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REVISTA IN TERNACIONAL PORTUGUESA

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Page 1: REVISTA IN TERNACIONAL PORTUGUESA

REVISTAIN TERNACIONAL

PORTUGUESA

Page 2: REVISTA IN TERNACIONAL PORTUGUESA

_ I1ARC01993 N8 -._._.--

Lingua e Mudan9as Sociais- Algumas Reflexoes sobre ° caso de Moqambique

t4~partir de 1975, com a proclama-<;:aoda independencia nacional ecom a adopcao de uma politicamarxista e «revolucionaria», come-

earn a ser usadas, principalmente pelosorgaos de informacao, palavras que ate essaaltura nao pertenciam ao vocabulario activoda maioria da populacao. Palavras como:demagogia, poligamia, ritos de iniciacao,mobilizacao, engajamento, etc.

Provavelmente, por causa da ideologia deautenticidade que defendia que 0 homemafricano deve emancipar-se atraves de umaconsciencia clara da importancia da sua cul-tura, assistiu-se a uma larga campanha demudancas, Os nomes das ruas, cidades,escolas, hospitais e as formas de tratamentoforam alteradas. Esta mudanca a nivel datoponfrnia, hidronimia e antroponimia naose faz isoladamente. Ha toda uma mudancaadjacente ligada ao vestuario (comecam ausar-se balalaicas, lencos na cabeca, capu-lanas, etc.), aos habitos, e inclusive comecaa haver maior valorizacao da culinaria tipi-camente mocambicana, etc.

No que se relaciona a lingua, ocorreuma transforrnacao paralela a nivel lexical.

96 * Instituto Superior Pedag6gico - Maputo.

Hildizina Norberta Dias

o processo de criacao de novas palavrastorna-se mais produtivo, sac introduzidoscom mais frequencia emprestimos das lin-guas bantu e ocorre, tambern, a mudancasernantica de palavras ja existentes em por-tugues,

Para os falantes da lingua portuguesa 0

problema foi apenas de aprendizagem eactualizacao ao Iexico usado no momento.o grande problema colocava-se em relacaoas Ifnguas bantu, pois nao possufam todosos termos necessaries para veicular os con-ceitos abstractos da ideologia do partidoFrelimo. Decorrente disto surge uma neces-sidade concreta de modernizar e desenvol-ver as linguas para que pudessem respon-der as necessidades de momento.

It-se-a em primeiro lugar analisar a formacomo uma das linguas rnocambicanas, 0

Chuabo, acompanhou as rnudancas socio--culturais ocorridas no perfodo pos-inde-pendencia.

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/fE!/ HIICAI1BIOIIf - IINIiIJA E I1IIDANCAS SOCIA/;

2. Mecanismos de moderniza9clo. lexical do Chuabo

No periodo pos-independencia assiste-sede forma mais visivel a urn processo demodernizacao lexical, muitas vezes, efec-tuado de forma consciente pe!os orgaos deinforrnacao e mobilizadores populares dopartido Frelimo.

A analise dos mecanismos de moderni-zacao sera feita com base num corpus reco-lhido da Radio Mocambique e de infor-mantes.

A modernizacao de uma lfngua e 0 pro-cesso pe!o qual essa lingua se asseme!haem termos de riqueza lexical as outras lin-guas desenvolvidas. Este processo nao enovo, nem moderno e nao se destina ape-nas as lfnguas mocambicanas. 0 processode modernizacao lexical acontece quandoa lfngua "tern que aparecer numa serie deformas de discurso para as quais nao erapreviamente usada (Dorais: 1976).

o processo de modernizacao lexicalengloba 2 aspectos:

a) a expansao lexical de uma lingua atra-yes de novas palavras e expressoes,

b) 0 desenvolvimento de estilos e formasde discurso.

A presente reflexao debrucar-se-a apenassobre 0 primeiro aspecto.

Uma lingua possui 3 meios de expansaolexical, nomeadamente:

1) Lexicalizacdo - formacao de umalexia descrevendo a funcao ou apa-rencia de urn e!emento da experien-cia moderna.

Uma analise do corpus recolhido perrni-tiu discernir os diferentes process os utili-zados para nomear as realidades novas.Serao dad os apenas 2 exemplos de cadaprocesso para ilustracao:

1. Lexicalizacdo.

- njuni welabwaye patriota(aque!e que ama a sua terra) (')

- musongoreni - vanguarda(aque!es que nos ajudam a avancar)

2. Mudanca semantica.- mavurano - emulacao

(desafio)- mangawo - credito

(divida)

3. Emprestimos do Portugues.- xikola escola- nzame - exame

Com base num trabalho de Dorais (1976),foi possfvel inferir algumas regras de desig-nacao de palavras novas, nomeadamente:

1. Se urn elemento da experienciamoderna desempenha urn pape! que foitransferido antes de uma unidade da cul-tura tradicional, e designado por urn termoque se aplicava antigamente ao elementotradicional.

Exs: - palaza - altifalante(instrumento feito de corno de boi)

- madamaronda - mdo-de-obra(trabalhador sazonal)

2. Se urn elemento moderno desernpe-nha urn pape! tradicional, e percebidocomo tendo uma aparencia muito diferenteda unidade que jogava antigamente, e estepapel novo e, entao, designado por meiode uma lexia ou de urn vocabulo geralexprimindo urn dos seus traces salientes.

2) Mudanr;;a semantica - designacao deurn elemento novo por uma palavrapertencente ao lexico geral e ao voca-bulario da cultura tradicional.

3) Emprestimos de outra lfngua.

e) A traducao literal da lexia encontra-se entre parentesis. 97

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-_ I1ARC01993 NO •• - -- .--

Ex: - SupersticaoI? sentido- masarapitbo- hipnotismo2? sentido - okwiri - feiticaria3? sentido - matadhelo - proibicoes

3. Se urn elemento da experienciamoderna joga urn papel multiple ou malconhecido ou ainda, se ele e percebidocomo uma sub-especie ligando-se a umanova categaria sernantica generica, designa--se geralmente par uma lexia ou uma modi-ficacao de sentido exprimindo urn dos seustraces salientes.

Exs: - mapindulo a kobri - investimento(fazer crescer 0 dinheiro)

- muthengo wengesiwe - orcamento(dinheiro contado)

4. Se urn elemento da expenenciamoderna desempenha um papel radical-mente novo e designado geralmente porurn termo emprestado do Portugues.

Exs: - guvorno- socialismo

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Devido a forte ideologia de autenticidadeafricana, nos anos pos-independencia, 0

processo de modernizacao caracterizou-sesobretudo por uma forte incidencia dosmecanismos de lexicalizacao e mudancasemantica, sendo 0 primeiro 0 mais fre-quente e produtivo. Havia uma vontadeimensa de mostrar ao colonizador e aomundo inteiro que as nossas Iinguas eramcapazes de veicular conceitos abstractosque, normalmente, eram veiculados apenaspela lingua portuguesa. Assiste-se, entao, auma nacao deliberada de criacao de lexiaspara designar os elementos da experienciamoderna. 0 processo de lexicalizacao tevesucessos, e foram muitas as lexias que sefixaram e passaram a fazer parte do vocabu-lario activo dos falantes da lingua chuabo.

Como foi anteriormente referenciado, 0

processo de mudanca semantica nao foimuito produtivo. Elementos novos queeram designados atraves de uma palavrapertencente ao lexico da cultura tradicio-nal em 1975, 1976, 1977, como por exem-plo, «nieuru (grupo) para designar equipa,

mavurano (desafio) para designar emula-r;iioe mangawo (divida) para designar ere-dito, nao chegaram a ser usadas pelos falan-tes. Apenas os orgaos de inforrnacao e ume outro mobilizador tentaram introduzir nalingua, mas os falantes nao aceitaram estaspalavras.

Possivelmente, a nao aceitacao damudanca semantica de algumas palavras edevido ao facto de se tornar dificil retirara conotacao tradicional e atribuir urn novosenti do a palavra. Tudo leva a crer quealgumas palavras continuam a ser percebi-das como pertencendo ao lexico tradicio-nal, daqui a explicacao para a preferenciado uso de emprestimos em detrimento damudanca semantica.

Houve, durante esta epoca, uma tenta-tiva de usar certas palavras que redundouem fracasso, pois os falantes nem sequereram capazes de as descodificar nos con-textos em que eram usadas, como porexemplo, yuma (saco comprido que serviapara guardar 0 dinheiro) para designarBanco (estabelecimento de credito, paratransaccoes de fundos publicos ou particu-lares; ediffcio onde se realizam essas tran-saccoes).

Neste momento, 17 anos ap6s 0 desen-cadeamento deste processo verifica-se queos processos mais produtivos para a moder-nizacao sao a lexicalizacao e os empresti-mos. Os ernprestimos do Portugues estaoa ser bastante frequentes, principalmenteno que se refere a palavras ligadas a cien-cia, tecnologia, politica e outros dominies.

Parece que esta preferencia em relacaoaos ernprestimos pode ser explicada comouma consequencia das mudancas politicas,culturais e s6cio-econ6micas em curso emMocambique.

Com 0 enfraquecimento da ideologiamarxista-leninista e, principalmente, com 0

surgimento de uma economia de mercado,que exige pessoal qualificado, verifica-seuma maiar preocupacao em usar a linguaportuguesa, pois 0 momenta assim 0 exige.o Portugues vai, dia ap6s dia, ganhandomaiar prestfgio e aceitacao, principalmentea nivel das cidades. Esta elevacao do esta-tuto da lingua portuguesa provoca neces-sariamente 0 abaixamento de estatuto das

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IS NlJ(;At1mOIlE - LiN6UA f IflIlIAIIfM SIl:IA!S

Iinguas mocarnbicanas, e, consequente-mente a perda de vontade de as moderni-zar, de as enriquecer. No momenta actual,parece nao haver mais aque!e furor dosanos pos-independencia de modernizar aslinguas mocambicanas por seus propriosmeios, sem ser necessario recorrer a lfn-gua portuguesa. Grande parte das pessoasestao muito mais preocupadas em me!ho-rar as condicoes economico- financeirasindividuais, 0 que e cornpreensivel numasituacao de guerra e instabilidade como ea nossa. Apenas se vislumbram accoes iso-ladas e frageis por parte de alguns estu-diosos.

Passemos agora a analisar 0 desenvolvi-mento lexical do Portugues em Mocambi-que, no perfodo pos-independencia.

Como se pode verificar 0 Portuguese 0 Chuabo tiveram evolucoes diferen-tes. A modernizacao do Chuabo comecoude forma acentuada e notoria apos aindependencia e a do Portugues ocorreunos finais do sec. XVIII e principios dosec. XIX.

No perlodo pos-independencia, a linguaportuguesa apenas se adaptou a nivel lexi-cal a conjuntura do momento. Sao intro-duzidas no vocabulario activo dos falantes,palavras vulgarmente usadas pe!os ideolo-gos marxistas, como, por exemplo, mas-sas populares, opressao, demagogia,homem novo, etc.

Nos primeiros tempos, a criacao de novaspalavras foi feita, principalmente, atraves deurn processo de derivacao. Parece que esteprocesso foi motivado pe!a politica de«rnocambicanizacao» do Portugues. Tudolevava a crer que se pretendia naque!emomenta, formar palavras que se distan-ciassem da norma do Portugues Europeu,daf a criacao de palavras como: "-

-pacientar- desconseguir- confusionacao

3. 0 Portugues e as mudanqassOcio·politicas em Moqambique

Nao se pode falar de modernizacao lexi-cal em relacao a lingua portuguesa tal comofoi explanado para 0 Chuabo, vista que asIinguas percorreram caminhos de evolucoescompletamente diferentes.

Teysser (1990:73-74) afirma que «e pos-sivel isolar, na evolucao historic a da Hnguaportuguesa, varies eixos que permitemordenar e esclarecer os fenomenos linguis-ticos, nomeadamente:

1. Os descobrimentos e a expansao ultra-marina

2. Historia cultural e literaria3. As influencias estrangeiras

o fim do seculo XVIII e 0 inicio do sec.XIX pare cern ter sido uma epoca de transi-~ao entre 0 Portugues classico e 0 que sepode chamar de Portugues contemporaneo.

o vocabulario do Portugues enriqueceu--se acompanhando a evolucao cientfflca etecnica que se vivia no momento. Foi-se,por vezes, buscar no lexico existente a pala-vra propria para deno tar 0 objecto novo;na maior parte das vezes recorreu-se as raf-zes grego-latinas e tambern aos ernpresti-mos as linguas europeias, principalmente doFrances».

Muitas vezes estas palavras eram ate uti-lizadas por «bons» falantes do Portugues:elas serviam de identlficacao com as «mas-sas populares»,

A partir da decada de oitenta comecama surgir novos significados para muitas pala-vras ja existentes em Portugues. Estas pala-vras sao, maioritariamente, usadas pelosjovens. Muitas razoes podem estar na basedeste fenomeno, sendo uma de!as a consi-derave! fuga de jovens para os paises vizi-nhos. Tornava-se, deste modo, necessariocriar urn vocabulario que lhes fosse pro-prio e incornpreensivel por parte de outraspessoas. Palavras como, abrir, bater, via-jar, racbar, passam a ter outros signi-ficados.

Parale!amente a estes process os de for-macae de novas palavras e mudanca seman-tica de outras, introduzem-se ernprestimosdas Iinguas bantu e inglesa. Os ernpresti- 99mos do Ingles sao introduzidos, maiorita-riamente, pe!os jovens.

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mRWE~N8""""""""""""""""""""".Os ernprestimos das linguas bantu pare-

cern ser motivados por tres razoes prin-cipais:

1. Preenchimento de uma lacuna nolexico da lfngua portuguesa, quandoa realidade a ser referida julga-se ine-xistente em Portugal, como e 0 casode nomes de frutos, comidas ecostumes.

2. Preenchimento de uma lacuna noconhecimento da lingua portuguesa.Estes SaG introduzidos por falantesnuma fase inicial de aprendizagem dalingua portuguesa.

3. Identificacao socio-cultural entre osfalantes. 0 uso deste tipo de ernpres-timos e caracteristico das classesmedia e elevada. Este facto pode serexplicado tendo em conta a situacaode diglossia existente em Mocambi-que, em que 0 Portugues tern urnestatuto «elevado» e as lfnguas bantuurn estatuto «baixo».

Esta diferenca de estatuto socio-culturaldas linguas pode levar a formacao de umabilingualidade subtractiva, i.e., 0 indlviduobilingue valoriza mais a Hngua portuguesasua L2, do que a sua L1 (Lingua bantu).Presumo que, ao se comunicar em Portu-gues, ele tenta valorizar a sua L 1, usandotermos dessa Iingua.

Isto acontece, principalmente, com indi-viduos de classe media e elevada porquee neles onde os conflitos da bilingualidadeSaG mais acentuados. Por urn lado, eles terna necessidade de usar, quase que perma-nentemente, a Iingua portuguesa devido aexigencia de trabalho e, por outro lado, elessentem que se estao distanciando cada vezmais das suas origens. Resulta, deste modo,o uso consciente de ernprestimos lexicais,que, muitas vezes, se fixam e permanecemna lingua.

4. ConclusoesA finalidade principal do presente artigo

foi reflectir sobre alguns mecanismos queas linguas podem utilizar para acompanharo desenvolvimento social, cultural, politicoe econornico das comunidades.

Tentou-se expor 0 modo como 0 Chuaboe 0 Portugues acompanharam as mudancasno periodo pos-independencia, Verifica-seque existiram process os semelhantes deadaptacao as mudancas, nomeadamente, aocorrencia da mudanca sernantica de algu-mas palavras, a introducao de ernprestimose a criacao de novas palavras, por lexicali-zacao, no Chuabo e por derivacao, no Por-tugues.

Constatou-se, tambem, que 0 processode mudanca sernantica foi mais produtivono Portugues do que no Chuabo, devidoa razoes anteriormente referenciadas.

Neste momento, parece que a influenciado Portugues no Chuabo e grande,havendo urn grande mimero de ernpresti-mos. 0 mesmo nao parece estar a aconte-cer em relacao ao Portugues que, apesarde possuir ja muitos ernprestimos das lfn-guas bantu, eles nao sao significativos a talponto, que nos permitam afirmar que 0

Portugues de Mocarnbique esta sofrendograndes mudancas lexicais. Estas tendenciasdiferentes podem ser explicadas com baseno estatuto socio-cultural das duas linguas.

REFERENCIAS

DORAIS, L.]. (1976). «La structure du vocabu-laire mode me de la langue Inuit du Quebec».In: Homme. Labrador.

FERGUSON, C. A. (1968). «Language develop-ment». In: Language Problems of DevelopingNations. Wiley: New York.

OHL Y, R. (1977). «Patterns of New-Coined Abs-tract Terms (nominal forms) in Modern Swa-hili». In: Kisuiabili, vol. 47.

TEYSSER, P. (1990). Hist6ria da Lingua Portuguesa. Lisboa: Livraria Sa da Costa.