rumos da literatura inglesa

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Maria Elisa Cevasco&f Valter Lellis Siqueira RUMOS DA LITERATURA INGLESA " A@@* . -- Bfa r l - - -__C_

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  • Maria Elisa

    Cevasco&f

    Valter Lellis Siqueira

    RUMOS DA

    LITERATURA

    INGLESA " A@@* .

    --Bfa r l-

    --__C_

  • Maria Elisa

    Professora de Ingls

    da Universidade de So Paulo

    Yalter Lellis A

    Professor de Literaturas de Lngua Inglesa do Ensino Superior em So Paulo

    LIT iL' I

  • Direo

    Benjamin Abdala Junior

    Samira Youssef Campedelli

    Preparao de. texto

    Jose Pessoa de Figueiredo

    Projeto grfico (miolo)

    Antonio do Amaral Rocha

    Arte-final

    Ren Etiene Ardanuy Joseval de Souza Ferria~des

    Capa Ary Almeida Normanha

    ISBN 85 08 00651 9

    1985

    Todos os direitos reservados

    Editora Atica S.A. - Rua Baro de Iguape, 110

    Tel.: (PABX) 278-9322 - Caixa Postal 8656

    End. Telegrfico "Bomlivro" - So Paulo

  • Sumrio 1. Idade Mdia:

    uma literatura se define 5 Invasores e invadidos 5 Como e o que se lia 6 A espera de um grande literato 9 Enfim, um grande poeta 1O

    2. A Renascena: o limite a ser alcanado 13 Tempos novos, arte nova 13 Em verso e prosa 16 O reverso da medalha 17 Em cena, o teatro 19 O dramaturgo maior 23 A voz do bardo 27

    3. O sculo XVII: grandiloquncia e sagacidade 29 A repblica dos santos mercantilistas 29 Antes do triunfo puritano 30 Pensando em versos 31 A prosa busca sua direo 34 A servio de Deus e dos homens 34

    4. A Restaurao e o sculo XVIII: razo e artificialismo 37 Depois da aventura republicana 37 A poesia da forma 38 O teatro volta cena 40 A infncia de um gnero promissor 42

    5. O Romantismo: a aventura da imaginao 46 Reagindo Revoluo Industrial 46 Anjos e demnios profticos 48 O triunfo da imaginao 49 Um gnero a caminho da maturidade 51

  • 6. A era vitoriana: o romance domina a cena 53

    Ordem e progresso no reino 53

    Os escritos do reino 54

    A vida feita romance 55

    A contribuio feminina 57

    Ainda o romance 58

    Vcrsos vitorianos 60

    7. O fim de sculo:

    continuadores, opositores e profetas-62

    Velhos e novos caminhos 62

    Ressurge o teatro 65

    Mestres em verso e prosa 67

    Outras contribuies ao romance 70

    8. O sculo XX:

    variedade e complexidade 73

    Incertezas e abalos 73

    Poesia moderna e no 74

    O talento na Terra Devastada 75

    Romance e complexidade 77

    Outras vises do mundo 81

    9. O ps-guerra:

    admirvel (?) mundo novo 84

    Um panorama sujeito ao tempo 84

    A ira como protesto 85

    Nem s de ira vive o romance -87

    Teatro e poesia no mundo novo 90

    10. Vocabulrio crtico 92

    11. Bibliografia comentada 95

  • Idade Mdia:

    uma literatura define

    Invasores e invadidos

    Se algum, na Inglaterra de meados do sculo XIV,

    tivesse o mesmo interesse que ns temos por literatura,

    estaria bastante mal servido. Para comear, havia uma dis-

    crepncia de linguagem entre as classes sociais - o povo

    \ falava um ingls parecido com o que conhecemos hoje, e a

    aristocracia e o clero preferiam um dialeto francs e o latim.

    Que pas era esse onde no havia unidade lingstica? Q O nosso hipottico literomanaco seria, provavelmente, des- cendente de um dos trs povos que invadiram e mudar a face da Inglaterra, depois que a ilha deixou de se ydprovncia romana por volta do sculo V: os saxoes, os vikings e os normandos. Os primeiros eram originrios da regio da atual Alemanha, Dinamarca e noroeste da Ho- landa, e vieram em hordas sucessivas. Os saxes falavam dialetos distintos, e sua organizao tribal no os predis- punha a muita unidade. Foi para catequiz-10s que a Igreja Catlica Romana mandou um missionrio, em 597. A partir da, surgem os mosteiros, centros de cultura e de

    i propaga~ da f. Esse ambiente de relativa paz foi. destrudo pelos

    vikings, habitantes d a Dinamarca, Sucia e Noruega de I nossos dias. Ao invadirem a Inglaterra, os vikings aterro-

    rizaram a populao, destruindo os mosteiros e, com eles,

  • a cultura, o grande foco de uma civilizao adiantada para a poca.

    Foi somente em 878 que um saxo, o rei Alfredo, logrou firmar um tratado de paz com os vikings, e o sculo X j encontra a Inglaterra - fato rarssimo na Europa medieval- como uma s ilao, governada por uma casa real, com uma Igreja nica, a Catlica, e falando uma s Ingua, o "ingls do rei", na qual eram escritos os do-cumentos oficiais e se registrava a produo literria em vernculo.

    Mas, em 1066, houve outra invaso, e, desta vez, inva- sores que vm para ficar e tentar impor sua cultura: os normandos, vindos do Norte da Frana. Com eles, muito muda na Inglaterra - a nobreza francesa toma o lugar da inglesa e faz do dialeto francs, que, falavam, a Ingua da corte, embora o latim permanecesse como a Ingua do clero.

    Se, por um lado, a presena normanda quebra a tra- t dio saxnica, por outro lado tem o mrito de lig-la ao continente, fazendo ponte entre a ilha e os pases europeus que ainda mantinham, numa certa medida, a tradio cul- tural latina.

    Explicam-se, assim, as trs lnguas que nosso leitor imaginrio poderia ler (isso considerando-se que ele fosse uma exceo numa populao predominantemente analfa-beta).

    Como e o que se lia Resta ainda lembrar que a experincia de leitura desse

    homem medieval seria bastante distinta da nossa. Ele no leria um livro, mas, sim, um manuscrito e, dificilmente, leria nas mesmas condies em que, digamos, voc l esta obra. Nessa poca, a leitura era uma atividade essencial- \ mente gregria - lia-se em voz alta, em pblico, para

    1

  • 1

    divertir ou ilustrar os poderosos, ou recitava-se de cor ou cantava-se, neste caso tambm para as classes menos abas- tadas.

    Mas o que havia de produo literria, o que poderia ler esse nosso leitor medieval? Se se interessasse pelo pas- sado, teria a seu dispor a produo dos mosteiros, cujos nomes mais representativos so Beda o ~ener'vel (672- -735) - que escreveu em latim a Histria Eclesistica do Povo Ingls - e os poetas Caedmon (segunda metade do sculo VII) e Cynewulf - que, em ingls arcaico, fizeram versos sobre temas como histrias do Velho e do Novo Testamento e vida de mrtires e santos cristos.

    Se nosso leitor no apreciasse a temtica religios poderia ler, num manuscrito do sculo X, hoje no Muse Britnico, um pico provavelmente composto ao redor d ano 700 - Beowulf.

    Beowulf um heri de uma tribo escandinava, e sua aventuras se passam, como manda a pica, num perodo distante do da sua audincia do sculo VII. Mesmo assim, contudo, o poema revela muito da sensibilidade saxnica, a de um povo com forte sentido de comunidade. Esse povo prezava seus guerreiros e as virtudes do Lord, que os protegia e respeitava, recebendo deles, em troca, total fidelidade.

    Se, no poema, no h o conflito do homem versu homem, h o do homem com o Mal, simbolizado na for destrutiva dos monstros que Beowulf tem que enfrentar que, apesar de sua coragem herica, terminam por mat-1

    E, ao ler Beowulf, o nosso leitor medieval poderia se dar por satisfeito a respeito de seu conhecimento da lite- ratura do passado distante e comear a dedicar-se lite-ratura mais prxima de seu tempo.

    Para examinarmos as opes literrias disposio desse homem do sculo XIV, temos que lembrar a data- -chave de 1066. A partir da, da invaso normanda, o dialeto francs ocupa um lugar de destaque na ilha.

  • ele a linguagem dos vencedores, e nele que os poetas, dependentes do patronato dos nobres, vo escrever. Assim, o gosto literrio afrancesado, e os "romanescos", recita-dos por menestris, tornam-se comuns na corte. Um dos exemplos mais conhecidos desse gnero, o ciclo arturiano, narrando as aventuras do rei Artur e dos cavaleiros da Tvola Redonda, ilustra bem a medida da influncia fran-

    I cesa. Originalmente celta, de antes mesmo da invaso I saxnica, chegou a Inglaterra via Frana.

    Se no quisesse expor-se a influncia francesa, o nosso leitor teria que se contentar com a produo explicita- mente dirigida as classes mais baixas. Dificilmente en-contraremos uma Cpoca da literatura inglesa em que se demonstrasse tanta conscincia de classe: havia uma pro-duo em francs para as cortes, e a literatura em vern-

    iculo se concentrava mais nas mos da Igreja, cujos repre- sentantes escreviam obras visando a instruir o povo a respeito da Bblia e da vida crist. Um exemplo carac- iterstico desse tipo de literatura o Ormulum, escrito no I sculo XII, cujo objetivo "suprir as necessidades das I! almas". I

    Na linha do entretenimento, havia para o povo 2s I baladas, canes curtas narrando histrias de amor ou I aventuras de heris. Um desses ainda nosso conhecido: I Robin Hood, que representaria, na poca, a verso popu- 1 lar dos cavaleiros-heris dos romanescos da corte. I Outra forma popular de arte era a representao de I

    I peas sobre milagres ou mistrios da religio. Essas peas no eram representadas por atores profissionais, e, sim, por i cidados comuns, que as encenavam pelas ruas por ocasio

    das grandes festas religiosas. Essas formas populares de arte eram, claro, em

    I lngua inglesa - no a mesma lngua arcaica de Beowulf, mas um outro estgio de sua evoluo que, se no a traz ainda para o ingls que conhecemos hoje, uma forma

  • desse i 'oma por ns reconhecvel como tal e que se con- vencip;l'ou chamar de Middle English.

    A partir de 1244, a poltica vem influenciar nova-mente a literatura, se bem que, desta vez, num sentido de unificao. Foi nesse ano que um decreto dos reis da Inglaterra e da Frana proibiu a posse de .terras por uma mesma pessoa nos dois pases. Como conseqncia, os nobres que permaneceram na Inglaterra foram se tornando cada vez mais marcadamente ingleses e, em meados do sculo XIV, o Middle Eizglish (ou dialetos dele) era falado por todos os habitantes do pas.

    Enfim, esto prontas as condies para uma litera-tura predominantemente em lngua inglesa, retomando-se o fio interrompido pela invaso normanda.

    A espera de um grande literato

    Nessa altura, faltar a literatura inglesa um grande nome. Certamente difcil especular o porqu do no- -surgimento de nenhuma persoiialidade literria de impor- tncia antes da segunda metade do sculo XIV. Porm vale a pena lembrar que o esprito tipicamente medieval - ainda que j se estivesse modificando por essa poca - no era muito propcio a apario de grandes indivi- dualidades literrias. A vida cultural gravitava em torno dos mosteiros e das casas dos grandes senhores. A influn-cia da Igreja se faz sentir em toda parte: a tnica dos poemas e peas a edificaqo, e o importante no o mundo que os cerca, mas, sim, a vida eterna, para a qual o "aqui" e o "agora" so meras preparaes.

    Reflexo da desimportncia do indivduo o prprio anonimato de grande parte da produo da poca: as his- trias eram consideradas propriedades comuns, e os escri- bas sentiam-se perfeitamente vontade para modificar os

  • 1 I I

    I I I I I

    materiais que copiavam, como atestam as diferentes verses manuscritas de uma mesma obra.

    Mas, a partir da segunda metade do sculo XIV, o nosso leitor j tem a disposio obras de autores definidos, embora ainda predominem nelas uma viso alegorista do real, to caracterstica de uma poca que vai caminhando para o seu final.

    O nosso leitor poderia, por exemplo, ler um longo poema de seu contemporneo William Langland. Piers Plownian a histria edificante de um homem que, ao dormir, tem vises povoadas por personagens como a Ver- dade, a Razo e a Conscincia. Embora, contado assim, o poema no parea muito interessante, tem ele o mrito de apresentar uma glorificao do homem comum: o campons rstico quem conhece o caminho da verdade, e no os clrigos e cortesos que desfilam pela obra.

    Porm todo o esforo de leitura desse nosso leitor seria amplamente recompensado ao ler Geoffrey Chaucer, o primeiro grande poeta da literatura inglesa, a cuja obra levam todos os caminhos que percorremos at aqui.

    Enfim, um grande poeta

    Para conhecermos Chaucer, faamos uma viagem ima- ginria Londres de 1390. Podemos pedir ao nosso leitor hipottico que nos guie a Tabard Inn, uma estalagem ao sul da cidade. Ele certamente a conhece, pois a mais famosa da cidade, j que a que se renem os viajantes que vo em peregrinao a Canterbury, um dos mais pro- curados centros de devoo da Europa medieval, para render homenagem ao mrtir So Toms Becket.

    A um canto da estalagem, veremos que um homem observa atentamente os alegres e ruidosos peregrinos. uase todos o conhecem, pois um homem importante.

  • tinente, e chegou mesmo a lutar na Frana no conflito ,que conheceremos por Guerra dos Cem Anos. Nascido em Londres, por volta de 1340, filho de um rico burgus e, logo cedo, sua inteligncia e um casamento com uma dama da corte exigiram seus prstimos ao soberano ingls.

    Enquanto observa, Geoffrey Chaucer vai esboando os personagens de sua nova obra, cuja estrutura ele j imaginou - um grupo de peregrinos a Canterbury se prope tar quatro histrias para entret-los durante a viagem. Duas histrias sero contadas na ida a ~ a n t e r -bury, e ruas, na volta a Londres. 1O contador da melhor histria ser recomperisado com u a ceia na Tabard Inn. Essa estrutura, alis, ter sido emprestada do Decarneron de Boccaccio, obra que Chaucer provavelmente conheceu em p a s andanas pela Itlia. LOSperegrinos e suas histrias, ao longo do poema, formaro um grande painel da sociedade inglesa da poca, pois estaro representados desde o nobre at o campon~s. J Muitos sero apenas tipos, mas a niaioria - produtos da observao direta - sero personagens vivos, de grande individualidade, atestando uma mudana de tica, que nos autorizar a chamar Chaucer de o primeiro humanista ingls.

    Num longo prlogo, esses peregrinos nos sero apre- sentados. Com humor e ironia - caractersticas marcantes de toda a obra - Chaucer vai criticar os mais diversos aspectos de sua sociedade. O clero devasso, por exemplo, ser alvo de algumas de suas crticas mais contundentes, como podemos observar neste trecho referente ao monge (no original Midd l e English ~m.ingls moderno) : t

    7 C I L b , C ( C c > i -Grehoundes he hadde, as swi f tes fowel in flight; - ' ':',

    ( ~ r e ~ h o d d s c,he had, as swift as birds in fl ight;) -Of priking and of hunting for the hare ' I < A

    ( In riding and in hunting for the hare) \ ' ' Was a1 his l u , for no cost wold *EE4.spare.

  • No escapar as crticas de Chaucer a explorao do pobre pelo rico, como podemos observar neste trecho refe- rente ao Mdico:

    Anon he yaf the seke man his bote. (At once he gave the sick man his medicine.) FUI redy hadde he his apothecaries. (AI1 ready he had his apothecaries,) To sende him drogges and his letuaries, (To send him drugs and his syrups,) For ech of hem rnade other for to winne; (For each of them made profit for the other;) Hir frendschipe nas nat newe to biginrre. (Their friendship had not just begun.)

    Chaucer no ter tempo de escrever todas as histrias que previu para o seu The Canterb'ury Tales, pois a morte o alcanar em aproximadamente 1400. Muitas dessas his- trias, como o Knight's Tale, ou o Franklyn's Tale, ainda se prendem ao mundo medieval, repetindo a temtica das alegorias e do amor corteso de obras anteriores do poeta, como Tlze Book o f the Dukess, The Nouse o f Fume, The Legend o f Good Women e Troilus and Criseyde. Outras, porm, como o conto da irreverente e maliciosa Wife o f Bath, j nos introduzem numa atmosfera de Pr-Renas- cena, por sua preocupao com o ser humano que ques- tiona a ordem tradicional de um mundo em extino. E a, justamente, esto a grandeza e a atualidade de Geoffrey Chaucer. Se lhe faltam a profundidade e a mestria potica de um Dante ou de um Petrarca, sobra-lhe o fascnio pela condio humana, o que atrairia nosso leitor do sculo

  • A Renascena: o limite a ser alcanado

    Tempos novos, arte nova

    O brave new world.

    That has such people in ' t . (The Ternpest)

    Com Chaucer, deixamos o sculo XIV, e a tentao grande de saltar o tempo e abordar o fenmeno William Shakespeare, autor das linhas que abrem este captulo, bem como de todas as outras que serviro de sntese para os momentos mais marcantes da produo literria inglesa do sculo XVI e incio do XVII, nosso objetivo agora.

    Mas a tentao deve ser resistida, sob pena de nos ensurdecermos com os sons que enchem a ilha de uma vitalidade criadora e ficarmos sem compreender por que caminhos se foi galgando para se chegar a Shakespeare.

    Como muitas vezes o caso, os acontecimentos his- tricos compem o grande cenrio da Arte, e ele muda significativamente no tempo que separa a morte de Chaucer do nascimento de Shakespeare. O mundo teocntrico me- dieval d lugar a um admirvel mundo novo, em que o homem ocupa o centro do palco.

    l h e isle is full of noise.

    Sounds and sweet airs that give delight

    and hurt not. (The Ternpest)

  • Assim pode ser vista a Inglaterra da Renascena: uma ilha onde se canta e dana, procurando-se gozar os prazeres terrestres tanto quanto possvel. A Guerra das Duas Rosas (1455-1485) resolve no s uma disputa dinstica pelo trono ingls, que cai nas mos dos Tudor, como tambm marca o fim da velha ordem m e d i e v a l . l ~ ~ ; g ..

    Embora historicamente a Renascena in se inicie no sculo XVI e s termine em meados V11, comum referirmo-nos a ela como poca e ' etana, ou seja, a do reinado de Elizabeth I, de 15 /a 1603. nesse perodo que o renascimento ingls se desenvolveu com maior inten- sidade, produzindo uma "poca de ouro" no s na lite-ratura, como tambm em outras manifestaes artsticas. uma poca de extrema criatividade, que no mais se repetir - como veremos ao longo deste estudo - na histria da literatura ii-iglesa.

    Toda essa atividade intelectual prende-se ao desenvol- vimento econmico e poltico da Inglaterra, tornando-a uma das principais potncias europias.

    A reforma religiosa d e Henrique VIII, o segundo soberano Tudor, alterara de vez a balana do poder. O rei tornou-se, ento, a fonte d e autoridade em matria de doutrina, de moral e interpretao das Escrituras. Grande parte da nobreza medieval fora dizimada na Guerra das Duas Rosas; aps o cisma, Henrique VI11 distribuiu os bens da Igreja Romana entre membros da nova nobreza -muitas vezes oriundos da burguesia - e cujos interesses ficam, assim, intimamente ligados Monarquia.

    Em que pese seu autoritarismo, Henrique VITI termi- nou por realizar uma boa administrao, moldando a In-glaterra nas feies de um Estado moderno. No fim de seu reinado, a mquina administrativa funciona com efi-cincia, recebendo impostos e investindo em novas obras; h um Conselho Privado do rei, que o assessora em assun- tos de Estado, bem nos moldes do gabinete ministerial^ moderno.

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    A cultura tambm se moderniza. J no final do sculo XV, William Caxton introduzira a tcnica da impresso na Inglaterra, embora um dos primeiros livros impressos trate d o passado e no da nova era que se inicia. a Morte Darthur, de Sir Tliomas Malory, narrando ainda as aven- turas dos cavaleiros da Tvola Redonda.

    Porm o iiovo saber tambm se faz presente, princi- palmente atravs dos humanistas, os quais promovem o estudo dos clssicos greco-latinos. durante o reinado de Henrique VI11 que um deles, Sir T h o m a ~ More, publicou, ainda em latim, a Utopia, descrevendo uma ilha imaginria onde tudo perfeito, um ideal ainda hoje to distante quanto o era no reinado absolutista dos Tudor.

    Os sucessores de Henrique VIII, seus filhos Eduaido VI e Maria I - em breves mas desastrosos reinados -, quase comprometem as realizaes do soberano reformista. Caber a sua filha, Elizabeth I, consolidar a obra d o pai e presidir, com mo de ferro, a "idade de ouro" da Ingla- terra.

    Elizabeth I soube acalmar os nimos de seus compa- triotas nas questes religiosas que os dividiam, principal- mente, entre catlicos e protestantes, e, no meio destes, os ptiritanos, que, no contentes com certos aspectos d o angli- canismo, pretendem "purific-lo".

    Na poltica externa, a rainha "Virgem" alimenta o patriotismo ingls, derrotando a Invencvel Armada de Felipe I1 da Espanha, ao mesmo tempo que amplia os mercados internacionais para os produtos ingleses. Sob Elizabeth, a Inglaterra cresce poltica e economicamente, conhecendo um progresso sem precedentes.

    Existem, portanto, as condies materiais necessrias para um grande desenvolvimento intelectual. O huma-nismo j preparara o terreno, formando intelectuais ques- tionadores, munidos de conhecimentos d o grego e, prin- cipalmente, d o latim.

  • As imitaes dos clssicos e dos mestres italianos renascentistas formam o gosto literrio das classes domi- nantes. O latim, embora aparentemente fortalecido pelo estudo dos clssicos, cada vez menos usado como ve-culo de expresso, j que o nacionalismo colabora para que a lngua inglesa seja a escolhida, mesmo pelos mais classicistas entre os intelectuais.

    Em verso e prosa

    A poesia alegrica e didtica comea a ser suplantada pela lrica, calcada nos modelos da literatura cortes con-tinental. Sir Thomas Wyatt, poeta e diplomata, trouxera da Itlia o soneto, forma adequada,para a expresso breve, intensa e pessoal que se espera de um poeta da nova era.

    A prosa ficcional tambm se desenvolve, embora no se possa ainda falar de romance, tal como o conhecemos hoje. H a li~ilia pastoril, que herda elementos do roma-nesco, e uma linha mais "realista", que vem dos panfletos moralistas e religiosos. H tambm muitas traduoes, his- toriografia e a ensastica, em que brilha Sir Francis Bacon ( 1561-1626). Em seus Ensaios, ifnpress0es breves sobre vrios assuntos, nascem muitos dos ditados que at hoje so utilizados pela cultura ocidental. Assiin, toda vez que voc disser que "o remdio pior que a doena" ou "a ocasio faz o ladro", voc estar repetindo palavras deste filsofo elisabetano.

    Na linha pastoril da narrativa, a obra de maior des- taque Euphues, de John Lyly. Na verdade, mais que uma narrativa propriamente dita, Euphues um tratado de moral, onde cada incidente utilizado como ocasio para um ensinamento. O estilo de Lyly, o eufusmo, d o tom da prosa e at mesmo das conversas da corte. Rebus-cadamente artificial, o estilo tenta reproduzir os meandros

    ,

  • do pensamento, ao mesmo tempo que projeta os incidentes num ambiente idlico de romance pastoril.

    Embora houvesse pblico para a prosa, a audincia da poca era muito mais preparada para ouvir do que para ler, e o teatro o gnero que maior destaque ter nesta poca em que a prpria soberana, ex-aluna de Lyly, eru-dita e gosta de entrar em contato com intelectuais c artis- tas, incentivando suas atividades e recompensando seus esforos. Cria ela, assim, condies para um grande flo- rescimento literrio.

    O reverso da medalha Something is rotten in the state of Denmark. (Hamlet)

    Os Tudor, e tambm o sucessor de Elizabeth, Jaime I, foram os monarcas mais absolutistas da histria inglesa. Enquanto re.inaram, o Parlamento foi frequentemente des- respeitado. O poder real no podia, absolutamente, ser contestado, pois os monarcas governam "por especial desejo e proteo de Deus" e no hesitam em mandar matar quem quer que se oponha a eles.

    No de estranhar, portanto, que a exploso de cria- tividade da literatura inglesa reilascentista estivesse sujeita a uma rgida censura poltica, zelosa de que o pensamento oficial no fosse contestado. Em 1599, por exemplo, Eli- zabeth I probe a representao de peas teatrais cujo tema fosse a histria inglesa. Temem-se as referncias indiretas ao presente, atravs de paralelismos histricos.

    Assim, os escritores ingleses vem-se obrigados a louvar um sistema poltico que os cerceia, limitando suas contesta0es. No L, portanto, na Dinamarca que Shake- speare localiza seu algo de podre.

    Para piorar a situao, os escritores dependiam, ainda em grande medida, do velho sistema medieval do patro-

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    nato. Embora j houvesse atividade editorial, os editores pagavam pouco, e havia at um certo preconceito de se escrever para a clientela potencial dos livreiros, ou seja, a burguesia citadina, que dava preferncia as obras de edi- ficao, ao romanesco, aos tratados religiosos e as baladas sensacionalistas. comum, ento, que as obras sejam dedicadas a este ou aquele nobre, na esperana, muitas vezes v, de uma recompensa pecuniria ou de ascenso social. ,,y

    O prprio Edmund Spenser (1552-1599), considerado o maior entre os poetas no-dramticos da poca, no esca- pou das armadilhas da vida cortes. De origem pequeno- -burguesa, vai a Cambridge como aluno pobre e l recebe a influncia do puritanismo e do nacionalismo.

    Entre os objetivos poticos de Spenser est o de dig- nificar a lngua inglesa, como Homero e Virglio haviam dignificado o grego e o latim. Sua escolha de gnero potico significativa: Spenser brilhou na cloga, gnero clssico em que, geralmente atravs de dilogos entre pas- tores, se celebram os ideais de uma vida simples. A pri-meira vista, esse gnero parece ser desvinculado da reali- dade imediata do poeta, mas, na verdade, The Shepherd's Calendar - doze clogas, uma para cada ms do ano -pode ser lido como uma crtica oblqua ao mundo como , na exaltao do mundo como ele deveria ser.

    Embora muito da fora do poema esteja na lingua-gem rstica que se adapta ao tema, o patrono a quem fora dedicado no o apreciou. Spenser muda-se para a Irlanda e l compe as primeiras partes de seu poema inacabado The Faerie Queene - uma alegoria das virtudes humanas, cada uma protegida por um cavaleiro. O maior dos protetores Gloriana, a prpria Elizabeth I, cuja glria viria do fato de possuir todas as virtudes. um poema nacionalista, que engloba os ideais da corte: o patriotismo, o cavalheirismo e o conhecimento intelectual.

  • Mesmo dedicando seu poema a rainha, Spenser viu-se preterido pelos favores da corte e morreu pobre, embora tenha tido a honra de ser enterrado no "Canto dos Poetas" na Abadia de Westminster, ao lado de Chaucer.

    4 Mas voc j deve estar se perguntando quando, final- mente, vamos falar de arte dramtica e de sua estrela maior, William Shakespeare, j que anteriormente afirma- mos que o teatro o gnero de maior destaque na poca elisabetana.

    Tendo visto que a poca propcia ao desenvolvi-mento cultural, sintetizado nas figuras dos humanistas, dos poetas como Spenser, dos prosadores como Lyly e filso- fos como Bacon, agora podemos falar de teatro.

    Em cena, o teatro

    AI1 the world's a stage, (. . .) (As You Like It)I

    Inicialmente, vejamos o que havia em termos de teatro, antes de Shakespeare. No panorama sobre a lite-ratura medieval, lembramos que uma forma incipiente de teatro j existia nas peas de mistrios e milagres. J no sculo XV os assuntos seculares vo se infiltrando no drama, em especial nas peas de moralidade e nos inter-Idios. As moralidades eram alegorias que usavam idias

    I

    I abstratas como personagens e tinham o objetivo de ensinar

    I uma lio moral. Os interldios eram peas curtas, repre- i sentadas nas casas dos grandes senhores no meio - da o

    'I nome - de outras atividades, tais como festas e come-moraes.

    ,< Com a Renascena, o teatro comea a sentir a in-\ fluncia dos clssicos, e aparecem as primeiras comdias

    i c tragdias. Estas so influenciadas principalmente por/ Sneca, no aspecto da linguagem retrica e florida, bem i como nos enredos violentos e sanguinrios.

  • I

    As primeiras tragdias tm caractersticas que se man- 1 tero por toda a era elisabetana: desobedincia as trs uni- dades aristotlicas de tempo, espao e ao; uso do verso branco, em que no h necessariamente rima; e capacidade '\de manter a ateno do pblico. L- Certamente, parte desse apelo popular residia na ex-trema violncia dos enredos e das encenaes. A ttulo de ilustrao, basta lembrar The Spanish Tragedy, de Thomas Kyd (1558-1594), em que o personagem principal corta em cena sua prpria lngua e a cospe no palco.

    O primeiro grande tragedigrafo da poca Cristo-pher Marlowe, que muitos pensam ser um dos grandes esquecidos pela crtica moderna. Nascido no mesmo ano em que Shakespeare, 1564, Marlowe foi um grande poeta dramtico. Usou a linguagem de maneira espetacular. Em- pregou recursos dramticos originais,"como o uso da cari- catura, para provocar o horror e no o riso. Isso sem falar de suas imagens arrebatadas, porm apropriadas psicologia de seus personagens violentos, que sofrem do que Hauser chama, com propriedade, de "paroxismos de megalomania autodestrutiva" *.

    Os temas de suas trs maiores tragdias, embora uni- versais, falavam muito de perto aos elisabetanos. A sede do poder, em Tamburlaine, no s encontrava eco nos reis absolutistas da poca, mas ainda o faz em figuras dita- toriais que nosso sculo to bem conhece. Em The Jew of Malta, Marlowe retrata o poder do dinheiro j to valo- rizado pelo capitalismo incipiente de ento; e, em Dr. Faustus, pe em cena o homem que vende sua alma ao demnio Mefistfeles pelo preo da maior das tentaes: o saber.

    Uma das conjecturas mais interessantes da literatura inglesa pensar-se aonde teria chegado o talento de Mar-

    * HAUSER,Arnold. O Maneirisrno. So Paulo, Perspectiva/Edusp, 1976. p. 421.

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    lowe, se no tivesse sido misteriosamente assassinado, antes dos trinta anos, numa briga de taberna.

    A comdia tem tambm outro grande expoente, alm de Shakespeare. Trata-se de Ben Jonson ( 1573- 1637), a quem valeria a pena mencionar, nem que fosse unica-mente para mostrar eni que medida ele tipifica o drama-turgo renascentista de moldes europeus, modelos transcen- didos por gnios como Marlowe e Shakespeare.

    Erudito, Ben Jonson busca a conteno e o despoja- mento do estilo e baseia nos clssicos suas composi~s, em que as trs unidades do teatro aristotlico so respei- tadas com rigor.

    Arrogante, despreza o teatro sensacionalista mas pro- fundamente humano que faz sucesso nos palcos ingleses, rendendo-se apenas ao talento maior de Shakespeare.

    Bom dramaturgo, conhece o sucesso em stiras em que no poupa os outros poetas nem os tipos mais comuns da vida londrina, como os jovens advogados, os merca-dores, os nobres hedonistas e os novos-ricos provincianos.

    Suas peas mais famosas so Every Man in his Humour, revivendo a teoria medieval segundo a qual a alma humana era sujeita a determinados humores, como a clera ou a melancolia. Em Volpone e The Alchemist, Jonson satiriza a cupidez dos homens, enquanto retrata a vida e os costumes da Londres seiscentista.

    Para quem e onde eram encenadas todas essas peas? Vimos que as manifestaes teatrais da Idade Mdia eram ciiccnadas, muitas vezes, nas ruas. Gradativamente, vo sciido elas montadas em lugares fixos, mas ainda longe (Ias ciisns dc espetculos como conhecemos hoje. Todo cspaqo grniiclc c coni acesso ao pblico parecia servir, desde os ~itrios tlus casas dos nobres ate os ptios dos edifcios p"blicos c. 1)i-iiicip;~lniciitc,das estalagens e tabernas.

    OS "~I~(II.cs" cr;~ni. ;I princpio, itinerantes e, talvez para cscnpni-cni da pl.is:l~ por vagabundagem, talvez por terem ai unia cliciitcla segura, alguns grupos de atores

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    eram empregados nas casas dos poderosos, onde, em oca- sies especiais, davam uma apresentao. Parece que tal fato no os impedia de se apresentarem em outros locais, mas o certo que mesmo a companhia de Shakespeare era composta pelos "Lord Chamberlain's Men", os quais passariam depois, sob proteo real, a se chamar "The King's Men".

    Pouco se sabe das caractersticas dos locais de espe- tculo da poca. Sabemos que a popularidade do teatro era tanta, que levou a construo de um'edifcio, em 1576, exclusivamente para a representao de peas -The Thea- tre, situado prudentemente nos arrabaldes de Londres, fora da jurisdio dos poderes municipais, que no o aprovavam.

    1 Talvez a mais famosa das casas teatrais seja The i Globe, o teatro onde a maioria das peas de Shakespeare

    9 iforam encenadas, destruido num incndio, em 1613. ? To intensa a relao entre Shakespeare e o teatro ,onde ele foi ator, autor e scio, que um entendimento do espao fsico e do tipo de audincia que o frequentava torna-se necessrio, para melhor se entender a sua obra.

    - Suas peas foram escritas para serem encenadas. Shakespeare provavelmente jamais pensou nelas como o monumento literrio que so. Basta lembrar que ele nunca se preocupou muito com a publicao delas e, se no fosse pela diligncia de dois de seus amigos, Heming e Conde11 - que, aps sua morte, publicaram a primeira letnea de suas peas -, ns hoje no teramos grande

    A audincia visada por Shakespeare era variadssima. espao ao redor do tablado que servia como

    palco, ficavam de p os mais pobres, a gente do povo, a quem cumpria manter quieta e entretida pelos aspectos mais sensacionalistas das peas. Nos balces elevados e galerias sentavam-se os nobres de sangue e de dinheiro. Mais refinados, a estes cabia agradar com os temas sutis e as imagens poticas, bem como as damas que, embora

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    mascaradas, j que a presena feminina nos teatros noLra bem vista, esperavam um pouco de romantismo. O autor no podia esquecer os intelectuais, que deve-

    riam apreciar a filosofia e o debate. A estes ltimos Sha- kespeare no conseguiu agradar durante muito tempo. O dramaturgo era visto pelos autores .teatrais oriundos das universidades como um arrivista provinciano, que s sabia escrever peas sangrentas, j que Shakespeare jamais che- gara a universidade. Um dramaturgo da poca, Robert Greene, chegou a cham-lo de "Shakescene". Hoje, a parte mais citada da obra de Greene pela histria da lite- ratura inglesa , ironicamente, a das investidas contra o gnio que o incomodava.

    O dramaturgo maior

    Vista a audincia, podemos abrir a cortina e olhar de frente William Shakespeare.

    Muitos historiadores lamentam o fato de que no se saiba muito a respeito de sua vida. Sabemos apenas que nasceu em Stratford-upon-Avon, casou-se l, teve filhos, foi a Londres, enriqueceu-se com o teatro e voltou cidade natal para morrer rico e reconhecido como um grande talento.

    Ser, porm, que os fatos que nos faltam mudariam alguma coisa? Temos o fundamental, ou seja, sua obra. E nela h mais Shakespeare que em qualquer biografia.

    As primeiras obras de Shakespeare no so dramti- cas. So os longos poemas Venus and Adonis e The Rape of Lucrece, bem ao gosto da aristocracia por sua feitura humanista e clssica. Ambos ilustram o que j afirmamos sobrc o patronato, em suas dedicatrias ao Conde de Southnmpton.

    No podemos afirmar por que, numa fase seguinte, Shakespeare volta suas atenes para o teatro. possvel

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    que a atrao fosse pessoal, em termos de' auto-realizao; possvel que motivos financeiros o levem a ver melhores possibilidades a; possvel tambm que sua carreira de ator e adaptador lhe abram horizontes para a criao dra- mtica, cujo alcance social mais amplo que o da poesia.

    Num primeiro momento, Shakespeare vai buscar o assunto para suas peas na histria inglesa.

    For God's sake, let us sit upon the ground

    And te11 sad stories of the death of kings (. . . I

    AI1 murdered: for within the hollow crown

    That rounds the mortal temples of a king

    Keeps Death his court. (Richard II]

    Essas peas vm de encontro a um sentimento comum as diversas classes sociais que compjem, como vimos, a

    shakespeariana. Peas como Henry VI, Richard 11, 111. King John, Henry V - todas antes da fat-

    ica data de 1599 -no devem ser pensadas apenas como simples recriaes histricas, com o mrito adicional de exaltar o sistema monrquico vigente. H tambm a o estudo da psicologia do homem que usa a coroa vazia, de suas relaes com sua prpria conscincia e da valoriza- o da lealdade como o maior atributo do rei.

    As peas de Shakespeare nunca so monolticas, e mesmo na exposio pomposa da vida de reis h lugar para o humor. Exemplo desse humor o personagem Falstaff, cujas peripcias em Henry IV agradaram tanto ao pblico, que a prpria rainha exigiu o seu reapareci-mento, o que aconteceu em The Merry Wives of Windsor, uma das comdias desse primeiro perodo.

    The Cornedy of Errors, The Tarning of the Shrew, Love's Labour's Lost, A Midsurnrner Night's Drearn, The Merchant o f Venice, Much Ado About Nothing e As You Like It so outras comdias dessa primeira fase de Sha- kespeare. Via de regra, h nelas uma deliciosa mistura de

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    fantasia e realismo na criao de um mundo fictcio onde o romantismo ocupa um papel preponderante. Retratam elas a alegria de viver, em histrias que sempre acabam bem.

    Embora essas comdias tendam a desvincular-se do real imediato, Shakespeare logra criar, .com auxlio da magia da linguagem, uma realidade potica que tocava de perto sua platia, assim como nos toca at hoje: o poeta fala de emoes que somos capazes de reconhecer como nossas, embora o faa de uma maneira que as transcende.

    Na virada do sculo XVI, parece no haver mais pblico para a alegria, e Shakespeare entra no que conhe- cemos por seu "perodo sombrio".

    (. . . I Life's but a walking shadow, a poor player,

    That struts and frets his hour upon the stage

    And then is heard no more; i t is a tale

    Told by an idiot, full of sound and fury,

    Signifying nothing. [Macbeth)

    O que teiia, exatamente, levado Shakespeare a impreg- nar as grandes tragdias que escreveu entre 1601 e 1608 de intenso pessimismo com relao a vida? Talvez fosse por partilhar da insegurana poltica que toda a ilha sentia, j que Elizabeth est velha e no tem filhos para lhe sucederem no trono. H temor de novas guerras de suces- so, chegando-se mesmo a uma tentativa de golpe de es- tado que resulta na morte do Conde de Essex, o amigo e protetor de Shakespeare, que o aiudara a obter um braso familiar. Talvez algum problema pessoal o atormentasse, mas nada podemos afirmar a esse respeito, j que, como visto anteriormente, dispomos de pouqussimos dados bio- grficos que nos permitam conhecer perfeitamente o ho-mem Shakespeare.

    Hamlet, Othello, Macbeth, King Lear, Julius Cmar e Timon of Athens so as grandes tragdias escritas neste

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    segundo perodo do dramaturgo. Nelas, muito mais do que em Romeo and Juliet - uma tragdia ainda perten- cente ao primeiro perodo -, o ,elemento trgico conhece profunda exacerbao, e a vida humana vai aparecer apenas como unz conto narrado por um idiota, cheio de alarido e fria, nada significando.

    Todas essas tragdias so peas de grande flego, em que mais se evidencia a grande marca do gnio de Shakespeare - a capacidade de abarcar os mais variados e desconcertantes aspectos do gnero humano. Hanzlet, o que ? uma histria sensacionalista de assassinato, sui- cdio e loucura, se voc quiser v-la a nvel do melodrama. o sutilssimo estudo de uma personalidade dividida entre a ao e a ponderao, se voc a vir pelo lado do estudo psicolgico. uma sntese do homem do sculo XVI, perdido entre os mandamentos da velha ordem medieval e de uma nova ordem, humanista e que se esfora por ser racional. o habilssimo uso do verso e das possibi- lidades de um idioma que vai se firmando mais e mais como linguagem literria. Perpassa todos esses nveis de interpretao a capacidade de observao profunda e acurada do mistrio humano. Assim, se voc a ler com ateno, ainda vai chegar a outras possveis concluses.

    Mesmo as comdias escritas nesse perodo so som- brias e pessimistas. Mais da metade de Measure for Measure beira o trgico. O humor de Troilus and Cressida consegue de ns, quando muito, um sorriso, nunca, porm, o riso descontrado e saudvel das comdias anteriores.

    Mas, a partir de 1608, Shakespeare parece tr read- quirido, pelo menos em parte, o seu velho otimismo.

    I think affliction may subdue the cheek,

    But not take in the mind. (The Winter's Tale)

    Nas ltimas peas que escreve -Pericles, Cymbeline, The Winter's Tale, The Tempest -, Shakespeare volta a

  • 'pr em cena seu senso de humor. Agora, porm, esse humor mais contido, mais filosfico e mesmo um tanto melanclico, sem permitir, contudo, que as aflies subju- guem a mente.

    O tema da 'resignao e do perdo constante nessas ltimas peas, que devem, na verdade, ser reconhe- cidas como tragicomdias. E, com elas, o dramaturgo des- pede-se dos palcos, cinco anos antes de sua morte.

    Por que o teria feito? Mais uma vez, leitor, no poderemos satisfazer nossa curiosidade. Talvez Shake-speare se tivesse desinteressado pelo teatro, diante dos constantes e violentos ataques dos puritanos. O incndio do teatro Globo, em 1613, igualmente deve t-lo desesti- mulado a continuar escrevendo. Talvez sentisse que sua

    - hora de pavonear-se e agitar-se no palco da vida j se aproximava do fim.

    A voz do bardo Contudo, mesmo no mais produzindo para o teatro

    em seus ltimos anos de vida, ou mesmo que nada tivesse escrito para ele antes, Shakespeare ainda seria ouvido. Seus Sonetos bastariam para destac-lo de toda a produo literria elisabetana.

    Not marble nor the gilded monuments Of princes shall outlive this pow'rful rhyme, I . .. I (Soneto 551

    Os 154 sonetos escritos por Shakespeare formam, talvez, as mais belas pginas lricas da literatura inglesa. Neles esto presentes todos os elementos poticos elisabe- tanos, desde o jogo de conceitos at o mais refinado Neo- platonismo.

    Nas primeiras composies da srie, Shakespeare fala- -nos do amor, d e um amor imutvel e perfeito. Acom-

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    panha esse sentimeilto uma admirao pelo ser humano, pela beleza fsica e pela capacidade do intelecto. Tambm encontramos nesses sonetos uma certa melancolia, face a transitoriedade da vida humana. esta ao poeta o consolo da eternidade da obra de arte, nica forma de sobrevi- vncia que o homem pode alcanar. E confiante que o poeta elabora sua poderosu rima, certo de que ela sobre- viver ao mrmore e aos nzonumentos dourados dos prn- cipes.

    A desiluso amorosa que lhe provocada por uma certa "dama escura" faz com que o poeta impregne outros sonetos de maior sobriedade e profundidade, com impl-citas reflexes morais.

    A dedicatria que precede os sonetos no suficien-temente clara para nos revelar a quem teriam sido eles dirigidos, pois ao longo dos alm da .'dama escura", tambm aparece um "jovem amigo".

    Extrapolando a temtica amorosa, os sonetos de Shakespeare constituem mais um exemplo da genialidade do poeta de Stratford. Sua morte em 1616 marca tambm o fim de uma era L a elisabetana. Aps o desapareci-mento de Shakespeare, o gnio literrio ingls conhecer novos rumos, sem voltar a alcanar as mesmas alturas a que os elisabetanos se alaram. Profticas, portanto, seriam as palavras de Ben. Jonson, ao escrever um poema em memria de William Shakespeare:

    I . . . I Shine forth, thou Starre of Poets, and wi th rage, Or influence, chide, or cheere the drooping Stage;

    Which, since thy flight from hence, hath mourn'd l ike night, And despaires day, but for thy Volumes light.

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    O seculo XVII: grandiloquncia e

    sagacidade 6

    A ibpblica dos santos mercantilistas

    Imagine, leitor, se voc acordasse, um belo dia, e descobrisse que todos os teatros de sua cidade estavam fechados e que uma nova ordem se impunha, num mundo onde o prazer mundano no mais teria lugar.

    Foi o que aconteceu em i&& quando, ao fim de grandes conflitos e at de uma guerra civil, os puritanos levaram a melhor sobre seus velhos adversrios anglica-nos e catlicos, estabelecendo a repblica na Inglaterra.

    Voc deve lembrar-se de que, ainda na poca dos Tudor, o conflito religioso era uma ameaa constante a paz interna. Sob Jaime I, o Stuart que sucedeu a Eliza-beth, a coisa foi se agravando, para explodir no reinado de Carlos I, a quern os puritanos lograram depor e exe-cutar, dando Inglaterra a duvidosa honra de ser o pri-meiro pas europeu a cometer um regicdio, numa poca em que ainda florescia na Europa o absolutismo.

    Nessa altura, seria conveniente lembrar que o con-flito entre puritanos e anglicanos, alm de religioso, era iiiiin oposiiio ciitie interesses econmicos divergentes. Via ilc regra, os pnilidrios do rei eram senhores de terras, iiobrcs ciosos dc perpetuar seu poder. J os puritanos, oriundos cni su:i inaioiia da burguesia, pretendiam um "governo de snnlos", mas santos mercantilistas, uma vez

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    que na severa teoria calvinista podia no haver lugar para o prazer, mas o havia sempre para o comrcio e o lucro.

    Antes do triunfo puritano

    No meio de tanta convulso social, ainda havia um espao para a literatura. Embora o teatro, enquanto o poder poltico o permitiu, tenha sobrevivido com trag-dias e comdias na tradio elisabetana, o gnero que mais se destaca nas primeiras dcadas do sculo XVII a poesia. So paetas e no mais dramaturgos os grandes i nomes que nos legou esse tempo.

    Mas, antes de chegarmos a eles, vamos focalizar as . I principais realizaes literrias dos .reinados que antece-

    deram o crepsculo puritano. No reinado de Jaime I, foi coroado um esforo que

    j vinha desde os tempos medievais, ou seja, a traduo da Bblia em Ingls. Em 1611, a comisso de eruditos nomeada pelo soberano completou seus trabalhos. Basean-do-se nos originais hebraicos, gregos e nas tradues lati- nas e vernculas, esse grupo de homens produziu o pri-meiro grande clssico da literatura inglesa, o livro que voc pode ter certeza de que ir encontrar em qualquer lar britnico. A influncia da Bblia sobre a literatura] inglesa tem sido imensa. Seus temas so universais - o / homem, Deus e o universo. Sua linguagem de palavras isimples, mas ricas de aluses, seu ritmo peculiar, em que : abundam as repeties e os paralelismos, tudo contribuiu I para fazer da "Bblia do rei Jaime", como ficou conhe- cida, uma fonte de inspirao e referncia para sucessivas geraes de leitores e escritores britnicos. .-

    Na coite de Carlos I, antes do desastre, cantava-se o amor em poemas leves, em que um cavalheiro louvava as belezas de sua dama e a convencia, com palavras cor-

  • teses, a retribuir seu amor galante. Essa poesia cavalhei- resca era, em grande parte, marcada pela influncia de Ben Jonson, que j conhecemos como dramaturgo. Na sua poesia, Jonson aplicava os mesmos rigores formais que marcaram seu teatro. Embora bem cuidada formalmente, a poesia cavalheiresca, exceto Jonson, no produziu gran- des poetas.

    Pensando em versos

    Foi T. S. Eliot * quem, com sua preciso caracters- tica, definiu as marcas da grande poesia que nos legou o sculo XVII: a grandiloquncia e a sagacidade. So

    - dele tambm as definies do sentido especfico desses termos aplicados a poesia seiscentista - a grandiloqun-cia se refere a explorao deliberada das possibilidades de magnificncia da linguagem, e a sagacidade, a um forte elemento racional, subjacente a lrica leve e cheia de graa.

    a sagacidade que caracteriza a poesia metafsica, cujo maior expoente John Donne (1572-1631). Sa-muel Johnson, num ensaio de 1779, rotulou de metafsica a poesia que, como a de Donne, se destaca pela origina- lidade, pelo uso do paradoxo e que, como lembra T. S. Eliot, caracteriza-se pela "elaborao de uma figura de lin- guagem ao limite mximo que a engenhosidade a pode levar" **.

    f\ A poesia metafsica de Donne contrasta vigorosamente

    coin a cavalheiresca. No que ele no cantasse o amor; fazia-o, porm com outro compasso. A sua uma poesia ccrcbri~l.CITI que o argumento desenvolvido no poema tem - - - - . . .01' * Alidicw Miilvcll. Ii i: - S i , l e n d Essnvr. London, Fabrr and Iiiibcr, 195 I .t * * l i ~ . i ( ~ i ' , S. 'I'hc Mci:ipiiy\ic;il Pocts. In: -. Selected Essnys.'i'. London, Fubcr iind I:iil)er, 1951. p. 282.

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  • a mesma - ou at maior importncia - que a musicali- dade e elegncia, to caras aos elisabetanos.

    Mais do que Milton, a quem a crtica tem conside-rado o maior poeta da poca, John Donne tem o poder de tocar a sensibilidade do sculo XX. Sua poesia, que muitas vezes se assemelha a um complexo jogo de pala- vras, termina por retratar fielmente o jogo da vida e da morte, num mundo onde no h certezas.

    Muitas de suas.imagens so calcadas na cincia da poca e revelam a erudiqo do poeta. O conceito filos- fico ocupa um papel preponderante, embora dificilmente Donne seja dogmtico: seu ponto de vista leva em consi- derao a existncia de outros possveis, evidenciando sua conscincia de que pouca coisa simples e evidente.

    No queremos, porm, que voc fique com a impres- so de que a poesia de Donne hermtica e que nela no h lugar para o colquio ntimo com a mulher amada. Mais do que a maioria dos poetas que o antecederam, Donne usou em poesia palavras da linguagem coloquial. Em muitos de seus poemas, a voz do poeta clara e direta, dando a impresso de um dilogo natural. Ele foi capaz, por exemplo, de iniciar um poema dizendo amada: For God's sake hold your tongue, and let me love. Em outro poema, dirige-se ao sol, que, iniciando um novo dia, pe fim a uma noite de amor, como: BLISY old fool, unruly sun.

    Sua originalidade e capacidade de transformar qual- quer assunto em poesia levaram-no, em The Flea, um de seus poemas mais perfeitos, a usar o prosaico picar de uma pulga como argumento que desencadeia uma srie de associaes, cujo resultado final persuadir a amada a ceder a seu desejo. Veja como o poeta, habilmente, de- monstra que a pulga obteve mais da amada do que ele - sugou o sangue de ambos e, como na gravidez, inchou com um s sangue feito de dois e, com tudo isso, a amada iiii(1 1 ) c i . d ~~nem a honra nem a virgindade, embora o poeta

  • lamente que mesmo o insignificante ato da pulga mais do que ele e a amada fariam:

    Mark but this flea, and mark in this,

    How litt le that which thou deny'st me is;

    I t sucked me first, and now sucks thee,

    +And in this flea our two, bloods mingled be; , Thou know'st that this cannot be said A sin, nor shame, nor loss of maidenhead;

    Yet this enjoys before i t woo, with one blood made of two,

    than w e would do. l t\ -&a#, . L

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    E este mesmo homem se tornou, com o passar dos anos, deo da Catedral de So Paulo, respeitado por seus sermes, em que discutia com brilhantismo os dilemas da f, num tempo em que a religio era, literalmente, um assunto de vida ou morte.

    A propsito, to grande era a importncia da religio que a poesia religiosa, negligenciada na era elisabetana, volta a aparecer com destaque. O prprio Donne escreveu poesia religiosa, embora a impresso que ela nos passa mais de brilhantes discusses com Deus, temperadas pelo medo e pela dvida, do que de devoo sincera a Ele.

    Na mesma linha da poesia religiosa de Donne, porm mais contida, est George Herbert (1593-1633), outro metafsico. A maneira de Donne, Herbert usa imagens incomuns em sua poesia. Talvez menos intensa que a de Donne, a de Herbert tem um tom quase domstico, em que Cristo perdoa o poeta pecador e o recebe em Sua paz.

    Embora puritano como o grandiloquente Milton, Andrew Marvell (1621-1678) pode ser visto como um poeta que soube juntar a tradio do cavalheirismo e da poesia metafsica de Donne e Herbert. Sua poesia bem cuidada formalmente, canta o amor com equilbrio e ele- gncia, mas perpassada da seriedade, do escopo intelec- tual e da sagacidade da poesia metafsica. 1..

  • A prosa busca sua direo Vimos at aqui os trs maiores exemplos da sagaci-

    dade de que fala Eliot. Resta ainda falarmos de Milton, o maior expoente da grandiloquncia. Antes, porm, vamos olhar o que acontecia na prosa, e lembrar tambm que a poesia grande demais para ser contida em rtulos. A eloqncia e a sagacidade muitas vezes andavam juntas num mesmo poeta, e s esto separadas aqui para marcar com clareza as principais vertentes da poesia que sucedeu a era de ouro de Elizabeth I.

    Como a poesia, tambm a prosa toma novos rumos. Se, de um lado, existia ainda a prosa barroca - e os sermes de Donne so um exemplo dela - havia tambm uma reao ao rebuscamento do e$ilo d a era elisabetana, que tinha em Lyly e no eufusmo o seu modelo.

    Assim, num estilo mais austero, em que a preciso prepondera sobre a elegncia, a prosa comea a caminhar na direo do romance, que aparecer no sculo seguinte. Por enquanto, h, principalmente, a prosa religiosa, os livros de personalidades e as biografias.

    A servio de Deus e dos homens

    John Milton (1608-1 674) participou ativamente das lutas entre puritanos e anglicanos. Nascido no reinado de Jaime I, de famlia abastada, estudou em Cambridge. No incio do conturbado reinado de Carlos I, quando parla- mento e rei mediam foras, dedicou-se com afinco aos estudos. Deixando Cambridge, passou ainda cinco anos no campo, lendo tudo o que podia em grego, latim, he- braico e nas lnguas europias modernas. Com trinta anos, parte para o continente, a fim de completar sua j imensa formao cultural.

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    Milton passou grande parte de sua juventude entre livros, o que talvez responda pelo intelectualismo e pouca simpatia s fraquezas humanas de sua poesia.

    Antes de viajar, Milton j havia composto versos e latim e algumas obras em ingls. Destaquemos Comus, tipo de pea de moralidade para ser encenada em casas particulares e no nos "famigerados" teatros, horror d puritanos. Pea pouco dramtica, mas de leitura interes- sante, revelando a viso de mundo que ele manteria at o fim da vida: uma jovem virtuosa, tentada pelos pra res mundanos descritos pelo mgico Comus, resiste com as virtudes da austeridade, q w triunfam no final.

    Desse perodo so tambm Lycidas, uma elegia pas- toril a moda de Spenser e os poemas L'Allegro e I1 Pen- seroso, em que Milton ope o temperamento alegre e o melanclico. As linhas finais de I1 Penseroso parecem oferecer a opo do poeta:

    (. . . I These pleasures, Melancholy, give,

    And I w i th thee wi l l choose to live.

    Notcias das convulses sociais que agitam os ltimos anos do reinado de Carlos I fazem com que Milton volte a Inglaterra. Defensor da liberdade, o poeta era contra o rei e os bispos. Durante a guerra civil, de 1642 a 1647, Milton se coloca ao lado de Oliver Cromwell. No governo parlamentarista que segue, nomeado Secretrio para As- suntos Latinos. a poca dos panfletos, nos quais Milton defende a causa puritana e at mesmo o regicdio. Outras causas, como o divrcio e a liberdade de imprensa, tam-bEm so defendidas por esses panfletos.

    Aps a morte de Cromwell, veio a restaurao da monarquia. Milton retirou-se da vida pblica para dedi- car-se integralmente poesia, em que pese a cegueira que o acometera em 1651. da Restaurao a maior obra

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    de Milton - Paradise Lost - pico que narra nos versos grandiloquentes, caractersticos da poesia miltnica, a queda de Ado. Inquestionavelmente uma grande obra, Paradise Lost no uma leitura fcil, e necessitamos de notas explanatrias que nos guiem na floresta de citaes que compe o pico.

    Paradise Lost o fiel da balana na disputa que divide a crtica inglesa com relao a Milton. Os seus mritos tm sido aumentados ou diminudos de acordo com a tendncia de cada corrente crtica. O sculo XIX, por exemplo, tendia a coloc-lo nas alturas de Shake- speare, uma das poucas unanimidades a vencer as cor-rentes e as modas. Para ns, Milton, produto de uma poca que soube traduzir bem, peca justamente por suas virtudes: a erudio clssica que .,exclui o leitor menos informado, o intelectualismo que tira a emoo to vi-brante em outros grandes poetas, e o estilo grandiloquente, a dificultar ainda mais a apreenso.

    Aps Paradise Lost, Milton ainda comps Paradise Regained, outro pico religioso, desta feita' contando a vida de Cristo. Seu ltimo trabalho foi Samson Agonistes, ;ma tragdia para ser lida, narrando a vida de Sanso, o heri bblico, cego como o poeta, como ele tentado pelos prazeres, mas lutando para manter seus princpios morais.

    Milton, apesar de uma vida pessoal relativamente tran- qila, de homem abastado e talentoso, presenciou o fim de uma era. A Revoluo Puritana, embora derrotada pela restaurao da monarquia, mudou consideravelmente o esprito da Inglaterra. Um 'novo tempo de tolerncia e de diminuio do poder poltico do rei, bem como de limi- tao do poder moral da Igreja, se abria nos ltimos anos da vida do poeta. E a nova era exige novas vozes.

  • A Restaurao

    e o sculo XVIII:

    razo e artificialismo

    Depois da aventura republicana

    A Revoluo Puritana no sobreviveu mais que dois anos a morte de Oliver Cromwell. Em 1660, por delibe- rao do parlamento, o filho de Carlos I chamado de seu exlio na Frana, e restaurada a monarquia na Ingla- terra.

    A restaurao, contudo, no foi, como pode parecer primeira vista, uma contra-revoluo. Carlos 11, o novo rei, sabe que ir governar com o parlamento. O absolu- tismo est com seus dias contados na Inglaterra. A grande revoluo iniciada com Cromwell - burguesa e de inten- es liberais - ir se concretizar plenamente na Revolu- qo Gloriosa de 1688, qHe marcar o incio de uma era de relativa tolerncia religiosa e progresso material. Nesse processo poltico, a Restaurao uma das etapas mais importantes.

    A corte de Carlos I1 trouxe da Frana o gosto pela elegncia, pela galanteria e pelas artes em geral, as quais gozavam de baixo prestgio aos olhos dos puritanos, des- ccinfiados de qualquer forma que pudesse encantar os sen- lidos e contaminar a f.

    O novo rei traz tambm um novo interesse pelas cin- cias. J em 1660, organiza-se a Sociedade Real, com o objetivo de desenvolver a pesquisa cientfica. Esse inte-

  • resse cientfico contribuiu decisivamente para impregnar o esprito ingls de um racionalismo j conhecido pelos con- tinentais, em especial os franceses. Esse racionalismo, apoiado na cincia e na crena em um homem iluminado por ela, ir dominar quase todo o sculo XVIII.

    Assim, leitor, voc j ter percebido que a atmosfera cultural propcia a uma reao ao movimento anterior da literatura. As novas vozes aspiraro a simplicidade, a conteno e objetividade. A prpria Sociedade Real for- mar, em 1664, uma comisso de intelectuais, com o obje- tivo especfico de "melhorar e depurar a lngua inglesa", a fim de que ela volte a "primitiva pureza e brevidade", livre da "retrica intil".

    A literatura da Restaurao e do sculo XVIII vai, portanto, em direo oposta a trilhada pela sagacidade de Donne e pela grandiloquncia de Milton, substituindo-as pelo Neoclassicismo. Com parmetros importados espe-cialmente da Frana e da Itlia, e adaptados tradio inglesa, o Neoclassicismo preconizar uma literatura depu- rada dos "exageros" da poca anterior, sensata e preocupa- dssima com a perfeio formal.

    A poesia da forma

    O mais importante poeta da Restaurao , sem d- vida, John Dryden (1631-1700). ele o primeiro a saudar a nova era, comparando-a ao restabelecimento do imprio em Roma por Otvio Augusto Csar, em 31 a.C.:

    I . .. I Oh Happy Age! Oh times like those alone

    By Faith reserv'd for great Augustus' throne When the joint growth of Arms and Arts foreshew The World a Monarch, and that Monarch You.

    ( A s t r ~ aRedux)

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    A comparao de Dryden tem feito com que os ingle- ses se refiram a poesia da poca como "Augusta". A pr- pria .obra de Dryden exemplifica algumas das caracte-rsticas dessa poesia. H em seus poemas uma grande preocupao com a forma, com a elaborao de versos nos quais a simplicidade e a elegncia se unem em busca do equilbrio. A preocupao formal, porm, por vezes leva ao artificialismo e impessoalidade, e a viso do poeta fica assim obscurecida e pouco se revela ao leitor.

    Dryden fez em poesia uma crnica do seu tempo. Heligio Laici e The Hind and lhe Panther referem-se s disputas religiosas, tentando conciliar religio e razo. A s t r ~ a Redux e Annus Mirabilis tratam da celebrao da Restaurao e da guerra com a Holanda.

    - A stira tende a florescer numa era em que a razo predomina, e Dryden, tambm neste aspecto, foi um homem de seu tempo. Em Absalom and Achitophel, para-fraseando a histria bblica, Dryden faz uma violenta e inspirada crtica aos polticos corruptos da poca.

    Os melhores momentos do poeta esto, talvez, em poemas curtos e menos pretensiosos. o caso de Ale-xancler's Feast e Song for Saint Cecilia's Day, ambos 1ou- vando a msica, numa linguagem simples e extremamente meldica.

    Dryden foi tambm crtico literrio, inaugurando na Inglaterra a tradio do poeta que tambm grande cr- tico. Seus cnones classicizantes iro influenciar toda a poesia do sculo XVIII e, em especial, a de Alexander Pope ( 1 688-1744).

    Popc foi talvez o mais clssico de todos os poetas iiiglcscs, c sua obra ilustra as duas faces da mesma moeda: i ~1cLI I I I~ Iperfgi~ formal que no pode ser criticada, iniis :iprcsciito unia viso de mundo que deixa muito a clcsojar. Seu poema mais conhecido The Rape of the I .ock , cm quc satiriza os hbitos ridculos e pretensiosos da sucicdade cm quc viveu.

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    A obsesso pela perfeio formal ir, com o passar do tempo, limitar a inventividade potica inglesa. A liber- dade e a criatividade voltaro a dominar no final do sculo XVIII, quando se inicia, como veremos, a grande aven-tura do Romantismo. Porm, antes de deixarmos para trs a Restaurao e a subseqente Idade da Razo, temos que dedicar ateno ao teatro e a prosa do perodo.

    O teatro volta a cena Uma das primeiras providncias de Carlos 11, aps

    sua ascenso ao trono, foi reabrir os teatros, fechados, como vimos, pelo zelo puritano. Porm o vigor do teatro elisabetano estava irremediavelmente perdido, e a maioria das peas a serem produzidas pecava pelo artificialismo.

    A melhor criao teatral dessa poca foi a comdia de costumes. Com seus esteretipos - o velho solteiro e avarento, o heri debochado, a jovem rica e cheia de pretendentes -, essa comdia vai satirizar implacavel-mente a sociedade da poca, sem maiores pretenses filo- sficas, morais ou estticas.

    Atribuem-se a Sir George Etherege (1635-1692) as primeiras comdias de costumes inglesas. The Man of Mode, Love in a Tub, She Would if She Could, so algu- mas das peas de Etherege em que aparece a crtica ao mundo galante e ftil das damas e cavalheiros da corte inglesa.

    A perfeio da comdia de costumes atingida por William Congreve ( 1670- 1729). The Old Bachelor, The Double Dealer e Love for Love esto entre suas melhores criaes. Mas The Way o f the World que o tem feito mais conhecido, com sua denncia de uma sociedade em que o esperto vence o honesto, o elegante derrota o sim- ples e a obedincia a conveno social o nico modo de um homem chegar ao sucesso. I

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    Sucessores de Congreve como grandes comedigrafos foram Oliver Goldsmith ( 1728-1 774) e Richard Brinsley Sheridan ( 1751-1 8 16) . Goldsmith legou-nos She Stoops to Conquer, comdia engraadssima sobre as complica-es que ocorrem quando uma casa de famlia confun-dida com uma hospedaria.

    Sheridan considerado, ao lado de Congreve, um dos maiores comedigrafos ingleses. Sua tcnica teatral perfeita e est bem representada em The School for Scan- dal, The Rivals e The Critic. Em todas essas peas h um equilbrio entre a ao e a tcnica da escritura. Os dilo- gos de Sheridan so famosos por sua capacidade de pro- vocar o riso, ao mesmo tempo que veiculam uma viso crtica da elegncia ftil da Inglaterra setecentista. -

    .No podemos deixar de lembrar aqui a que foi talvez a mais original das comdias de costumes do sculo XVIII. Trata-se de The Beggar's Opera, de John Gay (1685--1732). Misto de teatro e pera, a "comdia" foi escrita para satirizar, entre outras coisas, o amor exagerado que a Londres da poca dedicava a pera italiana. Contraria-mente aos seus contemporneos, Gay coloca em cena per- sonagens do submundo londrino - ladres, mendigos e malandros. Foi nesta comdia que Bertolt Brecht foi buscar inspirao para sua pera dos Trs Vintns, e nosso Chico Buarque dela se valeu para sua pera do Malandro, numa clara prova de que a comdia de Gay foi uma das poucas de seu tempo que no envelheceram totalmente.

    O chamado "teatro srio" produzido na poca est longe de poder ser comparado as comdias de costumes. Quem, hoje em dia, levaria a srio tragdias em que a intriga absurda e artificiosa o centro das atenes? At mesmo peas como The Conquest o f Granada, de John Dryden, so exemplos de um teatro que buscava o ex-tico e o sangrento, afastando-se da realidade imediata e remetendo sua platia a pocas passadas ou terras desco-

  • nhecidas. Que diferena do teatro de Shakespeare, com sua permanente relevncia para o "aqui" e o "agora"!

    Alm da ausncia de um talento como o de um Shakespeare, o teatro so'fre perseguies por parte da r- gida moral burguesa que se vai impondo a sociedade inglesa. As comdias de costumes, com sua frivolidade por vezes libertina? foram objeto de ataques constantes, e j em 1737 o moralismo leva a melhor em sua longa luta com o teatro. Pelo ~ i c e n c e Act fica instituda a censura teatral, e as peas s podem ser encenadas nas salas do Estado. Este um dos motivos pelos quais o teatro ingls s readquirir importncia no limiar do sculo XX, com Oscar Wilde e Bernard Shaw.

    A infncia de um gnero promissor

    Mas, se o teatro sai de cena, o romance comea a ensaiar os passos que o ' levaro para o centro do palco da literatura no sculo XIX.

    No perodo que se segue a Restaurao, a prosa de fico ainda no das mais significativas. A corte lia a prosa importada, principalmente da Frana. Persistia a prosa religiosa, quase sempre inspirada na Bblia. Final-mente havia a prosa de carter mais popular, histrias de aventuras e crimes escabrosos, sem maiores pretenses ar- tsticas.

    Dessa poca convm destacar o Pilgrim's Progress, de John Bunyan ( 1628-1 688) . Trata-se de uma alegoria sobre a trajetria do cristo pelo mundo, at chegar ao Paraso. A popularidade da obra estendeu-se a todas as classes sociais, e, at hoje, a histria, embora no cons-titua um romance tal qual o entendemos em nossos dias, surpreende-nos pela capacidade inventiva do autor, grande contador de histrias.

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    Outro contador de histrias foi Daniel Defoe (1660- -1731). Considerado por muitos como o primeiro roman-cista ingls, Defoe, que foi tambm jornalista, trouxe para a fico a impresso de "fato verdadeiro". Sua Mo11 Flan- ders, por exemplo, no foi apresentada como obra de in- veno, mas, sim, como a. histria verdadeira de uma mulher leviana, contada em suas prprias palavras.

    Tambm na obra publicada antes de Mo11 Flanders -Robinson Crusoe -Defoe nos mantm presos ao estilo documental com que narra as aventuras de u q nufrago numa ilha deserta. Esta obra tem despertado a imagina-o de muitas geraes de leitores. E, no entanto, bem caracterstica de sua poca, na medida em que Robinson Crusoe pode ser visto como a personificao da crena, to difundida no sculo XVIII, nos poderes da razo e da vontade humana.

    Nesta era racionalista e, portanto, propcia stira, o maior satirista em prosa foi Jonathan Swift (1667-1745). Em A Tale of a Tub satiriza o fanatismo religioso, com uma contundncia que choca, vinda de um homem que se tornou, anos mais tarde, o deo da Catedral de Dublin.

    A obra mais conhecida de Swift Gulliver's Travels, em que, atravs. das aventuras de Gulliver, Swift faz um retrato custico da sociedade inglesa e do mau uso da razo.

    Defoe e Swift, em que pesem seus talentos, no so considerados entre os autores que trazem o romance, at ento forma menor, para o universo da arte. Muitos cr- ticos atribuem essa honra a Samuel Richardson (1689--1761 ). Sua primeira obra foi o romance epistolar Parnela. Em forma de cartas escritas a seus pais por uma jovem criada, assediada constantemente por seu patro, Richard- son revela um entendimento da complexidade da persona- lidade humana e das tenses entre indivduo e sociedade, que esperamos de um bom romancista.

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    Pamela traz tambm a novidade da contemporaneida- de. O pblico feminino logo reconheceu na obra sua pr- pria condio. As consideraes morais e o desenlace feliz -Pamela casa-se com seu aristocrtico sedutor - encan-taram os leitores de toda a Inglaterra. A burguesia ascen-dente v no romance tados os seus ideais de vida: a vir- tude recompensada, a moralidade salva e a ascenso social pelo casamento com um nobre. Com Pamela e, depois, Clarissa Harlowe, tambm de Richardson, a burguesia e o romance iniciam um longo namoro, que s ser parcial- mente rompido com o experimentalismo formal dos incios do sculo XX.

    Pode ser que voc, ao ler Richardson, se ressinta de seu sentimentalismo, mas certamente se encantar com a obra de um seu contemporneo, Henry Fielding (1707- -1754). Considerado o maior entre os romancistas do s- culo XVIII, Fielding comeou sua carreira com Joseph An-drews, uma pardia de Pamela. O heri, Joseph, des-pedido de seu emprego por recusar o amor de sua patroa. As aventuras de Joseph, com sua nfase nas andanas do heri pelo mundo, apresentam vrias caractersticas do ro- mance picaresco, gnero em que Fielding vir a figurar como um mestre, com seu T om Jones.

    Com essa obra, o romance chega a uma estrutura formal at ento desconhecida: todos os inmeros inciden- tes do enredo tm a sua razo de ser e contribuem para o efeito total. Fielding transmite no romance um grande amor pela vida e um entendimento da psicologia de seu heri, que lhe tm garantido um lugar todo especial na fico inglesa. Tom Jones, o jovem enjeitado, um rapaz sensual, e muito da licenciosidade das comdias de costu- mes, que Fielding escrevera antes do Licence Act, est pre- sente no romance. Tom tambm o homem cujas boas intenes so constantemente tradas por suas aes. En-fim, ele um homem comum, o exemplo da natureza humana que o autor se propusera estudar.

  • Fielding apenas j seria suficiente para marcar a se-gunda metade do sculo XVTTT como o primeiro grande momento do romance ingls. Porm, ainda dessa poca a curiosa figura de Lawrence Sterne ( 171 3-1768). Seu legado difcil de ser definido. Sem se preocupar com o enredo, Sterne inclui em seu Tristrarn Shandy tudo o que lhe parecia, em suas prprias palavras, laugh-at-ahle, ou seja, capaz de provocar o riso. Na forma, as consideraes do narrador parecem prenunciar o experimentalismo do sculo XX. O realismo de espao e tempo abandonado, e Sterne parece estar obedecendo apenas estrutura il-gica do pensamento.

    A confuso cuidadosamente planejada de Tristram Shandy, com suas digresses, asteriscos e pginas em branco, constitui at hoje um enigma a desafiar a argcia dos crticos.

    Dr. Johnson, o mais eminente dos crticos de uma era em que, como vimos, os intelectuais se dedicaram com interesse crtica, condenou, erroneamente, Tristram Shandy ao esquecimento da posteridade. Mas, nem sempre os julgamentos de Dr. Johnson foram falhos. A sua The Lives o f the Poets constitui leitura obrigatria para quem quer que se interesse pela histria da crtica literria in- glesa.

    Dr. Johnson, que foi sem dvida o grande ditador das letras inglesas setecentistas, morreu em 1784. No sculo XTX, a poesia vai reagir contra os cnones neoclssicos defendidos por ele e vai atingir um alto nvel nas figuras dos grandes poetas romnticos. deles que nos ocupare- mos a seguir.

  • a aventura da imaginao

    Reagindo a Revoluo Industrial

    Londres, 1819. Nos meios polticos e literrios da capital, o assunto do momento a publicao do poema A Song: Men of England, do jovem Shelley.

    Por que tanta agitao? No poema, todos reconhe- I cem um incitamento aberto rebelio e um retrato da triste situao dos trabalhadores ingleses da poca.

    Recm-sada de uma guerra vitoriosa contra Napo-leo, a Inglaterra v ameaada sua paz interna. O pas est passando da estrutura agrria para a industrial. Milha-res de pessoas deixam os campos para buscar a sobrevi-vncia nas cidades. A chegando, porin, tm que se sub- meter a condies de trabalho subumanas, que no pou- pam nem mulheres nem crianas. E tudo isso por um salrio miservel, que no lhes proporciona mais que as piores condies de moradia e alimentao.

    As tentativas de organizao do que hoje chamamos 1 sindicatos so violentamente reprimidas. As classes mais I favorecidas temem um conflito das propores de uma

    Revoluo Francesa, que, em 1789, acendera a esperana de igualdade, fraternidade e liberdade na Europa.

    Poetas como Shelley so, portanto, vistos com des-I

    confiana pelas autoridades. Igualmente o so pelos inte- I lectuais mais reacionrios, j que os jovens poetas como

  • ele esto se voltando contra o Neoclassicismo, e procla-mando o fim do reinado da razo e do artificialismo.

    Libertrios que so, os jovens poetas no se subme-tem a regras e propem uma poesia sem convenes rgi- das, apta a dar livre expresso aos sentimentos, em uma linguagem simples e direta, o mais prxima possvel da do homem comum.

    Hoje conhecemos esses poetas como romnticos, em- bora eles nunca se tenham denominado assim. Foi so-mente a partir da segunda metade do sculo XIX que o termo romantismo foi aplicado ao movimento que eles ini- ciaram. Este, como j fora o caso em movimentos ante- riores da literatura, no foi restrito a Inglaterra. mantismo ingls, na verdade, segue-se imediatamente ao alemo e antecipa-se ao francs.

    A publicao de Lyrical Ballads (1798), dos poetas William Wordsworth (1770-1850) e Samuel Taylor Cole- ridge (1772-1834), normalmente considerada como o marco inicial da nova tendncia. No prefcio da segunda edio dessa obra, Wordsworth escreve um verdadeiro ma- nifesto do romantismo ingls. A poesia, para ele, "o fluir espontneo de sentimentos poderosos" e no deve submeter-se ao filtro do intelectualismo. Ela deve ser a expresso da emoo do poeta e no seguir modelos j consagrados. A antiguidade clssica deixa de ser a prin- cipal fonte de inspirao, suplantada pela experincia do poeta ou pela realidade de sua cultura. Vem da o amor pelo folclore e baladas medievais preservadas pela tradio oral.

    O poeta romntico ser sempre um individualista, sem perder a viso do social. Se este por vezes o desen- cuiita, ele buscar refgio num mundo particular, no qual sc misturam o imaginrio, o sobrenatural e o extico.

    Termina, assim, para a poesia inglesa, o reinado da razo e comea a grande aventura da imaginao. d

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  • Anjos e demnios profticos . a G W " t C

    Houve, porm, uma voz que prenunciara -'""y"": o Roma

    tismo na Inglat fra. Trata-se do poeta, pintor e gravador

    William Bla l /e (1757-1 8 2 7 ) , uma das mais fascinantes per-

    sonalidades da literatura inglesa.

    Tendo vivido grande parte de sua vida no sculo da

    razo, Blake foi sempre um ardoroso defensor da superio-

    ridade d a imaginao, cujo exerccio permitiria ao homem

    atingir a verdade. No seu poema pico Jerusalem, por

    exemplo, cria o gigante Los, representante da imaginao,

    em constante luta contra Urizem, smbolo dos poderes cer-

    ceantes da razo e das leis dos homens.

    Individualista, Blake se recusava a seguir o pensa-

    mento de outros homens, e,criou uma mstica particular,

    em obras povoadas por gigantes, anjos e demnios, sim-

    bolizando as foras em conflito na alma humana.

    Amante d a liberdade, Dlake louvou as revolues fran-

    cesa (The French Revolution - a Prophecy) e ameri-

    cana (Arnerica - a Prophecy), vendo nelas a redeno

    d o homem prometida pela Bblia.

    Blake legou-nos poemas belissimos e uma viso intri-

    gante do mundo. Em The Marriage o f Heaven and Hell

    esto seus provrbios contundentes, nos quais revela uma

    viso aguda dos males da sociedade humana. Em Songs

    of Innocence e Songs of Experience relata as duas faces

    da experincia, d o ponto de vista da criana - cuja ino-

    cncia o estgio ideal - e do adulto, em que predomi-

    nam a mesquinhez e a represso.

    A obra de Blake no foi bem recebida pelo pblico

    de sua poca, talvez pouco aparelhado para ederrcfr-a

    simbologia, por vezes intrincada, desse grande visionrio.

    -quanto Blake dava os toques finais a Lidoseu mistico novos poetas discutiam literatura e compunlianiL versos em conjunto. Ser com eles que o Romantismo se cristalizar como o movimento dominante da literatura in-

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    glesa das primeiras dcadas do sculo XIX, embora a princpio tenha sido combatido pelos crticos mais tradi-cionalistas.

    i' O triunfo da imaginao J mencionamos o Lyrical Ballads, um dos resultados

    daquelas discusses. Vejamos agora a obra individual dos dois iniciadores do novo movimento.

    William Wordsworth nasceu e foi criado no Lake Dis- trict, prximo a fronteira com a Esccia, o que justifica, em parte, o imenso amor pela natureza expresso em sua poesia. Para ele, Deus estaria presente em cada elemento dela, e a contemplao da natureza ensinaria grandes lies morais ao homem, devolvendo-lhe a felicidade perdida.

    Tambm a gente simples de seu pas, com seu lingua- jar espontneo e sua cultura tradicional, foi cantada pelo poeta. Afirmando que "a poesia a emoo relembrada na tranqilidade", Wordsworth fez seus melhores poemas sobre lembranas da infncia passada no Lake District. justamente famosa sua Ode - Intimations of Immortality from Early Childhood.

    Sua viso de mundo talvez parea hoje um tanto sim- plista, mas no se pode negar a sinceridade de sua poesia, com imagens originais e capacidade de recriar com pala-vras a beleza das paisagens inglesas. Poemas autobiogr- ficos como The Prelude ou The Excursion sempre encon- traro um lugar de destaque em qualquer antologia de poesia inglesa.

    Samuel Taylor Coleridge trouxe para o Romantismo o extico e o sobrenatural. Em poemas como Ancient Mari- ner, Kubla Khan e Christabel, Coleridge d total liberdade a imaginao, compondo versos cheios de magia e mistrio.

    Homem de cultura vastssima, Coleridge no limitou siias atividades a poesia. Interessou-se pela filosofia e pela

  • crtica literria. Seu Biographia Literurja, escrito enquanto convalescia de um tratamento para se libertar da depen- dncia do pio, considerado entre as grandes contribui- es crtica literria inglesa.

    Wordsworth e Coleridge viveram o bastante para se tornarem, principalmente o primeiro, homens maduros e reipeitados, longe da imagem de arrebatamento juvenil que se tem dos romnticos.

    'rGeorge Gordon (1788-1824), mais conhecido como Lor Byron, o prottipo dessa imagem. Libertrio e aventureiro, morreu lutando pela independncia da Grcia. Mrbido, um dos responsveis pelo mal-du-sicle, senti-mento que tanto influenciar, entre outros, a segunda ge- rao de romnticos brasileiros. Grande amoroso, foi obri- gado a sair da Inglaterra por, apgs vrias aventuras, ter-se apaixonado por sua meia-irm.

    A obra potica de Byron mais reconhecida no resto da Europa que pelos ingleses. Estes talvei se ressintam da grandiloquncia impulsiva de, por exemplo, Childe Ha-rold's Pilgrimage, no qual Byron faz um relato persona- Issimo de suas peregrinaes pela Europa.

    Para muitos sua obra-prima o longo poema Don Juan. Neste, com muito humor - caracterstica rara nos romnticos - Byron critica com veemncia a hipocrisia, a cobia e a opresso que v na sociedade da poca.

    Amigo de Byron, com quem conviveu algum tempo na Itlia, Percy Bysshe Shelley (1792-1822) foi tambm uma personalidade fascinante. Filho de aristocratas, foi -como vimos - um defensor do proletariado. Rebelde, de- clarava-se ateu, republicano e contrrio a toda espcie de conveno.

    Seus versos so de uma eloqncia e musicalidade admirveis. Queen Mab, composto quando Shelley tinha vinte e um anos, um longo poema em que a moral ins- titucionalizada e a religio so vistas como as causas da

    1 ' 1

  • perda da felicidade pelo homem. Episychidion, poema de uma fase posterior, mostra o amor como a fora reden- tora do homem.

    A revolta contra a opresso o tema predominante em The Mask of Anarchy, Hellas e Prometheus Unbound. Adonais um comovente poema sobre a morte de outro grande romntico - Jol-in Keats.

    I

    Keats ( 1795- 1 821 ) foi o cantor inspirado da beleza, de sua transitoriedade, da alegria e do amor. Sua poesia

    i se destaca pela elegncia dos versos e pelo sensualismo. A imortalidade do belo, qeja no canto do rouxinol em Ode to a Nightingale, seja nas obras de arte em Ode to a Grecian Urn, um dos grandes temas de Keats.

    Nosso poema favorito de Keats uma balada de

    , mais uma vez, a

    vem na Bela

    P

    Mas voc j deve estar se impacientando com tanta pocsia. E a prosa de fico? Ser que o romance pros-

    I scg~ic sua trajetria brilhantemente iniciada no sculo an- icrior'! Na verdade, o seu momento maior ainda est por v i r , coni os vitorianos. Desse perodo, contudo, convm ~lcsi;icnr dois grandes nomes, que iro influenciar decisi-

    I v;iiiiciilc o clcscnvolvimento do romance.

    W;ilicr Scott ( 1771-1 832) con-ieofi sua carreira como 1)o~~l;i. como o iniciador do romance his- 111;is co~~s;igrou-se itii.ico, ~ C I I N O ( I U C produzir grandes frutos na literatura ciii~ol~i.i;i.

    liscoc.i.s tlc ii~isciii-icnto, Scott escreveu vrios roman- ccs sobre ;i Iiisiciiiii dc scu pas. Waverley, The Bride of

  • Lammermoor e Guy Mannering so alguns deles. Outras histrias nacionais tambm lhe serviram de tema e, assim, $eu romance ainda mais conhecido at hoje Ivanhoe, ambientado na idade mdia inglesa.

    Lendo Scott, voc provavelmente se ressentir da a falta de profundidade psicolgica de seus personagens e do excessivo herosmo e virtude de muitos deles. Ironi-camente, Scott, to hbil em recriar o passado, teve sua obra envelhecida pelo tempo.

    O mesmo no sucedeu, pelo menos em parte, com a a obra de Jane Austen (1775-1817). Sua obra , aparen-temente, menos ambiciosa que a de Scott. O seu mundo o domstieo, o das casas dos nobres e abastados da provncia, cuja vida rotineira segue indiferente as convul- ses sociais que agitam a Inglaterra.

    No entanto, com sua narrativa sutil e seus dilogos espontneos, Jane Austen foi capaz de criar personagens reais, com vcios e virtudes.

    certo que o assunto em seus romances trivial. Emma, Pride and Prejudice e Persuasion - entre outros - podem ser descritos como as aventuras de uma jovem a procura de um marido. Mas voc ter que l-los para poder apreciar a ironia fina de Jane Austen e sua eco-nomia narrativa que faz de cada incidente, de cada di- logo uma pea importante na estrutura dos romances. O tom de sua narrativa irnico, os sentimentos so conti- dos. Jane Austen no parece haver vivido no mesmo mundo dos poetas romnticos.

    Na verdade, a efervescncia dos romnticos no pde durar muito tempo. Geralmente marca-se como fim do movimento o ano de 1832. A partir da, a realidade in- glesa conhecer grandes transformaes. A literatura, por-

    I tanto, tambm conhecer novos rumos. I

  • A era vitoriana: o romance domina a cena

    Ordem e progresso no reino

    Que idia voc faz da poca vitoriana? Muitos de ns associamos o termo a uma poca de moralismo rgido, em que o sexo era tabu e o convencionalismo estava na moda. O prprio mestre Aurlio registra, em seu dicionrio, esse

    t sentido - "Vitoriano: adj. 1. Pertencente ou relativo a Rainha Vitria, da Inglaterra, ou ao perodo de seu rei-nado (1837-1901). 2. Que demonstr~ a respeitabilidade, o puritanismo, a intolerncia, etc., atribudos geralmente classe mdia da Inglaterra vitoriana".

    . . Se o tempo perpetuou essa imagem da poca, deve Iiaver razes para tal. Sem dvida, foi um tempo de reao efervescncia que marcar o final do sculo XVIII, com a Revoluo Francesa dando origem era contempornea.

    Com a ascenso de Vitria ao trono, abre-se para os iiigleses mais um perodo de prosperidade e relativa paz. Afastados os temores de uma evoluo social a francesa, o pas se prepara para a Segunda Revoluo Industrial, qiic consolidar a posio da Inglaterra como pas impe- rialista e centro econmico do mundo.

    No palcio real, a rainha e o prncipe conserte, Al-herto, do o . exemplo da domesticidade e do decoro que cram os ideais da maioria de seus sditos. Reina no pas iltn clima de otimismo e ufanismo; os problemas existem,

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    mas o progresso -pensavam os vitorianos - saber como solucion-los. Afinal, viviam eles num pas que dominava um quarto da populao do mundo. Sua rainha presidia ao "imprio onde o sol nunca se punha".

    O sol, porm, no brilhava para todos os ingleses. As condies de trabalho nas minas de carvo e nas fbri- cas continuavam as piores possveis. Uma boa parte da classe trabalhadora vive em favelas e comea a se organi- zar em movimentos reivindicatrios que, de quando em quando, ameaam a paz social.

    Os escritos do reino

    Embora se publiquem ainda muitas obras de cunho religioso, o romance que marcar a literatura inglesa do sculo XIX. A poesia, como voc ver ao longo deste captulo, no produzir obras marcantes.

    I2 difcil dizer com segurana como foi que o romance suplantou a poesia e passou a ocupar o papel preponde- rante na cena literria. Certamente, as condies histri- cas desempenharam seu papel: como quer Lukcs, o ro- mance o pico da burguesia, e a era vitoriana bur-guesa por excelncia.

    Tambm burgus o gosto literrio predominante: os leitores querem histrias sobre a vida de todos os dias, sobre um mundo que eles reconheam e que no lhes inco- mode demais a consciiicia. Sobretudo, no querem obras I que Ihes firam a decncia.

    surpreendente que nesse quadro de restries morais tenham aparecido grandes romancistas, capazes de criar uma arte to popular, em termos relativos, quanto o drama elisabetano e, tambm como este, uma arte capaz de trans- cender a poca.

  • A vida feita romance

    Charles Dickens !1812-1870), o maior entre os vito- rianos, ilustra esse duplo aspecto do escritor da poca. Elogiado pela crtica contempornea, principalmente pela diversidade de sua obra, pelo humor e pela vida que soube incutir em seus personagens, foi tambm um escritor extre- mamente popular, que sempre soube manter uma estreita relao com seu pblico. Publicados em fascculos em re- vistas mensais, seus romances conquistaram coraes e mentes, nos dois lados do Atlntico. Conta-se, por exem- plo, que o navio que levava para os Estados Unidos um dos captulos de The Old Curiosity Shop era esperado por uma multido, que perguntava ansiosa ao capito se a pequena Nell, personagem do romance, morrera.

    A publicao em fascculos mensais deu as obras de Dickens uma estrutura episdica, onde cada captulo tinha, via de regra, um final cheio de suspense, de forma que o leitor se sentisse motivado a comprar o prximo nmero. O gosto do pblico chegava mesmo a influir no desenvol- vimento do enredo, bem nos moldes do que ocorre hoje nas novelas da televiso brasileira. Em Martin Chuzzlewit, por exemplo, o heri mandado para a Amrica, num esforo para aumentar o interesse dos leitores e; conse-quentemeae, as vendas que decaam.

    Para alguns crticos, o preo da popularidade de Dickens foi que ele no podia voar mais alto do que lhe permitiam as limitaes de seus leitores. At que ponto, porm, isso diminui Dickens, discutvel. Ele , sem d- vida, um mgico dos incidentes, fazendo uso de truques literrios, uns mais refinados, outros menos, mas nos man- tendo sempre presos ao fascnio de seu espetculo.

    H de tudo em Dickens: o humor, j em sua pri-iiicira obra, Pickwick Papers, em que narra as aventuras cluixotescas de Mr. Pickwick e seu impagvel criado Sam Weller; a conscincia do poder do Mal em Oliver Twist;

  • o sentimentalismo e a denncia social nas desventuras de David Copperfield; a crtica as severas escolas vitorianas em Nicholas Nickleby; o ataque ao poder do dinheiro em Bleak House e Great Expectations, este ltimo talvez o mais bem estruturado de seus romances.

    Quem leu Dickens sabe que, ao lado da impresso da vida como ela , h em seus romances melodrama, pie- guice, moralismo e improbabilidades. Certos crticos impu- tam essas falhas s limitaes da p