revista ridep 15 abriltitle: revista ridep 15 abril.qxd author: sol created date: 11/26/2007...

21
113 RIDEP · Vol. 16 · Nº2 · 2003 Associação entre comportamento alimentar restritivo e ingestão nutricional em estudantes universitários Association between cognitive restraint and dietary intake im university students PEDRO MOREIRA*, DANIEL SAMPAIO**, MARIA DANIEL V AZ DE ALMEIDA*** RESUMO As relações entre desejo de modificar a alimentação para perder ou manter o peso, e ingestão nutricional e alimentar apresentam resultados controversos. Neste estudo, examinámos a existência de associações entre comportamento ali- mentar restritivo e ingestão habitual, utilizando instrumentos especialmente adaptados e validados. Os participantes responderam a um questionário que incluía informações sobre actividade física, comportamento alimentar (restrição, desinibição e fome), e ingestão alimentar. Completaram o estudo 380 estudantes universitários (60% do sexo feminino e 40% do sexo masculino). Para estudar os parâmetros de ingestão em função do comportamento alimentar (restrição e des- inibição), recorremos à análise da variância multivariada, e utilizámos um des- enho factorial do tipo 2 x 2 considerando a restrição (elevada/baixa) e desinibi- ção (elevada/baixa) como variáveis independentes, e os parâmetros nutricionais * Professor Associado. Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto R. Dr. Roberto Frias 4200-465 PORTO PORTUGAL Telefone: +351-2-5074320 Fax: +351-2-5074329 Email: [email protected] ** Professor Associado com Agregação. Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa Serviço de Psiquiatria do Hospital de Sta. Maria Alam. Prof. Egas Moniz 1600 LISBOA Telefone: +351-1-7976879 Fax: +351-1-3873622 *** Professora Associada com Agregação. Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto R. Dr. Roberto Frias 4200-465 PORTO PORTUGAL Telefone: +351-2-5074320 Fax: +351-2-5074329 Email: [email protected]

Upload: others

Post on 29-Aug-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Revista RIDEP 15 abrilTitle: Revista RIDEP 15 abril.qxd Author: sol Created Date: 11/26/2007 12:11:22 PM

113

RIDEP ·· Vol. 16 ·· Nº2 ·· 2003

Associação entre comportamento alimentar restritivo e ingestão nutricional em estudantes universitários

Association between cognitive restraint and dietaryintake im university students

PEDRO MOREIRA*, DANIEL SAMPAIO**, MARIA DANIEL VAZ DE ALMEIDA***

RESUMO

As relações entre desejo de modificar a alimentação para perder ou manter opeso, e ingestão nutricional e alimentar apresentam resultados controversos.Neste estudo, examinámos a existência de associações entre comportamento ali-mentar restritivo e ingestão habitual, utilizando instrumentos especialmenteadaptados e validados. Os participantes responderam a um questionário queincluía informações sobre actividade física, comportamento alimentar (restrição,desinibição e fome), e ingestão alimentar. Completaram o estudo 380 estudantesuniversitários (60% do sexo feminino e 40% do sexo masculino). Para estudar osparâmetros de ingestão em função do comportamento alimentar (restrição e des-inibição), recorremos à análise da variância multivariada, e utilizámos um des-enho factorial do tipo 2 x 2 considerando a restrição (elevada/baixa) e desinibi-ção (elevada/baixa) como variáveis independentes, e os parâmetros nutricionais

* Professor Associado. Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto R.Dr. Roberto Frias 4200-465 PORTO PORTUGAL Telefone: +351-2-5074320 Fax: +351-2-5074329Email: [email protected]** Professor Associado com Agregação. Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa Serviço dePsiquiatria do Hospital de Sta. Maria Alam. Prof. Egas Moniz 1600 LISBOA Telefone:+351-1-7976879 Fax: +351-1-3873622

*** Professora Associada com Agregação. Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação daUniversidade do Porto R. Dr. Roberto Frias 4200-465 PORTO PORTUGAL Telefone: +351-2-5074320Fax: +351-2-5074329 Email: [email protected]

Page 2: Revista RIDEP 15 abrilTitle: Revista RIDEP 15 abril.qxd Author: sol Created Date: 11/26/2007 12:11:22 PM

114

RIDEP ·· Vol. 16 ·· Nº2 ·· 2003

ou alimentares como variáveis dependentes. Enquanto no sexo feminino, a inges-tão energética foi significativamente menor nos indivíduos com maior intensida-de de restrição (2062 versus 2208 Kcal, p < 0,01), no sexo masculino, nunca seencontraram associações significativas. No grupo de restrição elevada, após ajus-te para energia e confundidores, encontrou-se: consumo superior de hortofrutí-colas e pescado, e menor ingestão de pão, cereais e leguminosas, doces e pastéis,nas mulheres; e maior consumo de hortícolas, nos homens.

Palavras-chave:

Restrição Cognitiva; Ingestão; Comportamento Alimentar; EstudantesUniversitários

ABSTRACT

Evidence regarding association between cognitive restraint and dietary inta-ke is conflicting. The main objective of this study was to determine the asso-ciation between cognitive restraint and food intake, using questionnaires spe-cially adapted and validated for university students. We administered a ques-tionnaire that included information about physical activity, eating behaviour(restraint, disinhibition and hunger and dietary intake, in the year preceding thestudy; 380 (60% female and 40% male) completed the two phases. The asso-ciation of restraint and disinhibition with nutritional and dietary variables wastested using multivariate analysis of variance in a 2 (restraint) x 2 (disinhibition)factorial design, and univariate analysis of variance. When comparing low andhigh restraint groups, among women, high restrainers reported lower consump-tion of energy (2062 versus 2208 Kcal, p < 0,01), and several foods (namelypastry and starchy foods) and higher consumption of vegetables, and fish, thanlow restrainers (even after adjustment for confounders). In male subjects, highrestrainers consumed significantly more vegetables than low restrainers. Theseresults emphasize the association between high restraint behaviour and lowerreported energy consumption in women, but not in men, and a general betterfood pattern in the high restraint groups.

Key-words:

Cognitive Restraint; Dietary Intake; Eating Behavior; University Students

Page 3: Revista RIDEP 15 abrilTitle: Revista RIDEP 15 abril.qxd Author: sol Created Date: 11/26/2007 12:11:22 PM

INTRODUÇÃO

A restrição alimentar, foi definidade modo muito geral, como a tendên-cia para restringir a ingestão de ali-mentos, de forma deliberada, paraprevenir o aumento de peso ou pro-mover a perda ponderal. Os indiví-duos com comportamento alimentarrestritivo, independentemente da clas-sificação de peso, cessam a ingestão,não como resposta aos mecanismosde saciedade, mas porque chegaram aum limite de ordem cognitiva. Noentanto, o comportamento de restriçãopode também incluir a noção de que apreocupação excessiva com o pesoseja capaz de conduzir o indivíduo aepisódios de desinibição e sobreali-mentação quando existem condiçõesque contrariam o auto-controlo .

O fenómeno de restrição voluntáriada alimentação parece ter-se tornadocada vez mais frequente, num contextosocial de intensa preocupação com afigura e o peso corporal, e consequen-te intenção de fazer dieta, sobretudo nosexo feminino. Entre os indivíduos quemanifestam maior insatisfação com opeso e preocupações com o ganho econtrolo ponderal, encontram-se osestudantes universitários. Contudo,apesar de estarem disponíveis trabal-hos sobre os efeitos da restrição na ali-mentação, nomeadamente neste grupode indivíduos, grande parte dos estu-dos realizou-se em ambiente de labora-tório, existindo pouca informaçãosobre os efeitos da restrição na inges-

tão habitual, fora de condições experi-mentais. Na tentativa de investigar seindivíduos com comportamento restri-tivo exibem restrição energética cróni-ca, vários estudos encontraram umaingestão energética inferior no grupode maior intensidade de restrição. Noentanto, os mecanismos envolvidos naregulação do balanço energético, sãoainda pouco claros, e nem sempre seencontram diferenças de ingestão. Porvezes, os resultados são mesmo contra-ditórios, como sucede relativamente àingestão de gordura.

Neste contexto, importa saber seuma intensidade elevada de comporta-mento restritivo, pelo desejo de dimi-nuir ou manter o peso, se associa acaracterísticas nutricionais e alimen-tares que contribuem para a promoçãoda saúde ou, pelo contrário, representauma situação de risco nutricional.

O estudo tem como objectivo prin-cipal examinar, num grupo de jovensadultos universitários, a existência deassociações entre comportamento ali-mentar restritivo e ingestão nutricio-nal e alimentar habitual.

Métodos

1 - Participantes e colheita de dados

A população alvo do trabalho com-preende adultos jovens estudantes daUniversidade do Porto. Perante aimpossibilidade de obter listas com aidentificação de alunos e sua posteriorconvocação para o estudo, optámos

115

RIDEP ·· Vol. 16 ·· Nº2 ·· 2003

Page 4: Revista RIDEP 15 abrilTitle: Revista RIDEP 15 abril.qxd Author: sol Created Date: 11/26/2007 12:11:22 PM

por convidar a participar estudantescom menos de 30 anos, de cursos dasFaculdades de Letras e Engenharia. Atodos os participantes foi garantidaconfidencialidade e anonimato.

O estudo dividiu-se em duas fases.Na primeira, os participantes respon-deram a um questionário, de adminis-tração directa que incluía diferentessecções para obtenção das seguintesinformações: sexo, idade, escolarida-de materna e paterna; actividade físi-ca; e comportamento alimentar.

Na segunda fase, utilizámos umquestionário de administração indi-recta que incluía informações sobre:antecedentes médicos pessoais; estarem dieta no momento do estudo; hábi-tos tabágicos; peso e altura (apósdeterminarmos estes parâmetros deacordo com metodologia internacio-nalmente recomendada, calculámos oíndice de massa corporal - IMC); uti-lização de suplementos nutricionais; eavaliação da ingestão alimentar noúltimo ano. Nenhum dos indivíduosreferiu apresentar patologias ou con-dições fisiológicas ou de saúde (inclu-sivé perdas de peso superiores a 4 Kg,nos últimos 3 meses), que interferis-sem na ingestão alimentar habitual.

Aos indivíduos que se mostraramindisponíveis para participar, pedimospara responderem apenas ao questio-nário distribuído na primeira fase doestudo, e todos concordaram com esteprocedimento.

Foram convidados a participar notrabalho 558 estudantes (68% do sexo

feminino e 32% do sexo masculino), ecompletaram, as duas fases do estudo,380 indivíduos (60% do sexo femini-no e 40% do sexo masculino) queconstituíram a amostra de estudo.

2 - Actividade física

Para avaliar a actividade física apli-cámos um questionário em que explo-ramos as actividades profissionais,domésticas, desportivas e de lazer, deforma a obter informações sobre o dis-pêndio médio de tempo em cada umadas actividades. A frequência e dura-ção da prática desportiva foi corrigidasegundo a intensidade do esforço, deacordo com o gasto energético corres-pondente, através da utilização de“equivalentes metabólicos” – MET .

3 - Comportamento alimentar

Para estudar o comportamento ali-mentar, utilizámos o “Three-FactorEating Questionnaire” - TFEQ - quefoi desenhado com o objectivo de ava-liar a “restrição cognitiva da ingestão”,“desinibição”, e “fome”. Os autores daescala original autorizaram que testás-semos a validade de construto doTFEQ no nosso país, e o TFEQ foi tra-duzido, adaptado e validado para estu-dos portugueses .

Posteriormente, calcularam-se asmedianas de pontuações para os facto-res de restrição e desinibição, e os indi-víduos foram divididos em grupos debaixa e elevada intensidade de restri-

116

RIDEP ·· Vol. 16 ·· Nº2 ·· 2003

Page 5: Revista RIDEP 15 abrilTitle: Revista RIDEP 15 abril.qxd Author: sol Created Date: 11/26/2007 12:11:22 PM

ção e desinibição, consoante se apre-sentassem, respectivamente, no grupode mais baixa ou alta pontuação.

4 - Questionário de frequência deconsumo alimentar

O questionário de frequência deconsumo alimentar (QFA) que utilizá-mos, de administração indirecta,inclui 82 itens de alimentos ou gruposde alimentos, e apresenta bons parâ-metros de validade em adultos e estu-dantes universitários portugueses.

Feita a conversão dos alimentos emnutrimentos, estudámos os valoresmédios (± desvio-padrão) da ingestãode energia, proteínas, hidratos de car-bono totais (HCT), gorduras totais(GT), fibras, colesterol e cafeína.Relativamente aos alimentos, avaliá-mos os seguintes grupos: leites eiogurte; carnes (vaca, porco, cabrito,frango, perú e coelho); pescado (pei-xes, moluscos e crustáceos); gordurasde adição (azeite, óleos, margarina,manteiga e maionese); pão, cereais eleguminosas; doces e pastéis (incluibolachas, chocolate, marmelada, com-potas e açúcar); frutos frescos; produ-tos hortícolas; e sopa de vegetais.

5 - Análise da informação

À semelhança de outros autores,para estudar os parâmetros nutricio-nais em função dos factores de com-portamento alimentar (restrição e des-inibição), recorremos à análise da

variância multivariada (MANOVA),respeitando os pressupostos de nor-malidade, homogeneidade das matri-zes de variância-covariância, lineari-dade e multicolinearidade. Para inferirdiferenças nos valores encontrados,escolhemos o critério de Wilks.Considerámos também a possibilida-de de ter valores significativos paraum ou mais F, em análise univariada,das variáveis dependentes e realizá-mos o cálculo para cada uma dasvariáveis nutricionais ou alimentares.

Nesta análise utilizámos um desen-ho factorial do tipo 2 x 2 e considerá-mos, em cada sexo, os factores de res-trição (elevada restrição e baixa restri-ção) e desinibição (elevada desinibi-ção e baixa desinibição) como variá-veis independentes, e os parâmetrosnutricionais como variáveis depen-dentes. Assim, analisámos três tiposde efeitos, nomeadamente os associa-dos aos grupos de restrição e desinibi-ção, e os efeitos secundários ou deinteracção entre “restrição x desinibi-ção”. Numa fase posterior desta análi-se (MANOVA), considerámos os con-sumos nutricionais ajustados paraenergia, e outros factores como idade,IMC, e parâmetros de actividade físi-ca. A decisão sobre as variáveis aincluir neste ajuste, foi baseada noconhecimento dos mecanismos deplausibilidade biológica, e após pes-quisar, em análise uni e multivariada,aquelas que podiam ser consideradascom efeitos significativos.

Uma das principais vantagens de

117

RIDEP ·· Vol. 16 ·· Nº2 ·· 2003

Page 6: Revista RIDEP 15 abrilTitle: Revista RIDEP 15 abril.qxd Author: sol Created Date: 11/26/2007 12:11:22 PM

um desenho de tipo factorial, paraalém do estudo dos efeitos de interac-ção, é a de realizar um teste commaior poder estatístico para avaliar osefeitos dos diferentes factores, do queos testes que investigam um factor decada vez .

Os consumos nutricionais e ali-mentares brutos foram transformadosno seu logaritmo natural (log e) deforma a normalizar a distribuição dosvalores amostrais. O efeito indepen-dente dos nutrimentos foi de acordocom o método proposto por Willett eStampfer .

Nas análises que realizámos, consi-derámos significativos os valoresquando p < 0,05; na comparação demédias, para obtenção dos níveis designificância, utilizámos o método deBonferroni. Todas as provas estatísti-cas foram realizadas através do pro-grama SPSS, versão 10.0.

RESULTADOS

Descrição da amostra

Os participantes nas duas fasesdo estudo apresentaram característi-cas semelhantes aos que participa-ram apenas na primeira fase, nome-adamente quanto às pontuações nosfactores de comportamento alimen-tar e IMC calculado a partir dosvalores de peso e estatura referidospor auto-relato.

Na amostra de estudo, os valoresmédios de IMC foram de 21,9 2,7 nos

indivíduos do sexo feminino e de 23,43,4, nos do sexo masculino (p <0,001). Quando considerámos osvalores de IMC distribuídos por clas-ses de magreza (< 18,5 Kg/m2), nor-malidade (18,5-24,9Kg/m2), e pesoexcessivo ou obesidade (25,0 Kg/m2),verificámos que estas classes corres-pondiam, respectivamente, a: 5,3%,82,7%, e 11,9%, dos indivíduos dosexo feminino; e 1,9%, 71,4%, e26,6%, dos indivíduos do sexo mas-culino. Nos dois sexos, a comparaçãodos grupos de restrição mostrou, nogrupo de intensidade elevada, valoressignificativamente mais altos de IMC(nas mulheres, 21,4 - 2,8 Kg/m2 ver-sus 22,6 - 2,5 Kg/m2, p < 0,001; noshomens, 21,9 - 3,4 Kg/m2 versus 24,8- 3,4, p < 0,001).

Relativamente aos hábitos tabági-cos, a percentagem de fumadores(pelo menos 1 cigarro por dia)variou entre 10% e 16%, respectiva-mente nos sexos masculino e femi-nino; não se encontraram diferençassignificativas nos grupos de com-portamento alimentar, e o tabagismonão modificou os resultados de aná-lise multivariada, quando foi incluí-do como covariável.

O número de indivíduos em dieta,para perder peso, no momento doestudo, era reduzido, sobretudo nosexo masculino (n = 1). Analisada adistribuição pelos factores de restri-ção e desinibição, encontrámos umaassociação significativa entre estar emdieta e restrição, no sexo feminino,

118

RIDEP ·· Vol. 16 ·· Nº2 ·· 2003

Page 7: Revista RIDEP 15 abrilTitle: Revista RIDEP 15 abril.qxd Author: sol Created Date: 11/26/2007 12:11:22 PM

119

RIDEP ·· Vol. 16 ·· Nº2 ·· 2003

verificando-se que das 15 mulheresem dieta, 14 estavam classificadas nogrupo de restrição elevada; analisadaa distribuição pelos grupos de restri-ção x desinibição, estas 14 mulheresdistribuíam-se em número igual pelosgrupos de elevada restrição/baixa des-inibição e elevada restrição/elevadadesinibição (7 em cada grupo).

Cerca de 23 e 27% dos indivíduos,respectivamente dos sexos masculinoe feminino, referiram ter utilizadosuplementos nutricionais no ano ante-rior. Nas mulheres, mais de metadedos suplementos eram minerais(57%), enquanto nos homens foramsobretudo utilizados suplementosvitamínico-minerais (60%); os produ-tos vitamínicos foram referidos por10% das mulheres e 14% dos homens.Apenas 1 indivíduo, e do sexo mascu-lino, consumiu proteínas e amino-áci-dos. Relativamente à utilização desuplementos nutricionais, não seencontraram associações significati-vas com os factores de comportamen-to alimentar.

Ingestão nutricional

Em análise multivariada (MANO-VA), no sexo feminino, todos os con-juntos de variáveis nutricionais foramsignificativamente afectados pelo fac-tor de restrição F (7,216) = 4,880, p <0,001, nas mulheres, e F (7,144) =1,780, p = 0,096, nos homens, mesmoquando considerado o ajuste para ener-gia e covariáveis [F (6,210) = 3,451, p

= 0,003, nas mulheres, e F (6,137) =1,670, p = 0,133, nos homens, mas nãopelo factor de desinibição nem pelainteracção dos dois factores. No sexomasculino, os factores de comporta-mento alimentar não se associaram sig-nificativamente a nenhum dos gruposde variáveis nutricionais.

Contudo, considerámos a possibili-dade de um valor não ser significativopara o teste multivariado F, mas signi-ficativo para um ou mais F, em análi-se univariada, das variáveis depen-dentes. No Quadro 1 refere-se asmédias das variáveis nutricionais,consideradas em bruto, que estavamsignificativamente associadas aos fac-tores de comportamento alimentar,encontrando-se efeitos significativosapenas para a restrição.

No sexo feminino, observámosdiferenças significativas da inges-tão energética, segundo a intensida-de de restrição, verificando-se queo grupo de restrição elevada apre-sentava menor consumo energéticototal (Quadro 1). Como se podeobservar no Quadro 1, nas mulheres,o factor de restrição associou-setambém a diferenças significativasde ingestão para HCT e GT, e osvalores médios de ingestão forammenores no grupo de restrição ele-vada. Nos homens, o factor de res-trição associou-se significativamen-te à ingestão de cafeína, verifican-do-se que no grupo de restrição ele-vada era menor o consumo de cafeí-na, do que no grupo oposto.

Page 8: Revista RIDEP 15 abrilTitle: Revista RIDEP 15 abril.qxd Author: sol Created Date: 11/26/2007 12:11:22 PM

120

RIDEP ·· Vol. 16 ·· Nº2 ·· 2003

Posteriormente, considerámos nasanálises univaridas de variância,para além dos efeitos da restriçãonas variáveis nutricionais em bruto,o ajuste para as covariáveis. Nosdois sexos, mantiveram-se as ten-dências anteriormente referidas paraas variáveis em bruto, inclusivé parao total energético.

Em análises univariadas, apósajuste para energia e covariáveis(Quadro 2), no sexo feminino, des-apareceram as associações significa-

tivas da restrição, com a ingestão deHCT e GT, manteve-se a associaçãocom as fibras, e surgiu uma associa-ção significativa com as proteínas (ogrupo de restrição elevada apresen-tou ingestão superior naqueles nutri-mentos); no sexo masculino, o con-sumo de fibras foi superior no grupode restrição elevada e o de cafeínamostrou a tendência já encontradaquando consideradas as análises uni-variadas de variância com ajustepara covariáveis.

Quadro 1 - Comparação das médias de ingestão nutricional após análisedos efeitos da restrição e desinibição: Restrição baixa versus elevada

MulheresEnergia (Kcal)

HCT (g)

GT (g)

HomensCafeína (mg)

BaixaElevadaBaixa

ElevadaBaixa

Elevada

BaixaElevada

Restrição Média dp IC (95%)

2207,9 2061,8 **

264,7 248,6 **

82,5 74,7 ***

32,7 20,2 **

30,131,14,24,31,41,5

1,11,1

2148,52000,6256,4240,079,771,8

25,916,1

2267,32123,0273,1257,185,377,6

41,125,4

Nota: Para a variável nutricional, a diferença de valores, comparativamente ao grupo oposto, éestatisticamente significativa quando: * p < 0,05; ** p < 0,01; *** p < 0,001.

Page 9: Revista RIDEP 15 abrilTitle: Revista RIDEP 15 abril.qxd Author: sol Created Date: 11/26/2007 12:11:22 PM

121

RIDEP ·· Vol. 16 ·· Nº2 ·· 2003

Ingestão alimentar

Quando considerámos, emMANOVA, os efeitos da restrição noconjunto dos grupos alimentares,verificámos que, no sexo feminino, aassociação da restrição à ingestão ali-mentar, foi sempre significativa, con-siderando no modelo as variáveis ali-mentares em bruto F(9,214) = 4,079,p < 0,001 e com ajuste para energia ecovariáveis F(9,206) = 3,004, p =0,002. No sexo masculino, não existiuassociação significativa da restriçãocognitiva com o conjunto de alimen-

tos em bruto e ajustado para a energiae covariáveis.

Em análises univariadas de variân-cia, verificámos que a restrição seassociou significativamente às seguin-tes variáveis alimentares em bruto: nosexo feminino, o grupo de restriçãoelevada ingeriu maior quantidade de“pescado” e “produtos hortícolas”, emenor quantidade de “pão, cereais e eleguminosas”, “doces e pastéis”, doque o grupo de baixa restrição; nosexo masculino, a ingestão de “gordu-ras de adição” foi superior no grupo derestrição elevada (Quadro 3).

Quadro 2 - Comparação das médias de ingestão nutricional a

após análise dos efeitos da restrição e desinibição: Restrição baixa versus elevada (continuação)

MulheresProteínas (g)

Fibras (g)

HomensFibras (g)

Cafeína (mg)

BaixaElevadaBaixa

Elevada

BaixaElevadaBaixa

Elevada

Restrição Média dp IC (95%)

103,5 107,7 **

20,2 23,5 ***

21,5 23,2 *48,7

34,5 *

1,11,10,60,7

0,60,54,03,8

101,3105,519,022,2

20,322,140,827,0

105,6110,021,524,9

22,624,356,642,0

a Ajustado para energia, idade, IMC, tempo dispendido a andar a pé, duração e intensidade daprática desportiva;Nota: Para a variável nutricional, a diferença de valores, comparativamente ao grupo oposto, éestatisticamente significativa quando: * p < 0,05; ** p < 0,01; *** p < 0,001.

Page 10: Revista RIDEP 15 abrilTitle: Revista RIDEP 15 abril.qxd Author: sol Created Date: 11/26/2007 12:11:22 PM

122

RIDEP ·· Vol. 16 ·· Nº2 ·· 2003

Quando realizámos novas análisesunivariadas de variância, consideran-do os efeitos da restrição nas variá-veis alimentares, ajustadas para aingestão energética e covariáveis,registaram-se as seguintes associaçõ-es estatisticamente significativas: nasmulheres, mantiveram-se os resulta-dos descritos para as variáveis ali-mentares em bruto e surgiu um efeito

significativo no consumo de “frutosfrescos” que foi superior no grupo derestrição elevada (Quadro 4); noshomens, perdeu-se a associação ante-riormente descrita para as “gordurasde adição”, e encontrou-se maiorconsumo de “produtos hortícolas” ede “produtos hortícolas e sopa de pro-dutos hortícolas”, no grupo de restri-ção elevada (Quadro 4).

Quadro 3 - Comparação das médias de ingestão alimentar após análiseunivariada de variância dos efeitos da restrição e desinibição:

Restrição baixa versus elevada

MulheresPescado (g)

Pão, cereais eleguminosas (g)Doces e pastéis(g)Produtos hortí-colas (g)

HomensGorduras deadição (g)

BaixaElevadaBaixa

ElevadaBaixa

ElevadaBaixa

Elevada

BaixaElevada

Restrição Média dp IC (95%)

66,0 81,9 **334,3

291,8 ***63,5

45,1 *114,5

143,6 *

7,5 9,6 *

1,11,11,01,01,11,11,11,1

1,11,1

59,873,8318,9278,752,637,1100,6125,6

6,38,0

72,990,6350,4306,476,754,7130,5164,2

8,911,4

Nota: Para a variável alimentar, a diferença de valores, comparativamente ao grupo oposto, éestatisticamente significativa quando: * p < 0,05; ** p < 0,01; *** p < 0,001.

Page 11: Revista RIDEP 15 abrilTitle: Revista RIDEP 15 abril.qxd Author: sol Created Date: 11/26/2007 12:11:22 PM

123

RIDEP ·· Vol. 16 ·· Nº2 ·· 2003

Discussão

A associação entre comportamen-to alimentar restritivo e ingestãonutricional gera resultados contradi-tórios reconhecendo-se, entre os fac-tores que podem explicar algumasdas inconsistências, o desconheci-

mento das características de validadedos métodos utilizados. Nesse senti-do, foi preocupação neste trabalhorecorrer a métodos de avaliação daingestão e comportamento alimentar,com características conhecidas eaceitáveis de validade.

Relativamente ao instrumento de

Quadro 4 - Comparação das médias de ingestão alimentar, ajustadaspara energia e covariáveisa, após análise univariada de variância

dos efeitos da restrição e desinibição: Restrição baixa versus elevada

MulheresPescado (g)

Pão, cereais eleguminosas (g)Doces e pastéis(g)Produtos hortí-colas (g)Frutos frescos(g)

HomensProdutos hortí-colas (g)Produtos hortí-colas e sopa (g)

BaixaElevadaBaixa

ElevadaBaixa

ElevadaBaixa

ElevadaBaixa

Elevada

BaixaElevadaBaixa

Elevada

Restrição Média dp IC (95%)

63,985,4 ***

322,5 302,5 *

63,9 45,4 *111,6

149,3 **218,3

251,1 *

54,6 128,4 *229,8

335,6 *

1,11,11,11,11,11,11,11,11,01,0

1,21,21,11,1

57,977,0309,5290,052,637,297,7130,1199,1228,6

35,384,5192,1282,0

70,694,6336,0315,077,655,5127,5171,2239,3276,2

84,5195,8275,1399,0

a Idade, IMC, tempo dispendido a andar a pé, duração e intensidade da prática desportiva;Nota: Para a variável alimentar, a diferença de valores, comparativamente ao grupo oposto, éestatisticamente significativa quando: * p < 0,05; ** p < 0,01; *** p < 0,001.

Page 12: Revista RIDEP 15 abrilTitle: Revista RIDEP 15 abril.qxd Author: sol Created Date: 11/26/2007 12:11:22 PM

avaliação do comportamento restriti-vo, o estudo prévio de adaptação evalidade de construto da escala con-firmou a estrutura de três factores e opadrão de correlações esperado. Paraavaliar a ingestão nutricional habitualutilizámos um QFA validado para apopulação adulta portuguesa, e testa-do previamente quanto aos parâme-tros de validade em estudantes univer-sitários portugueses . Relativamente àestimativa da ingestão, o nosso trabal-ho apresenta como limitação o factode não ter contabilizado o consumo desuplementos nutricionais, ainda que asua utilização não tenha apresentadodiferenças segundo os factores decomportamento alimentar.

No sexo feminino, a análise multi-variada de variância mostrou existi-rem efeitos significativos do factor derestrição no grupo de variáveis nutri-cionais, mesmo depois de se ter pro-cedido ao ajuste para energia e cova-riáveis. Nos dois sexos, em análisemultivariada, não se registaram efei-tos com significado estatístico para ofactor de desinibição e para a interac-ção restrição x desinibição.

A informação sobre actividade físi-ca foi de grande interesse dado quepermitiu ajustar os dados de ingestãopara estes parâmetros. Considerámosna avaliação da associação entre fac-tores de comportamento alimentar eingestão, o ajuste para o tempo dis-pendido a andar a pé (a actividademais popular nos países da EU) e apratica regular de desporto. A duração

e a frequência da actividade desporti-va foram corrigidas de acordo com asua intensidade, medida em múltiplosdo metabolismo basal. Reconhece-se,no entanto, que essa abordagem podeter também limitações, nomeadamen-te pelo facto do múltiplo do metabo-lismo, atribuído a uma determinadaactividade, poder variar de acordocom o nível de forma física, idade,sexo, e percentagem de gordura cor-poral, e tais factores não serem consi-derados no ajuste. Além disso, certoscomponentes da actividade física, nãorelacionados com o exercício (comoestar sentado ou em pé), e que nãoavaliámos, podem contribuir de formasubstancial para o balanço energético.Como outros autores, considerámos apossibilidade de ter um valor sem sig-nificado estatístico para o teste multi-variado F, mas encontrar valores sig-nificativos para um ou mais F, emanálises univariadas das variáveisdependentes. Assim, a análise univa-riada dos efeitos significativos da res-trição em cada um dos parâmetrosnutricionais (em bruto) mostrou, nosexo feminino, que o grupo de inten-sidade elevada de restrição apresentouingestão energética inferior, e menorconsumo de glícidos e lípidos totaisdo que o grupo oposto.

No sexo feminino, após ajuste paracovariáveis, mantiveram-se as dife-renças encontradas anteriormentepara a generalidade dos parâmetros,inclusivé uma menor ingestão ener-gética no grupo de restrição elevada.

124

RIDEP ·· Vol. 16 ·· Nº2 ·· 2003

Page 13: Revista RIDEP 15 abrilTitle: Revista RIDEP 15 abril.qxd Author: sol Created Date: 11/26/2007 12:11:22 PM

Apesar de entre as covariáveis se terincluído o IMC, facto relevante devi-do à variação do gasto energéticocom a massa corporal, teria sido des-ejável ajustar a ingestão energéticapara a massa magra, caso tivéssemosavaliado a composição corporal, dadaa contribuição muito diferente dasmassas magra e gorda, para o meta-bolismo energético .

De acordo com os resultados refe-ridos, a restrição parece apresentarefeitos nutricionais distintos, conso-ante o sexo. Observa-se apenas nosindivíduos do sexo feminino umaingestão energética significativamen-te inferior no grupo de restrição ele-vada, mesmo após ajuste para ener-gia e covariáveis.

Em ambos os sexos, as evidênciassugerem que a intensidade elevada derestrição se acompanha de um perfil deingestão alimentar mais adequado (emhomens e mulheres, maior consumo dehortícolas e, nas mulheres, maioringestão de frutas e pescado, e menorconsumo de doces). Contudo, os efei-tos são bastante mais pronunciados nosexo feminino, se considerarmos onúmero de grupos de alimentos cujaingestão superior se associou à maiorintensidade de restrição. No grupo derestrição elevada do sexo feminino, omenor consumo lipídico desapareceuapós ajuste, mas a ingestão de fibras epossivelmente a de fitonutrimentos,aproximou-se mais do nutricionalmen-te recomendado para prevenção dedoença cardiovascular e cancro .

No entanto, no nosso estudo, pare-ce pouco provável que a discrepânciada ingestão entre os dois grupos derestrição se possa dever a um estadoagudo de “fazer dieta”. Apesar da pre-valência de indivíduos do sexo femi-nino em dieta no momento do estudo,ter sido de 19% no grupo de restriçãoelevada, não se registou nenhum casoem que tivesse existido uma diminui-ção importante de peso (4 Kg oumais), num espaço de tempo relativa-mente curto (últimos 3 meses). Alémdisso, o padrão de diferenças deingestão entre indivíduos com baixa eelevada restrição, manteve-se quandoexcluímos da análise os indivíduosque referiram estar em dieta nomomento do estudo.

Enquanto alguns autores questio-nam a existência de um estado cróni-co de restrição da ingestão energéticanos indivíduos com comportamentorestritivo, outros investigadores refe-rem naqueles indivíduos um consumodiário de energia inferior ao dos indi-víduos sem restrição . Com base emestudos de avaliação da ingestão, atra-vés de registos alimentares, e dogasto energético, através do métodode água duplamente marcada, verifi-cou-se que os indivíduos do grupo derestrição elevada apresentaram umaingestão energética inferior à dogrupo de baixa restrição, mesmo comvalores de peso semelhantes, e levan-tou-se a hipótese de que os indivíduoscom alta restrição tenham menoresnecessidades energéticas .

125

RIDEP ·· Vol. 16 ·· Nº2 ·· 2003

Page 14: Revista RIDEP 15 abrilTitle: Revista RIDEP 15 abril.qxd Author: sol Created Date: 11/26/2007 12:11:22 PM

Tuschl et al. mostraram que, emindivíduos do sexo feminino, comavaliação do gasto energético durante14 dias, através do método de “águaduplamente marcada” o grupo de res-trição elevada apresentou um consu-mo médio energético inferior, em 620Kcal/dia, ao do grupo de intensidadeoposta. Estes autores não avaliaram aactividade física, o que constitui umalimitação importante, dado existir apossibilidade de que uma diferença tãoelevada se possa dever a esse factor.Westerterp-Plantenga et al. verifica-ram que a intensidade de restrição secorrelacionava negativamente com oefeito térmico dos alimentos defen-dendo, por isso, a possibilidade de queos indivíduos com restrição elevada,pudessem apresentar menores necessi-dades energéticas. No entanto,Lawson et al. não encontraram efeitossignificativos dos factores de restriçãoe desinibição na taxa metabólica basalnem no efeito térmico de alimentos.

Outros autores, estudaram se osindivíduos com restrição elevada exi-biam valores inferiores de metabolis-mo basal e efeito térmico de alimen-tos, e se esses parâmetros se relacio-navam com as flutuações de peso.Platte et al. verificaram que o grupode restrição elevada apresentou valo-res de metabolismo basal significati-vamente menores (150 Kcal/dia) doque o grupo de baixa restrição, e nãoexistiram diferenças estatisticamentesignificativas quanto ao efeito térmicodos alimentos. Apesar dos critérios de

flutuação de peso e os instrumentosde avaliação da restrição, poderemvariar entre estudos, e ainda que oefeito das flutuações de peso no gastoenergético seja controverso, no estudode Platte et al. essas flutuações nãoforam responsáveis pela redução dometabolismo basal. Outros autoresreferem ainda que não existem evi-dências de que as flutuações de pesolevem ao aumento da proporção degordura corporal ou à diminuição pro-gressiva do metabolismo basal.

Os mecanismos utilizados pelosindivíduos com comportamento res-tritivo, para regular o balanço energé-tico são desconhecidos, e a situaçãotorna-se ainda mais complexa pelaexistência de referências contraditó-rias quanto ao padrão de ingestão,como sucede por exemplo, relativa-mente ao teor de gordura. Enquantoalguns autores, encontram menor con-sumo lipídico nos indivíduos com res-trição elevada, outros observam asituação oposta. No nosso estudo, oconsumo significativamente inferiorno grupo do sexo feminino com ele-vada restrição, desapareceu após ajus-te para energia e covariáveis.

Estudos que identifiquem os ali-mentos ingeridos por indivíduoscom restrição elevada, são importan-tes para perceber o seu padrão nutri-cional. Contudo, o número de trabal-hos existentes é relativamente redu-zido, sobretudo no sexo masculino.No estudo de Tuschl et al., realizadoem mulheres, os dois grupos con-

126

RIDEP ·· Vol. 16 ·· Nº2 ·· 2003

Page 15: Revista RIDEP 15 abrilTitle: Revista RIDEP 15 abril.qxd Author: sol Created Date: 11/26/2007 12:11:22 PM

trastantes de restrição não diferiramquanto à ingestão de carne e alimen-tos amiláceos. No grupo de restriçãoelevada foi menor a ingestão de gor-duras de adição (óleos, margarina emanteiga) e produtos lácteos gordos,e maior o consumo de produtos lác-teos com baixo teor de gordura. Napopulação por nós avaliada, os resul-tados foram diferentes, verificando-se uma menor ingestão de alimentosfarináceos, no grupo de restrição ele-vada do sexo feminino.

Uma hipótese muito importante nateoria de restrição alimentar é a de quea intenção de fazer dieta seja pertur-bada por certos eventos capazes dedesencadear estados de desinibiçãoque levem a episódios de ingestãoexcessiva, dificultando o controlo dopeso corporal.

Estes efeitos distintos da restriçãoda ingestão energética, consoante osexo, poderão também relacionar-secom o facto da restrição não ser umconstruto homogéneo, relativamenteao fenómeno de desinibição do con-trolo da ingestão. Westenhoefer suge-re que a restrição, tal como é avaliadano TFEQ, deveria ser diferenciada emduas dimensões, nomeadamente, con-trolo flexível (associa-se a baixa des-inibição e fazer dieta com sucesso) econtrolo rígido (associa-se a elevadadesinibição e fazer dieta sem sucesso)da ingestão. Deve, por isso, conside-rar-se a hipótese de que alguns indiví-duos, nomeadamente do sexo mascu-lino, incluídos no grupo de restrição

elevada, possam ser mais vulneráveisà manutenção do controlo da ingestão,e apresentar momentos de maior con-sumo, o que anularia a situação debalanço energético negativo.

Alguns estudos avaliaram, em indi-víduos do sexo feminino, o efeito doexercício na ingestão, de acordo com aintensidade de restrição, e não encon-traram o fenómeno de compensaçãoenergética. Sugere-se que o exercíciopossa ser mais efectivo a criar umasituação de balanço energético negati-vo, nos indivíduos com restrição ele-vada, do que nos indivíduos sem estecomportamento . Nesta perspectiva, oexercício poderia funcionar como umaestratégia de eleição no controlo dopeso. Contudo, em indivíduos deambos os sexos, nunca encontrámosdiferenças significativas no padrão deactividade física e prática desportiva,consoante a intensidade de restrição.

Uma situação semelhante à queencontrámos em indivíduos do sexomasculino (em que se verificou ausên-cia de efeito do comportamento de res-trição na ingestão energética, mas cominfluência significativa no consumo dealimentos), foi referida por Tepper etal., mas em indivíduos do sexo femini-no. Apenas no sexo masculino estesautores verificaram um consumo ener-gético significativamente inferior nogrupo de restrição elevada.

A obtenção de resultados contradi-tórios relativamente à ingestão ener-gética poderá estar na base das dife-renças encontradas nos trabalhos, e

127

RIDEP ·· Vol. 16 ·· Nº2 ·· 2003

Page 16: Revista RIDEP 15 abrilTitle: Revista RIDEP 15 abril.qxd Author: sol Created Date: 11/26/2007 12:11:22 PM

podem relacionar-se com a populaçãoestudada e o método utilizado paraidentificar os indivíduos com restri-ção, ou que “fazem dieta”. Poderá sersubstancialmente diferente analisarresultados provenientes de amostrasseleccionadas entre adultos da comu-nidade, ou de estudos com participan-tes que integram programas de perdade peso, ou mesmo amostras constitu-ídas por estudantes universitários,principalmente mulheres jovens.Estas poderão até apresentar maiorhomogeneidade relativamente àscaracterísticas dos indivíduos que asconstituem, bem como uma ingestãonutrio-alimentar com menor variaçãointer-individual.

A esta controvérsia de resultadossobre o padrão de ingestão nutricionalde indivíduos com elevada intensida-de de restrição, juntam-se ainda difi-culdades metodológicas próprias daavaliação do consumo alimentar, par-ticularmente quando nos estudos seutilizam medidas que dependem doauto-relato. Para além de se referirque estes métodos possam subestimare distorcer a ingestão habitual, sugere-se que essa distorção possa ser maisevidente nos indivíduos mais preocu-pados com a alimentação, nomeada-mente aqueles que exibem comporta-mento restritivo ou se preocupam como peso corporal. Por outro lado, facto-res como a desejabilidade social,podem também interferir nos alimen-tos que o indivíduo refere ingerir.Contudo, é muito difícil saber a

importância exacta deste fenómenonos resultados da avaliação da inges-tão alimentar.

A questão da subestimativa daingestão energética é também consi-derada como um dos principais pro-blemas da avaliação do consumo ali-mentar. Goldberg et al. definiram coe-ficientes de actividade física (resul-tantes da relação entre gasto energéti-co total e metabolismo basal) que tra-duzem os limites de ingestão abaixodos quais um indivíduo tem poucaprobabilidade de manter um estilo devida normal. Vários autores conside-ram que um coeficiente inferior a 1,2possa traduzir uma subestimativa daingestão. Dado que os QFA são tam-bém referidos como instrumentos sus-ceptíveis de subestima da ingestão,distribuímos os indivíduos por gru-pos, conforme se encontravam abaixoou acima do coeficiente de actividadede 1,2 (valor que resultou do quocien-te entre a ingestão energética, corres-pondente ao valor estimado peloQFA, e o metabolismo basal calcula-do segundo as fórmulas preconizadaspela OMS). Analisámos ainda a asso-ciação entre subestima da ingestão efactores de comportamento alimentar,onde se verificou que essas variáveiseram independentes. A divisão dosindivíduos nestes dois grupos, segun-do o coeficiente resultante da inges-tão/metabolismo basal, pode identifi-car apenas indivíduos com viés deresultados mais evidente, e não consi-derar outros que, apesar de distorce-

128

RIDEP ·· Vol. 16 ·· Nº2 ·· 2003

Page 17: Revista RIDEP 15 abrilTitle: Revista RIDEP 15 abril.qxd Author: sol Created Date: 11/26/2007 12:11:22 PM

129

RIDEP ·· Vol. 16 ·· Nº2 ·· 2003

rem a ingestão, ainda se encontram nointervalo considerado aceitável.

CONCLUSÃO

Em conclusão, no sexo feminino,a ingestão energética foi menor nosindivíduos com maior intensidadede restrição enquanto que, no sexomasculino nunca se encontraramassociações significativas entrecomportamento restritivo e ingestãoenergética.

De modo global, em ambos ossexos, relativamenbte aos parâmetrosque registaram associações significa-

tivas, a comparação dos grupos con-trastantes de restrição mostrou no demaior intensidade, maior consumo dehortofrutícolas, sugerindo melhordensidade nutricional.

Apesar do factor de restrição se terassociado à ingestão alimentar nosdois sexos, no sexo feminino foi maioro número de grupos de alimentos queregistaram quantidades diferentes deconsumo, de acordo com a intensidadedo comportamento restritivo.

Este conjunto de resultados leva-nos a salientar a importância de consi-derar o comportamento restritivo naingestão habitual.

Page 18: Revista RIDEP 15 abrilTitle: Revista RIDEP 15 abril.qxd Author: sol Created Date: 11/26/2007 12:11:22 PM

130

RIDEP ·· Vol. 16 ·· Nº2 ·· 2003

BIBLIOGRAFIA

Barros, H., Lopes, C., von Hafe, P., Fernando, P., Coelho, R., & Maciel, M.(1997): “Risco de enfarte do miocárdio: um estudo comunitário. Descriçãodo estudo e avaliação da resposta dos participantes comunitários”, Arquivosde Medicina, 11, 285-294.

Bellisle, F., Monneuse, M. O., Steptoe, A., & Wardle, J. (1995): “WeightConcerns and Eating Pattems: A Survey of University Students”,International Journal of Obesity, 19, 723-730.

Bryman, A. & Duncan, C. (1994). Quantitative data analysis for social scien-tists. London, Routledge.

De Castro, J. M. (1995): “The relationship of cognitive restraint to the sponta-neous food and fluid intake of free-living humans”, Physiology & Behavior,57, 287-295.

Drewnowski, A., & Gomez-Carneros, C. (2000): “Bitter taste, phytonutrients,and the consumer: a review”, American Journal of Clinical Nutrition, 72,1424-1435.

French, S. A., Jeffery, R. W., & Wing, R. R. (1994): “Food intake and physicalactivity: a comparison of three measures of dieting”, Addictive Behaviors,19, 401-409.

French, S. A. & Jeffery, R. W. (1994): “Consequences of dieting to lose weight:effects on physical and mental health”, Health Psychology, 13, 195-212.

Goldberg, G. R., Black, A. E., Jebb, S. A., Cole T. J., Murgatroyd P. R., CowardW. A., & Prentice A. M. (1991): “Critical evaluation of energy intake data usingfundamental principles of energy physiology: 1. Derivation of cut-off limits toidentify under-recording”, European Journal of Clinical Nutrition, 45, 569-581.

Hebert, J. R., Clemow, L., Pbert, L., Ockene, I. S., & Ockene, J. K. (1995): “Socialdesirability bias in dietary selfreport may compromise the validity of dietaryintake measures”, International Journal of Epidemiology, 24, 389-398.

Herman, C. P. & Mack, D. (1975): “Restrained and unrestrained eating”,Journal of Personality, 43, 647-660.

Herman, C. P. & Polivy, J. (1975): “Anxiety, Restraint, and Eating Behavior”,Journal of Abnormal Psychology, 84, 666-672.

Hill, A. J., Rogers, P. J., & Blundell, J. E. (1995): “Techniques for the experi-mental measurement of human eating behaviour and food intake: a practicalguide”, International Journal of Obesity, 19, 361-375.

Hill, J. O., Melby, C., Johnson, S. L., & Peters, J. C. (1995): “Physical activityand energy requirements”, American Journal of Clinical Nutrition, 62,1059S-1066S.

Page 19: Revista RIDEP 15 abrilTitle: Revista RIDEP 15 abril.qxd Author: sol Created Date: 11/26/2007 12:11:22 PM

131

RIDEP ·· Vol. 16 ·· Nº2 ·· 2003

Institute of European Food Studies, T. C. D. (1999): “A pan-EU survey on con-sumer attitudes to physical activity, body weight and health”, Luxembourg:Office for Official Publications of the European Communities.

Jebb, S. A., Goldberg, G. R., Coward, W. A., Murgatroyd, P. R., & Prentice, A.M. (1991): “Effects of weight cycling caused by intermittent dieting on meta-bolic rate and body composition in obese women”, International Journal ofObesity, 15, 367-374.

Kirkley, B. G., Burge, J. Q., & Ammerman A. (1988): “Dietary Restraint, BingeEating, and Dietary Behavior Patterns”, International Journal of EatingDisorders, 7, 771-778.

Klesges, R. C., Isbell, T. R., & Klesges, L. M.(1992): “Relationship betweendietary restraint, energy intake, physical activity, and body weight: A pros-pective analysis”, Journal of Abnormal Psychology, 101, 668-674.

Laessle, R. G, Tuschl, R. J., Kotthaus, B. C., & Pirke, K. M. (1989a): “AComparison of the Validity of Three Scales for the Assessment of DietaryRestraint”, Journal of Abnormal Psychology, 98, 504-507.

Laessle, R. G., Tuschl, R. J., Kotthaus, B. C., & Pirke, K. M. (1989b):“Behavioral and Biological Correlates of Dietary Restraint in Normal Life”,Appetite, 12, 83-94.

Lawson, O. J., Williamson, D. A., Champagne, C. M., DeLany J., Brooks E. R.,Howat P. M., Wozniak P., Bray G. A., & Ryan D. H. (1995): “The associa-tion of body weight, dietary intake, and energy expenditure with dietary res-traint and disinhibition”, Obesity Research, 3, 153-161.

Levine, J. A., Schleusner, S. J., & Jensen, M. D. (2000): “Energy expenditure ofnonexercise activity”, American Journal of Clinical Nutrition, 72, 1451-1454.

Lluch, A., King, N. A., & Blundell, J. E. (1998): “Exercise in dietary restrainedwomen: no effect on energy intake but change in hedonic ratings”, EuropeanJournal of Clinical Nutrition, 52, 300-307.

Lluch, A, King, N. A., & Blundell, J. E. (2000): “No energy compensation atthe meal following exercise in dietary restrained and unrestrained women”,British Journal of Nutrition, 84, 219-225.

Lopes, C., Fernandes, P. V., Cabral, S., & Barros, H. (1994): “Questionários defrequência alimentar: efeitos da extensão da listas de alimentos na classifica-ção dos inquiridos”, Arquivos de Medicina, 8, 291-294.

Lopes, C, von Hafe, P., Ramos, E., Fernando, P. B., Maciel, M. J., & Barros, H.(1998): “Alimentação e risco de enfarte do miocárdio: Estudo caso-controlode base comunitária”, Acta Médica Portuguesa, 11, 311-317.

Maillot, F., Delarue, J., Lamisse, F, & Couet, C (1998): “Les régimes “basses calories”:Un modèle d’étude de l’adaptation”. Cahyers Nutrition et Diétetique, 33, 229-234.

Page 20: Revista RIDEP 15 abrilTitle: Revista RIDEP 15 abril.qxd Author: sol Created Date: 11/26/2007 12:11:22 PM

132

RIDEP ·· Vol. 16 ·· Nº2 ·· 2003

Moreira, P., Afonso, C., Sampaio, D., & Almeida, M. D. V. (2000): “Estudo devalidação de um questionário semi-quantitativo de frequência de consumoalimentar em jovens universitários”, Arquivos de Medicina, 14, 78-83.

Moreira, P., Almeida, L., Sampaio, D., & Almeida, M. D. V. (1998): “Validaçãode uma Escala para Avaliação do Comportamento Alimentar de JovensUniversitários”, Revista Iberoamericana de Diagnóstico y EvaluaciónPsicológica, 2, 125-136.

National Research Council & Food and Nutrition Board (1989):“Recommended Dietary Allowances”, 10th ed., Washington.

O. M. S. (1986): “Besoins énergétiques et besoins en protéines”, Rapport d’uneconsultation conjointe d’experts FAO/OMS/UNU, Série de Rapports techni-ques, 724, Genève.

Platte, P., Wurmser, H., Wade, S. E., Mecheril, A., & Pirke, K. M. (1996):“Resting metabolic rate and diet-induced thermogenesis in restrained andunrestrained eaters”, International Journal of Eating Disorders, 20, 33-41.

Polivy, J., & Herman, C. P. (1985): “Dieting and binging: a causal analysis”,The American Psychologist, 40, 193-201.

Prentice, A. M., Jebb, S. A., Goldberg, G. R., Coward, W. A., Murgatroyd, P.R., Poppitt, S. D., & Cole, T. J. (1992): “Effects of weight cycling on bodycomposition”, American Journal of Clinical Nutrition, 56, 209S-216S.

Rodrigues, V. K. (1996): “Measuring nutrition status, physical activity, and fit-ness, with special emphasis on populations at nutritional risk”, NutritionReviews, 54, S79-S96.

Ruderman, A. J. (1986): “Dietary Restraint: A Theoretical and EmpiricalReview”, Psychological Bulletin, 99, 247-262.

Stallone, D. D., Brunner, E. J., Bingham, S. A., & Marmot, M. G. (1997):“Dietary assessment in Whitehall II: the influence of reporting bias on appa-rent socioeconomic variation in nutrient intakes”, European Journal ofClinical Nutrition, 51, 815-825.

Stunkard, A. J. & Messick, S. (1985): “The Three-Factor Eating Questionnaireto measure restraint, disinhibition and hunger”, Journal of PsychosomaticResearch, 29, 71-83.

Tabachnick, B. G. & Fidell, L. S. (1983): “Using multivariate statistics”, NewYork: Harper & Row, Publishers.

Tepper, B. J., Trail, A. C., & Shaffer, S. E. (1996): “Diet and physical activityin restrained eaters”, Appetite, 27, 51-64.

Tuschl, R. J., Laessle, R. G., Platte, P., & Pirke, K. M. (1990): “Differences inFoodchoice Frequencies Between Restrained and Unrestrained Eaters”,Appetite, 14, 9-13.

Page 21: Revista RIDEP 15 abrilTitle: Revista RIDEP 15 abril.qxd Author: sol Created Date: 11/26/2007 12:11:22 PM

133

RIDEP ·· Vol. 16 ·· Nº2 ·· 2003

Tuschl, R. J., Platte, P., Laessle, R. G., Stichier, W., & Pirke, K. M. (1990):“Energy expenditure and everyday eating behavior in healthy women”,American Journal of Clinical Nutrition, 52, 81-86.

Wardle, J., Marsland, L., Sheikh, Y., Quinn, M., Fedoroff, I., & Ogden, J.(1992): “Eating style and behavior in adolescents”, Appetite, 18, 167-183.

Westenhoefer, J. (1991): “Dietary restraint and disinhibition: Is restraint ahomogeneous construct?”, Appetite, 16, 45-55.

Westerterp-Plantenga, M.S., van den Heuvel, E., Wouters, L., & ten Hoor, F.(1992): “Diet-induced thermogenesis and cumulative food intake curves as afunction of familiarity with food and dietary restraint in humans”, Physiology& Behavior, 51, 457-465.

Willett, W. C. (1990): “Nutritional Epidemiology”. New York: OxfordUniversity Press.

Willett, W. C., Howe, G. R., & Kushi, L. H. (1997): “Adjustment for totalenergy intake in epidemiologic studies”, American Journal of ClinicalNutrition, 65(suppl.), 1220S-8S.

Willett, W. C. & Stampfer, M. J. (1986): “Total energy intake: implications forepidemiologic analyses”, American Journal of Epidemiology, 124, 17-27.

Wing, R. R. (1992): “Weight cycling in humans: A review of the literature”,Annals of Behavioral Medicine, 14, 113-119.

Wong, Y., Bennink, M., Wang, M. F., & Yamamoto, S. (2000): “Overconcernabout thinness in 10- to 14-year-old schoolgirls in Taiwan”, Journal of TheAmerican Dietetic Association, 100, 234-237.

World Cancer Research Fund & American Institute for Cancer Research (1997):“Food, nutrition and the prevention of cancer: a global perspective”,Washington.