revista brasileira de estudos pedagogicos

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RBEP ISSN 0034-7183 ISSN 2176-6681 On-line R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 92, n. 230, p. 1-210, jan./abr. 2011. REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS

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  • RBEP

    ISSN 0034-7183ISSN 2176-6681 On-lineR. bras. Est. pedag., Braslia, v. 92, n. 230, p. 1-210, jan./abr. 2011.

    REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS PEDAGGICOS

  • EDITORIA CIENTFICABernardete Angelina Gatti FCC CoordenadoraJacques Velloso UnBMaria Isabel da Cunha Unisinos Silke Weber UFPESandra Maria Zkia Lian Sousa USP

    CONSELHO EDITORIALNacional:Accia Zeneida Kuenzer UFPRAlceu Ferraro UFPelAna Maria Saul PUC-SP Celso de Rui Beisiegel USPCipriano Luckesi UFBADelcele Mascarenhas Queiroz UnebDermeval Saviani USPGuacira Lopes Louro UFRGSHeraldo Marelim Vianna FCCJader de Medeiros Britto UFRJJanete Lins de Azevedo UFPELeda Scheibe UFSCLisete Regina Gomes Arelaro USPMagda Becker Soares UFMGMaria Clara di Pierro Ao Educativa USPMarta Kohl de Oliveira USPMiguel Arroyo UFMGNilda Alves UERJPetronilha Beatriz Gonalves Silva UFSCarRosa Helena Dias da Silva UfamValdemar Sguissardi Unimep

    Internacional:Almerindo Janela Afonso Univ. do Minho, PortugalJuan Carlos Tedesco IIPE/Unesco, Buenos AiresMartin Carnoy Stanford University, EUAMichael Apple Wisconsin University, EUANelly Stromquist Univ. of Southern California, EUA

  • RBEP

    ISS

    N 0

    034-

    7183

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    N 2

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    line

    REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS PEDAGGICOSvolume 92 nmero 230 jan./abr. 2011

  • Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (Inep) permitida a reproduo total ou parcial desta publicao, desde que citada a fonte.

    ASSESSORIA TCNICA DE EDITORAO E PUBLICAES

    EDITORA EXECUTIVATnia Maria Castro [email protected]

    EDITOR EXECUTIVO ADJUNTOMarcos de Carvalho Mazzoni Filho [email protected]

    REVISOPortugus:Aline Ferreira de Souza [email protected] Bezerra Filho [email protected] Aparecida Rodrigues Assuno [email protected] Reynaldo de Salles Carvalho [email protected] Cristina da Costa Silva [email protected] Lemos Rocha [email protected] Mariana de Mateus [email protected] Maria Castro [email protected]:Sheyla Carvalho Lira [email protected]

    TRADUO PARA O INGLSFernanda da Rosa Becker [email protected]

    NORMALIZAO BIBLIOGRFICARosa dos Anjos Oliveira [email protected]

    PROJETO GRFICOMarcos Hartwich [email protected]

    DIAGRAMAO E ARTE-FINALRaphael Caron Freitas [email protected]

    CAPAMarcos HartwichSobre o trabalho de Angelo Milani, Sem ttulo (1993), acrlico sobre tela, 200x200 cm

    TIRAGEM 2.600 exemplares

    RBEP ON-LINEGerente/Tcnico operacional: Marcos de Carvalho Mazzoni Filho [email protected]

    EDITORIA Inep/MEC Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio TeixeiraSRTVS, Quadra 701, Bloco M, Edifcio Sede do Inep, Trreo CEP 70340-909 Braslia-DF BrasilFones: (61) 2022-3070, [email protected] - http://www.rbep.inep.gov.br

    DISTRIBUIOInep/MEC Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio TeixeiraSRTVS, Quadra 701, Bloco M, Edifcio Sede do Inep, 2o Andar CEP 70340-909 Braslia-DF BrasilFones: (61) [email protected] - http://www.publicacoes.inep.gov.br

    Indexada em: Bibliografia Brasileira de Educao (BBE)/InepLatindex Sistema Regional de Informacin en Linea para Revistas Cientificas de America Latina,

    el Caribe, Espaa y Portugal.OEI-CREDI Organizacin de Estados Iberoamericanos para la Educacin, la Cincia y la Cultura (Espanha)

    Avaliada pelo Qualis/Capes 2007 B1

    A exatido das informaes e os conceitos e opinies emitidos so de exclusiva responsabilidade dos autores.

    ESTA PUBLICAO NO PODE SER VENDIDA. DISTRIBUIO GRATUITA.PUBLICADA EM 2011

    Revista Brasileira de Estudos Pedaggicos / Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira. v. 1, n. 1, (jul. 1944 - ). Braslia : O Instituto, 1944 -.

    Quadrimestral. Mensal 1944 a 1946. Bimestral 1946 e 1947. Trimestral 1948 a 1976. Suspensa de abr. 1980 a abr. 1983. Publicada pelo Instituto Nacional de Estudos Pedaggicos, Rio de Janeiro, at o v. 61, n. 140, set. 1976. ndices de autores e assuntos: 1944-1951, 1944-1958, 1958-1965, 1966-1973, 1944-1984. Verso eletrnica (desde 2007): ISSN 0034-7183 1. Educao-Brasil. I. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira.

  • 5Editorial ...........................................................................................9

    Estudos

    Ensino mdio no Brasil:uma anlise de melhores prticas e de polticas pblicas ............................................................................11Rose Neubauer (Coord.)Claudia DavisGisela Lobo B. P. TartuceMarina M. R. Nunes

    O ovo ou a galinha: a crise da profisso docente e a aparente falta de perspectiva para a educao brasileira. ................................34Jlio Emlio Diniz-Pereira

    Formao continuada para professores da educao bsica: metodologia do currculo integrado e laboratrio de vivncias pedaggicas ....................................................................52Adair Aguiar Neitzel Cssia Ferri

    SUMRIO RBEP

    R. bras. Est. pedag., Braslia, v. 92, n. 230, p. 5-6, jan./abr. 2011.

  • 6Sumrio

    R. bras. Est. pedag., Braslia, v. 92, n. 230, p. 5-6, jan./abr. 2011.

    A formao de professores para Educao de Jovens e Adultos (EJA): as pesquisas na Argentina e no Brasil .....................70Marcos Villela Pereira Mnica de la Fare

    Autobiografias e formao: aproximaes problemticas no Movimento Pesquisa/Formao ....................................................83Luiz Artur Santos Cestari Pedagogia do Ressentimento: o otimismo nas concepes e nas prticas de ensino ..................................................................107Srgio Pereira da Silva

    Alfabetizao e letramento no 1 ciclo: o que as crianas aprendem sobre a escrita a cada ano? ............................................126Magna Silva CruzEliana Borges Albuquerque

    Recursos educacionais apropriados para recuperao ldica do processo de letramento emergente .............................................148Idma Semeghini-Siqueira

    Delimitao de atribuies educacionais: sistemas de ensino e competncia constitucional ..........................................166Magno Federeci Gomes

    Psicanlise aplicada ao estudo do cotidiano escolar .........................187Flvia Zanni Siqueira

    ResenhasA histria da educao escrita por meio de prticas e aes pedaggicas ........................................................................201Valria de Oliveira Santos

    Instrues aos colaboradores ........................................................205

  • 7SUMMARY RBEP

    R. bras. Est. pedag., Braslia, v. 92, n. 230, p. 7-8, jan./abr. 2011.

    Editorial ...........................................................................................9

    Studies

    High school education in Brazil: an analysis of the best practices and the best public policies ...................................................................11Rose Neubauer (Coord.)Claudia DavisGisela Lobo B. P. TartuceMarina M. R. Nunes

    The egg or the hen: the crisis of the teaching profession and the lack of perspective for Brazilian education ...........................34Jlio Emlio Diniz-Pereira

    Teacher continuing education: Integrated Curriculum Methodology and the Pedagogical Experiences Laboratory ........................................52Adair Aguiar Neitzel Cssia Ferri

  • 8 R. bras. Est. pedag., Braslia, v. 92, n. 230, p. 7-8, jan./abr. 2011.

    Summary

    Teacher education for Youth and Adult Education: researches in Argentina and Brazil ....................................................70Marcos Villela Pereira Mnica de la Fare

    Autobiography and formation: problematic approximations in the research/ formation process ...................................................83Luiz Artur Santos Cestari Pedagogy of Resentment: optimism in teaching conceptions and practices ...................................................................................107Srgio Pereira da Silva

    Alphabetization and literacy in the first cycle of basic education: what writing skills do children learn each year? .............................126Magna Silva CruzEliana Borges Albuquerque

    Proper educational resources for the playful recuperation of the emerging literacy process .....................................................148Idma Semeghini-Siqueira

    Delimitation of educational attributions: learning systems and constitutional competencies .....................................................166Magno Federeci Gomes

    Psychoanalysis applied to a study of everyday school life ................187Flvia Zanni Siqueira

    ReviewsThe history of education written through practices and pedagogical actions ..................................................................201Valria de Oliveira Santos

    Instructions for the Collaborators .................................................205

  • 9R. bras. Est. pedag., Braslia, v. 92, n. 230, p. 9-10, jan./abr. 2011.

    EDITORIAL RBEP

    Este nmero enfatiza dois temas que se revelam como problemticos nas redes de ensino no Pas: o ensino mdio e a formao e profissionalizao de professores.

    O ensino mdio vem sendo colocado como uma questo importante na discusso das polticas e das prticas educacionais na medida em que se verifica que a expanso de vagas e o percurso nesse nvel de ensino se revelam como um gargalo na progresso educacional dos jovens no Brasil. Os dados no so alentadores nesse ponto e, de fato, evidenciam a necessidade de polticas mais agressivas e mais bem dirigidas para o ensino mdio. A compreenso histrica dos temas relativos a ele torna-se importante porque sinaliza que as origens de questes problemticas se encontram, hoje, lastreadas em formas culturais e polticas que no so atuais. Faltam-nos anlises mais detalhadas sobre isso. Tambm a discusso sobre a vocao precpua do ensino mdio at hoje no est bem equacionada. Inclusive, temo--nos ressentido do pequeno nmero de pesquisas sobre as condies e dinmicas concretas desse nvel de ensino.

    O estudo recente exposto no artigo Ensino mdio no Brasil: uma anlise de melhores prticas e de polticas pblicas relata aspectos de pesquisa realizada em escolas que ofertam ensino mdio em vrios Estados brasileiros, situando-as nas polticas estaduais e nacionais e trazendo luz, de um lado, o esforo efetuado por essas escolas para otimizarem

  • 10 R. bras. Est. pedag., Braslia, v. 92, n. 230, p. 9-10, jan./abr. 2011.

    Editorial

    os espaos de trabalho coletivo e fazerem deles momentos de reflexo, replanejamento, avaliao e estudo, mostrando a importncia do trabalho coletivo cooperativo e seus bons efeitos, e, de outro, os impasses ainda vividos pela implementao de polticas e programas nesse nvel de ensino. Confirma-se que mudanas significativas em sistemas educacionais complexos so difceis de serem implementadas e, mais ainda, de se consolidarem, como mostram pesquisas nacionais e internacionais. O ensino mdio precisa ser, sem dvida, pauta de discusso e soluo urgente nas polticas educacionais do Pas.

    A formao de professores tem sido assunto constante nas atuais discusses sobre a educao bsica no Brasil. As escolas no podem desempenhar seu papel social esperado sem a atuao desses profissionais. Temos a vrias questes pendentes que o artigo sobre a crise da profisso docente e as perspectivas da educao brasileira trata sob nova tica. A busca de alternativas formativas desponta como uma possibilidade de se criar formas para superar a condio atual relativa aos problemas formativos dos cursos de licenciatura. Esse ponto abordado em artigos deste nmero e sinaliza alguns novos horizontes sobre o tema.

    importante ressaltar que as pesquisas em educao, meto-dologicamente validadas, podem colaborar para o avano da gesto e das prticas educacionais. Mas elas precisam ser conhecidas, compreendidas e interpretadas pelos gestores e pelos demais atores das redes de ensino. Esta Revista, ao disseminar estudos, pretende contribuir para tanto.

    Editoria Cientfica

    Editorial

  • 11

    Resumo

    Analisa os dados coletados na pesquisa Melhores prticas em escolas de ensino mdio no Brasil, desenvolvida pela Fundao Carlos Chagas e pelo Instituto Protagonists, com duplo objetivo: 1) identificar os fatores responsveis pela efetividade de 35 unidades escolares de ensino mdio localizadas nos Estados do Acre, do Cear, do Paran e de So Paulo, notadamente os relacionados s prticas que mais se associam ao sucesso escolar de seus alunos; 2) analisar alguns aspectos das atuais polticas pblicas para o ensino mdio e a percepo dos atores com elas envolvidos, com vista a fomentar uma anlise crtica que permita discutir alguns aspectos nodais dessas polticas. O estudo quali-quantitativo revelou experincias distintas e interessantes nos diversos Estados, no entanto optou-se por apresentar neste texto as melhores prticas recorrentes e os pontos mais crticos das polticas observadas.

    Palavras-chave: ensino mdio; polticas pblicas; melhores prticas.

    RBEPESTUDOSEnsino mdio no Brasil: uma anlise de melhores prticas e de polticas pblicas*

    Rose Neubauer (Coord.)Cludia DavisGisela Lobo B. P. TartuceMarina M. R. Nunes

    R. bras. Est. pedag., Braslia, v. 92, n. 230, p. 11-33, jan./abr. 2011.

    * Artigo-sntese da pesquisa Melhores prticas em escolas de ensino mdio no Brasil, realizada em 2009 mediante convnio de cooperao tcnica firmado entre o Banco Intera-mericano de Desenvolvimento (BID) e o Ministrio da Educao (MEC) e publicada em 2010 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (Inep).

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    Rose Neubauer (Coord.)Cludia Davis

    Gisela Lobo B. P. TartuceMarina M. R. Nunes

    R. bras. Est. pedag., Braslia, v. 92, n. 230, p. 11-33, jan./abr. 2011.

    O ensino mdio no Brasil: breve contextualizao

    A universalizao tardia do ensino fundamental no Brasil a principal razo para que o nvel mdio s aparea na agenda pblica, com fora nunca antes vista, no incio do sculo 21. Alm disso, nas duas ltimas dcadas, o ensino mdio alcana crescente expressividade no cenrio nacional por vrias razes. Algumas se referem s diversas mudanas socioeconmicas, tecnolgicas e culturais da contemporaneidade.

    O novo modelo de globalizao, baseado na flexibilizao e na integrao dos processos de trabalho, demanda no apenas conhecimentos tcnicos e explcitos, mas tambm amplas habilidades cognitivas e carac-tersticas comportamentais, como: capacidade de abstrao, raciocnio, domnio de smbolos e de linguagem matemtica; iniciativa, responsabi-lidade, cooperao, capacidade de deciso para o trabalho em equipe, etc. (Hirata, 1996; Paiva, 1995). Ao lado disso, mudanas ocorridas no mundo do trabalho vm pondo em xeque os marcos de entrada na vida adulta e tornado difcil a transio para essa etapa da vida (Attias-Donfut, 1996). O perodo de formao se estende, e no h, necessariamente, entrada no mercado de trabalho. Esse quadro propiciou reformas educacionais com nfase na formao continuada de competncias para garantir a empregabilidade das pessoas, isto , a capacidade de inserir-se e manter-se em um mercado de trabalho em constante mutao.

    AbstractHigh school education in Brazil: an analysis of the best practices

    and the best public policies

    This article analyses the data collected through the Best practices in high schools, a research developed by Carlos Chagas Foundation and Protagonistes Institute. The research aimed at the identification of the factors that boosted the efectiveness of 35 high schools located in the states of Acre, Cear, Paran and So Paulo, in special those practices more closely related to successful performances; it also aimed at the investigation of some aspects of present public policies focused on high school education, as well as the perception of some leading actors, in order to provide a critical analysis and discuss the nodal aspects of these policies. The qualitative and quantitative study identified distinct and varied experiences in the states taken into account. However, there was an option for presenting here the best practices and the critical points of the policies observed.

    Keywords: high school; public policies; best practices.

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    Ensino mdio no Brasil: uma anlise de melhores prticas e de polticas pblicas

    R. bras. Est. pedag., Braslia, v. 92, n. 230, p. 11-33, jan./abr. 2011.

    No Brasil, esses impactos tericos e prticos se refletiram na elaborao da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB Lei n 9.394) de 1996, que prev a progressiva extenso da obrigatoriedade da escola bsica at o nvel mdio. As vrias leis de diretrizes e bases j elaboradas no Pas tentaram enfrentar a tenso entre um ensino de formao geral e outro voltado para a profissionalizao, sendo a Lei n 5.692/711 a mais expressiva e criticada, por tentar resolv-la compulso-riamente. Essa dualidade e a posterior indefinio do perfil de escola mdia tm sido acentuadas h dcadas pela literatura acadmica como falta de identidade desse nvel de ensino (Franco, 1983; Zibas, 1992).

    A Lei n 9.394/96 pretendeu abolir tal polmica, ao considerar o ensino mdio como etapa de consolidao da educao bsica, de apri-moramento do educando como pessoa humana, de aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental para continuar apren-dendo e de preparao bsica para o trabalho e a cidadania. A progressiva expanso do ensino mdio trouxe outro desafio a ser enfrentado: que a democratizao do acesso implicaria maior heterogeneidade do corpo discente, e a mudana do perfil do alunado, consequncias para o cur-rculo, para os mtodos pedaggicos e para a formao dos professores, que iriam lidar com um pblico cada vez mais diverso e sem histrico familiar de frequncia a esse nvel de ensino. Para tanto, a LDB estipulava que a estrutura curricular do ensino mdio deveria conter uma base nacional comum, mas 25% dos contedos ficariam sob a responsabili-dade das unidades escolares, de modo a contemplar as necessidades e os interesses regionais e locais e dos alunos. Ao preservar a autonomia dos sistemas estaduais e propiciar condies legais para que, a mdio e a longo prazo, as escolas pudessem elaborar suas prprias propostas pedaggicas, de maneira diversificada, a Lei buscava aprofundar o esp-rito descentralizador da proposta organizacional do ensino mdio (Zibas, Ferretti, Tartuce, 2004).

    Visando a promoo de uma escola jovem e inclusiva, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para o ensino mdio elaboradas no Parecer CEB/CNE n 15/98 e institudas com fora de lei pelo Conselho Nacional de Educao (CNE) por meio da Resoluo n 3/98 fazem a crtica da transmisso de contedos enciclopdicos e dos mtodos tradicionais de ensino, buscando colocar o aluno no centro do processo de aprendizagem. Para tanto, propem como princpios norteadores do currculo o desen-volvimento de competncias bsicas, a interdisciplinaridade e a contex-tualizao dos contedos, que tm em comum o protagonismo dos alunos e da comunidade.

    Paralelamente promulgao da LDB, o governo federal, desde meados dos anos de 1990, assume uma posio proativa em relao educao bsica. Sua atuao faz-se mais presente em trs grandes reas: novo perfil de financiamento da educao, com a criao do Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorizao do Magistrio (Fundef); estabelecimento de sistemas nacionais de ava-liao, com a implantao do Sistema Nacional de Avaliao da Educao

    1 A Lei n 5.692, de 1971, insti-tuiu a profissionalizao univer-sal e compulsria para todos os alunos que cursassem o ento denominado ensino de 2 grau.

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    Rose Neubauer (Coord.)Cludia Davis

    Gisela Lobo B. P. TartuceMarina M. R. Nunes

    R. bras. Est. pedag., Braslia, v. 92, n. 230, p. 11-33, jan./abr. 2011.

    Bsica (Saeb) e do Exame Nacional do Ensino Mdio (Enem), bem como da avaliao do ensino superior; e reforma do ensino mdio, caracterizada, num primeiro momento, pela separao, nesse nvel de ensino, da educao profissional. Essas polticas tiveram continuidade e se aprofundaram nos anos recentes, com a presena do Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e de Valorizao dos Profissionais da Educao (Fundeb), substituindo o Fundef, da Prova Brasil (de natureza censitria), da construo do ndice de Desenvolvimento da Educao Bsica (Ideb) e do lanamento do Plano de Desenvolvimento da Educao (PDE), com metas para as diferentes instncias do sistema educacional. Esse movimento, ocorrido nos ltimos 15 anos, foi acompanhado por polticas de descentralizao, modernizao dos sistemas e acesso s tecnologias de informao, bem como pela reviso das carreiras dos professores e introduo de incentivos para estimular a melhoria de desempenho das escolas.

    Na dcada de 1990, no Pas, a mdia de estudo das pessoas de dez anos ou mais de idade girava em torno de cinco anos (Brasil, 1995). As medidas tomadas nos ltimos 15 anos de universalizao e correo do fluxo no interior do sistema buscaram favorecer a continuidade dos estudos at a 8 srie. Com isso, houve forte presso dos concluintes do ensino funda-mental para a entrada no ensino mdio. Simultaneamente, a demanda dos jovens por maior escolaridade diante das exigncias do mercado de trabalho fez com que houvesse exploso das matrculas nesse nvel de ensino. De fato, de 5.739.077 matrculas no ensino mdio em 1996, h um salto para 8.710.584 em 2002, uma evoluo de 51,8% (Brasil, 2006).

    O sculo 21, porm, inicia-se com uma mudana desse quadro: a queda geral nas matrculas, apontada pelas estatsticas educacionais. Que razes estariam motivando a queda de matrculas no ensino mdio? Falta de vagas? Desinteresse dos jovens? Desconexo com o mercado de trabalho? Muito provavelmente, segundo Cludio de Moura Castro (2009), isso se deve a um conjunto de causas, a saber: a) a manuteno de um currculo abarrotado de contedos das mais diversas naturezas; b) a adoo de um mesmo vestibular para o ingresso em diferentes carreiras do ensino mdio, o que acaba por nivelar todas as escolas; c) a precariedade do corpo docente, em especial no que concerne s reas das Cincias Exatas; d) o pouco tempo para ensinar e aprender tudo que previsto. Observe como essa situao aparece na evoluo das matrculas na Tabela 1.

    Tabela 1 Evoluo na matrcula de ensino mdio (2000/08)

    Brasil e UFs

    Investigadas2000 2003

    Variao (%)

    2000/20032004 2008

    Variao (%)

    2004/2008

    Brasil 8.195.948 9.072.942 10,7 9.169.357 8.366.100 8,8

    Acre 25.110 28.497 13,5 29.736 33.113 11,4

    Cear 264.431 379.145 43,4 398.348 408.992 2,7

    Paran 491.005 467.896 4,7 467.730 472.244 1,0

    So Paulo 2.079.141 2.099.910 1,0 2.045.851 1.744.834 14,7

    Fonte: MEC/Inep/Deed, maio, 2009.

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    Ensino mdio no Brasil: uma anlise de melhores prticas e de polticas pblicas

    R. bras. Est. pedag., Braslia, v. 92, n. 230, p. 11-33, jan./abr. 2011.

    possvel observar que a variao nas taxas de matrcula difere entre os Estados e temporalmente: So Paulo e Paran apresentam uma queda acentuada que faz com que o nmero de alunos em 2008 seja menor do que em 2000; no Paran, essa queda foi mais forte no incio da dcada e em So Paulo, nos anos mais recentes; j o Acre e o Cear continuaram crescendo nesse perodo, embora em ritmo menos acentuado.

    Independentemente do decrscimo da populao de jovens na ltima dcada, essa variao parece estar associada aos esforos feitos pelos Estados na dcada anterior para organizar o fluxo escolar e universalizar as matrculas. O Grfico 1, a seguir, apresenta a taxa lquida de escolarizao dos alunos de ensino mdio nos Estados brasileiros nos anos de 2005 e 2007.

    Grfico 1 Taxa de escolarizao lquida no ensino mdio 2005/07

    Fonte: Pnad/IBGE.

    No Paran e em So Paulo, alm das altas taxas brutas de escolarizao da populao de 15 a 17 anos, respectivamente 81,5% e 86%, o ensino mdio tem taxa de escolarizao lquida de pelo menos 70% (jovens com idade at 17 anos). No Acre e no Cear a taxa de escolarizao mais baixa: encontra-se em 57% e 52%, respectivamente (Tabela 2).

    Tabela 2 - Oferta do ensino mdio por faixa etria (%)

    Brasil e UFs

    Investigadas

    2005 2007

    At 17

    anosDe 18 a 19 anos

    At 17

    anosDe 18 a 19 anos

    Brasil 52,0 23,9 55,9 23,7

    Acre 48,8 25,7 57,0 24,9

    Cear 48,7 28,4 51,7 28,3

    Paran 70,8 22,0 70,5 18,6

    So Paulo 71,5 18,2 74,5 20,8

    Fonte: MEC/Inep, 2005, 2007.

  • 16

    Rose Neubauer (Coord.)Cludia Davis

    Gisela Lobo B. P. TartuceMarina M. R. Nunes

    R. bras. Est. pedag., Braslia, v. 92, n. 230, p. 11-33, jan./abr. 2011.

    Em relao permanncia bem sucedida dos jovens na escola de en-sino mdio, ou seja, das chances de completarem esse nvel com uma taxa mnima de repetncia, pode-se dizer que no houve mudana positiva na ltima dcada. A taxa de aprovao para o Brasil, que estava em torno de 77% em 1997, caiu para 74% em 2007. A diminuio das taxas de evaso no perodo, provavelmente em decorrncia do aumento das matrculas no diurno (foi de 25% para 50%), revela que a repetncia continua sendo o grande obstculo concluso do ensino mdio com qualidade (MEC/Inep, 2009). Alm disso, o desempenho insatisfatrio dos jovens brasileiros em recentes avaliaes nacionais (Saeb e Enem) e internacionais (Programme for International Student Assessement Programa Internacional de Avaliao de Alunos, Pisa) agrava o problema da qualidade do nvel mdio queles j mencionados de acesso, permanncia e fluxo.

    Diante desse cenrio, o MEC lanou o Projeto Ensino Mdio Inovador (2009), programa que busca apoiar as Secretarias de Educao dos Estados e do Distrito Federal no desenvolvimento de aes de melhoria do ensino mdio. nfase dada necessidade de mudanas no currculo desse nvel de ensino, a um novo sistema de avaliao o novo Enem e ampliao do tempo de permanncia na escola. Tambm esto inseridos no programa projetos que promovam a educao cientfica e humanstica, a valorizao da leitura, o aprimoramento da relao teoria e prtica, a utilizao de novas tecnologias e o desenvolvimento de metodologias criativas e emancipadoras.

    Em face dessa realidade e dos desafios expostos, as questes de acesso, permanncia e qualidade so percebidas como problemas prementes a serem enfrentados no ensino mdio, da a necessidade de pesquisas que examinem por que determinadas escolas conseguem fazer com que seus alunos o completem e apresentem bom desempenho. Quais prticas e estratgias pedaggicas, de gesto e de acompanhamento essas escolas e seus atores desenvolvem? Quais so os processos internos e externos escola que interferem nos resultados positivos e negativos dos alunos? As polticas pblicas para o ensino mdio tm sido postas em prtica, e, em caso afirmativo, como elas so percebidas e apropriadas pelos diferentes atores da escola?

    Definio da amostra da pesquisa

    As 35 escolas eleitas para o estudo foram selecionadas pelas equipes tcnicas das Secretarias de Educao dos Estados participantes da pesquisa, aplicando os critrios desenvolvidos em conjunto pela equipe MEC-BID coordenadora da pesquisa. Partiu-se dos desempenhos apre-sentados pelos alunos no Enem e/nas avaliaes estaduais de 2007, e, luz dos conceitos definidos pelo Ideb,2 foram adaptados indicadores para as escolas pblicas estaduais dos quatro Estados, tendo em vista o de-sempenho em exames padronizados ao final do ensino mdio combinado com as taxas de aprovao das escolas no decorrer do curso. No entanto,

    2 O Ideb divulgado pelo Inep desde 2005, por escola, para o ensino fundamental. Utiliza como base a Prova Brasil, avaliao aplicada pelas escolas pblicas, no 5 e no 9 ano, mas no pelas escolas do ensino mdio. Para o ensino mdio, o Inep divulga apenas dados estaduais com base no Saeb.

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    como o objetivo era selecionar escolas com maior impacto no aprendizado dos alunos (o chamado efeito escola), foram utilizadas as caractersticas socioeconmicas dos alunos em funo das quais foi calculado, para cada escola, o Ideb previsto. Com base na diferena entre os dois Idebs o real e o previsto , foi determinado o efeito escola, a partir do qual as escolas de cada Estado foram dispostas em ordem decrescente, sendo escolhidas para a pesquisa as que apresentavam elevado efeito escola e elevado Ideb.3

    Em seguida, efetuou-se uma anlise preliminar quantitativa,4 cujos resultados indicaram que as escolas selecionadas no se diferenciavam das demais de seus Estados, em termos de infraestrutura e equipamentos, formao e qualificao dos professores, aspectos mais comumente associados com a qualidade das escolas.

    Norteados por esse dado, deu-se prosseguimento ao estudo a partir do modelo integrado de Scheerens (1990), para o qual a efetividade da escola depende do contexto em que ela se situa, bem como dos insumos que incidem no processo escolar e da forma como eles conduzem (ou no) s metas e aos objetivos alcanados. Com base nesse modelo, foi elabo-rada uma matriz de referncia sobre os fatores envolvidos na efetividade da escola para nortear a construo dos instrumentos. Elegeram-se trs categorias amplas que, somadas, abarcam grande parte da complexidade dos sistemas: polticas pblicas (insumos externos); organizao da escola (insumos internos); ensino e prticas pedaggicas (insumos internos).

    Cada uma das trs categorias foi abordada a partir de diferentes dimenses5 aspectos considerados fundamentais para que se possa contar com uma educao de boa qualidade que constituram os focos investigados nas escolas por meio dos instrumentos da pesquisa de campo. A metodologia de pesquisa adotada para a coleta de dados durante o trabalho de campo conhecida como pesquisa rpida trata-se de uma abordagem que se aplica muito bem s condies definidas para o trabalho de campo desse estudo, que exige conciliar a coleta de muitas informaes, a partir de diferentes fontes, com deslocamentos longos e nem sempre por regies de fcil translado. A pesquisa rpida prope que se concentre a investigao em um ncleo central de interesse para levantar elementos que permitam identificar questes relevantes de um universo pesquisado. um mtodo que garante informao qualitativa sobre uma rea geogrfica de forma rpida, sucinta e a custos baixos (Brasil, Unicef, 2006, p. 2).

    Vrios atores que integram o sistema escolar foram sujeitos da pesquisa: tcnicos das SEEs e dos rgos regionais de ensino e, nas uni-dades de ensino, diretores, coordenadores pedaggicos, professores e alunos de 3 ano de ensino mdio.

    As informaes de natureza qualitativa que permitem apreender as percepes dos sujeitos e os mecanismos pelos quais eles agem foram coletadas em entrevistas, grupos focais e observaes da escola e em sala de aula; as de cunho quantitativo que revelam tendncias mais macro foram obtidas por meio de questionrios. A quantidade de entrevistas,

    3 Para maiores detalhes sobre a metodologia da pesquisa, ver Fundao Carlos Chagas, Instituto Protagonists (2009).4 O estudo foi realizado por Andr Portela Souza, com base nos dados do Enem aplicado pelo Inep/MEC (2006), nos Censos Escolares do MEC (Microdados do Inep/MEC, 2001, 2005 e 2006) e no Saeb 3 ano (2003 e 2005).5 Dimenses da categoria 1: cur-rculo, proposta pedaggica para ensino mdio, sistema de avalia-o, aes direcionadas aos jo-vens, comunicao entre rgos intermedirios e escola, recursos humanos, recursos financeiros, recursos fsicos: ambiente peda-ggico, projetos especficos; da categoria 2: caracterizao da escola e da equipe escolar, gesto da escola, ambiente educativo; da categoria 3: planejamento e desenvolvimento do ensino, clima da sala de aula, avaliao da aprendizagem.

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    questionrios e grupos focais realizados foi determinada a partir da clas-sificao das escolas em funo do nmero de alunos atendidos no ensino mdio. Um total de 1.324 sujeitos foi submetido a 634 instrumentos, totalizando 73.037 itens analisados.

    Prticas recorrentes nas escolas

    A anlise dos dados quantitativos e qualitativos produzidos permitiu identificar, nas 35 escolas investigadas, os fatores internos recorrentes relacionados s prticas que mais se associam ao sucesso escolar de seus alunos e que se manifestam de forma sistmica e em diferentes nveis de intensidade.6 So elas:

    Aprendizagem como foco central da escola

    Essas escolas alocam prioridade aprendizagem dos alunos, explicitam isso a todos seus atores e centralizam todas as decises e aes para alcanar essa meta. Os objetivos de ensino/aprendizagem so expressos em planos de ensino e compartilhados com alunos e pais. Tanto nas classes como fora delas, so usadas estratgias de ensino diversifi-cadas, para que as metas de ensino sejam efetivamente cumpridas e os alunos aprendam. A avaliao utilizada como parmetro para ajustar o ensino s caractersticas dos estudantes, de modo a possibilitar-lhes acompanhar o prprio progresso na apropriao do conhecimento e no domnio de competncias e habilidades. As dificuldades dos alunos so identificadas, e esforos dos mais variados so feitos para, mediante apoio e assistncia, lev-los a superar os obstculos encontrados, prevenindo a evaso e a repetncia.

    Expectativas elevadas sobre o desempenho dos alunos

    Toda a equipe escolar dessas escolas est convencida de que atende a uma clientela que aprende e seguir aprendendo, sempre. Nesse sentido, a viso de que os resultados escolares so determinados por caractersticas inerentes aos alunos e s suas famlias, naturalizando os fatores socioeconmicos e culturais e aqueles relativos ao gnero, cor e presena de deficincia, muito menos presente. Observam-se, ainda, iniciativas e atitudes que demonstram um bom equilbrio entre exigncias e apoios, ficando patente o interesse pelos alunos tal como eles so, em sua concretude: pessoas em trajetria de mudana e desenvolvimento. Eles so vistos como muito compromissados, respeitadores, participativos e com interesse real em aprender. O sucesso dos alunos atribudo ao apoio da direo, equipe pedaggica e, inclusive, famlia, vista como parceira e aliada.

    6 Para maiores detalhamentos de como essas prticas ocorrem nas diferentes escolas dos qua-tro Estados, consultar Relatrio Final da Pesquisa: Melhores Prticas em Escolas de Ensino Mdio no Brasil. So Paulo, Fundao Carlos Chagas/Insti-tuto Protagonists, 2009.

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    Elevado senso de responsabilidade profissional dos docentes em relao ao sucesso dos estudantes

    Os docentes das escolas apresentam um elevado senso de responsabilidade profissional, caracterizado por bom domnio terico e metodolgico. Esto sempre presentes e atuantes em suas escolas e transmitem uma sensao de competncia e segurana, quando se trata de mobilizar conhecimentos, atitudes e crenas para conseguir os resultados a que se propem. A apreenso acerca das necessidades de formao e de aperfeioamento contnuos clara: os professores ex-pressam que essas so condies essenciais para que possam oferecer um ensino atualizado e pertinente. Sentem-se capazes de responder s situaes e problemas que enfrentam no dia a dia, justamente por acreditarem que sua principal responsabilidade a de viabilizar, para todos os alunos, sem nenhuma exceo, uma passagem bem sucedida pela escola, passaporte para uma vida melhor em uma comunidade que se importa com todos e com cada um.

    Trabalho em equipe e lideranas reconhecidas

    Escolas que se destacam por trabalhar em equipe e por contar com lideranas inspiradoras conseguem unir o corpo docente para estabe-lecer uma viso de futuro e de metas a serem atingidas de maneira compartilhada. Os objetivos das escolas no esto dispersos nas atas escolares ou perdidos na memria de cada docente: eles se encontram consolidados em projetos e planos coletivos e bem articulados. Dessa forma, as escolas oferecem muitas e variadas oportunidades para seus membros dialogarem profissionalmente, aperfeioarem-se em suas funes e receberem feedback sobre as prticas pedaggicas utilizadas para alcanar as metas comuns. Alm disso, a comunicao entre elas, a SEE e seus rgos de apoio boa, estendendo-se tambm a outras organizaes e instituies educativas, culturais ou empresariais da vizinhana.

    Preservao e otimizao do tempo escolar

    As escolas preservam e aperfeioam o tempo de sala de aula: nele est a possibilidade de os estudantes tirarem proveito de sua passagem pela escola e aprenderem, ativa e criticamente, o que nelas se ensina. Busca-se, desse modo, proteger o tempo de interao professor/ alunos de toda e qualquer interrupo: o trabalho pedaggico no pode ser palco de disputas inteis ou de indisciplina nem ficar merc das faltas dos docentes. Seus horrios so, em muitos casos, rigidamente regulados e respeitados. Como consequncia, adotam procedimentos rigorosos em face das faltas e da evaso dos alunos e, concomitan temente, estimulam

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    o uso apropriado do tempo dedicado aprendizagem, incentivando o envolvimento, a participao e o protagonismo juvenil.

    Normas de convivncia claras, aceitas e incorporadas dinmica da escola

    A presena de normas de convivncia claras, aceitas e incorporadas sua rotina e dinmica uma caracterstica marcante das escolas. Todos relatam a presena de um cdigo de conduta que expressa os valores da unidade escolar, muito bem divulgado, conhecido e reconhecido como legtimo por todos. Predomina nesses espaos o entendimento de que disciplina significa congruncia entre comportamentos desejados e expressos no cdigo de conduta e aqueles que ocorrem no cotidiano da instituio de ensino. Em casos de conflito entre o previsto e o observado, procedimentos muito bem definidos so adotados e se fazem valer. Em algumas escolas, a nfase dos cdigos de conduta est em criar, manter e/ou restaurar relaes interpessoais positivas, pouco se recorrendo pu-nio. A pretenso est mais em provocar o dilogo, incentivar a reflexo, construir consensos. Em outras unidades escolares, a situao distinta, buscando-se seguir, com rigor, as consequncias prescritas para trans-gresses do cdigo de conduta. Prepondera nessas ltimas escolas uma assimetria nas relaes, que tendem a ser bastante hierarquizadas.

    Clima harmonioso: a escola como um lugar agradvel para ensinar e aprender

    Foi encontrado, em todas as escolas, um clima harmonioso, que faz delas um local agradvel para se ensinar e para aprender. O espao fsico provoca a sensao de bem estar: so instituies bem cuidadas e organizadas, que passam a ideia de que nelas predominam interaes ricas, produtivas e positivas. Todos se dizem envolvidos em uma busca comum, que o progresso dos alunos. Mas no s: h uma preocu-pao acentuada tambm com a aprendizagem e o desenvolvimento profissional dos docentes, bem como com a promoo de melhorias no espao educativo.

    Autonomia e criatividade por parte da equipe escolar

    As unidades escolares contam com uma equipe autnoma e criativa, que se caracteriza por desenvolver projetos pedaggicos prprios, insti-tucionalizados e articulados aos objetivos centrais da SEE de seu Estado. Existem nelas capacidade e criatividade para adequar projetos, polticas e diretrizes gerais do rgo central s suas realidades especficas, sempre de maneira flexvel, articulando-as aos seus prprios objetivos. A percepo do

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    impacto das polticas em vigor em seus Estados sobre o fazer pedaggico bastante ponderada e equilibrada.

    Em todas as escolas estudadas essas prticas foram comuns, ainda que a nfase em um ou outro aspecto seja peculiar a cada instituio e defina algumas de suas caractersticas principais. A articulao dessas prticas est sintetizada no esquema a seguir:

    Figura 1 Viso articulada das oito caractersticas recorrentes de prticas encontradas no ensino mdio dos diferentes Estados investigados

    Fundamentalmente, em todas essas escolas pesquisadas, as equipes pedaggicas, estudantes e seus familiares partilham de uma mesma viso a respeito das metas escolares. Existe clareza de que a aprendizagem dos alunos o foco de seu trabalho, e as escolas colocam no centro de todas as suas aes a preocupao com a apreenso de contedos, com-petncias e habilidades necessrios ao desenvolvimento dos alunos de ensino mdio.

    Essa preocupao com a aprendizagem dos alunos leva as equipes escolares a desencadearem aes tidas como necessrias ao bom funcio-namento da escola e ampliao das oportunidades de sucesso de sua clientela. Um dos aspectos a se destacar so as normas de convivncia claras, conhecidas e acordadas por todos, que garantem um ambiente onde vigora a disciplina necessria a toda situao de ensino-aprendizagem formalizada. Em certas escolas h regras rgidas, comunicadas a todos os membros da comunidade escolar com vista a uma maior eficcia; em outras, o trabalho pautado por normas mais flexveis, com prioridade

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    dada tanto ao ensino como incorporao de condutas validadas por relaes interpessoais positivas.

    Nota-se um elevado senso de responsabilidade profissional por parte dos professores, que no faltam, valorizam o trabalho em equipe e buscam aprimorar a formao recebida. As expectativas sobre o desempenho dos alunos so extremamente positivas e divulgadas a todos os interessados. Desse modo, criam-se laos com as famlias, que, convencidas de que a escola cumpre seu papel, passam a colaborar com a instituio por verem seus filhos aprendendo. A maximizao do tempo escolar garantida por professores responsveis, que no se atrasam nem desperdiam tempo de aula. Os alunos, por sua vez, so estimulados a entrar nesse mesmo esprito. Tudo isso constri um ambiente favorvel aprendizagem, um clima agradvel e produtivo, que beneficia os alunos e do qual eles e os profissionais da educao se orgulham.

    Essas oito prticas, se articuladas de forma consistente, asseguram a permanncia bem sucedida dos estudantes nas escolas e causam impacto positivo na qualidade do ensino. As 35 escolas que integraram o estudo conseguem fazer isso e, para tanto, colocam empenho e muita dedicao. Todas funcionam de maneira sistmica, e essas oito prticas esto profun-damente arraigadas em sua dinmica de atuao. So, portanto, prticas que se configuram como nodais, justamente porque so elaboradas com base nos modos particulares por meio dos quais as escolas se apropriaram das polticas pblicas e as fazem suas.

    Polticas pblicas de melhoria da qualidade do ensino mdio

    Todas as SEEs contam com polticas voltadas para currculo e materiais didticos, capacitao de professores, avaliao, carreira, acesso tecnologia e cursos profissionalizantes e de apoio a vestibulares. Assim, as escolas investigadas no desenvolvem suas aes revelia dos programas das SEEs, embora nem sempre seja possvel reconhecer ime-diata e explicitamente essa influncia. Da a necessidade de conhecer a poltica pblica de cada um dos Estados participantes e a percepo dos sujeitos entrevistados a seu respeito o segundo objetivo da pesquisa.

    Analisar as especificidades das prticas pedaggicas das escolas e das polticas pblicas dos quatro Estados e, notadamente, exemplos e aspectos que se mostraram interessantes demandaria um espao que no cabe nos limites deste artigo. Sendo assim, optou-se por destacar os pontos mais crticos e recorrentes os sistemas de fluxo e monitoramento de implementao das diferentes polticas , na expectativa de que possam estimular a busca de aprimoramento para essas questes.

    Na maioria das escolas e dos rgos intermedirios pesquisados, as polticas das SEEs so conhecidas e valorizadas pelos sujeitos entrevistados. Embora haja diferenas de percepo, h amplo reco-nhecimento de que existe empenho dos rgos centrais em melhorar o acesso e a qualidade do ensino mdio nas escolas. Por outro lado, apesar

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    de conhecerem os programas educacionais de seus respectivos Estados, observou-se que as escolas no tm uma dimenso da poltica como um todo, isto , da intencionalidade das SEEs ao formularem suas aes para o ensino mdio. Nesse sentido, gestores e professores das vrias escolas tendem a se lembrar apenas de projetos mais pontuais, cujo impacto mais imediato em seu cotidiano. Os quadros dos rgos regionais, por sua vez, parecem ter construdo uma viso um pouco mais abrangente da poltica educacional de seu Estado. No entanto, seu discurso mais genrico, tendo em vista que no esto se referindo a uma nica escola, mas a muitas. De qualquer maneira, a meno a programas especficos foi igualmente encontrada entre eles.

    Em termos de anlise e avaliao dos programas em andamento nos distintos Estados, a impresso que fica a de que as duas pontas do sistema de ensino o rgo central e as escolas detm uma viso mais crtica a respeito da situao educacional do que as equipes dos rgos intermedirios, que, em sua maioria, avaliaram os programas como bons ou timos. Mesmo o aspecto considerado neste estudo como sendo o mais frgil fluxo e monitoramento foi bem avaliado pelos tcnicos dos rgos regionais. A nica ressalva feita a de que, segundo eles, esses programas contam com uma estrutura em geral muito enxuta, o que compromete o trabalho que lhes cabe realizar. Entretanto, individu-almente, a maior parte diz que consegue acompanhar as escolas sob sua superviso.

    Independentemente de haver uma estrutura mais ou menos formalizada de fluxo e monitoramento, ela sempre frgil no que concerne ao feedback a respeito do que ocorre com as polticas educacionais quando chegam s escolas. Nos questionrios aplicados, so as questes relativas a esse aspecto as que obtiveram respostas mais contraditrias, seja entre instncias da rede pblica de ensino, seja intrainstncias. Os quadros dos rgos intermedi-rios afirmam que h aes de fluxo e monitoramento, mas no explicam como essas aes so materializadas. A indagao sobre os resultados desse monitoramento recebe, consistentemente, respostas ainda mais vagas. So muito poucos os que admitem que o monitoramento superficial, informal e subjetivo: o impacto dos programas nas salas de aula praticamente no conhecido, e, portanto, no h como ser devidamente avaliado. A pulverizao nas percepes dos tcnicos dos rgos intermedirios em relao s aes de monitoramento e aos seus resultados um indicativo da pouca sistematizao do acompanhamento das aes implementadas nas e pelas escolas.

    Novamente, aqui, os rgos centrais tm uma viso mais crtica, pois reconhecem falhas em seus sistemas de fluxo e monitoramento. Embora as SEEs paream conhecer como alguns de seus programas so apropriados, a precariedade e/ou ausncia de mecanismos regulares e metdicos de acompanhamento e superviso dos programas podem dificultar e/ou impedir a retroalimentao e avaliao da eficcia das polticas pblicas em andamento.

    No caso dos rgos intermedirios, responsveis pelo fluxo e monitoramento, no foram encontradas iniciativas prprias, no sentido

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    de levar adequada implementao das polticas e programas delineados no nvel central. De forma semelhante, as equipes escolares no foram capazes de apontar como os diferentes programas e projetos esto arti-culados aos objetivos das SEEs, decorrendo da, possivelmente, o fato de as escolas mencionarem apenas projetos educacionais nelas implemen-tados, sem uma viso mais ampla acerca da poltica publica no campo da Educao. Sem que exista essa compreenso por parte das equipes escolares, a ao dos rgos regionais fica aparentemente reduzida a mera propaganda dos projetos em andamento em cada Estado.

    Ao mesmo tempo, o trabalho dos rgos intermedirios parece tambm se voltar para as unidades escolares isoladamente, sem qualquer meno tentativa de criar uma sintonia entre as diferentes escolas de sua regio. Nesse sentido, troca de experincias (seja de fatores de sucesso e de modelos interessantes, seja de motivos de fracasso) nas escolas e entre elas raramente foi mencionada, indicando que os rgos regionais no exercem uma funo aglutinadora. O aumento de quadros tcnicos nas diferentes administraes (presentes mais em alguns Estados do que em outros) tem se dado mesmo na ausncia de diretrizes claras para sua atuao. Observou-se em alguns desses Estados a tendncia em valorizar avaliaes externas e o estabelecimento de metas a serem atingidas, o que os aproxima das polticas de aprimoramento da qualidade de ensino conhecidas como accountability. Um diagnstico mais qualitativo de cada escola, indicando seus pontos fortes e fracos to necessrio para desen-cadear mudanas que vo ao encontro das metas das diferentes SEEs , parece no ser considerado nas polticas pblicas estudadas, a despeito de sua importncia ser muito ressaltada na literatura.

    Consideraes finais e recomendaes

    A Amrica Latina tem sido palco de vrias ondas de reformas educativas, e, ao que tudo indica, outras ainda se fazem necessrias. Retomando a histria recente, a primeira onda de reformas pretendia garantir vagas e escola para todos. A partir do final dos anos de 1980, inicia-se a segunda gerao de reformas, caracterizada pela nfase na autonomia e descentralizao administrativa, buscando alcanar uma melhor distribuio das matrculas entre as redes estaduais e municipais. No final dos anos de 1990, as polticas voltam-se para o interior dos prprios sistemas de ensino, dando destaque ao currculo, avaliao, aos resultados da aprendizagem e obteno de metas, um conjunto de iniciativas que refora o processo de responsabilizao e accountability adotado pelos governos federal e estadual (Neubauer, Silveira, 2009).

    Com efeito, segundo Fernandes e Gremaud (2009), as medidas desen-cadeadas pelo governo federal visaram implementar no Pas uma poltica de accountability para melhoria na qualidade da educao, ou seja, elas consistiam em um conjunto de aes pelas quais os sistemas educacionais e as escolas deveriam sentir-se responsveis pelos resultados a serem

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    alcanados. No entanto, na medida em que as escolas de educao bsica so administradas e financiadas com recursos dos Estados e municpios, que no respondem diretamente Unio, a accountability pretendida de natureza indutora e, consequentemente, com limites que enfraquecem sua atuao.

    Observou-se durante a pesquisa que as polticas de ensino mdio dos quatro Estados convergem para focos semelhantes: diretrizes e materiais curriculares, programas de recuperao e enriquecimento da aprendizagem, capacitao de professores, avaliaes do rendimento escolar e uso de seus resultados para priorizar as diferentes aes e alcanar as metas acordadas. As aes voltam-se, portanto, mais para o interior da sala de aula, com nfase em projetos de reviso de contedos que preparem os alunos para se sair bem nas avaliaes nacionais e esta-duais (quando elas existem). No caso do ensino mdio, o exame de maior impacto o Enem. De fato, as entrevistas revelaram grande preocupao das escolas em preparar os alunos para responderem bem a essa prova, de modo a ganhar acesso ao ensino superior,7 alcanar as metas da escola e ter um bom desempenho no ranking das escolas divulgado a partir dos resultados do Enem.

    Porm, independentemente das vrias aes e polticas desencadeadas pelo MEC e pelos Estados para o ensino mdio nos ltimos 15 anos, bem como da garantia de maior quantidade de verbas para a educao, o padro de desempenho e as taxas de aprovao dos alunos desse nvel de ensino ficaram, como se viu anteriormente, praticamente estacionados, confirmando o que tm mostrado as pesquisas nacionais e internacionais: mudanas significativas em sistemas educacionais complexos so dif-ceis de serem implementadas e, mais ainda, de se consolidarem (Fullan, 2006). Mesmo assim, preciso propor novas mudanas que permitam potencializar e consolidar os avanos anteriormente ocorridos.

    Com esse objetivo, procurar-se-, a seguir, com apoio da literatura sobre mudanas em sistemas educacionais, das prticas das escolas inves-tigadas e das percepes de seus profissionais sobre as polticas pblicas, tirar algumas lies que permitam delinear medidas futuras para que os sistemas educacionais sigam seu propsito de aprimorar a qualidade do ensino oferecido em suas escolas. As anlises efetuadas parecem indicar que necessrio repensar alguns pontos nodais desses sistemas, em especial os modelos de capacitao para romper o isolamento das escolas, o uso dos resultados das avaliaes e o papel dos rgos centrais e regionais no fluxo e monitoramento, indo alm das polticas de accountability.

    Dessa perspectiva, vale como alerta os resultados do estudo de Darling- Hammond (2000), nos quais os autores comparam diferentes Estados americanos que empregaram apenas estratgias de avaliao e estabelecimentos de metas com outros que combinaram essas estratgias com diversos incentivos, como capacitao e gratificao. A concluso de que os Estados com grande nmero de alunos pobres, mas que obtiveram melhores resultados, combinaram aumento nos salrios dos professores, novas iniciativas de recrutamento, formao pr-profissional dos docentes,

    7 Aspirao anteriormente tpi-ca das classes mdias e altas e destinada, ainda, a uma parcela limitada da populao. Duas razes justificam esse cuidado com o Enem: primeiro, seguir os ditames da cultura de bacharel que vigora no Pas desde h muito e que desqualifica a edu-cao profissional; e, segundo, a distribuio de bolsas de estudo via ProUni, incentivada pelo go-verno federal e condicionada ao desempenho no Enem.

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    certificao, uso de mentores para professores iniciantes e capacitao profissional contnua. O recurso da avaliao foi importante para orientar suas propostas de trabalho, mas no quando usado isoladamente.

    Em termos de capacitao docente, constatou-se que a poltica de todos os Estados, sem exceo, no atenta para o fato de que, para alcanar as metas voltadas para uma educao de boa qualidade e promover uma mudana de mentalidade no professorado, preciso uma nova modalidade de capacitao, in loco, voltada para a realidade das escolas. A maioria das propostas de capacitao que os Estados vm empreendendo ocorre por meio de estratgias centralizadas, na maior parte das vezes com conte-dos comuns para grupos diversificados de professores, sem considerar a realidade das escolas onde atuam e sem estimular a construo de uma cultura colaborativa. A anlise das prticas e concepes desenvolvidas pelas 35 escolas investigadas, entretanto, confirma, de forma categrica, o que a literatura aponta j h bom tempo (Elmore, 1999, 2000; Elmore, 2004; Fullan, Hargreaves, 2000; Newman, 1998; Rosenholz, 1989), inclusive a brasileira (Brasil, Unicef, 2006): preciso tornar as escolas centros que promovam a discusso, a troca de experincias, o aprendizado coletivo de seus professores. A formao docente, fortemente ancorada no trabalho individualizado do professor, e a cultura escolar vigente colocam obstculos a que se tenha acesso ao que se passa na sala de aula, o que dificulta, em muito, o alcance das mudanas almejadas.

    Repensar a capacitao em outros termos torna-se necessrio. Nesse processo, ser importante considerar os seguintes aspectos: a) as lacunas na formao inicial dos professores, que dificultam o enfrentamento da realidade escolar; b) a tendncia de se realizar, em cada escola, um trabalho isolado, que supe que o professor sabe resolver sozinho os problemas relativos ao ensino e aprendizagem; c) a ausncia, nas escolas, de compromisso com a socializao de conhecimentos pedag-gicos, descartando a observao e a discusso da prtica pedaggica; d) a interpretao enganosa de autonomia como isolamento, sem integrar, na docncia, o dilogo entre profissionais da rea. Esse isolamento do professor, muitas vezes, cria dvidas e gera insegurana sobre como conduzir sua classe, pela ausncia de modelos e reflexes que o levem a avaliar criteriosamente o que faz, como pensa sua prtica e concebe os seus alunos. Talvez por falta de espaos apropriados ou de horas especiais nas jornadas de trabalho para as trocas de experincias e informaes, os docentes dificilmente se do conta de que seus colegas, assim como os de outras escolas com caractersticas semelhantes, so, na maioria das vezes, os canais mais efetivos de apoio e busca de respostas para os problemas que enfrentam no seu cotidiano.

    Romper com o isolamento que vigora no interior das escolas e entre elas, permitindo ampla comunicao para que a troca de experincias seja a mais variada e instrutiva possvel, um enorme desafio, princi-palmente em redes de ensino complexas. Por isso mesmo, este deve ser um ponto sobre o qual as SEEs devero atuar, pois as escolas podem e precisam aprender entre si. De fato, a literatura aponta que a

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    transformao da qualidade de um sistema de ensino requer aprendizagem intra e interescolar (Barber, 2009; Fullan et al., 1998; Fullan, Hargreaves, 2000; Newman, King, Youngs, 2000; Rosenholz, 1989). Isso, por sua vez, demanda a criao de espaos e de tempos para os professores se envolverem em aprendizagens contnuas que possam orientar sua prtica pedaggica em sala de aula, em especial se acompanhadas, mediante observao e anlise, pela equipe gestora e pelos prprios docentes que atuam na escola. Tudo indica que, discutindo problemas semelhantes e analisando questes comuns do dia a dia, possvel instituir uma nova cultura nas escolas, fazendo delas comunidades profissionais de aprendizagem para professores e alunos (Fullan, 2009).

    Cabe lembrar o esforo efetuado pelas 35 escolas da pesquisa para otimizarem os espaos de trabalho coletivo, fazendo deles momentos de reflexo, replanejamento, avaliao, estudo, ou seja, aproximando-se do modelo das comunidades profissionais de aprendizagem apontadas na literatura. De fato, como foi visto, o trabalho cooperativo pode trans-formar a identidade das escolas, levando-as a integrar um sistema que tem expectativas coletivas de desempenho escolar elevadas, que todos procuram cumprir e buscam realizar. Isso significa que tambm o trabalho do rgo intermedirio no pode se processar de maneira isolada, uma vez que, sem atuao conjunta, no possvel criar uma cultura comum, inicialmente entre as unidades escolares que supervisiona e, posteri-ormente, em toda a rede. Com base no conhecimento da especificidade de cada equipe escolar, seus problemas e suas necessidades, devem ser elaborados planos customizados de ao pedaggica, orientados, por sua vez, pelo conhecimento e pela experincia adquiridos na e pela troca contnua das unidades escolares.

    As capacitaes e as orientaes futuras dos quadros tcnicos das SEEs devero enfatizar o preparo para que eles atuem in loco, ajudando as escolas a fazerem dos horrios de trabalho coletivo momentos ricos e profcuos de construo coletiva. Essa , de fato, uma das funes mais importantes dos rgos regionais: fornecer apoio e incentivo, condies de encontro e de visitas, momentos de discusso e de debates, ocasies para se alcanar acordos em termos de quais sejam as estratgias mais eficientes de ensino para resolver problemas comuns.

    Os resultados da pesquisa mostraram, entretanto, uma presena frgil dos representantes dos rgos regionais nas escolas, exercendo um papel mais burocrtico e hierrquico do que atuando como parceiros na busca de solues para problemas das escolas, individualmente consideradas. Alm disso, a investigao revelou que no h, nos rgos intermedirios, uma viso clara acerca de como deve se dar o fluxo e o monitoramento da poltica educacional de seus Estados, apresentando, inclusive, uma percepo menos crtica como j foi dito em relao a ela do que a das equipes centrais e dos educadores nas escolas. Na falta de procedimentos sistematizados para realizar o acompanhamento das aes que tm lugar nas escolas, no possvel saber se e como as polticas pblicas ganham forma nas salas de aula.

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    As principais diferenas entre os Estados parecem estar mais nas modalidades dos encontros promovidos entre os vrios atores da rede de ensino e em sua frequncia do que na natureza da demanda que se faz aos sistemas de comunicao, acompanhamento, monitoramento e fluxo. Dessa forma, talvez a questo central dos Estados para assegurar um ensino de boa qualidade rico e diversificado para todos os alunos esteja em alterar radicalmente esse modelo, substituindo-o por outro onde exista ampla comunicao intra e interescolas. Tais mudanas so consideradas fundamentais para que se possa alterar a cultura das escolas e, inclusive, a dos rgos regionais, estreitando os laos entre as vrias instncias do sistema escolar, que, como mostra Elmore (1999-2000) a partir de vrios estudos, tendem a ser tnues, quase inexistentes. Consequentemente, a boa qualidade de ensino para todas as escolas implica maior organicidade entre elas, o que, por sua vez, demanda das SEEs mudana institucional de vulto, na qual gestores e tcnicos dos rgos intermedirios se res-ponsabilizam por criar, fomentar e promover as condies necessrias para o apoio e envolvimento individual e coletivo dos professores nos processos de melhoria da qualidade do ensino. Assim, se compete aos diretores aprimorar o trabalho dos docentes, a incumbncia dos tcnicos dos rgos regionais a de apurar o trabalho das escolas, fazendo uso de estratgias e mecanismos especficos e delineados para tal fim. Se isso for realizado, o papel desses profissionais de mostrar aos agentes esco-lares como podem mudar sua situao para melhor ter sido cumprido (Elmore, 2004). Nessa eventualidade, tanto o MEC, por meio de uma ao forte e consistente nas agncias formadoras dos profissionais da educao, como as SEEs, por intermdio de suas instncias de formao em servio, forjaram um novo profissional da educao que, como diz Fullan (2009), cooperativo, no autnomo; aberto e no fechado; extrovertido e no insular, com autoridade, sem ser autoritrio ou controlador (p. 267).

    Essa a direo a ser seguida pelo rgo regional, que dever coordenar, articular, implementar, avaliar e replanejar aes que levem qualidade buscada nas escolas de sua regio. Conhecendo de perto suas experincias de sucesso e, tambm, os fracassos que viveram, os rgos intermedirios do sistema de ensino devem divulgar, para as demais uni-dades escolares, aquilo que deu certo e aquilo que malogrou, socializando esse conhecimento. Alm disso, coletar experincias efetivas, prticas pedaggicas que comprovadamente deram certo e estratgias de ensino promissoras faz com que se conte, a mdio prazo, com um banco de dados de bons modelos aberto consulta pblica, ao qual se pode recorrer em busca de inspirao. Mais uma vez, convm insistir, preciso ter claro o que mudar e como mudar, para que se possa capacitar tambm o pessoal incumbido desse papel, tornando-o apto a liderar o processo de melhoria educacional nas escolas sob sua responsabilidade.

    O papel dos governos centrais , portanto, fundamental para possibilitar condies propcias a um forte comprometimento das escolas e dos rgos regionais com a melhoria do sistema escolar como um todo e com os alunos que nele estudam. No se trata de focar escolas

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    ou indivduos em particular. imprescindvel que o MEC, no seu papel indutor, e os Estados, na competncia que lhes delegada, estimulem e garantam: a) clara definio do perfil dos gestores para ocupar funes estratgicas nas redes pblicas, sua capacitao em administrao pedaggica, bem como o das equipes tcnicas regionais para liderar esse processo de mudana; b) formao de quadros tcnicos e docentes, com especial nfase na aprendizagem em contexto (in loco) nas escolas; c) padres de desempenho claros e focados no ensino e na aprendizagem; e, d) socializao dos resultados das avaliaes de desempenho das escolas, de modo que elas possam, efetivamente, us-los para orientar suas tomadas de deciso.

    Os resultados da avaliao externa, para irem alm de declaraes mais ou menos vagas (como as encontradas nas escolas da pesquisa acerca de sua importncia e utilidade) e efetivamente contriburem para incrementar a qualidade do ensino, precisam ser bem apropriados pelo conjunto dos professores, independentemente de eles estarem atuando em nveis distintos do sistema educacional. Isso significa que a avaliao, seus objetivos, estratgias e resultados precisam ser compreensveis, condio indispensvel para que promovam discusso, comparaes e definies de metas partilhadas. Em outras palavras, o MEC e as SEEs so responsveis por delinear capacitao especfica sobre a avaliao, sem a qual no se pode ter domnio de seus aspectos nodais e de seus produtos, vinculando esses ltimos ao trabalho escolar realizado e em relao s expectativas que sobre eles se construiu.

    Finalmente, vale lembrar que as pesquisas mostram que transformar escolas em comunidades profissionais de aprendizagem (Dufour, Eaker, Many, 2006) no tarefa fcil. Os administradores desejam solues rpidas para problemas urgentes e, assim, preferem investir apenas em sistemas de avaliao e no estabelecimento de metas a serem atingidas, considerado mais simples de ser implementado. Entretanto, essa proposta no tem se mostrado a mais adequada, segundo a literatura atual, para enfrentar os desafios da melhoria da qualidade do ensino no contexto da sociedade atual. Parece ser possvel concluir, com base em tais estudos e nos resultados desta investigao, que gastar a maior parte dos recursos e de energia em avaliao e estabelecimento de metas no basta. Ainda que tais medidas sejam importantes e necessrias, elas sozinhas no asseguram a mudana nem sua manuteno, se a tnica no for colocada no desenvolvimento de novas habilidades de seus profissionais, capazes de criar e de manter uma nova e melhor qualidade na educao bsica.

    Os governos podem e devem fixar metas, proporcionar incentivos (presso e apoio) e/ou promover capacitao e desenvolver as capacidades pedaggicas e de gesto das escolas e das SEEs. Fazendo apenas os dois primeiros, certamente obtero resultados de curto prazo, mas dificilmente eles sero profundos ou duradouros. Caso faam os trs, as chances de avanar sero maiores, pois prticas autoritrias de avaliao e estabele-cimento de metas externas ao espao escolar tendem a no funcionar em sistemas grandes e complexos, por no conseguirem produzir, como diz

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    Fullan (2009), uma conectividade permevel, ou seja, uma significativa interao bidirecional, com influncia mtua dentro de cada instncia do sistema e entre elas: escola, rgos regionais e administrao central. E, ao que tudo indica, a conectividade permevel uma condio sine qua non para a implementao e consolidao das mudanas na qualidade do ensino em sistemas educacionais.

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    Rose Neubauer da Silva, doutora em Educao pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP), pesquisadora e diretora-presidente do Instituto de Protagonismo Jovem e Educao (Protagonists) e professora da Universidade de So Paulo (USP).

    [email protected]

    Cludia Davis, doutora em Psicologia da Educao pela Universidade de So Paulo (USP), pesquisadora da Fundao Carlos Chagas (FCC) e professora da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP).

    [email protected]

    Marina M. R. Nunes, doutora em Educao pela Universidade de So Paulo (USP), pesquisadora da Fundao Carlos Chagas (FCC).

    [email protected]

    Gisela Lobo B. P. Tartuce, doutora em Sociologia pela Universidade de So Paulo (USP), pesquisadora da Fundao Carlos Chagas (FCC).

    [email protected]

    Recebido em 10 de junho de 2010.Aprovado em 22 de dezembro de 2010.

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    Resumo

    O ovo ou a galinha uma referncia a um dilema de causalidade que surge da conhecida expresso O que veio antes, o ovo ou a galinha? Temos a sensao de que estamos diante de um dilema semelhante quando discutimos a crise da profisso docente em nosso Pas: seria a crise das licenciaturas, em funo da sua baixa procura e o nmero supostamente insuficiente de diplomados, que levaria a uma crise do magistrio ou esta que explicaria os problemas enfrentados pelos cursos de formao docente? Neste artigo, apresentarei argumentos demonstrando que a crise da profisso docente apresenta mltiplos fatores e que existem formas de se sair desse suposto dilema.

    Palavras-chave: formao de professores; licenciaturas; crise.

    AbstractThe egg or the hen: the crisis of the teaching profession and

    the lack of perspective for Brazilian education

    The egg or the hen is a reference to the causality dilemma that emerges from the expression: what comes first, the egg or the hen?

    Jlio Emlio Diniz-Pereira

    ESTUDOS RBEPO ovo ou a galinha: a crise da profisso docente e a aparente falta de perspectiva para a educao brasileira*

    R. bras. Est. pedag., Braslia, v. 92, n. 230, p. 34-51, jan./abr. 2011.

    * Este texto subsidiou a palestra de mesmo ttulo proferida pelo autor durante o X Congresso Estadual Paulista sobre Formao de Educadores, em guas de Lindoia, So Paulo, no dia 31 de agosto de 2009.

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    O ovo ou a galinha: a crise da profisso docente e a aparente falta de perspectiva para a educao brasileira

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    One comes across a similar dilemma concerning the crisis of the teaching profession in the country: would it be a consequence of the crisis in teacher education courses, considering the lack of demand for these courses together with the insufficient number of professionals holding a diploma, or would this be the real cause of the problems in the teacher education courses? This article presents different points of view in order to highlight the multiple factors related to the teaching profession crisis as well as some ways to avoid this dilemma.

    Keywords: teacher training; teacher education degrees; crisis.

    O significado da palavra crise

    Crise se origina da palavra grega krsis e significa fase grave, complicada, difcil, um momento de tenso ou de impasse na vida de uma pessoa, de um grupo social, na evoluo de determinadas situaes. tambm definida como manifestao violenta e repentina de ruptura de equilbrio ou um estado de dvidas e incertezas, um momento perigoso ou decisivo, de muita tenso e conflito.

    As dimenses centrais que caracterizam a crise so: a alterao do estado de legitimidade social por meio da violao de valores, normas e cdigos socialmente estabelecidos e, consequentemente, a ruptura de uma situao de equilbrio ou estabilidade, a imprevisibilidade dessa situao e a urgncia de julgamentos, decises e respostas por parte dos envolvidos.

    Tais dimenses podem ser identificadas por meio da atual crise econmica mundial, por exemplo. A ganncia de imobilirias e institui-es financeiras norte-americanas, que violaram normas e cdigos es-tabelecidos, e a falta de regulao por parte do Estado para fazer valer o cumprimento desses princpios levaram instabilidade econmica de todo o planeta. Apesar de alguns sinais de recuperao, ainda no se conhecem as consequncias dessa crise para a economia global. Dos lderes mundiais e cidados comuns, so exigidas respostas rpidas diante dessa situao.

    Outros exemplos conhecidos de crise so a da adolescncia, em funo das mudanas bruscas que acontecem em nossos corpos nessa fase da vida, as de relacionamento, que algumas vezes levam ruptura, separao e ao divrcio, e a financeira, que tanto no mbito familiar quanto no institucional ou governamental gera enormes tenses, conflitos e incertezas. Ainda podamos citar a crise ambiental, a crise poltica, a crise de identidade, a crise existencial, a crise de carter... Na epistemo-logia, a no menos conhecida crise de paradigmas, e, do ponto de vista poltico-ideolgico, a eterna crise da esquerda.

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    Jlio Emlio Diniz-Pereira

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    Resumindo, crise refere-se a qualquer momento ou situao afetada por uma perda de estabilidade, de equilbrio, ou que preceda ou provoque uma anormalidade grave no funcionamento da sociedade, das instituies, da economia e na vida das pessoas. Em geral, as situaes de crise exigem respostas adequadas e rpidas.

    No Brasil, j h algum tempo, observam-se sinais e evidncias de uma profunda crise da profisso docente. Porm, infelizmente, as respostas dos governantes brasileiros para tal situao tm sido, via de regra, insuficientes, equivocadas e ineficazes.

    Alguns sinais de crise da profisso docente no Brasil

    Apesar da definio anterior de crise como manifestao violenta e repentina de ruptura de equilbrio, podemos afirmar que, no caso da profisso docente, particularmente quanto aos cursos de formao de professores, j existiam nas dcadas de 1980 e 1990 ntidos sinais de uma profunda crise do magistrio no Brasil.

    Por meio da anlise da literatura educacional, percebe-se que a vinculao dos problemas da formao do professor s dificuldades gerais enfrentadas pela educao brasileira foi bastante defendida a partir do final da dcada de 1970.

    Denunciou-se, por exemplo, que a expanso do sistema pblico de ensino e, por via de consequncia, a democratizao do acesso educao bsica no foi seguida por um correspondente investimento das verbas pblicas destinadas educao. A demanda de um nmero cada vez maior de pro-fessores para uma populao escolar crescente foi, de certa forma, atendida pela expanso do ensino superior, principalmente mediante um alargamento do ensino privado1 e a criao indiscriminada de cursos de licenciatura.2

    A denncia da crise educacional brasileira e a concomitante defesa de melhores condies de trabalho e salrios dignos para o magistrio apareceram com alguma frequncia nos textos sobre formao de pro-fessores da dcada de 1980 (Balzan, 1985; Balzan, Paoli, 1988). Dessa maneira, a discusso sobre a formao de professores ampliou-se quando o contexto da escola, a falta de condies materiais do trabalho docente e a condio de assalariado do professor passaram a ser considerados temas importantes no debate.

    Chamou-se a ateno, ento, para outras dimenses, normalmente no explicitadas, que determinavam o fracasso do trabalho docente na escola. Criticou-se, por exemplo, a nfase dada formao de professores como modo de garantir a qualidade do ensino praticado na escola sem ao menos mencionar os processos deformadores e desqualificadores aos quais esses profissionais estavam submetidos. Ou seja, questionou-se o fato de o debate centrar-se na formao do professor e no na sua deformao a partir do momento em que ele se insere no mercado de trabalho. Introduziu-se, dessa maneira, uma questo fundamental: Quem de-forma o profissional do ensino? (Arroyo, 1985).

    1 inegvel que houve uma inverso no sistema de ensino superior brasileiro quanto ao crescimento dos setores pblico e privado. Fruto de uma poltica governamental que privilegiou o sistema privado em detrimento do pblico, o crescimento do en-sino superior brasileiro tornou-se dependente da iniciativa privada. Em relao oferta de vagas no ensino superior, por exemplo, os nmeros demonstram uma inverso no atendimento em relao dcada de 70, quando 1/3 do sistema era privado e 2/3 eram pblicos (Marques, Diniz-Pereira, 2002).2 O governo federal vem respon-dendo ao problema da falta de professores certificados/qualifi-cados na educao bsica com aes em diferentes frentes, pouco articuladas e mais preocu-padas em mudar as estaststicas educacionais do que propria-mente em enfrentar a questo de maneira qualitativa. Esses pro-gramas tm como base o uso de novas tecnologias voltadas para o ensino a distncia (Marques, Diniz-Pereira, 2002).

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    As condies do trabalho docente e a situao da carreira de magistrio passaram a ser, ento, bastante enfocadas no debate sobre a formao de professores. O aviltamento salarial e a participao cada vez menor na execuo do seu prprio trabalho revelaram a existncia de um crescente processo de proletarizao do magistrio brasileiro (Hypolito, 1991).

    O processo de desvalorizao e descaracterizao do magistrio, evidenciado pela progressiva perda salarial por parte dos professores e pela precria situao do seu trabalho na escola, determinou, a partir do final da dcada de 1970 e incio dos anos 1980, o surgimento das primeiras greves de professores das escolas pblicas e privadas, desencadeando um movimento de luta por melhores salrios e melhores condies do trabalho docente.

    Alguns autores (Kretz, 1986; Haguette, 1991) levantaram a seguinte questo a respeito da identidade do trabalho docente: trata-se de uma vocao, uma profisso ou um bico? Aos dois primeiros marcos identi-trios j presentes no debate, vocao ou profisso, somou-se um terceiro, o bico, como consequncia do total descaso com a carreira do professor no Pas.

    Surgiram no meio acadmico, especialmente a partir da segunda metade da dcada de 1980, vrias denncias sobre o descaso com que as questes relativas ao ensino eram tratadas nas universidades brasileiras, principalmente se comparado ao tratamento dispensado pesquisa. A questo do ensino e da pesquisa nas universidades brasileiras apresentou-se como uma relao mal resolvida (Balzan, 1994). A separao explcita entre essas duas atividades no seio da universidade e a valorizao da pesquisa em detrimento do ensino (de graduao) no meio acadmico traziam prejuzos enormes formao profissional e, particularmente, formao de professores.

    A situao das licenciaturas foi considerada, ento, insustentvel. Existia, em relao aos cursos de formao de professores, um sentimento generali-zado de que as coisas ali no mudavam e de que os problemas discutidos na poca eram praticamente os mesmos desde a sua criao (Ldke, 1994).

    A separao entre teoria e prtica foi o problema que mais fortemente emergiu da discusso sobre a formao de professores na-quele perodo. A falta de articulao entre disciplinas de contedo e disciplinas pedaggicas foi considerada um dilema que, somado a outros dois, a dicotomia existente entre bacharelado e licenciatura e a desarti-culao entre formao acadmica e realidade prtica, contribuiu para o surgimento de crticas sobre a fragmentao dos cursos de formao de professores. Essas so questes recorrentes nesse debate e que, ainda hoje, no saram de pauta.

    Todas essas questes enquadraram-se entre as convergncias e as tenses do debate sobre a formao de professores no Brasil (Candau, 1987) e, infelizmente, continuam sendo problemas cada vez mais presentes nas discusses.

    As mudanas ocorridas no cenrio internacional a partir do final dos anos 1980 repercutiram no pensamento educacional e mais espe-cificamente na produo acadmica sobre a formao de professores. A

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    Jlio Emlio Diniz-Pereira

    R. bras. Est. pedag., Braslia, v. 92, n. 230, p. 34-51, jan./abr. 2011.

    partir do final da dcada de 1980, presenciamos uma intensa mudana no cenrio poltico mundial: a proclamao do fim da histria, marcado pelo triunfo da ideologia capitalista e neoliberal.

    No contexto econmico, a inovao tecnolgica possibilitou a superao dos velhos paradigmas taylorista e fordista, gerando uma nova lgica industrial. A adoo de um novo paradigma tecnolgico passou a ser um importante projeto poltico. Apesar de todo esse avano, as questes sobre injustia e desigualdade social estavam ainda longe de desaparecer.

    No meio acadmico, anunciou-se o fim da modernidade e a entrada no perodo da ps-modernidade: iniciava-se a chamada era das incer-tezas. Iniciamos os anos de 1990 convivendo com uma suposta crise de paradigmas nas Cincias Sociais, consequncia da suposta perda de validade dos referenciais tericos habituais.

    O pensamento educacional, por sua vez, no ficou isento desse contexto de suposta crise. A literatura na rea da educao, bastante influenciada pela concepo marxista no incio dos anos de 1980, cedeu lugar, na dcada de 1990, a estudos voltados para a compreenso dos aspectos microssociais da escola, destacando e focalizando sob novos prismas os papis dos agentes-sujeitos (Santos, 1995), em especial, os professores: suas vozes, suas vidas e suas identidades.

    Resumindo, o debate sobre a formao de professores apresenta, ao longo dos anos, elementos de conservao e de mudana. A recorrncia de alguns temas nesse debate nos d a impresso de estarmos di