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SANTOS, Boaventura S. Pela mão de Alice. O social e o político na pós-modernidade. Porto: Edições Afrontamento, 1994 Prefácio O autor inicia comentando sobre a defesa (que fez na obra Introdução a uma Ciência Pós-Moderna (1989)) de que uma transformação epistemológica deveria estar relacionada a uma transformação dos modos de organizar a sociedade O autor reúne na obra resultados de reflexões sobre a transição entre paradigmas societais e epistemológicos na sociedade portuguesa, os quais têm consistência global. O livro está dividido em 3 partes: o 1ª: reflexão sobre as referências teóricas que embasam a investigação de Santos (avaliação do marxismo enquanto tradição teórica da sociologia); o 2ª: Análise da crise da modernidade enquanto paradigma de sociedade (discussões sobre o discurso de uma identidade nacional portuguesa; o paradigma sócio-cultural da modernidade; os modos de produção do poder social; identidades sexuais, étnicas e culturais e sua história); o 3ª: Análise (uma nova política judiciária; posição da Universidade nas sociedades contemporâneas; defesa de uma nova teoria da democracia e da emancipação social; a utopia para se pensar problemas globais deste fim de século). Capítulo 1 Cinco desafios à imaginação sociológica O autor inicia analisando os contextos sócio-temporais dos quais emergem suas/nossas perplexidades (acredito que perplexidade aqui seja “aquilo que instiga alguém a pesquisar algo).

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Resumo Boaventura

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Page 1: Santos (1999) Pela Mão de Alice

SANTOS, Boaventura S. Pela mão de Alice. O social e o político na pós-modernidade. Porto: Edições Afrontamento, 1994

Prefácio

O autor inicia comentando sobre a defesa (que fez na obra Introdução a uma Ciência Pós-Moderna (1989)) de que uma transformação epistemológica deveria estar relacionada a uma transformação dos modos de organizar a sociedade

O autor reúne na obra resultados de reflexões sobre a transição entre paradigmas societais e epistemológicos na sociedade portuguesa, os quais têm consistência global.

O livro está dividido em 3 partes:o 1ª: reflexão sobre as referências teóricas que embasam a investigação de

Santos (avaliação do marxismo enquanto tradição teórica da sociologia);o 2ª: Análise da crise da modernidade enquanto paradigma de sociedade

(discussões sobre o discurso de uma identidade nacional portuguesa; o paradigma sócio-cultural da modernidade; os modos de produção do poder social; identidades sexuais, étnicas e culturais e sua história);

o 3ª: Análise (uma nova política judiciária; posição da Universidade nas sociedades contemporâneas; defesa de uma nova teoria da democracia e da emancipação social; a utopia para se pensar problemas globais deste fim de século).

Capítulo 1

Cinco desafios à imaginação sociológica

O autor inicia analisando os contextos sócio-temporais dos quais emergem suas/nossas perplexidades (acredito que perplexidade aqui seja “aquilo que instiga alguém a pesquisar algo).

Diz que a década de 80 é uma década para esquecer (e também lembrar): “No seu decurso, aprofundou-se, nos países centrais, a crise do Estado-Providência que já vinha da década anterior e com ela agravaram-se as desigualdades sociais e os processos de exclusão social” (17)

Na década de oitenta morreram de fome em África mais pessoas que em todas as décadas anteriores do século. (17)

Houve uma maior diferenciação social/econômica entre os países do Sul e do Norte do globo. Por outro lado, nos anos 80 surgiram os movimentos sociais e a democracia se desenvolveu:

O mínimo que se pode dizer é que a década de oitenta se reabilitou de maneira surpreendente e mesmo brilhante. Foi a década dos movimentos sociais e da democracia, do fim do comunismo autoritário e do apartheid, do fim do conflito Leste-Oeste e de um certo abrandamento (momentâneo?) da ameaça nuclear. (18)

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Por causa de tais transformações na década anterior, é preciso uma mudança na forma de se pensar e agir em sociedade. O autor defende a necessidade de uma postura epistemológica que não diferencie sujeito de objeto, isto é, que a mudança não ocorra somente lá fora, e sim em todos os âmbitos da vida social, inclusive na academia.

A rapidez, a profundidade e a imprevisibilidade de algumas transformações recentes conferem ao mesmo tempo presente uma característica nova: a realidade parece ter tomado definitivamente a dianteira sobre a teoria. Com isto, a realidade torna-se hiper-real e parece teorizar-se a si mesma. (18) [discordo um pouco disso, pois na verdade a teoria sempre esteve atrás da ‘realidade’; era um projeto da modernidade que isso fosse invertido mas, obviamente, isso não foi alcançado]

O conflito Leste-Oeste foi um dos grandes responsáveis por que durante todo o século XX a sociologia tivesse sido feita com os conceitos e teorias que nos foram legados pelo século XIX. O fim do conflito Leste-Oeste cria uma oportunidade única para a criatividade teórica e para a transgressão metodológica e epistemológica e essa oportunidade só será desperdiçada se nos esquecermos que o fim do conflito Leste-Oeste corre de par com o agravamento do conflito Norte-Sul. E será igualmente desperdiçada se a liberdade criada pela ausência dos dogmas teórico-políticos for asfixiada pelos sempre velhos e sempre novos dogmas institucionais-fácticos. (19) [a LA Indisciplinar tenta operar nesse sentido e com foco nessa inovação/rompimento]

O autor lista então os cinco desafios que nortearão as pesquisas em sociologia contemporânea:

o Lidar com o fato de que os problemas mais absorventes de grande parte dos países, hoje, é de natureza econômica, algo que é desvalorizado nas pesquisas em detrimento do político, do cultural e do simbólico;

o O Estado está deixando de ser uma unidade de análise, pois está perdendo autonomia e regulação social para as práticas transnacionais (ou ele está se dissolvendo em nossas vidas e nem estamos notando?)

o O regresso do indivíduo voltou com força total: “O esgotamento do estruturalismo trouxe consigo a revalorização das práticas e dos processos e, nuns e noutros, a revalorização dos indivíduos que os protagonizam. Foram os anos de análise da vida privada, do consumismo e do narcisismo, dos modos e estilos de vida, do espectador activo da televisão, das biografias e trajetórias de vida, análises servidas pelo regresso do interaccionismo, da fenomenologia, do micro em detrimento do macro. Contudo, em aparente contradição com isto, o indivíduo parece hoje menos individual do que nunca, a sua vida íntima nunca foi tão pública, a sua vida sexual nunca foi tão codificada, a sua liberdade de expressão nunca foi tão inaudível e tão sujeita a critérios de correcção política, a sua liberdade de escolha nunca foi tão derivada das escolhas feitas por outros antes dele. (20-21) [não sei se concordo plenamente com isso, pois o autor está se baseando em uma forma de pensamento muito modernista aqui para levantar um problema contemporâneo que exige um modo de pensar completamente diferente. A dissolução entre

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ambientes privados e públicos tem o efeito de borrar os limites entre tais âmbitos, e a dificuldade é, então, de traçar tais limites. O indivíduo não está menos individual do que nunca, o que acontece é que sua “construção de si” atual se dá por meio de práticas públicas (p. ex. exposições em redes sociais), e isso não significa que seu individualismo foi subjugado, somente que é agora construído por outros meios (ou é exatamente isso que o autor está expondo aqui? Fiquei confuso). Confesso que os efeitos de tais práticas resultam em sensações negativas e sentimentos de solidão em um mundo cada vez mais populoso e interativo. Ou são sentimentos esses oriundos de um período transitório (em que a liquidez e a tecnologia engolirão toda nossa forma de existir no futuro, e os seres viventes desse período de passagem estão sentindo o desolamento de sair de um ambiente instável para cair num completamente oposto, sem saber lidar com nenhum dos dois) ou estamos fadados a viver nessa sensação de incompletude e mini desolamento cotidiano.

o O desenvolvimento da democracia substituiu as clivagens sócio-políticas da década anterior (como socialismo/capitalismo e revolução/reforma), com muitas iniciativas democráticas advindas de diversos países. Todavia, dois fenômenos ocorrem aí: o distanciamento cada vez mais acentuado do público à participação democrática (parlamentarem estão cada vez mais ensimesmados e longe de representar pessoas politicamente), e a dependência da democracia internacional do neoliberalismo e essa atual simbiose questionável. O autor questiona se isso é uma incongruência ou uma armadilha. Eu vejo como uma armadilha: só estamos contribuindo para girar a roldana do capital, cada vez mais dissolvida em todos os âmbitos sociais.

o “A intensificação da interdependência transnacional e das interacções globais faz com que as relações sociais pareçam hoje cada vez mais desterriorializadas, ultrapassando as fronteiras até agora policiadas pelos costumes, o nacionalismo, a língua, a ideologia e, muitas vezes, por tudo isto ao mesmo tempo” (p. 22). Em contrapartida, há movimentos de revalorização do direito às raízes, focado na ideia de território, mesmo em indivíduos “translocalizados”. Isso também ocorre com a mobilidade transnacional: executivos/cientistas/turistas fazem uso dessa mobilidade exacerbada ao mesmo tempo que índios/refugiados/emigrantes sofrem com ela. “Acresce que a mobilidade transnacional e a aculturação global de uns grupos sociais parece correr de par com o aprisionamento e a fixação de outros grupos sociais. (...) Será que esta dialética de territorialização/desterriorialização faz esquecer as velhas opressões? E será que a velha opressão de classe – de que a sociologia internacional corre o risco de esquecer prematuramente –, porque transnacionalizável, faz esquecer, ela própria, a presença ou até o agravamento de velhas e novas opressões locais, de origem sexual, racial ou étnica?” (p. 22). [o autor toca num ponto bastante crucial aqui pois questiona se as práticas translocais e a globalização hoje muito presente no mundo são uma

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realidade global ou meramente um luxo de partes do globo, sendo as áreas onde a fixidez ainda é regra parte da estrutura que torna essa transnacionalização e essa fluidez possível e operante. Ou seja, não temos aí uma exacerbação da vida ou do indivíduo, não temos uma “modernidade líquida”, temos o dissolvimento do neoliberalismo e do capitalismo, o congelamento de alguns para a fluidez de outros. No final, quem ganha sempre é o capital].

Capítulo 2

Tudo o que é sólido se desfaz no ar: o marxismo também?

A radicalidade do capitalismo residia em que ele, longe de ser apenas um novo modo de produção, era a manifestação epocal de um novo e muito mais amplo processo civilizatório, a modernidade e, como tal, significava uma mudança societal global, uma mudança paradigmática. (25)

Marx estava plenamente consciente de que, ao mesmo tempo que a solidez antiga, pré-capitalista, se desfazia no ar, uma outra solidez se instalava, instantaneamente rígida e resistente, a lei de ferro das relações de produção capitalista, cuja superação ou evaporação estaria a cargo do movimento operário, um movimento, por sua vez, suficientemente sólido e resistente para se medir eficazmente pela ordem que pretendia suplantar. (25)

O autor passa a elaborar uma trajetória histórica do marxismo, começando com as duas primeiras décadas do século XX e falando da época de ouro do marxismo e sua recepção instantânea pelas ciências sociais, na última década do século XIX.

Inicia-se então um dos debates paradigmáticos da sociologia contemporânea, entra a teoria de Marx e a teoria de Max Weber, outro grande fundador da sociologia, um debate sobre as origens do capitalismo, sobre o papel da economia na vida social e política, sobre as classes sociais e outras formas de desigualdade social, sobre as leis de transformação social e, em suma, sobre o socialismo.

O autor cita então duas cisões ao pensamento marxista. A primeira, iniciada a partir da crítica de Eduard Bernstein em 1896, que dizia que o capitalismo sempre dispõe de energias renovadas para superar suas crises e as classes estão cada vez menos se polarizando. A segunda, com os austro-marxistas, buscava transformar o marxismo em uma ciência empírica, numa sociologia das sociedades capitalistas. Por conseguir fazê-lo, outros teóricos passaram a afirmar que a conversão do marxismo em uma ciência positiva desarmava o seu potencial revolucionário.

O autor passa para os anos 30 e 40 e relata a força do fascismo e o capitalismo imperialista contra as teorias marxistas.

Passa então para os anos 50 e comenta sobre o vigor do pensamento marxista com a criação de países marxistas e movimentos estudantis, e a cisão do marxismo em diversos tipos.

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Pode-se dizer que neste período foi a solidez do marxsmo que de algum modo se virou contra ele próprio e o desfez no ar. Os sinais de força transmutaram-se em sinais de fraqueza. Um dos factores sociológicos de tal transformação foi, por certo, a crescente discrepância entre o vigor e a sofisticação dos debates intelectuais e a mediocridade real do movimento socialista, desertado por uma classe operária muito diferente de que fizera a história do marxismo e estrangulado entre partidos comunistas que só muito tardia e incompletamente descobriram as virtualidades dos regimes democráticos europeus e partidos socialistas que preferiam a gestão do capitalismo à transformação do capitalismo e, do mesmo passo e com alguma coerência, dispensaram, por anacrónica, a referência matricial ao marxismo.

O autor fala então da leitura antiestrutural do marxismo a partir da década de 80, desfazendo-o em seu cerne principal. Resta saber agora se o marxismo terminou de fato, o que ele faz em seguida.

O autor argumenta que não há uma “versão autorizada e verdadeiramente única de Marx”

Numa pincelada de sociologia do marxismo pode-se dizer que a canonização e ortodoxia são próprios de universos de conhecimento que se pretendem diretamente conformadores da prática social como, é o caso, por exemplo, da teologia ou da psicanálise. (33)

O autor ressalta ainda que é preciso compreender a visão utópica da teoria de Marx, que pretendia ir além do capitalismo, diferente de autores que vieram depois dele, voltados à compreensão do presente e iminente futuro (argumenta ainda o autor que o que é elaborado na academia é diferente das transformações sociais per se, defendendo que a academia pode/deve ter uma postura utópica de sociedade).

Tenho vindo a afirmar que nos encontramos numa fase de transição paradigmática, entre o paradigma da modernidade, cujos sinais de crise me parecem evidentes, e um novo paradigma com um perfil vagamente descortinável, ainda sem nome e cuja ausência de nome se designa por pós-modernidade. (34)

O marxismo é uma das mais brilhantes reflexões teóricas da modernidade, um dos seus produtos culturais e políticos mais genuínos. Se a modernidade se torna hoje mais do que nunca problemática, o marxismo será mais parte do problema que defrontamos do que da solução que pretendemos encontrar. (35)

O autor ressalta, entretanto, que no plano sócio-político, o marxismo pode ser contribuitivo, principalmente em relação a uma essencialização estratégica: enquanto para a ciência a visão estrutural de Marx engessa o pensamento epistemológico, no âmbito social: “é essencial a ideia de uma alternativa radical à sociedade actual, e Marx formulou, mais coerentemente que ninguém, uma tal alternativa. A questão está, pois, em saber em que medida a alternativa de Marx, que é tão radicalmente anti-capitalista quanto é moderna, pode contribuir de uma alternativa assumidamente pós-moderna. (p. 26) [eu reformularia a pergunta da seguinte maneira: a grande questão é saber até que ponto a insistência na singularidade do ser pode resolver o próprio problema da pluralidade desse

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mesmo ser, ou se isso irá, na verdade, contribuir (mais ainda) para a estratificação identitária]

O autor passa a analisar o materialismo histórico face à condição presente do mundo.

O determinismo possibilitou a marx desenvolver uma série de conceitos (forças produtivas, relações de produção, modo de produção) que lhe permitiram proceder a uma análise global da sociedade capitalista e definir a direção da sua transformação futura. É hoje evidente que Marx falhou estrondosamente no modo como pôs esta questão e na resposta que lhe deu. A análise do presente e do passado, por mais profunda que seja, não pode fornecer mais do que um horizonte de possibilidades, um leque de futuros possíveis; a conversão de um deles em realidade é fruto da utopia e da contingência. Mas se é assim, em geral, é-o muito mais num período de transição paradigmática como o que atravessamos. Em tais períodos, os processos sociais são tão fluidos e turbulentos que o que resulta das interacções entre eles é, em grande medida, uma incógnita. (36-37)

O autor critica o reducionismo econômico na ideia de base – superestrutura do pensamento marxista no materialismo histórico. Primeiro comenta que a ideia de que somente a base influencia a superestrutura é reducionista pois atribui à política e à cultura a categoria de meros resultados ao invés de vê-los com vida e dinâmica própria. Depois diz que atualmente é cada vez mais difícil distinguir entre econômico, político e cultural.

Se é verdade que o marxismo procura um equilíbrio estável entre estrutura e acção, penso que hoje, sendo incorrecto abandonar de todo a ideia de estrutura, é necessário pluralizar as estruturas a fim de desenvolver teorias que privilegiem a abertura dos horizontes de possibilidades e a criatividade da acção. (38)

Sobre questões de ação coletiva e identidade, Santos diz: “a evolução das classes nas sociedades capitalistas não seguiu o trilho que Marx lhe traços. Nos países centrais, a proletarização foi muito mais sinuosa, os camponeses não desapareceram tão rapidamente quanto previsto, a classe operária tornou-se mais heterogénea em vez de mais homogénea, o que de resto sucedeu também com a burguesia, surgiram significativas classes médias, tornaram-se evidentes outras formas de opressão não diractamente atribuíveis a posições de classe. (39)

Surgiram, sobretudo nas últimas décadas, poderosas fracções de classe sem uma base nacional determinada, classes transnacionais que de algum modo inverteram a previsão de Marx: o capital está hoje, mais do que nunca, unido a nível mundial, enquanto o trabalho está cada vez mais sitiado, já que, mesmo a chamada “livre circulação de pessoas” tende sempre a excluí-lo. (39)

Por outro lado, nos países centrais, as lutas de classe deram paulatinamente lugar a compromissos de classe, à concertação social, ao compromisso histórico, à institucionalização dos conflitos, ao neocorporativismo, enfim, às formas políticas da social democracia, ao Estado-Providência e à regulação social fordista. Por último, sobretudo nas últimas três décadas, os movimentos e as lutas políticas mais importantes nos países centrais e mesmo nos países periféricos e semiperiféricos

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foram protagonizadas por grupos sociais congregados por identidades não diretamente classistas, por estudantes, por mulheres, por grupos étnicos e religiosos, por grupos pacifistas, por grupos ecológicos, etc., etc. (39-40)

Dando de barato que é fácil definir e delimitar a classe operária, é muito duvidoso que ela tenha interesse no tipo de transformação socialista que lhe foi atribuído pelo marxismo e, mesmo admitindo que tenha esse interesse, é ainda mais duvidoso que ela tenha capacidade para o concretizar. (40)

Ao privilegiar a opressão de classe, o marxismo secundarizou e, no fundo, ocultou a opressão sexual e, nessa medida, o seu projecto emancipatório ficou irremediavelmente truncado. (40)

É errôneo reduzir a identificação, formação e estruturação das classes à estrutura económica da sociedade. As classes são uma forma de poder e todo poder é político. O valor explicativo das classes depende das constelações de diferentes formas de poder nas práticas sociais concretas. (41, grifo meu)

Marx acreditou, sem reservas, no desenvolvimento neutro e infinito das forças produtivas, no progresso como processo de racionalização científica e técnica da vida, na exploração sem limites da natureza para atender às necessidades de uma sociedade de abundância para todos. Em suma, a utopia de Marx é, em tudo, um produto da modernidade e, nessa medida, não é suficientemente radical para nos guiar num período de transição paradigmática. Devido a um desequilíbrio, criado pela ciência moderna entre a capacidade de acção, que é cada vez maior, e a capacidade de previsão, que é cada vez menor, o futuro é hoje para nós, ao contrário do que foi para nossas mãos, mas as nossas mãos nunca foram tão ifnorantes sobre se afagam uma pomba ou uma bomba. Por esta razão, e tal como acontece em geral com a modernidade, devemos ir buscar a marx muito para defrontar os nossos problemas – muito, excepto a solução. (41, grifo meu)