revista literária silêncio - nº 01
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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 1 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
NNºº 0011
DDiinnhheeiirroo ppaarraa bbiibblliiootteeccaass LLííddiioo LLiimmaa
OO ppoossssíívveell nnããoo aallccaannççaaddoo JJoosséé PPaauulloo NNoobbrree
DDee ccoorrppoo pprreesseennttee EEddiinnhhoo ddaa BBaarrccaa
PPaarraa ffaallaarr ee eessccrreevveerr bbeemm JJoosseepphh DDeevvlliinn
PPaarraa ssaallttaarr aaooss oollhhooss CCllaauuddiioommiirroo MMaacchhaaddoo FFeerrrreeiirraa
PPoorr qquuee aa rreevviissttaa BBRRAAVVOO!! aaccaabboouu?? AArrmmaannddoo AAnntteennoorree
Revista Literária
SSiillêênncciioo
LiteraturaArteCinemaMúsicaHumor
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 2 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 3 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
Revista Literária Silêncio Nº01
EEDDIITTOORRIIAALL
“Porque Silêncio?”, você pode estar se perguntando. Se não está, deveria. A primeira coisa que nos vêm
à mente é: “E por que não?”. Porém, podemos apresentar uma resposta mais apropriada.
Pense por um instante. Qual foi a última vez que você se encontrou em meio ao inebriante silêncio que a
tudo absorve e preenche? Em tempos em que a todo instante nos gritam aos ouvidos, não há pedra mais precio-
sa do que o silêncio, muito embora ele também possa ser ensurdecedor. Silêncio nos remete à paz, a um instante
de reflexão. Sem ele como compreendermos as coisas mais complexas de nosso mundo, incluindo nós mesmos?
Com essas idéias em mente resolvemos intitular nossa revista como “Silêncio”.
Ao criarmos uma revista com a intenção de divulgar textos relacionados à arte, em suas inúmeras for-
mas, “silêncio” é a única coisa que falta para ela tornar-se o que pretendemos que seja: Um momento de prazer
e descanso para mentes fatigadas e famintas. Um oásis para quem convive com um deserto de ideias, uma cama
quente para um viajante perdido, um instante de sossego para aquele que vive atormentado pelo infindável ba-
rulho de nossos dias.
Isso é o que oferecemos agora. Esperamos que aproveitem... em silêncio.
Os Editores
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 4 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
Revista Literária Silêncio Nº01
SSUUMMÁÁRRIIOO
LITERATURA
Contos
13 Humor vítreo Adriane Bueno
14 Só uma fase Andréia Pires
15 Brilho Eron d'Inácio
17 A ausência da ausência Lídio Lima
19 Gato escaldado Maurício Pons
20 Passos perdidos Pedro Porciúncula
22 Perdidos na escuridão Robert Jonas Andrade Oliveira
25 Monumento ao homem vivo Rody Cáceres
Poesias
27 De corpo presente Edinho da Barca
28 Versos brandos Jorge Pinho
31 O possível não alcançado José Paulo Nobre
32 Rumos Lúcia Castillo
33 A estrela Dalva e o peão Luiz Carlos Molina
34 Mordaça Luiz Sérgio Quintian
35 Distraída Márcia Gomes
36 Quando nos apaixonamos Lutiene Souza
37 Minha escola Caroline Sigalles Ferreira
Artigos
40 Por que a revista BRAVO! acabou? Armando Antenore
42 Para saltar aos olhos Claudiomiro Machado Ferreira
47 Laboratório de estímulo à criatividade – Biblioterapia Giselda Leirner
49 Dinheiro para bibliotecas Lídio Lima
38 Amor transcende o tempo
Marcos Costa Filho
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 5 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
Revista Literária Silêncio Nº01
CINEMA
A Paixão de Joana D’arc, de Carl Theodor Dreyer 50
Matheus Magalhães da Silva
Uma das histórias mais tristes nos
bastidores de Hollywood 53
Tiago Stechinni
DIREITOS AUTORAIS
Justiça usa Código Penal para combater
crime virtual 54
Supremo Tribunal de Justiça
O download de livros 57
Claudiomiro Machado Ferreira
TRADUÇÃO
Para Falar e Escrever Bem 61
Joseph Devlin
MÚSICA
O Silêncio 67
Arnaldo Antunes
Silêncio 68
Heróis da Resistência
As rimas mais usadas na
úsica brasileira...
...e quem quiser compor um
sucesso, faça isso: 69
Claudiomiro Machado Ferreira
FOTOGRAFIA A arte de Wilson Fonseca 70
ARTES VISUAIS Rosali Colares 72
HUMOR
77
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 6 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 7 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 8 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
FFRRAASSEESS && CCIITTAAÇÇÕÕEESS
Corrupção no ECAD. Os Replicantes, na música
“Mentira”, de 1987.
Não vejo nada no Creative Commons
que não esteja na lei [de Direitos Autorais]
atual. Cacá Diegues
Cineasta
Ora, se você quiser
se divertir invente suas
próprias canções. Renato Russo
Músico
Na França autores recebem por livros em-
prestados em bibliotecas. O governo paga uma
taxa e a associação de autores distribui os recur-
sos entre autores. Raquel Cozer
Colunista da Folha
O que não pode ser falado
deve ser passado em silêncio. Autor desconhecido
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Se queres ser universal, co-
meça por pintar a tua aldeia. Liev Tolstói
Escritor
Qualquer um pode escrever um livro.
Duro mesmo é ficar no sofá, sem escrever
nada. Não escreva. Se realmente tiver de
escrever trate o resto da humanidade aos
tapas e pontapés. Diogo Mainardi, escritor
Não entrei na literatura para ser um escritor
qualquer. Quero ser maior que Tolstói e
Joyce – e acho que todo escritor tem de pen-
sar assim, senão ele não produz nada. António Lobo Antunes
Escritor português
O escritor está sempre trabalhando
em um livro, mesmo quando não
está escrevendo. Antonio Callado
Escritor
Podemos simplesmente escrever um.
Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras.
Caetano Veloso, Livros
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HHUUMMOORR VVÍÍTTRREEOO
Adriane Bueno*
ombos pretos a pai-
rar sobre a abóboda
medieval pensam ser
corvos a espreita do cadáver do
qual se aproxima o funeral. Garras
afiadas em patas escuras, do gato
preto, ser noturno, que se arrisca a
desfilar a luz do sol, para ocultar-
se até que horas tétricas lhe permi-
tam começar a carnificina. E o
cadáver ali, no fúnebre caixão
abismal. E os entes queridos do
morto, que de suas faces deixam
verter lágrimas, não sabem se cho-
ram a perda ou sufocam devido ao
miasma produzido pelo calor in-
fernal.
Ah! Dores extremas açoita-
ram o pobre defunto que jaz pró-
ximo de baixar a sua última pousa-
da. Quem tão atroz veleidade pra-
ticou, arrojando da vida um pai de
família que ora está prestes a ser
devorado por vermes impertinen-
tes, estes seres malditos que todos
temem?
Andava o ora morto, antes
vivo, por uma rua escura, retor-
nando do labor diário que mal pa-
gava as compras para saciar da
família sua fome natural. Vinha
cansado, arrastando os pés, depois
de horas sem fim numa repartição
pública obscura. Mas vinha em
paz, dever cumprido, o parco salá-
rio no bolso... ia encontrar pouso e
um certo descanso afinal.
Entretanto, ao chegar ao
escuro beco que levava a sua hu-
milde pocilga familiar, algo lhe
arremete brutalmente contra a pa-
rede de tijolos. Escorre sangue pela
mesma, crânio partido, mas o tra-
balhador ainda respira. Uma som-
bra se projeta sobre o infeliz e lhe
rasga a garganta... o pai de família
expira, enquanto seus olhos arrega-
lados absorvem a figura que ora se
afasta cambaleando pela viela fria.
No outro dia, vizinhos hor-
rorizados chamam a polícia, a fa-
mília desatina. As investigações
nada deixam escapar, mas também
nada conseguem provar. Sentenci-
am as autoridades: “Foi um bárba-
ro meliante... nenhuma pista mais
há. O salário ficou, deve ter se
assustado com alguém que estava a
passar”.
E o morto foi transportado
a sua casa, encomendado o caixão,
realizado o velório. Lágrimas der-
ramadas e, enfim, o enterro onde
mulher e filhos, junto com os vizi-
nhos sorumbáticos não conse-
guiam entender o crime praticado,
nem a fácil desistência das autori-
dades em buscar o criminoso ne-
fasto.
Mas se algum deles fosse
entendido ou respostas realmente
desejassem encontrar, bastaria ob-
servar o humor vítreo dos olhos
cadavéricos e encontrariam a últi-
ma imagem que o falecido gravou
em sua mente.
Enquanto o funeral termi-
nava, o circo de horrores que sem-
pre permaneceu naquela gélida
cidade e era sua atração principal,
partia, levando em um de seus va-
gões a aberração que causara a
cruel carnificina.
Portanto, ponde-vos atentos
leitores destas estranhas linhas.
Vós não acreditareis jamais no que
ora vos alucina.
*Advogada, já escreveu:
PP
Adriane Dias Bueno e Claudiomiro Machado Ferreira na 39ª Feira do Livro do Cassino/RS
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SSÓÓ UUMMAA FFAASSEE
Andréia Pires*
á meses que pelo
menos duas vezes
na semana Lauri-
nha dava baile na madrugada. Em
susto, levantavam mãe, pai, irmãos
menores, cachorro latia na rua,
cocota latia para o cachorro, luzes
de toda a casa acesas. Não parava
ninguém dormindo. O que foi,
Laurinha? Sempre a primeira a
chegar, a mãe tinha com a menina
uma paciência eterna. É ele, mãe.
O homem, aquele homem sem
olhos, ele veio aqui de novo, mãe-
zinha, não deixa ele me pegar, não.
Não tem homem nenhum, filha.
Isso que tu tens às vezes é pesade-
lo. Sonho ruim. É só imaginação.
Não é real. Quer ver? Olha aqui
com a mãe embaixo da cama, ó.
Não tem nada, viu? Só uma meia
suja tua, já falei que aí não é lugar.
Volta a dormir, tá? Vou ficar con-
tigo até pegares no sono de novo,
canta com a mãe: mãezinha do
céu, eu não sei rezar, só sei dizer...
E assim foi até ultrapassar o limite
do suportável.
O pai não podia mais com
aquela novela. Quando a Laura
atravessava a noite dormindo, ele é
quem acordava por qualquer ruído,
sobressaltado, achando que era
mais uma da guria. Os menores
desciam das camas e ficavam ob-
servando o chororô da irmã com
olhos muito arregalados, conster-
nados da situação. A mãe, incan-
sável, curava cada surto da filha
com uma ninada compreensiva,
torcendo para que fosse a última.
Leva no médico, benze, manda
rezar uma missa para a alma do
condenado, dá um cansaço durante
o dia que vai dormir direto e reto.
Os pais ouviam e tentavam todas
as receitas que julgavam não fazer
mal a ninguém. Mas a Laurinha se
repetia, com algumas variações.
Era ele e uma mulher malvada e
descabelada. Ele e uns outros com
machucados nas pernas. Ele e uma
velha corcunda e fedorenta. Mas
ele toda vez. Até que decidiram
acreditar no pediatra: é só uma
fase. Bem típica da infância, isso.
Coisa de criança que precisa divi-
dir atenção dos adultos com outras
crianças. Vai passar. A senhora
siga fazendo do seu jeito, mas não
dê tanto ibope para as cenas. Trate
naturalmente, mude de assunto.
Vai ver como as crises da Laura
vão rarear até sumirem por com-
pleto.
Os pais seguiram exata-
mente as recomendações do profis-
sional. Então, algum tempo depois,
repararam que a filha já não pedia
mais socorro às três da manhã.
Nem às três e quinze, nem às cinco
e meia. Não mais. Todos passaram
a viver o sono dos justos, dos tra-
balhadores, da família amorosa,
dos céticos. Menos a Laura, que
simplesmente entendeu a regra do
jogo. Bastava abrir os olhos, respi-
rar fundo e pensar firme que estava
tudo bem, que ninguém sem carne
e sem osso poderia fazer-lhe mal
dentro ou fora do seu sono. No
início doeu, mas com o tempo ela
se habituou às companhias notur-
nas. Tentou dialogar, entender,
espantar. Em vão. Chegaram ou-
tros, alguns foram embora. O ho-
mem, jamais. O pediatra acertou,
de certa forma. Era só uma fase.
Uma fase na infância, uma na ado-
lescência, uma na maturidade, uma
na velhice. E nas últimas linhas da
vida até que foi bom. Quando a
Laura foi viver no lar de idosos,
levada pelos irmãos, velha e louca
varrida, não estava só, afinal. Ter-
minou os dias entre as flores do
jardim da casa coletiva, cercada de
amigos, tão cega quanto o mais
antigo deles.
HH
*Jornalista, mestre em História da Literatura, doutoranda em Escrita Criativa (PUCRS) e
autora do livro de contos “De solas e asas”. Integra o Coletivo Fita Amarela, colabora
semanalmente com contos ao jornal Diário Popular, uma vez por mês com a revista Sa-
mizdat, e publica o que escreve no blog “De solas e asas.
Claudiomiro Machado Ferreira
e Andréia Pires
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BBRRIILLHHOO
Eron d’Inácio
la estava sentada na
poltrona, vestindo
aquele vestido de
cetim preto tão lindo e que lhe caia
tão bem. Os dedos finos agitavam
um cigarro aceso e suas pernas
cruzadas mostravam os sapatos de
couro preto e salto alto. A porta
então se abriu e a figura de um
homem maduro adentrou a sala,
dentro do seu terno escuro.
— Olá, papai – ela disse,
com a voz arrastada.
— Eu sabia que estaria aqui
– ele disse, examinando a figura da
filha.
— Você sempre sabe das
coisas antes, não? Muito esperto...
Ela acompanhou a figura
do pai caminhar em direção a sua
mesa e sentar-se em sua cadeira.
— Você precisa se contro-
lar, Estela – o pai disse, tirando um
charuto de dentro de uma caixa.
— Eu não preciso de nada
– ela disse, levantando-se da pol-
trona e soltando uma baforada de
fumaça em direção ao teto – Apos-
to que você nunca achou que me
veria nessa situação.
Ela atravessou a sala e foi
admirar a figura num espelho de
corpo inteiro que ficava perto da
porta. Aquele vestido lhe caía in-
crivelmente bem e ela estava ele-
gantemente magra. Os cabelos
loiros lhe caíam tão bem pelo lado
dos seis pequenos e os anéis e pul-
seiras que ostentava nas mãos bri-
lhavam enquanto ela agitava aque-
le cigarro aceso.
— Você está tão... – o pai
disse.
— Divina? – ela comple-
tou.
Claro que estava divina.
Seus olhos brilhavam a luz do luar
e os cabelos estavam tão bem pen-
teados e tão sedosos. Ah, como
estava radiante e era tão bom saber
que o pai sofria por vê-la naquela
estado tão... tão... como seria a
palavra?
— Reluzente?
— Reluzente...
— Você tem ideia do que é
se sentir incrivelmente bem, papai?
– ela perguntou, ainda admirando-
se no espelho.
— Faz tempo que não, fi-
lha. A vida tem sido um verdadei-
ro...
— Inferno? – ela comple-
tou, — Você ainda não viu nada. –
e riu.
Estela então jogou o toco
de cigarro no chão do escritório e
puxou o maço de dentro do bolso.
Com a ajuda de um isqueiro, acen-
deu outro cigarro e soprou a fuma-
ça em direção ao teto.
Ela então chegou perto da
janela e, por alguns instantes, ficou
admirando a lua lá fora, livre como
um pássaro. A lua iluminava tudo
e estava tão cheia e tão divina na-
quela noite. Reluzente também,
diria. É... reluzente!
— Você gosta de observar
a lua, papai? – ela indagou – ou
olhar a luz do sol...
— Gosto, filha! E você?
— Você sabe que eu não
tive essa chance. Eles não me dei-
xavam ver a rua!
— E você sabe que não foi
uma escol...
— Aham – ela interrompeu
– agora não importa.
— Como saiu de lá? – o pai
indagou, encarando-a por cima dos
óculos.
— Eles me deixaram sair -
e ela sorriu aquele sorriso fechado
que ela dava quando queria ser
sarcástica – ahh, tem algo que que-
ro te mostrar.
Estela então mexeu na me-
sinha que estava ao seu lado e pu-
xou uma adaga. A adaga que fora
da mãe e que agora lhe pertencia,
como um troféu e uma recompensa
ao tudo que passara nas mãos do
pai. A adaga reluzia em contato
com a luz da lua. Os olhos de Este-
la também...
— É engraçado como, se
uma faca estiver bem afiada, você
pode passar o dedo na lâmina e
nada acontece – ela disse, desli-
zando a ponta do dedo indicador
no fio da lâmina.
— Mas é só você que fincar
que se machuca – ela então cravou
a ponta da adaga na ponta do dedo,
fazendo com que um filete de san-
gue escorresse pelo dedo e pela sua
mão.
— Quer tentar agora, pa-
pai?
Os olhos de Estela brilha-
vam mais agora. A faca na sua
mão levantada brilhava como se
mostrasse todo o brilho da sua vi-
tória. O vestido preto, o cabelo
arrumado e maquiagem perfeita a
acompanhavam naquele que pare-
cia ser seu dia de glória. Estava
reluzente, como nunca estivera.
O pai, do outro lado da me-
sa, tamborilava os dedos sobre o
botão que chamaria os seguranças,
pensando se aquilo valia a pena.
Por cima dos óculos, via a figura
magra de Estela perto da janela,
encarando-o com os olhos fundos e
por trás dos cabelos desgrenhados
e sujos. Um cigarro imaginário
pendia no canto esquerdo da boca
e a mão esquerda segurava o uni-
forme do hospital sujo de terra e
sangue...
Estela então avançou dois
passos à frente.
E a lua brilhava...
EE
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AA AAUUSSÊÊNNCCIIAA DDAA AAUUSSÊÊNNCCIIAA
Lídio Lima*
tarde para pensar
como as coisas são ou
com elas deviam ser.
A mente cansada, o corpo ainda
mais; no entanto, ainda há tempo
para sondar meu espírito, esse por
vezes exausto, por vezes perdido,
às vezes quase à beira da morte,
mas agora sereno.
Nascemos sós, morremos
sós, e em pouquíssimos instantes
da vida deixamos de estar sozi-
nhos. A existência humana é tão
solitária que, ou se finge não ser só
- como fazem quase todos - ou se
encara de frente a solidão, aprovei-
tando os poucos momentos em que
ela se vai. Assim faço. O homem
jamais se estende além de si mes-
mo, o corpo é sua prisão, a mente o
simulacro que o contém, por mais
que se abrace, se beije, se agarre,
se entre. Muito raramente não es-
tamos sós, e a solidão é bem maior
entre as multidões. Ninguém tran-
cado em seu quarto, ou em uma
escura e fria cela, sentiu tamanha
solidão quanto um homem em
meio aos “alheios”. Jamais o sozi-
nho se sente tão só quanto quando
entre os muitos.
Dentre os animais o homem
é o mais temeroso. Ele teme e
odeia a tudo que desconhece, in-
clusive outros homens, outras idei-
as e outras visões de mundo. Em
quase todos os casos não compre-
ende que o que ele realmente teme
é a si mesmo ou aquilo que ele
compreende ser “ele mesmo”. Te-
me sua fraqueza, sua ignorância,
sua tacanhez de pensamentos, sua
incapacidade de amar sem vícios
de amores idos, seu temor pelo
novo e sua estupefação diante do
belo e do complexo. Esse é o caso
do “homem médio”, a “besta hu-
mana” se orgulha dessas atitudes.
Duas coisas jamais devíamos te-
mer: a morte e a solidão; ambas
são inexoráveis e inerentes ao ser
humano. De que serve temer o
inevitável? Temê-las é temer a
vida. O homem que as teme é tal
qual um cego que temesse a escu-
ridão.
No entanto, não é sobre so-
lidão que resolvi escrever hoje, ao
contrário, venho escrever sobre os
raros momentos em que ela se au-
senta. Não digo os momentos de
distração em que não a sentimos,
mesmo ela estando ali, mas sim
dos momentos em que ela real-
mente não está presente. No mo-
mento em que os espíritos se to-
cam, neste exato momento, damos
o nome de amizade, e quando eles
se abraçam, chamamos amor...
A cidade escurece vagaro-
samente. Uma loja após a outra vai
se fechando, as pessoas dirigem-se
lentamente às suas casas, suas vi-
das, continuando suas rotinas. Eu
também, como era de se esperar,
sigo minha rotina. Passo após pas-
so, vou em direção ao lugar que
espero que sempre me espere. As-
sim como um animal marinho, que
por vezes depois de muito tempo,
há de emergir para respirar, assim
eu também, imergido na mediocri-
dade, no tédio e na ignorância,
tenho sempre que possível ir lá
para poder respirar.
Chego no início da noite,
fria e úmida, como quase todas por
aqui; entro lentamente e calado. A
primeira sensação que me assalta é
o cheiro dos livros, eles têm aroma
de distância, de onde não estive e
ainda assim me são tão próximos e
tão caros, após isso, vejo as pesso-
as e, por último, ouço suas vozes.
Nessa noite apenas o livrei-
ro e um amigo me esperavam, o
livreiro, dono da loja, com seu
semblante austero que se desman-
cha em sorriso quando os amigos
chegam, corpo robusto, início de
surdez que nos faz nunca saber se
nos ouviu ou não; já nosso amigo
tem sempre um ar perdido entre
pensamentos ou goles, a calva co-
berta por um boné, por vezes dis-
tante, porém sempre alerta. Na
verdade não me aguardavam, mas
estando lá quando cheguei, para
mim é como se me esperassem. Os
livros nas estantes, os bancos junto
ao balcão, as mesas vazias. A loja
é mais longa que larga. Organiza-
ção e entropia se misturam. Quem
vê apenas o que os olhos podem
ver jamais dará o valor devido a
este lugar. Aqui onde repousam
tantos espíritos, os ignorantes só
enxergam livros entre paredes.
Quantos dos que aqui chegam en-
tendem que aqui descansam, nu-
trem-se e divertem-se os raros es-
píritos dos guerreiros que se ne-
gam em morrer? Morrer por uma
causa é fácil, difícil é viver por ela.
Aproximei-me junto ao
balcão, as saudações são feitas, as
mãos apertadas, pedi um cafezi-
nho. Todos nós bebíamos. Eu, era
um pequeno café, sóbrio, naquele
dia estava doce, mas por vezes tão
amargo quanto negro. O livreiro,
era whisky, refinado, porém forte e
com a necessidade de ser bebido
aos poucos. Nosso amigo era vi-
nho, muito incerto, dependendo da
origem pode ser seco e nobre ou
tinto e rústico. Dessa união semi-
etílica forjou-se uma aliança de
espíritos, dois antigos, outro um
pouco mais jovem, num ciclo de
aprende-ensina, apenas interrom-
pido pelo sorver da bebida e pelo
fim da noite que pouco a pouco se
aproximava.
Um homem que entre ami-
gos não se abstrai do mundo, que
não se esquece do “lá fora” nunca
será feliz. Nenhum de nós era um
erudito, eu o menos esclarecido, o
aprendiz, o jovem lobo que vendo
ÉÉ
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 18 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
os mais velhos acuar a presa, por
soberba quem sabe, também se
mete a dar alguns ganidos. Nossa
presa é a Verdade, por mais que
saibamos que jamais vamos comê-
la, sequer abocanhá-la, apenas sen-
tir seu cheiro ou a sensação de sua
presença já nos alegra e inebria.
Oscar Wilde conta em seu
De Profundis que em um dos luga-
res mais singelos onde esteve, com
a comida e bebida mais frugais, foi
onde teve suas melhores idéias,
assim é aqui, lugar simples onde a
mente, o coração e o espírito são
quem se banqueteiam.
Há momentos em que um
homem se sente livre o suficiente
para falar de sua vida, não para
vangloriar-se, não para lamuriar-
se, mas sim porque se acha entre
iguais. Esses momentos beiram o
mágico. Nem mesmo o teor dos
assuntos são de suma importância.
Seja discutindo sobre política,
economia, literatura, cheiros ou o
que quer que seja; o importante é
que discutíamos sobre o ser huma-
no e confiávamos uns nos outros o
suficiente para sermos sinceros, o
suficiente para podermos discordar
sem medo. Quando podemos ser
rústicos sem ser considerados
grosseiros ou delicados sem pare-
cer afetados.
*Repórter e produtor. Escreve no blog Philos Porque Quilo. Coordenador do Grupo do Trivium.
Lídio Lima e Claudiomiro Machado Ferreira
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GGAATTOO EESSCCAALLDDAADDOO
Maurício Pons*
rio que antigamen-
te cortava uma ci-
dade, hoje separa
duas. Um lado da margem se
emancipou do outro, anos atrás.
Contudo, o fato é que aquele rio é
uma dádiva da natureza, um pre-
sente de Deus. No forte do calor,
os campings de Pedro Osório e
Cerrito ficam lotados de barracas,
muitas delas pertencentes a visitan-
tes, famílias de outras cidades que
aproveitam os finais de semana
para passear e se refrescar nas
águas calmas e límpidas do rio
doce. A praia, como muitos a cha-
mam, torna a estação do sol mais
alegre, e seus quarenta graus centí-
grados menos insuportáveis.
Quem poderia imaginar,
sentado em sua cadeira de alumí-
nio, com água correndo pelos tor-
nozelos e lambaris cutucando nos
pés, que aquele fio de rio, algum
dia, invadiu as duas cidades dei-
xando milhares de desabrigados?
Quem apostaria ser possível aquele
arroio, como outros o chamam,
destruir casas, desmanchar ruas e
derrubar pontes, isolando quinze
mil pessoas do resto do Estado?
Ouvi falar de três grandes cheias:
1959, 1983 e 1992. Esta última,
dizem, foi a maior. Eu morava em
Porto Alegre, mas assim que as
águas baixaram eu fui ajudar na
limpeza. A cena era de guerra. As
ruas se transformaram em imensos
varais de roupas; as calçadas, de-
pósitos de móveis, colchões e entu-
lhos; as paredes de todas as casas
eram de uma cor só: lama. Quem
viveu isso na pele conhece bem os
traumas que ficam mesmo depois
que o rio volta ao seu curso nor-
mal. Hoje, dois dias de chuva inin-
terrupta deixam as ruas nervosas,
com pessoas subindo e descendo
para o camping para observar a
evolução das águas, medindo com
pauzinhos e pedrinhas o aumento
do nível do rio.
Contam que, em uma des-
sas ameaças, Hermeto e Inácio,
amigos de pescarias, de causos e
de copo, aproveitando a ausência
das esposas, resolveram assar um
pernil. Era o terceiro dia de chuva,
e como o clima estava para manga
comprida, compraram um garrafão
de vinho. Barriga e cabeça cheias,
deitaram para um cochilo, ambos
dividindo a cama de casal – única
na casa.
— Melhor um de nós ficar
acordado. Se o rio subir vai nos
pegar dormindo – alertou Inácio.
— Que subir que nada –
resmungou Hermeto, – a água ain-
da tá lá embaixo. Durma tranquilo
que, qualquer coisa, eu te chamo.
Dizendo isso, ferrou no so-
no, roncando alto.
Para Inácio não foi tão
simples. As paredes do quarto logo
começaram a rodar feito carrossel.
A cama girava violentamente. Re-
solveu usar o antigo truque de bo-
tar o pé no chão para ver se o quar-
to estabilizava. Assim que o fez,
sentiu o pé mergulhar na água,
molhando até a barra da calça.
— Hermeto! Acorda, ho-
mem, que o rio está passando em-
baixo da cama.
E saiu em disparada porta
afora. Já na rua, nem sinal de água.
Aliás, nem chovia mais e o sol já
dava os ares da graça. Descobriu-
se depois que Inácio tinha enfiado
o pé num penico cheio de xixi.
*Blogueiro, colunista do Diário Popular. http://mauriciopons.blogspot.com.br
OO
Simão Bacamarte, de O Alienista – por Fábio Moon e Gabriel Bá
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 20 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
PPAASSSSOOSS PPEERRDDIIDDOOSS
Pedro Porciúncula*
stava escuro. Muito
escuro. Patrícia ha-
via se perdido na-
quela floresta. Escuridão total.
Olhava para o céu. Não havia es-
trelas. Não havia Lua. Apenas o
negro, o vazio, a imensidão do
nada. Olhava para frente. Nada.
Olhava para o chão. Nem os pés
enxergava. Sabia que eles estavam
ali, todavia. Sabia disso porque
doíam. Perdera a noção do quanto
andou por lá. Curiosamente não
conseguia lembrar quando se per-
deu, e nem como se perdeu. Re-
cordava de estar ali, perdida. En-
tretanto, não era amnésia. Lembra-
va do seu nome, da sua idade, de
como era quando tinha dez anos,
quatorze anos, dezesseis e dezoito
anos, de suas alegrias, sonhos, de-
sejos... Enfim, tinha plena ciência
de suas memórias.
No entanto, não sabia onde
estava ou para onde ia. Esbarrou
em uma árvore. Levou as mãos ao
rosto, tateando-o para se certificar
de que tudo estava onde deveria
estar. Sentou-se. Continuava com
as mãos no rosto. Começou a cho-
rar. Soluçava a pobre alma. Deses-
pero e exaustão vertiam por aque-
les lindos olhos castanhos, acom-
panhando as lágrimas.
Após um tempo que não
conseguia precisar, acalmou-se. O
choro aliviara um pouco a alma.
Concentrou-se para tentar acostu-
mar os sentidos à escuridão. Per-
cebeu que o lugar era mais maca-
bro do que pensara. Tinha certeza
de que se tratava de uma floresta –
ou bosque –, pois lembrava de
adentrá-la, daquela entrada maca-
bra, onde as árvores formavam
uma espécie de passagem, levando
a um corredor sombrio, que a cada
passo escurecia. Logo em seguida
tentou fazer o caminho inverso,
porém, não encontrou mais a saída.
Tendo essa certeza de que se en-
contrava em uma espécie de bos-
que, não conseguia escutar os sons
da fauna. Na verdade os únicos
sons que conseguia ouvir eram o
do vento agitando as árvores, e os
seus passos. Percebeu, assim que
inspirou com força, que, gradual-
mente, seus sentidos estavam lhe
falhando. O cheiro forte e pene-
trante do capim e da terra, agora
não passavam de leves fragrâncias
sentidas a uma distância conside-
rável. Não sentia mais o contato de
suas mãos em seu rosto. Sua boca,
agora, era como um grande buraco
recheado de nada. Nem a saliva
sentia. Tocou sua língua. Ou, pelo
menos, pensava ter feito isso. Na-
da. Silêncio. Silêncio... Silêncio...
Não lembrava de jamais ter teste-
munhado tamanha ausência de
ruídos, então, gritou a plenos pul-
mões. Ou pelo menos fez os mo-
vimentos... Ou não. Simplesmente
não sabia se havia obtido êxito.
Não sabia mais se estava sentada,
se estava deitada ou de pé. O que
lhe confirmava que ainda existia
era sua capacidade de pensar. Ti-
nha consciência. Tinha medo, pa-
vor, desespero... Lembrou-se no-
vamente de seus sonhos, de seus
desejos... De suas ânsias...
Novamente perdeu a noção
do tempo. Com o que restou de sua
existência, ordenou que suas per-
nas se movessem. Ainda não sabia
se a ação tornou-se concreta ou se
era apenas uma mera abstração de
um sopro de ser. Talvez sim, talvez
não. Não esbarrou em nada, pelo
menos.
Acreditava que andava. Já
sem esperanças, as mágoas, arre-
pendimentos... Tudo o que havia
deixado de fazer, o que fez e ja-
mais queria ter feito, passavam em
sua mente como um filme. Pedia
perdão, mas não obtinha resposta.
Suplicava. Ainda sem resposta.
Inimagináveis e imensurá-
veis momentos depois decidiu que
“tanto fazia”. Havia fugido durante
toda a vida daquilo tudo e, quando
chegou ao ponto de implorar o
perdão divino, ficara sem uma
maldita resposta. Relembrou no-
vamente seus sonhos e seus dese-
jos. Agarrou-se ferrenhamente a
eles. Sentiu que algo mudava den-
tro de si e ao seu redor.
Continuava sem enxergar
nada, mas o som... Os sons, melhor
dizendo, voltavam lentamente.
Sentiu um leve cheiro de terra mo-
lhada. Em seguida, o do capim.
Dormência, O corpo todo estava
dormente agora, formigava.
Passos. Escutou passos. De
todos as direções. Inclusive acima
e abaixo de si.
Ao seu redor, um luz co-
meçou a brilhar. Conseguia enxer-
gar parcamente o que havia a sua
frente. Apenas borrões que, aos
poucos, tornavam-se nítidos. Visu-
alizou uma silhueta a sua frente.
Ela projetava uma sombra enorme
no chão. A imagem dele e de tudo
o que ele representa para si se for-
mava em sua mente. Rápida e sur-
realmente a distância entre ele e
ela aumentou, tornando-o apenas
uma mancha em uma clareira ao
longe.
Patrícia começou a correr.
Corria desesperadamente. Final-
mente achou o caminho. Agora era
um belo dia e, à medida que avan-
çava, a floresta ia ficando para trás,
o céu azul se tornava perceptível
acima da copa das árvores. Todos
os sons da fauna que aquele bos-
que podia conter também passaram
a ser pronunciados, acompanhando
o desesperador ruído do vento e
dos passos.
EE
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 21 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
Via ele ao longe. Por mais
rápido que corresse, a aproximação
era lenta. Beirando a exaustão,
lembrou-se novamente de seus
sonhos e de seus desejos, princi-
palmente do último: o de estar ao
lado dele. Encontrou as energias
necessárias e se pôs novamente a
correr.
— Finalmente! Finalmente
te alcancei! – Disse a garota exaus-
ta ao chegar perto do rapaz. Exaus-
ta e eufórica.
— Que pena que chegasse
só agora... – Ele respondeu.
— Como assim? – Indaga
sem entender o que se passava.
— É que eu preciso subir
aquela colina agora. – E disparou a
toda velocidade.
Patrícia ficou ali. Parada.
Sentindo as pernas tremerem. E
sem olhar para trás, ele a abando-
nou, levando consigo todos os so-
nhos, desejos e memórias.
*Escritor.
Criou blog Anarchy Ink www.anarchyink.blogapot.com.br
Co-coordenador do projeto do livro dos “Poetas de Pijama da FURG”
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 22 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
PPEERRDDIIDDOOSS NNAA EESSCCUURRIIDDÃÃOO
Robert de Andrade*
le me pegou a mão e
pediu um cigarro,
não usou palavras,
mas fez um bico com os lábios e
inspirou o ar. Busquei o último
cigarro que havia no maço, colo-
quei na sua boca e acendi. Quando
eu tinha onze anos e me pegou
fumando suas guimbas, ele enfiou
a mão no bolso e me deu um maço
de cigarros novinho. Nossa casa
não tinha móveis, nem reboco,
nem cômodos. Dividíamos uma
cama de casal que ficava entre o
fogão e a geladeira. Antes daquela
veia se romper e encher seu cére-
bro de sangue, ele era um homem
ativo e firme. Acordava às cinco
da manhã e se locomovia feito um
gato no escuro para não me acor-
dar. Ele nunca me abraçou, nunca
fez nenhuma demonstração de ca-
rinho, mas sempre me senti seguro.
Uma vez me disse que as histórias
se repetiam e que para entender as
coisas era só observar o que estava
acontecendo, pois o que parecia ser
novo era somente algo que estava
se repetindo num tempo diferente,
em um lugar diferente e com pes-
soas diferentes.
Os cigarros dele tinham fil-
tro vermelho e os meus, branco,
era ele quem escolhia as marcas.
Fumávamos vendo a novela das
oito, depois comíamos o que tinha.
Antes de sair para o trabalho, pre-
parava duas garrafas de café, uma
ele levava para o condomínio onde
trabalhava e outra deixava para
mim. Nos fins de semana ele ven-
dia bilhetes da loteria, vendia sorte
e vivia do azar. Nunca perguntou
como eu estava indo na escola,
nem o que eu queria ser quando
crescesse. Eu queria ser ator de
cinema, como John Wayne. O ci-
nema tem uma tela grande e as
personagens se tornam figuras gi-
gantescas.
Nunca lhe perguntei quem
era minha mãe, as faladeiras do
bairro diziam que foi mulher da
vida. Eu também não sabia porquê
não o chamava de pai, mas ele
cuidava de mim desde sempre e
por isso devia ser meu pai. Ele não
me chamava a atenção e me corri-
gia só com o olhar. Na manhã em
que o sangue derramou dentro da
sua cabeça, eu o encontrei caído ao
lado da cama, sua boca espumava
e os olhos estavam vidrados. O
pessoal da ambulância não me
deixou acompanhá-lo. Na porta de
casa dezenas de vizinhos, aqueles
que jamais nos cumprimentavam,
se juntaram e, equilibrados na pon-
ta dos pés, espichavam os olhos
tentando descobrir o que tinha
acontecido.
Tentei seguir a ambulância
com a minha bicicleta, mas só con-
segui chegar ao hospital meia hora
depois. Os médicos não me deixa-
ram vê-lo. Pela primeira vez disse
para alguém que ele era o meu pai.
Uma mulher me levou para uma
sala e pediu para eu ter calma.
Acendi um cigarro e fiquei obser-
vando os quadros com figuras da
turma da Mônica que enfeitavam
as paredes.
“Quantos anos você tem?”,
ela perguntou me olhando nos
olhos.
“Doze”.
“Seu pai sabe que você fu-
ma?”
“O quê que aconteceu com
ele?”
“Uma veia rompeu no seu
cérebro. Ele teve um derrame ce-
rebral”.
Depois que a cabeça dele se
encheu de sangue, pensei que fosse
ver tudo vermelho. Que iria ouvir
vermelho, pensar vermelho e tudo
passaria a ter cheiro de sangue. Ela
disse que as sequelas seriam ou-
tras, mas era cedo para dizer.
Ela me perguntou se eu
queria ter outra família. Disse que
se eu quisesse, arrumaria uma fa-
mília legal para mim.
“Não quero trocar de famí-
lia, minha mãe tá viajando para a
terra dela, quando ela chegar vai
cuidar de tudo, ela sempre cuida de
tudo.”
“Então a sua mãe vive com
vocês. É porque me foi passado
que eram só você e seu pai”.
“O dia que minha mãe via-
jou, as fofoqueiras lá do bairro
perguntaram para ele onde ela es-
tava indo. Ele falou que ela tinha
ido embora. Mas é mentira, era só
para elas pararem de perguntar.”
No dia seguinte eu pude vê-
lo. Os médicos haviam cortado seu
crânio. Ele não ia falar nunca mais
e um lado do seu corpo ficaria pa-
ralisado para sempre. Fui visitá-lo
todos os dias que ele esteve inter-
nado.
Um dia ele voltou para ca-
sa. Os abutres dos vizinhos foram
todos para a rua vê-lo chegar, mas
depois ninguém veio visitá-lo. Mi-
nha mãe nunca voltou, eu contei a
história para a mulher só para ela
parar de querer me trocar de famí-
lia, embora nas horas difíceis eu
quisesse que uma mãe chegasse de
algum lugar e cuidasse de tudo.
Ele passou a andar arras-
tando o lado esquerdo do corpo,
que ficou parcialmente paralisado.
Mudei a televisão de lugar para
que ele não precisasse se levantar
da cama para assistir. Escrevi os
horários dos remédios e colei na
geladeira para eu me lembrar.
Nunca mais voltei à escola. Ele
não disse nada sobre isso, se bem
que se dissesse alguma coisa, eu
não entenderia. O derrame prova-
velmente aleijou a metade de sua
EE
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 23 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
língua também. Com o tempo, ele
desistiu de tentar falar e calou-se
para sempre. Acho que pressentiu
que a qualquer momento eu lhe
perguntaria sobre quem era minha
mãe.
O tempo consumiu os man-
timentos e o pouco dinheiro que
tinha. Eu juntava as guimbas e
fazia cigarros com as folhas dos
meus cadernos. Ele não conseguia
riscar o fósforo, eu colocava o ci-
garro entre seus dedos e acendia.
Um dia uma mulher bateu
na porta de casa. Ela era alta e bo-
nita. Era como sempre havia ima-
ginado minha mãe. Corri para o
banheiro e penteei o cabelo e pro-
curei, em vão, uma camisa que não
estivesse furada por traças. Ele
tentou se levantar da cama, mas
não teve forças.
“Bom dia. É aqui que mora
o senhor Eustáquio?”
Não consegui responder.
Minhas pernas tremiam feito vara
verde, minha garganta apertou e
meus olhos se encheram de lágri-
mas. Corri e a abracei. Quando
senti seus braços envolverem meu
corpo, o aperto que havia na minha
garganta se verteu em choro.
“Ainda bem que você vol-
tou”, falei soluçando.
“Calma, meu filho”.
Ao ouvi-la me chamar de
filho, senti-me à vontade para lhe
chamar de mãe e foi nessa hora
que ela me disse que estava acon-
tecendo um equívoco. Conquanto
eu soubesse o que significava a
palavra “equívoco”, entendi que
ela não era minha mãe. Parei de
chorar e me recompus, não fiquei
triste, porque eu já era triste, ou
não fiquei mais triste do que eu já
era. Ela aceitou minhas desculpas e
perguntou se podia entrar.
Ela segurou as mãos dele e
tentou um diálogo. Eu disse que
ele não falava mais.
“Mas ouvir ele ouve, não
ouve?”
“Ouve, sim senhora”.
“Pois então Seu Eustáquio,
o senhor não pode continuar fu-
mando, tem que parar com isso.
Nós queremos ajudar o senhor e o
seu menino, mas o senhor também
tem que se ajudar”.
Ela me chamou para perto,
disse que eu estava de parabéns
por cuidar dele e que iria nos aju-
dar. Perguntou minha idade e se eu
estava na escola. Ela contou que
ele trabalhava sem carteira assina-
da e que por isso não teria direito a
pensão. Perguntou também se eu
tinha vontade e disposição para
trabalhar no condomínio que ele
trabalhava. Eu aceitei, mas tive
que voltar para a escola e não po-
deria contar para ninguém que
estava trabalhando. Segundo ela,
era crime trabalhar, mas não en-
tendi muito bem o que ela quis
dizer com isso. Antes de ir embora,
ela deixou uma cesta básica.
Comecei a trabalhar na se-
gunda-feira seguinte. Antes de sair,
ainda no escuro, preparei o café e
deixei alguns cigarros, que havia
guardado para alguma emergência,
sobre a pia. Às cinco e meia eu
devia estar no condomínio. O por-
teiro me ensinou a separar papel,
plástico e vidro do lixo, e distribuir
entre as lixeiras da coleta seletiva.
Na hora do almoço peguei minha
bicicleta, corri para casa e lhe dei
os remédios, ele havia fumado três
cigarros, não sei como conseguiu
acender, mas era bom saber que
tinha conseguido.
A síndica, aquela que pen-
sei que fosse minha mãe, me adi-
antou um mês de salário. Comprei
cigarros e café. E disse para ele
que não precisava se preocupar
com mais nada, que eu iria cuidar
dele como ele tinha cuidado de
mim.
Aprendi a acordar na hora
certa sem precisar de despertador.
Nas pontas dos pés, como um gato,
eu circulava pela casa. No escuro
eu achava tudo, às vezes eu me
divertia preparando o café e arru-
mando as coisas com os olhos fe-
chados. Eu fazia tudo para não
acordá-lo, pois ele me parecia mais
feliz quando estava dormindo.
Com o tempo ele passou a
dormir mais cedo e quando eu
chegava da aula ele já estava na
cama. Parei de assistir televisão à
noite e aprendi a cozinhar no escu-
ro, e a fazer tudo no escuro.
Um dia, ao deitar a seu la-
do, percebi que ele estava frio, a
respiração tinha parado e o coração
também. A síndica cuidou do en-
terro, não havia quase ninguém no
cemitério, mas acho que se pudes-
se escolher não iria querer que
ninguém o visse morto.
Depois que ele morreu, eu
quebrei todas as lâmpadas da casa
e vendi a televisão. Eu só conse-
guia ficar na casa se ela estivesse
escura. A escuridão me fazia sentir
como se ele estivesse deitado na
cama e aceitar que minha mãe não
voltaria. Era melhor a certeza da
penumbra do que a incerteza da
claridade.
Continuei o meu trabalho e
os meus estudos. Numa manhã, eu
separava o lixo quando ouvi o cho-
ro de um neném no meio das cai-
xas de papelão. Ele estava dentro
de uma caixa de liquidificador.
Não contei para ninguém, o levei
para casa na hora do almoço e lhe
dei leite com uma colher de sopa.
Eu iria cuidar dele até ele crescer e
poder cuidar de mim. E eu nunca
mais iria tentar saber quem era
minha mãe.
*Cursou Comunicação Social com ênfase em Produção editorial.
Publicou contos e resenhas literárias em diversas antologias, sites e revistas.
Publicou o romance OFF em Lisboa Portugal, pela Chiado Editora.
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 24 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
RReevviissttaa LLiitteerráárriiaa SSiillêênncciioo Participe
Envie seu trabalho
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MMOONNUUMMEENNTTOO AAOO HHOOMMEEMM VVIIVVOO
Rody Cáceres*
odas as gavetas es-
tavam abertas. E
vazias. As lápides
caídas, os mausoléus arrombados,
a cidade em ruínas. Durante toda a
madrugada caminhou só, sem sons
de pássaros, ou carros. Nenhuma
perturbação. A paz estéril de um
mundo terminado.
Tinha uma pá deitada no
ombro, do tempo de coveiro, ainda
enlodada de sua última escavação.
Carregava a pá apenas para ter
com quem conversar. Ela não res-
pondia, ele também não esperava
uma resposta, acostumara-se a não
receber atenção das pessoas, pouco
esperava dos objetos. Mas não era
de todo ruim. A solidão tinha seus
benefícios: ninguém reprovaria
seus modos grosseiros, sua língua
torpe, seu gosto pelo regar das
árvores, sua flatulência volumosa e
seu hálito de pinga. E pinga sobra-
va. O estômago ardia de tanto ál-
cool: Omeprazol gratuito em todas
as farmácias!
Numa de suas bebedeiras,
acordou em um lugar novo, apa-
rentemente distante de onde esta-
va. A pinga e a pá desaparecidas,
as paredes do estômago derretidas
e não havia farmácia por perto. Na
sua frente, um obelisco de mais de
cinco metros de altura reluzia a luz
solar que quase lhe cegava. O bri-
lho vinha de uma placa de metal,
onde uma epígrafe, um nome e
uma data aturdiam os pensamentos
do errante. Aproximou-se e leu:
MONUMENTO ERGUIDO EM
HOMENAGEM AO ÚLTIMO
HOMEM DA TERRA, CONDE-
NADO A VIVER EM PAZ. A
data era a do seu aniversário, so-
mente o dia e o mês. Rodeou o
obelisco em busca de um sinal.
Gritava, ninguém respondia. Caiu
sobre os joelhos, deu com os pu-
nhos no chão e chorou. Chorou
como criança desesperada. Exaus-
to, não se aguentava sobre as per-
nas. Sentou na areia fofa e trouxe
os joelhos ao peito. Repousou o
queixo no cume da rótula. Não era
a pá que lhe sofria, muito menos a
pinga ou o estômago em final de
temporada. Não temia a solidão,
doce companheira de passeios pe-
las madrugadas. Não temia a mor-
te, sabia que não morreria. O in-
ferno do último homem, e de todos
os anteriores, era não saber quem o
havia mencionado.
Em tempos, a paz se trans-
mutou em um martírio interminá-
vel...
TT
*Escritor.
Publicou: Para onde foram os heróis?
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 26 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
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DDEE CCOORRPPOO PPRREESSEENNTTEE
Edinho da barca
No tempo
Em que Luiz Eurico desapareceu
Eu andava descalço na lua
Catando pedaços de poesia em meu coração,
Atravessava depressa a rua,
Mais um porta-estandarte na contramão;
Estranhava tua face, branca e nua,
Espantar-se com uma nova invenção.
No ano
Em que Luiz Eurico desapareceu
Uma granada explodiu em Berlim
Espalhando estilhaços de vela acesa,
A fome defendida em latim,
A fé traduzida num resto de pão sobre a mesa;
O mundo corre assim-assim
Pra não afugentar a sua presa.
No dia
Em que Luiz Eurico desapareceu
Não houve velório, discurso ou funeral,
Apenas uma dor que consome e alucina,
Não foi notícia em revista semanal,
Afinal cada um carrega a sua sina
Encantando a morte com a leveza habitual,
Arrepiando a pele com carícia clandestina.
De corpo presente
Um velho idioma, uma rara linguagem;
Se o corpo pressente
Ninguém doma, ele flutua: vira miragem.
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 28 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
VVEERRSSOOSS BBRRAANNDDOOSS
Jorge Pinho
Quero um instrumento
Desses que se assovia tipo flauta
Para tocar uma música nostálgica
Que me transporte ao “Um”,
O momento inicial.
E não me importa se a estrada
É de terra
Em meio a lavoura de trigo
E o trigo moído vire pão
Feito a mão
Nas mãos do padeiro.
Quero voltar ao início de tudo.
Quando os pais alimentavam
E amavam seus filhos,
Os homens protegiam seus lares,
As mulheres respeitavam seus corpos...
Escuta...
Escuta a chuva caindo...
Escuta o vento...
Ah! Eu não faço parte desta guerra,
Eu não sou soldado...
E Deus ?
Deus com isso!
—Te vira, meu filho!
Vocês criaram a modernidade,
O carro, a televisão, telefone,
Computador,
A Ferrari, o marketing,
A internet, o celular,
Tornaram-se escravos do poder que não tinham
E prisioneiros de vocês mesmo.
Eu quero voltar ao “Um”,
Ao primeiro momento inicial,
Onde os dias eram longos
E à noite
Dormia-se o sono dos justos.
Os amigos, ah! Os amigos
Eram como uvas, em cacho,
Sem sal,
Sem adubo,
Sem germicida,
Pesticida,
Se espremidos, eram sucos,
Se envelhecidos, eram vinhos,
Se vinagrados, conservavam
Os pimentões,
As azeitonas,
Cebolas...
Temperavam a carne e
O alimento dos amigos,
Dos amigos...
Escuta!
Eu não faço parte desta guerra,
Onde o “não”
Atinge só os fracos.
Os que estão no abismo
São os mais cruéis.
Esquecem os abandonados,
Marginalizam os esquecidos...
Pois que eu esqueça!...
Beijo virtual.
Abraços
Amores
Sexo
Tudo virtual
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 29 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
E as criancinhas, Edson?
Ração
Ração
Ração
De carne,
Com legumes
Cereais
Vitaminas
Cama, banho, tosa,
Hotel, academia e os Cambal.
Vida animal!
E as criancinhas, Edson?
Porque não fizeste nada
Com que fizeram com as criancinhas?
Certo!
Nada! Nada!
Só falasse, afinal
Esta guerra não é tua.
Não é minha também, não é?
Deve ser de outro qualquer,
É de ninguém...
Escuta...
Escuta a chuva caindo...
Sente o cheiro de café
Nesta manhã sombria.
Posso ouvir os gritos dos loucos
Soltos na rua,
Posso ouvir o silêncio
Dos livres, condenados a clausura.
(Panorama sócio-econômico, cultural, filosófico)
Da pedra do reino
Ou reino da pedra
Do crack...
Do Crack...
Eu quero voltar
Tudo do início.
Sentir o perfume do jasmim,
Sentir o sabor do mel,
Ver as cores da flor do maracujá.
Sentir na pele o pó
Que da areia levanta.
Sabe?
Quero colocar meu destino num brechó...
Não! Mundo de trapos e pulgas,
Não!
Vou colocar num bric a brac
Para que fique cheirando a mofo
E empoeirado
Num canto qualquer.
Eis aí, minha alma!
Alma maldita!
No covercash escondida!
E não me deixa voltar
Ao momento inicial
E começar do “Um”
Tudo de novo!
Recomeçar!
Recomeçar!
MALDITA !
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 30 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 31 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
OO PPOOSSSSÍÍVVEELL NNÃÃOO AALLCCAANNÇÇAADDOO
José Paulo Nobre (Inspirado numa frase de Robert Mallet, escritor francês)
É dor aguda carregar o sonho protelado,
acalentá-lo com essas liras do imedível...
carregá-lo tal qual o lado mais sensível
que há do lado de lá do nosso outro mundo...
É dor voraz percebê-lo, bem tangível,
mesmo na medida em que, ao ser sonhado,
deixe em nós apenas o esperar ionizado
que agoniza sem ir além de ser possível...
Ah, compreensão devastadora, terrível,
que não recupera meu sonho despedaçado
e nem concede razão ou fala ao indizível...
Constatação que só me faz inconformado:
o que mais desespera, não é o impossível,
porém, o possível que não foi alcançado...
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 32 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
RRUUMMOOSS
Lúcia Castillo
Que posso dizer da vida,
se esta vida me é incerta?
Se ando por todos os cantos
e em cada canto me desencanto?
Se encontro com um poeta
e ele diz que não estou certa?
Digo apenas que são rumos
que um dia me guiarão,
para a paz infinita
que encontro numa canção.
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 33 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
AA EESSTTRREELLAA DDAALLVVAA EE OO PPEEÃÃOO
Luiz Carlos Molina
O moço novo, campeiro
Sonhava com a Estrela Dalva,
A mais linda flor do pago,
Cheiro de rosa e orvalho
Que alma lhe acalentava.
A noite o moço mirava
O céu bordado de estrelas
E assobiava, cantava,
Apreciando o universo,
Pensando que o longe é perto,
Brincando de namorar.
Imaginava os detalhes
Do corpo, da formosura,
D’aquela bela figura,
De menina, de mulher
Que fazia nos seus sonhos
O pensamento trotear.
Era meados de setembro,
A pampa toda no cio,
A moça pra ele sorriu,
No confirmar da intenção,
E o peão se sentiu patrão
Nas asas do coração.
Se vestiu de joão-de-barro,
Pra o rancho levantar,
Pois tinha em sua consciência
Que aquele rincão da querência
Seria o palco perfeito
Pra Estrela Dalva brilhar
Do imaginário ao real,
De amor cheirando a mato,
Da vida que se costura
Que nem um pano de renda
No meu Rio Grande o altar.
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 34 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
MMOORRDDAAÇÇAA
Quintian
Tira esta mordaça,
Abre a tua boca,
Arranca do peito
O teu grito mais rouco
E lança sobre o Mundo
Um pensamento louco.
Arranca esta mordaça,
Usa a tua voz,
Abre o teu peito,
Ergue os teus braços
E canta,
Canta uma canção de amor.
Saca esta mordaça,
Pega um punhal bem afiado,
Corta, finas, sete tiras,
Trança uma corda grossa
E arranca, pelo pé, toda desgraça.
Mordaça!
Instrumento hediondo
– Maltrata –
Não corta,
Não perfura,
Não contunde,
Mas produz um veneno
Que confunde
E um silêncio
Que mata!
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DDIISSTTRRAAÍÍDDAA
Márcia Gomes
Meus pensamentos viajam.
Não faço mais nada.
Me pego distraída pensando em você.
Me vejo amarrada em pensamentos
presa ao relento.
Distraída deslizo em pedra de gelo.
Estou fervendo, derretendo, distraída.
Quero um gesto inocente,
mas distraída me pego indecente.
Escorre um desejo
imploro pelo teu corpo junto ao meu...
Te quero por inteiro.
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 36 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
QQUUAANNDDOO NNOOSS AAPPAAIIXXOONNAAMMOOSS
Lutiene Souza
Quando nos apaixonamos
Tudo parece um sonho
Sem querer nos iludimos
E ficamos fazendo planos
Para o futuro ao lado
de quem amamos
Quando nos apaixonamos
Tudo parece ser mágico
Um pequeno gesto, uma palavra,
Um simples “oi”, um elogio,
Ou até mesmo um olhar
Quando nos apaixonamos
Tudo parece tão perfeito
Não enxergamos maldade no outro
Anulamos todos os defeitos da pessoa amada
Pois, afinal, quem amamos
É muito perfeito a nossos olhos
Quando nos apaixonamos
Tudo parece ser eterno
Pois amar alguém faz bem
Acreditamos cegamente em quem amamos
E quando a ilusão acaba
Enxergamos o quanto vale o amor
E que decepção machuca
Mas é inevitável
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 37 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
MMIINNHHAA EESSCCOOLLAA
Caroline Sigalles Ferreira
Chego na escola
Encontro meus amigos,
Converso com eles,
Surgem muitos sorrisos.
Até que enfim!
Bateu o sinal
Entro para a sala de aula,
Uma falação para tudo quanto é lado!
Quase não dá
Para ter um aprendizado.
Logo, logo,
A professora já vem,
Falando com gritaria
Ninguém aprenderia.
Então, tudo se acalma
E vamos logo aprender
E até guardar na memória
Novas formas de escrever.
Mas, agora tenho uma notícia boa para dizer
Hoje tem aniversário
Da minha escola,
Com prazer!
Ela faz 76 anos
Tudo isso se passou
Estudando aqui,
Muita gente se formou!
Parabéns pra você!
Minha escola querida
Que a muitos anos,
É minha amiga!
Nas férias,
Tenho muita saudade,
Da minha escola querida,
Que me traz tanta felicidade!
Um dia,
Claro que vou me formar,
Mas da minha escola
Sempre vou lembrar! Aluna da 5ª série da Escola Sagrado Coração de Jesus/Pedro Osório-RS – 2012
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 38 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
AAMMOORR TTRRAANNSSCCEENNDDEE OO TTEEMMPPOO
Marcos Costa Filho
Célere, o tempo muda usos e costumes.
No momento são comuns os “ficares”.
Sabe-se lá o que pensar destes lumes,
se deste modo também há os “amares”?
E o amor que vezes brota com perfumes,
num curto tempo, mas perfumando ares,
até se firma não guardando queixumes,
e de repente, enlaça na vida jovens pares.
Amor antigo com respaldo no passado,
acha estranho, diferente o amor nascente,
dos tempos recentes, parece complicado.
Pensando bem, o que rola nesta corrente,
aflorando imediato fogo do ser apaixonado,
assemelha-se à brasa outrora adolescente.
Marcos Costa Filho e Claudiomiro Machado Ferreira na 38ª Feira do Livro do Cassino/RS
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 39 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 40 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
PPOORR QQUUEE AA RREEVVIISSTTAA BBRRAAVVOO!! AACCAA--
BBOOUU??
Armando Antenore
Abril S.A. divul-
gou hoje o fim da
revista BRAVO!
em todas as plataformas. A publi-
cação – uma das únicas no País
dedicada exclusivamente às artes,
onde trabalhei entre agosto de
2005 e julho de 2013, como editor-
sênior e redator-chefe – nasceu em
outubro de 1997. Estava, portanto,
à beira de completar 16 anos. Foi
criada numa pequena editora de
São Paulo, a D’Ávila, já extinta, e
migrou para o grupo Abril em ja-
neiro de 2004. Quando chegou à
seara dos Civita, desfrutava de
prestígio, mas padecia de má saúde
financeira. Não sei dizer quanto
dava de prejuízo à época. Só sei
que, na Abril, o quadro não se alte-
rou substancialmente, mesmo
quando o título adotou linha edito-
rial um pouco mais pop, um pouco
menos “cabeça” que a de origem.
Com todos os defeitos que
pudesse ter – e que realmente ti-
nha, à semelhança de qualquer
publicação –, BRAVO! não perdeu
o respeito do meio cultural. Havia
divergências de vários artistas e
intelectuais em relação à revista.
Os próprios jornalistas que passa-
ram pela redação nem sempre con-
cordavam 100% com a filosofia do
título, ditada obviamente pelos
donos. Uns o acusavam de conser-
vador, outros de elitista, superficial
ou condescendente demais. Mas
havia também muita gente boa que
gostava de nossas edições. O fato é
que mesmo os opositores jamais
recusaram sair nas páginas de
BRAVO!. Quem trabalhava para a
publicação raramente ouvia um
“não” quando fazia pedidos de
entrevista. Até Chico Buarque,
famoso por se expor pouquíssimo
na mídia, topou protagonizar uma
capa junto de Caetano Veloso
(deixou-se fotografar, mas não
abriu a boca, convém lembrar).
Todos, de um modo geral, reco-
nheciam que a publicação buscava
primar pela seriedade.
Mesmo assim, em termos
comerciais, BRAVO! nunca gerou
lucro – ao menos, não na Abril
(como disse, desconheço os núme-
ros da D’Ávila). A revista, embora
contasse com o apoio da Lei
Rouanet, operava no vermelho. Em
bom português, dava prejuízo – ora
de mihões, ora de milhares de re-
ais. Por quê? Vejamos:
1) BRAVO! dispunha de
poucos leitores? Sim e não. A re-
vista contava com cerca de 20 mil
assinantes e 8 mil compradores em
bancas e supermercados. Vinte e
oito mil pessoas, portanto, adquiri-
am a publicação mensalmente. Se
levarmos em conta os parâmetros
do mercado publicitário, cada
exemplar tinha, em média, quatro
leitores. Ou seja: uma edição atin-
gia algo como 112 mil pessoas. No
Facebook, a publicação contava
com 53.600 seguidores e, no Goo-
gle +, com 30.900. Eram índices
desprezíveis? Depende. Em com-
paração com revistas de massa, a
maioria editada pela própria Abril,
os números de BRAVO! nem che-
gavam a fazer cócegas. Mas, con-
siderando que o título se voltava
para um nicho relativamente restri-
to, o da cultura mais sofisticada, as
cifras não parecem tão ruins. Em
geral, BRAVO! falava sobre mani-
festações artísticas que, embora se
destacassem pela qualidade, não
atraíam público quantitativamente
significativo. A revista dedicava
quatro, seis, oito páginas para fil-
mes como Tabu, do português Mi-
guel Gomes, exposições como a
retrospectiva de Waldemar Cordei-
ro no Itaú Cultural, livros como O
Erotismo, de Georges Bataille,
peças como A Dama do Mar, de
Bob Wilson, e espetáculos de dan-
ça como Claraboia, de Morena
Nascimento. Procure saber quantas
pessoas viram tais filmes, mostras
e espetáculos ou leram tais livros.
Cinco mil, 10 mil, 20 mil? Como
BRAVO! poderia ter zilhões de
leitores se o universo que retratava
não tem zilhões de consumidores?
A publicação, por sua natureza,
enfrentava o mesmo problema que
amargam todos os artistas do País
dispostos a correr na contramão
dos blockbusters.
2) BRAVO! perdeu leitores
em papel com o avanço das mídias
digitais? Perdeu, seguindo uma
tendência internacional. A perda,
no entanto, não se revelou tão ex-
pressiva e ocorreu num ritmo me-
nor que o de muitos títulos.
3) Era mais caro imprimir a
BRAVO! do que outras revistas?
Sim, bem mais caro, por causa de
seu formato e de seu papel, ambos
incomuns no mercado.
4) BRAVO! tinha poucos
anúncios? Sim. Raramente, a pu-
blicação cumpria as metas da Abril
nesse quesito. O motivo? Falhas
internas à parte, os grandes anun-
ciantes costumam demonstrar pe-
queno interesse por títulos dedica-
dos à “alta cultura”. “O leitor de
revistas do gênero, sendo mais
crítico, tende a frear os impulsos
consumistas”, explicam os publici-
tários, nem sempre com essas pa-
lavras. Pela mesma razão, tantos
cantores, artistas visuais, produto-
res de teatro e bailarinos encon-
AA
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 41 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
tram sérias dificuldades para captar
patrocínio.
A soma de tais fatores tor-
nava BRAVO! deficitária. Ao lon-
go dos anos, tentaram-se diversas
medidas para estancar o sangra-
mento. O número de páginas da
revista diminuiu de 114 para 98; as
datas em que a publicação rodava
na gráfica da Abril se alteraram
algumas vezes com o intuito de
reduzir os custos de impressão (é
mais barato imprimir em certos
dias do mês que em outros); a re-
dação encolheu; os projetos gráfico
e editorial sofreram ajustes; cria-
ram-se ações de marketing pontu-
ais na esperança de aumentar a
receita publicitária. Cogitou-se,
inclusive,
mudar o papel e o formato de
BRAVO!. O publisher Roberto
Civita (1936-2013), porém, sempre
vetou a alteração. Acreditava que
fazê-la descaracterizaria em exces-
so a revista.
A Abril poderia ter insisti-
do um pouco mais? Pecou por não
descobrir jeitos inovadores de sus-
tentar a publicação? É difícil res-
ponder – em especial, a segunda
pergunta. A crise está instalada na
imprensa de todo o mundo. Gregos
e troianos dizem que a mídia tradi-
cional precisa se reinventar. Eu
também digo. Mas qual o caminho
das pedras? Não sei. No máximo,
posso arriscar uns palpites.
E seguir investigando, e seguir
apostando. O mesmo vale para os
empresários da comunicação.
Gostaria que a edição de
agosto não fosse a última de
BRAVO!. Entristeço-me com o
fim da publicação porque aprecio
muitíssimo a arte. Filmes, livros,
peças, músicas, instalações, pintu-
ras, balés e quadrinhos me ensina-
ram mais sobre viver do que a pró-
pria vivência. No entanto, não
bancarei o viúvo rancoroso. Não
lamentarei a baixa escolaridade do
brasileiro, o pragmatismo dos pu-
blicitários e dos patrões, o advento
da revolução digital. Tampouco
abdicarei de minhas res-
ponsabilidades frente aos
erros e acertos da revista.
Fiz e ainda faço parte do
complexo jogo em que a
mídia se insere. Procuro
encará-lo com amor,
senso crítico e serenida-
de. Nem sempre consi-
go, mas…
De resto, queria
agradecer tanto à Abril
quanto a todos os leito-
res e profissionais (ar-
tistas, editores, repór-
teres, críticos, ensaís-
tas, revisores, desig-
ners, ilustradores,
fotógrafos, assessores
de imprensa, execu-
tivos, vendedores,
secretárias, motoris-
tas e motoboys) que
tornaram possível
tão longa e ines-
quecível jornada.
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 42 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
PPAARRAA SSAALLTTAARR AAOOSS OOLLHHOOSS
Claudiomiro Machado Ferreira
a Idade da Pedra as
cavernas não eram
somente um local
de abrigo das intempéries e das
feras. Com o tempo apareceu quem
defenda que as figuras esculpidas
ou pintadas nas paredes são orien-
tações, como manuais de caça,
apesar de não haver consenso entre
os especialistas. Ao longo do de-
senvolvimento da escrita chega-
mos aos pergaminhos. Estes foram
guardados em rolos, dos quais
muitos se perderam e outros per-
maneceram vivos, sendo achados,
entre outros lugares, no Mar Mor-
to. Já na Idade Média, como era
demorado escrever um, os livros
eram caríssimos, um verdadeiro
artigo de luxo, e em universidades
chegaram a ser amarrados ou acor-
rentados para que não fossem dani-
ficados ou roubados. Uma das
grandes viradas na história do livro
aconteceu com Johannes Guten-
berg (1398-1468) e sua adaptação
da prensa que servia para produzir
vinhos, criando a prensa tipográfi-
ca. Isso permitiu a popularização
desse objeto tão cultuado por al-
gumas pessoas.
Mas para muitos os livros
não são objetos sagrados, que pre-
cisam de um altar ou de um ritual a
cada vez que são pegos para serem
lidos. Há pessoas que se envolvem
tremendamente com o conteúdo do
livro a ponto de marcar, riscar e até
despencar capas e páginas, para o
desespero de muitos bibliotecários.
Afinal, quem já não se apegou
tanto a um livro a ponto de sentir
saudades de certas personagens
depois de uma leitura? Quem não
dialogou, torceu ou odiou algumas
delas? Quem já não se imaginou
em alguma história que estava len-
do? O professor Francisco Valdo-
miro Lorenz (1872-1957) ficou tão
envolvido quando leu Zanoni
(1842/1930), de Edward Bulwer
Lytton (1803-1873), que se aven-
turou a escrever uma continuação.
Escreveu no seu prefácio que ao
concluir a tradução, uma extensa
melancolia apoderou-se dele. As
respostas às suas perguntas, num
instante de tranquila concentração
da sua mente, apresentaram-se aos
seus olhos espirituais em quadros e
visões. Nestes, ele reconheceu a
solução para os problemas que
havia analisado. O Filho de Zanoni
(1931), felizmente, é um livro tão
bom quanto a obra original.
Intervenções espirituais e
divinas à parte, como disse Tho-
mas Edison (1847-1931), muita
gente deve ter precisado transpirar
99% enquanto procurava a solução
para os seus trabalhos. Ou pelo
menos sacrificou muitas noites de
sono, e talvez litros de café, álcool
ou pacotes de tabaco. A propósito,
para muitos, estas são excelentes
companhias quando se escreve em
noites solitárias. Pelo menos essa é
a primeira imagem que se tem de
NN
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 43 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
Charles Bukowski (1920-1994) em
frente da sua máquina de escrever.
Mesmo assim, quando se
pensa no esforço que é preciso
empreender para escrever algo,
somos obrigados a concluir que
valeu à pena, principalmente
quando assistimos a filmes como
O Nome da Rosa (The Name of
the Rose, 1986), baseado no livro
homônimo de Umberto Eco (1932-
). O amor e empenho do frade
franciscano Guilherme de Basker-
ville em salvar uns poucos origi-
nais, de toda uma imensa bibliote-
ca de livros raros guardados na
torre que incendiou, demonstra
esse apego quase filial que perpas-
sa os séculos, mesmo hoje em dia
sendo mais fácil adquirir novos
exemplares do mesmo título. Outro
apego surpreendente aos livros
apresenta a personagem Nina, do
desenho animado A Menina que
Odiava Livros (The Girl Who Ha-
ted Books, 2006), adaptado da obra
da indiana Manjusha Pawagi
(1967- ). Depois que as persona-
gens saem dos livros, quando o
gato Max derruba uma pilha deles,
a única forma de voltarem é quan-
do ela lê o livro de cada um deles.
Assim ela se reconcilia com a lite-
ratura e com seus pais, que aparen-
temente amam mais os livros do
que à própria filha.
Não é só na literatura e nos
desenhos animados que as perso-
nagens deixam suas histórias. No
cinema, cada vez que Robin Willi-
ams (1951- ) joga uma etapa do
Jumanji (Jumanji, 1995), um mis-
terioso jogo de tabuleiro, uma par-
te da selva representada toma con-
ta da realidade. Depois de entrar
(literalmente) no jogo, passam-se
décadas até que duas crianças o
jogam de volta para o mundo real.
Assim eles concluem o jogo e tudo
volta ao normal. Tudo isso envolto
em muita aventura de qualidade
que proporciona bom humor.
Essa interação livro-
personagem/ficção-realidade não
fica só aí. No filme O Último Por-
tal (The Ninth Gate, 1999), o espe-
cialista em livros raros interpretado
por Johnny Depp (1963- ) recupera
todas as ilustrações espalhadas ao
longo de alguns exemplares do
livro intitulado Os Nove Portais do
Reino. Depois de concluída a sua
tarefa, e ajudado, não se sabe ao
certo se por um anjo ou demônio,
ele adentra o Nono Portal. Ponto
para Roman Polanski (1933- ), que
dirigiu o filme, para o autor espa-
nhol Arturo Pérez-Reverte (1951-),
que escreveu o livro original intitu-
lado El Club Dumas (1993), e para
os roteiristas, que o adaptaram.
Outros filmes como Cora-
ção de Tinta (Inkheart, 2008), com
Brendan Fraser (1968- ), Um Faz
de Conta que Acontece (Bedtime
Stories, 2008), com Adam Sandler
(1966- ), e Pagemaster - O Mestre
da Fantasia (Pagemaster, 1994),
com Macaulay Culkin (1980- ) e
Christopher Lloyd (1938- ), abor-
dam situações onde a ficção da
história invade a realidade das per-
sonagens, com aventura e humor.
Porém, quem quiser assistir um
filme mais sério pode apostar no
clássico Fahrenheit 451 (Fahre-
nheit 451, 1966), dirigido por
François Truffaut (1932-1984).
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Baseado na obra de Ray Bradbury
(1920-2012), num futuro assusta-
dor pelo controle que as pessoas
sofrem, ironicamente a tarefa dos
bombeiros é procurar e queimar
livros. A solução encontrada é de-
corar obras inteiras, fazendo com
que certas pessoas virem verdadei-
ros livros ambulantes. O embrião
da história foi o conto Bright Pho-
enix, iniciado em 1947 e publicado
em 1963. O conto foi reformulado
e transformado na novela The
Fireman, que foi publicada em
1951. Em sua estrutura mais co-
nhecida, Fahrenheit 451 foi publi-
cado em 1953.
Alguns acreditam que
Bradbury tentou mudar o futuro
alertando o que poderia vir a acon-
tecer. Algo parecido como teria
feito George Orwell (1903-1950)
quando escreveu 1984 (Nineteen
Eighty-Four, 1949). Muito diferen-
te destas é a atitude da personagem
de um dos episódios da série Além
da Imaginação (The Twilight Zone,
1980), que tenta mudar apenas a
sua vida. Uma bibliotecária desco-
bre que cada livro da biblioteca
onde trabalha é a vida de uma pes-
soa. Para poder escrever um ro-
mance ela encontra o seu livro e
tenta, a todo custo, modificar as
condições que a impedem de reali-
zar seu intento. Como cada altera-
ção que ela faz reflete na vida de
outras pessoas, à certa altura é ne-
cessária, novamente, uma interfe-
rência angelical para arrumar a
confusão gerada.
O certo é que nos dias de
hoje, em tempos de internet, de
manchetes de jornais e de revistas,
as leituras estão cada vez mais
rasas. Então, torna-se um excelente
exercício mergulhar na história, de
um livro ou de um filme adaptado,
como os citados aqui, e permitir
que ela salte das páginas onde fo-
ram escritas. Assim, permitiríamos
que o livro cumpra o seu objetivo,
simplesmente ser lido, ao invés de
ser adorado, cultuado e guardado.
Este, na verdade, é o desejo mais
ardente e secreto dos livros: que
aproveitemos a sua leitura.
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Giselda Leirner nasceu em São Paulo. Artista plástica e escritora, participou de vá-
rias mostras individuais e coletivas, no Brasil e no exterior. É bacharel em Filosofia
pela Universidade de São Paulo, com pós-graduação em Filosofia da Religião. Pu-
blicou A Filha de Kafka (contos, Massao Ono, 1999 e Gallimard, 2005), Nas Águas
do Mesmo Rio (romance, Ateliê, 2005), O Nono Mês (Ed. Perspectiva, 2008).
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 47 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
LLAABBOORRAATTÓÓRRIIOO DDEE EESSTTÍÍMMUULLOO ÀÀ
CCRRIIAATTIIVVIIDDAADDEE –– BBIIBBLLIIOOTTEERRAAPPIIAA
Giselda Leirner Fonte: Leitura, n.º 32, ano 32, Paulus, 2007.
heguei à bibliotera-
pia por meio de uma
experiência que tive
com jovens adolescentes, ginasiais
da periferia da cidade de São Pau-
lo. Naquela época eu não sabia da
existência de algo como cura pela
leitura. Nas aulas, empiricamente,
fui criando uma teoria, com resul-
tados surpreendentes.
Os jovens alunos se interes-
savam não só pela leitura dos tex-
tos em voz alta, como pela troca de
ideias que surgiam. Eu lhes permi-
tia interromper a leitura quando
quisessem, nem que fosse para
falar de algo que aparentemente
nem sempre tinha relação imediata
com a página ou o parágrafo lido.
Lembranças, associações,
comparações feitas com outras
leituras. Às vezes, surgiam revela-
ções pessoais, tais como o relato
de experiências vividas em suas
casas ou de problemas que aflora-
vam conforme surgiam em suas
mentes. Entusiasmados, passaram
a trazer poemas, contos, anotações
em páginas de diários elaborados
fora do horário de aula.
Quando fui obrigada a me
afastar, criei uma atividade equiva-
lente com um grupo de adultos
composto de psicanalistas, profes-
sores, teólogos. O resultado foi
igualmente rico em descobertas e
foram adicionadas as contribuições
de cada um para a interpretação do
livro lido em classe, o que não só
enriqueceu o conteúdo descoberto
na leitura, como ampliou a análise
sobre o tema escolhido. Foram
trabalhados textos de Faulkner e
Henry James.
Acreditando na ocorrência
do que Jung chamou de “sincroni-
cidade”, de que as coisas vão acon-
tecendo por alguma razão que a
própria razão desconhece, caiu em
minhas mãos o texto de um filóso-
fo contemporâneo francês, intitu-
lado Bibliotherapie. Investigando
sobre o assunto, pude verificar que
a palavra, mesmo desconhecida
nos dicionários franceses, não era
nova, e o método, muito semelhan-
te ao desenvolvido por mim, estava
sendo usado não só na França,
como na Alemanha e Estados Uni-
dos.
A “Biblioterapia” é com-
posta de dois termos de origem
grega e , livro e
terapia. Assim, a “biblioterapia” é
a cura pela leitura. Esta definição,
que parece simples, implica em um
conjunto de questões complexas,
tais como: “O que é um livro?”;
“O que é a leitura?”; “O que é uma
doença e que sentido dar à palavra
terapia?”; e “Será somente a cu-
ra?”.
Venho, cada vez mais, en-
riquecendo o meu trabalho, agora
busco criar diálogos entre As mil e
uma noites e Heráclito, entre Dom
Quixote e a Cabala, entre os contos
de Grimm e os do Rabino Nahman
de Braslav, entre Kafka e o Tal-
mud, entre Proust e Aristóteles,
Joyce e Ricoeur, Lévinas e o baal
Chem Tov, Freud e Philon de Ale-
xandria... Como se vê, com tal
conteúdo, não se trata de uma tera-
pia no sentido comum, pois esta-
mos lidando com textos literários e
desenvolvendo conhecimentos a
respeito dos livros analisados, en-
contrando significações que pre-
tendem nos trazer novas perspecti-
vas sobre o mundo e nós mesmos.
E esse caminho em direção ao au-
toconhecimento resgata o sentido
original de terapia: os primeiros
terapeutas eram os filósofos,
amantes da verdade mesmo que
essa possa ser uma utopia dogmá-
tica –, e do “amor à sabedoria”.
Freud, antes de utilizar a palavra
psicanálise, usava a expressão “tra-
tamento da alma”. Seguindo textos
bíblicos, poderíamos também dizer
que o visível é a voz tornada escri-
ta. Entender a voz da transcendên-
cia é passar pela materialidade
física do livro. Entender este “re-
encontro com o outro, portanto, se
dá no grupo de leitura de um texto
em voz alta na “companhia” dos
seus autores. Dizia Descartes: “A
leitura de todos os bons livros é
como uma conversação com as
pessoas mais honestas de séculos
passados que foram seus auto-
res”.
Existem bons livros, livros
quaisquer e maus livros. Entre os
bons existem os honestos, os inspi-
radores, os que comovem, os pro-
féticos edificantes. Mas em minha
linguagem existe uma outra cate-
goria, aquela dos livros-há! Os
livros-há! São aqueles que deter-
minam na consciência do leitor
uma mudança profunda. Eles dila-
tam uma sensibilidade de maneira
tal que faz ver os objetos os mais
familiares, como se fossem obser-
vados pela primeira vez. Os livros-
há! galvanizam. Eles atingem o
centro nervoso do ser, e o leitor
recebe um choque quase físico.
Um estremecimento de excitação o
percorre da cabeça aos pés.
Vernon Proxton
CC
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 48 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
(Sua biblioteca precisa de você.)
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 49 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
DDIINNHHEEIIRROO PPAARRAA BBIIBBLLIIOOTTEECCAASS
Gaúcho publica em revista de Universidade de São Paulo trabalho que ajudará
bibliotecas públicas de todo o País a ter recursos financeiros próprios.
Lídio Lima
er crescido em volta
dos livros e ver a
precariedade da bi-
blioteca pública de seu município
natal, Pedro Osório, fez com que
Claudiomiro Machado Ferreira
procurasse uma forma para que as
bibliotecas públicas pudessem ter a
sua independência financeira.
Paciência e determinação
são duas características desse as-
sessor e consultor de direitos auto-
rias e registro de obras literárias,
não fosse assim teria desistido há
muito tempo, pois do seu Estado
teve muito pouco espaço para di-
vulgar seu trabalho. A força para
continuar veio das redes sociais e
sites de compartilhamento. Come-
çou publicando em seu próprio
blog e nunca desistiu de enviar
para todo órgão ou instituição afim
com o objeto do texto. De nenhum
deles obteve retorno. A surpresa
veio do Blog do Galeno, antes
mesmo de saber que Galeno Amo-
rim é o atual presidente da Biblio-
teca Nacional, instituição que ad-
mira e sonha um dia conhecer, pois
como ele mesmo diz: “Ela tem
tudo a ver com meu trabalho”.
Para seus clientes ele é taxativo na
questão do registro no órgão e do
uso da ficha catalográfica. Aspec-
tos que, segundo ele, são funda-
mentais para, perante a lei, que um
livro seja considerado como tal.
Mas se engana quem pensa
que esse envolvimento com os
livros é recente. Desde cedo Clau-
diomiro viu-se envolvido por eles.
De pequeno foi com a leitura.
Mesmo afastando-se um pouco na
adolescência, nunca os abandonou
de vez. Já na fase adulta se viu
mais envolvido que nunca. Partici-
pou de campanhas para revitaliza-
ção da Biblioteca Municipal de
Pedro Osório e da criação da Bi-
blioteca de Cerrito, sendo que des-
ta recebeu uma homenagem. Certa
vez precisou de uma autorização
especial do Secretário de Cultura
de Pedro Osório para que pudesse
frequentar a biblioteca à noite.
Todavia, justamente pelo fato de
estar tão ligado à batalha das bibli-
otecas por sobrevivência e por
perceber que a luta é individual ou,
no máximo, de um pequeno grupo
de amantes da leitura que ele co-
meçou a pensar em uma forma das
bibliotecas poderem suprir as suas
próprias necessidades sem ter de
contar apenas com doações, com a
boa vontade de seus frequentado-
res e apoio esporádico de sua man-
tenedora.
Parte do problema começou
a ser resolvido quando teve conhe-
cimento da lei federal nº10.753, de
2003, mais conhecida como “Lei
do Livro”. O artigo 16 prevê que
os municípios consignarão em seus
respectivos orçamentos verbas às
bibliotecas para a sua manutenção
e aquisição de livros. Essa foi a
porta de entrada, o começo do ca-
minho por onde toda a elaboração
do trabalho seria executada. Co-
meçada a pesquisa a primeira
constatação foi que a lei é muito
difundida na sua íntegra, mas o
entendimento dela mesma é algo
raro e fragmentado, mesmo por
profissionais das áreas do Direito,
Biblioteconomia e Administração.
A todos esses profissionais Clau-
diomiro procurou, mas teve pouco
sucesso. Ajuda imprescindível teve
do contador aposentado que traba-
lhou na Prefeitura de São José do
Norte, onde trabalha desde 2008.
Justamente essa convivência com o
poder público municipal e sua ro-
tina, aliadas com sua persistência,
dedicação e estudo fez com que ele
concluísse o trabalho. Lendo livros
de direito administrativo, enten-
dendo como funciona a tramitação
de processos e até mesmo com
conversas com o Ministério Públi-
co, de onde teve a informação de
que até então, ninguém havia ques-
tionado este aspecto da lei, o texto
foi finalizado.
O primeiro contato com a
Revista Digital de Biblioteconomia
e Ciência da Informação foi feito
em março de 2011. Desde então o
trabalho passou por avaliações,
modificações e adequações para
poder ser publicado. A revista é
uma publicação oficial de divulga-
ção do Sistema de Bibliotecas da
Universidade Estadual de Campi-
nas - UNICAMP, e tem avaliação
B3, nacional, pela Qualis/Capes. A
íntegra do trabalho pode ser aces-
sada e lida no endereço
http://www.sbu.unicamp.br/seer/oj
s/index.php/sbu_rci na Seção Notí-
cias e Informação.
“O reconhecimento por
parte de uma Universidade é uma
grande conquista, mas é apenas
mais uma das etapas desse projeto.
Meu objetivo de conscientizar con-
tinua. Só começarei a ficar satisfei-
to quando as bibliotecas aplicarem
os procedimentos e começarem a
receber o que é seu por lei”, con-
clui.
TT
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 50 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
AA PPAAIIXXÃÃOO DDEE JJOOAANNAA DD’’AARRCC,, DDEE
CCAARRLL TTHHEEOODDOORR DDRREEYYEERR
Matheus Magalhães da Silva
arl Dreyer foi um
cineasta dinamar-
quês. Morto em
1968, Dreyer conseguiu, dentre 14
obras, ganhar o encômio de um
dos melhores diretores de todos os
tempos. Também pudera; é dele
“A Paixão de Joana D’arc”, um
dos mais importante filmes de to-
dos os tempos. Apesar de alguns
êxitos prévios como “Michael”, o
corajoso longa que levou o tema
do homossexualismo para as telas
em 1924, foi com Jeanne D’arc
que o diretor tomou o mundo de
assalto, baseado nos papéis origi-
nais do julgamento da adolescente
francesa que foi canonizada na
época em que a obra foi lançada.
Apesar da amálgama de
sentimentos presente na história do
julgamento da mártir francesa, o
grande êxito de Dreyer veio da
criação de uma linguagem tão pu-
ramente cinematográfica. Apesar
de mudo, o filme conta com pou-
cos intertítulos – as telas com os
diálogos comuns à natureza desta
era do cinema. Seu grande valor é
estético e está inebriado na perfo-
mance definitiva de Maria Falco-
netti, representando a sofrida Jean-
ne com uma pletora de expressões
e lágrimas, muito bem documenta-
das pelos closes do mestre dina-
marquês. Abrilhanta o elenco a
presença do dramaturgo Antonin
Artaud, homem inquieto que pro-
pôs uma revolução em seu meio
com o Teatro da Crueldade.
Filmado em apenas dois
cenários, Jeanne D’arc não estiliza
o julgamento, o cerne do roteiro. A
estética das locações é acurada,
fruto de estudos do diretor e sua
equipe. Apesar de caros, Dreyer
não fez questão de exibi-los, uma
vez que o calvário de Falconetti e a
fúria dos juízes católicos são a
força motriz do roteiro. Ainda em
uma análise técnica, o misé en
sceneé próximo à perfeição, sendo
corajosamente empurrado em dire-
ção à vanguarda, com enquadra-
mentos onde a câmera fica abaixo
dos personagens, capturando-os
com semblantes ameaçadores ou,
CC
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 51 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
no caso de Jeanne, sempre de ma-
neira cândida mas irreprímivel
através dos closes fechados em seu
rosto.
Para enteder a importância
do cinema de Dreyer, é preciso
situar-se historicamente: fazia ape-
na três anos que Sergei Einsenstein
havia lançado O Encouraçado Po-
temkin, com a inacreditável e desa-
fiadora sequência da escadaria de
Odessa. Este desafio aos limites
técnicos do cinema ainda estava
em sua infância quando Dreyer
utilizou-os para efeitos dramáticos
em Jeanne D’arc. A perspectiva de
um cinema que fugisse das con-
venções do teatro e passasse a ver
na câmera um instrumento estético
em si era subversiva e totalmente
longínqua. Desta forma, o cinema
que utilizava a imagem como ins-
trumento narrativo e não apenas
como meio foi obra de Dreyer e
seu filme.
O diretor flertou com o
cristianismo na totalidade de sua
obra. Apesar de não se interessar
pela ortodoxia católica, assim co-
mo Roberto Rossellini e boa parte
do neorrealismo italiano – formado
por seus admiradores – Dreyer via
no misticismo um elemento narra-
tivo de contato com a alma de seus
personagens, bem como um catali-
zador da moral em seus roteiros.
Em sua outra obra-prima “Ordet”
(A Palavra), ele novamente traba-
lha com valores transcendentais
aos do formalismo católico, atra-
vés de um personagem que passa
boa parte da trama sendo julgado
como insano mas, ao fim, revela-se
um emissário de Cristo, detentor
do poder de conceder o milagre da
ressurreição. A impossibilidade da
crença no místico e sobrenatural
por parte dos cristãos modernos
devido à consonância aos valores e
métodos empíricos da ciência, é o
esteio para que Dreyer trabalhe a
questão da fé em seu magnum
opus, um dos mais belos filmes
que já tive o prazer de assistir.
A moral dos juízes em Je-
anne D’arcé outro ponto interes-
sante da trama. Em filmes como
The Devils, de Ken Russel, o ma-
gistrado católico é corrupto e já
possui o veredito antes mesmo de
julgar o réu. Neste filme, apesar do
ceticismo e hostilidade, os juízes
sentem condolência e se constra-
gem em penalizar a jovem. Suas
súplicas para que ela renuncie ao
herético discurso de ser uma envi-
ada de Deus para expulsar os in-
gleses da França são rechaçadas
pela fé irrestrita de Jeanne. Como
Cristo, ela enfrenta seu momento
de dúvida e se diz confundida pela
ação do Diabo com o fim de evitar
sua incineração para, logo em se-
guida, em uma epifania, descobrir
em júbilo que o martírio era o des-
tino que Deus quis para finalizar
sua curta jornada.
Para encerrar, deixo as pa-
lavras de Luis Buñuel que escre-
veu um artigo sobre o filme na
época do lançamento. Para con-
cluí-lo, o lendário diretor espanhol
encapsula o sentimento que a téc-
nica de Dreyer tão bem representa
em sua obra: “Nós assistimos, uma
a uma, suas pequenas lágrimas,
que rolaram sobre nós. Uma lágri-
ma sem cheiro – insípida – uma
gota da mais pura primavera”.
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 52 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
Sylvester Stallone
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 53 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
UUMMAA DDAASS HHIISSTTÓÓRRIIAASS MMAAIISS TTRRIISSTTEESS
NNOOSS BBAASSTTIIDDOORREESS DDEE HHOOLLLLYYWWOOOODD
Tiago Stechinni
eu nome é Sylvester
Stallone. Um lutador
em todos os sentidos
da palavra. Nasceu com uma para-
lisia facial, o que lhe rendeu apeli-
dos e bullying na infância. Em um
ponto de sua vida estava tão pobre
que roubou as poucas jóias que sua
mulher tinha e as vendeu. As coi-
sas ficaram tão ruins que ele aca-
bou morando na rua. Sim, ele dor-
miu na estação de ônibus de Nova
York por 3 dias. Incapaz de pagar
aluguel ou comprar comida. O
fundo do poço chegou quando ele
teve de vender seu cachorro em
uma loja de bebidas para um estra-
nho qualquer, pois não tinha di-
nheiro para alimentá-lo mais. Ele o
vendeu por $25, entregou seu ca-
chorro e saiu chorando.
Duas semanas depois ele
viu uma luta de boxe entre Mo-
hammed Ali e Chuck Wepner e
essa luta o inspirou a escrever o
roteiro de ROCKY. Ele escreveu o
roteiro durante 20 horas seguidas!
Tentou vendê-lo e recebeu a oferta
de $125,000, mas tinha apenas UM
PEDIDO. Ele queria ESTRELAR
no filme como o personagem prin-
cipal ROCKY, mas o estúdio disse
NÃO. Eles queriam uma “estrela”
de verdade.
Disseram que ele “tinha um
rosto engraçado e falava engraça-
do”. Ele saiu com seu roteiro. De-
pois de algumas semanas o estúdio
o ofereceu $250,000, ele recusou,
então ofereceram $350,000, e ele
ainda recusou. Queriam o seu fil-
me mas não o queriam. Ele disse
NÃO! “Eu tenho que estar nesse
filme”.
Depois de um tempo o es-
túdio concordou em lhe dar
$35,000 pelo roteiro e o deixaram
estrelar o filme. O resto entrou
para a história do cinema. O filme
GANHOU prêmios de MELHOR
FILME, MELHOR DIREÇÃO,
MELHOR EDIÇÃO e o prestigio-
so OSCAR de MELHOR FILME.
Ele ainda foi nomeado como ME-
LHOR ATOR! O filme ROCKY
entrou para o s registros america-
nos da indústria de cinema como
um dos maiores filmes até então
feitos.
E você sabe a primeira coi-
sa que ele fez com os $35,000?
COMPROU DE VOLTA O
CACHORRO QUE HAVIA
VENDIDO. Ficou parado na loja
por 3 dias até que o homem voltas-
se com seu cachorro. O homem se
recusou a vendê-lo mesmo por
$100, Stallone então ofereceu
$500, ele recusou. Ele então ofere-
ceu $1.000. Acredite ou não
Stallone teve de pagar $15.000
pelo mesmo cachorro que ele ven-
dera por $25.
O mesmo Stallone que mo-
rou na rua, que vendeu seu cachor-
ro, pois não podia alimentá-lo, é
um dos maiores ícones do cinema
mundial hoje.
SS
Não ter dinheiro é ruim, MUITO RUIM. A vida não será fácil. Oportunidades passarão por você ser
um ninguém. Pessoas vão querer seu produto e não VOCÊ. É um mundo cruel. Se você ainda não é famoso,
ou rico, ou bem conectado você vai achar ainda mais difícil. Portas se fecharão . Pessoas roubarão sua glória
e esmagarão sua esperança. Você vai se esforçar, se esforçar e nada acontecerá. Então desolado, quebrado,
pobre, você aceitará trabalhos que não o completam por sobrevivência. Quem sabe pode até acabar dormin-
do na rua. Mas NUNCA deixem que destruam seu sonho. Seja o que for que aconteça CONTINUE SONHAN-
DO, mesmo quando esmagarem sua esperança CONTINUE SONHANDO, mesmo quando te deixarem sozinho
CONTINUE SONHANDO. Ninguém sabe do que você é capaz a não ser você mesmo. Enquanto você estiver
vivo, a sua história ainda não acabou.
Sylvester Stallone
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JJUUSSTTIIÇÇAA UUSSAA CCÓÓDDIIGGOO PPEENNAALL PPAARRAA
CCOOMMBBAATTEERR CCRRIIMMEE VVIIRRTTUUAALL
Coordenadoria de Editoria e Imprensa
rimes contra a honra
(injúria, calúnia e
difamação), furtos,
extorsão, ameaças, violação de
direitos autorais, pedofilia, estelio-
nato, fraudes com cartão de crédi-
to, desvio de dinheiro de contas
bancárias. A lista de crimes come-
tidos por meio eletrônico é extensa
e sua prática tem aumentado geo-
metricamente com a universaliza-
ção da internet. Levantamento
realizado por especialistas em Di-
reito da internet mostra que atual-
mente (23/11/2008) existem mais
de 17 mil decisões judiciais envol-
vendo problemas virtuais; em 2002
eram apenas 400.
A internet ainda é tida por
muitos como um território livre,
sem lei e sem punição. Mas a rea-
lidade não é bem assim: diaria-
mente, o Judiciário vem coibindo a
sensação de impunidade que reina
no ambiente virtual e combatendo
a criminalidade cibernética com a
aplicação do Código Penal, do
Código Civil e de legislações es-
pecíficas como a Lei nº9.296 – que
trata das interceptações de comu-
nicação em sistemas de telefonia,
informática e telemática – e a Lei
nº9.609 – que dispõe sobre a pro-
teção da propriedade intelectual de
programas de computador.
Na ausência de uma legis-
lação específica para crimes ele-
trônicos, os tribunais brasileiros
estão enfrentando e punindo inter-
nautas, crakers e hackers que utili-
zam a rede mundial de computado-
res como instrumento para a práti-
ca de crimes. Grande parte dos
magistrados, advogados e consul-
tores jurídicos considera que cerca
de 95% dos delitos cometidos ele-
tronicamente já estão tipificados
no Código Penal brasileiro por
caracterizar crimes comuns prati-
cados por meio da internet. Os
outros 5% para os quais faltaria
enquadramento jurídico abrangem
transgressões que só existem no
mundo virtual, como a distribuição
de vírus eletrônico, cavalos-de-
tróia e worm (verme, em portu-
guês).
Para essa maioria, a inter-
net não é um campo novo de atua-
ção, mas apenas um novo caminho
para a realização de delitos já pra-
ticados no mundo real, bastando
apenas que as leis sejam adaptadas
para os crimes eletrônicos. E é isso
que a Justiça vem fazendo. Adap-
tando e empregando vários dispo-
sitivos do Código Penal no comba-
te ao crime digital.
E a lista também é extensa:
insultar a honra de alguém (calúnia
– artigo138), espalhar boatos ele-
trônicos sobre pessoas (difamação
– artigo 139), insultar pessoas con-
siderando suas características ou
utilizar apelidos grosseiros (injúria
– artigo 140), ameaçar alguém
(ameaça – artigo 147), utilizar da-
dos da conta bancária de outrem
para desvio ou saque de dinheiro
(furto – artigo 155), comentar, em
chats, e-mails e outros, de forma
negativa, sobre raças, religiões e
etnias (preconceito ou discrimina-
ção – artigo 20 da Lei nº7.716/89),
enviar, trocar fotos de crianças
nuas (pedofilia – artigo 247 da Lei
nº8.069/90, o Estatuto da Criança e
do Adolescente – ECA).
No caso das legislações es-
pecíficas, as mais aplicadas são as
seguintes: usar logomarca de em-
presa sem autorização do titular,
no todo ou em parte, ou imitá-la de
modo que possa induzir à confusão
(crime contra a propriedade indus-
trial – artigo 195 da Lei
nº9.279/96), monitoramento não
avisado previamente (interceptação
de comunicações de informática –
artigo 10 da Lei nº9.296/96) e usar
cópia de software sem licença
(crimes contra software “Pirataria”
– artigo 12 da Lei nº9.609/98).
CC
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Consolidando dispositivos
O STJ, como guardião e
uniformizador da legislação infra-
constitucional, vem consolidando a
aplicação desses dispositivos em
diversos julgados. Nos casos de
pedofilia, por exemplo, o STJ já
firmou o entendimento de que os
crimes de pedofilia e divulgação
de pornografia infantil por meios
eletrônicos estão descritos no arti-
go 241 da Lei nº8.069/90 (apresen-
tar, produzir, vender, fornecer,
divulgar ou publicar, por qualquer
meio de comunicação, inclusive
pela rede mundial de computado-
res ou internet, fotografias ou ima-
gens com pornografia ou cenas de
sexo explícito envolvendo criança
ou adolescente), e previstos em
convenção internacional da qual o
Brasil é signatário.
Mais do que isso: a Corte
concluiu que, por si só, o envio de
fotos pornográficas pela internet
(e-mail) já constitui crime. Com
base no artigo 241 do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA),
os ministros da Quinta Turma do
STJ cassaram um habeas-corpus
concedido pelo Tribunal de Justiça
do Estado do Rio de Janeiro (TJ-
RJ) que determinava o trancamen-
to de uma ação penal sob o argu-
mento de que o ECA definiria co-
mo crime apenas a “publicação” –
e não a mera “divulgação” – de
imagens de sexo explícito ou por-
nográficas de crianças ou adoles-
centes.
Em outro caso julgado, a
Turma manteve a condenação de
um publicitário que participou e
filmou cenas eróticas envolvendo
crianças e adolescentes. Ele foi
denunciado pelo Ministério Públi-
co de Rondônia com base no artigo
241 do ECA, nos artigos 71 e 29
do Código Penal (crime continua-
do e em concurso de agentes) e por
corrupção de menores (Lei
nº2.252/54: constitui crime, punido
com a pena de reclusão de um a
quatro anos e multa, corromper ou
facilitar a corrupção de pessoa
menor de 18 anos, com ela prati-
cando, infração penal ou induzin-
do-a a praticá-la).
Os casos de furto e estelio-
nato virtual também já foram devi-
damente enquadrados pela Corte.
A Terceira Seção do STJ consoli-
dou o entendimento de que a apro-
priação de valores de conta-
corrente mediante transferência
bancária fraudulenta via internet
sem o consentimento do correntista
configura furto qualificado por
fraude, pois, nesse caso, a fraude é
utilizada para burlar o sistema de
proteção e vigilância do banco
sobre os valores mantidos sob sua
guarda. Também decidiu que a
competência para julgar esse tipo
de crime é do juízo do local da
consumação do delito de furto, que
se dá no local onde o bem é subtra-
ído da vítima.
Em outra decisão, relatada
pelo ministro Felix Fischer, a
Quinta Turma do STJ definiu cla-
ramente que, mesmo no ambiente
virtual, o furto – “subtrair, para si
ou para outrem, coisa alheia mó-
vel” (artigo 155 do Código Penal)
– mediante fraude não se confunde
com o estelionato – “obter, para si
ou para outrem, vantagem ilícita,
em prejuízo alheio, induzindo ou
mantendo alguém em erro, medi-
ante artifício, ardil, ou qualquer
outro meio fraudulento” (artigo
171 do Código Penal) – já que no
furto a fraude é utilizada para bur-
lar a vigilância da vítima e, no es-
telionato, o objetivo é obter con-
sentimento da vítima e iludi-la
para que entregue voluntariamente
o bem.
Crimes contra a honra
Em uma ação envolvendo
os chamados crimes contra a honra
praticados pela internet, o desem-
bargador convocado Carlos Fer-
nando Mathias de Souza manteve a
decisão da Justiça gaúcha que con-
denou um homem a pagar à ex-
namorada indenização por danos
morais no valor de R$ 30 mil por
ter divulgado, pela internet, men-
sagens chamando-a de garota de
programa. No recurso julgado, a
ex-namorada alegou que, após a
falsa publicação de e-mails com
seus dados pessoais junto com uma
fotografia de mulher em posições
eróticas, ela passou pelo constran-
gimento de receber convites por
telefone para fazer programas se-
xuais.
Em outro julgado, a Quarta
Turma do STJ determinou que o
site Yahoo! Brasil retirasse do ar
página com conteúdo inverídico
sobre uma mulher que ofereceria
programas sexuais. A empresa
alegou que o site citado foi criado
por um usuário com a utilização de
um serviço oferecido pela contro-
ladora americana Yahoo! Inc., por-
tanto caberia a essa empresa o
cumprimento da determinação
judicial.
Em seu voto, o relator do
processo, ministro Fernando Gon-
çalves, sustentou que a Yahoo!
Brasil pertence ao mesmo grupo
econômico e apresenta-se aos con-
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 56 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
sumidores utilizando a mesma lo-
gomarca da empresa americana e,
ao acessar o endereço trazido nas
razões do recurso como sendo da
Yahoo! Inc. – www.yahoo.com –,
abre-se, na realidade, a página da
Yahoo! Brasil. Diante desses fatos,
o ministro conclui que o consumi-
dor não distingue com clareza as
divisas entre a empresa americana
e sua correspondente nacional.
A Terceira Turma decidiu
que ação de indenização por danos
morais pode ser ajuizada em nome
do proprietário de empresa vítima
de mensagens difamatórias em
comunidades do site de relaciona-
mentos Orkut. O tribunal conside-
rou legítima a ação proposta por
um empresário de Minas Gerais
contra duas pessoas que teriam
difamado o seu negócio de criação
de avestruzes, causando-lhe sérios
prejuízos. Segundo a relatora, mi-
nistra Nancy Andrighi, as mensa-
gens divulgadas na internet não
foram ofensivas somente ao em-
presário e a seu filho, mas também
ao seu comércio de aves.
Atrás das grades
Aplicando os dispositivos
do Código Penal, o STJ vem ne-
gando habeas-corpus a acusados e
condenados por diversas modali-
dades de crimes eletrônicos. Entre
vários casos julgados, a Corte
manteve a prisão do hacker Otávio
Oliveira Bandetini, condenado a
10 anos e 11 meses de reclusão por
retirar irregularmente cerca de R$
2 milhões de contas bancárias de
terceiros via internet; negou o re-
laxamento da prisão preventiva de
um tatuador denunciado por divul-
gar fotos pornográficas de crianças
e adolescentes na internet; de um
acusado preso em operação da
Polícia Federal por participar de
um esquema de furto de contas
bancárias; de um hacker preso
pelos crimes de furto mediante
fraude, formação de quadrilha,
violação de sigilo bancário e inter-
ceptação telemática ilegal; e de um
técnico em informática de Santa
Catarina acusado de manipular e-
mails para incriminar colegas de
trabalho.
O Tribunal também enfren-
tou a questão da ausência de fron-
teira física no chamado ciberespa-
ço ao entender que, se o crime tem
efeitos em território nacional, de-
ve-se aplicar a lei brasileira. No
caso julgado, um acusado de pedo-
filia alegou que as fotos pornográ-
ficas envolvendo crianças e ado-
lescentes foram obtidas no sítio da
internet do Kazaa, um programa
internacional de armazenamento e
compartilhamento de arquivos
eletrônicos sediado fora do Brasil.
A Corte entendeu que, como o
resultado e a execução ocorreram
em território nacional, o fato de os
arquivos terem sido obtidos no
Kazaa, com sede no estrangeiro,
seria irrelevante para a ação.
O Poder Legislativo ainda
não concluiu a votação do projeto
de lei que visa adequar a legislação
brasileira aos crimes cometidos na
internet e punir de forma mais rí-
gida essas irregularidades. O proje-
to, que já foi aprovado pelo Sena-
do, define os crimes na internet,
amplia as penas para os infratores
e determina que os provedores
armazenem os dados de conexão
de seus usuários por até três anos,
entre outros pontos.
Enquanto a lei que vai tipi-
ficar a prática de crimes como
phishing (roubo de senhas), porno-
grafia infantil, calúnia e difamação
via web, clonagem de cartões de
banco e celulares, difusão de vírus
e invasão de sites não é aprovada
no Congresso Nacional, o Poder
Judiciário continuará enquadrando
os criminosos virtuais nas leis vi-
gentes no mundo real, adaptando-
as à realidade dos crimes cometi-
dos na internet.
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 57 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
OO DDOOWWNNLLOOAADD DDEE LLIIVVRROOSS
Claudiomiro Machado Ferreira
e tempos em tem-
pos precisamos nos
deparar com a rea-
lidade, mesmo que ela seja virtual.
Um fato do qual não podemos fu-
gir é o de milhares de sites dispo-
nibilizarem no mundo virtual li-
vros digitados ou digitalizados.
Vários deles o fazem gratuitamen-
te, mas também há os que cobram
pelo download. Direta ou indire-
tamente essa prática atinge de for-
ma negativa a todos. Os mais pre-
judicados acabam sendo as edito-
ras e os autores. Não há como ne-
gar: todo site que libera, para
download, livros sem autorização
dos detentores dos direitos patri-
moniais comete um ato ilícito, ou
seja, uma ação contrária à lei e que
resulta dano a outrem.
Um grande esforço para
combater a prática do download
ilegal tem sido feito pela Associa-
ção Brasileira dos Direitos Repro-
gráficos, ABDR. Segundo o site
Aristoteles Atheniense Advogados,
só em 2010, no mês de fevereiro,
foram localizados 2.203 links que
ofereciam download ilegal de li-
vros na internet. Destes, 2.151
foram retirados do ar depois de
serem detectados pela entidade. De
todos os links registrados no mês,
2.144 foram localizados após bus-
cas da ABDR, outros 59 foram
denunciados.
Desde que começou a fisca-
lização em agosto de 2009, setem-
bro de 2010 havia sido o mês re-
corde, com 3.914 links detectados.
De janeiro a junho de 2010, 24.365
mil sites para download ilegal de
livros no Brasil foram identifica-
dos, com 92,4% deles (22.524 mil)
sendo removidos. Esta ação resul-
tou da campanha Combate à Pira-
taria Digital, que teve seu próprio
departamento instalado na segunda
metade de 2009, resultado de uma
parceria entre a ABDR e o Sindi-
cato Nacional dos Editores de Li-
vros, SNEL.
Uma das alegações de
quem defende a disponibilização e
o download de livros na internet se
baseia em uma corrente que advém
dos Estados Socialistas, que adota-
ram a ideia de que o Direito Auto-
ral era um direito da coletividade.
Se nenhuma criação é em verdade
original e sofre ou sofreu alguma
influência, então, o resultado da
criação deveria pertencer ao meio,
ou seja, à coletividade. Sendo de
todos, deveria retornar a todos.
Esse conceito foi reavivado
e tem em Lawrence Lessig, criador
das licenças Creative Commons,
seu maior expoente na atualidade.
Já a Cultura Livre é um movimen-
to social que se baseia na liberdade
de distribuir, modificar trabalhos e
obras criativas. No Brasil a Cultu-
ra Livre tem como seu difusor a
Fundação Getúlio Vargas, FGV.
Creative Commons, por sua vez, é
uma organização não governamen-
tal sem fins lucrativos voltada a
expandir a quantidade de obras
criativas disponíveis, através de
licenças que permitem a cópia e
compartilhamento com menos res-
trições.
Os mais sinceros apenas di-
zem que não querem pagar e que
não estão nem aí para os autores
ou editoras. Querem apenas ter
acesso e ler. Não se importam com
os aspectos que envolvem a produ-
ção literária como um todo. Infe-
lizmente muitos têm distorcido os
conceitos de Lessig e do movimen-
to Cultura livre para seus propósi-
tos.
Desses aspectos que envol-
vem a produção literária podemos
citar os esforços dos autores em
pesquisar e produzir, os custos das
gráficas, das editoras e das distri-
buidoras e os ganhos (lícitos) ad-
vindos da venda dos livros. Ga-
nhos estes que em vários casos são
usados para custear ações assisten-
ciais, como é o caso de várias insti-
tuições espíritas que sobrevivem
dos direitos patrimoniais de livros
cujos direitos foram a elas doados.
Uma destas instituições é o Grupo
Espírita Emmanuel, GEEM, que de
tão prejudicada por downloads
ilegais de seus livros, obrigou-se a
divulgar um Comunicado cujo
título é Violação de Direitos Auto-
rais, onde lamenta o ocorrido, des-
creve as dificuldades de manter
sua produção e chama a atenção
para o uso que faz dos recursos das
obras que edita.
Analisando a questão do
GEEM, o Prof. Jáder Sampaio
levantou importantes considera-
ções sobre a disponibilização e
download de livros espíritas em
particular e que se aplicam a livros
em geral. Em seu blog Espiritismo
Comentado Sampaio considera
sete aspectos. Destes, destacamos
como o mais importante o perigo
de uma obra mal digitada. Sampaio
é uma dessas pessoas que publicou
um livro (Voluntários, Ed. UNI-
FRAN/EME, 248p, R$ 28,00) e
doou os direitos para uma institui-
ção, daí entende-se o apoio que dá
ao GEEM.
Como aspectos legais in-
questionáveis podemos destacar a
Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de
1998, que altera, atualiza e conso-
lida a legislação sobre direitos au-
torais. Nela temos o conceito do
termo contrafação, ou seja, a re-
produção não autorizada (sem de-
finir se física ou digital); que são
obras intelectuais protegidas as
criações do espírito, expressas por
qualquer meio ou fixadas em qual-
quer suporte, tangível ou intangí-
vel, conhecido ou que se invente
DD
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 58 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
no futuro; e, que depende de auto-
rização prévia e expressa do autor
a utilização da obra, para reprodu-
ção e distribuição (novamente sem
fazer alusão ao suporte, se físico
ou digital). Já do Código Penal
podemos destacar os artigos que
tratam dos crimes contra a propri-
edade imaterial e intelectual. Do
artigo 184 ao 186 estão descritas as
ações e penas para quem violar os
direitos dos autor, sejam reprodu-
ção, depósito ou oferecimento ao
público. As penas podem ser de
detenção ou reclusão e podem va-
riar, dentro destas, de 03 (três)
meses a 4 (anos). A aplicação de
multa também é prevista neste
código.
Quem considerar exagerada
a penalidade para o download pode
analisar o magnífico texto de Val-
domiro Soares, Os Perigosos Ru-
mos da Pirataria, publicado no
Jornal do Comércio, de Porto Ale-
gre, em 1º de agosto de 2012, e
disponível para leitura on-line no
endereço eletrônico
http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.p
hp?codn=99894. Nele são expos-
tos todos os prejuízos que a pirata-
ria proporciona. Entre estes estão
os prejuízos financeiros, qualitati-
vos e de desemprego. Segundo
Soares a Polícia Internacional,
Interpol, definiu a pirataria como o
Crime do Século, pois esta movi-
menta cifras superiores ao tráfico
de drogas, entre US$ 500 e US$
600 bilhões anualmente. Se o con-
sumidor de drogas sustenta todo o
tráfico atrás de si, o violador indi-
vidual de direitos autorais, tam-
bém. O conceito de Crime Menor
ou de Crime de Pequena Monta
não pode ser aplicado nesses casos,
pois receptação de roubo e apro-
priação indébita também tem puni-
ções já previstas. Assim, defende-
mos penalidades para todos esses
casos, apesar do consultor jurídico
da ABDR, Dalízio Barros, afirmar
em uma reportagem de um portal
de notícias que o usuário não é
punido se baixa um livro digital
ilegal, mas sim quem o publicou
na web.
Defensores que somos dos
Direitos Autorais em sua integrali-
dade apoiamos o GEEM, mas
acreditamos que ele deve ir além,
validamos o que diz o Prof. Sam-
paio e convocamos a todos, autores
ou não, para que denunciem os
casos de disponibilização de livros.
Para isso a ABDR disponibiliza os
endereços eletrônicos co-
[email protected] e co-
[email protected], mas as
denúncias também podem ser fei-
tas através do formulário on-line
acessível em
http://www.abdr.org.br/site/denunc
ie.asp. O fornecimento de dados
pessoais não é obrigatório e a aju-
da prestada será muito valiosa,
pois como afirma a própria ABDR,
“o respeito ao direito autoral é
fundamental para ampliar a cultu-
ra, a educação e a circulação do
conhecimento de um país.”
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PPAARRAA FFAALLAARR EE EESSCCRREEVVEERR BBEEMM Como Escrever, O que Escrever, Bons Discursos e Oradores.
Joseph Devlin, M.A.* Tradução: Claudiomiro Machado Ferreira**
egras de gramática
e retórica são boas
quando usadas no
lugar certo. Essas diretrizes devem
ser aplicadas com o objetivo de
expressar pensamentos e ideias de
forma adequada. E estas devem ser
expressas com sentido e
significado claros e de uma
maneira agradável e aceitável.
Entretanto, não se faz um escritor
ou autor com regras prontas e
instantâneas. A aplicação de leis
naturais é tarefa da velha Mãe
Natureza e nada pode tomar seu
lugar. Se a natureza não dotou uma
pessoa com determinadas
faculdades, elas não surgirão
naturalmente. Ela não terá nada
para dizer. Se uma pessoa não tem
nada para dizer, ela não poderá
dizê-lo. O nada não consegue
produzir algo. O autor deve ter
pensamentos e ideias antes, para
depois colocar no papel. E essas
veem naturalmente e pelo meio em
que vive e são desenvolvidas e
fortalecidas pelo estudo. Há uma
antiga citação latina a respeito do
poeta que diz: “Poeta nascitur non
fit”, a tradução é: “O poeta nasce
poeta, não se faz poeta.” Em
muitos aspectos o mesmo se aplica
ao autor. Algumas pessoas são
muito cultas, tanto quanto um livro
permite, mesmo assim não
conseguem se expressar de uma
forma aceitável. Seu conhecimento
é como ouro trancado em um
cofre, onde não tem valor para si
próprio ou para o resto do mundo.
A melhor maneira de
aprender a escrever é sentar e es-
crever, da mesma forma que a me-
lhor maneira de aprender a andar
de bicicleta é montar em uma e
pedalar. Primeiro escreva sobre
coisas simples, assuntos que são
familiares para você. Tente, por
exemplo, em ensaio sobre um gato.
Diga algo original sobre ele. Não
diga: “Ele é muito travesso quando
jovem, mas torna-se sério à medi-
da que envelhece.” Isso já foi dito
milhares de vezes antes. Diga o
que você viu seu gato fazer, como
ele caça um rato no sótão e o que
fez depois de pegá-lo. Temas fami-
liares sempre são os melhores para
quem está começando. Não tente
descrever uma cena de um lugar se
você nunca esteve lá e não conhece
nada do país. Não procure assun-
tos, há milhares à sua volta. Des-
creva o que viu ontem – um incên-
dio, um cavalo em disparada, uma
briga de cães na rua e seja original
na sua descrição. Imite os melho-
res escritores em seu estilo, mas
não exatamente em suas palavras.
Desista do caminho que já foi tri-
lhado, tente um caminho novo.
Faça você mesmo sua trilha.
Saiba sobre o que vai es-
crever e escreva sobre o que você
sabe. Esta é uma regra de ouro que
você deve seguir. E para conhecer
você deve estudar. O mundo é um
livro aberto e todos que nele vi-
vem, devem lê-lo. A Natureza é
um grande número de páginas que
estão abertas, tanto para o campo-
nês quanto para o nobre. Estude os
modos e os tempos da Natureza,
porque eles são vastamente mais
importantes do que os da Gramáti-
ca. Livros didáticos podem ser
mais fáceis, já que são mais técni-
cos, mas, no final das contas, são
somente teoria e não prática. A
maior alegoria escrita em inglês,
na verdade em qualquer idioma,
foi escrita por um ignorante, su-
posto ignorante, um funileiro cha-
mado John Bunyan.1 Shakespeare
não foi culto no sentido em que
conhecemos o termo nos dias de
hoje, no entanto, nenhum homem
jamais viveu ou provavelmente
viverá que o igualou ou igualará na
manifestação do pensamento. Ele
simplesmente leu o livro da natu-
reza e o interpretou do ponto de
vista de sua própria e impressio-
nante genialidade.
Não pense que é preciso
uma formação escolar para ter su-
cesso como um escritor. Longe
disso. Alguns de nossos teóricos
são maçantes, ineficientes, monó-
tonos e parasitas na sociedade, não
só sem importância para o mundo,
mas até para eles mesmos. Se uma
pessoa for muito enfeitada ela po-
de tornar-se sem atrativos para
outro ponto de vista. Como regra
geral, enfeites servem, mas são de
pouca utilidade. Quem conhece de
tudo um pouco, acaba por não co-
nhecer nada. Isto pode parecer
paradoxal, mas, no entanto, a expe-
riência prova que é verdade.
Se você tem poucos recur-
sos isto não é um problema, mas
uma vantagem. A falta de recursos
é um incentivo para esforçar-se,
não uma desvantagem.2 É melhor
nascer com um cérebro bom e ati-
vo do que receber as coisas sem ter
de fazer esforço. Elas acabam por
perder o valor. Se o mundo depen-
desse de amuletos de sorte, já teria
acabado muito tempo atrás.
Dos poços da pobreza, das
arenas do sofrimento, dos casebres
1 O autor refere-se a “O Peregrino”. (Nota
do Tradutor) 2 A este respeito, ver o filme Pergunte ao
pó, de 2006. Roteiro e direção de Robert
Towne, com Colin Farrell e Salma Hayk.
Baseado no romance de 1939 escrito por
John Fante. (Nota do Tradutor)
RR
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Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 63 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
da negligência, dos barracos da
obscuridade, dos becos e dos ca-
minhos da opressão, dos sótãos e
porões escuros, de intermináveis e
penosos trabalhos surgiram ho-
mens e mulheres que fizeram his-
tória. Eles tornaram o mundo mais
esclarecido, melhor, mais elevado
e mais sagrado pela sua própria
existência nele. Fizeram do mundo
um lugar melhor para viver e res-
peitável para morrer. Homens e
mulheres que fizeram isto por ini-
ciativa própria e assim santifica-
ram essa atividade com sua pre-
sença. Em muitos casos fizeram
isso dando seu próprio sangue.
Falta de recursos é uma graça, não
uma desgraça. É uma benção das
mãos de Deus se aceita de boa
vontade. Em vez de atrasar, tem
elevado a literatura em todas as
épocas. Homero era um mendigo
cego que declamava parte de suas
poesias por esmolas. O velho e
grande Sócrates, o oráculo da sa-
bedoria, enquanto ensinava os jo-
vens de Atenas, muitas vezes fica-
va sem comer porque não tinha
recursos para isso. O divino Dante
não era nada mais do que um men-
digo, um morador de rua sem casa,
sem amigos, que vagava pela Itália
enquanto compunha seus cantos
imortais. Milton, que em sua ce-
gueira “viu o lugar onde os anjos
tem medo de ir”, era muito pobre
quando escreveu sua maior cria-
ção, “Paraíso Perdido”. Shakespe-
are ficava alegre ao cuidar e lavar
os cavalos dos frequentadores do
Teatro Cavalo Branco por umas
poucas moedas para poder comprar
comida. Burns criou seus poemas
imortais enquanto guiava um ara-
do. O pobre Heinrich Heine, me-
nosprezado e pobre, de seu “col-
chão cripta3“, com seu sofrimento,
em Paris, adicionou louros literá-
rios à coroa de flores da Alema-
3 Em 1848 Heine adoeceu devido à sífilis
e passou a sofrer de paralisia, passando os
oito últimos anos de sua vida em um
colchão, que chamou de “colchão-cripta”,
em alemão: Matratzengruft. (Nota do
Tradutor)
nha, sua terra natal. Na América,
Elihu Burritt enquanto trabalhava
na bigorna, estudou e aprendeu
vários idiomas e tornou-se o leão
literário de sua época e de seu país.
Em outras áreas, ainda tra-
tando de esforço, a pobreza foi um
estímulo para a ação. Napoleão
nasceu na obscuridade, filho de um
simples escrivão em uma atrasada
ilha da Córsega. Abraham Lincoln,
glória e orgulho da América, o
homem que combateu a escravi-
dão, nasceu em uma casa rústica
na afastada Ohio. Assim também
foi com James A. Garfield. Ulys-
ses Grant veio de um curtume para
tornar-se um dos maiores generais
do mundo. Thomas A. Edison co-
meçou como vendedor de jornal
em uma estrada de ferro.
Os exemplos dessas pesso-
as são incentivos para a ação. A
pobreza impulsionou-os a ir adian-
te em vez de fazê-los desistir. En-
tão, se você é pobre, faça das suas
circunstâncias um meio para atin-
gir um fim. Seja ambicioso, man-
tenha um objetivo e aplique toda a
sua energia para alcançá-lo. Conta-
se uma história de Thomas Carlyle.
Do dia em que ele alcançou a mais
alta honra que o mundo erudito
poderia conferir-lhe quando foi
eleito Reitor da Universidade de
Edinburgh. Depois do seu discurso
de investidura, caminhando pelos
corredores, ele encontrou um estu-
dante aparentemente absorto em
seu estudo. Com sua forma áspera,
brusca e peculiar o Sábio de Chel-
sea perguntou ao jovem:
— Para quê você está es-
tudando?
— Não sei. – Respondeu o
jovem.
— Você não sabe? – Tro-
vejou Carlyle. — Jovem, você é
um tolo.
Então ele aplicou uma ve-
emente repreensão:
— Meu rapaz, quando ti-
nha a sua idade eu trabalhava,
vivia na pobreza na pequena cida-
de de Ecclefechan, nos campos de
Dumfrieshire, onde, em todo o
local, somente o Sacerdote e eu
sabíamos ler a Bíblia. Mesmo po-
bre e ignorante como eu era, na
minha imaginação via uma cadei-
ra esperando por mim na Galeria
da Fama. Dia e noite, noite e dia
eu estudava. Até que cheguei a
este cargo hoje de Reitor da Uni-
versidade de Edinburgh.
Um outro escocês, Robert
Buchanan, o famoso escritor foi de
Londres para Glasgow com nada
mais do que meia coroa no seu
bolso. “Aqui vamos nós”, disse ele,
“para uma sepultura na Abadia de
Westminster”. Ele não era mais do
que um estudante, mas sua ambi-
ção levou-o e ele tornou-se um dos
grandes leões literários da princi-
pal cidade do mundo. Henry M.
Stanley era um órfão cujo nome
real era John Rowlands. Ele foi
educado em um orfanato de Welsh,
mas era ambicioso, assim ele tor-
nou-se um grande explorador, um
grande escritor, vindo a ser mem-
bro do Parlamento e Cavaleiro do
rei da Inglaterra.
Ambicione ter sucesso e
você será bem sucedido. Risque a
palavra “fracasso” do seu dicioná-
rio. Não admita isso. Lembre-se:
“Na batalha ardente da vi-
da/somente vence/Quem todo dia
marcha adiante/e nunca diz: fra-
cassei.”4 Deixe cada obstáculo que
você encontrar ser nada mais do
que um degrau no caminho do
progresso contínuo para o sucesso.
Ainda que circunstâncias
desagradáveis cerquem você, deci-
da por superá-las. Bunyan escre-
veu “O Peregrino” na prisão de
Bedford com pedaços de papel de
embrulho enquanto passava a pão
e água. O infeliz gênio americano,
Edgar Allan Poe, escreveu “O
Corvo”, a mais maravilhosa con-
cepção e o mais artístico poema de
toda a literatura inglesa em uma
pequena casa na região de
Fordham, Nova Iorque, enquanto
4 Tradução em versos livres, sem
regularidade métrica, do poema Nunca
diga Fracassei, autoria desconhecida.
(Nota do Tradutor)
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 64 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
estava na mais horrível situação de
necessidade. Durante toda sua cur-
ta e maravilhosamente brilhante
carreira, o pobre Poe nunca ganhou
um dólar que pudesse dizer que era
seu próprio. Isso, porém, é culpa e
desgraça dele próprio e é um mau
exemplo.
Miguel de Cervantes Saa-
vedra ficou três meses em uma
cadeia em Sevilha, na Espanha,
por causa de dívidas. Foi na prisão
que começou a escrever Dom Qui-
xote. Marco Polo, ao retornar da
China, comandou uma esquadra
veneziana na guerra contra Gêno-
va. Capturado, passou pelo menos
um ano no cárcere. Ditou As Via-
gens de Marco Polo para um com-
panheiro de cela. Graciliano Ra-
mos ficou nove meses preso, entre
1936 e 1937, por motivos políti-
cos. Mas seu livro Memórias do
Cárcere, relatando os dias de ca-
deia, só seria publicado no ano de
sua morte, em 1953. Voltaire, entre
1717 e 1718, passou onze meses
na Bastilha, a famosa prisão fran-
cesa, por escrever poemas contra a
monarquia. Ali, traçou as primeiras
linhas do poema épico Henriade.5
Não pense que é necessário
o conhecimento de uma biblioteca
inteira para ter sucesso como escri-
tor. Uma grande quantidade de
livros só atrapalha. Conheça pou-
cos, mas bons livros. Conheça-os
bem e terá tudo o que é necessário.
Um grande especialista disse uma
vez: “Tenha cuidado com o homem
que conhece bem apenas um li-
vro”, o que significa que o homem
de um livro é um mestre. Há quem
diga que um conhecimento pro-
fundo só da Bíblia já fará qualquer
pessoa um mestre da literatura.
Certo é que a Bíblia e Shakespeare
são um resumo da essência do co-
nhecimento.6 Shakespeare reuniu
5 DOMINGUES, Luiz Carlos. Zero Hora,
Porto Alegre, RS. 26 janeiro 2011.
Almanaque Gaúcho, p 66. Escrevendo no
Xadrez. Adaptado. (Nota do Tradutor) 6 Thomas C. Foster em seu trabalho “Para
ler literatura como um professor”, diz no
título do capítulo 6: “Quando estiver em
tudo que veio antes dele. Plantou
as sementes para todos que virão
depois. Foi o grande oceano inte-
lectual cujas ondas banharam os
continentes de todo pensamento.
Livros são baratos hoje em
dia. Os mais importantes trabalhos,
graças às editoras e gráficas, estão
ao alcance de todos, e quanto mais
você ler, melhor, desde que sejam
dignos de ler. Às vezes a pessoa
ingere veneno sem saber, como no
caso de certos alimentos, e é muito
difícil livrar-se de seus efeitos.
Então, tenha cuidado com o que
você escolhe para ler. Se não pude
ter uma grande biblioteca, e como
foi dito, isto não é necessário, sele-
cione uns poucos livros dos gran-
des trabalhos de alguns mestres,
assimile-os e compreenda-os de
forma que sejam um auxílio em
seu aprendizado literário.
Seu cérebro é um depósito,
não o ocupe com coisas que não
vai usar. Ocupe-o com o que é
proveitoso. Separe somente o que
tem valor e utilidade. O que você
pode usar para aquilo que você
precisa naquele momento.
Como para ser um bom au-
tor é necessário estudar os melho-
res autores, da mesma forma é
necessário estudar os melhores
oradores para falar com proprieda-
de e estilo. Para falar corretamente
você deve imitar os mestres do
discurso falado. Escute os melho-
res interlocutores e como eles se
expressam. Ouça as principais pa-
lestras, discursos e sermões. Não é
necessário imitar as formas de elo-
cução. É a naturalidade, não a in-
terpretação, que faz o orador. Não
é como um orador se expressa, mas
a linguagem e a maneira que ele a
usa que devem despertar interesse.
Você escuta os oradores da atuali-
dade? Houve mestres no passado,
mas suas línguas estão caladas no
pó do túmulo e agora só podemos
ler o que eles falaram. Você pode,
dúvida, é de Shakespeare.” e no título do
capítulo 7, continua: “... ou da Bíblia.”.
(Nota do Tradutor)
porém, ouvir os vivos. Para muitos
de nós, as vozes ainda falam das
sepulturas, nas vozes que ouvimos
quando inflamadas com a divina
essência do discurso.
Talvez você tenha se im-
pressionado com o entusiasmo das
palavras de Beecher e Talmage.
Ambos estimularam o espírito hu-
mano e converteram milhares de
pessoas a viver o Evangelho. Am-
bos foram mestres das palavras.
Espalharam as belezas da retórica
no santuário da eloquência e dis-
tribuíram verdadeiros buquês aos
seus ouvintes que ficavam avida-
mente dominados por Talmage,
enriquecendo seus depósitos de
informação. Ambos eram eruditos
e filósofos, ainda assim passaram
longe de sobrepujar Spurgeon, um
simples homem do povo com pou-
ca ou nenhuma instrução, no mo-
derno sentido da palavra. Spurge-
on, através de seus discursos,
atraiu milhares de pessoas a seu
Tabernáculo. Protestantes e católi-
cos, turcos, judeus e muçulmanos
corriam para ouvir e prestar aten-
ção, hipnotizados por sua lingua-
gem. Assim também foi Dwight L.
Moody, o maior evangelista que o
mundo jamais conheceu. Moody,
não era um homem de estudos. Ele
começou a vida como vendedor de
sapatos em Chicago, mesmo assim,
não há homem que tenha existido
que tenha atraído tantos ouvintes e
os fascinado com a encanto de seu
discurso.
“Ele tinha um magnetismo
pessoal.”, alguns poderão pensar,
mas não foi nada disso. Foram as
inflamadas palavras que pronunci-
ava para aqueles homens. Era a
forma, a maneira, a força com que
usava as palavras que juntava e
atraía as multidões para escutá-lo.
Magnetismo ou aparência pessoal
não são fatores essenciais para o
sucesso. Na verdade, até na ques-
tão física alguns deles eram limita-
dos. Spurgeon era um homem bai-
xo e gordo, Moody parecia um
fazendeiro, Talmage, com sua
grande capa, era um dos homens
Revista Silêncio – Nº01 – [email protected] 65 Revista Silêncio – Nº01 – [email protected]
mais desalinhados e só Beecher era
aceitável no que diz respeito a
comportamento refinado e gentil.
A aparência física não é, como
muitos pensam, o principal para
despertar o interesse de um públi-
co. Daniel O'Connell, o tribuno
irlandês, era um homem simples,
feio, desajeitado, rude, mesmo
assim suas palavras atraíam um
grande número de pessoas e lhe
valeram a hostilidade do Parlamen-
to Britânico. Ele era um mestre da
eloquência e soube exatamente o
que dizer para cativar aqueles que
o ouviam.
Em quase todas as ocasiões
são as palavras bem colocadas que
contam. Não importa quão refina-
da a pessoa seja em outros aspec-
tos. Se ela usa palavras de forma
errada e se expressa de uma forma
inadequada com a construção das
frases, irá afastar quem a ouve.
Entretanto, quem usa as palavras
corretamente e emprega a lingua-
gem em harmonia com as regras e
diretrizes do bom discurso, deixa-o
sempre simples, atraindo e tendo
influência sobre quem o ouve.
O bom e correto orador, es-
tá sempre pronto a controlar a
atenção. As portas estarão abertas
para ele e ficarão fechadas para
outros não equipados com a capa-
cidade de se expressar. Quem fala
bem e é dedicado não fica sem
trabalho. É necessário em quase
todas as áreas da vida e do conhe-
cimento humano. O mundo precisa
de alguém assim a todo instante.
Há uma busca constante por bons
interlocutores, por aqueles que são
capazes de atrair o público e con-
vencer outras pessoas pela força da
sua linguagem. Uma pessoa pode
ser capaz, educada, refinada e de
caráter irrepreensível, apesar disso,
se não for capaz de se expressar,
de expor sua opinião de forma
agradável e apropriada, ficará para
trás enquanto outra, com muito
menos habilidade, terá a oportuni-
dade de tomar à frente se der for-
ma às suas ideias em palavras e
falar bem.
Pode-se, de novo, dizer que
a natureza, não a arte, faz do ho-
mem um orador fluente. Em boa
parte isso pode ser verdade, mas é
a arte que faz dele um bom orador.
É a prática que leva à fluência. É
possível para qualquer um tornar-
se um bom orador se, além disso,
perseverar, se esforçar e tiver cui-
dado.
Correndo o risco de ser re-
petitivo, um bom aviso deve ser
aqui enfatizado: Ouça os melhores
oradores e anote cuidadosamente
as palavras que mais impressiona-
rem você. Carregue um bloco de
notas e escreva as palavras, frases
e sentenças que são de alguma
forma destacáveis ou fora do uso
comum. Se não entender o exato
sentido de uma palavra, ouça e
procure no dicionário. Há muitas
palavras, chamadas sinônimos, que
tem quase o mesmo significado, no
entanto, quando examinadas, elas
expressam diferentes nuanças de
sentido e em alguns casos, em vez
de estarem relacionadas, são muito
divergentes. Tenha cuidado com
essas palavras, encontre seu exato
sentido e aprenda a usá-las de for-
ma correta.
Por fim, esteja aberto às
críticas, não se ressinta com elas,
especialmente peça que as façam e
olhe para elas como amigas que
apontam suas deficiências para que
você possa saná-las.
Tradução do capítulo X, Suggestions:
How to Write, What to Write, Correct
Speaking and Speakers, 10ª Edição, 2004.
*Autor do livro How to Speak and Write
Correctly, de onde este capítulo foi extra-
ído, disponível em
http://www.gutenberg.net. Todos os livros
deste site são de Domínio Público.
**Servidor público. Publicou a tradução
“História da Liberdade de Pensamento”
pela Editora da UFPel/RS, escreveu o
livro “Figuras & Vícios de Linguagem” e
o texto “As Bibliotecas Públicas Munici-
pais e a Administração Pública Direta”,
publicado na Revista Digital de Bibliote-
conomia e Ciência da Informação, RDB-
CI, da UNICAMP, e apresentado no I
Seminário de Estudos Literários de Pelo-
tas/RS. Ministra palestras, presta consul-
toria e assessoria na área de Direitos Au-
torais e Registro de Obras. Edita livros
para terceiros e o blog “Direitos Autorais
e Registro de Obras”. E-mail: claudiomi-
[email protected], Blog:
http://direitosautoraiseregistrodeobras.blo
gspot.com.
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OO SSIILLÊÊNNCCIIOO
Arnaldo Antunes / Carlinhos Brown
antes de existir computador existia tevê
antes de existir tevê existia luz elétrica
antes de existir luz elétrica existia bicicleta
antes de existir bicicleta existia enciclopédia
antes de existir enciclopédia existia alfabeto
antes de existir alfabeto existia a voz
antes de existir a voz existia o silêncio
o silêncio
foi a primeira coisa que existiu
um silêncio que ninguém ouviu
astro pelo céu em movimento
e o som do gelo derretendo
o barulho do cabelo em crescimento
e a música do vento
e a matéria em decomposição
a barriga digerindo o pão
explosão de semente sob o chão
diamante nascendo do carvão
homem pedra planta bicho flor
luz elétrica tevê computador
batedeira, liquidificador
vamos ouvir esse silêncio meu amor
amplificado no amplificador
do estetoscópio do doutor
no lado esquerdo do peito, esse tambor
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SSIILLÊÊNNCCIIOO
Heróis da Resistência
Eu costumo sorrir demais
E fingir que eu posso tudo
Ninguém sabe o que eu sou capaz
Pra conquistar o mundo
Eu não posso perder meu tempo
Com alguém que eu não preciso
E se agente se amar um dia
Pensa bem, o que é que eu ganho com isso
Mas quando a noite chega
E eu não tenho mais pra quem fingir
Só eu sei o que isso dói
Eu te vejo sorrir demais
E esse olhar que pode tudo
E eu nem sei se acho graça ou não
Porque eu sei, eu sei que lá no fundo
Sempre que a noite chega
E você não tem pra quem fingir
Sempre que a noite chega
Você queria tanto
Alguém igual a mim
E a gente acaba a noite sempre assim
Bebendo orgulho e solidão
Chorando em frente a televisão
Mantendo silêncio
Pra ninguém ouvir
Pra ninguém ouvir
Shh...
Esse mundo é cruel demais
Mais você é mais que o mundo
Seu dinheiro, poder e fama
Você acha que te protegem de tudo
Mas quando a noite chega
E ninguém tem mais pra quem fingir
Mas quando a noite chega
Você tem tanto medo
Você é tão igual a mim
E a gente acaba a noite sempre assim
Bebendo orgulho e solidão
Chorando em frente a televisão
Mantendo silêncio, oh
E a gente acaba a noite sempre assim
Bebendo orgulho e solidão
Chorando em frente a televisão
Mantendo silêncio, oh..
Pra ninguém ouvir
Pra ninguém ouvir
Pra ninguém ouvir
Sofrendo em silêncio pra ninguém ouvir.
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AASS RRIIMMAASS MMAAIISS UUSSAADDAASS NNAA MMÚÚSSII--
CCAA BBRRAASSIILLEEIIRRAA......
Claudiomiro Machado Ferreira
estudo mais amplo
sobre as rimas mais
usadas foi realizado
por um repórter que escreve sobre
a matéria. Em seu trabalho de con-
clusão de curso - o tão conhecido
TCC - de jornalismo Gustavo Mar-
tins analisou as 500 músicas mais
tocadas nas rádios do Brasil entre
os anos de 2001 e 2005. Para um
estudo mais aprofundado de todo o
conjunto de músicas nacionais
seria necessário analisar cerca de 2
milhões de músicas. A média de
rimas delas é de 6 em cada uma.
O autor do trabalho elabo-
rou uma tabela com as 6 mais re-
petidas. Uma breve análise mostra
que as músicas românticas são as
que mais usam esse recurso: de
3.073 rimas pesquisadas, 87% fa-
lam de amor. A rima que mais apa-
receu foi: “assim/mim”. Duas ex-
plicações seriam porque é um par
de palavras bastante comum e por-
que a música de amor mais popular
quase sempre é uma conversa entre
quem canta e a pessoa amada. Se-
gundo Martins não é por acaso que
a palavra mais usada em todas as
combinações de rimas que ele ana-
lisou é “você”.
......EE QQUUEEMM QQUUIISSEERR CCOOMMPPOORR UUMM
SSUUCCEESSSSOO,, FFAAÇÇAA IISSSSOO::
se letras repetitivas e batidas altas. Segundo a Revista Superinteressante uma pesquisa da Uni-
versidade de Cincinnati, nos EUA, mostrou que algumas melodias causam uma “comichão” no
cérebro, e, por isso, são mais facilmente assimiladas. As músicas YMCA e Macarena, por
exemplo, teriam propriedades parecidas com a histamina, proteína liberada pelo organismo quando somos pica-
dos por algum inseto, que se comunica com os neurônios, criando assim, a sensação de “coceira”.
Para saber se a música que você fez será um sucesso, basta perguntar ao computador, brinca a Revista.
Um software foi criado, o Hit Song Science, analisa ritmo, harmonia e cadência e dá nota para a canção. Os
criadores do programa garantem que mesmo com estilos diferentes, cantores de sucesso apresentam as mesmas
características. Segundo experiências a famosa banda irlandesa U2 e o famoso compositor Beethoven teriam
recebido as mesmas notas. O jeito é tentar para ver, ou ouvir...
OO
UU
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FFOOTTOOGGRRAAFFIIAA
AA AARRTTEE DDEE WWIILLSSOONN FFOONNSSEECCAA
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Poeta e fotógrafo. Há 4 anos desen-
volveu o projeto “Abstração Digi-
tal”, que já expôs diversas vezes.
Contatos: [email protected]
ou pelo telefone 53 9977-4271.
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AARRTTEESS VVIISSUUAAIISS
RROOSSAALLII CCOOLLAARREESS
Cartunista, caricaturista e estudante de Artes Blog: humorzerocartum.blogspot.com.br
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Annibale Carraci ( Itália, 1560-1609) Pintor barroco e criador do termo caricatura.
Virginia Woolf
The Beatles
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“As Artes Liberais ensinam como viver; elas treinam uma pessoa a erguer-se acima de seu ambiente natural para viver uma vida intelectual e racional, e, portanto, a viver uma vida conquistando a verdade.”
Miriam Joseph Autora do livro O Trivium
Informações pelo e-mail: [email protected]
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HHUUMMOORR
Autoria desconhecida
Redação feita por uma aluna do curso de Letras da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco -
Recife), que obteve vitória em um concurso interno promovido pelo professor titular da cadeira de Gra-
mática Portuguesa:
ra a terceira vez que
aquele substantivo e
aquele artigo se en-
contravam no elevador. Um subs-
tantivo masculino, com um aspecto
plural, com alguns anos bem vivi-
dos pelas preposições da vida. E o
artigo era bem definido, feminino,
singular: era ainda novinha, mas
com um maravilhoso predicado
nominal. Era ingênua, silábica, um
pouco átona, até ao contrário dele:
um sujeito oculto, com todos os
vícios de linguagem, fanático por
leituras e filmes ortográficos. O
substantivo gostou dessa situação:
os dois sozinhos, num lugar sem
ninguém ver e ouvir. E sem perder
essa oportunidade, começou a se
insinuar, a perguntar, a conversar.
O artigo feminino deixou as
reticências de lado, e permitiu esse
pequeno índice. De repente, o ele-
vador pára, só com os dois lá den-
tro: ótimo, pensou o substantivo,
mais um bom motivo para provo-
car alguns sinônimos. Pouco tem-
po depois, já estavam bem entre
parênteses, quando o elevador re-
começa a se movimentar: só que
em vez de descer, sobe e pára jus-
tamente no andar do substantivo.
Ele usou de toda a sua flexão ver-
bal, e entrou com ela em seu apos-
to. Ligou o fonema, e ficaram al-
guns instantes em silêncio, ouvin-
do uma fonética clássica, bem sua-
ve e gostosa. Prepararam uma sin-
taxe dupla para ele e um hiato com
gelo para ela. Ficaram conversan-
do, sentados num vocativo, quando
ele começou outra vez a se insinu-
ar. Ela foi deixando, ele foi usando
seu forte adjunto adverbial, e rapi-
damente chegaram a um imperati-
vo, todos os vocábulos diziam que
iriam terminar num transitivo dire-
to.
Começaram a se aproximar,
ela tremendo de vocabulário, e ele
sentindo seu ditongo crescente: se
abraçaram, numa pontuação tão
minúscula, que nem um período
simples passaria entre os dois. Es-
tavam nessa ênclise quando ela
confessou que ainda era vírgula.
Ele não perdeu o ritmo e sugeriu
uma ou outra soletrada em seu
apóstrofo.
É claro que ela se deixou
levar por essas palavras, estava
totalmente oxítona às vontades
dele, e foram para o comum de
dois gêneros. Ela totalmente voz
passiva, ele voz ativa. Entre beijos,
carícias, parônimos e substantivos,
ele foi avançando cada vez mais:
ficaram uns minutos nessa prócli-
se, e ele, com todo o seu predicati-
vo do objeto, ia tomando conta.
Estavam na posição de
primeira e segunda pessoa do sin-
gular, ela era um perfeito agente da
passiva, ele todo paroxítono, sen-
tindo o pronome do seu grande
travessão forçando aquele hífen
ainda singular. Nisso a porta abriu
repentinamente. Era o verbo auxi-
liar do edifício. Ele tinha percebido
tudo, e entrou dando conjunções e
adjetivos nos dois, que se encolhe-
ram gramaticalmente, cheios de
preposições, locuções e exclamati-
vas. Mas ao ver aquele corpo jo-
vem, numa acentuação tônica, ou
melhor, subtônica, o verbo auxiliar
diminuiu seus advérbios e declarou
o seu particípio na história.
Os dois se olharam, e viram
que isso era melhor do que uma
metáfora por todo o edifício. O
verbo auxiliar se entusiasmou, e
mostrou o seu adjunto adnominal.
Que loucura, minha gente. Aquilo
não era nem comparativo: era um
EE
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superlativo absoluto. Foi se apro-
ximando dos dois, com aquela coi-
sa maiúscula, com aquele predica-
tivo do sujeito apontado para seus
objetos.
Foi chegando cada vez
mais perto, comparando o ditongo
do substantivo ao seu tritongo,
propondo claramente uma mesó-
clise-a-trois. Só que as condições
eram estas: enquanto abusava de
um ditongo nasal, penetraria ao
gerúndio do substantivo, e culmi-
naria com um complemento verbal
no artigo feminino.
O substantivo, vendo que
poderia se transformar num artigo
indefinido depois dessa, pensando
em seu infinitivo, resolveu colocar
um ponto final na história: agarrou
o verbo auxiliar pelo seu conecti-
vo, jogou-o pela janela e voltou ao
seu trema, cada vez mais fiel à
língua portuguesa, com o artigo
feminino colocado em conjunção
coordenativa con clusiva.
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VVIIDDAA DDEE BBIIBBLLIIOOTTEECCÁÁRRIIOO
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LLIIVVRROOSS,, LLEEIITTOORREESS && AAUUTTOORREESS
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CCAARRIICCAATTUURRAA
José Saramago – Fonte: Internet, autoria desconhecida.
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