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Braverman (1987) formulou a tese sobre a tendência à desqualificação contínua do

trabalho. A degradação cada vez mais acentuada do trabalho seria, pois, inelutável nas

condições do capitalismo.

A observação da organização japonesa motivou a contestação parcial da tese de

Braverman. Na evolução da técnica é necessária e vantajosa para as empresas capitalistas a

promoção da qualificação dos trabalhadores. O trabalho em equipes, a multifuncionalidade e a

rotação de funções, o manejo de máquinas-ferramenta de controle numérico computadorizado

(MFCNC), o controle estatístico de processo e outros procedimentos exigem um trabalhador

dotado de instrução mais elevada do que o tarefeiro típico da cadeia de montagem fordista.

Ademais disso, exigem um trabalhador participativo, envolvido com os objetivos da empresa

e líderes que trabalhem para levá-los a esse comprometimento, dentro de um projeto de

trabalho com valor agregado em suas atividades.

A organização japonesa foi objeto de um livro assinado por Womack, Jones e Roos

(1992), resultado de pesquisa financiada pelo MIT dos Estados Unidos. Em A máquina que

mudou o mundo, os autores fazem recomendação entusiástica acerca das inovações toyotistas.

A louvação de Womack e colaboradores, contudo, vem sendo qualificada e contestada.

Uma primeira discussão diz respeito ao teor de inovação contido nos procedimentos

das fábricas japonesas. Se há autores que as consideram fortemente inovadores, outros

observam que, afinal, o toyotismo tem o mesmo objetivo do fordismo. Em última instância, a

eliminação ou máxima redução possível dos tempos mortos. Daí que se identifique o

toyotismo com algo como um pós-fordismo, o qual, sem alterar a essência fordista,

acrescentaria umas tantas novidades, como o JIT e os círculos de controle de qualidade

(CCQ). Segundo outros autores, o toyotismo não seria mais do que acentuação da intensidade

do trabalho própria do fordismo (SILVA, 1991; GOUNET, 1991; CASTRO, 1993 e 1995).

A observação minuciosa, desprendida de louvações, não podia deixar de constatar, no

próprio país de origem, que a organização japonesa do trabalho tem, antes de tudo, caráter

dual. Na indústria em geral, os trabalhadores com contrato de trabalho efetivo constituem

coeficiente de cerca de 30% do total, garantia de promoções por antiguidade e outros

benefícios. A maioria dos empregados, pelo contrário, é contratada em regime de trabalho

temporário, com menor remuneração salarial e aplicação em funções de qualificação inferior.

Nas fábricas montadoras de automóveis, o quantitativo de operários permanentes

oscila em torno de 90%, servindo a margem de 10% à contratação variável de operários

temporários. As fábricas de autopeças cumprem também a função de ajuste do número de

empregados do conjunto do setor automobilístico às exigências da conjuntura. O quantitativo

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de empregados temporários abrange principalmente mulheres, com preferência dos

empregadores por mulheres acima dos 40 anos, praticamente fora da idade fértil. São elas que

fornecem o contingente maior de trabalhadores menos qualificados e pior pagos, em

condições precárias (HIRATA; ZARIFIAN, 1993; HIRATA, 1993b; CORIAT, 1994).

O núcleo de trabalhadores efetivos nem por isso deixa de sofrer a pressão

característica da organização japonesa. O trabalho em equipe e de caráter multifuncional e

rotativo oferece, sem dúvida, ajustamentos estimulantes aos integrantes da equipe. Mas o

funcionamento da equipe atribui à gerência vantagem possivelmente mais significativa. A

equipe dispensa supervisores, uma vez que ela própria exerce o controle sobre o desempenho

de todos e cada um dos seus membros. Os indivíduos que a compõem ficam incessantemente

submetidos à vigilância coletiva, dado que as falhas individuais se refletem no resultado do

trabalho conjunto. Semelhante astúcia da organização japonesa não só traz a eliminação da

despesa com supervisores, como sobrepõe os trabalhadores ao controle mais rigoroso dos

próprios companheiros de tarefas. Seria o management by stress.

Tal administração é estressante não somente por motivo da tensão provocada pela

vigilância coletiva. O estresse procede também do kaizen – norma de aperfeiçoamento

ininterrupto que fustiga o empregado com a inquietação da busca incessante. O objetivo de

zero-defeitos, visando à qualidade ótima da produção, disciplina os trabalhadores na medida

em que lhes impõe concentração mental estafante na tarefa a realizar. A tudo isso se adiciona-

o andon – dispositivo visual que orienta os trabalhadores de cada seção a respeito do ritmo de

trabalho e permite à gerência acelerá-lo quando conveniente (GOUNET, 1991; MICHELI

THIRIÓN, 1994).

Por conseguinte, a organização japonesa, ao mesmo tempo que impele uma parte dos

trabalhadores a níveis mais altos de qualificação, submete-os a uma intensidade de trabalho

maior do que a da esteira de montagem fordista. Os tempos mortos são anulados precisamente

para serem substituídos por tempos de trabalho vivo. O esforço intensifica-se e aumenta o

gasto de energias psicossomáticas dos operários, enquanto continua com a administração –

como é inerente à organização fabril – a prerrogativa hierárquica da fixação de metas para as

equipes, da avaliação do desempenho individual e da designação para os postos de trabalho.

Os efeitos negativos de tais fatores se aguçam com a imposição frequente de horas

extras e trabalho em dias de feriados, o que resulta no maior número de horas trabalhadas por

ano para os operários japoneses, dentre os países desenvolvidos.

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Em contrapartida, o longo período de prosperidade da economia do Japão permitiu

uma taxa muito baixa de desemprego (menos de 2% da população economicamente ativa) e

induziu à elevação dos salários reais.

A organização japonesa do trabalho e a tecnologia informacional não suprimem a

obrigação de movimentos repetitivos, os quais grande parte dos trabalhadores continua

submetida. Tais movimentos originam a LER – lesão por esforço repetitivo –, enfermidade

neuromuscular primeiro caracterizada na circunstância nipônica. Morbidades neurológicas e

psiquiátricas e doenças letais provocadas pelo estresse e pela estafa (karochi) são também

típicas do sistema de produção (DEDECCA, 1996).

A submissão dos operários japoneses a semelhante sistema tem explicação histórica,

que remonta aos anos imediatamente posteriores à Segunda Guerra Mundial, quando os

sindicatos ressurgiram com vigor. Apoiado pelo ocupante norte-americano, já empenhado na

Guerra Fria, o patronato nipônico conseguiu infligir derrota esmagadora aos trabalhadores e

impor o sistema de sindicatos por empresa, vigente até hoje e exportado para vários países do

mundo, inclusive o Brasil. Os sindicatos por empresa tornaram-se colaboradores da

administração e facilitaram o desenvolvimento e implantação da organização do trabalho

também chamada de produção enxuta ou produção flexível. Certos autores consideram tal

enquadramento sindical como parte indissociável da organização japonesa do trabalho.

Argumento fortalecido pelo fato de as empresas automobilísticas japonesas transplantadas aos

Estados Unidos, e demais países, escolherem cuidadosamente sua localização em cidades

desprovidas de sindicatos.

Não cabe inferir daí que a colaboração empresa–sindicato logrou a aceitação

consensual dos trabalhadores no referente a diversos aspectos da sua condição laboral.

Pesquisa promovida junto a operários da principal fábrica montadora nipônica, em 1990,

evidenciou alto grau de insatisfação: metade dos entrevistados respondeu que não

recomendaria aos filhos o emprego na indústria automobilística, mencionando como

circunstâncias mais negativas os salários inadequados, a exigência excessiva de horas extras e

a demasia na intensidade e na carga de trabalho (TOTSUKA, 1995).

É obvio, mas necessário ser mencionado, que sendo o toyotismo uma forma de

organização do processo de trabalho inserida numa economia capitalista, faz-se necessário

pressupor uma relação de dominação e poder sobre os trabalhadores. Essa é a essência do

capitalismo!

Por outro lado, o toyotismo incentiva a gestão do conhecimento, como forma de criar

inovações e competitividade, destinando grandes quantidades de capital na formação de

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trabalhadores mais qualificados, para que possam liderar os times de trabalho de maneira mais

eficiente.

É necessário lembrar que o toyotismo permite produzir grande quantidade de itens, em

pequenos lotes, o que abriu numerosas frentes de trabalho ao redor do mundo, inclusive na

América do Sul. A importância da transferibilidade do modelo japonês para o Ocidente teve

grande representação na evolução do processo industrial. Um enorme número de empresas

utiliza seus princípios de controle de qualidade, Just in Time, células de trabalho, etc., dentro

dos seus parques industriais e também na prestação de serviços.

Ao pensarmos no ponto de vista social, o toyotismo acrescenta no engrandecimento

profissional dos trabalhadores, pois o foco da produção é voltado para a excelência nos

processos, evitando um número excessivo de cargos, que não agregam valor, e sim tornando o

profissional multifuncional. Por outro lado, o toyotismo também racionaliza a utilização da

matéria-prima do mundo, contribuindo para a sustentabilidade.

Ademais, o toyotismo impede o superprocessamento, ou seja, fazer um produto com

quantidade acima da requisitada, gerando estoques que nem sempre serão consumidos pelos

clientes, e que posteriormente serão reprocessados ou jogados fora, agredindo o meio

ambiente e a sociedade que dele depende para viver.

Esse sistema baseado essencialmente na diminuição das perdas na movimentação,

transporte, estoques, superprodução, oferece uma maior competitividade para as empresas na

redução de custos e preços mais acessíveis ao consumidor.

E claro, é natural no capitalismo que empresas com custos mais controlados tenham

como tendência praticar menos demissões e investir na contratação de trabalhadores mais

qualificados a fim de modernizar-se sempre!

O modelo toyotista – diferente do fordista – passou a ver as pessoas como fator de

competitividade das empresas, e não mais como uma parte dela. O toyotismo passou a

valorizar o capital humano como fator de diferencial competitivo. De fato, pessoas satisfeitas

e motivadas conseguem melhores resultados do que aquelas que se sentem apenas mais um

fator de produção.

Enfim, Henry Ford ajudou a promover profundas transformações no capitalismo e foi

um dos propulsores do início dos anos dourados, gerando trabalho e riqueza para

trabalhadores e nações; por sua vez, Eiji Toyoda e Taiichi Ohno impulsionaram uma nova

transformação, ou seja, são visionários que compreenderam não só as necessidades da

economia japonesa, mas de um mundo que necessita privilegiar recursos materiais em

escassez, preservar o meio ambiente e valorizar o ser humano.

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Argyris (1969), em seus estudos sobre a importância da subjetividade do trabalhador

nas relações de trabalho, defende a ideia de que trabalhadores tratados de forma positiva e

como adultos responsáveis irão atingir a produtividade esperada. Isso é observado no

toyotismo na medida em que os operários se tornam responsáveis pelo sucesso ou insucesso

das células de trabalho em que atuam.

Herzberg et. al (1959) afirmam afirma que o envolvimento e dedicação do indivíduo

com o seu trabalho aumenta na medida em que as tarefas são enriquecidas ou, em outras

palavras, quando o indivíduo pode aprender coisas novas em seu trabalho, o que é uma

constante no toyotismo, pois o trabalhador deve aprender múltiplas tarefas. Maslow, por sua

vez, afirma que o ser humano necessita de espaço para expor seus pontos de vista e, ao

mesmo tempo, necessita de segurança para garantir sua existência, ou seja, o papel das

lideranças, fundamentais ao toyotismo, está intimamente relacionado a conhecer as

preocupações e pontos de vista dos trabalhadores, colocar em prática sugestões relevantes e

garantir um ambiente de respeito e segurança.

Sem dúvida, o modelo toyotista necessita de lideranças desenvolvidas que saibam

atuar na cultura do efêmero, num mundo que demanda por mudanças e constantes inovações.

A diminuição de níveis hierárquicos, a constituição de células de trabalho, ou

minifábricas dentro das indústrias, a relação com indústrias fornecedoras em função do Just.

in Time, etc. fazem com que se exija mais das lideranças em termos de conhecimento e

tomadas rápidas de decisão.

Em consequência, até que ponto líderes, em empresas toyotistas, fazem maior ou

menor uso de seu carisma, em detrimento do uso da autoridade e poder em prol de maiores

níveis de produtividade? Se, por um lado, podem utilizar de seu carisma para romper

resistências e motivar os trabalhadores na conquista de seus objetivos e os da empresa, por

outro, em momentos de crise e necessidade de aumento de produtividade, podem utilizar da

autoridade e poder esquecer-se do carisma.

Sim, o toyotismo, ao contrário do fordismo, cria uma dependência maior das empresas

em relação aos seus trabalhadores. Isso é um fato confirmado quando se investe um maior

volume de recursos na formação de profissionais qualificados, mas, por outro lado, o capital

não tolera a extrema dependência da força humana e procura locais numa economia

globalizada onde possa se multiplicar sem tantos pudores, rigorosas legislações trabalhistas e

regulamentações, ativas em países com maior desenvolvimento de sua sociedade, ou seja, essa

é uma das tantas causas da globalização!

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2.1. A liderança no mundo globalizado

A natureza global do mercado para os computadores pessoais também será elemento vital ao desenvolvimento da estrada. A colaboração entre empresas americanas, europeias e asiáticas será ainda mais importante para os microcomputadores do que no passado. Os países ou empresas que não souberem globalizar seus produtos não conseguirão liderar. (GATES, 1995, p. 61-62)

A partir da globalização do processo de trabalho toyotista, surge uma derivação, algo

novo que foi gestado a partir do toyotismo, mas que não é puro, ou seja, a formação de redes

entre empresas, baseada na flexibilidade do processo produtivo em termos mundiais e, é claro,

nos ganhos que o capital pode apurar sobre isso.

Segundo Castells:

Como disse, e segundo a afirmação de Harrison, pequenas e médias empresas muitas vezes ficam sob o controle dos sistemas de subcontratação ou sob domínio financeiro / tecnológico das empresas de grande porte. No entanto, também frequentemente tomam a iniciativa de estabelecer relações em redes com várias empresas grandes e/ou com outras menores e médias, encontrando nichos de mercado e empreendimentos cooperativos. (CASTELLS, 2010, p. 218)

Pronto, tal explicação nos permite compreender como o capital pode alongar seus

braços e agarrar o mundo através das redes de empresas e flexibilização do processo de

trabalho. A seguir, há algumas considerações sobre as consequências acerca da formação de

redes e o domínio das multinacionais, sem ter a pretensão de absolutamente esgotar o tema,

pois o foco desta pesquisa são as relações de liderança.

A formação de redes entre empresas aumenta a força do capitalismo globalizado.

Grandes empresas, localizadas em países com legislações trabalhistas e ambientais muito

desenvolvidas, podem expandir suas operações para países com legislações mais permissivas,

ou seja, podem produzir os mesmos produtos, pagando menos impostos, estando sujeitas a

legislações e sindicatos enfraquecidos e ainda aumentar o número de consumidores ao redor

do mundo.

Toda essa expansão que a formação de redes entre empresas permite, favorece a

coexistência necessária de um pequeno número de empregos formais para trabalhadores muito

qualificados e um aumento do trabalho informal e subempregos para a maioria dos

trabalhadores da rede. Assim, essa flexibilidade no processo de trabalho gestada, longamente,

no modelo toyotista e expandida através da formação de redes entre empresas pelo mundo,

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além de reduzir custos e intensificar o trabalho, permite reproduzir a existência de

trabalhadores, que também são consumidores de mercadorias. O ponto é que, para haver

consumidores, não são necessários empregos formais, sendo necessário “somente” que os

trabalhadores tenham renda, mesmo em condições miseráveis ou de terceirização, o que torna

atrativa a instalação de empresas em países e regiões pobres, visando ao consumo local e

também à exportação de mercadorias.

A formação de redes entre empresas ocorre numa sociedade interligada que se

comunica mundialmente em pouquíssimos segundos e é voraz por inovações constantes. Uma

sociedade onde os produtos e serviços se tornam obsoletos em poucos dias ou mesmo em

horas. Uma sociedade que, em contrapartida, exige “trabalhadores que aprendam a aprender”

ou “trabalhadores do conhecimento”, que tenham acesso e saibam lidar com novas

tecnologias, que possam ajudar a desenvolver novas tecnologias, que possam superar suas

próprias resistências e medos de um mundo em constante mutação. Uma sociedade que

pressiona constantemente por menores custos e aumento de produtividade. Uma sociedade

que produz diariamente novas empresas e, portanto, necessita de um mercado consumidor

ativo.

O mundo atual das empresas em rede e de alta tecnologia exige a cada dia novas

competências dos trabalhadores e também de seus líderes, e como veremos adiante, exige uma

compreensão profunda da subjetividade e aspectos motivacionais relacionados ao trabalho.

Exige das lideranças uma forte persuasão para convencer os trabalhadores a cumprir suas

tarefas, adquirir novos conhecimentos técnicos e de idiomas para conhecer e apoiar o

desenvolvimento de novas tecnologias e novos negócios, sem falar de competências

comportamentais voltadas a influenciar pessoas, lidar com frustrações e incertezas, mantendo-

se focados nos resultados.

Certamente os líderes empresariais jamais enfrentaram tamanhos desafios na história

do mundo, e é por isso que deles são esperados grandes sacrifícios para manter os

trabalhadores focados numa mesma direção. Os líderes contemporâneos promovem mudanças

num mundo em constante mudança. É como “reparar a turbina de um avião em movimento

durante uma tempestade”.

As novas tecnologias trazem desafios e temores aos líderes e trabalhadores quanto à

diminuição de empregos, traduzido no antigo pensamento “a máquina roubando o sustento do

homem”.

O surgimento de uma sociedade sem empregos a partir da introdução das tecnologias

da informação nas fábricas, escritórios e no setor de serviços, é algo que não se traduz em

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realidade. As lições da história, os dados empíricos atuais, as projeções de emprego nos países

da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e as teorias

econômicas não confirmam esses temores a longo prazo.

Por outro lado, numa análise complementar, o consumo de mercadorias é inerente ao

capitalismo. Mesmo os menos privilegiados, ou pouco qualificados, em condição de miséria,

ganhando até um dólar por dia, necessitam consumir, não é verdade?

E para isso o capitalismo criou flexibilizações para o emprego, vivificadas em

ocupações informais, terceirização e subempregos, geralmente presentes nos chamados

“países em desenvolvimento”.

Como já dito, a globalização do toyotismo deu um enorme impulso à formação de

redes entre empresas, com possibilidades de flexibilização na cadeia produtiva, de

fornecedores ao redor do mundo e na remuneração e condições de vida dos trabalhadores.

Suas consequências são percebidas muito além da revitalização da indústria

automobilística estadunidense, mas também no recrutamento de trabalhadores em países cujo

índice de desenvolvimento humano (IDH) é baixíssimo.

Nesse sentido, a globalização mostra sua face mais perversa: mostra um solo fértil

para o capital multiplicar-se em países com legislações trabalhistas permissivas e sindicatos

enfraquecidos ou inexistentes.

A flexibilização do capital advindo da globalização, toyotismo e das empresas em rede

fez surgir uma força de trabalho global?

A grande força de trabalho é local. Quando as empresas migram para outros países,

enviam somente alguns trabalhadores qualificados e experientes para serem os responsáveis

por unidades fabris ou de serviços voltados a atender as necessidades fabris. Sim, porque o

mundo globalizado não é feito só de fábricas, que persistem com vigor em países asiáticos e

na Alemanha, dentro do bloco europeu. O mundo globalizado é também dos trabalhadores de

escritórios, trabalhadores da área de serviços que se multiplicam, vendendo sua força de

trabalho muitas vezes a preços baixos, principalmente em países da África, ou da América do

Sul, dentre tantos que são alvos de empresas multinacionais em expansão.

Trabalhadores que, para se manterem ativos no mercado de trabalho, necessitam de

novas competências e novos conhecimentos diariamente, mas que podem estar insatisfeitos

quanto à sua motivação para o trabalho, envolvendo não só a remuneração, mas também a

qualidade do enriquecimento das tarefas desempenhadas. Por isso, são necessários

verdadeiros líderes que possam apoiar o crescimento pessoal e profissional desses

trabalhadores, o que chefes não fazem.

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No século XXI, de forma inversa a uma fábrica fordista/taylorista, a produção de uma

simples blusa de se vestir passa por diversos países do mundo, até ser utilizada pelo

consumidor final. Os botões e a linha podem vir da China, mas a confecção pode ocorrer no

Paquistão, Indonésia, Bolívia, etc., países menos regulamentados em termos de legislações

trabalhistas. Isso põe em risco empregos formais. Isso aumenta a contratação de trabalhadores

terceirizados em condições precárias de trabalho e aumenta a necessidade do líder carismático

na compreensão dessa situação, envolvendo a motivação e a subjetividade do trabalhador.

Como deve ser a cabeça de um líder ao liderar trabalhadores que praticamente não têm

o que comer ou vestir, e, por outro lado, como é liderar um trabalhador muito qualificado,

proveniente de grandes matrizes de países europeus ou asiáticos? O líder atua sobre

contradições e ambivalências em seu cotidiano.

Segundo Castells (2010), embora a tecnologia em si não gere nem elimine empregos,

ela na verdade transforma profundamente a natureza do trabalho e a organização da produção.

Diz ele que a reestruturação das empresas e organizações, possibilitada pela tecnologia da

informação e estimulada pela concorrência global, está introduzindo uma transformação

fundamental: a individualização do trabalho no processo de trabalho. As categorias de

trabalho que mais crescem são o trabalho temporário e o trabalho de meio-expediente. As

empresas cada vez mais adotam as práticas de subcontratação, terceirização, consultoria,

redução no quadro funcional e produção sob encomenda. E essa mobilidade de trabalho diz

respeito não só a trabalhadores não qualificados, mas também aos qualificados.

De acordo com o autor, a lógica desse sistema de trabalho, altamente dinâmico,

interage com as instituições trabalhistas de cada país: quanto maiores as restrições a essa

flexibilidade e maior o poder de barganha dos sindicatos de trabalhadores menor será o

impacto sobre os salários e os benefícios e maior será a dificuldade de os novos trabalhadores

serem incluídos na força de trabalho permanente, com isso limitando a criação de empregos.

A conclusão é de que há uma transformação do trabalho, dos trabalhadores e das

organizações em nossas sociedades. O modelo de trabalho predominante na nova economia é

de uma força de trabalho permanente, construída por administradores que atuam com base na

informação e uma força de trabalho disponível que pode ser automatizada e/ou contratada e

demitida. Essa força de trabalho disponível é composta por trabalhadores terceirizados, o que

provoca a desestruturação do mercado de trabalho, ao mesmo tempo que muda a relação dos

trabalhadores com o seu trabalho.

Para o trabalhador, diminuem-se as possibilidades de manter um único vínculo

empregatício, com 35 ou 40 horas semanais de jornada. Agora um mesmo trabalhador pode

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ter vários empregos em sua jornada diária de trabalho, empregos esses que podem ser

temporários ou por prazo determinado. Esse trabalhador fica constantemente ansioso pela

busca de um novo emprego e, por outro lado, essa diluição do trabalho em empregos

terceirizados também pode diluir o vínculo de confiança e comprometimento do trabalhador

com seus empregadores, o que demanda dos líderes um grande esforço de convencimento

para que esses trabalhadores se sintam motivados com seu trabalho.

Essa transformação abalou as instituições, levando a uma crise da relação de trabalho

com a sociedade e a uma crise de liderança, obrigando líderes empresariais a lidar com uma

nova realidade, muito diferente do ambiente fabril taylorfordista, ou seja: diferentes culturas,

realidades políticas, econômicas e sociais, e acima de tudo, lidar com os desejos e resistências

de trabalhadores com maior qualificação e daqueles com menor qualificação, ao redor do

mundo. Com o esgotamento do fordismo como forma predominante da organização do

processo de trabalho, cada vez mais aumenta a importância do trabalhador no processo

produtivo, mas em contrapartida, as empresas querem pagar salários cada vez menores e

flexibilizar ao máximo as relações de trabalho.

Sem dúvida, uma das competências do líder é adaptar-se e lidar com esse ambiente de

incertezas e, por outro lado, a questão para empresas é inovar para poder competir. Para tanto,

estas necessitam do envolvimento total de seus trabalhadores com o trabalho. O líder

convence os trabalhadores a se envolverem e enfrenta resistências impostas por pressões

econômicas que se refletem no mercado de trabalho.

A lógica do mercado de trabalho, altamente dinâmico, interage com a especificidade

das instituições trabalhistas de cada país.

No Brasil a rigidez imposta pela CLT – Consolidação das Leis do Trabalho – aliada a

uma longa série de altos impostos cobrados das empresas, obriga a contratação de

trabalhadores terceirizados, qualificados ou não, mesmo sendo registrados níveis crescentes

de emprego formal no Caged – Cadastro Geral de Empregados e Desempregados. Nos EUA,

a reestruturação social toma a forma de pressão sobre os salários e condições de trabalho. Na

União Europeia, onde as instituições trabalhistas defendem melhor suas posições históricas

conquistadas, o resultado é o aumento do desemprego devido à limitação da entrada de

trabalhadores jovens no mercado de trabalho e a saída precoce dos mais velhos ou daqueles

atrelados a setores e empresas não competitivas.

O aumento extraordinário de flexibilidade e adaptabilidade, possibilitadas pelas novas

tecnologias, contrapôs a rigidez do trabalho à mobilidade do capital.

Há uma pressão contínua para tornar a contribuição do trabalho a mais flexível

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possível. Os trabalhadores, independentemente de suas qualificações, encontram-se muito

vulneráveis à empresa.

O contrato de trabalho é claramente determinado apenas em relação à remuneração, enquanto as especificações das tarefas concretas – circunstâncias do esforço do trabalhador, intensidade do trabalho, etc. – permanecem relativamente indefinidas. Essa lacuna de indeterminação é preenchida na empresa através da autoridade administrativa (comando da mão de obra). A manutenção de uma certa indeterminação no contrato de trabalho é muito interessante para o administrador, pois, de outro modo, cada vez que as tarefas concretas fossem modificadas um novo contrato de trabalho teria de ser feito. (OFFE, 1989, p. 77)

Ainda, segundo Offe (ibid., p. 78), “A formação de sindicatos e a aquisição de

habilidades são, por exemplo, estratégias através das quais os trabalhadores procuram limitar

a concorrência em relação aos seus empregadores e outros trabalhadores respectivamente”.

Por outro lado, no mundo contemporâneo, os sindicatos mostraram sua ineficiência na

proteção dos interesses dos trabalhadores, deixando-os vulneráveis ao mundo globalizado,

onde legislações trabalhistas, muito rígidas, levam as empresas a se deslocaram para locais

menos fiscalizados pelo mundo, ou mesmo dentro dos países. Sindicatos mais flexíveis ou

permissivos são atrativos à flexibilidade do capital. Como exemplo, cito o tão documentado

deslocamento da indústria automobilística do ABC paulista para outros estados do Brasil,

ocorrido principalmente em decorrência das regulamentações crescentes do trabalho na

categoria dos metalúrgicos.

Movimentos sociais e greves são importantes para a manutenção e melhoria das

condições dos trabalhadores, e, para que esses movimentos tenham sucesso, a liderança é

fundamental como já dito. Por outro lado, nesse mundo globalizado, e voraz por inovações, o

papel do líder toma dimensões diversas e mais complexas.

Vamos raciocinar de outra forma, invertendo as tradicionais relações de poder entre

empresa e empregado, ou seja, se o mundo das empresas necessita, como dito exaustivamente

durante páginas anteriores, de conhecimento, tecnologia e inovação, portanto um dos papéis

do líder é incentivar seus liderados a adquirirem esse conhecimento e tecnologia para que

possam se tornar cada vez mais qualificados e independentes, com fácil empregabilidade,

invertendo, assim, as relações de poder na empresa, ou seja: quanto mais qualificado for o

trabalhador, em mercados carentes de profissionais altamente qualificados, mais necessário

será este trabalhador para a empresa, e, portanto, maior será o grau de dependência da

empresa em relação ao trabalhador.

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Afinal, o que Steve Jobs, um verdadeiro líder, fazia em relação aos seus liderados,

senão ajudá-los a pensar e agir de forma independente? Pensar e agir de forma diferente,

exige do líder um grande sacrifício ao convencer seus liderados em melhorar sua formação

educacional e adquirir novas competências.

Na modernidade, assim como há mais de2000 mil anos, o conhecimento pode trazer

possibilidades de melhoria nas condições dos trabalhadores, e o carisma do líder pode ser

utilizado como forma de incentivá-los a adquirir novos conhecimentos e competências.

Nesse ponto, Castells considera relevante a importância da gestão do conhecimento

como ativo empresarial, conforme texto a seguir:

Assim, Ikujiro Nonaka, com base em seus estudos das maiores empresas japonesas, propôs um modelo simples e inteligente para representar a geração de conhecimentos nas empresas. O que ele chama de “empresa criadora de conhecimentos” baseia-se na interação organizacional entre os conhecimentos explícitos e os conhecimentos tácitos na fonte de inovação. Nonaka afirma que muitos dos conhecimentos acumulados na empresa provêm da experiência e não podem ser comunicados pelos trabalhadores em ambiente de procedimentos administrativos excessivamente formalizados. No entanto as fontes de inovação multiplicam-se quando as organizações conseguem estabelecer pontos para transformar conhecimentos tácitos em explícitos, tácitos em tácitos, explícitos em explícitos. (CASTELLS, 2010, p. 180)

Dessa forma, as empresas para inovar e manterem-se vivas, dependem como nunca de

conhecimentos produzidos pelos trabalhadores, que vão muito além da descrição de processos

num papel. Para a transformação do conhecimento é necessário o incentivo à criatividade,

num ambiente que respeite as necessidades dos trabalhadores. Isso se refere à motivação e à

subjetividade do trabalhador. Verdadeiros líderes também assumem o papel de gestores do

conhecimento e da inovação ao incentivarem a criatividade e serem tolerantes com erros

inerentes ao processo de aprendizagem e criação de novos produtos ou serviços.

Conforme mencionado, vivemos numa economia povoada pela formação de empresas

em rede. As redes podem ser de cooperação entre empresas do mesmo porte, médias ou

pequenas, ou para servir uma grande empresa multinacional. As empresas que compõem a

rede necessitam de trabalhadores multifuncionais, isto é, que possam abarcar com seu

trabalho uma vasta etapa do processo produtivo, e aqui cabe ressaltar que o trabalhador não

necessita obrigatoriamente dispor de uma vasta coleção de diplomas na sua formação. Estes

podem ser até necessários, mas o que se procura no trabalhador do século XXI são

competências que o ajudem a mobilizar seu conhecimento de forma prática no trabalho.

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Procuram-se trabalhadores que assumam responsabilidades, com iniciativa e com o mínimo

de supervisão. Procuram-se trabalhadores que cooperem com os demais, transformando

conhecimentos tácitos em explícitos, dentro de uma prática que leve à inovação constante.

2.2. Gestão do conhecimento, inovação e empreendedorismo

Pretendemos daqui em diante estabelecer algumas relações entre gestão do

conhecimento, inovação e empreendedorismo, para em seguida realinhá-las às relações de

liderança no mundo do trabalho e sua relação com a motivação e subjetividade do trabalhador.

Weber, ao expressar as “afinidades eletivas” entre a ética protestante e o ethos

capitalista, escreve:

para saber quais as forças motrizes da expansão do capitalismo (moderno) não se precisa por em primeiro lugar a questão da origem das reservas monetárias valorizáveis como capital, e sim a questão do desenvolvimento do espírito capitalista [...] tal entrada em cena não foi pacífica. Uma onda de desconfiança, de ódio por vezes, sobretudo de indignação moral, levanta-se repetidamente contra o primeiro inovador [...]. Dificilmente se permite reconhecer com suficiente imparcialidade que só uma extraordinária firmeza de caráter é capaz de resguardar um desses empresários “novo estilo”... juntamente com a clarividência e capacidade de ação [...] lhes possibilitam angariar confiança desde logo indispensável dos clientes e operários [...] sobretudo para assumir o trabalho infinitamente mais intenso que agora é exigido do empresário e que é incompatível com um fácil gozo da vida – qualidades éticas –, todavia, de um tipo especificamente diverso das que eram adequadas ao tradicionalismo de outrora. (WEBER, 2012, p. 61)

Schumpeter demonstra afinidades com o pensamento weberiano no início do segundo

capítulo do livro O Fenômeno Fundamental do Desenvolvimento Econômico, onde Weber é

citado para se explicitar o sentido da palavra racionalização ali empregada.

Na obra de Schumpeter (1985) e Weber (2012), mesmo ambos tendo vivido momentos

e circunstâncias diversas, pode-se perceber em seus relatos que a inovação sempre enfrenta

algum tipo de resistência para que venha a prosperar, porém é sempre vista como necessária

para que mudanças econômicas, tecnológicas, culturais, políticas e sociais pudessem ocorrer.

Schumpeter explica, a partir da teoria do desenvolvimento econômico, que longas

ondas dos ciclos do desenvolvimento no capitalismo resultam da conjugação ou da

combinação de inovações, que criam um setor líder na economia que passa a impulsionar o

crescimento rápido dessa economia.

O autor considera que o impulso fundamental que inicia e mantém o movimento da

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máquina capitalista decorre de novos bens de consumo, dos novos métodos de produção ou

transporte, dos novos mercados, das novas formas de organização industrial que a empresa

capitalista cria. Ele ainda complementa que a abertura de novos mercados — estrangeiros ou

domésticos — e o desenvolvimento organizacional, da oficina artesanal aos conglomerados,

ilustra o mesmo processo de mutação industrial que incessantemente revoluciona a estrutura

econômica a partir de dentro, incessantemente destruindo a velha, incessantemente criando

uma nova.

Esse processo de destruição criativa é o fato essencial do capitalismo. É nisso que

consiste o capitalismo, é assim que têm de viver todas as empresas capitalistas. Para

Schumpeter, o capitalismo desenvolvia-se em razão de sempre estimular o surgimento dos

empreendedores, isto é, de capitalistas ou inventores extremamente criativos – os inovadores

– que eram os responsáveis por todas as ondas de prosperidade que o sistema conhecia.

O autor (1985) afirma que de tempos em tempos a vida econômica apresenta

mudanças no sentido de romper com os limites tradicionais até então estabelecidos de

produção e comercialização de bens, impondo uma nova forma que futuramente se

consubstanciará em uma nova tradição. Crescimento econômico pode ser adaptação,

desenvolvimento, que significa aumento do volume de riquezas, é outra coisa. As mudanças

contínuas de transformação de uma lojinha em loja de departamentos estão dentro da análise

estática, porque descrevem um processo de expansão linear, de adaptação oferta–demanda.

Mas e as mudanças descontínuas, não tradicionais, como explicá-las?

O esforço tecnológico possui várias dimensões críticas, e, ao analisarem a origem e a

natureza das inovações, muitos autores concluem que as inovações transformam não apenas a

economia, mas afetam profundamente toda a sociedade. Elas modificam a realidade

econômica e social, além de aumentarem a capacidade de acumulação de riqueza e geração de

renda. Elas modificam a vida dos trabalhadores, suas necessidades, e, consequentemente, a

forma dos líderes exercerem sua liderança, seja na sociedade como um todo ou no mundo do

trabalho.

Num ambiente de inovação, líderes assumem riscos e lidam com incertezas, dois

ingredientes que geralmente criam resistência tanto em setores empresariais como de

trabalhadores; por outro lado, em um ambiente altamente agressivo e informatizado, como o

do século presente, é possível sobreviver empresarialmente, em setores muito competitivos

sem inovar?

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O contexto para a inovação extravasa as fronteiras da ciência e da tecnologia, campos

geralmente associados à inovação, e alarga-se a muitos outros domínios. Líderes utilizam a

inovação como apoio ao desenvolvimento dos trabalhadores.

A inovação traz em si forças motrizes que, no essencial, são a investigação, a

tecnologia, a concorrência, as competências dos trabalhadores, bem como a organização e a

dinâmica de acesso à informação qualificada e estruturada, interagindo e articulando-se na

geração de conhecimentos nas empresas em rede na persecução de objetivos integrados;

criam, assim, as condições e um ambiente propício a uma cultura generalizada de inovação,

catalisador absolutamente essencial da melhoria da competitividade de uma sociedade nos

diversos campos de atuação, sendo certo que inovar exige a capacidade de antecipar o futuro:

qualidade fundamental de qualquer líder.

As oportunidades econômicas e sociais que a inovação traz podem extravasar o mundo

da ciência pura e dura, e constituir um dos trunfos fundamentais para alcançar patamares de

desenvolvimento social e econômico qualitativamente superiores e, simultaneamente, trazer

incertezas e medos aos trabalhadores relutantes, ou menos preparados em aceitá-las.

O contexto para a inovação gira em torno da sociedade e da economia, porém

potencializado por um contexto educacional coerente.

A inovação é induzida pelo conhecimento enquanto força para a competitividade e

criação de riqueza, dentro do modus operandi da atual economia. O valor econômico do

conhecimento depende de sua utilização em atividades produtivas, e a sua adequação pode

gerar produtos e serviços diferenciados, atrativos e competitivos, constituindo o catalisador da

inovação.

O conhecimento com essas características pressiona um sistema de ensino de

elevadíssima qualidade, num referencial internacional de excelência, e é por isso que cada vez

mais são exigidas qualificações e novas competências do trabalhador.

Líderes de milhares de empresas ao redor do mundo estão fomentando universidades

corporativas ou centros de treinamento dentro de sua estrutura (ex: General Eletric, General

Motors, Citibank, Coca-Cola, etc.) como forma de acelerar a qualificação e a geração de

competências nos trabalhadores, melhorando a produtividade e as possibilidades de geração

de novos conhecimentos.

O momento se caracteriza por mudanças aceleradas nos mercados, nas tecnologias,

nas formas organizacionais, e a capacidade de gerar e absorver inovações vêm sendo

considerada, mais do que nunca, crucial para que um agente econômico se torne competitivo e

para que haja garantias de trabalho.

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Entretanto, para acompanhar as rápidas mudanças em curso, torna-se de extrema

relevância a aquisição de novas capacitações e conhecimentos, o que significa intensificar a

capacidade dos trabalhadores, empresas, países e regiões de aprender e transformar esse

aprendizado em fator de competitividade para si. Por esse motivo, vem-se denominando essa

fase como a da economia baseada no conhecimento.

A gestão do conhecimento é uma área emergente, relacionada com técnicas e

abordagens para a administração adequada do conhecimento corporativo, que possibilita às

organizações o gerenciamento de assuntos referentes à sua competência e às suas estruturas

organizacionais. A gestão do conhecimento, ou do capital intelectual, está entre os temas mais

comentados no momento. Líderes empresariais, consultores e acadêmicos vêm falando do

conhecimento como o principal ativo das organizações e como a chave para uma vantagem

competitiva sustentável, o que difere fortemente de qualquer concepção taylorfordista, na qual

as máquinas é que tinham valor agregado. Agora o valor agregado concentra-se nas relações

de liderança no mundo do trabalho, ou seja, líderes que consigam gerar conhecimentos e

inovações utilizando a motivação e o envolvimento de trabalhadores, em tarefas enriquecidas

de conteúdo e com altos índices de responsabilidade agregada.

Existem muitas interpretações para a definição de conhecimento. Nonaka (2000) diz

seguir a epistemologia tradicional e afirma que o conhecimento pode ser definido como “uma

crença justificadamente verdadeira”.

Segundo Nonaka (ibid.), o conhecimento explícito, ou codificado, refere-se ao

conhecimento transmissível em linguagem formal, sistemática, enquanto o conhecimento

tácito possui qualidade pessoal, o que o torna mais difícil de formalizar e comunicar. O autor

afirma que o conhecimento tácito está profundamente enraizado na ação, no

comprometimento e no envolvimento em um contexto específico.

Podemos perceber facilmente que a tecnologia da informação permite a fácil

transferência de conhecimento, porém apenas informações e alguns conhecimentos podem ser

facilmente transferíveis. Elementos cruciais do conhecimento, implícitos nas práticas de

pesquisa, desenvolvimento e produção, não são facilmente transferíveis, pois estão enraizados

em trabalhadores, organizações e locais específicos. Somente os que detêm esse tipo de

conhecimento podem ser capazes de se adaptar às velozes mudanças que ocorrem nos

mercados e nas tecnologias e gerar inovações em produtos, processos e formas

organizacionais. Assim, um dos limites mais importantes à geração de inovação, por parte de

líderes empresariais, países e regiões, é o não compartilhamento desses conhecimentos que

permanecem específicos e intransferíveis.

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Por outro lado, enormes esforços vêm sendo realizados para tornar novos

conhecimentos apropriáveis, bem como para estimular a interação entre os diferentes agentes

econômicos e sociais para a sua difusão e consequentemente geração de inovações.

Reconhece-se, portanto, no contexto atual de intensa competição, que o conhecimento é a

base fundamental e o aprendizado interativo é a melhor forma para trabalhadores, empresas,

regiões e países estarem aptos a enfrentar as mudanças em curso, intensificarem a geração de

inovações e se capacitarem para uma inserção mais positiva nessa fase.

Drucker (2000) afirmou que em vinte anos a nova empresa de grande porte terá, em

comparação com a de hoje, menos da metade dos níveis gerenciais e não mais do que um

terço dos gerentes. Quanto à estrutura e aos problemas e preocupações gerenciais, a nova

empresa apresentará poucas semelhanças com a empresa industrial típica da década de 1950.

As organizações de vários setores de serviços e da indústria deverão também ser

reinventivas. Recordamos que Schumpeter (1988) considera invenção como uma ideia, uma

descoberta, um esboço ou um modelo que poderá servir para a realização de um produto,

processo ou sistema novo ou aperfeiçoado, ou seja, os trabalhadores necessitam estar

motivados para tudo isso, para a transformação que só o carisma das lideranças consegue

empreender.

A nova empresa busca como base o conhecimento. Aos trabalhadores mais

qualificados, cabe dirigir e disciplinar seu próprio desempenho, por meio do feedback

sistemático de colegas, clientes e alta administração. A chamada organização baseada em

informações. Como exemplo, podemos citar o processo de avaliação de 360º graus para

colher informações dos mais diversos níveis hierárquicos e transformá-las em planos de ação,

treinamento e desenvolvimento para seus trabalhadores.

As mudanças na economia induzem a mudanças nas empresas, especialmente quando

impõem a elas a necessidade de serem inovadoras e empreendedoras. Contudo, a mudança é,

acima de tudo, exigência da tecnologia de informação. A informação é o dado investido de

relevância e propósito. Assim, a conversão de dados em informação requer conhecimento.

As empresas baseadas em conhecimento demandam objetivos nítidos, simples e

comuns que se traduzem em ações específicas. No entanto, elas também necessitam de

concentração em um único objetivo ou, no máximo, em poucos objetivos, para manterem-se

focadas.

As transformações ameaçam empregos, status e oportunidades de muitas pessoas nas

empresas, principalmente dos gerentes de nível médio, de meia-idade, já há muito tempo na

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empresa, que, em geral, são os menos móveis e os que se sentem mais seguros no trabalho, na

posição, nos relacionamentos e no comportamento.

Como exemplo dessa situação, posso citar instituições financeiras que, por serem

altamente lucrativas, possuem cultura organizacional que induz ao pensamento: “em time que

está ganhando não se mexe”. Organizações desse tipo, como estamos presenciando nos

últimos anos no Brasil e no exterior, tendem a enfrentar muito sofrimento para manter sua

competitividade.

A organização baseada em conhecimento também sofre com seus próprios problemas

gerenciais específicos, ou seja, o desenvolvimento de recompensas, reconhecimento e

oportunidades de carreira para os trabalhadores especialistas; exigência que os líderes criem

uma visão unificada para permitir maior cooperação entre trabalhadores qualificados; certeza

de seleção, preparação e teste do pessoal da alta administração, sendo este um dos desafios

mais críticos quando pensamos no contexto da inovação.

Enfim, consideramos que as grandes inovações ocorrem pela competência de

influenciar pessoas e processos que a alta administração conduz através da liderança.

Por sua vez, as lideranças têm o desafio de conhecer as necessidades dos trabalhadores

e tentar supri-las da melhor forma, pois as oportunidades de avanço na carreira dos

trabalhadores especialistas são cada vez mais limitadas, considerando uma economia em rede.

As promoções para posições gerenciais tornam-se cada vez mais uma exceção, pelo simples

fato de que há menos posições de nível médio para preenchimento. A nova situação contrasta

de maneira significativa com a da organização tradicional fordista, burocrática, repleta de

verticalização e chefias.

Segundo Drucker (2000), há mais de trinta anos a General Electric enfrentou esse

problema com a criação de oportunidades paralelas para trabalhadores profissionais

individuais. Muitas empresas seguiram esse exemplo. Contudo, grande parte dos especialistas

profissionais rejeitou essa solução. Para eles e seus colegas da administração, as únicas

oportunidades significativas eram as promoções para a gerência. A própria estrutura de

remuneração predominante em praticamente todas as empresas reforça essa atitude, pois é

fortemente enviesada a favor de posições e títulos gerenciais.

De um lado, tem-se a organização empresarial com um conjunto próprio de

competências originárias da gênese e do processo de desenvolvimento da organização e

concretizadas no seu patrimônio de conhecimentos. Esse patrimônio, por sua vez, estabelece

as vantagens competitivas da empresa no contexto em que está inserida. De outro lado, têm-se

os trabalhadores com seu conjunto de competências que pode ou não estar sendo aproveitado

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pela empresa, e que podem se questionar, a todo tempo, por que necessitam de tanto estudo e

dedicação, ou seja, quando e quais recompensas virão?

Enquanto trabalhador deve resistir aos avanços ou “embarcar” de vez nas

“engrenagens” da inovação, em seu ritmo frenético e contínuo? Ao mesmo tempo em que o

trabalhador tem mais poder, também é mais exigido, só que agora em termos intelectuais e na

resistência a pressões.

A organização e os profissionais, lado a lado, propiciam um processo contínuo de

troca de competências. As organizações transferem seu patrimônio para as pessoas,

preparando-as para enfrentar novas situações profissionais e pessoais, dentro ou fora da

organização. Os trabalhadores, por seu turno, ao desenvolverem suas competências

individuais, transferem para a organização o que aprenderam, dando a ela condições para

enfrentar novos desafios.

Os trabalhadores, ao colocarem em prática suas competências individuais, tendem a

concretizar as competências organizacionais e fazer sua adequação ao contexto.

Os trabalhadores, utilizando-se de maneira consciente do patrimônio de

conhecimentos da organização, conferem-lhe validade ou implementam as modificações

necessárias para o seu aprimoramento. A agregação de valor propiciada pelos trabalhadores é,

portanto, a sua contribuição efetiva para o patrimônio de conhecimentos da organização,

permitindo que ela mantenha suas vantagens competitivas ao longo do tempo.

O conhecimento e a capacidade de inovar, portanto, são caminhos para o aumento de

poder dos trabalhadores dentro das empresas, e, por sua vez, para o aumento de seu poder

adiante da concorrência. Tudo isso demanda enorme sacrifício e abnegação das lideranças,

envolvendo destacada habilidade de relacionamento interpessoal, trato político, humildade e

abnegação de interesses pessoais em prol de visão estratégica.

Nesse dueto entre o trabalhador do conhecimento e inovação, líderes desafiam o status

quo, criam visões de futuro e são capazes de inspirar os trabalhadores a quererem realizar

essas visões, não só por recompensas financeiras, mas pela contribuição à sociedade e pela

autorrealização que isso pode gerar, e para tanto, líderes se preocupam em estabelecer

relações de liderança, de longo prazo, com seus liderados. Por outro lado, nem tudo é

liderança e carisma, pois, segundo Robbins, (2002, p. 304): “Também precisamos de

administradores para elaborar planos detalhados, criar estruturas organizacionais eficientes e

gerenciar as operações do dia a dia”.

Conforme o exposto, a inovação é um ativo empresarial, altamente relevante na

competição globalizada das empresas. Para que ocorra a inovação, além de demandas de

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mercado, são necessários trabalhadores com várias competências desenvolvidas e líderes que

possam conduzi-los ao caminho da realização da inovação. Sugerimos que, para liderar e

inovar, também é necessário empreender em caminhos desconhecidos.

No início do século passado, surgiu uma nova visão do desenvolvimento econômico e

da inovação conceituada por Schumpeter (1883-1950), nascido na República Checa, um dos

mais importantes economistas da primeira metade do século XX.

Sua teoria destacou o modelo dinâmico da economia, em que ocorrem as

transformações que geram o desenvolvimento econômico. Para completar, dedicou sua obra a

ressaltar o importante papel do empreendedor no processo de inovação (SCHUMPETER,

1985).

Schumpeter afirma que o empreendedor é o responsável pela realização de novas

combinações. Essas combinações podem ser identificadas por: introdução de um novo bem ou

de uma nova qualidade de bem; introdução de um novo método de produção ou

comercialização de um bem; abertura de novos mercados; conquista de novas fontes de oferta

de matérias-primas ou de bens semifaturados e estabelecimentos de uma nova organização de

qualquer indústria, abrangendo, assim, as coisas novas e as novas maneiras de se fazer. Sob

esse ponto de vista e levando-se em consideração que o empreendedor seja responsável pela

inovação, esses processos podem trazer o estímulo para o desenvolvimento, gerando novas

inovações.

Um empreendedor, de acordo com Schumpeter, “revoluciona incessantemente a

estrutura econômica de dentro para fora destruindo ininterruptamente o antigo e criando,

continuamente, elementos novos” (SCHUMPETER apud SANTOS, 2010, p. 28).

Assim, sugerimos que o pensamento schumpeteriano se relaciona diretamente com os

comentários de Robbins sobre lideres “[...] No mundo dinâmico de hoje, precisamos de

líderes que desafiem o status quo, criem visões de futuro e sejam capazes de inspirar os

membros da organização a querer realizar essas visões” (2002, p. 304).

Inovação e empreendedorismo são competências que, segundo o pensamento

schumpeteriano, caminham em conjunto, ou seja, torna-se possível inferir que líderes fazem

uso de ambos como forma de criar um novo projeto, provocando uma nova realidade.

Para ilustrar, gostaríamos de recordar o empreendedorismo inovador (schumpeteriano)

de Henry Ford, Bill Gates e Steve Jobs como exemplos de liderança em seus segmentos.

Empreenderam importantes inovações, e, para isso, necessitaram influenciar vários outros

sobre suas visões de futuro, ou seja: o porvir, ainda intangível, que será útil e reconhecido

como necessário por uma significativa parcela da humanidade.

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Se, por um lado, verdadeiros líderes desafiam, empreendem e inovam com base no

presente status quo, criando visões de futuro, sendo capazes de inspirar os membros da

organização a quererem realizar essas visões, por outro lado, para a concretização dessas

visões futuristas, são necessários liderados que compartilhem a necessidade de inovar e

empreender junto ao líder, por mais carismático que esse o seja.

Um líder pode ser responsável por influenciar trabalhadores a assumir uma nova visão,

mas, se os trabalhadores tiverem uma elevada resistência a mudanças, por não estarem

motivados a tal, é muito provável que haja o fracasso das tentativas de empreendedorismo e

inovação do líder. Ai está uma das barreiras a ser ultrapassada pela liderança.

Ao inovar e empreender, líderes empresariais têm também a missão de construir um

clima propício para que trabalhadores criem vínculos e escolham se engajar, comprometendo-

se com os objetivos da organização. Engajamento implica pessoas mobilizadas em prol da

realização de uma causa, para que voluntariamente dediquem seus esforços ao criar. Esse não

é um processo que se implanta somente com a publicação de um procedimento, mas também

com tentativas e erros dos trabalhadores, sentindo-se seguros para que possam trabalhar sobre

as incertezas de um ambiente no qual se proponha a construção, gestão de novos

conhecimentos e inovação.

Como veremos à frente, sem um estudo pormenorizado sobre fatores que motivam os

trabalhadores, enquanto indivíduos e enquanto grupo, torna-se muito difícil liderar uma

mudança. Chefes, cumpridores de rotinas estabelecidas pela administração das organizações

empresariais, não levam em consideração a motivação dos trabalhadores, ao contrário de

verdadeiros líderes.

Ao conhecer as motivações dos trabalhadores, líderes procuram conhecer o seu

histórico de vida: experiências passadas positivas e negativas, dificuldades emocionais,

financeiras ou até mesmo físicas, o que municia o líder com informações relevantes para criar

argumentos e incentivos que quebrem resistências dos trabalhadores ao encarar um novo

projeto.

O que precisamos lembrar é que somos também seres emocionais. O engajamento, que

é um processo emocional, está diretamente conectado à capacidade da liderança em se

comunicar com as equipes para que se sintam capazes de contribuir e participar. Além disso,

como já dito, a liderança comunica com clareza seus objetivos, criando um frame: afinal, é

muito difícil que as pessoas se mobilizem em prol de uma causa sem conhecê-la.

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O verdadeiro líder incentiva que os trabalhadores criem e inovem, porém, os liderados

devem ter em si a necessidade, motivação de criar enquanto fator de realização pessoal e

profissional.

Retomando a história, taylorismo e o fordismo passaram ao largo dessa discussão em

sua forma de organização do trabalho, tratando o trabalhador como “uma extensão para dar

vida à máquina”. A preocupação de Ford e Taylor era aumentar a produção e baixar custos em

função de demandas crescentes do mercado. Somente isso. Para tanto, o trabalhador deveria

estar bem alimentado, limpo, ser saudável fisicamente e ganhar bem, ou seja, bastava suprir

suas necessidades fisiológicas e de segurança e tudo estaria resolvido.

Nos anos 1950, o taylorismo e fordismo começam a dar sinais de desgaste e a mostrar

pontos de ineficiência ao longo do tempo. Eram crescentes as preocupações com absenteísmo,

drogadição, alcoolismo e até mesmo sabotagem de máquinas industriais por trabalhadores.

Surgem, com relevância, as teorias da motivação do trabalhador, e são contratados psicólogos

do trabalho para as indústrias, com o papel de conhecer e atuar sobre fatores que motivam,

não motivam ou desmotivam os trabalhadores.

O toyotismo deu importância à subjetividade e motivação do trabalhador, fazendo com

que a empresa dependesse mais do feedback e cooperação entre equipes. O mundo atual, das

empresas em rede, tecnologia da informação, gestão do conhecimento e inovação depende

como nunca da motivação do trabalhador.

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CAPÍTULO III – ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

A seguir, análise das entrevistas realizadas, em setembro de 2014, com o ex-diretor de

Engenharia e de Recursos Humanos e dois trabalhadores submetidos à sua autoridade direta.

As entrevistas realizaram-se no atual local de trabalho de cada entrevistado, considerando que

todos saíram da Enger Engenharia.

Qualificação dos três entrevistados:

· O ex-diretor da Enger Engenharia e de Recursos Humanos tem 64 anos de idade, casado,

dois filhos. É engenheiro mecânico pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo

e, após a venda para a SGS, afastou-se da Enger, empresa onde trabalhou durante 31

anos, de 1982 a 2013. Nos últimos três anos de trabalho na empresa, acumulou em seu

cargo de diretor de Engenharia também as funções de Recursos Humanos. Nos relatos a

seguir será denominado como O.P.F.C.

· O primeiro trabalhador entrevistado trabalhou na Enger Engenharia durante 11 anos, de

2001 a 2012, dos quais oito subordinado diretamente a O.P.F.C. Atualmente tem 65 anos

de idade, casado, dois filhos. É engenheiro civil pela Universidade de Ribeirão Preto e

administrador de empresas pelo Instituto Presbiteriano Mackenzie. A partir de agora será

denominado como B.D.E.M.

· O segundo trabalhador entrevistado trabalhou na Enger Engenharia durante 13 anos e

dois meses, de 2000 a 2013, subordinando-se a O.P.F.C. durante todo esse período.

Atualmente com 57 de idade, casado, uma filha, concluiu vários cursos que o

qualificaram para o trabalho desenvolvido na Enger. A partir de agora, será denominado

como M.A.I.

3.1. Análise das entrevistas com o ex-diretor

A seguir, perguntas feitas e respostas fornecidas por O.P.F.C.:

1. O que é um líder para o senhor?

Resposta: “Um líder consegue motivar as pessoas e tê-las extremamente comprometidas

consigo (líder), para isso tem que saber se relacionar com elas”.

A resposta acima comprova uma das características-chave dos líderes carismáticos

sugerida por Robbins (2002), o qual afirma que líderes são perceptivos em relação às

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capacidades dos outros e sensíveis às suas necessidades e sentimentos. A resposta também

concorda com a proposição de Maslow (1970) no que se refere às necessidades sociais do

indivíduo, ou seja, necessidade de pertencer a um grupo, de amor, de associação, de

participação e de amizade.

2. O senhor se considera um líder ou um chefe?

Resposta: “Um líder. Eu não consigo ver as coisas diferentes disso. Não consigo trabalhar

com barreiras com as pessoas. Sou transparente, falo o que penso, às vezes posso magoar as

pessoas, às vezes alguém pode ficar chateado, mas procuro desmistificar coisas e estar

sempre próximo das pessoas e dos seus problemas. Mais do que um líder, eu me considero

uma pessoa de bom caráter e os outros também me consideram assim”.

Com a sua resposta, O.P.F.C. enfatiza a “transparência” e “bom caráter” como

relevantes ao seu comportamento como líder. Sugerimos que tais qualidades podem propiciar

um ambiente de comunicação clara e direta, concordando com o argumento de Argyris (1969)

de que gestores que tratam os trabalhadores de forma positiva e como adultos responsáveis

irão atingir a produtividade esperada e, ainda, que gestores que se comportam dessa forma

assumem um comportamento de líder.

3. O senhor já assumiu riscos em seu trabalho? Caso positivo, teve o apoio

voluntário de sua equipe?

Resposta: “Um monte deles. Riscos de prazos, riscos de coisas que poderiam não ter dado

certo e que deram por causa da equipe. Quando aceitei ser diretor de Recursos Humanos foi

algo muito novo pra mim. Sempre fui ligado aos contratos da empresa e a aos números,

nunca tive formação em Recursos Humanos e tudo que aprendi ao lidar com pessoas foi na

prática, não nos livros ou em cursos. Quando assumi os riscos desse projeto as pessoas da

Enger assumiram junto comigo, mesmo os mais reticentes se juntaram e aceitaram o projeto

como sendo deles. Penso muito nas coisas que podem acontecer antes de fazê-las e no final

confio na minha intuição e na sensação do que deve ser falado e feito”.

O.P.F.C. vai ao encontro do argumento de que líderes estão dispostos a correr riscos

pessoais, enfrentar altos custos e sacrifício para atingir sua visão (Robbins, 2002). Vale

ressaltar que quando O.P.F.C. assumiu a diretoria de Recursos Humanos já tinha uma longa

carreira consolidada na área de Engenharia, mas mesmo assim aceitou os riscos de uma nova

função, mostrando uma necessidade de autorrealização, na busca da concretização de seu

potencial mais elevado, conforme proposto por Maslow (1970).

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4. O senhor já teve que convencer algum trabalhador a realizar um trabalho? Caso

positivo, poderia explicar como o fez?

Resposta: “Isso tudo rolou naturalmente. Eu falo todo o dia com a equipe. Não gosto de

trabalhar sozinho. Se eu me convenço que algo pode dar certo é fácil convencer os outros

também. Trabalhei quase toda a minha vida profissional numa empresa de pessoas muito

qualificadas e exigentes (Enger). Conhecia bem essas pessoas. Conhecia suas dificuldades e

seus medos. Sabia como falar a língua de cada um e ao final sabia a de todos. Teve gente que

resistia ao projeto de Recursos Humanos, o pessoal tinha medo de como seria avaliado no

Comitê do Nine Boxes (avaliação de desempenho), não queriam embarcar no projeto, aí eu

sentava e explicava o que poderia dar certo e depois acompanhava essa pessoa até ela sentir

confiança. A gente tinha um jeito de trabalhar voltado sempre para o sucesso das coisas e

não para o fracasso. Foi por isso que a Enger deu certo e foi vendida com sucesso, mas se

não tivesse sido vendida estaríamos com o mesmo time, fazendo um monte de coisas novas,

aumentando nosso conhecimento e ganhado novos contratos”.

Nessa resposta O.P.F.C. expressa claros sinais de concordância com a proposição de

Herzberg (1959), no que se refere à satisfação dos fatores higiênicos, ou extrínsecos, que

quando ausentes geram forte insatisfação, mas quando presentes não geram grande motivação,

ou seja, quando O.P.F.C., menciona “Conhecia bem essas pessoas. Conhecia suas

dificuldades e seus medos” sugere compreender que os trabalhadores necessitavam de

segurança para diminuir suas resistências ante às mudanças na Enger.

5. O senhor já reconheceu publicamente a contribuição dos trabalhadores? Caso

positivo, poderia compartilhar um exemplo?

Resposta: “(Risos) O sucesso com as pessoas tá aí... sempre reconheci até as pequenas

contribuições para projetos menores. Fazia e faço isso toda a hora. Sei lá... reconheci a

pessoa que me ajudou a montar os relatórios de controle, como promoções de cargo e de

salário; sempre dei mais responsabilidades para as pessoas. Reconhecer publicamente é o

mínimo. Se tiver que criticar alguém chamo na boa, em particular, para conversar. Criticar

em público desmonta a confiança”.

Essa resposta enfatiza a importância dada pelo líder em assumir um papel como agente

motivador em relação aos seus liderados, o que concorda com Herzberg (1959), que enfatiza

ser o reconhecimento um fator motivacional, como também reforça a proposição de Vroom

(1964), que afirma que o processo motivacional é desenvolvido conforme a percepção que o

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indivíduo tem da relação entre os esforços que conscientemente estima que deve realizar para

alcançar determinado objetivo ou meta e o valor que lhes atribui. Assim é possível sugerir que

O.P.F.C. se preocupava em estabelecer metas para os trabalhadores sob a sua autoridade,

respeitando as possibilidades e potencialidades individuais.

6. O senhor incentivou a troca de ideias entre os trabalhadores de sua equipe, mesmo

que isso gerasse questionamentos ao status quo?

Resposta: “Sempre fiz isso. Dou liberdade e gosto disso. Tenho que sentir o cara e isso só

vou saber se eu der liberdade. Se eu deixo as pessoas falarem, também ganho o direito de

criticar. Preciso estabelecer empatia, mas trabalho bem também com quem não tenho

empatia, desde que a pessoa seja séria e sincera pode falar o que quiser, eu não ligo. Nunca

liguei pra isso, o que me interessa é a que as pessoas estejam bem e o trabalho saia. O resto

pode sentar e me criticar. Eu ouço e procuro mudar se for pra melhor. Foram montados dois

grupos na empresa, um de Gestão do Conhecimento e outro da Gestão da Inovação,

justamente para os componentes conversarem e questionarem o que poderia ser melhor. Não

gosto de mesmice. A gente tem que trabalhar se divertindo sempre”.

Na primeira parte dessa resposta é nítida a preocupação de O.P.F.C. em estabelecer

um ambiente democrático, no qual possa criticar e ser criticado pelos trabalhadores, além de

expor flexibilidade e disposição pessoal para empreender mudanças. Mostra-se positivamente

sensível a um ambiente que permita o bem-estar das pessoas e a geração de resultados para a

empresa. Como reforço ao argumento, incentivou a formação de grupos de Gestão do

Conhecimento e Gestão da Inovação, ou seja, grupos que questionavam o status quo da

Enger. Robbins (2002) afirma que líderes demonstram comportamentos que são percebidos

como novidades e que vão contra as normas, o que sugerimos que nesse caso possa ser

aplicado a O.P.F.C.

7. O senhor reunia-se com os trabalhadores para explicar o que iria acontecer na

empresa?

Resposta: “Sim, às vezes até me arriscava dividindo certas informações pela confiança que

tinha neles e, quer saber, não me decepcionei. Ou tive muita sorte pra confiar neles ou minha

percepção funcionou (risos)”.

No decorrer dessa entrevista, O.P.F.C. reforçou diversas vezes sua necessidade em

confiar nos trabalhadores como um pilar fundamental para o relacionamento no trabalho e

como fator gerador para a conquista de resultados financeiramente lucrativos para a Enger.

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Segundo Zand (1997, p 89), “A confiança e a credibilidade modulam o acesso do líder ao

conhecimento e à cooperação”.

8. O senhor falou para os trabalhadores que a empresa seria vendida?

Resposta: “Falei e tentei segurar cada um deles na empresa. Precisava que eles se

adaptassem a uma nova realidade e precisávamos deles para a venda. A SGS (empresa

compradora) estava comprando a cabeça e o conhecimento deles. Nossa riqueza eram essas

pessoas e tudo que sabem fazer”.

Essa resposta enfatiza o argumento de que a confiança é um atributo associado à

liderança. Antes de prosseguirmos na análise dessa resposta, vale lembrar que a Enger é uma

empresa que atua no gerenciamento de projetos e fiscalização de obras, portanto, uma

empresa de engenharia consultiva. Esse tipo de empresa tem sua capacidade produtiva

baseada na motivação e envolvimento dos trabalhadores com tarefas complexas e

enriquecidas de conteúdo, ou seja, o valor financeiro da empresa está diretamente relacionado

às competências que seus trabalhadores possuem. O.P.F.C. dividiu com seus liderados o que

estava ocorrendo, considerando-os pessoas maduras, mesmo sob o risco de eventuais pedidos

de demissão em função da acirrada concorrência nesse setor da economia.

9. O senhor dava autonomia aos trabalhadores? Caso positivo, dê exemplos.

Resposta: “Sim, isso é natural e depende de cada um. Vou conversando, percebendo o cara e

vou soltando coisa pra ele fazer. À medida que ele vai acertando e se sentindo feliz dou cada

vez mais coisas para ele fazer. Foi assim em todos os contratos em que trabalhei pela Enger.

Foi assim com todo mundo que trabalhou comigo, eu soltava as coisas na mão deles. Eu não

precisava ficar no ‘pé da pessoa’, não gosto disso, tenho que confiar”.

O.P.F.C. externa a predisposição em conceder autonomia aos trabalhadores, também

enfatiza, em concordância a Herzberg (1959), que, aos trabalhadores que demonstrarem níveis

crescentes de competência e capacidade de entrega, devem ser aumentados também os seus

níveis de responsabilidade. Por outro lado, quando O.P.F.C. expressa “A medida que ele vai

acertando...”, sugere uma posição de controle sobre as atividades das pessoas sob sua

autoridade, o que destaca que um líder empresarial também pode exercer o papel de

administrador para garantir que o planejamento empresarial tenha êxito e que os resultados

traduzidos em ganhos financeiros sejam alcançados.

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10. Quais foram às técnicas utilizadas para desenvolver os trabalhadores?

Resposta: “Não sei... (intervalo). Muita conversa, dar muita liberdade pra todo mundo falar

o que pensa. Aconselhar as pessoas a não pensar maldade e não fazer maldade e interpretar

a crítica como algo bom”.

Acima, O.P.F.C. expressa novamente sua preocupação em conhecer os sentimentos e

necessidades dos trabalhadores, adotando uma postura de líder transformacional, o que,

segundo Robbins (2002), está dentro do conceito de líder carismático. Assim, O.P.F.C.

procurou prestar atenção às preocupações e necessidades de desenvolvimento de cada um de

seus liderados, modificando a maneira de verem as coisas e ajudando-os a pensar de uma

nova forma acerca dos velhos problemas.

11. Já enfrentou situações de trabalho onde a iniciativa dos trabalhadores foi decisiva

para reverter uma situação? Poderia relatar?

Resposta: “Enviei dois caras para Minas Gerais para resolver algo muito complexo para a

empresa, algo que envolvia uma demanda judicial. Ao representar a Enger eles se colocaram

de maneira firme, estudaram a legislação, assumiram riscos pensados, fizeram o que tinham

que fazer e tivemos sucesso”.

Essa resposta sugere novamente que O.P.F.C. é um verdadeiro líder carismático, pois

esses trabalhadores assumiram novas responsabilidades e se esforçaram para conseguir obter

sucesso dentro de um trabalho que não tinham experiência anterior. Provavelmente sentiram-

se seguros ao fazê-los pela relação de confiança que estabeleceram com O.P.F.C. Essa

resposta também prova a proposição de Vroom (1964), ou seja, se um indivíduo pensa que

tem possibilidade de executar determinada tarefa (instrumentalidade), e que sua efetiva

realização poderá levá-lo a alcançar um meta desejada (expectância), à qual atribui grande

valor (valência), podemos afirmar que esse indivíduo está altamente motivado.

12. Como o senhor agia ao saber que em sua equipe havia trabalhadores com

conhecimentos e habilidades mais desenvolvidas do que as suas?

Resposta: “Preciso desses conhecimentos e habilidades para o bem do serviço. No ramo da

Enger, o profissional tem que ser muito qualificado, senão não vira”.

O.P.F.C. tem um discurso totalmente alinhado às necessidades geradas pela

globalização da economia, em que o conhecimento se torna um ativo fundamental para o

sucesso das organizações empresariais; demonstra não se importar com vaidades pessoais e

centralização de informações, o que seria um comportamento típico de um chefe receoso em

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perder seu emprego para alguém que conheça mais do que ele. Ao contrário disso, como

vimos na resposta à pergunta 6, promoveu internamente um grupo de gestão de conhecimento

e outro de inovação para compartilhar conhecimentos e habilidades. Esse comportamento

expôs sua intenção de questionar o status quo em prol de uma visão de futuro, voltada à

manutenção do crescimento da Enger.

3.2. Análise das entrevistas com os dois trabalhadores

A seguir a análise das entrevistas feitas com os dois trabalhadores submetidos à

autoridade direta de O.P.F.C.:

1. Seu trabalho tinha atividades estimulantes? Caso positivo, quais eram essas?

Resposta: B.D.E.M. “Tinha, existiam desafios constantes em função das tarefas que assumi

na coordenação dos contratos. Tinha que me atualizar nas técnicas de engenharia,

planejamento e legislação, senão ficava pra trás”.

A resposta acima expõe uma necessidade constante de busca do conhecimento,

considerando tarefas com maior de complexidade, ou seja, enriquecidas de conteúdo e,

portanto, motivadoras de acordo com Herzberg (1959).

Resposta: M.A.I. “Estimulantes? Tinham! Eu gostava de fazer o que fazia na Enger.

Organizava e controlava as atividades da diretoria do O.P.F.C. e organizava as festas da

empresa. No dia a dia eu tinha liberdade para fazer as coisas do meu jeito”.

A resposta de M.A.I. demonstra uma necessidade de maior autonomia no seu trabalho.

Trata-se de uma profissional amadurecida, com longa carreira e experiências acumuladas,

uma adulta que se sentia tratada como tal por O.P.F.C. O próprio O.P.F.C. deu a entender na

resposta à pergunta 9 que não gosta de ficar no “pé das pessoas”, o que significa que para

trabalhar com ele é necessário pessoas que tenham autonomia e liberdade como motivações, o

que é o caso de M.A.I.

2. Você negociava metas de trabalho com seu diretor? Cite exemplos.

Resposta: B.D.E.M. “Sempre havia necessidade de negociar metas considerando os recursos

que eu tinha – materiais e humanos – as necessidades dos clientes e as necessidades

financeiras. Em determinado contrato podia apertar mais no prazo (ir mais rápido) quando

eu tinha mais recursos, e em outros quando faltava gente qualificada para trabalhar e ou o

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cliente demorava para pagar, tínhamos que ir mais devagar. Meu diretor questionava tudo,

mas sempre tive espaço para explicar como as coisas eram e ele aceitava”.

B.D.E.M. coloca sua satisfação com a possibilidade de negociar suas metas de

trabalho com seu diretor, o que provavelmente o fazia se sentir com maior responsabilidade

pelo seu sucesso profissional, considerando a autonomia que tinha. Segundo Vroom (1964), a

participação na tomada de decisão é um dos fatores que influenciam na determinação da

satisfação no trabalho, algo reforçado por Maslow (1970), que sugere que se um indivíduo

tem a possibilidade de expor suas ideias no ambiente, maiores serão os laços de confiança

com aqueles que consideram suas opiniões, como o que ocorreu entre B.D.E.M. e O.P.F.C.

Resposta: M.A.I. “Eu vou fazendo as coisas. Quando tenho que fazer uma coisa é na hora,

não sou muito de planejamento. Quando me pedem as coisas vou lá e faço. Gosto assim.

Conhecia muito bem as rotinas da Enger e sabia quais relatórios ele precisava e pra quando.

Sabia com quem falar para conseguir as informações. Se não dava tempo de fazer no dia

negociava para um pouco mais pra frente, sem estresse. Às vezes o volume de trabalho

aumentava e eu percebia o que tinha que fazer na frente e o que podia ser feito depois”.

M.A.I. reforça que um dos aspetos relevantes em seu trabalho estava relacionado às

possibilidades de controle de tempo que tinha sobre suas atividades. É possível verificar nessa

resposta uma relação forte de confiança com O.P.F.C., que deixava a seu critério o

gerenciamento das atividades, o que enfatiza a sensibilidade de líder para com as pessoas sob

a sua autoridade e o respeito à maturidade do liderado para a tomada de decisões dentro do

escopo do seu trabalho.

3. Ele aumentou suas responsabilidades ao longo do tempo?

Resposta: B.D.E.M. “Sim. Sempre ocorreu a necessidade de atuar em outros serviços da

empresa e sempre em coisas diferentes. Uma hora eu coordenava um contrato usando meus

conhecimentos de engenharia, outra hora usava meus conhecimentos de administrador em

contratos de gestão, e por ai vai. Nunca teve monotonia”.

A resposta acima demonstra a valorização, por parte de O.P.F.C., acerca do

conhecimento prático de B.D.E.M., característica presente nas organizações empresariais que

adotam o modo de produção toyotista, o qual exige um crescente número de competências do

trabalhador. B.D.E.M. menciona “Nunca teve monotonia”, ou seja, uma oposição ao modo de

produção fordista, onde os trabalhadores executam tarefas de maneira repetitiva e com pouco

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conteúdo agregado, no qual chefes são necessários para o controle das rotinas, e no qual a

existência de lideres atrapalha a execução do trabalho especializado.

Resposta: M.A.I. “Só aumentou! Esse meu estilo de ser chama o trabalho para mim. Eu

resolvo tudo muito rápido e ele aumentava o meu serviço. As pessoas na empresa percebem

que você trabalha bem e muito, e vão jogando as coisas nas tuas costas, e quer saber: eu

gosto disso. Não gosto de ficar parada ou com pouca coisa pra fazer”.

A resposta enfatiza que O.P.F.C. compreendia que a motivação de M.A.I. estava

diretamente relacionada ao aumento de suas responsabilidades ao longo do tempo, o que

concorda com a proposição de Argyris (1969), de que o estágio maduro se caracteriza por

uma grande série de desafios, e a recompensa surge não de resultados, mas da própria ação

para conseguir esses resultados.

4. Ele procedia com transparência?

Resposta: B.D.E.M. “Sempre foi transparente com tudo o que ocorria na empresa e quanto

ao meu desempenho. No que dependesse dele, ninguém era surpreendido de uma hora pra

outra com coisas inesperadas. Isso dava segurança”.

A resposta enfatiza o ponto de vista de Vroom e Yetton (1973), que relacionam o

comportamento do líder com a participação no processo decisório. E também concorda com

Robbins (2002, p. 327) “Parece cada vez mais evidente que é impossível liderar pessoas que

não confiam em você”. Sugerimos assim que a transparência do líder O.P.F.C. tem uma

relação direta com a confiança que B.D.E.M. nele deposita.

Resposta: M.A.I. “Sim. Ele procedia com transparência, nunca teve rodeio pra falar sobre

um assunto”.

M.A.I. demonstra uma valorização não só da transparência, como da objetividade de

O.P.F.C., o que comprova que suas necessidades em relação à segurança quanto ao seu

trabalho vinham sendo supridas na relação de liderança estabelecida com O.P.F.C.

5. Você considera que seu chefe era verdadeiramente um líder? Você cresceu com

ele?

Resposta: B.D.E.M. “Sim. Ao longo do tempo criamos laços de amizade e de confiança o que

me ajudou a manter um alto desempenho. Eu me sentia no controle do meu trabalho”.

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Novamente vem à tona a questão do controle sobre o trabalho como forma de

satisfação do trabalhador em relação à sua supervisão, aliado ao fato de que B.D.E.M.

menciona a confiança e amizade com O.P.F.C., o que comprova novamente a hipótese

levantada por Mayo (1959), nos estudos de Hawthorne, onde foi constatado que na medida

em que os trabalhadores possam assumir maior controle sobre o seu trabalho, com a

possibilidade de discutir sobre seus problemas com a supervisão, provavelmente ocorrerá o

aumento da satisfação com o trabalho.

Resposta: M.A.I. “Sim. Ele tem excelentes habilidades políticas e coloca-se muito bem nas

situações, se protege e protege aos outros. Quanto ao meu crescimento, eu fui ganhando mais

responsabilidades ao longo do tempo”.

A análise da segunda parte dessa resposta já foi feita anteriormente na resposta à

pergunta 3. Por outro lado, quando M.A.I. faz alusão às excelentes habilidades políticas de

O.P.F.C., é possível compará-las às habilidades políticas dos líderes de movimentos sociais,

que necessitam conhecer as motivações das demais autoridades com as quais se relacionam

para negociar interesses de forma a proteger a si e aos seus liderados, como forma de

preservar os relacionamentos em prol da concretização de uma visão de futuro, uma visão de

longo prazo.

6. Ele fazia com que você se sentisse seguro quanto à manutenção do seu emprego na

Enger?

Resposta: B.D.E.M. “As diversas flutuações na estabilidade da empresa eram discutidas.

Essa conversa aberta dá um entendimento daquilo que esteja ocorrendo. Esse conhecimento

traz segurança”.

B.D.E.M. reafirma a posição de O.P.F.C. como responsável pela manutenção da

segurança de seu trabalho, não por este garantir seu emprego na Enger, mas sim pelo fato de

ambos conversarem abertamente a respeito da situação da empresa, inserida num mercado

altamente competitivo, o que desencadeou sua venda para a SGS. Aqui, torna-se relevante à

avaliação da maturidade que o líder faz acerca do seu liderado, ou seja, O.P.F.C. dividia com

B.D.E.M. informações privilegiadas por confiar na maturidade interpretativa de B.D.E.M., o

que poderia propiciar a esse líder a possibilidade de criar planos de ação e dividir

responsabilidades, mesmo que a demissão de ambos fosse ocorrer, como de fato ocorreu.

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Resposta: M.A.I. “Sim. Eu simplesmente achava que estava tudo bem e me sentia segura, por

isso achava que estava tudo bem. Sempre tentei colocar o melhor de mim no meu trabalho e

foi isso que fiz, também sempre soube das minhas limitações, o que não foi um problema para

mim e nem para ele”.

A resposta da M.A.I. exibe uma avaliação imparcial sobre suas potencialidades e

limites, e que O.P.F.C. também conhecia e aceitava esses limites, deixando isso claro para ela

e com isso reforçando os vínculos de confiança entre ambos.

7. O relacionamento com outros colegas ajudou no seu aprendizado e crescimento

pessoal? Caso positivo, por favor, dê exemplos.

Resposta: B.D.E.M. “A Enger é uma empresa onde todos se relacionavam com todos. Eu

conhecia várias áreas e contratos da empresa. Tinha noção do que estava ocorrendo e estava

envolvido simultaneamente em vários projetos, com vários colegas. Aprendi um monte de

coisas da área comercial, da qualidade, da área administrativa e de planejamento. As

pessoas eram incentivadas a trocar experiências. Tínhamos até um grupo de Gestão do

Conhecimento que ajudava nisso”.

A resposta reforça novamente a atitude de O.P.F.C. de incentivar seus liderados ao

acesso ao maior volume possível de informações, conforme o próprio O.P.F.C. explica na

resposta à pergunta número 12.

Resposta: M.A.I. “O convívio com as pessoas só gerou bons aprendizados. O convívio com

cada uma delas só fez acrescentar no meu aprendizado do ser humano; afinal a interação

que tive com elas também me ajudou a crescer e me desenvolver na Enger”.

M.A.I. expõe com essa resposta que sua necessidade de associação, descrita por

Maslow (1970) como a necessidade de pertencer a um grupo social, de participar e

desenvolver amizades, foi satisfeita durante a sua atuação na Enger.

8. Você evoluiu em sua carreira no período em que trabalhou na Enger?

Resposta: B.D.E.M. “Aprendi um monte de coisas. Eu gostava do meu trabalho de campo:

era o que eu gostava de fazer e era o que a empresa esperava de mim. Estava satisfeito”.

B.D.E.M. mostra a satisfação em relação ao trabalho que realizava, mas não faz

nenhuma crítica ou elogio à sua evolução de carreira. Apenas expõe que suas tarefas foram

enriquecendo, ou tornando-se mais complexas ao longo do tempo em que trabalhou com

O.P.F.C.

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Resposta: M.A.I. “Sim. Cada empresa onde se trabalha é diferente da outra e você tá sempre

aprendendo. Eu acho que você nunca sabe tudo. Cada coisa que acontece faz com que você

necessite aprender uma coisa nova. Tudo depende do seu estado de espírito e na Enger tinha

um ambiente aberto ao aprendizado constante. Sinto saudade”.

Ao invés de evolução na carreira, M.A.I. valoriza o aprendizado adquirido durante o

período em que trabalhou na Enger. Em seguida, refere-se ao estado de espírito e, por último,

afirma que na Enger havia um ambiente propício ao aprendizado. Segundo Robbins (2002, p.

50), o reforço positivo é uma poderosa ferramenta para a mudança do comportamento em

detrimento às punições, que além de causarem ressentimentos, aumentam os índices de

absenteísmo e baixo moral. Tudo indica que O.P.F.C. se mostrava a favor de um ambiente

aberto para a troca de ideias e que se utilizava muito do reforço positivo em sua relação com

M.A.I., facilitando o seu processo de aprendizagem durante o período em que permaneceu na

empresa.

9. Seu trabalho foi reconhecido por ele? De que forma?

Resposta: B.D.E.M. “A maior parte dos desafios que ele tinha, ele me indicava. Confiava no

meu desempenho e isso para mim é reconhecimento”.

Aqui B.D.E.M. coloca sua relação de confiança com O.P.F.C. de tal forma que chega

a considerá-la como reconhecimento, o que novamente reforça o carisma de O.P.F.C.

Resposta: M.A.I. “Eu acho que sim e tive provas disso. Sempre me valorizou perante a

diretoria e compreendeu minhas necessidades”.

Essa resposta mostra que M.A.I. tinha suas necessidades satisfeitas em seu trabalho.

Cabe ressaltar que, no todo, suas respostas não indicam uma maior necessidade de

autorrealização pessoal, mas sim de segurança, associação e reconhecimento, o que sugerimos

terem sido satisfeitas.

10. Você tinha um horário de trabalho adequado às suas necessidades?

Resposta: B.D.E.M. “Sim e isso facilitou muito minha vida na Enger”.

Essa resposta comprova que O.P.F.C. se preocupava em respeitar as necessidades dos

trabalhadores quanto à sua vida pessoal e tempo livre fora do trabalho, fato que pode ter

aumentado o comprometimento de B.D.E.M. com sua liderança e com seu trabalho.

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Resposta: M.A.I. “A Enger sempre foi uma empresa muito boa quanto a isso. Tinha um

horário acessível e minhas mordomias”.

Quando M.A.I. fala acerca de suas mordomias, refere-se a dias em que saia mais cedo

em função do rodízio do veículo ou mesmo para resolver questões pessoais. Isso comprova

mais uma vez que O.P.F.C. não precisava exercer rígidos controles de horário para que o

trabalho fosse feito por esses trabalhadores altamente qualificados.

Enfim, a relação de subordinação hierárquica ocorrida entre o diretor e os dois

trabalhadores entrevistados começou a existir a partir do ano 2000, dez anos após a abertura

econômica que teve início e grande impulso em 1990 com o governo Collor, sendo vista

como marco da transição para um contexto de organização industrial marcado pelos

parâmetros da competitividade e liberação do comércio (FLEURY; FLEURY, 1997). Ou seja,

num momento de crescente exigência em termos de qualidade e produtividade impostas pela

globalização, globalização esta que despertou o interesse da multinacional suíça, SGS –

Société Générale de Surveillance por adquirir a Enger Engenharia, vislumbrando uma maior

possibilidade de multiplicação rápida do capital em detrimento aos saturados e

ultrarregulamentados mercados europeus, onde a empresa se originou e mantém seus

negócios.

Anteriormente às entrevistas, fizemos uma pesquisa junto à área de Recursos

Humanos da Enger para conhecer um pouco mais sobre os programas de remuneração e de

benefícios vigentes na época em que os entrevistados atuaram na empresa. Foi constatado que

a empresa sempre procurou oferecer condições salariais e de benefícios dentro da média de

mercado, ou seja, não tinha como estratégia oferecer condições salariais acima da

concorrência como forma de reter os trabalhadores, que, na sua maioria, eram altamente

qualificados, fato que aumenta a preocupação do líder com a motivação dos trabalhadores.

O diretor entrevistado, O.P.F.C., colocou-se com muita espontaneidade durante todo o

tempo da entrevista, ocorrida na sala de reuniões da empresa que dirige atualmente. É sempre

sorridente, agitado e tem enorme disposição e energia para compartilhar as “coisas boas da

Enger”, como ele mesmo diz.

Em diversos momentos de nosso encontro, afirmou seu interesse por trabalhar com

assuntos novos e por gostar de planejar tudo o que for possível. Disse abominar rotinas no

trabalho e orgulha-se do fato de ter ajudado na transformação da Enger ao longo dos seus 31

anos de trabalho.

Mesmo no momento em que tomou conhecimento de que a empresa seria vendida e

que provavelmente perderia seu emprego, pois já havia outro diretor ocupando a mesma

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função na SGS, manteve-se firme no apoio à sua equipe, lidando tanto com suas incertezas,

frustrações e preocupações pessoais como com as da equipe que liderava. O.P.F.C. mostra sua

atenção a uma causa maior, em detrimento às suas necessidades pessoais, o que sugerimos ser

mais uma característica que reforça a sua verdadeira liderança.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O taylorfordismo modificou o capitalismo e o mundo como um todo, permitindo que

milhões de trabalhadores tivessem emprego, renda e, portanto, condições de subsistência em

momentos de graves crises mundiais, como as geradas pela quebra da Bolsa de Valores em

1929 e pelo fim da Segunda Guerra Mundial em 1945, momento em que se inicia o Welfare

State, os anos dourados da economia, a partir dos Estados Unidos da América, beneficiando,

em sua maioria, trabalhadores norte-americanos, europeus, sul-americanos e japoneses.

Até os anos 1970, chefes ao estilo fordista foram fundamentais para garantir a alta

produtividade dos trabalhadores que em sua maioria dispunham de baixa qualificação,

inseridos num contexto econômico devastado por crises e por isso com grandes possibilidades

de consumo. A matéria-prima disponível para a indústria era abundante, assim como a mão de

obra, além de haver incentivos governamentais. Então o que restava a fazer seria fornecer

uma mínima qualificação aos trabalhadores da indústria, operadores de máquinas,

principalmente das fábricas de automóveis, e produzir milhares de produtos idênticos para

serem consumidos ao redor do mundo.

Por outro lado, os chefes fordistas começam a mostrar a sua insuficiência quando as

condições da economia mudaram a partir dos anos 1970, com a crise gerada pelos países

exportadores de petróleo e posteriormente com a pressão imposta pela economia globalizada,

rapidez no deslocamento do capital, escassez de recursos, necessidades relacionadas ao

aumento de produtividade e inovações tecnológicas constantes para que a indústria se tornasse

competitiva.

Entretanto, apesar desse novo contexto, esses chefes continuavam, ou continuam, a

fazer o seu papel no planejamento e controle de rotinas, sem se preocupar com a motivação

dos trabalhadores, conforme visto no exemplo do Walmart quando decidiu expandir suas

operações para o Brasil. Ao contrário do líder e fundador da empresa, Sam Walton, esses

chefes hierárquicos, sem características de líderes, obrigam trabalhadores a “cantar e dançar”,

chamando-os de “associados” quando na verdade não o são, ou seja, esses chefes não são

vetores do crescimento pessoal e profissional dos trabalhadores e, consequentemente do

crescimento e desenvolvimento empresarial, pois ao tratarem os trabalhadores como pessoas

imaturas, além do decréscimo da produtividade, podem vir a gerar custos provenientes de

processos trabalhistas por assédio moral, como já ocorreu no passado.

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A sociedade atual alimenta suas necessidades e interage num ambiente econômico de

mudanças constantes ao redor do mundo globalizado, onde se torna cada vez mais difícil a

permanência do chefe, sem características de líder, dentro dos quadros empresariais, pela

necessidade que as organizações têm em reter trabalhadores qualificados que possam resolver

atividades com crescente grau de complexidade para dar conta das demandas impostas pela

própria globalização que a sociedade criou para si mesma. Por mais simples que sejam as

funções a serem exercidas por um trabalhador contemporâneo, a maioria das organizações

empresarias necessita de profissionais com competências em microinformática e bom

relacionamento interpessoal, enquanto requisitos básicos; por outro lado, não é mais possível

preparar um profissional com poucas horas de treinamento, ao estilo fordista.

Desse modo, as organizações empresariais, em função do alto grau de produtividade

esperada e da complexidade tecnológica imposta pelo mercado, contratam trabalhadores já

qualificados, mas também necessitam investir em educação continuamente, fornecer um

ambiente de trabalho adequado e com constantes estímulos e desafios aos trabalhadores para

não perdê-los para a concorrência. Chefes fordistas nunca precisaram se preocupar com isso,

mas os chefes atuais, que tenham características de líder, sim.

O.P.F.C, diretor entrevistado no estudo de caso, era detentor de poder sobre os

trabalhadores entrevistados e, portanto, com potencial de impor sua vontade sobre sua equipe,

inclusive vindo a demiti-los se assim o quisesse; afinal detinha a autoridade para fazê-lo

dentro papel de diretor e de chefe hierárquico; papel este legitimado nos estatutos da Enger

Engenharia.

O.P.F.C fazia planejamentos e controlava rotinas mas não necessitava impor sua

autoridade através da fala e ações; utilizava-se do seu carisma para influenciar, convencer e

engajar os trabalhadores aos propósitos da Enger, conforme os relatos dos entrevistados.

Além disso, demonstrou vários exemplos de comportamentos empreendedores em sua carreira

que, segundo ele, foram necessários para vencer as barreiras de mercado, motivar as pessoas,

“reinventar a empresa” e criar diferenciais competitivos para a atuação da Enger. Ressaltando,

ainda, que a Enger investia muito pouco dinheiro na contratação de consultorias para resolver

problemas relacionados aos seus negócios, já que, a maioria das soluções eram pensadas e

implementadas pelos trabalhadores da própria empresa.

Como poderiam ser geradas soluções se os trabalhadores estivavam

descomprometidos e desmotivados em relação aos negócios da Enger?

Sugerimos, portanto, que O.P.F.C. pouco, ou quase nada, utilizava-se do seu poder

enquanto chefe, sendo sim um verdadeiro líder que revolucionou o ambiente no qual estava

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inserido, que influenciava o comportamento dos demais com suas ideias e provocava

mudanças através de inovações.

Além disso, o que propomos ter sido evidenciado na análise das entrevistas, é que o

estabelecimento de relações democráticas por parte de O.P.F.C. provocou alto grau de

satisfação dos trabalhadores com suas condições de trabalho, podendo ter gerado maior

produtividade para a empresa, hipótese comprovada há quase um século por Mayo (1959)

com os operários de Hawthorne (Chicago) – constatando que num ambiente onde as

necessidades dos trabalhadores são consideradas pela supervisão, em que um relacionamento

democrático é criado, há maior satisfação e aumento da produtividade.

Vale ressaltar aqui o longo período que cada entrevistado trabalhou com O.P.F.C.,

mínimo de oito anos, ou seja, mesmo que os fatores higiênicos como salários, segurança no

trabalho, status, qualidade da supervisão e relações interpessoais estivessem ótimos, segundo

Herzberg, os motivacionais como possibilidade de crescimento, progresso, responsabilidade,

reconhecimento e realização causam um efeito de longo prazo, criando maior engajamento

dos trabalhadores com suas atividades. Assim sugerimos que as relações estabelecidas entre

O.P.F.C. e liderados criaram esse engajamento.

Acreditamos que a proposição de Argyris (1969) explique de maneira precisa as

relações de liderança que pudemos observar entre O.P.F.C. e os dois trabalhadores

entrevistados. Estes tinham a oportunidade de opinar sobre seu trabalho, sobre a empresa,

suas necessidades eram ouvidas e consideradas por O.P.F.C., que aceitava seus

questionamentos. Entendemos, ainda, que a liderança de O.P.F.C. foi relevante para que esses

trabalhadores tivessem aumentado suas competências profissionais e adquirido outras tantas;

trabalhadores estes que, por conta da iniciativa própria e maduros, após terem saído da Enger,

conseguiram facilmente uma nova recolocação no mercado de trabalho, mesmo com idades

avançadas para os padrões brasileiros; trabalhadores que com sua experiência contribuem para

o crescimento de outras organizações empresariais.

Portanto, isso apoia o argumento de que O.P.F.C., enquanto líder, contribuiu não

somente para a satisfação das necessidades dos trabalhadores, como para o crescimento de

uma organização empresarial e também para a empregabilidade de trabalhadores num

mercado altamente competitivo, onde profissionais qualificados, acima de 50 anos, têm

mínimas chances de recolocação, e quando as têm os salários são rebaixados, o que não foi o

caso dos trabalhadores entrevistados. Em outras palavras, sugerimos que O.P.F.C. realizou

uma contribuição social que extrapola os muros da Enger e beneficia a sociedade de diversas

formas.

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Em julho de 2014, foi publicado por Alex Edmans, professor de finanças na Escola de

Economia da London School of Economics, juntamente com Lucius Li e Chedi Zhang, um

estudo sobre bem-estar no trabalho, o quem pretende estabelecer uma relação entre o aumento

da motivação dos trabalhadores e o aumento da lucratividade das empresas (EDMANS; LI;

ZHANG, 2014). Esse estudo, divulgado na revista Exame (2014), sob o título de “A

Felicidade traz dinheiro...”, constata mais uma vez que ambientes de trabalho que respeitam

as necessidades dos trabalhadores e seus anseios são considerados importantes para a

produtividade e crescimento das empresas, o que concorda com os estudos de Hawthorne,

feitos há quase cem anos, e o que concorda com as atitudes e comportamentos de O.P.F.C. na

Enger.

Líderes como O.P.F.C. estabelecem relações democráticas com os trabalhadores

porque anseiam pelo seu desenvolvimento pessoal e profissional, acreditam que essas relações

são relevantes para o sucesso das organizações empresariais que cada vez mais dependem de

trabalhadores qualificados para serem produtivas e continuarem a existir. Nesse sentido, esses

líderes conseguem viabilizar os caminhos para que os trabalhadores adquiram as

competências necessárias, promovendo grandes transformações no mundo do trabalho e

também em outras esferas da sociedade, tendo em seu bojo cidadãos mais qualificados para

discutir opções, caminhos e possibilidades.

Portanto, líderes são indivíduos sensíveis que percebem as necessidades de mudança e

incentivam ambientes onde os trabalhadores se sintam melhor, por compreenderem que não

basta remunerá-los com altos salários, mas também avaliam que o mundo contemporâneo, de

relações efêmeras e globalizadas, é para os trabalhadores mais eficientes, aptos a tomar várias

decisões importantes em seu trabalho e para isso necessitam de espaço para manifestar suas

opiniões, discordâncias e projetos, conforme comprovado por Maslow (1970) e Robbins

(2002), e conforme foi demonstrado por O.P.F.C. e demais líderes empresariais citados nesta

dissertação.

Assim sugerimos que verdadeiros líderes, como O.P.F.C, são vetores do crescimento

pessoal e profissional do trabalhador e, consequentemente, do crescimento e desenvolvimento

empresarial; outrossim também sugerimos que as relações democráticas são um dos fatores

responsáveis pela produtividade e sucesso das empresas

Ainda vale lembrar que, por um lado, o carisma dos verdadeiros líderes empresariais,

de movimentos sociais ou chefes de Estado pode trazer enormes benefícios para uma

sociedade, como fizeram Henry Ford, Bill Gates, Sam Walton, Marthin Luther King,

Mahtama Gandhi, Winston Churchill, Mikhail Gorbachev ou Tancredo Neves. Entretanto, por

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outro lado, pode gerar grandes transtornos sociais, como o fez recentemente o empresário

Eike Batista, Fernando Color de Mello, Muamar Kadafi, Hitler e Idi Amin Dada.

Acima de tudo as mudanças que ocorrem numa sociedade, em qualquer de suas

esferas, são motivadas pelas necessidades dessa própria sociedade. É nesse contexto que

emergem os líderes, que conduzem mudanças, estabelecendo novos princípios de organização

das diferentes dimensões da vida social que permitam vislumbrar a realização das

expectativas do maior número de pessoas.

Sugerimos que a continuidade deste estudo possa ocorrer através da pesquisa com

líderes empresarias e trabalhadores de outras regiões do Brasil, ou mesmo de outros países,

que atuem nos diversos setores da economia. Tal continuidade, em outros ambientes

empresariais, provavelmente trará novas variáveis culturais que possam vir a impactar nas

relações de liderança no mundo do trabalho e seus desdobramentos.

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