sacro design paulo henrique alves rosa

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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS UNISINOS COMO AS RELIGIÕES NARRAM DEUS HOJE A TIVIDADE PRÁTICA P AULO HENRIQUE ALVES ROSA São Leopoldo, 16 de junho de 2009.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS

COMO AS RELIGIÕES NARRAM DEUS HOJE

ATIVIDADE PRÁTICA

PAULO HENRIQUE ALVES ROSA

São Leopoldo, 16 de junho de 2009.

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RESUMO

O tema deste estudo, focado em design e sua relação com o conhecimento religioso, é uma descrição sintética da relação do design com a questão religiosa. Partindo se sua defini-ção básica de produção industrial e indo de encontro ao conceito de design estratégico e sua relação com as experiências religiosas e a necessidade do conhecimento das diversas visões que cada religião tem em especifico. Para isso apresenta-se o caso de um projeto do segundo semestre de 2008 que apresenta bem a superficialidade com o qual o design ainda busca pelo medo de um possível choque cultural e os benefícios que as experiências religiosas podem trazer a uma intervenção.

Palavras-chave: Sacro design, atualização, religiosidade, intervenção, Deus.

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INTRODUÇÃO

Um campo que recentemente recuperou esforços acadêmicos e de publicações, como por

exemplo, o artigo de Marco Sammicheli1 na revista ABITARE2, é o chamado “Sacro Design”.

Inicialmente ele trata da produção industrial de elementos religiosos, não de uma especulação

sobre a religião. Tendo a sua maior produção em objetos e mobiliários que suprem os “espa-

ços sagrados” 3 e as ações litúrgicas. Neste “movimento” a figura de Deus, ou até mesmo as

características religiosas, são elementos de significação a serem aplicados nestes objetos. Co-

mo por exemplo, o “iBelive iPode” e o “Saint B Cross MP3 player” .

Imagem: iBelive iPode

Fonte: http://www.everyjoe.com/thegadgetblog/the-ib elieve-ipod-shuffle-cross-cap/ Acesso em:

14 de abril, 2009.

1 http://marcosammicheli.com/#home, ultimo acesso em 02 de junho de 2009

2 http://abitare.it/. Ultimo acesso em 12 de junho de 2009

3 Igrejas, templos e locais de culto em geral.

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Imagem: Saint B Cross MP3 player

Fonte: http://www.blavish.com/luxury/mp3-mania/ Ace sso em: 14 de abril, 2009.

Neste foco o designer passa a ser um ator de atualização da linguagem, forma e estilo

de elementos sacros. Mas alem da exploração industrial, possivelmente como resposta a ne-

cessidade de desenvolver novos desejos feitos sob medida para as novas e inesperadas sedu-

ções. (BAUMAN, 2001, p.90), vemos que o design se expande para o lado imaterial da reli-

giosidade. Oferecendo então elementos que possibilitem a experimentação espiritual como

no caso do “Prayer Booth” uma espécie de cabine telefônica para “ligar para Deus”, ou seja,

rezar. E a especulação sobre novas maneiras de manter este contato como a capela St. Mar-

tin de David the Chimp (2008).

Imagem: Prayer Booth

Fonte: http://www.odditycentral.com/pics/the-prayer -booth.html

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Imagem: St. Martin Chapel, by David the Chimp

Fonte: http://just.ekosystem.org/davechapel-index.h tml

Quando um designer pretende trabalhar com uma experiência religiosa há, entretanto,

uma necessidade de entender como as religiões narram Deus hoje. Sendo que através desse

conhecimento podemos classificar quais são os elementos aceitáveis no convívio e na lingua-

gem entre as diversas religiões. Até mesmo porque a multiculturalidade é um ambiente apa-

rentemente pouco especulado em projetos de Design, talvez por sua complexidade e suas rela-

ções sociais. O resultado desse descuido para Boaventura (2006, p.13) é um efeito de oculta-

ção – do qual devemos fugir – de elementos valiosos tanto das experiências quanto das simbo-

logias sociais nas propostas apresentadas pela “nova analise social”. Partindo de uma raciona-

lidade cosmopolita ele sugere que esta deveria contrair o futuro e expandir o presente a fim de

criar um espaço-tempo necessário para conhecer e valorizar a experiência social que esta em

curso numa determinada sociedade. Temos, no Brasil, uma grande mistura étnica tão bem can-

tada “em verso e prosa” elaborada “destribalizando índios, desafricanizando negros e deseu-

ropeizando brancos4”. Mas neste processo de criação de um povo-síntese é que passamos a

ocultar elementos culturais colocando-os numa dimensão de sombra5 (GAMBINI, 1999) da

mesma forma em uma dimensão de ausência. Dimensão da qual o designer pode retirar e tra-

zer átona, por meio do “conhecimento inter-religioso”, símbolos importantíssimos e apresen-

tá-los sobre uma roupagem atualizada em um projeto.

4 Darcy Ribeiro.

5 A dimensão da Sombra é projetada pela mente consciente do individuo e contem aspectos ocultos, reprimidos e desfavorá-veis (ou nefandos) da sua personalidade. (JUNG, 1989, p.118)

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Figura 5: Movimento da analise.

Fonte: Autor

Jung já dizia em seu livro o “Homem e seus símbolos” que já não existem deuses cuja a-

juda possamos invocar. E que as grandes religiões padecem de uma grande anemia. Esta ane-

mia cria então subsídios para uma religiosidade miscigenada e crescentemente pluralista. On-

de os “fiéis” buscam a ajuda em diferentes religiões. É possível ir através de uma produção de

emergências e de um conhecimento inter-religioso trabalhar de modo atrativo os símbolos6

além dos eminentemente “católicos” e apresentá-los frente a um grupo de usuários ou consu-

midores de diferentes religiões. O conhecimento sobre as leituras de Deus nos leva a um mo-

delo de leitura realista, como a visível no trabalho do artista americano Thomas Harte Benton

(1989, 1975), e sua busca pela glorificação, através de suas representações artísticas, daquela

sociedade rural do interior dos Estados Unidos. Uma maneira atualmente validade de retratar

nossa realidade. Valorizando de um modo a ter a favor de seu resultado os elementos valori-

zados.

Na busca daquilo que Hannah Arendt7 chama de dimensão política da amizade, a ami-

zade entre cidadãos por meio de uma ação, e este tipo de dimensão como meta pode ser um

caminho de segurança em um projeto de design territorial, e “que assim seja”.

6 Símbolos presentes nas cerimônias e imagens católicas.

7 (1987, p.30)

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1 A PRÁTICA: CASO “CANTO CAFÉ”

Como pratica pessoal sobrepuja-se o trabalho feito em grupo no segundo semestre de

2008 na disciplina de “Ateliê de projeto8”. Onde o intuito era projetar o bar para a própria

EDU – Escola de Design Unisinos. Após a união de três grupos o desenvolve-se o então de-

nominado “CANTO CAFÉ”. Que alem de buscar atender as necessidades dos alunos, funcio-

nários o café proporcionaria espaços para troca de idéias, trabalhos em grupo e momentos de

relaxamento. Um local onde valorizar o tempo é o mais importante.

Um desses espaços, e “carro-chefe” conceitual do projeto, é o então chamado “CAN-

TO SANTO”. Mais que outro espaço ele foi coberto pela carga histórica do Campus Unisinos

Proto Alegre9 e sua capacidade atrativa por conta da área verde tão bem cultivada seguindo o

poema do PE. Paulo Borges da Fonseca:

Se tu conheces este portão, entra, por favor, uma ultima vez por ele, e quando dele saíres, sairás iluminado, fortalecido, esperançado bem dizendo o dia em que por ele entras pela primeira vez. (Entra, por favor).

Um lugar a ser concebido, conceitualmente, como sagrado aonde descansar, rezar, ler e

se distrair seriam as experiências passadas ao consumidor. Isto através de elementos físicos

como, por exemplo, incensos, velas com cheiro e chás. Estimulando assim um tipo de consu-

mo altamente presente, não expressamente, no trabalho de Baudrillard (2007) “A sociedade de

consumo” quando este visa suprir necessidades emocionais e oferece-lhes um crescimento

espiritual.

8 Professoras Karine Freire e Clarice Debiagi, e professor Guilherme Trez representando o Design Center (cliente).

9 Anteriormente sede da Pastoral da juventude estudantil.

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A relação de Deus e da pluralidade religiosa ao qual seria exposto o projeto fez com

que a busca de não se destacar como fruto de uma única religião foi sempre questionada e es-

tudada. Como "designers estratégicos10” a capacidade de prever e interpretar possíveis pro-

blemas são imprescindíveis. Além da capacidade de interpretar a realidade por outro ponto de

vista, sobre possíveis atuações e intervenções, o designer alimenta-se de instrumentos capazes

de comunicar tais visões assim como todos os atores que estarão envolvidos nelas. Criando

cenários que antecipem possíveis erros e necessidades futuros. Mauri11 explica a atitude do

Design dizendo que todas as qualidades de sensibilidade, a criatividade intuitiva, a capacidade

de ouvir, o senso de estética aparecem juntas na única intenção de tornar o pensamento visí-

vel. No entanto, a criatividade e a interpretação são necessárias, mas não suficiente para elevar

de maneira única e privilegiada o poder de atração de um território. Conforme Franco Bian-

chini12 "Criatividade é a condição necessária para a inovação, mas a inovação é o que conta na

elevação do potencial de uma cidade”. Mas se a criatividade intuitiva é uma ferramenta natu-

ral (BONO, 2007), portanto perigosa, ela deve ser medida intencionalmente, pois é evidente a

preocupação com “onde vamos chegar”, se não pouco importaria o caminho a seguir (Alice´s

Adventures in Wonderland, CARROL, 1971).

No cd em anexo encontram-se os preparativos para o protótipo do então chamado

“CANTO SANTO” e sua apresentação durante o vestibular de verão 2009. Trabalhando em

um orçamento pequeno e limitado o resultado da realização do protótipo foi alem das expecta-

tivas do grupo, os elementos de atração visual como o simples caminho de flores, previamente

projetado, receberam uma forte carga conceitual quando alinhados a idéia de caminho para o

local de “bem estar”, ou até mesmo “santo”.

Foram distribuídos no dia elementos físicos simbólicos como “bolinhos da sorte”, su-

venir para fazer “bolhas de sabão”, “fitas do Senhor do Bonfim” entre outros. As “fitinhas” do

Senhor do Bonfim eram entregues e colocadas durante a recepção, como um ritual, seguindo a

tradição dos três pedidos. As pessoas que não a colocaram no pulso acabaram por levá-las

10 O design estratégico é uma atividade focada no sistema produto. Este sistema representa os produtos, serviços e comunica-ção com os quais uma empresa se posiciona no mercado e se apresenta a uma sociedade.

11 Francesco Mauri Professor do Politecnico de Milano, faculdade de Industrial Design.

12 1995, p. 224.

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consigo. Por surpresa o ambiente construído passou a atrair bebês13 e atitudes de contato com

a natureza, anteriormente inesperados: pessoas passaram a tirar os calçados outras se diverti-

am fascinantemente com as bolhas de sabão e algumas buscavam os incensos espalhados pelo

local. Os depoimentos dados pelos usuários acerca do serviço após o termino foram no míni-

mo motivadores e acolhedores. Eles aparentemente entraram em contato com um sentido, um

assunto maior através do suporte ao qual o aplicamos. É nesse raciocínio que podemos encai-

xar a necessidade de cada novo projeto em uma moral, ou seja, um conceito que o alimente o

diferencie e justifique a sua criação. Alem da necessidade de segurança, dada pelo conheci-

mento, sobre as diversas visões religiosas atuais. O protótipo alimentou-se de conceitos, pois

estes duram muito mais que um objeto, e por conta disso parece justo se empenhar em instruir

os projetos com uma carga religiosa emocional, pois a necessidade humana por algo que per-

dure (BAUMAN, 2001) não pode ser vagamente suprida por discursos. É, sem duvidas, valida

a visão de Oscar Wilde de que o descontentamento é o primeiro passo para evolução de um

homem ou uma nação. Mas o design parte do uso dessas pesquisas em prol de ações que pos-

sam, quem sabe, silenciosamente reverter esse quadro.

13Com seus pais.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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