resp 275985 sp casamento libanesa

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Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL 275.985 - SP (2000/0089891-0) RELATOR : MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA RECORRENTE : CECÍLIA ATTA KASSOUF ADVOGADO : MÁRIO DE SANTI NETO RECORRIDO : GEORGES KASSOUF ADVOGADO : LUCIANO JOSÉ LENZI EMENTA DIREITOS INTERNACIONAL PRIVADO E CIVIL. PARTILHA DE BENS. SEPARAÇÃO DE CASAL DOMICILIADO NO BRASIL. REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS. APLICABILIDADE DO DIREITO BRASILEIRO VIGENTE NA DATA DA CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO. COMUNICABILIDADE DE TODOS OS BENS PERSENTES E FUTUROS COM EXCEÇÃO DOS GRAVADOS COM INCOMUNICABILIDADE. BENS LOCALIZADOS NO BRASIL E NO LIBANO. BENS NO ESTRANGEIRO HERDADOS PELA MULHER DE PESSOA DE NACIONALIDADE LIBANESA DOMICILIADA NO BRASIL. APLICABILIDADE DO DIREITO BRASILEIRO DAS SUCESSÕES. INEXISTÊNCIA DE GRAVAME FORMAL INSTITUÍDO PELO DE CUJUS . DIREITO DO VARÃO À MEAÇÃO DOS BENS HERDADOS PELA ESPOSA NO LIBANO. RECURSO DESACOLHIDO. I - Tratando-se de casal domiciliado no Brasil, há que aplicar-se o direito brasileiro vigente na data da celebração do casamento, 11.7.1970, quanto ao regime de bens, nos termos do art. 7º-§ 4º da Lei de Introdução. II - O regime de bens do casamento em questão é o da comunhão universal de bens, com os contornos dados à época pela legislação nacional aplicável, segundo a qual, nos termos do art. 262 do Código Civil, importava "a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas", excetuando-se dessa universalidade, segundo o art. 263-II e XI do mesmo Código "os bens doados ou legados com a cláusula de incomunicabilidade e os subrogados em seu lugar", bem como "os bens da herança necessária, a que se impuser a cláusula de incomunicabilidade". III - Tratando-se da sucessão de pessoa de nacionalidade libanesa domiciliada no Brasil, aplica-se à espécie o art. 10, caput , da Lei de Introdução, segundo o qual "a sucessão por morte ou por ausência obedece à lei em que era domiciliado o defunto ou desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens". IV - Não há incomunicabilidade dos bens da herança em tela, sendo certo que no Brasil os bens da herança somente comportam incomunicabilidade quando expressa e formalmente constituído esse gravame pelo de cujus , nos termos dos arts. 1.676, 1.677 e 1.723 do Código Civil, complementados por dispositivos constantes da Lei de Registros Públicos. V - Não há como afastar o direito do recorrido à meação incidente sobre os bens herdados de sua mãe pela recorrente, na constância do casamento sob o regime da comunhão universal de bens, os que se encontram no Brasil e os localizados no Líbano, não ocorrendo a ofensa ao art. 263, do Código Civil, apontada pela recorrente, uma vez inexistente a incomunicabilidade dos bens herdados pela recorrente no Líbano. Documento: 113334 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 13/10/2003 Página 1 de 53

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Page 1: RESP 275985 SP Casamento Libanesa

Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 275.985 - SP (2000/0089891-0) RELATOR : MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRARECORRENTE : CECÍLIA ATTA KASSOUF ADVOGADO : MÁRIO DE SANTI NETO RECORRIDO : GEORGES KASSOUF ADVOGADO : LUCIANO JOSÉ LENZI

EMENTA

DIREITOS INTERNACIONAL PRIVADO E CIVIL. PARTILHA DE BENS. SEPARAÇÃO DE CASAL DOMICILIADO NO BRASIL. REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS. APLICABILIDADE DO DIREITO BRASILEIRO VIGENTE NA DATA DA CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO. COMUNICABILIDADE DE TODOS OS BENS PERSENTES E FUTUROS COM EXCEÇÃO DOS GRAVADOS COM INCOMUNICABILIDADE. BENS LOCALIZADOS NO BRASIL E NO LIBANO. BENS NO ESTRANGEIRO HERDADOS PELA MULHER DE PESSOA DE NACIONALIDADE LIBANESA DOMICILIADA NO BRASIL. APLICABILIDADE DO DIREITO BRASILEIRO DAS SUCESSÕES. INEXISTÊNCIA DE GRAVAME FORMAL INSTITUÍDO PELO DE CUJUS . DIREITO DO VARÃO À MEAÇÃO DOS BENS HERDADOS PELA ESPOSA NO LIBANO. RECURSO DESACOLHIDO.

I - Tratando-se de casal domiciliado no Brasil, há que aplicar-se o direito brasileiro vigente na data da celebração do casamento, 11.7.1970, quanto ao regime de bens, nos termos do art. 7º-§ 4º da Lei de Introdução.

II - O regime de bens do casamento em questão é o da comunhão universal de bens, com os contornos dados à época pela legislação nacional aplicável, segundo a qual, nos termos do art. 262 do Código Civil, importava "a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas", excetuando-se dessa universalidade, segundo o art. 263-II e XI do mesmo Código "os bens doados ou legados com a cláusula de incomunicabilidade e os subrogados em seu lugar", bem como "os bens da herança necessária, a que se impuser a cláusula de incomunicabilidade".

III - Tratando-se da sucessão de pessoa de nacionalidade libanesa domiciliada no Brasil, aplica-se à espécie o art. 10, caput , da Lei de Introdução, segundo o qual "a sucessão por morte ou por ausência obedece à lei em que era domiciliado o defunto ou desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens".

IV - Não há incomunicabilidade dos bens da herança em tela, sendo certo que no Brasil os bens da herança somente comportam incomunicabilidade quando expressa e formalmente constituído esse gravame pelo de cujus , nos termos dos arts. 1.676, 1.677 e 1.723 do Código Civil, complementados por dispositivos constantes da Lei de Registros Públicos.

V - Não há como afastar o direito do recorrido à meação incidente sobre os bens herdados de sua mãe pela recorrente, na constância do casamento sob o regime da comunhão universal de bens, os que se encontram no Brasil e os localizados no Líbano, não ocorrendo a ofensa ao art. 263, do Código Civil, apontada pela recorrente, uma vez inexistente a incomunicabilidade dos bens herdados pela recorrente no Líbano.

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VII - O art.89-II, CPC, contém disposição aplicável à competência para o processamento do inventário e partilha, quando existentes bens localizados no Brasil e no estrangeiro,não conduzindo, todavia, à supressão do direito material garantido ao cônjuge pelo regime de comunhão universal de bens do casamento, especialmente porque não atingido esse regime na espécie por qualquer obstáculo da legislação sucessória aplicável.

VIII - Impõe-se a conclusão de que a partilha seja realizada sobre os bens do casal existentes no Brasil, sem desprezar, no entanto, o valor dos bens localizados no Líbano, de maneira a operar a equalização das cotas patrimoniais, em obediência à legislação que rege a espécie, que não exclui da comunhão os bens localizados no Líbano e herdados pela recorrente, segundo as regras brasileiras de sucessão hereditária.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, prosseguindo no julgamento, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, não conhecer do recurso.Votaram com o Relator os Ministros Ruy Rosado de Aguiar e Fernando Gonçalves, vencidos os Ministros Barros Monteiro e Aldir Passarinho Junior.

Brasília, 17 de junho de 2003(data do julgamento).

MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA

Relator

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RECURSO ESPECIAL Nº 275.985 - SP (2000/0089891-0) RECTE : CECÍLIA ATTA KASSOUFRECDO : GEOGES KASSOUF

EXPOSIÇÃO

O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA :

Após o trânsito em julgado da sentença que decretou a separação

judicial da recorrente e do recorrido, foi iniciada a partilha dos bens do casal.

No curso desse feito requereu o varão que fossem nele colacionados os bens

existentes no Líbano. Apreciando esse pedido, houve por bem a Juíza decidir:

"Apesar de requerer que a partilha dos bens situados no Líbano seja feita no Brasil, o próprio parecer juntado pelo autor reconvindo reconhece que a competência para tal partilha é do foro da situação dos bens, nos termos do artigo 89 do Código de Processo Civil. E, de fato, a competência para proceder à partilha de tais bens é da Justiça Libanesa. Portanto, neste feito, somente haverá a partilha dos bens situados no Brasil, que já foram arrolados nas primeiras declarações.

2. Não é necessário descrever os bens existentes no Líbano. Ambas as partes reconhecem a existência de bens situados no Líbano, e também reconhecem que a partilha dos bens – tanto os situados no Brasil como os situados no Líbano – deverá ser feita observando-se o regime matrimonial dos cônjuges, qual seja, o de comunhão universal de bens.

3. Apesar de se saber que a competência para à Documento: 113334 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 13/10/2003 Página 3 de 53

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partilha dos bens situados no Líbano é da Justiça Libanesa, a questão é delicada.

Remeter-se a partilha dos bens do casal situados no Líbano à Justiça Libanesa, pura e simplesmente, pode criar situação injusta, porquanto não há garantia de que a Justiça Libanesa aplique ao caso o direito brasileiro, reconhecendo o direito de meação do autor-reconvindo com relação aos bens lá existentes.

Caso não haja a aplicação do direito brasileiro, o autor será, evidentemente, prejudicado, porquanto os bens existentes no Brasil serão partilhados entre ambas as partes, o que pode não ocorrer, necessariamente, com os bens existentes no Líbano.

Também não resolveria a situação proceder à partilha de todos os bens aqui no Brasil, porquanto corre-se o risco de não se ver a decisão aqui proferida quanto aos bens situados no Líbano aceita pela Justiça Libanesa.

A solução mais adequada ao caso é a de se proceder à partilha dos bens existentes no Líbano junto a Justiça Libanesa, suspendendo-se o andamento deste feito até que tal ocorra.

Após a decisão proferida pela Justiça Libanesa, proceder-se-á, então, a partilha dos bens situados no Brasil, partilha esta que ocorrerá nestes autos.

Tal solução afigura-se mais adequada ao caso porque, se a Justiça Libanesa não reconhecer o direito de meação do autor quanto aos bens existentes no Líbano, será possível compensá-lo nestes autos, atribuindo-lhe bens situados no Brasil. Caso a Justiça Libanesa reconheça o direito de meação do autor quanto aos bens situados no Líbano, a partilha dos bens situados no Brasil será feita sem a necessidade de eventual compensação de valores ao autor.

Assim, por ora, determino a suspensão do feito com relação à partilha de bens – não se declarando a suspensão do feito simplesmente porque há a necessidade de se apreciar o pedido de alvará formulado pelo autor-reconvindo e poderá haver a necessidade de se apreciar eventuais outras questões que podem ser

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suscitadas pelas partes – até que as partes procedam à partilha dos bens situados no Líbano junto à Justiça Libanesa. Feita tal partilha, as partes deverão juntar aos autos cópias da decisão lá proferida, ocasião em que se retomará o curso do processo, com a partilha dos bens situados no Brasil.

Observo, por fim, que o presente feito poderá retomar seu curso com a efetivação da partilha antes da efetivação da partilha dos bens situados no Líbano desde que alguma das partes, nos termos do artigo 337 do Código de Processo Civil, prove o teor e a vigência da lei libanesa, demonstrando se lei a libanesa prevê a aplicação da lei libanesa quanto ao regime de bens, ou prevê a aplicação da lei brasileira quanto ao regime de bens".

Contra essa decisão manifestou a ora recorrente agravo de

instrumento, pleiteando "que o inventário judicial dos bens do casal separado

prossiga de imediato, somente com os bens localizados no Brasil, sem que se

leve àqueles autos quaisquer bens ou direitos do exterior ou mesmo legislação

estrangeira, excluindo-se, também, a possibilidade da compensação

determinada na r. decisão agravada".

O Tribunal de Justiça de São Paulo negou provimento ao recurso,

lançando acórdão assim ementado:

"Separação judicial – Partilha de bens – Localização deles no País e no Líbano – Pretensão da mulher de que sejam feitas duas partilhas – Inadmissibilidade – Regime de bens que se submete à lei nacional brasileira – Necessidade de serem os bens recebidos no Líbano trazidos à partilha no Brasil – Suspensão do processo ordenada para que previamente sejam divididos os bens do Líbano – Ordem adequada em face da situação no

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momento – Agravo não provido".

Do voto condutor desse julgado, destaco:

"O art. 263 do Código Civil estabelece as exceções para inclusão de bens na comunhão formada em casamento realizado no regime supra indicado. Entre elas não está a hipótese de bem recebido por herança em país que não admite a comunhão e não é razoável aplicação analógica do disposto nos incisos II e XI, porque não há semelhança entre a herança no estrangeiro e bens aos quais, por alguma razão, o doador ou autor da herança impôs restrição.

Os bens herdados no Líbano, portanto, integram a comunhão perante a lei brasileira e devem ser trazidos à partilha pelo cônjuge que os receber. Contudo, a agravante exibe comportamento esquivo, pretendendo efetuar partilha dos bens situados no Brasil e não esclarecendo como procederá em relação aos outros. Ela argumenta com a impossibilidade de realizar aqui inventário de bens situados no Líbano e não demonstra a menor intenção de, depois de receber os bens naquele País, trazê-los para divisão. Sendo assim, o procedimento da digna magistrada, ao determinar a suspensão do processo até que haja a atribuição de bens no Líbano, se revela adequado para o fim de fazer prevalecer a eficácia da lei brasileira. Se finda a partilha de bens brasileiros com entrega da metade deles a cada um dos interessados, não haverá mais como o juiz nacional fazer ser cumprida a regra de que o domicílio do casal é que determina o regime de bens; o juiz, no limite de suas atribuições, deve zelar pelo cumprimento de nossas leis.

É claro que a partilha dos bens aqui situados poderia ser completada com a entrega dos quinhões às partes, desde que fosse exigida da agravante garantia adequada de trazer futuramente para sobrepartilha os bens situados no Líbano. Todavia, esse procedimento depende de consentimento de ambas as partes ou de determinação judicial resultante de requerimento de uma delas. De ofício, a digna magistrada não poderia fazer

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essa determinação. Assim, a ordem para suspensão do processo se revelou a mais conveniente no momento, porque, ainda que ela prolongue outras disputas entre os interessados, é o único meio eficiente agora de fazer prevalecer o comando da lei nacional.

Não se alegue que a nobre magistrada ordenou a suspensão até que sejam prestados esclarecimentos ou seja feita a partilha no Líbano, quando esta decisão preconiza que a agravante traga à partilha os bens que receber naquele País, porque o resultado útil dessas providências é o mesmo. Se a partilha no Líbano fosse possível com aceitação pela lei daquele País da comunhão de bens aqui estabelecida, a paralisação discutida seria desnecessária.

Se a agravante terá de trazer os bens do Líbano para a partilha, não se pode afirmar que a Justiça brasileira está a proferir decisão no vácuo como se fez às fls. 95".

Os embargos declaratórios apresentados pela então agravante

restaram parcialmente acolhidos "para o fim de declarar a não incidência no

caso das regras previstas pelo art. 265 mencionado".

Adveio o recurso especial interposto pela mulher, fundamentado

em violação dos arts. 89-II e 265, CPC e 263, II e IX, do Código Civil, bem

como em alegação de dissídio jurisprudencial.

A cautelar ajuizada pela recorrente (MC 2.826-SP), com o fim de

emprestar a esse recurso efeito suspensivo, teve seu processamento por mim

indeferido, em decisão monocrática (DJ 23.6.2000).

Ao contra-arrazoar, enfatizou o recorrido:

"Assim, em levando às últimas conseqüências a

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singela e infundada manifestação externada pela recorrente – alijada do arcabouço legislativo pertinente, como demonstrado – ter-se-ia de admitir a absurda hipótese de suprimir-se do recorrido o seu direito de meação, subjugando-a às diretrizes preconizadas pela legislação libanesa, que não contempla o instituto da comunhão universal de bens. Como corolário, resta óbvio que eventual decisão prolatada nos termos da irresignação recursal, será o mesmo que proclamar a ineficácia do regime de comunhão universal, subtraindo do recorrido, por conseguinte, a obtenção plena de um direito subjetivo material, expressamente resguardado pelo ordenamento jurídico pátrio".

Admitido o recurso na origem, o parecer da Subprocuradoria Geral

da República é pelo seu conhecimento e provimento.

É o relatório.

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RECURSO ESPECIAL Nº 275.985 - SP (2000/0089891-0)

VOTO

O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (RELATOR):

1. Trouxe o recorrido à consideração da Turma parecer cujas

conclusões, além de renovadas em sustentação oral, foram sumariadas nas

contra-razões, nestes termos:

"Agindo assim, corretamente dar-se-á conta o investigador de que os bens que estão no exterior (qualificados e regulados pela lei da situação – lex rei sitae) ainda que relacionados no patrimônio do casal, em ação que tramita no Brasil, somente poderão ser objeto de partilha no foro da respectiva situação, por força do art. 89 do CPC.

Entretanto, não se pode confundir a competência processual do juiz do local da situação do bem imóvel somente para processar a partilha, com a competência do juiz brasileiro de (1) conhecer da ação de separação judicial e decidir acerca do regime de bens do casal, o que deve ser feito à luz da lei do domicílio – neste caso é a do próprio juiz do foro (direito brasileiro); (2) (re) conhecer, de acordo com os princípios da unidade e imutabilidade do regime de bens, a existência, no patrimônio comum do casal, de bens situados no Brasil e no Líbano; (3) mandar relacionar esses bens, independentemente do lugar em que estejam; (4) partilhar o patrimônio comum do casal, tendo presente que, da universalidade dos bens, aqui devem ser partilhados os imóveis situados no Brasil, pois aqueles situados no Líbano devem ser submetidos ao juiz

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daquele país.Se isso não for feito, uma das partes verá solapado o

seu direito, qual seja, de ter corretamente arrolado o patrimônio comum do casal.

Outro aspecto que se sobressai de forma preocupante é o fato de que não se conhecendo no processo os imóveis que existem no Líbano, a cônjuge Cecília terá vantagem na partilha, na medida em que receberá a metade do que está no Brasil e a totalidade do que está no exterior. Isso porque, como já se disse, no Líbano o regime de bens é sempre o da separação total".

Assim colocada a questão, tem-se que o caso em exame expõe a

necessidade de vários níveis de reflexão, notadamente no âmbito do Direito

Internacional Privado, demandando cuidadoso estudo.

Haroldo Valladdão, em "Direito Internacional Privado Brasileiro

e Regime de Bens do Casamento", São Paulo, 1958, pág. 32, ao analisar em

parecer a viabilidade do recurso extraordinário interposto em ação de petição

de herança ajuizada pelos irmãos do falecido contra a sua viúva, na qual

contestavam o direito desta à meação e invocavam o direito do País dos

esposos, Itália, no concernente ao regime de bens do casamento do "de cujus"

com a ré, realizado no Brasil, ao confrontar as normas de Direito Internacional

Privado brasileiro, relativas ao regime de bens do casamento e à sucessão

hereditária, questões que também se apresentam no caso ora em debate,

assinalou:

"A clássica disciplina do Conflito de Leis é – e assim todos os ramos do direito – uma ciência de

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distinções e subdistinções, em que os princípios, as regras, as exceções dependem da análise penetrante, de um exame, acurado, de cada relação jurídica, de sua natureza e espécie.

Certo, esse caráter de objetividade do Direito Internacional Privado torna, às vezes, árdua a solução dos seus problemas, a ponto de um ou outro jurista ficar apenas em generalidades e repetir, sem qualquer análise, frases feitas, com critérios vagos e universais, mas que analisadas, com rigor científico, são completamente ôcas.

Neste sentido já escrevemos: 'Doutra parte o direito internacional privado engloba um conjunto vasto e complexo de relações jurídicas, muito mais amplo do que o próprio direito civil. Não pode subordiná-las todas a dois ou três princípios fundamentais e intransponíveis. Chegaria com extremo rigor lógico a conseqüências intoleráveis. Tem de discipliná-las na maneira tradicional da ciência jurídica, através de numerosos conceitos, regras, exceções, sempre inspirados nos mais puros ideais de justiça e de eqüidade para o indivíduo e para os povos. Conseqüentemente e na verdadeira tradição jurídica de Savigny, desenvolvida e aperfeiçoada por Teixeira de Freitas, não nos parece ser possível adotar uma concepção unitária e genérica de 'estatuto pessoal' ou 'lei pessoal', abrangendo todo o amplíssimo campo das relações jurídicas referentes ao estado, capacidade, família e sucessão, que compreendem, nos Códigos, perto de mil artigos; e muito menos, discipliná-lo por um só e rígido critério, o da lei nacional ou o da lei do domicílio' (Lei Reguladora do Estatuto Pessoal, 1953, Revista Jurídica (Fac. de Direito), vol. 11/251, Revista Forense, volume CLIII, 1934,pág. 513)".

E, mais adiante, adentrando os temas específicos do parecer em

questão, aduziu o saudoso internacionalista:

"Impõe-se, assim, desde logo, delimitar as questões de Direito Internacional Privado em discussão, e, a seguir, dar-lhes a dimensão espacial e temporal.

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Há duas questões em causa nestes autos.A primeira, de Direito Internacional Privado de

regime de bens do casamento, diz respeito à lei reguladora do regime de bens do casamento de D.A.P.A. e de S.A.

A segunda, de Direito Internacional Privado da sucessão, concerne à lei reguladora da sucessão legítima e testamentária de S.A.

Eis as duas questões a serem resolvidas pelo Egrégio Tribunal.

Não tem, absolutamente, o Tribunal, de decidir outros problemas: qual a lei reguladora do estado, nem qual a lei reguladora da capacidade em geral ou em especial, ou muito menos qual a lei reguladora do estatuto pessoal 'in genere', etc..., etc...

A primeira, a questão da lei reguladora do regime de bens do casamento, refere-se a um casamento realizado, no Brasil, em 1906, por italianos domiciliados no Brasil.

Há de ser, pois, regida pelo Direito Internacional Privado Brasileiro, em vigor em 1906, sobre regime de bens do casamento.

É uma questão do direito positivo brasileiro vigorante em 1906.

E não pelo Direito Internacional Privado doutros países ou pela opinião ou pela doutrina de autores estrangeiros por mais ilustres e respeitáveis que sejam seus autores.

E não pelo Direito Internacional Privado brasileiro posterior a 1906, pelo Código de 1917, ou pelos princípios ou pelas teorias que autores brasileiros, por mais eminentes que fossem, preferissem seguir na matéria.

A segunda, questão da lei reguladora da sucessão legítima ou testamentária, versa sobre sucessão de italiano aberta no Brasil, em 8 de dezembro de 1938.

Há, pois, de ser decidida pelo Direito Internacional Privado brasileiro, em vigor a 8 de dezembro de 1938, sobre sucessões".

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2. No caso em exame as questões relevantes concernem aos

mesmos temas, a saber: a definição do regime de bens e as regras aplicáveis à

sucessão da mãe da recorrente.

Destarte, na linha exposta no parecer de Haroldo Valladão,

quanto ao regime de bens, nos termos do art. 7º-§ 4º da Lei de Introdução,

tratando-se de casal domiciliado no Brasil, há que aplicar-se o direito brasileiro

vigente na data da celebração do casamento, 11.7.1970.

Com efeito, dispõe a referida norma:

"§ 4º - O regime de bens legal, ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, à do primeiro domicílio conjugal".

Esse ponto não apresenta maiores desafios, estando de acordo as

partes em que o regime do seu casamento é o da comunhão universal de bens,

com os contornos dados à época pela legislação nacional aplicável, segundo a

qual, nos termos do art. 262 do Código Civil, "importa a comunicação de todos

os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas",

excetuando-se dessa universalidade, segundo o art. 263-II e XI do mesmo

Código "os bens doados ou legados com a cláusula de incomunicabilidade e os

subrogados em seu lugar", bem como "os bens da herança necessária, a que se

impuser a cláusula de incomunicabilidade".

3. Pelo mesmo raciocínio, a sucessão da mãe da recorrente estará

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regida pelas regras do Direito Internacional Privado brasileiro da sucessão

vigentes à data da abertura da sucessão, 12.6.1993.

Tratando-se da sucessão de pessoa de nacionalidade libanesa

domiciliada no Brasil, aplica-se à espécie, portanto, o art. 10, caput , da Lei de

Introdução, segundo o qual

"a sucessão por morte ou por ausência obedece à lei em que era domiciliado o defunto ou desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens".

A propósito, colhe-se do magistério do saudoso e admirável

Amílcar de Castro ("Direito Internacional Privado", 3ª edição, Forense, 1977,

nº 234, pág. 432):

"Pelas regras do nosso atual sistema de Direito Internacional Privado, o direito em vigor no último domicílio do morto, por ocasião do falecimento, deve ser contemplado para apreciar: a determinação das pessoas sucessíveis e a ordem de vocação hereditária; a quota dos herdeiros necessários; as restrições e cláusulas das legítimas; as causas de deserdação, e as colações".

Na mesma direção, Osíris Rocha ("Curso de Direito Internacional

Privado", 4ª edição, Forense, 1986, nº 132, pág. 145):

"A Lei de Introdução ao nosso Código Civil estabelece, em seu art. 10, que 'a sucessão por morte ou por ausência obedece a lei do país em que era domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens'. O texto revela, claramente, que o legislador brasileiro de 1942 se filiou à corrente italiana, que pretende, conforme se viu, estabelecer estatuto único".

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A incomunicabilidade dos bens da herança em tela, portanto, há

que ser apurada em consonância com o direito brasileiro das sucessões, sendo

certo que no Brasil os bens da herança somente comportam incomunicabilidade

quando expressa e formalmente constituído esse gravame pelo de cujus , nos

termos dos arts. 1.676, 1.677 e 1.723 do Código Civil, complementados por

dispositivos constantes da Lei de Registros Públicos.

Assim, não há como afastar o direito do recorrido à meação

incidente sobre os bens herdados de sua mãe pela recorrente, na constância do

casamento sob o regime da comunhão universal de bens, os que se encontram

no Brasil e os localizados no Líbano.

Em conseqüência, não ocorre a indigitada ofensa ao art. 263, do

Código Civil, uma vez que não existe a incomunicabilidade dos bens herdados

pela recorrente no Líbano.

Em conclusão, quer sob o prisma do Direito Internacional Privado,

quer sob o ângulo do nosso direito material, o acórdão paulista, no ponto, se

ajusta ao nosso sistema jurídico.

4. No que diz respeito as normas processuais, em primeiro lugar a

alegada violação do art. 265, CPC, não propicia o conhecimento do apelo.

O Colegiado de segundo grau afirmou que a suspensão do

processo não foi alicerçada nesse dispositivo, o qual, como visto, foi tido na

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decisão dos embargos de declaração por inaplicável à espécie. A argumentação

expendida pela recorrente, de igual forma, assenta-se sobre a inaplicabilidade

dessa norma ao caso em exame, de sorte que o fundamento do acórdão para

deferir a suspensão não resta abalado por essa alegação.

5. No que concerne ao art. 89-II do Código de Processo Civil,

colhe-se de sua redação:

"Art. 89. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra:

...................................................................................II – proceder a inventário e partilha de bens,

situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional".

A interpretação dessa norma foi objeto de exame por esta Quarta

Turma no julgamento do Resp 37.356-5/SP (DJ 10.11.97), sob a relatoria do

Ministro Barros Monteiro, cujo acórdão recebeu esta ementa:

"Inventário. Sobrepartilha. Imóvel sito no exterior que escapa à jurisdição brasileira.O Juízo do inventário e partilha não deve, no Brasil, cogitar de imóveis sitos no estrangeiro. Aplicação do art. 89, inc. II, do CPC.Recurso especial não conhecido".

Naquele caso, foi indeferido pelo Juízo o pedido do inventariante

de sobrepartilha de imóvel situado na Argentina, motivando a interposição de

agravo, ao qual o Tribunal de Justiça de São Paulo negou provimento. Esta

Quarta Turma, invocando o preceito do art. 89-II, CPC, afastou a pretensão

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recursal, que apontava a violação dos arts. 1.779, CC e 1.040 e 1.041, CPC.

Neste sentido já se havia manifestado também o Supremo Tribunal

Federal ao julgar, na vigência do anterior regime constitucional, o RE

99.230-RS (DJ 29.6.84), de que foi relator o Ministro Rafael Mayer, assim

ementado:

"Partilha de bens. Bens situados no estrangeiro. Pluralidade dos juízos sucessórios. Art. 89-II do CPC.Partilhados os bens deixados em herança no estrangeiro, segundo a lei sucessória da situação, descabe à Justiça brasileira computá-lo na quota hereditária a ser partilhada, no país, em detrimento do princípio da pluralidade dos juízos sucessórios, consagrada pelo art. 89-II do CPC.Recurso extraordinário conhecido e provido em parte".

Essa orientação é também consignada em sede doutrinária por

Celso Agrícola Barbi ("Comentários ao Código de Processo Civil", vol. I,

Forense, nº 494, pág. 400), nestes termos:

"O interesse do legislador se limita aos bens aqui situados, de modo que se houver outros, situados fora do país, o inventário relativo a esses, escapa à jurisdição brasileira. E, naturalmente, serão inventariados e partilhados em separado, em outro país".

Em idêntico sentido, Edson Prata, de saudosa memória, ao

comentar a norma ("Comentários ao Código de Processo Civil", vol. II,

Forense, nº 21, pág. 316):

"Os bens inventariáveis e partilháveis

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obrigatoriamente no Brasil, como frisamos, são todos aqueles que aqui estiverem: móveis, imóveis, semoventes. Não aqueles localizados no exterior, objeto de inventário no respectivo país".

Entretanto, é bem de ver-se que essa norma, inserida no estatuto

processual, contém disposição aplicável à competência para o processamento

do inventário e partilha, quando existentes bens localizados no Brasil e no

estrangeiro.

A interpretação da norma em questão, de índole processual, não

pode, todavia, conduzir à supressão do direito material garantido ao cônjuge

pelo regime de comunhão universal de bens do casamento, especialmente

porque não atingido esse regime na espécie por qualquer obstáculo da

legislação sucessória aplicável.

Não fosse assim, verbi gratia , um casal de brasileiros aqui

domiciliados e casados sob o regime da comunhão de bens, poderia não

sujeitar-se a esse regime em relação a bens porventura adquiridos por um dos

cônjuges em outro (s) País (es) em que adotado, p. ex., o regime da separação.

Destarte, a interpretação teleológica do dispositivo legal em apreço

impõe a conclusão de que a partilha seja realizada sobre os bens do casal

existentes no Brasil, sem desprezar, no entanto, o valor dos bens localizados no

Líbano, de maneira a operar a equalização das cotas patrimoniais, em

obediência à legislação que rege a espécie, que não exclui da comunhão os bens

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localizados no Líbano e herdados pela recorrente, segundo as regras brasileiras

de sucessão hereditária.

Daí a lição de Pontes de Miranda:

"Se há bens situados no Brasil e bens situados no estrangeiro onde a lei estrangeira tem de ser atendida, só os bens situados no Brasil é que são objeto do inventário e partilha no juízo brasileiro.(...) O juízo de inventário e partilha não deve, no Brasil, cogitar de imóveis sitos no estrangeiro, mas se lhe é apresentada partilha feita no estrangeiro, sem inclusão de bens sitos no Brasil, pode ele examinar o que, no Brasil, melhor pode fazer para se respeitar a herança necessária ou apenas legítima e a sucessão testamentária"("Comentários ao CPC, vol. II, Com. ao art. 89-II).

No caso concreto, essa foi a solução adotada pelo acórdão

recorrido, que, ao invés de pretender partilhar no Brasil os bens localizados no

Líbano, entendeu por bem suspender o processo de partilha para aguardar a

solução do inventário naquele País, a fim de compensar, no momento da

divisão dos bens localizados no território nacional, a parcela relativa à meação

do recorrido nos bens lá existentes.

Assim, não se pode dizer, em conclusão, que o julgado tenha

violado o art. 89-II, CPC, uma vez que não dispôs sobre a partilha dos bens

localizados noutro País.

6. Da mesma forma não se configura a divergência jurisprudencial

apontada, com o Resp 37.356-SP, bem como com o RE 99.230-RS.

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7. A compensação a que se refere o julgado, de outra parte, sem

tocar nos bens localizados no estrangeiro, a par de não violar a regra

processual já mencionada, encontra respaldo na legislação nacional que rege o

regime da comunhão universal de bens e a sucessão hereditária, aplicáveis ao

caso concreto por força do que estabelece a Lei de Introdução ao Código Civil.

Essa solução atende, ademais, ao comando do art. 75 do Código Civil, segundo

o qual "a todo o direito corresponde uma ação que o assegura", na medida em

que contempla o direito assegurado pela legislação civil ao cônjuge, no

processo destinado à fixação dos limites desse direito, como é o caso da

partilha em relação ao patrimônio do casal que se separa, sem dispor sobre os

bens localizados fora do território nacional, mas levando em conta a sua

existência.

Essa orientação, aliás, harmoniza-se com a natureza peculiar do

Direito Internacional Privado, descrita por Clóvis Bevilácqua ("Direito

Internacional Privado", 3ª edição, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1938, cap. III,

§ 11, 7º, pág. 82),com estas palavras:

"Esta concepção conforma-se com a fórmula proposta por Pillet, e que ele julga mais expressiva da comunhão de direito de Savigny: 'o direito internacional tem por fim tornar a aplicação do direito tão independente quanto possível da diferença dos sistemas jurídicos das nações'.

Como a sociedade internacional não tem leis nem

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tribunais seus, as leis que nos Estados se prepararem visando interesses internacionais de ordem privada, devem inspirar-se nos princípios superiores de direito, como toda lei, e nos interesses gerais da humanidade, porque no direito internacional privado os interesses, que estão em causa, são os dos indivíduos e não os dos Estados, e o ponto de vista desse direito deve ser individual, humano, universal, e não o da utilidade local ou nacional".

8. Pelo exposto, não conheço do recurso.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOQUARTA TURMA

Número Registro: 2000/0089891-0 RESP 275985 / SP

PAUTA: 08/05/2001 JULGADO: 08/05/2001

RelatorExmo. Sr. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR

Subprocuradora-Geral da RepúblicaExma. Sra. Dra. CLAUDIA SAMPAIO MARQUES

SecretáriaBela CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECK

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : CECÍLIA ATTA KASSOUFADVOGADO : MÁRIO DE SANTI NETORECORRIDO : GEORGES KASSOUFADVOGADO : LUCIANO JOSÉ LENZI

ASSUNTO: FAMÍLIA - SEPARAÇÃO JUDICIAL

SUSTENTAÇÃO ORAL

Sustentaram, oralmente, os Drs. MARCOS JORGE CALDAS PEREIRA, pela Recorrente, e MARISTELA BASSO, pelo Recorrido.

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA ao apreciar o processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Após a leitura do relatório e as sustentações orais, pediu VISTA o Sr. Ministro Relator, nos termos do artigo 161, parágrafo único, do RISTJ.

Aguardam os Srs. Ministros Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Aldir Passarinho Junior.

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O referido é verdade. Dou fé.

Brasília, 08 de maio de 2001

CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECKSecretária

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOQUARTA TURMA

Número Registro: 2000/0089891-0 RESP 275985 / SP

PAUTA: 08/05/2001 JULGADO: 02/10/2001

RelatorExmo. Sr. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro CESAR ASFOR ROCHA

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. WASHINGTON BOLÍVAR DE BRITTO JÚNIOR

SecretáriaBela CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECK

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : CECÍLIA ATTA KASSOUFADVOGADO : MÁRIO DE SANTI NETORECORRIDO : GEORGES KASSOUFADVOGADO : LUCIANO JOSÉ LENZI

ASSUNTO: FAMÍLIA - SEPARAÇÃO JUDICIAL

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA ao apreciar o processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo no julgamento, após o voto do Sr. Ministro Relator, não conhecendo do recurso, pediu VISTA o Sr. Ministro Barros Monteiro.

Aguardam os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Aldir Passarinho Junior.

O referido é verdade. Dou fé.

Brasília, 02 de outubro de 2001

CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECKSecretária

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RECURSO ESPECIAL Nº 275.985 - SP (2000/0089891-0)

VOTO-VISTA (VENCIDO)

O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO:

1 - Transitada em julgado a decisão que decretara a separação judicial, a

ré/reconvinte, Cecília Atta Kassouf, requereu o inventário e a partilha dos bens da

dissolvida sociedade conjugal. Apresentadas as primeiras declarações, o

autor/reconvindo, Georges Kassouf, insurgiu-se contra o não-arrolamento dos bens

localizados no Líbano, requerendo, por isso, a retificação das primeiras declarações.

Apreciando o pedido, a Mma. Juíza de Direito decidiu nestes termos:

"1. Apesar de requerer a partilha dos bens situados no Líbano seja feita no Brasil, o próprio parecer juntado pelo autor/reconvindo reconhece que a competência para tal partilha é do foro da situação dos bens, nos termos do artigo 89 do Código de Processo Civil. E, de fato, a competência para proceder a partilha de tais bens é da Justiça Libanesa. Portanto, neste feito, somente haverá a partilha dos bens situados no Brasil, que já foram arrolados nas primeiras declarações.

2. Não é necessário descrever os bens existentes no Líbano. Ambas as partes reconhecem a existência de bens situados no Líbano, e também reconhecem que a partilha dos bens - tanto os situados no Brasil como os situados no Líbano - deverá ser feita observando-se o regime matrimonial dos cônjuges, qual seja, o de comunhão universal de bens.

3. Apesar de se saber que a competência para a partilha dos bens situados no Líbano é da Justiça Libanesa, a questão é delicada.

Remeter-se a partilha dos bens do casal situados no Líbano à Justiça Libanesa, pura e simplesmente, pode criar situação injusta, porquanto não há garantia de que a Justiça Libanesa aplique ao caso o direito brasileiro, reconhecendo o direito de meação do autor-reconvindo com relação aos bens lá existentes.

Caso não haja a aplicação do direito brasileiro, o autor será, evidentemente, prejudicado, porquanto os bens existentes no Brasil serão partilhados entre ambas as partes, o que pode não ocorrer, necessariamente, com os bens existentes no Líbano.

Também não resolveria a situação proceder a partilha de todos os bens aqui no Brasil, porquanto corre-se o risco de não se ver a decisão

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aqui proferida quanto aos bens situados no Líbano aceita pela Justiça Libanesa.

A solução mais adequada ao caso é a de se proceder a partilha dos bens existentes no Líbano junto a Justiça Libanesa, suspendendo-se o andamento deste feito até que tal ocorra.

Após a decisão proferida pela Justiça Libanesa, proceder-se-á, então, a partilha dos bens situados no Brasil, partilha esta que ocorrerá nestes autos.

Tal solução afigura-se mais adequada ao caso porque, se a Justiça Libanesa não reconhecer o direito de meação do autor quanto aos bens existentes no Líbano, será possível compensá-lo nestes autos, atribuindo-lhe bens situados no Brasil. Caso a Justiça Libanesa reconheça o direito de meação do autor quanto aos bens situados no Líbano, a partilha dos bens situados no Brasil será feita sem a necessidade de eventual compensação de valores ao autor.

Assim, por ora, determino a suspensão do feito com relação à partilha de bens – não se declarando a suspensão do feito simplesmente porque há a necessidade de se apreciar o pedido de alvará formulado pelo autor-reconvindo e poderá haver a necessidade de se apreciar eventuais outras questões que podem ser suscitadas pelas partes – até que as partes procedam à partilha dos bens situados no Líbano junto à Justiça Libanesa. Feita tal partilha, as partes deverão juntar aos autos cópias da decisão lá proferida, ocasião em que se retomará o curso do processo, com a partilha dos bens situados no Brasil.

Observo, por fim, que o presente feito poderá retomar seu curso com a efetivação da partilha antes da efetivação da partilha dos bens situados no Líbano desde que alguma das partes, nos termos do artigo 337 do Código de Processo Civil, prove o teor e a vigência da lei libanesa, demonstrando se lei libanesa prevê a aplicação da lei libanesa quanto ao regime de bens, ou prevê a aplicação da lei brasileira ao regime de bens." (Fls. 100/102).

O Tribunal de Justiça negou provimento ao agravo interposto contra o

referido decisório, em v. Acórdão que registra a seguinte ementa:

"Separação judicial – Partilha de bens - Localização deles no país e no Líbano - Pretensão da mulher de que sejam feitas duas partilhas - Inadmissibilidade - Regime de bens que se submete à lei nacional brasileira - Necessidade de serem os bens recebidos no Líbano trazidos à partilha no Brasil - Suspensão do processo ordenada para que previamente sejam divididos os bens do Líbano - Ordem adequada em face da situação no momento - Agravo não provido." (Fl. 153).

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Colhe-se do voto condutor do julgado:

"Os interessados foram casados pelo regime de comunhão universal de bens. Iniciada a partilha em separação judicial, verificou-se existirem bens situados no Brasil e direitos da mulher à herança de sua mãe, relativos a bens situados no Líbano. Como não houve esclarecimento sobre as disposições da lei libanesa a respeito do regime de bens, a nobre magistrada suspendeu o processo até que eles sejam prestados ou haja informação sobre a atribuição dos bens no inventário da mãe da mulher, para que haja eventual compensação na partilha a ser completada no Brasil. A mulher deseja o prosseguimento do processo, argumentando que a Justiça brasileira não pode dispor sobre os bens situados no Líbano. O varão, por sua vez, afirma que a lei libanesa somente admite o regime de completa separação de bens e que a herança recebida pela mulher naquele país deve ser trazida a inventário no Brasil.

São respeitáveis os precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça referidos pela agravante, bem como a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro no inventário da mãe dela. Sucede que em todas essas decisões não se tratou de aplicação do disposto no § 4º, do art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil, segundo o qual o regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílios, e, se este for diverso, à do primeiro domicílio conjugal. Os precedentes referidos trataram apenas de heranças e inventários e não se está pretendendo substituir o juiz libanês na atribuição de bens a ser feita em inventário que necessariamente lá será realizado. Neste caso, cuida-se apenas de partilha de bens que se realiza em processo de separação judicial de casal que se uniu pelo regime de comunhão universal de bens.

O art. 263 do Código Civil estabelece as exceções para inclusão de bens na comunhão formada em casamento realizado no regime supra indicado. Entre elas não está a hipótese de bem recebido por herança em país que não admite a comunhão e não é razoável aplicação analógica do disposto nos incisos II e XI, porque não há semelhança entre a herança no estrangeiro e bens aos quais, por alguma razão, o doador ou autor da herança impôs restrição.

Os bens herdados no Líbano, porquanto, integram a comunhão perante a lei brasileira e devem ser trazidos à partilha pelo cônjuge que os receber. Contudo, a agravante exibe comportamento esquivo, pretendendo efetuar partilha dos bens situados no Brasil e não esclarecendo como procederá em relação aos outros. Ela argumenta com a impossibilidade de realizar aqui inventário de bens situados no Líbano e não demonstra a menor intenção de, depois de receber os bens naquele país, trazê-los para divisão. Sendo assim, o procedimento da

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digna magistrada, ao determinar a suspensão do processo até que haja a atribuição de bens no Líbano, se revela adequado para o fim de fazer prevalecer a eficácia da lei brasileira. Se finda a partilha de bens brasileiros com entrega da metade deles a cada um dos interessados, não haverá mais como o juiz nacional fazer ser cumprida a regra de que o domicílio do casal é que determina o regime de bens; o juiz, no limite de suas atribuições, deve zelar pelo cumprimento de nossas leis.

É claro que a partilha dos bens aqui situados poderia ser completada com a entrega dos quinhões às partes, desde que fosse exigida da agravante garantia adequada de trazer futuramente para sobrepartilha os bens situados no Líbano. Todavia, esse procedimento depende de consentimento de ambas as partes ou de determinação judicial resultante de requerimento de uma delas. De ofício, a digna magistrada não poderia fazer essa determinação. Assim, a ordem para suspensão do processo se revelou a mais conveniente no momento, porque, ainda que ela prolongue outras disputas entre os interessados, é o único meio eficiente agora de fazer prevalecer o comando da lei nacional.

Não se alegue que a nobre magistrada ordenou a suspensão até que sejam prestados esclarecimentos ou seja feita a partilha no Líbano, quando esta decisão preconiza que a agravante traga à partilha os bens que receber naquele país, porque o resultado útil dessas providências é o mesmo. Se a partilha no Líbano fosse possível com aceitação pela lei daquele país da comunhão de bens aqui estabelecida, a paralisação discutida seria desnecessária.

Se a agravante terá de trazer os bens do Líbano para a partilha, não se pode afirma que a Justiça brasileira está a proferir decisão no vácuo como se fez às fls. 95. A propósito do cumprimento dessa obrigação, podem ser aplicadas por analogia as regras do Código de Processo Civil sobre colações em inventários (1.014 a 1.016)" (fls. 154/156).

Acolhidos, em parte, os aclaratórios para o fim de declarar a

não-incidência das regras previstas no art. 265 da lei processual civil, a ré/reconvinte

manifestou recurso especial com espeque nas alíneas "a" e "c" do admissor

constitucional, apontando contrariedade aos arts. 89, II, e 265 do CPC; 263, II e IX, do

Código Civil, além de dissidência interpretativa. Pleiteou que se cesse a suspensão da

partilha, determinando-se que os bens situados no exterior não sejam objeto de

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compensação ou de partilha.

Oferecidas as contra-razões, o apelo extremo foi admitido na origem.

Pronunciou-se o Ministério Público Federal pelo conhecimento e provimento. Ao

final, juntaram-se os documentos de fls. 257/262.

Na assentada anterior, o Sr. Ministro Relator não conheceu do REsp.

2. A Corte Estadual manteve a decisão proferida pela Mma. Juíza de

Direito que ordenou a suspensão da partilha até que se ultime o partilhamento dos bens

situados no Líbano, de tal modo que, se porventura a Justiça libanesa não reconhecer o

direito à meação do autor/reconvindo tocante aos bens lá existentes, possível será

proceder-se aqui oportunamente à devida compensação para o fim de igualar-se os

quinhões. Enfatizando o disposto no art. 7º, parágrafo 4º, da LICC, o julgado recorrido

considerou que "os bens herdados no Líbano, portanto, integram a comunhão perante

a lei brasileira e devem ser trazidos à partilha pelo cônjuge que o receber " (fl. 155).

Penso, entretanto, que, ao assim proclamar, o decisum ora combatido

não somente malferiu a regra do art. 89, II, c.c. o art. 1.121, parágrafo único, do

Código de Processo Civil, como ainda dissentiu da jurisprudência emanada do Sumo

Pretório e deste Superior Tribunal de Justiça.

Destaque-se desde logo que os arts. 88/90 do CPC, no dizer do Prof. J. I.

Botelho de Mesquita, reproduzindo o pensamento de Liebman, não tratam

propriamente de competência internacional e sim de limites da jurisdição brasileira

perante a de outros Estados soberanos (in "Comentários ao Código de Processo Civil",

Ovídio A. Baptista da Silva, vol. 1, págs. 407/408). Para o Prof. Botelho de Mesquita,

invocado na mesma obra citada, "sobre as causas não incluídas na chamada

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competência internacional do Brasil, o que faltará a seus magistrados não será

competência e sim jurisdição " (pág. 408).

Nesses termos, existindo patrimônio imobiliário no Líbano, não tem

jurisdição o Juiz brasileiro para proceder ao inventário e partilha relativos a tais bens,

a contrario sensu do que reza o indigitado art. 89, II, do CPC, in verbis:

"Compete à autoridade brasileira, com exclusão de qualquer outra:

II – proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional".

Em face do estatuído na referida norma, havendo bens do casal

localizados no Brasil, de um lado, e no Líbano, de outro, tem-se no caso o que a

Suprema Corte denominou a pluralidade de juízos sucessórios:

"Partilha de bens. Bens situados no estrangeiro. Pluralidade dos juízos sucessórios. Art. 89, II do CPC.

Partilhados os bens deixados em herança no estrangeiro, segundo a lei sucessória da situação, descabe à Justiça Brasileira computá-los na quota hereditária a ser partilhada, no País, em detrimento do princípio da pluralidade dos juízos sucessórios, consagrada pelo art. 89, II do CPC" (RE n.º 99.230-RS, Relator Ministro Rafael Mayer, in RTJ vol. 110, pág. 750).

Essa orientação restou perfilhada em Acórdão oriundo desta Turma, de

que fui Relator. Refiro-me ao Resp n.º 37.356-SP, cuja ementa assinala:

"INVENTÁRIO. SOBREPARTILHA. IMÓVEL SITO NO EXTERIOR QUE ESCAPA À JURISDIÇÃO BRASILEIRA.

O juízo do inventário e partilha não deve, no Brasil, cogitar de imóveis sitos no estrangeiro. Aplicação do art. 89, inc. II, do CPC".

As considerações por mim expendidas no mencionado precedente

encontram pertinência na espécie ora em exame, in verbis:

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"Há que se atender no caso ao princípio da pluralidade dos juízos sucessórios, consagrado no referido art. 89, inc. II, do CPC, em consonância, aliás, com o que já teve oportunidade de decidir a Suprema Corte (cfr. RTJ, vol. 110, págs. 750-762, relator Ministro Rafael Mayer).

Segundo magistério do insigne Pontes de Miranda, 'se há bens situados no Brasil e bens situados no estrangeiro onde a lei estrangeira tem de ser atendida, só os bens situados no Brasil é que são objeto do inventário e partilha no juízo brasileiro' (Comentários ao Código de Processo Civil, tomo II, 3ª ed., atualização legislativa do Prof. Sérgio Bermudes, pág. 226). Conclui o mestre citado que o juízo de inventário e partilha não deve, no Brasil, cogitar de imóveis sitos no estrangeiro (ob. mencionada, pág. 227).

E isso porque, como observado por Haroldo Valadão em escólio referido no aresto inserto na Rev. dos Tribs. 521, págs. 119/120, 'resolver o juiz brasileiro aplicar as disposições pátrias a bens de herança, sitos fora do Brasil é, evidentemente, proferir uma decisão no vácuo, que não seria respeitada nem cumprida no lugar da situação dos mesmos bens' (pág. 120). Nesse sentido alinha-se, por sinal, a anotação de Hélio Tornaghi, para quem 'a adoção do forum rei sitae decorre de razão de ordem prática, a da quase inutilidade do processo movido fora do país em que o imóvel esteja situado, pois a execução da sentença teria sempre de operar-se nele, após a necessária homologação' (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, pág. 308, ed. 1974).

Prevalece, pois, na espécie, a doutrina exposta pelo Prof. Celso Agrícola Barbi, várias vezes lembrada, no sentido de que 'o interesse do legislador se limita aos bens aqui situados, de modo que se houver outros, situados fora do país, o inventário relativo a esses escapa à jurisdição brasileira. E, naturalmente, serão inventariados e partilhados em separado, em outro país' (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, pág. 400, 4ª ed., revista e aumentada)."

Ao estabelecer a Mma. Juíza de Direito a possibilidade de compensação

em favor do ora recorrido, caso a Justiça libanesa não venha lá a reconhecer-lhe o

direito à meação e, ainda, ao dispor o Tribunal a quo que "os bens herdados no

Líbano integram a comunhão e devem ser trazidos à partilha pelo cônjuge que os

receber ", culminaram ambos por afastar o princípio acima aludido da "dualidade dos

juízos sucessórios".

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Leiam-se, a propósito, os fundamentos constantes do voto condutor do v.

Acórdão prolatado pelo Supremo Tribunal Federal, da lavra do Sr. Ministro Rafael

Mayer:

"5. Entendeu, entretanto, o Acórdão, que a metade do quinhão hereditário a que tem direito a Autora, correspondente a 6,25% da herança de Luiz Alberto Serralta, tem de ser calculado também sobre os bens partilhados no Uruguai.

E assim entendeu porque, mesmo admitindo, em tese, a dualidade dos juízos sucessórios, em atenção mesmo ao disposto no art. 89, II, deve o juiz brasileiro resguardar o princípio fundamental da universalidade da herança e do regime matrimonial de comunhão de bens, imperantes na lei brasileira, quando, como no caso, o legislador estrangeiro, ou o juiz estrangeiro, 'desconsiderando o regime estabelecido pela lei brasileira – e no Brasil mantinham domicílio os nubentes – resolve atribuir os bens situados no estrangeiro apenas a um dos cônjuges – no caso, o cônjuge varão – ou resolve, v.g., distribuir os bens com obediência a regras sucessórias outras que não as vigentes no Brasil' (fls. 1.110).

Esse tema do Acórdão recorrido é atacado pela argüição de negativa de vigência do art. 89, II, do Código de Processo Civil, razão de deferimento do recurso extraordinário, em douto despacho do ilustre Desembargador Paulo Boeckel Velloso.

Vale destacar o seguinte tópico do despacho, em que ressaltada a violação do preceito trazido a debate:

'Esse ponto foi debatido na instrução do processo e no v. Acórdão, sendo, ademais, expressamente prequestionado, novamente, nos embargos declaratórios (cf. fls. 1125, nº 6). Merece ser examinado, pois. Colhe-se na jurisprudência pátria que:'se pretendemos buscar, no Estatuto Processual em vigor, disposição que solucione o problema, poderemos encontrá-la no art. 89, II, tomado, contudo, a contrario sensu . Com efeito, se por força do que reza o texto, 'compete à autoridade brasileira proceder a inventário e partilha dos bens situados no Brasil' válido será induzir, por oposição, que 'não compete à autoridade judiciária brasileira proceder a inventário e partilha de bens não situados no Brasil'. Analisando o citado dispositivo, Celso Agrícola Barbi conclui: O interesse do legislador se limita aos bens aqui situados, de modo que se houver outros situados fora do País o inventário relativo a esses escapa à jurisdição brasileira. E, naturalmente, serão inventariados e partilhados em separado, em outro país' (cf. Comentários , ed. Forense, 1975, vol. I, tomo II/401, nº 494), in RT-521, ac. un. da 5ª Código Civil do TJSP, Rel.: Vieira de Moraes. Da mesma forma se manifesta Hélio Tornaghi , comentando esse

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dispositivo: 'o foro da situação da coisa (forum rei sitae) pode considerar-se universalmente adotado. É norma consuetudinária, para o Direito Internacional Público e norma interna aceita nas legislações, para o Direito Internacional Privado. (...) A adoção do forum rei sitae decorre de razão de ordem prática, a da quase inutilidade do processo movido fora do país em que o imóvel esteja situado, pois a execução da sentença teria sempre de operar-se nele, após a necessária homologação. (...) Não seria possível a um Estado admitir a competência de outro para decidir das questões relativas a imóveis sem abrir mão da própria soberania. (...) o situs rei dentro do território nacional ou, melhor ainda, a circunstância de o imóvel ser território do Brasil leva à adoção da regra'. (Com. ao CPC., H. Tornaghi, vol. I, pág. 308, Com. ao art. 89 - ed. RT 74).

Por igual é Pontes de Miranda : 'Se há bens situados no Brasil e bens situados no estrangeiro onde a lei estrangeira tem de se atendida, só os bens situados no Brasil é que são objeto do inventário e partilha no juízo brasileiro. (...) O juízo de inventário e partilha não deve, no Brasil, cogitar de imóveis sitos no estrangeiro , mas se lhe é apresentada partilha feita no estrangeiro, sem inclusão de bens sitos no Brasil, pode ele examinar o que, no Brasil, melhor pode fazer para se respeitar a herança necessária ou apenas legítima e a sucessão testamentária'. (in Comentários ao CPC , vol. II, Com. ao art. 89, II).

Parece-me que dúvida não pode restar de que o v. Acórdão não apenas 'cogitou de bens imóveis sitos no estrangeiro' como os levou em consideração efetiva, com clara incidência sobre a partilha. E, sem ainda se saber em que quantidade, – diz-se nos autos serem mais valiosos que os ficados no Brasil –, dever-se-á, nos termos do decisum recorrido, efetuar-se uma compensação, em favor da meeira, que tomará integral meação nos bens aqui localizados. Isso equivale, torna-se a repisar, a verdadeiro inventário dos bens existentes no Uruguai, cogitando-se deles quanto a valores e distribuição.'

Cuido esteja aí bem demonstrada a negativa de vigência do art. 89, II do CPC, consagrador da pluralidade dos juízos sucessórios, prática corrente do direito internacional, pelo incontornável princípio da lei da situação da coisa protegido pela soberania, a privar de efetividade a decisão estrangeira que se reporte aos bens constantes de herança, ela mesma considerada imóvel (art. 44, III do CC).

Ora, a pluralidade dos juízos sucessórios infirma o dogma da universalidade da herança em que o venerável Acórdão se embasa para integrar a herança processada no Uruguai à partilha que se deve proceder no Brasil.

Ainda antes do advento do Código de Processo Civil vigente, e em comento à Lei de Introdução ao Código Civil, o ilustre Haroldo Valladão assegurava que esses preceitos 'levaram, afinal, à realização de inventário e partilha autônomos no Brasil, à pluralidade processual

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para acompanhar a pluralidade sucessória' e desse modo, 'o princípio de um critério único e universal para a sucessão, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens, é faca que não corta, também no Brasil' (DIP II/212).

Campos Batalha, transcrevendo trecho de Pontes de Miranda, segue igual conceituação:

'Sempre que a lei da situação reputa a sucessão ligada aos situs e há bens em dois ou mais Estados, a herança tem de dividir-se em massas distintas conforme as diferentes situações dos bens' (cf. também, Comentários à Constituição de 1946, 2ª ed., vol. V, pág. 140).

Não paira dúvida, a nosso ver, que, constituindo as normas de Direito Internacional privado, direito interno de cada país, vinculativas apenas para seus juízes e tribunais, qualquer pronunciamento que se refira a bens situados no estrangeiro (quer móveis, quer imóveis), dependerá, para sua eficácia prática, da lei do situs . Se esta adota princípio diverso de Direito Internacional privado, paralisará os efeitos de qualquer pronunciamento estrangeiro a propósito de sucessões relativas a bens situados em seu território. Destarte, o princípio da unidade da sucessão, ou de sua pluralidade, dependerá das leis dos países em que estiverem situados os bens.'

Por aí se vê desautorizada, data venia , a inclusão, pelo acórdão recorrido, no cômputo da quota hereditária a ser partilhada, no Brasil, a inclusão dos bens sitos no Uruguai, aí inventariados e partilhados segundo a lei desse país.

As normas do Direito Internacional privado brasileiras não adotam o instituto da retorsão ou represália, como o fazem outros ordenamentos jurídicos, nem preceito algum autoriza, a igual de leis estrangeiras referidas no acórdão, que se dê compensação, na massa dos bens partilhados no foro, a parte que é atribuída por sua lei e que se viu frustrada pela lei da situação.

A realidade incontornável é que se estaria incorporando ao inventário procedido no Brasil um valor econômico pertinente a um patrimônio separado, por efeito do princípio da lex rei sitae , sem que esse bem jurídico tenha existência no território nacional. Circunstâncias, aliás, que reclamariam uma pragmática dificultosa, senão impossível face ao princípio da efetividade" (RTJ, vol. citado, págs. 759/761).

Aliás, de tal diretriz tinha e tem o ora recorrido pleno conhecimento em

face das decisões reproduzidas a fls. 105/116, tomadas nos autos de inventário dos

bens deixados pela genitora da recorrente, Salma Moussalem Atta.

Não paira dúvida de que o regime do casamento, na hipótese em tela, é o

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da comunhão universal. A regra inserta no art. 7º, parágrafo 4º, da Lei de Introdução

ao Código Civil, no entanto, somente é aplicável pelo Juiz brasileiro e nos limites do

território nacional. Não há como impor-se a incidência de tal preceituação à Justiça

estrangeira, que é o que, em última análise, está a determinar o julgado ora combatido.

Em suma, ao reverso do que sustenta o ora recorrido, prevalece o cânone instituído

pelo art. 89, II, do CPC, e não o do art. 7º, parágrafo 4º, da LICC, restrita a aplicação

deste aos casos em que presente a jurisdição brasileira.

A meu sentir, pretende-se de maneira prematura garantir ao

autor/reconvindo o direito à meação decorrente do regime da comunhão universal de

bens, o que, todavia, não se compadece com os termos da nossa lei processual civil e

com a jurisprudência emanada desta e da Corte Suprema. Descabida é, com efeito, a

suspensão da partilha para aguardar-se o partilhamento dos bens sitos no exterior.

Muito menos admissível é a ordem para que a ex-mulher traga, com fins de partilha,

ao Brasil, o acervo patrimonial existente no Líbano.

3. Do quanto foi exposto, rogando vênia ao eminente Ministro Relator,

conheço do recurso por ambas as alíneas do admissivo constitucional e dou-lhe

provimento parcial para cancelar a ordem de suspensão da partilha, cujo

processamento deverá prosseguir exclusivamente com os bens localizados no país.

É o meu voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOQUARTA TURMA

Número Registro: 2000/0089891-0 RESP 275985 / SP

Números Origem: 1345314 136595 65504

PAUTA: 08/05/2001 JULGADO: 13/08/2002

RelatorExmo. Sr. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro CESAR ASFOR ROCHA

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. WASHINGTON BOLÍVAR DE BRITTO JÚNIOR

SecretáriaBela CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECK

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : CECÍLIA ATTA KASSOUFADVOGADO : MÁRIO DE SANTI NETORECORRIDO : GEORGES KASSOUFADVOGADO : LUCIANO JOSÉ LENZI

ASSUNTO: Civil - Família - Separação

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Barros Monteiro, conhecendo do recurso e dando-lhe provimento, pediu vista o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha.

Aguardam os Srs. Ministros Ruy Rosado de Aguiar e Aldir Passarinho Junior.

O referido é verdade. Dou fé.

Brasília, 13 de agosto de 2002

CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECKSecretária

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RECURSO ESPECIAL Nº 275.985 - SP (2000/0089891-0)

EMENTA

CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E INTERNACIONAL PRIVADO.

Os bens da herança deixados no Líbano em face do falecimento, no Brasil, da mãe do ex-cônjuge brasileiro, que casou e é residente no Brasil, pelo regime da comunhão universal de bens, integram a comunhão, ainda que o direito libanês desconheça o regime da comunhão universal de bens, estabelecendo, em caráter cogente, a separação de bens como regime exclusivo e obrigatório.

Recurso não conhecido.

VOTO - VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA:

01. Recorrente e recorrido eram casados pelo regime da comunhão

universal de bens desde 11.7.1970.

Após o trânsito em julgado da sentença que decretou a separação

judicial do casal, foi iniciada a partilha dos bens e, no curso deste feito, requereu o

varão, ora recorrido, que fossem nele colacionados os bens existentes no Líbano,

recebidos pela mulher, ora recorrente, como herdeira de sua falecida mãe, nada

obstante a circunstância de a legislação libanesa desconhecer o regime da comunhão

universal de bens, estabelecendo, em caráter cogente, a separação de bens como

regime exclusivo e obrigatório.

A MM. Juíza pontificou, ao decidir:

"Apesar de requerer que a partilha dos bens situados no Líbano seja feita no Brasil, o próprio parecer juntado pelo autor reconvindo reconhece que a competência para tal partilha é do foro da situação dos bens, nos termos do artigo 89 do Código de Processo Civil. E, de fato, a competência para proceder à partilha de tais bens é da Justiça Libanesa. Portanto, neste feito, somente haverá a partilha dos bens situados no Brasil, que já foram arrolados nas primeiras declarações.

2. Não é necessário descrever os bens existentes no Líbano.

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Ambas as partes reconhecem a existência de bens situados no Líbano, e também reconhecem que a partilha dos bens – tanto os situados no Brasil como os situados no Líbano – deverá ser feita observando-se o regime matrimonial dos cônjuges, qual seja, o de comunhão universal de bens.

3. Apesar de se saber que a competência para a partilha dos bens situados no Líbano é da Justiça Libanesa, a questão é delicada.

Remeter-se a partilha dos bens do casal situados no Líbano à Justiça Libanesa, pura e simplesmente, pode criar situação injusta, porquanto não há garantia de que a Justiça Libanesa aplique ao caso o direito brasileiro, reconhecendo o direito de meação do autor-reconvindo com relação aos bens lá existentes.

Caso não haja a aplicação do direito brasileiro, o autor será, evidentemente, prejudicado, porquanto os bens existentes no Brasil serão partilhados entre ambas as partes, o que pode não ocorrer, necessariamente, com os bens existentes no Líbano.

Também não resolveria a situação proceder à partilha de todos os bens aqui no Brasil, porquanto corre-se o risco de não se ver a decisão aqui proferida quanto aos bens situados no Líbano aceita pela Justiça Libanesa.

A solução mais adequada ao caso é a de se proceder à partilha dos bens existentes no Líbano junto a Justiça Libanesa, suspendendo-se o andamento deste feito até que tal ocorra.

Após a decisão proferida pela Justiça Libanesa, proceder-se-á, então, a partilha dos bens situados no Brasil, partilha esta que ocorrerá nestes autos.

Tal solução afigura-se mais adequada ao caso porque, se a Justiça Libanesa não reconhecer o direito de meação do autor quanto aos bens existentes no Líbano, será possível compensá-lo nestes autos, atribuindo-lhe bens situados no Brasil. Caso a Justiça Libanesa reconheça o direito de meação do autor quanto aos bens situados no Líbano, a partilha dos bens situados no Brasil será feita sem a necessidade de eventual compensação de valores ao autor.

Assim, por ora, determino a suspensão do feito com relação à partilha de bens – não se declarando a suspensão do feito simplesmente porque há a necessidade de se apreciar o pedido de alvará formulado pelo autor-reconvindo e poderá haver a necessidade de se apreciar eventuais outras questões que podem ser suscitadas pelas partes – até que as partes procedam à partilha dos bens situados no Líbano junto à Justiça Libanesa. Feita tal partilha, as partes deverão juntar aos autos cópias da decisão lá proferida, ocasião em que se retomará o curso do processo, com a partilha dos bens situados no Brasil.

Observo, por fim, que o presente feito poderá retomar seu curso com a efetivação da partilha antes da efetivação da partilha dos bens situados no Líbano desde que alguma das partes, nos termos do artigo 337 do Código de Processo Civil, prove o teor e a vigência da lei libanesa, demonstrando se a lei libanesa prevê a aplicação da lei libanesa quanto ao regime de bens, ou prevê a aplicação da lei brasileira

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quanto ao regime de bens".

Contra essa decisão manifestou a ora recorrente agravo de instrumento,

pleiteando "que o inventário judicial dos bens do casal separado prossiga de imediato,

somente com os bens localizados no Brasil, sem que se leve àqueles autos quaisquer

bens ou direitos do exterior ou mesmo legislação estrangeira, excluindo-se, também, a

possibilidade da compensação determinada na r. decisão agravada" .

O Tribunal de Justiça de São Paulo negou provimento ao recurso,

lançando acórdão assim ementado:

"Separação judicial – Partilha de bens – Localização deles no País e no Líbano – Pretensão da mulher de que sejam feitas duas partilhas – Inadmissibilidade – Regime de bens que se submete à lei nacional brasileira – Necessidade de serem os bens recebidos no Líbano trazidos à partilha no Brasil – Suspensão do processo ordenada para que previamente sejam divididos os bens do Líbano – Ordem adequada em face da situação no momento – Agravo não provido".

Do voto condutor desse julgado, destaco:

"O art. 263 do Código Civil estabelece as exceções para inclusão de bens na comunhão formada em casamento realizado no regime supra indicado. Entre elas não está a hipótese de bem recebido por herança em país que não admite a comunhão e não é razoável aplicação analógica do disposto nos incisos II e XI, porque não há semelhança entre a herança no estrangeiro e bens aos quais, por alguma razão, o doador ou autor da herança impôs restrição.

Os bens herdados no Líbano, portanto, integram a comunhão perante a lei brasileira e devem ser trazidos à partilha pelo cônjuge que os receber".

Daí o recurso especial interposto pela mulher por alegada violação dos

arts. 89, II, e 265, do Código de Processo Civil e 263, II e IX, do Código Civil, bem

como por sugerido dissídio jurisprudencial.

O eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, relator do feito, em

bem fundamentado voto, como de hábito, não conheceu do recurso.

Já o eminente Ministro Barros Monteiro, em judicioso voto-vista,

conheceu do recurso por ambas as alíneas e deu-lhe provimento parcial para cancelar

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a ordem de suspensão da partilha, cujo processamento deverá prosseguir

exclusivamente com os bens localizados no país.

Pedi vista dos autos para melhor exame da matéria.

02. No que tem de mais nodular, a questão é de direito internacional

privado, cujo desate tem seus fundamentos mais profundos nas disposições contidas

no § 4º do art. 7º e no caput do art. 10 e no seu § 2º, todos da LICC.

Dessarte, creio ser de bom alvitre discorrer um pouco sobre tais

dispositivos.

03. Do disposto no § 4º do art. 7º da LICC, segundo o qual "o regime de

bens legal, ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes

domicílio, e, se este for diverso, à do primeiro domicílio conjugal" , tratando-se de casal

domiciliado no Brasil, há que se aplicar, quanto ao regime de bens, o direito brasileiro

vigente na data da celebração do casamento, que se deu em 11.7.1970.

04. O Direito Brasileiro sempre adotou a teoria da unidade sucessória,

não só quando as questões decorrentes do falecimento envolvam pessoas e bens

nacionais, senão também quando o hereditando for ou tiver herdeiros estrangeiros, ou

deixar bens fora do Brasil.

Oscar Tenório (in, "Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro" , 2a. ed.,

Borsoi, 1955, Rio, p. 342) leciona que "tem se mantido fiel o direito brasileiro à regra de

que a sucessão se rege por lei única, seja qual for a natureza e a situação dos bens. É

o princípio romano da universalidade sucessória, apoiado em que o patrimônio deixado

pelo de cujus forma um todo, tem expressão una".

Por isso mesmo é que, ao comentar o caput do art. 10 da LICC, destaca

a necessidade "de filiar a disposição em exame ao que estipula o art. 7º da Lei de

Introdução: - os direitos de família se regem pela lei pessoal. A caracterização mais

acentuada do direito familiar é a personalidade das regras, em viva oposição à

territorialidade. A sucessão é o desdobramento, ou, como diz Clóvis Beviláqua , uma

face dos direitos de família. Coerentemente, pois, o artigo 10 da Lei de Introdução

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enuncia, como competente para reger a sucessão, a do defunto." (op. cit. p. 345).

Por esse princípio, os bens da herança são considerados como um todo,

uma só unidade, que se transmite por um único e mesmo ato aos herdeiros, "pois o

patrimônio hereditário constitue um todo; rege-se por uma só lei, as relações

sucessórias, seja qual for o seu objeto, não se classificam entre as reais;

consideram-se pessoais; subordinam-se à lei pessoal do falecido" , como ensina

Carlos Maximiliano (in, "Direito das Sucessões" , v. II, Freitas Bastos, SP, 2a. ed.,

1943, p. 584).

Evita-se, assim, a chamada fragmentação sucessória, que acarreta o

grave inconveniente da aplicação de diversas leis à sucessão, decorrente da adoção

do princípio da territorialidade, no qual os bens imóveis se sujeitam à lex rei sitae e os

móveis, à lei pessoal do de cujus, tão em voga sob o domínio do feudalismo, quando

a terra era tomada em precípua consideração.

Esse princípio do universum ius defuncti, que prestigia o estatuto

pessoal do falecido como definidor das linhas mestras a serem adotadas para a sua

sucessão, tanto pode, por seu turno, prestigiar a sua lei nacional , como a lei do seu

domicílio .

O Código Civil, no art. 14 da sua antiga Introdução, elegera a lei

nacional como lei sucessória , quando, extensivamente e no que interessava, editava

que "a sucessão legítima ou testamentária, a ordem da vocação hereditária, os direitos

dos herdeiros e a validade intrínseca das disposições dos testamentos, qualquer que

seja a natureza dos bens e o país, onde se achem (...) obedecerão à lei nacional do

falecido(...)" .

Com a lei introdutória atual, a qual determinou que "a sucessão por morte

(...) obedece à lei do país em que era domiciliado o defunto (...) qualquer que seja a

natureza e a situação dos bens" , o Direito Brasileiro erigiu a lei do domicílio como lex

successionis.

Assim, o ensinamento que extraio da leitura que faço do texto de Oscar

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Tenório é que "o âmbito de aplicação da lei do país em que era domiciliado o de

cujus abrange a sucessão legítima e a testamentária, a ordem de vocação hereditária,

os direitos dos herdeiros, inclusive a quota reserva, e as disposições intrínsecas.

Somente não se rege pela lei do domicílio do de cujus a capacidade para suceder.

Não se modificou, neste particular, o direito brasileiro, nos termos do artigo 14 da lei

introdutória anterior."

Quanto à capacidade para suceder, como visto, o § 2º do art. 10 pontifica

que é a lei do domicílio do herdeiro ou legatário que a regula.

Aliás, cumpre destacar, como salienta Oscar Tenório, que esse

dispositivo contido na lei introdutória atual – que submete à lei do domicílio do herdeiro

a regulação de sua capacidade para suceder – não importou em nenhuma inovação

no Direito Brasileiro, pois que assim também já ocorria sob a vigência da lei anterior,

quando o seu art. 8º cuidava da regra geral da capacidade.

Nada obstante isso, o sistema da unidade sucessória não sofre nenhum

abalo com a orientação fixada no art. 10, pelo seu caput – de que a lei do domicílio do

falecido fixa a devolução de sua sucessão – e pelo seu § 2º – de que a lei do domicílio

do herdeiro define a capacidade deste para suceder –, como uma leitura desatenta

com o espírito desarmado possa não fazer crer.

Assim, como antes, quando o art. 14 da antiga lei introdutória, no que

interessa, editava que "a sucessão legítima ou testamentária, a ordem da vocação

hereditária, os direitos dos herdeiros e a validade intrínseca das disposições dos

testamentos, qualquer que seja a natureza dos bens e o país, onde se achem (...)

obedecerão à lei nacional do falecido (...)", também agora a ordem da vocação

hereditária e os direitos dos herdeiros são definidos pela lei pessoal do defunto, com

a diferença, apenas, de que a referência transmudou-se para a sua lei domiciliar.

É que capacidade para suceder não se confunde com qualidade de

herdeiro. Esta tem a ver com a ordem da vocação hereditária, que consiste no fato de

pertencer a pessoa que se apresenta como herdeiro a uma das categorias que, de um

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modo geral, são chamadas pela lei à sucessão, ou, no dizer de Sílvio Rodrigues, "é a

relação preferencial, estabelecida pela lei, das pessoas que são chamadas a suceder

o finado" .

Com efeito, essa qualidade de herdeiro haverá de ser aferida pela

mesma lei competente para reger a sucessão do morto que, no Brasil, "obedece à lei

do país em que era domiciliado o defunto (...) qualquer que seja a natureza e a

situação dos bens" , em face do pontificado no caput do art. 10 da LICC.

Na hipótese, a falecida autora da herança de que sua filha, ora

recorrente, foi contemplada, residia no Brasil quando morreu, consoante dito pela

própria herdeira à fl. 3 da Medida Cautelar apensa.

Observe-se, de passagem, que a lei libanesa não chega a dizer que os

bens da herança necessária são incomunicáveis. Ela apenas desconhece o regime da

comunhão universal de bens, estabelecendo, em caráter cogente, a separação de

bens como regime exclusivo e obrigatório.

04. Com efeito, por qualquer ângulo que se examine a questão, seja

considerando o autor da herança, a capacidade para suceder, a qualidade de herdeiro,

ou o regime dos bens, tendo em conta o disposto no § 4º do art. 7º, no caput do art.

10 e também no seu § 2º, todos da LICC, é a lei brasileira que definirá se entrarão ou

não na comunhão os bens existentes no Líbano que vierem a ser recebidos pela

recorrente como herdeira de sua falecida mãe.

05. Segundo o disposto no art. 262 do Código Civil, a comunhão

universal de bens importa na comunicação de todos os bens presentes e futuros dos

cônjuges e suas dívidas passivas , excetuando-se dessa universalidade, segundo o art.

263, II e XI, do mesmo Código, apenas os bens doados ou legados com a cláusula de

incomunicabilidade e os subrogados em seu lugar , bem como os bens da herança

necessária, a que se impuser a cláusula de incomunicabilidade , sendo certo que no

Brasil os bens da herança somente comportam incomunicabilidade quando expressa e

formalmente constituído esse gravame pelo de cujus, nos termos dos arts. 1.676,

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1.677 e 1.723 do Código Civil, complementados por dispositivos constantes da Lei de

Registros Públicos, o que, na hipótese, não se deu.

Assim, não há como afastar o direito do recorrido à meação incidente

sobre os bens herdados pela recorrente em face do falecimento de sua mãe, na

constância do casamento sob o regime da comunhão universal de bens, os que se

encontram no Brasil e também os localizados no Líbano.

Em conseqüência, não ocorre a sugerida ofensa ao art. 263 do Código

Civil, uma vez que não existe a incomunicabilidade dos bens herdados pela recorrente

no Líbano, pelo que "os bens herdados no Líbano, portanto, integram a comunhão

perante a lei brasileira e devem ser trazidos à partilha pelo cônjuge que o receber ".

Em conclusão, quer sob o prisma do Direito Internacional Privado, quer

sob o ângulo do nosso Direito material, o acórdão paulista, no ponto, ajusta-se ao

nosso sistema jurídico.

Dessarte, não encontro, data venia, nenhuma ofensa aos arts. 89, II, e

265, do Código de Processo Civil, e 263, II e IX, do Código Civil, nem dou por

configurado o dissídio.

06. Pelo exposto, não conheço do recurso.

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RECURSO ESPECIAL Nº 275.985 - SP (2000/0089891-0)

RELATOR : MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRARECORRENTE : CECÍLIA ATTA KASSOUF ADVOGADO : MÁRIO DE SANTI NETO RECORRIDO : GEORGES KASSOUF ADVOGADO : LUCIANO JOSÉ LENZI

Quarta Turma08-10-2002

VOTO-MÉRITO

O MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR:

Sr. Presidente, se a lei brasileira é a que se aplica para dispor

sobre o regime de bens do casamento; se o casamento realizou-se pelo

regime da comunhão universal, segundo o qual todos os bens dos cônjuges

integram a comunhão, penso que na partilha é indispensável levar em

consideração os bens integrantes dessa comunhão, ainda que localizados

fora do Brasil, porque, se não for assim, estaremos desprezando a lei de

direito material nacional aplicável ao caso, nos termos da regra de direito

internacional.

As disposições dos arts. 89 e 90 do Código de Processo Civil

regem apenas uma questão processual, não interferindo com a de direito

material, que é a posta nos autos. Daí por que, desde o início, depois de ouvir

a sustentação da Profª Maristela Basso, tinha-me orientado nesse sentido e

estou, agora, acompanhando o eminente Ministro-Relator e V. Exa., data

venia do eminente Ministro Barros Monteiro, não conhecendo do recurso.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOQUARTA TURMA

Número Registro: 2000/0089891-0 RESP 275985 / SP

Números Origem: 1345314 136595 65504

PAUTA: 08/05/2001 JULGADO: 08/10/2002

RelatorExmo. Sr. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro CESAR ASFOR ROCHA

Subprocuradora-Geral da RepúblicaExma. Sra. Dra. CLÁUDIA SAMPAIO MARQUES

SecretáriaBela. CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECK

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : CECÍLIA ATTA KASSOUFADVOGADO : MÁRIO DE SANTI NETORECORRIDO : GEORGES KASSOUFADVOGADO : LUCIANO JOSÉ LENZI

ASSUNTO: Civil - Família - Separação

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha, não conhecendo do recurso; e o voto do Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, no mesmo sentido, pediu VISTA o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior.

Proferiram voto anteriormente os Srs. Ministros Relator e Barros Monteiro.

O referido é verdade. Dou fé.

Brasília, 08 de outubro de 2002

CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECKSecretária

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RECURSO ESPECIAL Nº 275.985 - SP (2000/0089891-0)

VOTO-VISTA

EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR:

Trata-se de recurso especial interposto por Cecília Atta Kassouf, contra acórdão do

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado (fl. 153):

"Separação judicial - Partilha de bens - Localização deles no país e no Líbano - Pretensão da mulher de que sejam feitas duas partilhas - Inadmissibilidade - Regime de bens que se submete à lei nacional brasileira - Necessidade de serem os bens recebidos no Líbano trazidos à partilha no Brasil - Suspensão do processo ordenada para que previamente sejam divididos os bens do Líbano - Ordem adequada em face da situação no momento - Agravo não provido."

Em essência, busca a recorrente o processamento da partilha dos bens

do casal existentes no Brasil, independentemente de se aguardar a partilha do

patrimônio a ser realizada no Líbano, ou a sua compensação, acaso esta, em sendo

empreendida, não observe os princípios da comunhão universal, regime sob o qual se

casaram as partes, em face do disposto no art. 7º, parágrafo 4º, da LICC.

A disputa surge em torno dos bens deixados pela mãe de Cecília Atta

Kassouf, situados no Líbano, os quais, por força do art. 10, caput, da mesma Lei de

Introdução, obedecem à “lei em que era domiciliado o defunto...” ; e, segundo sustenta

o recorrido, naquele país, prevalece sempre o regime da separação total, de modo que

a ex-esposa receberia a metade dos bens do casal no Brasil, enquanto ficaria com a

totalidade daqueles situados no Líbano, que eram da sua mãe.

O eminente relator, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, com a adesão

dos Exmos. Ministros Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar, não conheceu do

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recurso, portanto confirmando o aresto estadual, disso resultando, como se sabe, a

paralisação da partilha no Brasil, até que finde o inventário no Líbano para, então,

proceder-se à divisão, compensando-se, se for o caso, com os bens aqui existentes,

aquilo que porventura for a maior recebido pela recorrente no país alienígena, do

Espólio de sua genitora.

Contra essa solução insurgiu-se, em seu voto, o ilustre Ministro

Barros Monteiro, fundamentado na regra do art. 89, inciso II, do CPC, que dispõe:

"Art. 89. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra:

...............................................................................................................

II – proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional."

Todas as manifestações são ricas em passagens doutrinárias,

defendendo um ou outro ponto de vista, de modo que me eximirei de repeti-las ou de

se lhes adicionar mais algumas, maduro que já se encontra o debate, sendo eu o último

a votar.

Tenho, contudo, que assiste razão à divergência, rogando vênias aos

votos discordantes, cuja qualidade e jurisdicidade de argumentação não deixo de

reconhecer e louvar, bem assim ao excelente trabalho desenvolvido pelos doutos

advogados das partes querelantes.

Recentemente, a Egrégia 3ª Turma, no REsp n. 397.769/SP, assim

decidiu:

"Processual Civil. Inventário. Requerimento para expedição de carta rogatória com o objetivo de obter informações a respeito de eventuais depósitos bancários na Suíça. Inviabilidade.

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- Adotado no ordenamento jurídico pátrio o princípio da pluralidade de juízos sucessórios, inviável se cuidar, em inventário aqui realizado, de eventuais depósitos bancários existentes no estrangeiro."

Colho, do voto da Exma. relatora, Min. Nancy Andrighi, os seguintes

excertos:

"Impõe-se relevar, no entanto, que se adotou, entre nós, o princípio de pluralidade dos juízos sucessórios, conforme se depreende da leitura do art. 89, II, do CPC.

Se o ordenamento jurídico pátrio impede ao juízo sucessório estrangeiro de cuidar de bens aqui situados, móveis ou imóveis, em sucessão mortis causa, em contrário senso, em tal hipótese, o juízo sucessório brasileiro não pode cuidar de bens sitos no exterior, ainda que passível a decisão brasileira de plena efetividade lá.

Para Celso Agrícola Barbi, o 'interesse do legislador se limita aos bens aqui situados, de modo que se houver outros, situados fora do País, o inventário relativo a esses escapa à jurisdição brasileira. E, naturalmente, serão inventariados e partilhados em separado, em outro país' (Comentários ao Código de Processo Civil, vol.I, arts. 1º a 153, Rio de Janeiro. Forense, 2002 - ed. revista e atualizada por Eliane Barbi Botelho, fl. 300)."

...............................................................................................................

"Da interpretação em contrário senso do referido dispositivo legal, ainda que em situações diversas, registrem-se os seguintes julgados: no Supremo Tribunal Federal, o RE n. 99.230/RS, Rel. Min. Rafael Mayer, DJ: 29/06/84; no Superior Tribunal de Justiça, o REsp n. 2.170/SP, DJ: 07/08/90, no qual entendeu o Exmo Sr. Min. Relator Eduardo Ribeiro como 'violados os artigos 88 e 89 do C.P.C ao dar-se pela competência da Justiça do Brasil para casos não contemplados naqueles dispositivos', e o REsp n. 37.356/SP, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ: 10/11/97.

Assim, irrepreensível o e. Tribunal de origem, que manteve a unidade e a coerência do ordenamento jurídico pátrio ao interpretar corretamente o disposto no art. 89, II, do CPC."

De efeito, não se cuida, meramente, de uma regra adjetiva, a

disciplinar o processo civil do inventário e partilha, porém, mais do que isso, o Documento: 113334 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 13/10/2003 Página 4 9 de 53

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reconhecimento de que o juiz brasileiro não tem jurisdição extraterritorial. Há que se

conformar com a partilha do patrimônio existente no Brasil, submetendo-se as partes à

divisão dos bens procedida no Líbano, pelo Poder Judiciário de lá.

E, por isso, não vejo sentido algum em se paralisar o processo de

partilha no Brasil, para aguardar uma eventual compensação, a fim de fazer valer, em

concreto, o regime matrimonial nacional da comunhão universal. Em primeiro, porque

tudo, para começar, fica no plano da suposição, com base em uma interpretação à

distância da legislação estrangeira, de que, no Líbano, a divisão não será respeitada.

Em segundo, por não haver razão para se impedir o pleno exercício da jurisdição pelo

Poder Judiciário do Brasil, o que se traduz, certamente, também pela pronta entrega da

prestação jurisdicional, sem qualquer dependência do que e de quando o juiz

estrangeiro irá decidir para, só ao depois, ser implementada a prestação a que todo

cidadão ou cidadã tem direito, de imediato, e não sine die. Em terceiro, porquanto a

tese seria casuística, visto que se somente houvessem bens no exterior, ou em parcela

expressivamente maior, restaria inviável a pretendida compensação, isto é, é uma tese

que não é aplicável a todos. Em quarto, porque não é nada prática, pois sabe-se lá por

quanto tempo a partilha iria ficar paralisada, e se alguém vem a falecer, contrair novas

núpcias, etc, pode-se imaginar, sem muita dificuldade, a inviabilização do processo

sucessório ou de novas partilhas, tudo a depender daquele processo em curso lá no

Líbano, sobre o qual o juiz brasileiro não terá qualquer ingerência, apenas,

pacientemente, esperando que termine para que o daqui, paralisado por ordem do

Tribunal a quo, tenha seguimento.

Em seu voto, o Min. Barros Monteiro invoca precedente desta Turma,

de sua relatoria – REsp n. 37.356/SP, DJU de 10.11.97, no sentido oposto ao da douta

maioria até aqui formada, que recebeu esta ementa:

"INVENTÁRIO. SOBREPARTILHA. IMÓVEL SITO NO EXTERIOR QUE ESCAPA A JURISDIÇÃO BRASILEIRA.

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O juízo do inventário e partilha não deve, no Brasil, cogitar de imóveis sitos no estrangeiro. Aplicação do art. 89, inc. II, do CPC.

Recurso especial não conhecido."

Ainda recorda, S. Exa, julgado do Egrégio Supremo Tribunal Federal

no RE n. 99.230/RS, Rel. Min. Rafael Mayer, RTJ vol. 110/750, com o seguinte

enunciado:

"Partilha de bens. Bens situados no estrangeiro. Pluralidade dos juízos sucessórios. Art-89, II do CPC.

Partilhados os bens deixados em herança no estrangeiro, segundo a lei sucessória da situação, descabe à Justiça Brasileira computá-los na quota hereditária a ser partilhada, no país, em detrimento do princípio da pluralidade dos juízos sucessórios, consagrada pelo art-89, II do CPC.

Recurso extraordinário conhecido e provido, em parte. "

Observo, por fim, que se as pessoas optam contrair matrimônio com

estrangeiros, adquirir bens no exterior, ou passarem pela circunstância de se tornar

herdeiros de outros que residem fora do Brasil, são situações que levam, realmente, a

um quadro nem sempre favorável, mas nem por isso há que se postergar a prestação

jurisdicional do Brasil para um futuro incerto, com a paralisação do processo de

partilha de bens, condicionado, verdadeiramente subordinado, ao que vier a acontecer

em outro país, ou, tampouco, pretender estender as leis territoriais nossas além

fronteiras.

Ante o exposto, em face da doutrina colacionada no Voto do Min.

Barros Monteiro, forte em lições de Haroldo Valadão, Hélio Tornaghi e Agrícola

Barbi, bem assim nos precedentes do Colendo Supremo Tribunal Federal, desta 4ª

Turma, e em recentíssimo julgamento unânime da Egrégia 3ª Turma (REsp n.

397.769/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, DJU de 19.12.2002), adiro à divergência, para,

reconhecendo a contrariedade ao art. 89, II, do CPC e o dissenso pretoriano, conhecer

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em parte do recurso especial e dar-lhe provimento parcial, determinando tenha o

processo de partilha dos bens situados no Brasil, apenas deles, prosseguimento.

É como voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOQUARTA TURMA

Número Registro: 2000/0089891-0 RESP 275985 / SP

Números Origem: 1345314 136595 65504

PAUTA: 08/05/2001 JULGADO: 17/06/2003

RelatorExmo. Sr. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. WASHINGTON BOLÍVAR DE BRITTO JÚNIOR

SecretáriaBela. CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECK

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : CECÍLIA ATTA KASSOUFADVOGADO : MÁRIO DE SANTI NETORECORRIDO : GEORGES KASSOUFADVOGADO : LUCIANO JOSÉ LENZI

ASSUNTO: Civil - Família - Separação

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior, conhecendo do recurso especial e lhe dando parcial provimento, a Turma, por maioria, não conheceu do recurso.

Vencidos os Srs. Ministros Barros Monteiro e Aldir Passarinho Junior.Os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar votaram com o Sr. Ministro

Relator.

O referido é verdade. Dou fé.

Brasília, 17 de junho de 2003

CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECKSecretária

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