resenha capitulo final watchmen e a filosofia
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AVALIAÇÃO 2012/1
SEMINÁRIO DE FILOSOFIA E COMUNICAÇÃO – DANIEL CORRÊA
O capítulo escolhido do livro trabalhado no corrente semestre da
disciplina em questão para servir de mote no presente texto é o derradeiro, o
de número 15, intitulado “O Que Diabos é tão Engraçado? Comediante e
Rorschach sobre os Rumos da Vida”, escrito por Taneli Kukkonen, à luz da
teoria do pensador dinamarquês SØren Kierkegaard (1813-1855), que é
conhecido como o pai, o avô ou o padrinho do Existencialismo. Em
concordância com o a ideologia que trata o sujeito como foco de toda a filosofia
e que afirma que somos responsáveis pelo que fazemos de nós mesmos, este
texto vem pôr em discussão algumas relações do tema com o fazer publicitário,
além de ter pretensão de corroborar com a análise de Kierkegaard.
Kierkegaard entende a existência da seguinte forma: “Há três esferas da
existência: a estética, a ética e a religiosa. A metefísica é abstração e não há
nenhum ser humano que exista metafisicamente. A metafísica, a ontológica, é,
mas não existe, pois quando ela existe, ela o faz como estética, ética ou
religiosa”. O autor do capítulo, Kukkonen, alega, buscando aval em citação de
Sartre, que a abordagem metafísica não funciona: “a existência precede a
essência”. Isso quer dizer que não há uma necessidade intrínseca na vida
humana de buscar modelos filosóficos pré-estabelecidos para nortear suas
escolhas interativas para com a realidade ou para consigo mesmo. Kierkegaard
já havia dito: “A tarefa do pensador subjetivo é entender a si mesmo na
existência”.
Kierkegaard foi um tanto excêntrico devido ao fato de agregar humor em
suas teorias. Trabalhando a figura do ironista, representado na figura do
Comediante de Watchmen, ele define o tipo que tem suas convenções, mas
transcende-as degustando certos aspectos incumbindo-os de humor, aplicando
este modus operandi sobre estilos de vida e visões alheias, principalmente dos
que não são capazes de pôr-se em perspectiva em busca de racionalidade (a
maioria das pessoas, segundo o filósofo). A noção de que a vida é um jogo e
que apenas perdedores e trouxas a levam muito a sério é essencial para a
posição do ironista, que acredita na sua superioridade em relação aos outros. A
sua armadilha, então, se põe: como o ironista não acredita seriamente nem em
suas próprias percepções de realidade e desdenha com sua superioridade as
percepções de outrem, sua ocupação é a de “repetir”, mas nunca criar nada
com valor próprio, independente. A ironia, por definição, é uma entidade
parasita, alimentando-se de outras opiniões e atividades mais sérias.
Outra característica importante abordada sobre o ironista é
exemplificada com o trecho onde o Comediante admite em tom de ironia que
matou Kennedy e todos riem, achando que é uma piada: é adequado ao
supremo ironista se esconder em plena vista dessa maneira. A vitória do
ironista é uma vitória vazia, pois ele nunca pode olhar a si mesmo nos olhos e
nunca pode levar nenhuma coisa a sério. Ao Comediante é negada qualquer
participação em um relacionamento sério ou em uma vida em família. Essa
domesticidade é, para Kierkegaard, paradigma do modo ético de existência,
onde, ao reconhecerem e cumprirem deveres mútuos, as pessoas alcançam
uma satisfação silenciosa por viver uma vida ética. O ironista vive na esfera da
estética, ou seja, vive por experiências prazerosas e divertidas, para manipular
o mundo de forma que este reflita seus desejos e vontades; são incapazes de
reconhecer o valor das coisas e que alguns feitos muito oportunos são
simplesmente errados.
Veidt também é um personagem esteta, porém, diferentemente do
Comediante, que desistiu da noção de que o mundo alguma vez fez sentido,
ele deseja forçar o sue próprio sentido sobre o mundo, recriando-o à sua
imagem, para estabelecer uma unidade de mundo e de pensamento em seus
termos pessoais. È uma mera diferença de gosto com relação à ordem e ao
caos. Mesmo assim é apenas por meio da fase ética que se proceder para o
que Kierkegaard pensa ser uma forma superior de questionamento da ironia,
isso é, o humor no sentido próprio da palavra, que mina uma veia de ceticismo
mais profunda que a ironia, segundo ele. Um humorista é alguém que viveu
uma vida ética e compreendeu suas limitações. Rorschach é o humorista em
Watchmen, no entanto, ele abraçou a noção de responsabilidade ética, mas
sem recorrer a qualquer tipo de crença em um equilíbrio cósmico ou cármico
(esfera ética) ou um deus transcendente que endireitará as coisas algum dia
(esfera religiosa). Rorschach sustenta que se e quando formos para o inferno,
só teremos nós mesmos para culpar. Ele segue a diretriz que diz que o mal
deve ser punido. A vida ética é uma instância internalizada, não algo que seja
feito para satisfazer expectativas externas; o reconhecimento do dever absoluto
é a única coisa que dá sentido à existência.
Em sua inabilidade de deixar o ético para trás, Rorschach acaba por ter
de encarar seu momento final, a morte. Veidt dizimou as maiores cidades do
mundo, um genocídio praticado por um único homem como nunca imaginado
antes. Se o fim alcançado (energia gratuita e inesgotável e paz mundial através
do medo) justifica ou não, Rorschach não consegue ficar inerte, sente-se
impelido a contar a verdade ao mundo, que pensava que o Dr Manhattan é que
tinha destruído as metrópoles em questão por estar cansado das constantes
contendas e ameaças de guerra entre as nações da Terra. Veidt tentou matar
Manhattan, pois ele era o único que teria poder para acabar com seus planos
e, mesmo não tendo êxito no assassínio, convenceu a todos os presentes (com
exceção de Rorschach) com o argumento de que o genocídio teria sido em vão
se a verdade fosse revelada.
Rorschach tentou o embate, mas viu que não conseguiria vencer de
forma alguma. Decidiu, então, pela única atitude que poderia tomar, que seria
falar o que realmente aconteceu, mesmo sabendo que as mortes teriam sido
em vão se ele realmente pudesse ter a chance de fazer isso, mas acima de
tudo ele sabia que seria desintegrado por Manhattan; mas não foi inteligente ao
não tentar convencer Manhattan que Veidt deveria ter o mesmo fim, o que
condiria com o retributivismo que norteia as atitudes mais extremas de
Rorschach.
Muitas pessoas “discutem” a ética da publicidade, sem se dar conta de
que deveriam discutir os limites da publicidade, já que é um fazer que opera na
esfera estética, criando necessidades dos produtos, serviços e imagens que
tem a vender; persuadindo o consumidor para obter sua satisfação (lucro).
Quase a totalidade das agências publicitárias têm fortes princípios irônicos,
aceitando como cliente qualquer um que tenha dinheiro para investir em
comunicação, tornando-se de certa forma oportunistas, prostituindo seu
conhecimento em comunicação.
A meu ver, a publicidade deveria ser informativa, imparcial,
apresentando catálogos dos produtos existentes com suas descrições o mais
fidedignas possível. A verdade vem maquiada, escondida por espessas
camadas de ironia, quando não se ausenta por completo. Campanhas políticas
não deveriam fazer publicidade, mas sustentar canais de acesso público com
seu histórico e suas propostas para o futuro apenas. Investigar condutas
reprováveis deveria ser papel exclusivo da imprensa, que tem o dever
intrínseco de nos prover acesso à informação.
Ao mesmo tempo em que a publicidade preenche um espaço
fragmentado, aparentemente fugaz, ela nos faz perder muito de nosso tempo
útil, quando poderíamos estar pensando em diversas coisas construtivas ou
evolutivas, assimilando seus produtos abstratos, que nem são culturais, nem
são informativos; e quase sempre tendem para o humor ou uma representação
de realidade ideal. A soberba da auto-regulamentação denuncia seu complexo
de superioridade que deflagra o ironismo. É triste que os especialistas em
comunicação não tenham preceitos éticos compatíveis com especialistas de
outros setores de atuação profissional e utilizem seu conhecimento, em suma,
para vender produtos, serviços e imagens. Não há um direcionamento
construtivo, salvo peças de comunicação de algumas ONG´s e algumas
educativas provindas, eventualmente, dos canais culturais do governo.
A publicidade é um dos “males” necessários e, para adequá-la de forma
a reduzir os atritos, é preciso entender os princípios estetas impregnados em
seus bastiões. Não defendo censura e repressão, mas a sociedade é feita de
concessões que são ditadas por uma minoria ironista que zomba ética em
nossas faces e, como sustentado por Kierkegaard, a maioria das pessoas está
tão incumbidas de seus princípios éticos que se tornam incapazes de pôr em
perspectiva certos aspectos de si e de perceber o cinismo da “educação”
vertical ironista recebida, nós ocupamos sem perceber o lugar do herói na
comédia, que acha que está sendo nobre, heroico, correto enquanto a
audiência ri de sua ingenuidade. Como para o veneno da serpente, o antídoto
se faz do próprio veneno, também deveriam especializar-se em comunicação
algumas pessoas que “chovem no molhado” especializando-se em serviço
social, sociologia, ou qualquer outra área de construção de conhecimento mais
preocupada com preceitos mais ético-fraternais.
É complicado, como nos diz o existencialismo, fazer escolhas que
enveredem nossas vidas por caminhos que lidam com uma quantidade maior
de verdade, de percepção mais sagaz da realidade, pois devemos estar
preparados, como Rorschach, para um caminho sem reconhecimento e muito
menos recompensas, de dificuldades e deveres comuns a fim de manter uma
igualdade e respeito entre cada ser humano e seu próximo, mas como nos fica
claro na leitura do texto de Kukkonen, é a única forma de se obter satisfação
real e sentimento de plenitude, pois o esteta já se julga ser o melhor e nada
que ele conseguir será o bastante. Ele segue em suas repetições vazias e
ambiciosas, sem nunca criar ou encontrar valor real. Talvez seja por isso que a
maioria das pessoas “opta” por fazer parte da “massa” ética.