resenha livro milton.santos maria.laura

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649 O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Santos, Milton & Silveira, Maria Laura. São Paulo, Editora Record, 2001, 474 pp. Maria Cecília de Souza Minayo Editora Científica da Revista Ciência & Saúde Coletiva A busca de uma periodização do território brasileiro é um partido essencial para um projeto ambicioso: fazer falar a nação pelo território. Assim como a eco- nomia foi considerada como a fala privilegiada por Celso Furtado; o povo, por Darcy Ribeiro; e a cultura, por Florestan Fernandes, pretendemos considerar o território como a fala privilegiada da nação. Essa citação de Milton Santos na obra escrita junto com Maria Laura Silveira sintetiza bem o dese- jo de caracterizar sua contribuição intelectual, cujo papel seminal na geografia tem sido reconhecido no Brasil e no mundo inteiro. Os autores partem de um conceito central “território em uso” para designar a profunda imbricação entre os artefatos e as técnicas que transformam os espaços, com a política, a eco- nomia e as relações que conferem direção e sentido a essas transformações. Deixam claro que as mudan- ças ficam registradas nas diferentes escalas com que o território é apropriado e construído. Em alguma parte do livro, os autores criticam as pretensões totalizadoras da sociologia e da economia que tenderiam a desconhecer a importância do espa- ço construído, como se apenas as “relações” contives- sem a totalidade da realidade social. Lembrei-me en- tão de alguns conceitos caros a uma corrente da filo- sofia e da sociologia dialética pensados por autores como Goldmann e Sartre, à qual me filio, que discu- tem as estruturas e os espaços construídos como ações humanas objetivadas. Esse é o caso também do pensamento de autores como Nicole Romognino cu- ja sociologia dialética se funda na compreensão dos fenômenos sociais como processos históricos; como totalidades de significações construídas pelos sujei- tos e como totalidades significativas que se concreti- zam na materialidade das formas sociais. O Brasil: território e sociedade no início do sécu- lo XXI pode ser lido como uma síntese científica do pensador Milton Santos, que criou escola e se asso- ciou – como é o caso da parceria com Maria Laura – para formular e difundir conceitos e metodologias e criar discípulos, distinguindo sua contribuição de tantas outras diferentes abordagens, com as quais ora converge ora diverge. Mas é também o exemplo didático de um autor que criou teoria, conceitos, mé- todos e técnicas, testou-as na prática, expondo exem- plos de análises e se preocupando em atingir um grande público. Sem nenhum caráter messiânico, Milton Santos se tornou responsável pela multidão de estudiosos que passaram a dividir a história da geografia no período anterior e posterior a sua con- tribuição acadêmica. Teoria e empiria marcam toda a tessitura desta obra. Os dois autores assim definem os objetivos de seu trabalho: levar ao leitor comum uma interpreta- ção geográfica do Brasil; e oferecer aos estudiosos um guia de trabalho, ainda que incompleto. E para isso, discutem o lugar e a importância do que denominam teorias menores, em contraposição às macro-teorias que não conseguem propor esquemas aplicáveis de análise. Consideram seu segundo objetivo sugerir uma teoria das mediações, na qual a escolha dos fa- tos e relações relevantes possa estar apoiada. O trabalho apresenta a seguinte divisão concei- tual: no primeiro capítulo uso do território é a noção central. No segundo, três conceitos estruturantes pa- ra análise das transformações do Brasil são apresen- tados: o meio natural (hoje quase inexistente); os su- cessivos meios técnicos e o advento do meio técnico- científico-informacional. O terceiro capítulo trata, substantivamente, da constituição do meio geográfi- co brasileiro através da história, articulando-se espa- ço e tempo. Na quarta e quinta partes, os autores aprofundam o papel da informação e do conheci- mento na reorganização produtiva do território e suas especializações. Nos capítulos seis e sete, ganha forma a idéia de movimentos e círculos de coopera- ção que se multiplicam no território nacional, confi- gurando a modernidade do país. No capítulo oito, os autores tratam da fluidez e da potência do capital fi- nanceiro como motor do período contemporâneo no Brasil e no mundo globalizado. No capítulo nono, mostram como os diferentes fluxos de dinamismo industrial, dos setores de serviços e financeiros, pró- prios da atualidade, dão lugar a uma dinâmica popu- lacional diferenciada que marca o crescimento das cidades médias e uma certa decadência das grandes metrópoles; assim como uma cultura que passa a va- lorizar a especificidade local em um quadro de co- municação globalizada. O livro, em sua segunda parte, trata da dinâmica globalizadora num país de tão grandes extensões co- mo o Brasil que passa a ser um espaço nacional da economia internacionalizada. Esse tema é discutido de forma didática e aguçada a partir do conceito de meio técnico-científico-informacional. A idéia cen- tral dessa parte é que os círculos de cooperação ins- talam-se num nível superior de complexidade e nu- ma escala geográfica muito mais ampla. A plena ex- plicitação da etapa metamorfoseada do território brasileiro em meio técnico-científico-informacional é apresentada como a cara geográfica da globaliza- ção. Pois os acréscimos da ciência, tecnologia e infor- mação ao território são, ao mesmo tempo, produto e condição para o desenvolvimento do trabalho mate- rial e intelectual. Especificando a originalidade do momento atual a partir da classificação marxista do ciclo econômico que se realiza pela produção, circulação e reprodu- ção de bens e mercadorias, os autores pontuam que, no presente, a circulação preside a produção. E os flu- xos que daí derivam são mais intensos, mais exten- sos e mais seletivos, redimensionando o território em todas as escalas. Os autores falam de quatro gran- des regiões do Brasil nesse atravessamento de século, denominando-as Quatro brasis. Seriam: uma região concentrada formada pelo Sudeste e pelo Sul; o Brasil do Nordeste; o Centro-Oeste e a Amazônia. Nessas re- giões estariam presentes dualidades e contradições:

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O Brasil: território e sociedade no início do séculoXXI. Santos, Milton & Silveira, Maria Laura. SãoPaulo, Editora Record, 2001, 474 pp.

Maria Cecília de Souza MinayoEditora Científica da Revista Ciência & Saúde Coletiva

A busca de uma periodização do território brasileiroé um partido essencial para um projeto ambicioso:fazer falar a nação pelo território. Assim como a eco-nomia foi considerada como a fala privilegiada porCelso Furtado; o povo, por Darcy Ribeiro; e a cultura,por Florestan Fernandes, pretendemos considerar oterritório como a fala privilegiada da nação.

Essa citação de Milton Santos na obra escritajunto com Maria Laura Silveira sintetiza bem o dese-jo de caracterizar sua contribuição intelectual, cujopapel seminal na geografia tem sido reconhecido noBrasil e no mundo inteiro. Os autores partem de umconceito central “território em uso” para designar aprofunda imbricação entre os artefatos e as técnicasque transformam os espaços, com a política, a eco-nomia e as relações que conferem direção e sentido aessas transformações. Deixam claro que as mudan-ças ficam registradas nas diferentes escalas com queo território é apropriado e construído.

Em alguma parte do livro, os autores criticam aspretensões totalizadoras da sociologia e da economiaque tenderiam a desconhecer a importância do espa-ço construído, como se apenas as “relações” contives-sem a totalidade da realidade social. Lembrei-me en-tão de alguns conceitos caros a uma corrente da filo-sofia e da sociologia dialética pensados por autorescomo Goldmann e Sartre, à qual me filio, que discu-tem as estruturas e os espaços construídos comoações humanas objetivadas. Esse é o caso também dopensamento de autores como Nicole Romognino cu-ja sociologia dialética se funda na compreensão dosfenômenos sociais como processos históricos; comototalidades de significações construídas pelos sujei-tos e como totalidades significativas que se concreti-zam na materialidade das formas sociais.

O Brasil: território e sociedade no início do sécu-lo XXI pode ser lido como uma síntese científica dopensador Milton Santos, que criou escola e se asso-ciou – como é o caso da parceria com Maria Laura –para formular e difundir conceitos e metodologias ecriar discípulos, distinguindo sua contribuição detantas outras diferentes abordagens, com as quaisora converge ora diverge. Mas é também o exemplodidático de um autor que criou teoria, conceitos, mé-todos e técnicas, testou-as na prática, expondo exem-plos de análises e se preocupando em atingir umgrande público. Sem nenhum caráter messiânico,Milton Santos se tornou responsável pela multidãode estudiosos que passaram a dividir a história dageografia no período anterior e posterior a sua con-tribuição acadêmica. Teoria e empiria marcam todaa tessitura desta obra.

Os dois autores assim definem os objetivos deseu trabalho: levar ao leitor comum uma interpreta-ção geográfica do Brasil; e oferecer aos estudiosos um

guia de trabalho, ainda que incompleto. E para isso,discutem o lugar e a importância do que denominamteorias menores, em contraposição às macro-teoriasque não conseguem propor esquemas aplicáveis deanálise. Consideram seu segundo objetivo sugeriruma teoria das mediações, na qual a escolha dos fa-tos e relações relevantes possa estar apoiada.

O trabalho apresenta a seguinte divisão concei-tual: no primeiro capítulo uso do território é a noçãocentral. No segundo, três conceitos estruturantes pa-ra análise das transformações do Brasil são apresen-tados: o meio natural (hoje quase inexistente); os su-cessivos meios técnicos e o advento do meio técnico-científico-informacional. O terceiro capítulo trata,substantivamente, da constituição do meio geográfi-co brasileiro através da história, articulando-se espa-ço e tempo. Na quarta e quinta partes, os autoresaprofundam o papel da informação e do conheci-mento na reorganização produtiva do território esuas especializações. Nos capítulos seis e sete, ganhaforma a idéia de movimentos e círculos de coopera-ção que se multiplicam no território nacional, confi-gurando a modernidade do país. No capítulo oito, osautores tratam da fluidez e da potência do capital fi-nanceiro como motor do período contemporâneo noBrasil e no mundo globalizado. No capítulo nono,mostram como os diferentes fluxos de dinamismoindustrial, dos setores de serviços e financeiros, pró-prios da atualidade, dão lugar a uma dinâmica popu-lacional diferenciada que marca o crescimento dascidades médias e uma certa decadência das grandesmetrópoles; assim como uma cultura que passa a va-lorizar a especificidade local em um quadro de co-municação globalizada.

O livro, em sua segunda parte, trata da dinâmicaglobalizadora num país de tão grandes extensões co-mo o Brasil que passa a ser um espaço nacional daeconomia internacionalizada. Esse tema é discutidode forma didática e aguçada a partir do conceito demeio técnico-científico-informacional. A idéia cen-tral dessa parte é que os círculos de cooperação ins-talam-se num nível superior de complexidade e nu-ma escala geográfica muito mais ampla. A plena ex-plicitação da etapa metamorfoseada do territóriobrasileiro em meio técnico-científico-informacionalé apresentada como a cara geográfica da globaliza-ção. Pois os acréscimos da ciência, tecnologia e infor-mação ao território são, ao mesmo tempo, produto econdição para o desenvolvimento do trabalho mate-rial e intelectual.

Especificando a originalidade do momento atuala partir da classificação marxista do ciclo econômicoque se realiza pela produção, circulação e reprodu-ção de bens e mercadorias, os autores pontuam que,no presente, a circulação preside a produção. E os flu-xos que daí derivam são mais intensos, mais exten-sos e mais seletivos, redimensionando o territórioem todas as escalas. Os autores falam de quatro gran-des regiões do Brasil nesse atravessamento de século,denominando-as Quatro brasis. Seriam: uma regiãoconcentrada formada pelo Sudeste e pelo Sul; o Brasildo Nordeste; o Centro-Oeste e a Amazônia. Nessas re-giões estariam presentes dualidades e contradições:

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zonas de densidade e de rarefação; espaços de rapi-dez e lentidão; espaços que mandam e espaços queobedecem. Assim se referem que: num movimentodesigual e combinado, cria-se uma nova geografia doBrasil, caracterizada, quanto à nova tecnosfera, poruma região concentrada e por manchas e pontos, en-quanto há uma tendência à generalização da novapsicosfera, característica do presente período históri-co.

O livro termina com oito estudos de caso que sãoespecificações concretas, por outros estudiosos, douso da teoria, do método e das técnicas propostospor Milton Santos e Maria Laura Silveira. Além detoda a riqueza conceitual e empírica, há muitos ma-pas que localizam, para o leitor, as periodizações, asespecificidades geográficas, demográficas, sociais,econômicas, técnicas e científicas, e permitem perce-

ber a complexidade do momento atual. O livro é umpresente aos leitores que pretendem cultivar umaconsciência crítica que respire, ao mesmo tempo,muita esperança. De cada página, seus autores fazememergir liberdade científica, ética acadêmica, amorpelo Brasil e compromisso com as gerações presen-tes e futuras que continuarão usando e construindoo território brasileiro. Com certeza, chegaram ao quepretendiam: propor uma teoria do Brasil a partir doterritório, uma tentativa de explicação da sociedadetomando como pano de fundo o próprio espaço geo-gráfico. Há uma profusão de conceitos nucleadores ede idéias-chave espalhadas pelas quase 500 páginasdo livro. Deixo ao leitor o privilégio de saciar sua cu-riosidade intelectual e de reinterpretar, de acordocom seu olhar, a beleza e a grandeza do pensamentode Milton Santos e de Maria Laura Silveira.

Sobre a ética e a economia. Sen, Amartya. Compa-nhia das Letras, São Paulo, 1999, 137 pp.

Janice Dornelles de Castro Centro de Ciências Econômicas/Universidade do Vale do Rio dos SinosCurso de Administração de Sistemas e Serviços de Saú-de/ Universidade Estadual do Rio Grande do Sul

Este livro contém a versão de algumas conferênciasproferidas pelo autor na Universidade de Berkeleyna Califórnia. Discute a relação entre a ética e aeconomia, o afastamento entre as duas ciências, eas conseqüências negativas que este fato tem trazi-do para a qualidade da análise econômica. Sugereque a ciência econômica aproxime-se novamenteda ética através da introdução da discussão dos di-reitos e suas conseqüências e do estudo de normase comportamentos de forma mais integrada à teo-ria econômica.

O autor discute “o caráter conscientemente‘não-ético’” (Sen, 1999) da moderna economia. Fa-to surpreendente dado às suas origens que foramduas, ambas ligadas à política: uma diretamente re-lacionada com a ética, e a outra vinculada à enge-nharia. O ramo da ética, remonta a Aristótelesquando ele “associa... a economia aos fins huma-nos... e a preocupação com a riqueza” (Sen, 1999) epergunta: Como devemos viver? Questionamentoque o autor denomina de “concepção da motivaçãorelacionada à ética” e “a avaliação da realização so-cial” ou seja, o objetivo de alcançar o bem comum,este sendo de maior importância que o bem indivi-dual. A outra origem foi a engenharia, ocupando-sedas questões logísticas, de quais meios utilizar pa-ra alcançar os fins determinados. Para o autor, osdois ramos são de fundamental importância para odesenvolvimento da economia, o problema está nasupervalorização do ramo da engenharia que esta-ria sobrepujando o da ética, e assim, empobrecen-do a moderna economia. Ele afirma que forammuitos os avanços proporcionados pelo ramo en-

genheiro, como o entendimento das interdepen-dências das relações sociais possibilitado pela “teo-ria do equilíbrio geral”, mesmo que esta trabalhecom um conceito da “motivação humano” limitadoe que não leve em consideração as questões éticas.O autor critica aspectos que considera inadequa-dos da teoria do equilíbrio geral, principal repre-sentante do ramo engenheiro da economia.

O pressuposto do comportamento racional édefinitivo na teoria do equilíbrio geral, porém émuito controverso supor que o comportamentohumano real será racional sempre. Em primeiro lu-gar, porque mesmo que sejam especificados os ob-jetivos finais e as restrições existentes, são possí-veis inúmeras alternativas de comportamentos ra-cionais. E em segundo lugar, o comportamento ra-cional é definido em termos muito estreitos, conce-bido como “uma consistência interna de escolha”ou “maximização do auto-interesse” (Sen, 1999). A“consistência interna” é relacionada ao que se quere como conseguir; no entanto, as escolhas depende-rão sempre da “interpretação” dada a essas esco-lhas. De qualquer forma, a existência da “consis-tência interna” não pode, por si, garantir a raciona-lidade do comportamento humano. Com relação à“maximização do auto-interesse”, o autor questio-na: “Por que deveria ser unicamente racional em-penhar-se pelo auto-interesse excluindo todo o res-to?” (Sen, 1999). Observa que esta concepção seafasta da motivação relacionada à ética, na medidaem que qualquer comportamento que não buscar amaximização do auto-interesse é irracional. Ques-tiona o fato de o “homem econômico”, que buscasempre maximizar seus próprios interesses, ser omelhor representante do comportamento huma-no. Levanta a hipótese de que exista pluralidade demotivações, muitas delas vinculadas a noções taiscomo dever, lealdade e boa vontade.

O autor discute também por que a teoria doequilíbrio geral atribui pouca importância à eco-nomia do bem-estar. Questiona o uso do critério deutilidade, ou da soma das utilidades como defini-dor do bem-estar, pois o considera limitado e res-

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tritivo. Nesta teoria a única forma de avaliar obem-estar é através da Otimalidade de Pareto quepode ser definida como o estágio do desenvolvi-mento da sociedade em que é “...impossível aumen-tar a utilidade de uma pessoa sem reduzir a utilida-de de outra pessoa” (Sen, 1999). Este estágio é tam-bém denominado de eficiência econômica e podeocorrer mesmo quando coexistem a miséria e o lu-xo, pois neste caso, os miseráveis não poderão me-lhorar suas condições sem que os ricos piorem assuas. A Otimalidade de Pareto como único critériode julgamento de bem-estar e o comportamentoauto-interessado como única forma de escolha eco-nômica reduziram as possibilidades de desenvolvi-mento teórico nesta área.

Segundo Sen a teoria utilitarista trabalha como welfarismo como um de seus mais importantesprincípios morais. O welfarismo implica o usoapenas da noção de utilidades individuais comofonte de valor e avaliação do bem-estar. O autoradverte que o bem-estar de um indivíduo pode es-tar relacionado com fatos que não o afetam direta-mente. A condição de agente que é a capacidade deestabelecer objetivos, compromissos e valores,também influencia o bem-estar do indivíduo e nãoestá, necessariamente, ligada ao auto-interesse. Arealização do bem-estar e a realização da condiçãode agente são duas variáveis que estão intrinseca-mente relacionadas. No entanto, o cálculo welfa-rista de bem-estar concentra-se na utilidade indi-vidual e desconsidera a condição de agente. Outracrítica ao welfarismo diz respeito a medir o bem-estar pela felicidade ou satisfação dos desejos. A(des)valorização dada às privações ou a satisfaçãodos desejos deve variar de acordo com o grau dedificuldade da história de cada indivíduo. Este as-pecto ressalta a insuficiência de profundidade docritério de satisfação dos desejos e felicidade co-mo medida, pois o bem-estar individual não é aúnica coisa valiosa e a utilidade não o representaadequadamente.

Para o autor as principais limitações da con-cepção utilitarista referem-se a três aspectos. Oprimeiro diz respeito à distinção entre o bem-es-tar relacionado com as vantagens pessoais e a con-dição de agente que extrapola as questões indivi-duais. A concepção utilitarista perde por utilizarapenas o aspecto do bem-estar para a avaliação dasituação social. O segundo aspecto limitante refe-re-se a tendenciosidade das medidas de felicidadee satisfação dos desejos que variam enormementede indivíduo para indivíduo de acordo com a his-tória de vida de cada um, e sendo assim, é um indi-cador limitado. Em terceiro lugar, o aspecto da li-berdade que deveria ser adicionado às realizaçõesdos desejos e valorizado pela sua importância in-

trínseca. Portanto, deveriam ser quatro as catego-rias de informações sobre os indivíduos para ava-liar as realizações da sociedade: a) a realização dobem-estar, b) a liberdade de bem-estar, c) a reali-zação da condição de agente e c) a liberdade dacondição de agente. No entanto, os utilitaristas re-duzem estas categorias a apenas uma, na medidaem que não valorizam a liberdade intrinsecamen-te e supõem que a condição de agente se orienteapenas para a maximização dos interesses indivi-duais e, sendo assim, utilizam uma única categoriade análise da realização social que é o bem-estar.

Outra questão abordada e criticada por Sendiz respeito à idéia restrita em relação à diversida-de dos bens com que trabalham os utilitaristas quebuscam a homogeneidade, cujo objetivo é a possi-bilidade da ordenação e representação numérica.Admite que a ordenação dos bens pode ser impor-tante em alguns casos, como quando houver ne-cessidade de lidar com conflitos éticos. No entan-to, não acha possível a avaliação do bem-estar semconsiderar a pluralidade. O autor apresenta dife-rentes alternativas para a ordenação e a realizaçãodas escolhas de alocação de recursos na sociedade:a) “ordenação completa ponderada”, significa exa-minar os trade-offs, ponderar e escolher a combi-nação superior, implica conflitos resolvidos antesda decisão; b) “ordens parciais permitem a incom-pletude, a avaliação plural estabelecerá uma rela-ção de dominância”; c) “avaliações supercomple-tas” admitem a existência de conflitos irreconci-liáveis e a superioridade de qualquer das alternati-vas, e admitem também avaliações inconsistentes.

Estudos empíricos têm demonstrado que emsituações de risco e incerteza, as escolhas são siste-maticamente diferentes daquelas esperadas, ou daracionalidade esperada, e este fato não pode serimputado como “erro de percepção”, mas sim como“uma concepção diferente do problema de decisãoque contrasta com a literatura tradicional” (Sen,1999). Esta concepção equivocada e limitada em re-lação às possibilidades de ordenação e realizaçãode escolhas tem prejudicado o desenvolvimento dateoria econômica. Sugere que a questão dos direi-tos e suas conseqüências poderiam auxiliar nestaanálise. É necessário construir o consenso na socie-dade que “as violações de direitos” são uma coisamá e “gozo de direitos… uma coisa boa” (Sen,1999). Através do consenso a respeito dos direitos eda consciência da existência da “interdependênciageral” na sociedade, ou seja, que o direito de umafeta o outro, podemos concluir que existem algu-mas regras sociais que são aceitas “para a promo-ção geral de objetivos individuais” (Sen, 1999). Ateoria econômica teria muito a ganhar introduzin-do conceitos como estes na sua análise.