santaella, lucia - comunicação e pesquisa.pdf
TRANSCRIPT
COMUNICAÇÃO E PESQUISA
PROJETOS.,.PARA MESTRADO E DO'UTORADO
- .
."~f~,,~tJ'~
I'~,-.1l.. -..-:-.'- -- --- -HACKEREDITORES
LUCIA SANTAELLA
-
te~.••:.<e
-'(e).{e
>~(-{.·r.1.••••••••••••.'e'.(.•.1•.'.)•.)".,
p ••••••••••••••••••.'••••••••à memória de Philadelpho Menezes.,
• •for the sake of knowledg~.
•••••'.))
••••••••••••••••••••••••••'.•••••••:',.)
CONSELHO EDITORIAL
Antonio Albino Canelas Rubim, Antonio Fausto Neto,Ciro Marcondes Filho, José Luiz Braga, José Salvador Faro,
Lucia Santaella, Luiz Martins, Muniz Sodré,Nilda Jacks, Paulo Cunha, Sérgio Capparelii, Vera França
EDITOR DA COLEÇÃOJosé Luiz Aidar Prado
© 2001 by Lucia Santaella
Criação Fotoqráfica da Capa. Roberto Temin
CapaAREA Comunicação Visual
Revisão de TextoLucila Lombardi
1a edição: 20011a reimpressão: 20022<1 reimpressão: 2006
Catalogaç ão na fonte - Biblioteca Central PUC-SP
Santaella , LuciaComunicação e pesquisa: projetos para mestrado e doutorado';
Lucia Santaella - São Paulo: Hacker Editores, 2001,216 p.Bibliografia .ISBN: 85-86199-29·9
1. Comunicação - Pesquisa. 2. Comunicação e semiótica3. Pesquisa - metodologia 4. Pesquisa - projetos
I.Título 2. SérieCDD 302.2072
2006Hacker Editores
Fonefax: (Oxx11) 3733 7912www.hacker-editores.com.br
SUMÁRIO
Nota de apresentação
Introdução
1. Definição de comunicação
2. Emergência e desenvolvimento da área de comunicação
Capítulo 1Histórico das teorias, modelos e âmbitos depesquisa na comunicação
1. A mass communication research e seus desdobramentos
2 . As teorias críticas3 . Os modelos do processo comunicativo
3.1 Modelos lineares
3.2 Modelos circulares
3.3 Modelos in terat ivo s
3.4 O modelo lingüístico-funcional
3.5 O modelo semiótico-informacional
3.6 O modelo semiótico-textual
3.7 Os modelos cognitivos
4. As tendências culturológicas e midiáticas
5 . Conceitos de comunicação nas ciências vizinhas
11
13
16
23
27
31
384452535455
56
5759"6270
I . A onipresença da comunicação 752 . Digitalização e cibe respaço 783 . A teia inter-multi e transdisciplinar da comunicação 804. Traçado geral do mapeamento 845. Os territórios da comunicação 86
5.1 O território da mensagem e dos códigos 865.2 O território dos meios e modos de produção das mensagens 875.3 O território do contexto comunicacional das mensagens 8a5.4 O território do emissor ou fonte da comunicação 885 .5 O território do destino ou recepção da mensagem 89
6. As in ter fac es dos territórios da comun lcaçáo 906.1 As me.nsagens e suas marcas 916.2 Interfaces das mensagens com seu modo de produção 926 .3 Interfaces das mensagens com o contexto 926.4 Interfaces dos meios como contexto 936 .5 Interfaces das mensagens com o sujeito produtor. .: 946.6 Interfaces dos meios com o sujeito produtor . 946.7 Interfaces do contexto com o sujeito produtor 956.. 8 Interfaces da mensagem com sua recepção 956.9 Interfaces dos meios com a recepção das mensagens 966.] O Interfaces do contexto com a recepção 966.11 Interfaces do sujeito produtor com a recepção 96
7. Inserção das teorias e ciências da comunicação no mapa 987.1 Teorias da mensagem, códigos e suas interf~ces 987 .2 Teorias dos meios e suas interfaces 997.3 Teorias do contexto e sua sjn terfa ce s 997.4 Teorias do sujeito e suas interfaces 1007.5 Teorias da recepção e suas interfaces 100
,
Capítulo 2Mapeamento da área de comunicação
Capítulo 3A pesquisa, seus métodos e seus tipos
1. A ciên~ia como coisa viva
2. O valor das teorias
3. A pesquisa como alimento da ciência
75
103
103109 '112
4 . A lógica no coração da metodologia
5. Abdução, indução e dedução
6. O método das ciências
7. As metodologias específicas das ciências
8 . Tipos de métodos
9. Tipos de pesquisa
10. Procedimentos, técn icas e instrumentos
Capítulo 4O projeto de pesquisa e seus passos
1. Questões de um projeto
2. A escolha do tema
3. Estudos preliminares
3 .1 O pré-projeto
4. Â elaboração do projeto
4.1. Os antecedentes
4.2. A definição do problema
4.3 O estado da questão
4.4 A .apresentação das justificativas
4 .5 A explicitação dos objetivos4.6 A formulação das h ípóteses :
4.7 O quadro teórico· de referência
4.8 A seleção· do método
4.9 A equipe de pesquisa
4.10 O cronograma
4.11 Os recursos necessários
4 .12 A bibliografia
4 .13 Nota final
Roteiro de leituras
Bibliografia
Sobre a autora
.'•114 •117 •122 •127 •133139 .'148 •151.:.'•153 •157 .'159
161 •162 •163 •164167 .1172 .'174 .'176 .;182185 •187 •188 •188188 •189 •190 •.1195 ••216 ••.'••(.'.."
•••••••••••••••••••••••••••••••••••.)
NOTA DE APRESENTAÇÃO
A quantidade de literatura sobre metodologia c ientíficaç .metodologia da pesquisa científica, metodologia do trabalho cie~~· .
tífico , projeto de pesquisa etc., publicada no Brasil ou traduz.idà.
. para o português, é surpreendentemente grande . Há um título , illf"::-.: . . .
clusive, que j á passou da 20a edição (SEVERINO, 2000). Uma>
boaparte dessa literatura está indicada na bibliografia ao firi-ãl~ ': '
deste volume. Tendo em vista a existência prévia dessa literatura;
para evitar redundâncias desnecessárias , decidi dedicar grand:~:-
parte deste livro à contextualização da área de comunicação, com
atenção voltada para a sua história, o histórico de suas teorias e o
mapeamento de sua conjuntura atual. Tal decisão também foi de
vida ao fato de quejulgo ser essa uma informação imprescindível
para que o pesquisador, especialmente .aquele que es tá s~'inic ian-
do na área, possa nela se localizar, .algo que não é nada fácil de se
conseguir sem ajuda, dada a complexidade crescente da cornuni
cação no mundo contemporâneo.
A. maior parte d-abibliografia publicada sobre metodologia está
voltada para as ciências sociais, para a psicologia e a educação.
De que tenho notícia, só existe um livro dedicado especificarnen
te à reflexão sobre pesquisa e projetos de pesquisa em comunica-
.. " :
Lucia SantaellaKassel, janeiro 2001
ção (LOPES, 1990), além de alguns balanços e inventários da
pesquisa nessa área no Brasil (por exenlplo MELO, 1983 , 1984;MELO, org. 1983). Urna vez que, em nenhum nlonlento, ,naidealização e feitura deste livro , acalentei qualquer pretensão deque as informações nele contidas possam substituir a excelênciada reflexão realizada por Lopes, e tamb ém para evitar U1l1a certa
angústia da influência, busquei" dar ao texto que se segue, tanto,
quanto possível, urna versão complel11entar ao texto de Lopes, de1110do que ambos possam dialogar. Afinal, quando escrevenlOS,
'especialnl ente Ul11livro COl110 este, conlinclinações didáticas, nossomovimento se dirige na direção do leitor. É o leitor que desejamospossi vel mente beneficiar. U ma vez que a complenlentaridade é
, sempre um benefício, está lançado o diálogo.
/
•.'•.'•••.~
.'•.'••.1•A qualquer observador·do mundo contemporân~o,atémesmo •
entre os mais leigos, o termo "comunicação" e as noções que ele . \
carrega se impõem masslvamente. É voz corrente a afirmaçãode . 'que estamos inseridos em uma civilização da comunicação. Ora, . :o ser humano sempre foi por natureza um ser simb ólico , ser delinguagem e de comunicação. Comunicar-se, portanto, não é no- \.vidade para o humano. Então onde está a novidade? Ela só pode •estar na mul!iJ2.!icação crescente e acelel:ada 'dos meios de' ql~e o . 'ser huma~dlspõepara criar, registrar, transmitir e arm~zenar lin- •
guagens e informações (BAYLON e MIGNOT, 19?9: 3). . •De fato, desde a-revol uçào eletro-mecânica, 'com suas máqui- •
nas capazes de produzi;" e reproduzir linguagens - especialmente •
as máquinas de impressão, a fotografia e o cinema - a cornplexi- •dade do campo da cOl11unicação cO~l1eçou ' a crescer exponencial- . :mente. Tal exponenciaçã~ :fica'y isível quando se comparam as
má~uihas :le.tro-m,e~ânicas C~I~ as máquinas-aparelhos da rev~- :1uçao eletrônica, r ádioe televisão, estas cap~zes de urna potência
. de difusão que as anterioresnão podiam sonhar alcançar. Na pas- •sagern que estamos vivenciando da revolução ,~l etrôn i c a 'i)ara a •
revolução digitalcom sl~as máquinas-dispositivos computacionais •. .,', .•'.;
Comunicação & Pesquisa12
aliadas às telecomunicações em dimensão planetária, a exponen
ciação da complexidade do campo da comunicação começa a atin
gir proporções gigantescas.
A entrada do século XXI deverá ser lembrada no futuro COl110
a entrada dos meios de comunicaç.ão em urna nova era: a da trans
formação de todas as mídias em transmissão digi tal, como se o
mundo inteiro estivesse, de repente, virando digital. Transmissão
digital quer dizer a conversão de sons de todas as espécies, iI11a
gens de todos os tipos, gráficas ou videográficas, e textos escritosem formatos legíveis pelo computador. Isso é conseguido porque
as informações contidas nessas linguagens podem ser quebradas
em tiras de 1 e Oque são processadas no computador e transmiti
das via telefone, cabo ou fibra ótica para qualquer outro computa
dor, através de redes que hoje circundam e cobrem o globo corno
unia teiasem 'centro nem periferia, ligando cornunicacionalrnente,
em tél~lpO quase real, milhões e milhões de pessoas, estejam elasonde estiverem, em um mundo virtual no qual a distância deixou
de existi r.
Vem daí o papel central que os fenômenos da comunicação
passaram adesempenhar eITI todos ossetores 'da vida social e in
,di~idtial eo papel fundamental que a comunicação COI110 área de
conhecimento está fadada a desempenhar em muitas outras áreas,
e não apenas naquelas que lhe são vizinhas: da biologia à econo
mia, da inteligência e vida artificiais à antropologia, da filosofia àetnologia etc.
Uni crescimento tão acelerado das bases reais.de lL111a área de
conhecimento só pode produzir confusões e dificuldades de COITI
preensão, inclusive naqueJ~sque trabalham na área e nela pesqui
sam. As afirmações de qu~ a complexidade da comunicação advérn
da sua natureza inter, multi e mesmo transdisciplinar já se torna
ram um truisrno. Em.função disso, parece urgente dar um passo à
frente e tentar divisar quais são os fios e os desenhos que essa
multidisciplinaridade está criando .
•• 14
•••••'.••••••••••••••••••••.'•.'.1.,'.;.)
Comunicação [, Pesquisa Lucia Sentaeüe
Durante três anos, de 1992 a 1995, fui consultora ela área ele
c?l11unicação no CNPq. A Iistagern de disciplinas e campos de
que ,o CNPq dispunha corno componentes ela área de comunica
ção mais se parecia a Ul11a enumeração caótica que, como recurso,
pode ser muito bom para dilatar a arnbiguidade dos sentidos na
poesia, ITIaS se presta bem mal corno auxílio à compreensão I:acio
nal e objetiva dos estados de coisas que a. realidade apresenta.
~~t~.~yezes, tínhamos de julgar projetos, nitidalTIente interdis
ciplinares, que suscitaval11 fortes dÚvidas gUalito à sua inserº-ªo
ou não na área de comunicação. Ora, o conhecimento poele não'
ter fronteiras, quando o tomamos em se~tido lato, mas pesq'UTSãs (
e~pecíficas devem necessariamente estar enquadradas em árec:..s <-
de conhecimento definidas, inclusive nas suas interfaces. . z
Desde essa época, senti a necessidade e fiz in úrneras premes- .
sas a mim mesma de que um dia pensaria com calma na elabora-
~ção de um mapa geral dos campos recobertos pelaárea de cornu
~icação que, pelo menos, fosse capaz de avançar uns passos eIll
relação à enumeração caótica _d~ que o CNPq dispunha. A pro
Dlessa ficou guardada em uma gaveta da memória . . . ' .
Há pouco mais de um ano, fui convidada pelo edi tor da Hacker,
José Luiz Aidar Prado, para escrever este livro sobre Comunica
ção & Pesquisa, para fazer parte da coleção Comunicação &, fun
dada pela editora. Ao dar início aos trabalhos para a escritura do
livro, voltou imediatamente a necessidade de que as reflexões e
mesmo indicações sobre os caminhos da pesquisa em comunica
ção fossem antecedidas por um mapeamento da área e dos carn
pos que ela cobre. Foi então que minha promessa teve de ser tira
da da gaveta .
Muito rapidamente me dei conta de que não poderia elaborar
esse mapa apenas conl o repertório dos conheci mentes sobre a
área de comunicação que estavam arquivados em minha rnernó
ria, assim como não poderia me valer apenas elos livros panorârnicos sobre os campos e teorias da comunicação que circulam no
..-... .
1. DEFINIÇÃO DE COMUNICAÇÃO
Não são poucos os autores que têm colocado ênfase na pluralidade dos fenômenos que podem ser chamados de comunicacionais ena conseqüente polissemia do termo "comunicação". Tendo isso em vista, Fiske (1990: 1), por exemplo, perguntou se podemos considerar como UIn campo de estudo algo tão diverso e
••
•••
•••••••
17Lucia Santaella
multifacetado quanto a comunicação humana, concluindo pelanatureza multidisciplinar da comunicação e definindo-a como "interação social através de mensagens". Batendo na mesma tecla,Baylon e Mignot (1999: 9-10) acabaram por concluir que a comu- .nicação "é uma relação dos espíritos humanos, ou melhor, doscérebros humanos".
Segundo Nôth (1990: 169-170), para se começar a definir comunicação, deve-se tentar separar a esfera dos fenômenos .comunicativos da esfera dos eventos não comunicativos. Entretanto, aoinvés de postular uma clara ruptura entre os fenômenos comunicativos e não comunicativos, pode-se conceber uma transição gradual que vai dos modos de interação proto-comunicativa mais rudimentares até os mais complexos. Dessa maneira, sem pretenderuma unificação dos diversos conceitos, o .autor toma como ponto •de partida os fenômenos unilaterais, continuando com as interações •simples, para as bilaterais, então as intencionais, as lingüísticas,para terminar com a metacomunicação. Nõth comentou que as •teorias dos níveis biológicos de interação também sugerem uma •transição gradual dos modos de interação não comunicativos paraos comunicativos. De uma perspectiva diferente, Kelkar (1984:112-14) também distinguiu vários graus de "primitivismo" dos •eventos comunicativos
Defensor de uma visão generalizada da comunicação, fenômenoque teria início já em situações muito rudimentarmente comunica- •cionais, foi Meyer-Eppler. Em sua definição, comunicação é a "re- •cepção e o processamento de sinais detectáveis física, química oubiologicamente por um ser vivente" (1959: 1). De acordo com estateoria, qualquer processamento de informação por organismos individuais (que não sejam máquinas) constituem uma instância decomunicação. A cooperação ativa da fonte do sinal no processonão é necessária. A fonte pode inclusive ser um objeto inanimado.
A maioria dos estudiosos rejeitaria aplicar o termo "comunicação" a uma tal situação, pois, sem algum tipo de atividade da
Comunicação & Pesquisa16
contexto brasileiro. Para dar início ao trabalho, portanto, fiz umprimeiro levantamento dos livros-textos de comunicação de publicação ou re-edição recentes em várias línguas. Para esse levantamento, utilizei não apenas os meios de busca que se tornaram atualmente muito facilitados graças à internet, mas fiz também entrevistas on line com vários pesquisadores de minhas relações quetrabalham na área de comunicação no Brasil e em outros países.
Com o estudo dessa bibliografia, pude elaborar uma primeiraversão de um mapa da área de comunicação. Tendo essa primeiraversão em mãos, passei para uma segunda fase de pesquisa bibliográfica em um número bem maior de títulos de livros na área decomunicação. A leitura dessa bibliografia adicional permitiu quea primeira versão do mapa fosse sendo gradativamente testada,burilada, autocriticada e aprofundada. Dessa pesquisa, resultou omapeamento que será apresentado no capítulo dois. Esse mapeamento tem a finalidade de servir como uma orientação preliminar,um reconhecimento do território, para todos aqueles que se encontram diante da necessidade de elaborar um projeto de pesquisa na área de comunicação. Antes do mapeamento, entretanto, epara lhe dar fundamento, é necessário, em primeiro lugar, nos entendermos sobre o sentido que estamos ~andC? para "comunicação". Em segundo lugar, é preciso esboçar o panorama do desenvolvimento histórico das teorias, modelos e tendências das pesquisas em comunicação. É o que será feito, respectivamente, nes
ta introdução e no próximo capítulo.
"Uma ação torna-se uma mensagem quando é percebida tanto pelo
próprio ser quanto por outras pessoas. Em outras palavras: os sinais
de trânsito se tornam mensagens quando há um receptor que, no
lugar de destino, pode avaliar o significado destes sinais. Tal defini
ção inclui a comunicação entre seres humanos e animais, assim como
entre os próprios animais. De fato, todos os organismos biológicos,
incluindo as plantas, recebem, avaliam e enviam mensagens. Resu
mindo: a comunicação é um princípio de organização da natureza".
portamento humano" (1949: 3). Qualquer forma de comportamentonão-verbal pode, desta maneira, tornar-se comunicativo. Aindasegundo Nõth (ibid.: 171), Ruesch (1972: 82-83) descreveu o pro
cesso de transformação do comportamento em comunicação da
seguinte forma:
LUCia senteene
Nõth chamou atenção para o fato de que a interação semiótica,como definida por Shannon & Weaver, ainda não implica qualquer congruência entre a mensagem do emissor e a interpretação do .receptor. Porém essa característica de congruência é um critério adi
cional de distinção estabelecido em algumas definições de comunicação. É uma característica que já é sugerida pela etimologia dapalavra, que implica "um repartir comum de informação". Umaformulação clara do critério de congruência é dada por Richards,quando diz que "a comunicação [...] acontece quando uma mente aoagir sobre seu meio ambiente influencia outra mente, e, nesta outramente, ocorre uma experiência que é semelhante à experiência naprimeira mente e que é causada, em parte, por aquela" (1928: 177).
Subindo mais um degrau, o critério adicional para se definircomunicação é o de intencionalidade. Intenção é atividade direcionada a um objetivo, envolvendo, portanto, a volição. Na co
municação, intenção é a tentativa consciente do emissor de influen-
: ciar o receptor através de uma mensagem, sendo a resposta doreceptor uma reação baseada na hipótese das intenções da parte
- - - - - ~ _. - - . - - -I - -- - --
parte da fonte do sinal, tem-se um domínio muito baixo do campocomunicacional. Entretanto, Meyer-Eppler definiu essa situaçãosob o nome de "comunicação unilateral" por prever o papel queum observador desempenha nesse tipo de processo, o que já o
caracterizaria como comunicativo com dois subtipos: observação
e diagnóstico. Na comunicação observacional, um observador
percebe e processa sinais de uma fonte inanimada. Esta situação
comunicativa é típica da física e química. Na comunicação diagnóstica, os sinais originam-se em um emissor vivo. Esta forma deprato-comunicação unidirecional de um organismo a outro é característica das observações na biologia, medicina e psicologia.
Entre aqueles que reservaram o sentido de "comunicação" paraa interação mútua entre duas entidades, há alguns pesquisadores
que incluíram nessa interação tanto máquinas quanto células biológicas. No terreno das máquinas, para a cibernética e a teoria de sistemas, há comunicação onde houver interação entre quaisquer doissistemas. Assim, Klaus(l969) em seu dicionário de cibernéticadefiniu comunicação como "a troca de informação entre sistemasdinâmicos capazes de receber, estocar ou transformar informação".
Para outros teóricos de sistemas, a comunicação só começaria naesfera biológica da vida. Desse modo, Rosnay (1975: 135) descreveuas moléculas da vida como "indivíduos informacionais" com memória e capacidade de reconhecimento. A troca de informação, nesseprocesso químico de comunicação, acontece tendo como base o código genético. Para Rosnay, a "história da comunicação" se estendedesde a comunicação entre moléculas e células biológicas até asinterações entre organismos e, finalmente, entre seres humanos.
Também baseado no critério de interação mútua entre organismos encontra-se o conceito bastante amplo de comunicação deShannon & Weaver. Estes definem comunicação como "todos os
procedimentos pelos quais uma mente pode afetar outra. Isto, ob
viamente, envolve não apenas o discurso oral e escrito, como também música, artes visuais, teatro, balé, e, certamente, todo com-
•••••••••••••••••••••••••••••••••--~--------------------------...............-------
20 Comunicação [, Pesquisa Lucia Santaella 21
do emissor. Assim sendo, a maioria das expressões corporais visíveis de emoções não são intencionais.
Numa tradição lingüístico-serniótica que vai de Buyssens
)(1943) até Prieto (1966, 1975) e Mounin (1970, 1981), .a intencionalidadetem sido discutida como um traço distintivo de comuni
} . ~ação. P~ra Prieto (1966: 20; cf. HERVEY, 1982), todo ato co~uln~ativo pressupõe uma intenção da parte do emissor, que tem queser identificável por parte do receptor.
? .
Em seguida, Nõth (ibid.: 172) esclareceu que qualquer uso dalinguagem se caracteriza, evidentemente, sempre como umyrocesso de comunicação. No entanto, quando os lingüistas discutema função comunicativa da linguagem, nisso fica implicado que alinguagem pode também ser usada com funções não comunicativas. Para alguns lingüistas, interação verbalé comunicação e "comunicação" é o termo genérico que cobre todas as funções dalinguagem. É neste sentido que Jakobson fala de seis funções dacomunicação verbal.
Outros lingüistas restringiram o termo "comunicação" para apenas uma das várias funções da linguagem, geralmente aquela maisimportante. Nesse sentido, Martinet definiu comunicação como afunção central da linguagem que se refere à "necessidade que alguémtem de ser entendido" (1960: 18): Para François (1969: 75), outrasfunções como a expressiva e a apelativa não são comunicativas.
Por fim, definido como "a habilidade de se comunicar sobrecomunicação, de se comentar sobre as ações de significação dealguém e de outros", o conceito de metacornunicação foi primeiramente desenvolvido no contexto d;Psicopatologi;-(BATESONet al., 1956: 208). Assim, metacomunicação não se restringe auma metalinguagem científica (cf. SCHLIEBEN-LANGE, 1975),mas é um princípio da interação social cotidiana. Por isso mesmo,sua perda pode ser a causa da esquizofrenia.
Watzlawick et al. (1967) foram mais longe ao afirmar que arnetacornunicação está onipresente em qualquer instância da intera-
.ção social. Com seu axioma metacomunicativo, Watzlawick et aI.postularam a tese da impossibilidade de não se comunicar (1967: 4851). Depois de enfatizar que a comunicação pode ocorrer tantoverbalmente como em muitas modalidades não-verbais, os criadores deste axioma argumentaram: "O comportamento não temoposição. Não há algo como o não comportamento. Ninguém podenão se comportar" (ibid.: 48). Assim, também "ninguém pode nãose comunicar" (ibid.: 49). Mesmo o silêncio e o "não comportamento" têm o caráter de uma mensagem.
l)evjto (1997: 20-31) definiu os princípios da comunicação--humanacorno se segue: a comunicação é um pacote de signos; acomunicação é um processo de ajustamento; a comunicação envolve conteúdo e dimensõ~s relacionais; as seqüências comunicativas são pontuadas; a comunicação envolve transações simétricas e complementares; a comunicação é transacional; a comunicação é inevitável, irreversível e irrepetível.
Pacotes de signos dizem respeito aos diferentes tipos de signos que concorrem para compor uma mensagem. Esses pacotesem geral nos passam despercebidos, mas quando há uma contradição na relação de um pacote com outro, por exemplo, quando.expressamos medo com as palavras e o resto do corpo se mantémrelaxado, tomamos consciência desse princípio dá comunicação.
Embora duas pessoas possam estar utilizando os mesmos sistemas de linguagem, a comunicação só ocorre através de um processo de acomodação ou ajustamento contínuos para permitir quea comunicação ocorra. Esses ajustamentos são tanto mais necessários nos casos de comunicação entre pessoas de gerações, cul- •turas e classes sociais diferentes. •
A comunicação se refere, ao mesmo tempo, a algo que estáfora do intercâmbio entre emissor e receptor e à própria relaçãoentre esses dois parceiros. Esses dois aspectos se reportam à dimensão do conteúdo e da relação comunicati va.
••••••••••••••••'.
'-VIIIUIII~Q'TQV v r C;:'L!UJ;:'Q
•• Embora os eventos comunicativos sejam transações contínuas,• como participantes ou observadores, segmentamos o fluxo con-• tínuo da comunicação em pequenos pedaços. Costumamos cha
mar alguns desses pedaços de causas ou estímulos e outros de
• respostas ou efeitos.As relações comunicativas podem ser tanto simétricas quanto
complementares. Nas simétricas, os indivíduos envolvidos espelham o comportamento um do outro. Nas complementares, o comportamento cie um serve como estímulo para o comportamento complementar do outro.
Quando a comunicação é vista como um processo transacional,cada pessoa é, ao mesmo tempo, emissor e receptor, simultaneamente enviando erecebendo mensagens.
A comunicação é inevitável porque, mesmo quando não queremos, estamos o tempo todo emitindo mensagens para o outro.Ela é irreversível porque não podemos voltar atrás naquilo que jáfoi comunicado. Por fim, a comunicação é irrepetível porque todos e tudo estão continuamente mudando. Em razão disso,mesmo quando lemos o mesmo livro , ou assistimos a um mesmo filmepela segunda ou quarta vez, esse filme não será para nós o mesmofilme.
z Tendo esse panorama como pano de fundo, tomando-se agoraas constantes, isto é, os traços comuns a todas as definições queforam enunciadas acima, pode-se extrair uma definição ampla egeral de comunicação que assim se expressa: a transmissão dequalquer influência de uma parte de um sistema vivo ou maquinal
• para uma outra parte, de modo a produzir mudança. O que é transmitido para produzir influência são mensagens, de modo que a
. ' comunicação está basicamente na capacidade para gerar e consu-mir mensagens. Assim definida, a comunicação, algo que muitoscomunicólogos atribuem só aos humanos, já "está presente nasformas mais 'humildes de existência, sejam elas bactérias, plantas,animais ou fungos, além de aparecerem nas suas partes subcornpo-
nentes, tais como unidades subcelulares (por exemplo, as mitocôndrias), células, orgúnculos, órgãos e aSSilTI por diante" (SEBEOK,1991: 22-23). Bem antes de operar no mundo macroscópico dasrelações sociais humanas, a comunicação já opera na microscopiados corpos vivos (ver JOHNSTON et aI, 1970; TOMKINS , 1975 ;NEHER, 1992; SONEA, 1995).
Transportada inicialmente pelo código molecular primordial ,sujeita a uma contínua mudança qualitativa e quantitativa dos segmentos genéticos e, posteriormente, transportada pela rede imunológica de células que operam através de substâncias mediadorasativas, a comunicação é, necessariamente, uma propriedade de todae qualquer forma de vida (SEBEOK, 1993: 3).
Além de sua presença nos sistemas vivos , são nada menos doque processos de comunicação que fazem as máquinas e os grandes sistemas cibernéticos funcionarem , conforme Wiener (1961)já demonstrou (ver também ECO, 1971).
Uma tal ampliação do sentido de comunicação não é mera sofisticação inconseqüente. Ela se tornou hoje imperativa, pois, jános fenômenos de massa e, muito mais hoje, no fenômeno explosivo das redes planetárias, a dinâmica da comunicação se faz muito mais entender à luz dos modelos do funcionamento dos sistemas vivos em nível microscópico, e mesmo à luz das leis que apsicanálise extrai dos mecanismos do inconsciente, do que dosprocessos conscientes de comunicação humana em nível social. Épor isso que estes têm muito a aprender com aqueles.
2. EMERGÊNCIA E DESENVOLVIMENTO DA ÁREA
DE COMUNICAÇÃO
Na longa história da cultura humana, a preocupação com osfenômenos da comunicação é uma preocupação recente. Ela datade meados do século XX, tendo coincidido com a explosão do s
meios de comunicação de massa e a consequente emergência da
cultura de massas. Desde então, a comunicação e as questões queela traz consigo foram se tornando cada vez mais sensi vel mentepresentes até sua inegável onipresença resultante da recente proli-
feração das redes planetárias de telecomunicação. ,Embora os fenômenos da comunicação certamente já existis-
sem antes da cultura de massas, esses fenômenos não eram 'tão
abundantes nem tão diversificados corno passaram a ser. No mun
do grego, dominado pela cultura da oralidade, a comunicação era
estudada sob o nome de retórica, arte, especial mente oratória, de
persuadir (ver BARTHES , 1970) . A invenção de Gutenberg, no
século XV, que trouxe consigo a cultura do livro, foi revolucioná
ria e inaugural de Lllll novo tipo de cult~lra, a cultura do livro, das
belles l~ttres. Entretanto, não chegou aproduzir um pensamentoespeculativo, teórico ou reflexivo sobre a comunicação. Enfim,não produziu moditlcações substanciais nos modos de sentir os
fenômenos comunicacionais , com exceção feita ao fato de que
data dessa época o surgimento das metáforas,do universo impreg
nadas da imagem do livro: o "universo corno livro", "o livro da
~ natureza" etc. (ver ROTHAKER) 1979) ,Isso se deu muito provavelmente porq.ue a linguagem verbal,
oral ou escrita, é sentida como algo tão natural quanto é natural acomunicação que ela permite. Esse senso de naturalidade não pro
picia que questionamentos e problemas sejam levantados.
Na invenção da fotografia e do telégrafo, que se tornaram alia
cios diretos do jornal, no século XIX, encontram-se os gérrnens da
revol ução comunicacional que, tendo emergido na revel ução in
dustri al , cresceu exponencialmente com os meios eletrônicosde 'com unica ção massiva, rádio e TV, em meados do século XX,para alcançar surpreendentes dimensões planetárias COll1 a revo
lução ci berespaci al , na virada do século XX para o XXI.
AI suns defendem a idéia de que a comunicação de massa teveo "
seus precursores já ern sociedades agr ícol as e pré-agrícolas
24 Comunicação (;. Pesquisa 25•
Lucia Santaella ,. •
.'(STRAUBHAA,R e LAROS:g, ~997: ,~7). J:- rigor, e~t~et~nto, o,primeiro meio de comunicação de massa foi o livro in:pres90qL~e, •a partir da prensa mecânica, 'no século XIX, foi atingindo tiragens •
cada vez mais numerosas (MCQUAÍL, 198.3: 19 apud ·S ~~- . 'TAELLA 2000: 34; CROWLEY e HEYER 1999: 81-130) . Entre- .Jtanto , o fato de que o livro seja lido por um indivíduo no recesso . 'de sua solidão meditativa, mesmo quando a tiragem do livro alcan- •
ça números significativos, o processo comunicativo que o livro •
instaura, especialmente quando comparado COIn meios quantita- •
tivarnente poderosos corno o rádio e a TV, não costuma ser enqua- •
drado no perfil de comunicação de massas. •Do livro para o jornal, ocorreu um salto no caminho para a
comunicação massiva, visto que a tiragem diária do jornal alcan- ~ça números com os quais poucos livros podem sonhar. Além dis- •
so, a natureza descartável do jornal já começa a acomodá-lo dentro •
do requisito da provisoriedade que é básico na cultura de massas. De ' •fato,- novos método'sd~ produção, acasalados COIU a explosão .,
demogr áfica e a emerg ência-de novas audiências nos grandes centros •
urbanos, levaram ao advento da imprensa e prepararam o terreno para •
os meios de massa (CROWLEY e HEYER, ibid.: 135-213). •, A grande explosão da comunicação massiva, entretanto, viria •
com seus do~s gigantes,.o. rádio e. a TV que, tendo seus alimentos . •fundamentais na publicidade, Instauraram a cultura popular '
massiva, Foi só então que a comunicação se instituiu como área •
de conhecimento reclamando para si urna certa autonomia , 'por ••exemplo, nos estudos da publicidade, nas análises de conteúdo
das mensagens veiculadas pelos meiose na pesquisa de opinião: •
Segundo nos informa Noth (1990: 169), técnicas de persuasão, •transferência de informação e liderança de opinião enquadraram- •
se como tópicos desse novo campo de pesquisa (cf. SCHRAMM, •
1963; CORNER & I-IAWTHORN, 1980), campo que foi se de- •
senvolvendo até chegar à proposta de uma ciência da comunica- •
ção COI11 a pretensão de "entender a produção, processamento e •
••
efeitos dos sistemas de símbolos e sinais através do. desenvolvi
mento de. teorias testáveis que contenham leis gerais" (BERGER
& CHAFFEE, 1987: 17) . Mas isso já nos leva aos interiores das
teorias da comunicação, assunto que reservei para ser tratado no
próx imo capítulo.
•.) 26
••••.;I.,•.;••••••."••e\.'
•.1.,••••••••••.'
Comunicação fI Pesquisa
.'
HISTÓR'ICO DAS TEORIAS, MODELOSE ÂMBITOS DE PESQUISA
NA COMUNICAÇAO
Este 'capítulo tem por função apresentar ~lm breve panorama
do desenvolvimento histórico das teorias , modelos e te~dências
da pesquisa em comunicação, Un1 tal panorama parece fundamental
corno port~. de entrada para aqueles que pretendem elaborar um
projeto de pesquisa na área . Por isso mesmo , conforme deve ser
cabível a urna mera portade entrada , limito-me a indicar os carn
pos de pesquisa acerca dos quais existe urn certo consenso corno
sendo definidores da área de comunicação no seu todo .
O panoramanão incluirá as teorias mais específicas e setoriais
dos veículos de comunicação (imprensa, fotografia, cinema, rá
dio, TV etc.). Tamb ém não incluir á teorias híbridas que se desen
volvem no cruzamento de áreas, tais COll10 antropologia da comuni
cação, comunicação política, etc. Nemincluirá as variadas e possí-
.veis conexões dacomunicação, COl110, por exemplo, com as tecno
logias ou com as instituições, etc.., pois tudo isso nos levaria a ca
minhos sern fim de ramificações e especializações. Se não são
aqui consideradas no seu aspecto de teorias, essas ramificações
serão, entretanto, levadas em conta quando ela construção elo nos
so mapeamento da área ele comunicação a serrealizada no capítulo 2.
Há duas obras bastante relevantes que trataram elo desenvolvi
rnento histórico das teorias c1~ comunicação: Teorias da Comuni-
cação, de Mauro Wolf (1987) e História das Teorias da Comunicação, de A . e M. Mattelard (1999) . Wolf desenvolveu uma cui
dadosa história das teorias da cOlllunicação de massa , desde osseus primórdios, entre as duas guerras mundiais do século XX,até as tendências que estavam surgindo pouco antes da escritura
de sua obra, publicada originalmente em italiano, en11985 . Antes
da emergência daquilo que o autor chamou de "novas tendências",
foram oito os momentos através dos' quais os estudos sobre os
meios de comunicação de massa se desenvolveralll: a teoria hipo
dérmica, a teoria ligada à abordagem empírico experimental, a
teoria que deriva ~a pesqu~sa ernpfrica de campo, a teoria de base
estrutural-funcion~1ista,a teoria crítica dos mass media, a teoria
culturológica, os cultural studies e as teorias comunicativas . ., " , ,~ ~ . " , ' ,
No decorrer de sete capítulos, A. eM. Mattelard apresentaram
Ul11 amplo panorama do desenvolvimento das teorias.da cornuni
cação e de sua inserção no contexto histórico e soci ~l" ~:.~m que se
originaram. Dada a -impossibilidade de colocar as teorits em uma i '
seqüência linear, visto que tendências distintas de investigação
foram se desenvolvendo paralelamente, os capítulos se distribuem
em grandes ternas: o organismo social, os empirismos do n6va....
.mundo, a teoria da informação, ~ iJ1.ç1ps.t1~i'a cultural, ideologia epoder, a.economia .polftica da 'c~ ll1ú ni~Tação , o retorno .qq~ co ti dl a-
. ... ;. .A'h.
no 'e , por fim, o domínio da comunicação .. , Outra obra que desenvolve'u LlI11a aproximação histórica das
origens.,lilétodos e usos da comunicação n?s meios de rnassas'é a
de Severin e Tankard (1992). A introdução aos estudos de massmedia da primeira parte é seguida pela apresentação dos modelos
de comunicação de massa na segunda parte, enquanto a t.erceira
parte está voltada para os estudos de percepção e linguagem. Aquarta parte é dedicada às pesquisas sócio-psicológicas, a quinta
parte aos efei tos: e usos dos mei os de massa e a sexta 'e' últi 111a'
parte, à questão das instituições midiáticas,
Tornando como referência o contexto bt:asiLeiro, Lopes (1990 :
43-59) apresentou Uj11 panorama da periodização da pesquisa em
~onlunicação social. Essa pericdização encontra sua correspon, dênci a na noção de paradigmas científicos qu~, à luz do conceitode Kuhn (1'976), foram tornados pela ~Lltora co~o :"I~'atri ~es clis
ciplinares de determinadas construções teóricas sobre o objeto da
, comunicação comumente adotadas nas 'pesquisas de Comunica-
ção Social" (LOPES, ibid.: 32).
Fora,m 'os seguintes os períodos levantados: dé~ada de 50, ca
racterizada por pesquisas funcionalistas baseadas em métodosquantitativos: de conteúdo, de audiência e de efeitos. Década de
~9, caracterizada por pesquisas furicionalistas baseadas em méto
dos comparativos e de estudos 'de comunidades, na linha da co
municação ~ desenvolvimento. Nessa época, começaram a surgir
os primeiros estudos sobre indústria cultural 'b ase'ado~ na E~colade Frankfurt. D écada de 70,quan~0se deu o apogeu' da influ~~ciadessa Escola sobre os estudos da comunicação no B'~-asi~, ao mes
mo tempo que as pesquisas funcionalistas encontravam sua conti-.nu id ade ern estudos descritivos d,e comunicação nacion~l'e i~;t~~:~~ .. .. .
'nac ion al. Por fim, ~ década de 80, que se' caracterizou pelas pes-
quisas funcionalistas sobre aspectos da produção e circulação da
~G?w un i cação , por estudos crfticos de modelos t~óri~~s"~ busca de
u~a teoriae metodologia latino-americanas; caracterizou~seain
da pela politização das P..esquisas sob infiuên~ia' ~eGra1?ls'ci, pe
}as metodologias qualitativas e por temáticas como novas tecno
) 9,?.l.as , transnacionalização da .cu lt ur é}. e comunicação' popular
(i,Qid.: 43-44). '~ . ~ ; ... o .
Também no Brasil , mais recentemente, Rüdiger (2,000) publi-
cou um artigo no qual traçou, em passos largosvuma trajetória
hi~tó:··ica do campo da comunicação nos seguintes períodos: (a) o
periodo clássico da Escola de Columbia, de 194Q. a 1960; (b) acontribuição do funcionalismo e a ascensão da serniótica de 1960
_ 'I: _ , . . ... o . , • .- -.' . • .
a 1980; (c) o retorno à hipótese da mídia forte ea retornada do
28 Comunicação [; Pesquisa-: -- ., .
Lucia Santaella .'29 •
••••.'••.'••.1.J.;.).).)•.)••.).)••.)••••.)•.).)
legado crítico, de 1970 a 1990, e (d) a emergência dos estudos
cultu-rais, desde 1980.Para finalizar esse tópico dos panoramas históricos das teorias
da comunicação, vale a pena mencionar o 'livro de Fiske (1990).Realizando uma síntese radical, esse autor estruturou o seu livro
tomando como base a redução de todas as teorias da comunicação
a apenas duas escolas fundamentais: preocupada com o modo corno
emissores e receptores codificam e decodificam, COIno transmis
sores usam canais e meios de comunicação, a primeira escola vê a
comunicação como transmissão.de.mensagens. Daí se preocupar
com assuntos· como eficiência e exatidão, pois a comunicação é
vista corno um processo que afeta o comportamento ou estado de
espírito dos receptores. Fiske chama essa escola de processual.
Sua tendência é basear-se nas ciências sociais e psicologia, d-irí
gindo-se para atos de comunicação. Nessa escola, a interação so
cial é vista como um processo através do qual pessoas se relacio-.
nam umas COlll as outras ou afetam o comportamento e respost~emocional das outras. Por acreditar na intenção do emitente corno
fator crucial, a mensagem, por sua vez, é vista COlllO aquilo que é
transmitido no processo comunicacional. A intenção do emis's'6i~
pode ser explícita ou implícita, consciente ou inconsciente, mas
deve ser recuperável através da análise.
. Para a segunda escola, a comunicação é produção e tro'ch'a'~
significados. Por isso, preocupa-se com o modo COl1l0 as mensagens ali textos interagem com as pessoas a fim de produzir signifi
cados, preocupa-se, portanto, com o papel que os textos desernpe
nham em urna cultura. Por isso mesmo, a eficiência comunicattva
não é um problema para essa escola. Mal entendidos são evidêl~
cias de diferenças culturais. O principal método dessa escola en
contra-se na serniótica, ~ Ciência dos signos e significados. Para
ela; estudar comunicação é estudar textos e cultura. Nesse contex
to; a interação social é concebida corno aquilo que cóns'titui o
indivíduo COl1l0 membro de uma determinada cultura ou sociedade'.
...... '.:~.. ~'l...,
1. A MASS COMMUr:IICATION RESEARCH E
SEUS DESDOBRAMENTOS
..... ':i>~. /'''2..:',; ;';", .
Ullla C!~J:fllhadahistória dà'coinl1UÚ1icClÚon research, nos Estados Unidos, desde suas origens até ~'segllnc(aIl~~t~d~dos'anos 80,pode ser encontrada ern Delia (1987: 21-98). Seu texto está divi-'"
didoern três partes. A primeira vai de 1900 até 1940. Centrada es
pecialrnente na figura do cientista político Lasswell, nela é apre
sentado o nascimento das pesquisas subseqüentemente na análise
de ternas políticos e sociais da comunicação pública, na análise de
contcüoo, l:a análise quantitativa elas mensagens e na pesquisa"
cornunicacional focada comercialmente. A segunda parte' vai de
1940 a 1965. 19~0 trouxe consigo, segundo o autor, a consolida
çã~ ~a ciência da comunicação através das tradições fundadas
pnncipatmente pelo psicólogo Hovlanel, de um lado, e o sociólo-
31Lucia Santaella
A mensagem, por sua vez, é a construção de signos que, na
interação com os receptores, produzem significados. Toda a ênfa
se aqui recai sobre o texto e o modo como é lido, sobre o proces
so de descoberta de significados que ocorre quando o receptor
interage e negocia COlll o texto. Essa negociação implica a expe
riência cultural baseada em códigos e signos compartilhados em
maior ou menor medida. Assim sendo, a mensagem não é algo
enviado de A para B, mas um elemento de uma relação estrutura
da que inclui o emissor/receptor e a realidade externa (ibid.: 2-3).
Embora tenha me valido das obras apresentadas aci ma, são
distintos dela~.os agrupamentos e a seqüência que escolhi dar àapresentação ?O desenvolvimento histórico das teorias da comu
nicação. A meu ver, as teorias, 1l10d~I.()s e âmbitos da pesquisa ern
comunicação se agl:ljpalll em quatro grandes tradições: (1) á mass
COI11771.Unicatiqn research. e seus desdobramentos, (2) as teorias
críticas, (31:.:~,s modelos do processo comunicativo e (4) as correntes culturolôgicas e midiáticas
x.omurucaçao CJ r esqursujU••••••••••••e'e••••••.'.J
• i
•••••••••••(.)
' go Lazarsfeld, de outro. Na terceira parte, para o autor, odesenvol
vimento da área de comunicação foi grandemente devid~ à sua inserção nas escolas de jornalismo. Nos anos 80, a característicaprimordial da área estava no alargado espectro de suas perspectivas.
Para Del ia, houve três fontes recorrentes de influência para a
pesquisa em comunicação nos Estados Unidos, no século XX: em. pr ime iro lugar, a identificação dessa pesquisa com o estudo dos
meios de comunicação de massa. Em segundo lugar, a preocu
pação corn o papel dos meios de comunicação pública na vida so
" cial e política. Em terceiro lugar, no desenvolvimento das práticas
profissionais .dentro e através das disciplinas das ciências sociais.
O panorama que será apresentado abaixo dessa tradição de
pesquisa não tem nenhuma intenção de ,ser exaustivo, mas apenas
marcar aslinhas de força de sua constituição e desenvolvimento ..A origem mais palpável da mass cornmunication research. re
monta à obra de H. D. Lasswel1, publicada em 1927, com o título
de Propaganda techniques in the world war. Esse tipo de pesqui-. sa foi fruto da difusão ern larga escala das comunicações de massa
e representou a primeira reação que essaexplosão da comunica
ção massiva viria provocar em estudiosos de proveniências diversas. Trata-se de urna abordagem global dosn~a~s media, indiferente à diversidade existente entre os vários meios de comunica
ção . Essa abordagem visava, sobretudo, respond,er à..seguinte in
terrogação: que ~feito têm ~s mass media ern ~~nla sociedade de
massa? Calcada ern Ullla visão da audiênci~~, .~OlllO urna massaamorfa, que responde cegamente aos estímulos dos meios, essas
pesquisas ficaram conhecidas como hipodérmicas devido à explicação dada por Lasswel [ de que a mídia age segundo o modelo da
" ,
"agulha hipodérmica", que provoca um efeito direto e indiferen- I
ciado sobre indivíduos isolados. Por isso 111eSlllO, essa teoria se.. .: .
sustentou sobre dois pilares. O primeiro deles estava no conceito
de sociedade de massa, concebida corno
"um agregado que nasce e vive para além dos laços comunitários e
,co ntra esses mesmos laços, que resulta da desintegração das culturas
I?cais e no qual as funções comunicativas são necessariamente im
pessoais e anônimas. A frag il idade de uma audiência indefesa e pas
siva provém precisamente dessa dissolução e dessa fragmentação"
(WOLF, ibid.: 26)., .
O segundo pilar encontrava-se nos modelos teóricos da cornu
nicação, que davam sustento a esse tipo de pesquisa, a saber, a
teoria da ação elaborada pela psicologia behaviorista de Watson,
pelas teorias do r~lsso Pavlov sobre reflexo condicionado e a psico-
. log ia das massas de Le Bon. Essas teorias se adaptavam perfei
tarnente às teorizações mecanicistas sobre a sociedade de massa,
fornecendo-lhes "o suporte enl que se apoiavam as convicções
acerca dainstantaneidade e da inevitabilidade dos efeitos:' dos .mass media sobre as massas (WOLF, ibid.:'27).
" ;._ A abordagem ernpfrico experi men tal ou "da persuasão", que, levou, mais tarde, à.superação da abordagem' hipodérmica" apre
sentou .d.~las.fa.cetas: (a) empírica de tipo psícologico-expenrncn
t~1 ou de tiposociológico e (b) funcional, representada pela abordagem funcionalista dos meiosde massa.
Severin e Tankard (ibid.: 131-203) apresentaram as pesquisas
~.~ócio-psicológic~sern suas várias tendências. Dentre elas, as prin
cipais ~s.tão, de um lado, nas teorias de consistência cognitiva que
. s ~ desenvolveram na teoria do equiiíbrio de Heider, na teoria si
métrica de Newcornb, na teoria da congruência de Osgood e na
teoria ela dissonância cognitiva de Festinger. De outro lado, estãonas teorias da persuasão que se desenvolveram a partir do conceito de atitude de Hovland. Essas duas téndências teóricas maiores
sobre mudança de atitude, a da consistência, de Festinger e outros, e a da aprendizagem, de Hovland, existiram lado a lado por
algum tempo, com pou,ca relação aparente entre si. Foram Daniel
Katz e seus colegas Sarnoff e McClintock que, desenvolvendo a
32 Comunicação fI Pesquisa
I
r ,
Lucia Santaella 33••1
•••.:•.'•.1•••I.;•••••.;•.''.'•••••.'•••••••••.L
teoria funcionalista, reconciliaram esses dois modos distintos de'
lidar CO~l a mudança deatitudePa;-a \Volf (ibid.: , 3'4) ~ a "teoria dos meios de comunicação que
resultou dos estudos psicológicos 'experimentais levou à supera
ção do entendimento do processo cornunicati vo corno U111a rela
ção mecanicista e imediata entre estímulo e resposta, o que tornou
evidente, pela primeira vez, na pesquisa sobre comunicação de
massa, a complexidade dos elementos que entram em jogo na re
lação entre emissor, mensagem 'e destinatário.
A faceta empírica de tipo sociológico, por seu turno, r~!eria
se a todos os mass media sob o ponto de vista de sua capacidade
de influenciar o público, com atenção, entretanto, à capacidade
' difere~c i a cia de cada mass media para exercer influências distin
tas. O 'pro ble ln a continuou aí a ser o dos efeitos , mas colocado de
modo menos simplista do que na teori a hipodérmica. O coração
da pesquisa sociológica de campo consistiu na associação de "pro
cessos de comunicação de massa às características do 'con texto
, social em 'q ue esses 'processos se realizam" (ibid. : 47 ). Fundarnen
talmente presente 'nos' influentes trabalhos' de P. Lazarsfeld e R.Merton, dentro desse tipo depesquisa distinguiam-se duas corren
tes: (a) Oestudo da composição difel:~nciadados públicos ~ dos seus
modelos de consumo de comunicação de massas e (b) as pesqui
sas 'sobre as mediações sociais que caracterizam esse consumo.
Bastante conhecida se tornou a pesquisa baseada no tw?, step
fl ow communication, desenvolv ida por E . Katz e P. Lazarsfeld
Ci95S; ver também KATZ, 1957). Sob essa ótica, os meios de
comunicação não influenciam diretamente o público iorie step flow ,
"fl uxo unidirecional"), mas o influenciam pela mediação de gru
pos o'u'de'Jfdei-es que retornam ounão a mensagem da inídia , ,ha
vendo um fluxo de influência da mídia sobre os líderes e destes
sobre aopinião (SFÉZ; 1994: 83). .Tendo começado com os problemas da manipulação, para pas
sar aos 'da persuasão, depois à influência, ás pesquisas em cornu-
r .
"a problemática dos mass media a partir do ponto de vista da socie
dade edo seu equilíbrio, da perspectiva do funcionamento do siste
'ma social no seu conjunto e do contributo que as suas componentes
(mass media incluídos) dão a esse funcionamento. O que importa aí,
portanto , é "a,dinâmica do sistema social e o papel que nela desem
penham as comunicações de massa" (W OLF ibid .: 63) .
meação de massa chegaram, assim, ao estudo das funções, que
obtinha seu suporte na teoria sociológica estrutural-funcional ista
cujo grande ideal izador foi Talcott Parsons. .autor da obra The
structure ofsocial action (1937). À luz dessa teoria sociológica, a
pesquisa ern comunicação, que se tornou dominante nos Estados
Unidos, visava definir
35Lucia Santaella
Algum tempo depois, um desdobramento da teoria funcio-
- na lis ta que' alcançou notoriedade foi a hipótese dos " usos e satis
fações" (uses and gratificdtionsv . Ainda enraizados nas ciências
sociais, os estudos dos efeitos passaram dos usos corno funções
para as funçõesdos 'usos , saltando. iportanto, da pergunta "o que
os mass media fazem com as pessoas'?" para a pergunta "o que é'que 'ás pessoas fazem com 'os mass media'l" Assumindo que a
audi'êncÜi é tão ativa quanto os emissores das mensagens , esses
estudostomaram como base a crença de que a audiência apresen
ta um complexo conjunto de necessidades que ela busca satisfa
zer com os mass media. Assim, o traço característico da hipótese
"dos usos e satisfações" foi considerar o conjunto das necessida
des do destinatário COlno urna variável independen te para o estu
do dos efeitos. Sob esse ponto de vista, a influência das comuni
cações de massa permanece incompreensfvel se não se considerar
a sua importância relativamente aos critérios de experiência e aos
contextos situacionais do público, pois "os sistemas de expectati
vas do destinatário não só intervêm nos efeitos provocados pelos
Comunicação & Pesquisa34••••••••••••.\•••.'•••••••••••••••••,e\
rnass media como também regulam as próprias modalidades de
exposição" (WOLF, ibid.: 78; FISKE, ibid .: 151).Nos anos 80, essa corrente dos "usos e satisfações" aprofundou-
. se no papel assumido pelas audiências e pelo seu envolvimento,este dependente da maneira como as diferentes culturas constróemo papel do receptor, isto é , como grupos particulares no seio de
diferentes culturas realizam leituras singulares, por exemplo, de
um mesmo seriado de TV (A. eM. MATTELART 1999: 151).Em 'franca oposição aos métodos quantitativos e à análise do
conteúdo manifesto da mass comrnunication research, desenvol
verarn-se, também nos Estados Unidos, pesquisas etnorneto
dológicas tendo como tarefa dar co~ta da dimensão subjetiva dosprocessos de comunicação. Com isso , buscou-se resgatar' ao re
ceptor a capacidade de produzir sentido e de desenvolver proce
dimentos de interpretação. Vendo a comunicação como uma prá
tica social e textual, os trabalhos etnográfJéq?buscaramr'~c'uperar
a dimensão social não em uma teoria sócio-politica de larga-escara mas nas circunstânciasconcretas da vida cotidiana. Isso envolv~ a observação daspessoas nop~·ocesso·c.oTn~inicativo, ·fazendoos faiar sobre seu papel (FISKE··ibid.: 161).
Conforme Wolf, o início dos anos 80, foi marcado por uma
situação de transição nos estudos de comunicação de massa. Nes
sa fase transicional, sob seu ponto ' de vista, duas t~n~êfências de
pesquisa se destacaram. A elas Wolf deu grande atenção em seu
livro·:.-'~ hipótese do ag enda-setting e o newsmaking . À luz do agen
da setting, dada sua responsabilidade na.seleção e classificação
das informações, os edi tores e programadores desempenham Ul11
papel importante na formação da realidade social. , - ' : ~
A hipótese do ag enda-setting não defende que os mass-mediapretendam persuadir. Quando descrevem e precisam a realidade
exterior, os mass media apresentam ao público urna lista daquilo
sobre que é necessário ter urna opinião e discutir. O pressupostofundamental do ag enda-setting é que a compreensão que aspes-
......- ..
Lucia Santaella
soas têm de grande parte'da realidade sociallhes ~ fornecida, por
empréstimo, pelos mass media" (SHAW, 1979: 96). Para Bougnoux,
"Antes de chegar até nós como sendo o próprio fumar do mundo ,
. todo acontecimento já foi selecionado pelos desks de agência, pro
movido, envolvido e aromatizado pelas salas de redação .. . O grande
relato de nossa época, nosso espelho e nossa auto-referência perten
cem, doravante, aos meios decomunicação de massa ; presentemente
é a imprensa que faz a história e detém a 'função de agenda" (= o que
se deve pensar em cada manhã)" (1994: 161-162)
•37 •
••••.1.;.'.;•••e\
Segundo Sfez (1994: 87), com o agenda-setting , seus autores, •Mac Comb e Shaw (1972) ,. buscaram evitar os inconvenientes, de •
um lado, dasteorias .dos efeitos diretos da mídia, de outro, da •
teoria psicológica t? cognitiva dos "usos e gratificações" . Para eles, •
há efeitos da mídia, mas esses efeitos são indiretos : Usos e gratificações são buscados, mas "a necessidade de orientação é bem . ;
mais flexível, menos racional, menos cognitiva do que se acredi- •ta". Por isso mesmo, o agenda-setting produz influência a longo . ;
.t.J?razo, ao contrário das concepções cognitivas da "necessidade de •
orientação" (ver também SEVERlN e TANKA}~.D, 199.2: 297-229).•
A segunda tendência apontada por Wolf, onewsmaking, ba- •
~...sei a-se em técnicas de pesquisa participativa, pois °qu.e importa •
nesse tipo de investigação é a prysença do investigador no local. •
A abordagem articula-se sempre dentro de doislirnites: a prC?du- •
ção de informações ..de massa depende, <!e Y~ll lado , 9.~ cultura .'profissional dos jornalistas e a organização do tra~al.ho e, de OLl- •
tro, dos processos produtivos . As conexões entre esses dois lados
se constitui no ponto central desse tipo de pesquisa. . •
Depois de quinze anos desde a publicação de seu livro, atual- •
111ente se pode ver queWolf deu mais valor a essas duas tel~dên- •
das do que elas mei..eciam, visto. q.L;e:.n~_o chegaram a.se ~OI1st.~tuir,.)de modo algurn, em teorias da comunicação com a generalidade.'
•~-
Comunicação 0- Pesquisa '36
-"- - - - - _._.._ - - - - -
2. As TEORIAS CRÍTICAS
Na contracorrente da mass communication research qu e 'sedesenvolveu nos Estados Unidos, surgiu na Alemanha, por volta
da segunda guerra mundial, na chamada Escola de ' Frankfurt um,movimento intelectual que passou a ser conhecido sob a rubricade teoria crítica. O ponto de partida da teoria crítica foi a dialéticada economia política fundada no materialismo marxista, ou seja, acrítica à sociedade de mercado na qual se dá a alienação dos indi
víduos em relação à sociedade como resultante histórica da divisão de classes.
A teoria crítica se propôs como uma teoria da sociedade noseu todo, insurgindo-se contra as disciplinas setoriais, especia
lizadas em diferentes campos de competência e subordinadas àrazão instrumental. Desviando-se, em função disso, da compreen-
que estas exigem. Trata-se muito mais "de teorias setoriais, próprias do campo específico da imprensa, que só de maneira muitoforçada podem se prestar a uma generalização para todos os campos da comunicação.
Embora tenha sido correto o diagnóstico feito por Wolf de queo início dos anos 80 surgia como um momento de transição, esse
diagnóstico errou de alvo em relação aos rumos dessa transição,
rumos que Wolf não foi capaz de pressentir. Por estar excessivamente preso à idéia dos mass media, Wolf deixou de ver que ahegemonia dos meios de massa e a idéia mesma de comunicaçãode massa começaria a ser posta em crise a partir dos anos 80,quando vários fatores vieram precipitar a entrada dos fenômenoscomunicacionais em um universo extenso e diversificado de no
vas questões. Mas esse é um assunto que será considerado oportunamente. Por enquanto, passemos para a segunda tradição dosestudos de comunicação.
"divertir-se significa estar de acordo [...]; significa sempre: não de
ver pensar, esquecer a dor mesmo onde essa dor é exibida. Na sua
LUCia oantaeua
são da sociedade como um todo, essas disciplinas acabam por
funcionar como mantenedoras da ordem social existente.Enquanto a sociologia funcionalista concebia as mídias como
"novas ferramentas das democracias modernas, como mecanis
mos decisivos de regulação da sociedade" (A. eM. MATTELART,1999: 73), os filósofos da escola de Frankfurt, especialmente Horkheimer e Adorno, que durante o nazismo se exilaram nos Esta
dos Unidos, criaram, em meados dos anos 40, o conceito de indústria cultural através do qual desmistificavam as ilusões acalentadas pelo funcionalismo. À luz desse conceito, a produção dos bensculturais está inserida no movimento global de produção da cultura como mercadoria, selando a degradação do papel filosóficoexistencial da cultura. Portanto, através desse conceito de indús
tria cultural, a teoria crítica se aproximou da questão dos massmedia. De fato, foi sobre a indústria cultural que a teoria crítica
incidiu mais contundentemente a sua crítica.Segundo a lógica da indústria cultural, todo e qualquer produ
to cultural ~" um filme , um programa de rádio ou de televisão, umartigo em uma revista etc. - não passa de uma mercadoria submetida às mesmás leis de produção capitalista que incidem sobrequaisquer outros produtos industrializados: UIn sabonete , um sa
pato ou quaisquer outros objetos de uso. Diferentemente destes,
os produtos da indústria cultural são simbólicos, produzindo nos
indivíduos efeitos psíquicos de que os objetos utilitários estão isentos. Entretanto, todos ilustram igualmente a mesma racionalidadetécnica, o mesmo esquema de organização e de planejamento administrativo que levam à uniformização e padronização. Em fun
ção disso, a ubiqüidade, a repetitividade e a estandardização daindústria cultural fazem da moderna cultura de massa um meio de
controle psicológico inaudito. Em uma sociedade como tal,
~omunlcaçao b l-"esqUlsa':>0
••••••••••••••••
•
••••••
••••••..
Da di versidade radical da teoria crítica em relação a outrasteorias dos mass media, resultou uma concepção diferente por elaprofessada acerca dos próprios mass media, visto que, segundosua ótica, trata-se aí de instrumentos de reprodução demassa que,na liberdade aparente dos indivíduos, reproduzem as relações deforça do aparelho econômico e social (WOLF, ibid.: 94).
Também alinhadas às linhas de força da teoria crítica estiveram as idéias de Herbert Marcuse. Enquanto Horkheimer e Adorno retornaram a Frankfurt depois da guerra, Marcuse permaneceunos Estados Unidos, na Universidade da Califórnia. Sua obra sobre O homem unidimensional (1964) tornou-se uma verdadeirabíblia da juventude contestatória do final dos anos 60. Com suacrítica, Marcuse buscava desmascarar a irracionalidade de ummodelo de organização social crescentemente conduzido pelasdeterminações da ciência e da técnica, que mais subjugam do quelibertam o indivíduo. Nessa sociedade unidimensional, na qual sócirculam "linguagens unidimensionais", não há mais espaço para
o pensamento crítico.Herdeira dessa corrente de pensamento e alinhada, portanto, à
tradição da teoria crítica, encontra-se a extensa obra do filósofoalemão Jürgen Habermas. Em 1962, publicou O espaço público.A rqueologia da publicidade co/no dimensão constitutiva da sociedade burguesa, onde lançava as bases para suas teses posterioressobre a racionalidade técnica, estas publicadas em 1968, no seulivro sobre A técnica e a ciência co/no ideologia.
Com o desenvolvimento das leis de mercado e com sua intrusãona esfera da produção cultural, dá-se o declínio do espaço público
"a manipulação da opinião, a padronização, a massificação e a ato
mização do público. O cidadão tende a se tornar um consumidor de
comportamento emocional e acIamatório, e a comunicação pública
dissolve-se em atitudes como sempre estereotipadas, de recepção
isolada" (A. eM. MATTELART, 1999: 82-83).
41Lucia Santaella
que se desenvolvera com a constituição de uma "opinião pública" em fins do século XVII na Inglaterra e no século seguinte naFrança. Esse espaço público caracterizava-se como mediador entre Estado e sociedade, permitindo a discussão pública, a troca deargumentos entre indivíduos e o confronto de idéias e opiniõesesclarecidas. Na sociedade de mercado, esse espaço público passaa ser substituído por formas de comunicação cada vez maisinspiradas em modelos comerciais de fabricação de opiniões. Aodefender essa tese, Habermas, assumiu posições similares às deAdorno e Horkheimer sobre
Dando continuidade a essa crítica, as posições defendidas posteriormente por Habermas no que diz respeito à racionalidade técnica funcionaram como uma resposta a Marcuse. Enquanto estenão via outro caminho para a libertação do homem unidimensionala não ser sob a condição de uma revolução completa da ciência edatécnica, Habermas buscou uma alternativa para a degenerescência política do Estado na restauração das formas de comunicaçãonum espaço público estendido ao conjunto da sociedade. A ênfase na comunicação viria a ser, daí para a frente, uma tônica daobra de Habermas.
De acordo com A. e M. Mattelart, as reviravoltas lingüísticasnos anos 60, da lingüística pragmático-enunciativa, que incorporou contribuições como as da teoria dos atos de fala (AUSTIN,1962; SEARLE, 1970), da nova retórica belga (PERELMAN eOLBRECHTS-TYTECA, 1958) e da pragmática alemã (WUNDERLICH, 1972), afetaram as sociologias interpretativas, os teóricos
Comunicação [, Pesquisa
base está a impotência. É efetivamente fuga; não como se pretende,
fuga da feia realidade, mas da última idéia de resistência que a reali
dade pode ainda ter deixado. A libertação prometida pelo amusement
é a do pensamento como negação" (HORKHEIMER e ADORNO
1947: 156 apud WOLF 1987: 87).
40
da sociologia da ação, especialmente Parsons, repercutindo também em Habermas . A partir disso, e tomando como base Weber eMarx, Lukács e Adorno, Mead e Durkheim, Habermas foi levadoa elaborar sua teoria do agir comunicativo, tendo em vista estabelecer os fundamentos conceituais de uma nova razão crítica, autônoma , adaptada ao nosso tempo (1981). À razão e ação utilitárias einstrumentais, que encontram nos meios de comunicação de massa seus dispositivos de transmissão privilegiados, Habermas contrapôs outros modos de ação e de relações com o mundo, quais sejam, "a ação objetiva e cognitiva que se impõe dizer a verdade, aação intersubjetiva que visa à correção moral da ação, a ação expressiva que supõe a sinceridade", em suma, "atividades de interpretaçãodos indivíduos e grupos sociais" (A. eM. MATIELART ibid.: 143).
Essa proposta de Habermas foi discutida pelos quatro cantosdo mundo, mas não tardou muito a ser questionada, visto que asexpectativas de compreensão que ela pressupõe parecem tomarcomo base o diálogo entre filósofos, além de que não prevêem assobredeterminações incontroláveis do inconsciente que interferemnas ações humanas (ver PRADO, 1996).
Embora também tenha pertencido à escola de Frankfurt, Walter. Benjamin desenvolveu formas de pensamento bastante autônomas que só vieram a ser mais plenamente recuperadas e inteligidasa partir dos anos 80. Dada sua autonomia, essas idéias não se enquadram fielmente na tradição da teoria crítica, mas se espraiam portodas as quatro tradições de estudos da comunicação que aqui delimitei, produzindo seus efeitos mais especialmente em algumasdas correntes culturológicas e midiáticas, além da grande influência que a obra benjaminiana (ver especialmente 1975) tem exercido sobre o pensamento da arte nas suas interfaces com a tecnologia.
Posição também independente, mas mais alinhada com aquiloque poderíamos continuar chamando de uma teoria crítica, en
.contra-se na obra do poeta e crítico dos meios de comunicação,Hans Magnus Enzensberger (1970). Seu desafio lançado às es-
querdas políticas de liberação do potencial emancipador dos meiosde comunicaçao se tornou mais conhecido depois de ter sido duramente criticado por Jean Baudrillard em um dos capítulos deseu livro Por uma crítica da economia política do signo (1972),
no qual BaudrilIard nega aos meios qualquer possibilidade de emancipação, pois eles são o que proíbe para sempre a resposta.
No contexto da cultura intelectual brasileira, Lopes (1990: 52)inseriu muito oportunamente a influência de Gramsci, nos anos80 , como constitutiva do paradigma da teoria crítica de extraçãomarxista nos estudos da comunicação.
Oriunda de uma outra cultura, a francesa, mas perfeitamentesintonizada com os princípios da teoria crítica, encontra-se a obraLa société du spetacle, de Guy Debord (1967). Tanto se alinhacoma teoria crítica, que suas teses chegaram aos Estados Unidosno auge do movimento contestatório do final dos anos 60, trazendo mais munição para os argumentos de Marcuse. Por espetáculo,Debord não quis significar exposição de imagens, mas as relaçõesdegradadas entre pessoas, relações estas mediatizadas pelos meiosde comunicação. Trata-se, portanto, de uma visão de mundo que seobjetivou e da qual não escapa nem mesmo o inconformismo, estetambém convertido em mercadoria em cada um dos pontos em que oconsumo invadiu espetacularmente a superfície de todos os continentes.
Também oriunda da cultura francesa, encontra-se a obra recente de L. Sfez (1994) . Embora não esteja diretamente filiada àescola frankfurtiana, pela autonomia de pensamento reivindicadapor seu autor, não só o título da obra, Crítica à comunicaçãn,quanto todo o seu conteúdo localizam-na dentro da moldura deuma teoria crítica à moda contemporânea. Sem desmerecer o amplo e admirável panorama de tendências e correntes da comunicação e suas vizinhanças que o autor apresentou, o modo de proceder de sua crítica convida a um breve comentário.
Toda a tradição da teoria crítica sustentou sua crítica ao tomarcomo base uma teoria geral da sociedade, a saber, a dialética da
••••
••••••••••••
•••••••
42 Comunicação [, Pesquisa Lucia Santaeua 4j
3. Os MODELOS DO PROCESSO COMUNICATIVO
A distinção entre teoria e modelo não é completamente nítida,por isso mesmo ambos são muitas vezes confundidos. De fato, em
45Lucia Santaella
algunsaspectos, os conceitos de teoria e modelo se sobrepõem,mas isso não significa ausência de diferença.
Segundo LavilIe e Dionne (1999: 93), teorias são generalizações de grande envergadura da ordem das conclusões ou interpretações. O valor de uma teoria é, sobretudo, explicativo; trat ase de uma generalização de explicações concordantes tiradas dosfatos que foram estudados para sua construção. Do ponto de vistado pesquisador, o valor de uma teoria é analítico, pois ela lheservirá para o estudo e análise de outros fatos do mesmo tipo.
Por teoria entende-se assim um corpo de generalizações e princípios desenvolvidos em associação com a prática em um campode atividade (medicina, sociologia, economia etc.), que forma seuconteúdo como uma disciplina intelectual. Outra definição similar nos diz que teoria é um conjunto coerente de princípios queconfigura uma moldura geral de referência para um campo de investigação e que serve para deduzir princípios, formular hipóte-s,es para serem testadas, executar ações, etc.
O que essas duas definições deixam evidente é tanto o caráterdisciplinar da teoria na constituição de uma área do saber, quantoa ligação da teoria com a realidade empírica, a prática, a experiên-Cia e os fatos. Este último aspecto fica mais claro na definiçãode teoria como uma hipótese de trabalho à qual é dada probabilidade por evidência experimental ou por análise fatual ou conceitual, mas não estabelecida ou aceita conclusivamente como lei.Em síntese, toda teoria é uma entidade hipotética ou estrutura queexpl ica ou relaciona um conjunto observável de fatos. Mas aqui •surge uma nova dificuldade: a distinção entre hipótese e teoria. •Sobre isso, Newton da Costa (1977: 160) nos diz que •
•"entende-se por hipótese uma suposição que se faz, mas qu~ ainda •
não foi testada de modo intensivo e conclusivo; ela é aceita apenas
provisoriamente, sem status científico definitivo, dependendo, para •
tanto, de futuras verificações e análises críticas. As teorias, ao con-
Comunicação & Pesquisa44
economia política fundada no materialismo marxista. Trata-se, portanto, de uma crítica ontológica e epistemologicamente fundamentada, não importando aqui a que discussões essa onto-epistemologiapode ser submetida. Sfez, por outro lado, erigiu sua crítica nãomais do que sobre as bases de uma convicção nas iluminações deseu próprio espírito crítico. Sobre o álibi de dicotomias fracamente definidas entre forma simbólica e núcleo epistêmico, representação e expressão, o autor alçou seu pensamento ao panteão deum demiurgo, capaz de enxergar quaisquer outras teorias sob oponto de vista de uru olhar de cima. Isso acabou por dar à suacrítica uma dicção arrogante e mesmo pedante, ao mesmo t~mpo
que, por baixo dela, oculta-se um mal disfarçado desejo de compartilhar da intimidade dos grandes intelectuais, intimidade a que,de certa forma, através de sua crítica, Sfez julga aceder.
Também sintonizada com uma postura crítica, situa-se a obrade Rodrigues (1990) sobre as Estratégias da comunicação. Embora não tenha se prendido estritamente à tradição frankfurtiana,visto que seus apoios conceituais se ampliaram especialmente comHeidegger, Foucault, Deleuze etc., seu desencantamento com atécnica e com a instrumentalização do campo da comunicaçãolocalizam seu pensamento na tradição das teorias críticas.
No horizonte da teoria como crítica também tem despontadorecentemente a obra do esloveno S. Zizek (1991, 1992, 2000).Mesmo sem trabalhar diretamente com a teoria da comunicação,sua prática de uma sociologia interpretativa de fenômenos estéticos, culturais e midiáticos, que toma como base a psicanáliselacaniana, tem fornecido elementos para aqueles que desejam prosseguir nos caminhos de uma teoria crítica.
"as teorias são sistemas de proposições que, em linguagem convenien
te, pelo menos em tese, constituem coleções de sentenças. Natural
mente é preciso que, na linguagem, haja símbolos que, de algum
modo, tenham conexão com a realidade, com a experiência. Sem o
preenchimento desta condição, não se tem uma teoria da ciência em
pírica. Às vezes, tal conexão se faz com o auxílio de outras teorias",
Ainda conforme Newton da Costa (ibid.: 54-55), toda teoria deveencerrar uma estrutura conceitual a ela subjacente que se constitui na
alma da teoria. Em razão disso, as teorias empíricas podem tambémser axiomatizadas, o que significa buscar, com maior ou menor rigor,
sua versão global, local ou estrutural. Neste último caso, trata-se decaracterizar a estrutura matemática subjacente à teoria.
Por isso mesrrio, não há verificação cabal da verdade de teo
rias. Elas são apenas quase-verdadeiras ou aproximadamente ver
dadeiras, o que não significa que a verificação parcial ou confir
mação da quase-verdade deixe de ter importância. Daí ser lícito
afirmar que as teorias são pragmaticamente verdadeiras. Vem daítambém que não existe falsificação de uma teoria, pelo simplesfato de que "uma boa teoria não se falsifica propriamente, masapenas se restringe, quando necessário, o seu domínio de aplica
ção" (DA COSTA, ibid.: 161).Enfim, as teorias formam conjuntos de sistemas cognitivos que
dão conta de domínios variados, segundo critérios mais ou menosclaros. Assim, "as teorias devem sua aceitação à quase-verdade quecontêm. Uma boa teoria em D, devidamente corroborada e resistenteà quase-falsificação é, foi e será eternamente quase-verdadeira emD" (ibid.: 161). Na sua versão proposicional das teorias, Newton daCosta (ibid.: 163) acrescenta que, encaradas local ou globalmente,
As definições acima ajustam-se às teorias que são desenvolvi
das no campo das ciências empíricas. Entretanto, há também teorias não-científicas, quer dizer, teorias que não têm o sentido empí
rico e indutivo em que a qualificação de "científico" costum,aapa
recer. A filosofia, a estética, as metateorias, ou quaisquer outros
tipos de especulações reflexivas, por exemplo, não são científi
cas, visto que não se prestam às confirmações empíricas que asciências buscam. Isso não significa que essas teorias não devamse prestar aos testes do rigor, do poder explicativo, da consistência interna, do insight e do valor heurístico de que as mais variadas disciplinas podem se beneficiar.
Especulações reflexivas e questões metateoréticas são importantes porque elas nos ajudam a ver o que se ganha e o que se
perde na busca de suporte empírico. Ainda são importantes porque influenciam, até certo ponto, as direções que as pesquisas tomam, o que também não significa que questões metateoréticasdevam ser demasiadamente enfatizadas, pois, quando isso sucede, os pesquisadores podem ser desencorajados a dar prosseguimento às teorias substantivas e suas aplicações empíricas.
Assim, por exemplo, enquanto toda a tradição da mass communication research sempre se caracterizou dentro de uma vocaçãoempírica, a tradição da teoria crítica, por outro lado, sempre foinitidamente reflexiva e metateorética, especialmente na crítica quedesenvolveu, muito justamente contra grande parte da pesquisaempírica, em especial contra os aspectos instrumentalistas que esta
apresenta. Quanto à tradição dos modelos comunicativos, surgecom ela um outro foco de tensão. Antes de discuti-lo, que sejaexplicitado o que se entende por modelo.
As ciências da computação definem modelo como um sistema
matemático que procura colocar em operação propriedades de umsistema representado. Trata-se de uma abstração formal e, como
tal, passível de ser manipulada, transformada e recomposta emcombinações infinitas. O modelo visa assim funcionar como uma
47Lucia SantaellaComunicação & Pesquisa
trário, são suposições já estabelecidas, tidas como verdadeiras ou
aproximadamente verdadeiras".
46
•••••••
•••••••••••••••••
•••••
réplica computacional da estrutura, do comportamento e das propriedades de um fenômeno real ou imaginário (MACHADO 1993apud SANTAELLA e NOTH 1999: 167).
Diferentemente de uma teoria, um modelo não é um recursoexplanatório em si mesmo, mas, na sua capacidade de sugerir relações, ele ajuda a formular teorias. Deutsch (1952) afirmou queum modelo é "uma estrutura de símbolos e regras operacionaisque supõe-se corresponder a um conjunto de pontos relevantesem uma estrutura existente ou processo". Por isso, os modelos sãoindispensáveis para o entendimento de fenômenos complexos. Porser uma forma de abstração e seleção de pontos a serem incluídos,o modelo implica julgamentos de relevância. Esses julgamentos,por sua vez, implicam uma teoria sobre aquilo que está sendomodelado. O modelo nos fornece assim uma moldura dentro da'qual consideramos um problema, ele também aponta para lacunasnão aparentes em nosso conhecimento de algo, sugerindo áreas
em que a pesquisa é requisitada.Segundo Deutsch (ibid.: 360-361) são quatro as funções de
um modelo: organizadora, heurística, preditiva e .a função demensuração. A função organizadora aparece na habilidade domodelo para ordenar, relacionar dados e mostrar similaridades econexões anteriormente não percebidas entre eles. Quando explica algo ainda não sabido, o modelo adquire habilidades preditivas.Quando é operacional, implica em predições que podem serverificadas através de testes físicos. As predições podem funcionar como recursos heurísticos que levam a novos fatos e métodos.Quando permite predições quantitativas, o modelo se relaciona coma medição de um fenômeno. Se são bem entendidos os processosque ligam o modelo àquilo que é modelado, os dados obtidos coma ajuda do modelo constituem-se em uma medida, com maior oumenor complexidade (SEVERIN e TANKARD, 1992: 36-37).
Para Fiske (1990: 37), UlTI modelo é como um mapa. Ele representa traços selecionados do seu território. Por isso mesmo,
nenhum mapa ou modelo pode ser completo. Mesmo assim, seuvalor está em sistematicamente colocar em relevo esses traçosselecionados, apontar para relações também selecionadas entreesses traços e fornecer um delineamento do território que está sendomodelado.
Assim sendo, o conceito de modelo é muito mais específicodo que o de teoria, de modo que modelos podem fazer parte deteorias, assim como, na maior parte das vezes, pressupõem teori-
, as, dado o poder explicativo que estas possuem. De fato, enquan~
to o traço definidor de teoria está em seu poder explicativo, o demodelo está em sua abstração imitativa, isto é, na sua capacidadepara abstrair caracteres relevantes de dados fenômenos ou processos, funcionando como IJm simulacro abstrato e permitindo,desse modo, a experimentação simulada do fenômeno ou processo com o qual o modelo tem uma relação de similaridade.
Na área de comunicação, ambas as tradições de estudos deteor sociológico, tanto a tradição da communication research quanto a da teoria crítica, sempre se desenvolveram em franca oposição a um outro grupo de teorias ou, mais propriamente, modelosvoltados para a especificidade dos fenômenos comunicativos. Nosanos 70, por exemplo, os estudos sobre mass media foram marcados pela polêmica entre sociologia e semi ótica. A 'tendência parase questionar a pertinência e a legitimidade dos modelos mais propriamente comunicativos para o estudo da comunicação extraiumuitos de seus argumentos da multiplicidade de saberes e compe-
.tências (profissionais, institucionais, políticas, científicas etc.) queestão implicadas nos processos de comunicação e que, segundoos oponentes, os modelos comunicacionais tendem a ignorar.
Entretanto, as oposições, o mais das vezes, provinham e continuam a provir de uma visão hipersimplificada que se costuma terdos modelos comunicacionais, ignorando as evoluções por que,através dos anos, foi passando o modelo original dos processos decomunicação.
•••
49Lucia SantaellaComunicação [, Pesquisa48
"urna fonte ou nasc.ente da informação a partir da qual é emitido um
, , si,nal, através d.e um aparelho transmissor; esse sinal viaja através de
um canal , ao longo do qual pode ser perturbado por um ruído. Quan-. ' . . . .
" d? s.a} do canal , o sinal é captado por um receptor que o converte em
. , mensagem qu~, como tal, é compreendida pelo destinatário" (ECO,
1972 : 19 apud WOLF, 1987: 114) .
Esse primeiro modelo dos processos comunicativos teve iní
c~o. na teoria ?a il:fonllação e da comunicação (ver BORMANN,1980) . A teoria da informação ou ' teoria maternáticada informa
ção (SHANNC?N e WEAVER, 1949) originou-se nos trabalhos de
engenharia das telecomunicações e teve seu esboço, de autoria de
Shannon, publicado em 1948; A teoria matemática da comunica-
' ção é urna teoria sobre a transmissão otimizada das mensagens. . ' . . . .
cujo esquema resu~e-se ao seguinte: hásempre
.~s?e modelo foi muito imitado, questionado e transformado,dando origem a uma série de modelos subseqüentes. Antes dl~SSO,
110 mesmo ano ern que Shannon publicou o esboço de seu modelo,
Lassw'~11 (1948) também elaborou UI11 modelo muito simples de
~o'm,unicação verbal que haveria de ser influente justamente por sua
sÍ1~'plicidqde.Seu modelo se restringia aos seguintes ter1110S:quem
. diz o queern que canal
para quel11conl que efeito?
~p~sar. de influente, esse modelo de Laswell não chegou a
ganhar a mesma notoriedade do modelo de Shannon, que sempre
se: fez presente, inclusive para ser questionado. Foi assim que, por
considerar inadequada atransposição de problemas de engenha-. , ,
ria para a comunicação humana, Osgood desenvolveu, ern 1954,1I~1 'modelo cornunicacional deri vado' d~ ~ua teoria do significado
Modelo 'verbal = Área de estudo
51
Alguém =pesquisa de audiência
percebe um evento == pesquisa de percep~ão
e reage ~ medida de eficáciaem unia situação =estudo do cenário físico e social
através de alguns meios = investigação de canais ,
para disponibilizar algo ~ adrninistraçao , distribuição, de alguma forma =estrutura , organização, padrão' e contexto =estudo do cenário comunicativo
transmitindo conteúdo =análise de contexto, significado
com .a lguma conseq üência ., estudo' demudanças
e de processos psicolingüísticos em ,ge ral. Na mesma época,Schramm (1954, 1955) afirmou que as f órmulas matem áticas da
teoria da ínt or maçãobaset am-se em probabilidades. Unl51 vez que
o aprendizado altera essas probabilidades, o modelo da teoria
matemática de Shannon não poderia ser .ap licado diretamente à
comunicação humana. A partir disso, Schrarnm desenvolveu unia
série de três modelos , o primeiro ainda similar ao de Shannon, o
segundo introduzindo a noção de que apenas o que é compartilhado no campo da experiência tanto da fonte quanto do destino pode
ser real mente comunicado, pois apenas essa porção do sinal é co
nlUI11 a ambos. No terceiro modelo, a comunicação foi concebida
em termos de interação através do feedback e fluxo contínuo de
informação cornparti lhada-Tambérn interacionista já era o rnode
lo sim étrico de Newcombf lS'óS) 'nas formula ções que introduziu
sobrea teoria da consistência cognitiva. Esse modelo foi expandi
do no complexo modelodeWestley-McLean (1957) que tinha em
vist:~ 'inc luir fenômenos de comunicação de massa. Ampliando ,
por sua vez, o modelo verbal de Laswell, Gerbner (1956) previ u
dez áreas 'básicas para a pesquisa em comunicação, corno se se
gue(S·EVERÜ'~·e'TANKARD, '1992: 38-56)':
Lucia SantaellaComunicação (, Pesquisa50•••••'.'.".••••••••••••••••••••••••••••
3.1 MODELOS LINEARES
Essa proliferação dernodelos, já presente na década de 50,não foi menor nos anos .subseqüentes . Para colocar alguma ordem
nessa profusão, Nõth (1990: 174-180) classificou todos o? mode
los comunicacionais er» três grupos: (3.1) o modelo tradicionallinear, (3.2) modelos circulares e (3.3) modelos que rejeitam, oconceito de fluxo de informação, enfatizando a autonomia dos
organismos em interação. '
o modelo tradicional linear dos elementos básicos que e~ltr~nl
na composição de todos os processos de comunicação correspondeàquele que foi formulado pela primeira vez por Shannon & Weaver
(1949) . As críticas que insidiram sobre esse modelo, chamaram
atenção principalmente para o seu caráter I inear (ver, por e~emplo, THAYER, 1972; KOCK, 1980). Se o problema da comunica
ção consiste em "reproduzir em urn ponto dado, de maneira exataou aproximativa, urna mensagem selecionada em um outro ponto" (A. e M. MATTELART, 1999: 58) ,a linearidade está aí ex
pressa nos dois pólos do processo que definem urna origem e umfim. Ora, segundo os críticos, uma tal linearidade se revela como
urna representação inadequada do processo de comunicação, pois
linearidade sugere causalidade simples, A atividade do remetente
aparece corno urna causa que tem UI1l efeito calculado na mente. .
do destinatário. Isto leva à idéia de urna interação de um partici-
pante ativo com um passivo. De urna perspectiva ideológica, ess~
é um modelo que sugere um po tencial quase total de manipulaçãodo destinatário. O único fator que parece ameaçar este processo éo elemento de ruído. Evidentemente, a comunicação é um proces
so mais complexo do que 6 de uma causalidade linear. O remeteute não deixa de ser afetado pelo processamento de informação do
destinatário. Desta forma, a linearidade torna-se necessariamente
circularidade.
3.2 MODELOS CIRCULARES
.'•••.'••.'••.'•.'eJ.'.)••.1.).1.:•.'•.:••••.'•.'•'.)
53Lucia Santaella
Quanto ao? modelos circulares de comunicação, o primeiro
delesjá haviasido esboçado por Saussure (1916: 28) quando des
creveu o caminho dos sinais' acústicos (ondas' sonoras) CO'I~l'o um-riuxo de informação ern duas dit~eções: de um. e~1lissS)J' a um buvinte e de volta ao emissor. Este é o modelo dó diálogo.
, Com a 'c i ben~ é ti c a e a teoria de sistemas :f~raJll' introduzidos
novos conceitos, de circularidade 1;0 'lll·odelo ·de 'cOlnúnlcáção. Àteoria d'os sistemas, fundada jã ~n~ i933 pelo biólogo Lud'wig'von
' . Uma importante expansão da 'c'ade ja de comunicação linear
surgiu com a noçãode..repertório de' slgnos.jambérn ~h~má.do de. ' . ... . . . _ . . .
código. ,Os primeiros modelos contendo este elemento foram
apresentados POl~ Moles (19.58: ;163) e Meyer-Eppler (1959: '2).Abraham Moles, engenheiro e matemático, desenvolveu mais tar
de (1975) seu projeto.de um.a "ecologia dacomunicação" sob a
influência da matemática de Sh'anno~'e da cib~rnética d~ N~rbert
Wiener (1948). Ce~tra1izado 'no concei'to de informação corno
matéria prima, Wiener expandiu ess~ conceito par~ o cat:lPo social, entrevendo a possibilidade utópica de uma organização so
cial em luta contra a ameaça da entropia, tendência para adesordem de um sistema, e em defesa da homeostase ou equilíbrio. Essahomeostase só poderia ser promovida pela informação, 'as .máqui-
, nas que a tratam e as redes que ela tece. .
De certo modo influenciada por essas idéias, a ecologia cornu
nicacional de Moles é a ciência da inter~ção entre diferent~sesp écies no interior de um dado campo, no qual espécies reagem urnasàs outras. Essa ecologia teria dois ramos: de um lado, a con~i 'd'e~a
ção do ser individual e a interação dOe suas l1lodaÍidades'de cornu
nicação na sua esfera de tempo e espaço . De outro lado,' a organização dos sisten~~s de transação entl~e os seres (A'. e M .'MATTE-LART ibid.: 65). ' .
Comunicação f., Pesquisa52
3.3 MODELOS INTERATIVOS
Bertalanffy, teve por objetivo fundamental pensar "a globalidade,
as interações dos elementos, maisdo que acausalidade, apreen
der a complexidade dos sistemascorno conjuntos dinâmicos de
relações múltiplas e cambiantes" (A. e M. MATTELART, .ibid.:
62). O modelo sistêmico permitiu tornar menos linear o modelo
de Shannon aoincorporar o papel que o conceito defeedback (re
troalirnentação) pode desempenhar no processo comunicativo.
Feedback, o monitoramento e a adaptação que' o emissor faz de
sua própria mensagem, através da observação do efei to desta noreceptor, t01110U-Se um termo chave da teoria dos sistemas de cornu
- n i c~ção (ver WATZLAWICK et aI. , 1967; NOTH, 1975 , 1989).
No ~ntanto, os avanços introduzidos pela cibernética e pelateoria de sistemas também foram alvos de novas críticas. A pri
meira delas tema ver com o conceito decontrole, que está implicado no modelo da teoria de sistemas, e que sugere um processode otimização, eficiência e de congruência de objetivos entre o
emissor e o receptor (ver LASZL\\ 1972: 251). Bastante sernelhanteé a segunda objeção, que critica a representação ainda ina
dequada do papel do receptor. Para superar essas objeções , alguns modelos que enfatizam a autonomia do receptor nos processos de comunicação têm sido desenvolvidos.
Não obstante as críticas e as modificações que foram econti
nuam sendo inseridas no modelo original de Shannon, o que não
se pode negar é que o esquema analítico por ele proposto, ou seja,
a essência do modelo tern continuado cOln.o urna presença cons
tante desde os anos 50 ..Em diversas versões e com mais ou menos
ligeiras transformações, o modelo tem se preservado 1l1UÜO pro
vavelmente graças a sua aplicabilidade a fenômenos bem hetero-
. gêneos, quer o processo comunicativo se verifique entre máqui
nas, entre humanos, entre humanos e máquinas, assim COIllO entre
••••••••••••••••••••••••••••••••••.>
54 Comunicação [; Pesquisa Lucia Santaella
microorganismos biológicos. Graças à forma geral do esquema e
graças à sua essencialidade e à sua .simplicidade, ele se fixou corno
um sistema comunicativo geral.Não resta dúvida de que, para urna tal fixação , foram impor-
tantes as contribuições dalingüfsticajakobsoniana e da s:enl iót!ca
de Umberto Eco e Paolo Fabbri, de modo .q ue , aos três tipos de
modelos que foram agrupados por Nõth, e apresentado_s .acirna ,
acrescentam-se mais três tipos: (3.4) o modelo ling üístico-funcio- .nal, (3.5) o modelo semiótico-informacional e (3 .6) o modelo
senliótico-textual.
3.4 O MODELO LINGüíSTICO-FUNCIONAL
Sem reduzir a ling üística à teoria da informação, Jakobson
(1962, 1971) criou UH1a rota intermediária entre ambas na. .suaamplamente conhecida teoria. das funçõesda linguagem.: Sem pl~O~
duzir modificações substanciais no .esquerna analítico 40 nlqd~l~
original, paraJakobson, a informação,com ênfase no seu estatuts
de mensagem, parte de um emissor. para um receptor, através. de
um canal, tendo por base um código comum. A novidade do es
querna está no foco de referencial idade da mensagem , de onde
são extraídas as funções da linguagem: Esse foco pode estar vol
tado para fora da mensagem, para aquilo a que ela se refere, paraum terceiro elemento entre o emissor e receptor. Nesse caso, afunção será referencial ou cognitiva . Mas o foco pode estar tarn
bérn voltado para qualquer um dos outros elementos cornponen
tes do processo comunicativo: o emissor, quando se tem a função
emotiva, o receptor, quando se tern a função apelativa, o canal,
quando se tem a função fática , o código, quando se tem a função
rnetalingüística e, por fim, a própria mensagem, quando se tem a
função poética. A legitimação e difusão alcançadas por esse es
querna jakobsoniano foram , sem dúvida, llnl dos motivos do êxitoque levou à permanência do modelo cornun icacional original.
. .- .-.3.5 O MODELO SEMIÓTICO-INFORMACIONAL .
(IDe acordo COlll as diversas situações socioculturais, existe uma di
versidade de códigos, ou de regras de competência e de interpreta
ção. E a mensagem tem uma forma significante que pode .ser preen
chida com vários significados, contanto que existam vários códigos
o caminho percorrido pelo modelo serni ótico-informacional
foi diferente. Longe de ter nascido do assentimento ern relação aomodelo original, ele nasceu da crítica à sua inoperância em pro
cessos de comunicação humanos. Ao pôr ênfase na necessidade
de tratamento da questão da significação ou produção de sentido,
Urnberto Eco (1972: 26) propôs' que urna teoria da comunicação
mais abrangente só poderia ser encontrada em urna teoria semiótica
geral. Para Eco, só a serniótica poderia ser capaz de explicitar a
significação inerente ao processo comunicativo através da variá
vel da decodificação e dos sistemas de conhecimento e cornpetên
cias que a orientam . Disso se originou o que veio a se afirmar
CO'IllO um modelo serniótico-inforrnacional para o estudo da co
municação, modelo este que salientava que "os efeitos ,e as fun
ções sociais dos mass media não podem prescindir do modo como
se articula, dentro da relação comunicativa, o mecanismo de reco
nhecirnento e de atribuição de sentido, que é parte essencial dessarelação" (WOLF ibid.: 123). . ~ ..
A novidade introduzida por esse modelo situava-se no concei
to de código que, entendido semioticarnente, responsabiliza-se pelo
funcionamento dos fatores semânticos. Passou-se, assim, da no
ção de comunicação como transferência de informação para a de
transformação de Ul11 sistema em outro, transformação esta garan
tida pelo código. Com isso, o modelo serniótico-inforrnacional
introduziu, C01110 elemento constitutivo da comunicação, o seu
caráter in trfnseco ele processo de negoci ação en tre emissor e re
ceptor, para o qual concorrem di versas ordens de fatores.
.'•.'•.'•.'•••••••••.:••.'•••.:••••••••••••I.'
57Lucia Santaella '
"o elemento da ação interpretativa operada sobre as mensagens, atra
vés dos códigos: assim a dissimetria dos papéis de emissor e de re
ceptor não era tida suficientemente em 'conside ração (a não ser na
forma de feedback, que é, contudo, um aspecto referenteà direção
da transrnissibilidade das mensagens). No modelo serniótico-texni-j ,
que es tabeleçam várias regras, de correlação entre determinados
significantes e determinados significados. E, no caso de existirem
códigos de base aceitos por todos, há diferenças nos subcódigos"
(ECO e FABBRI, 1978 : 561 apud WOLF, ibid .: 124).
Não obstante o relevo teórico desse modelo não obstante ain-,da a grande di vulgação obtida pela obra semi ótica de Eco ern vá-
rios países do mundo, antes meSl110 da explosão editorial de seu
romance O n071~e da rosa (ver no Brasil, por exemplo, ECO 1971),
a infl uência desse modelo sobre a pesquisa em comunicação ern
geral foi limitada. Segundo Wol:f (ibid. : 125), essa limitação se
explica pela falta de elaboração das conseqüências das hipóteses
da compreensão e decodificação das mensagens sobre os efeitos
sociais dos mass media. Embora o aperfeiçoamento desse modelo
se.mi ótico-informacirmal em um modelo posterior, serniótico-tex
tual, tenha tomado as relações entre compreensão de mensagens e
efeitos sociais um pouco mais claras, este outro modelo também nãoalcançou uma repercussão maior do que o primeiro,
3.6 O MODELO SEM/ÓTICO-TEXTUAL
Não foram necessários mais do que alguns passos teóricos para
que o modelo sellliótico-informacional se desdobrasse e111 li 111modelo mais complexo serniótico-textual. Esses passos fO~'alll
dados graças à evolucão interna da própria teoria serniótica . O
modelo serniótico-inforrnacional salientava do processo cornunicatí vo, sobretudo ,
Comunicação & Pesquisa56
o que merece ser salientado agor.a é que os destinat ários não
recebem simples mensagens reconhecíveis a partir de códigos
compartilhados, Recebem, isto sim ; conjuntos de práticas te xtuais
oriundas da cultura. Corn isso, a tra vés da incorporação de contri
buições advindas da serni ótica da cultura, o modelo serniótico
te xtual veio possibilitar a apreensão do modo corno , pela media
ção da cultura, os dados sociológicos dos aparelhos dos mass media(fluxo unidirecional, centralização, formatos rígidos etc.) se trans
formam ernmecanisrnos comunicativos que incidem sobre pro
cessos de interpretação, aquisição de conhecimentos e sobre os
efeitos dos' niass media.Com isso , foram realçados não só os papéis desempenhados
pelas mediações culturais que permitem a circulação das práticas
te xtuais , como também o papel do..destinatário na construção e
funcionamento comunicativo, funcionamento este que, com ênfa
se na dinâmica existente .e n tre destinador e destinatário, ligada àestrutura textual e nela incluída, é estudado pela serniótica e aná1ise do discurso.
Eill meados dos anos 8q, Wolf (ibid.: 131) detectou acrise em
queo modelo comunicativo inforrnacional e todos os seus desdo
brarnen tos estavarn imersos. Em seu cI iagnós tico, as razões para
uma tal cri se encon tra varn-se nos segu in tes fatores: a presença de
quadros de, referência mais gerais para os estudos elos mass me
dia, a !lllt.d.ança de problemáticas consideradas principais , a pro
gres~i~a esteri Iidade da l~esqll~sa ernpfrica de baixo perfi I e, por
fim, a existência de abordagens ~is,cip.lin~rtllente diferenciadas
sobre o concei to de comunicação.
3.7 Os MODELOS COGNITIVOS
As ciências cognitivas já começaram a se formar nos Estados
Unidos desde os anos 40 a partir da ci bern ética, da teoria da infor
mação, do progresso da lógica matemática. Depois. dos anos 50,
elas foram recebendo um impulso cada vez maior com o desen
volvimento dos computadores, das pequisas em inteligência arti
ficial e com a sofisticação dos experimentos neuro-fisiológicos éneuro-psicológicos, Não se trata, portanto, de um campo unifica
do de pesquisas, mas de uma vasta encruzilhada de disciplinas e
tendências de pesquisa que tern se expandido continuamente nas
últimas décadas . Por isso mesmo, trata-se de UIll campo tortuoso e
complexo cuja síntese já apresentei em outra ocasião (SANTA
ELLA, no prelo, b). Dados 0'8 objetivos destetópico, limito-me a
Passados quinze anos, hoje se pode constatar que faltou ao
diagnóstico de Wolf um fator que estaria fadado a desempenhar
um grande papel na crise dos modelos de comunicação: a expan
são da presença e da irnportância da di mensão da cultura e das
mídias nas sociedades pós-modernas, conforme será discutido no
próxi 1110 tópico.
. Faltou também ao diagnóstico de Wolf perceber para onde a
tradição teórica dos modelos cornunicacionais já estava nitida
mente migrando em meados dos anos 80, a saber) para as ciências
cognitivas, nas quais os tradicionais modelos inforrnacionais e
cornunicacionais ficam .subsumidos a modelos cognitivos mais
amplos , aptos a estudar as interfaces contemporâneas entre seres
humanos e máquinas inteligentes (ver NÓTH) 1989). Embora o
campo das ciências cognitivas seja altamente híbrido, pode-se afir
mar que um sétimo tipo de modelo do processo comunicaciorial já
surg!u ·nele. Do mesmo modo , pode-se levantar a hipótese de que,
na sopa bi ótica das ciências cognitivas , outros modelos podemai nda emergir. "
--':-.' .
59Lucia Santaella
, !
\
Comunicação & Pesqu isa
esse limite é superado: na troca comunicativa, não são já as 'rnensa
.gens" que são veiculadas, o que pressuporia urna posição paritária
entre emissores e receptorestéa relação cornu úicativaque secons
trói em torno de 'conjuntos de práticas textuais't'(WOl.F ibid.: 126-"127).
58••••••••'.•••••••••••••••••••••••••.'
indicar abaixo um brevíssimo roteiro para que possamos chegar auma linha alemã recente de estudos da comunicação cujo pontode partida se situa em um dos ramos das ciências cognitivas.
Para os cognitivistas, a mente é um sistema que recebe, arquiva, recupera, transforma, transmite e comunica informação. Interessam a eles, portanto, os aspectos universais dos processos deinformação, buscando descobrir princípios fundamentais altamentegerais e explanatórios do processamento de informação. Devido aesse alto grau de generalidade, a visão da mente como um sistemaprocessador de informação se tornou dominante, naquilo que ficou conhecido como o modelo computacional da mente. Essemodelo se apoiou epistemologicamente no funcionalismo, para oqual a essência da natureza psicológica do estado ou processomental não está na sua realização física particular, mas sim no seupapel computacional no sistema processador de informação.
Entretanto, com o passar do tempo, o campo conceitual dasciências cognitivas ficou povoado de controvérsias e posiçõesantagônicas ao modelo computacional da mente, assim como opróprio modelo computacional foi se transformando na mesmamedida em que as ciências da computação e da informação, juntamente com as pesquisas em inteligência artificial, iam se desenvolvendo.
Um dos desdobramentos mais complexos da chamada teoriacomputacional da mente encontra-se na teoria representacionalda mente de J. Fadar, enquanto, no extremo oposto do modelo da
mente em analogia com o computador, situam-se as neurociênciasque estudam a realização física dos processos de informação nossistemas nervosos humanos e dos animais.
Entre outras oposições, ficaram também famosos os debatesentre o cognitivismo e o conexionismo. Os conexionistas tentamreproduzir o comportamento humano usando redes de elementosprocessadores simples, redes neurais, cujas propriedades se assemelham às das células cerebrais ou de conjuntos delas.
Na vasta encruzilhada de disciplinas que compõem o tecidodas ciências cognitivas , no campo mais específico da psicologiacognitiva, originou-se a abordagem denominada construtivista comdesdobramentos na psicolingüística (BRANSFORD, BARCLAYe FRANKS, 1972; ANDERSON e BOWER, 1973; BOWER eCOHEN, 1982). Tomando como base fundaçõesmais propriamente sociocognitivas, uma extensão dessa abordagem ao campo da.comunicação deu origem a uma corrente de pesquisa denominada
. construtivista (ver H. e B. SYPHER, 1988). Tais pesquisas evidenciaram a relação entre estruturas cognitivas e geração de mensagens, ligando a diferenciação cognitiva com uma variedade dehabilidades comunicacionais ou relacionadas com a comunicaçãoque documentam a conexão entre estrutura cognitiva e desempe-nho comunicativo. .
Antagônica aos modelos dominantes das ciências cognitivas,tanto os cognitivistas quanto os conexionistas, dentro do mosaicocomplexo de que as ciências cognitivas se compõem, nasceu umaabordagem minoritária, nem por isso menos influente, a partir daspesquisas de dois biólogos chilenos, A. Maturana e F. Varela sobre sistemas autopoiéticos (ver, por exemplo, 1980). Tais sistemas se organizam de acordo com a autonomia, a circulação e aauto-referência que constituem sua homeostase e sua auto-organização. Opondo-se aos cognitivistas representacionalistas, para osquais uma entidade cognitiva sempre se refere a um mundopreexistente, na perspectiva autopoiética, que veio a ser tambémchamada de construtivistaradical , a informação não é preestabelecida como ordem intrínseca ao sistema, mas emerge das própriasatividades cognitivas.
Sob a influência dessa teoria autopoiética, amalgamada comuma versão personalíssima da teoria dos sistemas e com a cibernética de segunda ordem de von Foerster, o sociólogo alemãoNiklas Luhmann desenvolveu uma intrincada teoria social queinclui as questões da comunicação e ação, comunicação e percep-
60 Comunicação [, Pesquisa Lucia Santaella 61 ••- I-•
.'•••••
4. As TENDÊNCIAS CULTUROLÓGICAS E MIDIÁTICAS
Por tendências culturológicas estou aqui compreendendo os .
estudos que abordam os meios de comunicação e suas implicações como componentes de uma dimensão sócio-antropológica
ção (1984, 1995, 1970-1995). Ficou famoso o debate entre Habermas e Luhmann, publicado em livro (1971), em que Luhmann secontrapôs à teoria de Habermas ao afirmar sua teoria da autoreferencialidade dos sistemas sociais que tem seu eixo na questãoda complexidade de suas relações com seu meio e consigo mesmo.
Tomando como base a teoria de Luhrnann, desenvol veu-se, naAlemanha, uma teoria da comunicação no cruzamento da teoriados sistemas, cibernética de segunda ordem e construtivismo(KOCK, 1980, 1981; FUCHS, 1993; SCHMIDT, 1994, 1995,2000;DE BERG, 1997), com repercussões para além da Alemanha (ver,por exemplo, STEIER, 1989, 1995). No centro desse cruzamento,de um lado, a cibernética de segunda ordem deve ser entendidacomo uma realidade objetiva que não mais se apresenta como umobjeto, mas como uma realidade de segunda ordem, construídarelativamente a nossas posições, na qual o observador tem umainfluência determinante no que pretende observar. Trata-se aí dasubjetividade relativa de um pragmatismo do conhecimento quedesemboca na constatação de uma realidade de segunda ordemque 'inclui o seu próprio movimento em um desenrolar sem fim.
De outro lado, a teoria dos sistemas não deve ser compreendida com uma teoria das estruturas, mas dos processos, não de heteronomias, mas de autonomias, não do determinismo, mas da liberdade. A teoria dos sistemas é a teoria da contingência. Ela assumeque toda ação social ou evento é sempre uma seleção de um campo de possibilidades, de modo que a realidade poderia ter sido edeve ser diferente (DE BERG, ibid.: 141). "A contingência dizque algo diferente também é possível" (Luhmann) .
63Lucia Santaella
I
maior, a dimensão da cultura, na qual os meios encontram umalógica de desenvolvimento que lhes é própria, mas ao mesmo tempoinseparável das injunções culturais . .
Entre as tendências volt1adas para a comunicação, estudada sobum ponto de vista que se pode chamar de culturalista, encontra-seaquela que, sob o nome de,cultural studies, se esboçou na Inglaterra, entre meados dos anos 50 e primeiros anos da década de 60,em tomo do Centerfor Contemporary Studies, de Birmingham. Oobjetivo dos assim chamados cultural studies era definir o estudoda cultura que englobasse "quer os significados e os valores quesurgem e se difundem nas classes e nos grupos sociais, quer aspráticas efetivas através das quais esses valores e esses significados se exprimem e nas quais estão contidos" (WOLF 1987: 108).
Em relação a tais definições e modos de vida - entendidoscomo estruturas coletivas - "os mass media desempenham urnafunção importante, na medida em que agem como elementos ativos dessas mesmas estruturas" (ibid.: 108). São duas as aplicações em que os cultural studies se especificaram: de um lado, ostrabalhos sobre a produção dos mass media enquanto sistema complexo de práticas determinantes para a elaboração da cultura e daimagem da realidade social; por outro lado, os estudos sobreo consumo da comunicação de massa enquanto espaço de negociação entrepráticas comunicativas extremamente diferenciadas (ibid.: 109).
Embora reunidos em torno de diferentes temas de trabalho,tais como etnografia, media studies, teorias da linguagem e subjetividade, literatura e sociedade, todos esses estudos encontravame continuam encontrando uma linha comum de atuação tanto naconcepção da cultura como conjurito de todas as práticas sociais ecomo soma de suas interações, quanto na vinculação de seus tra
balhos a questões suscitadas por movimentos sociais, o feminis- ,mo, por exemplo. Por isso mesmo, atualmente, em universidades
espalhadas pelo mundo inteiro, há departamentos voltados paraos cultural studies, muitos deles quase inteiramente dominados
Comunicação [, Pesquisa62
•e,:. 1:••••., '
".~ '.;.•.".':."
-• .~>_ _i
---•••••••"
ej.~ >.
' ~'
, ..:.
. ">..... ...
.:~_L• •s:
e,)• .:,}I.~~~;
.' ~'i :
por mulheres intelectuais dedicadas à defesa das temáticas das
minorias,Em uma corrente híbrida, tecno-culturalista, pode ser enqua-
drada a obra do canadense McLuhan (ver especialmente 1962,1964). Concebendo os mass media dentro de uma perspectivamuito ampla, McLuhan ligou-os essencialmente às transformações
antropológicas, perceptivo-simbólicas, introduzidas por cada ino
vação tecnológica e comunicati va. Para McLuhan, os meios decomunicação moldam a organização social porque são estruturadores das relações espaço temporais às quais o pensamento esensibilidade do ser humano se conformam. Ficou famosa a suametáfora da aldeia global em que o planeta estava se convertendoem função do meio televisivo, segundo McLuhan, o mais frio e
participativo de todos os meios. Sua visão apoIítica da comunicação foi muito criticada nos anos 70, mas recentemente, com oadvento das redes de comunicação planetárias, a iluminação demuitas de suas idéias, especialmente daquela que está contida nametáfora da aldeia global, tem sido amplamente reconhecida.
McLuhan foi inspirador de toda uma geração de teóricos da
mídia, principalmente de origem canadense, que tomaram a si aambiciosa tarefa de construir uma história da civilização de umaperspectiva midiática (HAVELOCK, 1963, 1982; EISENSTEIN, 1979;ONO, 1982; MEYROWITZ, 1985). A maioria das pesquisas em
mídia tende a focalizar apenas uma dimensão do ambiente
midiático, a saber, o conteúdo das mensagens e suas implicações,
tais como a maneira das pessoas reagirem às mídias; a influência
dos fatores econômicos, políticos e institucionais naquilo que é
transmitido pelas mídias; se as mensagens midiáticas refletem ounão as variadas dimensões da realidade; como audiências diversas
interpretam de modo distinto o mesmo conteúdo, e assim por diante.A geração inspirada por MacLuhan, entretanto, por conside
rar que as mídias não são simples canais para transmitir informa-o,
ção, mas conformadoras de novos ambientes sociais nelas mes-
mas, tem estado mais interessada "em questões como: quais os tra
ços que caracterizam cada mídia e como esses traços tornam cadamídia física, psicológica e socialmente diferente de qualquer outra? Como o advento de uma nova mídia, em uma matriz existentede mídias, pode alterar as interações sociais e a estrutura socialem geral? Nessa medida; esses teóricos acabaram por convergirna concepção de três estágios civilizatórios básicos, produzidos
pela interação entre mídia e cultura: as sociedades orais , as modernas sociedades da escrita e a cultura eletrônica global (MEYROWITZ, 1993, 1994).
Com caracteres próprios, principalmente mais politizados, masalinhado a uma tradição que se pode considerar como origináriaprimeiramente do canadenseJ:larold Innis (1950, 1951) e, depois,
de McLuhan, enquadra-se ainda o projeto de Regis Débray, iniciado em 1979 e publicado em 1991, visando à fundação de umamidialogia geral. Centrada na análise do intelectual na sua funçãode oficiante dos aparelhos de transmissão, essa abordagem buscou estabelecer uma correlação entre, de um lado, as atividadessimbólicas - ideologia, política, cultura - e, de outro, as formas
de organização e os sistemas de autoridade que os modos de pro
dução, arquivamento e transmissão da informação induzem. Inspirado na idéia de McLuhan de que o próprio meio determina ocaráter do que é comunicado, conduzindo a um tipo próprio de
civilização, Débray se defendeu da acusação de exaltar um determi
nismo técnico ao colocar ênfase na necessidade de se descobrir as
determinações objetivas dos aparelhos do pensamento (A . e M.
MATTELART, 1999: 179).
Na mesma linhagem, mas utilizando suportes interpretativosdas mídias emprestados da semiótica, situa-se a obra de Bougnoux(1994). Estruturadas como uma teia de relações dos meios de massacom a cultura, literatura e arte, suas interpretações, muitas vezes
agudas e criativas, se sustentam também em alusões à psicanálisee ciências cognitivas.
•
••••
•
••••••
65Lucia SantaellaComunicação [; Pesquisa64
Distinta das teorias críticas de origem alemã, mas também antagônica aos direcionamentos das pesquisas norte-americanas dosmass media, surgiu a teoria culturológica de extração francesa queteve seu ponto de partida na obra inaugural L 'Esprit du temps, deEdgar Morin (1962, ver ainda 1973, 1986). Esta teoria não sevoltou diretamente aos mass media nem aos seus efeitos sobre osdestinatários, mas para a definição da nova forma de cultura da socie
dade contemporânea que os mass media inauguraram.Embora seja a cultura realmente nova do século XX, para
Morin, a cultura de massas não é autônoma, mas pode embeber-sede outras culturas - nacional, religiosa ou humanística - nelas seinterpenetrando e, quase sempre, corrompendo-as. Embora tenhauma natureza que lhe é própria, constituindo-se como um conjunto de símbolos, valores, mitos e imagens, a cultura de massas seinsere na complexa realidade poli cultural das sociedades contem-
porâneas.Tomando a estrutura do imaginário como mediadora entre os
pólos opostos dos processos de estandardização e exigências deindividuação que são próprios da cultura de massas, Morin encontrou no sincretismo o traço "mais adequado para traduzir atendência para homogeneizar a diversidade dos conteúdos sob umdenominador comum" (MORIN, 1962: 29 apud WOLF 1987: 102).
Sob a a'legação da ausência de sistematicidade e do teor vagoe generalizante dessa teoria culturológica desenvolvida por Morin,os sociólogos Bourdieu e Passeron (1963) não tardaram a rei vindicar um comportamento mais empírico e mais específico para o
tratamento dos meios de comunicação.Embora não se possa dizer que Morin tenha criado uma escola
de estudos culturalistas no sentido de deixar seguidores, pode-se;
no entanto, afirmar que os estudiosos franceses dos meios de comunicação, que foram contemporâneos ou vieram depois de Morin,
não obstante a inconfundível marca individual de cada um, enquadram-se todos em uma tradição de estudos culturológicos. Com
a expansão do papel desempenhado pelas mídias no seio da vidasocial, essa tradição passou a adquirir feições culturalistas-midiáticas.
A partir do final dos anos 70, os estudos da comunicação foram absorvidos em um ambiente geral de debates inteiramentenovos que veio a ser chamado de pós-modernidade. Entretanto,foram ainda as feições de uma tradição culturalista-midiática aquelas que mais fielmente caracterizaram essa absorção.
Desde os anos 70, os satélites de comunicação colocavam, nastelas de televisão de quaisquer partes do mundo, eventos de quaisquer outras partes. Essa composição de um panorama internacional pluricultural foi intensificando, especialmente nos países centrais, a consciência das alteridades culturais, da existência do outro na sua outridade. Graças a bancos de dados cada vez maispotentes, a memória culturalda humanidade começou a se acumular e se tornar cada vez mais acessível. Nas máquinas de xeroxem cada canto e cada esquina, desmembrando os livros em infinidades de pedaços para atender necessidades personalizadas, nosjogos eletrônicos e no vídeo cassete, transformando os usos atéentão hegemônicos do aparelho de televisão, enfim, na multiplicação crescente dos canais de TV a cabo, a cultura do disponível .começou a contaminar a cultura de massas com o virus da personalização comunicativa do qual esta jamais se livraria.
Em suma, as novas tecnologias começaram a descentralizar acomunicação massiva, afetando a recepção de massa ao permitirao usuário maior controle sobre o processo de comunicação, através de canais de televisão a cabo e videotapes que davam à audiência acesso a programas especializados. Com a emergente fragmentação e segmentação da audiência, a televisão não podia mais serpensada como um sistema monolítico. O fenômeno do zapping, amudança de canais através do controle remoto executada pelo.telespectador para ficar livre dos comerciais, tornou-se uma preocupação central na indústria da publicidade. O emergente CompuServe, serviço de in,formação através do computador, que podia
••••.:.••••••••••••••.;• •
~..'a :::
••.. ..; ;:-,.•.~.
• •••e>_.. "
e,••.:,.~.'..,.,...• •••e,:,'.,.i.:;
66Comunicação & Pesquisa Lucia Santaella 67
ser acessado através de terminais domésticos, deslocava a ênfasenos efeitos dos meios de comunicação de massa para a questão dainteratividade que se insinuava nas novas mídias (SEVERIN eTANKARD, 1992: 12-13). Todas essas mudanças no universo dacomunicação iam brotando no solo mais amplo da irrupção de umintenso debate cultural que viria tomar conta do mundo na segunda metade dos anos 80, o debate sobre a pós-modernidade
(HARVEY, 1993; SANTAELLA 2000: 85-134; MENEZES 2001).Conforme já discuti em outra ocasião (SANTAELLA, ibid.:
118-119), quando Jean-François Lyotard publicou seu livro Lacondition postmoderne (1979), mal podia supor que essa obrafuncionaria, de um lado, como força aglutinadora de manifestações intelectuais e artísticas que vinham dispersivamente se manifestando e, de outro, como um estopim daquilo que viria a se constituir em um dos assuntos mais candentes do final do século XX.A tese central do livro denunciava a perda de legitimidade dasmetanarrativas, especialmente políticas e filosóficas que, desde aRevolução Francesa, regulavam os discursos e procedimentos
considerados científicos. Com o abandono dessas narrativas cen
tralizadoras, a ciência passou a ser paradoxalmente regida pelasfiguras do dissenso e da invenção, do que resultou a pulverizaçãodos discursos na rede flexível dos jogos de linguagem que encontram sua forma otimizada de produção e difusão nas novas
tecnologias de comunicação.O fervilhamento do debate pós-moderno e a profusão de posi-
ções diante dele que se seguiram a essa publicação de Lyotard
extrapolam os limites estipulados pelas finalidades do tópico des
te capítulo. Para reatar a tradição culturalista-midiática dos estudos da comunicação no centro do debate pós-moderno, cumprechamar atenção para a posição personalíssima defendida por FelixGuattari (1993). Rejeitando a ideologia da pós-modernidade, pro
punha que as tecnologias da informação e comunicaç~o ope~am ,
no centro da subjetividade humana em todas as suas dimensões:
da inteligência, memória, sensibilidade e afetos. Militava, em função disso, pela reapropriação das máquinas de .comunicar numaperspectiva de experimentação social.
Distinta dessa posição é aquela defendida por Paul Virilio(1993, 1996a, b), na sua desconfiança quanto à própria possibilidade de uma teoria da tecnologia, dada a aceleração de suas mudanças que motiva um pensamento sob o signo da velocidade.
Quanto mais as transformações tecnológicas aceleram seu ritmo,mais as atividades humanas se reduzem à inércia, substituídas quesão pelos aparelhos que levam à perda da sensação da duração, davida corporal e social.
Ainda mais radical é o negativismo de Jean BaudrilIard (ver,por exemplo, 1974, 1976, 1981, 1983aeb).Emcompletoantago
nismo a quaisquer crenças iluministas, para ele, a comunicação"virou uma vítima do excesso de comunicação, excesso que levouà implosão dos sentidos, à perda do real em um mundo fantasmagórico povoado de simulacros. Sob esse ponto de vista, a realidade está cada vez mais sendo convertida em signos vazios, anu
lando-se dramaticamente a nossa capacidade de resistência a esse
esvaziamento. Todos os rincões da vida contemporânea estão sendoinvadidos por objetos e experiências artificialmente produzidos(signos) que não têm mais relação nenhuma com a realidade. Elessão seus próprios simulacros puros, tentando ser mais reais doque a realidade (hiper-reais). Sob esse regime, entram em colapsotodos os antagonismos políticos. Os opostos se dissolvem uns nos
outros, e todos os atos acabam por beneficiar a todos, disseminan
do-se em todas as direções (SANTAELLA ibid.: 120). Outrasposições menos apocalípticas do que a de BaudrilIard podem serencontradas, por exemplo, em F. Jameson (1~84), em G. Vattimo(1991), Maffesoli (1996) e Lipovetsky (1997).
Embora se situe muito longe das origens das teorias crfticas, o
negativismo baudrillardiano tem um certo sabor atraente', sedu
zindo aqueles que se filiam às idéias defendidas por aquelas teo-
.•~ '.
68 Comunicação 5- Pesquisa Lucia Santaella 69r
•••••••••••••••••••••••••••••
5. CONCEITOS DE COMUNICAÇÃO NAS CIÊNCIAS VIZINHAS
Além das quatro tradições de estudos específicos de comuni
cação , acima esboçadas, em várias ciências vizinhas , conceitos eteorias híbridas da comunicação tamb ém construiram seus ninhos.O contorno abaixo, baseado em Noth (1990 e 2000) , de áreascorrelatas à comunicação não é exaustivo, mas ilustrativo de alguns terrenos em que a comunicação COITIpareCe muitas vezes COITIO
concei to chave.Assim, o CalTIpO da comunicação não-verbal é um ramo da
psicologia social. A delimitação ~as for,mas 'comunicativas 'e não .comunicativas do comportamento cotidiano é L1m .~e seus proble- "ITIaS mais fundal~entais. 'A zoosserniótica, institucionalmente L~m
ramo da biologia e, mais particularmente. ia etologia (ver SMITH,
rias. Porém um tal nível de óatasrrofisrno certamente não é com
partilhado por muitos. Se ele faz algum sentido àintelectuais blasés,situados em sociedades de primeiro mundo, às' sociedades periféricas devem caber outras estratégias de pensamento e ação quenão caiam, pelo menos, no conformismo catatônico de que nada '
resta a fazer,De fato, as teorias ou reflexões sobre a comunicação que sur
giram , por exemplo, na América Latina, estão bem longe do catastrofismo conformista. 'A maior palie dessas teorias, com as peculiaridades que lhes são próprias, enquadram-se em UlTIa tradiçãoculturológica e também midiática. Mantendo como constantes osternas das apropriações, expropriações, mimetismos , identidade,resistência e, mais recentemente, expropriação e exclusão, essasteorias têm interferido no' debate contemporâneo, nele introd.uzindo conceitos originais, tais como: hibridização, mestiçagem, mo dernidade alternativa, rnediações midiáticas (ver especialmenteCANCLINI, 1990; BARBERO, 1987; SODRÉ, 1991, 1996, 2000a;
PINHEIRO 1994) .
1977), levantam o problema da origem filogenética e dos traços
distintivos da comunicação. Tembrock (1971) define este campousando o termo "biocornunicação".
Numa tradição iniciada por antropólogos e lingüistas antropológicos, tais como Sapir, Whorf, Malinowski, Firth , Leach (1976)e Lévi-Strauss (ver SCHMITZ, 1975), a comunicação tornou-seum termo chave para a análise das sociedades e das culturas. Atese proposta por G ..Bateson (ver LA BARRE, 1964: 191) de que"toda cultura é comunicação" condensa o amplo escopo do conceito na antropologia cultural. Essa tradição foi particularmenteinfluente para o desenvolvimento da serniótica especialmente !lOSEstados Unidos. Significativamente, foi a antropóloga MargaretMead que, na Conferência -da Universidade de Indiana de 1962sobre Paralirigüfsticae Cinésica, introduziu "semiótica" como umnovo termo para o estudo de "comunicações padronizadas em todasas modalidades" (ver SEBEüK et al., 1964: 5).
Ainda segundo Nôth (1990: 169), um ramo da lingüística an-tropol ógica que influenciou a sociolingüística foi a etnografia da-cornunicação de Hymes (ver SCHMITZ, 1975). Seus objetos de
estudo são as situações de comunicação e as funções do discurso.Numa extensão crítica do conceito chomskyniano de competência,Hymes (1972) desenvolveu uma teoria da competência comunicativa para estudar as variedades dos códigos lingüísticos em grupos sociológicos eo domínio destes códigos por falantes individuais .
Nas áreas da psicoterapia, psiquiatria e psicanálise, Bateson et~I. (1956), Ruesch (1972), Watzlawick et al. (1967) e outros desenvolv.eram urna teoria geral do C~ITIportalnento humano baseada nateoria da comunicação. Nesta abordagem, psicopatologias, especialmente a esquizofrenia, são definidas corno um distúrbio da
comunicação, e sua análise e terapia são vistas como urna situa-. ção particular de comunicação.
Na sociologia filosófica de Habermas, a teoria da competência comunicativa foi ampliada para cobrir todas as "estruturas ge-
71Lucia SantaellaComunicação' S Pesquisa '70
.,~
4ttt,_.-_.,_._.'_:•• •••-~.'. ',:--I-tI..e..;••
-~.;~;._ .. tI
e-.3--::.~,:,
. ;.:.-.;.')
-y.';.~.•
eJ"e:. :.,.'"e...}•
' 0
~~t
•• ••
~:..'.
rais de possíveis situações de discurso" (1971: 102). Nessa pes
quisa , Habermas dedicou-se ao sistema de regras "de acordo como qual geramos situações de discurso possível em geral". ParaHaberrnas, a comunicação não se restringe ao "d iscurso" verbal.enão-verbal, mas também inclui atos comunicativos sem troca real
de informação (ibid.: 114~15)..Embora a teoria de Habermas te
nha, de fato, nascido dentro da sociologia filosófica, é inegável a
sua contribuição específica para os estudos da comunicação. Tan
to é que Habermas se insere em uma das tradições dos estudos de
comunicação, a tradição das teorias críticas.Sobre as bases do legado pragrnatista norte-americano, nas fi
guras de Peirce, Jarnes, Dewey e estendendo-se para o neo-pragmatismo de Rorty, vários autores buscaram avaliar o papel desse le
gado , nos seus aspectos lógicos, processuais e retóricos, dentro
do quadro de urna 'filosofia da comunicação (LANGSDORF e
SMITH, 1995).Tanto a Iingüística e a análise do discurso quanto a semiótica,
esta última concebida COIllO teoria dos signos e também como teo-
ria da significação, comparecem como teorias da comunicação
ern muitos volumes dedicados a esse tema (ver, por ,exemplo,
PIGNATARI, 1969; TEIXEIRA COELHO 1978; INGLIS, 1990;
FISIZE, 1990; BAYLON e MIGNOT, 1994). Em seu livro sobreLeituras em teo ria da comunicação (The communicaüon theoryreader, 1996) Cobley chegou ao extremo de limitar essas leituras
às teorias do signo, significação, usos do signo, atos de fala, discur-
so e interpretação.Não resta dúvida .de que ambas, lingüística e serniótica, têm
um estatuto que lhes é próprio como ciências, estatuto este que as .
leva além do limite de serem consideradas exclusivanlente corno
teorias da comunicação. Entretanto, as questões de que tratam têmtamanha relevância para os estudos da comunicação, são tantas as
sobreposições e intersecções que apresentam COIll a comunicaçãoque os limites entre elas, especialmente entre a comunicação e
semi ótica, tornam-se tão difusos a ponto de reclamarem por urn
estudo à parte (SANTAELLA e NOTH, em progresso).Realmente, as relações da serniótica com a comunicação nun
ca for.am vistas com muita clareza e o fato de a semiótica empregar termos como "serniose" e "significação" em vez de "cornuni
cação" , e "signos" em lugar de "mensagem" contribui muito para .
essa falta de clareza. De todo modo, não é por acaso que ambas,
lingüística e serniótica, comparecem em muitos volumes sobre
teorias de comunicação, assim como não é por acaso que algumas
dentre as correntes sernióticas fazem parte de uma das tradições
de estudos de comunicação, a tradição dos modelos do processocomunicativo, como já foi visto.
Todas as misturas entre tradições diversas e muitas vezes an
tagônicas, assim .como seu aparecimento em ciências vizinhas
foram fazendo da área de comunicação um campo híbrido e pou~co nítido nos seus limites internos e fronteiras. Essa falta de nitidez só vem aumentando nos últimos anos em função da emergência .recente de novos fatores que, no dizer de A e M. Mattelart(1999: 9), estão situando a comunicação cornot'figura emble
mática das sociedades do Terceiro Milênio", assunto este reserva
do para o início do próximo capítulo.
......
.;;
t ,"-.-
"".,"
'''-.,.'
72 Comunicação [; Pesquisa
....
Lucia Santaella 73ir•••••••••.'••••.'.'•••••••.'•.'••.'•••e'••-
..41,
•é:·-;.:-;.•~
.~:.;:e;e>ti,ê :.:'•.;e:...:'
•• • •
....... . .
. '
.~
••." :.
-'•••,;}:
• •••e:·.',.'".~:..:;.;;...~· rJ.:.
'..;;/
.~:'~" .
"
I
IIIIIIjii
-'~ II
I
MAPEAMENTO DA ÁREADE COMUNICAÇAO
o mapeamento a seguir da área da comunicação, seus territórios e suas interfaces não levará em conta apenas as tradições depesquisa em comunicação, mas também as linhas de força comque 'a' 'comunicação nos aparece hoje . Por isso mesmo, antes depassarmos à elaboração do mapa, trata-se de discutir a complexidade das novas inserções e ramificações C0l11 que a comunicaçãose apresenta no momento atual.
1. A ONIPRESENÇA DA COMUNICAÇÃO
Háhoje UI11 cpnsenso quase incontestável so.bre o caráter híbrido da comunicação, de UI1l lado, enquanto fenômenocornunicacional em si, que se faz presente e interfere em vários setores davida .privada e social e em várias áreas do conhecimento; de outrolado, enquanto área de conheci mento ela mesma que, cada vez
mais, parece situar-se na encruzilhada de várias diséiplinas e ciências já consensuais OLI emergen tes .
As comunicações constituem, ao mesmo tempo, um importantíssimo setor industrial, um universo simbólico que é objeto de
"todas as tecnologias de vanguarda, das biotecnologias à inteligên
cia ahifícial, do audiovisual ao rnarketing e à publicidade, enraizarn
se num princípio único: a comunicação. Comunicação entre ° ho
mem e a natureza (biotecnologia), entre os homens na sociedade
(audiovisual e publicidade), entre o homem e seu duplo (a inteligên
cia artificial); cOI~unicaçãoque enaltece o convívio, a proximidade
ou mesmo a relação de amizade (friendship) com o computador"
co nsu rno maciço, um investimento tecnológico· e 111 expansão
ininterrupta, uma experiência individual diária, LlI11 terreno de con
fronto político, um sistema de intervenção cultural e de agregação
social, urna l11aneira de informar-se, de entreter-se, de passar o
tempo etc. (WOLF, 1987 : 13). ,Sfez ( 1994 : 25) também nos alertou para o fato de que a-comu-
nicação invadiu todos os domfn ios: a empresa e seu proeminente
setor de "relações humanas"; o marketing. antes restrito ao produ
to, hoje recobrindo a imagem da própria empresa; os meios polí
ticos inteiramente entregues ao marketing político e à imagem de
marca; a il11prensa, o audio visual e a edição nos quais a 'rubr ica da
comunicação floresce; as psicoterapias que se pretendem comu
nicativas, e até as ciências exatas -fís~ca e biologia-estão conta-.
1111 nadas pelo vocábu lo "cornun icação".Além de a oornunlcação ter invadido metáforicamente o con-
junto das ciências humanas e das práticas políticas, sociais, cultu
rais e econômicas, recordemos ainda, dizia Sfez (ibid.: 28-29),
que a biologia genética origina-se no modelo de trasrnissão codifi
cada de uma mensagem (ADN); que a ~iên(?ia~Gológica ou etoló
gica nutre-se de imagens oomunicacionais; que as neu~o-ciências
tornam seu conteúdo de referência de empréstimo à conexão (es
ses permutadores cerebrais de 111ensagens invisíveis). Enfim,·-
IISe a internacionalização nãoé mais o que .era na época em que os
conceitos de dependênciae imperialismo cultural ainda p~rl11itiam
apreender °desequilíbrio do fluxo mundial de informação e cornu
nicação, é p~rque novos atores apareceram num cenário doravante
-•••.:e !•••••••••••••.'••••••-~••.',••.'e\
•••
77Lucia Santaella .
Na época em que Sfez escreveu sua Crítica da comunicação,a~ redes teleinfcrrnáticas ~ão haviam a(nda explodido e abraçadoo glo~o com um~ teia deconexões, nem as questões da globaliza-
i' ç.ã~i ,Q~0Iític9-'econônlica .e da mundializaçãoda cultura 'hav iam
entrado na ordem do dia, de modo que, ao acrescentarmos esses
novos fenômenos à lista de Sfez, a imagem proliferante da cornu
nicação se torna ainda mais tentacular.
De fato, no início dos ~nos 9'0, quando ainda estávamos"im~rsosnos debates sobre pós-modernidade, começou aentrar el~ cena,
sob a égide da ec;oromia neo-liberal, aquele que seria o. grande
tema dos anos 90, o terna da globalização (ver TANI:TI, 1992, 19.95
e ORTIZ, 1994). Nesse contexto, o papel desempenhado pelos
meios de comunicação passou a ser de U111a, tal ordem aponto' de
se poder afirmar que, sem os meios de comunicação teleinforrnãticos, o complexo fenômeno da globalização, tanto nos seus as
pectos econômicos e políticos quanto certamente culturais não. ,teria sido possível.
Os sistemas tecnológicos complexos de comunicação e infor
mação C?ertamen te passaram a exercer um papel estruturan te na
organização da sociedade e da nova ordem mundial. D~í a socie
dade ser definida em termos de comunicação que é definida em
termos de redes. Tendo isso em vista, Mattelart (1997a, -l997b)
criou o conceito de "comunicação-mundo", inspirado node "eco
nomia-mundo". Para o autor, esse conceito permite continuar a
análise desse novo espaço transnacional hierarquizado: ? lógica
pesada das redes imprime sua dinâmica integradora, ao mesmo
tempo em que produz novas segregações, novas exclusões, novasdisparidades. .
I"~i. I
"(SFEZ, 1994: 21) .
76
':...::'
.~ :...
t ''.(k"
, '
',-
. ."".. '
2. DIGITALIZAÇÃO E Cn3ERESPAÇO
. -;~
No contexto dessas transformações . vale notar que, crescen-temente aurnenraqa pelas comuni~ades ciberespaciais que se formarn ao sabor da espontaneidade desregrada que ~ própria dasredes.jrsociedade informacional e comunicativa na qual estamos.. , .
inserid.os nãose deixa explicar à margem do substrato infraes-trutural que lhedá suporte, a revolução digital.
Segundo Joel de Rosnay (1997 : 29), estamos vivendo um verdadeiro choque do futuro resultante sobretudo dos avanços dasciências físicas e biológicas . Enquanto a f ísica e a eletrônica levaram ao desenvolvimento da informática e das técnicas de comuni
cação, a biologia levou ã biotecnologia e à bioindústri~. Estamos,seI11' dúvida, entrando numa revolução da informação e da 'comunicação sem precedentes que está desafiando nossos métodos tradicionais de análise e de ação.
No cerne dessas transformações, os computadores e as redesde comunicação passam por uma evolução acelerada, catalisadapela digitalização, a compressão dos dados, a multimídia , a hipermídia. Alimentada COI11 tais progressos, a in ternet, rede mundialdas redes interconectadas, explode de maneira espontânea, caóti- .ca, superabundante, tendência que só parece aumentar com a recente imigração massiva do e-comércio para o universo das redes ,Nesse mesmo ambiente, nos setores técnicos e científicos, erner- .
,\
gern tendências inquietantes, tais como a realidade virtual e a vidaartificial.
'Cérebros humanos , computadores e redes interconectadas decomunicação ampliam, a cada dia, um ciberespaço 111~ndial noqual todo elemento de informação encontra-se ern contato vil-tualcom todos e com cada um, tudo isso convergindo para "a constituição de um novo meio de comunicação, de pensamen to e detrabalho para as sociedades humanas", enfim, de urna nova antro.pologia própria do ciberespaço (LÉVY, 1998: 12,2000).
Segundo Lévy (ibid .: 13), a fusão das telecomunicações, dainformática, da imprensa, da edição, da telev isão, do cinema, dosjogos eletrônicos em uma indústria unificada da mu ltimídia é oaspecto da revolução digital que tem sido mais enfatizado. En'tretanto, esse não é o aspecto mais importante. A.par dos aspectoscivilizat órios, tais como nQ.vas..estruturas de comunicação, d~ regulação e de cooperação, linguagens e técnicas intelectuais inéditas. ' . ,
. modificação dasrel ações de' espaço e. tempo etc., .~ mais impor-tante está no fato de.que a forma e o ponteúdn do ciberespaço
ainda es~ão especlalmenre indeterminados. Diante dis~o ~ãó · s~~ . . . '
trata mats de raciocinar em termos de impacto (qual o impacto
. das infovias na vtg~..econômica, política, cultural, cie~t{fica?), J11aSem termos de projetos. .,. . ' .
Do ponto. de vista do conhe~im~nt;, MatteJ'lart (1999: 165)nos diz que, para melhor considerar, na era das redes transfronteiriças, a complexidade dos vínculosque unem territórios particulares, tanto físicos quanto virtuais, novas configuracões transdisciplinares se formam, é delas participam a história, a geografia , age~polltica, a ciência política, ~ economia indus trial e a<'~ntropo
logia, Cada uma dessas especialidades contribui para isso ern grausbastante variados , à medida que não experimentam do meSJ110modo a necessidade de estabelecer alia.nças para apreender a novaimportância das redes de comunicação. . .
. Tendo isso em vista , sou levada à hipótese de que, dada aonipresença dos fenômenos comunicacionais, a comunicação comoárea de conhecimento está cada vez mais tornando o lugar de UI11a
79Lucia 'S a n ~a e l l a
.....~
Comunicação 5- Pesquisa
transnacional . Os Estados e as relações interestatais não são mais o
.único pivô de ordenamento do mundo. As grandes redes de info rma
ção e comunicação, com seus fluxos 'invisíveis', 'imater~~.\ais l ;.f~I~lTÜ~~,. .
'terri tórios abstratos', que escapam às an tigas ter ri tori aI i~J~tfreS'~"
(MATTELART, 1999 : 166). . ~
78
. _~
~.
4t~!
~ ._.~_.-"~.'
••.;'.:,•I -
1 - ):•.._.~,
~ .
~._.~.
~._I.~•-~ .«1I."_l~
-3:'. ";~_Jej•.-:.
- I
3. A TEIA INTER-MULTI E TRANSDISCIPLlNAR
DA COMUNICAÇÃO
N a segunda metade dos anos 80, Del ia (1987: 20-22) lembra
va que, antes mesmo da coa1escência da comunicação corno urna
, áreade co'nhecilnento que se deu, nos Estados Unidos , na década
de 40, e continuando depois disso, um traço significante da pes- .
quisa em comunicação sempre foi sua fraglnentação como urna
preocupação tópica que cruza virtualmente todas as áreas das ciên -,
cias sociais e das humanidades. Corno um tópico de pesquisa, a "
COlllunicação nunca se limitou a qualquer domínio social (Estado,
sociedade civil, educação etc), a qualquer disciplina ou campo
ciência piloto para cujas questões acabam convergindo muitas
outras ' ciências, Nó centro dessas questões; reside a noção dasredes de comunicação, uma noção que não se deixa entender à luz
de uma visão estritamente tecnológica , pois o funcionmnento das
redes de cOlllunicação apresenta selnelhanças com o comporta
mente do sistema nervoso , do sistema imunológico, podendo ser
simulado através de programas computacionais que estão no foco
das preocupações dos cientistas de inteligência artificial.Não deve ser por mera casual idade que se acentuam cada vez
mais as interfaces e cooperação das pesquisas em comunicação
com algumas disciplinas, tais como as ciências cognitivas, as ciên
cias da informação, inteligência artificial e a biologia que, a des
peito da especificidade de cada uma, estão lidando com questões
que' são, antes de tudo, questões comunicacionais . As ciências da
comunicação têm, portanto, muito para dar e receber nessa con-
vergência .Assim sendo, a comunicação como área de conhecimento .in-
clui, mas está longe de se limitar à visão restrita da comunicação
como fenômeno exclusivamente humano e social que imperou até
finais dos anos 70.
..•••e i
•eJ•.'••e•••.'.'•. ...".'•••.'.'•.'••'..'•••
81Lúcia Santaella
especializado dentro de U111a disciplina, Na verdade, no decorrer
do século, a comunicação se fraturou em uma miríade de frag
men~os conceituais e práticas de pesquisa (publicidade, símbolos
significantes, pesquisa de rádio, rituais interativos, levantamento
de efeitos, inteligibilidade, análise cultural etc.) . Segundo Delia,
essa fragmentação tem sido, mesmo que de modo implícito, arn
pIamente reconhecida, mas suas implicações profundas para o
desenvolvimento da pesquisa em comunicação não recebeu a devi
da ênfase.
Também na segunda metade dos anos 80, no contexto hege
mônico das pesquisas empíricas de comunicação com teor socio
psicológico, nos Estados Unidos, FarreIl (1987: 123-124) lança
va o desafio da incorporação aos estudos cornunicacionais das
competências próprias da especulação reflexiva. Para ele', pelo
menos três grandes feixes de tipos de pesquisa oferecem alternati
vas importantes às ci ências sociais para a pesquisa em comunica
ção: abordagens filosóficas da comunicação, que permitem o en
tendimento de algumas questões críticas da comunicação, abor
dagens estético-alegóricas , que podem nos fornecer os mais finos
ajustamentos sobre COlno o processo comunicativo funciona, eabordagens interpretativas e críticas, nas quais a experiência da
comunicação como discurso e texto tende a ser emoldurada recriada, .
e qualificada à luz de certas normas derivadas ou inventadas.
Dedicando o seu artigo mais di retamente às abordagens filo
sóficas, Farrell discutiu quatro grandes domínios reflexivos: a her
menêutica e fenomenologia, a serniótica e o estruturalismo, o
marxismo e a teoria social e a filosofia não racional ou desconstru
tivismo. Nesta última, foi posto em relevo o questionamento que
o antilogocentrismo de Derrida e FoucauJt trouxeram.para os pres
supostos básicos da comunicação de um emissor que sabe o que
diz e .de um receptor para o qual o significado aparece. Contra
isso, Derrida (1973) removeu o sujeito do discurso, substituindo a
primazia da fala pela escritura ou texto e substituindo a busca da
i
r
Comunicação & Pesquisa80
t-, "
82 Comunicação & Pesquisa Lucia Santaella 83
.:•tt).-.
•••I.i1.-•••.'•_.--.:••
e_.:'••_:--;,->.)
verdade pela interpretação(ou "desleitura") do,significado. M.a~s
abertamente político, Foucault (1972, .1973) pôs em evidência asfranjas do poder que se ocultam nas regras de formação discursiva.
Para Farrell (ibid.: 137-138), não há contradição em se pensarcomo um herrneneuta, 'um semioticista, um teórico social, ou mesmo um desconstrucionista, e-continuar pensando como um cientista da comunicação. Isso 'certamente traz consigo uma tensãoextraordinária, mas só através dessa tensão as possibilidades extraordinárias da comunicação como ciência podem persistir.
Cada vez mais, desde o início dos anos 90, a ilusão acalentadade uma teoria unificada ou de uma metodologia privilegiada paraos estudos de comunicação parece ter sido relegada ao passado.De fato, muitos estudiosos têm sido enfáticos sobre a inserção dacomunicação, principalmente na parte de seus fundamentos, naquilo 'que Lucien Sfez (1992: 11) caracterizou como o núcleo epis
temológico da comunicação
"que reúne em torno de pontos comuns grande diversidade de sabe
res: biologia, psicanálise, mass media studies, instituições, direito ,
ciência das organizações, inteligência artificial, filosofia analítica etc.
Esses conceitos comuns às ciências da comunicação parecem dever
constituir pouco a pouco os elementos de uma forma simbólica emgestação".
Essa mesma linha de argumentação foi utilizada por Eliseo
Verón na apresentação da coleção de publicações na área de comunicação sob o título de El mamifero parlante da editora Gedisa(Buenos Aires, Barcelona, México), por ele dirigida. Ao consagrar o Mamífero'parlante à difusão de teorias e investigações nocampo 'das ciências dacomunicação, Verón explicou que "o plural ciências, frequentemente utilizado, expressa indiretamente a
complexidade de tai campo. Não dizemos ciência da comunicação nem comunicologia, porque não se trata de uma disciplina,
IIiII
II~
II!l -IIII
mas de um cruzamento de múltiplas problemáticas correspondentes a disciplinas tradicionalmente diferenciadas. As ciências dacomunicação constituem hoje em dia um nó transdisciplinar, nocampo das ciências brandas, comparável ao nó das ciências cognitivas, no terri tório das ciências duras".
Em função disso, Verón justificou a presença na coleção deuma ótica antropológica aplicada às sociedades urbanas, de umaótica epistemológica, semiótica, sociológica, histórica, cognitiva,política, todos esses modos pertinentes de acesso aos fenômenosda comunicação, em particular aqueles associados à emergência efuncionamento de tecnologias midiáticas.
Sem dúvida, só esse último item, o das tecnologias midiáticas,com a tendência contemporânea que apresentam para se integrarem em um único sistema de comunicação cada vez mais complexo, está exigindo uma abordagem multidisciplinar para dar contade seus variados aspectos.científicos, institucionais, tecnológicos,políticos, culturais, profissionais etc .
Na mesma linha de pensamento, em prol de uma perspectivamultidisciplinar para a comunicação, Bougnoux (1994: 14-16)defende que o telescópio da comunicação há de favorecer a convergência entre ciências e artes, e permitir religar vários pensamentos errantes ou dispersos. Para ele, há, pelo menos, cinco colunas ou sólidos domínios de estudo sobre os quais se podemedificar as ciências da informação e comunicação: a semiologia, apragmática, a midialogia, a cibernética e a psicanálise.
Tendo como pano de fundo não apenas as concepções maistradicionais de comunicação, mas também a complexidade dassobreposições e ramificações, acima delineada, com que o desenho do campo da comunicação hoje se apresenta, buscarei construir, a seguir, o mapeamento da área da comunicação e de suasinterfaces.
----------------------------------------..84
Comunicação & Pesquisa Lucia Santaella 85
4. TRAÇADO GERAL DO MAPEAMENTO
Sob o título de "universais da comunicação", DeVito (1997: 7),apresentou uma versão sintética dos elementos presentes em todacomunicação humana, seja ela intrapessoal, interpessoal, grupal,pública ou de massa, como se segue: "a comunicação se refere aum ato, realizado por uma ou mais pessoas, de enviar e receber
mensagens que são distorcidas pelo ruído, ocorrem dentro de umcontexto, produzem algum efeito e dão oportunidade à retroali-
mentação" .O contexto tem, pelo menos, quatro dimensões: física, cultu- .
ral, sócio-psicológica e temporal. A dimensão física refere-se aoambiente tangível e concreto no qual a comunicação ocorre, exercendo alguma influência sobre o conteúdo do que é comunicado.A cultural se refere às regras e normas dos comunicadores, crenças e atitudes que são transmitidas de uma geração a outra. A sócio-psicológica inclui os papéis sociais desempenhados pelas pessoas, a formalidade ou informalidade, seriedade ou humor da situação etc. A temporal inclui desde o momento do dia em que acomunicação se dá até o modo como ela se insere na seqüência
temporal de eventos comunicativos (ibid.: 8).O ruído é algum tipo de perturbação que distorce a mensagem.
Em casos extremos, o ruído pode impedir que a mensagem enviada pela fonte chegue até o receptor. Em casos normais, algumnível de ruído é inevitável pelo simples fato de que a mensagememitida .sempre difere da mensagem recebida. Há três tipos deruídos: físico (tudo que interfere fisicamente na transmissão damensagem), psicológico (idéias preconcebidas) e semântico (signi-
ficados mal-entendidos).Considerando os elementos do processo comunicativo tam-
bém como "universais da comunicação", mas generalizando ainda mais esses "universais" para recobrir um campo que vai alémda comunicação estritamente humana, a versão dos elementos do
1
\iII1
Ij
J
processo comunicativo, que tomarei como ponto de partida para omapeamento da área de comunicação, apresenta-se do seguintemodo: todo processo comunicacional parte de uma fonte que emite uma mensagem ~través de um canal para um destino ou receptor da mensagem. E nesse receptor ou destino que a transmissãosurte seu efeito precípuo, quer dizer, produzir nele alguma influência, influência esta que pode retornar modificada ao próprio emissor. A mensagem, que sofre, até certo ponto, a interferência devárias ordens de ruído, está sempre inserida em um contexto comunicacional, assim como se refere ou designa algo que está fora daprópria mensagem. Para se estruturar como tal, a mensagem depende de um código multiplamente determinado que está nela pressuposto e que, pelo menos em' algumas de suas determinações,deve ser compartilhado pelo emissor e receptor da mensagem.
Não resta dúvida de que essa definição não passa de um meroesqueleto formal ao qual falta carnadura concreta. Para preencheressa falta, alguns estudiosos incorporaram, aos ingredientes comunicacionais, fatores neurológicos, psicológicos, sociológicos, referenciais e muitos outros (ver, por exemplo, MEIER, 1969 eDINGWALL, 1980).
Tanto quanto posso ver, para recuperar a carnadura que faltaao esqueleto, não é preciso se livrar dele, visto que ele pode funcionar como um primeiro traçado sobre o 9ual desenhar o mapada área da comunicação. Desse modo, considero esse esqueletocomo um núcleo constante da comunicação que deve funcionarapenas como urna espécie de roteiro básico dos territórios, queaqui estarei também chamando de "campos'.' da comunicação.Dentro de cada campo, deve-se então proceder à incorporaçãodos recheios, desdobramentos, ramificações e implicações quesejam capazes de configurar o conteúdo interno desses territóriosdelimitados. Portanto, a tarefa que se apresenta agora é a de preencher os campos com os recheios necessários, ponderando sobresuas implicações, como se verá a seguir. Antes disso, resta notar
••••••
5.1 O TERRITÓRIO DA MENSAGEM E DOS CÓDIGOS
5. Os TERRITÓRIOS DA COMUNICAÇÃO
A grande área da comunicação é composta por alguns territó
rios que foram delimitados de acordo com os elementos do pro
cesso comunicativo, conforme está discriminado abaixo.
que o mapa é suficientemente flexível para ir incorporando não
apenas possíveis noyos territórios, quanto novos conteúdos den
tro de cada território e n<?~as relações entre os territórios.
87Lucla Santaella
5.2 O TERRITÓRIO DOS MEIOS E MODOS DE
PRODUÇÃO DAS MENSAGENS
Subsidiário ao campo da mensagem em si, tem-se ocampo do
modo como as mensagens são produzidas. Com que meios elas '
são produzidas? Entram aqui todos os suportes artesanais da es
crita, pintura, gravura, instrumentos musicais, todos os meios téc
nicos eletro-eletrônicos de produção de imagem, som e escrita
(jornal, foto, cinema, televisão, vídeo etc.), assim corno as atuaismídias digitais,
Trata-se aqui de focalizar as caracterfsticas de cada suporte,
canal ou mídia particular. Quais são os traços definidores de cada .
meio? Como esses traços se constituem na impressão digital decada meio, diferenciando uns dos outros?
Para pesquisar sobre essas questões relativas ao modo de pro
dução das mensagens, é necessário levar em consideração o de
senvolvimento das forças produtivas sociais, pois é de sua histo
ricidade que advêm os suportes, canais, meios físicos e tecnológi
cos para a produção das mensagens. As linguagens, sejam elas
quais forem, são materialmente produzidas de acordo com supor
tes, instrumentos, meios e técnicas que são tão históricas quanto
as próprias linguagens e as instituições que as abrigam (BENJA
MIN 1972, apud SANTAELLA 2000 : 159). A fotografia, por
exemplo, é uma invenção no século XIX, produto da revoluçãoindustrial, assim como a internet é uma invenção do final do sécu
lo XX, fruto da revolução cibernética, digital e teleinfornlática.
Também deve sel'o considerada, nesse campo, a publicidade
corno meio de sustento dos meios, quer dizer, a vicariedade dos
meios em relação à publicidade, tal como ocorre especialmente
n~ televisão e mesmo no j0111al e como já está ocorrendo com o ecomércio na internet.
Comunicação [, Pesquisa86
Embora seja algumas vezes esquecida pelos comunicólogos,
uma espécie de ponto cego da retina, a mensagem em si é o dado
mais palpável em todo processo comunicativo, aquele a que sem
pre se tem acesso objetivo (ver VOLOSINOV, 1973). Nesse cam
po da mensagem ern si, cabem todas as pesquisas referentes às
linguagens, discursos, sistemas e processos sígnicos das mais diver
sas ordens: biológicos , corporais, lingüísticos, gestuais, visuais,
sonoros, audiovisuais, hiperrnidiáticos com todas as suas mistu
ras, além dos processos contracornunicativos, poéticos, artísticos,
quer dizer,'pt~ocessos rebeldes em relação aos sentidos institufdos.>-Também pertencem a esse território as indagações sobre os
modos através dos quais as mensagens, concebidas como construções designos ou processos de significação, são capazes de defla
gar possíveis efeitos de sentido ou, ao contrário, os questionamen
tos sobre essa possibilidade, tendo em vista o deslocamento in
cessante do sentido. Cabem ainda nesse campo os estudos dos có
digos ou sistemas nos quais os signos e linguagens se organizam,
deten~inandosua grarnaticalidade, ou seja, como os signos se rela- : ,
cionam uns com outros. É nesse campo, portant~, que são estuda
dos os processos de hipocodificação ou. hipercodificação, assim
C0J110 as regras de produção textuais e. as . técnicas de persuasão.
~
~
~~,
~,
~.
t!.'.:" .~
~••....... '•'--'.:~:
~. ;
~.
\~~,.:~:,. :-
"-.- .
'"•• ••'-.":...._...•.;' ... "
••... :,....'
.':". ;;;~.
-~~:-;
-3-)~'.jJ
~)e'j
89Lucia Santaella
ideológicos, mercadológicos, políticos, culturais, psíquicos lhe são
impostos por essas instituições ou organizações? Como essas instituições ou organizações estão socialmente inseridas? De ondevem sua sobrevi vência? Qual é o sistema político e legal de cons
t ítuiçãodessas instituições e organizações? Quais são os tipos de
marketing institucional e empresarial dessas organizações?
Nesse campo se enquadram as considerações sobre as redes e
fluxos de informação do ponto de vista do produtor da mensa
gem. Enquadram-se ainda os questionamentos desconstrutores dosujei to falante como senhor do seu discurso .
5.5 O TERRITÓRIO DO DESTINO OU RECEPÇÃO DA MENSAGEJv\
Aqui cabem pesquisas sobre os modos, como as mensagens
são transmi tidas e difundidas. Quais os tipos de mediações ,so
ciais, culturais, psíquicas e sígnicas existentes até e no ato de re
cepção? Quem é o receptor? Um indivíduo, um cliente, um grupo,
um público, uma audiência ou um receptor virtual? Quais são as
estratificações do público Ou audiência? Quais são ,os efei tos ou
impactos (psicomotores, afetivos ou cognitivos) sofridos pelo re
ceptor? Qual a eficácia persuasiva da mensagem? Que influências
o receptor recebe das mídias e até que ponto ele pode exercer
influência sobre elas? Como o receptor interfere e transforma ounão a mensagem que recebe?
Por isso mesmo, enquadram-se nesse território os estudos so
bre mecanismos de decodificação e leitura, esta cOlllpreendiçia,
de um lado, como processo de descoberta de significados que acontece quando o receptor entra em negociação e interage com a mensa
gem, do que decorre o paralelismo e complemen taridade entre codificar e decodificar e, conseqüentemente, a contraparte ética da leitu
ra. D~ outro lado, a leitura pode também ser compreendida C0J110
processo perceptivo, para o qual concorrem os órgãos sensoriais hu
manos e, nas máquinas, os sensores (ver BARKER, 1990: 44-63).
.... .....
Comunicação & Pesquisa88
5.3 O TERRITÓRIO DO CONTEXTO COMUNICACIONAL DAS
MENSAGENS.
Neste território, cabem pesquisas sobre a situação comunica
tiv a e m geral, a situação em que a comunicação se dá. Essa situa
ção apresenta vários níveis, de~de o nfvel meramente f'ísico , rela
tivo ao local em que a comunicação se dá, passando pelo cultural,
psico-social até o nível temporal. Por isso mesmo, neste camp~,
entram em cena as formas de cultura a que os processos comum
cativos dão origem e nas quais germinam, por exemplo, cultura
oral , cultura da escrita, cultura de massas , cultura das mídias,
cibercu'ltura . Aqui tamb ém se enquadram os estudos sobre inter e
multiculturalisrno, assim como as questões sobre mundializaçãoda comunicação e cultura e os intercâmbios do regional e local '
com o global.Ainda cabem nesse campo as pesquisas sobre aquilo a que as
mensagens se referem, o que elas indicam, designam e represen
tarn, corno representam, a que interesses ideológicos e poderes
sociais atendem, enfim, cabem aqui os variados tipos de relações
da mensagem com seu contexto representativo, isto é, os graus de
referencialidade das mensagens ou aquilo que, de maneira menos
técnica, costuma ser chamado de conteúdo.
5.4 O TERRITÓRIO DO EMJSSOR OU FONTE.DA COMUNICAÇÃO
Este território tem como referência as seguintes questões : por
quem a mensagem é produzida? Qual o enunciador ou sujeito da
mensagem? Esse enunciador é humano ou não? É U111 sujeito simples , um indivíduo, ou é um sujeito complexo, coletivo, ou é hf
brido? Quais as injunções físicas, psíquicas e sociais sofridas .por :
esse sujeito? Quais são as escolhas éticas desse sujeito? O sujeito '"
está inserido em organismos, máquinas, sistemas, instituições,'
organizações, corporações? Que constrangimentos econômicos,
\......I
'.....
----------------------------e'••.:•.t.'.i.'•••.)•.'.'•.',•'.'••.:•'.••••.~
•••••
6. 'As INTERFACES DOS TERRITÓRIOS DA COMUNICAÇÃO
Os territórios ou campos assinalados nos tópicos do item (5)funcionam como pontos de ancoragem da área de comunicação.Conforme já foi visto, cada um desses campos está repleto de questões que nele especificamente se enquadram. Entretanto, cada carnpo ou território mantém interfaces com os demais, o que gera conjuntos de novas questões', como se poderá ver abaixo. Cumpreassinalar que essa relação proposta entre a ancoragem e asinterfaces cumpre dois papéis: de um lado, garantir, através da "ancoragem, que as pesquisas em comunicação, sob o álibi da intermulti e transdisciplinaridade, não se dispersem em terras de ningu érn. De outro lado, garantir, através das interfaces, que essasancoragens se abram para as possíveis interações e cruzarnen tos
C0l11 áreas, campos ou territórios vizinhos, evitando, assim, que a >
comunicação autocentrada se imobilize em uma camisa-de-força.
Trata-se de garantir, enfim, o equilíbrio instável entre duas forças .
Esse campo da recepção é bastante co~pl~Xb na medida emque diz respeito ao intercurso social das mensagens o qual, nassociedades cornplex as contemporâneas, inclui urna multlpücidade de meandros típicos da moderna antropologia urbana, dos gra.ndes deslocamentos e itinerários humanos, da onipresença das máquinas de comunicar, das influências do inter e multiculturalismosobre os processos de recepção etc. Aqui também entram em cenaas instituições, organizações e corporações responsáveis pela circulação 'das mensagens. Observe-se que o território (5.4) também
está voltado para as organizações, mas sob o ponto de vista daprodução das mensagens. Neste território (5 .5), entretanto, as organizações aparecem tanto sob o ponto de vista do modo como asmensagens circulam até atingirem os seus destinos, quanto do pontode vista da natureza do receptor que também pode ter o caráter de
uma organização ou algo similar.
6.1 As MENSAGENS E SUAS MARCAS
91Lucia Santaelle
Tanto as forças sintéticas, .centrfpe tas, que preservam um certograu de integração e identidade da área de comunicação, quantoas forças expansivas, centrífugas, que trazem para a área incorpo
rações de fora.
Para quem sabe ler mensagens, para quem sabe ler os si anos. . b
de que ~s mensagens são compostas , mensagens f~ncionam sern-pre como centros irradiadores para múltiplas direções na ~edida '·em gu~ nelas ,ficam marcas, índices que apontam para todos os .outros componentes do processo comunicativo, ou seja:
(6.1.1) Marcas do suporte,"c'anal ou meio que veicula a mensagem. Assim, alinguagem visual na fotografia é distinta da lingu~-'gem visual no cinema qu.e é, por sua ve~ distinta da linguagemYis~lal no vídeo, e assim por diante. . .
(6.1".2) H'á também marcas do contexto na mensagem. Tod'amensagem, ern quaisquer tipos de signos, verbais, visuais 'ou mesmo sonoros, está sempre prenhe de índices contextuais si tuacio- .nais, históricos, culturais, ideológicos, políticos qu'e ap~ntam,qemodo mais ou menos explícito, para o contexto representado nanlensag.em.
(6.1.3) Há ainda marcas indicadoras do sujeito, simples oucomplexo, ' individual ou coletivo, humano ou não, que emite amensagem e indicadoras também das relações que o sujeito emissor mantém com o receptor, Estas marcas costumam ser muitoabunda.ntes. Nas teorias do discurso têm recebido o nome d~
dêiticos, shifters (Jakobson) e embrayeurs (Ruwet) . Trata-se deexpressões 'cujos referentes não podem ser dete;minad'~sa não ser
p.eJa . r~ l aç ão dos interlocutores. Benveniste (1966) mostrou que~s dêiticos se c.oI?stit~eJll em um.a irrupção do discurso, pois s~us
sentidos, n,ão obstar:t,e rel~vem da lingua, não podem ser definidos senão por alusão ao seu emprego, ' até o ponto de se po'der''''
Comunicação [, Pesquisa90
~.
~.,••'-'•"'_.,,..
'.'~; .
."~...: '
~:~..0
'- o ..;;"-..:..'"
.'0..w ~ .
~~ ...~.
...~ ..:.,~~
~.:
~.:
.,:~-..: ..,J'
•••'~:.o
••'-oi-.'
- .::0.•,.'~.J••• •
• . 1.......,
.~ji
·3• ••••....J..(~,
o.~\~
eJ).' :~
6.3 INTERFACES DAS MEN'SAGENS COM O CONTEXTO
6 .2 INTERFACES DAS MENSAGENS COM SEU MODO DE PRO
DUÇÃO
Entre o territ ório (5.1)" das mensagens ern si, e o território, "
(5.3), do contexto das mensagens, situam-se as pesquisas sobre asdiferentes ordens das linguagens, tais como ordem educacional,
-••••••.-••.'••••••.'.'.'•e/•.'.;.'•'.••••••.'
93Lucia Santàella
ordem legal, ordem religiosa etc. e , à microffsica do poder que
nelas se desenvolvem. Situam-se ainda as pesquisas sobre o' contexto histórico, sócio-cultural; e mesmocivilizacional, engendrado pelas diferentes formas de comunicação: oral, escrita, imagética,audiovisual, midiática, hiper':'midiática. - - .
Nessa interface, coloca-se ainda em questão se as, mensagens
podem representar acuradamente as várias dimensões da realida
de ou não.
6.4 INTERFACES DOS MEIOS COM O CONTEXTO
As interfaces do território (5 .2), dos suportes, canais e meiosque veiculam as mensagens, _ç.om o território (5 .3), do contexto
das mensagens, geram pesquisas sobre os tipos de meios de que
as diferentes ordens das linguagens dispõem para veicular suas
mensagens. Assim, por exemplo, tem-se a migração do discurso
religioso para o meio televisivo com os conseqüentes estratos sociais
a que esse discurso serve. Outro exemplo está no descompasso ou
não da educação escolar em relação aos meios de comunicação etc.
Também se situam nessa interface, as pesquisas sobre como
os fatores econômicos, políticos, culturais, ideológicos, jurídicos
e institucionais influenciam o que é ou pode ser e o que não é ounão pode ser transmitido pelas mídias, questões essas que são.tí
picas das relações- da agenda das mídias com a realidade. Conse
qüentemente, aqui se colocam as questões sobre as mídias noti
ciosas como agentes de poder.
Aqui ainda se localizam os estudos sobre os modos pelos quais
o advento de uma nova mídia em L1I11a matriz previamente exis
tente de mídias pode alterar as interações sociais e a estrutura so
cial ern geral. Em um nível ainda mais macro, as mídias são tarnbém estudadas não COIllO simples canais para transmitir informa
ções, mas como conforrnadóras de novos ambientes sociais corno,é o caso atual das' comunidades virtuais no ciberespaço.
Comunicação [; Pesquisa92
questionar se a referência é possível sem o emprego, ex pl íci to ou
não, de dêiticos.(6.1.4) Ta"r~6ém marcas, mas relativamente distintas das ante-
ri ores, na' medld-a em que não precisam estar necessariamente ex
plícitas, são aquelas que dizem respeito ao receptor a que a mensagem se destina, receptor este que pode estar previamente mar
cado na própria mensagem. Isso é típico, porexemplo, de mensa
gens publicitárias ou ainda de mensagens que nivelam seu reper
tório para atingir um público médio, como é o caso de muitas das
programações dos grandes canais de televisão.'
Interfaces qu~ se estabelecem entre o território (5.1), das men
sagens em si , com o território (5.2), do modo como as mensagens
são produzidas, levam-nos a inquirir sobre as sutis diferenças quedevem ser estabelecidas entre, por exemplo, a linguagem do cine
ma (campo 5'.1) e o cinema como mídia (campo 5.2), a linguagem
dojornal (campo 5.1) e o jornalisrno como mídia (campo 5.2) ou,
ainda como exemplo, entre as linguagens da arte (campoSi l ) e as
exposições de arte ou os livros de arte (campo 5.2) etc. O modo
COIllO os meios determinam a constituição das linguagens por eles
veiculadas, "as possibilidades que abrem e os limites que impõem
sobreelas ("o meio é a mensagem") , a especificidade dos proces
sos de comunicação que cada meio constitui , os gêneros que cada
um desenvolve são todos tópicos a serem estudados nessa interface.
6.6 INTERFACES DOS MEIOS COM O SUJEITO PRODUTOR
6.5 INTERFACES DAS MENSAGENS
COM O SUJEITO PRODUTOR
Além disso, nessa interface, situam-se as questões sobre os
sistemas de concessão e propriedade das mídias e, em nível mais
amplo, a formação dos conglomerados de mídias. '
Nas interfaces do território (5.2) dos meios, com o (5.4), do
sujeito da mensagem, inserem-se as pesquisas sobre o domínio ou
não do sujeito sobre os suportes, canais, 'meios ou mídias de que
dispõe, domínio este entendido desde o nível das habilidades téc
nicas e' criativas do sujeito até sua propriedade econômica dos
tn~ios'ou não. Quer dizer, esse sujeito é proprietário dos meios de
produção de um dado sistema de linguagem ou serve a ele como
empregado? Sob que condições os meios estão disponívies aosujeito? Que conseqüências econômicas e especialmente políti
cas e ideológicas, isso traz para a maneira com que esse sujeito
trabalha com o meio?
95Lucia Santaella
.. . .
6.8 INTERFACES DA MENSAGEM COM SUA RECEPÇÃO
Nas interfaces do território (5.3), do contexto, com o território
(5.4), do sujeito, pesquisam-se os medos como o sujeito da Il:e.n
sagem está inserido no contexto, sob os vários aspectos ernque o·
contexto se apresenta: físico, psico-social, culturàl· e temporal.
Situam-se aqui especialmente os estudos sobre a inserção social
do sujeito na esfera produtiva da cultura e das comunicações. Quer
dizer, em que esfera da cultura o sujeito se insere, na da arte,.daciência ou da técnica? E, dentro destas, em que subesfera se insere, na da produção, da troca, conservação, distribuição ou difu
são? (ver SRüUR, 1987) .
6.7 INTERFACES DO .CONTEXTO COM O SUJEITO PRODUTOR
Na interface do território (5.1), da mensagem, com o (5.5), darecepção das mensagens, situam-se as pesquisas referentes.a perfil de públ ico, faixas repertoriais, nível de audiência, eficáci~ co
municativa e persuasiva, formação de opinião, manipulação ideo
lógica, mudanças de atitude e opinião do público frente às mensa
gens recebidas, os mecanismos de condicionamento que as men
sagens produzem no receptor etc. É nessa interface que se situam
tanto os estudos sobre o modo como diferentes audiências interpretam a mesma mensagem de maneira diferenciada, quanto os
estudos sobre os efeitos afetivos, psicomotores, cognitivos das
mensagens sobre os receptores .
Aqui são também estudadas as interferências que diferentes
tipos de ruídos (físicos, psicológicos ali semânticos) podem pro
vocar na recepção das mensagens, assim como são estudados os
modos como os processos de hipercodificação ou hipocodificaçãoafetam ou não a recepção de urna mensagem .
Comunicação ~ Pesquise94
Nas interfaces do território (5.1) das mensagens, com o terri
tório (5.4), do sujeito da mensagem, situam-se as pesquisas sobreautonomia ou não do sujeito sobre sua mensagem, sobre a institucionalização do sujeito na linguagem etc.
Pertencem também a esse campo as indagações sobre o papel do
emissor como codificador, sobre sua competência comunicativa, seu
conhecimento dos elementos e regras da comunicação, sobre a
pessoalidade ou neutralidade do ato enunciativo e as questões da
ética daação comunicativa. Uma vez que a comunicação tem conseqüências, ela necessariamente envolve questões éticas, fundamenta
das na noção de escolha, o mais das vezes política, e filosofia de vida.
Por isso, a ética está diretamente ligada ao sujeito da comunicação.
..~-._:~~.
•--e:.~.:.
' ~ .: ..:-':., .
~:~.
.~' :
.~~
-~'.'.~ .
-.::._.;_.:._!>.•.: ;.'_.;e';_:... .-)e.1.0.j• ~~·i
"':";1
.2;leJj
6.9 INTERFACES DOS MEIOS COM A RECEPÇÃO DAS MENSAGENS
6.11 INTERFACES DO SUJEITO PRODUTOR COM A .RECEPÇÃO
6.10 INTERFACES DO CONTEXTO COM A RECEPÇÃO
Entre ,?S territórios (5.4), do emissor ou sujeito da mensagem, .
e o (5.5), da recepção, surgem questões relativas aos modos de '.\
COlllunicação, tais COlllO autoritários, democráticos, passivos,
'ir
•••••••••••I..'.'(..''.'.'.'••.'•.'••.'••••••
97Lucia Santaella
interativos, etc. que o emissor configura pata a sua relação 'com o
recep.tor.Também pertencem a essa interface indagações referentes ao
proe:e?so de colocar o receptor em uma perspectiva particular, ouseja, 'no desempenho de um determinado papel, requerendo dele
uma resposta em termos desse papel. Esse processo é chamado de
feedforward (DEVITO, 1997: 12).Essa interface é bastante complexa, especialmente quando os
processos comunicativos são considerados à luz dos modelos circulares da comunicação, segundo os quais, através de processosde feedback e feedforward, os papéis do emissor e receptor nãosão fixos, mas intercambiáveis. Ainda mais complexa essa interface
se torna quando são examinadasas profundas transformações, até .
o ponto da dissolvência, que se operam nas tradicionais figuras do
emissor e receptor nos processos de navegação no ciberespaço.
Evidentemente, o mapeamento acima exposto figura apenas
como sinalização das linhas de um território complexo. Os preenchimentos que foram realizados no interior dos campos e de suasinterfaces têm, de urn lado, um caráter indicativo, podendo servir
corno urnaespécie de cartografia que sinaliza para o pesquisador
o terri tório .ou interfaces em que se situa a sua própria pesquisa.'
Por outro lado, tem um caráter sugestivo, convidando o pesquisa-odor a interferir no mapa, completando lacunas, mudando seu tra
çado, acrescentando novos dados.
Não obstante seu caráter meramente sinalizador, tal como apa
rece acima , o mapeamento permite que as ciências e teorias da
comunicação, tanto quanto as teorias que têm surgido para estu
dar os fenômenos cornunicacionais e suas interfaces, já possamser inseridas no mapa da comunicação.
·,1 ~ .
Comunicação & pesquisa
Er1tre os territórios (5.3), do contexto, com o (5.5), da recep
ção, situam-se as pesquisas sobre questões relativas à inserção ~o
receptor. no contexto comunicativo sob os vários aspectos ern que
o contexto se apresenta: físico, cultural, psico-social e ternporal.
Que papel o receptor desempenha em cada um desses aspectos?
Pertencem também a essa interface as pesquisas etnográficas dos
processos de recepção.
96
Na interface do território (5.2), dos meios, com o (5.5), da recepção, inserem-se as pesquisas sobre as reações que os diferentes suportes, meios e mídias provocam no receptor. pesquisas fre
qüentes, nessa interface, por exemplo, são aquelas que se voltam
para as maneiras como as crianças reagem ao serem expostas às
várias mídias, quase sempre à televisão. São aqui também exami
nadas as variáveis perceptivas e sensórias do receptor que são
requeridas por cada diferente mídia, assim como é examinado omodo como a escolha de um meio sobre o outro pode afetar urnarleterrninada situação ou interação . Pertencem ainda a essa interfaceas questões sobre a bidirecionalidade ,o u unidirecional idade das
mídias, assim cor-no'as hipóteses dos usos e gratificações.Além disso, nessa interface, devem ser pesquisadas as injunções
sócio-econômicas, políticas, legais e mesmo éticas por que passam
os meiosde comunicação para atingirem seus receptores.
;: j l
, . .:
.'\ .
7.1 TEORIAS DA MENSAGEM, CÓDIGOS E SU'AS INTERFACES
7. INSERÇÃO 6AS TEORIAS E CIÊ'NCIAS DA
COMUNICAÇÃO NO ,MAPA... ' ... . ,' . . .. ..
No campo (5.1), da mensagem em si, inserem-se todas as teorias e ciências que estudam as linguagens, os diferenciados tiposde signos, os discursos, as mensagens, a significação, os códigos,a informação e os sistemas. Essas ciências são: filosofia da linguagem, filosofia analítica, biologia, teoria dos sistemas, ciências :cognitivas, nos seus aspectos voltados para a questão da represen- "tação, inteligência artificial, teorias da informação, ciências dacomputação, lingüística, semióticas concebidas como teorias dos
Assim sendo, a pergunta .crucial que buscarei responder neste.. . ~'. . .
ponto é a seguinte: ,como se inserem as teorias e ciências da comu-nicação no mapa aci ma esboçado? Alerto novamente para o fatode que as sugestões de inserção que serão discriminadas abaixotambém 'têm' u~ caráter e~tritamente sinalizador, sem pretensãode exaustividade.. . ,
Concebida a. comunicação como ~ma área inevitavelmenteinter, multi e transdisciplinar, as teorias e ciências para a pesquisa'e estudo da comunicação em todos os seus níveis, desde o nível dapesquisa básica, conceitual, passando pelos vários níveis das pesquisas aplicadas até as,pesquisas empíricas, exploratórias e decal"!1p<?, insereIl}-se.no J1!apa como se segue.
Em primeiro lugar, com um caráte~ muito geral, devem serconsideradas as teorias geraisda comunicação que lidam corri osconceitos mais abstratos definidores da área como tal. Teorias dessaordem não se i'ns'erem ern campos específicos nem em suasinterfaces, visto que lidam com conceitos gerais, fundadores daárea. Aqui se enquadram as teorias que elaboram definições emodelos abstratos de comunicação.
99Lucia Santaella
7.2 TEORIAS DOS MEIOS E SUAS INTERFACES
s ignos,: se mióticas concebidas como teorias da significação,
serniótica discursiva, teorias do discurso, teorias literárias, retórica, teorias do jorrialismo, teorias do não-verbal, teorias da gestua
[idade, teorias das artes, teorias da imagem, teorias da fotografia,cinemà, vídeo, televisão, holografia, nos seus estatutos de linguagem e dos processos comunicativos que engendram, teorias dosom, do rádio, teorias do audiovisual, da hiperrnídia, realidadevirtual, telepresença etc ., também nos seus estatutos de lingua-gem e dos processos comunicativos que engendram. .
No campotó.Z) dos meios esuas interfaces, inserem-se as histórias, as técnicas e teorias 'dos suportes, canais, meios ou mídias,tais como história, técnica e teoria da pintura, do livro, do jornal,da fotografia, cinema, rádio, TV, do computador e suas extensõesnas redes, na hipermídia e seus programas etc., todos eles agoraconsiderados nos seus estatutos de suportes e meios.
Inserem-se também neste campo as teorias e métodos para oestudo de fatores econômicos, políticos, éticos, jurídicos, mercadológicós, ideológicos, culturais e psfquicos das mídias, visto queesses fatores se caracterizam como aspectos das mídias, Em razãodisso, é nesse território que brotam as teorias híbridas tais comomídia e política, ética das mídias , mídias e mercado etc. ,
7.3 TEORIAS DO CONTEXTO E SUAS INTERFACES
No campo (5.3) do contexto comunicacionaJ e suas interfaces,localizam-se os diálogos da comunicação com a história, sociolo-gia e política, geopolítica, antropologia cultural, etnologia, história e semiótíca da cultura, visto que o campo do contexto comunicacional implica sempre en: situar os processos comunicativos ern
Comunicação' [, Pesquisa98••••••••••••••.'••••••••'.•••••••••••
7.5 TEORIAS DA RECEPÇÃO E SUAS INTERFACES
7.4 TEORIAS DO SUJEITO E: SUAS INTERFACES
N o campo (5.4) do sujeito ou emissor da mensagem e suas
interfaces, situam-se a psicologia, a psicanálise, a antropologia,
as ciências cognitivas nos seus aspectos voltados especificamente
para a mente e cognição. Nas interfaces, situam-se as teorias das
organizações e as teorias do marketing aplicado à comunicação.
w••••••••••••••••••.'••••.'.'.'.•,
•••••••••
101Lucia Santaella
cação e decodificação em um meio é simples ou complexa; a influência de todas essas variáveis no impacto político, social epsicológico das mídias; como a escolha de um meio em detrimento de outro pode afetar a situação comunicativa; as alterações'
provocadas pela mídias na interação e estrutura social; as mídias
como conformadoras do ambiente social etc. (MEYROWITZ,1994: 50-51).
Também não se pode descartar o fato de que a escolha de um
tema de pesquisa, o mais das vezes, leva à sua exploração em vá
rios níveis e estratos que .rec lam am pela convivência de diversas
teorias ao mesmo tempo. Assim, por exemplo, o tema da sociali
zação pode ser visto nos níveis dos processos individuais (apren
~izagem), interpessoais (interação entre pais e filhos etc.), influên
cias deredes ou organizações (escolas, igrejas, instituições), fato
res macroestruturais (influências culturais dos meios de massa).
Como outro exemplo; na comunicação política, os estudos podem
se desenvolver nos níveis intraindividuais (formação de opinião) ,
.interpessoal (influência da família), organizacional (grupos de referência ou grupos étnicos), macrossistêmicos (políticas de difu
são das campanhas) (BERGER e CHAFFEE, 1987; 108).Enfim, conforme espero ter demonstrado, a comunicação se
caracteriza como uma rede de múltiplas interfaces que não podem
ser ignoradas sob pena dese perder aquilo que a área apresenta de
mais desafiador e que, por isso mesmo, mais merece ser investi
gado.
Comunicação [, Pesquisa100
No campo (5.S) da recepção da mensagem e suas interfaces,
inserem-se .as ciências sociais e as teorias das mediações, com
ênfase nos aspectos políticos, ideológicos e culturais da comuni
cação sob o ponto de vista do receptor, as teorias da recepção, as
teorias das relações públicas, a antropologia urbana etc:As teorias foram localizadas em territórios específicos para
servirem como pontos de referência ordenadores da área de co
municação e.suas .interfaces . Isso não.significa que não haja teo
rias constelativas e interdisciplinares elas mesmas, teorias que bus
CaITI colocar em interação uma série dos territórios que foram aci
ma discriminados. Assim, por exemplo, as modernas teorias .das
mídias têm apresentado um elenco multifacetado de propostas de
pesquisa, tais como: as características de cada mídia individual
ou de cada tipode mídia; os sentidos perceptivos que são requeri-o.dos para a recepção de cada meio; os tipos existentes de proces-
. , \
sos comunicativos, uni ou bidirecionais; quão rapidamente asmensagens podem ser transmitidas; se a aprendizagem da codifi-
perspectivas e conjunturas históricas, ~ociais e culturais, como,por exemplo, ocorre na atualidade com as teorias da globalização,
do multicultural isrno etc. Por isso mesmo, esse território é fértilem teorias híbridas, tais como comunicação e política, comunica
ção e cultura, sOc1ocomunicação, histórias da comunicação etc.
•••••••••••••'.•••••••••••'.•••••••••
A PESQUISA, SEUS MÉTODOSE SEUS TIPOS
Com os capítulos anteriores, que apresentaram respectivamenteum panorama das teorias da comunicação e UlTI mapeamento daárea, julgo ter fornecido ao leitor os antecedentes necessários,mesmo que não exaustivos, para a discussão sobre pesquisa e pro
jeto de pesquisa em comunicação que se seguirá neste e no próxi
mo capítulo.
1. A CIÊNCIA COMO COISA VIVA·
o século XIX nos legou a idéia de que ciênciaé corpo sistematizado e organizado de conhecimento. Frontalmente contra essaidéia e contra qualquer outra definição formal e abstrata, C. S.
Peirce defendeu a visão da ciência como aquilo que é levado a
efeito P?r pesquisadores vivos, a ciência como fruto da busca concre
ta de um grupo real de pessoas vivas, caracterizando-se, desse modo,
como algo em permanente metabolismo e crescimento (SANTAELLA,
1.992: 108). Para Peirce, há três espécies de seres humanos:
. ((A primeira consiste naqueles para quem a primeira coisa está na
qualidade de sentimentos. Esses homens criam a arte. A segunda
-------------------------------------~"
consiste nos homens práticos, que levam à frente os negócios do
mundo. Estes não respeitam outra coisa senão o poder, e o respeitam
na medida em que ele pode ser exercido. A terceira espécie consiste
nos homens para quem nada parece grande a não ser a razão . Se a
força lhes interessa, não é sob o aspecto do seu exercício, mas por
que ela tem uma razão e uma lei. Para os homens da primeira espé
cie, a natureza é uma pintura; para os homens da segunda, ela é uma
oportunidade; para os homens da terceira, ela é um cosmos, tão ad
mirável que penetrar nos seus caminhos lhes parece a única coisa
que faz a vida valer a pena. Esses são os homens que vemos estarem
possuídos pela paixão por aprender, do mesmo modo que outros
homens têm paixão por ensinar e disseminar sua influência. Se não
se entregam totalmente à paixão por aprender é porque exercitam o
autocontrole. Estes são os homens científicos; e eles são os únicos
homens que têm qualquer sucesso real na pesquisa científica" (CP 1.43).
Porque se concretiza através da busca de conhecimento realizada por pesquisadores vivos, a ciência, ela mesma, é coisa viva,não se referindo àquilo que já se sabe, mas àquilo que se está lutando por obter através da pesquisa em ato. Isso não significa quea sistematização do conhecimento não faça parte da ciênciae não tenha nela importância. Significa, isto sim, que o mais relevanteestá naquilo que ainda não se conhece e se está lutando por descobrir.
Concepções similares foram apresentadas por Demo (1985:29, 38, 76) quando afirmou que a ciência é um processo, "umarealidade sempre volúvel, mutável, contraditória, nunca acabada,em vir-a-ser". Entretanto, o fato de que nenhuma teoria possa esgotar a realidade, "não pode produzir o conformismo, mas precisamente o contrário: o compromisso de aproximações sucessivascrescentes", pois "a ciência não é a acumulação de resultados definitivos", mas principalmente "o questionamento inesgotável deuma realidade reconhecida também como inesgotável".
Newton da Costa (1997: 31) afirmou que "uma das coisas a sefazer para entendermos bem o espírito que norteia a ciência é procurar uma classificação razoável das numerosas disciplinas científicas". Para Peirce, o conhecimento abraça substancialmente tudoo que pensamos ou dizemos, por isso os arranjos das ciências sãomuitos. Entre eles, os que lhe pareciam mais úteis são aqueles quebuscam arranjá-las na ordem de dependência lógica de umas sobre as outras e no seu grau de especialização (MS 1335: 2~3).
Desse modo, desenvolveu uma gigantesca e instigante classificação das ciências que nos permite visualizar os grandes troncosdas ciências, seus diferentes ramos, as interrelações edistintasformas de ajuda entre elas, assim como as tarefas que potencialmente a cada uma cabe realizar (ver-KENT, 1987).
Por ser uma classificação natural, funcionando como um diagrama móvel e dinâmico, flexível às readaptações que a passagem dotempo exige, em um outro trabalho (SANTAELLA, 1992), busqueiatualizar essa classificação, utilizando como exemplo a área daliteratura na qual transito com alguma intimidade. Algosimilarpoderia ser realizado para a área da comunicação. Como isso não vem aocaso no momento e dado que, para os propósitos deste capítulo, estaintrodução à ciência deve ser simplificada, podemos nos restringir a uma divisão básica das ciências em puras e aplicadas. Nas primeiras, o conhecimento é buscado pelo conhecimento, sem interessena obtenção de resultados por mais proveitosos que esses ·possam ser.As ciências aplicadas diferem das puras apenas nos seus objetivos,pois, nas aplicadas, são estudados métodos e teorias que têm relevância para determinadas aplicações (DA COSTA, ibid.:30).
Outra divisão importante é aquela que se dá entre as ciênciasformais, nas quais o conhecimento é intuitivo, racional e formal,obtido através do raciocínio dedutivo, e as ciências empíricas, nasquais, além do conhecimento discursivo, obtido peja dedução e.indução, há também aquele que é obtido através da observação eexperimentação que se fundam na percepção sensorial.
••••
••••••••••••••
105.Lucia SantaellaComunicação & Pesquisa104
106 Comunicação (, Pesquisa Lucia Santaella 107
•••••e••e••••••••e•••••••
Se aquilo que a ciência busca é o conhecimento, resta definir o
que se entende por conhecimento. A própria palavra ciência vemdo latim scire (saber) e significa conhecimento ou sabedoria. Conhecer é deter alguma informação ou saber a respeito de algo.Mas a ciência não é a única forma de conhecimento. Há também oconhecimento filosófico, o artístico, o teológico e o de senso comum (CARVALHO et al., 2000: 11-12). Costuma-se dizer que aciência existe, entre outras coisas, para nos tirar do senso-comum.Sobre este último, Demo (1985: 30-31) nos fornece uma excelente explanação. Senso comum é conhecimento acrítico, imediatista,crédulo esem sofisticação. Não problematiza a relação sujeito eobjeto. Acredita no que vê e assume informações de terceiros semas criticar. Como não é possível se saber tudo, mesmo o cientistapratica senso-comum nas áreas que fogem de sua especialidade,de modo que o senso comum é uma dose de conhecimento comum de que dispomos para dar conta das necessidades rotineiras.
Há uma faceta muito positiva do senso-comum que é o bomsenso ou capacidade para encontrar soluções adequadas em situações inesperadas, quando não dispomos de informação especia
lizada. Portanto, além de ser forma válida de conhecimento, o sensocomum também possui um lado criativo. Entretanto, tão logo necessitamos de informação especializada, comprovada, confiável,
esta só pode provir da ciência.Para Newton da Costa (ibid.: 40), "conhecimento científico é
crença verdadeira e justificada". Falar em verdade e justificação,
contudo, é tocar nas questões mais discutidas por um dos ramosda filosofia, mais especificamente pela filosofia da ciência: a epistemologia. Do grego episteme, conhecimento, e logos, explicação,
a epistemologia é o estudo da natureza do conhecimento e dajustificação, especificamente, o estudo dos traços definidores, das condições substantivas e dos limites do conhecimento e dajustificação.
Antes da indicação das questões centrais da epistemologia,cumpre notar que a maioria dos problemas do conhecimento por
ela tratados, alicerçam-se em fundamentos filosóficos desenvol
vidos especialmente a partir do século XVII, quando se deu onascimento da ciência moderna. É nesse ambiente que surgiram
as primeiras formulações sobre o fundamento do conhecimento,na oposição entre o racionalismo, associado principalmente aosnomes de Descartes e Leibniz, de um lado, e o empiricismo, deoutro, ligado aos nomes de F. Bacon e dos ingleses Locke e Hobbes,culminando no empiricismo radical de Hume. No século XVIII, àfilosofia kantiana como síntese conciliatória entre o racionalismoe empiricismo seguiu-se a razão histórica de Hegel. A complexidade que esses nomes encerram é evidentemente imensa, não haven do aqui condições para entrarmos em qualquer detalhe dessa complexidade. O leitor que queira se iniciar no assunto, pode encontrarem Carvalho et aI. (2000) uma apresentação breve e acessível.
O impulso no desenvolvimento da ciência a partir do séculoXIX veio trazer como uma de suas conseqüências o surgimentode .filosofiasespecificamente voltadas para a ciência e, com elas,a consolidação dessa área da filosofia dedicada especificamenteàs questões do conhecimento, a epistemologia.
Temas fundamentais da epistemologia são: (a) a natureza doconhecimento, questão esta ligada às escolas filosóficas idealistae realista, (b) a origem do conhecimento e sua localização na razão ou na experiência, conforme se apresenta na controvérsia doracionalismo versus empiricismo, (c) os tipos de conhecimento(proposicional, não proposicional, isto é, conhecimento por fami
liaridade, proposicional empírico a posteriori, proposicional nãoempírico a priori), (d) as formas do conhecimento (demonstrativas, discursivas, intuitivas, perceptivas), (e) as condiçõesdas cren
ças, (f) as condições da verdade, (g) as condições da justificação,(f} fundacionalismo, (g) ceticismo etc. (ver ANDERSON 1996;AUDI, ed., 1995).
Certamente também não posso me deter nas explicações dessas questões bastante complicadas, em especial porque a episte-
mologia, tanto quanto a ciência, se transforma historicamente. Com
o prodigioso desenvolvimento das ciências no século XX, opositivismo de Comte, que marcou a filosofia da ciência do século XIX, foi seguido por uma série de epistemologias científicas,entre as quais se destacam o neopositivismo ou positivismo lógi- .
co, com sua teoria verificacionista dajustificação (ver AYER 1975)e as amplamente discutidas posições epistemológicas e teorias da
ciência expressas no falsificacionismo de Popper (1975), no historicismo de Kuhn (1976), no anarquismo de Feyerabend (1977),no refutacionismo de Lakatos (1976,1998) (ver sobre isso OLIVA,org., 1990) de cujos confrontos originaram-se os debates sobre
objetivismo versus relativismo (ver, p.e., RORTY, 1997).De acordo com Peirce, à cada descoberta científica, que Kuhn
chamaria de revolução científica, segue-se a criação-de uma novafilosofia da ciência. De fato, foram tantas as descobertas científicas no século XX que se tornaram constantes as discussões sobrenovos paradigmas das ciências, sobre a metamorfose da ciência(PRIGOGINE e STENGERS, 1984), assim como as reflexões fi
losóficas sobre as ciências da complexidade (MORIN, 1996a,
1996b, ver BASTOS, 1999).As breves indicações acima aí comparecem a título de sinal de
alerta ao pesquisador que não deve ignorá-las completamente sob
pena de, muitas vezes, ao acreditar que está carregando a bandeira da verdade, incorrer em ingenuidades elementares. Por isso
mesmo remeto o leitor ao livro de Newton da Costa (ibid.) onde,posições extraordinariamente lúcidas sobre o conhecimento cien-tífico poderão ser encontradas. Entre elas, vale a pena apontarbrevemente para suas colocações acerca das ciências empíricas
isto é, ciências não-formais, especialmente para a noção de qua
se-verdade ou verdade pragmática no tocante ao conhecimento
empírico, noção esta que se aproxima sobremaneira da concep
ção peirceana da verdade (ver SANTAELLA, no prelo, a).
2. O VALOR DAS TEORIAS
•
•e
109Lucia Santael!a
Assim, para Newton da Costa, a experiência é fundamental
nas ciências empíricas, pois elas são sínteses de criação racional,de observação e de experimentação, nas quais razão e experiênciase fundem. Nas ciências empíricas
"as explicações são edifícios racionais arquitetados pelo homem,
baseados na observação e na experimentação, qu.e impõem certa or
dem cognitiva em situações problemáticas. [...] Como se sabe que
qualquer concepção teórica acaba sendo apenas aproximadamente
verdadeira, vê-se que a explicação científica é, por sua própria natu
reza, aproximada..." (ibid.: 44,46).
Enfim, os princípios epistemológicos ou postulados que o mencionado autor (ibid.: 51-52) nos apresenta como definidores daciência empírica são resumidamente os seguintes: (a) princípio dapossibilidade (o conhecimento científico é possível); (b) princípio da origem (o conhecimento nasce do intercâmbio entre experiência e pensamento, sendo simultaneamente reflexo do real econstrução racional); (c) princípio da natureza (o conhecimento
das disciplinas empíricas refere-se a um universo de coisas e fatosque existem independentemente de nós); (d) princípio do critério(os critérios de justificação referentes ao conhecimento pertencem à lógica dedutiva, indutiva e à metodologia das ciências experimentais); (e) princípio das categorias (a ciência se talha atra
vés de sistemas de categorias que se modificam historicamente).
Uma vez que a ciência busca, mais do que a mera descrição
d~s fenômenos, estabelecer, através de leis e teorias, os princípiosgerais capazes de explicar os fatos, estabelecendo relações e pre
dizendo a ocorrência de relações e acontecimentos ainda não observados, o conhecimento científico não pode ser alcançado atra-
Comunicação & Pesquisa108
vés da inocência. Por isso, a ciência desenvolve meios que lhe sãopróprios para chegar àquilo que busca. Esses meios se constituemnos conceitos e redes conceituais que os pesquisadores edificam.Assim são obtidas leis, hipóteses e teorias que nos permitem compreender e ordenar o universo por meio de explicações, previsõese sistematizações. Conceitos mais gerais quepertencem a todas asciências, como o conceito de objeto, compõem as categorias científicas fundamentais. As disciplinas particulares se distinguempelos sistemas de categorias específicas que as regem (DA COSTA, ibid.: 49).
Vem daí o valor das teorias. No primeiro capítulo já foi dadoinício a uma discussão sobre teoria para distingui-la de modelo.Em razão disso, só serão aqui apresentadas algumas informaçõesadicionais relativas às ciências empíricas. Definida de maneirasimples, uma teoria é uma generalização para explicar como algofunciona. Ela nos fornece princípios gerais que nos ajudam a compreender um número enorme de fenômenos específicos, porque ecomo ~les ocorrem e como estão relacionados entre si, pois a teoria fa'z a síntese dos dados, ajudando a prever eventos futuros,eventos que ainda não vivenciamos. As teorias também têm um valorheurístico ou função geradora de pesquisa, pois criam necessidadesde investigação que, sem elas, não poderíamos pressentir.
Contudo, as teorias, como já foi visto, são limitadas e não podem revelar a verdade em um sentido absoluto. De uma ciênciapara a outra, o grau de precisão e a conseqüente possibilidade deformalização da teoria varia. Nas ciências naturais, há precisãomuito mais alta do que nas ciências sociais e psicológicas, diminuindo ainda mais nas humanidades até atingir o limite máximo
da imprecisão nas artes.Na definição operacional de Bergere Chaffee (1987: 101-105)"
a teoria consiste de um conjunto de constructos unidos por afirmações relacionais que são internamente consistentes umas comas outras. Os constructos, por sua' v-ez, são conceitos que se for-
mam indutivamente pela generalização de particulares. Os constructos apresentam vários graus de abstração. Quanto mais abstratos, mais áreas são capazes de abranger. Em função disso, as
teorias têm fronteiras que especificam o domínio de fenômenosque elas explicam e aquilo que elas deixam de fora. As teorias sãoúteis na medida em que podem ser testadas experimentalmente.Elas podem ser validadas através da avaliação de suas relaçõesteóricas ou através da aplicação empírica. Mover-se do nível teórico para o nível da pesquisa empírica implica na redefinição operacional dos conceitos. Nenhuma definição operacional é capazde capturar o significado completo do constructo teórico. Há sempre uma defasagem entre o conceito teórico e sua redefinição operacional. Quanto mais uma teoria contiver constructos que nãosão passíveis de operacionalização, menos ela será passível de teste.
A seguir, Bergere Chaffee (ibid.: 104) apresentaram a seguinte lista de atributos de uma boa teoria: (a) poder explanatório (ahabilidade da teoria para fornecer explanações plausíveis para ofenômeno que ela pretende explicar); (b) poder preditivo (capacidade de prever eventos); (c) parsimônia (teorias mais simples sãopreferidas às mais complexas, quando ambas cumprem a mesmafunção); (d) falsificabilidade (bastante discutível, este atributo,originário de Popper (ver 1975), diz que uma teoria deve ser capaz de ser provada falsa); (e) consistência interna (a lógica interna de uma: teoria pode ser conferida independentemente de testesempíricos); (f) desafio heurístico (capacidade de gerar novas hipóteses, expandindo o espectro do conhecimento potencial); (g)poder organizacional (capacidade de organizar o conhecimentoexistente). '
Além da necessidade das construções teóricas, se a ciência buscao ,conhecimento, cumpre perguntar como essa busca se realiza. Aresposta é consensual: conhecimento se adquire através de pesquisa.
•
••
•••••e••e••••••••e•••••••
110 Comunicação & Pesquisa Lucia Santaella111
112 Comunicação & Pesquisa Lucia Santaella 113
3. A PESQUISA COMO ALIMENTO DA CIÊNCIA
À luz de Peirce, uma definição muito geral e sintética de pes
quisa seria a seguinte: toda investigação de qualquer espécie queseja, nasce da observação de algum fenômeno surpreendente, de
alguma experiência que frustra uma expectativa ou rompe comum hábito de expectativa (CP 6.469). Quando um hábito de pen
samento ou crença é rompido, o objetivo é se chegar a um outrohábito ou crença que se prove estável, quer dizer, que evite a surpresa e que estabeleça um novo hábito. Essa atividade da passagem da dúvida à crença, de resolução de uma dúvida genuína econseqüente estabelecimento de um hábito estável é o que Peirce
chamou de investigação (SANTAELLA, no prelo, a).Da generalidade dessa definição decorre que ela pode se refe
rir a qualquer tipo de investigação e não apenas à científica. Entretanto, ela contém aquilo que se constitui no núcleo de qualquerpesquisa: livrar-se de uma dúvida, buscar uma resposta já é umprocesso investigativo, "mesmo que seja imediato, assistemáticoe definido por traços puramente ligados ao senso-comum" (BARROS e LEHFELD, 1988: 13). Toda pesquisa nasce, portanto, do
desejo de encontrar resposta para uma questão. Aliás, um tal desejo se constitui sempre na mola central de uma pesquisa, princi
palmente da científica, pois, sem esse desejo, o pesquisador fene
ce tragado nos desencantos das obrigações.Por vezes, a pergunta que se busca responder é abstrata. Ou-
tras vezes, é prática e, até mesmo, urgente. De todo modo, só apesquisa nos permitirá respondê-las. Nesse sentido, o esforço dirigido e o conjunto de atividades orientadas para a solução da questão abstrata ou prática ou operativa que se apresenta, resultará naaquisição de conhecimento, mesmo quando o esforço, as atividadese o resultante conhecimento se situam no contexto não especiali
zado do nosso cotidiano. Se tem todos esses pontos em comum coma pesquisa em geral, o que faz, então, uma pesquisa ser científica?
Antes de tudo, a pesquisa científica exige, pelo menos como
pano de fundo, um certo estado de alerta do pesquisador para asquestões filosóficas, especialmente epistemológicas, sobre as leisque regem o conhecimento, sua busca, aquisição, validade etc.Lopes (1990: 88), por exemplo, considera a epistemologia um pólointrínseco à pesquisa científica e uma das instâncias da práticametodológica. Assentada sobre essas bases, a pesquisa deve se
conduzir dentro de um determinado campo da ciência a que oobjeto ou assunto da pergunta pertence e à luz de algum quadroteórico de referência e de suas predições, quadro teórico este quedeve ser selecionado em função de sua adequação para respondera pergunta que se tem.
Além disso, para resolver a dificuldade, formulada no problema,
o pesquisador não pode "apenas adivinhar, fazer suposições gratuitas ou emitir opiniões superficiais e inconsistentes", mas deve realizar sua busca através de levantamento de dados, através de ummétodo coletâneo ao quadro teórico de referência e também adequado à dificuldade a ser resolvida, método este com suas técnicas específicas. Tudo isso se constitui em "um processo pelo qual, ao mesmotempo, se busca, examina e prova a solução" (RUDIO, 1992: 9,71).
Só isso pode ser chamado de pesquisa científica porque sóisso pode resultar em conhecimento com as características que aciência exige, isto é, conhecimento verdadeiro e justificado, nosentido em que "verdadeiro e justificado" foi discutido mais acima. Tem-se aí por que a pesquisa é o alimento da ciência. Pesqui
sa é o modo próprio que a ciência tem para adquirir conhecimen
to. No seu aspecto gerativo, o conhecimento só pode continuar
crescendo na medida em que as pesquisas são incessantementerealizadas. Caso contrário, o conhecimento se cristalizaria em fórmulas fixas, nos axiomas das crenças estabilizadas ou em merasimposições burocráticas do fazer científico que Peirce chamaria
de excremento da ciência. Em suma, a pesquisa científica é umaatividade específica e especializada. Demanda de quem se propõe
•
•••
•
4. A LÓGICA NO CORAÇÃO DA METODOLOGIA
Segundo Newton da Costa (ibid.: 1), com o desenvolvimentoprodigioso das ciências no século XX e com o avanço recente dalógica e da metodologia, "ninguém mais domina estas duas disciplinas completamente". 'Assim, um conhecedor da metodologiadas ciências humanas encontrará obstáculos quase intransponíveisno tocante à metodologia da física e vice versa. Sem negar essasdificuldades, proponho que a concepção peirceana da metodêutica,ou teoria geral do método científico, pode nos ajudar a compreender o que está subjacente à enorme profusão atual de métodos,
profusão que s6 tende a aumentar, visto que os métodos são tão .históricos quanto as ciências nas quais eles são gerados.
Devido à falta ainda hoje de edições mais completas e autorizadas dos manuscritos deixados por Peirce, infelizmente o conhe-
a desenvolvê-la uma certa vocação, um certo grau de renúncia àsagitações da vida mundana e insubmissão às tiranias da vida prática, demanda a curiosidade sincera pelo legado do passado e avontade irrefreável de prosseguir; exige isolamento disciplinadoe conseqüente capacidade para a solidão reflexiva, hábitos de vidamuito específicos, ao mesmo tempo que abertura para a escutacuidadosa e sempre difícil da alteridade, junto com a capacidaderenovada de se despojar do conforto das crenças, quando isso se mostranecessário. Exige, ao fim e ao cabo, amor pelo conhecimento. Sóesse amor pode explicar a docilidade do pesquisador aos rigores daciência, especialmente aos rigores do método.
O conhecimento científico, portanto, não pode ser alcançadode maneira dispersiva e errante, pois a errância é, via de regra,não apenas custosa em termos de perda de energia e recursos masé, sobretudo, sem garantias. Por isso mesmo, junto com as questões epistemológicas, a teoria dos sistemas cognitivos ou conceituais engloba questões lógicas e metodológicas.
115Lucia Santaella
cimento que se tem de sua semiótica costuma ser truncado e reducionista. A maior parte das pessoas acredita que a semióticapeirceana se limita a umas classificações de signos para seremaplicadas a processos ou sistemas de signos concretos, tais comofotográficos, cinematográficos, literários etc. Embora uma tal aplicação seja residualmente até possível, nada poderia estar maislonge do que isso da verdadeira natureza de sua semiótica. Paracomeçar, ela é uma disciplina filosófica e científica, que compõea tríade das ciências normativas - estética, ética e lógica ou semiótica -, estas antecedidas pela quase-ciência da fenomenologia.
Além disso, a semiótica, um outro nome para a lógica, concebida em um sentido muito lato, tem três ramos. O primeiro ramo,chamado de gramática especulativa, é aquele do qual mais se sabe,pois é nele que são estudados os variados tipos de signos. O segundo ramo, chamado de lógica crítica, tomando como base os diversos tipos de signos ou modos de condução do pensamento, estudaos tipos de inferências, raciocínios ou argumentos: a abdução,indução e dedução. O terceiro e mais vivo ramo da 'semi ótica,chamado de retórica especulati va ou metodêutica, tem por funçãoanalisar·os métodos a que cada um dos tipos de raciocínio dá origem.
Na realidade, Peirce dedicou toda a sua vida ao desenvolvimento da lógica entendida como teoria geral, formal e abstratados métodos de investigação utilizados nas mais diversas ciências. Ora, os métodos são muitos, evoluem no tempo dentro de umamesma ciência e mudam de uma ciência para a outra. Será quenão existem princípios gerais, universais, subjacentes a esses métodos? Essa foi a questão que Peirce perseguiu por toda a suaexistência. A teoria dos signos foi desenvolvida como um dos meiospara responder, sobretudo, a essa questão, conforme será explicitado a seguir.
De início, Peirce definiu que o principal prop6sito da lógica
estava em aprender os modos de conduzir qualquer investigaçãoou pesquisa. Bem depressa descobriu que, preliminarmente a isso,
Comunicação & Pesquisa114
•••••••••ee•••••••e•••••••
•
•era requisito classificar os raciocínios, determinando as proprie
dades' re la tivas eovalor de qualquer raciccínio . Vale a pena co
nhecer essa classificação dos raciocfnios por si mesma, quer sejaatingido ou, não 0 -propósito de chegar ao conhecimento de-como
conduzir a pesquisa, pensava Peir~e. Mas antes de ter dado trêspassos nessa direção, descobriu que nada poderia ser feito antes
de estu-dar à anatomia dos raciocínios e ter descoberto de que eles
são compostos (MS 452: 4-10; 449: 24-30), Foi nesse ponto que
Peirce se -deparou com os signos. Como se pode ver, sua indaga
ção veio de trás 'para diante. Queria descobrir os método~ de con
duzir apesquisa, percebeu que deveria an~es estudar os raciocínios.' Mas para estudá-los, precisava estudar como eles se corpori
ficam'Logo se deu conta de que raciocínios, e mais do que os ra
ciocínios, quaisquer pensamentos se corporificam em signos, não
apenas emsímbolos, mas-em variadas espécies de signos. Tem-se
- aí os três ramos da serniótica : dos signos para os raciocfnios e
destes para Os métodos de pesquisa, Nessa medida, a serniótica oulógica peirceana é, sobretudo, uma teoria sígnica do conhecimen
to, a epistemologia peirceana (nom-e, aliás, que ele detestava) pos
tula que C? conhecimento só pode se dar pela mediação dos signos,
pelosimples fato de que todo pensamento só se realiza em signos.
Alem disso, sua serniótica é Ul11a lógica crítica dos tipos de racio
cínio e uma teoria do método científico, como se verá.
Tendo seu ponto de partida ou propedêutica no estudo dos sig
nos, a 'lóg ica crítica, segundo ramo da semiótica, lida com a estru
tura do racioc ínio, -não lida com a textura do pensamento, nem
lida C0l11 os sentimentos que o acompanham, nern com os avanços
e recuos, vicissitudes e percalços que são próprios do ato de pen
sar, mas Sil11 C0111 os processos conscientes do pensamento, aqueles que se submetem ao autocontrole. Excluindo-se assim o psico
lógico , as estruturas do raciocínio ficam reduzidas, portanto, a
inferências abstraídas das esperanças, medos,' alegrias, dores e '
angústias que se enroscam em nossos pensamentos, Raciocínios
5. ABDUÇÃO, INDUÇÃO E DED-UÇÃO
Embora com peculiaridades próprias, a visão peirceanada
indução .e, especialmente, da dedução não se diferencia radical
mente das definições encontradas em livros de lógica e metodologia, com a exceção de que, para Peirce; não 'se trata apenas de
tipos de métodos, mas de métodos que estão enraizados em nossa
mente, pois se constituem nos tipos de raciocínio que dão forma
aos noss.os pensamentos e inferências, Por isso mesmo, não são
métodos utilizados apenas pela ciência, mas fazem parte de nossa
vida cotidiana, C0111 a única diferença de que, na ciê-ncia, essesraciocínios são burilados através da lógica. Mas a verdadeira novi
dade está na sua introdução do raciocínio abdutivo, uma criação
inteiramente sua, não obstante tenha se inspirado em Aristóteles.
são, ness~ medida, o esqueleto da vida do pensarnen to, forma des
provida de seus conteúdos específicos, contextos, texturas e qua
lidades sentidas. Vem daí a distinção entre cognição e raciocínio,
pois a 'primeira envolve todos esses aspectos .Quando os elementos psicológicos do pensamento são excluí
dos, sua estrutura é mais ou menos similar para todas as mentes,
representando, de oerto modo, seu aspecto universal. Nos ~eus
estudos, Peirce chegou à conclusão de que há três classes univer
sais de inferências ou raciocínios que se constituem também nostrês tipos de argumento; abdução, indução e dedução.
Há certamente outras formas de raciocínio, corno o analógico ,
o metafórico, e muitas outras operações de raciocínio que inclu
em a restrição, a determinação.ia extensão, a abstração etc. e q~e
podem caracterizar as espécies de raciocínio envolvidas na obser
vação (CP 2.422, 2430, ver também LIZSKA, 1996:68-71). En
tretanto , essas outras formas ou são misturas dos três tipos universais ou ingredientes deles.
•.'•••.'•••••••••••••.'.(••••••••••••••
117Lucia SantaelleComunicação & Pesquisa116
A tarefa da lógica crítica, portanto, é a de determinar a valida
de ou grau de força de cada tipo de raciocínio. Falar em validadede um argumento é tocar no problema da verdade. Por isso, a lógica crítica, segundo ramo da semi ótica, é também a teoria das condições de verdade das representações. Enquanto o primeiro ramoda serniótica tem por tarefa estudar os diferenciados tipos de representações ou signos, o segundo ramo, lógica crítica, deve responder pela validade de um dos tipos dessas representações, osargumentos. Qual é a validade da dedução, indução e abdução?Suas condições de verdade diferem, como se verá.
Na dedução partimos de um estado de coisas hipotético, definido abstratamente por certas características. Entre as características a que não se dá atenção neste tipo de raciocínio está a conformidade com o mundo exterior do estado de coisas que o raciocínio hipotético levanta, pois, na dedução, uma inferência é válidase e somente se existe uma relação entre o estado de coisas suposto nas premissas e o da conclusão. O objetivo de tal raciocínio édeterminar a aceitação da conclusão. É, portanto, o caso típico doraciocínio matemático que parte de uma hipótese cuja verdade ou
falsidade nada tem a ver com o raciocínio, e cujas conclusões sãoigualmente ideais.
Desse modo, a dedução tem por finalidade provar que algodeve ser, definindo-se, pois, como um método de predição dosfenômenos. A maneira como a predição se processa pode ser resumida nas operações do raciocínio dedutivo que consiste em seconstruir um diagrama de acordo com um preceito geral, em observar certas relações entre as partes daquele diagrama não expli
citamente requeridas pelo preceito, mostrando que essas relações
se mantêm verdadeiras para todos os diagramas desse tipo, e emformular essa conclusão de modo geral (CP 8.209). É por isso quea dedução só trabalha com dados de certeza.
Uma vez que o conceito peirceano da indução difere um pouco do sentido que lhe é dado, começo pela definição costumeira
de indução. A indução é tida como um processo lógico no qual
uma conclusão proposta contém mais informação do que as observações ou experiências nas quais ela se baseia. A verdade daconclusão é verificável apenas em termos de experiência futura ecertamente é atingível apenas se todos os exemplares possíveisforem examinados (BAVELAS, 1995: 54).
Peirce dizia que costuma-se ensinar que a conclusão da indução aproxima-se da verdade devido à uniformidade da natureza.Só são contemplados como casos de raciocínio indutivo aquelesem que, ao descobrir que certos indivíduos de uma classe têmcertos caracteres, o raciocinador conclui que todos os indivíduosdessa classe têm esse caráter. Para Peirce, essa definição indicaque essa inferência não é indutiva, mas uma mistura de dedução e
presunção ou abdução (CP 2.775).Frente a isso, o ajustamento que ele realizou no conceito de
indução diz que esse raciocínio ocorre quando aquele que raciocina já está de posse de uma teoria mais ou menos problemática(variando de uma apreensão puramente interrogativa até uma forte inclinação com poucas dúvidas). Tendo refletido que, se essa
teoria é verdadeira, então, sob certas condições, certos fenômenos deveriam aparecer (e quanto mais estranhos eles forem e menos antecedentemente críveis, tanto melhor), o raciocinador procede ao experimento, isto é, ele preenche essas condições e prestaatenção aos fenômenos preditos. "Quando esses fenômenos aparecem, ele aceita essa teoria com uma modalidade que a reconhece apenas como provisória e aproximadamente verdadeira". Ajustificativa lógica para isso é que, se esse método for persistentemen
te aplicado ao problema, ele deve, com o tempo, produzir umaconvergência, embora irregular, para a verdade, pois a verdade deuma teoria largamente consiste em que toda dedução perceptivadela seja verificada (CP 2.775). A conclusão que Peirce deu aessas postulações, como se segue abaixo, elucida mais perfeitamente os aspectos de originalidade da sua concepção de indução.
119Lucia SantaellaComunicação & Pesquisa118
••••••••••••••••e•ti••••
Faz parte da essência da indução que a conseqüência de uma
teoria seja extraída primeiramente em relação ao resultado desconhecido ou quase desconhecido do experimento; e que isso sóseja virtualmente apurado mais tarde, pois, se olharmos os fenômenos para encontrar concordâncias com a teoria, é uma mera questão de engenhosidade e labor quantas poderemos encontrar. A
indução (pelo menos nas suas formas típicas) não contribui em
nada para o nosso conhecimento, exceto para nos dizer aproximadamente com que freqüência, lio curso de tal experiência, a qualnossos experimentos caminham para constituir, uma dada espéciede evento ocorre. Portanto, ela simplesmente avalia uma probabilidade objetiva. Sua validade não depende da uniformidade da
natureza, ou de qualquer coisa desse tipo. A uniformidade da na
tureza pode tender a dar à probabilidade avaliada um valor extremamente alto ou baixo; mas, mesmo que a natureza não fosse uniforme, a indução certamente descobriria isso, na medida em queum raciocínio indutivo pudesse ser desempenhado. Certamente,um certo grau de uniformidade especial é um requisito para isso(CP 2.775). Peirce ainda estudou detalhadamente os tipos de
indução e também de dedução os quais, por questão de espaço,
não serão trabalhados aqui (ver SANTAELLA, no prelo, a).Quanto à abdução, o mais original dos tipos de ra?iocínio?u
argumento, ela se refere ao ato criativo de se levantar uma hipótese explicativa para um fato surpreendente. É o tipo de raciocínioatravés do qual a criatividade se manifesta não apenas na ciência
e na arte, mas também na vida cotidiana. Quando nos confronta
mos com algo que nos surpreende, para o qual não temos resposta
ou explicação, a abdução é o processo através do qual uma hipóteseou conjectura aparece como uma possível resposta ao fato surpreendente. De onde vem esse poder de levantar hipóteses?
De acordo com Peirce, a abdução é um instinto racional (ver
SANTAELLA, 1991). É o resultado das conjecturas produzidaspor nossa razão criativa. Ela é instintiva e racional ao mesmo tem-
po. Com a palavra "instinto", Peirce quis significar a capacidade
de adivinhar corretamente as leis da natureza.Desse .modo, o novo é apreendido por nós através de nada
mais nada menos do que a adivinhação. Entretanto, não é a adivinhação em si mesma, nem a hipótese que ela engendra que são
instintivas, mas a capacidade humana de adivinhar a hipótese cor
reta, justamente aquela que é capaz de explicar o fato surpreen
dente. Peirce chamou essa capacidade de il lume J1aturale, indicando com isso que o ser humano tem um insight natural das leisda natureza.
Além de ser instintiva e evolucionária.a abdução é, ao mesmotempo, uma inferência lógica. Esse é certamente o aspecto da
abdução que tem despertado maispolêmica entre os comentadores
de Peirce. Se a abdução nasce de um instinto para a adivinhação,
como ela pode ter uma forma lógica? Para' responder a esta aparente ambivalência, Fann (1970: 112) afirmou que o momento doinsight e a adoção da hipótese são instantâneos. Mas o processode construção e seleção da hipótese é consciente, deliberado econtrolado, estando aberto à crítica e autocrítica.
Assim sendo, a abdução segue alguns passos: (1) aobserva
ção criativa de um fato; (2) uma inferência que tem a natureza deuma adivinhação; (3) a avaliação da inferência reconstruída. Emsíntese, trata-se de um tipo de raciocínio que, sem deixar de terforma lógica, tem um caráter instintivo e é, antes de tudo, um processo vivo de pensamento.
Embora seja responsável por todas as' nossas descobertas, a
abdução é o mais frágil dentre os argumentos, fonte de todas asverdades e de todas as mentiras. A dedução é o argumento maisforte, mas não assume nenhuma responsabilidade em relação aomundo que nos circunda. A indução é o argumento que confrontaa realidade, mas suas conclusões são apenas provisórias. Tendo as
propriedades e o valor de cada um dos argumentos assim definidos,sobre essa teoria da lógica crítica, Peirce edificou o terceiro ramo da
121Lucia Santaella
J,iI
,I
lI
l
Comunicação [, Pesquisa120
6. O MÉTODO DAS CIÊNCIAS
serniótica, a metodêutica que, do meSl110 modo COJllO são gerais e
formais os outros dois ramos da serniótica, ela também é uma ciência
formal egeral, neste caso, do método da ciência. Por isso mesmo, foi
chamada de metodêutica, para evitar que, com o nome de metodologia,
fosse confundida com uma ciência prática.
"Qualquer hipótese que explica os fatos é criticamente justificável.
Mas entre as hipóteses justificáveis, devemos escolher aquelas que
podem ser testadas por experimentação. Não há mais necessidade de
escolhas subseq üentes, depois que conclusões indutivas e dedutivas :
foram extraídas. Embora a metodêutica não tenha a mesma preocu
pação com estas últimas, ela deve desenvolver os princípios que
guiarão a invenção das provas, aquelas que deverão guiar o curso
Se as ciências especiais estão preocupadas com a obtenção de
resultados válidos, e a lógica crítica com a análise dos argumentos
ou raciocínios que são utilizados por qualquer inteligência cientí
fica, a metodêutica tem por tarefa descobrir como analisar as hi
póteses de modo a encontrar procedimentos que conduzam aos
resultados desejados. Sua função, portanto, é analisar os méto
dos a que cada um dos tipos de raciocínio dá origem, incluindo o
método da descoberta, de resolução de problemas e especialmen
te os procedimentos apropriados a qualquer pesquisa.
Trata-se pois de analisar os passos teóricos do método deduti
vo e, no caso da indução, comprovar a validade de seu método.
Conforme veremos mais abaixo, a validade da indução só se resol
ve no momento em que Peirce chega à formulação do método da
ciência. Por ora, fiquemos no tratamento da abdução. Ora, o gran
de interesse da metodêutica está justamente na abdução ou infe
rência que inicia uma hipótese científica . Pois não é suficiente
que uma hipótese seja justificável, dizia Peirce (NEM 4: 62).
123Lucia Santaella
completo de uma pesquisa, e aquelas que determinam em que pro
blemas devemos engajar nossas energias".
Estando seguro quanto àvalidade de sua classificação dos argu
mentes e em meio à consideração dos métodos que essa classifi
cação originava, Peirce veio a se dar conta de que, longe de serem
processos separados, os métodos abduti vo, deduti vo e induti vo se
integram em um todo coeso corno estágios do processo investigati
vo. Nessa conce.pção dos três tipos de inferência, raciocínios ou
argumentos como três estágios interdependentes e entrelaçados
da pesquisa científica, nascia a concepção madura de Peirce do
método das ciências, conforme está expressa na síntese abaixo
que nos é fornecida por Fann (1-970: 31-32).
Quando fatos surpreendentes emergem, uma explicação é reque
rida. A explicação deve ser uma proposição tal que levaria à predi
ção dos fatos observados, quer como conseqüências necessárias,
quer, pelo menos, como muito prováveis sob certas circunstân
cias. Uma hipótese, então, tem de ser adotada como plausível nela
mesma e tomando os fatos plausíveis. 'Este passo de se adotar uma
hipótese como sugerida pelos fatos, é o que chamo de abdução (CP
7.202), afirmou Peirce, equalizando-a com o primeiro estágio da in
vestigação. "A primeira coisa que deve ser feita, assim que uma
hipótese for adotada, é traçar suas consequências experimentais ne
cessárias e prováveis. Esse passo é a dedução" (CP 7.203). O passo
seguinte é testar a hipótese através de experimentos e comparações
das predições deduzidas da hipótese com os resultados reais do
experim~nto.Quando predições após predições s~o verificadas pelo
experimento, começamos a nos dar contar de que a hipótese se sus
tenta entre os resultados científicos. "É esta espécie de inferência,
d~ experimentos, testando predições baseadas numa hipótese, a
única que está habilitada a ser chamada de indução" (CP 7.206) .Essa versão corresponde à delimitação dos tipos de inferência
a que Peirce chegou na maturidade, quando as distinções entre
i
d
I~,;
III
Comunicação & Pesquisa122
•••••.'••.1'.•••••.'•.'.'•••.'•••••••••••'.
abdução e indução tornaram-se nítidas e precisas. A indução nãoadiciona nada. No máximo, corrige o valor de uma razão ou modifica levemente uma hipótese de um modo que já havia sido conternplado como possível. A abdução, por sua vez , é meramentepreparatória. É o primeiro passo do raciocício científico, enquan
to a indução é o passo conclusivo. Estão nos polos opostos darazão. A primei.~a, abdução, é o polo menos efeti VO , a segunda, o
tipo de argumento mais efetivo. O método de um é o reverso do
outro ..A abdução busca uma teoria, a indução busca fatos (CP
7.217-218, apud FANN, ibid.: 35, 43).
A indução se toma, assim, o único processo comprobatório e a
abdução, aquele processo que leva não à adoção de hipóteses corno
opiniões finais, mas às hipóteses elas mesmas - à sua adoção corno
puro "poder-ser". Assim a probabilidade, que é um traço da induçãosó pode afetar a abdução indiretamente, depois que algum proces
so dedutivo foi executado sobre a abdução para se estabelecer um
teste indutivo. Sendo colocada no papel de primeira forma de
inferência lógica na pesquisa científica, a abdução evoluiu de sim
ples subsidiária da indução, papel. em que foi inicialrnenteconsiderada por Peirce, para ocupar o lugar privilegiado no qual acriatividade ocorre na ciência. ,Ela realiza, por isso mesmo, a fLi
são perfeita entre os aspectos lógicos e psicológicos do pr?cesso,engendrando as fundações hipotéticas sobre as quais a dedução e '
a indução devem então se construir.
Uma teoria da'ciência era, para Peirce, a maior conquista prá
tica que a lógica poderia almejar. Nessa medida, a metodêutica éa análise lógica do que deve acontecer na pesquisa concebida como
práticada ciência. No exame do nascimento das'hipóteses , de suaseleção, nas considerações da economia da pesquisa, nos méto
dos de construção teórica e·de ,teste comprobatório das hipóteses,a metodêutica se delineia como um mapa a ser seguido como guia
para o trajeto sempre em curso da pesquisa.
Ao integrar os três tipos de raciocínio e os métodos que lhessão próprios como estágios interdependentes do método científico, Peirce acabou também por fornecer um instrumental analítico
afiado para avaliaroutras propostas lógicas do método científico,tais como o indu tivisrno característico dos métodos ernpiricis-tas,
o método hipotético-dedutivo de Popper, o,anti-método de Feyerabend etc. Sob o ponto de vista que Peirce nos fornece, o ernpiri
cismo parece sempre incorrer em uma espécie de hipertrofia da
indução, do mesmo modo que o anarquismo de Feyerabend incor-'
re em urna hipertrofia da abdução. Já ao método hipotético-dedu
tivo parece faltar uma perna. De fato, foi talo antagonismo de
Popper ao verificacionisrno ernpiricista do positivismo lógico que,
o papel da indução c?mo teste -da realidade empírica acabou por
ser minimizado no seu sistema.
Deve-se assinalar ainda que a interdependência dos três está
gios da metodêutica peirceana não pode ser vista como uma lógi
ca fixa, presente do mesmo modo em todas as ciências . Embora os
três estágios, abdutivo, dedutivo e indutivo, de que o-método científi
co se constitui, devam sempre estar subjacentes a todos os processos investigativos, pode haver a predominâ-ncia de um desses métodos sobre os outros em cada ciência. Assim, a matemática é,sem dúvida, dominantemente dedutiva, enquanto nas ciências
empíricas domina o método indutivo.- Evidentemente, nas artes,
assim como na interpretação psicanal ítica, no diagnóstico médi-:
co, na inspeção de crimes etc (ver SEBEOK'et al., 1993) o rnétodo abdutivo reina soberano: Peirce estava ciente disso e chegou' á
afirmar que as variadas ciências (e até mesmo os seres humanos)podem ser diferenciadas umas das outras também pelo tipo deraciocínio e método que nelas predomina. Há assim ciências mais
p~oeminentementeindutivas, como as ciências classificatórias dazoologia, da botânica, por exemplo, enquanto outras ciências são
mais abdutivas. Quando distinguiu entre a abdução teórica e 'aabdução hipotética, Peirce localizou a astronomia e física pura no
124 Comunicação [, Pesquisa
....
Lucia Santaella--<<4fh:,.!
12:> --.
•••••'.'••.'•••••••••••.'•••••••••.'.~
•
"a lógica indutiva evolui como a própria ciência. Daí o conhecimento científico se caracterizar sempre módulo a metodologia que lhe é
primeiro caso e a biologia e geologia no segundo, visto que nestas
não se pode agir voluntariamente sobre os objetos de observação.No Brasil, Sodré (2000b) está desenvolvendo a hipótese de que acomunicação deve ser urna ciência dominantemente abdutiva. .
De todo modo, nq método científico tout court, para Peirce,domina o método indutivo, não no sentido estreito e empiricistaem que esse método costuma ser compreendido, mas no sentido
aberto que Peirce lhe deu, sentido que foi emprestado pelo desenvolvimento do seu pragmatismo evolucionista à luz do qual aindução é aquele método que,no longo curso do tempo, tende a seautocorrigir. Isso quer dizer que, quando levadas suficientementelonge, incorporando a autocrítica que, aliás, depende da hetero
crítica, as pesquisas tendem a se autocorrigir. Essa é a única certe
za que se pode acalentar em relação ao método indutivo e, conse
qüentemente, em relação à.ciência e à pesquisa: insistir, não desistir, abrir-se para o crítica que vem do outro, perseguir a verdade, embora se saiba que verdade é aquilo que continuamente recuará. Daí que nossos esforços, mesmo sabendo que eles nãoserão jamais satisfeitos, têm de ser redobrados. Por isso, segundo
Peirce, a .ciên.cia consiste em distender o arco da verdade, com
atenção no olhar e energia no braço. Em suma, sem paixão, não há
ciência, ela não vinga, do mesmo modo que, sem esse mistério, oda paixão, que é sempre uma força estranha, não vingam muitasoutras coisas na vida.
A coincidência entre a concepção peirceana do método indutivo
como método tout court da ciência e as concepções de Newton daCosta (ibid.: 30, 184) são remarcáveis, quando este afirma, por
exemplo, que "a metodologia geral da ciência empírica confundese com os órgãos indutivos basilares, correlacionados às váriasdisciplinas fatuais", ou quando afirma que
127Lucia Santaella
contemporânea. A atividade racional, no domínio da ciência, con
siste em nos conformarmos plenamente com nossas evidências e limitações, sempre seguindo os princípios metodológicos apropriados. A justificação de índole probabilística não nos assegura a verdade; porém se esta for alcançável, o único caminho para tanto é aciência, desde que assumamos atitude completamente racional".
7. As METODOLOGIAS ESPECÍFICAS DAS CIÊNCIAS
No pragmatismo evolucionista, de que o método peirceano daciência decorre, encontra-se a fundamentação para sua noção daciência como corpo vivo em incessante crescimento, do que seconclui que, para continuar viva, a ciência não pode ser identi
ficada senão com pesquisa.
Peirce pretendeu que as etapas do método científico fossemprocedimentos apropriados a toda e qualquer pesquisa. Tanto quanto posso ver, isso não significa que, em função desse método geral, as ciências deixem de dispor de metodologias específicas,
decorrentes de técnicas particulares, criadas e manipuladas pelos
especialistas em cada área da ciência. O método científico, quenasce da interrelação da abdução, dedução e indução, advém deuma lógica universal que habita o coração das metodologias. Umcoração historicamente e localmente mutável. Trata-se de umalógica, portanto, que não anula, apenas subjaz, aos métodos e téc
nicas específicas que cada ciência tem por função desenvolver e
transformar.Vê-se, com isso, o quanto é equivocado se impor um modelo
metodológico que é próprio de uma ciência sobre outra ou outras.Gerais são os procedimentos básicos que se fundamentam nos trêstipos universais de raciocínio. Entretanto, cada ciência configura
esses procedimentos de uma maneira que lhe é própria, desenvolvendo metodologias específicas e relevantes para determinadas
j:1
1
1
1jI!jI
II1'II1~\
·ijI1;
1j
-I
iJiJ:!jIj
I.,I
~l1
J'i-j
Ij
1]IJ
Ji,. ....~!11!
Comunicação ~ ·Pesquisa126
ee•••e•
•
••••e••••••
aplicações de acordo com necessidades que brotam dentro dela eque não podem ser impostas de fora . Quanto mais a prática científica se aproxima desse ideal, mais científica ela é, não se confundindo com meras encomendas burocráticas, administrativas,comerciais ou ideológicas que são muitas vezes equivocadamentechamadas de pesquisa científica.
A relação inseparável de uma base lógica universal para todas
as ciências, com as variações históricas e particulares de cada ciência, explica porque, apesar da diversidade nos métodos das ciências, há sempre constantes, regularidades, possibilidades de adaptações criativas do método de uma ciência para outra. Enfim, ciência é aquilo que os cientistas fazem e métodos nascem das teoriasque criam e de suas práticas. Isso não anula, ao contrário, só intensifica as exigências que essa prática lhes impõe, tais como asdo rigor, da coerência, da consistência, da ética, especialmente aética do intelecto, da profundidade, da responsabilidade na obtenção dos resultados que prometem, e mais outros critérios formaisinternos e critérios externos da ciência que foram muito lucidamente explicitados por Demo (1985: 30-42).
Distinção até certo ponto similar à que está acima exposta,entre dois níveis metodológicos - o nível lógico geral e o níveldas variações particulares no seio das ciências específicas - foireal izada por Lakatos e Marconi (1992: 106). As autoras chamararn de método de abordagem o nível de abstração mais elevada,dando como exemplos desses níveis o método indutivo, o deduti
vo, o hipotético-dedutivo e o método dialético. Chamaram, então,de métodos de procedimento os métodos menos abstratos, tais comoo histórico, comparativo, funcionalista, estruturalista etc.
Também relativamente similar é a divisão apresentada porDemo (1985: 21-22, 52) da metodologia em duas vertentes maistípicas : de um lado, aquela que é derivada da teoria do conhecimento que tem uma característica lógica e centra-se nos procedimentos lógicos do saber, "geralmente voltada para a questão da
causalidade, dos princípios formais da identidade, da dedução eda indução, da objetividade etc.". De outro lado, tem-se a vertente voltada para a sociologia do conhecimento, que se refere aoscondicionamentos sociais e "que acentua o débito social da ciência".
Embora de uma perspectiva um pouco diferente, Lopes (1990:81) também propôs uma divisão da metodologia em dois níveis,quando empregou o termo metodologia da pesquisa "para indicara investigação ou teorização da prática da pesquisa, e metodologiana pesquisa para indicar o trabalho com os métodos empregados".Kaplan (1975: 21), Citado por Lopes, também usou a palavra "metodologia", no sentido de uma metaciência, para indicar o estudo- descrição, explicação e justificação - dos métodos e não os próprios métodos. Entretanto, quando Lopes (ibid.: 81) definiu ametodologia .na pesquisa como "os métodos efetivamente usadosnuma pesquisa", isto é, "como um conjunto de decisões e opçõesparticulares que são feitas ao longo de um processo de investigação", é preciso notar aqui que o conteúdo dos dois níveis quepropus não coincidem exatamente com o conteúdo dos dois níveispropostos por Lopes, diferença esta que passo a explicitar.
À luz da metodêutica de Peirce, o nível metodológico fundamental estaria na interrelação da abdução, dedução e indução comoestágios do método científico, método este que é apropriado atoda e qualquer ciência. Ora, o desenvolvimento da ciência e amultiplicação quase assombrosa dos campos científicos e das teorias e métodos que foram criados neste século só vêm compro
vando que sobre esse nível subjacente, fundamental, erigem-semétodos e técnicas particulares no interior não apenas de cada:ciência, mas das estratificações da pesquisa dentro de uma mesmaciência.
Para Peirce, cada ciência também se define pelo tipo de conhecimento que desenvolve. Assim, há ciências mais teoréticas,outras mais classificatórias, outras mais descritivas, enquanto outras são mais dominantemente aplicadas. Tendo em vista o desdo-
128 Comunicação [, Pesquisa Lucia Santaella 129
•••e•
e
-•••
bramento de áreas e sub-áreas científicas no desenrolar deste sé
culo, trabalhei, há alguns anos (SANTAELLA, 1992), na hipótesede que todas as "ciências tendem a se desenvol ver internamente
nesses quatro tipos de estra'tos: "(a) nomológico, relativo a suas
leis e conceitos; (b) classificatório, o estrato dos sistemas de elas
sifi~axão dos objetos que estuda ;(c) o seu estrato descritivo doobjeto e (d) seu estrato aplicado ao objeto. Ora, cada um desses
estratos gera tipos de pesquisa e metodologias próprias . Essa hipótese deve, com muita probabilidade, se aplicar à área da comu
nicação no estado da arte em que essa área se encontra hoje. As
sim, os modelos e teorias da comunicação desenvolvem-se no es
trato nornológico: classificações encontram-se, por exemplo, nos
níveis da comunicação humana estabelecidos por DeVito (1997):
intrapessoal, interpessoal, grupal, pública, de massa. Apresentam
se, ainda como exemplo, nos níveis de análise da comunicação
que foram estabelecidos para a organização do Manual de Comunicação editado por Berger e Chaffee (1987): nível individual,
interpessoal, rede/organizacional e macro-social. No estrato descriti
vo e aplicado, os exemplos.se perdem de vista. Evidentemente, com
provar ou não essa hipótese depende de uma pesquisa específica.
Nas agências de fomento àpesquisa no Brasil, a comunicação
está situada estritamente na área das ciências sociais aplicadas.
Tendo em vista o levantamento das tradições de teorias e modelosda comunicação, realizado no primeiro capítulo, e a tentativa de
mapeamento da área, realizada no segundo capítulo, somos leva
dos à conclusão de que uma tal situação é redutora e está defasada
em relação ao dese~volvimento da área e das perspectivas que ela
apresenta.
Vem do que foi acima exposto a diferença dos níveis metodoló
gicos que proponho em relação aos que foram propostos por Lopes . .
O nível fundamental é geral ; universal, sustentado nas principais
classes de raciocínios ou argumentos. Demo (1985: 13) iniciou
seu livro com a constatação de que "regras lógicas do conheci-
mento são as mesmas" para todas as ciências, o que é uma outra
maneira de afirmar a existência de um nível metodológico geraltal como enunciei acima. Erigindo-se sobre esse nível subjacente,
surgem variados tipos de metodologias que dependem tanto do
estrato da ciência no qual se inserem, quanto das teorias, méto
dos, procedimentos e técnicas que são relevantes às finalidades aque as pesquisas se destinam.
Assim sendo, o que Lopes chamou de metodologia da pesquisa corresponderia a esse segundo nível, enquanto que a metodolo
gia na pesquisa, isto é, "decisões e opções particulares que são
feitas ao longo do processo de investigação", se incorporada à
minha proposta, teria de corresponder a um terceiro nível, especí
fico de cada pesquisa como processo singular.
Conclusão: na base, tem-se o nível mais abstrato do método
científico em geral, no meio, os métodos particulares dos tipos de
ciências e dos estr~tos das ciências. Este nível apresenta uma certa generalidade, pois métodos classificatórios, descritivos, explo
ratórios, empíricos, experimentais e outros mais repetem-se de
modo relativamente similar em quaisquer ciências. Enfim, no ter
ceiro nível, tem-se a interferência do pesquisador e de suas esco
lhas frente às metodologias que sua área científica lhe apresenta e
às exigências que lhe faz o tipo específico de pesquisa que realiza.
Frente a isso, só se pode concluir que metodologias não são e
nem podem ser receituários ou instrumentações que se oferecempara serem aplicados a todos os campos, todos os assuntos e a
todos os problemas de pesquisa. Pesquisas e suas metodologias
exigem intimidade com a área na qual se pesquisa. Para realizar
uma pesquisa em comunicação, por exemplo, é necessário estu
dar minimamente o desenvolvimento histórico da área, conhecer
o que os comunicólogos estão fazendo, inteirar-se de suas teorias,
familiarizar-se com os métodos que empregam e das diferentes situ
ações em que os empregam, contribuir, através da competência que o
tempo e a dedicação trazem, com a transformação e o aperfeiçoa-
••••••••••••••••••••••••••••••••••
130 Comunicação & Pesquisa "'1
"I
I
I
II
II
Lucia Santaella 131
•
•••'.•
133
"Embora enfatizando o valor da criatividade, convém lembrar que a
pesquisa científica não pode ser fruto apenas da espontaneidade e
intuição do indivíduo, mas exige submissão tanto aos procedimen
tos do método quanto aos recursos da técnica. O método é o cami
nho a ser percorrido, demarcado, do começo ao fim, por fases ou
etapas. E como a pesquisa tem por objetivo um problema a ser resol
vido, o método serve de guia para o estudo sistemático do enuncia
do, compreensão e busca de solução do referido problema. Exami
nando mais atentamente, o método da pesquisa científica não é outra
coisa do que a elaboração, consciente e organizada, d~s diversos
procedimentos que nos orientam para realizar o ato reflexivo, isto é, '
a operação discursiva de nossa mente",
Lucia Santaella
Sendo a metodologia o estudo dos métodos, cumpre definir oque é método. Rudio (1992: 15) nos fornece uma definição ampla
e justa, como se segue:
o exame de uma pequena amostra de livros sobre metodologiacientífica, só nas áreas das ciências sociais e psicologia, social oueducacional, sem nem tocarmos nas áreas das ciências formais ounaturais, já é suficiente para nos levar a algumas constatações. Hácertamente consenso metodológico nas pesquisas empíricas, nasexperimentais, estatísticas e quantitativas. A metodologia estatís
tica, aliás, foi tão hegemônica durante algum tempo a ~o~to de terse tomado sinônimo de pesquisa. Entretanto, com a exceção desses tipos de métodos, não existe consenso, não obstante algumassimilaridades, sobre outras variadas espécies de métodos e de pesquisa. Essa ausência de consenso só vem trazer mais munição paraás postulações enunciadas no tópico anterior de que asmetodologias das ciências são específicas, variando t~nto historicamente quanto na passagem de uma ciência para a outra.
8. TIPOS DE MÉTODOS
1
Ii
IIii!
1
IIII
1I1i}11~
, II1jJ
iII1
jIi~
Comunicação [,. Pesquisa132
mento desses métodos através de pesquisas próprias, enfim, tomar-seo membro de uma comunidade de pessoas que idealmente deveriamunir-se em tomo de um interesse comum: promover o crescimento ea excelência das pesquisas na área em que atuam.
Da multiplicidade potencial de metodologias resulta que, comexceção feita às pesquisas puramente dedutivas, das ciências formais, cujas regras são estritas, e as pesquisas quantitativas, estatísticas, cujos protocolos são precisos, não há um consenso naconsideração que os metodólogos fazem acerca da questão dométodo, particularmente nas ciências sociais e humanidades. Mashá consenso, e muito grande, nos procedimentos gerais que devem ser adotados para a realização de um projeto de pesquisa,conforme será explicitado no próximo capítulo.
No momento, e antes de entrarmos na floresta dos métodos,que será o assunto do próximo tópico, vale a pena recordar brevemente, em um diagrama mental, o modo como sistematizei as questões vistas até agora. A teoria dos sistemas cognitivos e conceituais,as teorias e filosofias da ciência consideram três esferas para osseus estudos: a esfera epistemológica, relativa às teorias do conhecimento, a esfera lógica, da qual decorre, à luz de Peirce, ummétodo geral, subjacente à diversidade das metodologias, e a esfera metodológica. Esta última esfera, por 'sua vez, de acordo como que foi proposto, divide-se em três níveis: o nível lógico, geral efundamental, derivado da segunda esfera, nível subjacente a todasas metodologias específicas; o nível variável, relativo às especifi
cidades das diversas ciências e, por fim, o nível da prática metodológica, quando um método é atualizado, dentro de uma área científicaespecífica, em uma pesquisa particular.
------------------------------~r
, ~
"A despreocupação metodológica coincide com baixo nível acadêmi
co, pois passa ao largo da discussão sobre modos de explicar, subs
tituindo-a por expectativas ingênuas de evidências prévias. Nada
favorece mais o surgimento do discípulo "copiador" que a ignorân-
cia metodológica",
Em razão disso, a falta de metodologias hegemônicas acaba
por acentuar a necessidade de orientadores competentes no acompanhamento da pesquisa e o desenvolvimento da capacidade criativa de escolhas e julgamentos, da ousadia na aplicação demetodologias mistas; integradas, complexas, metodologias estasque vêm se acentuando como uma tendência especialmente na áreade cornunlcação.vtendo em vista seu perfil interdisciplinar (ver
WOLF, 1987: 132, 140).
A tendência a urna maior variabilidade deve ser mesmo uma
marca das diferentes áreas das ciências humanas, pois, nas ciên
cias formais, as regras de pesquisa devem ser estritas e, nas ciên
cias da natureza, os protocolos de pesquisa são prescritivos, alémde que essas ciências são menos permeáveis às mudanças de vocabulário, discursos, episternes que afetam as ciências humanas(ver FOUCAULT, 1972, 1973), Também não há nas ciências hu
marias um metavocabulário abrangente, capaz de absorver e ordenar a variabilidade dos discursos, Essa variabilidade, de resto, acentuou-se 'nas últimas décadas do século XX, COI11 a chamada crise
das gran~es narrativas legitimadoras , conforme foi sobejamentetratada nos debates sobre pós-modernidade (ver especialmenteLYOTARD, 1979) ,
Contudo, isso não deve funcionar como álibi para a negligência o~ preguiça metodológica na pesquisa, pois, assim como nãohá ciência sem pesquisa, 'não há pesquisa 'sem método, além deque, conforme nos diz Demo (1990: 24)
Passemos, pois, a urna breve exposição de LIm,a amostragem
da diversidade no tratamento dos métodos a partir de alguns autores selecionados, para que se possa, ao final, proceder a uma ten-:
tativa de sistematização dessa diversidade, quer dizer, tentar en
contrar alguns princípios gerais que estão por trás das repetições
que aparecem na diversidade .Carvalho et al. (2000: 43-69), por exemplo, apresentaral~ o.que
chamaram de tendências metodológicas segundo um critériohistóri-co, No século XIX, o positivismo de Cornte e o materialismo histórico-dialético de Marx coru sua concepção da realidade social a parti rde uma interpretação materialista da dialética hegeliana entr~.()u
tras influências. No século XX, o neopositivisrno ou empirismo '"lógico e sua crença de que "haveria uma linguagem, a da ci ência,capaz de exprimir universalmente o que a experiência ,nos oferece"; a fenomenologia de Husserl e sua postulação de que "o conhe
cimento é o resultado da interação entr.e o que o sujeito observaeo sentido que ele fornece à coisa percebida"; o estruturalismo e' abusca das leis que presidem às estruturas dasmaisdiversas ordens. '
A seguir, os autoresapresentaram as tendências metodológicas
que se notabilizaram a partir da segunda metade do sé~ulo ,XX :, a"escola de Frankfurt corn sua crítica aguda contra a razão instru- '
mental alimentada pela sociedade capitalista; o grupo d?s expoentes da epistemologia contemporânea COI~ os férteis de?ates",'q'ue '
geraram entre si e a partir de suas obras: POPl?er, Kuhn , Fe~erabende Lakatos. Por fi 111 as duas últimas tendências, levantadas' pelos, \ " ..
autores, são, de um lado, o pragmatisrno. ique começa em Pei.l:ce',passa por W. Jarnes, Dewey, estendendo-se até Rorty no presente .
De outro lado, o construcionismq, que, a partir de seus fundadores, M. Scheler e K. Mannheim, levando em conta o papel estru
turador operado pela linguagem , "considera que tanto o sujeito'como o objeto do conhecimento são construções sociais e históri-
cas" (Para um panorama dos paradigmas históricos da pesquisa,ver também CHIZZOTTI, 1991: 11-16),
J
135Lucia Santaella
( ,
J;i
Comunicação [; P~squisa134'.I.•.'•••'.••••••••.•'
•'.••.'••••••••••'.•
Segundo Demo (1985: 21-22, 52), das duas vertentes método
lógicas mais típicas por êle estabelecidas, aquela que é derivadada teoria do conhecimento e aquela que se volta para a sociologiado conhecimento, resultam os principais métodos de pesquisa. .Antes de tudo, o método dialético, que o autor privilegia por sero
mais correto para as ciências sociais, pois, "sem deixar de ser ló
gico, demonstra sensibilidade pela face social dos problemas".
Mais predominante nos países do Terceiro Mundo, por "prestar
se melhor a compreender suas contradições e alicerçar o desejo
de mudança histórica" (ibid .: 85), o método dialético parte dos
fundamentos propostos por Marx (1977), especialmente nas suas
Contribuições à Crítica da Economia Política. O pressuposto fundamental desse método repousa na crença de que "toda formação
social é suficientemente contraditória para ser historicamente superável" (ibid.: 86).
Os outros métodos, para Demo, são: o empirismo, o positivismo,
o estruturalismo, e o sistemismo. O empirismo originou-se da busca
de superação da especulação teórica ern prol da observação em
pírica, podendo incluir o teste experimental e a mensuração quan-.
titativa. Segundo Fiske (1990: 135), o método emp írico, baseado
no raciocínio indutivo, na sua versão experimental, apresenta os
seguintes propósitos: (a) colecionar e categorizar fatos objetivos
ou dados; (b) levantar hipóteses para explicá-los; (c) eliminar, tanto
quanto possível, qualquer interferência de elemento humano nes
se processo; (d) construir métodos experimen tais para testar e pro-
var ou refutar a confiabi 1iade dos dados e das hipóteses. .
Quando o método empírico é aplicado às ciências sociais,' bus
ca-se . reproduzir condições ' simi lares às do laboratório. Não
obstante as críticas que podem ser feitas ao ' empirismo, Demo
(ibid.: 102) alertou para o fato de que suas metodolcgias criaram ·
inúmeras técnicas de c.oleta ede mensuração dos dados, acumula
ram fatos e dados, trouxeram para as ciências sociais o uso dacomputação e assim por diante".
]36 Comunicação [, Pesquisa
1
III
jI
.1J
I
II1JiII
IjI
II
ijI
I,\
1i
"
..;-... .~
Lucia Santaella. ,.."
Acreditando na objetividade e neutralidade do conhecimento,
e no estabelecimento da verdade como algo factível e definitivo, ..,
as metodofogiaspositivistas' propõem' paratodas as ciências are
produçãodo"modelo'das ciências exatas e naturais. Urna vez gu~
o método' das' Ciências naturais, por excelência, é o método experimental, baseado na observação, experimentação e rnensuração,essa seqüência e suas exigências são, para o positivismo, as ú1}i
cas cientificamente aceitáveis. Nessa medida, positivismo e ernpi
risrno , na maior parte das vezes, se unem sob vários aspectos;
O estruturalismo, 'por sua vez, disseminado entre vária~ das
ciências sociais, na psicanálise e até mesmo na filosofia, nasceu'
das des.cobertas lingüísticas de Saussure sobre a língua c~mo.urrisistema de 'lei s estruturadas de acordo com prescrições internas.
Já o sistemismo se alimen ta dateoria dos sistemas e deconcel?- .
ções funcionalistas. Sob sua ótica, todo fenômeno organizativo é
um sistema de partes concatenadas que mantêm e recobram o equi
líbrio graças à retroalimentação e dinamismo de recomposição
dos seus elementos.
Tomando por base a divisão de.Lakatos e Marconi (1992) de
dois níveis metodológicos, o dos métodos de abordagem e o dos
métodos deprocedimento, Bastos (1999: 73-83) apresentou a des
crição 'dos diversos 'métodos inclusos nessa divisão. Assim, .os
métodos de abordagem, conforme o tipo de raciocínio emprega
do, são: oindutivo, dedutivo, hipotético-dedutivo e o dialético. O
indutivo é aquele que pa-rte de premissas particulares ern direção
a premissas gerais e cuja aproximação dos fenômenos caminha,
assim, para planos cada vez mais gerais. O dedutivo parte de pre
missas -gerais, teorias e leis, para predizer a ocorrência dos fenô-. - ...
meno~ particulares. Iniciando-se pela percepção de uma lacunanos conhecimentos, o métodohipotético-dedutivo levanta uma
hipótese acerca dessa lacuna e através da inferência dedutiva testa
a predição de f~nô~e!1?s abrangidos pela hipótese. O· dialético,
com? já visto é\cima~ penetra nos fenômenos através de sua ação.
••••••.;••••••••.)e';••••••••••••••.'•
,..: '
recíproca, da contradição inerente a todo fenômeno e da mudança
dialética que ocorre na sociedade e na natureza. Nessa medida,
esse método problernatiza o conhecimento ·"den tro de um contí
nuo em constantes mudanças" e inacabarnento "que contém um
todo que abarca contrários em incessantes conflitos". (LAKAT.OSe MARCONI, ibid.: 106, BASrOS, ibid.: 75-76) ,
Os métodos de procedimento, conforme estão explicitados em
Lakatos e Marconi (1991) e em Bastos (ibid) são os seguintes:
histórico , estatístico, estruturalista, funcionalista, comparativo ,
etnográfico, tipológico, monográfico ou estudo de caso etc. Nes
se nível, a diversidade impera e as escolhas só podem ser feitas
tendo em vista a adequação do método ao tipo de problema que a
pesquisa visa trabalhar.
Apesar da diversidade dos métodos até agora apresentados, há
certas repetições . A meu ver, essas repetições se dão porque há
princípios operando nas classificações que os autores elaboram .
Há, assim, uma quase unanimidade na consideração de dois ní
veis metodológicos, o nível lógico e o nível das especificidades .
Essa divisão está perfeitamente de acordo com a hipótese desenvol
vida nos tópicos anteriores de que a lógica, com seu estudo dos
. tipos de raciocínio utilizados pelas inteligências científicas , habi
ta o coração das metodologias. Do nível propriamente lógico, der-i
vam os métodos indutivo, dedutivo, hipotético-dedutivo e o dialéti
co, embora seja discutível se a dialética é, de fato , um tipo de lógica.
As regularidades no nível das especificidades se apoiam em
outros tipos de princípios, entre os quais, do mais abstrato para o
mais concreto, destacam-se: (a) sistemas e correntes filosóficas
que trabalham com os fundamentos do conhecimento, mesmo sem
estarem diretamente lidando com metodologia, acabam por gerar
métodos de pesquisa. Esse é o caso, por exemplo, da fenome- ;
nologia. (b) Métodos podem também nascer dos procedimentos
gerais que são adotados por 11111a deter:nli nada área de saber ou
disciplina. É o caso dos métodos histórico, antropológico e etno-
9. TIPOS DE PESQUISA
gráfico, por exemplo. (c) Métodos podem também surgir a partir
de teorias que têm um alto grau de generalidade, garantindo assim
sua aplicabilidade a uma multiplicidade de fenômenos. É o caso
do funcionalismo, do sisternisrno, como é o caso do estruturalis
1110, e também da maioria das correntes da serni ótica, aquelas que
derivam do estruturalismo. (d) Há métodos que nascem a partir de
teorias específicas, através da redefinição operacional dos con
ceitos teóricos tendo em vista sua aplicação a fenômenos empíricos.
(e) Há ainda métodos analíticos que advêrn do exercício sistema
tico de operações mentais como a abstração, por exemplo,
grandemente responsável pelo método classificatório, tipológico,
e a analogia, responsável pelo método comparatista.
Dos tipos de métodos derivam muitos dos tipos de pesquisa.
Para a explicitação destes últimos, antes de tudo, deve ser consi
derado que, embora as definições de pesquisa coloquem ênfase
na referência à realidade empírica do conhecimentoque a pesqui
sa busca atingir, existem pesquisas que n.ão têm nada a ver, direta
mente, com a realidade empírica. É o caso das ciências formais, ' .
como é o caso das pesquisas teóricas que têm por função preen
cher lacunas no conhecimento, desvendar e construir quadros .
conceituais de referência . Há pesquisas cuja função poderia" estar
exclusivamente na discussãode UITI conceito controverso dentro
de um~ determinada área de conhecimento: o conceito de repre
sentação ou o conceito de consciência, nas ciências cognitivas',
por exemplo, ou o próprio conceito de comunicação, na área de
comunicação, um conceito que, aliás, está longe de ser consensL~al.'
Dessa distinção en.tre pesquisas teóricas e pesquisas que vi
sarn a um conhecimento referenciado à realidade elllpírica.advérn
a primeira grande divisão. dos tipos de pesquisa: fundamentale
aplicada. O que mobiliza a mente humana; n.os dizem ,L~ v i l1 e ' e: .
139Lucia Santaella
1
J
1
IfIj
1
Comunicação f:, .· Pesquisa138
••••••••••••••••.).'••••••••••••••••••
Diorme (1999: 85) são problemas, a busca de um maior entendi
ment? das questões com que a realidade nos desafia ou a busca de '
soluções para problemas nela existentes. Para chegar aí, a pesqui
sa é o meio mais apropriado . Para melhor conhecer, o caminho é a
pesquisa fundamental que tem por função aumentar a soma de sa- ·
beres disponíveis, saberes esses que, em algum momento, nunca
se sabe quando, serão utilizados para a solução deproblemas empí
ricos. A história da ciência está cheia de exemplos dessa espécie.
Nessa medida, a pesquisa fundamental tem por função criar qua
dros teóricos de referência e mantê-los, tanto quanto possível, li
vres dos malententidos e das anemias que a impaciência e negligên
cia teóricas costumam.produzir. Sem bons quadros teóricos de re
ferência, pesquisas aplicadas ficam debilitadas, de modoque, na
pesquisa, não pode haver nada mais prático do que uma boa teoria.
A motivação principal das pesquisas aplicadas , por seu lado,
está na sua contribuição para resolver um problema, Para tal, ela
aplicará conhecimentos já disponíveis, mas das aplicações P9d,em
resultar não apenas a resolução do problema que a motivou, mas
também a ampliação da compreensão que se tem do problema; 0U
ainda a sugestão de novas questões a serem investigadas: É em ra
zão disso que os verdadei ros pesquisadores não fazem pesquisa
ad hoc, mas a faZeITI pela vida afora . O conhecimento está em um
continuum cuja origem ecujo fim serão eternamente desconhecidos .
Do final do século passado até meados do século XX, privile
giando amedição de regularidades constantes nos fenômenos, o
método experimental constituiu-se no modelo oficial de pesquisa,
inclusive nas ciências humanas. Tudo que não se enquadrasse nesse
modelo era repudiado como mero balbucio especulativo . As exi- .
gências e características desse tipo de pesquisa são defi nidas com
rnu ita precisão, conformenos informam Laville e Dionne (1999: :
139), Rudio (1992: 55-69) e Chizzotti (1991: 25-74). '
Os pressupostos da pesquisa experimental 'são positivistas,
segundo os quais afirmações genéricas devem ser substituídas por
conhecimentos rigosoramente articulados.xubmetidos ao contro
le de verificações empíricas e comprovados por meiode técnicas
precisas de controle. As certezas posi ti vistas vêm da suposição de
quea natureza é uniforme, logicamente organizada e funcionalrnentedeterrninada, Porque o mundo é regido por leis invariáveise constantes, elas podem ser apreendidas, verificadas eprevistasatravés da pesquisa metódica. '
'E m termos gerais, partindo da análise de um fenômeno deii-'
mitado, a pesquisa experimental formula hipóteses prévias de ver'- '
dade e métodos explícitos de verificação, submete o 'fenômeno' àexperimentação em condições de' controle, cuidando da validade
interna das hipóteses para extrair leis, fazer generalizaçõeseelaborar teorias explicativas do fenômeno observado . Não obstante
tenha traçoscomuns com as pesquisas empíricas, as experirnen
tais não apenas pressupõem uma base empírica, fundada em ob
servações e no estudo de fatos particulares rumo à generalização,
mas também tomam a experimentação como condição sine qua .non do conhecimento. ' . ,
Não existe pesquisa experimental sem experimento, isto é, a
manipulação deliberada de um aspecto da realidade, -de ntro dêcondições anteriormente definidas, a fim de observar sé certos
efeitos são produzidos. Desse modo, o experimento 'nã'o podeser
confundido com a mera observação ou com experiência. O expé
rimento é Lima situação criada ~m laboratório para observar 'sob
controle a relação entre fenômenos , Controle quer dizer esforços
para se eliminar ou reduzir os erros de observação; Por lsso.ra
observação tem de ser isolada de -influências capazes'de nela' i"ntervir. 'A s situações podem também ser criadas fora de lâbo'ràtó- "
rio, mas técnicas rigorosas têm çie ser utilizadas para exercer 60n-'
~role sobre as variáveis que vão ser observadas. .
Para ser experimental, urna pesquisa deve visar a demonstrar .
uma relação de causa e efeito entre duas variáveis. Essa dernoris
tração apoia-se na atuação do pesquisador sobre a variável inde-
140 Comunicação [, Pesquisa
III
II
f\I1,1\t
l
Lucia-Santaelia 141 -.)••••••.'•.'•••.''..'.'•••.'•.'••••.,'.;•.'.'••~i '
pendente associada à causa para, em seguida, medir os efeitos
engendrados no plano da variável dependente. O termo variáveltem origem na matemática, onde serve para designar uma quantida
de que pode tomar diversos valores. Na pesquisa, a variável se
refere a alguma propriedade passível de observação e mensuração,de um determinado fenômenoque pode tomar diferentes valores.Assim, qualquer coisa que pode assumir mais do que um valor,que pode variar, por exemplo, idade, religião, habilidade comunicativa, tipo de amor etc. é uma variável. As variáveis dividem-se
em independentes e dependentes. As primeiras funcionam como
causas e as segundas como efeito. Por exemplo, pode-se estruturaruma pesquisa experimental para verificar se aluno estudioso (variável independente) é aluno que sabe (variável dependente).
Com suas variáveis mensuráveis, seu recurso à estatística emuma experiência provocada na qual se exerce um controle cerradosobre suas condições, a pesquisa experimental é uma construção
do saber muito particular, afirmaram LavilIe e Dionne (ibid.: 139),construção esta fortemente marcada pelas ciências naturais. Nasciências humanas, entretanto, são raros os trabalhos que podemrespeitar seus cânones estritos, pois seres humanos não podem sermanipulados como partículas de matéria ou ratos de laboratório.
Além disso, sem desmerecer a riqueza dos instrumentos maternáticos e estatísticos, a maior parte dos fenômenos humanos não podeser medida sem perder sua riqueza, nem a causalidade linear das variáveis pode dar conta de sua complexidade.
Entretanto, foram descobertas que se processaram no interiordas ciências ditas duras que precipitaram a crise da hegemonia
das pesquisas experimentais nas ciências humanas . O desenvolvi
mento tanto da física quanto da matemática, no século XX, foi
cada vez mais demolindo as certezas do cientificismo e as crenças
na infalibilidade da ciência, evidenciando que previsões "absolutas são inviáveis. Com isso, a validade das interpretações foramsendo recuperadas (CHIZZOTTI, ibid.: 78) ." Isso não significa que
a pesquisa experimental tenha perdido sua validade, pois, além decontinuar sendo amplamente empregada, com seus rigores, elaserve de referência para se estabelecer categorias de pesquisa e
para julgar seus critérios. Enfim, funcionam como um modelo do
qual as pesquisas podem se afastar através de adaptações, sem perder, contudo, as exigências das regras do jogo (ALVES, 1988).
Surgiram, a partir disso, perfeitamente legitimados, outros tipos de pesquisa que Laville e Dionne (ibid.: 139) chamaram dequase-experimentais e não-experimentais. Apesar da tradiçãoempírica, na sua versão quantitativa e mesmo experimental, do
minante em toda a tradição da communication research, nos Estados Unidos, Bavelas (1995: 56) alertou para o fato de que grandeparte dessas pesquisas são quase-experimentais, visto que, na comunicação, as variáveis-chave, como as características pessoaisdo ser humano, não são manipuláveis. Dentro das pesquisas não
experimentais cabe uma grande massa de sub-categorias.
Mais comumente aceita, entretanto, tem sido a divisão das pesquisas em quantitativas, quando usam do recurso da estatística, epesquisas qualitativas. Estas últimas, segundo Chizzotti (ibid.: 9),abrigam um grande número de divisões e subdivisões que, embora diversas, unem-se na oposição ao modelo experimental e no
pressuposto de que há uma relação dinâmica, uma interdependên
cia entre o mundo real, o objeto da pesquisa e a subjetividade dosujeito. Enquanto o objeto deixa de ser tomado como um dado inertee neutro, o sujeito é considerado como parte integrante do processode conhecimento, atribuindo significados àquilo que pesquisa.
A abertura que a pesquisa qualitativa permite não pode nos
levar a supor que, com ela, deixem de existir as exigências e crité
rios que devem regular uma pesquisa. Embora com características
próprias, as pesquisas qualitativas também obedecem a certos pro
tocolos, tais como a delimitação e formulação claras de um pro
blema, sua inserção em um quadro teórico de referência, a coletaescrupulosa de dados, a observação, as entrevistas, quando neces-
••••
•••••••••••••••.-••••••••••
142 Comunicação & Pesquisa Lucia Santaella 143
144 Comunicação & Pesquisa Lucia Santaella 145 •sárias, a determinação de um método, a análise dos dados, o testedas hipóteses, a necessidade de generalização das conclusões etc.Enfim, o recurso ao qualitativo não pode servir para o pesquisador se abrigar confortavelmente na rejeição aos métodos com adesculpa de que estes são rígidos e castradores da inspiração criativa. Na pesquisa, sem método, inspiração é mito, como o é naprópria arte, pois esta também se submete a métodos que lhe sãomuito próprios.
É preciso considerar neste ponto que não há um consenso emrelação ao sentido que se pode dar à pesquisa qualitativa. Há umsentido amplo, conforme foi discutido acima, e um sentido maisestreito. No sentido estreito, a pesquisa qualitativa é tomada apenas como uma parte da pesquisa quantitativa, aquela relativa àanálise de conteúdo. De acordo com Laville e Dionne (ibid.: 225),até os anos 70, a análise do discurso manifesto, colhido através dedocumentos, de questionários, entrevistas, etc., realizada pela pesquisa quantitativa, privilegiava os cálculos de freqüência dos termos e das expressões utilizados no discurso. Uma vez que essaabordagem não costumava render os frutos esperados, o domínioe as modalidades do que se chamava de análise de conteúdo ampliaram-se, absorvendo abordagens qualitativas, quer dizer, inter
pretativas, das unidades de sentido, das relações entre elas e deque delas emana. Não obstante esse sentido estrito, a pesquisaqualitativa acabou por desenvolver autonomia própria, podendose referir a todas as pesquisas que privilegiam a interpretação dos
dados, em lugar de sua mensuração.Além da pesquisa experimental, Chizzotti (ibid.: 27) apresen
tou o seguinte quadro de tipos de pesquisas: a primeira divisão,conforme já foi discutida acima, entre pesquisa teórica ou fundamentaI e pesquisa aplicada. Então, a pesquisa descritiva, que serestringe à descrição dos fatos; a analítica, que faz análises interpre
tativas dos dados e extrai conclusões; a quantitativa, assim chamada devido ao suporte em medidas e cálculos mensuráveis que
utiliza; a qualitativa, que ressalta as significações que estão contidas nos atos e práticas; a nomotética, que tem o intuito de extrairas leis (noinos) da regularidade e da ocorrência dos fatos observados para generalizar, Ainda segundo Chizzotti, as pesquisas analíticas podem ser subdivididas de acordo com o método de abordagem analítica que utilizam: comparativa, histórica, funcional, estrutural, sistêmica, dialética. Podem ainda ser classificadas de acordo com seus objetivos, por exemplo, a pesquisa clínica, que estuda determinados casos individuais, visando umjulgamento e umaprescrição, e a pesquisa-intervenção, que se baseia na relação participante do processo de análise e mudança psicossociológica.
Para Rudio (ibid.: 56-60), as pesquisas se dividem em duasgrandes classes: experimentais edescritivas. Estas últimas podem,então, aparecer sob diferentes formas. Abrangendo uma faixa muitoextensa de investigação, há a pesquisa de opinião ou de atitude,que visa saber que pontos de vista, atitudes e preferências as pessoas têm a respeito de algo. A pesquisa motivacional visa saber asrazões ocultas ou inconscientes que levam as pessoas a fazer umadeterminada coisa, por exemplo, consumir um certo produto. Oestudo de caso se volta para indivíduos, grupos ou situações particulares para se realizar uma indagação em profundidade que possa ser tomada como exemplar. A pesquisa para análise de trabalhobusca identificar deficiências, elaborar programas de capacitação,distribuir tarefas, determinar normas etc. A pesquisa documentalexamina documentos a fim de poder comparar usos e costumes,
tendências, diferenças etc. A pesquisa histórica se volta para o .passado, buscando as linhas de força que movem os acontecimentos.
DIria outra divisão dos tipos de pesquisas e os .procedirnentosnecessários para realizá-las foram apresentados por Demo (1985:23-26): a teórica, a metodológica, a empírica e a prática. A teórica coincide em alguns pontos com a que foi acima chamada defundamental. A metodológica se refere à reflexão sobre os métodos que direcionam a pesquisa científica, os modos de pesquisar,
•
••••
a problematização das vias do conhecimento, a "construção de
propedêutica da descoberta da realidade". O cultivo de uma atitude típica diante da realidade, nos diz Demo, isto é, "da atitude da
dúvida, de crítica, de indagação rodeada de cuidados para não
sermos ingênuos, crédulos, apressados" é questão fundamental
mente metodológica. A falta de reflexão bem informada sobre ela
redunda em um tipo de mediocridade científica manifesta na cre
dulidade em evidências dadas .A pesquisa empírica dirige-se para "a face experimental e
observável dos fenômenos", manipulando fatos e dados e procurando traduzir os resultados em dimensões mensuráveis, sendo,
por isso mesmo, na medida do possível, quantitativa. Para Demo
(ibid.: ?5), mesmo que não coincida com o mais relevante da rea
lidade, esse tipo de pesquisa trouxe para as ciências humanas acontribuição inestimável do "compromisso com afirmações controláveis, contra especulações perdidas" ou divagações sem fun
damento, .M as uma vez que aquilo que é mais relevante não se
manifesta à primeira vista, havendo, além do mais, muitas dimen
sõesdos fenômenos que são refratárias à mensuração, a dedica
ção .empírica não pode se restringir ao nível superficial, sempremais fácil de ser mensurado. '
A pesquisa prática se realiza através do teste prático das idéiase reflexões teóricas. Vale aqui, portanto, a inversão do postulado
acima formulado sobre a teoria: nada melhor para a teoria do que
uma boa prática, As chamadas pesquisa-ação e pesquisa-interven
ção, que têm por objetivo intervir na realidade, também se enqua
dram na categoria de pesquisa prática.Numa visão ampliada da pesquisa extensiva a trabalhos uni
versit ários em geral, baseando-se em Andrade (1993, 1995), Bas
tos (1999:,64,-73) apres.entou uma classificação detalhada dos ti
v posobásicos de pes9~isa. Para os autores, os tipos de pesquisa se
dividemde acordo com (a) sua natureza, (b) os seus objetivos, (c)os seus procedimentos e (d) o seu objeto.
Quanto à sua natureza, as pesquisas se dividem em trabalho
científico original e não original. Quanto aos objetivos, a pesquisa pode ser exploratória, descritiva ou explicativa. A exploratória
é uma espécie de prévia da pesquisa que tem por finalidade am- '
pliar as informações do pesquisador sobre o assunto de sua pes
quisa, tendo em vista seu aprimoramento rumo à elaboração de
um projeto de pesquisa. A descritiva limita-se a descrever, anali
sar e classificar fatos, sem que o pesquisador neles interfira. Aexplicativa busca fundamentalmente o porquê das coisas. Quantoaos procedimentos, as pesquisas recorrem a fontes de papel ou afontes de pessoas. Quanto ao objeto, a pesquisa pode ser biblio
gráfica, de laboratório ou de campo. Nesta última, a coleta de
dados é real izada em campo, quer dizer, os dados são coletados
no local onde se dão os fenômenos pesquisados.Especificamente na área de comunicação, DeVito (1997: 60,
147, 199, 228) dividiu as pesquisas em três grandes classes, dasquais forneceu exemplares como ilustração: a descritiva, ahistóri
co-crítica e a experimental. A descritiva tem por propósito descre
ver algo: comportamentos, atitudes, valores etc. Pesquisas descri
tivas podem se realizar em trabalhos de campo, através da observação sistemática ou por meio da construção de panoramas sobreum certo assunto. A pesquisa histórico-crítica tenta reconstruir opassado para melhor compreender os fenômenos. Ela pode se realizar através de vários tipos de documentos: livros, jornais, transcri
ções, vídeos etc. A definição dada para a pesquisa experimental não
difere muito da apresentação que dela foi feita mais acima.Até os anos 70, as pesquisas em comunicação ficaram dividi
das nos campos antagônicos da pesquisa empírica, presente nosestudos de mass communication dos Estados Unidos, e da pesqui- '
sa crítica, baseada especialmente nos escritos da Escola de Frankfurt.
Nos anos 70, essa oposição ficou mais tensionada pela ascenç~o
dos modelos de comunicação, especialmente os semióticos, como
norteadores da pesquisa. A multipli.cação de métodos e aborda-
•
•••e
•••••••;e••••e•••••••e•••••
146 Comunicação [, Pesquisa Lucia Santaella 147
10. PROCEDIMENTOS, TÉCNICAS E INSTRUMENTOS
•
•
•I
149Lucia Santaella
próprios de observação. Quantoà participação do observador, aobservação pode ser não participante, quando não há envolvimento do observador, ou participante, quando o observador se incorpora ao grupo pesquisado. Quanto ao número de observadores, podehaver observação individual ou em equipe. Quanto ao local daobservação, esta pode se dar em campo ou em laboratório, Enquanto técnica de atuação na realidade, a observação se caracteriza como militante (BARROS e LEHFELD, 1991: 54-55). Há ainda a observação documental, que se reporta ao uso de bibliotecas.
As técnicas envolvem também a definição da população eamostragem, o controle das variáveis, o instrumento de pesquisa eas técnicas estatísticas. O campo de observação, as unidades deobservação e variáveis devem ser descritas em todos os seus itenscomo se segue: população e suas características; seleção da am?stra, que pode ser não-probabilística ou probabilística. A nãoprobabilística se subdivide em amostra acidental, por quotas e intencional. A probabilística se subdivide em causal simples, causalestratificada e amostragem por agrupamento. Envolvem ainda adeterminação das variáveis que serão controladas. Então, a defi-nição dos instrumentos, das hipóteses estatísticas que serão utilizadas, como serão codificados os dados obtidos e como serão feitas as tabelas (ver RUDIO, 1992).
A coleta de dados também se faz a partir de uma série de prescrições, cujos instrumentos mais usados são os questionários, os formulários e as entrevistas que' podem ser estruturadas, padroniza
das, contendo perguntas que seguem um roteiro pré-estabelecido,ou não estruturadas, despadronizadas, consistindo de uma conver- :sa informal, alimentada por perguntas abertas. Esses instrumentossão usados quando informações não podem ser obtidas por outrosmeios. A interpretação dos dados não é menos baseada em técni-'cas do que os demais passos da pesquisa. Ela implica em classifi
cação e categorização dos dados, processo de codificação, representação numérica dos dados e técnicas de análise de conteúdo.
Comunicação [, Pesquisa148
gens e a busca por metodologias mistas e integradas, a partir dosanos 80, acabaram por tornar essas oposições e tensões obsoletas.
Para finalizar este tópico, cumpre chamar atenção para o modelo de pesquisa para a comunicação que foi elaborado por Lopes(1990), modelo esse para ser aplicado tanto à leitura ou análise dapequisajá feita, como à pesquisa que se está fazendo. Por se tratarde um modelo aberto e indicador das fases implicadas pela pesquisa, ele faz uma ponte entre este capítulo sobre os tipos de pesquisa e o próximo capítulo sobre os passos que a elaboração deum projeto de pesquisa deve seguir. Lopes dividiu seu modelo emquatro instâncias: (a) a instância epistemológica; (b) a instânciateórica, que inclui a formulação teórica do objeto e a explicitaçãoconceitual; (c) a instância metódica, que inclui a exposição e acausação e (d) a instância técnica, que se subdivide em: técnicasde observação, técnicas de seleção e técnicas de operacionalização.
Via de regra, os tipos de métodos são definidores dos tipos depesquisa. Métodos incluem procedimentos, técnicas e instrumentos, mas não se confundem com eles, pois estes são partes do método. Em cada uma das fases do método, o pesquisador deve usarcertos recursos que se constituem em procedimentos técnicos,como seleção da amostra, construção dos instrumentos da pesquisa etc. A fase da análise e interpretação dos dados também implica técnicas próprias.
Nas pesquisas experimentais, procedimentos, técnicas e instrumentos são muito precisamente definidos .. Envolvem técnicasde observação pois, quando sistematizada, planejada e submetidaa controles de objetividade, a observação pode ser consideradacientífica. Assim, quanto à sua estruturação, a observação podeser assistemática, sem planejamento prévio ou sistemática, que éplanejada, estruturada, controlada, utilizando-se de instrumentos
Aí estão sintetizadas as exigências técnicas que as pesquisas
quantitativas prescrevem. Quando passamos do quantitativo parao qualitativo, isso não quer dizer que as exigências devam ser
abandonadas. Significa apenas que as prescrições passam a adquirir feições mais imprecisas de modo a abraçar o universo cornplexo e ambíguo de tudo aquilo que não pode ser mensurado.
••
•••••••••••••e•ti)•e.'••••
150 Comunicação & Pesquisa
o PROJETO DE PESQUISAE SEUS PASSOS
Este capítulo será dedicado ãs orientações para se elaborar umprojeto de pesquisa. Há uma farta bibliografia sobre isso e toda
ela é bastante consensual quanto aos tópicos que uma tal elabora
ção deve considerar e aos passos que devem ser seguidos para que
ela seja bem sucedida. É nesse ponto que toda pesquisa começa:pela elaboração de seu projeto. Sem isso, a pesquisa já estariacomprometida de saída, pois seria o mesmo que fazer uma viagem sem conhecimento de seu caminho. Iniciar uma pesquisa semprojeto é apostar alto demais na improvisação, além de revelar
ignorância quanto aos limites que a improvisação apresenta. Isso,
se não forem mencionadas as confusões, inseguranças, ingenuidades, dispêndio temporal, esforços e recursos mal gastos em queuma tal aventura incorreria.
Um mau projeto não é muito diferente da ausência de projeto.
Isso explica por que tantas pesquisas começam sem terminar, ou
por que terminam mal. Sem planejamento rigoroso, mesmoquan
do consegue realizar a etapa da coleta de dados, o investigador severá perdido em um cipoal, em um emaranhado de dados, semsaber c,omo analisá-los e interpretá-los por desconhecer seu significado e importância no contexto maior de um problema bem de-
------------------------------------.marcado, de hipóteses apropriadamente formuladas e dos objeti
. vos que uma pesquisa visa atingir.a projeto funciona como uma visão antecipada, um planeja
mento dos passos que serão dados pela pesquisa. Churchman(1971: 190, apud R UDIO, ibid.: 45) nos diz que "planejar signifi
ca traçar um curso de ação que podemos seguir para que nos leve
às nossas finalidades desejadas". Isso não deve.ser entendido ne
cessariamente como ausência de criatividade e fechamento paraas surpresas do caminho, pois quanto mais o curso de uma ação
estiver bem planejado, mais equipados estaremos para reconhecere lidar com o inesperado, enquanto que, sem planos, via de regra, nos
perdemos nas brumas confusas de um jogo sem regras.Projetar significa, portanto, antevere metodizar as etapas ou
fases para a operacionalização de um trabalho. Qualquer trabalhohumano é processo explícita ou implicitamente projetado. A especialização do trabalho científico exige a construção prévia de
um instrumento técnico que conduza a ações orientadas para umfim e sustentadas sobre uma base de recursos humanos, técnicos,
materiais e financeiros. Esse 'instrumento técnico é o projeto de
pesquisa. Sua elaboração em forma acabada não deve, contudo,ser intimidante a ponto de paralizar a flexibilidade do pesquisador para se adaptar a possíveis mudanças que podem surgir, e quase
sempre surgem, no decorrer da execução de uma pesquisa. Quan
do o projeto se coloca em ato, no processo de execução, apare
cem os momentos de fertilidade em que brotam eventuais desco
bertas de dados não previstos, junto com o aprofundamento dasidéias iniciais.
Como tal, o projeto é apenas uma das etapas da pesquisa. Eleserve de guia para a execução propriamente dita e esta, por sua
vez, deve ser seguida de sua apresentação em forma comunicável,na imensa maioria das vezes, através da escrita. Por isso mesmo,
Peirce colocou no terceiro ramo da serniótica, junto com a metodêutica, a retórica especulativa, isto é, o estudo da eficácia comunica-
1. QUESTÕES DE UM PROJETO
.'••~
•
153
Tudo deve estar previsto em um projeto de pesquisa, desde aescolha de um tema, a coleta de informações preliminares, a delimitação de um problema, sua justificativa frente ao que já foi realizado no assunto em que ele se insere, a fixação dos objetivos, o
levantamento das hipóteses, a determinação de um referencial teórico e de uma metodologia que sejam adequados para testar as
hipóteses e resolver o problema colocado, a coleta dos dados, suaanálise e interpretação e as técnicas próprias para isso, até a previsão de recursos humanos e instrumentais, do cronograma, tudoisso para terminar na elaboração de um relatório final, de uma
tese ou de um livro.Inclusas em todos esses passos estão as perguntas clássicas
que um projeto deve enfrentar: o quê?, por quê?, para quê e paraquem?, onde?, como?, com quê? quanto e quando?, quem?, com
quanto? Traduzindo: o que será pesquisado? Por que a pesqu!sa énecessária? Como será pesquisado? Que recursos humanos, Inte
lectuais, bibliográficos, técnicos, instrumentais e financeiros se
rão mobilizados? Em que período?Previstas e respondidas todas essas perguntas, o projeto possi
bilitará ao pesquisador "impor-se uma disciplina de trabalho não
só na ordem dos procedimentos lógicos mas também em termos
de organização do tempo, de seqüência de roteiros e cumprimento
de prazos" (SEVERINO, 2000: 159).Uma visão panorâmica do projeto de pesquisa será apresenta-
da abaixo para ser depois seguida pela discussão detalhada de
cada um dos seus passos.Um projeto começa pela escolha de um tema 9U assunto sobre
o qual a pesquisa versará. .Uma vez que nenhum projeto surge do
tiva da investigaçãocientífica. No momento, ficaremos apenas na
primeira etapa, a da elaboração do projeto.
Lucia SantaellaComunicação [, Pesquisa152
nada, ele deve ser introduzido por uma apresentação voltada para
a gênese do terna, Como o pesquisador chegou a ele? Quais os
motivos relevantes que fisgaram sua curiosidade e produziram nele
dúvidas a respeito desse tema. Essas dúvidas são providenciais,
pois é delas que o problema da pesquisa irá brotar.
Ternas, entretanto, não são virgens. Por isso mesmo, qualquer
proje-to deve ser antecedido por estudos preliminares sobre o terna.
Masque estudos preliminares são esses? Sabemos que a realidade
é uma trama finarnente urdida dedeterminações e a ciência e, mais
ainda, ri filosofia estão longe de terem começado hoje. Felizmenteos temas que escolhemos, ou pelos quais somos escolhidos, não
abraçam a realidade inteira, principal mente porque nosso olhar e
nosso pensamento já estão conformados a um certo modo de ver
,que depende dos referenciais teóricos que dominamos. Esses
referenciais são específicos, próprios das distintas áreas de co
nhecirnento em que a ciência se subdivide. Uma vez que nos cons
tituímos corno pesquisadores dentro de alguma área de conheci
rnento; os estudos preliminares já estão previamente delimitados
pela área de inserção do pesquisador. Dentro de cada área, há ain
da delimitações que lhe são próprias e que se constituem nas suas
sub-áreas. Den tI'O das sub-áreas, encon trarn-se estratifi cações de
ternas, junto às quais o tema de nossa escolha, via de regra, selocaliza.
Tendo assim localizado o terna , os estudos prelirninares envol
vern desde leituras bibliográficas, visitas a locais específicos, quan
do o terna exigir, até discussões com especialistas e colegas. Es
ses estudos preliminares são substanciais para a delimitação do
problema de pesquisa. Além disso, neles tem início UI11a das exi
gências fundamentais de um projeto de pesquisa: a revisão bibliogr áfica, que só poderá se complementar quando o problema esti
ver pelo menos relativamente definido. De todo modo, através da
busca' de' informação sobre o tema é que as dúvidas vão gradativa
mente se tornando mais c1aras e o problema pode ir se delineando .
Tudo isso é necessário porque um tema não é ainda um pro
blerna. Este último se constitui na questão mais fundamental de
toda a pesquisa', por isso mesmo, deve ser precisamente reCol~ta
do, delimitado e claramente formulado. Isso não acontece por passe
de mágica, nernda noite para o dia. Daí a necessidade de estudos
preliminares, de momentos de concentração cuidadosa e medita
tiva, de discernimento das fronteiras do problema sem o que não
seria possível extraí-lo do contexto de infindáveis determinaçõesem que um tema se situa. ,
É claro que nos casos em que uma pesquisa se origina de outrapesquisa; a delimitação do problema é sempre mais simples, visto
que essa delimitação, via de regra, já brota enquanto a pesquisaanterior está sendo realizada ;-Poucas são as pesquisas que não
funcionam como geradoras de outras pesquisas. É por isso qu.e 9.Sverdadeiros pesquisadores fazem pesquisa a vida · inteira, pois, .
enquanto fazem uma, já são mordidos pela curiosidade em rela
ção a novos problemas que vão aparecendo no meio.do caminho éque têm de ser guardados para U111 'a outra ocasião. Ao mesmo tem- '
po que respondem a um problema proposto, as pesquisas são fon
tes inesgotáveis de novos problemas. Isso não se dá por acaso,
mas é fruto do aprofundamento que as pesquisas nos obrigama
ter em relação aos fenômenos.
Definido o problema, deve ser elaborada a revisão bibliográfi
ca ou pesquisa sobre o estado da questão, quando são estudados
os trabalhos que se situam na circunvizinhança do problema, tra
balhos que versam sobre problemas simi lares. A elaboração da
revisão. bibliográfica deve ter em vista a contraposição dos traba- ,
lhos já publicados em relação ao problema que a pesquisa propõe.
Vê-se aípor que a revisão bibliográfica é importante. De um lado,
ela deve comprovar que o pesquisador não está querendo realizar
algo que já foi feito, de outro lado, ela ajuda a encaminhar o passo .
seguinte da pesquisa, a justificativa , quer dizer, a argumentação
sobre a relevância' do trabalho, não. apenas enfatizando que ele
••:.'.•'.":.'.••••••'.••'.~•••••.1~'.•.'••••
154 Comunicação [, Pesquisa
~ .......
Lucia Santaella 155
156 Comunicação & Pesquisa Lucia Santaella 157 •ainda não foi feito por outro pesquisador, mas principalmente porque ele deve ser realizado.
Justificado o problema, o projeto se encaminha para a definição dos objetivos, quer dizer, que fins a pesquisa visa atingir?Quais são os aspectos que o problema envolve e em que sua solução resultará no tocante a cada um desses aspectos?
Depois disso, o pesquisador passa para a formulação das hipóteses. Como suposições de respostas para o problema proposto, as hipóteses se responsabilizam pelo direcionamento da pesquisa, na medida em que são elas que a pesquisa terá por finalidade demonstrar ou testar e comprovar ou não. Ora, não há formulação de hipóteses sem um quadro teórico de referência. É por issoque essa formulação já encaminha o pesquisador para a explicitação do seu quadro teórico. Este se constitui em um "universo de princípios, categorias e conceitos, formando sistematicamente um conjunto logicamente coerente, dentro do qual o trabalho do pesquisador se fundamenta e se desenvolve" (SEVERINO,ibid.: 162).
Tendo chegado neste ponto, o projeto pode então se debruçarsobre as questões metodológicas, técnicas e instrumentais. Enquanto o método se refere a procedimentos ele raciocínio e analíticosmais amplos, as técnicas são operacionalizações do método dasquais os instrumentos são suportes. .
É no momento da indicação dos procedimentos metodológicosque o pesquisador deve 'localizar o tipo de pesquisa que está realizando, teórica ou aplicada, histórica ou tipológica, crítica ousistêmica, empírica com trabalho de campo ou de laboratório, etc.A metodologia está sempre estreitamente ligada a essa tipologia.Além disso, os métodos devem estar perfeitamente afinados como problema proposto e com as hipóteses. Tendo o problema emmente, o pesquisador deve se perguntar: "como e com que meiospoderei resolvê-lo?" Este "como e com que meios" entrelaça ashipóteses e o método. As hipóteses funcionam como sinalizações
para o caminho a ser percorrido. Por isso, o método deve estarsintonizado nessas sinalizações. Além disso, não pode haver contradição entre o método e o quadro teórico de referência, tambémchamado de fundamentação teórica, pois, muitas vezes, o métodoadvém diretamente do quadro teórico.
Por fim, o cronograma da pesquisa deve ser estabelecido comindicação das etapas a serem cumpridas em cada período. A ele sesegue a indicação dos recursos humanos e materiais necessários esua justificativa, tendo em vista o que a pesquisa mobilizará. Aofinal de tudo, deve comparecer a lista bibliográfica preliminar,pois a bibliografia definitiva só pode e deve ser complementadano decorrer da execução do projeto. Muitas vezes o pesquisadordivide a bibliografia em duas p~~tes. Uma parte já consultada paraa elaboração do projeto e outra parte a ser pesquisada no decorrerda execução do trabalho.
Tendo esse panorama geral como pano de fundo, podemospassar para o detalhamento de suas partes. Inicio pelas etapas quedevem anteceder à elaboração do projeto, visto que são elas quetornarão essa elaboração possível.
2. A ESCOLHA DO TEMA
Quando uma pesquisa se desenvolve no seio de uma instituição com programas de pesquisa pré-definidos nos quais o pesquisador está engajado ou quando uma pesquisa é encomendada poralguma empresa, evidentemente, seu tema não é fruto da escolhado pesquisador. No mundo universitário, entretanto, a imensamaioria das pesquisas nasce da livre escolha do pesquisador. Vemdo pesquisador a necessidade de estudar um determinado assunto.Mas quais são as motivações que nos levam a escolher um tema?
Segundo Barros e Lehfeld (1991: 26-27), os temas podem surgir da observação do cotidiano, da vida profissional, do contato erelacionamento com especialistas, do feedback de pesquisas já
•
real izadas ou do estudo de literatura especializada. Conforme
Lakatos e Marconi (1992: 45), além das possibilidadesacima, as. . ,
fontes para a escolha de um assunto podem ainda originar-se daexperiência pessoal, de estudos e leituras , da descoberta de 'discrepâncias entre trabalhos ou da analogia C0111 temas de estudos
. ' . . .
de outras disciplinas 'ou área~ científicas. Enfim, completam asautoras (ibid.: 102), o tema pode surgir de uma dificuldade prática , de uma curiosidade científica, de desafios' encontrados na lei- '
tura de outros trabalhos o~ ?a ~rópl~ia teoria .A despeito de t?das essas diferentes possibilidades, algo ,é
comum a elas: ~m t,en:a surge quase sempre de uma intenção ainda imprecisa. Uma impreci~ã~que só pode ser indicadora de quea escolha de um tema advém muito menos de urna vontade racional do que de motivos sobre os quais temos pouco domínio éansciente . De fato , um . t~ma é algo que nos fisga, para o qual "nossentimos atraídos seI11 saber bem por quê. Por isso mesmo, temasde pesquisa .n.ão devem ser mudados diante da primeira dificuldade que se apresenta ou diante de influências alheias . Um temanasce de um desejo, que é, por sua própria natureza, sempre obs
curo, e não costuma adiantar muito a tentativa de lhe virar as costas. Em outras palavras, não podemos ser infiéis ao desejo que sóse deixa mostrar escondendo-se por trás de uma intenção irnprecisa através da qual um tema -de pesquisa aparece.
Não obstante a imprecisão, é claro que os temas têm tudo a vercom a história de vida e, especialmente, com a história intelectual
do pesquisador, Em que área científica está inserido, que repertório já adquiriu nessa ~rea,qual a intensidade de seus contatos comoutros pesquisadores e C0111 especialistas na área, seu noviciadoou sua experiência em pesquisa são todos fatores determinantespara a escolha de um tema. Entretanto, esses fatores não são capazes de impedi;' q~e os ternas surjam, o mais das vezes', de- modovago, muito geral e: indefinido.A apreciação de Demo (1985: 4950) sobre isso é especialmente lúcida ~ importante pará que um ;
3. ESTUDOS PRELIMINARES
pesquisador iniciante não se sinta perdido em meio às incerte.zasiniciais e cético em relação à sua capacidade de definir mais precisamente seu tema. Quando nos propomos a realizar um trabalho
científico, diz o autor,
Enfim, a indefinição inicial de um tema é normal; pois o queimporta não é o seu modo de ser, mas a elaboração,que deve serrealizada para que ele vá gradati vamen.te ganhandq concretude, ~ ,precisão e determinação. Para isso, ~ntretanto, opesquisador devese entregar aos estudos preliminares, sem os quais seria impossível caminhar da imprecisão para a definição.
159
"é normal que a primeira impressão seja de perplexidade. Não s~~e
mos por onde começar, sobretudo se nunca , nos tínhamos metido
antes no assunto . Todavia, é' a s ituação normal .de quem se )~Iga
pesquisador e não detentor de saber ev idente e prévio . [.. .,J QU~I~
parte de evidências , nada tem a pesquisar. O processo de superação
dessa perplexidade inicial é algo central na formação científica d~
LIma pessoa.11
Por onde começar? Buscando informações sobre o terna, sejade ordem factual, seja de ordem teórica. Rudio (1992: 39) muito ,apropriadal11ente nos lembra que, para a realização dos estu~,os
preliminares, é de máxima importância sabermos ern que área, ~
melhor ainda, ern que sub-área do conhecimento ." 110SS0 tema sesitua para que possamos deterrninar os fundamentos teóricos quelhe servem de base, isto é, estabelecer quais as ,relações entre oassunto de nossa pesquisa e a Teoria Científica que desejamos utili~ar". Foi por ter essa necessidade en: vista que, no segundo capí-.tulo deste livro, busquei construir ,o mapeamento da área de comunicação para que opesquisadorpossa localizar .emqual terri-
Lucia Santaella '
',\
Comunicação & Pésquisa '158
,.....••••••f:,'.••••••e l
••••,-••e'..'''.•••'.••
~-------------------------------_.•160 Comunicação [, Pesquisa Lucia Santaella 161
tório seu assunto se situa e quais são as interfaces desse territóriocom os territórios vizinhos. Tanto quanto posso ver, a visualizaçãodesses territórios nos ajuda a compreender de que teorias essesterritórios dependem para existir cientificamente. Justo por isso,procurei também inserir no mapa as teorias que são próprias acada território.
Com uma visão relativamente clara da área de inserção de seutema, é preciso que o pesquisador vá para a biblioteca ler sobre oassunto. Vale notar que biblioteca quer dizer tudo que se podeencontrar nela: enciclopédias, livros, periódicos especializados,que são fundamentais sob o ponto de vista da atualização sobre otema, catálogos, teses e dissertações, jornais, vídeos, isso semmencionar o acesso a bancos de dados que hoje se pode ter a partir dos computadores localizados nas bibliotecas ou em nossaspróprias casas. O contato com esse acervo é fundamental não apenas para buscar subsídios que orientem e dêem mais segurançasobre a escolha do tema, mas que ajudem a formular o seu enunciado. De resto, também para saber se o assunto que se pretendeestudar já foi objeto de outras pesquisas e sob que ângulos essaspesquisas o enfocaram.
É certo que as leituras tomam muito do nosso tempo', mas, narealidade, elas ajudam a diminuir o tempo estéril das idéias confusas e pouco definidas que são sempre motivos de angústia parao pesquisador.
Segundo Bastos (1999: 19-20), o levantamento bibliográfico
preliminar é imprescindível. Antes de tomarmos qualquer decisãosobre a nossa pesquisa, precisamos ter o maior número de informações e de leituras que são possíveis nessa etapa de desenvolvimento do projeto, não só para melhor delimitar o assunto, " mastambém para desenvolvê-lo longe de um ponto de vista do sensocomum". Juntamente-com o acesso a material bibliográfico, Bastos considera a necessidade de diálogo com especialistas para discutir e aprimorar o tema escolhido, confrontando sempre que possí-
vel as sugestões e críticas de um especialista com as de outros especialistas. Essa multiplicidade de pontos de vista é fundamentalpara que o.pesquisador não fique, ~e saída, fixado em um modode ver, em um único tipo de fundamentação te órica, mas que saibafazer uso da riqueza dessa fase preparatória para explorar a diversidade que é própria a qualquer uma das áreas das ciências humanas.
Vale enfatizar que todo o esforço dispendidonos estudos'preliminares se volta produtivamente para a clarificação gradativa dotema, rumo à definição de uma questão, de urn problema a serpesquisado. Contudo, o segredo dos estudos preliminares está naarte 'do pesquisador para saber exatamente o momento em quedeve interrompê-los. A massa de literatura existente desdobra-seinfinitamente. Dela Jorge L. Borges já nos forneceu uma versãocriadora na sua Biblioteca de Babel. Os estudos preliminares devem, portanto, cercar as obras mais fundamentais, tendo em vistaum panorama de fundo que habilite o pesquisador a situar suaquestão para poder melhor defini-Ia. Essa arte de saber onde pararé, nesse caso, auxiliada pelo fato de que a pesquisa bibliográficanão se reduz a isso, além de que essa pesquisa preliminar deverádepois ser incorporada ao projeto junto com sua complementaçãoem um tópico sob o título de "Revisão bibliográfica" ou "Estadoda questão", conforme será melhor definido no momento oportuno.
3.1 O PRÉ-PROJETO
Pouco a pouco, dos estudos preliminares um problema de pesquisa começa a se delinear. A partir disso, o pesquisador devecriar coragem e, apesar de o momento ainda lhe parecer precoce,ensaiar a elaboração de um pré-projeto. Embora tudo pareça ain-
!
da muito vago, é preciso aproveitar as incertezas iniciais para de-las extrair seu sumo. O lusco-fusco da imprecisão é propício paradespertar aquilo que Peirce chamou de uberty, "uberdade", isto é,capacidade de responder criativamente aos estím~.los que nos che-
4. A ELABORAÇÃO DO PROJETO
No detalhamento dos passos a serem dados para a elaboração
do projeto de pesquisa, irei me deter com mais demora em ques-
gam tanto do exterior quanto, principalmente, do interior de nossa
mente. Passeando vivamente pelas idéias e contemplando-as cominteresse desprendido, o pensamento fica entregue ao musement,estado de concentração distraída, condição para a "uberdade" (ver
SEBEOK et al., 1993). É em momentos como esse que, via de
regra, brotam as hipóteses que irão conduzira pesquisa. Tanto
isso é verdade que nunca somos capazes de explicar como chega
mos às hipóteses. Elas parecem estar simplesmente lá, à nossaespera. :De fato, de acordo com a teoria peirceana da abdução,
hipóteses são frutos de uma espécie de adivinhação, capacidadede que o ser humano é dotado para adivinhar os desígnios dascoisas, tanto quanto o pássaro é dotado do poder voador.
Parece evidente que a "uberdade" só premia aqueles que bus
cam. A mente só pode passear entre idéias, quando nela as idéias
são férteis, caso contrário temos de nos contentar com idéias fi
xas, que são o lado do avesso da "uberdade". Vem daí uma outraboa razão para justificar a necessidade dos estudos preliminares.
O anteprojeto é assim uma primeira proposta de sistematizaçãopara ser testada, modificada e aperfeiçoada na medida em que a
delimitação da questão a ser pesquisada for amadurecendo. Tratase de um ponto de partida que brota sob efeito do pensamento sin
tético, onde tudo aparece ao mesmo tempo. Realmente, um projeto não nasce parte por parte, mas em alguns lampejos em que tudoaparece junto e ainda confuso. O anteprojeto é a primeira tentativa de organizar os fios dessa trama sintética. Para essa organização,
juntamente com os resultados das correções sucessivas a que o ante
projeto vai sendo submetido, deve entrar em ação o pensamento ana
lítico, aquele que guiará os passos da elaboração do projeto.
163Lucia Santaella
tões que dizem respeito a pesquisas não-experimentais e não-quan
titativas, pois para as experimentais e quantitativas já existe um
abundante material bibliográfico (ver especialmente a extensa obra
de Laville e Dione, 1999, as competentes obras de Lakatos e
Marconi (1982a, 1982b e 1992) ou a mais breve, mas não menos
excelente obra de Rudio, 1992). Uma vez que os manuais de ori
entação para as pesquisas quantitativas se detêm muito pouco nas
questões que têm mais peso nas pesquisas qualitati vas, tais comoestado da questão, quadro teórico de referência, discussão dasestratégias metodológicas não-quantitativas e suas justificativas,é para elas que estarei chamando mais atenção.
4.1. Os ANTECEDENTES
Muitas vezes o pesquisador se sente tímido em se mostrar presente no seu discurso. Realmente, não é fácil encontrar o pontocerto e justo da enunciação de um discurso cien~ífico em que apessoalidade não caia, de um lado, na mera confissão subjetivaadocicada e enjoativa ou, de outro, no pedantismo de uma neutra
lidade forçada e artificial. De todo modo, buscando evitar esses
dois extremos, há um momento inicial na abertura de um projeto
de pesquisa em que a figura do pesquisador deve aparecer. Chamo esse momento de "antecedentes" ou "histórico" para com issodesignar o quadro de referência pessoal da proposta de pesquisa.
A presença desse quadro de referência é muito comum nos
casos das pesquisas que brotam diretamente de pesquisas anterio
res, o que pode acontecer, por exemplo, quando o pesquisador
decide continuar no doutorado com uma questão que não foi pos
sível desenvolver ou aprofundar no mestrado. Para introduzir um
novo projeto, o pesquisado,r procede ao breve relato das conclusões ou resultados alcançados na pesquisa anterior, com atenção
para o ponto em que sua atenção foi despertada para uma novaquestão. Nesse momento, o relato inclui obrigatoriamente o qua-
Comunicação & Pesquisa162
••
•••e••••
•
4.2. A DEFINIÇÃO DO PROBLEMA
Para Laville e Dionne (1999: 27), conscientizar-se de um problema de pesquisa
•
165Lucia Santaella :
"depende daquilo que dispomos no fundo de nós mesmos: conheci
mentos de diversas ordens- brutos e construídos - e entre esses
conceitos e teorias; conhecimentos que ganham sentido em função
de valores ativados por outros valores: curiosidade, ceticismo, con
fiança no procedimento científico e consciência dos seus limites."
Na fase de definição do problema, entretanto, como já foi discutido e também querem os autores, as capacidades intuitivas ganham importância, pois a percepção inicial de um problema é, omais das vezes, pouco racional.
Para se sair da problemática sentida, imprecisa e vaga e sechegar a uma problemática consciente e objetivada, uma problemática racional, Laville e DioneIibid.: 98) aconselham o pesqui- 'sador "a jogar o mais possível de Iuz sobre as origens do problema e as interrogações iniciais que concernem a ele, sobre a suanatureza e sobre as vantagens que se teria em resolvê-lo, sobre oque se pode prever como solução e sobre o modo de aí chegar".
Rudio (ibid.: 72) fornece uma exemplificação muito oportunapara se compreender a passagem gradativa em que um tema aindavago vai sendo delimitado de modo a ir se transformando em umproblema de pesquisa. Suponhamos que alguém diga que quer fazeruma pesquisa sobre delinqüência juvenil, essa afirmação apenasindica de modo muito vago e geral um dos elementos do campode observação: a população. Mas se acrescenta que seu interesseestá nos crimes cometidos pelos delinqüentes, passa a nos indicar,então, uma das variáveis a serem observadas. Se complementaque deseja saber se certos crimes que os delinqüentes cometemsão ocasionados pelo efeito do uso de tóxicos, tem-se aí a inten-
. ção de relacionar duas variáveis: se o uso de tóxicos (variávelindependente) ocasiona os crimes (variável dependente), cometidos por delinqüentes juvenis. É claro que a delimitação da questão não pára aí, pois há outros elementos no campo de observaçãoa serem levados em consideração. De todo modo, quando apare-
Comunicação [, Pesquisa164
dro de referência pessoal, quer dizer, em que medida o pesquisador está implicado naquilo que deseja realizar.
Mesmo no caso de uma pesquisa não estar na linha de continuidade de uma outra já realizada pelo pesquisador, o interessepor um assunto, um tema ou uma questão não surge do vácuo. Eleé fruto de uma história de vida, de experiências profissionais, intelectuais, construídas mediante caminhos próprios, dos valores eescolhas que nos definem. Tem-se aí a gênese do tema da pesquisa cujas vicissitudes já foram discutidas acima. Trata-se agora, nomomento de elaboração do projeto, de incorporar em um relatoaquilo que, dessas vicissitudes, tem pertinência para a apresentação do tema e daquilo que conduziu à sua escolha.
Embora não compareça em outros livros de metodologia comoum passo necessário à elaboração de um projeto de pesquisa, considero essa apresentação muito importante. Afinal, nós pesquisadores somos seres viventes. A pesquisa não é algo estranho, à margem de nossa história de vida, mas nela se integra de maneira indissolúvel.Quando bem dosado, evitando o mero biografismo inoportuno, o relato de como o pesquisador chegou ao tema pode darsabor de vida ao projeto. Além disso, ao incorporar aquilo querealmente importa, isto é, como foi se dando o estreitamente gradativo da amplitude do tema para a delimitação do problerna dapesquisa, o quadro de referência pessoal vai pouco a pouco seencaminhando para o tópico seguinte, o mais importante do projeto, ou seja, a delimitação da questão proposta pela pesquisa.
cem as duas variáveis, a amplitude do tema já se especificou emuma pergunta, que é substancial para a definição de um problema.Enfim, como parece óbvio, para se passar do tema ao problema, otema deve ser problematizado.
O que é, portanto, um problema de pesquisa? Vejamos algumas das definições que já foram formuladas sobre isso. Não háproblema sem uma indagação central, uma dificuldade que se querresolver. Desse modo, o problema de pesquisa é uma interrogaçãoque implica em uma dificuldade não só em termos teóricos oupráticos, mas que seja também capaz de sugerir uma discussãoque pode, inclusive, em alguns casos, passar por um processo demensuração, para terminar em uma solução viável através de estudo sistematizado (BASTOS, 1999: 114). Do ponto de vista formal, um problema é um enunciado interrogativo. Semanticamente, é uma dificuldade ainda sem solução que deve ser determinadacom precisão para que se possa realizar seu exame, avaliação,crítica, tendo em vista sua solução (ASTI VERA, 1974: 94).
Certamente nem todos os problemas que existem podem seprestar à pesquisa científica. Para ser problema de pesquisa, eledeve ser um problema que se pode resolver, com conhecimentos edados já disponíveis, além de outros passíveis de serem produzidos. Não se trata de um problema que pode ser resolvido pelaintuição, especulação ou senso comum, pois um problema de pesquisa "supõe que informações suplementares podem ser obtidas afim de cercá-lo, compreendê-lo, resolvê-lo ou eventualmente contribuir para a sua resolução". Finalmente, um verdadeiro problema de pesquisa deve ser capaz 'de produzir compreensão que forneça novos conhecimentos para o tratamento de questões a elerelacionadas (LAVILLE e DIONNE, 1999: 87-88).
As conclusões pragmáticas que podem ser extraídas das definições acima indicam que um problema deve ser for~uladocomouma pergunta. Há, no entanto, perguntas e perguntas. Indagaçõesgerais, tão gerais quanto o próprio tema, estão muito longe de
4.3 O "ESTADO DA QUESTÃO
Também chamado de "revisão bibliográfica" ou "bibliografia'comentada" , este passo da elaboração do projeto já teve seu iní
cio nos estudos preliminares. Neste novo momento, entretanto,uma vez circunscrito o problema com clareza necessária para fun-
"consiste em dizer, de maneira explícita, clara, compreensível e
operacional, qual a dificuld~d~~om a qual nos defrontamos e ~ue
pretendemos resolver, limitando seu campo e apresentando suas ca
racterísticas. Dessa forma, o objetivo da formulaç~o do problema da
pesquisa é torná-lo individualizado, específico, inconfundível".
167Lucia Santaella
permitir o detalhamento do projeto. Além disso, a formulação deveser clara e precisa. Essa clareza se constitui em passo fundamental, pois dela dependerão os passos subseqüentes do projeto, sobretudo a formulação das hipóteses e a obtenção de parâmetrospara as escolhas metodológicas. A pergunta deve também ser sig
nificativa, deve conter a promessa de que uma solução pode seresperada, caso contrário não haveria razão para se fazer uma pesquisa. O problema deve ser, além disso', viável, exequível, querdizer, ele pode ser objetivamente verificado. Em suma, formularum problema, segundo Rudio (ibid.: 75),
Cumpre lembrar aqui que o pesquisador não deve passar paraa próxima etapa do projeto, a revisão da literatura,' antes de tercircunscrito muito bem seu problema através da formulação desua pergunta. Sem isso, correrá o risco de se deixar levar à derivanas inesgotáveis fontes de pesquisa. Para avançar com eficácianos passos do projeto, é preciso saber bem o que se procura. Sócom esse trunfo nas mãos, o pesquisador pode mergulhar nas leituras e consultas, o que não significa que, no percurso, estas nãopossam produzir reorientações no problema.
Comunicação [, Pesquisa166
••
•••••_I•e,
•~
•e•••••ee•••••
cionar como um fio condutor e ajudar o pesquisador a dar prosse
guimento ao seu projeto, o contorno da revisão bibliográfica tor
na-se também mais nítido.O conhecimento se dá elTI UITI continuum. As interpretações
que fazemos das coisas, fatos e pessoas estão sempre a meio ca
minho, têm algo de provisório. Essa é a regra número um · que sepode extrair da noção de semiose peirceana. As crenças que ad
quirirnos através da ciência não são muito diferentes. Nada há
nelas de eternidade. Também ria pesquisa científica, estamos sem
pre a meio caminho. E só deixamos de estar quando cessamos de
ter dúvidas porque perdemos a disponibilidade para ouvir o que o
outro tem a dizer. 'E m suma, nenhuma pesquisa parte da estaca
zero. Mesmo e~ um tipo muito simples de pesquisá, a explorató
ria, que visa meramente à avaliação de uma situação concreta des
conhecida, alguém em algum lugarjá deve ter tido uma preocupa
ção semelhante. Por isso, a procura cuidadosa e paciente, por ve
zes até mesmo obstinada, de fontes documentais ou bibliográficasé i mprescindível.
Raros são os problemas e as perguntas que não foram previa
mente levantados. Mais uma vez é Borges quem nos lembra queos grandes problemas já foram pensados pelos gregos, ' de modo
que aproeza dotempo é a de levar o ser humano a incansavelmen
te recolocá-los .sob novas e mais alargadas entonações , Mesmo
quando o pesquisador não vai tão longe, não se deslocando muito
na di reção do passado, a abóbada ideati va que recobre as socieda
des e culturas históricas, determinando os limiares daquilo que dá
para ser pensado em cada momento histórico dado, traz corno
conseqüência que, ITIeSITIO que as perspectivas possam diferir, as .
interrogações e questionamentos de cada historicidade acabam não
sendo a rigor muito distintos . Há, enfim, um inegável Zeitgeist;espírito de tempo, ou aquilo que, com muito mais precisão, Fou
cault chamaria de episterne, que coloca o pesquisador ernum cfr
culo de questões no qual muitos estão simultaneamente inseridos.
Por isso mesmo, .aleyis~9 bibliográfica significa, muitas ve
zes, conforme as palavras deLaville e Dionne (ibid.: 1~3) "seguira informação comoum detetive procura pistas: com imaginação e
obstinação. É,aliás, esseaspecto do trabalho, agir como um dete
tive, que, com freqüência, torna prazerosa a realização da revisão
da literatura""
Alongo-me tanto - e ITIe alongarei ainda mais - nos meandros
da questão bibliográfica, em primeiro lugar, porque nas pesquisas
não-experimentais e não-quantitativas, essa é a etapa que lhes dá
alma. Dela advirá a melhor escolha de urna teoria ou sínteses de
teorias e conceitos que nortearão a escolha .do método e, conse
qüentemente, o teste, muitas vezes argurnentativo, de nossas hipóteses . Se não vamos utilizar métodos e técnicas para medir umcerto aspecto bem recortado da realidade, devemos, em troca, en
frentar os desafios da imprecisão qualitativa. Para isso, temos de
nos valer da ajuda tanto quanto possível alargada do pensamento
do outro a que podemos ter acesso.
Em segundo lugar, chamo tanta atenção para a pesquisa biblio
gráfica porque a típica indigência das.bibliotecas nas universida
des brasileiras muitas vezes acaba por criar em nós uma espéciede autodefesa inconsciente que se manifesta na negl igênciae até
mesmo no desprezo pela obstinação na perseguição das fontes ',
Disso decorre,via de regra, uma autocomplacência muito satis
feita, despida de inquietação, como são satisfeitas todas as formas
de ignorância. Tanto se sedimentou em nosso país a cultura da
negligência com as fontes que, mesmo quando têm o privil égio de
frequentar universidades com boas biblic?tecas e com ac~sso à informação bibliográfica, que hoje se t~rnoL1 tão facilitada pela
internet, os estudantes continuam se contentando com bem pouco.
Enfim, fazer a revisão da li teratura p~ra a constituição do 'es ta
do da questão significa passarem revista todos os trabalhos dis
poníveis, objetivando selecionar tudo que possa servir em urnapesquisa. Nela, o pesquisador tenta encontraressencialmente
168 Comunicação [, Pesquisa
....
Lucia Santaella 169 •.1'.•e\e~
•.'•.1.'••eJ.;.~'.'..'~'.J-'. ,1.'•••.',~
•e\.'••.:
Nesse ponto, as autoras acima alertam para dois fatores: emprimeiro lugar, o cuidado que o pesquisador deve ter nessa etapado trabalho para "não se deixar levar por suas leituras como umcata-vento ao vento". A indagação que foi formulada na circunscrição de seu problema não pode ser perdida de vista e deve funcionar como um centro de gravidade. No fundo, o que deve serfeito aqui é considerar a afirmação de Borges (esse grande estetada arte de ler) de que somos inelutavelmente leitores distraídoscom atenções parciais. No caso da revisão bibliográfica, aceitaressa limitação não é tarefa fácil , especialmente quando falta aopesquisador a experiência de numerosas leituras anteriores, experiência da qual sempre se extrai urna espécie de metodologia própria da leitura.
Na ausência de um repertório já formado de leituras, o pesquisador, via de regra; se vê perdido em um labirinto de idéias, tendências e posições, sem conseguir, de imediato, dar a elas umaconfiguração coerente. Quando isso acontece, Laville e Dionne(ibid.: 112) aconselham o pesquisador a usar a técnica do zoam,partindo "de uma tomada ampla de sua pergunta, sobre um espaçodocumental que a ultrapasse grandemente, mas sem dela desviaros olhos e, assim que possível, fechar progressivamente o ânguloda objetiva sobre ela".
De minha experiência em pesquisas que realizei, algumas deIas sobre temas que me eram quase inteiramente novos, extrai umensinamento que talvez possa ajudar o pesquisador iniciante nessa fase de seu trabalho. Quando damos início ao levantamento do
estado da arte relativo à questão que estamos pesquisando, geralmente dispomos de um certo número de títulos colhidos durante afase de estudos preliminares. Cada um desses títulos já funcionacomo uma fonte para novos títulos , nas citações e. referências quefaz, de modo que a listagem bibliográfica que consta no final decada obra se constitui também em uma forite inestimável de pesquisa. Quando lemos, de fato, os livros com cuidado, essa fontecostuma ser bastante preciosa, pois é dela que começamos a destacar os títulos de maior interesse para nós .
Conforme vamos avançando nessas leituras e na coleta dessasfontes, a um dado momento, sentimo-nos, de fato, perdidos emum labirinto, sem vislumbre de qualquer fio que possa rios tirardele. Entretanto, se não desistirmos antes da hora, chegará um outro momento em que nós, como leitores, começaremos a reconhecer e, inclusive saber localizar, em termos de linha de pensamentoe posição teórica, as citações que os autores fazem uns dos outros.Quando as redes de referências começam a ser reconhecidas pornós, isso significa que já estamos conseguindo desenhar mentalmente a configuração panorâmica de um tema ou problema depesquisa. Aí é chegado o momento de interromper o estado da arte para dar prosseguimento às outras fases da elaboração do projeto, de modo que só voltamos às consultas bibliográficas, quando,na execução da pesquisa, deparamo-nos com dúvidas não previstas econseqüentemente ainda não resolvidas, algo que sempre acontece.
O segundo fator da revisão bibliográfica para o qual Laville eDione (ibid.: 112-113) chamaram atenção diz respeito à necessidade de se evitar que essa atividade se assemelhe a "uma caminhada no campo onde se faz um buquê com todas as flores que seencontra". A revisão é, sobretudo, um percurso crítico que deveter em mira a pergunta que se quer responder. Por isso mesmo, emfunção da contribuição que podem trazer para nosso trabalho, ointeresse que as obras despertam em nós são desiguais. Ademais,nem tudo que se lê é realmente bom. paí vem a outra expressão
••
•••••••e•e·•e•••e•e•••••
170 Comunicação [, Pesquisa
"os saberes e as pesquisas relacionadas com a sua questão; deles se
serve para alimentar seus conhecimentos, afinarsuas perspectivas
teóricas, precisar e objetivar seu aparelho conceitual. Aproveita para
tornar ainda mais conscientes e articuladas suas intenções e, desse
modo, vendo como os outros procederam em suas pesquisas, vislum
brar sua própria maneira de fazê-lo" (LAVILLE e DIONNE, ibid.: 112).
Lucia Santaella 171
,...-------------------------------------tr172 Comunicação & Pesquisa Lucia Santaella 173
sinonímica de revisão bibliográfica, "bibliografia comentada". Nãose trata portanto de simplesmente resumir, parafraseando o queestá escrito nos livros, mas sim de fazer considerações, interpretações e escolhas, explicando e justificando essas escolhas, sempreem função do problema posto pela pesquisa.
Felizmente não há receitas a serem dadas para a bibliografiacomentada, sobretudo porque se trata de uma arte ensaística quesó pode ser dominada com a prática e com a observação interessada em como ensaistas competentes a realizam. Em segundo lugar,porque as diretrizes de uma revisão bibliográfica dependem muito do tipo de pesquisa que está sendo realizada. Luna destaca que
"uma revisão bibliográfica que procure recuperar a evolução de de
terminados conceitos enfatizará aspectos muito diferentes daqueles
contemplados em um trabalho de revisão que tenha como objetivo,
por exemplo, familiarizar o pesquisador com o que já foi investiga
do sobre um determinado problema de interesse".
Como resumo final, cumpre assinalar que a revisão bibliográ
fica deve existir para que clichês sejam evitados, para que esforços não sejam duplicados, para que se possa apreender o grau deoriginalidade de uma pesquisa. Outro aspecto de relevância deuma bibliografia comentada, muito bem lembrado por Luna (ibid.:82), reside na sua constituição - na medida em que condensa ospontos importantes do problema em questão - tanto de fonte deconsulta para futuros pesquisadores que se iniciam na área, quanto de fon te de atualização para pesquisadores fora da área na qual
. se realiza o estudo.
4.4 A APRESENTAÇÃO DAS JUSTIFICATIVAS
Nos passos para a elaboração de um projeto de pesquisa, muitos metodólogos costumam colocar a fundamentação teórica ou
quadro de referência teórico de uma pesquisa junto ou dando seqüência à revisão bibliográfica. Prefiro colocar ajustificativa logoem seguida da revisão bibliográfica. De um lado, porque julgoque a fundamentação teórica deve vir imediatamente antes da metodologia, pois, nas pesquisas qualitativas, em muitos casos, o método deriva ou de uma teoria que funciona também como um modelo aplicativo ou da operacionalização dos conceitos teóricostendo em vista sua aplicação.
De outro lado, porque, no decorrer da bibliografia comentada,ao citar as principais conclusões a que outros autores chegaram,ao indicar discrepâncias entre tendências ou constatar certos entraves teóricos ou práticos, ao constatar alguma lacuna que suapesquisa pode vir a preencher, .o pesquisador já deve ir ~onduzindo seu texto na direção da contribuição que se espera da pesquisaa ser realizada.
Essa contribuição constitui-se em uma chave que abre as portas de acesso à justificativa, uma vez que, frente aos estudos járealizados sobre o problema, a justificativa visa colocar em relevo a importância da pesquisa proposta, quer no campo da teoriaquer no da prática, para a área de conhecimento em que a pesquisa se desenvol ve.
Portanto, a contribuição pode ser de 'ordem científica-teórica,quando o conhecimento que advirá da pesquisa proporcionar a construção de uma nova teoria, caso este evidentemente mais raro, ou auxiliar na amplicação do conhecimento teórico já existente, ou preencher lacunas detectadas no conhecimento da área, ou ajudar na compreensão de conceitos teóricos complexos. Mas a contribuição podetambém ser de ordem científica-prática, quando se pretende dar respostas a um aspecto novo que a realidade apresenta como fruto do?esenvolvimento das forças produtivas, técnicas etc., ou quandose busca aplicar uma teoria a um dado fenômeno julgado problemático, ou ainda quando se tem a intenção de sugerir caminhospara uma determinada aplicação tecnológica e assim por diante.
·4.5 A EXPLICITAÇÃO DOS OBJETIVOS
A palavra "objetivo" é um derivativo do termo latino objectus,"objeto", que significa algo que é lançado diante dos nossos sen-
A contribuição pode ainda ser de ordem social, por exemplo,
quando o conhecimento que resultar da pesquisa estiver voltado
para a reflexão e debate em torno de problemas sociais ou quando
um conhecimento prático é buscado como meio de intervenção narealidade social.
Parece óbvio que é impossível apresentar justificativas semdispor de um problema de pesquisa muito bem circunscrito e deuma revisão bibliográfica caprichosa. Como justificar algo quenão está bem definido e bem recortado contra o pano de fundodos estudos que já foram realizados no mesmo circuito de questões no .qual uma pesquisa se insere?
Enfim, a justificativa deve apresentar os elementos que respondem às questões: "por que a pesquisa é relevante"?, "de ondevem sua pertinência"? "qual é o âmbito ou quais são os âmbitosda contribuição que ela trará"? Para respondê-las, Lakatos eMarconi (1~92: 103) fornecem o seguinte roteiro: frente ao estágio em que a teoria se encontra, indicar as contribuições teóricasque a pesquisa pode trazer, a saber: em termos de confirmaçãogeral; em termos de confirmação na sociedade particular em quese insere a pesquisa; sua especificação para casos particulares;clarificação da teoria; resolução de pontos obscuros etc. Além
disso, o roteiro inclui: importância do tema de um ponto de vistageral; sua importância para casos particulares em questão; possibilidades de sugerir modificações no âmbito da realidade abarcadapelo tema proposto; descoberta de soluções para casos gerais e/ou particulares etc.
A apresentação da contribuição que a pesquisa pode trazer é uma
excelente ponte de passagem para a explicitação de seus objetivos.
175Lucia Santaella
tidos ou mente. O derivativo "ivo", presente em "objetivo", indi
ca uma tendência para ter o caráter de objeto.Um sinônimo adequado para a palavra "objetivo", no contex
to de uma pesquisa, é a palavra "alvo" ou fim que se pretendeatingir, um fim movido por um propósito. Quando se atira umaflecha, mira-se em um alvo. Os objetivos da pesquisa se parecem,portanto, com uma flecha na direção de um alvo. Uma vez que omirar do alvo antecede o lançamento da flecha, os objetivos também trazem dentro de si o sentido de intenção que guia a mirada.O que a pesquisa visa alcançar? Esta é a questão central inclusanos objetivos.
Objetivos, via de regra, são hierarquicamente divididos emobjetivos gerais e objetivos _específicos. Os gerais dizem respeitoa uma visão global e abrangente do problema, do conteúdointrínseco quer dos fenômenos e eventos, quer das idéias estudadas. Osobjetivos específicos têm uma função intermediária e instrumental de modo a permitir que o objetivo geral seja atingido ou queele seja aplicado a situações particulares (LAKATOS e MARCONI, 1992: 103).
Por ser uma explicitação da natureza do trabalho, tendo emvista o problema que ele visa resolver, a gama dos objetivos podeser mais extensa do que sua divisão em objetivo geral e objetivosespecíficos. Assim, os objetivos podem também ser de longo prazo ou imediatos, podem ser intrínsecos, quando se referem ao problema que se quer resolver, ou extrínsecos, quando chegam até aexplicitação dos resultados esperados.
É curioso observar que a maior parte dos livros sobre metodolo
gia científica não reserva muito espaço para o tratamento dos ob
jetivos. Carvalho et aI. (2000: 107) nos explicam que essa ausên
cia deve se dar porque se a formulação do problema for bemestruturada, a explicitação dos objetivos é dispensável, a não ser
que o pesquisador queira colocar ênfase nos resultados que pretende alcançar ao final de seu trabalho. De todo modo ," os autores
Comunicação (, Pesquisa174
•
•••••••••e•e•e•••••e••••• ;
4.6 A FORMULAÇÃO DAS HIPÓTESES
A hipótese, segundo passo mais importante na hierarquia dositens do projeto, está ligada por um cordão umbilical ao problemada pesquisa. Deve, por isso mesmo, ser obrigatoriamente inseridaem um projeto de pesquisa. Não vem do acaso, mas muito justa
mente da importância do papel que as hipóteses desempenhamem um projeto, o grande espaço que os livros de metodologiacientífica dedicam a elas. Alguns epistemólogos chegam a afirmar que a essência da pesquisa consiste apenas em enunciar everificar hipóteses.
O problema que o pesquisador circunscreveu, isto é, conse- "
guiu recortar de um fundo temático muito amplo, tem a forma deuma indagação, uma interrogação, uma pergunta para a qual, no
indicam que, na descrição dos objetivos, "é importante que osverbos sejam utilizados no infinitivo, por exemplo: analisar, compreender, identificar e interpretar.
Luna (ibid.: 35) constata a confusão que costuma existir entreproblema e objetivos, mas acredita que o bom-senso deva ser suficiente para dirimir dúvidas. Assim sendo, ou os objetivos coincidem com o problema e, então, não é necessário dar entrada aeles no projeto, ou, com a sua entrada, pretende-se chamar atenção para a aplicabilidade dos resultados.
Mesmo assim, é bom lembrar que, quando elaboramos projetos para agências de fomento ou para orientadores de pesquisa,nesses casos somos obrigados a inserir os objetivos em nosso projeto; muito provavelmente porque a explicitação dos objetivos nosforça a sintetizar, em itens muito claros, o horizonte do projeto, osfios que ligam o problema às conseqüências que resultarão de suapossível solução, assim como as habilidades intelectuais que estãoimplicadas nos procedimentos que serão utilizados para que "osfins pretendidos sejam alcançados.
177Lucia Santaella
seu percurso, a pesquisa buscará respostas. Ora, a hipótese é umaresposta antecipada, suposta, provável e provisória que o pesquisador lança e que funcionará como guia ,para os passos subseqüentes do projeto e do percurso da pesquisa. Se o problema temuma forma interrogativa, a hipótese tem uma forma afirmativa.Não se trata, entretanto, de uma afirmação indubitável, mas apenas provável. Funciona como uma aposta do pesquisador de que aresposta a que o desenvolvimento da pesquisa levará será a mes~
ma ou estará muito perto da resposta enunciada na hipótese. Elacria, por isso mesmo, uma expectativa na mente do pesquisador,expectativa esta que costuma dar ao percurso da pesquisa emoções similares àquelas que nos acompanham em uma situação desuspense, pois como toda aposta, a hipótese pode ser confirmadaou cair no vazio, caso em quea hipótese tem de ser repensada e asestratégias reconduzidas.
Trata-se, pois, de uma suposição objetiva "que se faz na tentativa de explicar o que se desconhece". Para ter bases sólidas, eladeve estar assentada e suportada por boas teorias e "por matériasprimas consistentes da realidade observável". Portanto, "não podeter fundamento incerto". Mas por ter a natureza de uma suposição, a hipótese tem por característica o fato de ser provisória, devendo, portanto, ser testada para se verificar sua validade"(RUDIO, ibid.: 78).
Embora seja importante que a hipótese esteja vinculada "a umateoria que a sustente para ter maior poder de explicação e ter possibilidade de ser comprovada ou verificada na pesquisa" (CARVALHO et al.: ibid.: 103), embora ela tenha muito a ver com aexperiência e a competência do pesquisador, embora sua formulação implique em uma elaboração racional, uma hipótese surgesempre como um lampejo cuja formação escapa completamentede nosso controle consciente.
Peirce"desenvolveu sua belíssima teoria da abdução justamente para evidenciar que uma hipótese nasce como fruto de uma luz
Comunicação [, Pesquisa176
179Lucia Santael!a
para que buscamos respostas. Entretanto, no contexto da ciência,que é sempre especializado, podem surgir dificuldades para sechegar a uma hipótese. Goode e Hatt (1968: 75) dizem que isso sedá sobretudo quando falta ao pesquisador um quadro de referência teórico claro, quando lhe falta também habilidade para utilizarlogicamente esse esquema teórico ou quando ele desconhece astécnicas de pesquisa existentes.
Mesmo que as dificuldades acima não existam e a hipóteseemerja com certa rapidez, isso não deve nos levar a crer que ahipótese possa prescindir do crivo de nosso espírito crítico e a suaformulação, ou seja, o enunciado das hipóteses, tenha de serdesordenada e confusa. Para evitar que se incorra nesses defeitos,Rudio (ibid.: 80-83) elaborou alguns critérios que podem servircomo "balizas demarcando um campo", sem que, com isso, a liberdade do pesquisador na proposta de sua hipótese seja constrangida.
Assim sendo, cabe à hipótese ser plausível, isto é, "deve indicar uma situação passível de ser admitida, de ser aceita; ela devetambém ter consistência, termo este que indica que o enunciadoda hipótese não pode estar "em contradição nem com a teoria enem com o conhecimento científico mais amplo", do mesmo modoque não pode existir contradição dentro do próprio enunciado; oenunciado da hipótese deve ainda "ser especificado, dando as características para identificar o que deve ser observado"; além disso,"a hipótese deve ser verificável pelos processos científicos"em curso; seu enunciado precisa ser claro, isto é, "constituído portermos que ajudem realmente a compreender o que se pretende
afirmar e indiquem, de modo denotativo, os fenômenos a que sereferem"; não basta ser claro, o enunciado precisa ser tambémsimples, quer dizer, "ter todos os termos e somente os termos quesão necessários à compreensão"; da simplicidade decorre que o
enunciado deve ser também econômico, ou seja, além de utilizartão somente os termos necessários à compreensão, deve fazê-lo
Comunicação ti Pesquisa
natural que advém da capacidade humana para adivinhar, na ciência, as leis que regulam os fenômenos e, na vida cotidiana, as veiassecretas das coisas. Nessa capacidade, residem os arcanos de nossa alma criativa. Por isso mesmo, nenhum pesquisador é obrigadoajustificar por que fez a opção por uma certa hipótese e não outraqualquer. Cada um é livre para escolher a que lhe parece maisrazoável. Uma vez que a freqüência com que os pesquisadoresatinam com a hipótese correta é muito grande comparativamenteà espontaneidade imediata e livre com que as hipóteses irrompemem suas mentes, isso funciona como indicador de que aí se localiza a fonte do poder humano para a descoberta. Mesmo assim, umahipótese é o mais frágil dos argumentos. Em razão disso, parareceber seu veredito, necessita passar pelo teste da experiência.
Segundo Lakatos e Marconi (1992: 104), há diferentes formasde hipóteses. Em primeiro lugar, elas se dividem em hipótese básica e hipóteses secundárias. A primeira corresponde à respostafundamental que as segundas complementam. Entre as hipótesesbásicas , há aquelas "que afirmam, em dada situação, a presençaou ausência de certos fenômenos", ou aquelas "que se referem ànatureza ou características de dados fenômenos, em uma situaçãoespecífica". Há ainda "aquelas que apontam a existência ou nãode determinadas relações entre fenômenos" ou também aquelas"que prevêem variação concomitante, direta ou inversa, entre certos fenômenos etc.
Na sua natureza de complementos da hipótese básica, as secundárias podem "abarcar em detalhes o que a hipótese básica afirmaem geral", podem também "englobar aspectos não especificadosna básica", ou ainda "indicar relações ·deduzidas das primeiras", .assim como "decompor em pormenores a afirmação geral" ou"apontar outras relações possíveis de serem encontradas".
O modo de aparecimento de uma hipótese em nossas mentesé, via de regra, tão repentino quanto um relâmpago, fruto da agilidade natural de nossos poderes de iluminação diante de tudo aquilo
..--- -
• 178•••••e•••••••••••ee••
••••••
180 Comunicação [, Pesquisa Lucia Santaella 181.•
na menor quantidade possível. Por fim, "uma das finalidades básicas de uma hipótese é servir de explicação para o problema que foienunciado". Se isso não acontece, a hipótese não tem razão de ser".
Toda e qualquer pesquisa deve contar com a formulação dashipóteses, caso contrário, estará lhe faltando um norte, pois a função da hipótese é servir como uma bússola. Ela está no cerne daspesquisas experimentais, pois nestas, a observação de um fenômeno leva o pesquisador a supor tal ou tal causa ou conseqüência,suposição esta que se constitui na hipótese que só pode ser demonstrada por meio do teste dos fatos, ou seja, da experimentação. Embora implique em procedimentos lineares que já foramsobejamente criticados, quando se trata de transpor esse modelopara as ciências humanas, essa linearidade nos ajuda a compreender o papel articulador que a hipótese deve desempenhar em qualquer processo de pesquisa, como solução possível antecipada eordenadora das operações que devem resultar dessa antecipação,de modo a verificar seu fundamento ou não.
Nas pesquisas empíricas, que nascem da observação de fatosconcretos, as operações que resultam da hipótese consistem emlevar o pesquisador a saber se a explicação antecipada e plausívelque. a hipótese lhe forneceu resiste à prova dos fatos. Para tal, opesquisador deve armar as estratégias de verificação, determinan- .do as informações que serão necessárias, as fontes às quais recorrer e a maneira de recolhê-las e analisá-las para tirar conclusões.
Nas pesquisas quantitativas quê, deve-se salientar, são muitoespecializadas, visto que implicam em conhecimentos ou assessorias em estatística, deve-se distinguir a hipótese da pesquisa, aquelade que viemos tratando até agora, da hipótese da estatística, isto é,aquela que vai ser utilizada para aplicação das técnicas estatísticas e que, de modo geral, costuma ser a primeira traduzida parauma linguagem numérica. De acordo com Rudio (ibid.: 84-85),uma hipótese pode ser constituída de apenas uma variável; podeter duas ou mais variáveis relacionadas entre si sem vínculo de
causalidade ou pode ainda ter duas ou mais variáveis relacionadaspor vínculo de causalidade.
Barros e Lehfeld (ibid.: 30) classificam as hipóteses de acordocom sua natureza em: hipóteses de relação causal e hipóteses nu-las. As causais "demonstram que a todo valor x corresponde um •valor y", apresentando assim uma relação de causa e efeito entreduas variáveis, quando um acontecimento ou característica se apresentam como fatores 'que determinam outra caracterfstica ou fenômeno. As autoras nos fornecem como exemplo a seguinte hipótese: "A falta de desenvolvimento de atividade de lazer conduz àintensificação do grau de tensão do indivíduo que vive nas cidades". A definição da hipótese nula parece muito complicada paraos leigos em estatística (ver ibid.: 31 e Rudio, ibid.: 86-87). Detodo modo, ela é basicamente um resultado possível da observa-ção de um fenômeno que pode ser verificado estatisticamente. Adefinição do tipo de hipótese depende dos objetivos da pesquisa edo nível de conhecimento que o pesquisador possui do comportamento das variáveis e das possibilidades de mensuração.
No contexto das pesquisas quantitativas conduzidas segundopreceitos estatísticos, a hipótese sempre teve significados e funções precisas. Conforme Luna (ibid.: 34), a primazia quase absoluta da pesquisa quantitativa, durante anos, chegou ao ponto detornar impensável que se dispensasse o uso de testes estatísticospara encaminhar os resultados da pequisa. Quando, nas ciênciashumanas, "começaram a ser introduzidos novos modelos de pes-quisas, a estatística inferencial teve seu uso drasticamente reduzi- •do, do que decorreu uma confusão entre problema e hipótese".Para muitos, simplesmente porque confundem problema de pesquisa com hipótese estatística, falar em problema parece evocarecos da pesquisa estatística, de modo que lhes parece desnecessária a preocupação com a precisão da formulação do problema dapesquisa.
desempenha nas pesquisas não-quantitativas. Enquanto as quanti
tativas dispõem de um padrão de base repetívelpara ser aplicado
a quaisquer pesquisas, as não-quantitativas devem encontrar seu
caminho em um emaranhado intrincado de teorias e métodos.
Além disso, enquanto as pesquisas quantitativas partem de
pressupostos epistemológicos tácitos e, portanto, sem exigênciasde questionamentos que são próprios do ernpiricisrno, o mais das
vezes positivista, as não-quantitativas devem levar em considera
ção a posição epistemológica que assumem, uma vez que elas se
propõem não-quantitativas justamente porque colocam em ques
tão os pressupostos das quantitativas. Corno se pode ver, tudo tem "
seu preço. E o preço das pesquisas não-quantitativas, em termos
de in vestimen to intelectual, . é . inel utavel mente al to.
De fato, teorias não caem do céu para nos auxiliar a enfrentar
as dificuldades em que a resolução de um problema de pesquisa
sempre acarreta . Muito menos cai do céu a familiaridade que pre- "
cisamos adquirir para lidar com seus conceitos ..Problemas espe
cíficos exigem soluções específicas, do mesmo modo que solu- '
ções específicas só podem ser encontradas por meio do auxílio de
teorias que se adequam às soluções buscadas. Por isso mesmo,
escolhas teóricas não podem ser feitas por impulso, ainda menos
por imposição, ou para estar de acordo com a especialidade do.
orientador de uma pesquisa, ou, o que é pior, simplesmente pa!'a
agradá-lo. Opções teóricas só podem nascer das exigências internas que o problema da pesquisa cria. Para optar, precisamos co
nhecer as alternativas que se apresentam, Isso implica ern se de
bruçar demoradamente sobre os livros com curiosidade e despren
dimento, com a paci ência doconceito.
Infelizmente, o mercado pedagógico muitas vezes nos obriga
a dar a uma pesquisa a velocidade de urna pista de corrida. Por
isso mesmo, os níveis de complexidade das pesquisas devem ser
dosados de acordo com a experiência prévia que o pesquisador já .
acumulou ou não, ,e em função do tempo que-se tem para realizar
,.,•••r.••'.•••••.,•••••••••'.'.•••••••••
182
A meu ver, essas confusões edespreocupações que 'resultam
da fal ta de informação e do descuido, sob a' alegação confortá vel
do anti-positivismo e anti-cientificisino, ' podem chegarà disper
são mais leviana e ao extremo da perversão dó espírito que deve
guiar os procedimentos da pesquisa científica. Sem problema bem
definido e hipóteses bern elaboradas, não é possível haver pesqui
sa, seja ela empírica, experimental, quantitativa ou qualitativa,
teórica ou aplicada. O que difere nesses tipos não 'é a ausência ou
presença de problema e hi póteses, mas os meios, isto é, os méto
dos, que são mais apropriados a cada uma para testar suas 'hipó te
ses e, conseqUentemente, o modo como o processo de testagern é
diferentemente compreendido em cada urna delas. Até mesmo em
uma pesquisa puramente teórica, há sempre urna tese que é pro
posta para ser defendida. Essa tese é o problema em relação ao
qual as idéias que se desenvolvem são hipóteses particulares "cuja
demon~traçãopermite alcançar as várias etapas que se deve atin
gir para a construção total do raciocínio" (SEVERINO, ibid.: 161).
Para isso, é preciso, em primeiro lugar, não confundir hipótese
com evidência prévia e, em segundo lugar, dom'inar com seguran
ça o quadro teórico em que se funda o raciocínio.
4.7 O QUADRO TEÓRICO DE REFERÊNCIA
Não apenas ternos o direito , mas também o dever de dispen
sar, quando isso se mostra necessário, a precisão dos cálculos mate
máticos que dá alicerce às pesquisas quantitativas. Essa dispensa '
pode se dar por motivos vários, entre eles, para buscar o acesso àcomplexidade alinear e não mensurável, à exuberância com que
pulsa diante de nós a realidade tanto na sua dimensão abstrata
quanto concreta. Quando essa dispensa se dá, entretanto, o que se
perde do seu peso em precisão e'ccnfiabilidade, deve ser compen
sado pela fundamentação teórica de uma pesquisa. Vem daí ti gran-'
de importância do papel que esse passo, ou melhor, mergulho,
.....
Lucia Santaella . 183
....
184 Comunicação & Pesquisa Lucia Santaella•
185 •
4.8A SELEÇÃO DO MÉTODO
ções gerais. Conceitos podem ter significados diferentes depen
dendo do quadro de referência ou da ciência em que são empregados. Além disso, formam conjuntos sistemáticos logicamente coerentes, nisso consistindo a essência de uma teoria. É com tudoisso que temos de nos familiarizar para nos tornarmos capazes deempregar os conceitos com segurança e mesmo operacionalizálos quando, em pesquisas aplicadas, isso se faz necessário.
Só conseguimos fazer uso realmente eficaz dos conceitos teóricos quando eles como que entram em nossa corrente sangüíneacom tal intimidade a ponto de não sentirmos mais sua presençacomo estranha. Só assim nos tornamos capazes de utilizá-los comflexibilidade como diretrizes para os caminhos da reflexão e nãomeramente como fórmulas rígidas a serem obedientemente aplicadas. Quanto mais conhecemos uma teoria, no confronto comoutras teorias, mais nos tornamos capazes de dialogar com ela emenos escravizados nos tornamos à moldura referencial em quetoda teoria nos enquadra. Se as teorias são inevitáveis, para quenão se lide com a reflexão apenas com os instrumentos mentaisque o senso com.um nos fornece, que, pelo menos, elas sejam es
colhidas através do filtro da qualidade.
Com o método chegamos ao terceiro termo, completando-se o
trio que dá suporte a uma pesquisa. Do problema para a hipótese
e desta para o método, tem-se aí a coluna dorsal que dá sustenta- •ção a um projeto de pesquisa. Como querem Laville e Dione (ibid.:
124), trata-se de dois movimentos que se unem na constituição deuma tríade coesamente configurada: quando o problema desemboca na hipótese, tem-se o ponto de chegada do primeiro movimento de um itinerário de pesquisa. Este ponto de chegada, entre
tanto, torna-se o ponto de partida do segundo movimento, indi- .cando a direção a ser seguida para que se possa resolver o proble-
uma pesquisa. Em suma, os meios para se evitar a leviandade de
vem ser pensados.Também chamado de "fundamentação teórica", "embasamento
teórico" ou de "teoria de base", o quadro teórico de referência éalgo que brota diretamente do levantamento bibliográfico para aelaboração do estado da questão de um problema de pesquisa.Tendo brotado do estado da questão, a fundamentação teórica
implica um avanço em relação àquele, na medida em que resultade uma escolha consciente, crítica e avaliativa da teoria ou compósito teórico que está melhor equipado para fundamentar o desenvolvimento da pesquisa, em consonância com a metodologia
que designa.O quadro de referência teórico consiste no corpo teórico no
qual a pesquisa encontrará seus fundamentos. Ora, todo pensamento existe em uma corrente de pensamento. Pensamentos têmgenealogia, situando-se, portanto, em um contexto teórico maior.Por isso, quando um corpo teórico é escolhido pelo pesquisador,este precisa ter em mente o contexto mais amplo em que esse corpo se insere. Com isso, evita-se um problema muito comum nos
trabalhos de pesquisadores iniciantes: a salada de teorias comgenealogias bastante distintas e, muitas vezes, epístemologtca
mente antagônicas e incompatíveis.Em suma, todo projeto deve conter os pressupostos teóricos
com os quais as interpretações irão se conformar. Eles são inevi
táveis simplesmente porque não podemos descartar os pressupos
tos, sob pena de ficarmos imersos tão somente no senso comum.Por essa razão não apenas temos de escolher pressupostos, mas
temos de escolhê-los com carinho, pois são eles que darão formae cores às nossas interpretações. Formas e cores devem ser esco
lhidas se não as queremos impostas sobre nós.Teorias lidam com princípios, conceitos, definições e catego-
rias. Esses são os legítimos habitantes das teorias, entidades quesintetizam urna quantidade de fenômenos particulares em abstra-
ma de partida: verificar sua solução antecipada, Para se chegar a
urna confirmação, são os métodos que nos fornecem os meios.
Uma vez que todo o capítulo 3 deste livro foi dedicado à proble
mática da metodologia e dos métodos, não é necessário repetiraqui o que já foi dito lá. Limito-me, por isso, a chamar atenção paraalguns pontos que, a meu ver, devem ser retidos e!TI nossa mente. .
Na etapa da metodologia, é fundamental que o pesquisadoresteja consciente do tipo de pesquisa que está realizando, poisdesse tipo dependerão os regramentos metodológicos a serem utilizados. A melhor pesquisa não é aquela que mais se aproximados métodos das ciências naturais, mas sim aquela cujo método éo mais adaptado ao seu objeto. Antes de tudo, é preciso explicitarse a pesquisa é empírica, com trabalho" de campo ou de laboratório, se é teórica, histórica, tipológica ou se tem uma tipologia híbrida, o que, na área da comunicação, pode ser bem provável.Além do tipo de pesquisa, deve-se tentar evidenciar qual é o ângulo de abordagem da pesquisa: econômico, político, social, cultural, histórico, técnico etc. O mapa da área de comunicação quefoi tentativamente desenhado no capítulo 2 pode ser de utilidade
para essa tarefa.Mais uma vez, nesta fase relativa ao terceiro sustentáculo do
tripé, o método, em que se erige um projeto de pesquisa, cumpreenfatizar que as pesquisas não-empíricas e as não-quantitativasnão podem ser utilizadas como álibis para a negligência metodológica. Se não há pesquisa sem problema, se não há rota que encaminhe para a resolução desse problema sem hipóteses, estas exis
tem para serem testadas. Aí está a tarefa precípua de uma pesquisa, contanto que se saiba encontrar para cada tipo de pesquisa o
tipo de teste que ela permite.Pesquisas não-quantitativas exigem que sejam seguidos os
mesmos passos das quantitativas, com a diferença de que a natureza interna desses passos difere de um tipo de pesquisa para ou
tra. Embora não exista um padrão paradigmático a que as pesqui-
4.9 A EQUIPE DE PESQUISA .
. Neste item, cabe nomear quais são os responsáveis pela pesquisa, desenhando o perfil de cada um e indicando com clareza
quais a tarefas que a cada membro da equipe cabe desenvolver.
sas não-quantitativas se ajustem, elas também dependem da obser
vação, da coleta de dados, da análise dos dados coletados e de suainterpretação. Sem isso, a pesquisa fica sem chão, flutuando no ar.
Até mesmo II111a pesquisa teórica, fundamental, apresenta todos esses itens, quando se sabe adaptar seus significados às novassituações de pesquisa em que eles surgem. Assim, a palavra observação não se restringe necessariamente à observação empírica,daquilo que estreitamente costumamos chamar de realidade, masse estende para a observação documental, estendendo-se até Inesmo até a observação abstrativa, quando criamos diagramas mentais da rede de conceitos teóricos com os quais estamos lidando,observando suas configurações e modificando-as conforme asnecessidades da condução..de uma argumentação. Tanto quantoqualquer outra, a pesquisa teórica também depende de uma grande coleta de dados, com a diferença de que esses dados são idéias,conceitos, categorias que têm de ser manipuladas técnica, criativamente e, sobretudo, metodologicamente. Se isso já é verdadeiro para as pesquisas teóricas, não é preciso nos estendermos emconsiderações sobre as pesquisas aplicadas, especialmente porque nestas a metodologia está estreitamente ligada às teorias quedão suporte à pesquisa.
Em suma, a tarefa metodológica é uma tarefa a ser enfrentadasem escusas, pois é dela que nos vêm os meios para comprovar ounão as hipóteses nas quais apostamos.
187Lucia SantaellaComunicação (; Pesquisa186
,.•••e••ee••••••••eeti
••••e•••••••
188 Comunicação [, Pesquisa Lucia Santaella•
189 •
4.10 O CRONOGRAMA
Este item diz respeito ao planejamento do tempo de desenvolvimento da pesquisa. Cada etapa deve ser cuidadosamente pensada, inclusive prevendo o tempo que cada uma deve levar para sedesenvolver. Quanto mais bem formulado estiver o projeto, mais
clareza e segurança se terá na.previsão de sua consecução.
4.11 Os RECURSOS NECESSÁRIOS
Embora a palavra "recursos" pareça indicar apenas os recur
sos materiais, infraestruturais e financeiros, eles devem ser pensados em termos mais amplos. Parece muito bom que opesquisadortambém pense no tempo que tem para se dedicar à pesquisa, sobretudo na sua disponibilidade para assumir o modo de vida que arealização de uma pesquisa sempre exige. Enfim, olhando bem nofundo de si mesmo, neste item dos recursos, o pesquisador deve
se perguntar se terá persistência, desprendimento de muitos ou
tros apegos ou hábitos e mesmo obstinação para efetuar seu traba
lho. Esses recursos são, às vezes, tanto ou mais fundamentais do
que os materiais.
4.12. A BIBLIOGRAFIA
Quando fazemos tanto a revisão bibliográfica quanto à sele
ção do quadro teórico de referência para a pesquisa proposta, ouseja, sua fundamentação teórica ou escolha de uma teoria de base,essas atividades podem nos levar a enxergar um horizonte bibliográfico pertinente à pesquisa muito mais amplo do que aquele quepodemos absorver enquanto estamos elaborando o projeto. Nessecaso, que, aliás, seria o ideal, no final do projeto devem aparecer
duas listagens bibliográficas, aquela que já foi consultada e aquela que deverá ser consultada no decorrer da pesquisa. Muitas ve-
zes, esta últimajá se insinua em comentários presentes na escolha •da fundamentação teórica, visto que esta é sempre muito mais es-pecífica e especializada do que havia sido a revisão bibliográfica. ° ••4.13 NOTA FINAL ••
Enfim, a elaboração de um projeto de pesquisa exige o cuida- •
do paciente com os detalhes a que todo bom planejamento nosobriga. É preciso ter amor pelas minúcias e capacidade de olhar •de frente para as dúvidas, sem subterfúgios, sem esquivas. Saberlidar com elas, atendê-las com atenção e energia, conscientes de
que isso significa interromper o fluxo de nossas certezas e partir
para as fontes que nos vêm.do discurso do outro. •Em meio às muitas compensações que um bom projeto nos
traz, entre elas especialmente uma certa garantia de que ajornada •deverá chegar com êxito ao seu destino, a compensação mais gratificante se encontra naqueles momentos em que a pesquisa come-ça a adquirir força e determinações próprias, exigências internastão eloqüentes como se viessem de um corpo vivo. De agente do •processo, o pesquisador passa para o estatuto de interlocutor, apal- . •pando e auscultando as determinações internas do ' seu trabalho. •
° Mais gratificantes ainda, como se fossem iluminações súbitas no •meio do caminho, sem que saibamos bem de onde elas vêm, 'são •
os momentos em que nos defrontamos com as surpresas das des-cobertas imprevistas. .
Além de cumprir a função social de fazer avançar o conheci- •mento, tarefa precípua de toda pesquisa, pesquisas também deci
frarn para cada ~m de nós o mistério dos prazeres muito própriose decididamente intransferíveis que a vida intelectual traz consigo.
•
dar a este livro, é a de fornecer dados para aqueles que estão embusca das bases e das rotas para uma tal elaboração.
Portanto, neste roteiro final, irei me limitar a renomear e fazerbreves comentários sobre os livros que julgo fundamentais paraque as bases e as rotas que aqui pude oferecer sejam complementadas ou mesmo encontradas, considerando-se as omissõesque indubitavelmente cometi, quer por falta de mais espaço, querpor limitações do meu próprio conhecimento.
Assim sendo, os pesquisadores da comunicação sem familiaridade com a filosofia, mas que gostariam de ter acesso a um panorama sintético ebastante acessível, podem consultar o livroAprendendo Metodologia Científica. Uma orientação para os alunos de graduação, de Carvalho et aI. (2000).
Para aqueles que se interessam pela discussão mais geral dosproblemas relativos ao conhecimento científico, do ponto de vistade um cientista de primeira grandeza, indico o livro de Newton daCosta (1997) sobre O conhecimento científico, um dos textos maislúcidos e proveitosos que li nos últimos tempos pela segurançaserena e clareza límpida com que o autor enfrenta questões espinhosas da epistemologia, lógica e metodologia das ciências.
Uma discussão competente, honesta e vívida das questõesmetodológicas na área das ciências humanas encontra-se nos livros de P. Demo,' a saber, Metodologia científica em ciências sociais (1981) e Princípio científico e educativo (1990).
Quem estiver porventura interessado em uma classificação dasciências bastante extensiva e complexa, indico o livro de BeverlyKent (1987) que explorou todos os detalhes complicados da classificação das ciências de Peirce, devolvendo-nos uma versão cuidadosa e detalhada. Uma tentativa de atualização dessa classificação, frente ao prodigioso desenvolvimento por que passaram asciências desde a morte de Peirce, e aplicada a uma área específicadas ciências humanas, a teoria literária, pode ser encontrada nomeu livro A Assinatura das coisas. Peirce e a literatura (1992) .
••••e••••••••••e•ta••••
ee•••••
ROTEIRO DE LEITURAS
Este livro foi pensado tendo em vista o pesquisador que seinicia nas atividades da pesquisa e que se vê, pela primeira vez,confrontado com a necessidade de elaborar um projeto de pesquisa na área de comunicação. Por isso mesmo, o livro foi idealizadotendo em mente que ele se constituísse também como um roteirode leituras tão longo quanto o próprio livro. Em todos os momentos que julguei pertinente, indiquei as fontes que estavam por trásdas informações, quase sempre sintéticas, assim como indiquei 0$
títulos que julguei que devessem ser eventual ou oportunamenteconsultados pelo leitor. Essas são as razões por que o texto estátodo salpicado de referências bibliográficas.
Em razão disso, este roteiro de leituras será muito breve. Osdois primeiros capítulos do livro tiveram a intenção de localizar oleitor dentro da floresta de teorias e de um possível mapeamentoda área de comunicação, com indicações de suas fronteiras e suas
vizinhanças. A pretensão é que esses capítulos funcionem comopropedêutica para a tarefa da elaboração de um projeto de pesqui-sa pois é, nesta tarefa, que tive por objetivo tentar auxiliar o leitor. "Por isso mesmo, a função primordial, que espero ter conseguido
Lucia Santaella 191
Essa aplicação poderia ser tomada como ponto de partida para se
pensar em algo semelhante na área de comunicação.Um born panorama com contribuições das ou sobre os movi
mentos e as grandes figuras da epistemologia da segunda metade
do século XX, ou pouco antes dela, tais como positi vismo lógico,
Popper, Kuhn, Feyerabend etc. comparece em Epistemologia: A
cientificidade e17~ questão, de Oliva (org., ~990).
Extremamente célebre é o livro de Kuhn, Estrutura das revo
luções científicas (1976). Por isso mesmo, costuma ser muito ado
tado em cursos de metodologia da ciência. Cumpre notar, entre
tan to, que, descon textual izada, sol ta do pano de fundo da episte
mologia positivista, dominante po r volta da época em que o livro
foi escrito, e q~e indiretamente as idéias defendidas por Kuhn
acabam por demolir, sua obra perde muito do seu significado, es
capando, conseqüentemente, a possibilidade de se compreender
as razõesque fizeram desse livro urna obra tão notável.
Fenômeno até ponto similar ocorre com o livro Contra o mé
todo,' esboço de U177,a teoria anárquica da teoria do conhecirnento
(1977), de Feyerabend, esse enfant terrible da epistemologia con
temporânea. O grande valor dessa obra está na defesa quy ela en
cerra das forças criativas que também movem a ciência, defesa
esta que se insurge contra a visão do método científico como modelo rígido de regras inflexíveis. Entretanto, na"contexto da cultu
ra acadêmica brasileira, nas áreas das humanidades, onde já im
peram certas negligências COIll os rigores do método, uma tal de
fesa não faz tantó sentido quanto ela pode fazer nos países comculturas acadêmicas mais exigentes do que a brasileira.
Também muito célebre e, por isso mesmo , fartamente adotada
em cursos nas ciências humanas é a obra A nova aliança: meta
morfose da ciência (1984), de Prigogine e Stengers. Novamente
aqui, quando deslocada do seu contexto nas ciências naturais e
transplantada, sern os necessários cuidados, para as ciências hu
marias, esta obra perde muito de seu significado, pois a meta- .
morfose da ciência a que o livro se refere se dá no ambiente das
ciências naturais. Cumpre, portanto, levar em conta os efeitos que
essas metamorfoses podem ou não trazer para as áreas de huma
nas, para o que seria necessário conduzir as reflexões para ques
tões epistemológicas mais complexas do que aquelas que podem
ser encontradas no livro.
Se o leitor se interessar por um aprofundamento da lÓgica crí
tica COlTI seus ' tipos de raciocínio, abdução, indução e dedução, e
da rnetodêutica, a teoria do método científico de Peirce, poderá
buscá-lo em meu livro O método anticartesiano de C. S. Peirce
(no prelo).
Dicas sobre tiposde pesquisa especificamente na área de C.O-'
municação aparecem na extensa e did ática obra Comunicação
humana. O curso básico (1997), de Devito.
Aqueles que buscam inventários da comunicação no Brasil'e
na América Latina devem.consultar os números da Revista Brasi
leira de Comunicação, editada pela Intercom.
Quanto aos livros específicos sobre metodologia científica, essa
literatura é muito farta. Apresento a seguir uma lista selecionada
daqueles que eu mesma escolhi para' me auxiliarem na tar~fa da
escritura deste livro.
Uma obra extensa e detalhada, muito útil para consultas ~ paradirimir dúvidas 'sobre todas as questões, envolvidas nas pesquisas
empíricas, experimentais e quantitativas é A construção do saber:Manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas, de
Laville e Dione. Editado no Canadá, o livro passou por uma com
pet,ente adaptação para o contexto brasileiro, realizada por Lana
Mara Siman .
Extremamente bem elaboradas, claras, didáticas e de grande
utilidade para todos aqueles que estão diante da necessidade de
elaborar um projeto de pesquisa são as obras M etodologia cientí
fica (1982), Técnicas de pesquisa (1982) e Metodolooin do tra
balho científico (1992), de Lakatos e Marconi. Menos extenso. '
192 Comunicação & Pesquisa .I
t
i...."':
Lucia Saritaella•
193 •••••••••••••••••••.'••.'••••••e·•••.•1.;.'
mas não menos excelente, pela clareza de sua exposição e uti)ida
de, especialmente para os que buscam orientações para a condu- '
ção de pesquisas quantitativas, é o livro Introdução ao projeto de
pesquisa científica (1992), de Rudio.Obra quase única no contexto brasileiro pela excelente con-
traposição entre os princípios q~le regem o desenvolvimento daspesquisas quantitativas, de um lado, e as qualitativas, de outro, é
Pesquisa em, ciências humanas esociais (1991), de A. Chizzotti.
As indicações bibligráficas, distribuídas por áreas.no decorrer do
livro, são também muito úteis.Para aqueles que desejam conhecer os pormenores das exigên-
cias que devem ser atendidas por toda espécie de trabalho acadê
mico e não apenas pelos projetos de pesquisa, um livro muito adota
do é Metodologia do trabalho científico (2000), de A. J. Severino.
Resta, por fim, colocar muita ênfase na obra Pesquisa em co
municação. Formulação de um modelo metodológico, de Maria
Immaccolata V. Lopes (1990) que,' tanto quanto posso ver, com
seu panorama histórico das pesquisas em comunicação no Brasil
e sua esmerada construção de um modelo para a pesquisa em co-
. munieação, continua única no contexto brasileiro. Essa obra fun
cionou como um ponto de referência para minha almejada busca
de' complementaridade e para um diálogo cujas coordenadas es:
pero ter conseguido, mesmo que imprecisamente, aqui desenhar.
..•••••••••••••••••••••••e.!•••••••••
194 Comunicação, s P.esq~i~a
~......... '
'Ij
'1. I
BIBLIOGRAFIA
ABRANTES, P. C. C. (1998). Imagens de natureza, imagens de ciência.Campinas: Papirus. . '
ACKOFF, R. L. (1967). Planejamento de pesquisa social. trad: Leônidas
Hegenberger e Octanny S. da Mota. São Paulo: He·rder/EDUSP.
ALVES-MANZOTTI, A. J. e GEWANDSZNADJER, F. (1998). O mé
todo nas ciências naturais e sociais. São Paulo: Pioneira.
ALVES, R. (1988). 'Filosofia da ciência: introdução ao jogo e suas re
gras. lia. ed. São Paulo: Brasiliense.
ANDERSON, J. (1996). Communicatio n theory: Epistemolog ical
foundations. Ne'Y York: Guilford Press.
ANDERSON, J. R. e BOvVER, G, H, (1973). Human associative memory,
New York: Johns Wiley and Sons, .
ANDERY, M. A. et al. (1996). Para compreender a ciência: uma pers
pectiva histórica. 6a. ed. São Paulo/Rio de Janeiro: EDUC/ Espaço e
Tempo.
ANDRADE, M. M. \1,993). Introdução à' metodologia do trab"alho ci-
entifico. São Paulo: Atlas. .
, (1995). Como preparar t;'abalhos para cursos 'de
pós-graduação,' noções práticas. São Paulo: Atlas.
ASSOUN, P-L. (1991). A escola de Frankfurt. São Paulo: Áfica.ASTI VERA, A. (1974). Metodologia da pesquisa cientifica. Porto Ale
gre: Globo.ATTALLAH, P. (1991). Théories de la C017U7'L}I' ication. Sens . tI- I- 1-1- I- U I- I sUJe.s,savoirs. QuébecrPresses de lUniversité du Québec.
l
Denel._______ (1983b). Les stratégies fatales. Paris: Grasset.
AUDI, R. (ed.) (1995). The Cambridge dictionary ofphilosophy . Cam
bridge University Press.AUSTIN, J. L. (1962). How to do things with words. Oxford University
Press.AYER, A. J. (1965). Elpositivismo lógico. México/Buenos Aires: Fondo
de Cultura Economica.BARBERO, J. M. (1984). Desafios à pesquisa em comunicação na
América Latina. Boletim INTERCOM 49-50._______ (1987). De los medios a las mediaciones . Barcelona:
Gustavo Gili.BARBIER, R. (1983). Pesquisa-ação na instituição educativa. Rio de
Janeiro: Zahar.BARDIN, L. (1979). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70.BARKER, L. L. Ú990). Communication. 5a. ed. Englewoods Cliffs,
NJ: Prentice Hall.BARTHES, R. (1970) . L'ancienne rétorique. Communications 16, 172-
229.BASTOS, L. da R. et aI. (1979) ; Manual para a elaboração de projetos
e relatórios de pesquisa, teses e .dissertações , Rio de Janeiro: Zahar.BASTOS, R. L. (1999). Ciências humanas e complexidades: projetos,
métodos e técnicas de pesquisa,' o caos, a nova ciência. Ed. CefillEd.
UFJF.BATESON, G. et aI. (1956). Toward a theory ofschizophrenia. Behavioral
Science 1, 251-262. .BAVELAS, J. B. (1995). Quantitative versus qualitative? Em Social
approaches to communication. Wendy Leeds-Hurwitz, ed. New York,
London: The Guilford Press, 49-62BAUDRILLARD, J. (1974). La sociét éde consommation: ses mythes,
ses structures. Paris: Gallimard.________ (1976). Pour une critique de l ' économie politique
du signe. Paris: Gallimard.________ (1981). Simulacres et simulation. Paris: Galilée.
_______ (1983a). A I 'ombre des majorités silencieuses. Paris:
.,••••••
197Lucia Santaella
-------- (org.) (1984). Repensando a pesquisa participante.São Paulo: Brasiliense.
BAYLON, C. e MIGNOT, X. (1999). La Communication. 2a . ed. au
mentada. Nathan Université.BELCHIOR, P. G. O. (1972). Planejamento e elaboração de projetos.
Rio de Janeiro: Companhia Editora Americana.BENJAMIN, W. (1972). Discursos interrumpidos I. Madrid: Taurus.------ (1975). A obra de arte da época de sua reprodutibilidadetécnica. Em Os pensadores XLVIII. São Paulo: Abril Cultural.
BENSELER, F., HEIJL, P. M. & KOCK, W. K. (eds) (1980). Auiopoiesis,
communication, and society, FrankfurtIMain: Campus.BENVENISTE, E. (1966). Problêmes de linguistique générale. Paris:Gallimard.
- BERG, H. DE (1997). Communication as challenge to systems. theory.
Canadian Review of Cornparative Literature 24. 1, 141-151.BERGER, Ch. R. e CHAFFEE,S. H. (ed.) (1987). What communication
scientists do. Em Handbook qf communication science, C. R. Berger eS. H. Chaffee (eds.). Newbury Park~ Cal.: Sage, 99-122.BERGER, L. e GAUT; .D. (1996). Communication, Boston: Allyn andBacon.BLALOCK Jr., H. M. (1976). Introdução à pesquisa social. trad. ElisaCaillaux, 2a. ed, Rio de Janeiro: Zahar.
BODGAN, C. e TAYLOR, J. J. (1975). Introduction to qualitative
research methods: a phenomenological approach to the social sciences.
New York: J. Wiley.
BORMANN, E. G. (1980) . .Communication theory. New York: Holt,Rinehart & Winston
BOUDON, R. (s/d). Os métodos em sociologia. Lisboa: Rolim.
BOUGNOUX, D. (1994). Introdução às ciências da informação e da
comunicação. Petrópolis: Vozes. eBOWER, G. H. e COHEN, P. R. (1982). Émotional influences in memory
and thinking: Data and theory. Em Affect andcognition, M. S. Clark e S. •T. Fiske (eds.). Hillsdale, New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates,Publishers, 291-3~1. •BRANDÃO, C. R. (org.) (1982). Pesquisa participante. São Paulo: •Brasiliense.
! .
Comunicação & Pesquisa196rI
BRANSfORD, J. D., BARCLAY, J. R. e FRANKS, J. J. (1972). Sentence
memo ry: A con structivist versus interpretive approach . CognitivePsychology, 3, 193-209.
BRUYNE, P. de et al , (1991). Dinâmica.da pesquisa em ciências soci
ais,' os pólos da prática metodológica. Sa. ed. Rio de Janeiro: Francisco
Alves.
BUNGE, M. (1980). Epistemologia; curso de atualização. São Paulo:T. A. Queiroz/EDUSP. .BUYSSENS, E. (1943). Les langages et le discours. BruxelIes: Office
de la Pu bI ici té. (La commun ication et L'articulation ling uistique .
Bruxelles & Paris: Presses).
CALDAS, M. A. E. (1968). Estudos de revisão da Literatura. Funda
mentos e estratégias metodolágicas. São Paulo/Brasília: Hucitec/INL.CAMPBELL, D. T. e STANLEY, J. C. (1979). Delinamentos experi
mentais e quase-experimentais de pesquisa. São Paulo: EPU/EDUSP.CANCLINI, N.G. (1990). Culturas hibridas: Estrategias para entrar y
salir de la modenidade. México : Grijalbo.
CANIZAL, E. P. (1983). Diversidade e interdisciplinaridade. Em Pes
quisa em comunicação no Brasil> tendências e perspectivas, J. M. Mello
(org.). São Paulo: CortezIINTERCOM.
CAPALBO, C: (1979). Metodologia das ciências sociais; a fenomenologia de Alfred Schultz. Rio de Janeiro: Antares.CARDOSO, C. M. e DOMINGUES, M. (1980) . O trabalho cientifico;
fundam entos filosoficos e metodológicos. Bauru: Jalovi.
CARVALHO, A. M. et a1. (2000). Aprendendo metodologia científica.
Uma orientação para os alunos de graduação. São Paulo: O Nome da
Rosa Ed. Ltda .CARVALHO, M. C. M. (1991). Construindo o saber: metodologia ci
entifica, fundamentos e técnicas. Campinas: Papirus.
CASTELIS , M. e IPOLA, E. (1982). Prática epistemológica e ciências
so cia is . Porto: Afrontamento.
CASTRO, C. de M. (1978). A prática da pesquisa. São Paulo: McGraw
Hill do Brasil.CERVO, A. L. e BERVIAN, P. A. (1977) . Metodologia cientifica; para
LISO dos estudantes universitários. 2a. ed. São Paulo: McGraw-Hill do
Brasi I.
Cortez.(1990). Princípio cientifico e educativo . São Pau lo:
(1958). Introdução à metodologia da ciência. São Pau-
199Lucia Santaella
CHALMERS, A. F. (1993). O que é ciência, afinal? São Paulo:Brasiliense.
CHERRY, C. [1957 (1970)]. On human communication, Cambridge,Mass.: MIT Press. . .
CHIZZOTTI, A. (1991). Pesquisa em ciências humanas e sociais. SãoPaulo: Cortez.
CHURCHMAN, C. W. (1971).1ntrodução à teoria dos sistemas. Petrópolis: Vozes.
CLARK, M. S. e FISKE, S. T. (1982). Affect mui cognition. Hillsdale,New Jersey: Lawrence Erlbaurn Associares, Publishers.
COBLEY, P. (1996). The communication theory reader. London:Routledge.
COMTE, A. (1989). Cours de philosophie positive.Paris: Nathan.CORNER, J. e HAWTHORl'I,). (eds .) (1980). Communication studies.London: Arnold.
COSTA, N. C. A. da (1977). O conhecimento científico. São Paulo:FAPESP/Discurso Editorial.
CROWLEY, D. e MITCHEL, D. (eds.) (1994) . Communication theorvtoday. Cambridge: Polity Press. .
CROWLEY, D. e HEYER, P( 1995). Cotnmunication in history: Techno-logy, culture, society. Logman Publishers. .
DANIELI, L (1980). Roteiro de estudo de metodologia científica. Bra-sília: Horizonte. .
DEBRAY, R. (1991). Cours de mediologie générale. Paris: Gallimard.DELIA,J. G. (1987). Cornrnunicaríon research: A history. Em Handbook
ofcommunication reseach, C. R. Berger e S. H. Chaffee (eds.) . NewburyPark, Cal.: Sage, 20-98.
DEMO, P. (1981) . Metodologia cientifica em ciências sociais. São Paulo: Atlas.
lo: Atlas.
DERRIDA, J. (1973). Gramatologia, trad, Miriam Chnaiderman e RJanine Ribeiro. São Paulo: Perspectiva. . '
Comunicação & Pesquisa198••••••••••••••e••••••••e•e•••••
••••••••••••••••••••.'•••••••••••••••
201Lucia Santaella
FANN; K. T . (1970). Peirce "s theory ofabduction. The Hague: MartinusNijhoff. . " .
FARRELL; T. B. (1987). Beyond science: Humanities contributions to
communication theory. EIT) Handbook of communication science, C. R.Berger e S. H. Chaffee (eds.). Newbury Park, Ca.: Sage, 123-142:
FAZENDA, r. C. (1989). Metodologia da pesquisa. educacional. SãoPaulo: Cortez. . .
FENELON, J. P. et aI. (1970). Traiternent des données statistique. Paris:
Dunod, Décision.
FENELON, J. P. (1981). Qu 'est-ce que l 'analyse eles données ? Paris:
Lefonen.
FESTINGER, L. e KATZ, d. (1974). A pesquisa na psicologia social.
Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas.
FEYERABEND, p. (1977). Contra o método; esboço de uma teoria anárquica da ·teo ria.do conhecimento. Rio de Janeiro: Francisco A1Y~s.FISKE, John (1990) Introduction to communicatiori studies. 221. ed. New
York: Routledge. .
FOUCAULT, M. (1972) . The archaeology ofknowledge and the 'ãiseottr:Si'"on languag e . New York: Harper & Row.
(1973). The order of th ings: An archaeology of the
human sciences. New York: Vintage Books. . .
FRAGATA, J. S. r. (1980). Noções de metodologia; para eloaboraçã; de
um trabalho cientifico. Porto: Tavarez Martins. .
FRANçOrS, D. (1,969). Fonctions du langage. Em La linguistique,
Martinet, André, ed., 103-110.
FUCHS, P. (1993). Moderne Kommunikation. Zur Theorie d~s operativen
o Displacements. Frankfurt: Suhrkarnp.GAJARDO , M. (1986). Pesquisa participante na América Latina. São
Paulo: Brasiliense.
GALLIANO, A. G. (~rg .) (1979). O método cientifico: teoria e prática.São Paulo: Harper & Row do Brasil.
GERBNER, G. (1956) . Toward.a general model ofcommunicatinn, Áudio
Visual Communication Review 4, 171-199.
GIDD.ENS, A. (1978). Novas regras do método sociológico/ uma criti
co. positiva das sociolog ias compreensivas. Rio de Janei ro: Zahar. .
Comunicação & ~esqui~a,'/
200
DESCARTES, R. [1637 (1985)]. Discourse 017. the method of rightly
conducting one 's reason anel seeking trutli in the sciences. trad. Robert
Stoothoff. Cottingham: Stoothoff and Murdoch.DESLAURIERS, J. P. (org .). Les méthodes de la recherche qualitative.
Québec: Presses de I 'Université duQuébec.DEUTSCHE, K. (1952).017. communication models in the social sciences .
Public Opinion Quarterly 1.6, 356-380.DEVITO, J. (1990). communicatíon: Concepts anel processo New York:
Longman._____ (1997). Human cOlnmunication: The basic course. 7a. ed.
New York: Longman.DING\VALL, W. O . (l980). Hurnan comrnunicative behavior. Em The
signifying animal, r. Rauch & G. F. Carr (eds .) . Bloomington: Indiana
University Press, 51-86.DONOHEW; L. , SYPHER H. e HIGGINS, E. (1988). Communication,
social co gnition, anel affect. New Jersey: Lawrence Erlbau mDUCROT, O. e TODOROV, T. (1972). Dictionaíre encyclopédique eles
sciences du langage. Paris: Seuil.DURKHEIM, E. (1968) . As regras do método sociológico e outros en-
saias. trad. Maria P. ele Queirós. São Paulo: Nacional,ECO, U. [1968 (1971)]. A estrutura ausente. São Paulo: Perspectiva.______ (1972). Estetica e teoria elell"informazione . Milão
Bornpiani.______ (1977). COl1W sefa: uma tese. São Paulo: Perspectiva.
ECO, U. e FABBRI; P. (1978). Progetto di ricerca sull"utilizzazione
dellinforrnazione arnbientale. Problemi dell "Íl1formazione, no. 4, 555-597.
l?ISENS.TEIN, E. (1979). The printing press as an age~~t of change:
Communication anel cultural iransformations in early modem Europe,
2 vols. New York, Cambrige: Cambriclge University Press .ENZENSBERGER, H. M . (1970). Coristituents of the theory of the me-
dia . New Left Review, dezembro 1970.EZPELETA, J. e ROCKWELL, E . (1986). Pesquisa participante. São .
Paulo: Cortez.FACCINA, C: R. e PELUSO, L. A. (1984). Metodologia cientifico: o '
problema da análise social. São Paulo: Pioneira. ,
~r'----------------------------~
GIL, A. C. (1995). Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo :
Atlas.
G.LASER, B. G. ~ STRAUSS, A. L. (1967). The discovery ofgrounded
theory: s.trategiesfor qualitative research. . New York: Aldine.
GOH.N, M. et aI. (1988). Pesquisa participante e educação. São Paulo:
Cortez.
GOODE, V(. J. e H~TT, P. K. (1973.). , Métodos em pesquisa social. trad .Carolina Bori. 4a. ed ., la. reimpressão. São Paulo: Companhia Editora
Nacional.GREIMAS, A-J, (1976), Semiática do discurso cientifico - da tnodali
dade . São Paulo: Difel/SBPL.
GUATTARI, F. (1993). Ca osmose, um novo paradigma estético. Rio de
Janeiro : Ed . 34.
HABERM0-S, J. [1962 (1978)J. L "!!sp ac'e publico ArchéoLogie de la
publicité conune dimension constitutive de la societé bourgeoise. Paris:
Payot. '
------- [1968 (s.d.)] . T~cnica e ciência como ideologia. Lis-
boa: Edições 70.
. ' , (19~ 1). Vorbeireitende Bemerkungen zu einer Theorie
der kornmunikariven Kompeten~. Em Theo rie der Gesellschaft oder
SClzialtec!u~olo$ie,1. Haberrnas e N, Luhman (eds .). Frankfurt: Suhrkarnp,101-141.
.- - - - (1981). Theorie eles kom m un ika tiv en Handelns, Frank
fu rt: Zuhrkamp.
HAB~RM,~S, J. e LUHMANN; N. (1971) . Theorie del Gesellschaft
Socialtechnologie. \tVas tetsiet die ·Sy s t en1j'o rs c h. un g ? Frankfurt :
Suhrkarnp,
HARVE~, D. (1993). Condição pós-moderna, trad. Adail Ubirajara
Sobral e Maria Stella Go.nç.a.lves, S.50 Paulo: Loyola,
HAVELOCK, A. (1963). Preface to Plato, Carnbridge, Mass.: Harvai'd
Uni versity Press .
------ (1982). The literate revolution in Greece and its cultural
consequences. Pri nceton: Uni versi ty Press.
HEGENBÉRG , L. (1976). Etapas da investigação científica, 2 vols. São
Paulo: EPU/EDUSP,
[1951(1995)]. The bias ofcommunication. UniversityofToronto Press.
.J AKOBSON, R. (1962). Selected writings, The Hague: Mouton .---------- (1971) . Lingüística e comunicação , São Pau
lo : Cultrix.
J ANIESON, F. (1984). The politics of theory: Ideological positions in
the postmodernist debate. Em New Gerrnan Critique, 33, 53-66. '
' ~'.
203Lucia Santaella
HENRY, J. (1998). A revolução científica e as origens da ciência mó
derna. Rio de Janeiro: Zahar.
HERVEY, S. G. ' J. (1982), Semiotic perspectives , London : Allen &
Unwin . I
HIRANO, S. (org .) (1979). Pe squisa social: projeto e pl.anejameruo,
São Paulo: T. A. Queiroz. ' ,
HOLANDA, N. (1975). Planejamentos e projetos: uma. introdução às
técnicas do planejamento e elaboração de projetos. 2a. ed. Rio 'de Ja
neiro: APEC.
HORKHEIMER) M. e ADORNO ; T. (1947). Dialektik der Aufklârung,
Arnsterdam: Querido Verlag.
HÜHNE, L. M. (org.) . ( 1988). Me todologia cientifica. Rio de Janei ro:Agir.
HUSSERL, E. [1929 (l942)].-1\1editaciones cartesianas) trad , José Gaos.
Mexico: Colégio de M éxico.
, (1952). A filosofia como ciência de rigor. Coimbra: Atlântida.
HYMAN t H . (1967). Planejamento e análise da pesquisa. Rio de Jan'ei-ro: Lidador, ' ,
HYMES, D. H, (1972). 011 co m m u n i c n ti ve competence. Em
Sociolinguistics, J. B. Pride e Janet Holmes (eds.), Harmondsworth:
Penguin, 269-293.
IANNI, O. (1992). A sociedade global. Rio de.Janeiro: Civilização BI'asileira.
----- (1995) . Teorias da globaiização , Rio de Juneiro.Civilização Brasileira.
INGLIS, F. (1996), /Vfedia th.eo ry : An. intro duction, Cambridge:Blackwell.
INNIS, H. (1950) . The enipire of communication. The University of
Toronto Press.
" ...
Comunicação & Pesquisa202
.,•••••••••••••••••••••••••••••••ti••
JOHNSTON Jr, J AMES; W. et al, (ed.) (1970) . COI7~munication by
chemical signals. New York: Appleton Century Crofts .
JUNKER, B. (1971). A importância do trabalho de campo, trad. José
Gurjão Neto . São Paulo: Lidador.JUPIASSU, H. F. (1977). Introdução ao pensamento epistemolágico.
Rio de Janeiro: Francisco Alves.KAPLÀi-~", A. (1975). A conduta na pesquisa: metodologia para as ci
ências do comportamento, trad. Leônidas Hegenberg e Octanny S. da
Mota. São Paulo: EPU/EDUSP.
KÁTZ, E. eLÁZA'RSFELD, P. (1955) . Personal influence. Glencoe Free
Press.
KATZ, E. (1~.57). The two step flow of communication: An up-to-date
report on c;n hyppthesis. Public Opinion Quarterly vol. 21, no. 1, 61-78.
KAUFMANN, F~ (1977) . Metodologia das ciências sociais. trad. Augusto
G. de Albuquerque. Rio de Janeiro: Fracisco Alves.
KENT, B. (1987). Charles S. Peirce - Logic and the classification of the
sciences . Kingston and Montreal: 1vIcGjll-Queen"s University Press .
KERLÚ4GER, F. N. (1980) . Metodologia da pesquisa em ciências soci
ais,' um tratamento conceitual . São Paulo: EDP/EDUSP.
KLAUS ,G. (1969) . Worterbuch der Kybernetik. Frankfurt/Main: Fischer.
KNELLER, G. F. P980) . A ciência COI7W atividade humana. Rio de
Janeiro : Zahar/EDUSP.
r<;q,CHE" J. C. (1984) . Fundamentos de metodologia cientifica. 7a. ed,Porto Alegre: OCS/Vozes.
KOCK, W. K . (1980). Autopoiesis and comrnunication. Em Autopoieses,cOlnmillúcátion: and soci~ty·. Benseler, F., P. M . Heijl & W. K . Kock
(eds.), Frankfurt: CalT~l)US, 8?-11~.. . .------- (1981). On comrnunicatiori and the stability of so
cialsysterns. Em Self-organizing systems, G. Roth e H. Schwegel (eds.),. . . ' . - . - . "
Frankfurt: Campus, 141-169.
KUHN, T. (1976). Estrutura das revoluções cientificas. São Paulo: Pers-
pectiva. _ .LA BARRE, 'rV. [1947 (1972)]. The cultural basis of ernotions and
gestures . Em Communication in face to face interaction, John Laver e
Sandy Hutcheson (eds.). Harmondsworth: Penguin, 207-224.
-------c---------- (1982b). Técnicas de pesquisa. São
LAKATOS, E. M. e MARCONI, M. (1982a). Metodologia cientifica..
São Paulo: Atlas.
Paulo: Atlas.
----- (1992). Metodolog ia do trabalho cientifico. 4a. ed. São
Paulo: Atlas.
LAKATOS, r. (1976). Proofs and refutations. New York: Cambridge
University Press,
----- (1998): História da ciência e suas reconstruções racionais
e outros ensaios. Lisboa: Edições 70.
LAKATOS, I e MUSGRAVE, A. (eds.) (1968). Problems in the
philosophy of science . Amsterdam: North-Holland Pub. CO.
LANGSDQRF, L. e SMITH, A . (1995). Recovering the pragmatisms
voice. State University of NewYork Press . .
LASSWELL, H. (1927). Propaganda techniques in the world:war. New
York: Knopf.
----- [1948 (1960)J TI!e structure and function of cornmunication in society. Em Mass Communication, W. Schramm (org.) . Urbana:
University of Illinois Press.
LASZLO, E. (1973). Iritroduction to systems philosophy, New York:
Gordon & Breach.
LASZLO, E. (ed.) (1972). The relevance ofgeneral systerns theory. New
York: Brazil1er.
LAVILLE, C . e DIONNE, J. (1999). A construçãodo saber: Manual de
metodologia da pesquisa em ciências sociais, revisão técnica e adapta
ção da obra por Laria Mara Siman. Porto Alegre: Artmed/Ed. UFMG.
LAZARSFELD, P. F e ROSEMBERG, M. (1962). The lang~~ageofso
cial research. G lencoe Press.
LEACH, E. R. (l97.6) ~ Culture anel communication. Carnbridge: Univ.
Press .
LEEDS, H. W. (1995). Social approaches to comrnunicatian; New York
London: The Guilford Press.
LEITE, J. A. A,. (1978). Metodologia de elaboração de teses . São Pau
lo: McGraw-Hill do Brasil.
LE 1vIOIGNET, J. L. (1977), La théorie du systême générai. théorie de
la modelisation. Paris : PUE
••••••••••••••••••••••••••••••••••••••
205Lucia Santaella
··i
Comunicação ~., Pesquisa204
LÉYY, P. (1998). 'A inteligência coletiva. Por uma antropologia do
ciberespaço, traduzido por Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Edições. ,
Loyola.
, (2000) Cibercultura. Rio de Janeiro: Ed . 34. '
LIPOVETSKY, G . (1997). O império do efêmero. A moda e seu destino
nas sociedades modernas, trad, Maria Lucia Machado. São Paulo: Com
panh ia das Letras. '
LISZKA ; J . J. (1996) . A general introduction to the semeiotic of Charles
Sanders Peirce. Bloorningron: Indiana University Press.
~ITTLEJOHN\S. '( 19 82). Fundamentos da comunicação humana. Rio
de Janeiro: Zahar.
LITTON, G. A. (1975). A pesquisa bibliográfica em nível universitário,
, trad . Terezinha A. Ferraz. São Paulo: McGraw Hill do Brasil.
LOPES, M . r. v. (1990). Pesquisa em comunicação. Formulação de um
modelo metodolôgico , São,Paulo: Ed, Loyola .
LÜDKE, M. e ANDRÉ, M. E . D. (1986). Pesquisa em educação: abor-
, dag ens qualitativas. São 'Paulo : EPU.
LÚHMANN; N. (1984). Sozlale Systeme . Frankfurt: Suhrkamp.
------ (1995) . Die Kunst der Gesellschaft, Frankfurt: Suhrkamp.
------ (1970-1995). Soziologische Aufklârung; 6 vols. Opladen:
Westdeutscher Verlag.
LUNA; S: V. de '(1 99 8). Planejamento de pesquisa. UlTW introdução .
São Paulo : EDUC. , _
LYOTARD, J-F. (1979). La condition postmoderne. Rapport SUl' le savoir.
Paris : Les Edition 'de Minuit,MAC COMBS, M. e SHAW, D. (1972). The ag enda-seuing function of
mass media. Public Opinion Quarterly, voI. 36. 176.-187.
MACHADO, A. (1993). Máquina e imaginário. O ,desafio das poéticas
tecnolágicas. São Paulo: EDUSP.
I\1AFFESOLI, M. (1996). No fundo das aparências, trad . por Bertha
, Halpern Gurovitz. Petrópolis: Vozes. "
MANN, P. H. (1975). Métodos de investigação sociológica. 3a. ed. Rio
de Janeiro: Zahar.' .,\
MCLUHAN, M. [1962 (1971)]. Galáxia de Gutenberg, trad.Decio
, Pi anatari .' São' Pau10: Cul trix.b
------ (1964). Understanding media: The extensions of mano
New York: McGraw Hill.
Mf\,CQUAIL, D. (1983) . Mass communication theory. London: Sage
Publications.
MARCUSE, H. (1964). One dimensional mano Boston: Beacon Press.
MARINHO, r. P. (s/d). Introdução ao estudo da metodologia cientifica.
B rasíl ia: B rasi 1.MARINHO, P. (1980) . A pesquisa em ciências humanas. Petrópolis:
Vozes .
MARTINET, A. [1949 (J 965)l La double articulation linguistique. Em La
Linguistique Synchronique. Paris: Presses Universitaire de France, 1-41.
----- [1960 (1963)J. Gr un.d z üg e der Allg eme in e n
Sprachwissenschaft, Stuttgart: Kohlhamrner,
MARTINET, A. (ed.) (1969). La linguistique. Paris: Denoêl .
MARTINS, J. e CELANI, A~·A. (1979). Subsídios para a redação de
teses de mestrado e doutoramento. 2a. ed . São Paulo: Cortez & Moraes.
MARTINS, J. e BICUDO, M. A. V. (1989). A p esquisa qualitativa em
psicologia. São Paulo : EDUC., ,
MARX, K. (1977). Contribuições à critica da economia política. São
Paulo: Martins Fontes.
MATTELART; A. (1997a) . A comunicação do mundo, história das idéi
as e das estratégias. Petrópolis: Vozes.
-------- (l997b). A invenção da comunicação. Lisboa: Ins
tituto Piaget.
MATTELART; A. e M . (1999). História das teorias da comunicação.
trad. Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Loyo!a.
METER,' G. F. (1969). Wirksamkeit der Sprache. Zeitschriftfür Phonetik,Spracliwissenschaft und Komtnunikationsforschung 22, 474-92.
MELLO, J. M. de (org.) (1983a). Teoria e pesquisa em comunicação,
Panorama Latino Americano. São Paulo: Cortez/INTERCOM.
-------------,------ (l983b). Pesquisa em comuni
cação no Brasil: tendências e perspectivas. Cortez/INTERCOM.
------- (1984). Inventário da pesquisa em. comunicação no
Brasil (1883 a 1983). São Paulo: INTERCOM/ALAIC/CIIC/CNPq.
MENEZES, P. (2001) . A Crise do passado. 2a. ed . São Paulo: Experimento.
••••••••••••••••••••••••••••••••.'••
206 Comunicação 'S,'Pesquisa!
Lucia Santaella 207 .
teira.-----(1996a). Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand
B rasi 1.-----(1996b). Epistemologia da complexidade. Em Novos
paradigmas, cultura e subjetividade , D. F. Schnitman (org.), Porto Ale
gre : Artes Médicas, 274-289.
NEHER, E. (1992). Ion channels for communication be tween and within
cells. Science 256, 498-502.
NEULIEP, James (1996). Human- communication theory: Appliccuion
anel case studies, Boston: Allyn and Bacon.
NEWCOMB, T. M. (1953). A-n approacli to the study of communicative
acts, Psychological Review 60: 393-404.
NOGUEIRA, O. (1968) . Pesquisa Social. São Paulo : Nacional.NOTH, W. (1975). Hom.eostasis and equilibrium in linguistics and text
analysis, Serniotica 14: 222-44.
-----(1989). Systems theory and serriiorics, Em Semiotics in the
individual sciences, vv. A. Koch (ed.). Bochum: Brockrneyer,
MEYER-EPPLER, W. [1959 (1969)]. Gr úndlag en und Anwendungen
der Informationstheorie. Berlin: Springer. .MEYROWITZ, J. (1985). No sense of place: The impact of electronic
media 011. sociaL behavior. New York: Oxford University Press .------- (1993). lmages of media: hidden fe rment - and
harmony - in the field. Journal of Communication, 43 :3,55-66.
------- (1994). Médium theory. Em Communication theory
today, D. Crowley e D. Mitchell (eds.). Cambridge: Polity Press, 51-77.
MOLES, A. [1958 (1968)J. Théorie de L'information et p erception
esthétique, Paris: Denoel.
----- (1975). Le rnur de la communication. Actes du XV Corigrês
de la ASPLF, vol. lI.
MORAES , r. N . (1970) . Metodologia da pesquisa científica. São Paulo:
EDUSP. ..
MORAN, J. M ·. (199.3). Leitura dos meios de comunicação . São Paulo:
. Pancast Ed.
MORIN, E. (1962) . L 'esp rit du temps. Paris: Grasset.
-----(1973). Linguagens da cultura de massas. Petrópolis: Vozes.
-----(1986). Para sair do. s éculo XX. Rio de Janeiro: Nova Fron-
------ (1990) . Handbook of semiotics . Bloornington : Indiana
University Press. '.) .
------ (2000). Handbucli der Semiotik. Stuttgart: Verlag J. B.Metzler.
NUNES, E . O. (org.) (1978) . A aventura sociológica: objetividade, pai
xão, improviso e método nr:- pesquisa soc~al. Rio .de !aneiro: Zahar, ~. .
OLIVA, A. (org.) (1990). Epistemologia: a cientificidcuie em questão.
Campinas: Papirus.
OLIVEIRA, P. de S. (org) (1998). Metodologia das ciências humanas.
São Pl:i"ulo: RucitecfUNESP.
ONO, W. J. (1982). Orality and literacy: The technologizing ofthe word.
Ithaca, New York: Cornell University Press ,
ORTIZ, R . (1994) . Mundialização e cultura. São P~ulo:Brasiliens~~
OSGOOD, C. E. (1953) . Método e teoria na psicologia experimental,
trad. Enio Ramalho. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
------ (ed.) (1954). Psycholinguistics: A survey of theory and
researcli problems. Journal of Abnormal andSocial Psychology 49 (Oct.).Morton Prince Memorial Suplemento .
PADUA, E. M. M . (1996) . Metodologia da pesquisa: abordagem te árico-prática. Campinas : Papirus.
PAES DE BARROS, A. de J. e LEHFELD N. A. de S. (199)) : Projeto
de pesquisa: propostas metodológicas. 2a. ed. Petrópolis: Vozes,
PARSONS, T. (1937). The structure ofsocial action. NewYork: l1cq~aYlRill.
------. [1951 (1970)J. The social system. Free Press . .
PAULI, E. (1976). Manual de metodologia científica. São Paulo: Resenha Universitária.
Peirce, C. S . (1931-58). Collected Papers. VoIs. 1-6, HartshorneandWeiss (eds.); voIs . 7-8, Burks.(ed.) Carnbridge.Mass.: Harvard Uníversity
Press, As referências no texto foram feitas sob CP seguido de ~úJ~e:o dovolume e número de parágrafo. MS (manuscrito) refere-se aos manus
critos não 'publicados, catalogados segundo paginação do Institute forStudies in Pragmaticism. Lubbock: Texas. NEM se refere aNew'EÚments
ofMathematics (1976), Carolyn Eisele (ed.), 4 vols. The Hague: Mouton.
PERELMAN, C. & OLBREC'HTS-TYTECA, L. [1958 (1969)J: The new
rhetoric , Notre Darne University Press,
•••••••••••••••••••••••••••••••••••
209Lucia Santaella
,I ·
~...... .
Comunicação S Pesquisa208
EDUSP.
----- (1975). A Lógica da pesquisa científica. São Paulo : Cultrix/
PHILIPSEN, G. (1992). Sp eaking culturally: .Explorations in social
communication. A Ibany: State Uni versi ty of N ew York. .
PIGNATARI, D. (1969)./nformação, linguagem, comunicação. São Pau- .lo: Perspectiva. .' . . .
PINHEIRO, A. (1994) Aquém. da identidade e da oposição: formas na
cultura mestiça. Piracicaba: Ed, da UNIMEP.
. POPPER, K. (1972). Objective knowledg e. London: OxfordUniversity
. Press.
----- (s/d), Conjecturas e refutações. Brasília: Editora da UNB .
PRADO, J . L A. (1996). Brecha na comunicação:' Habermas, o Outro,
Lacan. São Paulo: Hacker,
PRIETO, L. J. (1966). Messages et signaux, Paris! Presses Universitaires.
PRIGOGINE, r. e STENGERS, L (1984) . A nova aliança: metamorfose
da ciência. Brasília: UNB :
PUTERMAN, ~. '(1994). Indústria cultural. A agonia de um conceito ,São Paulo: Brasiliense.
RAMON Y CAJAL, S. (1979). Regras e conselhos sobre a investigação
cientifica. 3a. ed. São Paulo: T. A. Queiroz/EDUSP.
REUCHLIN;.M. (1971). Os métodos em.psicologia. São Paulo: Difusão
Européia do Livro.
RICHARDS, r. A. (1928) . Principles of Literary Criticism. New York:
Harcourt.
RODRIGUES, A. (s/d) . A pesquisa experimental em. psicologia e edu
cação. Petrópolis: Vozes.
RODRIGUES, A. D . (1990). Estratégias da comunicação, Lisboa: Pre
sença.
RORTY, R. (1988). A filosofia e o espelho da natureza. Lisboa : Publica
ções Dom Quixote.
-----(1994). Contingência, ironia e solidariedade. Lisboa: Edi
toria1 Presença.
-----(1997). Objetivismo, relativismo e verdade. Rio de Janeiro:
Relume Durnará.ROSNAY, J. de [1975 (1979)]. The !vlacroscope. New York: Harper &
Row.
211
------ (1997). O Homem. Simbiôtico . Rio de Janeiro: Zahar.
ROTHACKER , E. (1979). Das "Buc)i der Natur" : Materialen und
Grundsiitrliches zur Metapherngeschichte . Bonn: Bouvier. .
RÜDIGER, F. (2000) . A trajetária da comunicação como campo doconhecimento cientifico..Balanço definal de século: os m étodos de pes
quisa na área de comunicação ainda buscam maior autonomia e disci-
plina . Ética e Comunicação 1, FIAN1 , 17-27 . . "
RUDIO; F. V. (1992). Introdução ao projeto de pesquisa científica. 17 a.
ed . Petrópolis: Vozes.
RUESCH,J:. (1972). Sel~'liotlc approaches to hunian relations..The
Hague: Mouton.
RUIZ, J. A. (1991). Metodologia científica; guia para eficiência nosestudos . São Paulo: Atlas. . '
R UMMEL, F. J. (1972). Introdução.aos procedimentos da pesquisa em.
educação, Porto Alegre: Globo.
SANTAELLA, L. (1991). lnstinct, logic, orthe logic ofinstinct. Serniotica83, Y2 , 123-141. .
--------(1992). A assinatura das coisas. Peirce e a literatu
ra. Rio de Janeiro : Imago.
-------(2000). Cultura das Midias. 38. ed. São Paulo ; Ex-
-------, (2004) O método anti-cartesiano de C. S. Peirce.
perirnento.
São Paulo: Unesp.
-------. (2001) Matrizes do linguagem. e pensamento: so
nora, visual, verbal. Aplicações na hip~~·ll7(dia. São Paulo : IlLll1linu;~as.-----'----(2004). Navegar no ciberespaço, São Paulo, Paulus.
SANTAELLA, L. e NOTH , W; (1999). Imagem. Cognição, semiática,
mídia. 2a. ed. S?O Paulo: Iluminuras . ,
SANTAELLA, L . e NOTH, W. (2004). Comunicação & sem/ótica. Sé-rié Comunicação &. São Paulo: Hacker, , ._, , "
SANTOS, B . de S. (1993) . Introdução a ~llna ciência PÓs-17~oderna. '3a.ed . Porto: ' Afrontamento.SALVADOR, A. D. (1971) . Métodos e técnicas de pequisa bibliogrâfi
co . Elaboração e relatórios de estudos científicos. 2a. ed. revista e 'au-'
mentada. Porto Alegre: Sulina.
. Lucia Santaella
......... .~
Cornunlceçáo f/ Pesquisa210
..•.•e•e•eti
•••••.'
••.'•••••••••••e••••••
.,•••••e••••••••••••••••••••.'••••••..-
213. Lucia Santaella .
SEVERrN, W. J. e TANKARD Jr. (1988). Communication theories:
Origins, rnethods, uses. New York: Longman .SEVERINO, A. J. (2000). Metodologia do trabalho científico. 21a. e~.
revista e ampliada. São Paulo: Cortez.SFEZ, L. (1994). Critica da comunicação, trad . Maria Stela Gonçalvese.Adail Ubirajara Sobral. São Paulo: Loyola.
. SHANNON, C. E. & WEAVER, W. (1949) . The mathematical th.eory of
communication. Urbana: University of Illinois Press.
SHAW; E. (1979). Agetuia-setting and mass communication theory.
Gazette (International Journal of Mass Communication Studies), vol.
XXV, no. 2, 96-105.
SMITH, J. (1977). Th.e behavior of communicating : An etholog ical
approach. Cambridge, Mass. : Harvard University'press.
SODRÉ, M. (1991). O Brasil.simulado e o real: ensaio sobre o quotidi
ano nacional. Rio de Janeiro: Rio Fundo Ed.
-----(1996). Reinventando a cultura. A comunicação e seus pro
dutos. Petrópolis: Vozes .
-----(2000a). Claros e escuros. Identidade, povo e midia no Bra
sil. 2a. ed. Petrópolis : Vozes . .-----(2000b). Pa]est~a proferida no Seminário Interprogramas.
Universidade Católica de São Paulo, outubro de 2000.
SOLOMON, .D. V. (1973). Como fazer uma monografia: elementos de
metodologia do trabalho científico. Belo Horizonte.Interlivros.
SONEA, S. (1995). Oui, Ies bactéries communiquent! Débats Sémiotiques
r, r, 24-37.
SOUZA, A. J. M. de et al . (1976). Iniciação à lógica e à metodologia da
ciência. São Paulo: Cultrix.
SPRADLEY, J. P. (1980). Participant observaiion . New York: Holt.
SROUR, R. E. (1987) . Classes, regimes, ideologias ..SãoPaulo: Ática.
S'T-EIER, F. (1989). Toward a radical andecolcgical coristructivistapproach to fami1y comrnunication. Journal ofApplied Com.,n~;,úcation
Research, 17, 1-26.
---- (1995). Reflexivity, interpersorial communication, and
interpersonal communication research. Em Social approaches to
communication, W. Leeds-Hurwitz (ed.), New York and London: The
Guilford Press, 63-87.
{t
III
iiIi
IIt(,I
.• - . I
i~Iih
Comunicação S Pesquisa212
SARTRE; J . P. (1966). Questão do m étodo. São Paulo: Difusão Euro
péia do Li vro ..SAUSSURE, F. qe [1916 (1986)J. Cours de linguistique gé'~é~·ale. Bally
e Sechehaye (eds.). 2~a. ed . Paris : Payot.SCHLIEBEN-LANGE, B . (1975). Metasprache und Metakomtnuni- .kation. Em Sprachtheorie , B. Schlieben-Lange (ed.). Hamburg: Hoffmann
& Carnpe, 189-205.SCHMIDT, S: (1994). Kognitive Autonomie und soziale Orientierung,
Frankfurt: Zuhrkamp.------ (1995). Co gnition, communication and the mytli of
autopoiesis. Paragrana.4/2, 31 ?-324.------ (2000). Kalte Faszination: Medien, Kultur. Wissenshaft
in der Mediengesellschaft , Velbrück Wissenshaft.
SCHMITZ, W. '(1975). Ethnographie der Kommunikation. Hamburg:
Buske.SCHRADER, A. (1974). Introdução à pesquisa social empírica. Um
guia para planejamento, execução e avaliação de projetos não exp eri
mentais, trad . ManfredoBerger, Porto Alegre: GlobofUFRS .. SCHRAMM, W. (ed.) (1954). How communication works. Em The
process and effect ofmass COI1'!I1.-umication ..Urbana: Univ.er~ity of Illino ís
Press.------(1955). Informatíon theory and mass comrnunication.
Journalism Quarterly 32, 131-146. .---:.-----(ed.) (1963). The science ofhuman communication. New
York: Basic Books.SEARLE, J; R. (1970). Speech acts. Cambridge: University Press ,
SEBEOK, T. A. (1991). A sign is just a signo B loomington: Indiana
University Press.------(1993). A origem da linguagem . Em Semiática e Lingüís-
tica Portuguesa e Românica, J. Schimidt-Radfeldt (ed.). Tübingen:
Gunter Narr Verlag.
SEBEüK, T. et al , (eds.). [196.4 (l97:?)]. Approaches to semiotics , The
Hague: Mouton.SEBEüK et. aI. (1993). O signo 'de três. SãoPaulo: Perspectiva.
SELLTIZ, C, IABODA, M., DEUTSCH, M. e COOKs S. W. (1967).
Método de pesquisa em relações sociais. São Paulo: EDUSP.
,~---------------------------------
STENGERS , I . (1990) . Quem, tem medo da ciência? Ciência e poderes .
São Pa ulo: Siciliano .
STRAUB'HAAR, J. e LAROSE R. (1997) ..Comniunication media in the
injormation society . Belmont: Waclsworth Publishing Cornpany. .
SYPHER, H. e SYPHER, B. D. (1988). Affect and message generanon,
Em Comniunication, social cognition, and affect, ·L. Donohew, H . E.
Sypher e E . T. Higgins (eeis.) . Hilllsdale, New Jersey, Hove and London:
Lawrence Erlbaurn Associates, Publishers, 81-92. .
'TAGLIACARNE, G. (1976). Pesquisa ele m ercado; técnica e prática..
2a. eei. São Paulo: Atlas .
TEIXEIRA COELHO, J. (1978). Seiniática, info rm ação, comunicação.
São Pau lo: Perspecti va.TENIBROCK, G. (1971) . .Biokommunication, 2 vols. Berlin: AkadernieVerlag.
THAYER, L. (197 2). Cornmunication system. Em The relevance of ge
neral systems theory, E. Laszlo, ed. New York: Braziller, 93-121.
THILL, G. e FELTZ, B. (orgs .) (1986). Auio-organization. et app roche
syst émique des approches de recherches . Namur: PUN.. _ _THIOLLENTE, M. J. M. (1985). Metodologia da pesquisa açao, Sao
Paulo : Cortez.THOMPSON, J. (1995) . The media and modernity: A social theory of
the media. Stanford : California University Press .
TOMKINS, G. M . (1975). The metabolic code . Science 189,760-763 .TRIPOLDI, T. et al , (1981) . Análise da pesquisa social; diretrizes para
a pesquisa em serviço social e ciências sociais, trad. Geni Hirata, 2a . ed.Rio ele Janeiro : Francisco Alves.TRIVINOS , A. N. S. (1995) . Introdução à pesquisa em. ciências soci
ais: a pesquisa qualitativa em educação. O positivismo, afenomenologia,
o marxismo . São Paulo : Atlas.
TRUJILLO FERRARI, A. (1974). Metodologia da ciência, 3a . ed. Rio
de Janeiro : Kennedy. '. '"
------(1982). Metodologia da pesquisa cientifica. São Paulo:McGraw-Hill do Brasil.
. VATTIMO, G. (1991) . A sociedade transparente. Lisboa: Edições 70.VIRILIO , P. (1993). A inércia polar. Lisboa: DOITl Quixote.
." ... .: !...
----- (l996a) . A arte do motor. São Paulo: Estação Liberdade.
---- (l996b) . Velocidade e política. São Paulo: Estação Liberdade.
VOLOSINOV, V. N. (= Bakhtin, Mikhail). [1930 (1973)]. Marxism and
th.e Philosophy of Language. New York: Serninar Press .
WATZLAWICK, P" BEAVIN, J. H. & JACKSON:, D. D. (1967) .
Pragmatics of human communication. New York: No'rtoIl:'~ ,WEATHERALL, M. (1970) . Método cientifico. São Paulo: EDUSP/Ed.Polígono .
WESTLEY, B. H . e MACLEAN, M. (1957). A conceptual model for
communication research . Journalism Quarterly 34: 31-38.
WIENER, N. [1948 (1961)]. Cybernetics 01' control and communication
in the animal and the machine. Carnbridge, Mass.: Mit Press.
WITT, A . (1975). Me todologia de pesquisa, questio,'i16rio eformulário.3a. 'eC! oSão Paulo: Resenha 'Tri butária . :
WOLF, M. (1987). Teorias da comunicação, trad.: Maria Jorge Vilar deFigueiredo. Lisboa: Presença.
WUNDERLICH, D. (1972). Studien zur Sprechakttheorie . Frankfurt:Suhrkamp.
ZEUSCHNER, R. (1997). Communication today. Boston: Àllyn and Bacon.ZIZEK, S. (1991). O mais sublime dos histéricos. Hegel com Lacan.Rio de Janeiro: Zahar.
------ (1992). Enjoy your symptoml New York: Routleclge.
------(2000). Th.e ticklish. Subject: The absent center ofpoliticalontology , New York: Verso.
•••••tt••••••••• 1
••'.••••••••••••••••-i=z
214 Comunicação & Pesquisa
I
Lucia Santaella 215