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abril 2015 | Revista Digital Carta Maior | 1

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Dossiê da Carta Maior sobre o grupo BRICS

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  • abril 2015 | Revista Digital Carta Maior | 1

  • Editorial - BRICS e o parlamentarismo de mercado Pg. 4

    Brics: um novo fundo monetrio e um novo banco de desenvolvimento Pg. 8

    Dos BRICS bricolagem chinesa no mundo ocidental Pg. 12

    Quem tem medo do drago chins? Pg. 15

    NDICE

  • China, Banco do BRICS e a infraestrutura brasileira Pg. 18

    Os 18 motivos da mudana de postura dos EUA em relao a Cuba Pg. 20

    O desafio da China diante do FMI: incorporar o yuan ao sistema SDR Pg 24

    Deciso da China viabiliza retomada do Brasil pela indstria bsica Pg. 28

    PETIO: Estados Unidos e Europa devem se juntar aos BRICS Pg. 31

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    levantes nacionais so arrancadas com as conse-quncias sabidas.

    como se uma gigantesca engrenagem cui-dasse de tomar de volta tudo aquilo que transgre-diu os limites da democracia poltica formal em direo a uma verdadeira democracia econmica e social.

    Instala-se nesse oco um outro paradigma de eficincia feito de desigualdade ascendente.

    A expanso estrutural do capital financeiro, cuja supremacia e crescente mobilidade determi-nam a desregulao em srie dos mercados im-pondo constrangimentos soberania democrtica das naes, desbrava e legitima esse processo.

    No h economicismo nessa constatao.

    A devastao do mundo do trabalho pelo de-semprego e a supresso de direitos a tni-ca do nosso tempo. Ela se dissemina globalmente como a contra-

    partida social mais perversa da era de livre mobili-dade dos capitais.

    Sob o impulso desse arrasto capitalista, in-vade o metabolismo das economias pelo canal do comrcio exterior; internaliza padres de competi-tividade derivados das novas cadeias de produo mundial; flexibiliza custos e dissolve garantias; ins-tala a precariedade na existncia assalariada.

    Uma a uma as tbuas de cho firme dura-mente impostas ao capitalismo por sucessivas geraes de lutas operrias, governos populares e

    Editorial: BRICS e o parlamentarismo de mercadoJoaquim Palhares - Diretor de Redao de Carta Maior

    Os BRICS, construindo um novo polo de liderana mundial, podem reverter a destruio do mundo do trabalho hoje operada pelo parlamentarismo de mercado.

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    Polticas de corte salarial puro e simples, ou o seu congelamento associado ampliao da jor-nada de trabalho, so implantadas sob a guarda do euro, em nome de uma bizarrice, a contrao expansiva que promete empregos e crescimento ao que sobrar da sociedade.

    Estoques picos de desemprego atingem 50% da juventude europeia nesse revival da auro-ra selvagem do capitalismo.

    No total, 24% da populao do continente no tem renda para sustentar suas necessidades bsicas, entre as quais, alimentar-se.

    Nos EUA, 47,5 milhes vivem com menos de 2 dlares por dia. O salrio mnimo hoje inferior ao vigente sob o governo ultraconservador de Ronald Reagan.

    Smbolo do way of life anticomunista dos anos 50/60, a classe mdia americana amarga 15 anos sem aumento real de salrios.

    Explica-se a hesitao do Fed em subir a taxa de juro em meio a uma recuperao de recheio social to dspar.

    No preciso ir mais longe para sentir o so-pro gelado da regresso conservadora.

    H 72 anos, no 1 de Maio de 1943, Getlio Vargas promulgava uma Consolidao das Leis do Trabalho, a CLT, que agora o parlamentarismo de mercado, liderado pelo business man, Eduardo Cunha, cuida de desmontar.

    Aproveita-se a ausncia de uma agenda po-sitiva de governo, para desengavetar uma agenda espoliativa da Nao.

    Sob Vargas, a CLT consagrou a obrigatorie-dade do registro em carteira para o trabalhador, limitou a jornada a oito horas, garantiu a estabili-dade aps dez anos na mesma empresa e oficia-lizou o salrio mnimo, institudo em 1936. Esta semana, a treva mencionada por Conceio ins-talou-se no Congresso Nacional para fazer aquilo que FHC tentou e no conseguiu em 2001: enfiar o punhal nas costas da CLT, introduzindo no merca-do brasileiro a terceirizao em massa do trabalho, em todos os setores e em qualquer funo, pavi-mentando demisses, arrocho e precarizao das relaes laborais em pleno retrocesso econmico.

    A inevitabilidade da soluo conservadora martelada diuturnamente pelo aparato emissor.

    O Brasil precisa, dizem os editoriais em festa, desmantelar a couraa do atraso lulopetista ma-terializada no quase pleno emprego, nos ganhos reais de salrio, no seguro desemprego e demais interditos ao exerccio da explorao nua e crua

    A poltica contribuiu de maneira inestimvel para o modo como essa lgica se imps.

    Erros e derrotas acumulados pela esquerda mundial desde os anos 70, sobretudo a coloniza-o de seu arcabouo programtico pelos valores e interditos neoliberais, alargaram os vertedouros de uma desregulao financeira cuja dominncia se tornou ubqua e impera em todas as esferas da vida humana.

    A queda do Muro de Berlim, em 1989, con-sagraria aquilo que os mais apressados se atreve-riam a denominar de fim da historia.

    No era. Mas os sinais vitais nunca se mostraram to

    frgeis para inaugurar o passo seguinte da huma-nidade.

    No por acaso, o colapso neoliberal em 2008 configurou-se, ineditamente, como uma ruptura capitalista desprovida de fora social capaz de transform-la em mudana de poca.

    O que se paga hoje em perdas e danos so-ciais a fatura desse vazio.

    Dito de outra forma, a desordem econmica neoliberal continua sendo administrada pela or-dem poltica neoliberal.

    Isso a treva!, resumiu em uma entrevista a Carta Maior a economista Maria da Conceio Tavares.

    No se trata apenas da metfora dos nossos dias.

    A mais-valia absoluta, na verdade, est de volta a uma Europa que agoniza sob os escombros daquele que j foi o Estado do Bem Estar Social mais avanado da histria.

    Erros e derrotas acumulados pela esquerda mundial desde os anos 70, sobretudo a colonizao de seu arcabouo programtico pelos valores e interditos neoliberais, alargaram os vertedouros de uma desregulao financeira cuja dominncia se tornou ubqua e impera em todas as esferas da vida humana.

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    bais no deprecia a urgncia da autocrtica petis-ta, nem autoriza a protelao dos enfrentamentos que cobram da esquerda brasileira o desassombro de uma frente ampla progressista para terem via-bilidade. imperioso, porm, interligar essa resis-tncia a de outros povos e naes para que ela seja vivel e o mantra mercadista no nos ensurdea.

    Faz parte da travessia a sedimentao de instituies cooperativas que devolvam aos Esta-dos e naes o poder de frear a mobilidade extor-siva dos capitais, resgatando a margem de mano-bra sobre variveis cruciais do desenvolvimento, como as polticas monetria, a fiscal, a cambial e a trabalhista.

    disso que trata o especial de Carta Maior deste fim de semana.

    O longo amanhecer de uma nova ordem mundial passa pelo desdobramento dos Brics em novos organismos de cooperao que preencham a lacuna criada com a destruio dos acordos de Bretton Woods, nos anos 70.

    A libertao dos demnios reprimidos em 1944, imps luta pelo desenvolvimento uma ca-misa de fora de indiferenciao regressiva entre a hegemonia dos mercados financeiros, o sistema poltico, a ordem jurdica e a gesto econmica.

    na esteira desse arrasto capitalista, repi-ta-se, que se viola a urna, a democracia e a sobe-rania indissocivel da luta pelo desenvolvimento.

    do trabalho pelo capital. Quando todos os insumos so livremente

    negociados e fatiados em escala global, no tem sentido manter a rigidez das relaes de trabalho, diz o jornal da famlia Frias.

    Trata-se, em sntese, de regredir a famlia as-salariada condio exclusiva de insumo, como alis Marx antecipou.

    Ajuda nesse sentido trazer a crise para den-tro do pas e, com ela, os ajustes retardados desde 2008 pelo intervencionismo estatal do lulopetis-mo.

    o que est sendo feito agora sob aplausos das federaes empresariais ao seu CEO no Con-gresso.

    Um governo desguarnecido em duas frentes estratgicas a da comunicao e a da politiza-o da luta pelo desenvolvimento-- ademais de acuado por escndalos meticulosamente midiati-zados, e engessado pelo esgotamento de recursos contracclicos, rende-se assim s prescries do mercado.

    Antes que a descrena transforme o cam-po progressista em um cemitrio de prostrao e autoflagelo preciso enfatizar as determinaes globais dessa encruzilhada para que se possa vis-lumbrar a luz do longo amanhecer ps-neoliberal.

    O que se sublinha como determinaes glo-

    Roberto Stuckert Filho/PR

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    tempo, que se desloca de Estados isolados para um ncleo de economias afins, capaz de reunir a escala financeira e geopoltica adequada regula-o de um espao econmico que permita plane-jar o desenvolvimento no sculo XXI.

    Sem isso fenece a busca do pleno emprego, torna-se errtico o investimento de longo prazo e impossvel a coordenao entre as moedas com ajustes cambiais peridicos-- para evitar crises de balano de pagamentos e guerras protecionistas.

    no escopo dessa armadura que ser pos-svel reverter, de fato, a destruio do mundo do trabalho hoje operada com notvel desembarao pelo parlamentarismo de mercado, sob a batuta de um personagem clssico destes tempos, o ova-cionado Eduardo Cunha.

    Essa a importncia dos instrumentos de co-operao financeira oficializados na VI Cpula de Chefes de Estado e de Governos do BRICS, que se estendeu entre Fortaleza e Braslia, em julho do ano passado.

    O fundo de reservas contingente para acu-dir naes sob o assalto especulativo das fugas de capitais, por exemplo-- ter valor inicial de US$ 100 bilhes (US$ 41 bilhes da China; Brasil, Rssia e ndia, com US$ 18 bilhes cada; e a frica do Sul, com US$ 5 bilhes).

    O Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) comea com um fundo de US$ 50 bilhes, subs-crito em partes iguais pelos cinco integrantes dos BRICS. A ideia que possa operar globalmente financiando projetos de infraestrutura em todo o mundo pobre e em desenvolvimento. Seria, assim, a principal ferramenta de influncia geopoltica dos BRICS na construo de um novo polo de li-derana mundial.

    Se o fundo de reservas guarda semelhanas com a funo original do FMI imaginada em 1944, o NBD seria a contraface progressista do Banco Mundial.

    Bretton Woods foi uma tentativa de erigir uma institucionalidade global, erguendo amorte-cedores que dilussem a repetio das causas das duas guerras mundiais --entre elas, a desordem espoliativa das naes pelos mercados desregu-lados.

    As sementes criadas agora pelos Brics tem a firme determinao de avanar nesse caminho e ir alm dele.

    Trata-se de promover um aggiornamento necessrio da fronteira da soberania em nosso Ri

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    Bretton Woods foi uma tentativa de erigir uma institucionalidade global, erguendo amortecedores que dilussem a repetio das causas das duas guerras mundiais --entre elas, a desordem espoliativa das naes pelos mercados desregulados. As sementes criadas agora pelos Brics tem a firme determinao de avanar nesse caminho e ir alm dele.

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    mecanismos independentes de financiamento e estabilizao. Refiro-me ao Arranjo Contingente de Reservas (Contingent Reserve Arrangement CRA) e ao Novo Banco de Desenvolvimento (New Development Bank NDB). O primeiro ser um fundo de estabilizao entre os cinco pases; o se-gundo, um banco para financiamento de projetos de investimento nos Brics e outros pases em de-senvolvimento.

    O Brasil tem atribudo, desde o governo Lula, grande importncia atuao no mbito dos Brics. No governo Dilma, a atuao conjunta com os de-mais Brics tornou-se uma das principais vertentes da poltica externa brasileira. Isso se tornou mais claro na cpula dos Brics em Fortaleza, em julho de 2014, quando foram assinados os acordos que estabelecem o CRA e o NDB. Esses dois mecanis-mos so complementares s instituies multila-terais de Washington e podem inclusive cooperar

    A escassez de recursos para financiar o de-senvolvimento e os surtos recorrentes de instabilidade nos mercados internacionais, com efeitos mais intensos nas economias emer-gentes, conferem importncia crucial criao de mecanismos de autodefesa e financiamento. As instituies multilaterais sediadas em Washington o FMI e o Banco Mundial mostram grande di-ficuldade de evoluir e se adaptar nova realidade internacional, marcada pelo peso crescente das economias emergentes. O G20 est semiparalisa-do desde 2011. Diante disso, os emergentes vm tomando, h algum tempo, as suas prprias provi-dncias em mbito nacional e reforando alianas entre si.

    Os Brics Brasil, Rssia, China, ndia e fri-ca do Sul tm se destacado nesse campo. Des-de 2012, esses pases vm negociando cuidado-samente, passo a passo, o estabelecimento de

    Brics: um novo fundo monetrio e um novo banco de desenvolvimentoPaulo Nogueira Batista Jr.*

    Cabe aos Brics mostrar, em especial aos pases em desenvolvimento, por que e para que queremos mais influncia e poder decisrio.

    Roberto Stuckert Filho/PR

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    pases pode ser concedido por meio de um instru-mento de liquidez imediata ou de um instrumento precaucionrio, este ltimo para o caso de pres-ses potenciais de balano de pagamentos.

    O CRA tem um sistema de governana em dois nveis. As decises mais importantes sero tomadas pelo Conselho de Governadores (Gover-ning Council), com os assuntos de nvel executivo e operacional ficando a cargo de um Comit Per-manente (Standing Committee). O consenso a regra para quase todas as decises. Somente as decises do Comit Permanente relacionadas a pedidos de apoio e de renovao de apoio sero tomadas por maioria simples de votos ponderados pelo tamanho relativo das contribuies individu-ais.

    Cada pas pode obter a qualquer tempo at 30% do seu limite de acesso, desde que observe os procedimentos e salvaguardas do Tratado. Um acesso acima desse percentual est condicionado existncia de um acordo com o FMI.

    As condies para aprovao de um pedido de apoio incluem: (i) no ter dvidas em atraso com os outros Brics ou suas instituies financeiras pblicas nem com as instituies financeiras mul-tilaterais; (ii) cumprir as obrigaes com o FMI re-ferentes ao Artigo IV (superviso) e ao Artigo VIII (proviso de informaes) do Convnio Constitu-tivo do Fundo; e (iii) assegurar que as obrigaes assumidas pelo pas que requisita apoio sejam no subordinadas, sendo classificadas, quanto ao direito de pagamento, ao menos pari passu com todas as outras obrigaes externas. Novo Banco de Desenvolvimento O NDB financiar projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentvel no s nos Brics como tambm em outros pases em desenvolvimento. H uma grande carncia de re-

    com elas. Mas foram concebidos para serem auto-administrados e atuar de forma independente.

    Enquanto diretor executivo do Brasil no FMI, participei dessas negociaes desde o incio, em 2012. Este artigo um breve depoimento sobre o que foi alcanado nesses anos e a tarefa pendente de implementao do fundo e do banco dos Brics.

    Alternativa potencial s instituies de Bret-ton Woods

    As instituies de Bretton Woods, o FMI e o Banco Mundial, existem h 70 anos. Em todo esse perodo, nada surgiu no campo multilateral ou plu-rilateral que possa ser caracterizado como alter-nativa a essas instituies, dominadas pelas po-tncias tradicionais os EUA e a Unio Europeia.

    O CRA e o NDB, ainda embrionrios, consti-tuem a primeira alternativa potencial. A Iniciativa de Chiang Mai na qual o CRA se inspira em parte no desempenha esse papel, uma vez que a pre-sena do Japo e da Coreia do Sul aliados pr-ximos dos EUA funciona na prtica como uma trava para o desenvolvimento independente da iniciativa. O Mecanismo de Estabilidade Europeu (European Stability Mechanism ESM) tampouco representa uma alternativa ao FMI, uma vez que coopera estreitamente com o Fundo e chega a domin-lo, no mbito da chamada troika, na for-mulao, financiamento e acompanhamento dos programas de ajuste e reforma para pases da rea do euro. A super-representao da Europa no FMI facilita a adaptao da instituio estratgia tra-ada em Berlim, Bruxelas e Frankfurt.

    Arranjo Contingente de Reservas

    O valor inicial do CRA US$ 100 bilhes. A China entra com US$ 41 bilhes; Brasil, Rssia e ndia com US$ 18 bilhes cada; e a frica do Sul com US$ 5 bilhes. Trata-se de um pool virtu-al de reservas, em que os cinco participantes se comprometem a proporcionar apoio mtuo em caso de presses de balano de pagamentos. O termo contingente reflete o fato de que, no mo-delo adotado, os recursos comprometidos pelos cinco pases continuaro nas suas reservas inter-nacionais, s sendo acionados se algum deles pre-cisar de apoio de balano de pagamentos.

    Os limites de acesso de cada pas aos recur-sos do CRA so determinados por suas contribui-es individuais vezes um multiplicador. A China tem um multiplicador de 0,5; o Brasil, a ndia e a Rssia, de 1; e a frica do Sul, de 2. O apoio aos

    As instituies de Bretton Woods, o FMI e o Banco Mundial, existem h 70 anos. Em todo esse perodo, nada surgiu no campo multilateral ou plu-rilateral que possa ser caracterizado como alternativa a essas instituies, dominadas pelas potncias tradicio-nais os EUA e a Unio Europeia.

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    emprstimos ou realizar outras operaes com o banco em condies que sero especificadas pelo Conselho de Governadores.

    Percalos do processo de negociao em 2012-2014

    O processo de negociao do CRA e do NDB desde 2012 enfrentou alguns percalos do lado brasileiro. Vale a pena recapitul-los brevemente, uma vez que podem se repetir na fase de imple-mentao das duas iniciativas. No caso do CRA, cuja coordenao esteve desde o incio sob res-ponsabilidade brasileira, o principal problema foi a relutncia do Banco Central do Brasil, que temia comprometer reservas brasileiras em operaes potencialmente arriscadas e atuou para retardar e esvaziar a iniciativa. Talvez a sua relutncia tenha diminudo ao longo do tempo, em face da determi-nao da presidente da Repblica de levar adiante a iniciativa e da consolidao do CRA como arran-jo acompanhado de uma srie de salvaguardas, in-clusive vinculao com o FMI, como mencionado acima.

    Apesar dos percalos, o Tratado que cons-titui o CRA abrangente e detalhado, incluindo detalhes de natureza operacional. A Diretoria Exe-cutiva do Brasil no FMI, com apoio do Ministrio da Fazenda, assumiu a tarefa de preparar as diferen-tes minutas do Tratado, representar as posies brasileiras, orientar e secretariar a negociao e fazer as simulaes para definir os parmetros do arranjo. Para esse trabalho nos valemos da nossa experincia no prprio FMI, dos acordos bilaterais de swap existentes e da experincia da Iniciativa de Chiang Mai.

    No caso do NDB, o problema foi de outra na-tureza: a insuficincia da equipe negociadora bra-sileira que se resumiu a alguns poucos integrantes da assessoria internacional da Fazenda, com pou-ca experincia na rea. O Brasil acabou no sendo adequadamente contemplado em definies b-sicas e na distribuio de cargos-chave do NDB. A China ficou com a sede; a ndia com a primeira presidncia do banco; a Rssia com a primeira pre-sidncia do Conselho de Governadores e o Brasil apenas com a primeira presidncia da Diretoria ou Conselho de Administrao. Corre-se o risco de que o NDB venha a ser um banco essencialmente asitico, dominado pela China e pela ndia, com os demais Brics desempenhando papel caudatrio.

    O Brasil no chegou sequer a pleitear a sede do NDB, ficando sem fichas na negociao de al-guns temas bsicos. A ndia insistiu at o fim em sediar o banco e acabou levando a primeira pre-

    cursos para financiar o desenvolvimento da infra-estrutura no mundo. O Banco Mundial e os bancos regionais de desenvolvimento no tm capital su-ficiente e continuam dominados pelas potncias tradicionais. Os EUA e outros pases desenvolvi-dos relutam em aumentar o capital e a capacidade de emprestar do Banco Mundial, mas querem ao mesmo tempo preservar o controle da instituio.

    para ajudar a cobrir esta lacuna que os Brics resolveram criar o seu prprio banco de desenvol-vimento. O novo banco ter um capital subscrito de US$ 50 bilhes e um capital autorizado de US$ 100 bilhes. O capital subscrito ser distribudo em parcelas iguais de US$ 10 bilhes entre os cinco membros fundadores, que tero assim o mesmo poder de voto. A sede ser em Xangai. O primeiro escritrio regional ser em Johanesburgo e haver tambm um escritrio regional no Brasil.

    O banco estar aberto participao de ou-tros pases. Os pases desenvolvidos podero ser scios, porm no tomadores de emprstimos. J os pases em desenvolvimento podero ser scios e captar recursos. Os Brics preservaro sempre pelo menos 55% do poder de voto total. Os pases desenvolvidos tero no mximo 20% do poder de voto. Fora os Brics, nenhum pas deter mais do que 7% dos votos.

    Mesmo que no se tornem scios do ban-co, pases em desenvolvimento podero tomar

    GCIS

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    cer na Rssia em julho de 2015. Para o CRA, estabeleceu-se que o grupo

    negociador conclua as regras e procedimentos operacionais do Conselho de Governadores e do Comit Permanente. Os bancos centrais ficaram encarregados de completar o detalhamento das operaes de swap de moedas por meio das quais ocorrer o aporte de recursos em caso de pres-ses de balano de pagamentos.

    Para o NDB, decidiu-se que o Presidente e os Vice-presidentes sero designados bem antes da cpula da Rssia. Decidiu-se tambm designar um Conselho de Administrao provisrio incumbido de conduzir o estabelecimento do banco.

    Significado dessas iniciativas Qual o signifi-cado dessas iniciativas? Se tivesse que resumir em uma frase, diria que estamos dando um passo sig-nificativo na direo de um mundo mais multipolar. H traos comuns entre os cinco Brics, para alm de todas as diferenas econmicas, polticas e histricas: so pases de economia emergente, de grande porte econmico, territorial e populacional, que tm condies de atuar com autonomia. Esse no caso da grande maioria dos demais pases de economia emergente ou em desenvolvimento.

    Os Brics no esto conformados com a atual governana internacional, que tem origem na es-trutura de poder que emergiu depois da Segunda Guerra Mundial e consagra representao e pa-pel exagerados para as potncias tradicionais. O mundo est mudando rapidamente. crescente o peso dos pases de economia emergente e em desenvolvimento. Mas as organizaes internacio-nais continuam a refletir uma realidade poltica e econmica do sculo XX.

    Cabe aos Brics, entretanto, na prtica do dia--a-dia no nosso trabalho no FMI, no Banco Mundial, no G20 e nas instituies que estamos em vias de criar, mostrar aos demais pases, particularmente aos outros pases em desenvolvimento, por que e para que queremos mais influncia e poder deci-srio. Que diferena faz para os pases menores, mais frgeis ou de menor renda, que poder deci-srio seja transferido das potncias tradicionais para os Brics? Se no o fizermos, nossa atuao conjunta ser vista pelos demais como mera dis-puta de poder.

    *Paulo Nogueira Batista Jr. economista e

    diretor executivo pelo Brasil e mais dez pases no Fundo Monetrio Internacional, mas expres-sa os seus pontos de vista em carter pessoal.

    sidncia. No devemos cometer o mesmo erro na de-

    finio da sede do CRA. Cabe entrar na disputa com cidade competitiva e atraente quem sabe o Rio de Janeiro? e travar essa disputa desde o incio da discusso. A China deseja sediar o CRA tambm em Xangai. Se prevalecer essa propos-ta, Xangai se transformaria na nova Washington sede do banco e do fundo monetrio dos Brics. O Brasil e os outros Brics apareceriam como mera linha auxiliar em duas iniciativas comandadas pela China. O desafio da implementao

    A assinatura em Fortaleza dos acordos que criaram um banco e um fundo monetrio dos Bri-cs alou a cooperao entre os cinco pases a um novo patamar. Agora, o grande desafio a imple-mentao das duas instituies. Essa fase de im-plementao vai definir o sucesso ou insucesso do CRA e do NDB, a sua maior ou menor importncia prtica e, em ltima anlise, o xito do prprio pro-cesso Brics.

    H que cuidar para que as duas instituies se estabeleam de maneira slida e no venham a ser deformadas ou enfraquecidas ao longo do pro-cesso de sua concretizao. H que atentar tam-bm para que elas entrem em funcionamento num futuro no muito distante, se possvel no primeiro semestre de 2016. Demoras excessivas podem le-var a que elas sejam ultrapassadas pelos aconteci-mentos e os Brics percam credibilidade.

    Nesse sentido, foi importante a reunio dos lderes dos Brics na Austrlia em novembro de 2014, presidida pela presidente Dilma Rousseff. Na ocasio, os lderes resolveram fixar metas para a implementao do CRA e do NDB, a serem alcan-adas at a prxima cpula dos Brics, que aconte-

    Os Brics no esto conformados com a atual governana internacional, que tem origem na estrutura de poder que emergiu depois da Segunda Guerra Mundial e consagra representao e papel exagerados para as potncias tradicionais. E crescente o peso dos pases de economia emergente e em desenvolvimento.

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    gem emperrada do FMI que ainda no consentiu o aumento da participao dos 5 pases em seu capital. Enquanto os EUA detm 17% do poder de voto na instituio, Japo 6%, Alemanha, Frana e Reino Unido 14%, e os BRICS com somente 11% e a China 3,8%. A governana financeira mundial no conta h tempos com uma posio melhor dos BRICS no FMI.

    Num primeiro momento US$ 100 bilhes, denominados Arranjo Contingente de Reservas, estaro disposio dos membros do grupo, para servir de fundo destinado a ser acionado e a so-correr os membros que sofram riscos de calote e problemas com seus balanos de pagamentos. Num segundo momento, a ideia usar o fundo para tambm adquirir participao nos empreen-dimentos (equities), dar garantias, liberar crdito de longo prazo e no simplesmente emprstimos bancrios em resgate parcelado. As atuais orga-nizaes multilaterais, como o BID e a CAF (Co-misso Andina de Fomento), no tm tido recur-sos suficientes, tampouco reformulam e atualizam seus sistemas.

    Em ingls, brics significa tijolos, enquanto, em francs, bricolage ou, em portugus, bricolagem, significa unir vrios elemen-tos para formao de um conjunto nico. Assim, uma interpretao livre, reunindo as duas palavras, seria tijolos colocados acima e ao lado de outros para montagem, a bricolagem, de uma arquitetura nica e comum a partir de uma engenharia con-certada a uma ou vrias mos.

    Esta arquitetura e engenharia vem sendo feita por um grupo de pases tendo como membro mais significativo a China. De incio, Brasil, Rssia, ndia, China e frica do Sul, os BRICS, com uma propos-ta de trabalho e operao comum e um acordo em fase de aprovao final. Posteriormente, um pas aqui, outro ali, e a China vai arrebanhando aliados para uma nova e ousada concertao nas dcadas vindouras. Sinais nesta direo foram dados pela Venezuela e Argentina.

    Com os BRICS nasce um banco de desen-volvimento, acoplado a um forte fundo de finan-ciamento a projetos de infraestrutura em pases emergentes. Vem a ser uma resposta engrena-

    Dos BRICS bricolagem chinesa no mundo ocidentalJos Carlos Peliano*

    A China sustenta e apoia negcios que, alm de serem de seu prprio proveito, contribuem seguramente para o desenvolvimento mundial. See

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  • abril 2015 | Revista Digital Carta Maior | 13

    (BCE) e Comisso Europeia (CE). O Brasil j este-ve nas cordas por conta do FMI em anos passados quando este ditava as regras para controle da eco-nomia e liberao dos recursos de emprstimos reparatrios. Hoje, felizmente o pas est fora das cordas e no meio do ringue graas poltica eco-nmica dos trs ltimos governos federais.

    Surgem temores de que a hegemonia ameri-cana atravs do Banco Mundial e do FMI ser subs-tituda pela chinesa atravs do banco dos BRICS. Ocorre que at agora os chineses no tm agido da mesma maneira que americanos e europeus ao no condicionarem termos restritivos aos seus emprstimos, por exemplo, como se d na frica. Ademais, a China no tem o modus operandi neo-liberal, sendo o Estado o dono da maior parte de seu sistema financeiro, ao contrrio dos demais pases capitalistas ocidentais onde as grandes companhias dominam o sistema e o Estado.

    O banco dos BRICS vem a ser igualmente um primeiro teste em direo diminuio da dolari-zao do sistema econmico mundial, o qual est ao fim e ao cabo nas mos de seis bancos ameri-canos que controlam praticamente 2/3 de todos os ativos bancrios mundiais (JP Morgan, Bank of America, Citigroup, Wells Fargo, Goldman Sachs, Morgan Stanley). O que significa que as turbuln-cias e as crises financeiras internacionais acabam governadas ou desgovernadas por esses seis ban-cos. Os EUA se tornam na realidade o banqueiro

    O banco dos BRICS vem a ser uma alternativa promissora ao FMI e ao Banco Mundial para aces-so a crdito disponvel em condies mais vanta-josas, prazos mais longos e juros mais baixos. Alm do que o novo banco dever diminuir a influncia internacional dos Estados Unidos e da Unio Eu-ropeia tanto nos negcios de grande vulto, quanto na influncia nos fluxos de capitais e dinheiro.

    Desde a Conferncia de Bretton Woods, em 1944, quando foram lanadas as bases do sistema financeiro internacional, incluindo a criao do FMI e do Banco Mundial, o controle efetivo das transa-es est nas mos dos EUA e parceiros aliados. Os pases emergentes, entre eles os BRICS, no tm tido vez nem voz.

    De fato, ou os pases se submetem ao es-tado de coisas, ou o estado de coisas submetem os pases. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Os termos dos emprstimos e socorros aos balanos de pagamentos so ditados pelo Banco Mundial e FMI, assim como os distrbios financei-ros internacionais, que derrubam as moedas dos pases emergentes, os mais pobres e fracos em reservas e volume de comrcio, so manipulados pelas transaes das naes mais ricas e fortes.

    Grcia, Portugal, Espanha, Itlia e Irlanda so exemplos de anos recentes. Foram empurrados pelo rolo financeiro em conluio com desgovernos de suas autoridades monetrias e agora sofrem o arrocho da Troika - FMI, Banco Central Europeu

    Din

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    ou /

    Flic

    kr

  • 14 | Revista Digital Carta Maior | abril 2015

    oficiais de instalao do banco dos BRICS. Reu-nidos recentemente na Confederao Nacional da Indstria (CNI) pediram agilidade na liberao dos recursos para projetos pblicos e privados de infraestrutura e desenvolvimento sustentvel. Os pleitos sero levados reunio dos representan-tes dos BRICS na Rssia. As limitaes financeiras nacionais e internacionais esto pesando no anda-mento dos portflios de investimentos industriais.

    A China tomou a frente e deu incio libera-o de recursos, se no sob a gide do banco, pelo menos em sua direo ao se comprometer com a Petrobras no financiamento de US$ 3,5 bilhes atravs do Banco de Desenvolvimento chins. O documento o primeiro de um acordo de coope-rao que ser levado a efeito de 2015 a 2016. Sob o esprito da cooperao entre pases do grupo dos BRICS, a iniciativa mostra que a Petrobras, apesar das denncias de corrupo, uma em-presa slida e recebe a confiana de credor inter-nacional fora do mbito dos bancos americanos e europeus.

    A confiana da China no acordo de coope-rao da Petrobras no s mostra ao mundo sua disposio em garantir condies de expanso da maior empresa brasileira, como tambm aprova a conduo de seus negcios na rea do petrleo. Ao contrrio de grupos da opinio pblica nacional que querem desabonar e desqualificar a empresa mesmo sabendo de sua vitalidade, resultados e capacidade de tecnologia e produo.

    Se o banco dos BRICS mostra sua fora e poder de influir positivamente no cenrio financei-ro internacional, a China sozinha com sua bricola-gem econmica e financeira sustenta e apoia ne-gcios que, alm de serem de seu prprio proveito, contribuem seguramente para o desenvolvimento mundial.

    *Economista, colaborador da Carta Maior

    internacional. Em contraposio hegemonia americana, a

    importncia do novo banco pode ser avaliada pela soma do PIB dos 5 pases membros em torno de US$ 16 trilhes. Esta cifra supera a soma dos pro-dutos de todos os pases que fazem parte da Zona do Euro e atinge 14% do produto bruto mundial. Ademais, os 5 pases detm 35% do total das re-servas internacionais em moeda.

    A presidncia rotativa do banco dos BRICS foi recm assumida pela Rssia, o que certamente dever refletir em movimentos polticos e diplom-ticos para fazerem frente hegemonia americana. Arranjos diferenciados para o desenvolvimento e a segurana podero ser implementados que re-dundem em iniciativas promissoras nas reas co-mercial, econmica e diplomtica para o grupo de pases.

    A Rssia, em particular, se beneficia face ao embargo que sofre dos EUA e aliados europeus, funcionando os 4 pases restantes do grupo como sua janela temporria de oportunidade comercial e econmica. A prxima reunio do grupo em julho na Rssia dever consolidar as medidas tomadas at agora bem como expandir e detalhar novas aes e atividades.

    Antes disso, no entanto, o empresariado bra-sileiro j se mobiliza para apressar as definies

    november-13 / Flickr

    A confiana da China no acordo de cooperao da Petrobras no s mostra ao mundo sua disposio em garantir condies de expanso da maior empresa brasileira, como tambm aprova a conduo de seus negcios na rea do petrleo.

  • abril 2015 | Revista Digital Carta Maior | 15

    nos para quebrar a ordem institucional, atravs de novos tipos de golpe. Golpes econmicos, golpes institucionais ou a renncia antecipada dos gover-nantes.

    Observando a realidade regional em perspec-tiva, chega-se concluso de que, pela primeira vez neste sculo, as naes mais importantes en-frentaram ameaas simultneas sua ordem ins-titucional.

    verdade que houve movimentos golpistas prvios, no Paraguai (2012, com sucesso), Equa-dor (2010) e Bolvia (2008), mas dessa vez contra governos progressistas de menor importncia ge-opoltica, e no foram simultneos, como os que ocorrem nestes momentos no Brasil, na Argentina e na Venezuela.

    O longo brao de WashingtonA propsito, qualquer analista rigoroso, seja

    de direita ou de esquerda, afirmaria que Washin-gton no alheio s mobilizaes contra Dilma, Cristina e Maduro, assim como no o foi nos mo-vimentos contra o ex-presidente paraguaio Fer-nando Lugo e seus colegas Rafael Correa e Evo Morales, que puderam reverter suas crises e con-tinuar no poder.

    Os Estados Unidos jamais censurou as insur-gncias no Paraguai, no Equador e na Bolvia, as-

    Um fantasma sobrevoa a Amrica do Sul. Bra-sil, Argentina e Venezuela, principais potn-cias sul-americanas, enfrentamprocessos desestabilizadores encabeados por personagens que repudiam a nova poltica externa de Dilma Rousseff, Cristina Kirchner e Nicols Maduro, ao mesmo tempo que recomendam restabelecer uma relao preferencial com Washington.

    O desgaste poltico do governo brasileiro de-vido guerra poltica alimentada pelos defensores do impeachment comparvel situao obser-vada em Buenos Aires, embora no sejam pano-ramas idnticos, pois na Argentina a direita evita falar em golpe, apesar de tentar incendiar o pas at as eleies de outubro.

    No cenrio portenho, a guerra poltica foi forada pela morte de um promotor que recebia ordens de Washington, algo diferente da tambm grave situao poltica bservada em Caracas, ameaada por grupos de choque e milcias polti-cas de direita.

    Apesar dessas diferenas parciais, o impor-tante que os trs governos so vtimas de pla-

    Quem tem medo do drago chins?

    Dario Pignotti, de Buenos Aires

    Tanto a China como os governos progressistas da Amrica Latina apostam na consolidao de uma ordem mundial multipolar, sem protagonismo dos EUA.

    Zara Gonzalez / Flickr

  • 16 | Revista Digital Carta Maior | abril 2015

    poder fticos norte americanos estimulam, com maior ou menor dissimulao, as foras conserva-doras locais (banqueiros, mdia privada e partidos de direita), em sua conspirao contra as experi-ncias progressistas.

    Contudo, o acosso estadunidense contra o Brasil, primeira economia latino-americana, e seus scios argentinos e venezuelanos, tambm mo-tivada pela aproximao deles com a China, um gi-gante que comea a ameaar a hegemonia ianque na Amrica do Sul.

    A China vem exercendo uma estratgia na regio sustentada numa diplomacia aberta ao di-

    logo e principalmente nas relaes econmicas Pequim j ultrapassou Washington em termos de comrcio com Brasil e Argentina.

    Drago herbvoro?China e Estados Unidos travam uma batalha

    na Amrica do Sul, que pode ser comparada, ape-sar das diferenas, com a que j mantm na fri-ca, outro continente rico em alimentos, minerais e petrleo.

    Sendo, como so, as duas maiores potncias mundiais, ambos os pases do prioridade s suas estratgias expansionistas.

    sim como, na atualidade, no dissimula sua distn-cia diplomtica com Brasil, Venezuela e Argentina.

    Basta observa a hostilidade do Departamen-to de Estado contra Venezuela, aplicando severas sanes, por considerar o pas uma ameaa sua segurana nacional. Ou o permanente assdio di-plomtico contra Cristina Kirchner, que se viu obri-gada a publicar nota oficial solicitando ao governo de Barack Obama que termine com a ingerncia nos assuntos internos da poltica argentina.

    No caso do Brasil, por um lado, Washington e Braslia mantm um dilogo formal, mas as re-laes esto praticamente congeladas desde se-tembro de 2013, quando a presidenta suspendeu uma visita de Estado em reposta espionagem da NSA contra ela e a Petrobras. At hoje, apesar das queixas apresentadas formalmente pela presi-denta, a NSA ainda no a excluiu da lista de lderes investigados.

    Em resumo: os Estados Unidos esfriaram e at suas relaes com os trs governos progressistas mais longevos do continente: o do Partido dos Tra-balhadores, o do peronismo de centro-esquerda e o do movimento bolivariano.

    Paralelamente, o governo e os grupos de

    Contudo, o acosso estadunidense contra o Brasil, primeira economia latino-americana, e seus scios argentinos e venezuelanos, tambm motivada pela aproximao deles com a China, um gigante que comea a ameaar a hegemonia ianque na Amrica do Sul.

    Nos primeiros trs meses de 2015, enquanto se tornaram mais agressivos os ataques desestabilizadores contra Brasil, Argentina e Venezuela, o presidente chins Xi Jinping demostrou seu respaldo continuidade dos respectivos governos.

    John Chandler / Flickr

  • abril 2015 | Revista Digital Carta Maior | 17

    com Cristina Kirchner, com quem chegou a um acordo para a construo de represas hidroel-tricas na Patagnia argentina e um de bilhes de yuans. O dinheiro chins ajuda a recuperar as re-servas portenhas, e representa um balde de gua fria nos especuladores que preparavam um ataque contra o peso argentino.

    Finalmente, na semana passada, o Banco de Desenvolvimento da China liberou um crdito de 3,5 bilhes de dlares para a Petrobras, com o qual o Brasil poder conter a presso contra a petrolei-ra, impulsada especialmente pelos acionistas nor-te-americanos.

    Esses acionistas operam como os abutres econmicos, buscam sangrar a empresa e apro-veitar o que sobra dela. Contam com o apoio de lobistas interessados em enterrar a legislao pe-troleira que concede prioridade Petrobrs na ex-plorao dos campos do Pr-Sal.

    Exemplos que apenas ilustram a estratgia chinesa, interessada na estabilidade regional e se situando como anttese dos Estados Unidos, que atravs da diplomacia formal e dos grupos de in-teresse privados, tenta manter contra as cordas autoridades democraticamente eleitas.

    preciso analisar o drago chins que no herbvoro, mas sim absolutamente pragmtico como uma potencial ameaa imperial, mas que no curto ou mdio prazo pode despontar como um aliado imprescindvel.

    Isso porque a China vem demostrando, atra-vs de iniciativas concretas, seu compromisso com uma Amrica do Sul com independente dos Estados Unidos.

    Tanto a China como os governos progressis-tas da regio apostam na consolidao de uma ordem mundial multipolar, na que as potncias emergentes devem ganhar mais peso, como o Brasil e os blocos de diversa magnitude, desde a Unasul at o cada vez mais robusto BRICS.

    Ningum supe que a China um drago herbvoro que desembarca no Brasil, Argentina, Venezuela, Bolvia, Equador e Chile para favorecer esses pases sem pedir nada em troca. So rela-es de poder objetivas, marcadas por processos histricos.

    nesse ponto que a China se destaca, ofere-cendo um fator importante de estabilidade e apoio continuidade dos governos de esquerda, com os quais reforou as relaes comerciais, financeiras e tambm diplomticas.

    Nos primeiros trs meses de 2015, enquanto se tornaram mais agressivos os ataques desesta-

    bilizadores contra Brasil, Argentina e Venezuela, o presidente chins Xi Jinping demostrou seu respal-do continuidade dos respectivos governos.

    Mais que isso, o fez com gestos polticos e iniciativas concretas. Em janeiro, enquanto os gru-pos desestabilizadores venezuelanos, financiados pelos Estados Unidos, redobraram sua ofensiva (liderados pela extremista Mara Corina Machado, amiga de Acio Neves), Jinping se encontrou com o presidente Nicols Maduro e assinou com ele al-guns acordos importantes.

    Dois meses depois, o lder chins se reuniu

    preciso analisar o drago chins que no herbvoro, mas sim absolutamente pragmtico como uma potencial ameaa imperial, mas que no curto ou mdio prazo pode despontar como um aliado imprescindvel.

  • 18 | Revista Digital Carta Maior | abril 2015

    outras naes que no faam parte do BRICS.O fundo dos BRICS ter US$ 100 bilhes. A

    China ficar responsvel por US$ 41 bilhes des-te total. Brasil, ndia e Rssia, por US$ 18 bilhes cada, e frica do Sul, por US$ 5 bilhes.

    Esses fatos mostram como foi importante para o Brasil participar dos BRICS, para ter um contraponto adequado fora do FMI e suas po-lticas neoliberais. At o governo alemo j de-monstrou interesse em participar desse NBD!

    A infraestrutura brasileira ainda insuficien-te em vrias reas. No para menos! A partir de 2002, a corrente de comrcio exterior quase quin-tuplicou, passando de cerca de US$ 100 bilhes em 2002 para cerca de US$ 480 bilhes em 2011. A partir da, o ritmo diminuiu mas continua cres-cente.

    Os principais gargalos so as ferrovias para o transporte de gros, alm de eclusas hidrovirias

    No incio deste ms (1/4), a Petrobras fechou com o Banco de Desenvolvimento da China um emprstimo de US$ 3,5 bilhes, para re-forar o caixa da companhia.

    No dia 27/3, A Secretaria de Imprensa da Pre-sidncia da Repblica informou que O governo brasileiro aceitou o convite da Repblica Popular da China para participar como membro-fundador do Asian Infrastructure Investiment Bank (AIIB), que tem como objetivo garantir financiamento para projetos de infraestrutura na regio da sia.

    No ano passado, os pases do bloco dos BRI-CS (Brasil, Russia, India, China e frica do Sul) anunciaram a criao de um banco voltado para o financiamento de projetos de infraestrutura em pases emergentes.

    O Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) foi criado com capital inicial de US$ 50 bilhes com autorizao para chegar at US$ 100 bilhes e financiar projetos de infraestrutura tambm em

    China, Banco do BRICS e a infraestrutura brasileiraJos Augusto Valente

    Ao participar do Banco dos Brics, o Brasil se contrape fora neoliberal do FMI, tendo a possibilidade de investir mais em infraestrutura.

    Roberto Stuckert Filho/PR

  • abril 2015 | Revista Digital Carta Maior | 19

    exigir um volume significativo de recursos, sen-do que na rea de portos todos provenientes das empresas com contrato de arrendamento e con-cesso.

    Em relao a ferrovias, haver aporte de re-cursos do tesouro, devido mudana no marco regulatrio. Neste caso, a Valec compra a capa-cidade das ferrovias dos concessionrios que construiro e/ou operaro as respectivas malhas ferrovirias e vende o direito de passagem aos operadores logsticos que quiserem utiliz-la.

    Assim, o Novo Banco de Desenvolvimento po-der emprestar ao governo brasileiro os recursos necessrios para pagar a construo e operao das novas ferrovias, em condies mais favorveis, especialmente em termos de juros e perodos de amortizao.

    No passado, o governo utilizava prioritaria-mente recursos do Banco Mundial para investi-mentos em infraestrutura de transportes. Com o advento do Novo Banco do BRICS, abre-se uma possibilidade que poder ser mais adequada para as atuais e futuras necessidades de investimento em infraestrutura logstica, com peso menos signi-ficativo para o tesouro.

    Finalmente, no mbito da Petrobras, alm dos emprstimos, a China poder auxiliar na acelera-o da produo de navios-sonda, em seus esta-leiros.

    Como se v, so muitas as possibilidades decorrentes desse alinhamento do Brasil com os grandes economias de pases emergentes.

    nas regies Norte e Centro-Oeste. preciso redu-zir a presena dos caminhes ao papel no qual ele mais eficiente. O de alimentao do sistema fer-rovirio, hidrovirio e martimo.

    Em relao s Ferrovias, o 11o Balan-o do PAC2 (Dez/14) mostrou que, no perodo 2011/2014, foram concludos 1.088 km, entrando em operac%u027a%u003o 855 km da Ferrovia Norte-Sul (FNS), de Palmas/ TO a Ana%u001po-lis/GO, e a extensa%u003o de 247 km da Fer-ronorte, entre Alto Araguaia/MT e Rondono%u-001polis/MT. Estavam em andamento mais 2.677 km, como a Extensa%u003o Sul da Ferrovia Nor-te-Sul, de Ouro Verde/GO a Estrela dOeste/ SP, com 77% realizados, e o trecho da Ferrovia de Integrac%u027a%u003o Oeste-Leste, de Caeti-te%u001/BA a Ana%u001polis/GO, com 61% re-alizados. Alm desses, foram realizados 945 km da Ferrovia Nova Transnordestina.

    Esto em projeto as ligaes Lucas do Rio Verde (MT)/Vilhena (RO), o prolongamento da Ferrovia Norte-Sul de Aailndia (MA)/Barcarena (PA), as conexes Nova Transnordestina/Norte--Sul em Estreito (MA) e Integrao Leste-Oeste, de Barreiras (BA) Figueirpolis, na Norte-Sul.

    H tambm necessidade de eclusas na hidro-via Teles Pires-Tapajs, especialmente.

    Na rea de portos, ainda neste ano, devero ser licitadas 159 reas para arrendamento dentro do porto organizado. Aguarda-se apenas a libera-o do TCU.

    Pois bem, esse conjunto de necessidades

    Roberto Stuckert Filho/ PR

  • 20 | Revista Digital Carta Maior | abril 2015

    No podemos continuar fazendo a mesma coisa e esperar um resultado diferente. Este o argumento oficial do Presidente para justificar a nova poltica. Trata-se, portanto, de mudar as t-ticas para conseguir o mesmo objetivo, que pro-vocar a mudana no sistema poltico cubano a fa-vor de seus interesses, desta vez mediante o uso do poder brando: relaes polticas, econmicas, sociais e culturais para conquistar o castelo de dentro. Desde a queda da URSS at pouco tempo atrs, Washington j no podia tratar Cuba como uma ameaa sua segurana nacional.

    As coisas mudam quando a Rssia e a China reencontram os velhos companheiros cubanos e comeam a ampliar seus laos em todos os nveis, e diante do olhar atento do Conjunto de Opera-es Especiais do Pentgono, com sede na Flri-

    Ningum estava pressionando um Barack Obama debilitado e exausto para que rom-pesse o tabu de restabelecer relaes diplo-mticas com Cuba, lanando-se para os falces belicosos. Neste mercado da poltica e da realpo-litik, no qual reina a lgica do custo-benefcio, o pequeno tamanho do mercado cubano e seus in-significantes recursos naturais no explicam essa histrica deciso de Obama. Que sejam bem-vin-das essas nove reunies em 18 meses com repre-sentantes de Cuba, e logo a confisso da derrota, do triunfo do povo cubano e de todas as foras progressistas do mundo que denunciavam o meio sculo de cruis e inteis sanes, atentados, sa-botagens, e outros atos de guerra contra a ilha so-cialista, que se negou a se transformar em outro estado falido.

    Os 18 motivos da mudana de postura dos EUA em relao a CubaNazann Armanian

    As coisas mudaram quando a Rssia e a China reencontraram os velhos companheiros cubanos e comearam a ampliar seus laos em todos os nveis.

    Foto- Pete Souza / Offi

    cial White H

    ouse

  • abril 2015 | Revista Digital Carta Maior | 21

    4. Os EUA pretendem estar presente em Ha-vana quando houver a mudana geracional de seus lderes para poder influir sobre eles de dentro.

    5. Para a opinio pblica norte-americana, esse gesto em relao ao vizinho cubano mais importante que os desastres deixados por Obama no Iraque, Afeganisto, Paquisto, Imen, Ucrnia ou Sria. Alm disso, alivia a decepo dos elei-tores democratas pelo descumprimento de suas promessas eleitorais na poltica exterior.

    B. No contexto da poltica regional:1. Aps o fracasso da estratgia de Regresso

    sia para conter a China, de ter sido arrastado s guerras do Oriente Prximo, e do surgimento de governos de esquerda em vrios pases da regio, Obama decidiu Regressar Amrica para re-cuperar a influncia debilitada sobre os centenas de milhes de almas da Amrica. Vai desenterrar a Doutrina Monroe para aplic-la sua maneira, apesar de que John Kerry ter dito no ano passado que essa doutrina havia morrido (mas tambm dis-

    da. O fato de no impor a Cuba qualquer condio para dar esse passo (ao contrrio das exigncias feiras a Ir ou Rssia para retirar sanes) se deve a essa preocupao e tambm ao fato de que Ha-vana no morria de vontade e de necessidade para se ver obrigada a aceit-lo, ainda que a impren-sa democrtica com a finalidade de acalmar as crticas afirme que haja um compromisso dos cubanos para restaurar o capitalismo, como o pre-o a pagar pelo fim do bloqueio.

    Os trs nveis das razes no oficiaisA. No contexto da poltica interna dos EUA, os

    seguintes fatores contaram na tomada de deciso por Obama:

    1. O fato de o prprio presidente pertencer corrente de polticos que admite a decadncia do imprio e a existncia de uma nova ordem multi-polar, opondo-se aos falces vestidos de arma-dura e presos fico de se ver como a nica e todo-poderosa superpotncia. J em 2004, como senador, ele criticou o embargo.

    2. O fato de ter feito isso a pouco tempo de deixar seu cargo, e no durante os seis primeiros anos de mandato, porque no tem nada a perder: entrar para a histria sem pagar qualquer custo poltico.

    3. A impossibilidade de encontrar ou criar um lder carismtico entre os opositores exilados capaz de provocar um levante em Cuba: pois as rebelies populares surgem e triunfam sobre fun-damentos objetivos e no pela eloquncia de sal-vadores de todo tipo. Alm disso, as sanes in-crementavam os sentimentos anti-EUA do povo cubano, e tambm quanto legitimidade de seu governo. As medidas tomadas por Washington es-to sendo apoiadas inclusive pela maioria dos exi-lados cubanos, que assim poderiam ampliar seus laos com a ilha.

    Trata-se, portanto, de mudar as tticas para conseguir o mesmo objetivo, que provocar a mudana no sistema poltico cubano a favor de seus interesses, desta vez mediante o uso do poder brando: relaes polticas, econmicas, sociais e culturais para conquistar o castelo de dentro.

  • 22 | Revista Digital Carta Maior | abril 2015

    C. No contexto internacional:1. Cuba em troca da Crimeia? Ainda que no

    tenham nada a ver, essa iniciativa foi, sem dvida, a jogada mais magistral de Obama contra a China e a Rssia, que se atreveram a entrar de cheio no quintal dos EUA. Passou despercebida a Resolu-o 758, aprovada em dezembro pelo Congresso dos EUA, e que insta o governo e os pases aliados no s a armar a Ucrnia, mas a tomar medidas militares contra a Rssia.

    Moscou, que se sente acurralada, em mano-bras sem precedentes, exibiu no dia 31 de outubro o voo de seus quatro avies Tu-95 (equivalente aos B-52 americanos) no cu da OTAN, desde o Bltico at Portugal.

    2. No motivo de preocupao para os EUA que a China, o principal inimigo do imprio para Obama, tenha se transformado no segundo scio comercial de Cuba (e de outros pases latinos) de-pois de ningum menos que a Venezuela?

    3. O temor de que o aumento das relaes de China e Rssia com a regio inclua tambm sua presena militar. Por isso, resgatam a memria da crise dos msseis de 1962 para justificar a difu-so do medo. A imprensa do dia 12 de novembro

    seram samos do Iraque, do Afeganisto, e fecha-remos Guantnamo).

    2. As fortes e contnuas presses dos pases latino-americanos sobre Washington deram fru-tos: por fim, conseguiram que Cuba estivesse pre-sente na Cpula das Amricas.

    3. A necessidade de recuperar a projeo he-gemnica em uma regio no auge econmico, e fazer isso com o controle dos grandes projetos de infraestrutura, como o da ampliao do Canal do Panam e das exploraes petrolferas no Golfo do Mxico.

    4. Recuperar a Venezuela, e no apenas me-diante o dumping dos preos do petrleo (pla-nejado com a cumplicidade da Arbia Saudita) ou com provocaes internas; mas sobretudo geran-do distanciamento entre Havana e Caracas. Cuba continua representando a resistncia diante do imperialismo, e h quem, inclusive na esquerda, chame de vacilo a acertada poltica de Havana.

    5. Trazer o Brasil para perto de si e tir-lo dos Brics. Para os estrategistas da Casa Branca, inadmissvel que se desfaa do dlar em suas transaes e, alm disso, equipe seu exrcito com bilhes de dlares de armas russas.

    Franck Vervial

  • abril 2015 | Revista Digital Carta Maior | 23

    perao na produo de produtos farmacuticos, agrcolas, de transporte, minerao e turismo. Mas agora que a Rssia (assim como a Venezuela) foi tocada pela queda dos preos do petrleo e pelas sanes econmicas (e dificilmente possa cumprir os acordos), Mr. Marshall pensa em chegar com seus milhes ao pas que empobreceu previamen-te.

    7. Para os russos, Cuba mais do que uma questo geopoltica ou de reputao. uma ques-to sentimental. E acreditam que arranha a ima-gem russa o fato de que agora os norte-america-nos queiram ocupar seu lugar na Ilha.

    Moscou e Pequim opinamDmitry Rogozin, vice-primeiro-ministro russo,

    considera que a ttica calculada do novo enfoque da Casa Branca, mesmo sendo positivo para os cubanos, no mais do que um abrao de urso para estrangular Cuba.

    A China elogia Obama por demonstrar que um estadista que soube transformar um jogo de nenhum ganhador em um no qual todos ganham, e o v como o legado mais memorvel de sua pre-sidncia.

    Os EUA no aprendem com seus errosReconhecer que o bloqueio econmico, co-

    mercial e financeiro contra Cuba no provocou um levante popular contra o governo socialista no significa que Washington v deixar de utilizar essa ttica que, segundo o direito internacional, uma declarao ilegal de guerra contra uma na-o. Nem sequer funcionou contra o governo im-popular de Saddam Husein no Iraque, e improv-vel que provoque mudanas nas polticas de Putin.

    Cuba, que se beneficia com a entrada de tec-nologia e capital norte-americanos agora que a Rssia e a Venezuela esto sofrendo com a sa-botagem petrolfera , no poderia nem deveria perder essa oportunidade com o governo Obama: afinal, os mais belicosos ameaam ocupar o Salo Oval em 2016. Para alm de toda a especulao sobre o futuro de Cuba, hoje, vendo as naes in-teiras que ardem no fogo das guerras, o primor-dial a defesa da diplomacia nos conflitos entre os estados. A paz a condio prvia para qualquer ao democrtica.

    possvel que o presidente Obama, com esse pequeno passo que deu com Cuba, esteja dando um passo gigante para conseguir o grande prmio de sua poltica externa: Ir (e este o 18 motivo). Ele conseguir?

    ressaltou que o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, organizou patrulhas nas guas do Golfo do Mxico, ainda que tenha desmentido que a Rssia fosse reativar as instalaes de espionagem ele-trnica de Lourdes (Cuba), o mais potente centro de escutas da URSS no exterior para monitorar as comunicaes dos EUA. Lourdes foi fechada em 2001 por problemas financeiros e tambm pela presso de Washington.

    4. Os EUA, que agora dedicam poucos recur-sos na defesa de suas fronteiras (enquanto investe quantidades absurdas para desestabilizar as fron-teiras dos demais, recorrendo excepcionalidade dos EUA), se vero forados a investir dinheiro nis-so e aumentar a militarizao da regio. Este um fator contraproducente para atrair a confiana de estados que ele pretende iludir.

    5. Obviamente, o peso do temor de perder a Amrica Latina muito maior que o de fazer neg-cio com um pequeno e pobre pas como Cuba (no se trata de um Ir, de 80 milhes de consumidores e suas imensas reservas de petrleo). Foi casual o fato de, um dia antes de anunciar a boa notcia, Obama ameaar Moscou com novas sanes?

    6. H cinco meses, quando houve a queda do avio malaio sobre a Ucrnia, passou despercebi-da a notcia da visita de Vladimir Putin na Amrica Latina; poucos perceberam que Moscou havia per-doado 90% dos 26 bilhes de euros da dvida que Cuba havia contrado com a Unio Sovitica. Putin tambm assinou com Cuba importantes contratos de investimento na indstria petrolfera da ilha, a construo do novo aeroporto da capital, a cria-o de uma empresa area russo-cubana, e a coo-

    Os EUA, que agora dedicam poucos recursos na defesa de suas fronteiras (enquanto investe quantidades absurdas para desestabilizar as fronteiras dos demais, recorrendo excepcionalidade dos EUA), se vero forados a investir dinheiro nisso e aumentar a militarizao da regio. Este um fator contraproducente para atrair a confiana de estados que ele pretende iludir.

  • 24 | Revista Digital Carta Maior | abril 2015

    Sob essa mesma perspectiva, a agncia de notcias Xinhua lanou um polmico editorial, em outubro de 2013, sobre a desamericanizao do mundo: o endividamento irresponsvel por par-te do governo de Barack Obama aumentava os desequilbrios estruturais e com isso, revelava a urgente necessidade de diminuir o poder e a in-fluncia dos Estados Unidos[1]. Agora, em maro de 2015, Li Keqiang, primeiro-ministro da China, solicitou diante do Fundo Monetrio Internacional (FMI), discutir a incorporao do yuan ao sistema de Direitos Especiais de Saque (ou SDR, em sua sigla em ingls, em referncia a Special Drawing Rights).

    Os SDR so ativos de reserva internacional, criados pelo FMI, em 1969, para complementar as reservas dos bancos centrais e apoiar o sistema de paridade fixa estabelecido em 1944. No comeo,

    Apesar da oposio dos Estados Unidos, a ascenso global do yuan se tornou inevit-vel. Agora, o governo chins, nas prximas reunies do FMI, buscar a incluso do yuan no sistema de Direitos Especiais de Saque (SDR), um passo decisivo para convert -lo em moeda de re-serva mundial.

    A China est pronta para avanar com a ideia de fazer o yuan ser um rival do dlar e colocar em xeque sua dominao no Sistema Monetrio Inter-nacional. Em 2009, Zhou Xiaochuan, o governador do Banco Popular de China, fez um apelo para que se reformasse o sistema mundial de reservas, pois as violentas flutuaes do dlar exigiam da econo-mia mundial um maior esforo para garantir mais estabilidade e confiana. Em definitivo, a China se ops a ter que arcar com os custos da crise que havia se iniciado na Bolsa de Nova York.

    O desafio da China diante do FMI: incorporar o yuan ao sistema SDRAriel Noyola Rodrguez*

    A China est pronta para avanar com a ideia de fazer o yuan ser um rival do dlar e colocar em xeque sua dominao no Sistema Monetrio Internacional.

    Jason Wesley U

    pton / Flickr

  • abril 2015 | Revista Digital Carta Maior | 25

    sujeito a controles de capital. Adicionalmente, en-fatizaram que somente alguns poucos pases re-alizavam transaes sob sua denominao. Final-mente, afirmaram que o Banco Popular da China mantinha subavaliado o tipo de cmbio, e com isso forava a supremacia industrial do gigante asiti-co no mercado As autoridades do FMI no podem conceber que, em diferena com outros pases emergentes, a China decida determinar os tempos de sua poltica de abertura. As experincias de cri-ses financeiras na Amrica Latina e no continente asitico, durante as dcadas de 80 e 90 respecti-vamente, colocaram em evidncia perante o mun-do as terrveis consequncias de adotar os prin-cpios do chamado Consenso de Washington sem qualquer tipo de restrio.

    A China, porm, aprendeu bem as lies da histria econmica. Teve sucesso ao evitar cair nas provocaes do Departamento de Tesouro e do Sistema de Reserva Federal, as instituies que, usando o presidente do FMI como seu porta-voz global, acusam o pas de manipular a cotao da sua moeda, e que, consequentemente, insistem na abertura indiscriminada de sua conta de capital como requisito para maior integrao do yuan.

    No h dvidas de que, em meio preca-riedade econmica a partir da crise hipotecria (subprime), mais cmodo para o governo dos Estados Unidos utilizar bodes expiatrios no lugar de assumir suas prprias responsabilidades.

    Contudo, os chineses concentram seus esfor-os em olhar suas prprias necessidades e levar adiante, gradual e pacientemente, o processo de abertura ao sistema financeiro. Por um lado, au-mentaro os incentivos para participar no Pro-grama Chins de Investidores Institucionais Es-trangeiros Qualificados (RQFII, por sua sigla em

    os SDR se definiram a partir de um valor equiva-lente a 0.888 gramas de ouro. Contudo, uma vez que Richard Nixon, quando era presidente dos Es-tados Unidos, colocou fim aos acordos de Bretton Woods, em 1971, os SDR se definiram com base numa espcie de cesta bsica de moedas.

    Na prtica, os pases membros do FMI com-pram moedas do sistema SDR para cumprir com suas obrigaes. Em outros casos, os vendem para ajustar a composio de suas reservas internacio-nais. Nesse contexto, o FMI atua na qualidade de intermedirio entre seus membros e os detentores autorizados de moedas do SDR, para garantir os cmbios em moedas de uso livre.

    H cada cinco anos, a reviso do SDR por par-te do FMI examina a importncia das suas divisas nos sistemas financeiros e comerciais mundiais. Por outro lado, e apesar do crescente protagonis-mo dos pases emergentes na economia mundial, a composio do SDR se manteve inalterada du-rante dcadas.

    Atualmente, o dlar norte americano con-serva 42% das reservas, seguido pelo euro (com 37.4%), a libra esterlina (11.3%) e o yen japons (9.4%). Como possvel que a queda do dlar na composio das reservas dos bancos centrais dos ltimos 15 anos, de 70% a 60%, isso no tenha gerado a mais mnima modificao nas cotas de poder dos Estados Unidos no FMI? Evidentemen-te, tamanha desproporo causou inconformismo entre os lderes do Partido Comunista chins, que tentam promover a liderana da China na econo-mia mundial, e acham que para isso necessitam ter maior peso nas decises tomadas pelo FMI, o que s poderia acontecer a partir da integrao do yuan ao SDR.

    Existem dois critrios bsicos para conside-rar a incluso de uma moeda no sistema SDR. O primeiro o de que ela deve estar atrelada a uma economia com elevada participao nas exporta-es mundiais, requisito facilmente cumprido pela China. O segundo que a moeda deve ser plena-mente conversvel, ou seja, o pas emissor debe manter aberta a conta de capital (que inclui os crditos e os investimentos da reserva) de forma que os investidores do resto do mundo possam comprar e vender ativos financeiros denominados nessa mesma moeda, para que sejam as foras livres do mercado as que determinem. No caso de China, esse segundo aspecto o mais controver-so. Em 2010, durante o XLI aniversrio do sistema SDR, os funcionrios do FMI rejeitaram a incorpo-rao do yuan com o argumento de que estava

    Existem dois critrios bsicos para considerar a incluso de uma moeda no sistema SDR. O primeiro o de que ela deve estar atrelada a uma economia com elevada participao nas exportaes mundiais, requisito facilmente cumprido pela China. O segundo que a moeda deve ser plenamente conversvel.

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    parao com a divisa norte americana, o msculo econmico de China se fortaleceu. A muralha geo-poltica dos mares do Sudeste asitico, construda pelo Pentgono e pelo Departamento de Estado, fracassou como estratgia de conteno: a China aumenta seus fluxos de comrcio e investimento na Amrica Latina e no Caribe, nos pases do Nor-te da frica, do Oriente Mdio, da Europa, etc.

    At mesmo com os Estados Unidos a China incrementou seus vnculos comerciais. Entre 2007 e 2014, o governo chins duplicou a quantidade de suas importaes de 62 a 124 bilhes de dlares, de acordo com a Secretaria de Censo dos Esta-dos Unidos. Quais so, portanto, as terrveis con-sequncias para empresas norte americanas do comrcio desleal e da manipulao cambiria provocadas pelos chineses?

    Enquanto os Estados Unidos atuam unilate-ralmente nos mbitos das finanas e da geopol-tica, a China abre seu prprio caminho atravs do aumento exorbitante de seu comrcio exterior, que constitui, alis, a fora mais importante para a internacionalizao do yuan. Em 2007, quando a China se transformou na primeira potncia ex-portadora mundial, superando os Estados Unidos, seus intercmbios comerciais comearam a ado-tar o yuan, substituindo o dlar. De acordo com as projees elaboradas pelo HSBC, a proporo do comrcio da China em yuans passar de 25% a 50% nos prximos cinco anos[2].

    Em outubro de 2013, o yuan j superou o euro como a segunda moeda mais utilizada nas opera-

    ingls). Ao mesmo tempo, impulsionaro o projeto Stock Connect, o mecanismo piloto que, desde no-vembro de 2014, permite comprar e vender aes empresariais da China continental atravs de uma plataforma financeira de Hong Kong.

    Embora isso resulte numa maior gravitao dos bancos privados nos circuitos de crdito, o governo chins equilibrou a medida, colocando mxima prioridade na administrao de riscos: a tendncia deflacionria (queda de preos) amea-a soterrar o crescimento econmico e a estabi-lidade financeira. A China implementar um siste-ma de seguros de depsito nos prximos meses. Desta maneira, os bancos pagaro aplices de seguro e um organismo central se encarregar de administrar o dinheiro. Em situaes de insolvn-cia, se pagar uma compensao mxima de 500 mil yuans (81,5 mil dlares) por depsito. A medida uma das condies necessrias para liberalizar as taxas de depsito, e posteriormente as taxas de juros. O objetivo dar maior amplitude ao yuan.

    Por outro lado, deve -se recordar que, em 2005, o yuan deixou de ancorar -se no dlar (8.28 yuans por dlar) e passou a flutuar numa variao em torno a 0,3%. A partir de ento, os limites de flutuao da moeda foram incrementados em trs ocasies, a ampliao mais recente foi levada a cabo em maro de 2014, quando esses patamares se estabeleceu em 2%.

    Nos ltimos 5 anos, embora o yuan se tenha aumentado seu valor em mais de 10% em com-

    Wikim

    ediaCom

    mons

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    empresas chinesas mar afora. Finalmente, uma vez instalada no sistema SDR, a moeda chinesa reverteria as desvantagens que tem hoje no mer-cado internacional com relao ao yen japons e a libra esterlina[7].

    Sem sombra de dvidas, o crescimento do yuan se tornou irreversvel. Segundo as estima-tivas de Massimiliano Castelli, diretor de estrat-gia das instituies soberanas do banco UBS, at 2020 os bancos centrais de todo o mundo aumen-taro em 500 bilhes de dlares as suas reservas na chamada moeda do povo (renminbi, apelido usado pelos chineses para se referir ao yuan)[8].

    Os debates sobre a incorporao do yuan ao sistema SDR sero mais intensos a partir de maio. Em novembro, poderia acontecer, finalmente, a votao da iniciativa apresentada pela China, que, se for aprovada, se tornaria efetiva em janeiro de 2016. Os Estados Unidos e seus aliados tero po-der para convencer a maioria dos membros do FMI contra da internacionalizao do yuan?

    * Ariel Noyola Rodrguez economista forma-do pela Universidade Nacional Autnoma do M-xico.

    [1] Commentary: U.S. fiscal failure warrants a de Americanized world, Xinhua, 13 de outubro de 2013.

    [2] Half of Chinas total trade to be settled in yuan by 2020 HSBC CEO, Michelle Chen, Reu-ters, 26 de maro de 2015.

    [3] RMB now 2nd most used currency in tra-de finance, overtaking the Euro, SWIFT, novem-bro de 2013.

    [4] RMB strengthens its position as the se-cond most used currency for documentary credit transactions, SWIFT, fevereiro de 2015.

    [5] RMB breaks into the top five as a world payments currency, SWIFT, janeiro de

    [6] IMFs Lagarde says inclusion of Chinas yuan in SDR basket question of when, Reuters, 20 de maro de 2015.

    [7] Guest post: IMF decision could propel renminbi past sterling and yen, Jukka Pihlman, The Financial Times, 15 de dezembro de 2014.

    [8] Yuan reserves set to rise by $500 billion over 5 years: banks, Patrick Graham e John Ged-die, Reuters, 25 de fevereiro de 2015.

    Fonte: Russia Today.Traduo de Victor Farinelli

    es de financiamento comercial[3]. Atravs da China continental, tendo Hong Kong e Cingapura como principais centros de emisso, os crditos comerciais em yuans registraram uma participa-o de 9.43% no comeo de 2015, um aumento de 30% em comparao com 2013[4].

    Em janeiro de 2015, de forma indita, o yuan se tornou quinta moeda mais utilizada nas transa-es globais, ultrapassando o dlar canadense e o australiano, segundo reporte da Sociedade para as Comunicaes Interbancrias e Financeiras In-ternacionais (SWIFT, por sua sigla em ingls)[5]. H apenas quatro anos, um pequeno grupo de 900 instituies bancrias realizavam operaes em yuans. No final de 2014, j havia mais de 10 mil entidades nessa lista.

    De acordo com a economista francesa Chris-tine Lagarde, presidente do FMI, a incluso do yuan no SDR questo de tempo. Entretanto, ela se nega a precisar quando isso ser definitivo[6]. Como sempre acontece, e tal qual se observa com respeito reforma do sistema de representao do FMI, os Estados Unidos se opem a qualquer tipo de mudana que possa debilitar a supremacia do dlar.

    Porm, em contraste com outras decises, que necessitam obrigatoriamente de 85% de aprovao entre os membros do FMI, a votao para incorporar uma divisa nova ao SDR requer apenas 70% dos votos favorveis, fazendo com que o poder de veto de Washington (17.69%) no seja decisivo. Que mudanas o yuan trar ao mun-do das finanas internacionais quando consiga sua adeso ao sistema SDR? As reservas acumuladas em yuans seriam reconhecidas finalmente pelo FMI; a emisso de bonos e a abertura de contas bancrias em yuans aumentariam de maneira sig-nificativa. Consequentemente, a diminuio dos custos por transao alavancaria a expanso das

    Sem sombra de dvidas, o crescimento do yuan se tornou irreversvel. Segundo as estimativas de Massimiliano Castelli, at 2020 os bancos centrais de todo o mundo aumentaro em 500 bilhes de dlares as suas reservas na chamada moeda do povo

  • 28 | Revista Digital Carta Maior | abril 2015

    Amrica do Sul e o Brasil em particular ressentem--se da queda tendencial das taxas de crescimen-to econmico que, no caso brasileiro, refletiram o esgotamento de um ciclo de consumo que afetou seriamente a demanda agregada e o investimen-to. Com a reduo de preos e quantidades ex-portadas de commodities minerais e agrcolas, as posies anteriormente superavitrias na balana comercial diminuram drasticamente e em muitos casos transformaram-se em dficit, o que agravou sensivelmente os dficits em conta corrente com o exterior, reduzindo o espao de manobra da po-ltica macroeconmica.

    Nossa alternativa intensificar o esforo ex-portador. Contudo, estamos limitados, do lado das commodities minerais e agrcolas, pelo cenrio

    Em deciso que pode ajudar a viabilizar no Brasil o maior programa de investimentos em indstrias bsicas desde o II Plano Nacional de Desenvolvimento, o Conselho de Estado da China anunciou poltica de apoio a investimentos diretos no exterior por parte das indstrias side-rrgica e de metais no ferrosos, alm de constru-o e transporte. a deixa chinesa para o Projeto Transul, de siderurgia e metalurgia, que um grupo de especialistas em torno da Coppe/UFRJ, do ins-tituto Intersul e do Clube de Engenharia vem pro-pondo desde o ano passado em conversas com empresrios do setor e funcionrios do Governo.

    O Projeto Transul surgiu no mbito da Confe-rncia BRICS no Sculo XXI, em maio do ano pas-sado, no Rio, a partir da constatao de que a A

    Deciso da China viabiliza retomada do Brasil pela indstria bsicaJ. Carlos de Assis*

    A construo com apoio chins de um colar de siderrgicas e metalrgicas representaria a oportunidade para a retomada da economia brasileira a altas taxas.

    Loic.Hofstedt / Flickr

  • abril 2015 | Revista Digital Carta Maior | 29

    trial brasileiro aos programas de exportao e de controle ambiental chineses. Seu objetivo espe-cfico consiste em propor China o outsourcing parcial dos metais, de forma a que o aumento do consumo chins de metais, no futuro, tendo em vista inclusive a construo anunciada de 30 me-galpoles at 2030, seja atendido por produo desses metais no Brasil por empresas brasileiras, ou sino-brasileiras. O Conselho de Estado, como visto, abriu essa possibilidade.

    As vantagens para a China em termos de con-trole de poluio e de economia no consumo de gua seriam evidentes. A perda em emprego seria irrelevante, tendo em vista que a produo no Bra-sil (ou na Amrica do Sul) substituiria apenas um elo na produo e uso do ao e de outros metais, ficando a cadeia superior de manufatura intocada, e virtualmente livre de atividade poluidora. O Bra-sil, a seu turno, se beneficiaria da gerao de em-prego, da agregao de valor s matrias primas (inclusive petrleo), e, sobretudo, da contribuio da produo e exportao de metais para a esta-

    internacional de recesso ou baixo crescimento em todos os pases industrializados avanados. A China tem sido a exceo, mas ela prpria sente os efeitos da desacelerao da economia. A pro-duo e exportao de manufaturas pelo pas es-barra, a seu turno, na concorrncia chinesa e na situao de deflao na Europa e no Japo. Com isso, s resta ao Brasil intensificar a explorao e industrializao de recursos naturais e agrcolas, em base autossustentvel, de forma a alavancar o seu desenvolvimento.

    A China consegue manter um ritmo invej-vel de crescimento econmico, contribuindo des-sa forma para aliviar a crise econmica mundial. Entretanto, com base em fontes chinesas confi-veis, sabemos que o pas se defronta com srios problemas de poluio, especialmente em suas metrpoles, e de aguda escassez de gua. A pre-ocupao do Governo chins com essa situao est espelhada num programa de recuperao e preservao ambiental de mais de 600 bilhes de dlares em cinco anos. O recente acordo com os EUA tambm denota o sentido de responsabili-dade que a liderana chinesa tem em relao s questes ambientais.

    Nossa nica dvida inicial em relao ao Pro-jeto era a reao chinesa a uma eventual propos-ta brasileira para sua viabilizao. Essa dvida foi dissipada agora pelo Conselho de Estado abrindo caminho para negociaes concretas que espe-ro sejam imediatamente propostas pelo Governo brasileiro. Na essncia, o Projeto Transul se prope a articular uma aliana estratgica entre o Brasil e a China, a ser oportunamente estendida a outros pases da Amrica do Sul e dos BRICS, no sentido de vincular a retomada do desenvolvimento indus-

    ana campos / Flickr

    A China consegue manter um ritmo invejvel de crescimento econmico, contribuindo dessa forma para aliviar a crise econmica mundial. Entretanto, com base em fontes chinesas confiveis, sabemos que o pas se defronta com srios problemas de poluio, especialmente em suas metrpoles, e de aguda escassez de gua.

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    do programa, exceto se a China reduzir drastica-mente seu crescimento, o que no provvel. Ao contrrio, a deciso do Conselho de Estado no sentido de ampliar a produo no exterior.

    A construo com apoio chins de um colar de siderrgicas e metalrgicas, especialmente na Regio Norte e Centro-Oeste onde no falta gua e o suprimento de energia pode ser facilmente via-bilizado, representaria a oportunidade para a re-tomada da economia brasileira a altas taxas. No-te-se que seriam empreendimentos com demanda garantida, ou seja, sem risco de mercado. A parte principal dos financiamentos seria proveniente da prpria China, passando-se ao largo de nossas agruras fiscais. Ao contrrio, na medida da entra-da dos financiamentos haveria um efeito positivo permanente no balano de pagamentos, inicial-mente pela via dos recursos financeiros, e logo em seguida pela receita de exportaes, contribuindo a mdio prazo para reduo significativa do dficit em conta corrente nosso maior gargalo econ-mico.

    *Economista, doutor em Engenharia de Produo pela Coppe/UFRJ, professor de Eco-nomia Internacional da UEPB.

    bilizao do balano de pagamentos.O investimento produtivo no Brasil poderia

    ser arquitetado na base de Project finance, isto , seria contratada com a China venda futura a longo prazo dos metais a serem produzidos por cada uma das empresas, exclusivamente para exportao, sendo que esses contratos seriam utilizados como garantia do financiamento por bancos chineses ou pelo futuro Banco dos BRICS. Brasil e China se comprometeriam a garantir tecnologia de controle ambiental no estado da arte para as empresas a serem construdas, assim como a promover as me-lhores polticas sociais vinculadas ao Projeto. E ao Brasil competiria assegurar a infraestrutura logs-tica do sistema com garantia dos financiamentos, por exemplo, pela CIDE combustveis.

    Se o programa chins de controle e preserva-o ambiental contemplar a desativao de side-rrgicas e outras metalrgicas tecnologicamente obsoletas, poderia se estabelecer um mecanismo compensatrio pelo qual desativao de uma usina na China corresponderia a construo de usina com capacidade produtiva equivalente, no poluidora, no Brasil. Em consequncia, o balan-o ambiental seria altamente positivo em termos mundiais. O fato de que o mercado de ao, atu-almente, esteja super-ofertado no afeta a lgica

    ana campos

  • abril 2015 | Revista Digital Carta Maior | 31

    os Estados Unidos participem do programa de de-senvolvimento chins New Silk Road (Nova estra-da da Seda), e abandone as polticas de confronto, particularmente com a Rssia e a China.

    Os EUA e a Europa devem ter coragem de re-jeitar a Geopoltica e colaborar com o BRICS

    Esta petio de autoria do Schiller Institute e est sendo divulgada internacionalmente.

    Na atual era nuclear de hoje, a consequncia de uma geopoltica de confronto com a Rssia e a China s pode ser a extino termonuclear da raa humana. Por isso, todos os esforos devem ser fei-tos pela resoluo cooperada das muitas crises enfrentadas pela humanidade.

    As naes BRICS (Brasil, Rssia, ndia, China e frica do Sul) se uniram para desenvolver uma

    medida que os maiores pases europeus incluem seus nomes na lista dos membros fundadores do Banco Asitico de Investi-mento em Infraestrutura, (AIIB), de iniciativa chi-nesa, cresce a oportuna e urgente campanha in-ternacional para que os Estados Unidos sigam o exemplo e integrem os BRICS, como solicita uma petio do Instituto Schiller.

    Totalizando mais de 300 nomes, a lista de assi-naturas inclui polticos proeminentes, empresrio, acadmicos, cientistas e artistas de mais de vinte pases, que endossaram publicamente esta reso-luo pedindo aos EUA e Europa que colaborem com as naes do BRICS no interesse da paz e do desenvolvimento econmico. A resoluo, patro-cinada pelo Instituto Schiller, foi uma resposta oferta do presidente da China, Xi Jinping, para que

    PETIO: Estados Unidos e Europa devem se juntar aos BRICSlarouchepac.com

    Exortamos os EUA e a Europa a abandonar as polticas suicidas geopolticas do passado, que levaram a duas guerras mundiais e esto levando a uma terceira.

    Chad J. McN

    eeley, U.S. Navy

  • 32 | Revista Digital Carta Maior | abril 2015

    poltica de desenvolvimento econmico no ape-nas para estes pases, mas para o benefcio das pessoas de todas as naes. Para isso, criaram um Novo Banco de Desenvolvimento, que pretende investir bilhes em projetos de desenvolvimento necessrios.

    A China criou recentemente o Banco Asitico de Investimento em Infraestrutura (AIIB), ao qual mais de 20 naes asiticas aderiram enquanto membros fundadores, e estabeleceu ainda o Fun-do de Desenvolvimento Silk Road.

    Na conferncia da APEC, em Pequim, o pre-sidente chins, Xi Jinping convidou o presidente Obama a se juntar aos esforos da China e outros pases asiticos, incluindo a Rssia, no desenvolvi-mento da New Silk Road.

    Tais iniciativas no so de natureza geopolti-ca. Ao contrrio da Parceria Trans-Pacfico (TPP), defendida por Obama, que exclui a Rssia e a Chi-na, as iniciativas relacionadas aos BRICS, como a proposta chinesa da rea de Livre Comrcio do Pacfico Asitico (FTAAP), so inclusivas. Baseiam--se na ideia defendida pelo Papa Paulo VI de que o novo nome da paz desenvolvimento. Dessa forma, na recente reunio do G-20, na Austrlia, tanto Xi Jinping como o primeiro-ministro indiano Modi trataram o alcance da paz global e o fim da pobreza atravs do desenvolvimento econmico como objetivos interdependentes.

    No h nenhum problema no mundo que no possa ser resolvido com esta abordagem e, inver-samente, nenhum problema poder ser resolvido sem ela.

    necessria, por exemplo, a cooperao en-tre os EUA, Rssia, China, frica do Sul e ndia, entre outras naes, para derrotar a pandemia de Ebola na frica.

    O terrorismo do Estado Islmico e da Al-Qae-da ameaa tanto a Rssia, China e ndia, quanto os EUA e a Europa. E s pode ser derrotado atravs de uma nova arquitetura de segurana baseada na G

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    A conduo das revolues coloridas, sob o pretexto de promoo da democracia, representa uma poltica de guerra, mesmo que o termo no seja usado, porque o objetivo derrubar governos com a ajuda de dinheiro estrangeiro.

  • abril 2015 | Revista Digital Carta Maior | 33

    cooperao.A conduo das revolues coloridas, sob o

    pretexto de promoo da democracia, representa uma poltica de guerra, mesmo que o termo no seja usado, porque o objetivo derrubar governos com a ajuda de dinheiro estrangeiro. preciso dar um fim a isto. A campanha pela imposio de san-es Rssia por sua oposio s revolues co-loridas e a um golpe nazista na Ucrnia s agrava a crise global. S uma abordagem baseada na co-operao mtua em nome dos objetivos comuns da humanidade em toda a Eursia (e muito alm) poderia criar as bases para a paz global.

    Enquanto os EUA abandonaram o programa espacial Kennedy, os chineses esto comprometi-dos com um programa lunar focado na explorao de hlio-3 com a finalidade de gerar energia de fuso ilimitada. Com a colaborao entre os EUA, Europa, Rssia, China e ndia, entre outras naes, o homem poderia finalmente realizar o sonho de Johannes Kepler de utilizar as leis do sistema solar em benefcio do homem.

    S tal abordagem iria restaurar a finalidade original dos Estados Unidos e da Europa, como ex-presso durante o Renascimento europeu e a Revo-luo Americana, propsitos dos quais os EUA e a Europa tm se afastado cada vez mais. Enquan-to estes propsitos so paulatinamente adotados pelo resto do mundo, agora so os prprios pases que foram os beros de convices humanistas que precisam ser incitados a readot-las.

    Por isso, exortamos os EUA e a Europa a abandonar as polticas suicidas geopolticas do passado, que levaram a duas guerras mundiais e esto levando a uma terceira. Em vez disso, pode-mos construir um futuro para toda a humanidade retomando o princpio do Tratado de Westflia, que foi capaz de encerrar a Guerra dos Trinta Anos na Europa, e criar polticas externas cuja prerroga-tiva seja o benefcio do outro, alm de reforar o conceito de John Quincy Adams de nos tornarmos uma comunidade de princpios formada por Esta-dos-naes soberanos.

    Este o nico caminho coerente com a ver-dadeira natureza do homem, a nica espcie cria-tiva. Qualquer outra direo baseia-se no conceito de homem como um animal, e se levar extino. Enquanto patriotas de nossas naes e cidados do mundo, exortamos nossos concidados e os l-deres de nossas naes a ter a coragem de romper o atual ciclo de bestialidade crescente e aceitar a oferta generosa de colaborar com os BRICS.

    Pete Souza

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    Sebastio Velasco Cruz

    Doutor em Cincia Poltica - UFRJ/RJ

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    Ps-doutor em Teoria Antropolgica - UFRJ/

    RJ)

    Vencio Lima

    Doutor em Sociologia

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