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Revista Latino-Americana de História Vol. 1, nº. 3 – Março de 2012 Edição Especial – Lugares da História do Trabalho © by RLAH
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O movimento operário e a Ditadura Civil-Militar: resistência, luta armada e negociação.
Yuri Rosa de Carvalho*
Resumo: O artigo busca revelar o papel da classe operária na luta armada contra a Ditadura
Militar-Civil. Debatendo com a produção bibliográfica, apontando como se deu essa
participação nas diferentes organizações, e em quais grupos esta foi uma característica mais
marcante, sem desconsiderar outras estratégias de luta como as greves e as paralisações; além
de tentar compreender porque a classe operária como um todo não se engajou na luta armada.
Palavras-chave: Classe Operária. Ditadura Militar-Civil. Luta Armada.
Abstract: The article searches reveal the role of de working class in the armed struggle
against the military-civilian dictatorship. Debating with the bibliographic production, pointing
how was this participation on the different organizations, and which of these groups this was a
more important characteristic, without disregard other fight strategies like strikes and
paralysations, furthermore try to understand why the working class as a whole didn’t engaged
in the armed struggle.
Keywords: Working Class. Military-Civilian Dictatorship. Armed Struggle.
A partir do Golpe, dado em 1º de abril de 1964, os trabalhadores foram, “sem dúvida,
esmagados, marginalizados”.1 Estas declarações de Reis Filho são reafirmadas ao dizer que
“com efeito, até a edição do AI-5, o movimento popular esteve praticamente sem ação”2,
sendo que, “na verdade, o protesto se restringia às classes médias e a sua tradicional banda de
música: o movimento estudantil”.3
Para Wladimir Palmeira, uma das principais lideranças do movimento estudantil do País
àquele momento, “perdemos em 64 porque os trabalhadores não reagiram”.4 Da mesma forma
* Historiador formado pela UFSM. Núcleo de Preservação da Memória Política. Mestrando em História, linha de Migração e Trabalho, pela Universidade Federal de Santa Maria. 1 REIS FILHO, Daniel A., op. cit., p. 63. 2 Idem. 3 Idem, p. 64. 4 VENTURA, Zuenir. 1968, o ano que não terminou. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, p. 68.
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pensa Alfredo Sirkis, cujas greves de 1968 em Contagem e Osasco não passaram de
“espasmo”5 da classe operária.
De maneira geral, esta concepção acerca do papel da classe operária na resistência à
Ditadura Militar-Civil se cristalizou de maneira bastante homogênea no campo da memória
sobre o período.
A resistência teria sido levada a cabo pelos “intelectuais”. Estudantes radicalizados
teriam assumido a vanguarda desse processo, organizando a luta armada, e fracassado na
tentativa de levar a classe operária para sua causa perdida. Ou seja, o insucesso da luta
revolucionária contra a Ditadura recai sobre àqueles que nada fizeram, os operários.
Se a capacidade de organização, resistência e greve, do movimento operário é claro nos
anos 1950, e enfático nas Reformas de Base, do Governo João Goulart, nos anos 1960,
quando o mesmo é deposto a classe operária some. Desaparece frente ao Golpe Militar-Civil,
permanecendo no obscurantismo até 1968, quando acontecem as greves de Osasco e
Contagem, que logo são reprimidas, não restando opção aos operários senão esperar melhor
sorte. Que de fato viria no final da década de 1970 com o ressurgimento das greves no setor
automobilístico do ABC paulista.
Marco Aurélio Santana enfatiza bem esta questão:
Submergido após o duro impacto promovido pelo golpe militar de 1964, que lhe havia deixado pouco ou quase nenhum espaço de manobra, senão aquele do silencioso trabalho no interior das empresas e de pontuais tentativas mais visíveis de contestação, o sindicalismo de corte progressista emergia (no final da década de 70 6), cobrando a ampliação dos espaços para a representação dos interesses da classe trabalhadora.7
Dessa maneira, os operários, exceto pelas pequenas lutas cotidianas, nada puderam
fazer. Com o Ato Institucional Nº 5, conhecido por AI-5, que fechou ainda mais a Ditadura e
cerceou ainda mais os já escassos direitos jurídicos dos cidadãos, encerrando as possibilidades
de resistência. Segundo Santana
Ao fim de 68 os passos do endurecimento do regime estavam lançados, e consolidam-se com a decretação, em dezembro, do Ato institucional Nº 5. O
5 SIRKIS, Alfredo. Os carbonários. Rio de Janeiro: Best Bolso, 2008, p. 138. 6 Anotação minha. 7 SANTANA, Marco Aurélio. Trabalhadores em movimento: o sindicalismo brasileiro nos anos 1980-1990. In. FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O Brasil Republicano. Livro 4. O tempo da Ditadura. Regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 286.
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“milagre econômico” iam deslanchando, os grupos de esquerda, com raras exceções, se engolfam cada vez mais nas ações armadas e o regime replica com mão de ferro. Para o movimento operário sindical começa espera e ações subterrâneas. (...) Seriam necessários mais de 10 anos para que o movimento operário voltasse à tona novamente, abrindo uma de suas etapas mais luminosas.8
Ora, assim posto, além de não resistir efetivamente ao Golpe Militar-Civil, teria restado
à classe operária se retirar de cena, e esperar dez anos pelo “relaxamento” político da Ditadura
e a volta “gloriosa” do movimento operário organizado e reivindicatório.
Além de valorizar exacerbadamente a retomada do final dos anos 1970 do movimento
sindical, um movimento que seria conhecido como “Novo Sindicalismo”, nome dado por seus
defensores, em contraposição a um suposto “velho sindicalismo” 9, o autor indica, neste tipo
de interpretação, uma espécie de “hibernação” do movimento sindical.
Assim como, para Francisco Weffort, as greves operárias de 1968 foram casos típicos
de “irrupção espontâneas das massas operárias”.10 A crise econômica e a insatisfação social
teriam sido as principais razões do “espontaneísmo político”, ou seja, a falta de organização
política era a marca destes movimentos.
Portanto, além do projeto de resistência armada ter sido derrotado, e seus integrantes
serem os vencidos no processo de luta que se deu, houve a construção de uma segunda
categoria de vencidos, dentro da já existente: os operários. A esses, dada sua inabilidade e
falta de capacidade de organização, coube o silêncio e o ostracismo; seriam indiretamente
responsáveis pelo fracasso da resistência, pois não teriam aderido, enquanto conjunto da
classe operária, à resistência contra a Ditadura.
Edgar de Decca, ao contrário, acredita que esta construção faz parte de um processo de
mistificação da chamada “intelectualidade” sobre o período. Para ele, o ano de 1964 seria um
marco, onde os discursos acadêmicos resultaram em “uma dada homogeneização teórica” 11
que “colocou determinados setores da sociedade na condição de vencidos, imaginando-se que
8 SANTANA, Marco Aurélio. Ditadura Militar e resistência operária: o movimento sindical brasileiro do golpe à transição democrática. Santa Catarina. In. Política e Sociedade, v. 7, n 13, 2008, p. 294. 9 Este influenciado pelos comunistas principalmente ligados ao PCB. 10 WEFFORT, Francisco C. Participação e conflito industrial: Osasco e Contagem, 1968. In. Cadernos CEBRAP, n. 5, São Paulo, 1972. 11 DE DECCA, Edgard Salvadori. 1930: o silêncio dos vencidos: memória história e revolução. São Paulo: Brasiliense, 2004, p.32.
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as perdas dos intelectuais eram da mesma grandeza daquelas ocorridas no interior da classe
operária”. 12
Trata-se de um dispositivo ideológico
capaz de homogeneizar, a partir da fixação de um fato, o campo dos vencidos, embora correspondesse a uma estratégia do discurso acadêmico, não deixou de ter desdobramentos problemáticos. Assim, desconsiderou-se que nas lutas políticas do período, a ordem dos vencidos possuía registros diferenciados e que, inclusive, os discursos acadêmicos, atendendo a demandas específicas do poder, silenciavam indiretamente, também, o eco das experiências proletárias. Os setores intelectuais traumatizados pelos acontecimentos de 64 produziram discursos diferenciados, cuja estratégia, embora atendesse às resistências exigidas pela luta política, impediu, no decorrer de boa parte desses quinze anos, a emergência de vozes há muito tempo emudecidas na história. 13
Esta reação dos “setores intelectuais”, de acordo com o autor, refletida nesta estratégia
de discurso, acaba por sugerir, em suas conclusões, “a inoperância e a insuficiências históricas
do proletariado no Brasil”. 14
Este “viés voluntarista” presente no pensamento político brasileiro acaba por dar um
papel sobredeterminante a determinados grupos, ou ao próprio Estado, como “agentes
exclusivos” de transformação e realização histórica. Dessa forma, este corrente de
pensamento “quando não anula a realidade das classes sociais, as reconhece vinculadas às
noções de atraso e dependência da formação social brasileira, desqualificando
invariavelmente a efetivação histórica dos conflitos na própria instituição do social”.15
Neste ponto, de Decca demonstra a implicação objetiva que este discurso trás em seu
âmago, ou seja, a supervalorização do papel do intelectual no desenvolvimento da história.
Vejamos seu argumento:
Se alguns autores, recentemente, já mostraram de que maneira na efetivação histórica da luta de classes no Brasil, são produzidos os discursos que sobrelevam o papel do Estado do interior do social resta ainda refletir até que ponto o discurso acadêmico supostamente crítico - situado no interior desse social – não reproduz em suas análises, pela via das noções de atraso, debilidade, etc., o mesmo viés voluntarista, sobrelevando, dessa vez, não o Estado como demiurgo da sociedade, mas sim o intelectual. A impaciência do discurso acadêmico que viu frustradas as suas perspectivas no pós-64, faz
12 Idem. 13 Idem. 14 Idem, p. 33. 15 Idem.
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parte, acredito, desse dispositivo ideológico; daí o transbordamento de produções teóricas que fizeram da visão da luta política dos intelectuais, a norma de ação possível e a dimensão prática de todos os vencidos a partir daquele período.16
De maneira geral, pouco, ou perto do quase nada, foi produzido especificamente sobre o
envolvimento da classe operária nas múltiplas formas de resistência ao Golpe de abril de
1964, ou ao seu estabelecimento e recrudescimento, salvo raras exceções.
A maior parte da produção, que, na minha visão, não é apenas um discurso acadêmico,
mas também parte intrínseca de uma práxis correspondente, esteve ligada a perceber a
atuação da pequena-burguesia na resistência armada, e principalmente, no seu caso mais
contundente, a luta armada contra a Ditadura Militar-Civil.
Daniel Aarão Reis Filho, em seu já citado A revolução faltou ao encontro, busca
entender justamente como a luta armada ficou reduzida as “elites intelectualizadas”. Para este
autor, os princípios revolucionários das “organizações comunistas”, como chama os diferentes
grupos armados do período, que se constituiriam em estados-maiores, eram mais importantes
que “assegurar a sintonia com o processo vivo da luta de classes”.17
Este descompasso das organizações com a realidade social comportaria um “duplo
sentido excludente e antidemocrático”18, inerentes a própria concepção destas “organizações
comunistas” que apareceriam como a vanguarda leninista, a direção, dos movimentos sociais.
Isto porque, estes seriam “incapazes, por sua própria natureza, de atingir e dominar a teoria e
de se organizar como Partido”19, diz-nos Reis Filho em tom jocoso.
Estas organizações, portanto, não apenas eram alheias a realidade social, como
desconectadas da classe operária, cujos grupos tentavam “doutrinar” com a teoria
revolucionária científica exclusiva do Partido, pois esta seria a detentora de sua “missão
universal” de se tornar a vanguarda da revolução socialista. Dessa forma, as “organizações
comunistas” constituíram-se em “quadros orgânicos destinados a submeter-se à hegemonia
dos trabalhadores intelectuais de classe média”.20
Estas organizações “elitizadas” socialmente teriam sua melhor expressão no
“revolucionário profissional” 21, guerrilheiros superespecializados, constituindo núcleos
dirigentes elitizados, “em detrimento das lideranças sociais enraizadas nos locais de moradia e 16 Idem. 17 REIS FILHO, Daniel A., op. cit., p. 17. 18 Idem, p. 136. 19 Idem. 20 Idem, p. 17. 21 Idem, p. 136.
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trabalho” 22, o intelectual que, assim, comete “suicídio de classe”, negando sua origem
pequeno-burguesa.23
A partir daí, mitos coesionadores24 mantiveram os comunistas unidos e, ao mesmo
tempo, fadados ao fracasso, porque ao se afastarem da sociedade que pretendiam
revolucionar, acabaram por se tornar “guetos políticos”, entrando em uma dinâmica que o
objetivo principal se tornou a luta dessas organizações contra a polícia política.
Em primeiro lugar, Daniel Reis Filho acaba por não perceber a atuação dos operários
nas organizações da luta armada por vê-las como um modelo pré-concebido; socialmente
elitizados. O autor analisa os dados do Brasil: Nunca Mais, no quadro III sobre a relação dos
denunciados perante a Justiça Militar 25 por envolvimento com as organizações da luta
armada, constando o total de 6009 denunciados, sendo 2403 classificados como
“trabalhadores intelectuais” e 2329 classificados como “trabalhadores manuais”, ou seja,
45,3% “trabalhadores intelectuais” e 43,9% de “trabalhadores manuais”, fora os 708 casos
que nada constam; apesar de seus números muito próximos, incrivelmente o autor demonstra
a superioridade da participação dos intelectuais, negando a alta adesão similar dos
“trabalhadores manuais”, comprovando seu modelo.
Considero problemático o conceito de “trabalhadores intelectuais e manuais”, pois
penso ser mais interessante mostrar as participações específicas que constam nos dados do
BNM.
Assim, os estudantes aparecem com 1123 casos citados, o maior grupo, cerca de 21,2%
do total. Como não fazem parte dos dados, os operários aparecem inseridos no grupo de
trabalhadores manuais urbanos, que apresenta 924 casos citados, ou seja, 17,4% dos casos
apresentados.
Fica evidente que houve sim participação importante do operariado, que apesar de
menor, quase nivela com os estudantes em número de casos citados, e aparece como segundo
maior grupo; o terceiro maior grupo seriam os graduados das Forças Armadas, com 765 casos
citados, 14,4% do total.
22 Idem. 23 Idem, 146. 24 A tese da revolução inevitável, a já citada missão revolucionária do proletariado, a indispensabilidade do partido de vanguarda, o complexo de dívida, o leque de virtudes positivas dos comunistas, o massacre das tarefas, a celebração da autoridade, a ambivalência das orientações e a síndrome da traição formam os mitos coesionadores de Reis Fiho. 25 REIS FILHO, Daniel A., op. cit., p. 157.
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Desta forma, não parece plausível que a atuação dos grupos armados no combate à
Ditadura tenha sido hegemonizada pelos “intelectuais”, como o próprio Reis Filho
compreende o conceito. Comprova-se que os estudantes tiveram o maior número de
participantes das organizações processados pela Justiça Militar, mas foram seguidos de perto
por trabalhadores manuais urbanos, aparentemente, operários na maioria.
O autor utiliza-se, principalmente, dos documentos feitos à época pelas organizações de
esquerda como principal fonte para sustentar sua hipótese de que estas mesmas organizações
tinham uma “péssima leitura” da realidade, do “processo vivo da luta de classes”.
Entretanto, questiona-se aqui a plausibilidade destes documentos tomados como
produção científica “pura”. Não deveriam estes documentos ser analisados pelo contexto e
pelas pessoas que os produziam?
Reis Filho desconsidera que estes jornais e documentos são, antes de tudo, militantes.
Ou seja, buscavam trazer as pessoas que os liam para a causa revolucionária pela qual
lutavam, não podendo, assim, serem condenados por expressarem uma visão otimista da luta
que pregavam. Ora, ninguém seria convencido de participar da derrubada da Ditadura e a
implementação do Socialismo se fosse conjecturado a possibilidade de fortalecimento e
sucesso do Golpe que se instalara.
Não basta lembrar que a efetivação da Revolução Cubana e o sucesso de outros países
socialistas no mundo, já cobriam cerca de um terço da população mundial. Isto tornava as
perspectivas brasileiras racionalmente esperançosas, ainda mais sobre uma crise política e
econômica que o Brasil vivenciou até o fim dos anos de 1960.
Por isso não se trata de entender esses grupos como pequenas “seitas”, voltadas para si
mesmas, desconectadas do mundo que pretendiam revolucionar, apesar da “fé” que nisso
carregavam. Como Hobsbawn bem percebeu entre os movimentos comunistas no período
logo posterior a Revolução Russa de 1917, mas que pode nos remeter para a compreensão dos
anos 1960 e 1970: “O que sua fé e sua irrestrita lealdade ao quartel-general da revolução
mundial em Moscou deram aos comunistas foi capacidade de ver-se (sociologicamente
falando) como partes de uma igreja universal, não uma seita”.26
26 HOBSBAWN, Eric J. Era dos extremos: a breve história do Século XX 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 79. Cabe apontar que, ao invés de Moscou, se pusesse Havana ou Pequim, permaneceria o mesmo sentido para os grupos armados no Brasil do final da década de 1960, apesar da Revolução Russa nunca ter sido negada por elas. Cabe ainda citar os trabalhos de ROLLEMBERG [2001] e SALLES [2005], sobre a influência da Revolução Cubana nessas organizações.
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Fernando Gabeira não apresenta um quadro de compreensão tão amplo, mas percebe
nas experiências cotidianas que viveu este sentimento de “pertencimento” a algo maior que
uma possível luta reduzida ao confronto com a polícia. Para Gabeira,
Èdson Luis havia sido morto pela polícia que estava serviço da Ditadura, que estava a serviço do capitalismo. Não se tratava de lutar contra a polícia portanto, mas de participar num combate muito mais amplo e mais complexo que era a o combate pelo socialismo.27
Assim, a forma pela qual se organizavam os agrupamentos de luta armada não seria
responsável pelo fracasso da luta armada. Hobsbawn, novamente útil aqui, pondera que “sem
o novo partido de Lênin, cujos revolucionários profissionais eram os quadros, é inconcebível
que em pouco mais de trinta anos após Outubro um terço da raça humana se visse vivendo
sob regimes comunistas”.28
O certo é que, no Brasil, as organizações se estruturaram de maneira diferenciada de
umas pras outras, mantendo uma série de elementos leninistas, como os quadros profissionais.
Mas não fugiram de um contexto global de crítica das formas rígidas dos partidos comunistas
orientados por Moscou, cada vez mais burocratizados, e a partir dos anos 60, com o
revisionismo de Nikita Kruschev, amigáveis aos processos eleitorais das democracias liberais
burguesas.
Não podemos entender diversas organizações, como a ALN, a VPR, a REDE
(Resistência Democrática), o MRT e outros, que seguiam as idéias de Regis Debray e Ernesto
“Che” Guevara, mas principalmente de Carlos Marighella, que o dever do revolucionário era
fazer a Revolução, sem intermediários, sem necessitar passar pelos trâmites do centralismo
democrático do Partido.
Por isto estas organizações vão abolir, em um primeiro momento, a própria concepção
de partido, necessário apenas em uma fase posterior e mais madura da luta revolucionária.
Desta maneira, a insurgência de diversos focos guerrilheiros se alastraria mais rapidamente,
de acordo com Marighella:
A luta guerrilheira é a única maneira de reunir os revolucionários brasileiros e de levar nosso povo à conquista do poder. Recursos humanos e condições para a guerrilha não faltam ao Brasil. A consciência revolucionária, que brota na luta, se incumbirá do resto. A guerrilha é o que pode haver de mais
27 GABEIRA, Fernando. O que é isso companheiro? 24 ed. Rio de Janeiro: Codecri, 1981, p. 58. 28 HONSBAWN, Eric J., op. cit., p. 79.
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anticonvencional e de mais antiburocrático, o que mais se distancia do sistema tradicional de um partido da cidade.29
Portanto, as organizações não possuíam uma mesma forma de organização. Um modelo
não pode ser criado para ser aplicado sobre todas as organizações do período. Se Moscou,
Havana ou Pequim serviam de exemplos, e davam este sentimento de “pertencimento” mais
amplo, também complexifica-se as análises que se propõe fazer sobre os grupos que pegaram
em armas na tentativa de derrubada da Ditadura.
O que, de fato, reunia todas as organizações30 era que a luta deveria ser no campo, ou
seja, o foco, a coluna, ou o exército revolucionário, deveria ser no primeiro momento
camponês, e que após seu sucesso inicial, passaria a conta com a classe operária nas cidades.
Os camponeses31 não foram excluídos, assim como os operários, da luta armada pelas
vanguardas, acabando por delas fazer parte. De acordo com o BNM, os camponeses
denunciados pela Justiça Militar somam 195 casos, 3,67% do total. Porque então, o numero
de camponeses envolvidos com as organizações de esquerda denunciadas figuram abaixo do
número de operários, se eles eram o agente principal da guerrilha para a maioria absoluta das
organizações?
Pela alta taxa de urbanidade dos denunciados, pois cerca de 4077 deles moravam em
capitais, enquanto 1849 residiam no interior32, ou seja, 68, 79% traçam o perfil de uma
maioria urbana. Somado a isso, uma classe operária historicamente vinculada ao trabalhismo
e à esquerda, principalmente ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) no pré-1964, criava uma
espécie de “cordão umbilical” com a cidade.
Se a maioria dos militantes era da cidade, as relações de luta, historicamente
construídas e que se davam ali, não seriam facilmente cortadas. Por isso a contradição que
marcou a maior parte das organizações guerrilheiras: pregar a luta no campo, mas não
conseguir se desvencilhar das ações armadas urbanas. A exceção ficou por conta do Partido
29 Carta ao Comitê Central. In: CARONE, Edgard. O movimento operário do Brasil (1964-1984). São Paulo: Difel, 1984, p. 51. 30 À exceção dos agrupamentos trotskistas, como o Partido Operário Revolucionário (Trotskista) e o POR(T), os quais privilegiavam a atuação nas fábricas urbanas, dentro de uma estratégia bolchevique de atuação nos sindicatos “pelegos”, vinculados ao Estado. 31 Aqui inseridos os posseiros, meeiros, peões, lavradores, pequenos proprietários e trabalhadores assalariados do campo. Não usarei este conceito de camponês simplesmente porque me agrada, pelo contrário, ele trás em si um efeito que apenas esconde estas diferentes relações econômico sociais citadas, homogeneizando-as como “o camponês”. Entretanto é o conceito usado em todos os dados pesquisados, jornais e documentos dos grupos militantes, ficando para um próximo trabalho a tarefa de esmiuçar as relações do campo da esfera da luta política contra a Ditadura Militar-Civil. 32 RIDENTI, Marcelo, op. cit., p.283
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Comunista do Brasil, o PCdoB, que, de acordo com Jacob Gorender, foi único que “conseguiu
preparar e efetuar verdadeiras operações de guerrilha”.33 Principalmente por ter, desde 1967,
se instalado na região do Araguaia, conseguindo assim fugir do cerco policial que assolava
cada vez mais as cidades.
Entretanto outro fator é ainda importante. As organizações guerrilheiras pensavam que
antes da implantação do foco revolucionário no campo, uma primeira fase de captação de
recursos humanos e financeiros deveria se desenvolver nas cidades, a fim de servir de
sustentação à coluna guerrilheira que surgiria em um momento seguinte.
Aluízio Palmar, militante do primeiro MR-8, Movimento Revolucionário 8 de Outubro,
havia ficado responsável pela implantação de uma base camponesa no Oeste do Paraná. Lá ele
se defrontou com uma série de atrocidades cometidas contra os camponeses, que logo se
fizeram tocar pela retórica guerrilheira. Além de Palmar, estudante de Ciências Sociais da
Universidade Federal Fluminense, junto de Nielse Fernandes, operário naval de Niterói, e
Bernardino Jorge Velho, ex-sargento do 1º Batalhão de Fronteiras de Foz do Iguaçu, se viram
em um impasse, relatado da seguinte maneira:
Na noite que passamos no dormitório dos trabalhadores solteiros da Fazenda Rami, falamos de liberdade, socialismo e revolução. Quando fomos embora, antes do dia amanhecer, muitos daqueles peões queriam ingressar na guerrilha. Desconversamos e saímos de fininho. Ainda não era hora para aquele tipo de recrutamento. 34
Ao contrário, do que poderia se afirmar, de que a “vanguarda intelectualizada” se
fechava em si mesma, afastando-se da sociedade, sem contato com o “processo vivo da luta
de classes”, percebemos um grupo guerrilheiro heterogêneo socialmente: um estudante, um
operário e um sargento, que negavam a participação desses camponeses por ainda “não ser
hora” para tal, ou seja, ainda se encontravam na fase da preparação da base de apoio e
levantamento de pessoas e capitais que financiassem a luta no campo.
Esta primeira fase estando completa poder-se-ia, a partir de então, começar a segunda
etapa da revolução, com a incursão dos camponeses em suas fileiras e, mais tarde, a classe
operária.
O certo é que a repressão militar se organizou de tal maneira que simplesmente destruiu
fisicamente, pela tortura e assassinato, praticamente todas as organizações guerrilheiras, ainda 33 GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. 5 ed. São Paulo: Ática, 1999, p. 233. 34 PALMAR, Aluízio, op. cit., p. 277.
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na sua fase inicial, essencialmente urbana. A causa da derrota do projeto revolucionário, não
pode, portanto, também ser buscado aqui, de maneira simples ou superficial.
Neste caso, um exemplo é extremamente oportuno. A crítica que Marcelo Ridenti faz a
concepção de falta de sintonia com os movimentos sociais por parte dos grupos de esquerda,
quando Daniel Reis Filho argumenta que o PCB não deveria ser o culpado pela desarticulação
da resistência, pois tinha uma expressão social: “se o PCB até 1964, era a expressão política
de um movimento social, como fica a ‘falta de sintonia’ das organizações comunistas com o
processo ‘vivo da luta de classes’?”. 35
O proletariado não foi alcançado, enquanto classe, entre outras razões, apesar da
participação evidente de seus integrantes, porque as organizações guerrilheiras esperavam um
segundo momento da luta revolucionária que propunham. Depois de uma série de ações
expropriatórias de captação de recursos e articulação de contatos que organizaria os
militantes, se partiria para a guerrilha no campo, e que, depois de deflagrada, em outro
momento ainda, se valeria do apoio da classe operária nos centro urbanos.
Além de terem sido praticamente exterminados ainda nesta primeira fase de preparação
da luta guerrilheira, as organizações tiveram dificuldades de cortar este “cordão umbilical”
com as cidades. Justamente pela influência que o movimento operário exercia sobre as
organizações de esquerda, além da origem urbana da maioria de seus integrantes, apesar de
teoricamente a maioria dos grupos optarem pela luta partindo do campo e não das cidades.
A tradição de luta do movimento operário, desde a Primeira República, fez com que nos
anos 1960 existisse um grande número de operários sindicalizados e militantes de partidos e
organizações. Esta história de luta, enquanto classe, ao longo do tempo desenvolvida, não só
foi influenciada pelos partidos e organizações, mas também, assim como em uma estrada de
mão dupla, influenciou, em maior ou menor grau e medida, estes mesmo partidos e
organizações.
No período anterior a 1964, Luiz Momesso assim percebe as organizações sindicais do
movimento operário:
As correntes sindicais que se configuraram no período anterior a 64 podem ser divididas, de forma geral, em três. O chamado sindicalismo vermelho, que aglutinava várias tendências, cuja corrente principal tinha forte influência dos comunistas ligados ao PCB. Os vermelhos já constituíam o núcleo mais atuante presente na direção de grande parte dos sindicatos. Os
35 RIDENTI, Marcelo, op. cit., p. 257.
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amarelos, chamados de pelegos, vinculados ao Ministério do Trabalho, que chegaram a constituir a força sindical mais expressiva, patrocinados por Getúlio Vargas, mas que vinham perdendo terreno com o avanço dos vermelhos. Havia ainda uma corrente cuja principal característica era o anticomunismo. Compunha-se principalmente de elementos da igreja católica, que defendiam os interesses dos trabalhadores nos marcos da colaboração de classes. 36
Ou seja, havia um complexo sistema sindical, no qual os operários de organizavam. Os
setores ligados aos comunistas tinham bastante expressão, mas era o trabalhismo oriundo de
Getúlio Vargas, e nos anos 1960, de João Goulart, que mais hegemonizava os sindicatos. A
própria criação do Comando Geral dos Trabalhadores, o CGT, fundado em 1962, se tornando
a maior central sindical do País, mesmo não sendo reconhecida pelo Ministério do Trabalho, é
um exemplo disto.
Os movimentos sociais adquiriam então cada vez maior capacidade de pressão pela sua
agenda a favor de reformas estruturais, que melhor comportassem suas próprias demandas.
Assim, manifestações e greves se tornaram, em vários casos, fenômenos do que poderíamos
chamar de “classe para si”, pois questionavam não só aumentos salariais e melhores
condições, mas pleiteavam uma nova concepção de Estado, não necessariamente socialista,
pela via revolucionária, mas, sobretudo, um Estado de mais direitos e menor desigualdade
social, pela via institucional, como era a característica trabalhista, já arraigada na cultura
operária, e até mesmo defendido pelo PCB, seguindo a linha soviética de coexistência
pacífica e, portanto, a transformação social através dos marcos legais.
Lucília de Almeida Neves Delgado considera que:
Manifestações sociais mais autônomas, que sempre foram mal absorvidas pelo processo político brasileiro, no governo João Goulart cresceram em número e diversidade e ganharam maior densidade e capacidade de pressão. Na esfera da sociedade civil, no campo do reformismo social destacaram-se, por exemplo, a atuação cotidiana das ligas camponesas, do movimento estudantil e das organizações sindicais. Em uma conjuntura marcada pela Guerra Fria, o crescimento expressivo de manifestações organizadas por essas associações, reivindicando reformulações expressivas nas políticas públicas sociais e na relação governamental com os investidores estrangeiros, contribuiu para o adensamento de uma polarização política bastante peculiar àquele tempo de dicotomia internacional.37
36 MOMESSO, Luiz. Lutas e organização sindical em 68, apesar da Ditadura. Pernambuco. In. Revista Clio – Revista de Pesquisa Histórica, v. 1, n. 26, 2008, p. 156. 37 DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O governo João Goulart e o golpe de 1964: memória, história e historiografia. In. Revista Tempo. Niterói: UFF, 2010, p. 126.
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Assim, o aumento da organização dos movimentos sociais, não pode, portanto, estar
atrelada ao governo João Goulart, nem mesmo apenas aos nacionalistas de esquerda ligados a
Leonel Brizola e ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) - seguindo a lógica do trabalhismo
fundado por Vargas, Jango procurou conciliar os interesses da burguesia e da classe
trabalhadora. Ao contrário, as Reformas de Base eram uma resposta às pressões sociais cada
vez mais crescentes.
Entretanto o impasse à época, a disputa na correlação de forças existentes, tornava o
“ziguezague” político do presidente Jango um arriscado jogo de andar sobre a areia movediça.
Como bem percebe Reis Filhos sobre a crise que se instala em 1964:
A crise tinha raízes sociais. As classes dominantes dividiam-se. E os trabalhadores manuais irrompiam no cenário político. Tratava-se de enfrentar e resolver os desafios colocados pelo desenvolvimento do capitalismo no Brasil: como harmonizar os interesses das indústrias modernas e dos setores agrários? Como conciliar as exigências do crescimento do capitalismo brasileiro com os interesses do capital internacional? Como conter a inflação sem afetar o ritmo do desenvolvimento? O que era necessário para fazer corrigir os desequilíbrios sociais e regionais agravados pelo surto industrial: o êxodo rural, o inchaço das cidades, a favelização da população urbana? Até onde ir com a democratização do regime político e na distribuição das riquezas? O “desenvolvimentismo” dos anos 50 não dava respostas a problemas que imaginava estariam automaticamente resolvidos pelo próprio crescimento econômico. A discussão sobre as alternativas em jogo agitavam o país.38
Frente a este panorama sociopolítico, a fragmentação do bloco no poder colocava os
setores mais conservadores contra qualquer espécie de concessão às classes dominadas. Desta
maneira, Jango, instável durante todo o tempo que esteve à frente do Executivo, buscava nas
classes trabalhadoras o apoio que não encontrava na burguesia, entretanto não perderia de
vista a conciliação das classes sociais. Para Reis Filho, com isso,
evidenciavam-se as divergências. Goulart queria reformar a Constituição antes de propor as chamadas “reformas de base”. Já os comunistas consideravam possível avançar utilizando as amplas prerrogativas do executivo. A diferença não se limitava a apreciações político-jurídicas. Envolvia distintas concepções sobre a correlação de forças e sobre a política de alianças. Goulart desejava que as reformas exprimissem acordos do bloco dominante, daí a obsessão em passá-las pelo crivo do Congresso. Os comunistas desconfiavam que o Congresso seria incapaz de aprovar as
38 REIS FILHO, Daniel A, op. cit., p. 22.
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reformas que desestabilizariam suas bases de sustentação. Jango aparecia como um “conciliador” em busca de acordos impossíveis. 39
Quando o Golpe é concretizado, em 1º de abril de 1964, Jango é deposto sem articular a
resistência, contrariando setores do próprio PTB ligados à Brizola, evidenciando os limites
dos avanços progressistas de caráter social que se dava em seu governo. Frente à ruptura das
classes dominantes do plano constitucional, Jango não teve dúvida que a melhor saída seria a
crise política passar e esperar que a democracia se restabelecesse e, dentro da legalidade, que
ele fosse chamado para voltar à sua condição anterior frente à presidência.
No movimento sindical, o Golpe foi de terrível impacto. A organização sindical, pelas
suas características históricas, ligadas ao trabalhismo, à concepção de negociação e resistência
permeadas por relações paternalistas e clientelistas, se estruturou de maneira vertical.
Ridenti aponta como esta organização sindical de “cúpula”, estruturadas “de cima para
baixo”, não consolidaria uma base firme, apesar de passos dados nesse sentido.40
Exemplifica-se esta situação, a partir da leitura de Lucília Delgado, sobre a organização
sindical, em especial o CGT:
O CGT é uma entidade que conta na sua prática preferencialmente com uma liderança politizada de grande penetração junto à massa, mais do que com lideranças intermediárias ou organizações de bases capazes de sustentar o movimento sindical na ausência de seus principais líderes. È exatamente a falta desta base que contribui para o esfacelamento dos sindicatos logo após o golpe de abril, quando seus principais dirigentes são presos.41
O Ato Institucional de 9 de abril de 1964, mais tarde conhecido como AI-1, cassou as
principais lideranças sindicais que apoiavam as reformas de Jango, tornando o movimento
operário “acéfalo” na sua organização sindical. Por outro lado, mudou a concepção da
estrutura sindical e obrigou movimento operário que se dispunha a resistir, a buscar novas
estratégias de luta.
Celso Frederico, autor de um dos únicos livros existentes sobre movimento operário e a
luta armada, evidencia o impacto do Golpe no movimento operário. Para Frederico, a
repressão aos sindicatos foi imediata:
39 Idem, p. 29. 40 RIDENTI, Marcelo, op cit., p. 165. 41 DELGADO, Lucilia de Almeida Neves apud RIDENTI, Marcelo. O fantasma da revolução brasileira. São Paulo: UNESP, 2010.
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Sessenta e três dirigentes sindicais tiveram seus direitos políticos cassado; houve intervenção em quatro Confederações, quarenta e cinco Federações e trezentos e oitenta e três sindicatos. Esses dados, entretanto, são insuficientes para nos dar uma idéia precisa do alcance da repressão que se abateu sobre o conjunto dos trabalhadores. Os militantes da época lembram que, além das intervenções, houve implacável perseguição policial aos quadros intermediários do movimento sindical e uma série de intimidações que criaram um clima de terror que manteve os ativistas paralisados por um longo período.42
Assim, a Ditadura Militar-Civil que se instalara, reorganizava o movimento operário de
acordo com sua orientação ideológica. Até 1970 seriam 563 sindicatos destituídos de suas
diretorias43, ou seja, uma nova concepção acerca da organização operária, através do sindicato
começava a tomar forma
Diferentemente da burguesia nacional, que procurava mobilizar os trabalhadores sob sua direção porque precisava de seu apoio, os golpistas queriam transformar os sindicatos em instrumentos de passivização, com práticas assistencialistas, tornando-os desmobilizadores, ocupados em resolver questões trabalhistas do dia-a-dia. Precisavam de novos dirigentes que não se ocupassem de questões políticas, mas de administração eficiente, reorganização, ampliação e aperfeiçoamento da infra-estrutura de assistência, e desenvolvessem novo quadro de sócios, interessados nesses benefícios. Mas que também mantivessem a condição de interlocutores na evolução dos conflitos trabalhistas, inevitáveis.44
O assistencialismo, diferentemente do que propõe Momesso, não surge com o golpe de
64, mas é uma característica histórica do trabalhismo ligada às relações paternalistas e
clientelistas, desde os “amarelos” da Primeira República, até os trabalhistas de Vargas.
Apesar disso, fica evidente o rearranjo da lógica do sindicalismo no pós-1964.
Para Frederico, “até 30, como se sabe, a questão social era considerada uma simples
questão de polícia; no período que se estende de 1930 até 1964, ela se torna uma questão
política, a partir de 1964 os militares no poder enquadram a questão social como um assunto
referente à Segurança Nacional”.45 Cabe aqui questionar, frente ao desenrolar da História se a
questão social deixou de ser algum dia, portanto, caso de polícia.
De qualquer maneira, o enquadramento do movimento operário organizado à Lei de
Segurança Nacional, iria, de fato, colocar a conjuntura sócio-política em um patamar
42 FREDERICO, Celso. (Org.). A esquerda e o movimento operário - Vol I. A resistência à ditadura (1964-1971). 1. ed. São Paulo: Novos Rumos, 1987, p. 17. 43 GORENDER, Jacob, op. cit., p. 153. 44 MOMESSO, Luiz, op. cit., p.157. 45 FREDERICO, Celso, op. cit., p. 17.
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diferenciado e peculiar, próprio daquela época. Novas medidas iam minando o cerne do
sindicalismo, e cada vez mais colocava o movimento operário de resistência em refluxo. Para
Momesso,
após o primeiro surto repressivo, a ditadura adotou algumas medidas visando o enfraquecer o sindicalismo brasileiro. Entre elas, destacava-se a modificação na política salarial que transferiu para o governo o poder de fixar o índice do reajuste anual dos salários. Com isso, os sindicatos perderam as condições legais para pressionar o patronato e a Justiça do Trabalho teve seu poder normativo suprimido. A política salarial da ditadura consolidou-se através dos decretos 54.018/64 e 54.228/64, das leis 4.725/65 e 4.903/65 e dos decretos-leis 15/66 e 17/66. 46
Além destas medidas, a Lei 4.330, de 1º de junho de 1964, conhecida como lei
antigreve, limitou de tal forma as greves, que, na prática, quem as organizasse e delas
participassem, seriam consideradas criminosas dentro da Lei de Segurança Nacional (LSN)
passíveis de todo tipo de repressão. Além disso, a criação do Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço (FGTS), através da Lei 5.170/66, também “implicaria no enfraquecimento sindical”47,
pois acabaria com estabilidade no emprego e incentivaria à rotatividade da mão-de-obra,
dificultando o trabalho sindical de mais profundidade.
Tão logo estas medidas foram sendo outorgadas, os golpistas preocuparam-se com a
influência interna que exerceriam sobre os operários. Para isso utilizaram interventores,
“aproveitados elementos da corrente dos renovadores, grande parte proveniente da igreja
católica, dos círculos de operários cristãos e membros das chapas de oposição ao sindicalismo
vermelho, de antes de 64”.48
Assim, formava-se uma base sólida para o desenvolvimento modernizante conservador
do capitalismo brasileiro, ampliando o abismo social entre ricos e pobres. A política
econômica colocada em prática, que fazia perder o ganho real do salário dos trabalhadores,
ficou conhecida como arrocho salarial, que seria o grande mote para a reorganização operária
em nível nacional.
O período de 1964 até 1966 seria marcado pela “compacta ação repressiva do governo e
pela desarticulação e acefalia do movimento operário”.49 Tentava-se reativar os sindicatos,
por serem a melhor estratégia de resistência conhecida da classe até então, mas a repressão e a
46 Idem, p. 18. 47 Idem. 48 MOMESSO, Luiz, op. cit., p. 157. 49 FREDERICO, Celso, op. cit., p. 21.
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intimidação – por exemplo, cerca de 2.800 fichas de delegados sindicais teriam sido levadas
pela polícia do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo50-, colocaria o movimento em
refluxo, apesar de algumas greves e piquetes espalhados pelo Brasil.
Ridenti é o que melhor expressa a profundidade do Golpe sobre o movimento operário,
com uma tradição de luta via institucionalidade, com pautas e estratégias vinculadas a
propostas governamentais. Assim, a queda do governo aberto a estas demandas seria fatal
para a organização da resistência, pois:
Na sociedade brasileira, no princípio da década de 1960, líderes populistas nacionalistas, como Goulart e Brizola, movimentos sindicais, as Ligas Camponesas, o próprio PCB e outras entidades eram, de alguma forma, representantes das massas trabalhadoras. O golpe foi dado quando tal representação ameaçou sair dos marcos da ordem capitalista, com a tendência crescente das massas irem superando seus antigos representantes, para constituírem propriamente uma classe. Os representantes do “povo” no pré-64 não se revelaram capazes de dar um salto de qualidade de sua representação, conduzindo uma resistência ao golpe, que poderia ter mudado a História. Jango e seus assessores civis e militares, Brizola e nacionalistas, trabalhistas e comunistas, porque não pudessem ou porque não quisessem, não tentaram o salto de representantes das “massas”, do “povo”, para representantes da classe trabalhadora; isso teria exigido resistência imediata, que não houve, para a surpresa dos golpistas.51
Dessa maneira, se criou entre a esquerda e os nacionalistas a “ilusão da
representatividade” dos movimentos sociais. Mesmo depois de arrasados pelo Golpe, tanto
nacionalistas quanto comunistas do PCB continuariam a se pautar por estratégias ligadas aos
laços institucionais que já não mais existiam:
Representações das massas populares, institucionalizadas ou semi-institucionalizadas
até 1964, não só o PCB, o CGT e a UNE, como também o movimento nacionalista ligado a
Brizola e ao próprio João Goulart, os movimentos dos subalternos das Forças Armadas, os
sindicatos com direções “progressistas”, as lideranças políticas, estudantis e sindicais, todos
se viram desprovidos de canais institucionais de atuação após o Golpe. A representação
dessas entidades e lideranças, sobretudo as legalizadas, estava fundamentalmente ligada à
organização institucional do Estado trabalhista.
Dado o golpe, uma vez perdidos os canais institucionais de representação, tratava-se de
encontrar outros caminhos, para continuar expressando a vontade dos representados. A
representatividade daquelas entidades estava vinculada ao “fetichismo da representação
50 Idem, p. 18. 51 RIDENTI, Marcelo, op cit., p. 240.
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popular no Estado democrático”52, em vigor de 1946 a 1964; com a queda do governo
trabalhista, desmanchou-se a trama representativa na qual se assentavam. Como elas poderiam
manter alguma representatividade, sem qualquer participação no poder de Estado, que era a
pedra de toque de todo o processo de representação das massas populares nos anos anteriores
ao golpe?53
A partir daí, novas estratégias seriam buscadas por todos os movimentos sociais
organizados contra a Ditadura. Organizações que já propunham a luta armada, antes do
Golpe, como a Política Operária (POLOP), e, especialmente o Partido Comunista do Brasil, o
PCdoB, que no contexto político pós-Golpe, quando o divisor de águas se tornou a questão da
luta armada, foi valorizado e recebeu uma leva de militantes descontentes com as políticas
pacifistas do PCB.54 Este, por manter sua política de resistência pacífica, se desmantelaria em
diversas correntes e organizações que começavam a se articular em torna da luta armada e do
foco guerrilheiro.55
O movimento operário, sem romper com a longa tradição vertical do sindicalismo, iria
dar continuidade ao sindicalismo de “cúpula”, partindo da lógica da equalização de lideranças
sindicais influentes com o resto do movimento operário. A partir de 1966, o movimento
operário começava a se reorganizar.
Lentamente, os operários, iam, dentro de sua lógica própria, tentando reativar o único
instrumento que sabiam demonstrar resultados, mesmo que imediatos: o sindicato. Desta
forma, a luta contra o arrocho salarial se tornou o mote que reuniria novamente e sob a mesma
bandeira o movimento operário de resistência.
Já nesta época vários grupos de esquerda, até mesmo os guerrilheiros que propunham a
implementação do socialismo, já atuavam no movimento operário. Dos 498 trabalhadores
processados pela Justiça Militar por envolvimento com a esquerda em geral, 98 teriam
ligações com a Ala Vermelha/PCdoB, uma dissidência do PCdoB, com a Ação Popular, a AP,
e o Partido Operário Revolucionário (Trotskista) POR(T); grupos, apresentados por Ridenti
como os únicos a colocarem em prática a “proletarização” de seus quadros oriundos de outras
classes sociais56, ou seja, militantes da classe média que se tornavam operários; o que não
52 Idem, p.242. Deve-se problematizar o quão democrático foi o Estado nesse período, já que o DEOPS nos estados não foram extintos e o PCB foi posto na ilegalidade em 1947. 53 Idem. 54 GORENDER, Jacob, op. cit., p. 117. 55 Idem. 56 RIDENTI, Marcelo, op. cit., p. 164.
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representa, de acordo com os números, muita relevância para o quadro geral de operários
inseridos na luta armada.
Exatamente por isso devemos ir para além da dicotomia entre organizações guerrilheiras
e classe operária. A presença destas organizações no meio operário, não pode ser vista,
portanto, como uma anomalia, ou algo externo ao movimento operário, como sugere vários
autores.
A verdade é que vários operários radicalizados iriam se integrar, dirigir ou até mesmo
fundar organizações guerrilheiras que pregavam a luta armada como estratégia de luta contra
a Ditadura e pelo socialismo.
Entretanto, ainda em fins de 1966, a estratégia da maior parte da classe operária ainda é
fortalecer os sindicatos. Para isso se buscou a estratégia da “atuação paralelista”, que
procurou através das “oposições sindicais, buscar uma alternativa para o trabalho sindical”.57
Isto significa dizer que, dentro das possibilidades dadas, procurou-se disputar as
eleições para a direção dos sindicatos, como chapas de oposição. Estas chapas de oposição
tentaram, e alguns casos, como no Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, conseguiram se
eleger, mas na maior parte atuaram de modo paralelo as direções subservientes ao governo
ditatorial, criando os chamados comitês de fábricas.
De acordo com José Ibrahim, um dos líderes do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco,
sobre os limites e objetivos dos sindicatos, e a atuação paralela a eles:
O sindicato é um órgão limitado, o importante é a organização pela base, os comitês dentro das fábricas – legais, ou clandestinos, de acordo com a situação específica – entretanto, desde que se tenha bem claro suas limitações, o sindicato é um instrumento válido, que pode servir ao objetivo principal, a organização independente da massa.58
Desta forma, os operários iam lentamente se organizando novamente em suas fábricas.
No segundo semestre de 1967, é formado o MIA, Movimento Intersindical Antiarrocho,
resultado de uma série de encontro de sindicalistas no biênio anterior. Os dirigentes do MIA
buscavam a maior prudência possível nas suas atividades para não chamar pra si a atenção da
repressão, estando claro, que organizações desse tipo não eram legalizadas.
Os encontros do MIA foram sempre problemáticos. De um lado, a polícia se fazia
presente o tempo todo, intimidando os dirigentes sindicais; de outro, uma parcela já
57 FREDERICO, Celso, op. cit., p. 65. 58 RIDENTI, Marcelo, op. cit., p. 179.
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radicalizada dos operários com o apoio do movimento estudantil, atuava no sentido de
radicalizar as atuações do MIA.
Celso Frederico considera esta “pressão” levada a cabo por estudantes radicalizados,
prejudicial e externa ao movimento, acabando apenas por prejudicá-lo. Para o autor
Esta intromissão de setores da UNE e da UEE encontrava apoio e estímulo em algumas “oposições sindicais” e no sindicato dos metalúrgicos de Osasco que, a contragosto, atuava dentro do MIA. De um modo geral, esses setores achavam que o MIA era uma reunião de burocratas sindicais sem representatividade, mais preocupados em fazer conchavos de cúpula do que em preparar a classe operária para lutar contra a Ditadura.59
O certo é que o MIA não conseguiu “preparar a classe” contra a Ditadura, não passando,
na verdade, de meros interlocutores dos sindicatos com a Ditadura. O 1º de maio de 1968,
última aparição do MIA exemplifica bem isso.
No dia do trabalhador, o MIA organizou um ato na Praça da Sé, cedida pelo governador
de São Paulo, Abreu Sodré. Este esperava a contrapartida do MIA em recebê-lo de braços
abertos, o que, de fato, teria acontecido se não fossem esses operários radicalizados e
estudantes presentes no ato, que acabaram por escorraçar o governador do palco e os
representantes do MIA. Em decorrência, houve o incêndio do palco, depois da realização de
um discurso que mobilizou a maioria dos presentes a se deslocar até a Praça da República,
onde se gritava “só a luta armada derruba a ditadura”60, como também foi apedrejado um
prédio do Citbank.
Frederico ainda aponta que “após esse episódio, o movimento sindical que havia
organizado a manifestação ficou na alça de mira dos órgãos repressivos e passou a sofrer
pressões abertas e ameaças de intervenção por parte do ministério do Trabalho”.61 Depois
disso, o MIA esvaziou-se e o trabalho sindical se desenvolveu de maneira independente.
Na verdade, não se deve confundir o movimento operário com a atuação de seus
sindicatos. O que transparece, neste caso, é a valorização da reorganização sindical, em
oposição ao negativismo com outras formas pelas quais operários buscaram seus objetivos.
Aqui se chocam dois projetos bastante distintos. De um lado, sindicalistas presos na
“ilusão de representatividade”, buscando na negociação, via canais institucionais, melhorias
para sua classe, ou seja, reproduzindo a histórica tradição de negociação e obtenção de
59 FREDERICO, Celso, op. cit., p. 57. 60 Idem. 61 Idem.
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direitos ligadas ao trabalhismo. De outro lado, operários buscavam dar um salto de qualidade
na relação da classe com o Estado, permitindo-se utilizar outras estratégias, adicionando
novos elementos à sua luta política, a derrubada da Ditadura, a implantação do socialismo,
etc.
Assim, o ano de 1968 começava com o movimento operário em ebulição. Não só o
movimento estudantil organizou diversas manifestações e passeatas, como os operários
realizaram as maiores greves desde o estabelecimento do Golpe, majoritariamente realizado
por aqueles operários radicalizados, na busca do enfrentamento direto com a Ditadura e
visando seu possível desgaste.
Assim, foram realizadas ao todo, grandes greves em Contagem, Minas Gerais; São
Bernardo do Campo, São Paulo; e Osasco, também em São Paulo.
A greve ocorrida em São Bernardo do Campo é, até agora, pouco estudada, talvez pela
sua breve duração, o que não deveria ser deixado de lado, vide o seu papel na retomada do
movimento operário, no final dos anos de 1970. Para Frederico, “foram movimentos de curta
duração, restritos ao interior das indústrias e que ocorreram à revelia da direção sindical que
foi surpreendida pelos acontecimentos”. Na greve, foram atingidas as seguintes fábricas:
Mercedez-Benz, Volkswagem, Willys, Chrysler, Kubota e Fendt”.62
Entretanto, Frederico acaba por se posicionar próximo ao pensamento de Weffort sobre
o caráter dessas paralisações, classificando-as como “movimentos espontâneos cuja direção
escapou tanto à direção sindical quanto às oposições sindicais”.63
Ora, uma greve ocorrida apenas um mês depois da primeira greve de Contagem, em seis
fábricas automobilísticas ao mesmo tempo, não pode ser encarada como espasmódica,
atrelado a um sentido negativo. Os movimentos sociais que se tornaram de alguma maneira
revolucionários na história, tiveram algum grau de espontaneidade.
Portanto, da perspectiva aqui adotada, “as greves de 1968 foram espontâneas na medida
em que não podem deixar de sê-lo os movimentos de massa”.64O que não significa falta de
organização e esvaziamento do sentido político desses movimentos; estes não podem ser
interpretado como algo puramente espontâneo, por causa de seu grau de organização, mas não
deve ser desconsiderado este efeito dinâmico intrínseco ao movimentos populares.
62 Idem, p. 149. 63 Idem. 64 GORENDER, Jacob, op. cit., p. 157.
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É de esperar-se, e pela falta de pesquisas é o que podemos fazer, que por mais curta que
fosse, uma greve em seis fábricas grandes da região deve ser no mínimo preparada e
articulada de alguma forma por alguém e de alguma forma ser organizada, ainda mais em
tempo de forte repressão, mesmo que se cometa o “pecado” de não passar pela aprovação do
sindicato oficial.
Antes, em abril, a primeira grande greve operária ocorreria em Contagem, Minas
Gerais. O Sindicato dos Metalúrgicos, desde fins de 1967, se organizava contra as imposições
do Ministério do Trabalho; a AP, a Corrente Revolucionária e o Comando de Libertação
Nacional (COLINA), já uniam esforços e atuavam na organização operária, influenciando o
rumo para o qual seguia a luta do movimento. Como mostra Gorender,
a 16 de abril de 1968, cerca de 1200 empregados da siderúrgica Belgo Mineira paralisaram sua atividade e se reuniram na sede do sindicato, supostamente à revelia da diretoria. Em poucos dias, os grevistas em Contagem já são 16 mil, unidos em torno da reivindicação de reajuste salarial acima do teto oficial de 17%. A envergadura do movimento impôs o deslocamento do Ministro do Trabalho Jarbas Passarinho para Belo Horizonte, onde se declarou disposto a negociações – algo insólito no comportamento governamental. Por fim, o Governo Costa e Silva concedeu 100% de abono, o que abriria ligeira fissura na rigidez do arrocho. Com esta vitória parcial, a greve se encerrou a 2 de maio.65
O movimento saindo vencedor deste episódio, não só acabou por influenciar outros
operários em diferentes cidades a fazer o mesmo, mas resultou em dois elementos do contexto
da época, até em tão pouco perceptíveis.
O primeiro era que os operários poderiam, à revelia das direções oficiais, buscar novas
estratégias de luta, dentro de sua lógica própria, enfrentar a Ditadura mais de frente na busca
por melhores salários e condições, não necessariamente buscando uma negociação de
“cúpula”. Paralisando a produção, mandava-se um recado até então não recebido à Ditadura,
de que o tão almejado “desenvolvimento”, modernizante e conservador, poderia ser paralisado
e afetado, de alguma forma, se não levassem em conta as demandas da classe operária.
Em segundo lugar, ao sair vitorioso, o movimento grevista demonstrou o despreparo e
até mesmo, a surpresa que o governo ditatorial recebeu a notícia, sendo pego desprevenido, e
passando esta impressão adiante no movimento operário, que logo repetiria esta estratégia de
luta.
65 Idem, 155.
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Depois da greve da região do ABC, foi a vez de outra cidade paulista. Osasco tinha
características peculiares em relação aos demais movimentos operários. Por ter tido uma
tradição recente de lutas, sendo emancipado o município apenas em 1962, o Golpe Militar-
Civil e as cassações não tiveram o grande impacto que ocorreu em outras cidades.66
Logo reestruturado o movimento, criou-se a Comissão de Fábrica da Cobrasma, maior
empresa de metalurgia de Osasco, empregando metade dos operários da cidade. Este
movimento logo conseguiu atuar com relativa autonomia porque a direção oficial do sindicato
ansiava por algum apoio da base. Mesmo assim a Comissão de Fábrica, que se organizava
cada vez mais, e que ainda contava com participação de estudantes, além do já citado caso de
estudantes-operários, tornava os debates de idéias dentro da Comissão riquíssimos.
Além disso, vários grupos da esquerda já atuavam fazia algum tempo em Osasco. O
Grupo de Sargentos, a AP, a POLOP, e depois Partido Operário Comunista, o POC, além de
anteriormente o PCB, mantinham contatos com os operários de Osasco, mas sem ter uma
militância orgânica capaz de influenciar os rumos das decisões.67
Segundo Antônio Roberto Espinosa, o qual havia sido operário à época dos
acontecimentos, o “Grupo de Osasco” ou “grupo de esquerda” - que em julho de 1967, com
José Ibrahim, com apenas 20 anos, foi eleito presidente do sindicato dos metalúrgicos de
Osasco, aliados à esquerda católica -, revela que “as relações que uniam o grupo eram
informais, ou seja, ele não tinha qualquer caráter partidário”.68 Mas um conjunto de certas
concepções dava alguma unidade a este grupo.
Segundo Espinosa, os elementos coesionadores seriam a “defesa do Socialismo, recusa
das práticas conciliatórias de classe e privilegiamento da participação e ação das bases”.69
Assim, de forma autônoma, operando dentro de uma lógica própria, o movimento operário de
Osasco ia mostrando suas peculiaridades. Para Espinosa
também havia no grupo uma evidente simpatia com a Revolução Cubana e pela luta armada. Exceto em alguns momentos de maior mobilização – quando eram criadas coordenações -, o grupo não possuía qualquer direção regular. (...) Em 1966 quando a UNE propunha o voto nulo, o grupo adotou uma posição singular: anular os votos para deputado e senador, mas participar ativamente da campanha eleitoral no âmbito municipal. Apoiou um candidato do MDB à prefeitura, Guaçu Piteri, e lançou candidato próprio
66 RIDENTI, Marcelo, op. cit., p. 177. 67 Idem, p. 178. 68 Idem. 69 Idem, p. 179.
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(pela legenda de oposição) a vereador; também fez propaganda de dois candidatos a vereador. Todos foram eleitos (...) [em 1968] enquanto uma parte do grupo passava a se posicionar em favor da guerrilha rural, os outros membros dos grupos foram se retraindo e desmobilizando. Inúmeros integrantes do grupo foram, um a um, sendo recrutados pela VPR.70
A adesão à VPR aconteceria somente ao fim da greve, que eclodiu no dia 16 de julho.
Planejada por pelo menos “duzentos homens” 71, os operários “paralisaram as atividades,
ocuparam as instalações e prenderam dezesseis diretores e engenheiros”.72 Segundo Gorender,
“o movimento grevista se estendeu a outras empresas, num total de dez mil participantes,
unidos sobre a bandeira do reajuste fiscal de 35%, trimestralidade dos reajustes e contrato
coletivo de dois anos”.73
Esperava-se, por parte dos grevistas, que em dois ou três dias, Osasco inteira estivesse
em greve, e que o movimento se alastrasse para o resto de São Paulo.74 Mas a repressão foi
imediata e a reivindicação do movimento grevista não foi aceita. No quinto dia de ocupação, a
polícia invadiu a fábrica, efetuou cerca de quinhentas prisões, empurrando várias lideranças
para a clandestinidade e outras para os porões do DOPS – o Departamento de Ordem Política
e Social -, como o operário José Campos Barreto.75
Justamente ao serem empurrados à clandestinidade, parte dos operários grevista aderiu,
principalmente, à VPR, uma das organizações mais militaristas das envolvidas com a luta
armada. Apesar de parecer contraditório, “a opção pela luta armada nasceu no seio da jovem
liderança operária de Osasco, em consonância com a pregação das organizações de extrema
esquerda que se dirigiram para atuar politicamente em Osasco em 68, especialmente a VPR”. 76
Alguns elementos contribuem para entender este paradoxo entre o movimento de
massas e o militarismo extremo, que supunha justamente ao contrário disso, pelo menos em
70 Idem. 71 Idem, p. 182 72 GORENDER, Jacob, op. cit., p. 156. 73 Idem, p.157. 74 RIDENTI, Marcelo, op. cit., p. 182. 75 O baiano José Campos Barreto, conhecido como Zequinha, foi militante da VPR e mais tarde do MR-8 – Movimento Revolucionário 8 de outubro -, onde foi designado a acompanhar Carlos Lamarca, na tentativa de implantação da guerrilha rural no sertão da Bahia. Foi morto em 17 de setembro de 1971, em companhia de Lamarca, depois de fugir pelo sertão durante quase um mês. Mais informações em: COMISSÃO de Familiares dos Mortos e Desaparecidos Políticos. Dosiê Ditadura Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil 1964-1985. 2 ed. São Paulo: Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos Políticos/Instituto de Estudos Sobre a Violência de Estado/Imprensa Oficial, 2009. 76 RIDENTI, Marcelo, op. cit., p. 179.
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uma primeira etapa. O primeiro foi o fato de a VPR não ter “uma política para o movimento
operário”, pois, de acordo com Espinosa:
Enquanto outras organizações tinham essa política, que nós considerávamos estreita, incapaz de acionar a classe operária – era o caso da AP, do que havia sobrado da POLOP, que viria a dar no POC. Já a VPR estava com a luta armada, com Guevara, Fidel e a Revolução Cubana, não tinha orientação burocrática de cima pra baixo, dizendo com é que tinha que ser o movimento operário. Uma das razões que nos levou para a VPR é que era a saída possível para a luta armada. (...) No caso da VPR - que ainda não tinha esse nome, recebido só no final de 68 – a organização mandou dois caras que, diferentemente dos outros, não vieram pra nos catequizar. Eles se juntaram aos trabalhadores todos que nós tínhamos, aceitavam aquilo que a gente fazia e se juntavam conosco em cima disso – não vinham apenas buscar quadros, nem impor uma visão.77
A aceitação da lógica interna do movimento operário osasquense, portanto, contribui
para a adesão destes operários à VPR. Além disso, José Ibrahim expõe que:
Existia, além do mais, uma questão política: nossa visão da época. Estávamos ligados ao movimento de massas, mas bastante comprometidos com as posições de ruptura com o reformismo e de luta armada que a esquerda começava a levantar. Partíamos da mesma análise de conjuntura que o restante da esquerda estava fazendo: o governo está em crise, ele não tem saída, o problema é aguçar o conflito, transformar a crise política em crise militar. Daí vinha nossa concepção insurrecionalista de greve: levar a massa, através de uma radicalização crescente, a um confronto com as forças de repressão. Era a visão militarista aplicada ao movimento de massas. Correspondia a uma determinada concepção do processo revolucionário. 78
Em parte, a análise do movimento operário grevista de Osasco e da esquerda armada da
época estava certa. O contexto era de crise, e potencialmente ficou demonstrado que a eclosão
de greves influenciava outras cidades a seguir o exemplo insurrecional – Contagem voltaria a
parar em outubro, sendo duramente reprimida ainda no mesmo dia – entretanto não se
considerava o dinamismo que as forças conservadoras e golpistas poderiam impor.
Fica claro que o Ato Institucional Nº 5, ou AI-5, de 13 de dezembro de 1968, suspendia
direitos, fechava o Congresso Nacional, proibia eleições em sindicatos, aglomeração de
pessoas, não sendo necessário que tais medidas passassem pelo Judiciário. Este salto adiante
no fechamento do regime foi uma resposta, sobretudo, aos movimentos operários e estudantis.
Depois do AI-5, quaisquer estratégias populares de resistência estariam inviáveis.
Greves, passeatas, paralisações e quaisquer aglomerações de pessoas seriam consideradas um 77 Idem, p. 183. 78 FREDERICO, Celso, op. cit., p. 151.
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ato de “traição” e cabíveis de repressão imediata, passariam a ser um crime contra a Lei de
Segurança Nacional. As instâncias judiciais tinham suas funções reduzidas a praticamente
nada, permanecendo apenas para manter uma aparência propagada como “democrática”.
Os “transgressores” poderiam ser agora, à vontade dos órgãos de repressão, que se
tornavam mais sofisticados e recebiam mais verbas da burguesia79, assassinados sem maiores
complicações jurídicas. Grandes manifestações passaram minguar, pois eram recebidas à bala
pela repressão, dificultando ainda mais esta estratégia de resistência.80 O Estado de terror que
se implantara soubera como lidar melhor com as resistências populares que ameaçavam o
projeto de modernizar de forma conservadora o capitalismo brasileiro.
A partir do AI-5, a maior parte da esquerda vai ser presa, torturada, exterminada ou
exilada. Entretanto, isto não foi o bastante para barrar o movimento operário. A repressão não
conseguiu evitar uma série de greves e paralisações, que não foram noticiadas e, pelo
contrário, abafadas pela censura, até o ano de 1971, quando finalmente não mais haveria
fôlego para tais estratégias.
Fato é que o projeto da esquerda armada foi derrotado quando estes perderam a base
social que continham. De acordo com Ridenti:
È preciso, justamente, abordar a morte ou o suicídio dos guerrilheiros no movimento da sociedade brasileira dos anos 1960 e 1970, em que os oposicionistas eram intimidados, perseguidos, presos, seviciados ou mortos pelo regime militar, na evolução de uma conjuntura de crise para uma conjuntura de recuperação econômica, em que os movimentos sociais entravam em refluxo e os grupos de esquerda armada, sem se darem conta da realidade em que estavam inseridos, tendiam a isolar-se socialmente, perdendo suas raízes, entrando numa dinâmica própria de sobrevivência e autoliquidação política.81
Mais do que entrar nesta dinâmica da qual Ridenti fala, o AI-5 empurrou os grupos
armados nesse isolamento social, quando precisam cortar os laços com a sociedade que
pretendiam revolucionar para poderem simplesmente sobreviver.
79 A Operação Bandeirantes (OBAN), centro clandestino de torturas e execução de presos políticos foi criada em 1969, financiada por empresários contrários a “subversão”, como Henning Boilesen, assassinado em 1971 por um comando de esquerda, justamente por esta ligação. O Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), surgido em setembro de 1970 a partir da OBAN, passou a articular e centralizar as tortura, sequestros e execuções, assim como toda a informação, das três forças armadas, institucionalizando o terrorismo de Estado. Para ver mais GORENDER, Jacob, op. cit., p. 171. 80 Para melhor entender a mudança de comportamento das forças repressivas contra as manifestações, ver SIRKIS, Alfredo, op. cit., 2008. 81 RIDENTI, Marcelo, op. cit., p. 268.
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Na outra ponta, os benefícios, que no desenrolar do tempo se mostrariam provisórios,
do chamado “milagre econômico”82, traziam novas perspectivas a classe operária, que
conjecturava no horizonte novas possibilidades de ganhos. Com a falência da estratégia mais
conhecida e historicamente enraizada de resistência - as greves -, o “milagre” aparecia como
uma boa oportunidade de ascensão social; não rompendo com a cultura de resistência e
negociação, se partiria para a tentativa de se apossar de parte da “fatia do bolo” que lhes
cabiam, partilhar dos bens de consumo que as classes médias podiam.
A história demonstrou como o “milagre econômico”, apenas endividou as contas do
País, aumentou a desigualdade social existente entre pobres e ricos. Assim como, no final da
década de 1970 se fez explodir a inflação, tornando a economia extremante instável, fazendo,
não só as classes médias retirarem seu apoio à política implantada pela Ditadura, como
colocando o movimento operário de novo em posição de resistência; com perdas salariais de
34, 1%83, ficava visível a efemeridade do, assim vendido, “milagre”. Mas no início de 1970,
isto era imperceptível para a maioria da classe operária.
Isto posto, fica perceptível que a atuação da classe operária foi muito mais complexa e
profunda do que propõe certa historiografia. O movimento operário organizado resistiu
operando dentro de uma lógica interna própria, não sendo possível desconsiderar as práticas
culturais históricas dessa classe, caracterizadas por negociação e resistência, ou seja, greves e
acordos.
Esta tradição foi em parte rompida, por aqueles operários que buscavam dar um salto de
qualidade na sua luta – a luta para si, que Marx fala – introduzindo novos objetivos e novas
estratégias de resistência. Quando esta estratégia popular se esgotou, frente ao
recrudescimento da Ditadura Militar-Civil, não restou opção a estes, quando ainda
participavam de greves e paralisações: se não pegar em armas e se inserir nas organizações da
esquerda revolucionária.
Aos operários que não aderiram a esta estratégia, deve-se aprofundar ainda mais os
estudos. Superficialmente expus alguns dos motivos. A institucionalização do terror de
82 A seguinte passagem é esclarecedora: “o governo do general Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), período em que ocorreu o maior número de assassinatos de opositores políticos, coincidiu com o chamado ‘milagre econômico’, nome usado para qualificar a retomada do crescimento econômico a uma taxa superior a 10% ao ano, uma das maiores da história brasileira. A expansão industrial concentrou-se no setor de bens de consumo duráveis, tais como eletrodomésticos e automóveis, e foi sustentada pelo crédito fácil a juros baixos, criando um clima de euforia entre os setores médios, transformados em vorazes consumidores”. Cf. COMISSÃO de Familiares dos Mortos e Desaparecidos Políticos, op. cit., p. 404. 83 Idem.
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Estado, com a complexificação dos órgãos de repressão, anula aparentemente a perspectiva de
resistência organizada, que, aliada ao nascimento do “milagre econômico”, parte para a
relação de negociação. Ou seja, acreditava-se que a melhor maneira na conquista de
benefícios para a classe seria através dos canais institucionais; pensava-se que, com uma
economia aparentemente pujante, parte da riqueza gerada poderia ser partilhada.
Ledo engano. O projeto de modernizar o capitalismo era conservador, e a classe
burguesa que articulou o Golpe não pretendia dividir seus “direitos” sobre a riqueza.
Neste contexto é que deve ser entendido a retomada do movimento operário de
resistência, no biênio 1978-79, quando não há mais perspectiva da classe operária em
participar das benesses do desenvolvimento do capitalismo. Não há mais acordos que possam
fazer retroceder esta análise.
Assim percebe-se que não há hibernação, ou sumiço, da atuação da classe operária. O
desenrolar histórico foi muito mais complexo que isso.
Mas como dito anteriormente, sobre esta parcela da classe que não aderiu à luta armada,
deve-se urgentemente aprofundar-se os estudos.
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Recebido em Setembro de 2011 Aprovado em Outubro de 2011