revista lupa n.11

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1 REVISTA DA FACOM-UFBA. ANO VII, N. 11. SALVADOR, PRIMEIRO SEMESTRE DE 2011 ISSN 1982-2995 11 – Bela natureza morta 16 – Escola Mãe Hilda, preservação das raízes 25 – Você quer ser mulher de capa de revista?

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FACOM UFBA Brasil

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Lupa é uma publicação da Faculdade de Comunicação (Facom) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). ISSN 1982-2995. Turma da disciplina Comunicação Jornalística 2011.1. Ano VII, Número 11. Salvador, Primeiro Semestre de 2011. Distribuição Gratuita.

Faculdade de Comunicação da UFBA Rua Barão de Geremoabo, s/n, Ondina, Salvador, Bahia - Brasil. CEP: 40170-115Tel: (71) 3283-6174, 3283-6177 Fax: (71) 3283-6197

Reitora da Universidade Federal da BahiaProfª. Dra. Dora Leal RosaDiretor da FacomProf. Giovandro FerreiraCoordenação EditorialProfa. Graciela Natansohn (DRT/BA 2702)RevisãoCarlene FontouraEdição de FotografiaLabfoto – Sara RegisProjeto GráficoRai Trindade/Jonas Souza

Redação (editores):Circo Urbano: Karen MonteiroProva dos Nove: Thais BorgesMeio e Mensagem: Victor PintoImpressões: Juliana Nakatani - Labfoto/FacomPassepartout: Marcelo ArgôloCubo Mágico: Paula Morais, Flavia Faria e Renato Alban

Repórteres: Ailton Sena, Cinthia Dias, Clara Marques, Claudia Guimarães, Diego Barreto, Fabiana Guia, Fernanda Sobral, Flavia Faria, Gabriela Cirqueira, Joana Oliveira, Juliana Almirante, Karen Monteiro, Lais Rocha, Luana Velloso, Luciano Alves, Marcelo Argôlo, Marina Ba-ruch, Miriane Oliveira, Nathália Mattos,Paula Morais, Renato Alban, Rita de Cassia, Sara Regis, Tatyane Ribeiro, Thais Borges, Thais Motta, Thuanne Silva, Val Benvindo, Victor Pinto, Wesley Miranda, Yasmin do Vale, Yve Manuella

Fotografia:Leonardo Pastor, Lorena Vinturini, Mara Mércia, Rodrigo Wanderley, Sara Regis

Direção de Arte e Diagramação:Rai Trindade/Jonas Souza

Impresso em: Arte Brasilis – Curitiba (PR)

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Nascida e criada na comunidade do candomblé da nação jeje, o Ilê Axé Jitolú, Hildelice Benta dos Santos, filha da antiga matriarca mãe Hilda, é uma educadora nata. Dessas poucas es-colhidas pela vocação (e pelos orixás) para conduzir os grandes e os pequenos pelos caminhos da cultura afro-brasileira. Mãe Hildelice, além de ser líder espiritual do grupo cultural Ilê Aiyê e do terreiro onde nasceu, está à frente da direção da Esco-la Mãe Hilda, lutando contra o racismo e pela formação das crianças negras. Em entrevista, ela fala da importância de uma educação que valorize o povo negro.

Boa leitura!

Editorial

Foto

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SUM

ÁRIO

PROVA DOS NOVE

16 Negro é cultura sim!19 O abandonado giz

MEIO E MENSAGEM

05 Entrevista com Roberto Appel07 Mulher, negra e comunicadora09 Celulares xing lings invadem o mercado

PASSEPARTOUT

11 Beleza das cinzas

PASSEPARTOUT

20 Entrevista com Solange Bernabó, filha de Carybé22 Osufba

Foto: Mara Mércia

16

Foto: Sara Regis

22

Foto: Lorena Vinturini

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IMPRESSõES

14 Ensaio fotográfico

CIRCO URBANO

25 Mulher, capa de revista

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Texto Victor Pinto e Luana Velloso Foto Leo Pastor

“Saber o que o telespectador quer ficou cada vez mais difícil”

Qual sua análise sobre o trabalho da TV na produção do material jornalístico local e quais as dificuldades de fazer jornalismo aqui em Salvador?Acho que não tem dificul-dade. O que existe, às vezes, é a nossa falta de com-

preensão ou de estar em todos os lugares ao mesmo tempo, o que é impossí-vel. Você tem uma grande estrutura, tem equipe para o trabalho de cobertura dos principais fatos, mas tem que haver pessoas cada vez mais preparadas para en-

tender a realidade, como é o nosso telespectador, o quê quer ver, se nosso público é composto por mais homens ou mais mulheres, se são crianças, se é da classe A, B, C ou D. A televisão precisa de audiência, de credibilidade, para vender

e faturar bem. Os proble-mas, teremos todos os dias. Saber o que o telespectador quer ficou cada vez mais difícil. Isso nos obriga a realizar pesquisas e grupos de estudos para saber se estão gostando ou não do nosso telejornal. A tec-

Roberto Appel, diretor de jornalismo da Rede Bahia, analisa o telejornalismo local, as inovações da empresa e os avanços tecnológicos

Conduzir a rotina jornalística do maior conglomerado comunicacional da Bahia não é tarefa fácil. E fazer telejorna-lismo é mais difícil ainda. Depois de um longo tempo de espera, Roberto Appel, natural do Rio Grande do Sul e atual diretor de jornalismo da Rede Bahia (no cargo há uma década), nos recepcionou na sede da empresa. Bem humorado, o jornalista com experiência na área de comunicação, refletiu sobre o papel da TV na sociedade sote-ropolitana e comentou sobre a convergência dos veículos da Rede Bahia.

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Dominar todo o processo de comunicação e ficar mais preparado para trabalhar aqui ou em outras áreas é o grande negócio.

nologia mudou muito nossa rotina de trabalho. Hoje, os concorrentes compram o vídeo que nos foi vendido ou aquele vídeo gravado pelo bom-beiro, ou de alguém que registrou um roubo de jóias, etc. Isso é uma grande mudança e se adequar a isso depende da nossa capacidade, da agilidade. O que sobrepõe a tecnologia é a cabeça pensante.

Em quase uma década de televisão, e de Rede Bahia, quais as mudanças realizadas desde então? Houve um crescimento/aperfeiçoa-mento da própria Rede Bahia em rela-ção às questões editoriais. Hoje temos um grupo editorial formado, com a mesma identidade. Temos rádio, jor-nal, TV e internet, que também segue um grupo editorial. A televisão, por exemplo, segue as regras editoriais da Rede Globo. Hoje, se trabalha com o envolvimento dos próprios acionistas na ideia de valorizar a informação, respeitar o cidadão, respeitar as leis, respeitar para que possamos ter uma comunicação que atenda a todos. Estamos começando a regionalizar os espaços dos nossos noticiários para que as nossas emissoras possam produzir mais matérias locais e se aproximar da sua comunidade.

Qual sua análise sobre as críticas de jornalistas do impresso, que acreditam que o nível de informação do telejor-nalismo é tão curto e direto que acaba sendo superficial em comparação a uma reportagem de um periódico? Creio que essa crítica seja procedente, pois a notícia veiculada na televisão tem que ser menor mesmo. Nosso principal jornal tem 15 minutos, o BATV, divididos em três para comer-

ciais e doze para as notícias. Nele, temos a capacidade de sintetizar as notícias mais importantes do dia. As pessoas acham que somos supérfluos, mas em determinados momentos temos que ser, pois não se tem tempo. Nossa luta diária é usar os espaços que a gente tem da melhor maneira possível.

O que há de pior, hoje, no telejornalismo baiano?A exploração de pessoas. Temos que fazer um jornalismo sério, ético. Eu não vou ficar citando A, B ou C aqui devido aos meus princípios. Fazer jornalismo sério é não desrespeitar, pois se eu vou denunciar alguém que está fazendo algo errado, denunciarei com seriedade. Atualmente, se discute muito sobre invasão de privacidade e surge a pergunta: até onde posso ir? Eu posso entrar na tua casa como quero? Vou atrás de um policial, acompanhando-o em um caso, e entro na tua casa. Tenho esse direito? Posso não ter, mas eu entro e depois

poderei ser processado. Temos que fazer um jornalismo muito sério, ter a convicção de que aquilo a ser publica-do será importante para a sociedade, será combativo, forte como tem que ser, e cauteloso.

Atualmente, como é lidar com a lingua-gem multimídia, possível com o surgi-mento da internet? Qual a importância do jornalista nesse contexto?Antigamente, falávamos do jornalista multifuncional, aquele que faz tudo em televisão. Eu participei de uma época em que você era editor, repórter e apresentador. Dominar todo o processo de comunicação e ficar mais preparado para trabalhar aqui ou em outras áreas é o grande negócio. Eu trabalhava em televisão, jornal e revista ao mesmo tempo. Isso me fez ampliar e adquirir mais conheci-mento. Agora, com a internet, todas as emissoras estão desenvolvendo sites e páginas virtuais. Isso faz com que haja uma mudança no perfil do profissional. Ele tem que se readaptar. Eu não posso fazer o Bahia Meio Dia sem olhar a página do G1, sem olhar como as pessoas estão trabalhando em outras redações.

Você acredita que o mercado de jorna-lismo é promissor no Estado e, princi-palmente, em Salvador? É muito promissor, pois nosso Estado está mudando muito. Vou citar um caso: estava em uma transmissão do carnaval quando fui chamado para implantar o site do G1. Para essa empreitada, da noite para o dia, contratamos mais pessoas da área de jornalismo, além de outras da área de marketing, programação e tecnologia. A transformação é muito grande e a internet tem influenciado muito nis-so. Se você for visitar a redação do G1, em São Paulo ou no Rio de Janeiro, toma um susto porque a redação de lá é maior do que a de TV. Tem, pelo menos, 200 pessoas trabalhando em internet. Começamos com 14, mas em seguida vamos ter 50 pessoas no site. O mercado não cresce quando o país está em crise, quando as empre-sas enfrentam crises por conta das questões políticas. Caso contrário, se a economia estiver a pleno vapor, há um crescimento da sociedade e o surgimento de novas vagas.

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Uma das apresentadoras mais conhecidas da Bahia nos conta sua história

Texto Victor Pinto e Luana Velloso Foto Mara Mércia

À espera na recepção, eis que surge uma negra, de sorri-so marcante,

cabelos black power, ainda desarrumados, e uma cara de quem tinha acabado de acordar. Era Rita Batista, uma das comunicadoras mais co-nhecidas do jornalismo baiano. A conversa foi em cima de uma maca, enquanto fazia sua ses-são de massagem. Para quebrar o gelo, Rita que já estava de biquíni e

pousando para as fotos da fotógrafa, solta uma pérola: “Você vai fazer um perfil ou um ensaio sensual?” (risos).

A reprodutora dos bordões “Criatura” e “Deus ajude a gozar”, que surgiram através de brincadeiras, não hesitou em responder o que lhe era indagado, principalmente sobre sua saída da TV Aratu e sobre sexo. Em relação aos jargões, explicou que o “Criatura” foi um erro, que era para ter

sido cortado das grava-ções do seu programa, mas foi ao ar sem que-rer. A outra, refere-se a uma frase dita por seus familiares, que traz o sentido de aproveitar, de abençoar, mas que apre-senta sentido dúbio.

Natural de Salvador, a filha de professora nasceu em 22 de maio de 1979 e passou toda a infância no bairro sote-ropolitano de Periperi. Quando menina, Rita ia para casa de sua avó e no portão de ferro da

garagem, riscava a pare-de com giz, brincava de dar aula, de apresenta-dora de televisão. Recor-dações da infância que já demonstrava a mulher que seria no futuro.

Formou-se em Publicidade pela Uni-versidade Católica do Salvador e fez curso técnico em Radialismo. Trabalhou na Telebahia, atual Oi Telecomunica-ções, na X Filmes e na Rádio Nova Salvador. Foi como produtora, na TV Salvador, que pas-

Mulher, negra e comunicadora M

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sou a ser pressionada a seguir o ramo televisivo pela ex-apresentadora da casa, Liliane Reis. Rita nos disse que sua maior experiência foi na Rádio Metrópole FM de Mário Kertész. “Tudo que fiz lá foi marcante. Mário me dava muita liberdade. Ele foi meu grande professor”, revela.

Relata que sua saída da TV Aratu foi envolvida por muita polêmica. Após alguns anos na emissora, pediu demissão. “Fiz isso porque não tinha contrato de exclusividade com a TV Aratu. Fiz campanha publicitária para a Católica, pois sou de lá. Co-nheço os problemas que ela passa, de roubalheira, de várias confusões, mas acredito que a comunidade acadêmi-ca é maior que isso. Quando voltei recebi uma suspensão de dois meses, que era o tempo da campanha. Ainda voltei para trabalhar como ‘rezava’ o acordo e pedi demissão. Fui convida-da para a Band Bahia e aceitei. Passei pelo Boa Tarde Bahia e agora estou no programa Muito Mais”.

Quando o papo era televisão, logo tratamos de falar sobre a quantidade de mulheres que hoje assumem, prin-cipalmente, as bancadas de telejor-nais. “Mulher consegue fazer várias coisas ao mesmo tempo. Isso faz bem ao trabalho e creio que não há mais um sexismo na TV”. Rita, uma brincalhona nata, nos contou que, se já sofreu algum tipo de preconceito, nunca percebeu. “Eu atropelo que nem percebo. Na redação eu brin-co muito também com a questão racial. Se alguém está procurando um gravador ou um microfone que sumiu, eu grito logo: ‘Se me revistar eu processo! Sou a única negra da redação!’. Brinco mesmo e as pessoas se divertem”.

Uma das marcas de Rita é conver-sar sobre sexo sem nenhum pudor, mas não se acha uma especialista, apenas alguém em quem as pessoas

confiam para falar sobre o assunto. Ou para tirar dúvidas e dialogar os problemas com os ouvintes e teles-pectadores. “Não dá pra falar de sexo com receio. As pessoas querem ir pra cama com o pai, com a mãe, a avó, a Igreja Católica, o ex-namorado... levam muitas coisas pra hora H. O sexo é muito bom, é o interesse pela outra pessoa e temos que falar abertamente”, conta, soltando garga-lhadas.

Além da Band Bahia, também foi apresentadora da Band News FM por um ano. Rita também é empre-

sária, da Espótica Apresentações e Audiovisual, que lhe assessora nas apresentações e eventos para os quais é contratada. Pretende cursar Direito e ser advogada.

Coincidentemente a entrevista foi encerrada junto com a massagem e como uma mulher vaidosa, Rita tratou de domar seu black power e se arrumar no banheiro. Depois voltou, trazendo seu sorriso carismático e esbanjando sua fotogenia para a fotó-grafa. Ao se despedir, foi enfática ao resumir a si mesma como “mulher, negra e comunicadora”.

O sexo é muito bom, é o interesse pela outra pessoa e temos que falar abertamente.

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Não há segre-dos sobre a cumplicidade existente entre a tendência e o

mercado consumidor de telefonia móvel. Cada vez mais os consumidores são seduzidos pelas vitrines de lojas que expõem novos modelos de celulares com funcionalidades de última geração. Segundo dados recentes divulgados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Salvador lidera o ranking das cidades brasileiras que pos-suem mais de um aparelho por usuário, com um total de 155,51 celulares para cada grupo de cem pessoas.

AS CóPIASO prato é cheio e o

freguês é quem escolhe. Design arrojado, variadas funções, diversos tama-nhos e um preço acessível, que varia de R$ 60 a R$ 150. Os celulares xing-lings, como são conhecidos popularmente no Brasil, viraram febre nas mãos dos consumidores em me-nos de dois anos e repre-sentam um crescimento de 20% no mercado brasi-leiro. Seria um avanço na economia do país, se não fosse por um detalhe: são todos falsificados. Fabrica-dos geralmente na China, os xing-lings são imitações de celulares de marcas conheci-

das - como Nokia, Samsung ou Motorola - e vendidos no mercado informal.

Cópias nada fiéis dos smartphones, os aparelhos piratas possuem funções que muitas vezes não condizem com a propagan-da. Segundo a estudante Clarissa Pacheco, as infor-mações contidas em um site de compra chinês não coincidiam com o aparelho adquirido. “Os proble-mas com o celular eram muitos. Primeiro porque a bateria não passava de um dia. A memória interna, que deveria ser de 2GB, não existia e muitas das funções prometidas, como câmera, MP3 e a disponi-

bilidade de usar dois chips não funcionavam. Além do mais, o acesso à internet era impossível”, expressa.

Mesmo sabendo sobre os riscos em se comprar um celular falsificado, Clarissa diz que não imagi-nava que o barato saísse tão caro no final das contas. “Comprei o aparelho por R$ 100 e com certeza o pre-ço é o que mais influencia. Eu pensava que se houvesse algum problema, o valor compensaria os danos. Mas, o prejuízo não foi pouco. Me livrei dele, pois estava cansada de ter um celular que só funcionasse onde e quando quisesse”, comenta arrependida.

Texto Paula Morais Imagens SXC

Celularesxing-lings

invadem o mercadoDo iPhone para o HiPhone, você conhece os perigos de um celular falsificado?

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FISCALIzAçãOO desenvolvimento das teleco-

municações no Brasil é promovido pela Anatel desde a sua instalação, em 5 de novembro de 1997. Entre outros serviços prestados à socie-dade, compete a Anatel, a partir da expedição de regras e normas, atribuir e reconhecer certificados aos produtos no setor de telecomunica-ções. Os aparelhos não homologados pela Agência podem causar riscos à saúde e à segurança do consumidor, como choques durante o uso ou enquanto a bateria é carregada. Os usuários de celulares piratas também estão sujeitos a altos níveis de ruídos e emissões de radiofrequência.

O assessor técnico da Anatel, José Mauro Rodrigues, explica que o controle da invasão dos apare-lhos piratas no mercado brasileiro é uma tarefa desafiadora, mas que os procedimentos já vêm sendo adota-dos. “Desde que foi publicada uma resolução para certificação e homo-logação dos produtos de telecomu-nicações, existe a possibilidade de aparelhos piratas terem suas linhas bloqueadas no Brasil. A Anatel rea-liza periodicamente fiscalizações nas empresas que comercializam pro-

dutos de telecomunicações. Quando há algum indício de irregularidade, essa fiscalização ocorre com o apoio da Polícia Federal”, explica. A multa para quem infringe esse regulamento varia de R$ 100 a R$ 3 milhões, de acordo com a natureza e gravidade da transgressão. “A pessoa que deve uma multa e não paga sofrerá restri-ções, pois terá seu nome escrito no Cadastro de Dívidas Não Quitadas do Banco Central (Cadin). Se, ainda assim, não existir o pagamento, o nome da pessoa irá para a Dívida Ativa da União e não poderá, por exemplo, fazer empréstimos ou obter algum tipo de crédito”, comenta José Mauro.

Em Salvador, o consumidor poderá ter acesso a mais informações pelo Escritório Regional, no bairro da Pituba, ou pelo site da Anatel (www.anatel.gov.br). O portal fornece servi-ço de utilidade pública, como orienta-ções, alertas e o espaço cidadão.

MADE IN CHINA Vendidos dentro de caixinhas

semi-abertas, porém expostos não em vitrines de lojas, mas em caixo-tes de isopor segurados pelas mãos dos comerciantes informais, os xing-lings são as maiores atrações na passarela do Shopping Iguatemi,

em Salvador. Os aparelhos entram na capital baiana de forma ilegal por meio de fornecedores em São Paulo ou em Feira de Santana (tradicio-nal Feiraguay). “Os revendedores são pessoas que não aparentam ser suspeitos. Eles chegam e oferecem os produtos, a gente compra e vende, acaba se tornando rotativo, mas não temos nenhuma ligação com eles”, explica o comerciante A.L. Por não pagar imposto em cima do produto, A.L. diz que não trabalha com nota fiscal ou troca do aparelho. Pergun-tado sobre os possíveis riscos que um aparelho sem selo de segurança pode causar à saúde do consumidor, ele responde: “Mas a gente testa antes de ser comercializado, se tiver ruim eu devolvo. Eu testo antes de vender por segurança e ele até vem com sacolinha”.

Há 12 anos trabalhando com consertos de celulares, Rogério da Silva diz que entre as diversas desvantagens de se ter um aparelho xing-ling, a maior delas é a falta de durabilidade. “Esses celulares duram no máximo seis meses, mas normal-mente dão algum tipo de problema antes. Se você deseja um aparelho com garantia e que tenha maior duração, os piratas não são os mais indicados”, afirma.

Você Sabia?

A multa para quem in-fringe o regulamento de homologação da Anatel varia de R$ 100 a R$ 3 milhões, de acordo com a natureza e gravidade da transgressão.

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Texto Thais Motta e Marina Baruch Foto Lorena Vinturini

Seus corpos são formados por curvas sinuosas e as marcas do tempo as tor-

nam ainda mais atraentes ao olhar humano. Essas marcas foram adquiridas em situações de sofrimento e dor, mas, felizmente, elas foram encontradas por um homem sensível, capaz de

transformá-las, deixando-as com nova e boa aparência. Hoje, quem olha as obras do artista polonês, naturalizado brasileiro, Frans Krajcberg, fica tão preso à beleza que quase não percebe que são feitas de restos de madeira queimada. Essa expressão estética foi desenvolvida em terras brasileiras, tornando seu pai criador um ícone da

arte ecológica no Brasil. Kra-jcberg passou a ser conhecido como “poeta dos vestígios”.

As obras são fruto da consciência revoltada do artista e carregam nas cos-tas o peso da luta contra o desmatamento e o sofri-mento das queimadas. Po-rém, ainda assim transpa-recem uma beleza poética, que faz nascer no observa-

dor a semente do engaja-mento. Naturais do Brasil, elas nascem das cinzas e algumas são expostas em galerias de arte de todo o Brasil e do mundo, vivendo como nômades. Essas obras são fotografias e esculturas de pequeno porte, carac-terística que facilita seu transporte. As fotografias foram tiradas de dentro da

Beleza que nasce das cinzasAtravés de suas obras, o artista polonês Krajcberg busca conscientizar a humanidade

sobre sua relação com a natureza

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floresta e ressaltam a beleza das raízes profundas, a lar-gura dos troncos e o contor-cionismo dos galhos, que, com uma visão poética, se assemelham às veias huma-nas. As pequenas esculturas são chamadas de “relevos” e, além da madeira queimada, têm como matéria-prima tin-ta preta intercalada com mui-to branco, vermelho e verde.

Em 2011, essas obras estiveram expostas no Pala-cete das Artes Rodin Bahia, em Salvador, integrando a temporada “Grito! Ano Mundial da Árvore”. Para Murilo Ribeiro, diretor do espaço, a arte denuncia a ir-responsabilidade quando se

trata de cuidar do planeta. “Ela revela o verdadeiro ta-manho do homem, a sua in-significância diante da gran-diosidade, da exuberância e transbordamento de beleza do nosso planeta”, diz.

Além das obras nôma-des, algumas se encontram instaladas no Sítio Natura, onde Krajcberg mantém seu ateliê e sua casa em uma ár-vore. Localizado no municí-pio de Nova Viçosa, no sul da Bahia, o sítio tem uma área de 1.200 metros, onde o artista já plantou mais de dez mil mudas de espé-cies nativas. As obras estão abrigadas em dois pavi-lhões, totalizando cerca de

300 exemplares. Entretanto, há previsão de se construir mais cinco pavilhões. A ideia é montar um museu, que será batizado com o nome do artista.

O MANIFESTO DO RIO NEGROApesar de serem maio-

ria, as fotografias e escultu-ras não são as únicas artes de Krajcberg. O “Manifesto do Rio Negro” é uma de suas principais obras. Nasceu em 1968, a partir do encontro do artista com o pintor Sepp Baendereck e da sua crença de que na vida do homem, a natureza é a medida de sua consciência e sensibilidade. Revela um novo conceito

de naturalismo, que exalta a natureza como “higiene da percepção e oxigênio mental”, segundo o próprio Krajcberg. Esse tipo de na-turalismo é catalizador das percepções de sentir pensar e agir da humanidade.

Juntas, todas as obras de Krajcberg revelam o caráter engajado de um artista que luta, até hoje, pela conser-vação das matas e pela exis-tência de uma grande cons-ciência coletiva ambiental. As obras, além de belas, são armas de defesa e um porto seguro para o artista, que, fugindo de sua terra durante a Segunda Guerra Mundial, encontrou raízes no Brasil.

As obras são fruto da consciência revoltada do artista e carregam

nas costas o peso da luta contra o desmatamento e o sofrimento das

queimadas.

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O manifesto do Rio Negro é uma das suas

principais obras.

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Texto e Fotos: Juliana Nakatani

Raios de luz que brincam debaixo d’água, desenhando e transformando um corpo em ‘ser-aquático’, água-viva, ‘corpo-vivo’.A refração, que dá forma e ref lete o próprio corpo sob o véu que separa água ear, misturando corpo e meio através de uma fusão visual, questiona o “perten-cimento” e a adaptação do ser humano ao seu meio. O desejo de comunhão e equilíbrio acompanham a ideia primeira desse ensaio, confrontando-se, porém, com um ambiente fantástico e irreal, que induz a dúvida quanto à real possibilidade de união.

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A Escola Mãe Hilda se diferencia por discutir questões ligadas aos povos afrodescendentes com os alunos em sala de aula

Negroé cultura sim!

Hildelice Benta, 50, diretora da Escola Mãe Hilda, fala das histórias, lutas e dificuldades de coordenar um legado de 22 anos de resistência negra e comunitária, de educação em moldes próprios. A escola Mãe Hilda, nasci-da em um terreiro de candomblé, hoje funciona na sede do Grupo Ilê Aiyê e alfabetiza crianças vislumbrando sempre a valorização do povo negro.

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Texto Laís Rocha e Val BenvindoFoto Mara Mércia

Falamos dos países africanos, de negros importantes na história, comemoramos datas importantes ligadas ao movimento negro.

O que diferencia a escola Mãe Hilda das demais?

Quando (o ex-presi-dente) Lula vigorou a Lei 10.639/2003, que obriga o estudo de povos afrodes-cendentes nas escolas, a Es-cola Mãe Hilda já trabalha-va com questões ligadas ao continente africano desde a sua fundação. Acho que a diferença está aí porque sempre trabalhamos esses assuntos. Falamos dos países africanos, de negros importantes na história, co-

memoramos datas impor-tantes ligadas ao movimen-to negro. E percebemos que isto não acontece em outras escolas. Sabemos que algumas escolas fizeram esse trabalho quando o Ilê implantou o PEP (Projeto de Extensão Pedagógica). Mas, agora, não sabemos se ainda trabalham esses temas nas escolas.

Como vem sendo trabalhada a história da áfrica, das lendas e da música no ensino

regular da escola? O trabalho é realiza-

do de acordo com a série (da alfabetização à quar-ta série). Os alunos da alfabetização vão cantar, fazer desenho, pois eles ainda não sabem escrever direito. Com os maiores, os professores trabalham esses assuntos nas matérias con-vencionais, usando poesia, música, lendas, histórias.

Como foi desenvolvido o plano educacional das

crianças?Primeiramente, nos

baseiamos nos Cadernos de Educação publicados pelo Ilê Aiyê todo ano e nos livros didáticos que são adotados pela escola. E também trazemos expe-riências externas. As pro-fessoras vão a seminários e trazem novidades para dentro da escola.

Tem alguma exigência para que o aluno ingresse na escola?

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A história poderia ser

trabalhada de outra forma.

Não, nenhum tipo. Nem cor nem religião.

Como se mantém finan-ceiramente?

A escola é mantida financeiramente pelo Ilê Aiyê. Recebemos doações através do Ilê também, como é o caso dos lanches das crianças.

Recentemente o Conselho Nacional de Educação pe-diu que o livro “Caçadas do Pedrinho” (de autoria de Monteiro Lobato e considerado com teor racista), distribuído pelo Ministério da Educação nas escolas de ensino fundamental, não fosse mais adotado. Como vocês vêem essas medidas? São drásticas?

Seria bom que a Tia Anastácia não fosse tão inferiorizada, claro. Eu acredito que a história poderia ser trabalhada de outra forma, mos-

trando o erro. Aqui, se fôssemos trabalhar com um livro desses, íamos deixar claro para os alunos que o negro não é aquilo que está no livro. Mas, creio que, na maioria das escolas, isso não seria considerado.

Como vocês vêem os con-tos de fada? Vocês fazem uso deles na escola?

Não, aqui não faze-mos uso destas histórias, apesar dos meninos as conhecerem. Nós trabalhamos com DVDs educativos.

No site da escola (www.ileaiye.org.br/maehilda.htm) está dito que a Escola Mãe Hilda ainda não foi re-conhecida pelo Ministério de Educação (MEC).

Estamos tentando esse reconhecimento. É um processo muito longo, são muitos do-

cumentos que preci-sam ser apresentados. Depois disso, temos que aguardar uma análise do MEC. Em seguida, eles visitam a escola e pedem para que nós aguarde-mos até o parecer final.

Existem outras escolas no Brasil que seguem a mes-ma ideologia de vocês?

Eu acho que as esco-las vindas de terreiros de candomblé são as que mais se assemelham, como é o caso da escola que tem no Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá. Devem existir outras também, mas as escolas públicas ainda deixam a desejar. Existem poucas que lu-tam por essa valorização do negro. Os professores que se comprometem a fazer esse tipo de traba-lho são poucos e muitas vezes não são aceitos pe-las diretorias das escolas.

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Ele andava cabisbaixo. Não que sua expressão mudasse ou que ele dissesse alguma coisa, mas sabíamos que ele estava mal, abatido. Ninguém gosta de ser

trocado por outro. Ou outros, como foi o caso, aparentemente. Naquela sua forma constante, sem nunca ter algo novo visualmente para oferecer, fora deixado para trás. Logo ele, que tinha servido a tantas gerações.

A professora da segunda série fazia dele e de seu grande amigo, o quadro-negro, seu pincel e sua tela. Criava, re-almente, uma obra de arte para os seus pequenos. Verde, azul, amarelo, rosa e, claro, branco. Podia ser qualquer cor

que você quisesse. Qualquer dessas cores, pelo menos. O diretor do colé-gio passeava em todas as salas da edu-cação infantil com sua lustrosa careca habitual e um deles na mão. Com ele, desenhava um pato estapafúrdio no quadro para os alunos, que acabavam rindo compulsivamente.

A professora de Matemática, lá do ginásio, além de usá-lo para aterrorizar sua classe com todos aqueles números e equações incompreensíveis, usava para lançá-lo nos alunos que estivessem con-versando ou dormindo durante a aula. Não era para machucar, era para chamar atenção. E, infelizmente, nunca teve al-guém que foi realmente acertado por ele.

Texto Rita de Cássia Martins e Thais BorgesImagem Banco de imagem SXC

Esquecido nos dias atuais, o Giz fez parte da vida de muitas gerações

O abandonado GizEssa era a intenção daquela professora baixinha e invocada, obviamente, mas, a verdade é que se alguém tivesse se ma-chucado feio nessa brincadeira, essa his-tória seria muito mais interessante.

O garoto gordinho e sardento, que sentava sempre ao fundo da sala, gosta-va de ver como ele se desmanchava e de-saparecia fácil. Era sempre o primeiro a se oferecer para apagar. Já a garotinha, do alto de seus cinco anos bem vividos, escrevia forte em seu mini-quadro, enquanto ministrava a aula para suas seis ou sete bonecas desproporcionais. Com seu instrumento de trabalho, se transformava em professora, fada ou carrasca. Tê-lo nas mãos era uma sen-sação única, quase mágica. As crianças o usavam até que suas mãos ficassem ásperas e cobertas do pó que ele insistia em deixar onde quer que passasse. Não que isso fosse um problema – exibir as mãos coloridas por ele era quase como a ostentação de status.

Ele podia fazer números, palavras coloridas e até o céu no chão, para as crianças brincarem de amarelinha. Um simples pedacinho dele era disputado pelos pequenos, quando já não servia à professora. A única coisa que o limitava era a imaginação de quem o tinha. Foi quando começaram a dizer que ele era ruim. As pessoas olhavam torto, como se fosse um criminoso. Qual era o cri-me, afinal? Ah, causava doenças no sis-tema respiratório. Rinites, coceira nos olhos, secura nas mãos, problema nas cordas vocais. Ele era o vilão causador de tudo isso. De uma hora para outra, tornou-se o Lex Luthor daqueles alunos e daqueles professores. Logo ele, que ti-nha servido a tantas gerações.

E vieram os outros. O tal pincel atô-mico, com seu cúmplice, o quadro bran-co – uma dupla em que reinava a prepo-tência. Como se fossem tão versáteis e tão companheiros quanto ele. Como se não fossem frios e distantes. As tais tec-nologias da informação, que ainda tem a metida alcunha de TICs, vieram pouco depois, só contribuindo para que aqueles que têm senso humanitário e de saúde (e de moda, convenhamos) largassem o pobrezinho. Agora, usá-lo é sinônimo de retrocesso. Só quem usa são algumas es-colas públicas perdidas no mundo, além de um ou outro campus de universidade federal aqui ou acolá. E mesmo nesses, ele está com os dias contados. Agora, lembrar-se dele é algo nostálgico.

E assim ele vive hoje. Abandonado, o pobre e esquecido giz.

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Ele é cheio de contradições: ateu e ao mesmo tempo religiosoEm entrevista, filha de Carybé conta um pouco sobre a personalidade, os casos e as obras do artista

Qual a motivação de Carybé ao retratar o povo baiano?

Ele já pintava gente, bi-cho, pessoas. Não era um pintor de paisagem, nem de casarios ou abstratos. Ele não pintou só o povo baiano, pintou gente em geral: tra-balhando, brincando. Gen-te normal, não importante,

gente do povo. Meu pai gos-tava muito do movimento, da luz da Bahia, da cor das pessoas e da cor usada pelas pessoas. Gostava mesmo da alegria do povo daqui.

Sabe nos contar qual a origem do apelido Carybé?

O nome verdadeiro do

meu pai era Hector Bernabó. Quando menino, morou no Rio de Janeiro, dos nove até dezoito anos, e fazia parte da tropa dos escoteiros. No time de futebol do bairro, todos tinham que ter nome de peixe e meu pai escolheu Carybé (um tipo de pira-nha), por ser sonoro e curto.

O apelido pegou.

Como ele reagiu ao descobrir o significado explicado pelo es-critor Rubem Braga?

Ele achou graça. Na verda-de, era gozação. Ele era muito amigo e compadre de Rubem Braga. Rubem ficava fazendo gozação com a cara dele, di-

No ano das homenagens prestadas por todo o país ao centenário de nascimento de Carybé, conversamos com sua filha, Solange Bernabó, sobre vida e obra do artista argentino, natu-ralizado baiano. Aos 57, ela dirige o Instituto Carybé de Salvador e coordena a “Oxum Casa de Antiguidades”, onde nos recebeu. Com simpatia e naturalidade, a soteropolitana conversa

abertamente sobre a paixão do pai pela Bahia, suas aventuras e obras.

Texto Thais Motta Fotos Rodrigo Wanderley

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zendo que tinha descoberto que outro significado do nome Carybé era mingau de mulher parida. Ele achava graça. Pas-sou de piranha a papa de parida.

Há a recordação de algum caso inusitado ou engraçado que possa compartilhar?

São inúmeros! Um que me ocorreu agora é o seguinte: meu pai gostava de brincar com os amigos e roubar os san-tos deles, de gesso mesmo. Depois de-volvia e os amigos nunca descobriam na hora. Um dia ele roubou uma santa enorme, de Mirabeau Sampaio, artista e grande amigo dele. Levou para a casa de Jorge Amado, tocou a campainha e foi embora para Jorge pegar. Ele sabia que ele ia pegar a santa e ligar, só que Jorge também era outro que fazia as mesmas coisas. Abriu a porta, pegou a santa e não disse nada (risos). Meu pai começou a ficar nervoso, apavorado, achando que alguém tinha roubado a santa da porta da casa de Jorge. Não tinha deixado na rua, mas achou que alguém podia ter roubado. No fim, des-cobriu que foi uma brincadeira de Jor-ge, que se aproveitou da dele. Até que meu pai foi lá e confessou, devolveu a santa para Mirabeau.

Como era a relação dele com a religião afro-brasileira?

Era de enorme respeito e amor. Ele adorava e seguia, gostava muito. Tinha um cargo importante dentro da religião do candomblé. Começou muito antes de ter esse cargo, mas ele tinha muito orgu-lho por ser denominado Obá de Xangô.

Ele era ateu antes?Meu pai era ateu e, na verdade, nun-

ca deixou de ser. Se eu digo isso, algumas pessoas não acreditam, inclusive as do candomblé. Ele, mais do que acreditar, cumpria todas as obrigações. Pode-se dizer que ele era religioso nesse aspecto, mas antes disso ele era ateu.

Acredita que o sangue latino contribuiu mais vivacidade na obra de Carybé?

O fato dele ser sul-americano, mais do que latino, influenciou muito nessa questão do colorido. Ele sempre dirigiu a arte dele, em uma época que isso não era muito comum. Todos os artistas iam a Paris para estudar, esse era o sonho. Ele fez questão de fazer o contrário, percor-rer a América do Sul e pintar. Qualquer um que vê um quadro de meu pai sabe

que essas cores são reais.

Durante a viagem pela América Latina, o que mais o marcou?

A Bahia e o México. Se ele não mo-rasse na Bahia teria morado no Méxi-co. Ele morou com índios, morou entre pessoas mais humildes, do cais do porto, da feira, com capoeiristas. Ele tinha essa postura, que certamente influenciou o trabalho dele.

Sabe dizer quais artistas o influenciaram?Gauguin, Van Gogh, Matisse, James

Ensor, a arte popular, a arte dos astecas, dos maias, dos sul-americanos.

Como era o processo de criação dele?Trabalho. Ele acreditava no ofício.

Achava que a inspiração era uma parte pequena. O que valia era a insistência, o trabalhar e o conhecer novos materiais. Era assim que ele criava.

Como descrever a batalha pela renovação artística impulsionada por Carybé junto com Mário Cravo Júnior, Genaro de Carva-lho e Jenner Augusto?

Não foi uma batalha. Pelo contrário, eles eram todos amigos. Todos se en-contravam no estúdio de Mário Cravo. Por aqui não houve algo do tipo: “va-mos renovar as artes, vamos organizar o movimento”. Aconteceu naturalmente e eles ficaram amigos. Por acaso veio meu pai, veio Verger, Poty Lazzarotto, Raul Briner, muitos outros das artes plásticas. Por alguma razão que, na verdade, nin-guém, nem eles próprios, sabem dizer. Talvez vocês ou algum historiador que-ria investigar porque aconteceu isso aqui naquela época, mas aconteceu de uma forma natural.

A definição de Jorge Amado de que Carybé “é todo feito de enganos, confusões, his-tórias absurdas, aparentes contradições, e ao mesmo tempo é a própria simplicidade (...)” é real ou literária?

Ele era a própria simplicidade e tinha suas contradições. Se chamava Héctor e tinha o nome Carybé. Tinha essas brin-cadeiras entre eles, a vida inteira faziam essas confusões. Tinha pai italiano, mãe brasileira, dois irmãos do mato-grosso, duas irmãs paraguaias e outro argentino. Ele era todo história: saído da Argentina, foi morar no Rio, na Itália, voltou para o Rio. Então, ele é cheio de contradições: de ser ateu e ao mesmo tempo religioso.

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Ele queria ter tempo de mostrar, de expressar as

coisas que ele viu no mundo, não era literal, nem um artista acadêmico (...)

Há uma “Bahia mítica” retratada no ima-ginário de Carybé ou a “Bahia mítica” do nosso imaginário é a retratada por ele?

Rubem Braga também falou que não sabia se Carybé retratava a Bahia ou se, quando via certas paisagens da Bahia, achava-as muito parecidas com os qua-dros de Carybé. Na verdade, o artista - não só ele, mas, Caymmi, Jorge Amado, Verger - escolhe o que retratar ou o que cantar. Ele poderia ter escolhido pintar o Palácio da Aclamação ou a sociedade baiana, assim como também Jorge Ama-do podia ter contado outras histórias. Com certeza eles não fizeram isso para criar o imaginário baiano. Aconteceu naturalmente. Não creio ter sido inten-cional.

Como definir em uma frase a genialidade de seu pai?

Acho difícil. Nem mesmo ele teria como se definir. Ele era modesto. Nunca houve essa coisa de gênio, genialidade.

Como ele se via?Como um trabalhador. Ele queria ter

tempo de mostrar, de expressar as coisas que ele viu no mundo. E ele não era lite-ral, não era um artista acadêmico. Então, os quadros dele nem sempre retratam uma cena visível: tem uma parte que é documental e tem outra que é de total imaginação.

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T Uma orquestra dilapidadaCom 58 anos, a Orquestra Sinfônica da UFBA vem passando por um processo de decadência, com falta de estrutura e músicos

Texto Marcelo ArgôloFoto Sara Régis

No Brasil, de acordo com o Anuário VivaMúsica! 2010, existem 180 orquestras. Em Salvador, encontram-se qua-tro delas: uma de câmara e três sinfônicas. A mais anti-ga é a Orquestra Sinfônica da Universidade Federal da Bahia (OSUFBA). Em 1954, com a intenção do então rei-

tor Edgar Santos de promover artes na Universidade, fundou-se os Seminários de Música e a orquestra, para dar suporte e proporcionar a pratica desses seminários.

Na década de 70, a orquestra se profissionalizou, contratando músicos por meio de concurso público. Porém, com o passar do tem-po, diminuiu-se a realização de concursos públicos e contratações, o que gerou redução da equipe. “A orquestra foi perdendo quantitativo até não mais se tornar possível seu funcionamento”, expõe José Mau-rício Brandão, atual Coordenador e Regente da OSUFBA.

SITUAçãO PRECÁRIA

A orquestra enfrenta problemas estruturais, sendo o mais evi-dente a falta de músicos fixos em todos os naipes (grupos de instru-mentos). “Nós temos um primeiro violino, uma trompa e nenhuma clarineta. Apesar de haver cerca de 20 integrantes, eles estão distri-buídos de maneira desigual, o que compromete a adequada estrutura da orquestra”, reclama José Maurício. Outra queixa do coordenador se refere ao estado da sala de ensaios e do espaço para apresentações. “A orquestra nunca teve uma sede. O que temos é uma sala de ensaios improvisada na escola de música e a de concertos é o Salão Nobre da Reitoria, que, na verdade, é um espaço utilizado por toda a Uni-versidade para os eventos mais diversos”. Marcelo Neder, estudante do curso de Música Popular, mesmo não sendo membro da orques-tra, percebe as dificuldades e cobra medidas. “Falta maior incentivo da UFBA, porque esse tipo de atividade tem gastos. Para fazer uma apresentação, é preciso um caminhão para levar os equipamentos e os instrumentos. Isso requer verba”, afirma o estudante.

Além disso, toda orquestra precisa de um diretor artístico, que cuide da programação, do repertório, dos materiais e instrumentos, selecione os solistas e escale os músicos. Também é necessário um diretor administrativo, que cuide das pautas, da frequência, da logís-tica, do transporte e do equipamento. Na OSUFBA, não existe essa divisão de trabalhos e José Maurício acumula todas as funções.

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São raras as leituras das

obras feitas por nós, estudantes de Composição.

Danilo Valadão, estudante

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FUNçãO PEDAGóGICA

Como orquestra de uma escola de ensino superior de música, a OSUFBA tem também funções pedagógi-cas. Ela se propõe a ser um laboratório para o desenvol-vimento de habilidades em execução, leitura de partitu-ras e um espaço aberto para que os graduandos possam ter suas peças executadas por uma orquestra. Neste último ponto, Danilo Va-ladão, estudante do curso

de Composição e Regência, queixa-se que há pouco es-paço. “São raras as leituras das obras feitas por nós, estudantes de Composição. Eu e os demais estamos ma-goados porque a orquestra não nos serve apropriada-mente”, revela.

Para Brandão, a função pedagógica tem sido cum-prida. “É importante en-tender que, mesmo diante da deficiência, a orquestra cumpre com seu papel for-mando quem hoje tem a

chance de mantê-la viva”, relembra o regente. Ele ainda acrescenta que existe o interesse dos alunos de participarem da orquestra justamente por essa carac-terística laboratorial. “Com a reforma curricular e a possibilidade da prática em conjunto se transformar em atividade, isso traz de volta os alunos, que podem parti-cipar da atividade como par-te de sua formação”, afirma.

Apesar de haver inte-resse de alguns alunos em

participar da OSUFBA, essa relação ainda é de-ficiente. Valadão diz não conhecer profundamente a produção. Ele conhece o projeto de 2010, em que a orquestra realizava concer-tos na primeira semana de todo mês, mas não conhece outros projetos. Já Marcelo Neder é mais incisivo: “A orquestra está isolada da escola de música porque o horário de ensaio não é compatível com a grade curricular”, afirma.

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Efetivamente, nós temos um primeiro violino, uma trompa e

nenhuma clarineta. José Maurício, Coordenador e

Regente da OSUFBA

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capa de revista

Texto Juliana Almirante e Flávia Faria Imagens SXC

Uma mulher, dona de um corpo escultural, cabelos brilhantes e pele uniforme. Pode apreciar a foto in-teira, se quiser – você não

vai achar nenhuma “celulitezinha”. Parece incrível que alguém assim seja de verdade. Aí vai a novidade: não é. Além das grossas camadas de Photoshop, não se deixe enganar pelo sorriso e pelo rosto impecável. Aque-la dali está muito longe de represen-tar a mulher real.

A mulher da capa da revista feminina sorri para a leitora com um olhar que diz: “Parecer é mais impor-tante que ser”. Ela não é apenas uma mulher bonita, sexy e bem vestida. O seu corpo exuberante é apenas um argumento para a vaidade. Sobre a pele perfeita, se escondem resultados de procedimentos estéticos e maquia-gem. Sobre o corpo perfeito, dieta regrada a produtos light e horas de academia. Ela frequenta os melhores e mais caros restaurantes, mas só pede salada. A vaidade é tudo em sua vida: só usa as roupas mais caras e “estilosas”, os cremes mais inovado-res e tudo que há de mais sensacional no mundo da moda e da beleza.

Entre anúncios de cosméticos, vestidos e sapatos, a mulher da capa aparece com sua família perfeita: um maridão sarado, dois filhos fartos e um golden retrivier perfeitamente treinado. Sua casa é ampla, com um lindo jardim, piscina e churrasqueira. A decoração é toda feita pelos mais famosos e caros profissionais de designer do momento.

Por trás do seu sorriso de boa moça - brilhante! -, a mulher da capa esconde um furacão. Ela entende

Mulher,Você acha mesmo que precisa ser e estar sempre perfeita?

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Porque ser feminina vai muito além de fazer as unhas e passar o dia no esteticista.

tudo de sexo e sabe como manter seu homem sempre interessado. Ele, é impor-tante lembrar, também é perfeito: desde que a co-nheceu, jamais pensou em olhar para outra mulher. Isso, claro, graças não só à sensualidade nata de sua amada, mas ao seu irresis-tível carisma.

No trabalho, a mulher da capa é a diretora da empresa. Ganha muito bem e é referência na sua área - Publicidade, Direito, Marketing. Você jamais verá uma jornalista, ao menos que seja âncora de um jornal da Rede Globo. Engenheira que traba-lha em obra ou fábrica, então, nem pensar! Só um escritório com ar condicio-nado, secretária e máquina de café pode ser um lugar adequado. Ela se dedica de

corpo e alma ao trabalho, mas tem tempo de sobra para a família, a academia, as compras no shopping e as sessões de estética. Ah! Ela também tem um hobbie: Yoga é uma boa pedida.

Mas, cuidado: a mu-lher da capa esconde um veneno tão mortal quanto a pior das cobras, capaz de destruir a felicidade alheia. É que, leitora, ela não acei-ta que você seja diferente dela. Seu padrão de vida não só é perfeito como a única forma possível de encontrar a felicidade. Você é apenas uma sol-teirona, cheia de gordura localizada e miserável no seu trabalho de auxiliar de escritório. Não interessa se você trabalha até cansar a alma e não tem tempo para se coçar, quem dirá para

ir à academia. E, é claro, o mais importante: você não tem dinheiro para comprar nem sequer o batom que ela usa. O vestido de seda italiano e os sapatos crave-jados de Svarowsky, então, pode esquecer. Devem custar o salário de um ano inteiro.

Vamos fechar a revista e voltar a pisar na terra? Não existe essa tal mu-lher linda e maravilhosa, resolvida, de bem com a vida, realizada no tra-balho e com tempo de sobra para a família. Não importa o quanto você se esforce. Desde o momento em que você aterrou neste mundo, a perfeição se tornou inatingível. E não há absolutamente nada de mal nisso. O errado é se convencer que felicidade só existe quando não há

problemas ou que só existe uma maneira de encontrá-la. A vida é muito mais do que unhas perfeitas e uma bolsa Louis Vitton.

A revista feminina que traz a mulher da capa surpreende: ela não é femi-nina, simplesmente porque representa uma mulher de plástico e esquece-se das tantas de carne e osso que sim, têm celulite, são felizes - solteiras ou com um com-panheiro barrigudinho - e (olha só!) lêem, trabalham, se informam, estudam, cuidam de si mesmas e de suas famílias. Elas choram, têm TPM, brigam com o marido e por vezes se sen-tem a última das criaturas, sem nem por isso se tornar menos mulher. Porque ser feminina vai muito além de fazer as unhas e passar o dia no esteticista.

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