rosa cruz templarista

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    Manuel J. Gandra

    Esquissos sobre aROSA-CRUZ TEMPLARISTA,

    em Portugal

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    Manuel J. Gandra

    Esquissos sobre a

    ROSA-CRUZ TEMPLARISTA,em Portugal

    Mafra, 2012

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    Desta 1 edio fizeram-se duas tiragens:uma normal de 102 exemplares e outra, especialssima,de XVII exemplares, dedicados ad personam,

    todos assinados pelo autor.

    Manuel J. Gandra Mafra, Outubro de 2012

    O contedo do presente roteiro, do qual se tiraram102 exemplares, no pode ser transcrito ou reproduzido,sem a prvia autorizao por escrito do autor.

    www.cesdies.netE-mail: [email protected]

    Tel.: 963075514

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    Da Rosa nada digamos por agora...SAMPAIO (Bruno)

    I

    Padrinho [antes de conduzir o candidato presena doGuardio Externo]Julgas que vivemos e estamos mortos. Julgas que morremos e

    vamos a viverGuardio Externo [dirigindo-se aoNefito]De onde vens?

    NefitoNo sei.Guardio ExternoOnde vais?

    NefitoNo me disseram.Guardio ExternoO que sabes?

    NefitoO que esperei.

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    [O Guardio Externo venda os olhos doNefito, entregando-oao Guardio Interno que o conduz at junto da assembleia. A,

    cabe aoMaioral, ou Gro-Mestre, interpel-lo, ainda vendado]

    MaioralO que queres?

    NefitoVer a luz!MaioralQue luz?

    NefitoA que houver!MaioralQual a que houver?

    NefitoA que me for dada!

    [OMaioralretira a venda aoNefito que ajoelha]

    MaioralRecebestes a Luz da Ordem, em que reis cego. Ides receberagora a Veste, de que reis nu.

    [O Guardio Interno coloca uma capa branca sobre os ombrosdoNefito. OMaioralajusta-a ao pescoo, com uma laada de

    Amor]

    MaioralAgora que recebestes a Luz e a Veste da Ordem, estareislembrado de que vos falta receber a Guarida da Ordem

    [O Nefito deita-se num atade que encerrado. Um cantorinterpreta, a capela, o poemaEros e Psych]

    Conta a lenda que dormia

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    Uma Princesa encantadaA quem s despertaria

    Um Infante, que viriaDe alm do muro da estrada.Ele tinha que, tentado,

    Vencer o mal e o bem,Antes que, j libertado,Deixasse o caminho erradoPor o que Princesa vem.

    A Princesa Adormecida,

    Se espera, dormindo espera.Sonha em morte a sua vida,E orna-lhe a fronte esquecida,

    Verde, uma grinalda de hera.Longe o Infante, esforado,Sem saber que intuito tem,Rompe o caminho fadado,Ele dela ignorado,Ela para ele ningum.Mas cada um cumpre o Destino Ela dormindo encantada,Ele buscando-a sem tinoPelo processo divinoQue faz existir a estrada.E, se bem que seja obscuroTudo pela estrada for a,E falso, ele vem seguro,

    E, vencendo estrada e muro,Chega onde em sono ela mora.E, ainda tonto do que houvera,

    cabea, em maresia,Ergue a mo, e encontra hera,E v que ele mesmo era

    A Princesa que dormia.

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    [A assembleia abandona o templo. Volvidas vinte e quatrohoras, voltar a reunir-se em torno do atade. A tampa deste

    retirada. O Nefito desperta e ergue-se, mantendo-se no seuinterior]

    MaioralA Luz no vos deu mais que luz; mas a luz passa e vem a noite,e vs no a tendes. A Veste no vos deu mais que a veste. Por

    baixo dela sois nu como reis. A Guarida da Ordem porm, vosdar o onde tenhais Luz, ainda que falte a luz de fora, e onde

    tenhais Veste, pois tendes abrigo, ainda que na Guaridaestejais nu Cego, nu e pobre entrastes na vida. Cego, nu epobre entrareis na morte. No h, porm, vida nem morte: noh, nefito, seno vida. O que vos sucedeu ao nascer, vossuceder ao morrer: entrareis na Vida: Isto a verdade; oentendimento dela convosco, assim como o regrar-vos por elacomo deveis.

    [ONefito sai do atade]

    MaioralE assim vedes, meu Irmo, que as verdades que vos foramdadas no grau de Nefito, e aquelas que vos foram dadas nograu de Adepto Menor, so, ainda que opostas, a mesma

    verdade.

    [Dito isto, o Maioral empunha uma espada e toca com ela o

    ombro direito, depois o esquerdo e a cabea do Nefitoajoelhado, enquanto diz]

    MaioralNo dormes sob os ciprestes, pois no h sono no mundo

    Nefito

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    Segredo visvel, Rosa Crucificada, Mistrio e Nome do MundoOlha-me para que eu te veja, crucifica-me para que eu te colha,

    Torna-me mundo para que eu te oia e desconhea!Martrio da flor desabrochada, nasce pela morte em mim!Silncio da flor desencantada, cresce pela morte em mim!Segredo da rosa crucificada, morre pela morte em mim!Rosa s eu; Cruz s minha; Rosea Cruz s! [BN:Esp. 53B-28]

    MaioralSe at aqui reis muito zeloso das coisas do nosso Instituto,

    daqui por diante o deveis ser muito mais e, sendo necessrio,por defesa dele pr a vida, vs haveis de ser dos primeiros queo faais porque para esse efeito foi esta Ordem instituda,segundo o seu mandamento: Ter sempre na memria o mrtirJacques de Molay, Gro-Mestre dos Templrios

    A assembleia[em coro] e combater sempre e em toda a parte os seus trs assassinos:a Ignorncia, o Fanatismo e a Tirania.

    O texto do ritual que o leitor acabou de ler umareconstituio conjectural, integrando fragmentos dispersos(alguns dos quais at ento inditos) do esplio de FernandoPessoa, destinada longa-metragem Mensagem (1988),realizada por Lus Vidal Lopes 1, com argumento original do

    subscritor do presente posfcio 2. conveniente enfatizar a circunstncia de Fernando

    Pessoa ter tido acesso privilegiado a documentos e rituais

    1 Existe edio, recente (2009), em DVD, deste filme. No You tube (CanalPorto Graal) possvel vision-lo parcialmente.2 Este ensaio foi concebido para constituir o posfcio de uma obra de RmyBoyer, intitulada Soulever le voile dlias Artiste: la Rose-Croix comme Voiedveil Une Tradtion orale, Rafael de Surtis, 2010, p. 143-176.

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    oclusos da Ordem Templria de Portugal, os quaisparcialmente transcreveu e citou, consoante o prprio,

    reiteradamente, havia de asseverar. A assaz longa persistncia,em Portugal, do templarismo, sem hiatos, nem solues decontinuidade, at finais do sculo XIX, no , portanto, merafico conspirativa forjada por poetas e literatos delirantes,nem presuno do escriba em exerccio, antes uma irrefragvelconstatao, de facto!

    De resto, so conhecidas diligncias empreendidas porparte de potncias manicas internacionais, junto das cortes

    de D. Joo V, de D. Jos I e de D. Joo VI, no sentido de lhesser conferida delegao de poderes da Ordem Templria dePortugal, decerto porque lhe creditavam uma legitimidade queelas prprias no detinham 3.

    Surpreendente, efectivamente, continua a revelar-se,salvo honrosas, mas pontualssimas excepes, o gritantemutismo de eruditos e esoteristas europeus, a este propsito.Omisso estratgica, advogam alguns. Colossal ecomprometedora a cientfica hipocrisia de todos!

    3 Cf. O Projecto Templrio e o Evangelho Portugus, Lisboa, 2006, p. 249-257e verbete Ordem Templria de Portugal, inDicionrio Histrico das Ordense Instituies Afins em Portugal, Lisboa, 2010.

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    II

    Discretamente, em reaco reforma romanista daOrdem Templria de Portugal (Ordem de Cristo), perpetrada,em 1529, por Frei Antnio de Lisboa, foi constituda, primeiro,

    em Tomar, com imediato reflexo na rea sob directa jurisdioda instituio, no centro do pas (correspondente s bacias, ouRibeiras, dos rios Nabo, Zzere e Tejo), a masseniatemplarista, crist (apesar de anti-romana) e rosa-cruz, dospastores da Lusitnia Transformada, congregando muitosdaqueles que a reforma tornara egressos, mas no apenas,pessoas reais que adoptavam nomes simblicos, em lugar dosprprios de baptismo, ao serem admitidas na nova vida, ou medida que, no mbito dela, adquiriam algum estatuto

    inicitico, sancionado peloMaioral(Gro-Pastor, Gro-Mestreou Sumo-sacerdote), perante o qual haviam professado 4.

    No ser demais recordar que o estilo de vida queadoptaram no foi inveno sua, porquanto, quer o patriarca

    Abrao, quer os seus sucessores, seguiam uma vida pastoril eMoiss e Aaro foram pastores ao servio doMaioralde Israel(Jav), nos tempos doxodo.

    4

    Ulteriormente, difundir-se-ia por todo o Reino, com especial incidncia nasRibeiras dos rios Mondego, Douro e Lima. Tal rede de resistncia, solidria,pacfica e votada gnose dosMistrios da Natureza, cuja dimenso e pujanaa historiografia jamais logrou, nem lograr, aquilatar, deixa-se surpreender,tanto nos Romances de Cavalaria (especialmente nos ciclos dos Amadises edos Palmeirins), como nas denominadas NovelasPastoris, protagonizadaspor discretos ranchos de enamorados pastores, aos quais, maisapropriadamente, convm o ttulo de Fiis do Amor. Para o elencoquinhentista e seiscentista dos Romances de Cavalaria, ver Manuel J.Gandra, Templrios e Templarismo na Literatura Portuguesa e traduzida

    para portugus (sc. XIV-2006), Mafra, Cesdies, 2007.

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    O simbolismo do mundo pastoril acha-se, de resto,manifestado em diversosSalmos:

    Salmo XXIII: o Bom pastor que conduz as ovelhaspelos caminhos que levam s fontes da paz e da alegriaimpedindo-as de se extraviarem;

    Salmo XCV: a importncia da voz do pastor naconduo do rebanho;

    Salmo LXXVIII: de pastor, David passa a rei de Israel;etc.

    Tambm o profeta Ezequiel abordaria amplamente otema, concluindo com a promessa messinica do Pastor ideal(XXXIV, 5-24), enquanto Isaas sublinharia a convergnciaentre o pastor e o cordeiro (LIII, 6-7 e 11-12).

    Com Cristo, contudo, a metfora havia de adquirircontornos de biografia: Ele torna-se o pastor, por excelncia(Bom Pastor), cuja caracterstica essencial a ateno aospequeninos (Joo, X, 1-14), e, concomitantemente, o

    "Cordeiro que est no meio do Trono, os apascentar e lhesservir de guia para as fontes das guas da vida [...]" 5.

    Frei Luis de Lon (1528-1591) resumiria tudo o queconcerne ao tpos, incluindo a tradio buclica de helenistase latinos, no De los Nombres de Cristo, tratando-O porprncipe dos pastores e caracterizando a vida, "inocente ysosegada, destes como [...] inclinada al amor y su ejercicio esgobernar dando pasto y enderezando siempre su obra a esto,

    que es hacer rebano y grey. Su regin de vida es la pura verdady la sencillez de la luz de Dios, y el original expreso de todo loque tiene ser [...]" 6.

    5Apocalipse, VII, 17. Algumas outras menes relao entre o pastor e asovelhas, reportveis a Cristo: Isaas, XL, 11; Samuel, V, 2;Jeremias, III, 15 eXXIII, 1;Marcos, VI, 34 e XIV, 27;Lucas, XII, 32;Ep. Hebreus, XIII, 20, etc.6De los nombres de Cristo, Madrid, 1924, cap. "Pastor", v. 1, p. 101-124.

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    O exlio dos pastores da Lusitnia Transformada,autntica tribulao, comparvel ao xodo do povo eleito,

    evocada pela referncia precaridade das choas 7, nas quais,em virtude da perda da Tenda-Santurio (o Convento deCristo, em Tomar), onde Deus se fazia ouvir, vivem comorefugiados, dedicando-se aprendizagem da fidelidade ao

    Amor divino 8.Ora, no s no legtimo retirar Lusitnia

    Transformada, obra pstuma de Ferno lvares de Oriente 9,verosimilhana, uma vez que os cenrios nela descritos so

    bem concretos e reconhecveis10

    , mas, mais do que isso: se omovimento Rosa-Cruz, como as fontes disponveis afirmam ereafirmam, no obstante a alegada paternidade de ChristianRosenkreuz (1378-1481), s teve origem na Alemanha duranteo sculo XVII, como justificar a ocorrncia no Convento deCristo, j em 1535, dos smbolos que o ramo germnico scerca de um sculo mais tarde havia de adoptar?

    Com efeito, o manifesto annimo, intitulado FamaFraternitatis da Insigne Ordem da Rosa Cruz, impresso em

    Cassel no ano de 1614, s comeou a ser distribudo em 1610,seguindo-se-lhe a Confessio Fraternitatis, em 1615, eAs Bodasmsticas de Christian Rosenkreutz, no ano seguinte11.

    7 As choas passaram a acolher, na Carbonria, os Rachadores e osCarvoeiros (1 e 2 graus), sendo presididas por um Mestre, dependente deumaBarraca ou de uma Venda.8 Cf., por exemplo,Lusitnia Transformada, Lisboa, 1781, p. 349, 504, etc.9

    Ver Manuel J. Gandra, Os Templrios na Literatura, Lisboa, 2000, p. 32-33e 173-189.10 Dos sessenta e sete nomes pastoris que ocorrem na LusitniaTransformada, vinte e cinco acham-se igualmente em Cames, Bernardes,Sottomayor, Rodrigues Lobo, Lope de Vega, S de Miranda, Montemor, GilPolo, Bernardim Ribeiro, Cervantes, etc. Ferno lvares, o autor, chama-seOlvio, no Oriente, e Felcio, nas Ribeiras do Nabo.11 A autoria das obras em apreo permanece controversa, no obstante ser,geralmente, creditada a Jean-Valentin Andreae (1586-1654). S em finais dosculo ou incios do XVIII se havia de voltar a ouvir falar da Ordem RosaCruz. A. E. Waite (The Brotherhood of the Rosy Cross, p. 112) faz remontar a

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    Simbolismo Rosa-Cruz no convento de Cristo, em Tomar(1535).

    E, derradeira questo, na eventualidade de se descartara perenidade da tradio templria em Tomar, a quem

    aproveitariam os dsticos, notoriamente provocadores eobviamente cifrados, que acompanham as duas matronaspostadas no primitivo acesso (dirigido a Oriente) Charola deTomar?

    Lutero o smbolo do movimento Rosa-Cruz, no entanto, convm distinguir osmbolo adoptado por este (aposto a uma rosa vermelha) do selo usado peloento professor da Universidade de Wittenberg: em campo azul delimitadopor um anel dourado, uma cruz preta no interior de um corao vermelho, nocentro de uma rosa branca com cinco ptalas.

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    Matronas do antigo prtico da Charola: frescos atribudos a

    Domingos Vieira Serro,pintor do Convento de Cristo desde 1584

    QUISQUIS EXCELSA TONAS ET MISTICA VERBAPROFARIS / HIC AD SANCTA DEI DISCE

    TACERE PAVENSTu, sejas quem fores que proferes palavras altissonantes no

    profanes o Verbo, aqui no santurio de Deus aprende a

    permanecer humildemente silencioso.PLANITIES SURGUNT CECIDERE CACUMINA MONTIS /

    ELIGE CONVALLES ALTER OLIMPUS ERITAs plancies erguem-se; abateu-se o cume do monte. Escolhe

    os vales sers um outro Olimpo.

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    Pela sua atitude, a matrona direita de quem entrava[Humildade], exige silncio e respeito a quem acede ao Santodos Santos. Acompanha-a uma legenda inspirada no profeta

    Habacuc (II, 20): O Eterno est no seu templo sagrado:silncio diante dele!.

    esquerda da antiga entrada, a outra matrona[Contemplao Divina] denota, pela postura do Bom Pastor(braos cruzados sobre o peito), reverncia e submisso. A

    legenda que lhe respeita inspira-se em Isaas (XL, 3-4:Preparai o caminho do Senhor: endireitai, no ermo, vereda anosso Deus. Todo o vale ser exaltado e todo o monte e todo oouteiro sero abatidos: e o que est torcido se endireitar, e oque spero se aplainar) ou em Lucas (III, 4-6: Preparai ocaminho do Senhor: aplanai os seus sendeiros, todos os valessero cheios, todas as montanhas e todas as colinas seroabaixadas e os maus caminhos tornar-se-o direitos e osescabrosos planos e todo o homem ver o Salvador enviado por

    Deus).Na patrstica crist o Monte das escrituras, antes

    reportada ao Horeb (Sinai) e a Sio (os dois nicos montes deDeus, de acordo com o Antigo Testamento), assumiusemnticas to distintas quanto as de:

    Povo judaico(So Melito, Santo Agostinho, Orgenes, Santo Efrem);

    Sagrada Escritura(So Melito, Santo Agostinho, Orgenes, So Jernimo);Apstolos e profetas

    (So Melito, Santo Agostinho, Orgenes, Santo Atansio, etc.);Salvador

    (Santo Agostinho, Santo Hiplito, Orgenes, So Jernimo,etc.);

    Me de Deus(So Joo Damasceno);

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    Igreja(Santo Agostinho, Clemente de Alexandria, Orgenes, So

    Jernimo, So Cirilo de Jerusalm, Santo Atansio, entreinmeros outros padres).

    Por seu turno, Joo Baptista de Este, judeu converso,baptizado pelo bispo de vora, Dom Teotnio de Bragana,asseverou que os rabinos entendiam o citado Monte 12 pelo

    Messias 13.J Antnio das Chagas 14 dir, a propsito de Ezequiel

    (VI, 3), que os Prncipes so figurados nos montes e colinas, talcomo os Eclesisticos o so nas pedras, enquanto os vales,esses constituem o hierglifo do Povo.

    No traduzir, justamente este dstico, uma claraaluso degradao dos Mistrios Iniciticos, antesconferidos no cume da montanha, cuja escalada era misterempreender ritualmente para aceder presena de Deus 15, oranos vales, designao que havia de ser, ulteriormente,adoptada pela maonaria para aludir s suas lojas? 16

    Torna-se, assim, evidente o sentido da denominao deFilhos do Vale, atribuda por Zacharias Werner aos membros

    12Isaas, II, 3-4 e XI, 5-8; Daniel, II, 34;Miqueias, IV, 1-3;Salmos, LXXI, 7;etc.13Dialogo entre Discipulo, e Mestre Cathechizante [], Lisboa, 1621, cap.LXV.14Obras Espirituais, 1701, tratado II, toque 1, clamor 1, p. 145.15 Os interditos prescritos contra quem invadisse sacrilegamente oHoreb (isto

    , no pertencesse ao grupo descrito como eleito no xodo, XXIV, 1, formadopor Moiss, Aaro e seus dois filhos, bem como pelos 70 Ancios de Israel) e, sua semelhana qualquer montanha convertida em lugar santo (Todo aqueleque toque no monte morrer, l-se em xodo, XIX, 12), aparentemente,foram aplicados a Jesus: quando o demo o tenta, condu-lo, mediante artifcio,ao cume de uma montanha; o Monte das Oliveiras ser o cenrio da sua priso(Lucas, XXII, 39-46).16 Na Divina Comdia, o local onde os condenados cumprem as suas penas(Inferno, XIX, 133 e XX, 4-9) denominado vale (com o mesmo sentido dagehena bblica), porm, o vale tambm pode ser uma paisagem paradisaca,como tal ocorrendo noInferno (XIV, 165) e noPurgatrio (XXIX) de Dante.

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    de uma confraria de Irmos adeptos, constituindo ab origine aIgreja secreta de Cristo, i. e., a Igreja interior ou Confraria dos

    Superiores Desconhecidos, subjacente actividade da Ordemdo Templo, bem assim como maonaria templria do sc.XVIII, ambas manifestaes transitrias, patrocinadas pelaConfraria do Vale, protagonista da obra de fico homnima17.

    Pelo seu lado, Fernando Pessoa no se coibir desublinhar que o termo vale comprova a baixa qualidade dainiciao que ela [a Ordem] ministra, em relao alta

    iniciao, nas Altas Ordens, referida sempre a uma montanha,seja a de Heredom, seja a de Abiegno! Seja a Kf, seja a doHoreb, seja a do Tabor, seja a doMer, seja a de Shamballah,seja a doParnaso dos poetas laureados, digo eu.

    17 Cf. Friedrich Ludwig Zacharias Werner, Die Sohne des Thal's: ein

    dramatisches Gedicht, Berlim, 1803. A aco inicia-se em Limasol, praa-fortedo Templo em Chipre, na ocasio em que, face decadncia da Milcia, ocaptulo vota o regresso a Frana e a destruio de rituais e livros secretos. Nasombra, assiste-se aco dos Filhos do Vale, os quais preparam o destino deMolay, castigado por ter ultrapassado as suas competncias. A segunda partedo drama evoca o processo dos templrios em Paris e o seu suplcio. Pordeciso dos Superiores desconhecidos a Ordem ser "adormecida". Molaycompreende e aceita a punio. Purificado pelo arrependimento, recebido noseio dos Filhos do Vale, caminhando para a fogueira, enquanto Robert deHeredom parte para a Esccia onde reconstruiria a Ordem sob a aparncia damaonaria.

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    III

    Uma das mais veementes sugestes quanto existnciade uma doutrina secreta no seio dos templrios peninsulares

    o sirvents de Gil Peres Conde, fidalgo-trovador luso ao serviode Afonso X de Castela:

    No Amor em casa de Reiporque o no pude a achar ceia nem ao jantar.

    A estas horas o busqueinas pousadas dos privados.

    Perguntei a seus prelados

    Por Amor e no o achei.Tm que o no sabe El-ReiQue Amor aqui no chegou,que tanto engano dele levou

    E no veio, nem o busqueinas tendas dos infanese nas dos de criaes,e dizem todos: -- No sei.

    Perdido o Amor com El-Rei,porque nunca em hoste vem,mas, se dele algo tem,dir-vos-ei eu onde o busquei:entre estes frades templrios,

    porque j aos hospitalrios

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    por Amor no perguntarei18.

    Mas que espcie de Amor -- para mais grafado com Amaisculo -- poder ser este que o jogral s logrou encontrarentre os membros da Pobre Milcia de Nosso Senhor JesusCristo e do Templo de Salomo? 19 Que mensagem cifrar otemrio amoroso e pastoril do Trobar-clus galaico-portugusde que Dom Dinis foi, nunca demais record-lo, um exmio

    18CBN1525, CCB 398. Rodrigues Lapa considera este sirvents a obra primadeste trovador (Lies de Literatura Portuguesa - poca medieval, Lisboa,

    1934, p. 152). O tema da Casa d'El-Rei retomado por Joo Airas (CBN890),Joo Aires de Santiago (CV 634) e Joo Garcia de Guilhade (CBN 745) etambm CV157 e 411.19 Franois Raynouard (Lexique Roman ou Dictionnaire de la Langue desTroubadours, v. 5, Paris, 1843, p. 316, s. v. Temple) asseverou nunca terem osTemplrios sido acusados pelos trovadores, o que, em rigor, no verdade.Trovadores houve que os elogiaram, como, a ttulo de exemplo: o flamengoJacquemart Gile, cujo Renart le Nouvel (1289), descreve o Templo e oHospital como os derradeiros basties da pureza espiritual; Guiot de Provins,na Bible Guiot (stira em verso do fim do sc. XII ou do incio da centria

    seguinte, publicada por Barbazan-Mon e San Marle [BNParis: ms. 25405(iluminado ) e 25437]; Hugues, no poema intitulado La Bible au Seigneur deBerz, composto no incio do sc. XIII [BNParis: fundo francs, ms. 857, fl.261], no qual considera os Templrios indivduos de muito mrito, apesar desequiosos de bens terrestres, declarando-se contra o direito de asilo de quegozavam e que permitia aos ladres e assassinos refugiarem-se nos seusdomnios. Outros segris, porm, fizeram prova de uma flagrante animosidadecontra o Templo, a saber, designadamente: Hugh de Trimberg lamenta, em1290, o declnio at da superior Ordem do Templo, concedendo que haviasido a melhor de todas; Rostand Brenguier (sc. XIII e princpios do XIV),

    em duas coplas trocadas com o bastardo de Arago, que Paul Meyer estimaredigidas entre 1291 e 1312 [in Chansonnier des troubadours (doao Giraud).Paris, BN: fundo francs, ms. 12472]; Daspol ou Daspols (sc. XIII), numacopla de um dos dois poemas de sua autoria [BNParis: Ms. Giraud, fundofrancs 12472], alude s Ordens do Templo e do Hospital que acusa deorgulhosas e avarentas. Paul Meyer publicou fragmento de um poemaannimo, de autor anglo-normando, sobre os Estados do Mundo, a partir deum manuscrito da 1 metade do sc. XIII [Bib. Gonville and Caius College,Cambridge: ms. 435]. Trata-se de uma stira onde os templrios so acusadosde praticar usura e especular com produtos agrcolas. Cf. Mlanges de Posie

    Anglo-Normande, inRomania, a. 4 (1875), p. 370-397.

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    cultor? E no verdade que, acompanhando o apogeu daexpanso martima portuguesa, a mesma terminologia

    translata transmigrou, sendo retomada, at exausto, pelodoce estilo novo?Uma coisa certa: a adeso maneira provenal de

    exprimir o locus amoenus e opaschale gaudium no releva deum mero clich literrio ou, designadamente, de uma falta deimaginao (leia-se inspirao!) dos poetas, como algumacrtica pouco atenta se tem comprazido em fazer crer, antesrevela a vivncia de experincias de cunho idntico,

    deliberadamente expressas com recurso a referenciaiscodificados, cuja constante glosa denota a consagrao dostemas em apreo, na esteira de uma arcaica e muito persistentetradio lrica com paralelos em contextos pr-cristos eorientais 20.

    Parece, com efeito, um dado adquirido que tanto a lricamedieval dos cancioneiros de Amor e de Amigo, como aquelarecolhida no Cancioneiro de Garcia de Resende, quer a deBernardim Ribeiro, S de Miranda, Cames, Eloy de S

    Sottomayor, Rodrigues Lobo, Samuel Usque, Ferno lvaresdo Oriente, etc., constituem a expresso externa (exotrica) deum exerccio que visa o renascimento para uma vida nova,pautada pela participao inebriante na inefabilidade do Amordivino.

    No adverte D. Dinis que os verdadeiros amantes noprocuram o mayor galardom, ou seja, a consumao lasciva,pois quen tal bem deseja o bem de ssa dama em muy pouco

    tem? Cames chega a cifrar tal gnero de prticas gnsticasno ttulo de um dos seus mais famosos Autos. Filodemo ,como a prpria etimologia denuncia, o Amigo da Alma ou

    20 Ver, designadamente, os estudos de Miguel Asin Palacios: La EscatologiaMusulmana en la Divina Comedia, Madrid-Granada, 1943 (2 ed.); LIslamchristianis: tude sur le Soufisme dIbn Arabi de Murcie, Paris, 1982.

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    Daimone, em oposio a Vanadoro, o adorador de coisasrefulgentes (como o ouro), mas vs!

    Manuel de Faria e Sousa, por seu turno, esclarecer:

    Tres calidades de Amor tenian los Platonicos. Unocontemplativo, que es superior y divino, exhalandose de la luzy objecto corporeo, a las consideraciones de su origen queest ausente y peregrino. Otro activo que viene a ser elhumano deleite en la conversacion y la vista. Y el final, lascivoy torpe, que baxa de la vista y de la conversacion al texo del

    contacto: y por esso son comparadas estas tres calidades deAmor, la primera al oro, la segunda a la plata, y la tercera alplomo. De manera, que el contemplativo para en la divinamente. El activo, usando un dudoso medio, anima en la vista.Y el lascivo en su baxez, y assi para cada uno conocer el amorque sigue y el provecho que ha de sacar del, dize San Agustinsobre el psalmo 64, no tiene mas sino darse al consideracionde la calidade dellos "Jerusalem abraa al amor divino al

    humano Babilonia: examine cada uno en si qual dellos sigue,y ver el lugar que habita21.

    Acoita de Amor de que o jogral se acha possudo e queo coloca sob o poder da Dona, suscitando nele o desejo demorrer, consubstancia o momento preliminar desse exerccio,

    21

    Noches Claras Divinas y humanas Flores, Lisboa, 1674, 1 Noche, PalestraIV, p. 280. Os gregos usavam quatro palavras distintas para exprimir outrostantos aspectos da experincia amorosa: Storge (afecto natural); Philia(amizade ou amor recproco); Eros (fora imanente que move as esferascelestes e anima toda a existncia; desejo sexual) e Agape (termo utilizado no

    Novo Testamento para nomear o Amor). Marsilio Ficino (1433-1499) defineEros como o n perptuo e unitivo de todo o universo, descrevendo as TrsGraas como a figura do crculo do Amor divino, triplo na sua manifestao(1.Pulchritudo ou beleza; 2.Amor; 3. Voluptas ou prazer): o crculo doAmoremana de Deus, manifesta-se no mundo, retorna a Deus, fundindo-se com asua fonte.

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    isto , a mortificao, propedutica da subsequentecontemplao, conducente a uma eventual iluminao.

    No isto susceptvel de gerar qualquer tipo decontestao, uma vez que o tema central de qualquer iniciao a palingnesis, a morte e a ressurreio simblicas, cujaritualizao impe que candidato seja vendado e atado, demodo a vivenciar as trevas e as restries que antecedem cada(re)nascimento.

    ASenhor (nunca aSenhora!) que os poetas amam e emquem pem os olhos da alma, a Dona por quem se apaixonam,

    uma personificao do Esprito Santo e da sua presenailuminativa, transfigurada, num contexto profano, namulher/Graa como objecto do Amor.

    J no cancioneiro de Amigo verifica-se uma alteraoda polaridade, porquanto a voz feminina o veculo dossentimentos poetados e a masculina a desterrada. Assim, porexemplo, Raimundo Llio chama Amado (Amat) a Deus e

    Amigo (Amic) Alma, em vez de Sponsa, conforme propemos hermeneutas que interpretam o epitalmio sagrado do

    Antigo Testamento, o Cntico dos Cnticos, como umaalegoria mstica das npcias de Cristo com a Igreja e com aalma fiel 22.

    Assentam os fundamentos de tal exerccio numatradio de inspirao gnstica 23, alimentada por um clima deinterpenetrao cultural patenteando influncias islmicas 24,morabes 25 e provenais, aliadas ao substracto cltico

    22

    Antecipa-se no Cntico dos Cnticos toda a ascese e mstica das viasespirituais que desabrocharo mais tarde nas escolas renana, flamenga einglesa. As vias Purgativa, Iluminativa e Unitiva encontram-se prefiguradasnos trs beijos sucessivos nos ps, nas mos e na boca. Consulte infra, nota 22.23 O priscilianista Argrio (sc. IV) j foi invocado para fundament-la. F.

    Valverde, Historia General de las Literaturas Hispanicas, v. 1, Barcelona,1949, p. 546-573.24 Rastreveis nas Moaxafas ou Carjas, cuja inveno anda atribuda aoandaluz Muqaddam Ben Mu'afa (sc. IX-X).25 As albas litrgicas que integram os Hinos do Breviarium Gothicumcantados nos sbados da Quaresma, a matinas. Um bom exemplo tambm o

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    veiculado pela Matria da Bretanha. O que tudo culminarianas propostas da mstica interiorstica platonizante que os

    meios erasmistas disseminaram a partir de finais dequatrocentos, caracterizadas pela supremacia do ethos sobre ologos, do subjectivo sobre o objectivo, do experimentar sobre oentender em coisas espirituais, denunciando um estreitoparentesco com o nominalismo 26.

    A corte esclarecida da rainha viva, Dona Leonor(1458-1525), havia de servir de esteio difuso dessascorrentes eivadas de humanismo italiano que, tendo

    encontrado terreno propcio em Portugal, produziram frutosubrrimos.As influncias heterodoxas de um Pomponazzi,

    segundo o qual a alma racional passvel de morte, sopatentes, por exemplo, numa composio assinada por Garciade Resende:

    Minha vida he de tal sorteco moor rremedio que sento

    he saber que coa mortedarey fym ho pensamento.

    Com sospirar e gemertristezas, nojos, paixam,

    juntos em meu coraam,viuo soo polos sofrer.

    poemaAles dici muntius de Prudncio (sc. IV), prece matinal penetrada pelosimbolismo cristo derivado da poesia bblica (Salmo XLI) e do respectivosentido mstico.26 R. G. Villoslada, Rasgos caracteristicos de la devotio moderna, in

    Manresa, v. 28 (1956), p. 315-350. A devotio moderna, introduzida porGerardo de Groote (1340-1384) consagra a gradao em que radicam as trsscalae ou degraus para as Virtudes: 1. Purgativa (meditar) = AF comoprincpio (purificao activa dos sentidos, adequada aos principiantes); 2.

    Iluminativa (orar) = A Esperana como meio (desenvolvimento dacontemplao, prpria dos adiantados); 3. Unitiva (contemplar) = ACaridadecomo fim (unio da alma com Deus, objecto dos perfeitos).

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    Jaa nam ha quem me cforte

    meu mal, e grande tormentose nam lembrana da morte,que daa fym ho pensamento27.

    Nada mais natural, portanto, que fazer da letra, j de siuma metalinguagem, um criptograma. De resto, no preveniuCames, na esteira dosFedeli dAmore, que "segundo o Amortiverdes, tereis o entendimento de meus versos"? 28

    27 Garcia de Resende, Cancioneiro Geral, V (Lisboa, 1973), p. 346. A reaco aesta corrente verificou-se por via da introduo das ideias de Augustino Nifo,o qual contrapunha que a alma, sendo parte integrante do Absoluto Intelecto eimortal, podia ascender Unidade Eterna. J. V. de Pina Martins, Pico della

    Mirandola e o humanismo italiano nas origens do humanismo portugus, inEstudos italianos em Portugal, v. 23 (Lisboa, 1964), p. 113 e Helder deMacedo, Do Significado Oculto da Menina e Moa, Lisboa, 1977, p. 132.Bernardim Ribeiro parece perfilhar este ideal na cloga Jano e Franco, talcomo S de Miranda no poema Toda a esperana perdida.

    28 O cdigo secreto de Dante e dos Fiis do Amor foi decifrado por Luigi Valli(Il linguaggio segreto di Dante e dei Fideli dAmore, Roma, 1928-1930, 2vols.), Gabriele Rossetti (La Divina Commedia di Dante Alighieri, Londres,1837; Il mistero dellAmor platonico nel Medioevo, Londres, 1840, 5 vols.) eEugne Aroux [1793-1859], Dante hrtique, revolutionnaire et socialiste:

    Rvlation d'un catholique sur le moyen ge, Paris, J. Renouard, 1854 [BN: L2307 V]; idem, Les Mystres de la chevalerie et de l'amour platonique auMoyen Age, Paris, Veuve J. Renouard, 1858; idem, L'Hresie de Dantedemontre par Francesca de Rimini, devenue un moyen de propagandevaudoise, et coup d'oeil sur les Romains du Saint-Graal, notamment sur le

    Tristan de Lonnois (note lue l'Acadmie des Inscriptions et Belles-Lettresdans la sance du 24 Avril 1857). Preuves de l'hrsie de Dante, notammentau sujet d'une fusion opre vers 1312 entre la Massnie albigeoise, le Templeet les Gibelins, Paris, Veuve J. Renouard, 1857 [Este vol. constitudo pelasnotas do Paradis illumin a giorno]; idem, La Comdie de Dante (Enfer-

    Purgatoire-Paradis), traduite en vers selon la lettre et commente selonlesprit, suivie de la Clef du Langage Symbolique des Fidles d'Amour, 3 vols[No fim do tomo 2, paginada de 1-39, a Clef de la Comdie de Dante. O tomoIII no seno a parte do tomo II, constituda pelas p. 787-1327, intitulada:Le

    Paradis de Dante illumin a giorno, dnouement tout maonnique de sacomdie Albigeoise (Enfer, Purgatoire et Paradis), traduite en vers selon la

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    Brevssimo glossrio do jargo mstico-amatrio do

    trobar clus dos trovadores e do doce estilo novo dosFiis do Amor

    Amigo = iniciaoAmante = aquele que no morreAmor = destrudor da morte. Ordem iniciticaBraos cruzados = forma de adorar a Sapincia santaChave = ensinamento secreto (fechar o corao com chave de

    ouro)Chorar / suspirar / gemer = simular a fidelidade Igreja,permanecendo sequaz da Ordem iniciticaCorao = sede da Inteligncia activa

    lettre et commente selon l'esprit, suivi de l'Hrsie de Dante, dmonstrepar Francesca de Rimini, de Preuves supplmentaires et de la Clef duLangage des Fidles d'Amour. Um fragmento do tomo 3 foi publicado com ottulo Clef de la Comdie Anticatholique de Dante Alighieri, pasteur de

    l'glise albigeoise dans la ville de Florence, affilli l'Ordre du Temple,donnant l'explication du langage symbolique des fidles d'amour dans lescompositions lyriques, romans et popes chevaleresques des troubadours(Paris, Hritiers J. Renouard, 1856, 39 p.). No Paradis de Dante illumin agiorno comenta longamente as passagens relativas aos Templrios e tambmna l'Hrsie de Dante dmonstre par Francesca de Rimini, onde sustenta tersido Dante o fundador da maonaria moderna sada da Massenia e do Templo.Na Clef de la Comdie de Dante exprime-se a respeito do Templarismo doseguinte modo: "les Templiers n'tant pas des docteurs, mais des guerriers,des hommes politiques et d'action, ils avaient plutt des opinions que des

    croyances. Or, ces opinions paraissent avoir survcu et triomph dans lesprincipes transmis d'ge en ge par la Franc-Maonnerie. Ils peuvent sersumer dans ce qu'on a appel les conqutes de 89, savoir libert de l'esprit,de la personne et des biens; mais des principes abstraits, le Templarismeavait senti le besoin d'adjoindre un vhicule capable d'entraner l'imaginationdes masses, et il s'tait alli l'Albigisme, dont il tait la tte et le bras"]. Noque concerne s suas aplicaes literatura portuguesa, ver Sampaio (Bruno),Os Cavaleiros do Amor, Lisboa, Guimares Editores, 1960 [Reed. revista eacrescentada de novos captulos, organizada e anotada por JoaquimDomingues:Plano de um Livro a fazer: os Cavaleiros do Amor ou a Religioda Razo (Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1996)].

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    Corao gentil= ser puro e purificado das paixes mundanas elibidinosas

    Cortes de Amor = locais de reunio dos membros da OrdeminiciticaDama / Dona = Inteligncia activa. Sofia, ennoea, mastambm a beatitude que, ofuscada pelo pecado original, restituda ao homem na Redeno. A Dama no conquistadaseno aps ultrapassado com sucesso um cmulo de provasque temperam a qualidade viril do heri e a sua fidelidadeimaterial (pobreza)

    Flor = doutrina verdadeiraFogo = AmorFonte / rio = Sapincia santa, bela, corrente e claraGaia / gaieza = Sapincia santa ou a Ordem iniciticaGemer = o mesmo que chorar e suspirar

    Inveja = Igreja. Frio e gelo. Ope-se a AmorLouco = o no iniciado na OrdemMorte = a vida comum morte da alma ou do intelecto. Amorte para o mundo a verdadeira vida. Do poeta enamoradodiz-se que tem aparncia de morto, cor de morto, etc. O Fiel do

    Amor finge-se de morto, i. e., de sequaz da Igreja. Quem ama ameaado de morte

    Morte da Dona = excessus mentis, mediante o qual se atinge acontemplao pura

    Natureza / natureza gentil= Fiel do Amor que dissimula o seuAmor Sapincia santa, falando veladamenteNoite = segredo

    Pedra / corao empedernido = Igreja corrupta, quemonopoliza a Sapincia em seu proveitoRazo = prudnciaRosa = Sapincia santaSapincia santa = Ordem iniciticaSade / salvao = proporcionada pela DamaSelvagem / vilo = algum que segue a Igreja. Ope-se aocorts e gentil

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    Suspirar = o mesmo que chorar e gemerVento /frio /frescura / gelo = foras opostas ao Amor

    Verde / verdura = a Ordem inicitica por oposio ao escuro enegroVergonha / envergonhar-se = estado de quem, por receio (daIgreja), se mantm distante da Sapincia santa e da Ordeminicitica, apesar de ser fiel ou adepto delas. Cai morto quandose aparta definitivamente delasVida = Quem entra na Ordem inicitica, inicia um novo estilode vida, entrando na vida verdadeira

    O Amor em questo no pode ser outro seno o Amorinicitico -- antagnico da cupiditas temporalia 29 --, a GaiaCincia neoplatnica e frequentemente anti-Roma dos jograis,

    vigiada de perto pelo Santo Ofcio por heterodoxa, como nodeixar de sublinhar S de Miranda na cloga Basto, quandodiz: "o entendimento que nosso, no no-lo querem deixar" 30.

    Tpicos to comuns como o banho e a lavagem oupurificao dos cabelos, garcetas (tranas) e camisas alvas nafonte, em associao com as das ouLaos de Amor (cintas oufivelas, ataduras, atilhos, fios e sirgos, laadas, ns e cordas)que ligam, atam ou cingem os cabelos e camisas, adquireminesperado significado se perspectivados em funo dasacusaes proferidas contra os templrios.

    De resto, o tema do encontro dos namorados junto auma fonte, cujo paradigma a poesia bblica (Salmo XLI),recebe a definitiva consagrao no episdio em que Jesus e a

    Samaritana (Joo, IV, 25-26) se detm sofrendo de Amor nafonte de Jacob.

    29 Santo Agostinho,De lib. arbitrio, I, XV, 32.30 Idntico pensamento exprime Ferno lvares do Oriente na LusitniaTransformada, prosa V, livro II.

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    Cngulo ou cinfaSo Paulo (Efsios, VI) chama armadura de Deus ao cngulo dacastidade contra a luxria. O Exodo (XII) manda cingir os rins aocomer o cordeiro; Lucas(XII) ordena que estejam cingidos os rinsdaqueles que esperam o seu Senhor, pois que os destinados paracamareiros especiais do parto virginal, se devem distinguir por umaespecial castidade dos rins e dos coraes; e So Gregrio cingimos

    os rins quando contrariamos a luxria da carne pela continncia. Osacerdote pronuncia ao cingir-se a seguinte orao: "Praecinge me,Domine, cingulo puritatis et extingue in lumbis meis humoremlibidinis, ut maneat in me virtus continentiae et castitatis". Asrestantes cinco armaduras de Deus so: a couraa da justia contraa avareza; o calado contra o torpor da preguia; o escudo da fcontra as ciladas do diabo; o elmo da esperana contra as vaidadesdo mundo; o gldio do esprito para mortificao da carne.

    A intromisso do cervo, to grata a Pero Meogo, DomJoo Soares Coelho, Dom Dinis, Estevo Coelho, Cames etambm assinalada na lenda do almirante templrio DomFuas Roupinho 31, confere ao cenrio, uma ndole

    31 Cervos que bebem na fonte, em Pero Meogo: Cantigas de Amigo, CCCCXI,5; CCCCXII, 4, 8, 12; CCCCXVIII, 3-5, 8-10, 13-15, 18-20; Cantigas de Amor,CXXXIV, 20-21. Maria Rosa Lida de Malkiel,La Tradicion clsica en Espana,

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    notoriamente gnstica 32. A iniciao proposta agora, semmargem para dvidas, sancionada pelo centro espiritual

    supremo, porquanto o animal protagonista transporta nashastes uma rplica darvore da Vida ouEixo do Mundo.Chegado aqui, no fora o carcter necessariamente

    conciso deste posfcio, seria aconselhvel inquirir qual osignificado derradeiro doLao de Amor 33.

    Em suma, direi que se trata de um sinal alusivo aovnculo, ligadura e subordinao ao sagrado, ao seu Amor eredeno (Job, IV, 12). O uso desse cngulo (ou cinfa) em torno

    dos rins (sede dos humores libidinis) estendeu-se a santos eheris, autnticos campees do entrosamento das potncias daalma (Memria, Entendimento e Vontade), condio sine quanon para o acesso imortalidade virtual, suscitada peloalumbramento do Amor unitivo.

    Pressinto na mente dos leitores a suspeita de queextrapolo. Que atribuo Ordem Templria preocupaes queela jamais nutriu, nomeadamente em Portugal.

    Para desmentir tais argumentos, farei apelo a um

    achado arqueolgico praticamente indito, realizado nodecurso de escavaes empreendidas no mais aureolado dequantos lugares abrigaram a Ordem do Templo na PennsulaIbrica. Com efeito, no castelo de Almourol (Portugal) foramresgatadas, em 1899, vinte e duas placas, destinadas aornamentar os peitorais ou gamarras dos arreios, cuja anlisedesmente quantos ainda crem, ao arrepio da tradio quer

    Barcelona, 1975, p. 52-79. Cantigas de Amigo de outros trovadores:CCCCXIII, 3-4, 7-8; CCCCXIV, 1, 4; CCCCXVI, 1-2, 4-5; CCCCXVII, 9-10;CCCCXIX, 7-8, 10-11, 14, 17. Caa do cervo ou do veado: Ovdio, Arte

    Amatria; Salmos; Samuel Usque, Consolao s Tribulaes de Israel,dilogo I, fl. VIr-VIIr. O tema da caa do cervo ou do veado uma imagemclssica do acto sexual. Com esse sentido ocorre no Ado e Eva de LucasCranach (sc. XVI). Note-se que aos galhos do cervo, desde sempre, foramcreditadas propriedades afrodisacas.32Joo, IV, 25-26.33 Cf. Manuel J. Gandra, O Projecto Templrio e o Evangelho Portugus,Lisboa, 2006, p. 68-69.

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    oral quer escrita, no passar de romntica fbula aquele pegodo rio Tejo ter servido de palco a Cortes de Amor34. Antes de

    mim 35, nunca, que me conste, haviam sido extradas quaisquerilaes do achado, simplesmente alvo de uma nota tcnica porparte de Garcez Teixeira 36. As peas em apreo, que se crpossam remontar aos sculos XIV e XV, so circulares,recortadas em cobre e esmaltadas a azul e ouro, apresentando-se os caracteres unciais das legendas, bem como os desenhos,abertos a buril.

    Com base no supracitado registo eis a descrio

    daquelas que legitimam a interpretao que proponho:1) Ao centro um cavaleiro com armadura completa, excepto o

    elmo, e com espada ajoelha voltado para a direita, de mospostas. Diante de si uma dama, de p e em cabelo, com longo

    vestido, levanta com as duas mos um elmo para o colocar nacabea do cavaleiro. rectaguarda deste v-se espetada no solouma lana com bandeirola triangular ostentando uma pequenacruz ao centro. Mais atrs avista-se a cabea e os quartos

    dianteiros do cavalo, distinguindo-se perfeitamente as rdeas,o freio, as faceiras e a testeira. Completam o desenho umarvore cuja copa surge sobre a cabea do cavaleiro e uma outramais pequena por detrs da dama. Na orla, a legenda: + AMO

    RVOU ME UACO FICA O CORACOM MEU;

    34 O ciclo doPalmeirim de Inglaterra parece constituir a cabal demonstraodisso.35Ob. cit., p. 69-72.36 Cf. O Esplio do castelo de Almourol, artigo sucessivamente publicado in

    Seres de Tancos (p. 12), Revista de Arqueologia, v. 2 (1936), p. 140-145 eAnais da Unio dos Amigos dos Monumentos da Ordem de Cristo, v. 3 (Dez.1951), p. 4-10.

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    Uma das placas encontradas no castelo templrio de Almourol.

    2) Tomando quase toda a altura, uma dama, de frente, comvestido de mangas perdidas, agarrando com a mo esquerdauma flor cuja haste e folhas ocupam o lado direito do crculo. Amo direita est na cintura. Aos ps, um grande leo deitado. Ooutro lado do crculo ocupado por outra planta de folhaslargas. Uma fita que se apoia por um extremo no peito dadama diz: TENER AMOR37.

    37 Estes achados acham-se guarda de uma unidade militar do Exrcitoportugus. No Museu da Unio dos Amigos dos Monumentos da Ordem deCristo (Convento de Cristo, Tomar) conservam-se fragmentos de arreioscomuns [inv. n. 697], tambm provenientes de Almourol, pormcompletamente distintos dos descritos por Garcez Teixeira.

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    Na eventualidade de, posto isto, persistir a dvida,remeto os meus leitores, incluindo os menos cartesianos, para

    outro eloquente testemunho do afirmado, isto , um excerto doromance de cavalaria intitulado Palmeirim de Inglaterra(vora, 1567), protagonizado pelo cavaleiro Florendos:

    [] comeou [Florendos] caminhar pelo reino de Portugal,passando por muitas coisas de perigo, em que por vezes ocorreu assaz, tanto a sua honra, que a fama que dali lhe ficouo fez to conhecido naquela terra, que se no falava em al. E

    assim discorrendo a uma e a outra parte, indo um dia bemdescuidado do que lhe podia acontecer, a horas de vspera,sendo no ms de Abril, se achou ao longo da ribeira do Tejo,que com suas mansas e graciosas guas rega os principaiscampos da guerreira Lusitnia at se meter no mar. Comonaquele tempo toda fosse cercada de muitos arvoredos,impedia a vista da gua em muitas partes. Pois, caminhando

    por ela acima, no andou muito que no meio da gua, em umpequeno ilhu que o rio fazia, viu um castelo roqueiro to bem

    assentado e guerreiro, que era muito para ver e muito maispara temer a quem nos perigos dele se visse; antes que lchegasse, quanto um tiro de pedra, viu ao longo da gua trsdonzelas formosas, que por baixo dos arvoredos andavam

    folgando, logrando as sombras deles, que naquele dia erampara isso, por ser de muita calma; andando to metidas nogosto do seu desenfadamento que o no sentiram seno atempo que j estava to perto, que lhe no puderam fugir.

    Florendos ps os olhos em todas; e na que lhe pareceu demaior merecimento, segundo o acatamento que lhe as outrasfaziam, viu tamanha diferena de formosura, quanta nuncacuidou que de uma mulher a outras mulheres pudesse haver,tendo para com ele tamanho poder aquelas primeirasmostras, que no prprio instante o seu corao, que dantesera livre, converteu sua liberdade isenta em cuidadosdesesperados, que muitas vezes lhe faziam desejar a morte,

    para menos perigo ou maior remdio da vida. Como esta

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    afeio o pusesse naquele desejo sem fim, acrescentou-lhemuita mais ver nela, com uma seguridade honesta, graa,

    despejo e desenvoltura, tudo conforme a seu parecer, coisasque obrigam os homens se mais perder por elas. E vendo quese recolhiam ao castelo, no teve juzo para lhe falar, que oespanto do que vira lho deixara de todo turvado. Porm,depois que se achou s no campo e viu a elas dentro,desembaraado da turvao primeira, comeou a sentirnovos acidentes namorados, em que o seu corao se via, comtamanhos sobressaltos como o amor tem onde suas obras

    abrangem; e indo contra a porta do castelo, a achou cerradade todo e no alto dela, que era de pedraria, viu um escudo demrmore, encaixado na mesma pedra e posta nela em campouma imagem de mulher, tirada pelo natural da que vira nocampo, tanto ao prprio, que no soube fazer nenhumadiferena de uma a outra. Tinha no regao umas letrasbrancas, que diziam: Miraguarda. E bem lhe pareceu queaquele seria seu prprio nome, e bem conheceu que o nomedizia verdade, que a senhora dele era muito para ver, e muito

    mais para se guardarem dela. Mas a teno por que as letrasali se puseram no era esta, seno por que se guardassem dogigante Almourol, senhor daquele castelo, de quem depoistomou o nome; que ele as ps ali para mostrar que a imagemdo escudo era para a verem, e ele para se guardarem dele. Oqual, para fazer sua teno verdadeira, saiu de dentro, aotempo que Florendos estava lendo as letras e derivando nelasseu mal, armado de folhas de ao verdes no menos formosas

    que fortes, em um cavalo negro to crescido e forte, como eranecessrio para suster to grande peso, dizendo contraFlorendos:

    -- Por certo, cavaleiro, essas letras vos mostrariam avs, se as bem entendeis, quo escusada vos fora esta detena.

    -- Se os outros receios em que elas me metem disseFlorendos no fossem maiores que o medo que me vossaspalavras fazem, eu os passaria com menos dor da que me jora do.

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    E assim de palavras em palavras vieram em tamanhaira um do outro, que houveram uma batalha assaz temerosa e

    de muito perigo, em que o gigante Almourol mostrou bem seuesforo; mas como Florendos lhe fizesse vantagem, vendo queo via de entre umas ameias a senhora Miraguarda com

    Lademia e Ardemia, suas criadas, fez tanto em armas, que odesapoderou de toda sua fora, trazendo-o to mal tratado,que por nenhuma via podia escapar de suas mos, se ela nodescera abaixo, que lho pediu, dizendo:

    -- Cavaleiro, peo-vos, se alguma coisa h no mundo

    que vos obrigue deixar esta batalha, o faais por amor demim, e no mateis esse gigante, que pessoa tal que muitodevo e o principal guardador que nesta fortaleza tenho.

    -- Senhora disse Florendos essas palavras e quemas diz me obrigam tanto, que no sei por quem mais que porelas fizesse. O gigante pode fazer de si o que quiser, e vs demim o que mandardes, que em tal estado me vejo, que no seise faria outra coisa. Miraguarda lhe agradeceu sua vontade,recolhendo-se para dentro, e Almourol com ela. Florendos

    ficou fora, ferido de suas mostras, com maior dor do que lheento davam as feridas do gigante, de que o curou seuescudeiro. E depois de so, esteve ali muito tempo, guardandoo escudo de Miraguarda, para mostrar o preo de sua pessoa,combatendo-se com todos os cavaleiros que ali vinham,vencendo-os com tamanho louvor seu, que os que eram

    famosos o buscavam de longe para experimentar suaspessoas e obras, sem nunca o gigante ter necessidade de sair

    fora; porque ele lhe franqueou sempre o campo de todos osque ali vieram. Se alguma hora lhe vagava tempo o passavapor baixo dos arvoredos em contemplaes tristes, contando-se a si mesmo seus males, e outras vezes imagem que estavasobre a porta, sossegada para ouvir, muda para lheresponder, na qual achava to pouco remdio como seesperava de uma esttua. E conquanto Miraguarda via todasessas coisas, era to livre de condio, que sofria seu serviodele para seu gosto dela e dissimulava o que via, por lhe

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    negar o galardo em tudo. Nesta continuao esteveFlorendos tantos dias, que se comeou de descobrir a

    fortaleza de Dramusiando em Inglaterra e perdio daquelesprncipes e esforados cavaleiros; e porque a confiana que aMiraguarda nascia de suas obras era grande, o mandou l,crendo que aquela ventura se acabaria por ele e ela ficariacom a honra de to crescida vitria, pois por seu mandadoentrara nela. Partido Florendos, contente de sua senhora lhemandar alguma coisa em que a servisse, chegou a Inglaterra,

    j quando tudo era acabado por mo de Palmeirim[]. Pois

    tornando a Miraguarda, j atrs se mostra cuja filha era, equo estremada em parecer e formosura a fizera a natureza;porm, no se disse a razo por que naquele castelo estava,que era esta. Como entre ns as mulheres tm tanto poder,que tudo vencem, em especial as formosas em extremo, queestas obrigam os homens a no temerem os perigos para oscometerem, nem sentir os seus receios para os passar, houvena corte de Espanha, onde o conde, pai de Miraguarda,sempre andava, por ser pessoa de muito preo e alta valia,

    tantos competimentos de cavaleiros sobre quem a serviria,que corrompendo-se este desejo nos de maior qualidade haviasempre tantas justas e torneios e invenes, gastosdemasiados, que quase todos ou a maior parte se achavamgastados deles e da desordem com que se faziam, de que arainha recebia pena e desgosto, vendo que em tempo que el-rei seu senhor era fora do reino e ela vivia em contnuatristeza, seus naturais passavam os dias em maiores alegrias

    do que nunca costumaram. Depois disso, as competnciasforam em tamanha rotura, que, nascendo dela discrdiasgrandes, houve bandos, em que morreram alguns senhores

    principais e cavaleiros famosos, e ia em tanto crescimento,que se assim no atalhara com sua temperana e discrio,

    Espanha fora posta em maior destruio do que j foi emoutros tempos.

    Mas o conde, que em extremo era discreto e sisudo,mandou chamar ao gigante Almourol, pessoa de mais crdito

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    na corte do que de gigante se esperava, e lhe rogou que aquisesse ter em sua guarda com alguns cavaleiros que lhe

    daria, at ser tempo de a casar, pois ento havia razes que oestorvavam; e mandou sua filha com quatro cavaleiros desua casa e algumas donas e donzelas para a servirem eacompanharem. Esteve no castelo de Almourol tanto tempo,que aquelas discrdias foram esquecendo e ela saiu dele [].

    Por onde se cr que muitas vezes os grandes males soprincpio de maiores bens38.

    Para bom entendedor, este trecho do Palmeirim serbastante.Quero dizer: a desagregao a partir do seu interior,

    com a consequente derrocada da respectiva estrutura externa,que a reforma promovida pelo impiedoso inquisidor Frei

    Antnio de Lisboa visava infligir Ordem de Cristo (OrdemTemplria de Portugal), no obstante algumas nefastasconsequncias, no chegou a produzir todos os efeitosdesejados, tornando-se, ao invs, incentivo para a revitalizao

    do templarismo, sob a custdia do gigante Almourol,personificando este a dimenso sobre-humana, supra-institucional e insular da Tradio.

    38 Francisco de Morais, Crnica dePalmeirim de Inglaterra, tomo I, cap. LIII,p. 358-365.

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