revoluÇÃo burguesa e processo de transformaÇÃo: … · 2015-09-14 · em nosso país, trazendo...
TRANSCRIPT
REVOLUÇÃO BURGUESA E PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO: EDUCAÇÃO E
MUDANÇA SOCIAL EM FLORESTAN FERNANDES
HIDEYSHI, J. O.
Bolsista do Programa I.C./S.B. Prope/Unesp
Graduando do Curso de Pedagogia da Unesp/Marília.
GT-7: Intelectuais, Sociologia e Educação: perspectivas sobre a política e a cultura
no Brasil
Resumo
A pesquisa visa analisar a obra de Florestan Fernandes, em especial, a temática
educacional. Em suas abordagens, o autor salienta que o sistema educacional brasileiro guarda
resquícios e é historicamente marcado por uma hierarquização, dominação, autoritarismo e
patrimonialismo, baseados em modelos sociais implantados de fora, ignorando o contexto, o
papel das políticas, a função social da escola e a formação docente, criando um lapso entre as
exigências sociais e o papel da educação na formação de cidadãos. Nesse quadro caótico, qual
seria o papel do educador/professor em uma sociedade subdesenvolvida em um processo de
transformação social? O autor afirma que o ato de educar é intrinsecamente um ato político, por
isso, a função do professor nessa sociedade é de militância dentro e fora da sala de aula. Sendo
assim, a educação tem como função, no mínimo, acompanhar as transformações sociais que
ocorrem na sociedade e formar o estudante como sujeito como ser ativo, democrático e, assim,
levar a transformação.
Palavras-chave: Intelectual. Militância. Papel do Professor. Transformações.
Introdução
As mudanças sociais, econômicas e culturais que estavam intrínsecas na transformação
de um Brasil que caminhava do antigo Regime Imperial (1822-1889) para o Regime
republicado e a formação do capitalismo no Brasil tem diversos aspectos a serem analisados,
nos quais refletiram em todos os contextos que passamos em nosso país.
Este trabalho é parte integrante do projeto de iniciação científica sem bolsa, aprovado pela Prope, que venho
desenvolvendo sob a orientação do Prof. Dr. Marcelo Augusto Totti, lotado junto ao Departamento de Sociologia
e Antropologia da Unesp/Marília.
2
Esses aspectos nos trouxeram algumas consequências que só conseguimos compreendê-
las no decorrer e no desenrolar do desenvolvimento histórico e do entendimento científico, que
ocorreu através de vários estudos feitos nesse sentido.
Tivemos diversos autores que traduziram sociologicamente períodos e acontecimentos
em nosso país, trazendo imagens e focos do Brasil, como Caio Prado Junior, Sergio Buarque
de Holanda, entre outros. Porém, optamos pelo estudo de um dos maiores sociólogos brasileiro,
Florestan Fernandes, nascido no dia 22 de junho de 1920, na cidade de São Paulo, de família
desfavorecida, sua mãe Maria Fernandes, mantenedora do lar, trabalhava como doméstica para
sustentá-los, já Florestan, desde sua infância trabalhou em diversos locais para auxiliar nesse
sustento como: açougues, bares, na rua como engraxate, alfaiatarias para auxiliar no sustento
de sua família. O autor diz que
Eu nunca teria sido o sociólogo em que me converti sem meu passado e a socialização
pré e extra-escola que recebi, através das duras lições de vida. Para o bem e para o mal
– sem invocar –se a questão do ressentimento, que a crítica conservadora lançou contra
mim – a minha formação acadêmica superpôs-se a uma formação humana que ela não
conseguiu destorcer nem esterilizar. Portanto, (...) afirmo que iniciei a minha
aprendizagem ‘sociológica’ aos seis anos, quando precisei ganhar a vida como se fosse
um adulto (...) (apud GARCIA, 2002. P. 17)
Quando trabalhava no Bar do Bidu, através da amizade com os clientes e
reconhecimento do seu esforço por parte deles, graças a um deles, Florestan consegue uma
indicação para trabalhar na indústria química onde surge o interesse de estudar na área, no curso
de Engenharia Química, mas suas condições financeiras e a ocupação de seu trabalho não o
deixaram, assim, o jovem decide prestar a seleção para entrar no curso de Ciências Sociais na
Faculdade de Ciências e Letras de forma bem aleatória1, pois na época mal se sabia o que era
ser um cientista social (GARCIA, 2002).
Com muito esforço, experiência de vida e leituras diversas, o jovem Florestan presta a
prova ministrada pelos professores franceses, dentre eles: Roger Bastide e Paul Bastide e
consegue aprovação para estudar na Universidade de São Paulo.
Após muito estudo e engajamento, Florestan graduou-se no ano de 1944, é chamado
para ser assistente de Fernando de Azevedo2 na cadeira de sociologia I. Posteriormente,
1A escolha pelo curso de Ciência Sociais ocorrem, em virtude, do mesmo não ser em período integral. Ao
contrário, do curso de Engenharia Química, assim, ele conseguiria tocar seus estudos e trabalhar. 2 Fernando de Azevedo era um dos fundadores da Sociologia no Brasil, sumidade na disciplina, já havia se
destacado na administração pública com a Reforma de 1927, no Distrito Federal, foi redator do Manifesto dos
Pioneiros e um dos idealizadores da Universidade de São Paulo.
3
Florestan faz mestrado na Escola de Sociologia e Política, o doutorado na Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras. Nesse rico caminho, produz muitas obras que são pesquisadas até
os nossos dias, podemos citar diversos exemplos como: Organização social dos tupinambá
(1949), A integração do negro na sociedade de classes (1964), A revolução burguesa no
Brasil: Ensaio de Interpretação Sociológica (1975), A investigação etnológica no Brasil e
outros ensaios (1975) e muitas outras de relevante expressividade acadêmica. As mesmas
trouxeram em si, grandes análises, aprofundamento e rupturas nos seguimento por ele estudado.
Esse grande intelectual, além de uma grande inserção na vida acadêmica, teve uma
trajetória de muito engajamento em sua vida como cidadão, militante e professor e, nos
presenteou com uma vasta literatura que traduziu muitos aspectos sociais que assolavam e
persistem assolar ao Brasil.
Por esses fatos, vimos em seus pensamentos/reflexões, vida e obra uma importante fonte
de pesquisa para nos levar a pensar sobre algumas características em nosso país, em especial,
na temática educacional que nos assombram até hoje. Observamos em suas obras, uma visão
sobre o papel do educador como atuante e, consequentemente, sujeito nas mudanças sociais em
uma sociedade subdesenvolvida, autoritária, patrimonialista, na qual trás em seu âmago a
extrema desigualdade em todos os âmbitos.
De início, traçaremos características específicas que acompanharam o processo de
transição de um Brasil praticamente agrícola, aonde os interesses e o domínio das oligarquias
predominavam, para o início do capitalismo, consequentemente, crescente com a chegada das
indústrias. Nesse sentido, teremos o foco nas características sociais, econômicas e culturais que
deixaram rastros e fragmentos do antigo regime nas relações de poder em nossa sociedade
(FERNANDES, 1975).
Focaremos o entendimento sobre as principais causas contextuais, que fazem da
educação e do professor uns dos principais atores nessa mudança. A partir dessa análise
conjuntural histórica, verificaremos, nesse cenário, qual seria o papel do educador como
intelectual e militante no processo de transformação social?
Discussão
Nos moldes de Florestan Fernandes a Revolução Burguesa é entendida como um
conjunto de mudanças econômicas, cultural, social, política e psicológica em uma sociedade.
Essa demanda vem através da entrada do sistema capitalista e se finda quando fecha o seu ciclo,
4
isto é, se levarmos em conta o modelo clássico de revolução burguesa (FERNANDES, 1975),
o objetivo de tal sistema é trazer a todos para um viver democrático e igualitário em sua
amplitude.
Para compreendermos com mais profundidade as características do Brasil frente ao seu
processo de mudança do Antigo Regime Servil (1822-1889) para a entrada do capitalismo e as
sua peculiaridades, usarei como base teórica, dois grandes tradutores da sociedade e da história
brasileira para dialogar diante o assunto proposto, dentre eles: Caio Prado Júnior e Florestan
Fernandes. Utilizarei alguns capítulos das obras: “A Revolução Brasileira” (PRADO JÚNIOR,
1969), editado pela editora Expressão Popular no ano de 2002 e, principalmente, “A Revolução
Burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica” (FERNANDES, 1975). Mais
especificamente, traçarei esse caminho com fim de debruçar sobre o processo que permeou a
constituição da Revolução Burguesa no Brasil sob visões nas quais a classifica, diferentemente
dos conceitos vindos dos ideais franceses.
Conforme Fernandes (1975) junto a isso, sabemos que uma das características
intrínsecas na sociedade de classes é a capacidade/possibilidade de mudança, de transformação,
desde o início de sua vigência. Os aspectos se avançam com rapidez, trazendo assim, inovação
e transformações em todas as áreas.
Para o autor marxista, Caio Prado Júnior (2002, p.22), o termo revolução,
coerentemente, é entendido como
(...) em seu sentido real e profundo, significa o processo histórico assinalado
por reformas e modificações econômicas, sociais e políticas sucessivas, que,
concentradas em período histórico relativamente curto, vão dar em
transformações estruturais da sociedade e, em especial, das relações
econômicas e do equilíbrio recíproco das diferentes classes e categorias sociais.
Vemos que o entendimento do autor sobre o termo vem a favor de que a revolução seja
compreendida como um processo de cunho social, econômico, político e historicamente
atrelado as transformações estruturais demandadas pelo contexto.
Prado Júnior (2002), se tratando da situação brasileira em específico, suscita-se o
pensamento de Marx afirmando que em todo quadro observado na história traz problemas
sociais, sempre há nele mesmo a solução e ela não se encontra em um cérebro iluminado, mas
se encontra na própria dinâmica do processo. Nesse sentido, o autor expressa a possibilidade
de transformação social e revolução e que ela está na compreensão e na análise da própria
5
história. Para a ocorrência do fato, segundo o autor, faz-se necessário que o homem seja “autor
e ator, ser agente e ser pensante” (PRADO JUNIOR, 2002, p.25). Ainda endossando essa
assunto, o autor salienta que o “saber científico consiste em saber o que se passa e não o que é”
(idem).
Ressalto essa questão para enfatizar que os processos ocorridos historicamente são
lidos, compreendidos e acionados por agentes de desejos, ou seja, seres humanos que,
politicamente, se empodera da situação em prol de interesses que lhe interessa. A revolução
brasileira, teoricamente, para Caio Prado Júnior (2002) não está naturalmente inserida nos
pressupostos ideológicos, como comenta o autor
A teoria revolucionária brasileira, que é a resposta a ser dada as questões
propostas na atual conjuntura do país, não se inspira assim em um ideal
expresso na “natureza” da revolução para qual se presumiria a priori que
marcha ou deve marchar a evolução histórica brasileira – revolução socialista,
democrática-burguesa ou outra qualquer. Revolução essa a que se trataria, na
mesma ordem de idéias, de ir aproximando e afeiçoando as instituições do país,
e ajustando assim os fatos a finalidade de alcançar um modelo preestabelecido.
Nada há de mais irreal e implacável que isso. A teoria da revolução brasileira,
para ser algo de efetivamente prática na condição dos fatos, será simplesmente
– mas não simplisticamente - a interpretação da conjuntura presente e do
processo histórico de que resulta. Processo esse que, na sua projeção futura,
dará cabal resposta as questões pendentes. (p.32)
A revolução será possivelmente trazida por meio da compreensão e análises dos fatos
históricos levantados conjunturalmente. Para Prado Júnior (2002, p.33), essa análise vem
atrelada com o entendimento do mundo contemporâneo e com o engajamento em prol de uma
revolução socialista, para fim de trazer a igualdade e dignidade moral a todos e todas. Para a
ocorrência do fato, portanto, há a necessidade do desenrolar do fatos (mediante interpretação)
em conjunto com soluções reais, desembocando o “progresso e o desenvolvimento histórico, e
não o seu estancamento por tentativas de conciliação e harmonização dos contrários, o que
representa a saída conservadora, senão reacionária, da problemática social”.
O autor enfatiza que as soluções reais a favor da revolução são aplicadas ou não movida
pela vontade humana, por isso, é “um problema político por excelência”. (PRADO JÚNIOR,
2002, p.33). Para ele a revolução viria a partir da definição clara sobre a revolução necessária
que expressasse economicamente, socialmente e politicamente nas quais se revelam as
pendências e soluções com fim de transformação em oposição “a conservação do status quo”.
6
Ainda enfatiza que para a revolução ocorrer é necessário uma teoria dessas e não apenas
especulações. (PRADO JÚNIOR, 2002. p.35)
Os embates criados nesse momento histórico (lembrando que Caio Prado Júnior escreve
essa obra em 1966) por meio da esquerda brasileira, especulavam teorias que tinham o intuito
de formar um ideal revolucionário no país, no entanto, Prado Júnior enxerga esses debates de
forma enfadonha e desfavorável, pois esta distante da realidade apreciada. (PRADO JÚNIOR,
2002)
Mesmo assim, há uma avanço, segundo Prado Júnior (2002) que se constrói a partir da
primeira Guerra Mundial das forcas revolucionárias. Forças que criam consciência aos poucos
e ganha espaço político e considerável projeção. Para concretizar a afirmação, o escritor, cita o
Golpe de 1º de Abril de 1964 como resposta contra tal avanço social revolucionário.
No entanto, para o escritor marxista, a esquerda brasileira não efetivaram factualmente
ações que conectavam a teoria proposta com a prática, ou seja, “as esquerdas não conseguiram
despertar e mobilizar, de maneira efetiva e revolucionariamente fecunda, as forças progressistas
do país”. A esquerda brasileira se manifestou com suas teses em prol da revolução, mas “não
formam além de uma agitação de superfície, promovida em torno de slogans, e que desbaratava
sem maior proveito as energias revolucionárias e as desencantava de seus aparentes lideres”
(PRADO JÚNIOR, 2002, p. 39).
Enquanto isso, o coletivo popular estavam inerte mediante tais situações conjunturais,
como afirma Caio Prado “as bases, as massas populares, assistiam passivamente, ou pouco mais
que isso, aos acontecimentos. E na melhor das hipóteses faziam, nos momentos de maior tensão,
de torcida, como jogo de futebol” (2002, p.39)
No Brasil, no mandato de Juscelino Kubitschek (1955) passa por um avanço estrutural
econômico chamado de 50 anos em 5. No entanto, afirma o autor que “nunca se vira, e nem
mesmo imaginara tamanha orgia imperialista no Brasil e tão considerável penetração do
imperialismo na vida econômica brasileira. (PRADO JÚNIOR, 2002, p.41) Caio Prado faz esse
comentário para enfatizar a postura capitalista e progressista do Brasil, no entanto, atrela esse
tal progresso com a dependência dos países imperialistas com seus investimentos; por isso,
chega a relatar que o presidente eleito visitou os países europeus, mesmo antes da posse, para
relacionar-se com grandes grupos internacionais com fim de promover aproximações e
generosas participações econômicas por meio de atividades. (PRADO JÚNIOR, 2002)
7
Essa enfática e fatídica afirmação é lançada, pois Caio Prado quer deixar claro que
enxerga o Brasil como um país já capitalista, entretanto, com a condição de explorado pelos
países de capital avançado. Nessas condições, ainda sim a esquerda brasileira apoiava o
governo, e ganhavam diante esse apoio, projeção política, mas as suas dificuldades e
deficiências não eram revistas e construídas a fim de conquistas amplitude por méritos.
(PRADO JÚNIOR, 2002)
Caio Prado se expressa escrevendo que
Projeção essa, contudo, que não resultava afinal em mais que uma agitação
demagógica e superficial, sem reais perspectivas revolucionárias e fadada ao
desastre de abril, que já muitos meses antes somente não era previsto por
ingênuos embriagados na euforia de momentâneos e aparentes sucessos, ou
então cegados por falsas ilusões acerca do verdadeiro conteúdo e sentido da
luta em que se tinha engajado. (2002, p. 43)
Ou seja, o movimento da esquerda brasileira se encontrava ideologicamente superficial,
sem visão realmente revolucionária, acompanhando assim a perspectiva imposta de forma
ingênua e rasa em suas concepções.
Para fechar a tradução do autor para tal realidade brasileira, Caio Prado destaca a falta
de clareza na “interpretação teórica da realidade brasileira, a saber, de que o país estava vivendo
momentos revolucionários profundos e decisivos” (2002, p. 43) mesmo que cheio de boas
intenções, os revolucionários membros da esquerda “também tiveram seu papel – a
prosseguirem em sua desacertada ação política. Ações essas que, por não contar com diretrizes
justas, não foi capaz de despertar e mobilizar” (2002, p.43) as forcas, efetivamente,
revolucionárias.
Portanto, para iniciar esse processo, faz-se necessário segundo Caio Prado, reelaborar
as teorias revolucionárias, para alcançar a transformação sociais, econômicas e política
impregnadas na conjuntura. Para isso acontecer, é necessário a análise e apreciação, de forma
crítica, sobre as concepções teóricas até o momento construídas e consagradas, porém errôneas.
(PRADO JÚNIOR, 2002)
O pesquisador brasileiro, Carlos Nelson Coutinho (2000, p. 251) comparando os estudos
dos dois autores aqui tratados, afirma que
8
“[...] é indiscutível que Florestan elabora sua “imagem do Brasil” mediante um
estoque categorial marxista bem mais rico do que aquele presente na produção
de Caio Prado. Ao contrário de Florestan, que quase sempre se apóia em
conceitos, Caio constrói suas análises de modo mais “intuitivo”, o que as torna
muitas vezes ambíguas ou pouco precisas”.
Então, para Coutinho (2000), Florestan avança nas discussões, pois tem intrínseco em
suas análises, os conceitos científicos, que aliás, eram de grandes profundidades e domínio.
Florestan, mediante a produção de diversas obras, dentre elas A Revolução Burguesa
no Brasil (1975)
“[...] coloca assim, com plena consciência, o mesmo problema já enfrentando
por Lênin e por Gramsci, ou seja, o da definição de vias “não clássicas” para o
capitalismo. Ora, essa consciência lhe permite, sempre em comparação com
Caio Prado, o uso de recursos teóricos mais precisos para entender não apenas
o especifico modo da revolução burguesa no Brasil, mas também a
particularidade do capitalismo que ira de resultar dessa revolução. Sem negar
que a conservação do “atraso” da dependência externa, da “selvagem”
exploração do trabalho, do “autrocratismo”, etc.” (COUTINHO, 2000, p.254)
Ou seja, para Coutinho (2000), a análise de Florestan se aprofunda, pois sua consciência
enquanto pesquisador, professor e militante o ajuda, teoricamente, a compreender a “imagem
do Brasil” de forma mais clara e precisa.
Iniciando o entendimento de Florestan Fernandes, nesse processo sociológico e
histórico, um dos pilares desse projeto de revolução ou não é a educação. Entendendo a
educação como um ato político (FERNANDES, 1989), por isso sempre atrelado,
necessariamente, a esse tipo de sociedade nas pretensões/posições da classe dominante (levando
em conta a posição econômica) e, pode ajudar trazendo progresso ou não para o país.
No Brasil, esse cenário de transição ocorreu vagarosamente desde o fim da colônia e se
incorpora no início do século XX, vindo sobre suposta “desvinculação” dos moldes sociais e
políticos da era senhorial (antigo regime) para a era burguesa, ou seja, para a sociedade de
classes, consequentemente, trazendo em seu bojo, o poder e a dominação que contempla aos
mais favorecidos economicamente.
Há algumas questões fundamentais para esclarecimento do surgimento de uma
sociedade mandonista e arbitrária, uma delas, com afirma o autor
A situação brasileira do fim do Império e do começo da República, por
exemplo, contém somente os germes desse poder e dessa dominação. O que
muitos autores chamam, com extrema impropriedade, de crise do poder
oligárquico não é propriamente um “colapso”, mas o início de uma transição
que inaugurava, ainda sob hegemonia da oligarquia, uma recomposição das
9
estruturas do poder, pela qual se configurariam, historicamente, o poder
burguês e a dominação burguesa. (FERNANDES, 1975, p.201)
Por essa especificidade, a burguesia, tendo a junção de poderes com a antiga oligarquia
brasileira, utiliza as força de influência para com o Estado brasileiro com objetivos políticos
nos quais, manobram para fins de cunho particular. Com isso, a burguesia faz o papel de trazer
as “mudanças” ideais nascidas no cenário Europeu, mas com suas particularidades, ou seja,
com seus interesses de classes tidos em jogo.
Mesmo que a burguesia e a oligarquia tivessem suas divergências e interesses que,
muitas vezes, focalizavam outros setores, as questões econômicas os levavam a se unir
politicamente para fortalecimento de seus negócios.
Para não conflitar e trazer desconfiança para a população, os mesmos utilizam ideais
europeu da Revolução Burguesa, assim a burguesia brasileira se “mascarava” fomentando uma
retórica, um ideal de igualdade e crescimento e um símbolo de modernidade e progresso para a
civilização. (FERNANDES, 1974).
Por terem esses interesses em comum, a educação nesse quadro é negada a toda
população, isto é, não e tida democraticamente e não acompanha os progressos vindos da nova
concepção de sociedade ali imposta.
A educação enquanto fator social construtivo e de transformação deve ser considerado
com referências às suas demandas, atendendo, ao menos, os aspectos sociais oriundos das
mudanças sociais. Nesse caso, se tratava de democracia e desenvolvimento, sobretudo,
industrial e tecnológico.
Nesse aspecto, a educação tem grande influência no processo de formação do “novo”
cidadão, ou seja, aquele que está preparado para essa sociedade tecnológica e democrática. Mas,
a classe dominante, enquanto detentora do poder nega tal oportunidade para a classe
trabalhadora, no intuito de alienar o povo de sua consciência e obrigações em uma sociedade
dita participativa. Florestan (1959) diz que a educação nos serve como mecanismos de
transformação ou de preservação da ordem vigente e nos contempla com a preparação dos
sujeitos para a sociedade em crescimento.
No entanto, dessa mesma forma, se junta às características do mandonismo/arbitrarismo
da antiga oligarquia com a força econômica e políticas ditada no contexto pela classe burguesa.
A burguesia tinha em suas mãos todas as armas políticas e usufruía usando a autocracia,
devido aos seus poderes e influências econômicas. Esses aspectos, herdados de um antigo
10
regime, abafavam o uso legítimo que o modelo de sociedade democrática tem em sua essência,
assim, havia somente um modelo “morto” existente que estava distante dos ideais e da prática.
Nesse caso, Florestan coloca dois pontos importantes para entendimento sociológico do
crescimento da dominação burguesa em nosso país
Um deles é o significado dessa dimensão autocrática da dominação burguesa.
Entre as elites das classes dominantes havia um acordo tácito quanto a
necessidade de manter e de reforçar o caráter autocrático da dominação
burguesa, ainda que isso parecesse ferir a filosofia da livre empresa, as bases
legais da ordem e os mecanismos do Estado representativo. (...) O outro
elemento diz respeito ao progressivo aparecimento de uma efetiva “oposição
dentro da ordem” e a “partir de cima”. Sob o regime escravocrata e senhorial,
a aristocracia podia conter (e mesmo impedir) esse tipo de oposição, fixando
as divergências toleradas os limites de seus próprios interesses econômicos,
sociais e políticos (convertidos automaticamente nos “interesses da ordem”
ou “da Nação como um todo”). (FERNANDES, 1974, p. 207)
Na citação a cima, o sentido de dimensão autocrática da dominação burguesa está ligada
a influência nas posições/ações tidas pela mesma, sobretudo, em âmbito político e econômico
sobre as classes menos abastadas, atingindo assim, as possibilidades de esclarecimento,
politização e principalmente, de dominação de forma massiva.
Vemos que diante essa análise, quão grande foi à influência da classe dominante
(burguesia e antiga oligarquia) nos setores da sociedade. Também, de forma bastante tenaz em
busca de seus ideais, usavam suas manobras utilizando o Estado para seu bem querer e bem
servir.
Vale ressaltar, que além de todos esses agravantes, o contexto3 nos traz a mudança de
uma grande massa oriunda do meio rural para a cidade (meio urbano), que foram impactados
pelo industrialismo que estava a todo vapor. Essa população (classe trabalhadora) vinha em
busca de oportunidades de uma nova vida e, devido a sua baixa escolaridade, eram obrigados a
trabalhar em lugares insalubres e precários.
O contexto até aqui relatado, levou a um condicionamento ou não esclarecimento da
classe trabalhadora4 tornando assim, alienada, levando a não participação de uma sociedade
tida democrática e, consequentemente, a não ter voz ativa/participativa nos espaços políticos
nessa sociedade de classes. Sendo assim, os mesmo eram oprimidos socialmente,
3 Refiro-me ao início do século XX. 4 Quero incluir nesse meio o professorado que, apesar de exercer um trabalho intelectual, também é incluído
como classe assalariada.
11
intelectualmente e politicamente, não obtendo expressão para lutar efetivamente contra a ordem
vigente.
Enfoco aqui, como já citado acima, um fator determinante em qualquer sociedade: a
educação. Assim, o autor destaca dois itens essenciais nessa discussão: 1) Qual é o papel do
professor nesse tipo de sociedade; e 2) O sistema educacional que fora implantado é conduzido
pela classe dominante e é oriundo de ideais vindos de países tidos como desenvolvidos e não
acompanhou as mudanças tidas em nosso país.
Florestan afirma que o processo de mudança em uma sociedade é um processo político,
logo, sabemos que a educação em si é um ato político. Por isso, para que a educação atinja a
todos de forma igualitária e com a qualidade de uma formação que atenda, possivelmente, os
aspectos da sociedade alienada e poderes vindos de classes dominantes, as ações do professor
devem-se fixar, segundo o autor:
O professor não pode estar alheio a essa dimensão. Se ele quer mudança tem
que realizá-la nos dois níveis – dentro da escola e fora dela. Tem que fundir
seu papel de educador ao seu papel de cidadão – e se for levado, por situações
de interesses e por valores, a ser um conservador, um reformista ou um
revolucionário, ele sempre estará fundindo os dois papeis (FERNANDES,
1989, p. 164)
Por isso, o autor salienta a importância do papel político e militante do professor
enquanto cidadão, dizendo:
Pensar politicamente é alguma coisa que não se aprende fora da prática. Se o
professor pensa que sua tarefa é ensinar o ABC e ignorar a pessoa de seus
estudantes e as condições em que vivem, obviamente não vai aprender a
pensar politicamente ou talvez vá agir politicamente em termo conservadores,
prendendo a sociedade aos laços do passado, ao subterrâneo da cultura e da
economia (FERNANDES, 1989, pg. 165)
Devido ao nosso processo histórico e influências tidas outrora, o papel do educador
como militante e conscientizador das novas gerações, das classes menos abastada é de suma
importância para um processo de mudança e transformação nesse tipo de sociedade específica.
Tendo em vista o momento em que Florestan se refere, a educação teria como foco a
formação de um homem novo, um cidadão, ou seja, o sujeito introduzido em uma sociedade de
classe, inserido em uma ambiente tido “democrático”. Desta forma, o autor busca um homem
capaz de ser participativo e criador da ordem social democrática, pois, desta forma as possíveis
mudanças viriam de forma mais acelerada.
12
No entanto, devido aos delineamentos da educação nos quais foram traçados pelas
classes dominantes, essa necessidade de formação foi abafada. A classe burguesa, por seu
acesso a educação de qualidade, ou muitas vezes cursada em outros países, detinha o privilégio
de receber uma formação que, ao menos, lhe dava condições e lhe formava para a continuidade
do processo colocado pela sociedade na qual vivia.
Mas, os filhos da classe trabalhadora recebiam uma educação que vinha de concepções
tidas pela burguesia. Dessa forma, a educação não alcançava de forma real os menos
favorecidos, para Florestan:
O uso social que se deu a instrução manteve-se presa a interesses e as
concepções que a converteram plenamente em um símbolo de status. Ser ou
não ser instruído equivalia a ser ou não ser “ignorante”, “atrasado” e
“dependente”. Como a dominação patrimonialista e aristocrática prescindia
largamente do apoio dinâmico da escolarização – só a burocracia requeria
alguma aprendizagem prévia sistemática, supervisionada e institucionalizada
– a escola se divorciava das necessidades educacionais recolhidas socialmente
e o ensino se alienava dos problemas práticos dos homens (...) (apud MATUI,
2001, p. 62)
O autor também defende nos seus trabalhos em que aborda a educação, que os modelos
implantados em nosso país não contemplam a nossa realizada, assim, os currículos que formam
o corpo docente, os profissionais dessa área e os alunos não são correlatos a sua realidade, isto
é, a realizada brasileira.
A educação em Florestan Fernandes tem um papel de transformação, pois para ela, a
educação é colocada, de forma proposital, em vista dos problemas sociais em que temos.
Faz-se necessário que o ensino seja mudado em todas as instâncias (desde o ensino
básico até as universidades) para que possa formar pessoas que acompanham o
desenvolvimento social e econômico, atendendo assim, as exigências da sociedade vigente e,
formar o cidadão democrático para a possível transformação social.
Florestan define a educação como:
Preparar personalidades democráticas para uma ordem social democrática, e
que (atenda a) certos fins práticos, como o desenvolvimento da consciência
de afiliação nacional e dos direitos e dos deveres do cidadão, de uma ética de
responsabilidade, da capacidade de julgamento autônomo de pessoas, valores
e movimentos sociais etc” (FERNANDES, 1960, p. 103)
A formação do cidadão faz correlação com os problemas que se enfrenta com a transição
do antigo regime para o novo, por isso, essa nova postura é solicitada para os professores, para
assim, continuar a favor da revolução em processo.
13
Considerações finais
A Burguesia, juntamente com a antiga oligarquia, teve grande influência sobre os
aspectos da educação ministrada no Brasil. Vimos no decorrer da pesquisa realizada até então
que, a educação foi direcionada pela classe dominante, sendo assim, não alcançou a todos e não
entendeu os dilemas que eram postos no contexto brasileiro. Isso nos levou a alguns atrasos e
gerou como consequência, mais distanciamento cultural, social e econômico entre os indivíduos
participantes desse sistema.
Até o momento, podemos perceber que, devido à história peculiar em que nosso país
atravessou em sua transição para o sistema de classes (capitalismo – final do século XIX e
início do século XX) de forma não clássica, isto é, distante dos ideais Franceses, o papel da
educação e, consequentemente do educador é, não somente, como mero transmissor de
conhecimentos, mais sim de cidadão e militante, visando assim, as mudanças e transformações
nesse contexto.
Referências
CERQUEIRA, L. Florestan Fernandes - Vida e Obra. São Paulo: Empressão Popular, 2004
COUTINHO, C. N. Marxismo e “Imagem do Brasil” em Florestan Fernandes. In:
. Cultura e Sociedade no Brasil, 4ª edição, São Paulo: Expressão Popular, 1998.
FERNANDES, F. “A Ciência Aplicada e a Educação como fatores de mudança cultural
provocada” in. Técnicas e Prob. de Mud. Cultural Provocada em Face da Org. e Func.
do Sist. Educ. Bras . INEP-MEC, São Paulo, vol. 5, 1967.
FERNANDES, F. A Revolução Burguesa no Brasil. Rio de Janeiro, Zahar Editores,
1975.
FERNANDES, F. Educação e Sociedade no Brasil. São Paulo, Editora Dominus,
1966.
FERNANDES, F. O Desafio Educacional, São Paulo, Editora Cortez, 1989.
FERNANDES, F. Ciências Sociais: na Ótica do Intelectual Militante, Estudos
Avançados, São Paulo, n: 22. 1994.
GARCIA, S. G. Destino Ímpar, São Paulo: Editora 34, 2002.
MATUI. J. Cidadão e professor em Florestan Fernandes. São Paulo: Cortez, 2001.
14
PRADO JÚNIOR, C. A Revolução Brasileira: Expressão Popular, 2002.
SOARES, E V. Florestan Fernandes: o militante solitário. São Paulo, Cortez, 1997
Bibliografia Complementar
FAUSTO, B. História do Brasil. São Paulo: Editora da USP. 1994. 243- 319
FERNANDES, F. Circuito Fechado: Quatro ensaios sobre o poder Institucional.
Editora Globo, 2010.
FREITAG, B. "Florestan Fernandes por ele mesmo". Uma troca de cartas de
Florestan Fernandes com Barbara Freitag de trinta anos (1965-1994). Em Estudos
Avançados 26, São Paulo, 1996.
GRAMSCI, A. Os intelectuais e a organização da cultura. Tradução de Carlos Nelson
Coutinho. 7ª ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1989.
HOLANDA, S. B. Raízes do Brasil, Rio de Janeiro, 1976
MANNHEIM, K; STEWART, W. Introdução a Sociologia da Educação, São Paulo,
Editora Cutrix, 1972
REGO, W. L. Intelectuais, Estado e Ordem Democrática – Notas sobre as Reflexões
de Florestan Fernandes. In: RIDENTI, Marcelo; BASTOS, Élide Rugai e ROLLAND,
Denis (org.). Intelectuais e Estado. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2006.
SAVIANI, D. Florestan Fernandes e a educação, Estudos Avançados, São Paulo, v.10,
n: 26, 1996.
TOTTI, M A. Florestan Fernandes e a construção de um padrão Científico na Educação
Brasileira. In: XAVIER, Libânia et all (org.) - História da Educação no Brasil: matriz
interpretativa, abordagens predominantes na primeira década no século XXI, Vitória,
Edufes, 2011.